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ARTIGO DE REVISÃO Síndrome do impacto do ombro. Diagnóstico e tratamento* Shoulder impingement syndrome. Diagnosis and management Antônio Bento de Castro 1 *Recebido do Centro Mineiro de Tratamento da Dor. Belo Horizonte, MG. RESUMO JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O diagnóstico pre- ciso das entidades nosológicas responsáveis pela sín- drome do impacto do ombro é imprescindível para se obterem bons resultados do tratamento. O objetivo deste estudo foi revisar e atualizar o diagnóstico e tratamento da síndrome do impacto do ombro. CONTEÚDO: “Ombro doloroso” é um termo empregado para denominar diversas entidades dolorosas que ocor- rem na cintura escapular como a síndrome do impacto, a capsulite adesiva e a osteoartrite glenoumeral e acromio- clavicular. A síndrome do impacto do ombro é produzida pelo atrito dos tendões dos músculos do manguito ro- tatório e do tendão da cabeça longa do bíceps, em sua passagem pelo arco coracoacromial. É muito frequente, só sendo suplantada, do ponto de vista epidemiológico, pelas cefaléias e dores de coluna. Seu diagnóstico é feito pela anamnese, exame físico e exames de imagens e o tratamento conservador resolve a maior parte dos casos, sendo o tratamento cirúrgico indicado apenas para aque- les pacientes que não se beneciam do tratamento con- servador e quando apresentam ruptura total dos tendões do manguito rotatório. CONCLUSÃO: A síndrome do impacto do ombro é muito comum e o seu diagnóstico é feito pela anamnese, exame físico e exames imaginológicos. A maioria dos casos é resolvida pelo tratamento conservador que inclui os anti-inamatórios, a sioterapia e a inltração intra- capsular do ombro com anestésico local e corticoide e o tratamento cirúrgico é reservado para aqueles casos não resolvidos pelo tratamento clínico e os que apresentam ruptura total dos tendões do manguito rotatório. Descritores: Dor, ombro congelado, ombro doloroso, síndrome do impacto do ombro. SUMMARY BACKGROUND AND OBJECTIVES: The precise diagnosis of nosologic entities responsible for the shoul- der impingement syndrome is critical for a successful management. This study aimed at reviewing and up- dating shoulder impingement syndrome diagnosis and management. CONTENTS: “Painful shoulder” is a term used to de- ne several painful entities at the scapular waist, such as impingement syndrome, adhesive capsulitis and gle- nohumeral and acromioclavicular osteoarthritis. Shoul- der impingement syndrome is produced by the attrition of tendons of rotator cuff muscles and the tendon of the long biceps head, when crossing the coracoacromial arch. It is very frequent, being only second, in epidemio- logical terms, to headache and back pain. It is diagnosed by anamnesis, physical and imaging exams and conser- vative management resolves most cases, being surgery indicated only for patients not beneting from conser- vative management and when there is total rupture of rotator cuff tendons. CONCLUSION: Shoulder impingement syndrome is very common and is diagnosed by anamnesis, physical and imaging exams. Most cases are resolved with conser- vative management, including anti-inammatory drugs, 1. Título Superior em Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia (TSA-SBA); Membro Co-Fundador da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED); Mem- bro Co-Fundador e Presidente (1995-1996) da Sociedade Mineira de Estudo da Dor (SOMED); Co-Fundador e Mem- bro do Corpo Clínico Interdisciplinar do Centro Mineiro de Tratamento da Dor, Belo Horizonte, MG. Endereço para correspondência: Dr. Antônio Bento de Castro Rua Matias Cardoso, 268/301 30170-050 – Belo Horizonte, MG. E-mail: [email protected] Rev Dor, 2009; 10: 2: 174-179 174 Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor c

Síndrome do impacto do ombro diagnóstico e tratamento

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ARTIGO DE REVISÃO

Síndrome do impacto do ombro. Diagnóstico e tratamento*Shoulder impingement syndrome. Diagnosis and management

Antônio Bento de Castro1

*Recebido do Centro Mineiro de Tratamento da Dor. Belo Horizonte, MG.

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O diagnóstico pre-ciso das entidades nosológicas responsáveis pela sín-drome do impacto do ombro é imprescindível para se obterem bons resultados do tratamento. O objetivo deste estudo foi revisar e atualizar o diagnóstico e tratamento da síndrome do impacto do ombro. CONTEÚDO: “Ombro doloroso” é um termo empregado para denominar diversas entidades dolorosas que ocor-rem na cintura escapular como a síndrome do impacto, a capsulite adesiva e a osteoartrite glenoumeral e acromio-clavicular. A síndrome do impacto do ombro é produzida pelo atrito dos tendões dos músculos do manguito ro-tatório e do tendão da cabeça longa do bíceps, em sua passagem pelo arco coracoacromial. É muito frequente, só sendo suplantada, do ponto de vista epidemiológico, pelas cefaléias e dores de coluna. Seu diagnóstico é feito pela anamnese, exame físico e exames de imagens e o tratamento conservador resolve a maior parte dos casos, sendo o tratamento cirúrgico indicado apenas para aque-les pacientes que não se benefi ciam do tratamento con-servador e quando apresentam ruptura total dos tendões do manguito rotatório.

CONCLUSÃO: A síndrome do impacto do ombro é muito comum e o seu diagnóstico é feito pela anamnese, exame físico e exames imaginológicos. A maioria dos casos é resolvida pelo tratamento conservador que inclui os anti-infl amatórios, a fi sioterapia e a infi ltração intra-capsular do ombro com anestésico local e corticoide e o tratamento cirúrgico é reservado para aqueles casos não resolvidos pelo tratamento clínico e os que apresentam ruptura total dos tendões do manguito rotatório.Descritores: Dor, ombro congelado, ombro doloroso, síndrome do impacto do ombro.

SUMMARY

BACKGROUND AND OBJECTIVES: The precise diagnosis of nosologic entities responsible for the shoul-der impingement syndrome is critical for a successful management. This study aimed at reviewing and up-dating shoulder impingement syndrome diagnosis and management.CONTENTS: “Painful shoulder” is a term used to de-fi ne several painful entities at the scapular waist, such as impingement syndrome, adhesive capsulitis and gle-nohumeral and acromioclavicular osteoarthritis. Shoul-der impingement syndrome is produced by the attrition of tendons of rotator cuff muscles and the tendon of the long biceps head, when crossing the coracoacromial arch. It is very frequent, being only second, in epidemio-logical terms, to headache and back pain. It is diagnosed by anamnesis, physical and imaging exams and conser-vative management resolves most cases, being surgery indicated only for patients not benefi ting from conser-vative management and when there is total rupture of rotator cuff tendons. CONCLUSION: Shoulder impingement syndrome is very common and is diagnosed by anamnesis, physical and imaging exams. Most cases are resolved with conser-vative management, including anti-infl ammatory drugs,

1. Título Superior em Anestesiologia pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia (TSA-SBA); Membro Co-Fundador da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED); Mem-bro Co-Fundador e Presidente (1995-1996) da Sociedade Mineira de Estudo da Dor (SOMED); Co-Fundador e Mem-bro do Corpo Clínico Interdisciplinar do Centro Mineiro de Tratamento da Dor, Belo Horizonte, MG.

Endereço para correspondência:Dr. Antônio Bento de CastroRua Matias Cardoso, 268/30130170-050 – Belo Horizonte, MG.E-mail: [email protected]

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physical therapy and shoulder intracapsular infi ltration with local anesthetics and steroids. Surgery is indicated for cases not resolved with clinical management and for those with total rupture of rotator cuff tendons.Keywords: Frozen shoulder, pain, painful shoulder, shoulder impingement syndrome.

INTRODUÇÃO

“Ombro doloroso” é um termo genérico empregado por muitos profi ssionais da área da saúde para denomi-nar diversas entidades dolorosas específi cas que ocor-rem na cintura escapular. As causas mais comuns são: a síndrome do impacto do ombro, a capsulite adesiva também chamada de ombro congelado, e a osteoartrite glenoumeral e acromioclavicular.A síndrome do impacto do ombro é uma entidade do-lorosa produzida pelo atrito dos tendões dos músculos supraespinal, infraespinal, redondo menor e subescapu-lar do manguito rotatório e do tendão da cabeça longa do bíceps, em sua passagem pelo arco coracoacromial - processo coracoide, ligamento coracoacromial e borda ântero-inferior do acrômio. Esta síndrome foi descrita pela primeira vez em 1972 por Neer1, porém Henrichs e Stone2 relataram ter a mesma sido previamente descrita em 1867.Trata-se de uma síndrome dolorosa das mais frequentes, só sendo suplantada, do ponto de vista epidemiológico, pelas cefaléias em geral e pelas dores de coluna. Nos Estados Unidos, no ano 2000, o custo direto para o trata-mento do ombro doloroso foi de 7 bilhões de dólares3. Revendo e analisando os prontuários eletrônicos do ban-co de dados de 23 anos de atividade da Clínica de Dor, verifi cou-se que no período de 1985 a 2007, foram avaliados, diagnosticados e tratados 3.665 pacientes portadores das mais diferentes síndromes dolorosas, sendo que entre eles 268 pacientes eram portadores da síndrome do im-pacto do ombro, em seus diferentes estágios.

DIAGNÓSTICO

É fundamentalmente baseado na tríade anamnese, exame físico e exames de imagens.

AnamneseO paciente relata dor no ombro que, quase sempre, se propaga para o trapézio superior e para a face latero-externa do braço homólogo (Figura 1). A dor pode ser contínua ou intermitente e diária, de predominância no-turna. É desencadeada, ou exacerbada por atividades da vida diária como movimentar o membro superior para

escovar os dentes, ensaboar-se durante o banho, pentear os cabelos, vestir ou retirar do corpo blusas, camisas ou paletós. Todas estas atividades produzem movimentos de abdução e rotação, interna e externa do braço. A sín-drome é mais comum na idade avançada. Nas pessoas mais jovens está relacionada a certas atividades e profi s-sões como atletas, nadadores, mergulhadores, fi scais de trânsito e trabalhadores braçais.

Exame físicoInicia-se pela palpação do ombro e do tendão da cabeça longa do bíceps braquial em seu trajeto dentro do sulco intertubercular (bicipital) do úmero. A seguir, pede-se para o paciente fazer a abdução ativa do braço (Figura 2). Quando a abdução do braço produz dor no ombro homólogo, sugere acometimento do músculo supraespinal.A seguir fazem-se os movimentos de rotação interna e externa do braço. Dor no ombro homólogo aos mo-

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Figura 1 – Localização da dor na síndrome do impacto do ombro direito.

Figura 2 – Movimento de abdução do braço.

Fonte: arquivos do autor.

Fonte: arquivos do autor.

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vimentos de rotação interna sugere acometimento do subescapular. A rotação externa dolorosa do mesmo om-bro sugere lesões dos músculos infraespinal e redondo menor. Estas dores são geralmente causadas por tendi-nite, ruptura parcial ou total dos tendões e bursite subac-romial-subdeltóidea.Entretanto, o modo mais prático de examinar estes mús-culos e tendões é fazer com que o paciente execute os movimentos associados de adução e rotação interna e de abdução e rotação externa do braço. A abdução e rotação interna são feitas pedindo-se ao paciente para abduzir o braço e levá-lo à região torácica do lado oposto, com a mão espalmada para trás (Figura 3). Se esta manobra produz dor no ombro homólogo, é sugestiva de lesões do subescapular. Os movimentos associados de abdução e rotação externa são pesquisados, instruindo o paciente a abduzir o braço e levar a mão à parte lateral oposta da região cervical posterior, com a mão espalmada para dentro (Figura 4). Se esta manobra produzir dor no om-bro homólogo, podem estar presentes lesões dos múscu-los infraespinal e redondo menor.

Pontos-gatilho associadosExaminam-se, a seguir, os músculos trapézio superior, supraespinal e infraespinal, que são locais comuns de pontos-gatilho (Figura 5) associados à síndrome do im-pacto do ombro. Estes pontos-gatilho, quando não são detectados, localizados com precisão e inativados du-rante o tratamento (Figura 6), são responsáveis pela per-petuação da dor do paciente, não obstante o tratamento efi ciente, mas isolado, da síndrome do impacto do ombro.

Exames complementaresOs exames complementares são necessários para confi r-mar os achados obtidos pelo exame físico. Empregam-se, na rotina diária, a radiografi a e a ultrassonografi a do ombro. A radiografi a de, preferência digital, pode mostrar desmineralização óssea, focos de calcifi cação e osteoartrose regional. A ultrassonografi a, que é de baixo custo, pode revelar ruptura parcial ou completa de um ou mais tendões, bursite subacromial/subdeltoidea, der-rame articular e microfocos de fi brose tendinosa por ten-dinopatia prévia.

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Figura 3 – Movimentos de abdução e rotação interna do braço

Figura 4 – Movimentos de abdução e rotação externa do braço.

Figura 5 – Os pontos-gatilho mais comuns localizam-se nos múscu-los trapézio superior, supraespinal e infraespinal.

Fonte: arquivos do autor.

Fonte: arquivos do autor.

Fonte: arquivos do autor.

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Reserva-se a artro-ressonância magnética, de custo mais elevado, aos casos que necessitam de tratamento cirúr-gico e naqueles que apresentam dor persistente após três meses de tratamento conservador.

CLASSIFICAÇÃO

Feitos a anamnese, o exame físico e os exames de ima-gens, o caso deve ser analisado de acordo com a clas-sifi cação da síndrome do impacto, que é importante para orientar o tratamento e as possibilidades prognósticas. Neer4, em 1983, classifi cou a síndrome do impacto em 3 estágios, a seguir descritos:Estágio I – Dor aguda, edema e hemorragia da bolsa subacromial/subdeltoidea de um ou mais dos tendões regionais. Ocorre mais frequentemente em pacientes até 25 anos, envolvidos em atividades que exigem uso ex-cessivo dos membros superiores.Estágio II – Fibrose e tendinite, mais comuns em pa-cientes na faixa etária entre 25 e 40 anos.Estágio III – Ruptura parcial ou total de um ou mais dos tendões do manguito rotatório e do tendão da cabeça longa do bíceps braquial.

TRATAMENTO

ConservadorA grande maioria dos casos pode ser totalmente resolvida pelo tratamento conservador, dispensando o tratamento cirúrgico5,6.

1. Repouso e limitação dos movimentos articulares do ombro doloroso são necessários durante a fase aguda do processo. 2. Medicamentos – são empregados os anti-infl amatórios não esteroides (AINES), respeitadas suas contra-indica-ções, podendo-se associar os miorrelaxantes. Quase to-dos os pacientes, quando chegam à clínica de dor, fi zeram uso de AINES, miorrelaxantes e outros analgésicos, sem obter alívio prolongado ou abolição permanente da dor.3. Fisioterapia – estudo recente do Departamento de Or-topedia da Clínica de Cleveland, USA7 afi rma que a fi -sioterapia é a terapêutica principal e mais importante para o tratamento da síndrome do impacto do ombro. Estudo prospectivo aleatório8 concluiu que todos os pacientes apresentaram melhora da dor, tratados apenas com tera-pia convencional e auto-treinamento. Estudo controlado9 sugere que um programa de exercício doméstico pode ser efetivo para reduzir os sintomas e melhorar as fun-ções em operários portadores de ombro doloroso. Por sua vez, Desmeules e col.10, fazendo uma revisão de estudos controlados aleatórios que avaliaram a efetividade de exercícios terapêuticos e terapia manual, concluíram que existe evidência limitada de sua efi cácia para pacientes portadores dessa síndrome. Outros autores11 preconizam que, nas primeiras seis semanas, deve-se tratar apenas com AINES e fi sioterapia. Não havendo bons resultados após este período, deve-se substituir o AINE e associar corticoide por via subacromial. É oportuno ressaltar que as diversas formas de fi siotera-pia devem sempre ser programadas, orientadas e super-visionadas por fi siatras e fi sioterapeutas.

CONDUTAS SEMI-INVASIVAS

São constituídas pela infi ltração intracapsular do ombro, pela inativação de pontos-gatilho das síndromes miofas-ciais frequentemente associadas e pela acupuntura.Infi ltração intracapsular do ombro: trata-se de alter-nativa terapêutica das mais efetivas (Figura 6), sendo sua indicação e sua efi cácia terapêutica corroboradas pela maioria dos estudos7,12. É feita empregando-se 3 mL de bupivacaína a 0,5% sem vasoconstritor associados à 10 mg de dexametasona.Alguns autores entendem que as injeções de corticoide podem enfraquecer os tendões, levando às modifi cações histológicas. Estas infi ltrações não apresentam efeitos colaterais indesejáveis12,13. Nos casos de pacientes por-tadores de ruptura total de tendões, sujeitos à tratamento cirúrgico, não devem ser feitas mais que duas sessões de infi ltração intracapsular com corticoide, a fi m de evitar o

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Figura 6 – Infi ltração intracapsular do ombro direito por via de aces-so posterior. Fonte: arquivos do autor.

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possível enfraquecimento dos tendões a serem reparados cirurgicamente7. Uma provável contra-indicação relativa é a diabetes mellitus, pois o corticóide pode elevar tem-porariamente a glicemia. A infi ltração intracapsular do ombro leva à abolição da dor, possibilitando a melhor aceitação das condutas de fi sioterapia. Deve ser feita preferencialmente por via posterior e tem como melhor referência a borda posterior do acrômio, sendo a agulha introduzida a 0,5 cm abaixo da borda do osso (Figura 6). Quando mal conduzida, é o principal fator responsável pela falta de bons resultados da técnica e mesmo pela exacerbação da dor já pré-existente, que quase sempre ocorre quando o bisel da agulha lesa o periósteo dos ossos ou um dos tendões na proximidade de sua inserção nos tubérculos do úmero.Inativação de pontos-gatilho: é muito comum, simul-taneamente com a síndrome do impacto do ombro, a presença de pontos-gatilho (Figura 5), produzindo sín-dromes miofasciais, principalmente nos músculos tra-pézio superior, supraespinal e infraespinal. É de suma importância fazer o diagnóstico diferencial en-tre a dor causada pela síndrome do impacto do ombro e a responsável pelas síndromes miofasciais regionais. A dor da síndrome do impacto do ombro limita-se ao território do trapézio superior, do ombro e da face látero-externa do braço, nunca ultrapassando o cotovelo homólogo (Figura 1). A dor causada pelas síndromes miofasciais do supra-espinal e infra-espinal localiza-se no trapézio superior, ombro e em toda a face látero-externa do braço e antebraço homólogos (Figura 5). O exame neurológico pode detectar, em muitos casos, hipoalgesia e hipoeste-sia nos dermátomos homólogos C

5 e C

6, imitando todos

os distúrbios sensitivos das cervicobraquialgias causa-das pelas radiculopatias compressivas cervicais. Estas são as razões por que estas síndromes miofasciais são frequentemente confundidas com as radiculopatias cer-vicais pelos médicos menos experientes.Diagnosticada uma síndrome miofascial associada, é necessária a inativação do(s) ponto(s)-gatilho, feita pelo agulhamento seco ou pela infi ltração destes pontos (Figura 6). Esta infi ltração é feita com 2 a 3 mL de li-docaína ou bupivacaína a 0,25% sem vasoconstritor, as-sociada a pequena dose de corticoide14,15. A negligência em procurar, encontrar e inativar estes pontos-gatilho é a principal causa pela persistência da dor.A inativação destes pontos-gatilho merece consideração especial, tal a sua frequência e a importância de sua ina-tivação para abolir a dor. Em primeiro lugar, palpando e comprimindo os músculos trapézio superior, supra-espinal e infra-espinal, localiza(m)-se com precisão o(s)

ponto(s)-gatilho que é(são) marcado(s) com tinta in-delével. A compressão do(s) ponto(s) dispara dor referi-da no ombro, no braço e mesmo no antebraço homólogo. Se a opção for pelo agulhamento seco, pode-se usar uma agulha de acupuntura que é lentamente inserida, até que sua ponta penetre no ponto-gatilho e desencadeie a dor referida. Neste momento se faz repetidamente a rotação da agulha no ponto. A rotação da agulha é o principal fa-tor responsável pela inativação do ponto-gatilho.A alternativa terapêutica mais efi ciente consiste na ina-tivação do ponto-gatilho com a injeção de 2 mL de li-docaína ou bupivacaína a 0,25% sem vasoconstritor, as-sociados ou não à 10 mg de dexametasona, com agulha descartável 30 x 7 (Figura 7). Aprofunda-se lentamente a agulha, até que seu bisel penetre no ponto-gatilho, quando é disparada a dor referida e injeta-se lentamente a solução anestésica. Algumas vezes é necessário repetir o procedimento poucos dias depois, a fi m de inativar to-talmente o ponto-gatilho.

Acupuntura – Trata-se de uma técnica complementar, adjuvante, indicada por vários autores. É feita geral-mente em três sessões semanais pelo período de três se-manas. Alguns pacientes, imediatamente após as sessões de acupuntura, foram encaminhados à Medicina física e submetidos a vários tipos de fi sioterapia, relatando, quase todos eles, melhor aceitação destas técnicas.

TRATAMENTO CIRÚRGICO

Está situado no ápice da escada de tratamento e somente casos selecionados exigem o procedimento cirúrgico. Se o paciente não obtém resultado positivo e permanente à fi sioterapia e à infi ltração intracapsular descritas depois

Figura 7 - Inativação do ponto-gatilho pela infi ltração de anestésico local associado ou não a corticoide.Fonte: arquivos do autor.

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de três meses de tratamento conservador, deverá ser en-caminhado à avaliação cirúrgica7. São duas as indica-ções básicas para a cirurgia: quando falha o tratamento conservador ou quando existe uma ruptura completa de tendões do manguito rotatório11. A maioria das publicações recentes indica a descom-pressão subacromial por artroscopia como a técnica mais indicada para o tratamento cirúrgico, permitindo o retorno da maioria dos pacientes as atividades laborati-vas e a vida diária. Vários autores7,14 afi rmam que 80% a 94% dos pacientes submetidos à esta técnica cirúrgica obtiveram excelentes resultados e que 75% são capazes de voltar às atividades esportivas, sendo que o tempo de restabelecimento é de 3 a 4 meses.

CONCLUSÃO

Qualquer distúrbio local que difi culta ou impede a livre passagem dos tendões dos músculos do manguito ro-tatório supraespinal, infraespinal, redondo menor, sub-escapular e tendão da cabeça longa do bíceps em seu trajeto dentro do arco coracoacromial pode desencadear a síndrome do impacto do ombro. Os mais comuns são a bursite subacromial/subdeltoidea com ou sem depósitos calcáreos, as tendinites e as rupturas parciais ou totais dos tendões do manguito rotatório e do tendão da cabeça longa do bíceps braquial. Trata-se de uma entidade do-lorosa muito comum, só sendo suplantada, do ponto de vista epidemiológico, pelas cefaléias em geral e pelas dores de coluna. Seu diagnóstico é obtido através da anamnese, do exame físico e dos exames de imagens representados pela radiografi a, pela ultrassonografi a e pela artro-ressonância magnética. A grande maioria dos casos é totalmente resolvida pelo tratamento conserva-dor que inclui os AINES, a fi sioterapia e a infi ltração intracapsular com anestésico local e corticoide. Pou-cos casos necessitam do tratamento cirúrgico, só sendo submetidos à cirurgia aqueles não resolvidos pelo trata-mento clínico e aqueles que apresentam ruptura total dos tendões do manguito rotatório.

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Apresentado em 05 de março de 2009.Aceito para publicação em 28 de maio de 2009.

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