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Resenha do documentário “Iauaretê, Cachoeira das Onças” sobre o processo de tombamento da cachoeira de Iauaretê como Local Sagrado dos povos Indígenas do Rio Negro, feito em parceria com o IPHAN/ MINC.
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15/05/2015 RevistaProaResenhas
http://www.ifch.unicamp.br/proa/resenhas/resenhailana.htm 1/6
FotogramadodocumentrioIauaret,CachoeiradasOnas
CARELLI, Vincent. Iauaret: cachoeira das onas. Documentrio em vdeo. 48minutos.VdeonasAldeias/IPHAN/FOIRN,2006.
Odistrito de Iauaret, com cerca de 4mil habitantes, fica nomunicpio de So
GabrieldaCachoeira(AM).EmNheengatualnguageraltupifaladaatofinaldosculoXVIII Iauaret significa "cachoeira das onas". Tratase de uma corredeira cujaimportncianoderivadeaspectospuramenteambientaisepaisagsticos,masdofatodesetratardeumstiosagradoparavriasetniasindgenas.
Os Tukano, Desana, PiraTapuia, Wanano e Tuyuka consideram a cachoeira de
Iauaret como um dos pontos de parada da cobracanoa que trouxe ao Uaups seus
ancestrais. Geraldo O antroplogo Geraldo Andrello, que realizou pesquisas na rea,
explicaque, em todasasnarrativasmticasdessespovos, o surgimentoe crescimento
dosdiferentesgruposdoUaupssotematizadosnaformadesucessivosdeslocamentos
espaotemporais de seus ancestrais, processo que define tambm seus respectivos
territrios(ANDRELLO,2008s.p.).
Defato,contamosTarianoprotagonistasdodocumentrioaquiresenhadoque,
antesdosurgimentodoshomens,omundoerahabitadoedominadopeloshomensona.
Ao final dessapocamitolgica, surgiuOkomi,umancestral comumque foi perseguido
peloshomensonaeque,durantesuafuga,caiualgumasvezes.AsquedasdeOkomi
sinalizadas visualmente pelas pedras do rio no so interpretadas como fragilidade e
vulnerabilidadedoheri,mas como recomeos seqenciais, umavez que a cadaqueda
que Okomi sofria, ele se transformava em um animal diferente, que poderia ensinar
semprealgonovoaosTariano.
Odocumentrio "Iauaret,CachoeiradasOnas" (48minutos,2006),dirigidopor
Vincent Carelli, rene narrativas de lideranas indgenas do alto Rio Negro sobre os
significadoseensinamentoscontidosnessapaisagem,revelandoaindaseuesforoesua
luta para fortalecer e legitimar as tradies indgenas. Fruto de uma parceria entre o
Projeto Vdeo nas Aldeias, o Instituto Socioambiental (ISA), o Instituto do Patrimnio
HistricoeArtsticoNacional (IPHAN)eaFederaodasOrganizaes IndgenasdoRio
Negro (FOIRN), o filme constituiu parte importante do processo de tombamento dessa
paisagemcomopatrimnioculturalimaterial,emagostode2006.
Se hoje o tombamento de uma paisagem natural como patrimnio cultural
imaterial pode ser realizado pelo IPHAN, nem sempre foi assim. Para entender a
importncia da novidade, convm remontar ao momento da fundao do Servio de
PatrimnioHistricoeArtsticoNacional(SPHAN),duranteogovernoVargas,emgrande
partedevidaaosesforosdeMriodeAndrade.Deacordo comodecretolei n 25, de
1937,deveriaserconsideradocomopatrimnioapenas:
O conjunto dos bens mveis e imveis existentes no pas e cujaconservaosejadeinteressepblico,querporsuavinculaoafatosmemorveisdahistriadoBrasil,querporseuexcepcionalvalorarqueolgicoouetnogrfico,bibliogrficoouartstico(CANANI,2005,p.3).
Observase, na definio acima e em todas as iniciativas das dcadas que seseguiram, a nfase em obras e legados do passado, em feitos e produtos notrios,
http://www.ifch.unicamp.br/proa/pdfs/Ilana%20Seltzer%20Goldstein%20-%2021.pdfhttp://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/br/http://www.ifch.unicamp.br/proa/CITACAO/ilana.html15/05/2015 RevistaProaResenhas
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produzidosporartistas consagradosepelaelite intelectual. Foramdeclaradosdignosdepreservao,sobretudo,conjuntosarquitetnicoscoloniaisbarrocos,comoOuroPretoeoPelourinho. Em 1970, o SPHAN que j havia mudado de nome uma vez antes foitransformadonoIPHANInstitutodoPatrimnioHistricoeArtsticoNacional.Existiam,aprincpio,trslivrosdeTombo:LivrodoTomboArqueolgico,EtnogrficoePaisagsticoLivrodoTomboHistricoeLivrodoTombodasBelasArtes.
Trsdcadasdepois,paramelhorcontemplaradiversidadeeadinmicaculturais,
surgiu o ProgramaNacional do Patrimnio Imaterial, em2001, que inovou ao propor a
identificaosistemticaeabrangentedosbensculturaisdenaturezaprocessual.Nesse
momento, procurouse superar a dicotomia entre cultura material e imaterial, com os
argumentos de que os produtos culturais carregam marcas dos processos que os
conformaram e de que o saberfazer e os conhecimentos tradicionais esto
indissociavelmenteligadosadeterminadosobjetosconcretos01.
Afimdepermitiroregistrodopatrimnioimaterial,oDecretoLeiN3.551/2000
criou quatro novos livros de tombo: o Livro de Registro de Saberes, onde so inscritos
conhecimentos emodos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades o Livro de
Registro das Celebraes, no qual so inscritos rituais e festas quemarcam a vivncia
coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras prticas da vida
socialoLivrodeRegistrodeFormasdeExpresso,queabrangemanifestaesliterrias,
musicais, plsticas, cnicas e ldicas e o Livro de Registro dos Lugares, onde so
inscritosmercados,feiras,santurios,praasedemaisespaosemqueseconcentrame
reproduzemprticasculturaiscoletivas. justamenteemvirtudedacriaodoLivrode
Registro dos Lugares que a Cachoeira do Iauaret pde se tornar o oitavo patrimnio
culturalimaterialtombadonoBrasil.02
inegvelqueoprocessodeatribuiodevaloracertosbensculturais(enoa
outros)carrega,potencialmente,riscosdearbitrariedade,jqueumrgopblicoum
antroplogo oumesmo um documentarista passam a deter o poder de decidir o que
merece investimento dentro do repertrio simblico, tcnico e artstico da sociedade
inteira (CANANI, 2005). Alm disso, a determinao de alguns itens como patrimnio
imaterial a ser preservado pode gerar desconforto e polmica, j que eles recebem
diferentessignificaesemgrupossociaisdistintos.
Aodiscutir o quanto delicado lidar comamemria social e comopatrimnio
cultural,GilbertoVelho(2006)ilustracomocasodoterreirodecandomblCasaBranca,
em Salvador. At que se chegasse a seu tombamento, em 1984, houve inmeras
divergncias. poca, vrios membros do Conselho do IPHAN consideravam
despropositadotombarseumareasemconstruesarquitetonicamenterelevantes.Mas
GilbertoVelho,relatordoprocesso,sustentouapertinnciadesegarantiracontinuidade
deumaexpressoculturalcujoespaosagradoeraoterreiro.Avitriadesuaposiofoi
difcil e controversa, pois os setores mais conservadores do catolicismo brasileiro
estavamtemerososquantovalorizaodocultoafrobrasileiro(VELHO,2006,p.240).
Tambmno caso daCachoeira de Iauaret, houve disputa entre os vrios povos
envolvidos,jqueosTarianoqueriamserosautoresdoregistro,oquelhesconsignaria
ascendnciasobreacachoeiraeelevariasuaversodomitocomoaoficialedefinitiva.
No final, devido resistncia dos outros povos, o pedido de registro da cachoeira foi
assinadoporlideranasTarianoeTukano,masemnomedetodasasetniasdeIauaret.
OIPHANreconheceuIauaretcomopatrimnioculturalbrasileironodia05/08/2006eo
documentriodeVincentCarelli constituiuparte importantedodosside justificativado
tombamentodacorredeira.
Mas,almdeseupapelpolticoeinstrumental,odocumentriodeVincentCarelli
tem outras qualidades. bem feito, tem ritmo e sensibiliza o espectador pelamaneira
comoconstriasimagens.Nacenainicial,vriosndiosescutamasprdicasdeumpadre
catlico branco. Em seguida, deixam a igreja, falando uma lngua do tronco Aruak,
propositalmente sem traduo. No o contedo de suas falas que importa, mas o
contraste sugestivo do conflito entre duas vises demundo, uma nativa, outra imposta
pelocolonizador.Essaprimeiracenadofilme,portanto,janunciasuaquestoprincipal:
osdesafiosdocontatoparaosndiosdeSoGabrieldaCachoeiraeaviolnciasimblica
aque tmsido submetidos h dcadas. A locao escolhida para comear, uma igreja,
nocasual:deacordocomorelatodosprpriossujeitosfilmados,presentesnascenas
seguintes, osmissionrios salesianos, que chegaram regio em1927, teriamproibido
gradualmentetodasassuasprticastradicionais,atquealgumasdelasdesaparecessem
porcompleto.
FotogramadodocumentrioIauaret,CachoeiradasOnas
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Nos primeiros cinco minutos, o objetivo explicitado, tanto aos envolvidos na
filmagem, como ao espectador: quem o faz Geraldo Andrello, do Instituto
Socioambiental, consultordeVincentCarelli nessedocumentrio.Oantroplogoaparece
sentadonocho,rodeadoporrepresentantesdosTariano,queoajudamamarcar sobre
um mapa os locais que devero documentar. Enfatiza que precisam dos lugares mais
significativos, para que o filme ajude no pedido de registro da Cachoeira do Iauaret
comopatrimnioimaterialdoBrasil.DuranteaexplicaodeAndrello,oespectadorov
refletido nos culos espelhados de um dos representantes indgenas. Essa imagem
possibilita diversas interpretaes. Talvez o diretor estivesse aludindo prpria
empreitada antropolgica, que consiste em se conhecer por meio do contraste com o
Outroumasegundapossibilidadequeestivessesereferindodificuldadedesecolocar
nolugardoOutro,ouseja,opacidadequesvezesseinstauranodilogointercultural
porfim,quiaimagemdobrancorefletidonosculosdondiosintetizasseasituaode
dependnciapolticaemqueseencontramospovosindgenasnoBrasildehoje.
O respeito autonomia dos sujeitos filmados anunciada numa cena em que
quatro lderes Tariano esto discutindo em sua lngua, porm com subttulos o que
devem ou no, falar no documentrio. Decidem no contar alguns segredos, porque
trazem omal ou porque dizem respeito a benzimentos secretos e mencionam como
difcil fazeraseleo.Damesmaforma,soosndiosqueapontam,duranteopercurso
debarco,que locaisdevemser filmadoseoquesignificam.Opactoentreodiretordo
documentrio e os representantes dos Tariano deixado s claras no momento da
narrativa do mito de origem, logo antes de as partes da corredeira comearem a ser
mostradas.ApessoaquevainarrarahistriadoheriOkomiassimcomeaseurelato:
voucontartudocomocombinamos.
A emoo envolvida no processo tampouco obliterada. Um dos
entrevistados/narradores chega a chorar quando se refere ao medo que sente de que
todasessashistriassepercamelamentaodesinteressedasnovasgeraespelacultura
indgena. E, emdiversos depoimentos assim comona cena domuseu deManaus a
revolta dos Tariano contra osmissionrios e os brancos vem tona. Umoutro aspecto
digno de nota, do ponto de vista do partido assumido pelo filme, que Iauaret no
procura passar uma idia de ndios puros, autnticos. Filmaos vestidos com roupas
ocidentais,deculosescuros,andandodeavioe trabalhandonocomputador semque,
apesardisso,pareammenosndios.Dessaforma,noincorrenoriscodetransformar
odocumentrioetnogrfico em taxidermia, que fixa elementos e processos, de forma
artificial,einterrompeseufluxodetransformaes(RONY,1996,p.101).
UmadasseqnciasmaischeiasdetensonofilmedeCarelli,quedizmuitosobre
osproblemaseassimetriasdepoderenvolvidosnocontatodos ndioscomosbrancos
aquela filmada no Museu do ndio de Manaus, gerenciado por freiras provavelmente
ligadas aos salesianos que, dcadas antes, haviam condenado a produo de adornos
corporaiseosrituaisindgenas,ameaandoosinfratorescomacondenaoaoinferno.
Tudocomeacomoquepareceumasimplesvisita,naqualosTarianoobservamcolares
penduradosemummanequimecomentamqueparecem como de um conhecido, Seu
Pedro.Mas,aospoucos,aatmosferavaisetornandodensaeconstrangedora,quandoos
ndios exigem da freira acesso livre reserva tcnica onde encontram vrios adornos
corporais e utenslios que reconhecem como seus. por isso que desapareceram da
aldeia, exclama um deles. Vamos levar tudo, sugere outro. AnaGita deOliveira, do
DepartamentodePatrimnio Imaterialdasededo IPHAN,emBraslia,quemmedia o
dilogoentrea freira responsvel pelomuseueos ndios, ansiosospor reaver o que
deles. Fica combinado que as peas sero devolvidas em outrosmomentos, quando se
concluremastratativasnecessrias.
TalvezsepossamarriscarduasaproximaesentreVincentCarellieavietnamita
Trinh T.Minhh embora essa cineasta e videoartista seja bemmais radical em suas
experimentaespsmodernas03.Aprimeiraatentativadefalarpertode/juntoaos
(nearby)sujeitosfilmadosenoporelesousobreeles.Aenunciaodocineasta,desse
modo,noosobjetifica(...)eissonoapenasumatcnicaouumadeclaraoverbal,
masumaatitudenavida,umamaneiradeseposicionaremrelaoaomundo(MINH
apud CHEN, 1992, p.87, traduo da autora). A segunda a valorizao do aspecto
esttico e criativo do filme etnogrfico. Nas palavras de Minhh, o processo de
realizaodeumfilmeseaproximadacomposiomusicaledaescritadepoesia.(...)s
alinguagempoticaconseguelidarcomosignificadodeumamaneirarevolucionria(id.
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ibid.:p.8586,traduodaautora).
MasserqueIauaret,cachoeiradasonasumfilmeetnogrfico?Quandose
podeclassificarumfilmeenquantoetnogrfico?Eisduasquestesquevmmentedo
espectador aps assistir ao documentrio de Carelli. Alguns filmes costumam ser
rotulados como etnogrficos apenas porque lidam de maneira simptica com culturas
exticaspopularmentetomadascomoosobjetostpicosdaantropologia.Deacordo
comJayRuby,oequvocoteriasidoiniciadoporAndrLeroiGourhan,que,nadcadade
1940,definiuos filmesetnogrficoscomotodosos filmesquedescrevessem sociedades
diferentes daquela dos autores (MAC DOUGALL, 1992, p. 52, traduo minha). Essa
definioapressadaeescorregadiafoiemseguidanuanadaeproblematizada.
Jay Ruby, na dcada de 1970, conceituou como filme etnogrfico aquele que
produz,dentrodedeterminadoquadroterico,afirmaeseconclusessobretotalidades
culturais. Embora hoje em dia o trabalho antropolgico j no pretenda chegar a
concluses, nem a representaes totalizantes, alguns princpios estabelecidos pelo
autor permanecem pertinentes, como a necessidade de um filme etnogrfico ser
informado,implcitaouexplicitamente,porteoriasculturais,sertransparentequantoaos
mtodosdepesquisaede filmagemutilizadose lanarmodeum lxicoantropolgico
especfico.
JparaClaudinedeFrance,ofilmeetnogrfico,pilardadisciplinaqueelachama
de antropologia flmica, obedece a outro conjunto de exigncias epistemolgicas: a
busca de conhecimento sobre o mundo histrico, ou seja, a finalidade primeira de
produzir conhecimento especfico de onde decorre seu pblicoalvo imediato bastante
restrito, constitudo pelo prprio antroplogo e seus pares a submisso a restries
circunstanciais, sejam elas tcnicas, polticas ou interdies da parte das pessoas
filmadaseorespeitoaotimingdossujeitosfilmados.
David Mac Dougall, por sua vez, sugere que se proceda a uma delimitao de
fronteirasentreo filmeantropolgicoeo filmesobreantropologia. Enquanto o primeiro
se prope a explorar integralmente os dados, alcanando novos patamares tericos, o
segundoapenasrelataconhecimentosexistentes.Osfilmessobreantropologiacostumam
empregarconvenesdidticasejornalsticas,enquantoosfilmesantropolgicoscontm
genunos procedimentos de investigao (cf. MAC DOUGALL, 1998, p. 76). Na mesma
direo,LOIZOS(1993)distinguefilmesantropolgicosdefilmescomvalorantropolgico.
Apesar de ambos se prestarem a anlises culturais, no so, de modo algum,
equivalentes.
Assim,deacordocomosparmetrosdefinidosporessescincoespecialistas,talvez
no se possa dizer que Iauaret, cachoeira das onas, seja um filme etnogrfico no
sentidoplenodotermo.Apesardedarvozandiosdaregioamaznicaetercomopano
efundoquestesbastanterelevanteparaasCinciasSociaiscomoadinmicacultural,
otombamentodebensculturaisimateriais,oempoderamentodeminoriasetc.trata
sedeumdocumentriosobreantropologia,parausaraexpressodeMacDougall,oude
umfilmecomvalorantropolgico,naacepodeLoizos.
Em primeiro lugar, porque o diretor embora seja conhecido pela prtica da
antropologia compartilhada nos demais trabalhos que realizou no mbito do projeto
Vdeo nas Aldeias est, aqui, exercendo uma criao autoral, conforme seu prprio
depoimento. Em segundo lugar, porque o filme foi feito sob encomenda do IPHAN, um
rgo governamental de gesto do patrimnio, com a finalidade de compor um dossi
comfimpolticoeno,comoobjetivodediscutiracosmologiaTariano,porexemplo.Em
terceiro lugar, porque Vincent Carelli se define profissionalmente como fotgrafo e
videomakere admite que precisou da consultoria do antroplogo Geraldo Andrello, do
InstitutoSocioambiental(ISA)paracompreendercertascoisas.
Noobstante,halgunselementosantropologicamentelouvveisemIauaret:o
respeito ao fluxo da fala dos sujeitos filmados a abertura e a simpatia sua causa,
traduzidaem imagensquegeram identificaoe comoonoespectador a contratao
deumndioTarianoparafazeratraduodasfalasquenosoemportugusaexibio
do filme pronto, aps a finalizao, para vrias comunidades indgenas, que, segundo
Carelli,estoagoraquerendodesenvolveriniciativassimilares.
Independentementedortuloqueaeleseatribua,ofilmeIauaret,cachoeiradas
onas acabou desencadeando alguns processos no local da filmagem, como o
reconhecimentoeadevoluodosornamentosTarianoqueseencontravamnomuseude
Manaus desde que foram pilhados por missionrios salesianos. Assim, se a feitura do
FotogramadodocumentrioIauaret,CachoeiradasOnas
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documentrio no foi plenamente compartilhada para usar uma expresso de Jean
Rouch, para quem o filme deve ser construdo a partir do debate entre quem filma e
quem filmado04 , os efeitos gerados pelo filme foram, sem dvida, poltica e
culturalmenteimportantesparaossujeitosfilmados.
Iauaret,cachoeiradasonas,mesmoquenopossaserconsideradoumfilme
estritamenteetnogrfico,suscitaquestesrelevantesparaaantropologia.E,senoum
filme puramente experimental, do ponto de vista cinematogrfico, contm imagens
esteticamente sofisticadas. No hesita em tomar partido e a colaborar para a
transformao da realidade filtrada pela cmera. Alm disso, o diretor no peca por
excessodedidatismo,nodeixaocorrerredundnciaentrepalavraseimagens,tampouco
ocupao lugarda falados ndios.Eomais importantequesodeixadasbrechaspara
queoespectador tea relaese construa suasprprias impresses sobreo sentidodo
queobserva.Eisalgunsdeseusmaiorestrunfos.
01OantroplogoAntonioArantes(2008),quepresidiuoIPHANentre2004e2006, um dos autores que mais tem insistido que produto e processo cultural soindissociveis: As coisas feitas testemunham omodo de fazer e o saber fazer. (...) Ocabedalproduzidopelotrabalhodegeraesdepraticantesdedeterminadaarteouofcio algo mais geral do que cada pea produzida ou executada, do que cada celebraorealizada.(...)Mas,emcontrapartida,encontraseemcadaobraounalembranaquesetemdelaotestemunhodoquealgumcapazdefazer(ARANTES,2008,p.13).
02OprimeiropatrimnioimaterialtombadofoiaArteKusiwatcnicadepinturae arte grfica dos ndios Wajpi, do Amap a segunda foi a festa do Crio de NossaSenhoradeNazar,deBelmdoParemseguida foiavezdoJongo,heranaculturaldos banto tambm o Modo de Fazer VioladeCocho, o Samba de Roda do RecncavoBaiano e os ofcios das Baianas de Acaraj e das Paneleiras de Goiabeiras foramregistradosnoslivrosdoIPHAN.
03Almdecineastaindependenteeartistaplstica,TrinhT.Minhh,nascidaemHani,em1952,pesquisaedcursosfocadosemestudosfeministas,polticasculturaisecontextos pscoloniais, na Universidade de Berkeley. Seus filmes normalmente fazemreferncia a questes de teor antropolgico. Reassemblage (1982) e Naked Spaces(1985), por exemplo, resultam de uma expedio etnogrfica de 3 anos que fez aoSenegalediscutem,deformaousadaepoucolinear,aexotizaoeareconfiguraodeidentidades resultantes do neocolonialismo. Ela tambm autora, entre outraspublicaes, de African Spaces Designs for Living in Upper Volta (1985) e Woman,Native,Other.Writingpostcolonialityandfeminism(IndianaUniversityPress(1989).
04JeanRouchagranderefernciadaantropologiaflmica,tantopelaqualidade,comopelaquantidadedeobrasquedeixou.Esseengenheirode formao,quedefendeuumateseemantropologiaorientadaporMarcelGriaule,produziufilmesquesetornaramclssicos,comoLesmatresfous(1954)eMoi,umnoir(1958).ComRouch,acmerasetornou participante, capaz de suscitar o dilogo intertnico e provocar reaes nossujeitos filmados. Assumir tal postura tica e esttica equivalia a praticar umaantropologia compartilhada, assim definida por Jean Rouch: se eu pergunto a umindgena: Voc acredita em Deus?, ele pode responder e voc?. A resposta toessencialquantoaperguntaque lhe foidirigida. (...)Ocinemaoveculoquepermiterealizar (...) essa antropologia partilhada, que o feedback (Rouchapud STUTMAN&SCHLLER,1997,p.14).
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