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Revista RS Negro

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A Revista RS Negro tem como objetivo oferecer um itinerário de leituras e debates a respeito da cultura afro-brasileira. No estado do Rio Grande do Sul.

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ARevista-RS Negro tem como objetivo oferecer

um it inerár io de leituras e debates a respeito

da cultura afro-brasileira no estado do Rio

Grande do Sul. A par tir de um conjunto de breves textos

sobre a histór ia, as manifestações culturais, a educação,

a l íngua, a religiosidade, a gastronomia, a mídia, as

lutas e organizações polít icas do negro no mundo, no

Brasil e, especialmente, no Rio Grande do Sul, buscamos

estimular e valor izar a inserção e o debate específ ico

sobre a negr itude em nosso estado. Com as abordagens

propostas nos 15 textos, gostaríamos especialmente

de motivar nossos leitores – alunos e professores – a

leituras diferentes, instigar novas ref lexões e pesquisas

e inspirar a cr iação e recr iação de outros textos,

imagens, si tuações, impressões, vivências, discussões,

que enfatizem a negr itude no Rio Grande do Sul.

Revista - RS Negro: ler, refletir, debater, pesquisar, criar, recriar...

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Ponto de partida – o continente africano

A história e a cultura da

África são ricas e diversificadas.

Vamos estudá-las para compreender

o processo de transformação vivenciado no

continente.

A história do continente africa-no se confunde com a história da humanidade. Cerca de 160

mil anos atrás o Homo sapiens inicia a evolução da espécie humana na Áfri-ca Oriental e Meridional, espalha-se pelo continente e pelo resto do plane-ta, adapta-se a novos ambientes e de-senvolve habilidades, diversificando-se em grupos étnicos e linguísticos. Ter-ceiro maior continente da terra, a África ocupa 22% da massa terrestre, tendo como principal subdivisão duas regiões limitadas, mas não separadas, pelo de-serto do Saara: África do Norte ou Ma-greb (ocidente em árabe) e África do Sul ou subsaariana (abaixo do Saara). Nes-se território há uma diversidade bastan-te grande em termos geográficos, des-de as faixas litorâneas baixas, passando por planaltos e montanhas até chegar aos pontos culminantes de mais de 5 mil metros de altitude como o Kiliman-jaro (Tanzânia), o Quênia (no país de mesmo nome) e o Pico Margherita (Re-pública Democrática do Congo).

Neste continente há uma enor-me diversidade física e socioeconômi-ca, pois existem neste espaço desde extensos vales férteis até desertos, como é o caso do Saara, o maior do mundo. O contraste da pobreza e ri-queza também é muito visível por toda sua extensão continental.

Na África havia grandes Reinos como o de Gana (séc. IV), de Axum (séc. V) do Ioruba (séc.VI e XI), do Mali (séc. XII e XIV) e o de Songhai (séc. XV e XVI). Havia ainda pequenas al-deias reunidas por descendência e os grupos nômades de comerciantes,

agricultores e pastores que se deslo-cavam sempre que as condições cli-máticas ou as oportunidades exigiam. Entretanto, outros fatores como a ex-pansão de reinos, a migração de gru-pos, o trânsito de caravanas de mer-cadores, a disputa pelo acesso aos rios, o comando sobre estradas po-diam implicar a guerra e o domínio de um povo a outro.

Antigos Reinos

africanos

Reino de Gana Teve seu apogeu entre os anos

700 e 1200 d.C. Acredita-se que o flo-rescimento desse Reino date do sécu-lo IV. Há controvérsias históricas se este Reino foi fundado por povos berberes ou por negros mandeus, mandês ou mandingas. Segundo relatos históricos, o Antigo Reino de Gana era abundan-te em ouro e em produtos comerciais, como sal, cereais, camelos etc. Com a concorrência de outras potências no comércio do ouro, o Antigo Reino de Gana começou a desvalorizar. Até que, por volta de 1076 d.C., em nome de uma fé islâmica ortodoxa, os berbe-res da dinastia dos almorávidas, vindos do Magreb, atacam e conquista Kumbi Saleh, capital do Reino de Gana. A re-gião de Gana tornou-se, com o tempo, uma área de intenso comércio. Os ha-bitantes do Reino deviam pagar impos-tos para a nobreza, que era composta pelo caia-maga (Kaya Maghan Cissé) seus parentes e amigos. Um exército poderoso protegia as terras e o comér-cio praticados na região, o que nos su-gere a formação de um Reino organi-zado e hierarquizado com a tributação de impostos, início de um processo de urbanização com as cidades de Gana, Gharbil, Madasa, Tirka etc. Além de pa-gar impostos, as aldeias deviam contri-buir com soldados e lavradores, que tra-balhavam nas terras da nobreza.

Reino de Axum Na Antiguidade, a África teve

como principais referências antropo-lógicas o Egito e seus reinos governa-

dos por faraós, e também um reino africano pouco difundido chamado de Axum (também escrito Aschoum, Axoum ou Aksum). Esse reino come-çou aproximadamente no século V a.C. e se expandiu de modo a contro-lar as rotas comerciais entre a África, a Arábia e a Índia, tornando-se assim um reino bastante rico. O Egito é um dos países mais populosos do conti-nente africano. A grande maioria da população, estimada em 80 milhões de habitantes (2007), vive nas mar-gens do rio Nilo, a única área cultivá-vel do país, com cerca de 40 000 km.

Axum, o que seria hoje a Etió-pia, teve pouca contribuição no tráfi-co negreiro para o Brasil; contudo, a sua importância para o imaginário ne-gro brasileiro povoado pelas histórias da rainha de Sabá e rei Salomão, A. Selassiè, e suas influências no reggae se dão até hoje.

Reino de IorubaO Reino de Oyo Yoruba (c. 1400

- 1835) foi um Reino da África Ociden-tal onde é hoje a Nigéria ocidental. O Reino foi criado pelos Yoruba, no sécu-lo XV, e cresceu para se tornar um dos maiores Reinos do Oeste africano en-contradas pelos exploradores coloniais. O Reino de Oyo foi, em termos políti-cos, o mais importante na região des-de meados do século XVII ao final do século XVIII, dominando não só outras monarquias Yoruba, mas também ou-tras monarquias africanas, sendo a mais notável o reino Fon do Dahomey.

Reino de Mali A formação do Antigo Mali teria

se dado por caçadores reunidos em confrarias ligadas pelos mesmos ritos e celebrações das religiões tradicio-

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nais. Conquistando o que restou do Antigo Gana, em 1240, Sundiata Kei-ta, expandiu seu Reino, que já era ofi-cialmente muçulmano desde o século anterior. O Mali se tornou legendário, principalmente sob o rei Kanku Mussá, que, em 1324, mobilizou a peregrina-ção a Meca com a intenção evidente de fascinar os soberanos árabes. O Reino de Mali tornou-se famoso de-vido à sua imensa riqueza, alcançada através do comércio com o mundo árabe. No início do século XV, o Reino do Mali começou a declinar. As dispu-tas pela sucessão enfraqueceram a co-roa e muitos se afastaram. Os Songhai foram um deles, fazendo a cidade pro-eminente de Gao a sua nova capital.

Reino de Songhai Songhai foi um dos maiores Rei-

nos africanos da história nos séculos XV e XVI. Este Reino tinha o mesmo nome de seu grupo étnico líder, os Songhai. Sua capital era a cidade de Gao e sua base de poder era em torno do rio Níger. Antes do Reino Songhai, a região tinha sido dominada pelo Rei-no de Mali, uma das civilizações mais ricas da história mundial. O Reino Son-ghai teria suas origens num antepas-sado lendário, o gigante comilão Faran Makan Botê, do clã dos pescadores sorkôs. Por volta de 500 d.C., diz a tra-dição, que guerreiros berberes, chefia-dos por Diá Aliamen teriam chegado à curva norte do Níger, tomando o po-der dos sorkôs. A partir daí e até 1009, a dinastia dos Diá reina em Kukya, uma ilha perto do Níger, quando o reino se converte oficialmente ao isla-mismo e transfere a capital para Goa, onde a dinastia reina até 1335. Nesse ano, o povo songhai se liberta do An-tigo Mali, de quem se tornara vassalo em 1275, e começa a conquistar as re-giões vizinhas.

A Copa da África do Sul de 2010 foi a primeira a ser realizada no continente afri-cano. Foi o maior evento es-portivo no continente afri-cano que até então não ha-via sediado nenhuma Copa do Mundo nem Olimpíadas. Com a ajuda de um atlas, localize os países africanos que participaram da Copa do Mundo de 2010: África do Sul, Nigéria, Gana, Cama-rões, Costa do Marfim e Ar-gélia. Investigue as histórias passadas e recentes desses países.

M’BOKOLO, Elikia. Áfri-ca negra história e civili-zações. Salvador: EdUFBA, 2009.

Norte da África Argélia, Egito, Líbia, Marrocos, Saara Ocidental e Tunísia

Oeste da África

Benin, Burkina Faso, Cabo Verde, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo

África Central

Camarões, Congo, Gabão, Guiné Equatorial, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe e Chade

Leste da ÁfricaBurundi, Dijbuti, Eritreia, Etiópia, Quênia, Ruanda, Somália, Sudão, Tanzânia e Uganda

Sul da África

África do Sul, Angola, Botsuana, Lesoto, Madagascar, Malawi, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Zâmbia e Zimbábue

Divisão Física da África

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A vida em movimento – diáspora africana e escravidão

A diáspora africana é

caracterizada por pessoas que foram

escravizadas e enviadas para

as Américas durante o tráfico escravagista que

ocorreu entre os séculos XVI e

XIX.

O termo diáspora significa o deslocamento, normalmente forçado, de grandes massas

populacionais originárias de um lugar determinado para várias áreas distin-tas. Este termo é usualmente empre-gado para fazer referência à disper-são do povo hebreu da sociedade antiga, a partir do exílio na Babilônia.

Ainda hoje a mobilidade huma-na (migrações) continua sendo um fenômeno amplo e complexo que abrange um número enorme de su-jeitos sociais pertencentes a diversas etnias, culturas e religiões. As cau-sas e as motivações que levam aos deslocamentos têm consequências bastante diversificadas, dependendo principalmente dos diferentes con-textos socioculturais. Em geral, os su-jeitos migram em busca de melhores condições de vida. Todavia, na maio-ria das vezes, por trás das migrações escondem-se aspectos negativos ou conflitivos, como a expulsão do lugar de moradia, o desenraizamento cul-tural, a perda da estrutura identitária e religiosa, a exclusão social e a difi-culdade de inserção do sujeito.

É nesse contexto que podemos entender a diáspora africana. Os afri-canos que foram deportados ou que migraram para distintas partes do mundo formam aquilo que se deno-mina “diáspora africana”, uma das maiores diásporas dos tempos pré-modernos. Grande parte da diáspo-

ra africana é constituída por pessoas que foram escravizadas e mandadas para as Américas durante o tráfico es-cravagista que ocorreu entre os sécu-los XVI e século XIX.

Vale ressaltar que, quando fa-lamos em diáspora, não estamos fa-lando de minorias. Estamos falando de uma grande maioria dispersa pelo mundo, visto que a África é um con-tinente enorme, que compreende vá-rios países, nações, nacionalidades, religiões e grupos étnicos. Entre os fatores que contribuíram e continu-am a contribuir para a expansão des-ta migração, evidencia-se a luta dos povos que vivenciaram a diáspora a partir das númerosas dificuldades so-cioeconômicas e políticas que o con-tinente africano enfrenta e que pro-voca a migração de intelectuais e es-portistas, a migração clandestina, a migração forçada de refugiados po-líticos e o exílio de pessoas qualifica-das.

A diáspora africana influenciou de modo direto as mudanças nas re-lações políticas, econômicas e sociais entre os continentes, através da dis-seminação da presença dos negros pelos diversos continentes e da rele-vância que esse fato assumiu para as futuras gerações. A história do reg-gae é um exemplo disso.

O reggae é um estilo musical que surgiu na Jamaica, uma ex-co-lônia inglesa do Caribe, que teve a população indígena original pratica-mente dizimada depois da chegada dos europeus, capitaneados por Cris-tóvão Colombo. Em 1509, sem for-ça de trabalho para explorar, os es-panhóis iniciaram um dos processos mais traumáticos da história huma-na, levando para a ilha grandes le-vas de escravos africanos. De alguma maneira, foi desse modo que nasceu o reggae. Primeiro, surgiram os cânti-cos dos escravos, trazidos da África. O reggae surgiu como a síntese de tudo o que vinha sendo feito ante-riormente (rastafarianismo, letras que falavam do cotidiano e do amor), adi-cionando um elemento fundamental para a sua propagação: a preocupa-ção política. O reggae ficou conheci-do no mundo através das músicas de Bob Marley, Jimmy Cliff, Peter Tosh e Gregory Issacs.

Da África ao Brasil

Ainda que a escravidão não seja vista como uma migração, a escravidão africana no Brasil foi um movimento migratório de natureza forçada. Seu início se deu em mea-dos do século XVI, e desenvolveu-se no século XVIII, até ser proibido, em 1850. O que não cessou o cativeiro dentro de nossas terras e pelos ma-res, visto que o tráfico negreiro con-tinuava fazendo vítimas e renden-do fortunas aos traficantes, mesmo após sua proibição.

Não é possível precisar o núme-ro de africanos escravizados trazidos para o Brasil durante o período do tráfico negreiro, do século XVI ao XIX, mas a estimativa é de cerca de cinco milhões de africanos que foram obri-gados a cruzar o Oceano Atlântico para servirem de mão de obra escra-vizada. Cerca de 40% dos escraviza-dos embarcados nos porões dos na-vios morriam durante a viagem; ain-da assim a viagem era lucrativa para os escravizadores. Os mercadores dos escravizados buscavam africanos de idade ativa, que serviam de moe-da de troca, comprados e vendidos a partir de uma rigorosa seleção física.

No Brasil colonial, os escravi-zadores criaram várias justificativas para defender a escravidão, dentre elas a de que o tráfico negreiro re-tiraria os africanos de um mundo bárbaro e sem civilização em que viviam, como se os negros não ti-vessem educação, religião e como se não fossem civilizados. Os escra-vos empregaram seus trabalhos nas charqueadas do Rio Grande do Sul, nos ervais do Paraná, nos engenhos de açúcar e nas plantações de algo-dão do Nordeste, na pecuária da Paraíba, nas atividades extrativas na Região Amazônica e na mineração de Goiás e Minas Gerais. E não ape-nas povoou como também criou pe-quenas comunidades rurais, os qui-lombos, em todo o território nacio-nal, dinamizando os espaços sociais e econômicos através do seu traba-lho. O negro africano participou de-cisivamente para o desenvolvimen-to populacional e econômico do Brasil e tornou-se parte essencial de seu povo. Sua presença projetou-se em todo o desenvolvimento huma-no e cultural do Brasil com técnicas de trabalho, música e danças, ali-mentação e práticas religiosas.

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Do Brasil à África

No entanto, essa contribuição econômica e cultural não reverteu em qualidade de vida para o próprio negro, mas, ao contrário, no caso da produção econômica, toda ela era exportada e o lucro da comer-cialização beneficiava os senhores de escravos. Essa história tem suas marcas até hoje, conforme pode-mos constatar em muitos indicado-res sociais brasileiros, por exemplo, a população pobre branca tem mais anos de estudo que a população pobre negra.

Ao longo do século XIX, e até inícios do XX, milhares de brasileiros de origem africana, escravos libertos ou forros (nascidos livres), migra-ram para a África, em um movimen-to que se convencionou chamar de retornados. Trata-se da saga dos milhares de afri-canos e descen-dentes que, alfor-riados no Brasil, cruzaram o Oce-ano Atlântico de volta à África. Es-tima-se que, so-mente no século XIX, auge do fe-nômeno, cerca de 10 mil ex-escravos tenham regressa-do ao continente africano. A maio-ria dos retornados deixaram o Brasil em busca das ori-gens e de um futuro melhor, ou sim-plesmente fugindo da perseguição e da falta de oportunidades de um Brasil que engatinhava no processo de emancipação de seus escravos.

A história dos retornados é uma história belíssima que eviden-cia resistência, busca por dias me-lhores e influência entre povos. Os retornados têm em sua memória afetiva, a presença da cultura das nações da África, através da arqui-tetura; do folclore; da língua ainda presente no vocabulário domésti-co; da culinária, presente através da moqueca e da feijoada, preparada à moda africana.

A mobilidade africana no Rio Grande do Sul

A presença do negro no Rio Grande do Sul é bem anterior às charqueadas. Essa presença se dá quando das disputas entre os im-périos português e espanhol, em 1680, pela Colônia de Sacramento (hoje Uruguai), cidadela construída para disputar o comércio clandesti-no de escravos e prata que desciam, pelo rio da Prata, de Potosí na Bolívia. Pelo império português, essa dispu-ta recua até a fundação de Rio Gran-de, no início do século seguinte, em todo esse período e território a pre-sença do africano escravizado sem-pre foi constante ao lado de portu-gueses e espanhóis.

Com o de-senvolvimento das charqueadas, os escravizados africa-nos, a maioria ori-ginários de Angola, começaram a ser levados em maior número ao estado do Rio Grande do Sul a partir do final do século XVIII, che-gando a represen-tar metade da po-pulação gaúcha em 1822. Porém, essa população foi redu-zida drasticamente

devido a dois fatores: ao tráfico inter-no, por conta do bloqueio inglês do tráfico negreiro no Oceano Atlântico, ocasionando a transferência de escra-vos para estados cafeeiros, como São Paulo e Rio de Janeiro; e as mortes de muitos escravizados por ocasião da Guerra dos Farrapos (1835-1845) e da Guerra do Paraguai (1854-1870).

HEYWOOD, Linda M.(org.) Diáspora negra no Brasil. Trad.: Ingrid de Castro Vom-pean Fregonez, Thaís Cristina Casson, Vera Lúcia Benedito. São Paulo: Contexto, 2008.

SANTOS, José Antonio. Di-áspora africana: paraíso perdi-do ou terra prometida. In: MA-CEDO, José R. (Org.). Desven-dando a história da África. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2008.

Palavras-chave para pesquisar: Diáspora, cul-tura afrodiaspórica, for-mação demográfica afri-cana, censo 2010/IBGE.

Crie um mapa do Brasil com as principais resistências organizadas por africanos es-cravizados, identificando as datas, os territórios e outras informações relevantes. Iden-tifique, no mapa, os territórios da diáspora africana no Rio Grande do Sul.

Redija um texto descre-vendo onde ocorreram as re-sistências e discuta com os colegas quais seriam as hipó-teses que explicam essas lutas de resistência.

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As l u ta s po r l i be rdade e o s qu i l ombos

Os africanos escravizados

fugiam da opressão dos colonizadores

e construíam as moradias em locais isolados e de difícil acesso. Atualmente, os

descendentes de negros escravizados

lutam pela visibilidade de suas ações e ampliação

de direitos.

Para compreender melhor o que são os territórios quilombolas, a primeira coisa a fazer é definir o

significado do termo quilombo. A pa-lavra kilombo é originária do banto, língua africana, que significa agrupa-mento, fortaleza, acampamento. No Brasil recebeu esse nome, no perío-do colonial e imperial, por conta das constantes fugas dos negros escra-vos. Ao fugirem da exploração, domi-nação e opressão dos colonizadores, eles construíam as moradias em lo-cais isolados e de difícil acesso. Edson Carneiro denomina a formação dos quilombos como um movimento de fuga contra a “negação da sociedade oficial, que oprimia os negros escravi-zados, eliminando a sua língua, a sua religião, os seus estilos de vida”. Em li-nhas gerais, uma das principais carac-terísticas da formação dos quilombos era a luta pela liberdade, pela sobrevi-vência, por dignidade dentro de uma estrutura comunitária. A convivência comunitária nos quilombos ajudou também a preservar as tradições, os costumes, os ritos, as crenças, a cul-tura e a identidade negra.

Comunidades quilombolas

Outra palavra importante a ser definida é comunidade. Ela evoca ao pertencimento, à vivência cotidiana das pessoas, isso não significa isolar-se dos acontecimentos do entorno. Como diz Bauman (2003), não ter co-munidade significa não ter proteção. As comunidades quilombolas servi-ram de abrigo e proteção para os ne-gros fugidos do processo de escravi-dão. Hoje, os habitantes das comu-nidades quilombolas são chamados de remanescentes de quilombo. São os afro-brasileiros, descendentes dos negros africanos que historicamente ocuparam terras como heranças do período escravista. Ou seja, os rema-nescentes de quilombo são pesso-as que por muito tempo ficaram es-condidas e isoladas da sociedade do-minante, em luta permanente para garantir o direito à terra e à vida. As comunidades onde vivem os des-cendentes de africanos também são identificadas como territórios. Nos territórios dos remanescentes de qui-lombo, como observa Georgina He-lena Lima Nunes (2008), há conheci-mento das próprias necessidades, um dos elementos que possibilita ao ne-gro sonhar com um mundo de menos carência, injustiças e mais liberdade.

É importante ressaltar que as ter-ras onde habitam os remanescentes de quilombo não são espaços doados e nem é um mero estar juntos, mas são espaços construídos, a partir das lutas históricas pela posse da terra, pelo com-bate à miséria, a desigualdade e em fa-vor da vida, do acesso a oportunidades, dos direitos sociais como educação, saúde e moradia digna.

Conquistando espaço

Com o processo de redemocra-tização do Brasil, os remanescentes de quilombo mobilizaram-se para ga-rantir o direito à titulação das terras, ou seja, o título de domínio definiti-vo e coletivo da terra. Essas reivindi-cações estão contempladas no artigo 68 da Constituição Federal de 1988. A Lei reconhece como legítimo o direi-

to à propriedade da terra aos descen-dentes de africanos; entretanto a sua implementação é lenta e burocrática. Por isso, a aplicabilidade da Lei é obje-to de questionamentos.

De acordo com dados oficiais (dados da Fundação Cultural Palma-res), o Brasil tem mais de 3.500 co-munidades quilombolas, número que chega a 5.000 considerando outras fontes. Dessas, mais de 1.300 são re-conhecidas. O reconhecimento é o primeiro passo para o processo de ti-tulação. Atualmente apenas 105 co-munidades receberam o título defini-tivo. A respeito dessas comunidades é importante ressaltar que existem comunidades remanescentes de qui-lombo tanto rurais quanto urbanas. Elas têm características específicas, mas têm os laços que as unem, o vín-culo com a ancestralidade negra. A resistência, tanto nas comunidades rurais quanto nas urbanas, é fazer frente à ameaça das invasões dos la-tifundiários, o combate à especulação imobiliária e às propostas dos projetos desenvolvimentistas que pretendem reduzir as terras dos grupos étnicos.

No Sul do País

A presença negra no Rio Gran-de do Sul é marcada por contradi-ções. A principal delas se encontra no processo acentuado da coloniza-ção europeia no Estado. De um lado, as vantagens e os estímulos aos co-lonizadores europeus. De outro lado, a tentativa de silenciar as minorias étnicas existente no Estado, desar-ticulando os contatos entre grupos e principalmente estimulando-os a rivalidades étnicas. Essa situação di-ficulta ainda hoje o reconhecimento das terras habitadas por estes gru-pos. Rosane Aparecida Rubert (2008) aponta que essas contradições acen-tuaram os mecanismos de divisão entre brancos e negros no Estado. Frente a essa realidade, a população negra passou a agir contra os privi-légios, a exploração e o preconceito.

A forte presença do negro no Rio Grande do Sul contribuiu para se desenvolver formas paralelas de organização sociais, incluindo as fu-gas, as revoltas, os mecanismos en-contrados para preservar os cultos aos ancestrais e a manutenção da língua. Pode-se dizer que as organi-zações se materializavam nas vivên-cias cotidianas das comunidades qui-lombolas.

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Quilombolas hoje

Ainda hoje as comunidades re-manescentes de quilombo não estão isentas de coação, pressão e humilha-ção. Em Canoas, região metropolita-na de Porto Alegre, os moradores da Chácara das Rosas, vivenciaram essa experiência. A população do entorno identificava o local, onde vivem 12 fa-mílias negras, como sendo o Planeta dos Macacos. Essa é uma de tantas histórias de preconceito vividas ao lon-go dos anos pela população negra.

Conforme mapeamentos de ins-tituições sociais apontam a formação de um número superior a cem comu-nidades quilombolas rurais e urbanas no Estado. Algumas delas já recebe-ram a titulação e certificação das suas terras. As primeiras comunidades re-manescentes urbanas a receberem a titulação definitiva foram: Família Silva, em Porto Alegre e Chácara das Rosas, em Canoas. As certificações das terras saíram para Casca, no município de Mostardas, Rincão dos Martinianos e São Miguel, ambos da cidade de Res-tinga Seca, beneficiando mais de 290 famílias negras. Os dados demons-tram que a participação social deve ser fortalecida para que as experiên-cias locais se tornem atos de resistên-cia coletiva.

CARNEIRO, Edson. O quilombo dos palmares. 4ª ed., São Paulo, Nacional, 1988.

MAESTRI, Mário. Qui-lombos e quilombolas em terras gaúchas. Porto Alegre: EST e EdUCS, 1979.

NUNES, Georgina Hele-na Lima. Espaços possíveis por onde cartografar quilom-bos. In: SILVA, Gilberto Fer-reira; SANTOS, José Antônio e CARNEIRO, Luiz Carlos da Cunha. RS Negro: cartogra-fias sobre a produção do co-nhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

RUBERT, Rosane Apare-cida. Comunidades negras no RS: o redesenho do mapa estadual. In: SILVA, Gilberto Ferreira; SANTOS, José Antô-nio e CARNEIRO, Luiz Carlos da Cunha. RS Negro: carto-grafias sobre a produção do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

SANTOS, Joel Rufino dos. Zumbi. São Paulo: Editora Global, 2006.

BAUMAN, Zygmund. Comunidade:a busca por se-gurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

Palavras-chave para pes-quisar: comunidade quilom-bola, comunidade negra, fu-gas do sistema escravista, mocambos, movimento abo-licionista, remanescente de quilombo, terras adquiridas por negros libertos, território negro, Zumbi dos Palmares.

Construa um mapa do Brasil, identificando os principais quilombos que existiram no País.

Identifique as comuni-dades quilombolas do RS por região (missões, litoral, metropolitana, pampas, campanha gaúcha...) e faça um texto com seus princi-pais dados como origem, características dos grupos sociais, entre outros.

Quilombo dos Palmares

O quilombo de Palmares, o mais reconhecido, do século XVII, estava localizado na serra da Bar-riga, atualmente pertencente ao estado de Ala-

goas. Em Palmares, havia uma complexa estrutura de organização, com ruas, casas, muros, capelas, oficinas de fundição, produção de cerâmica e utensílios em ma-deira, lavouras de feijão, milho, mandioca e cana-de-açúcar. Era formado por várias aldeias, com suas res-pectivas lideranças. Todas as aldeias eram comanda-das por uma comunidade principal, onde ficava Zum-bi, líder do quilombo.

Os portugueses destruíram Palmares em 1694, por uma expedição comandada pelo paulista Domin-gos Jorge Velho, causando a morte de 200 quilombo-las. E, mais de 500 negros foram capturados e vendi-dos para outras capitanias. Zumbi e alguns quilombo-las conseguiram fugir. Em 20 de novembro de 1695, Zumbi foi pego e assassinado, tendo sua cabeça dece-pada e exposta publicamente.

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Narrativas africanas: mitos, lendas e provérbios É possível afirmar que toda pessoa já

ouviu, contou ou leu uma história.

É através das histórias que aprendemos,

muitas vezes, as primeiras noções

de afetividade, ética, justiça, solidariedade,

partilha, amizade e tantos

outros valores fundamentais

à existência humana.

É possível afirmar que toda pes-soa já ouviu, contou ou leu uma história. É através das histórias

que aprendemos, muitas vezes, as primeiras noções de afetividade, ética, justiça, solidariedade, partilha, amiza-de e tantos outros valores fundamen-tais à existência humana. Paralelo aos conteúdos da educação formal, gran-de parte da população mundial que não tem acesso à cultura letrada se educa baseada nos valores transmi-tidos através de narrativas milenares

que chegam a nós até hoje por meio de registros orais ou escritos.

As histórias africanas, carrega-das da força da oralidade, constituem um vigoroso instrumento para conhe-cermos a vida e valores dos povos afri-canos e dos seus descendentes afro-brasileiros. Os mitos, as lendas, os provérbios, as brincadeiras e jogos são alguns destes instrumentos.

Os mitos São, em princípio, narrativas

sagradas relatando fatos que teriam ocorrido num tempo ou mundo an-terior ao nosso e que, geralmente, tentam explicar a origem e a exis-tência das coisas: como e por que surgiu o mundo, os homens, os cos-tumes, o conflito de gerações; a vio-

Provérbios africanos: • O machado esquece; a árvore recorda.• O cavalo que chega cedo bebe a água boa.• Não importa quão longa seja a noite, o dia virá certamente.• A água sempre descobre um meio.• Os defeitos são como uma colina: você escala os seus e, lá de cima, não

vê os dos outros.• O que você dá aos outros, você dá a si mesmo.• Ninguém experimenta a profundidade de um rio com os dois pés.• Não pise no rabo do cachorro e ele não o morderá.

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lência; a tristeza da doença, as leis, os animais, os fenômenos da natu-reza, etc. Através de histórias, as culturas criaram e criam mitos para poder compreender e interpretar a existência humana, ou seja, o mito seria a expressão da existência hu-mana em sua dependência do pla-no divino.

Embora transmitidos pela tra-dição oral, os mitos, sob a aparência de lendas, costumam ter um signifi-cado simbólico. Ancorados no cam-po do sagrado ou do sobrenatural, os mitos têm deuses como persona-gens e remetem à criação do mun-do e dos homens. Os mitos trans-cendem a existência humana, ainda que se refiram a ela. Por trás dos mi-tos, há fatos e ações elaboradas a partir do cotidiano como forma de comunicação.

A mitologia africana está na origem do Brasil através da dança, da música, da culinária e da religiosi-dade brasileira, a exemplo do carna-val, do gingado do futebol, da feijo-ada, do sincretismo religioso. Na mi-tologia africana, há um deus supre-mo, Olodumaré, que criou os orixás (deuses como Exu, Iansã, Xangô e outros) para governarem e supervi-sionarem o mundo. Os colonizado-res portugueses reprimiram o culto aos orixás porque o viam como feiti-çaria ou forma de resistência ao pro-cesso de hegemonia cultural e reli-giosa pelo catolicismo. Como alter-nativa a essa repressão, os escravos

africanos correlacionaram orixás aos santos católicos, originando o sin-cretismo religioso.

A lenda

Possui certo sentido didáti-co, uma vez que visa explicar fatos como a origem das coisas, os fenô-menos naturais e as personagens sobrenaturais, os feitos de heróis populares etc.

Os provérbios

São expressões da sabedoria ad-quiridas com a reflexão, a experiência, a observação e o conhecimento ge-ral. De origem popular e de caráter prático, os provérbios são comuns a

um grupo social. Geralmente são ricos em metáfo-ras e sonoridades, prestando-se a uma fácil memo-rização e trans-missão oral. Os provérbios são re-lacionados inti-mamente à cultu-ra de uma socie-dade.

A cultura popular considera que os provérbios refletem a voz da experiência e tra-zem até nós as vozes de um pas-sado relativamen-

te longínquo, revelando fatos, cren-ças, costumes. Fazem parte da cultu-ra de um povo, daí a sua importância. Os provérbios africanos, como os de todos os povos, manifestam a influ-ência de seu meio ambiente. É pos-sível perceber referências à vida fa-miliar, à agricultura, à flora e à fauna. Vejamos alguns provérbios africanos: “O machado esquece; a árvore recor-da”, “O cavalo que chega cedo bebe a água boa”, “Não importa quanto lon-ga seja a noite, o dia virá certamente”, “A água sempre descobre um meio.”

As narrativas reaproximam es-paços, tempos e mentalidades. Ao longo da história da humanidade

as experiências dos povos são nar-radas a partir dos valores, conflitos e soluções dos seus personagens. É também por isso que as narrati-vas provocam identificações, afas-tamentos e referências tanto indivi-duais quanto coletiva, daí a neces-sidade de resgatar as narrativas de origem africana.

ALENCAR, Nezite. Afro-Brasil em cordel. São Paulo, Paulus, 2007.

PRANDI, Reginaldo. Con-tos e lendas afro-brasilei-ros: a criação do mundo. São Paulo: Companhia das Le-tras, 2007.

SISTO, Celso. Mãe Áfri-ca: mitos, lendas, fábulas e contos. São P aulo: Paulus, 2007.

Converse com as pesso-as mais idosas do seu bair-ro, da sua comunidade e bus-que identificar marcas cultu-rais que indiquem a presen-ça africana dos mitos, lendas, provérbios, brincadeiras e jo-gos. Em sala de aula, encene em grupo para outros colegas uma dessas narrativas.

Em grupo, produza com seus colegas uma pequena obra (livro ou revista impres-sa ou digital) para reunir todas as narrativas de origem africa-na recolhidas com as pessoas mais idosas de seu bairro. Se possível, ilustre cada narrati-va com imagens e fotos. Na

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Corpo e música: a presença afro-bra-sileira nas manifestações culturais

No Brasil Colônia as manifestações

culturais afro-brasileiras eram

proibidas e perseguidas por

não integrarem o universo cultural

do europeu. Hoje, o legado

cultural está à disposição da alegria da

população brasileira.

A cultura afro-brasileira é resultan-te do desenvolvimento da cultu-ra africana no Brasil, abrangen-

do as influências recebidas de várias et-nias que se traduzem em diversas ex-pressões, entre elas a música e a dan-ça. Desse modo, que a música popular brasileira é profundamente influenciada pelos ritmos africanos. Entre as expres-sões de música afro-brasileiras mais co-nhecidas estão o samba, o maracatu, o carimbó, ijexá, coco, jongo, lambada e o maxixe. Essas expressões represen-tam a força da herança negra nas tradi-ções cultuadas pelas comunidades re-manescentes de quilombos.

Em quase toda parte do terri-tório brasileiro onde houve escravos africanos, as manifestações culturais afro-brasileiras eram proibidas e per-seguidas por não integrarem o uni-verso cultural do europeu. Era consi-derada uma cultura selvagem e atra-sada em contraponto aos valores da Europa em expansão. As manifesta-ções culturais dos afro-brasileiros fo-ram conquistar certa popularidade como expressões artísticas genuina-mente nacionais somente em mea-dos do século XX.

Samba, carnaval e música

O samba foi uma das primeiras expressões da cultura afro-brasileira a ser admirada quando ocupou lugar de destaque na música popular. Des-de 1870, o encontro de influências rít-micas como lundu, polca, maxixe e tango gerou um tipo de música com características do samba. As bati-das nos couros dos tambores da-vam o ritmo das manifestações.

Em 1899, o surgimento da música fei-ta para o carna-val, as chama-das marchinhas ca r nava lescas , como o Abre-Alas de Chiqui-nha Gonzaga, marcou a popu-larização do car-naval brasileiro. A origem do sam-ba foi um importante fator de de-mocratização da cidade do Rio de Janeiro, ainda que no início a elite reagisse às expressões da cultura africana, sendo perseguida inclusi-ve pelo poder público, que as recri-minava ostensivamente. O primei-ro samba gravado a fazer sucesso, no final de 1916, foi o famoso Pelo Telefone, de Ernesto dos Santos, o Donga, que retratava a realidade vivida pela comunidade. Ao longo das décadas surgiram muitos ou-tros compositores negros como Pi-xinguinha, Cartola, Ataulfo Alves, Paulinho da Viola, Martinho da Vila. À medida que o samba se firmava como uma expressão urbana e mo-derna, ele chegou às rádios, se es-palhando pelos morros cariocas e bairros da zona sul do Rio de Janei-ro. Até os anos de 1970, as escolas de samba cariocas, cujos terreiros (e não “quadras”, como são deno-minadas atualmente), obedeciam a um regime implícito semelhante ao dos barracões de candomblé, com acesso à roda permitido somente às mulheres, por exemplo.

Clubes Sociais Negros no

Rio Grande do Sul

No Rio Grande do Sul, a orga-nização negra na cidade de Pelotas, constituída em torno dos clubes carnavalescos, teve seu auge entre os anos de 1920 e 1950. A cidade, que enriqueceu com os produtos da charqueada, teve uma expressi-va presença negra em seu povoa-mento. Embora os negros formas-sem um terço da população urbana em 1890, se consolidou na cidade

uma ideologia conservadora e eli-tista (Loner, 2001), fazendo com que a discriminação racial, após o final da escravidão, fosse muito for-te. Os negros pelotenses reagiram formando uma rede associativa, que incluía clubes recreativos, tea-trais, carnavalescos, futebolísticos, entidades de assistência às crian-ças e de representação. Esses es-paços auxiliavam na integração da população negra à sociedade local através da construção de relacio-namentos, amizades, relações de compadrio e de oportunidades de emprego e casamento. Entretanto, entre 1915 e 1920, houve uma reo-rientação dessas entidades negras, que abandonaram seu caráter de representação e os objetivos educa-cionais para se dedicarem principal-mente às questões de sociabilidade e recreação. Nesse período foram criadas as primeiras entidades dedi-cadas especificamente ao futebol, e também associações carnavalescas, que surgiram através de clubes que, 50 anos depois, iriam se tornar os únicos representantes do associati-vismo negro na cidade.

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Foto pertencente a Jaime Moreira da SilvaCanelas Pretas, do time 8 de Setembro, time da Colônia Africana.

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Carnaval de rua e instrumentos de percussão

Em Porto Alegre, de acordo com Germano (2008), o carnaval de rua atual se caracteriza pela pouca partici-pação da população branca, diferente de outros centros urbanos como o Rio de Janeiro e São Paulo, que congre-gam diferentes etnias.

Destaque ao gaúcho Lupicínio Rodrigues, inventor da expressão: “dor de cotovelo”. Lupi, como era co-nhecido, compôs marchinhas de car-naval e sambas-canção, músicas que expressam muito sentimento, princi-palmente a melancolia por um amor perdido. Compôs a música felicidade. “Felicidade, foi-se embora e a sau-dade no peito ainda mora e é por isso....”.

Além da corporeidade expres-sada nas danças e coreografias, os instrumentos de percussão também fazem parte deste universo. O tam-bor, depois os instrumentos criados no Brasil como repique, caxeta e pandeiro deram o colorido especial a nossa musicalidade. No Rio Gran-de do Sul, Gilberto Amaro Nasci-mento, o Giba-Giba, pesquisou um instrumento comum aos escraviza-dos gaúchos, o Sopapo, conhecido como Grande Tambor.

Capoeira Outras expressões culturais tri-

lharam o mesmo percurso. A capo-eira, considerada uma forma de bri-ga de bandidos e marginais, foi, em sua origem, uma forma de proteção dos escravizados contra a violência e repressão dos colonizadores bra-sileiros, uma vez que os escravos eram alvos de práticas violentas e castigos dos senhores de engenho. Estes senhores proibiam os escravos de praticar qualquer tipo de luta. A alternativa encontrada pelos es-cravos foi utilizar o ritmo e os mo-vimentos de suas danças africanas,

adaptando-as a um tipo de luta que se transformou em um instrumento importante de resistência cultural e física. Assim surgiu a prática da ca-poeira, uma arte marcial disfarçada de dança, que tinha como objetivo manter viva a cultura, aliviar o es-tresse do trabalho e a manter a saú-de física dos escravizados. No Brasil, até o ano de 1930, a polícia rece-bia instruções para prender os ca-poeiristas, uma vez que a capoeira era tida como uma prática violenta e subversiva. Nas últimas décadas, a capoeira se popularizou bastante, sendo até tema de vários jogos de games e filmes.

Resgatar a presença dessas ex-pressões de raízes tão acentuadamen-te africanas e de personalidades negras

Que tal fazer uma pesqui-sa e descobrir as manifesta-ções culturais afro-brasileiras existentes em sua cidade ou região? Procure fotografias em jornais, revistas, sites e monte um painel com as informações encontradas sobre a origem dessas manifestações e como elas são vivenciadas hoje.

Procure músicas da atuali-dade que tratem da questão re-lacionada ao negro. Analise as letras e discuta com os colegas em aula. Organize com seus colegas uma apresentação em aula com uma música que tra-te da questões negras.

Fotografe cenas que reve-lem a presença da cultura ne-gra no cotidiano de sua cidade.

na sociedade brasileira é fundamen-tal na construção de referências posi-tivas em torno da contribuição dos ne-gros para a história cultural do Brasil e do Rio Grande do Sul evidenciadas na mú-sica, na dança e no esporte, na cultura hip hop, no penteado afro, na arte e na política.

ESCOBAR, Giane. V. Clu-bes Sociais Negros: lugares de memória, resistência ne-gra, patrimônio e potencial. Dissertação (Mestrado Profis-sional em Patrimônio Cultu-ral), Universidade Federal de Santa Maria/RS. 2010.

FERREIRA DA SILVA, G. SANTOS, J.A. dos; CUNHA CARNEIRO, L.C. da. (Orgs). RS Negro: cartografias sobre a produção do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS e Go-verno do RS, 2008.

FERREIRA, Edinéia Lo-pes; SANTOS, Elzelina Dóris dos; CARDOSO, Marco Antô-nio. Contando a História do Samba – caderno de textos. Minas Gerais: Mazza Edições, 2004.

GILL, Lorena Almeida; LO-NER, Beatriz Ana. Clubes car-navalescos negros na cidade de Pelotas. In: Estudos Ibe-ro-Americanos. Porto Alegre, v. 35, nº. 1, p. 145-162, jan./jun. 2009.

LONER, Beatriz. Constru-ção de classe: operários de Pelotas e Rio Grande (1888-1930). Pelotas: EdUFPEL, 2001.

GERMANO, Íris. Carna-vais de Porto Alegre: etnicida-de e territorialidades negras no Sul do Brasil. In: SILVA, Gilberto et alli. RS negro: car-tografias sobre a produção do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. 100-119p.

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Sabores em destaque - a influência africana na culinária brasileira e gaúcha

Comer é um ato social, uma vez

que constitui costumes

relacionados aos usos, tradições,

condutas e situações.

Os descendentes de africa-nos no Brasil trabalharam, entre outros serviços, como

escravos domés-ticos. E dentre as atividades de-sempenhadas no interior dos ca-sarões dos enge-nhos, das char-queadas, das fa-zendas ou das ci-dades, o preparo das refeições era tarefa primordial das negras escra-vizadas. Delas vie-ram as técnicas e os modos de co-zinhar os alimen-tos. O seu preparo era fruto de cui-dado e atenção, pois havia a neces-sidade de adaptar os pratos típicos, servidos diariamente, com os ingre-dientes locais. Por essa razão, mui-tos estudiosos afirmam que a cozi-nha é lugar de truque, um espaço onde se dinamiza a criatividade.

Para exercer essa criatividade, contava-se com uma variedade imen-sa de produtos alimentícios nativos e outros vindos diretamente do conti-nente africano. Esses produtos pas-saram a rechear as refeições nos lares dos brasileiros. Exemplos de produtos originários do continente africano são manga, melancia, jaca, cana-de-açú-car, arroz, azeite de dendê, banana, café, pimenta malagueta, amendoim, óleo de coco, abóbora, quiabo, jiló, gengibre, erva-doce, canjiquinha e tantos outros.

Tradições gastronômicasUm dos pratos mais populares

no Brasil, o acarajé, foi reconhecido como patrimônio cultural imaterial, em 2006, pelo Ministério da Cultura . Ou-tra especialidade gastronômica da culi-nária afro-brasileira é o angu; esse ali-mento nutritivo é feito com farinha de milho ou de mandioca, água, pimen-ta e azeite. E a apreciada moqueca de peixe ou de camarão cozido com den-dê, tomate e pimenta.

A feijoada também é outro prato que resultou da criatividade africana. Pre-parada à base de feijão preto. O feijão já fazia parte dos sabores africanos. No Brasil, a feijoada ganhou novos ingre-

dientes, como pe-daços de carne seca e linguiça, entre ou-tros. Do arroz, por exemplo, surge o carreteiro na região sul, Maria Isabel, e na região central do país. O fato é que o arroz e o feijão, ingredientes bási-cos dos lares brasi-leiros, são algumas entre tantas outras heranças deixadas pela população afri-cana. É uma de-

monstração de que a população negra introduziu seus modos alimentares, que aos poucos foram influenciando os pala-dares da população brasileira.

Alimento é sagrado

Para os afrodescendentes, liga-dos aos rituais do Batuque, o alimento é santo, sagrado e tem lugar de desta-que nos terreiros. O alimento nos ritu-ais fortalece a relação entre o devoto, a comunidade, os Orixás e os ancestrais, uma vez que eles estão sempre pre-sentes no grupo como companheiros, parceiros essenciais nos relacionamen-tos sociais. Além de saciar a matéria, o corpo, o alimento também fortalece o espírito; por isso, o alimento é uma dádiva. Porém, a cultura dominante

tenta fragilizar essa tradição. Ela disse-mina produtos industrializados, instan-tâneos e desvinculados dos hábitos e costumes tradicionais.

Identifique os princi-pais produtos alimentícios da sua região, da sua cida-de, do seu bairro. Em segui-da verifique a sua origem e monte a trajetória de como esses produtos naturais chegaram até aqui.

Pesquise em livros ou sites a respeito das comi-das que são utilizadas como fonte de oferenda nos ri-tuais dos terreiros. O que se oferta? Para quem? Por quê? Sistematize os dados em uma redação.

Pesquise com pessoas em sua casa, em seu bair-ro ou em sua cidade uma receita de comida que elas saibam preparar e que te-nha origem na cultura afro-descendente. Traga a recei-ta por escrito para a aula para apresentar e comparti-lhar com seus colegas.

MOREIRA, Paulo Rober-to Staudt. Joana Mina, Mar-celo Angola e Laura crioula: os parentes contra o cativei-ro. In: SILVA, Gilberto Fer-reira; SANTOS, José Antô-nio e CARNEIRO, Luiz Carlos da Cunha. RS Negro: carto-grafias sobre a produção do conhecimento. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2008.

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Literatura e negros: dois modos de contar e ouvir histórias

Existe a necessidade

de contarmos e ouvirmos

histórias para reinventarmos

o mundo. Desse modo, resgatar e compreender a trajetória do

negro na literatura brasileira e gaúcha é transformá-la em instrumento eficaz

para mudança do que está ao nosso

alcance.

O hábito de contar e ouvir histórias acompanha a hu-manidade em sua trajetória

no espaço e no tempo. Reconhe-cer a importância da literatura sig-nifica de algum modo perceber que ela expande e diversifica nossas concepções de mundo. A ausência da leitura em nossa vida nos limi-ta de modo a nos excluir dos acon-tecimentos, abdicando da imagi-

nação e da interpretação da vida. Aproximar-nos da literatura através de um romance, poesia, artigo, jor-nal, crônica e conto nos possibili-ta a aproximação, tanto do mundo da ficção quanto das realidades lo-calizadas no universo das palavras. Existe a necessidade de contarmos e ouvirmos histórias para reinven-tarmos o mundo.

A exemplo dos contos como As mil e uma noites, as histórias continu-am salvando vidas, principalmente as vidas em vulnerabilidade econômica, social e cultural. Tal como Sherazade, personagem de As mil e uma noites, precisamos suscitar sonhos e enfrentar a morte com narrativas que promo-vam vida, assim como afirma o escri-tor moçambicano Mia Couto (2009), ao reivindicar identidades: “ao fim e ao cabo, só existe um verdadeiro suicí-dio: deixar de ter nome, perder enten-dimento de si e dos outros. Ficar fora das palavras e das alheias memórias”. De fato, a morte existe quando exclu-ímos a imaginação, o sonho, o enten-dimento de nós mesmos, do outro e do mundo que nos cerca.

Os negros na literatura

brasileira e gaúcha

A trajetória dos negros na litera-tura brasileira segue, de alguma for-ma, o mesmo percurso dos negros dentro da própria história da consti-tuição de nossa sociedade. Durante

um grande período da literatura bra-sileira, os negros foram representados de forma estereotipada e destituídos de individualidade, embora não tenha se limitado a isso. Podemos observar que a sua trajetória em nossa litera-tura é marcada por duas posturas: a condição negra como objeto, numa visão distanciada; e o negro como su-jeito, de um modo compromissado.

No cenário literário brasileiro, podemos observar exemplos simila-res como o do belo mulato de olhos azuis do romance O Mulato, de Alu-ísio Azevedo; a da posição polêmica de Machado de Assis, um dos maio-res escritores brasileiros que, sendo negro, não se coloca nessa condi-ção em sua obra; a da subserviente Irene no Céu de Manuel Bandeira, e até de Jorge Amado, que fala de suas mulatas como mulheres libidi-nosas.

Uma pesquisa realizada por França (2006) analisou personagens negras na literatura infanto-juvenil brasileira. O estudo objetivou anali-sar a representação de personagens negras na literatura infanto-juvenil considerando a trajetória do gênero literário no Brasil. A análise do autor se apoiou em textos de várias épo-cas. Dentre as obras analisadas nas décadas de 20 a 50, estão as de Monteiro Lobato como Reina-ções de Narizinho; Maria José Du-pré com os livros A montanha má-gica e A ilha perdida; e Cazuza, de autoria de Viriato Corrêa, e Éri-co Veríssimo com as Aventuras do avião vermelho. A pesquisa verifi-cou que, nas obras da primeira me-tade século XX, existia um reforço e manutenção do estereótipo do negro, o que vem se modificando gradualmente nas produções mais contemporâneas.

Transmissão[Oliveira Silveira*]

Querem que a gente saibaque eles foram senhorese nós fomos escravos.Por isso te repito:eles foram senhorese nós fomos escravos.Eu disse fomos.

*Oliveira Ferreira de Oliveira nasceu em Rosário do Sul, RS, em 1941, é formado em Letras, pesquisador e historiador. É autor de Geminou (1962), Poemas regionais (1968), Banzo saudade negra (1970), Décima do negro peão (1974), Pelo escuro (1977).

As mil e uma noites

É o título de uma das mais famosas obras da literatura árabe. Trata-se de uma coleção de contos escritos entre os séculos XIII e XVI. O que deixa o leitor interessado em ler todos os contos é o fato de eles serem interligados, isto é, um é complemento do outro. A obra conta a história do rei Périsa, da Pérsia, que traído pela esposa mandou matá-la; desse momento em diante decidiu passar cada noite com uma mulher diferente, que era degolada na manhã seguinte. Dentre as várias mulheres que desposou, Sherazade foi a mais esperta, pois iniciou um conto e conseguiu encantar o monarca por mil e uma noites, sendo poupada da morte.

Narrativas literárias

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Valorizar a identidade afro-

brasileira

Na literatura mais atual, encon-tramos outras formas de representa-ção do negro através, por exemplo, da inserção de traços e símbolos da cultu-ra afro-brasileira, de aspectos e meca-nismos de resistência para enfrentar os preconceitos, da valorização da iden-tidade afro e das diferenças culturais. O autor entende que essas mudanças foram geradas pela influência da pró-pria negritude e do movimento negro.

São resultados, ainda, da presença crescente de uma literatura escrita por negros brasileiros e africanos, dentre os quais, podemos citar Cidinha da Sil-va e Conceição Evaristo.

O negro como sujeito

Na literatura gaúcha, o negro aparece também como sujeito no trabalho do gaúcho Oliveira Silveira. A contribuição do autor compreen-de várias obras, dentre as quais, a Décima do Negro Peão, em que mostra que o negro foi um dos for-madores da tradição gaúcha, tra-balhando nas charqueadas desde o século XVIII, guerreando na Revolu-ção Farroupilha, e atuando nas di-versas atividades do meio rural do Rio Grande do Sul.

Ainda nessa perspectiva, des-tacam-se o carioca Lima Barreto,

cuja obra é caracterizada pela de-núncia e engajamento; e Abdias do Nascimento, poeta e criador do Te-atro Experimental do Negro, pio-neiro na produção de uma obra en-gajada no Brasil.

Cabe-nos o desafio de resga-tar e compreender a trajetória do negro na literatura brasileira e gaú-cha para transformá-la em instru-mento eficaz para mudança do que está ao nosso alcance.

Escreva a história de vida de uma pessoa negra que você conhece para ler e compartilhar com seus cole-gas.

Faça uma poesia que te-nha como tema a negritude.AZEVEDO, Aluísio. O mula-

to. Fundação Biblioteca Nacional. Acesso em: dez 2009. Disponível em < http://objdigital.bn.br/Acer-vo_Digital/livros_eletronicos/o_mulato.pdf>.

BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira: poesias reunidas. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, Instituto Nacional do Livro, 1970.

CÔRREA, Viriato. Cazuza. São Paulo: Ed.Nacional, 2004.

COUTO, Mia. Antes de nas-cer o mundo. São Paulo: Compa-nhia das Letras, 2009.

DUPRÉ, Maria José. A ilha per-dida. São Paulo : Ed. Ática, 2002.

______. A montanha mágica. São Paulo : Ed. Ática, 1980.

EVARISTO, Conceição. Pon-ciá Vicêncio. 2. ed. Belo Horizon-te: Mazza Edições, 2005.

FRANÇA, Luiz Fernando. Per-sonagens negras na literatura infanto-juvenil: da manutenção à desconstrução do estereótipo. 2006. Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem) - Universi-dade Federal de Mato Grosso.

LOBATO, Monteiro; BORGES, Paulo. Reinações de Narizinho. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 2007.

RIBEIRO, Esmeralda; BARBO-SA, Marcio (org.). Cadernos negros – os melhores poemas. São Paulo: Quilombhoje publicações, 1998

SILVA, Cidinha. Os nove pen-tes d’África. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2009.

SILVEIRA, Oliveira. Décima de negro peão. Porto Alegre: ed. do Autor, 1974.

VERÍSSIMO, Érico. As aven-turas do avião vermelho. Cia das Letrinhas, 2002.

SANTOS, Joel Rufino dos. Carolina Maria de Jesus : Uma escritora improvável. Rio de Janeiro : Garamond, 2009.

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Poeta Oliveira Silveira

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Religiosidade afro-brasileira: diversi-dade, reconhecimento e resistência

Para entender as religiões afro-

brasileiras e a sua importância,

devemos retornar as origens e verificar

que a crença mantém viva as

lutas, as esperanças e os sonhos.

A origem das religiões afro-brasilei-ras vem de diferentes regiões do continente africano. África Oci-

dental, Centro-Ocidental e Oriental, lu-gares onde já se praticava o culto aos ancestrais. Aqui no Brasil, as tradições africanas foram transmitidas principal-mente através da oralidade, da pala-vra manifestada nas rodas de convivên-cia com os portu-gueses, indígenas, crioulos, forman-do uma imensa di-versidade cultural. Nessa mistura étni-ca e cultural, con-seguir reimplantar os ritos, os cultos, as danças , não foi tarefa simples. Pois, em alguns locais, os senhores permi-tiam os encontros, já em outros eles ti-veram que ocorrer, na maioria das vezes, na clandestinida-de. Entretanto, essas estratégias foram fundamentais para preservar as mani-festações religiosas e culturais de origem africana.

Durante e após a abolição da es-cravidão, a religião afro-brasileira foi du-ramente perseguida pelas autoridades, pelos agentes políticos e pelos religio-sos. Diante das perseguições e imposi-ções de outras denominações religiosas, a população negra fez da religiosidade uma das bases da resistência, garantin-

do assim a preservação dos rituais, dos seus costumes e das suas tradições. Par-ticipando das confrarias e das irmanda-des católicas, os negros se identificaram com os santos de cor, Nossa Senhora Aparecida e São Benedito. Foi a manei-ra que encontraram para se familiarizar com os santos católicos.

Diversidade e comunhão

O princípio básico do candomblé são as práticas das oferendas aos ances-trais e o processo de iniciação dos par-ticipantes no ritual de incorporação do orixá. A umbanda, por sua vez, une ele-mentos das religiões africanas, do espiri-tismo kardecista, do catolicismo e de al-guns símbolos dos rituais indígenas. Os cultos aos Orixás praticados nos terreiros de batuque são realizados ao som de percussão. Nessas manifestações reli-giosas, crê-se na existência de forças so-brenaturais que interferem neste mun-

do. E também apresenta forte li-gação com a na-tureza. Os Orixás cultuados têm como referência os elementos das águas, da terra, das florestas, ou seja, o elemento natural compõe as práticas religiosas.

Nos últimos anos, as religiões afro-brasi le i ras vêm crescendo significativamen-te e têm conquis-tado, com muita luta, importantes espaços. Institu-

cionalmente, o IPHAN (Instituto do Patromônio Histórico e Artístico Na-cional) tem adotado a política do reco-nhecimento e da legitimidade dos gru-pos religiosos na história e na cultura brasileira, realizando tombamentos de terreiros como patrimônio cultural. Já as instituições sociais que defendem a livre manifestação religiosa promovem manifestações públicas. Em Porto Ale-gre, em 2009, a Congregação em De-fesa das Religiões Afrobrasileira do RS (CEDRAB-RS), em sintonia com outras entidades, realizou a I Marcha Estadu-

al pela Liberdade Religiosa e pela Vida, uma mobilização importante contra o preconceito e a intolerância religiosa.

As religiões afrogaúchas

Darci Ribeiro (1995) disse certa vez que o negro “fez quase tudo que aqui se fez”. Essa contribuição da po-pulação negra é constatada também no Rio Grande do Sul, estado com forte presença dos imigrantes europeus. No campo religioso de matriz africana não é diferente.

Com base nos estudos do profes-sor Ari Pedro Oro (2008), somos informa-dos de que no estado existem mais de 30 mil terreiros, possuindo o maior nú-mero de praticantes da religião afro no país. Dentre as religiões de matriz afri-cana praticadas no Rio Grande do Sul, destacam-se a umbanda, o batuque e a linha cruzada. Entre os três há muitos elementos em comum, muito embora o diferencial entre eles esteja nos rituais que envolvem o sacrifício de animais.

O batuque, a modalidade mais africana dos cultos afro-brasileiros, ini-ciou suas atividades ainda no século XIX na região sul do Estado, nas cida-des de Pelotas e Rio Grande, cultuan-do as divindades chamadas de orixás. A umbanda inaugurou sua primeira casa, em 1926, no município de Rio Grande. Seis anos depois esses rituais foram tra-zidos para Porto Alegre. Na umbanda são cultuados caboclos, pretos-velhos, crianças, além das falanges africanas. A linha cruzada cultua, simultaneamen-te, os orixás do batuque e as entidades da umbanda. Apesar de ser recente, do ano de 1960, ela vem crescendo siste-maticamente no estado.

O panorama dessas experiências está posta. É necessário aprofundar nos estudos realizados para valorizarmos ainda mais os elementos da cultura afri-cana em nosso estado e no Brasil.

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Musicalidade e devoção popular

Na celebração, a música e os ins-trumentos, como atabaques, cabaças, chocalhos, agogôs, ganzás, tem papel de destaque. A musicalidade ajuda a evocar as entidades espirituais e ao mes-mo tempo funciona como um canal de ligação entre a pessoa e o sagrado. No início do século XX, a temática afrorreli-giosa ganhou outras dimensões. Vários artistas brasileiros, consagrados ou não, passaram a se inspirar na religiosidade afrodescendente para trabalhar as suas composições musicais.

As letras das músicas contam as histórias dos ancestrais, os nomes das divindades, as lendas dos orixás, os símbolos sagrados, os elementos que compõem os rituais. Esse repertório musical tem contribuído para divulgar e socializar as devoções populares exis-tentes em todas as regiões do Brasil. Quem já ouviu Conto de areia inter-pretado por Clara Nunes?

Ela mora no mar Ela brinca na areia No balanço das ondas A paz ela semeia Ai quem é?

Alguns dos Orixás cultuados no Brasil

Exu é considerado o mensageiro entre os orixás.Iansã é um orixá feminino, considerada uma guerreira.Iemanjá é outro orixá feminino, considerada a mãe de todos os orixás.Ogum é o orixá das guerras.Oxalá é o orixá criador da humanidade.Oxóssi é o orixá da caça e junto com Ogum desbrava os caminhos e remove os obstáculos da vida.Oxum é um orixá feminino e representa a beleza e o amor.Xangô é o orixá do poder e da justiça.

A construção da igualdade http://www.youtube.com/watch?v=F5XaRwBjj48&feature=related

Faça um mapeamento das manifestações culturais afro-brasileiras existentes na sua cidade. Procure ma-teriais audiovisuais (fotos, entrevistas, matérias de jor-nais, sites e outros), reúna essas informações a partir da origem dessas manifes-tações e informe como elas, atualmente, se apresentam.

Entreviste pessoas que praticam as religiões afro-brasileiras para conhecer sua história com essas reli-giões e se há alguma dificul-dade enfrentada pelos afro-brasileiros para manifestar a sua religiosidade? Quais são essas dificuldades? Como enfrentam ou como reagem a essa situação?

Procure músicas que tratam das questões liga-das à religiosidade do ne-gro. Analise as letras e dis-cuta em sala de aula a sua influência.

BASTIDE, Roger. As religi-ões africanas no Brasil. Pio-neira, São Paulo, 1985.

CORRÊA, Norton. O batu-que do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. EdUFRGS. 1992.

ORO, Pedro Ari. As religi-ões afrogaúchas. In: SILVA, Gilberto Ferreira; SANTOS, José Antônio e CARNEIRO, Luiz Carlos da Cunha. RS Ne-gro: cartografias sobre a pro-dução do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

Projeto Cultural o povo negro do Sul. ALVES, Nerei-dy Rosa. 130 anos de Flores-ta Aurora. Porto Alegre: ARI, 2002.

RIBEIRO, Darci. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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“Em estilo barroco foi edificada entre os anos de 1817 e 1827, pela Irmandade Nossa Senhora do Rosário no centro de Porto Alegre, confraria de negros lives e escravizados. Foi muito importante na vida da comunidade negra durante o século XIX. Em 1950 a Mitra Arquidiocesana ordenou a demolição, para construir a paróquia atual.”

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Batucar, cochilar, bengala, inhame, orixá... Recriando as línguas africanas

A África, por ser um continente

multilíngue, envolve pluralidade

de saberes, informações e ensinamentos. Qual influência

sociolinguística ela tem sobre o nosso

continente?

No continente africano, existem mais de mil línguas maternas, algumas delas faladas por mi-

lhões de pessoas e outras utilizadas em pequenos grupos sociais. Para com-preendermos melhor essa diversidade linguística de origem africana, pode-mos dividi-las didaticamente em qua-tro grandes grupos: afro-asiático, koi-san, níger-Congo e nilo saarianos. Es-ses grupos linguísticos subdividem-se em outros idiomas, mas há nas suas estruturas uma língua-mãe comum que aproxima as palavras cognatas e as marcas gramaticais semelhantes.

Com o processo de colonização do continente africano, outras lingua-gens como o francês, o inglês, o italia-no e o português passaram a predomi-nar em vários países. O português, por exemplo, é falado em cinco países africa-nos: Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Cabo Verde.

Mobilidade linguística

A presença do povo negro em diversos países do mundo contribuiu com a construção da linguagem, das práticas culturais, das resistências à ideologia dominante. No Brasil, não foi diferente. Apesar de que não se pode precisar o número de línguas originá-rias do continente africano, pode-se dizer que a movimentação de milhões de africanos durante o tráfico negreiro e o comércio de escravos possibilitou

a incorporação de palavras de origem africana em nosso léxico gramatical, no vocabulário e no próprio jeito de fa-lar do povo brasileiro. Percebe-se que a língua está associada ao funciona-mento histórico e social de um povo.

Oralidade

Outra característica importante são as dinâmicas da linguagem. Ela es-trutura as relações no interior do gru-po social. Fato presenciado, por exem-plo, na prática da comunicação oral. A dinâmica da oralidade é exercida prin-cipalmente pela população africana e pelos afro-brasileiros; oralidade que expressa o princípio de igualdade e do reconhecimento do Outro. Já na cons-tituição da língua portuguesa, a nos-sa oralidade enfatiza uma linguagem machista, ideologicamente produzida para ser excludente com as mulheres, pois é comum a utilização de palavras masculinas: todos, homens, um, ele quando se refere a um grupo eminen-temente constituído de mulheres. É urgente a necessidade de superar esse discurso machista, bem como todos e quaisquer discursos autoritários, a fim de promover uma comunicação de-mocrática entre falantes e ouvintes.

Valorizar e recriar a linguagem

No espaço escolar, deve-se pro-mover uma recriação da linguagem compatível com uma aprendizagem que restabeleça o elo com as ancestrali-dades, com as africanidades que foram perdidas ou rompidas nessa trajetó-ria histórica. Assim, o estudo da língua em sala de aula pode ser articulador do processo democrático, criando espaços que sejam uma espécie de mesa de ne-gociação em que se aprende a dizer a palavra própria, respeitando a capaci-dade de indagação e questionamento dos estudantes. Essa prática possibilita romper com hierarquização entre pro-fessor e aluno e com as exposições de aulas apenas em monólogos. Valoriza, portanto, a comunicação dialógica.

Leia e analise o poema Navio Negreiro de Castro Al-ves.

Faça uma pesquisa e des-cubra as marcas linguísticas afro-brasileiras existentes na sua cidade ou região. Procu-re as palavras e expressões em revistas, jornais, sites e redija um texto informando como elas são retratadas nos nossos dias.

Quais são as manifesta-ções afro-brasileiras que po-dem ter sua origem ou ter re-cebido a influência da cultu-ra africana?

Agora chegou a hora de aumentar o nosso repertório linguístico. Eis algumas palavras de origem africana utilizadas no Brasil.

Alimentos: acarajé, angu, bobô, cachaça, canjica, dendê, fubá, inhame, jiló, maxixe, mocotó, quiabo, quibebe, quitute, vatapá.

Religião: candomblé, Iemanjá, macumba, mandinga, orixá, Oxossi, Xangô.

Música: atabaque, batuque, berimbau, bumbo, caxambu, congada, jongo, matacatu, samba.

Lazer: coringa, dunga, empate.

Características físicas: banguela, cangote, careca, corcunda.

Verbos: batucar, cochilar, engambelar, xingar.

Animais: bugio, camundongo, caxinguelê, gambá, marimbondo, minhoca, papagaio, zebra.

Objetos: bengala, cachimbo, cacimba, carimbo.

Doenças: cachumba, calombo.

Expressão social: axé, caçula, cambada, catinga, dengo, moleque, muamba, mucama, mulamba, quitanda,

senzala, sinhá.

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Educação pela igualdade: o negro nas escolas brasileira e gaúcha

A interlocução entre educação

e etnia se faz necessária

para pensar a democratização

da educação, que, enquanto direito

social, precisa garantir o direito

à diferença e a implementação

de políticas públicas que superem as

desigualdades sociais e raciais.

N os últimos anos, o campo da educação tem se desta-cado quando se trata da im-

plementação de políticas públicas de promoção da igualdade racial no Brasil, especialmente a partir da promulgação da Lei n°10.639/03, de janeiro de 2003. A Lei de Histó-ria da África, como ficou conhecida, alterou a Lei nº 9.394/96, de Dire-trizes e Bases da Educação Nacio-nal - LDB, determinando a inclusão do ensino sobre História e Cultu-ra Afro-Brasileira no currículo ofi-cial dos estabelecimentos de ensi-no fundamental e médio do país. Segundo essa nova legislação, os conteúdos a serem ministrados pe-las escolas devem incluir o estudo da História da África e dos Africa-nos, da luta dos negros no Brasil, da presença da cultura negra bra-sileira e do negro na formação da sociedade nacional, com o objetivo de resgatar a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política do país.

De acordo com alguns especia-listas, uma das possíveis saídas para o fim das desigualdades educacio-nais do Brasil está em enfrentar as desigualdades raciais presentes no

ambiente escolar, que estão expres-sas, em grande medida, no currícu-lo escolar. Embora estejam presentes de modo relevante em nossa socie-dade, como observamos em nosso cotidiano, a história e cultura negras têm tido pouco ou nenhum destaque nos currículos escolares brasileiros, que têm suas bases fixadas nas cultu-ras de origem europeia. Cabe ressal-tar que em 2008 foi editada a Lei nº 11.645, que alterou novamente a LDB e incorporou a necessidade do ensino da história dos indígenas no Brasil.

Escola: currículo, bibliotecas e livros

didáticos

Quando a trajetória histórica do negro é estudada nas escolas, muitas vezes, é feita de modo pou-co aprofundado e restrita a datas específicas, como 13 de maio, data da Abolição da Escravidão, ou 20 de novembro, Dia Nacional da Consci-ência Negra. Outra postura comum encontrada no ambiente escolar é a de tratar as questões da realidade do negro apenas quando surge al-gum assunto na sala de aula pauta-do pela mídia.

Outro exemplo que podemos citar sobre as desigualdades raciais na escola é o fato de muitas biblio-tecas escolares disporem de poucas obras sobre a questão racial para uso dos alunos, professores e funcioná-rios. O racismo e a falta de imagens do negro, ou a presença de imagens apresentadas, quase sempre, de for-ma negativa nos livros didáticos, são apontados como elementos que

causam a evasão da criança negra da escola, por dificultar a sua identi-ficação com os conteúdos e proces-sos pedagógicos adotados. Muitos professores têm dificuldade para tra-balhar com questões que dizem res-peito a essa população, geralmente, vista como brincalhona, desligada ou pouco afeita ao conhecimento, des-conhecendo as diferenças culturais que carregam consigo os estudan-tes negros. Historicamente, o negro enfrenta dificuldade para o acesso e para a permanência na escola, um espaço sociocultural que deveria es-tar sempre voltado à ampliação de direitos e a uma formação dos alu-nos que respeite as diferenças e seja justamente questionadora do pre-conceito.

Combater o preconceito racial

A Lei Federal nº 10.639/03 abriu alguns caminhos pedagógi-cos no combate ao preconceito ra-cial, assim como para alternativas de intervenção no currículo das es-colas brasileiras. Nas práticas edu-cativas, já podemos observar al-guns avanços significativos. Como

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exemplo, podemos citar a cria-ção de secretarias e órgãos gover-namentais de planejamento e de orientação (como a Coordenadoria das Políticas de Igualdade Racial no Rio Grande do Sul); o aumento do número de pessoas e instituições envolvidas em discussões coleti-vas sobre o tema; o incremento de pesquisas nas universidades atra-vés dos NEABs (Núcleos de Estudo Afro-Brasileiros) e a organização de uma série de publicações de apoio que subsidiam o debate e as ações nas escolas.

Os avanços são também sig-nificativos no que se refere à for-mação continuada para educado-res no que diz respeito à inclusão da cultura negra nas práticas peda-gógicas das escolas. Isso se traduz na quantidade de projetos e cursos existentes, em âmbito interno e ex-terno das universidades, nas secre-tarias de educação e em ONGs (Or-ganizações não governamentais), coordenados em grande parte por grupos de militantes e pesquisado-res já envolvidos com a produção de conhecimento na área de rela-ções raciais.

Positivar a negritude

Se considerarmos que desde a homologação da Lei nº 10.639 já pas-saram alguns anos, a sua implantação ainda é lenta. Há poucos livros didáti-cos que atendam às prerrogativas pre-vistas pela lei. De acordo com as Diretri-zes Curriculares Nacionais para a Edu-cação das Relações Étnicos-Raciais e para o Ensino de História da África, o objetivo principal da lei consiste em pro-mover políticas de reparações e de re-conhecimento e de valorização da his-tória, cultura e identidade da população negra. No entanto, constata-se o seu não cumprimento através da omissão dos setores públicos em criar mecanis-mos para sua implementação efetiva, da persistência da discriminação no am-biente escolar, na resistência por parte de professores, diretorias e até mesmo dos gestores, que, na maioria das ve-zes, se mostram despreparados, alheios e até mesmo contrários ao processo de implementação da norma federal. Isso pode ser confirmado através de inquéri-tos civis públicos instaurados em vários estados brasileiros para apurar os moti-

vos do descumprimento da lei promul-gada em 2003, verificar a existência de improbidade administrativa nessa situa-ção e a omissão dos órgãos responsá-veis pela implementação da Lei.

Como podemos observar, os de-safios são muitos, mas há indicado-res que sinalizam esforços, em muitos contextos escolares, que têm visado à construção de uma identidade negra positiva que colabore para que a cultu-ra dos afro-descendentes seja reconhe-cida, abordada e valorizada como par-te das identidades culturais que cons-tituem o Brasil e o Rio Grande do Sul.

Que tal ser repórter por um dia? Verifique como a Lei nº 10.639/03 está sen-do aplicada em sua esco-la e nas demais escolas da sua cidade. Busque saber se os professores foram prepa-rados para corresponder às determinações legais e quais são os avanços e os desafios encontrados.

Busque livros didáticos em uso na sua escola e dis-cuta em sala de aula se eles estão contribuindo para a promoção da cultura afro-brasileira.

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Afroetnomatemática: a inclusão dos saberes matemáticos na escola

O estudo da matemática

ajuda na construção da

consciência crítica da

pessoa, nas lutas pelo

reconhecimento dos valores

socioculturais e no compromisso com a educação transformadora.

A afroetnomatemática é uma proposta pedagógica que considera os conhecimen-

tos práticos, os saberes locais e os cotidianos dos estudantes afro-brasileiros no processo de ensino e aprendizagem. Isto é, para além do rigor e da exatidão do ensino da matemática tradicional, valori-za-se a diversidade cultural da cul-tura africana e das africanidades. A ênfase do ensino da afroetno-matemática é ultrapassar a trans-missão do conhecimento sistema-tizado, de modo a contribuir com a construção de sujeitos conscien-tes e críticos. A matemática é, en-tão, estudada em estreita relação com o cotidiano do aluno.

Exemplos

No ensino da afroetnomate-mática, analisa-se o protagonismo da população negra, verificando as suas contribuições para as di-versas áreas do conhecimento. Por

exemplo, nos jogos de búzios, uti-lizam-se as combinações das car-tas a partir dos números 0 e 1, a mesma ideia do código binário que está na base da informática. Esse é apenas um exemplo dentre mui-tas experiências que podem ser aprofundadas no ensino da afroe-tnomatemática, mostrando como a produção do conhecimento de-senvolvida pelos negros tem apli-cação nas áreas de matemática, engenharia, física, dentre outras.

O ensino da afroetnomate-mática nas escolas é uma propos-ta defendida pelo Movimento Ne-gro, que já nos anos 70 defendia a inclusão da História da Cultura da África nos currículos escolares. O ensino da matemática valoriza a experiência africana e insere-se na luta para superar a ideia dominan-te das ciências rígidas que tendem a subestimar os saberes cotidia-nos, produzidos fora da academia. No ensino da afroetnomatemáti-ca, todo conhecimento é válido, enquanto construção humana.

Para além das fórmulas

Como a matemática é abor-dada nas salas de aula onde há pre-dominância de estudantes afro-bra-sileiros? A resposta exige um exame cuidadoso a respeito do desenvolvi-mento das ações pedagógicas desti-nadas a atender os diferentes grupos culturais. Isso porque os conteúdos da Matemática devem facilitar a “leitura da realidade”, de modo que o proces-so de aprendizagem parta dos sabe-res produzidos em que os estudantes afro-brasileiros estão inseridos. A rea-lidade sociocultural do estudante que tratamos aqui não se limita a simples ordenamento de números, cálculos ou coleta de dados. Deve, acima de tudo, perceber como o educando sen-te a própria realidade. Como propagou Paulo Freire (2002), quem consegue ler sua realidade é capaz de ler o mundo.

Construção coletiva

A afroetnomatemática contribui com a construção coletiva do conhe-cimento, engajando os estudantes na matemática do cotidiano, valorizando a história africana, os legados, os co-nhecimentos religiosos, os mitos po-pulares, as artes, as danças, os jogos, o cabelo trançado, as construções. O engajamento dos estudantes permite entender que esses saberes serviram de base para as ciências e que contri-buíram com o desenvolvimento social de outras culturas, inclusive a cultura brasileira.

Percebe-se que nesse proces-so de ensino e aprendizagem não há foco na memorização mecânica de fórmulas prontas para serem aplicadas ou transmitidas aos estudantes. O en-sino prático, contextualizado e dialo-gado, respeita as escolhas conscientes dos educandos. Com essa atitude, iin-centiva-os a indagar, estimulando-os a construir novas perguntas criativas e críticas.

Aplique o ensino da afro-etnomatemática num núcleo familiar. Busque informa-ções, por exemplo, sobre o orçamento familiar, a lista e os preços dos produtos mais consumidos, e registre tam-bém as conversas familiares a respeito do tema. Redija um texto, identificando como ocorreu o envolvimento da família com o conhecimento matemático, aproximando-a da prática cotidiana.

JÚNIOR. Henrique Cos-ta. Afroetnomatemática: Áfri-ca e afrodescendência. In: CAVALCANTI, Bruno Cézar; SUASSUNA, Clara e BAR-ROS, Raquel Rocha de Al-meida (orgs.). Kulé-Kule: vi-sibilidades negras. Maceió: EDUFAL, 2006.

SANTOS, Joel Rufino. Gosto da África: história de lá e daqui. São Paulo: Global, 2000.

FREIRE, Paulo. Peda-gogia do oprimido. 32 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

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Negros na mídia/negros fazendo mídia

A mídia está presente em nossos lares

cotidianamente. Ela interfere nas práticas

culturais e em nossa visão de

mundo. Os meios de comunicação

oferecem representações

sobre os afro-brasileiros e podem tanto

incluir quanto excluir de sua

agenda o debate sobre as relações

raciais e as desigualdades no

Brasil.

É incontestável a centralidade da mídia na sociedade contempo-rânea. Com o acelerado de-

senvolvimento tecnológico dos últi-mos anos, a mídia está presente e influencia muitos aspectos da nos-sa vida cotidiana. É a partir das suas representações que a mídia fornece referências para a produção e re-produção de ideias e visões sobre o mundo em que vivemos. Para a au-tora Woodward (2004), é por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que so-mos. A autora sugere, inclusive, que esses significados tornam possível aquilo que somos e aquilo no qual podemos nos tornar.

No entanto, ao mesmo tempo em que a mídia produz e reproduz sentidos, ela é também processo de

mediação, e isso significa movimen-tos de no mínimo dois lados, uma vez que, quando os produtos da mí-dia circulam, nós também colabo-ramos para sua produção. Lembre-mos, ainda, que as representações produzem significados e envolvem relações de poder, incluindo o poder para definir os modos de presença e exclusão de pessoas e grupos na mídia.

É preciso considerar que segue havendo um profundo desconheci-mento da sociedade brasileira sobre os prejuízos que a escravidão causou à população negra e à própria demo-cracia no Brasil. Depois, é necessário reconhecer que a existência de uma dívida histórica do Brasil com a po-pulação negra retirou dos negros o direito de serem representados, de terem uma história própria, escrita a partir do ponto de vista dos próprios negros.

Representação dos negros na mídia

Nesse contexto, historicamen-te, a mídia também teve e tem o seu papel de, em suas representações, incluir e excluir as relações raciais e as desigualdades do Brasil em sua agenda. Mas, como é possível à mí-dia excluir as relações raciais da sua agenda? Como é possível à mídia naturalizar indicadores sociais que revelam a discrepância entre bran-cos e negros em todas as esferas so-ciais? Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desen-volvimento - PNUD, em relação à população branca, os negros apre-sentam maior taxa de mortalidade infantil, menor esperança de vida e de renda para maior jornada de tra-balho, índice superior de desempre-go, menor mobilidade social, menos ascensão a postos políticos, média de anos de estudos, etc., (PNUD, 2005).

Para compreender essa dinâ-mica de relação entre negro e mídia, é importante partirmos de uma du-pla perspectiva: como a população negra é representada contempora-

neamente na mídia e como os ne-gros atuam para construir represen-tações positivas, e como pluralizar as suas representações no âmbito da mídia.

Essa dupla perspectiva sinaliza para a importância de pensar como os processos de diferenciação social na mídia interferem tanto nos direi-tos individuais quanto nas identida-des de grupo; e para isso é neces-sário estabelecer relações entre o passado e o presente com o fim de perceber as conquistas e o processo lento dessa historicidade.

Televisão e diversidade racial

O Brasil é conhecido por sua diversidade, inclusive racial, mas, apesar de mais de 50% da sua po-pulação se autodenominar negra, essa diversidade não é represen-tada na televisão. A representação negra sempre existiu, porém de ma-neira estereotipada, episódica, mo-mentânea, problemática e pouco digna. Joel Zito Araújo (2000) des-taca que, na década de 60, os pou-cos atores negros que fizeram par-te do elenco das novelas na Rede Tupi ou na Rede Globo representa-vam escravos (quando a novela era de época), “malandros” ou profis-sionais com baixo prestígio social, como empregadas domésticas ou motoristas. O fato é que há poucos negros desempenhando papéis de apresentadores, protagonistas e ân-coras de telejornais.

Telejornalismo e negritude

No telejornalismo brasileiro, os profissionais negros são escas-sos. Basta lembrarmos, por exem-plo, que, somente em 2002, Heral-do Pereira se tornou o primeiro ne-gro a apresentar o Jornal Nacional da Rede Globo, desencadeando o processo de exibição de jornalistas negras em emissoras como o SBT e TV Cultura. As jornalistas Glória Maria e Zileide Silva estão no gru-po das raras exceções. Glória Ma-ria, que não foi a primeira negra no telejornalismo, é considerada uma das profissionais mais respeitadas

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da TV brasileira até o momento. Zi-leide Silva também integra o time de grandes repórteres da TV Glo-bo, apurando e transmitindo infor-mações diretamente do Distrito Fe-deral.

No Rio Grande do Sul esse ce-nário não é diferente; os profissio-nais negros estão incluídos na cate-goria “raras exceções”. Um exemplo ilustrativo disso foi a constatação de uma pesquisa sobre a invisibilidade do negro no estado, realizada no iní-cio dos anos 2000 pela Faculdade de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PU-CRS) a pedido do Sindicato de Jorna-listas do Rio Grande Sul. Entre outros resultados, a pesquisa verificou que, naquele período, só havia quatro ne-gros trabalhando na televisão.

Protagonismo negro na telenovela

No que diz respeito à teledra-maturgia, podemos observar teleno-velas como A escrava Isaura (1976) que narra as agruras da escravidão a partir de uma escrava branca, Isaura, interpretada pela atriz Lu-célia Santos. Em 2001, a Rede Glo-bo exibiu a novela Porto dos mila-gres (2001), narrada na Bahia, um dos estados brasileiros com a maior concentração de negros. A trama tinha como cenário uma comuni-dade pesqueira e sua ligação com o universo religioso afro-brasileiro. Contudo, contava com a participa-ção de apenas seis atores negros, num elenco composto por 45 ato-res. Somente em 2009, a emissora de maior audiência do país escalou a primeira protagonista negra para sua telenovela de horário nobre, a atriz Taís Araújo, que interpretou a personagem Helena em Viver a vida. A soap opera Malhação, no ar desde 1995, só foi ter seu primei-ro protagonista negro também em 2009. No contexto gaúcho, é des-taque a atriz negra Sheron Mene-zes, que interpretou Júlia na novela Esperança (2002). A personagem era filha bastarda de um barão do café com uma empregada da famí-lia. A atriz já atuou como apresen-tadora no seriado “Fábulas Moder-nas” (2003), produção da RBS TV, na novela Caras & Bocas (2009), inter-pretando a doce e ingênua Milena,

vítima de preconceitos racial e de classe pelo seu namorado.

Exclusão e violência no cinema

Em se tratando dos filmes e minisséries, tem predominado re-presentações que dão maior des-taque às condições de exclusão e violência da raça negra. Exem-plos são Orfeu (1999), Cidade de Deus (2002), O homem que copia-va (2003), Tropa de Elite (2007), Ó Pai, ó (2007). Esses filmes podem se constituir em bons instrumentos para provocar debates em torno de temas como favela, drogas, pobre-za, violência e juventude. Entretan-to, é recomendável um olhar atento para que estes filmes não legitimem determinadas leituras já dadas da realidade, de modo a ocultar proble-mas que confirmem pontos de vista pré-concebidos sobre a questão da desigualdade racial, da violência, do narcotráfico e da criminalidade.

Em outra linha, vão os filmes Besouro (2009) e Jardim das Fo-lhas Sagradas, (2009). Besouro re-vela a história do mais famoso capo-eirista brasileiro, um negro que viveu no Recôncavo baiano e que criou fama, na década de 20, pela sua postura de resistência ao racismo através da luta da capoeira. O fil-me retrata Besouro como um herói brasileiro e revela a possibilidade de retirar o tema racial do circuito ne-gro-favela-droga-violência-morte. O filme mostra que Besouro também pode ser o herói da gurizada negra e branca do Brasil, que voa, pula, briga, como fazem os Bruce Lee e 007 por aí a fora, encantando tanta gente. Já o filme Jardim das Folhas Sagradas conta a história de Bon-fim, negro baiano que tem sua vida virada pelo avesso com a revelação de que precisa abrir um terreiro de candomblé. A partir daí se desenvol-ve toda a trama sobre religião, tradi-ção e cultura afro-brasileira, sobre a importância do candomblé no pas-sado, como elemento de resistên-cia ao racismo, e no presente, como meio de reconstrução da identidade negra, de preservação do meio am-biente, do convívio e da tolerância entre os seres humanos, longe dos estereótipos de religião demoníaca e de segunda ordem.

Qual papel representar?

Na área do humor, persona-gens da televisão e cinema, como Grande Otelo e Mussum, repre-sentavam o estereótipo do negro maltrapilho, vagabundo, sem pers-pectiva. As personagens negras estão frequentemente relaciona-das à comicidade, à criminalidade ou à servidão. Em várias teleno-velas e minisséries, produções da TV brasileira, verifica-se uma car-ga muito grande de preconceitos e podemos, inclusive, visualizar a ocorrência de claro racismo ins-titucional. O conceito de racismo institucional, ou racismo sistêmico, foi criado em 1967 por Carmicha-el e Hamilton, e refere-se à forma de racismo que se estabelece nas estruturas de organização da so-ciedade, nas instituições, como a mídia, traduzindo os interesses, ações e mecanismos de exclusão perpetrados pelos grupos racial-mente dominantes.

O negro na publicidade

A publicidade tem refleti-do mais a população negra. Pode-se observar um pequeno avanço nos últimos anos no modo como a chamada publicidade oficial (isto é, aquela publicidade de serviços e campanhas de órgãos públicos que tem caráter educativo, informativo ou de orientação social) tem con-templado a representação de ne-gros. Um exemplo disto é o anúncio publicitário da Caixa Econômica em homenagem ao Dia da Consciência Negra. O anúncio tem em seu texto o poema do poeta gaúcho Oliveira Silveira.

Em menor escala, houve um avanço também no setor da publi-cidade de empresas privadas, sobre-tudo pela associação com o aspec-to econômico. O sucesso da revista Raça mexeu com o mercado publici-tário. As grandes marcas, especial-mente as de cosméticos, começa-ram a criar produtos para atender o público negro que até então parecia não existir.

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Internet e o debate das relações raciais

O uso de novas tecnologias, sobretudo da Internet, que no Brasil tem um pouco mais de duas déca-das, tem contribuído de modo cru-cial para o desenvolvimento do de-bate das relações raciais. Por ser um mecanismo de comunicação ágil, dinâmico e de acesso relativamen-te fácil, a Internet tem sido usada pelos afro-brasileiros para a criação de listas virtuais de discussão e de experiências de divulgação de no-tícias através de sites específicos. Tudo isto vêm se constituindo em um importante instrumento no en-frentamento do racismo e em um instrumento didático e informativo para escolas, universidades, empre-sas, pesquisadores, lideranças so-ciais e pessoas interessadas na te-mática. Além disso, a Internet vem funcionando como um espaço de denúncia, formação, reflexão e de-bate, mas, também, de articulação e participação políticas.

Marcas da Imprensa Negra no RS

O Exemplo – Porto Alegre (1892 -1930)A Cruzada – Pelotas (1905)Alvorada – Pelotas (1907-1910; 1930-1937; 1946-1957)A Navalha – Santana do Livramento (1931)A Revolta – Bagé (1925)A Hora – Rio Grande (1917 - 1934)União dos Homens de Cor – Porto Alegre (1943)O Ébano – Porto Alegre (1962)Tição – Porto Alegre (Revista em 1978 e 1979; Jornal em 1980)Jornal Como é – Porto Alegre (1995-1998)Conexão Negra – Porto Alegre (2003)

Apesar de a Internet ser con-siderada um meio democrático pela maior possibilidade dos sujeitos se-rem produtores, o racismo tam-bém se manifesta no ciberespaço. Exemplo disso são ataques virtuais por hackers a sites voltados para o segmento negro, como é o caso da agência de notícias AfroPress, en-tidade que integra um projeto da ONG ABC Sem Racismo, entida-de com sede em São Bernardo (SP), com área de abrangência no ABC paulista e em núcleos na Capital, São Paulo.

A Agência de Informação Mul-tiétnica (www.afropress.com) foi a primeira rede de distribuição de in-formações sobre as questões étnico-raciais, com ênfase na realidade dos afro-brasileiros, criada no início do

século XXI. O Jornal Irohin (impresso e, depois digital), o Portal Afro (www.portalafro.com.br) e o Mundo Negro (www.mundonegro.com.br) são os mais antigos e mais conhecidos. Mas é a Afropress, agência de notícias, que tem hoje um grau de qualidade informativa que lhe garante o status de referência na imprensa negra di-gital. Foi um dos primeiros sites de notícias jornalísticas do movimento negro organizado em rede, ou seja, a captação, o processamento e a dis-tribuição da informação estruturam-se em rede com vários comunica-dores multidisciplinares espalhados pelo Brasil e o Mundo.

Imprensa negra no Rio Grande do Sul

Desde a década de 1830, há jornais escritos por intelectuais ne-gros. No Rio Grande do Sul, o jornal O Exemplo, produzido em Porto Alegre de 1892 até o início de 1930, e vários outros jornais da chamada imprensa negra produzidos no interior do esta-do. A revista Raça Brasil é lançada em 1996 e é considerada a primeira revis-ta brasileira de grande alcance conce-bida para o público negro.

Que tal escrever e inter-pretar uma cena de telenove-la em que apareça um perso-nagem negro e debater com os seus colegas em sala de aula sobre como foi repre-sentado esse personagem.

Faça uma entrevista com um jornalista ou estudante de jornalismo negro para sa-ber como ele percebe a repre-sentação do negro na mídia gaúcha.

ARAÚJO, Joel Zito. A ne-gação do negro no Brasil: o negro na telenovela brasileira. São Paulo: Senac, 2000

COGO, Denise, MACHADO, Sátira. Redes de negritude: usos das tecnologias e cidadania co-municativa de afro-brasileiros. In: XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2010. Caxias do Sul. Anais...Caxias do Sul: Intercom, 2010. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2010/re-sumos/R5-1650-1.pdf> Acesso em: 11 nov. 2010

HALL, Stuart. Identidades culturais na pós-modernida-de. Rio de Janeiro: DP, 1997.

RAMOS, Silvia (org.). Mí-dia e racismo. Rio de Janeiro: Pallas, 2007.

Núcleo de comunicadores afro-brasileiros. O negro na mídia: a invisibilidade da cor. Porto Alegre: Sindjors, 2005.

SANTOS, José Antônio dos. Raiou a Alvorada: inte-lectuais negros e imprensa - Pelotas (1907-1957). Pelotas: Universitária, 2003.

WOORDWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma identidade teórica e conceitu-al. In: SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos cultu-rais. Petrópolis: Vozes, 2004.

Homenagem ao Dia da Consciência Negra. Acesse o link <http://w w w . y o u t u b e . c o m /watch?v=Sh7HKL6oSGM>

Assista os filmes Vista a Minha Pele de Joel Zito de Araújo & Dandara e As Fi-lhas do Vento de Joel Zito de Araújo

Assista capítulos do docu-mentário A negação do Brasil de José Zito de Araújo. Trata-se de um passeio na história da telenovela no Brasil e parti-cularmente uma análise do pa-pel nelas atribuído aos atores negros. Baseado em suas me-mórias e em fortes evidências de pesquisas, o diretor aponta as influências das telenovelas nos processos de identidade étnica dos afro-brasileiros e faz um manifesto pela incorpora-ção positiva do negro nas ima-gens televisivas do país.

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O Movimento Negro e as lutas por igualdade

A luta por igualdade racial

começa antes da abolição da

escravatura no Brasil. O

Movimento Negro ao longo dos anos vem contribuindo de forma decisiva para a conquista

de espaços de igualdade

social, cultural, educativa,

política, através do

fortalecimento coletivo da identidade

étnica.

Tem-se conhecimento de que mesmo antes da Abolição da escravatura no Brasil, já havia

negros lutando contra a opressão e a dominação. Para compreender melhor essas lutas, é preciso relem-brar a caminhada histórica dessas lideranças e principalmente do Mo-vimento Negro, que combate a dis-criminação racial e defende a inclu-são social da população negra. Para atingir tais objetivos, as lideranças organizaram grupos de mobiliza-ção racial. Assim, logo após a li-bertação dos escravos, já em 1889, os ex-escravos e seus descenden-tes criaram grêmios, clubes, socie-dades, irmandades, fraternidades e associações reivindicatórias em diversos estados brasileiros. Essas formas organizativas devem ser compreendidas como um espaço dinâmico, atuante e centros difu-sores de ideias e ideais da popula-ção negra.

Militantes negros no Rio Grande

do Sul

Nesse período, os militantes ne-gros do estado do Rio Grande do Sul exerceram papel de protagonistas no processo de mobilização e debate sobre a questão racial. De acordo com Muller (2008), foram organizados mais de 120 grupos criados no Estado, entre 1889 a 1929. Desses, 72 grupos em Porto Ale-gre e 53 em Pelo-tas. Vale lembrar que, na região Sul do Estado, foi criada, em 1908, uma associação composta emi-nentemente por mulheres, a Socie-dade de Socorros Mútuos Prince-sa do Sul. Muitas dessas organiza-ções se ocuparam da questão racial, outras do entre-tenimento; houve também aquelas que trabalharam em prol das ações pontuais, tais como solidariedade e ajuda mútua aos mem-bros da comunidade.

Experiências organizacionais espalhadas pelo país qualificaram o debate nacionalmente. Em 1931, no contexto da incipiente industrialização da cidade de São Paulo, surgiu a Fren-te Negra Brasileira (FNB), propondo a inserção da população negra em to-dos os segmentos sociais.

Nos anos 1930, outras Fren-tes Negras surgiram no país. Embora com ideias diferentes, mas tinham em comum a prioridade pela educação e instrução da comunidade negra, vi-sando sua plena integração cultural e social na sociedade. No Rio Grande do Sul, a Frente Negra Pelotense foi fundada no dia 10 de maio de 1933 por José Adauto Ferreira da Silva, Car-los Torres, José Penny, Humberto de Freitas e Miguel Barros, integrantes do periódico A Alvorada. Eles desen-volviam atividades com a comunidade negra, especialmente cursos e semi-nários educacionais.

O grupo pelotense estava em sintonia com os demais militantes, rei-vindicando os direitos sociais, amplian-do a participação das mulheres na im-prensa e combatendo o mito da de-mocracia racial. Entretanto, sob forte repressão política durante o Estado Novo, os movimentos contestatórios foram esvaziados e a FNB foi extinta.

Grupo de resistência

Tempos depois surgiram diver-sos grupos que lutaram para superar as desigualdades raciais e sociais. Dois deles merecem destaque. O primeiro, a

União dos Homens de Cor, fundado em Por-to Alegre, em 1943, foi um coletivo lidera-do por João Cabral Al-ves, que se expandiu rapidamente para di-versos estados brasi-leiros. O segundo, foi o Teatro Experimental do Negro (TEN - RJ), que iniciou suas ativi-dades em 1944, sob a liderança de Abdias do Nascimento. Em sua proposta de trabalhar como grupo teatral, o TEN esteve composto somente por negros.

O TEN realizou o I Congresso do Negro Brasileiro. Desse encontro, saí-ram algumas deliberações, entre elas, a de lutar pela ampliação dos direitos ci-vis e de utilizar os mecanismos de pres-são popular para implantar a Lei Anti-discriminatória. A Lei conhecida como “Afonso Arinos” foi aprovada, em 1951, no Congresso Nacional. O texto sofreu alterações substanciais pelos congres-sistas, de forma que não atendia ple-namente à luta contra o racismo, pois considerava as manifestações de ra-cismo como meras contravenções pe-nais, sancionáveis com irrisórias penas de multa. A explicação para esse avan-ço pequeno do movimento negro é o discurso oficial de então, que afirmava não haver problemas de discriminação racial no país.

O Congresso promovido pelo TEN motivou as lideranças a debaterem os temas de interesse regionais e locais. O gaúcho Valter Santos, da Sociedade Beneficente Floresta Aurora, reuniu, em Porto Alegre, em 1958, diversas dele-gações da região Sudeste e Sul para o

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I Congresso Nacional do Negro. Os te-mas tratados no evento foram: o pro-cesso educativo, especialmente a alfa-betização dos negros; as condições so-ciais e o papel histórico da população negra no Brasil e no mundo. O evento de Porto Alegre estava sintonizado com o processo de independência dos paí-ses africanos. Entre 1956 e 1966, 30 pa-íses africanos tornaram-se independen-tes das nações colonizadoras.

O Grupo Palmares

Com os militares no poder, em 1964, mais uma vez os movimentos so-ciais negros foram desarticulados, o que não significa ausência de contestação. Houve, mas foram ações fragmentadas. Em Porto Alegre, por exemplo, surgiu na rua dos Andradas, centro da cidade, o Grupo Palmares (1971). O Grupo, por meio do periódico Tição, promoveu im-portantes debates públicos: discutiu o combate à discriminação racial, as me-lhorias da qualidade de vida dos negros e levantou a bandeira em defesa da afir-mação da identidade negra. Além dis-so, o Grupo liderou a discussão sobre a substituição das comemorações do dia 13 de maio para 20 de novembro.

Movimento Negro Unificado (MNU)

Outra entidade importante dos anos 70 foi o Movimento Negro Uni-ficado (MNU), que reorganizou a luta antirracista, desta vez combatendo o sistema capitalista que acentua a opressão, especialmente das popu-

lações marginalizadas. As principais ações do MNU foram tentar articular a luta do negro com os demais seto-res da sociedade e, enquanto orga-nização política, sair em defesa do processo educativo, reivindicando a introdução da História da África e do Negro no Brasil nos currículos escola-res. Essa pressão em prol da promo-ção da igualdade racial foi decisiva para, anos depois, ser aprovada a Lei 10.639/2003, que inclui nos currículos oficiais a obrigatoriedade da disciplina História e Cultura Afro-brasileira.

As experiências de organiza-ção acima apresentadas são apenas algumas. Muitas outras existiram e continuam existindo no Rio Gran-de do Sul e devem ser estudadas e aprofundadas. São experiências de-senvolvidas por educadores, comu-nicadores, religiosos, artistas, gesto-res públicos. Negros e negras com-prometidos com a construção de políticas públicas destinadas à po-pulação negra do Rio Grande do Sul, tais como a reparação de direitos, o combate à discriminação racial e às novas ações reivindicatórias, por exemplo, os movimentos culturais, como hip-hop e outros.

Crie um artigo ou uma reportagem para jornal que discuta sobre a presença do negro no Rio Grande do Sul.

Faça uma pesquisa e descubra se na sua cidade ou região existem organiza-ções sociais negras. Escreva um texto contando essa his-tória.

BARBOSA, Marcio. Fren-te Negra Brasileira: depoi-mentos. São Paulo: Quilom-boje, 1998.

DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos histó-ricos. Revista Tempo. v.12, n.23, Niterói, RJ, 2007.

GOMES, Arilson dos Santos. A Frente Negra Bra-sileira e as suas ideias no RS na década de 1930. In: His-tória, Cultura e Sociedade. Cadernos de Resumos: o negro. Porto Alegre, 2006.

MULLER, Liane Susan. As contas do meu rosário são balas de artilharia. In: SILVA, Gilberto Ferreira; SANTOS, José Antônio e CARNEIRO, Luiz Carlos da Cunha. RS Ne-gro: cartografias sobre a pro-dução do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

O que é movimento ne-gro? (13’). Vídeo que apresen-ta de forma didática a traje-tória do movimento negro no Brasil. http://www.youtube.com/watch?v=yBcajWhOis8&feature=related

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William DuBois Nelson Mandela Steve Biko Milton Santos Léopold Sédar Frantz Fanon Luíza Mahin (1868-1963) (1918) (1946-1977) (1926-2001) (1906-2001) (1925-1961) (1812-1838)

Toussaint L‘Overture Aimé Césaire Carlos Santos Martin Luther King Jr. Malcom X Joseph Firmin Rodolfo Xavier (1743-1803) (1913-2008) (1904-1989) (1929-1968) (1925-1965) (1850-1911) (1874-1964)

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20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra

O dia Nacional da Consciência Negra,

celebrado em 20 de novembro,

em homenagem ao líder Zumbi

dos Palmares, é o momento de

marcar posição e fortalecer a defesa em prol da justiça

racial e social.

A comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra homena-geia Zumbi dos Palmares, assas-

sinado no dia 20 de novembro de 1695. Zumbi foi um dos mais importants líde-res do Quilombo de Palmares, localiza-do no estado do Alagoas. Mas não foi sempre assim. Por longo tempo, a data símbolo no Brasil era o dia 13 em come-moração à abolição da escravidão em referência à assinatura da Lei Áurea, em 1888, pela Princesa Isabel. A Lei que li-bertou os escravos no Brasil recebeu forte pressão das manifestações Abo-licionistas (1878-1888) através de um movimento composto por diversas lide-ranças, como o engenheiro negro André Rebouças, que propôs o fim imediato da escravidão. Mesmo com essa influência, a Lei Áurea, na prática, não represen-tava os ideais de lutas construídas pela população negra, muito menos ajuda-va a superar as barbáries sofridas pelos negros escravizados. Por essa razão, os militantes do movimento entenderam que era necessário encontrar uma nova data, outro acontecimento que melhor representasse a luta dos afro-brasileiros em defesa da afirmação e do reconheci-mento da identidade negra. E que esse dia fosse dedicado à conscientização da população. Pois, a visibilidade do dia de-dicado à consciência negra apresenta homens e mulheres que lutam e se or-ganizam para concretizar a superação das desigualdades, garantindo direitos e promovendo justiça racial e social.

Mudança necessária

Em 1971, no auge da ditadura no Brasil, o Grupo Palmares, criado por lide-ranças sociais de Porto Alegre, saiu em defesa da substituição das comemora-ções. A sugestão do deslocamento do 13 de maio para o dia 20 de novem-bro ganhou adesão nacionalmente e, em menos de uma década, a data passou a ser o Dia Nacional da Consciên-cia Negra. Segundo os dados de 2009 da Secretaria Especial de Políticas de Pro-moção da Igualdade Racial (Seppir), são 757 municípios, distribuídos em 20 esta-dos brasileiros, que aderiram à nova data como feriado ou ponto facultativo. No Rio Grande do Sul, mais de 200 muni-cípios aprovaram o Dia da Consciência Negra como feriado ou ponto faculta-tivo; outros têm projeto de lei em an-damento ou aguardam decisão judicial para implantar o feriado municipal. A rei-vindicação do Movimento Negro é para que a data seja feriado nacional.

O Primeiro 20 de Novembro

O 20 de novembro represen-ta resistência. Foi com esse espí-rito que um grupo de jovens ne-gros liderado por Oliveira Silveira, Antonio Carlos Cortes, Ilmo da Sil-va, Vilmar Nunes, entre outros, se

reuniam, periodicamente, na Rua da Praia, no centro da capital gaú-cha para discutir outra data come-morativa e, assim, retomar a his-tória de resistência e afirmação da identidade da população negra. O primeiro 20 de Novembro que ho-menageou Zumbi foi organizado pelos militantes do Grupo Palma-res, em 1971, e festejado no Clube Náutico Marcílio Dias, uma organi-zação social localizada, na época, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. O Grupo Palmares se des-fez, mas deixou um importante le-gado à sociedade brasileira.

O fio da memória (1991, 115min) é um filme que abor-da histórias de personagens e situações do presente, apre-sentando a história dos ne-gros no Brasil.

Palavras-chave para pes-quisar: Afirmação da identi-dade étnica da comunidade negra, Dia Nacional da cons-ciência negra, discriminação social e racial.

CAMPOS, Deivison Mo-acir Cezar. A ressignificação de palmares: uma história de resistência. In: SILVA, Gil-berto Ferreira; SANTOS, José Antônio e CARNEIRO, Luiz Carlos da Cunha. RS Negro: cartografias sobre a produ-ção do conhecimento. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2008.

São mais de 700 municípios distribuídos em 19 estados e no DF que já aderiram à proposta

ao 20 de novembro como feriado ou ponto facultativo. No RS, mais de 200 municípios instituíram o Dia da Consciência Negra como feriado municipal.

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Políticas públicas de ações afirmati-vas nas lutas por igualdade

As ações afirmativas

são parte de um processo

reparatório que ajuda a

criar nova realidade para a população negra

e o conjunto da sociedade

brasileira

As políticas públicas de Ações Afirmativas, implantadas nos últimos anos no Brasil, bus-

cam corrigir as situações de discri-minação e desigualdades que impe-dem o acesso da população negra e dos grupos sociais minoritários às mais diferentes oportunidades, da educação ao mundo do trabalho. Sobre o tema, existem argumentos favoráveis e contrários.

Antes de prosseguir, vamos re-tornar ao século XIX, período em que os pesquisadores tentaram explicar por que uma raça era oprimida en-quanto a outra era opressora, bus-cando com isso estabelecer uma hie-rarquia entre as raças. Para estabelecer essa hierarquia, deveria ser feita uma classificação tendo como referenciais socioeconômcios e culturais o mun-do europeu; segundo os pesquisado-res, os povos europeus eram seres humanos melhores e mais inteli-gentes que os demais.

Abdias Nasci-mento diz que essa ideia-força justifica o preconceito, uma vez que, quem não fos-se europeu era visto como atrasado, des-qualificado e como ser que não produzia co-nhecimento nem cul-

tura. Então, o que fazer com os mi-lhões de negros trazidos para o Bra-sil durante o período colonial? Solu-ção seria embranquecer a sociedade. Com essa política de branqueamento, o governo brasileiro concedeu, em 30 anos, diversos incentivos e subsídios a cerca de 3 milhões de imigrantes euro-peus. A ideia fracassou porque a po-pulação negra continuou sendo ex-pressiva no país.

Democracia racial

A partir de 1930, a elite brasi-leira muda de tática. Passa a conce-ber o conceito de democracia racial para explicar que a população bra-sileira é mestiça, incluindo os negros nesse processo de miscigenação. Na prática, a ideia era de que as raças viviam em harmonia, sem conflitos. Essa ideia foi duramente questiona-da após sucessivos escândalos de ra-cismo e preconceito. É importante dizer que o preconceito também se revela no discurso. Encontra-se facil-mente expressões como “é coisa de negro”. Essas marcas discursivas têm mostrado que, quem tem a cor da pele mais escura, também vivencia, muitas vezes, experiências de discri-minação nas relações interpessoais e nas notícias veiculadas nos meios de comunicação social.

Ações afirmativas

O movimento negro brasilei-ro, desde o início do século XX, vem propondo, em diversas instâncias or-ganizacionais, políticas públicas que

possibilitem ampliar os direitos socais. Momentos decisivos dessas reivindicações ocorreram, em 1958, durante o I Congres-so Nacional do Ne-gro realizado em Porto Alegre. Uma das prin-cipais demandas do Encontro foi a necessi-dade de alfabetização da população negra, meta ainda a ser al-cançada.

Essas ações reivindicatórias estavam articuladas também com as demandas internacionais. Veja o que ocorreu nos EUA, nos anos 1960. Os negros norte-americanos eram proibidos de frequentar as unidades escolares e não podiam utilizar os meios de transporte pú-blico. Fato ocorrido na cidade de Lit-tle Rock e que desencadeou movi-mentos de lutas pela ampliação de direitos liderados por Martim Luther King, Elizabeth Eckfort, Rosa Parks, entre outros. Essas ações possibi-litaram efetivar a política de cotas nos EUA, ratificadas pelo presidente Kennedy.

Atualmente, no Brasil, a luta é pela implantação de ações afirmati-vas como mecanismos de inclusão racial e social. As propostas ganha-ram força internacionalmente. Em 2001, durante a III Conferência Mun-dial de Combate ao Racismo, Discri-minação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, ocorri-da em Durban, na África do Sul, os congressistas debateram sobre o combate às desigualdades raciais. O evento trouxe novas perspectivas para as lutas sociais do movimento. Jorge Manoel Adão (2008) elenca al-guns, como a criação de Conselhos, programas de ações afirmativas nos vários Ministérios, implantação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Se-ppir), em março de 2003 e diversas mobilizações, como, por exemplo, Marcha de Zumbi + 10, entre ou-tros. Esse cenário reivindicatório jus-tifica o argumento de que é necessá-rio construir políticas públicas desti-nadas à comunidade negra.

O sistema de cotas em debate

As reservas de vagas nas univer-sidades brasileiras, como uma das polí-ticas de ações afirmativas, têm gerado muito debate na própria academia, nas instituições, nos movimentos sociais e no conjunto da sociedade. O argumen-to favorável é que o sistema de cotas permite que a população historicamen-te desfavorecida tenha acesso ao ensino superior, contribuindo com a reparação de injustiças. Entre os argumentos con-trários, estão o daqueles que afirmam que os beneficiários das cotas podem contribuir para uma queda na qualida-de do ensino superior. Nessa mesma perspectiva, há os que defendem que

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as cotas seriam um modo de discrimi-nação às avessas, acentuando ainda mais o racismo. Abdias Nascimento nos faz um questionamento desconcertan-te: “os brancos tiveram as cotas durante 500 anos e está tudo bem?”. Para Nas-cimento, a implantação das políticas de cotas raciais é uma maneira de demo-cratizar o acesso e garantir a permanên-cia do cotista na Universidade.

A iniciativa de promover o pro-cesso de democratização começa a ser posta em prática, em 1992, pela socie-dade civil através dos cursinhos pré-ves-tibulares destinados a estudantes ne-gros e carentes. No RS, surgem vários cursos nos clubes sociais negros, e nas ONGs visando à preparação acadêmica e à reflexão crítica acerca das desigual-dades sociais. Outras iniciativas, como o empenho da CECUNE (Centro Ecu-mênico de Cultura Negra) em coorde-nar a seleção dos candidatos negros para o ingresso no Centro Universitário Metodista, IPA. Ações que contribuíram para dar visibilidade à temática.

Ações concretas

No final dos anos 2000, a demo-cratização do acesso estava ocorren-do em 39 universidades públicas, sen-do 20 federais e 19 estaduais. Como as universidades são autônomas, elas têm a liberdade de adotar os próprios critérios para implantação do sistema nos seus cursos. No Rio Grande do Sul, quatro universidades públicas aderi-ram à política de reserva de vagas: UFRGS, UFSM, Unipampa e UERGS. Essas instituições não adotam apenas o recorte étnico-racial; elas trabalham também com o critério social e a traje-tória escolar do estudante para a con-cessão das cotas de ingresso à univer-sidade.

Pesquise alguns depoi-mentos favoráveis e contrá-rios sobre ações afirmativas. Analise os discursos tendo presente o artigo 3º da Cons-tituição Federal, que diz que o Estado é responsável pela construção da igualdade. Agora redija um texto apre-sentando suas opiniões.

Faça uma entrevista com um estudante cotista ou um beneficiário do PROUNI. Identifique a trajetória es-colar, o processo de ingres-so na universidade, o rendi-mento escolar, entre outros. Elabore um texto comentan-do essa história e apresente o resultado para os colegas.

EducadorQuer baixar vídeo do youtube para trabalhar em sala de aula?Acesse: http://www.baixaki.com.br/site/dwnld48923.htm e faça download do programa aTube Catcher.

ADÃO, Jorge Manoel. Ações afirmativas em educa-ção: políticas de cotas em uni-versidades públicas. In: SIL-VA, Gilberto Ferreira; SANTOS, José Antônio e CARNEIRO, Luiz Carlos da Cunha. RS Ne-gro: cartografias sobre a pro-dução do conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

GOMES, Nilma Lino. Al-guns termos e conceitos pre-sentes no debate sobre re-lações raciais no Brasl: uma breve discussão. Educa-ção anti-racista caminhos abertos pela Lei Federal nº10.639/03. Brasília: SE-CAD/MEC, 2005.

SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves; SILVÉRIO, Valter Roberto. Educação e Ações Afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econô-mica. Brasília: INEP, 2003.

SILVA, Cidinha. Ações Afirmativas em educação: experiências brasileiras. São Paulo: Editora Selo Negro, 2003.

LOPES, Cristina. Cotas raciais: por que sim? 3. Ed., Ibase, 2008.

Cartilha. Ações Afirmati-vas: este é o caminho. Funda-ção Cultural Palmares, 2006.

http://www.palmares.gov.br/_temp/sites/000/2/publi-cacoes/cartilhapestana.pdf

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Nelson Mandela

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