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Que são grandezas proporcionais? Sugestões e perguntas devem ser enviadas a Elon Lages Lima Instituto de Matemática Pura e Aplicada Estrada Dona Castorina, 110 22460 Rio de Janeiro, RJ Em seus dois últimos artigos para a RPM, o Professor Geraldo Ávila discute o conceito de grandezas proporcionais e ilustra seus pontos de vista com exemplos e comentários interessantes. No todo, sua contribuição é positiva no sentido de esclarecer um tipo de problema tradicional, que ocorre com freqüência no ensino da Matemática, nas suas aplicações às outras Ciências e mesmo na vida prática. O ponto crucial da questão se situa na definição precisa de “grandezas proporcionais”. Uma vez entendido com bastante clareza este conceito, todos os problemas relativos a regra de três e proporções se resolvem naturalmente, sem haver necessidade de regras mnemônicas ou quaisquer outros artifícios, como foi tão bem colocado nos artigos anteriormente citados. A definição dada deve ser simples e de fácil utilização. Noutras palavras, ela deve permitir que se reconheça, num problema proposto, sem grande dificuldade, se uma determinada grandeza é (ou não) direta ou inversamente proporcional a outras. A definição do Professor Ávila, embora irretocável do ponto de vista matemático, a meu ver, deixa a desejar sob o aspecto de aplicabilidade. Para maior clareza, transcrevemos literalmente abaixo a definição por ele dada (RPM 8, p. 3 – Definição 3) : “Se várias variáveis, digamos, x, y, z, w, r, s estão relacionadas por uma equação do tipo z=k.xyw/rs, onde k é constante, então dizemos que z é diretamente proporcional a x, y e w; e inversamente proporcional a r e s.” A dificuldade desta definição na resolução de problemas é a seguinte: para saber (segundo ela) que uma grandeza z é diretamente proporcional a x, y, w e inversamente proporcional a r, s, é necessário primeiro conhecer-se a fórmula z = k . xyw/rs. Ora, em primeiro lugar esta fórmula não é dada no enunciado do problema. É preciso deduzi-la. Em segundo lugar, para deduzi-la é preciso saber propriedades das grandezas em questão, propriedades essas que encerram a verdadeira essência da proporcionalidade. E, em terceiro lugar, se já estamos de posse desta fórmula, pouco importa saber de proporcionalidade; a fórmula contém todas as informações que venham a ser solicitadas. No meu entendimento, definir grandezas proporcionais a partir da fórmula acima é pôr o carro adiante dos bois. A fórmula é o resultado final. Não começa aí a solução do problema. Ela não aparece no enunciado. No começo da resolução é preciso identificar, por um critério simples, a proporcionalidade (direta para algumas grandezas, inversa para outras). A partir daí é que se pode garantir a validez da fórmula. Se examinarmos as soluções dos problemas apresentados como exemplos no trabalho acima citado, veremos que a fórmula usada para definir proporcionalidade aparece sem maiores justificações. E teria de ser assim pois, como já dissemos, só se pode chegar a ela utilizando propriedades das grandezas que exprimam as proporcionalidades alegadas. E qual é, então, esta definição adequada de grandezas (direta ou inversamente) proporcionais? É a seguinte: RPM 09 - O que são grandezas proporcionais? file:///E:/9/4.htm 1 de 8 5/4/2012 2:34 PM

RPM 09 - O Que s o Grandezas Proporcionais

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Que são grandezas proporcionais?

Sugestões e perguntas devem ser enviadasa

Elon Lages Lima

Instituto de Matemática Pura e AplicadaEstrada Dona Castorina, 110

22460 Rio de Janeiro, RJ

Em seus dois últimos artigos para a RPM, o Professor Geraldo Ávila discute o conceito degrandezas proporcionais e ilustra seus pontos de vista com exemplos e comentáriosinteressantes. No todo, sua contribuição é positiva no sentido de esclarecer um tipo deproblema tradicional, que ocorre com freqüência no ensino da Matemática, nas suasaplicações às outras Ciências e mesmo na vida prática.

O ponto crucial da questão se situa na definição precisa de “grandezas proporcionais”.Uma vez entendido com bastante clareza este conceito, todos os problemas relativos aregra de três e proporções se resolvem naturalmente, sem haver necessidade de regrasmnemônicas ou quaisquer outros artifícios, como foi tão bem colocado nos artigosanteriormente citados.

A definição dada deve ser simples e de fácil utilização. Noutras palavras, ela devepermitir que se reconheça, num problema proposto, sem grande dificuldade, se umadeterminada grandeza é (ou não) direta ou inversamente proporcional a outras. Adefinição do Professor Ávila, embora irretocável do ponto de vista matemático, a meuver, deixa a desejar sob o aspecto de aplicabilidade. Para maior clareza, transcrevemosliteralmente abaixo a definição por ele dada (RPM 8, p. 3 – Definição 3) :

“Se várias variáveis, digamos, x, y, z, w, r, s estão relacionadas por uma equação do tipoz=k.xyw/rs, onde k é constante, então dizemos que z é diretamente proporcional a x, y ew; e inversamente proporcional a r e s.”

A dificuldade desta definição na resolução de problemas é a seguinte: para saber (segundoela) que uma grandeza z é diretamente proporcional a x, y, w e inversamente proporcional

a r, s, é necessário primeiro conhecer-se a fórmula z = k . xyw/rs. Ora, em primeiro lugaresta fórmula não é dada no enunciado do problema. É preciso deduzi-la. Em segundolugar, para deduzi-la é preciso saber propriedades das grandezas em questão, propriedadesessas que encerram a verdadeira essência da proporcionalidade. E, em terceiro lugar, se jáestamos de posse desta fórmula, pouco importa saber de proporcionalidade; a fórmulacontém todas as informações que venham a ser solicitadas.

No meu entendimento, definir grandezas proporcionais a partir da fórmula acima é pôr ocarro adiante dos bois. A fórmula é o resultado final. Não começa aí a solução doproblema. Ela não aparece no enunciado. No começo da resolução é preciso identificar,por um critério simples, a proporcionalidade (direta para algumas grandezas, inversa paraoutras). A partir daí é que se pode garantir a validez da fórmula.

Se examinarmos as soluções dos problemas apresentados como exemplos no trabalhoacima citado, veremos que a fórmula usada para definir proporcionalidade aparece semmaiores justificações. E teria de ser assim pois, como já dissemos, só se pode chegar a elautilizando propriedades das grandezas que exprimam as proporcionalidades alegadas.

E qual é, então, esta definição adequada de grandezas (direta ou inversamente)proporcionais?

É a seguinte:

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Suponhamos que uma grandeza z dependa de várias outras: x, y, w etc. Isto significa que ovalor de z fica determinado quando se conhecem os valores de x, y, w etc. Nesta situação,diz-se que z é uma função das variáveis x, y, w etc. e escreve-se z = f(x,y,w, ...).

Nas condições acima, diz-se que z é diretamente proporcional a x quando, aomultiplicarmos x por uma constante c (mantendo fixas as outras variáveis), o valorcorrespondente de z fica multiplicado pela mesma constante c. Analogamente,diz-se que z é inversamente proporcional a x quando, ao multiplicarmos x por umaconstante c (mantendo fixas as outras variáveis), o valor correspondente de z ficadividido por aquela constante c. (Definições semelhantes para as demais variáveisy, w etc.)

Por exemplo, a área A de um retângulo é função da base b e da altura h Se multiplicarmosa base por uma constante c (e mantivermos a altura fixa), a área fica multiplicada por c.Logo, a área A é diretamente proporcional à base b. Neste ponto, alguém poderia alegarque, sendo a área do retângulo expressa pela fórmula A = bh, a proporcionalidade resultadaí. Argumento enganoso. Para chegar a esta fórmula, é necessário passar pela etapapreliminar que consiste em verificar a afirmação anterior. Já Euclides (que estudava asáreas das figuras planas sem jamais utilizar fórmulas) dizia assim: “as áreas de doisretângulos com a mesma altura estão entre si como suas bases”. Isto significa, em nossaterminologia, que a área do retângulo é diretamente proporcional à sua base. Umaafirmação análoga vale, evidentemente, para a altura.

Outro exemplo: o tempo gasto para ir de um ponto A a um ponto B, em linha reta, comvelocidade constante v, é inversamente proporcional a essa velocidade. Com efeito, sedobrarmos a velocidade, o tempo se reduzirá à metade; se triplicarmos a velocidade otempo ficará dividido por três, e assim por diante: se a velocidade em vez de v fosse cv, otempo, em vez de t seria t/c.

O último exemplo sugere o seguinte: para verificar que uma grandeza z = f(x, y, w, ...) édiretamente proporcional à variável x, talvez não seja preciso verificar a alteração que zsofre quando se substitui x por cx, onde c é uma constante arbitrária, isto é, um númeroreal qualquer. (Para simplificar nosso raciocínio, vamos restringir-nos a problemas onde asvariáveis assumem apenas valores positivos.)

Em quase todos os problemas que ocorrem naturalmente, a grandeza z dependecontinuamente das variáveis x, y, w etc. Isto quer dizer que pequenas perturbações nessasvariáveis provocam pequenas alterações em z. Neste caso, aquilo que suspeitávamosacontece:

(*) Para constatar que z é diretamente (ou inversamente) proporcional a x, bastaverificar que, substituindo-se x por nx, ONDE n É UM NÚMERO NATURAL, z ficasubstituído por nz (ou por z/n).

Para não perder o fio da meada, deixamos a demonstração deste fato para o fim destanota.

A observação (*) acima simplifica grandemente o trabalho de verificar aproporcionalidade. Por exemplo, um retângulo de altura h e base n b, onde n é um númeronatural, é formado pela justaposição de n retângulos, todos de base b e altura h, logo suaárea é n vezes a área de um retângulo de base b e altura h. Portanto é trivial concluir quea área do retângulo é diretamente proporcional à base (e, do mesmo modo, à altura).Método análogo se aplica ao exemplo da velocidade, que demos acima. Aliás foi isto que

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fizemos.

A partir da definição que demos, provaremos o seguinte

Teorema. Se uma grandeza z = f(x, y, r, s) é diretamente proporcional a x, y einversamente proporcional a r, s então existe uma constante k tal que z = kxy/rs. Aconstante k chama-se coeficiente de proporcionalidade.

Demonstração: Seja k = f(l, 1, 1, 1) o valor assumido por f quando se toma x = y = r = s

= 1. Observando-se que x = x . 1, y = y . 1, r = r . 1 e s = s . 1, a definição de grandezasdireta e inversamente proporcionais nos fornece sucessivamente

Observação. A recíproca do teorema acima também é válida: se existe uma constante k

tal que z = k . xy/rs, então resulta imediatamente da nossa definição que z é diretamenteproporcional a x, y e inversamente proporcional a r e s. Isto mostra que, do ponto de vistaestritamente matemático, a definição dada pelo Prof. Ávila é equivalente à que proponho.Minha discordância situa-se no nível metodológico. Estou de acordo com quase, tudo oque ele diz. Inclusive, apoio plenamente sua opinião de que o fundamental é ter-se uma

fórmula do tipo z = k . xy/rs e tudo o mais decorre daí, sem artifícios, tabelinhas outruques. Mas acho que existe um passo crucial anterior à fórmula. Os argumentos queapresento nesta nota têm a dupla finalidade de chamar atenção para isto e esclarecermuitos outros aspectos desta importante noção matemática.

Vejamos o Problema 2 do trabalho do Professor Ávila (RPM 8, p. 4). O número D de diasnecessários para produzir P peças em M máquinas que trabalham H horas por dia édiretamente proporcional a P porque para dobrar, triplicar, quadruplicar etc. o número depeças produzidas é necessário dobrar, triplicar etc. o número de dias de trabalho(supondo, evidentemente, M e H fixos). Por outro lado, se dobrarmos, triplicarmos etc. onúmero M de máquinas, o número de dias (necessários para produzir as P peças,trabalhando H horas por dia) fica reduzido à metade, a um terço etc. Logo, D éinversamente proporcional a M. Analogamente se verifica que D é inversamenteproporcional a H. Feitas estas simples constatações, se chamarmos de k o número dedias necessários para produzir uma só peça, usando uma única máquina e trabalhandoapenas uma hora por dia, resulta do teorema acima demonstrado que

Desta fórmula retira-se qualquer informação que se deseje sobre o assunto. (Note quenosso k não é o mesmo do artigo citado.)

Nos seus artigos, além de mostrar que regras e nomes específicos para estes problemassão resquícios históricos já superados pelo desenvolvimento da Aritmética e da Álgebra, oProfessor Ávila, muito apropriadamente, também chama a atenção do leitor para o errocomum que consiste em confundir “função monótona” com “função linear”.

Se z depende de x e se, quando aumentamos x, z também aumenta, então dizemos que z éuma função (monótona) crescente de x. Mas isto não significa que z tenha que serdiretamente proporcional a x. Analogamente, se sabemos que z decresce quando xaumenta, não temos o direito de concluir por causa disto que z seja inversamenteproporcional a x. Podemos apenas dizer que z é uma função (monótona) decrescente de x.

A lei da atração universal (Newton) diz que “a matéria atrai a matéria na razão direta dasmassas e na razão inversa do quadrado da distância”. Isto significa que se F é a força de

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atração (gravitacional) entre dois corpos, um com massa m e outro com massa m’,situados a uma distância d um do outro, então, em primeiro lugar, F é diretamenteproporcional a m e m’. Além disso, F decresce quando a distância d aumenta. Sedobrarmos a distância d, a força F fica dividida por 4. Mais geralmente, se multiplicarmos

d por uma constante c, F fica dividida por c2. Por isso, F é inversamente proporcional a

d2. Resulta, então, do teorema acima que F = k . mm’/d2, onde a constante k depende dosistema de unidades utilizado para medir as massas e a distância.

Noutro exemplo, podemos considerar o tempo t que uma pedra leva para atingir o solo aocair de uma altura h. Evidentemente, t é uma função crescente de h: quanto maior aaltura, mais demora a pedra a chegar no chão, mas se nos dispusermos, como Galileu, afazer uma série de experiências com alturas h, 2h, 3h etc., veremos que os temposcorrespondentes são t, , etc., e concluiremos que t não é diretamenteproporcional a h e sim a . Assim, se um prédio é 9 vezes mais alto do que outro, umapedra que caia do seu topo leva apenas 3 vezes mais tempo para chegar ao solo do que setivesse caído do prédio menor. A fórmula neste caso é t = k , onde a constante k estárelacionada com a aceleração da gravidade.

Voltando a Euclides, ele diz também que “as áreas de dois círculos estão entre si como osquadrados dos seus raios”. Em nossa terminologia, isto significa que a área do círculo édiretamente proporcional ao quadrado do raio. Do teorema acima resulta então que se r é

o raio do círculo e A a sua área, então A = k . r2, onde é a área de um círculo de raio 1.

Como se sabe, tem-se k = p, logo A = pr2. Mas Euclides nunca deduzia fórmulas para asáreas porque isto exigiria usar números reais como resultados das medidas e a MatemáticaGrega de sua época não conhecia os números reais. Em vez de números, usavam-se“razões entre duas grandezas”. Por isso o enunciado euclidiano que acabamos dereproduzir era o estágio final da discussão do problema da área do círculo. A esta alturaconvém reler os artigos do Professor Ávila, bem como o livro “Episódios da HistóriaAntiga da Matemática”, de A. Aaboe.

Os exemplos acima exibem situações em que uma grandeza z é função monótonacrescente (ou decrescente) de uma variável x, sem que se tenha z diretamente (ouinversamente) proporcional a x. Entretanto, nesses exemplos, z é diretamente ou

inversamente proporcional a alguma potência de x (x2, etc.). Para que não se faça umjuízo equivocado da questão, parece-nos de bom alvitre encerrar estas considerações comum exemplo bastante relevante, no qual uma grandeza z é função crescente de trêsvariáveis x, y, w, sendo diretamente proporcional a y mas não a potência alguma x ou w.

Seja z o capital que se obtém depois de x anos, quando se investe uma quantia y à taxa dew por cento ao ano (juros compostos). Evidentemente, z = f(x, y, w) é função crescente decada uma dessas três variáveis. Em relação à variável y (capital inicial) temos

f(x,n y, w) = n . f(x, y, w)

porque, evidentemente, n pacotes iguais com a mesma quantia y devem produzir o mesmorendimento que um pacote único com ny cruzados. Logo, z é diretamente proporcional aocapital inicial y. Já em relação às outras variáveis, o mesmo não acontece. Vejamos, porexemplo, o número x de anos. Temos

f(2x,n y, w) > 2 . f(x, y, w)

porque, ao empregarmos o mesmo capital y durante 2x anos (à mesma taxa de juros w),nos últimos x anos o rendimento é maior porque corresponde a um capital já cresceu emrelação ao inicial. Se estudarmos a questão cuidadosamente, veremos que, na realidade,

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tem-se f(nx, y, w) = f(x, y, w)n. Isto caracteriza o que se chama crescimento exponencial.

A fórmula que exprime z como função de x, y e w é z = y . exw. (Veja meu livro“Logaritmos”, publicado pela SBM, p. 105.) Daí resulta que z não é proporcional apotência alguma de x ou de w.

Para encerrar, provaremos o resultado (*) que foi enunciado acima. Ali temos umagrandeza z = f(x, y, ...), que é função das variáveis x, y, ... Sabemos que se substituirmos xpor nx, onde n é um número inteiro, o valor correspondente de z fica alterado para nz.Isto equivale a dizer que

f(nx, y, ...) = n . f(x, y, ...) quando n é inteiro. Como as demais variáveis y, ... não vãoentrar nesta discussão, nossa escrita ficará grandemente simplificada se escrevermos

apenas z = (x) e então teremos (nx) = n . (x) quando n é inteiro. Queremos, a partir

daí, provar que (rx) = r . (x) quando r = p/q é um número racional. Isto se faz assim:

logo

Mas nosso objetivo é mais amplo. Queremos provar que (cx) = c . (x) para qualquernúmero real c, racional ou irracional. Para provar esta igualdade no caso de c irracionalteremos de usar a noção de limite e a hipótese de que é contínua. Assim, podemosescrever c = lim rn, onde (rn) é uma seqüência de números racionais.

Conforme acabamos de provar, tem-se (rn . x) = rn . (x), para todo n.

Logo,

(cx) = (lim rn . x) = lim (rnx) = lim rn . (x) = c . (x).

A passagem correspondente ao segundo sinal de igualdade se justifica por causa dacontinuidade da função .

Observação: São muitas as situações, principalmente em Geometria, nas quais se tem

uma função que cumpre a condição (nx) = n . (x) para n inteiro. Daí resulta

imediatamente, como vimos acima, que (rx) = r . (x) para r racional. Se soubermos

que é contínua, concluiremos que (cx) = c . (x) para c irracional também (aindavisto acima). Mas às vezes não é fácil provar diretamente que é contínua. Existe outrotipo de hipótese que permite a mesma conclusão, com a vantagem de ser mais fácil deconstatar. É a monotonicidade de . Se soubermos que x < x’ implica (x) < (x’), então

de (nx) = n . (x) para n inteiro, passaremos para (rx) = r . (x) com r racional como

acima e, em seguida, para (cx) = c . (x) com c irracional, do modo seguinte.

Suponhamos, por absurdo, que fosse (cx) < c . (x). Então tomaríamos um númeroracional r < c tão próximo de c que tivéssemos

(cx) < ‘r . (x) < c . (x).

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Daí viria (cx) < (rx) < c . (x), o que é uma contradição, pois r < c acarreta rx < cx edaí

(rx) < (cx). De modo semelhante, vemos que (cx) > c . (x) também levaria a uma

contradição. Conseqüentemente, deve ser (cx) = c . (x).

Por exemplo, vimos que, se n é um número natural, a área de um retângulo de base nb ealtura h é igual a n vezes a área de um retângulo de base b e altura h. Além disso, é claroque se b < b’, então a área de um retângulo de base b e altura h é menor do que a área deum retângulo de base b’ e mesma altura.

Segue-se, portanto, do que foi provado acima que para qualquer número real positivo c,a área de um retângulo de base cb e altura h é c vezes a área de um retângulo de base b ealtura h.

O princípio contido na observação anterior é de fundamental importância nas questões deproporcionalidade em Geometria. Um grande número dessas questões se baseia noTeorema de Tales, cujo enunciado clássico é o seguinte: “Se um feixe de paralelas écortado por duas secantes, os segmentos determinados pelas paralelas sobre as secantessão proporcionais.”

Em linguagem atual, isto se exprime assim:duas retas quaisquer r e r ’ (as “ secantes” doenunciado) cortam uma terceira nos pontos A eA’ respectivamente. (O “ feixe” significa todasas retas paralelas a AA’.) Para cada ponto X dareta r traçamos uma paralela a AA’, que corta areta r ’ no ponto X’. O Teorema de Tales afirmaque o comprimento de A’X’ é proporcional aocomprimento de AX.

Se fôssemos depender de conhecermos primeiro uma fórmula do tipo A’X’ = kAX parapodermos afirmar então que A’X’ é proporcional a AX, estaríamos em dificuldades. Mas,se usarmos a nossa definição de proporcionalidade, como é claro que AX < AY implicaA’X’ < A’Y’, basta provar que AX = n . AZ implica A’X’ = n . A’Z’, para todo númeronatural n, o que se faz muito facilmente com “igualdade de triângulos” (v. RPM 7, p. 7).

Agora sim. Sabendo que A’X’ é proporcional a AX (ou seja, sabendo que AX=n . AZ

implica A’X’ = n . A’Z’) podemos afirmar que existe um número real k tal que A’X’ = k .

AX para todo X na reta r. Que número k é este? É simplesmente a razão A’X’/AX, ouseja, o quociente da divisão do comprimento A’X’ pelo comprimento AX. Não importaqual o X tomado, o resultado é sempre o mesmo k. Nisto reside precisamente aproporcionalidade.Finalmente, achamos oportuno dar mais um esclarecimento sobre o assunto.Ao aplicarmos um modelo matemático para analisar uma situação concreta, convém tersempre em mente os limites da validez do modelo. Em particular, quando afirmarmos queuma grandeza z é diretamente proporcional a outra x, devemos deixar claro (ou, pelomenos, subentendido) que isto se dá dentro de certos limites da variação para z e x.Por exemplo, a “lei de Hooke” diz que a deformação sofrida por um corpo elástico(digamos, uma mola) é diretamente proporcional à (intensidade da) força empregada. A

fórmula matemática que exprime este fato é d = k . F . (d = deformação, F = intensidadeda força, k = coeficiente de elasticidade da mola.) Esta equação é um modelo matemáticopara representar o fenômeno. Este modelo é sujeito a restrições evidentes. A força F nãopode ser muito pequena porque então, mesmo positiva, não seria suficiente para deslocara mola. Noutras palavras, se F for pequena, tem-se d = 0 com F > 0, logo não vale o

modelo d = k . F. Também não se pode tomar F muito grande porque a mola então

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arrebentaria.Outro exemplo é o clássico problema de operários construindo uma casa. Em geral,supõe-se que o tempo necessário para isto é inversamente proporcional ao número deoperários. Se tal fosse verdadeiro sem restrições então, empregando-se um númerosuficientemente grande de operários, poder-se-ia construir uma casa num tempoarbitrariamente pequeno: um segundo, por exemplo. Mas não é bem assim. Um númeroexagerado de operários vai trazer confusão e, conseqüentemente, casa nenhuma seconstruirá.É conveniente que o professor, ao ensinar este tópico, alerte os alunos sobre taiscuidados, deixando bem claro que as conclusões obtidas pressupõem uma hipótesesubjacente: a de que o modelo matemático se aplica à situação estudada.Nem sempre o modelo da proporcionalidade é o mais adequado. Em certas situaçõeseconômicas, por exemplo, vale o “princípio dos retornos descrentes”, segundo o qual, seaumentarmos muito os investimentos, os lucros adicionais crescerão cada vez menos.Como ilustração: se, num certo terreno, plantarmos o dobro de sementes, poderemosdobrar a colheita, mas, se continuarmos dobrando, ano a ano, o que plantamos, não érazoável esperar que dobrem sempre as colheitas. A partir de um certo ponto, começa-sea notar a lei dos retornos decrescentes. A mesma situação ocorre em fisiologia: quandoaumenta o estímulo, aumenta a sensação, mas, depois de um certo ponto, o acréscimo dassensação é cada vez menor em relação ao acréscimo do estímulo.Uma situação oposta ocorre com o imposto de renda que pagamos. A renda líquida docontribuinte é classificada em intervalos, chamados “faixas”. Em cada faixa, o imposto apagar é proporcional à renda líquida. Mas o coeficiente de proporcionalidade varia deuma faixa a outra; na realidade, cresce quando se passa de uma faixa de renda a outramaior.Uma atividade interessante (e extremamente educativa) consiste esboçar o gráfico dafunção y = f(x) nas situações que examinamos acima. No caso de y ser diretamente

proporcional a x, temos y = k .x. Quando y é inversamente proporcional a x, temos y = k/x.No primeiro caso, o gráfico é uma reta e no segundo é uma hipérbole.

Numa situação de “retornos decrescentes” temos y = f(x) onde f é uma função“côncava”; embora crescente, cresce cada vez mais lentamente. No caso do imposto derenda, o gráfico é formado por uma poligonal que se torna cada vez mais próxima davertical. Aqui, tem-se uma função convexa.

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Curiosidade matemáticaEm visita à minha cidade natal, no interior de Minas Gerais, contou-me um amigo,Professor Roberto Bianchi, que estava se distraindo com uma calculadoraeletrônica, quando se deparou com um fato interessante.As dízimas periódicas de geratrizes com denominador 7 possuem, em cada período,os mesmos algarismos: 1, 4, 2, 8, 5, e 7, nessa mesma ordem, conforme passamos amostrar abaixo, através das setas:

É possível a existência de outro exemplo análogo?

(enviado por Joel Faria de Abreu, Brasília, DF)

A colega Terezinha Vânia Chassot, Montenegro, RS, conta-nos mais fatos curiosossobr o número 142.857: Multipliquemo-lo por 2. O produto é 285714. Os algarismospermanecem os mesmos, só a ordem sofre pequena alteração. O mesmo ocorre com:

142857 x 3 = 42857 1; 142857 x 4 = 57 1428; 142857 x 5 = 7 14285;

142857 x 6 = 857 142; 142857 x 7 = 999999.

Efetuando 142857 x 8 obtemos 1 14285 6 – todos os algarismos aparecem, comexceção do 7. Este foi decomposto em duas partes: 6 e 1.

Efetuando 142857 x 9 obtemos 1 2857 13 – todos os algarismos aparecem, comexceção do 4. Este foi decomposto em duas partes: 3 e 1.

E há mais...

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