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SOBRE AS ASAS DO TEMPO... Modesta seleção de poemas e trechos de poemas sonetos e versos esparsos compostos em idades diferentes (Limite natural da pequena coletânea: o alcance tardio da memória pessoal)

Sobre as Asas

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Page 1: Sobre as Asas

SOBRE AS ASAS DO TEMPO...

Modesta seleção de poemas e trechos de poemas

sonetos e versos esparsos compostos em idades diferentes

(Limite natural da pequena coletânea: o alcance tardio da memória pessoal)

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SUMÁRIO

Por que?

I Entre os 12 e os 17 anos:

fim da infância e início da adolescência

- O encontro frustrado 08

- Trecho de uma balada tímida. Ainda à distância 09

- Hipótese 10

- Lições precoces 11

- Ontem e hoje 12

- Uma página em branco 13

II Entre 18 e 23 anos:

sob os primeiros laivos de cultura

e os embalos do movimento social

- Ode ao silêncio (trecho) 15

- A um relógio 16

- Apologia 18

- Fraternidade 19

- Pântano (“Somos e não somos”- segundo Heráclito.) 20

- O rio das Garças (à memória de Deusdédit) 21

III Em abril de 1970, data sempre esperada de aniversário.

(já na condição de preso político), no Rio de Janeiro 23

IV Beirando os 90 anos:

- Assim é minha amada 27

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POR QUE ?

Por que esta breve seleção de versos e poemas esparsos?

A explicação é simples. Como as outras Artes, a poesia nasce em geral, de momentos – também esparsos de inspiração. É, antes de tudo, sumamente espontânea.

O segredo está em abrir para eles os olhos, assim como os ouvidos, a voz e também as

mãos, numa acolhida ao mesmo tempo amena e fraterna.

Como fazia Vinicius de Morais: sem confiar em sua memória, gravava os versos que sentia brotarem dentro de si no que estivesse ao alcance de suas mãos: o punho de sua camisa, o

guardanapo à mesa de um bar, o pedaço mais próximo de jornal.

Ou como o poeta grego que redigia na areia da praia, fora do alcance das ondas, os versos que julgava ressonarem a seus ouvidos. Viria, logo depois,

copiá-los em seu caderno de notas.

A pequena dúzia de versos que lhes trago são momentos de inspiração semelhantes. Ainda aos 11 anos, eu já me sentia “mordido”pela alegria de versejar.

E continuaria sempre assim, mesmo sob os longos hiatos e surpresas da vida.

Sem dúvida, são quadras, trechos de poemas e sonetos modestos.

Têm todos, no entanto, um mérito inegável: são espontâneos. E são sinceros.

Como devem ser, inevitavelmente, os versos – ou outras mostras de Arte –

que venham a tratar dos sopros de inspiração que continuam o voltejar em torno de vocês.

Com o carinho de sempre,

o avô e tio-avô

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ENTRE OS 12 E OS 17 ANOS: (ao fim da infância e

início da adolescência)

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ENCONTRO FRUSTRADO

– Ontem, não vieste ver-me. E por que?

Porque teu pai não quis? Ó doce engano. Eu só vivo por ti, dia a dia, ano a ano.

A razão? Eu te amo. Só não crê quem não vê.

Teu pai, porém, não dá bola. Não crê. Cada um de nós, no entanto, é um ser humano.

Somos amor e sonho. E sem engano, Cremos num amanhã – que está à nossa mercê.

Vem, pois, a nosso Encontro. Na verdade,

morro de solidão e de saudade. E se teu pai vier com suas manhas,

bem doces me serão suas chinelas:

só de lembrar, sorrindo, que é com elas, que é com elas, também, que tu apanhas...

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TRECHO DE UMA BALADA TÍMIDA. AINDA À DISTÂNCIA...

... À noite contemplo a Lua, a doce amante do mar. E enquanto o astro flutua entre as nuvens, indeciso, eu penso no teu sorriso ... eu sonho com teu olhar ... ... À noite, contemplo a lua, a doce amante do mar ...

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HIPÓTESE

Façamos uma hipótese. Repara:

o mundo é mar feroz e proceloso.

Eu, um barqueiro moço e esperançoso. E tu, sereia deslumbrante e rara.

Eu vogo no mar alto, temeroso da procela cruel que desabara.

Mas surges tu das ondas, meiga e clara,

e me guias para o porto e pro repouso ...

Mas deixemos de hipóteses – que é sério: vê o meu coração – que erra e anseia

do mar do Amor na treva e no mistério;

vê minh’alma perdida de aflição. E, chegando-te a mim – moça e sereia,

dá-me um sorriso. E dá-me a salvação.

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LIÇÕES PRECOCES

Uma dessas que cheio de ternura

antes amei era tão alva e bela

como as dálias e os lírios da capela.

E, como eles, talvez, ardente e pura...

Fui infeliz. E em busca de ventura,

Uma outra amei – morena, mais singela.

Sonhando não tivesse, como Aquela,

Coração tão falaz, alma tão dura...

Mas de novo perdi as ilusões.

E agora digo, sob amarga pena,

que pra nos maltratar os corações,

essa imagem altiva e docicler

pouco importa ser branca, ou ser morena,

pois lhe basta, somente, ser mulher...

Page 9: Sobre as Asas

ONTEM E HOJE

Quando, outrora, elegante e fugidia,

ela por mim passava, indiferente,

todo o meu ser roído amargamente

por ciúmes e mágoas, eu sentia.

E por momentos, em melancolia

ficava então. E meu olhar dolente,

segredos lhe contando, ternamente

o menear de seu perfil seguia.

Hoje, porém, passada a cruciante

cadeia de incertezas e temores,

que dela me tornou cativo outrora,

passo. Finjo não vê-la. E largo instante

seus olhos negros, meigos, sonhadores,

tristes me seguem pela rua em fora...

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UMA PÁGINA EM BRANCO

Uma página em branco. Foi, inda há pouco, nela, que gravei, a tremer, com anseio e ternura, um nome de mulher sensivelmente bela, um nome de mulher humanamente pura. Não o tentes saber. Apagou-o a mão dura como apaga o pintor egoísta uma tela. Foi-crê, uma mulher volúvel e singela, todo um hino de amor, sob um céu de amargura. E agora que já sabes que guardo um segredo nesse nome falaz que murmuro, vencido, Ora cheio de amor, ora cheio de medo, não sorrias assim. Porque há sempre uma chaga, porque há sempre um romance triste e incompreendido, num nome de mulher que se escreve e se apaga.

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ENTRE OS 18 E OS 23 ANOS: sob os primeiros

laivos de cultura e embalos do movimento social

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ODE AO SILÊNCIO

(trecho de poema)

– Silêncio: eterno inspirador dos gênios!

– Silêncio: irônico juiz dos pigmeus!

Voz sobrenatural que convence e não fala!

Forja da evolução, através de milênios!

Escultor do Porvir, dos cérebros na sala,

És verdade e mentira, a dúvida que cala.

E se um Deus existisse, tu serias Deus!

Pai dos dramas imensos da matéria imensa!

Confidente infalível de quem sofre!

Conselheiro constante de quem pensa!

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A UM RELÓGIO

Relógio tictaqueante que vegetas a chanice automática das molas!

Tear senhorial que desenrolas, na cortina das horas consumidas,

imperturbável, desdenhosamente, os fios tenuíssimos das vidas!

Espreitador de séculos e séculos! Coveiro eterno da felicidade!

Algoz descomunal que olhas os homens, nessa quietez esfíngica das coisas,

na hipocrisia da cumplicidade!

Sádico e cinicíssimo assistente que alentas e derrocas esperanças

em tua trajetória indiferente, e sorris, pela máscara impassível, nesse eterno desdém irreversível o infinito desdém da Eternidade!

Relógio: adversário desdenhoso e frio!

Relógio: trovador da irônica mudez! Eu te agradeço a obra fria das tenazes

E quero-te porque, pelo mal que me fazes, és-me orgulho e vaidade. E alegria, talvez.

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APOLOGIA

Ouça: eu não sou dos que amam soluçando.

Meu amor é vibratilidade, integração

e existência. A essência da criação

– Não devaneia e não sente saudade. Vive, apenas, copiosamente.

– Há de morrer um dia – ora, isso há de

sob o determinismo intransigente de tudo que se exalta e se consome.

Mas morrerá mil vezes,

– feito som, feito luz, feito monera, feito riacho e feito atmosfera,

sem ter pátria, nem nome.

Sem ter a identidade de uma forma, por mais perfeita e estranhamente vera.

– E há de ficar, da grande chama acesa,

como o eco longínquo de uma era,

um fogo-fátuo pela Natureza.

... E há de sumir-se meu amor imenso.

Não levará nem lágrimas, nem honras, – Mago sem dromedário e sem incenso.

Mas guardará, na atoarda derradeira,

Como um conforto, ou como uma vaidade,

o sonho de ter sido – multiforme, terso,

a compreensão da Homogeneidade

e um pouco da Verdade

do Universo.

Page 15: Sobre as Asas

FRATERNIDADE

O dinheiro rasgou o corpo dos continentes, buscando lucro. Calcinou florestas, pedindo espaço. E cavou, no peito indígena da Terra, a brecha das sementes. E o solo humilde embebeu de saliva as lavouras, sangrou pelas torrentes de petróleo, cedeu o humus coagulado dos minérios. O dinheiro comprou os homens de todas as cores, buscando escravos. Calcinou consciências, exigindo braços. E semeou, nas almas entorpecidas pela fome, a mentira de Deus. E os homens de todas as cores deram o sangue branco de seus poros. E seus braços levantaram cidades e fortunas alheias, como imensos guindastes invisíveis. A Terra e os Homens – mesmo nas sociedades de classes contrapostas – são uma mesma família proletária

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PÂNTANO

“Somos e não somos”,

segundo Heráclito

Os homens,

bêbados de egoísmo e materialidade,

olharam-no, com desprezo,

dentro da tarde branca, encharcada de sol:

– Água parada ...

– Lodo ...

E seguiram olhando o fundo

de si mesmos.

... E não quiseram ver, debruçados na noite,

a alma boa adubando os arbustos das margens;

a mão simples reunindo, sem pejo,

a miséria do limo;

e o desejo de Céu,

refletindo as estrelas ...

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O RIO DAS GARÇAS

(sob uma alegoria (à memória de meu de Roberto Rodrigues) irmão Deusdédit) ... E o rio das Garças rolando as águas e os diamantes, águas abaixo ... ... E os braços todos – lestos ou lentos, subindo sempre, descendo sempre, trazendo areia, levando areia ... ... E os olhos, vivos, esquadrinhando. (Esposa e os filhos não estavam longe, lá muito longe, (num quarto pobre? Todos sonhando com a volta dele ...) E os olhos vivos esquadrinhando como se dentro daqueles olhos, mais outros cinco pares de olhos se dilatassem, mesmo à distância, na mesma espera. ... E os braços, lestos, subindo sempre, descendo sempre, trazendo areia, levando areia ... Havia tantas pedras nas águas do rio famoso que ainda achariam ao menos uma! Se Deus quisesse. Ao menos uma! E iriam longe, cheios de embrulhos, chegando em casa ...

... E os braços, tensos, subindo ainda, descendo ainda ...

E sempre a areia!

– Seria certo que o rio famoso só tinha areia ? – Não! Porque outros tinham chegado ... tinham achado ...

(Lá longe, os filhos não estariam, naquele instante, pedindo esmola?)

Page 20: Sobre as Asas

E os braços, lentos, subindo ainda ...

descendo ainda ... E os olhos duros, envidraçados,

sem verem nada. ...

... E os outros braços, lestos ou lentos

subindo sempre ... descendo sempre ... trazendo areia, levando areia.

E os outros olhos esquadrinhando.

E o rio das Garças rolando as vidas e os diamantes,

águas abaixo ...

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III – ABRIL DOS ANOS 70

(Em data de aniversário)

(Já na condição de preso político, na prisão da Rua Barão de Mesquita, no Rio)

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Esta carta já não traz

o odor envolvente,

desejado e esperado, das flores de aniversário.

Leva, no entanto, o aroma íntimo

destes versos.

Todos cheios de amor.

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(Beirando os 90 anos: e sob as surpresas,

os desafios e o doce embalo da vida)

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ASSIM É MINHA AMADA

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ASSIM É MINHA AMADA

Ela lembrava, quando nos conhecemos, uma suave e harmoniosa mescla de moça-e-de-menina. Por pouco tempo, aliás. Sem demora, – de surpresa em surpresa, eu iria entrever seu perfil de mulher ao mesmo tempo altiva, determinada – e doce. Em si-mesma, calor de sol e raio de luar. E a alma aberta, coerentemente, para as benesses e surpresas do amor. Não por acaso, sob essa moldura, uma segunda imagem: a cidadã. Zelosamente ciosa, desde as raízes, do anseio e privilégio de viver e sonhar. Companheira ideal, assim, de idéias e caminhos. Olhos abertos, ardentes e confiantes, – hoje como ontem, para o Amanhã. Como guias, o pendor e o empenho apaixonado por auroras libertárias, sob a visão confiante do movimento social. Realista, soube sempre sugerir

– os pequeninos pés teimosamente em terra, que não se esquecessem, o cerco frio das conjunturas,

suas surpresas e desafios. – Companheira ideal, assim, de idéias, caminhos e horizontes. Assim é Minha Amada.

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Um retrato fiel? Talvez. Mas incompleto. Falta-lhe ainda o dom original para mim mais precioso. O que sabe enriquecer, hoje como ontem, em desprendimento e confiança mútua, íntima integração, visão comum do mundo – e, mais que tudo, em amor e esperança, nossa vida em comum. Fui, pois, procurá-lo, com seus ritmos e imagens, entre os poetas de ontem e de hoje. E achei! O retrato é, agora, mais fiel e abrangente Pois minha Amada soube sempre ser, espontânea e simultaneamente, meu Anjo da Guarda e minha Musa inspiradora. E ainda (e por que não?) Minha Madona (1)

1 Em Beaudelaire: “... mon Ange Gardien, ma Muse, ma Madona.”