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Revista Acadêmica da Faculdade 2 de Julho. Ano 1 Número 1 Fevereiro de 2007
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Revista Acadêmica da Faculdade 2 de Julho
Ano 1 Número 1 Fevereiro de 2007 Salvador - Bahia
FACULDADE 2 DE JULHOAvenida Leovigildo Filgueiras, 81Bairro do Garcia, CEP - 40.100-000Salvador - Bahia - BrasilTel.: (71) 3114.3400www.f2j.edu.br
1981-1098
Diretor GeralProf. Josué da Silva Mello
Diretor de Administração e FinançasProf. Sergio Miranda Souza
Coordenação Pedagógica e Acompanhamento AcadêmicoProfa. Tecla Dias de Oliveira Mello
Assessor de ComunicaçãoJornalista Silvio César Tudela
Secretário AcadêmicoFabiano Peixinho
Coordenadora da BibliotecaRosane Rubim
Coordenador do Curso de AdministraçãoProf. Adriano Rocha
Coordenador do Curso de Comunicação SocialProf. Derval Gramacho
Coordenador do Curso de DireitoProfa. Valnêda Cássia Carneiro
EditorDerval Cardoso Gramacho e Benito Muiños Juncal
Conselho EditorialAdriano Santos Rocha Silva
Alexandre RochaBenito Muiños Juncal
Derval Cardoso GramachoIsabella Fadul
José Henrique de Freitas SantosJuarez Duarte Bonfim
Sebastião Heber Vieira CostaTecla Dias de Oliveira Mello
Valnêda Cássia Santos Carneiro
Projeto Gráfico e DiagramaçãoVinícius Silva Carvalho
EXPE
DIEN
TE
Revista IndependênciaAno 1, n. 1, Fevereiro de 2007
Revista IndependênciaAno 1, n. 1, Fevereiro de 2007
Rádio: de meio de comunicação de massa aveículo de inclusão socialDerval Cardoso Gramacho ................... 47
Mundo tecnológico: mudanças significativasno “fluxo” de informações?José Carlos Ribeiro ........................... 43
As filigranas da dor em “Contos cruéis deguerra”, de Ibéa AtondiLívia Natália ...................................... 67
Educação e Contemporaneidade: Algunselementos para reflexãoGustavo Roque de Almeida ..................... 33
As escolas de comunicação e os novosparadigmas da comunicação de massaVerbena Córdula Almeida ........................ 11
Sílvio Romero: O pensamento mestiçoJosé Henrique de Freitas Santos ............... 55
SUM
ÁRIO01
02
03
04
05
06
6 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
10
11
12
História Empresarial VividaJuarez Duarte Bomfim ...................... 145
Humor: uma estratégia comunicacional domovimento literário Padaria EspiritualJúlio Vitorino Figueroa ........................ 133
A fala e o gesto na fenomenologia deMerleau-PontyMárcia Saievicz ............................... 117
A importância da educação na formação dojovem engajado em movimentos decomunicadeSérgio Miranda ................................... 111
“O canto do negro veio lá do alto... é belocomo a íris e os olhos de Deus...”Sílvio César Tudela ............................... 75
Pedro Batista, o criador de Santa BrígidaSebastião Heber Vieira Costa .................. 101
SUMÁR
IO 07
08
09
10
11
12
Revista IndependênciaAno 1, n. 1, Fevereiro de 2007
Mundialização do conhecimento
A história da humanidade é a história da comunicação, pois ohomem é um ser comunicante. De tal modo que o racionalismo deDescartes, “penso, logo existo”, pode ser melhor entendido como:comunico, por isto existo.
Desde o instante em que nosso mais antigo ancestral encontrouum outro semelhante nasceu a necessidade de se criar mecanismos emeios de se comunicar, de se fazer entender e compreender o desejo dooutro. Daí se originaram as linguagens.
Com o passar do tempo, a comunicação – o ato de tornar a açãocomum, compartilhar as idéias –, aperfeiçoou-se e estimulou odesenvolvimento social e tecnológico do ser humano.
O advento da escrita foi, sem dúvida, um dos maiores feitos econquistas da humanidade. Inevitavelmente esta descoberta chegaria ater aproveitamento tecnológico, o que ocorre na metade do século XV,quando Johann Gensfleish Gutenberg cria a imprensa e inicia uma novafase na comunicação social.
Em 1790, 250 anos após a invenção de Gutenberg, o engenheirofrancês Claude Chappe desenvolve o primeiro sistema de telégrafo, cujasistematização é feita por Samuel Morse, em 1838.
O século XIX foi marcado por uma avalanche de descobertas naárea das comunicações. Em 1832, Joseph Plateau cria o primeiro aparelhoa produzir a ilusão de movimento em um desenho que serviu de base àspesquisas que resultaram na criação do cinema, em 1895, pelos irmãosAuguste e Louis Lumière.
Em 1876, Alexandre Graham Bell inaugura um novo meio decomunicação: o telefone.
Alicerçado nos estudos de Heinrich Rudolf Hertz, GuglielmoMarconi, nos suspiros finais do século XIX, apresenta o rádio àhumanidade.
Do rádio, evoluímos para a televisão e, na última década do séculoXX, vimos surgir a Internet e com ela o romper de todos os limites dacomunicação.
A evolução dos meios também se processa no sentido deaperfeiçoar a comunicação ao ponto de conseguir realizar a proeza de ainformação ocorrer em tempo real, não só na velocidade do som, masda luz.
EDITOR
IAL
Revista IndependênciaAno 1, n. 1, Fevereiro de 2007
O mundo mudou. Vivemos em uma nova realidade onde a imageme o movimento fazem parte do cotidiano de cada ser vivo. Em um mundocada dia mais globalizado a mundialização do conhecimento se faznecessária. Sem isto, ele está fadado a desaparecer, a se anular.
A proposta da Faculdade 2 de Julho de criar a revista Independênciasurge desta necessidade: propiciar um espaço aberto à manifestaçãode todos os saberes de modo a contribuir para a construção de umconhecimento coletivo e nômade como é a informação em nossa época.
Assim, entregamos à sociedade o primeiro número desta obra,que se pretende semestral, e busca reunir as mais diversas correntesde pensamentos, porque o ser humano é plural.
Derval Cardoso Gramacho
Editor Chefe
Revista IndependênciaAno 1, n. 1, Fevereiro de 2007
APRESENTAÇ
ÃO
A Faculdade 2 de Julho, ao publicar o primeiro número de suaREVISTA INDEPENDÊNCIA, o faz como resultado de sua caminhadaacadêmica e como sinal de seu compromisso como futuro. Por isso,INDEPENDÊNCIA é o seu nome. Emerge inspirada nos ideais maiores do2 de Julho, na perspectiva histórica de ampliação de horizontes deliberdade, de vivência democrática e de fortalecimento de cidadania.
A Revista é um marco. Assinala o amadurecimento da academia,o avanço de seu projeto pedagógico, a consolidação de seus cursos, aconsciência de que a educação superior não está circunscrita apenas àsala de aula. Urge produzir, criar, gerar novas idéias, construir e divulgaros novos conhecimentos, produzidos no processo acadêmico. É um passoeficaz para a academia atuar como instrumento de transformação.Como nos lembra Albert Einstein: a mente que se abre a uma novaidéia jamais voltará ao seu tamanho original.
A Faculdade deve ser antes um Centro de Pensamento, de buscapermanente da verdade, espaço de debate e de pesquisa, de re-elaboração e construção do conhecimento novo, com que se há deaprofundar e amadurecer um padrão e um valor. A ação acadêmicapressupõe uma responsabilidade, que se exprime no pluralismo de idéias,na convergência das divergências, no prevalência do senso crítico,investigativo, que singulariza o homem, sujeito de todo o processo.
Pretende-se uma REVISTA acadêmica, institucional, de vanguarda,aberta a todos os Cursos e a todos os campos do saber. Um veículoonde a geração de idéias, de beleza literária e de verdade esteja aserviço da liberdade, da aventura do espírito humano, da pedagogiada qualidade e da construção de esperanças na formação de uma culturada paz, da solidariedade e dos direitos da pessoa humana.
Nesse sentido, a REVISTA INDEPENDÊNCIA há de ser, para aFaculdade 2 de Julho, como semente que germina, sempre geradora deidéias, pensamentos, produções culturais e científicas e, como espelhoa refletir o processo de construção do saber, a obsessão de umaFaculdade em busca da excelência, de uma comunidade universitáriaativa, reflexiva, produtora de conhecimento novo e compromissadacom a construção de um novo futuro.
Josué da Silva MelloDiretor Geral
Revista IndependênciaAno 1, n. 1, Fevereiro de 2007
Ano 1, nº 0, Outubro de 2006 Revista Independência
Título
Autor
Resumo
As escolas de comunicação eos novos paradigmas dacomunicação de massa
Verbena Córdula AlmeidaDoutora em Comunicação pela Universidad Complutense de Madrid eprofessora dos cursos de Jornalismo, Propaganda e Marketing daFaculdade 2 de Julho.
E-mail: [email protected]
Os meios de comunicação de massa, majoritariamente, não refletem os anseios eperspectivas da maioria da sociedade. Imersos no contexto do sistema capitalistatendem a reproduzir o discurso dominante e, conseqüentemente, a ocultar asverdadeiras demandas sociais, reduzindo ao máximo o espaço que deveria serdestinado às discussões entre Estado e sociedade civil. P resentesincontestavelmente no cotidiano das sociedades, apresentam-se, aparentemente,como espaços democráticos, sobretudo se compararmos suas característicascontemporâneas com aquelas verificadas no período entre guerras. Mas, na verdade,em vez de se configurarem como via de expressão de idéias, valores e opiniõesdiversas, de maneira equilibrada, encontram-se voltados a propagar idéias, valorese opiniões a partir da ótica dos detentores do poder econômico. O presente trabalhopretende levantar essa discussão, partindo de uma retrospectiva histórica,buscando induzir a uma reflexão acerca do papel que devem exercer as escolas decomunicação na busca da superação desta performance dos meios, possibilitando aedificação, manutenção e consolidação de um outro modelo de comunicação, decaráter popular, priorizador da construção da cidadania e possível instrumentoimpulsionador da transformação estrutural da comunicação de massa.
Palavras-chave: comunicação, democracia, escolas, cidadania.
01
12 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Muitos estudos têm sido realizados acerca dos meios de
comunicação de massa (MCM) mostrando a importância que estes vêm
adquirindo, ao longo dos séculos, no âmbito social. É incontestável sua
importância no contexto das sociedades contemporâneas. Já não se pode
conceber uma sociedade sem os meios de comunicação. Já não há mais
retorno. Entretanto, pensá-los no âmbito social nos remete – ou deveria
nos remeter – a um questionamento que parece imprescindível: de onde
partirá ou de que maneira se dará a mudança na práxis dos meios de
comunicação de massa?
No processo evolutivo dos estudos sobre comunicação, encontram-
se teorias sugerindo vários prismas para analisar o processo de
construção e recepção das mensagens, partindo da teoria da Agulha
Hipodérmica1 e da Teoria do Espelho2, passando por outras abordagens
que contemplam os aspectos psicológicos, históricos, antropológicos e
sociológicos, sustentando teses mais críticas e reflexivas acerca desse
processo comunicativo. Considerar os constrangimentos organizacionais,
as ideologias – tanto hegemônicas quanto não-hegemônicas – abre uma
discussão bastante interessante e, sobretudo, madura, para se tentar
compreender, com bases mais amplas, a comunicação de massa nas
sociedades contemporâneas.
Neste trabalho se pretende suscitar uma reflexão sobre o papel
dos MCM nas sociedades, sobretudo, direcionar tal reflexão para a
necessidade de se reformular a práxis dos mesmos, ressaltando a função
que deve exercer as escolas de comunicação no processo de formação
dos profissionais. Neste sentido, se partir-se-á de uma retrospectiva
histórica no intuito de conduzir a reflexão acerca do processo de evolução
da comunicação, principalmente a partir da utilização dos mesmos como
instrumentos de propaganda ideológica.
13Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
1. O uso propagandístico da comunicação
O assentamento, no século XX, dos modernos MCM, como o
cinema, o rádio e a televisão, se completa, nas últimas décadas, com o
advento de novas tecnologias, entre as quais notadamente podemos
destacar a Internet. Na contemporaneidade, o ser humano dispõe de um
volume de informações e de uma rapidez para consultá-la, como nunca
havia acontecido.
Vale salientar, no entanto, que tal desenvolvimento veio também
acompanhado de sua utilização para mobilizar populações inteiras,
levando-as, inclusive, à guerra entre nações industrializadas3, em cujos
conflitos a comunicação foi convertida em uma frente na qual as balas e
os canhões foram substituídos por discursos, lemas, frases,
desencadeando os piores horrores ou serviram – e ainda servem – para
legitimá-los contra populações civis indefesas.
As implantações de sistemas autoritários, a manutenção de
guerras sob o exercício indiscriminado do terror se apoiaram – e continuam
se apoiando – freqüentemente no controle ferrenho e na manipulação da
informação, monopolizada por quem pretendia – e continua pretendendo
– tamanha atrocidade em nome de conceitos abstratos como fé, pátria
ou etnia, dotados normalmente de uma máxima que ocultava – e oculta
– atrás de si o sofrimento de milhões de seres humanos em todas as
partes do planeta4.
Os novos meios de comunicação como o cinema e o rádio, mais
adequados para atingir a uma massa de receptores, além de não trazerem
como pressuposto básico o domínio da leitura, acabaram servindo como
instrumentos auxiliadores de ações manipuladoras, dominadoras,
totalitárias. Exemplo claro foi o fascismo que, surgido como movimento
na Itália, não demorou em ser copiado e redimensionado com a
14 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
competência digna de alunos aplicados como Adolf Hitler, na Alemanha.
Houve, naquela época, a combinação de ideologias reacionárias e
ultra-conservadoras do século XIX com aquelas relacionadas ao moderno
modelo baseado no automatismo próprio das sociedades de massa. Tal
combinação deu suporte à extensão do discurso fascista, que por sua
vez andou junto com o estrito controle dos meios de comunicação
tradicionais, como a imprensa, além de uma exploração inescrupulosa
desses novos meios surgidos para se dirigir às massas: o rádio e o
cinema.
Aqui no Brasil temos o exemplo do primeiro modelo de controle
dos meios massivos de comunicação como suporte à sedimentação de
uma “sociedade corporativa, com ênfase na objetividade tecnocrata e
no autoritarismo paternalístico” (JAMBEIRO, 2003, p. 11) levado a cabo
por Getúlio Vargas, sobretudo a partir do período conhecido como Estado
Novo (1937-1945).
Da mesma forma como na sociedade liberal capitalista, viu-se
também o controle e a utilização dos meios de comunicação como armas
propagandísticas, por parte do mundo comunista, que de igual forma
serviu para controlar as massas e tentar convencê-las da suposta
legitimidade da atuação – muitas vezes atroz – daqueles que estavam à
frente do dito sistema. Pode-se citar como semelhante referência as
atrocidades praticadas pelo regime stalinista perpetrado na antiga União
Soviética, onde a propaganda foi massivamente utilizada para dar
suporte àquele sistema autoritário, responsável pelo extermínio de
milhões de seres humanos, em nome da manutenção do poder
hegemônico.
Foram tempos muito difíceis, não só pelo controle desses meios
pelos dirigentes políticos dos respectivos regimes, mas de cerceamento
15Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
das liberdades, da imposição da censura propriamente dita, que fizeram
dos MCM controlados as únicas fontes de informação disponíveis aos
cidadãos.
2. A democratização da comunicação de massa
Passado esse período, parece que os MCM vêm sofrendo freqüentes
metamorfoses e, nessa perspectiva, na sua configuração atual,
contemporânea, apresentam-se como mecanismos de fácil acessibilidade
e, sobretudo, trazem, aparentemente, um status de democráticos, de
participativos, especialmente se comparamos a performance destes nos
dias atuais em relação ao período de entre guerras. Não cabe a menor
dúvida o processamento de uma visível transformação. Entretanto, cabe-
nos ressaltar o fato de essa democratização ainda se distar das reais
necessidades das sociedades ditas democráticas.
Conforme José Marques de Melo, é necessário melhorar o nível da
comunicação que abastece a população brasileira e a capacita a tomar
decisões cotidianas. Nesta perspectiva expõe como algumas das metas
prioritárias:
Democratizar o acesso à propriedade dos meios de
comunicação. Neutralizar o monopólio hoje desfrutado pela
burguesia, que dispõe do capital necessário à sua
implantação e manutenção. Criar mecanismos jurídicos
para distribuir as concessões radiofônicas ou as facilidades
editoriais com as outras forças atuantes na sociedade:
sindicatos, movimentos sociais, sociedades culturais ou
científicas. Assim, introduzindo no mercado fatores de
competição, alternativas de qualidade, matrizes plurais
de percepção ideológica (MARQUES DE MELO, 1986, p. 82).
16 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Ao contrário do que defende o comunicólogo, os MCM estão menos
a serviço da massa do que deveriam. Em vez de se configurarem como
via de expressão de idéias, valores e opiniões diversos, de maneira
equilibrada, estes se encontram mais voltados ao papel de
condicionadores de mentalidades, em cujas idéias, valores e opiniões
influem cada vez mais diretamente.
Não se trata de defender um frankfurtianismo dogmático, para o
qual as resoluções dos problemas referentes à democratização da
comunicação de massa se dariam a partir da introdução do pensamento
socialista em contraposição à lógica capitalista. O tema é muito mais
complexo. É necessário, porém, a garantia da heterogeneidade de
pensamento e parece que esta é a direção apontada por Marques de
Melo na sua defesa da democratização dos meios.
Vale salientar, porém, a necessidade de cautela referente às idéias
que, incondicionalmente, atribuem aos MCM o poder supremo de
“injetar” mensagens sem a possibilidade de reação consciente e ativa
por parte do receptor. Contudo, necessário se faz ressaltar um fator
importante: em uma sociedade automatizada, repleta de mazelas, como
a falta de um sistema educacional eficiente, falta de incentivo à cultura,
dentre outras, os meios acabam se configurando como formadores de
opiniões com um peso bastante considerável.
Há vários condicionantes para explicar esta afirmação e, um deles,
talvez o mais importante, seja o fato de os MCM estarem mais voltados
para o caráter mercantil do que propriamente preocupados com a função
que lhes seria primordial, qual seja a de informar e educar.
Se se retorna à atividade comunicacional de massa na sociedade
ocidental, nos séculos XVIII e XIX – neste período reduzida ao jornalismo
impresso –, por exemplo, deparar-se-á com uma atividade, na maioria
17Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
das vezes, com a intenção direta de discutir questões políticas,
econômicas e sociais que estas sociedades enfrentavam – fosse no sentido
de questionar a ordem vigente ou de estabelecer a defesa da sua
continuidade. Apesar da diminuta abrangência da penetração destas
idéias por meio da imprensa, por motivos óbvios, não podemos desprezar
o fato de a atividade jornalística ter contribuído para a ampliação de
idéias e ideais que deram uma outra configuração às realidades vigentes.
Exemplo desse tipo de imprensa esteve presente nas colônias
hispano-americanas, onde os jornais serviram como instrumentos de
propaganda ideológica para desestabilizar a ordem vigente ou mesmo
para defender a hegemonia do poder constituído. Já no século XVII
começaram a circular jornais e folhetos com críticas referentes aos
problemas dos grandes núcleos populacionais. Embora a população em
geral não se encontrasse preparada para compreender as teorias sobre
liberdade nem os conceitos de nação, compreendia as críticas feitas à
concentração de riquezas e de cargos públicos nas mãos dos europeus
colonizadores. Por outra parte, os monarquistas também utilizaram a
imprensa tradicional para defender a legitimidade do governo colonial.
Na confusão de idéias que deram a conhecer esses escritos do século
XVII, nas colônias hispano-americanas, há um fio condutor que nos permite
observar duas tendências: uma liberal e outra anti-liberal ou realista
(NAVARRETE, 1998). Sem nenhuma dúvida, é flagrante o papel
desempenhado pelos jornais para a difusão das idéias contrárias e/ou
favoráveis ao sistema colonial.
Analisando o caso brasileiro, embora a imprensa tenha chegado
tardiamente e com o agravante de ter sido implantada para servir como
porta-voz da autoridade constituída5, também se pode observar que no
âmbito do seu processo evolutivo o jornalismo se constituiu,
18 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
gradativamente, em importante instrumento de difusão dos ideais de
Independência, de República, de abolicionismo. Em que pesasse a censura,
as tentativas de silenciar os defensores da quebra da hegemonia do
poder constituído; em que pesasse a existência de uma sociedade
majoritariamente iletrada, não se pode negar o importante papel
desempenhado pela imprensa na divulgação dos ideais e das ideologias
que contrastavam com os ideais e ideologias hegemônicos que, por sua
vez, também faziam uso do jornalismo como veículo propaganda. Estava
claro, estava explícito o papel panfletário do jornalismo, a defesa de
bandeiras.
Seguindo uma tendência mundial, no final do século XIX a atividade
jornalística no Brasil sofre uma metamorfose, conseqüente do seu
processo evolutivo. O jornalismo deixa de ser uma atividade de cunho
artesanal e converte-se em empresa. Com essa transformação a atividade
ganha novas características e, uma delas, é a separação entre notícia e
opinião. E, gradativamente, para atender aos interesses de cunho
comercial, que em primeira e última instâncias significava ampliar cada
vez mais a abrangência na sociedade, empunhou-se a bandeira da
imparcialidade. Mas essa defesa da imparcialidade não significa afirmar
que os jornais se tornaram imparciais, pelo simples fato de que a
imparcialidade não existe. Mencionar a imparcialidade é incorrer no
erro de desprezar a historicidade dos indivíduos, o seu processo cognitivo
e, portanto, menosprezar a capacidade de interferência dos sujeitos no
processo histórico no qual estão inseridos. A defesa de dita imparcialidade
precisa ser vista sob um olhar crítico, que remete a enxergar além das
aparências.
Conforme Marques de Melo (1986, p. 39), “se a comunicação é
um processo de reprodução simbólica, evidentemente a arbitração dos
19Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
símbolos que representam a realidade e que dão sentido à interação
humana configura uma operação ideológica”. Assim sendo, a atividade
jornalística é eminentemente ideológica, já que apreender os fatos e
relatá-los através de veículos de difusão coletiva significa projetar visões
de mundo. E qual a visão de mundo projetada pelos meios de comunicação
em nossa sociedade? É desnecessário responder a esta indagação, pela
obviedade.
Partindo deste pressuposto se encontra um conflito explicitamente
estabelecido entre o conteúdo oferecido à sociedade pelos meios de
comunicação e aquilo que seria – do ponto de vista dos que analisam as
necessidades da maioria da população – o ideal de conteúdo a ser veiculado
por estes. O que há, no âmbito dos meios de comunicação, é, senão,
uma reprodução do conflito de interesses existentes no seio da sociedade
de classes: os conflitos nas favelas, o tráfico de drogas, a violência
policial, a ocupação de terras pelos sem-terra, a discriminação social,
étnica, de gênero, etc., tudo isso sem uma maior reflexão acerca dos
porquês desses fatos ocorrerem tão cotidianamente em nossa sociedade.
Os porquês são desprezados no cotidiano da produção da notícia, como
se fossem elementos desnecessários.
Os conteúdos disseminados pela comunicação de massa, em sua
maioria, não são desenvolvidos de maneira a suscitar na sociedade
questionamentos e uma conseqüente mudança de comportamento frente
aos maiores problemas que afligem os indivíduos que compõem dita
sociedade. Não se preocupam, tampouco, em ampliar o grau de educação
dos receptores, tome-se como exemplo a esmagadora maioria da
programação televisiva, cujo objetivo primordial é promover o
merchandising desenfreado para impulsionar cada vez mais o consumo
compulsivo.
2 0 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
As empresas de comunicação parecem preferir promover o
sensacionalismo desmedido a informar à sociedade e conseqüentemente
fazê-la refletir sobre os problemas que a cercam. Exemplos nítidos desta
prática foram os atentados contra as torres gêmeas nos Estados Unidos,
em 2001, o atentado contra o trem, em Madrid, em março de 2004, a
catástrofe ocorrida na Ásia no final de 2004 (Tsunami) e tantas outras
catástrofes e calamidades que são utilizadas de forma sensacionalística
nos mais variados espaços dos veículos, sejam eletrônicos ou impressos,
para atrair expectadores, ouvintes e leitores sem, contudo, promover
uma reflexão crítica acerca destes fatos.
No caso da catástrofe ocorrida no continente asiático, publicou-
se nos meios o fato de os países atingidos não possuírem mecanismos
tecnológicos capazes de diagnosticar, prever e, portanto, viabilizar ações
que reduziriam as conseqüências – sobretudo do ponto de vista humano.
Falou-se na pobreza dos países do chamado Terceiro Mundo, quando,
em realidade, se deveria falar na pobreza da maioria da população destes,
uma vez que os países não são pobres. Deixaram de ponderar que a
Índia possui um arsenal nuclear avaliado em bilhões de dólares e que,
em lugar disso poderia ter viabilizado todos os mecanismos tecnológicos
necessários e capazes de apontar a chegada de cataclismas, ou que com
o dinheiro gasto em programas nucleares se mataria a fome de milhões
de pessoas naquele país. Isto poderia induzir a sociedade a questionar,
por exemplo, os gastos do governo brasileiro, que priorizam, muitas
vezes, o supérfluo, em detrimento de investimentos em setores
essenciais à qualidade de vida da população. Os gastos com publicidade
institucional podem servir como exemplo clássico.
É flagrante a falta de interesse dos meios em aprofundar a maioria
das discussões e, ao contrário, também é nítido o interesse em chamar
21Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
a atenção pela dimensão catastrófica de determinados acontecimentos
ao invés de, por exemplo, fazer a sociedade conhecer certos dados que
possivelmente suscitariam outros tipos de reações.
Aceitar o caráter ideológico da atividade jornalística – e
comunicacional de massa como um todo – é o primeiro passo para a
aceitação de que esta, ao assumir característica empresarial, vai
responder aos interesses únicos e exclusivos da classe social que detém
os meios para mantê-la em funcionamento.
A configuração dos MCM em nossa sociedade cada vez menos
atende a essa formatação de ideal de democracia. E para estes meios
as escolas de comunicação estão formando centenas e mesmo milhares
de jovens: estão sendo formados profissionais que, no mercado, serão
especializados em vender produtos disfarçados de notícias, de
informação. Analisando sob esta perspectiva, pode-se perguntar: é
possível trilhar por outro caminho? E qual caminho seria este?
3. Fragmentação e descontinuidade
O jornalista e professor da Universidade Fluminense, Felipe Pena,
chama a atenção para a necessidade de colocar em prática o que ele
chama de “jornalismo de resistência”. De acordo com o comunicólogo,
este jornalismo consistiria na aplicação prática de preceitos ligados à
função social da atividade, ou seja, a resistência da concepção
mercadológica de jornalismo, refutando assim a classificação da notícia
como simples mercadoria ou as limitações das rotinas produtivas (PENA,
2005). Ele defende a possibilidade de construção social da realidade
através da atividade jornalística e a profissão de jornalista como
importante nesta dinâmica.
Há quem advogue que a democratização da sociedade somente
22 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
se viabilizaria a partir da democratização dos meios de comunicação,
mas, se damos por certo que estes reproduzem a divisão de classes e os
respectivos conflitos de interesses existentes na sociedade, seria
incoerente defender esta tese. É demasiadamente utópico pensar a
possibilidade de conciliar os interesses econômicos que o sistema
capitalista pressupõe com o bem-estar das pessoas. Se assim o fosse,
como ressalta Montoya (2004), estaríamos esperando o sistema
capitalista se autodemocratizar, ou seja, a destruição do capitalismo. O
certo é que os meios e o jornalismo vêm desempenhando o papel de
advocacy dos pressupostos básicos do sistema capitalista e não das causas
sociais. Deste modo, é imprescindível a consciência de que o caminho a
ser traçado é justamente o inverso, ou seja, partir da democratização
da sociedade à democratização dos MCM.
Os meios de comunicação pertencentes aos burgueses não
incentivarão a diversidade do pensamento, a análise e a reflexão
generalizada, mas, ao contrário, tenderão a agir cada vez mais no sentido
de contribuir para a conformação de uma sociedade pautada na
sedimentação dos valores burgueses.
Tomando como exemplos práticos as matérias jornalísticas
veiculadas diariamente nos meios – tanto eletrônicos quanto impressos
–, vemos claramente o que prevalece. Apesar de aparentemente
ultrapassada, a Teoria do Espelho parece encontrar adeptos e defensores
na esmagadora maioria das empresas de comunicação e,
conseqüentemente, de muitos jornalistas.
Na contemporaneidade a comunicação está presente em todos os
âmbitos. Desde que se levanta o homem é “bombardeado” com tal volume
de informações, notícias e mensagens, a ponto de sua capacidade
cognitiva ser obrigada a realizar um acelerado processo de seleção, um
23Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
vertiginoso crivo para descartar tudo aquilo que carece de interesse de
acordo com os seus próprios critérios. Nesta perspectiva, geralmente
prevalece a visão da mídia como competente dispositivo de mediação.
São os “agentes de midiação” que têm o encargo de “dar
uma estrutura representativa” a fatos ocorridos, dotando
essa sua proposição de um sentido e a ofertando à recepção
de um público extenso, mas fragmentado e descontínuo
[...] (POLISTCHUK e TRINTA, 2003, p. 149).
Assim sendo, a implementação de um jornalismo mais próximo à
sua função social, seja ele de resistência, como defende Felipe Pena, ou
cívico; a refutação da objetividade e o conseqüente combate aos
enquadramentos viciados; bem como a atuação do jornalista como ator
político, entre outros (PENA, 2005).
Recentemente o jornalista brasileiro Ulisses Capozzoli escreveu
artigo intitulado As reflexões que o jornalismo não faz – ponderações
imprescindíveis para qualquer comunicólogo e estudantes de
Comunicação, bem como para qualquer cidadão – onde citou como
exemplos reportagens realizadas sobre massacres de indígenas no Brasil,
o tratamento dado pela imprensa na Espanha sobre o atentado de 11 de
março de 2004, entre outros, ressaltando a abordagem superficial e
distorcida que o jornalismo geralmente dispensa aos fatos. Para
Capozzoli, os jornalistas têm a obrigação de tratar a realidade com a
inteligibilidade e a ética necessárias e que é preciso haver um filtro
crítico.
Na maioria dos casos, esse filtro crítico referido por Capozzoli
atingiria frontalmente os interesses dos controladores dos meios de
24 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
comunicação. Quando, por exemplo, o receptor se depara com matérias
jornalísticas se reportando aos acidentes automobilísticos, por acaso
ditas abordagens trazem algum aspecto crítico? São limitadas, quase
que exclusivamente, às estatísticas, a elencar o consumo de bebidas
alcoólicas, bem como o excesso de velocidade como os principias
causadores de ditos acidentes e, quando se referem à velocidade, jamais
questionam o porquê desta excessiva velocidade. Não se lê ou se assiste
nestas reportagens nenhuma menção ao fato de haver uma preocupação
cada vez maior, por parte da indústria automobilística, em aprimorar e
dotar seus veículos com motores cada vez mais potentes e velozes e
colocá-los no mercado à disposição do consumidor, fato que incide de
maneira marcante nas estatísticas de acidentes de trânsito.
Quando o receptor lê ou vê uma reportagem a respeito dos
acidentes de trânsito, a reflexão que é sugerida não é outra senão a da
irresponsabilidade dos condutores dos veículos provocadores dos ditos
acidentes, mas nunca é direcionado a questionar, por exemplo, qual a
parcela de culpabilidade de quem fabrica, comercializa e de quem permite
a comercialização de veículos capazes de desenvolver uma velocidade
completamente inadequada e incompatível com os códigos de trânsito
e, sobretudo, com a preservação da vida nas vias urbanas e rodovias do
mundo afora. Mas esse tipo de reflexão põe em xeque o sistema
capitalista, entra em choque com o que há de mais “sagrado” em dito
sistema, que é indução ao consumo sem a reflexão quanto às
conseqüências que isso pode implicar.
No tocante às questões sociais brasileiras, ocorre exatamente o
mesmo. No século XX, o Brasil foi o país que apresentou a melhor média
de crescimento no mundo e, no entanto, esse crescimento não se viu
refletido na melhoria das condições de vida da maioria da sua população.
25Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
No último ano, o governo brasileiro vem se vangloriando do crescimento
do superávit da balança comercial. Mas, a despeito disto, continua-se
com as políticas assistencialistas, com os altos índices de desemprego,
enfim, com a concentração gritante da renda, onde as cinco mil famílias
mais ricas do País detêm 45% do PIB nacional. O raciocínio lógico remete
à conclusão de que a solução para a maioria dos problemas do Brasil
estaria na distribuição eqüitativa desses recursos, de modo a
proporcionar condições dignas de vida à população em geral. No entanto,
os meios de comunicação limitam-se apenas e tão-somente a divulgar
os números da balança comercial.
A reflexão aqui proposta – e a menção feita às matérias sobre os
acidentes e às questões político-sociais brasileiras são apenas exemplos
ilustrativos – é que os meios de comunicação, de um modo geral, não
auxiliam na ampliação da margem de reflexão da sociedade sobre os
problemas que a afligem. Ao contrário, têm-na direcionado para um
alheamento massivo, não contribuindo para o aprimoramento da
capacidade reflexiva dos cidadãos, buscando reduzir estes a meros
decodificadores de mensagens, a maioria delas transmitidas de forma
limitada, propiciando uma visão unilateral, fragmentada e descontínua
dos fatos e acontecimentos.
4. As escolas e a mudança de foco
Embora muitos já estejam identificando nos meios de comunicação
essa falta de atuação conscientizadora, incentivadora de uma práxis
reflexiva da sociedade, não se vê claramente propostas de como
solucionar dito problema. Sendo assim, fica a pergunta: de onde deve
partir essa ação de redirecionar a práxis dos meios de comunicação,
especialmente a jornalística, e quais as possibilidades de que esse
2 6 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
redirecionamento realmente se efetive? Retomando a indagação feita
anteriormente, considerando o rumo que vêm seguindo os MCM, há saída
possível capaz de remeter a atividade comunicacional de massa à outra
direção? As gerações futuras poderão conhecer outro tipo de
direcionamento da atividade comunicacional de massa, que em vez de
priorizar o incentivo do consumo, o sensacionalismo, a superficialidade,
passe a adotar como objetivo primordial a informação, a formação, a
reflexão, o debate? Ou seria utópico imaginar a possibilidade de uma
mudança de rumo neste sentido?
Por agora, talvez o mais coerente seja afirmar quão difícil seria
alcançar mudanças – melhor dizendo, transformações –, tão significativas.
Entretanto, é importante notar que nem tudo está perdido. Exemplos
disso são algumas iniciativas acadêmicas surgidas pelo País afora, onde
diversos trabalhos, inclusive de conclusão de curso, de estudantes de
comunicação, sinalizam o desejo de mudança dessa direção assumida
pela maioria dos MCM. Essas iniciativas, ainda que bastante incipientes,
vêm demonstrando a necessidade de o estudante e o profissional da
comunicação redimensionar seus olhares e ações, direcionando seu foco
de atenção para além dos limites dos grandes grupos e conglomerados
de comunicação. Ou seja, há vida profissional – ainda no momento sem
estrutura – fora das grandes mídias, a exemplo de comunidades carentes,
de organizações não-governamentais e outras entidades, potenciais a
serem explorados no campo da comunicação, talvez os responsáveis, no
futuro, por uma mudança e/ou transformação estrutural nos MCM. Este
redirecionamento colocaria à prova a vaidade pessoal de muitos
postulantes à carreira de comunicador social, que vêem nesta a
possibilidade de terem suas imagens e/ou assinaturas estampadas nas
grandes mídias, “invadindo” os espaços de milhares ou milhões de
27Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
receptores. Talvez fosse responsável por uma significativa redução do
número de candidatos às vagas oferecidas nas diversas escolas de
comunicação distribuídas pelo País. Mas, provavelmente, seria
responsável também pela mudança de paradigma do cenário
comunicacional de massa. A futura configuração estaria baseada na
“fórmula” menos glamour, mais compromisso social.
E é, sobretudo, importante ressaltar o papel que têm ou devem
ter os professores atuantes nas escolas de comunicação, no sentido de
incentivar e promover esse tipo de discussão, de iniciativas, deixando
clara a existência de alternativas, objetivando o rompimento desse
modelo superficial de comunicação predominante, distante do papel que
deve desempenhar.
A atuação dos docentes deve residir, sobretudo, no objetivo de
proporcionar aos estudantes de comunicação uma visão mais ampliada
acerca do papel da comunicação de massa nas sociedades, possibilitando
a aproximação dos futuros profissionais com realidades que lhes permitam
entrar em contato com a comunicação popular, não somente para estudá-
la, mas interferir, na prática, para a sua efetivação, no seu
fortalecimento e na sua constituição em uma alternativa que,
futuramente, force as grandes mídias a redimensionarem a sua atuação.
Reunir esforços para implantar rádios e TVs comunitárias,
impressos alternativos – e fazê-los funcionar obedecendo esse caráter
realmente comunitário e popular, tudo isso acompanhado da participação
efetiva das comunidades – é condição sine qua non para a construção de
uma comunicação engajada, cidadã e democrática. Sem dúvida um
grande passo rumo à construção de uma massa mais crítica, mais
exigente, consciente do papel que deve desempenhar no processo de
construção de sua própria cidadania, deixando de enxergar a realidade
28 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
e de se comportar de acordo com a perspectiva dos detentores do poder
econômico.
Talvez as escolas de comunicação devessem se preocupar menos
em formar profissionais para ocupar espaços no mercado já demarcado
e mais em suscitar nesses futuros profissionais o desejo de construir
uma sociedade democrática, de fato, onde os meios de comunicação
possam refletir os anseios da maioria, possam discutir as reais
necessidades sociais, dando espaço e voz aos que realmente necessitam,
sem cristalizar estereótipos, preconceitos – como costuma fazer
cotidianamente –, mas sobretudo servindo como uma “tribuna
democrática” (RODRIGUES, 2002), na qual o debate público entre o Estado
e a sociedade civil possa se realizar.
A partir desse poder de transformar a realidade midiática e tendo
como base novas práticas e novos modelos de comunicação, talvez fosse
responsável pela estruturação de novo modelo baseado na cibercultura,
proposto pelo sociólogo Pierre Lévy .
[…] um mundo novo no qual o conhecimento e a informação
seriam a principal riqueza, poderíamos mesmo dizer sua
“moeda corrente”. Um mundo que, dispensando as
mediações tradicionais – sendo, nesse sentido, pós mídia –
e construído pela multiplicidade de vozes que pulsam no
campo social […] (LÉVY apud RODRIGUES, 2002, p. 213-
214).
Em uma sociedade sem democracia, de fato, os meios de
comunicação de massa tradicionais jamais refletirão os anseios da
maioria. Daí a necessidade de uma mudança na práxis das escolas de
comunicação se se quer instituir uma mudança na prática
29Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
comunicacional, considerando que a instituição e consolidação de formas
alternativas de comunicação levadas a cabo pelos futuros profissionais
da comunicação social poderão significar uma “forçosa” transformação
na práxis da comunicação de massa como um todo. O objetivo primordial
seria deixar clara e exposta a heterogeneidade de pensamento tão
presente no contexto da sociedade, mas atualmente camuflada na visão
predominante da mediação realizada pelos MCM tradicionais. Estar-se-
ia, desta forma, garantindo o direito à expressão coletiva, o que
substancialmente concorreria para a construção e efetivação da cidadania
como expressão mais importante da vida em sociedade. Assim, o
jornalismo estaria, verdadeiramente, cumprindo com sua função social.
Referências bibliográficas:
CAPOZZOLI, Ulisses. As reflexões que o jornalismo não faz. Observatório
da Imprensa, 11 de maio de 2004. Disponível em:< http:
www.observatoriodaimprensa.com.br>. Acesso em 20 fevereiro de 2005.
MELO, José Marques de. Comunicação: direito à informação. São Paulo:
Papirus, 1986.
_____________________. Comunicação: Teoria e Política. São Paulo:
Summus, 1985.
MONTOYA, Ancízar. Cultura política, cultura mediatica: esfera publica,
intereses y códigos. In: Revista de Economía Política de las Tecnologías
de la Información y Comunicación. Vol. VI, número 1, enero-abril 2004.
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NAVARRETE, Laura. La prensa en Mexico (1810-1915). México:
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PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Contexto, 2005.
POLISTCHUK, Ilana, TRINTA, Aluizio Ramos. Teorias da Comunicação:
o pensamento e a prática da comunicação social. São Paulo:
Campus, 2003.
QUINTERO, Alejandro Pizarroso. Historia de la Propaganda. Madrid:
Eudema, 1993.
RODRIGUES, Valter A. Poder e [im)potência da mídia: a alegria dos
homens tristes.In: FILHO, Clóvis Barros (org). Comunicação na pólis:
ensaios sobre mídia e política. Petrópolis, Vozes, 2002.
SODRÉ, Werneck Nelson. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro:
Mauad, 1999.
Notas:
1 A Teoria da Agulha Hipodérmica punha em relevância o papel desempenhado pelafonte emissora das mensagens, relegando o receptor à condição de mero sujeitopassivo, como se os meios de comunicação de massa funcionassem como uma seringaque “injeta” informações, sem nenhuma possibilidade de resistência por parte dequem as recebe. Foi o primeiro modelo criado para explicar os efeitos causados pelasmensagens ao público receptor.2 Teoria do Espelho foi a primeira que buscou explicar o porquê de as notícias seremcomo são, baseada no pressuposto de que as notícias são o espelho fiel da realidade,
31Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
desconsiderando, assim, a subjetividade como fator inerente à atividade jornalística.3 Sobre este tema um amplo estudo se encontra em QUINTERO, Alejandro Pizarroso:Historia de la Propaganda . Madrid: Eudema, 1993.4 Vide I e II Guerras Mundiais, a Guerra do Vietnã, a Guerra de Kosovo, a invasão doAfeganistão pelos EUA, a guerra dos EUA e aliados contra o Iraque, entre outrosconflitos.5 Sobre este tema consultar SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa do Brasil.Rio de Janeiro: Mauad, 1999.
32 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Ano 1, nº 0, Outubro de 2006 Revista Independência
Título
Autor
Resumo
Educação e Contemporaneidade:Alguns elementos para reflexão
Gustavo Roque de AlmeidaSociólogo Doutor em Educação pela UFBA e professor da UNEB, UFBA,
UNIFACS e 2 de Julho.
E-mail: [email protected]
O autor aponta alguns aspectos da contemporaneidade na perspectiva de que sua
apreensão pode contribuir para demarcar como a educação, notadamente aquela
patrocinada pelo Estado, tem se pautado pelas premissas do neoliberalismo vigente
no momento atual e, de resto, contribuído para propiciar a exclusão de contingentes
cada vez maiores da população dos postos de trabalho de maior remuneração.
Para tanto, aponta alguns dos pressupostos do capitalismo contemporâneo, como
contribuem para diminuir o poder do Estado e como tem ocorrido a concentração
de riqueza nas últimas décadas.
Parte integrante desse processo, a educação é tratada como elemento essencial à
consecução dos desígnios neoliberais, na medida que busca manter e ampliar as
desigualdades socioeconômicas, por um lado, e, por outro, adestrar profissionalmente
trabalhadores para atender aos interesses do grande capital.
Palavras-chave: Educação, Estado, escola, exclusão, neoliberalismo.
02
34 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
O século XX foi pródigo em “métodos educacionais”, que prefiro
chamar de abordagens, buscando apresentar-se como a possibilidade
de não só educar com um grau de eficiência bastante elevado, como
também possibilitar sua utilização com o fim de atingir imensos
contingentes populacionais.
Durante a fase do pós-guerra, na qual vultosos investimentos
foram realizados pelos EUA e pela URSS (através do Plano Marshall e do
COMECON) em alguns países palco do conflito, perceberam estes a
importância da educação, no que se refere à preparação de trabalhadores
qualificados para operar com as tecnologias aplicadas aos setores
mecanizados da produção. O Japão e a Alemanha são exemplos marcantes
disso.
Para discutir melhor tal questão, entretanto, é preciso situá-la
historicamente para, compreendendo suas nuanças políticas e
econômicas, tentar explicar suas razões e seus erros e acertos.
A década de setenta, do século passado, trouxe para o mundo
capitalista um grande susto, que foi a crise deflagrada pelos países
árabes exportadores de petróleo, ora diminuindo a oferta do produto,
ora elevando-lhe os preços. Como se sabe, tais países são de tradição
majoritariamente muçulmana e isso os coloca, do ponto de vista cultural,
em uma outra posição em relação aos ocidentais, o que, não raro, tem
conduzido a graves conflitos envolvendo a comunidade internacional, a
exemplo do eterno “affair” entre judeus e árabes.
Essa década representa também o início de uma nova fase do
capitalismo internacional, caracterizada pela concentração cada vez maior
do capital em poucas mãos, através do processo de fusão ou compra de
grandes corporações, maior agilidade em investimentos de curto prazo
no mercado financeiro, criação de acordos de comércio visando a quebra
35Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
de barreiras alfandegárias, passando, inclusive, pela tentativa de
unificação de moedas (o caso do euro), implantação de unidades fabris
em países onde o binômio “incentivos fiscais e mão-de-obra barata”
fosse mais atrativo; é o que se tem caracterizado como mundialização
da economia ou, globalização.
Fator importante que não se pode deixar de considerar é
representado pelo avanço das tecnologias computacionais e a rapidez
da comunicação propiciada pela rede eletrônica que ligou os países em
tempo real, a Internet. Associe-se a isso as questões de ordem
estratégico-militar que apontam para os riscos da concentração da
produção industrial em uma mesma região geográfica.
Com essas características, assiste-se a uma nova expansão da
economia mundial, mais espalhada geograficamente e que demanda um
novo perfil de trabalhador, com níveis mais elevados de escolarização, e
de um consumidor menos resistente aos apelos da mídia publicitária.
Pressionados pelo endurecimento das regras de comércio
internacional, cada vez mais ditadas pelos países mais ricos (G-7), os
“países em desenvolvimento” buscam atrair investimentos e
empréstimos que lhes permita superar não só seu imenso atraso
tecnológico como, também, garantir emprego a parcelas cada vez mais
amplas de sua população. Nesse afã, têm sido obrigados a aceitar a
implantação em seu solo de transnacionais que lhes exigem a concessão
de pesados incentivos para sua instalação. Não obstante isso, para
viabilizar sua ação administrativa, são pressionados a aceitarem
empréstimos (FMI, Banco Mundial etc.) sob a condição de adotar políticas
que interessam àqueles organismos a exemplo da diminuição da ação
estatal nos mais diversos campos de sua atuação, como saúde,
segurança, educação etc.
36 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
O caso do Brasil é mais um dos que se deixam levar por uma
administração que, na tentativa de promover a aceleração do processo
desenvolvimentista a qualquer custo, adotou o receituário preconizado
por tais organismos e tem aberto mão, para os investidores
internacionais, de parcelas das mais significativas de sua economia, a
exemplo de setores estratégicos como siderurgia, telecomunicações,
geração e distribuição de energia elétrica, insumos agrícolas e o setor
financeiro.
À semelhança do que já havia acontecido antes, por exemplo, em
relação ao tecnicismo vigente no período da expansão industrial do pós-
guerra, a educação começa a sofrer mudanças no sentido de atender
aos ditames do mercado. Vejamos agora como isso se dá.
Com uma população que ultrapassa os 180 milhões de pessoas,
majoritariamente jovem e concentrada em centros urbanos, o País não
consegue garantir o direito ao trabalho a essa população, haja vista que
as novas tecnologias aplicadas ao setor produtivo são, quase todas,
supressoras de mão-de-obra, embora criem novos empregos no setor
de serviços. Em paralelo, a educação que até então se vinha pondo em
prática, pelas suas características de destinação no âmbito de uma
sociedade de classes era, para os filhos das classes burguesa e pequeno
burguesa, avalizadora de sua inserção nos postos superiores e médios
da hierarquia do mundo do trabalho, e, para os filhos da classe
trabalhadora, propiciadora apenas de inserção em nichos de mercado
onde os saberes escolares não fossem tão amplamente exigidos.
Isso aponta para o fato de o País ter convivido ao longo dos
últimos cinqüenta anos com um sistema educacional de dupla vertente:
uma para os ricos, propedêutica, conduzindo à universidade; outra para
os pobres, elementar e profissionalizante, direcionando ao trabalho
37Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
subalterno. Saliente-se que, no Brasil, sempre que se utiliza o termo
profissionalizante em relação à educação invariavelmente se está
referindo à educação de nível médio que qualifica profissionais para
atuar em funções ditas técnicas, sem que isso signifique necessidade
de formação universitária. A primeira, bancada pela iniciativa privada,
a segunda, pelo Estado.
Nas duas últimas décadas do século XX, a situação educacional
do País se torna mais contundente com as políticas governamentais de
contenção de recursos e, conseqüentemente, de desvalorização dos
servidores públicos - aí incluídos os docentes - através da manutenção
de salários baixos.
Com vistas a atender as recomendações de organismos como o
Banco Mundial e, também, como meio de fazer crer à sociedade sua
preocupação com a educação do povo, o governo passa a dotar as escolas
de equipamentos eletrônicos, como televisor, videocassete, antena
parabólica e computadores, sob a alegação de que proporcionariam aos
estudantes um aprendizado mais consentâneo com a realidade tecnológica
vigente. E, em alguns casos, importam e implantam modelos educacionais
calcados em teorias cognitivas pouco conhecidas e de eficácia ainda
não suficientemente provada.
Em paralelo, depara-se a sociedade hoje com um sério problema:
as novas tecnologias de produção e armazenamento de alimentos, novos
medicamentos, melhores condições de higiene e saneamento têm
propiciado um aumento da expectativa de vida concomitante à diminuição
da taxa de mortalidade infantil, o que tem feito crescer a demanda
social pelos serviços a que constitucionalmente se obriga o Estado, entre
eles a educação.
É preciso, entretanto, que essa educação possa não só contribuir
38 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
para a formação mais ampla do cidadão/sujeito como garantir-lhe as
habilidades necessárias à sua inserção no mercado de trabalho, posto
que é através do exercício profissional que o mesmo terá condições de
satisfazer suas necessidades existenciais por conta de sua remuneração.
Convém lembrar que, originalmente, os indivíduos primevos se
associaram objetivando garantir sua integridade e seus direitos aos
territórios de caça, pesca e coleta e, mais tarde, aos seus campos de
cultivo. Com o passar do tempo e com a prática da acumulação,
desenvolveram comportamentos consuetudinários, mais tarde
transformados em princípios e normas jurídicos que, assumidos pela
organização do Estado, passaram a garantir o direito à propriedade e a
manter a diferenciação entre os sujeitos sociais.
Desde a Revolução Francesa a afirmação do Estado burguês tem
se mantido até nossos dias, dividindo os homens a partir de suas
características de posse de bens materiais. Para tal mister, tem-se valido
tanto dos “aparelhos repressivos” quanto dos “aparelhos ideológicos”,
como bem os caracterizou Althusser (1974).
No caso desses últimos, situa-se a educação, sendo de cabal
importância considerar que esta tem dado valiosa colaboração na
manutenção do “stablishment”, mantendo vasta parcela da população
vivendo em função do que lhe permite a classe hegemônica. E isso se dá
na medida que “[...] a Escola ensina também as regras dos bons
costumes, isto é, o comportamento que todo o agente da divisão do
trabalho deve observar, segundo o lugar que está destinado a ocupar:
regras da moral, da consciência cívica e profissional, o que significa
exatamente regras de respeito pela divisão social-técnica do trabalho,
pelas regras da ordem estabelecida pela dominação de classe.”
(Althusser: 1974 – 21).
39Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Surge então a pergunta: em que bases se deve assentar a
educação, na perspectiva de permitir uma convivência mais justa e
fraterna entre os sujeitos? É o que buscarei analisar agora, partindo de
um exercício de caracterização do sujeito contemporâneo em suas
interações com outros sujeitos no tempo e espaço.
Apesar de por conta dos avanços da ciência já se poder garantir
ao homem uma longevidade antes inimaginável, a sociedade desse início
de século se caracteriza por uma temporalidade real de momentos
fugazes, nos quais as relações entre os sujeitos têm sido mediadas por
interesses estreitos, mesquinhos mesmo, na medida que a cultura
vigente, por conta do alto nível de competitividade, tem apontado para
um perfil de sujeito cada vez mais individualista. Tal característica
encontra lastro no típico cidadão das sociedades de capitalismo avançado,
nas quais parece ser a cidadania, nada mais do que o exercício da
capacidade de escolha e aquisição de bens disponíveis no mercado.
Assim, esse tipo de mentalidade vem sendo ampliado – e assumido
– pelas sociedades em fase de desenvolvimento, na vã tentativa de
equiparar-se àquelas. Nessas circunstâncias, o sujeito passa a mediar
suas relações a partir do perfil de consumo seu e dos outros. Passa a
valer pelo que possui e não pelo que é ou poderia representar em termos
de contribuição à construção social, política e cultural da humanidade
de que é parte.
No que concerne à espacialidade onde ocorrem as interações entre
os sujeitos tem-se hoje um processo de desterritorialização, por conta
do qual os sujeitos vivem cada vez mais nos “não-lugares”, ou seja,
aqueles onde as relações se dão entre anônimos iguais, ou
aparentemente iguais, assemelhados que são por certos aspectos
identitários de condições. Observe-se, a esse respeito, os saguões dos
40 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
aeroportos, os “shopping-centers”, as lojas de “fast-food”, os “night-
clubs”, os parques temáticos, as salas de bate-papo virtual. Verifique-
se como as relações, nesses espaços, ocorrem de modo tão superficial,
sem aquilo a que se poderia chamar de uma relação verdadeiramente
interativa, carregada de sentimentos.
Em certo sentido isso ocorre também pela falta de preparo dos
sujeitos em lidar com alteridades, quer dizer, ser capaz de apreender o
outro na plenitude de sua diferença; competência que a escola tem se
furtado a desenvolver nos seus educandos pela própria tendência que
prevalece de domesticar o outro, fazer dele um igual a nós, posto que é
mais fácil, para a maioria, conviver com a própria sombra do que com o
diferente e o divergente.
Concernente a isso, Paulo Freire, meados do século passado, já
condenava a estrutura de ensino no Brasil na medida que esta se fundava
nessa concepção. Na frase, “o professor ensina e o aluno aprende”, não
só se percebe uma idéia de tradição, de manutenção do status quo,
como se revela toda uma atitude de desrespeito para com os que não
são iguais a nós, reside todo um preconceito, toda uma segregação em
relação àqueles que, não tendo tido os mesmos privilégios – ou direitos
assegurados – são considerados sujeitos de linhagem inferior e, como
tais, tratados de modo autoritário, desrespeitoso, indigno.
Sem querer dramatizar demais essa situação, reporto-me ao artigo
de Jeffrey Jerome Cohen (2000;23-60) intitulado “A cultura dos monstros:
sete teses”, no qual baseio alguns comentários a seguir.
O ensaio trata do que tradicionalmente se convencionou chamar
de monstro, ou seja, o que é contra a ordem regular das coisas, o
inesperado. Podendo ainda significar o vocábulo aquilo que está fora da
convenção, o que não encontra respaldo na habitualidade, o diferente.
41Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Em suas primeiras três teses o autor refere-se ao corpo do
monstro, à sua fugacidade e à sua capacidade de escape. Busco aqui
uma aproximação com a maneira com que a maioria das pessoas encara
o diferente. Esse “encarar” nada mais reflete do que uma construção
culturalmente sedimentada a partir da convivência em instituições
eivadas de tradições, entre elas a escola, cuja finalidade é reproduzir a
ordem social. Desse modo, o diferente se constitui em uma incerteza,
um deslocamento da centralidade costumeira, assombrando os que com
ele cruzam.
Concomitante a isso, e provavelmente por isso mesmo, o
diferente é impossível de ser apreendido em sua totalidade por
representar possibilidades que podem fugir ao controle e, como tal, só
permitir aproximações no campo das teias que os geram. Daí serem, os
monstra arautos da crise de categorias, ou seja, por serem únicos
escapam a qualquer enquadramento conceptual, sendo portanto, sua
geografia um território ameaçador.
Indago-me: Não tem sido assim no campo educacional, onde os
educandos têm sido tradicionalmente tratados como verdadeiros monstra?
E como tais, merecedores do exorcismo patrocinado pelos métodos e
práticas que deverão docilizá-los?
Mais adiante, Cohen, (op.cit) em suas quinta, sexta e sétima
teses aborda as questões referentes ao controle de fronteiras do
permitido e de como se situam no limiar do tornar a si.
No aparelho educacional de nossas sociedades percebe-se nichos
de inacessibilidade, salvo para aqueles que se submetem a seus ritos
iniciáticos, posto que há uma permanente vigilância no sentido de
garantir certos espaços à minoria hegemônica. Por outro lado, sendo
uma criação cultural, nossa, portanto, por mais que os expulsemos para
42 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
longe de nossa geografia e discurso, os monstros retornam. E ao fazê-
lo, vêm prenhes de “um conhecimento humano e um discurso ainda
mais sagrado na medida que ele surge de fora”.
Seguramente, é isso que nos permite nos indagarmos a respeito
de nossa percepção do mundo e de como temos representado mal aquilo
que tentamos situar. Daí a importância de reavaliarmos tudo, sempre.
Como meio a nos permitir outras aproximações, exegeses, a respeito
da educação.
Não mais é possível continuarmos presos às tradições que,
durante tantas décadas, mantiveram alijada do processo educacional a
maioria da população brasileira. A necessidade de favorecer a
contingentes cada vez mais amplos dessa população a possibilidade de,
através do desenvolvimento de seu potencial educativo, via processo
de escolarização, uma participação política consentânea com a dignidade
humana, sem que haja distinções de qualquer natureza, é o fator
primordial que deve nortear a ação de todos aqueles que, buscando
conhecer melhor, se preparam para intervir de modo adequado nesse
politicamente perigoso terreno denominado de educação. Convém,
portanto, refletir sobre isso.
Referências bibliográficas:
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Lisboa,Editorial Presença, 1974.
COHEN, Jeffrey Jerome. Pedagogia dos monstros – Os prazeres e osperigos da confusão de fronteiras. Belo Horizonte, Autêntica, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 5ª ed. Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1978.
Ano 1, nº 0, Outubro de 2006 Revista Independência
Título
Autor
Resumo
Mundo tecnológico: mudançassignificativas no “fluxo” deinformações?
José Carlos RibeiroDoutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela FACOM/UFBA.
Professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) e da
Faculdade 2 de Julho
E-mail: [email protected]
,
03
O presente texto traz reflexões sobre as possíveis mudanças na “produção” e no
“consumo” de informações proporcionadas pelas Tecnologias Contemporâneas de
Comunicação. A base dos argumentos está ancorada na premissa de que a
interatividade, potencializada pelos dispositivos digitais, viabiliza uma
transformação dos padrões tradicionais de fluxo das informações. Com isto em
vista, apresenta algumas considerações, buscando ampliar as discussões
relacionadas ao tema.
Palavras-chave: comunicação, interatividade, novas tecnologias
44 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
No mundo contemporâneo, somos recheados - já há algum tempo
- de inúmeras ofertas de produtos e de serviços automatizados que
apresentam de modo efusivo as últimas novidades do mundo digital.
Desde a presença de “máquinas espertas” que dialogam com os
respectivos usuários, ensinando-os, na maioria das vezes, a seqüência
correta de determinadas funções ou tarefas, até as chamadas “casas
inteligentes” que mapeiam e gerenciam de maneira competente os
diversos comportamentos e gostos habituais dos seus habitantes, o que
se evidencia é a gradativa adoção de modos de existência que priorizam
cada vez mais um refinamento na clássica relação homem-máquina.
Nos últimos anos, entretanto, tal situação parece ter sido ampliada de
maneira significativa tanto no que se refere à diversidade de expressões
propostas, quanto no ritmo acelerado em que as mudanças se
apresentam. Neste sentido, acompanhamos uma verdadeira maratona
de inovações tecnológicas, onde buscamos nossas “atualizações”
constantes dentro desse universo mutante.
Através de uma análise mais acurada, podemos perceber que
essas diversas situações seguem uma lógica centrada essencialmente
na noção de interatividade, ou seja, no conjunto de mecanismos
proporcionados pela computação interativa capazes de promover a
intervenção (direta ou indireta) do usuário na geração ou no
desenvolvimento de produtos ou de processos. Queiramos ou não, somos
impelidos a vivenciar uma dinâmica regida pela participação, pelo
contato, pela interferência.
Por outro lado, também na atualidade, testemunhamos uma
particular profusão de estímulos sensoriais bastante expressiva, cuja
característica principal se reveste na multiplicidade e simultaneidade
na articulação de códigos lingüísticos e comunicacionais. Propagadas
45Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
por complexos e interessantes sistemas hipermidiáticos, as compilações
de narrativas audiovisuais paralelas, as conjunções de mídias distintas
e as estruturas hipertextuais superpostas propiciam, em última instância,
uma liberdade maior na organização e na recepção dos conteúdos
veiculados. Todavia, ao mesmo tempo em que revelam novas
possibilidades exploratórias de “consumo” de informações, tais
configurações solicitam uma prática diferenciada por parte do leitor /
espectador / usuário neste processo, haja vista que demandam um
engajamento maior na composição dos blocos informacionais a serem
absorvidos dentro do vasto leque de opções disponíveis. Mais uma vez,
a dinâmica da participação ativa na construção e desenvolvimento dos
processos se faz presente.
Diante desse importante aspecto recorrente, evidenciado nas duas
situações apresentadas, sugerimos – como proposta reflexiva – de que
um novo perfil de “consumidor” de informações esteja se moldando.
Esta proposição se apóia nas diversas vivências experienciais cotidianas
que sugerem mudanças nas formas de constituição de sentidos e nas
articulações de conteúdos através de participações cada vez mais ativas,
principalmente naquelas constituídas pelas intervenções diretas (escolhas
de caminhos, ângulos de percepção, seleção de cenas, dentre outras).
Desta forma, o que está “em jogo” é uma participação mais efetiva do
“consumidor” na geração e na circulação das informações que ele próprio
receberá, ocasionando assim um fluxo diferenciado, onde se destaca a
presença de dados cada vez mais personalizados e circunstanciais. Não
entraremos aqui em especulações mais “ousadas” sobre eventuais
mudanças na forma de estruturação dos processos cognitivos nas
atividades de apreensão das informações; mas não há como negar que
alterações mais significativas estão se insinuando; talvez em um nível
46 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
ainda não completamente perceptível, porém com vários indicativos de
sua presença, pelo menos, no que se refere aos aspectos sócio-
comportamentais envolvidos nas situações cotidianas e à capacidade
de articulação das diversas informações paralelas, comumente presentes
nestes processos. Tais constatações ficam mais evidentes quando nos
atemos a acompanhar, de modo sistemático, as gerações mais novas,
criadas dentro de ambientes essencialmente interativos e
hipermidiáticos. Em linhas gerais, as condutas observadas nos
credenciam a supor que algo está realmente em mutação; cabe-nos,
enquanto analistas dos cenários contemporâneos, detectar o grau, a
profundidade e as repercussões que tais alterações trazem.
Para finalizar esses apontamentos reflexivos, vale a pena ressaltar
que tudo indica estarmos apenas vislumbrando a ponta do iceberg das
mudanças proporcionadas pelo advento das tecnologias digitais. Vamos
acompanhá-las.
Ano 1, nº 0, Outubro de 2006 Revista Independência
Título
Autor
Resumo
Rádio: de meio de comunicaçãode massa a veículo de inclusãosocial
Derval Cardoso GramachoBacharel em Comunicação (UFBA) e Especialista em Docência do
Ensino Superior pela Universidade Candido Mendes (RJ). Coordenador
dos cursos de Jornalismo e Propraganda e Marketing da Faculdade 2 Julho
E-mail: [email protected]
Desde a sua invenção o rádio mostrou forte tendência para a comunicação de
massa. Esta capacidade levou o meio a ser explorado por Hitler e Mussolini na
propagação das ideologias nazi-fascistas. No Brasil, os dois foram imitados pelo
ditador Getúlio Vargas. O advento da televisão, em 1950, tirou do rádio os seus
principais profissionais e sua grade de programas de auditório, radionovelas e
os noticiosos, como o Repórter Esso. Apesar de tudo isso, o rádio preservou a
sua característica de ser um veículo de inclusão social e o único capaz de
atingir a população do Brasil habitante de rincões aonde a TV não chega e a
mídia impressa nada significa devido ao elevado índice de analfabetismo.
Palavras-chave: Rádio, comunicação de massa, propagação, radiojornalismo,
meios de comunicação.
04
48 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Nenhum outro veículo apresenta vocação tão natural quanto o
rádio em ser um meio de comunicação de massa. Desde o seu nascimento
o rádio contrariou pesquisadores e cientistas que buscavam torná-lo um
sistema de comunicação seletivo, capaz de realizar a comunicação ponto-
a-ponto, como a telefonia. Aliás, sistema de telefonia sem fio era a
forma que o denominava nos seus primórdios.
A sua natureza, no entanto, tornou infrutíferas todas as iniciativas
no sentido de inibir a sua característica abrangente. Isso inviabilizava
os interesses dos governos em conseguir o aproveitamento do rádio
para fins menos dignos e mais estratégicos, a exemplo da utilização
militar em períodos de guerra. Esta impossibilidade fez com que os
estudos se voltassem para tentar descobrir quais os meios de
aproveitamento daquela invenção que mobilizou tantos homens notáveis,
como Popov, Marconi, padre Landell de Moura e tantos outros que se
debruçaram por décadas sobre as teorias de Hertz e suas descobertas
sobre as ondas capazes de transportar, através do éter, o som.
Era finda a Primeira Grande Guerra, na segunda década do século
XX, onde o novo sistema de comunicação foi testado, quando se começou
a operar este veículo com o intuito de promover entretenimento e levar
informação às populações das áreas mais distantes. Começava assim,
neste primeiro passo, a caminhada da humanidade rumo ao que mais
tarde se chamaria de processo de globalização. O advento do rádio levou
o homem a repensar alguns conceitos de comunicação em todos os seus
sentidos, inclusive o temporal. Da mesma forma que o uso do cavalo1
(até hoje reverenciado e referenciado pela Mecânica), pelas sociedades
mais antigas fez também em relação a uma série de conceitos, a exemplo
de tempo, distância, velocidade, força etc.
O meio logo se consolidou como um veículo de longo alcance e boa
49Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
aceitação e assimilação pelo público. Tal constatação levou à manutenção
das pesquisas para aprimorar o rádio, não mais como sistema de
comunicação, mas a indústria produtora dos aparelhos receptores que
corria para tornar os equipamentos mais baratos e acessíveis ao poder
da população.
Se no início as emissoras apareciam como empresas de pequeno
porte, de maneira meio tímida, logo surgiu quem percebesse o potencial
da mídia e procurasse fazer dela um instrumento de propagação de
ideologias políticas. O primeiro foi Adolf Hitler2, logo seguido por Benito
Mussolini3, imitados pelo brasileiro Getúlio Vargas, cuja vocação ditatorial
o tornava admirador dos líderes nazista alemão e fascista italiano.
Os dois – Hitler e Mussolini – foram os primeiros a tirar proveito
da potencialidade do rádio para a propagação4 das suas ideologias. Ambos
decidiram usar os recursos do rádio e fecharam jornais e emissoras de
televisão para evitar que os demais meios atrapalhassem a missão do
rádio de ampliar a base popular dos dois regimes. Tornar o nazismo e o
fascismo melhor aceitos pelas populações não só dos seus países, mas
de boa parte da Europa.
Era o ano de 1926. Os fascistas italianos perceberam que poderiam
transformar o rádio em um instrumento de propaganda. Desta maneira
se iniciou a elaboração de um projeto para levar a radiodifusão à
popularização. Nenhum esforço foi poupado no sentido de utilizar o meio
da melhor maneira possível em favor da propagação da filosofia fascista.
Essa iniciativa se fortaleceu ao se inspirar, pouco tempo depois,
na direção que os nazistas liderados por Hitler tinham imposto ao setor
de informações na Alemanha. Ali, o número dos jornais foi reduzido de
2.700 para 1.200, livros foram queimados e o rádio foi escolhido como
o instrumento para a coerção coletiva das consciências. Isto é, procurou-
50 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
se impedir as pessoas de saber e de pensar uma vez que o regime pensava
por elas.
O principal articulista de todo o projeto foi Paul Joseph Goebbels5,
a quem se atribui a escolha do rádio como veículo privilegiado para tal
missão.
No Brasil, em paralelo ao crescimento do nazifascismo na Europa,
Vargas tomava a iniciativa de usar o rádio para difundir a sua teoria
sobre o Estado Novo. Assim, buscou exercer o poder do Estado sobre as
emissoras com a criação da primeira legislação que reconhecia o rádio
enquanto empreendimento – a lei regulava a quantidade de reclames
que cada emissora deveria veicular durante a programação diária, criando
desta forma, o respaldo necessário para consolidar a mídia como
integrante do sistema de veiculação de propaganda. Naquela época, as
emissoras tentavam se articular enquanto empresas economicamente
ativas e não mais as rádios clubes e sociedades pertencentes a pequenos
grupos sociais ou familiares e que, portanto, não tinham o lucro como
objetivo.
A iniciativa do governo caiu como uma luva e Vargas ganhou, com
a sua iniciativa, um forte aliado para os seus projetos políticos. Definiu
toda uma estratégia populista cujo objetivo central era atrair para si a
opinião pública. Com essa intenção, a música brasileira predominante
na época, a exemplo das marchinhas de carnaval, foram estimuladas
pelo ufanismo getulista até início dos anos 40.
Das emissoras surgidas naquele período pode-se destacar a Rádio
Nacional, a PRK-30, em 1936, que viria a se constituir no grande marco
na história do rádio no Brasil, e a Rádio Globo, em 1938.
A força de comunicação do rádio foi avaliada em diversas
pesquisas em variados momentos da história. Durante a Segunda Guerra
51Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Mundial ele foi de grande importância para as Forças Aliadas que
encontrou neste meio o instrumento fundamental para sua orientação e
organização. A história registrou a importância da escuta clandestina
das emissoras de Londres durante os anos de luta contra o fascismo e o
nazismo.
Atualmente o Brasil conta com mais de quatro mil emissoras. Nos
Estados Unidos são mais de nove mil. No território brasileiro, isto
significava no final da última década do século XX, 115 milhões de
radiouvintes6, número este superior aos 85 milhões de telespectadores
e os menos de oito milhões de leitores de revistas e jornais. O meio, de
acordo com o Ibope, lidera o ranking de consumo per capita com três
horas e 45 minutos diário de audição, contra três horas e 24 minutos da
TV, 57 minutos do jornal e 54 minutos da revista 7.
Durante o período do regime militar, implantado em 1964, no
Brasil, uma grande campanha de desacreditação do veículo diante da
opinião pública foi lançada pelos generais-presidentes que consideravam
as emissoras AM como “elementos subversivos e não-simpatizantes do
novo governo”. Ao mesmo tempo, os militares distribuíram com igrejas,
políticos e empresários colaboradores e simpáticos ao sistema um número
incalculável de concessões para implantação de emissoras em FM –
Freqüência Modulada. O passo dos generais foi acompanhado pelos
governos civis que se seguiram ao processo de abertura e, logo em
seguida, a implementação do neoliberalismo orientado pelo Fundo
Monetário Internacional (FMI) e a Área de Livre Comércio da América
(Alca), além de organismos internacionais como o Banco Mundial (Bird)
e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Apesar dos reveses do setor, particularmente na faixa das AM, e
da queda do faturamento financeiro das emissoras que detêm uma parcela
5 2 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
pouco superior a 4% do volume total dos recursos do mercado publicitário
e midiático, o rádio continua a ter força. Mesmo sem concretizar os
investimentos necessários para o aprimoramento da qualidade técnica
e do seu conteúdo, este meio continua a ser o mais eficiente no sentido
da propagação das idéias. Daí o interesse que desperta em instituições
como as igrejas evangélicas que se valem do seu potencial para a
“difusão da fé” e conseqüente aumento do rebanho das ovelhas dos
seus pastores.
Também os políticos revelam grande atração pelas potencialidades
oferecidas pelo rádio para garantir as suas permanências no poder. Desde
João Baptista Figueiredo, o último dos generais, nenhum Presidente da
República deixou escapar a oportunidade de ter o seu programa no rádio.
É que em muitos rincões deste País este é, até hoje, o único meio de
comunicação capaz de fazer com que milhares de famílias sem acesso à
televisão e indiferentes à mídia impressa pelo simples fato de não
saberem ler se conectem com o mundo exterior, a civilização.
Para estes, e pensando nestes, é que durante muitos anos o
governo incentivou a produção de programas educativos, a exemplo do
“Projeto Minerva”, elaborado pelo Ministério da Educação. O modelo
acabou, como uma série de outros programas, sendo copiado pela
televisão – Telecursos primeiro e segundo graus – e esvaziou a iniciativa,
vez que os analistas elaboraram pareceres com base exclusiva no público
dos centros urbanos. A suspensão de programas desta natureza no rádio
fez com que o veículo deixasse de lado o seu potencial de caráter social,
inspirado no lema “informar para formar”.
O rádio brasileiro é o meio de comunicação de massa mais
defasado em termos de tecnologia e, em muitos estados, até mesmo
em nível de conteúdo. Com o advento da televisão, perdeu os
53Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
anunciantes, os programas, (que migraram para a TV), e levaram juntos
os profissionais – locutores, artistas, jornalistas e técnicos. No entanto,
manteve o carisma e o público. Embora nem sempre aproveitada da
melhor forma, preservou as suas principais características (imediatismo,
instantaneidade, interatividade etc.), ao mesmo tempo em que adaptou
a sua mensagem, ao longo de meio século de atividades, direcionando-
a para o atendimento às necessidades de informação, jornalismo
esportivo, prestação de serviços e entretenimento das classes populares
urbanas.
No Brasil, este veículo se consolidou como o medium com maior
capacidade de promover a inclusão social, através da informação, de
todos os segmentos excluídos. O instrumento que pode viabilizar a
comunicação entre todos os setores da sociedade, inclusive, os
analfabetos e os deficientes visuais, pela característica da sua linguagem
e da sua capacidade de aproximação e convencimento.
Notas
1 GRAMACHO, Derval e GRAMACHO, Victória. Tarô dos Animais. Ed. Madras. SãoPaulo, 1999. Pp. 51-52.2Adolf Hitler foi o criador da teoria e filosofia nazista que predominou na Alemanhae resultou no quase extermínio dos povos judeus e de origem não-ariana. Nasceuno dia 20 de abril de 1889, na cidade de Braunau, na Áustria, e morreu (suicidou-se) no dia 30 de abril de 1945, em Berlim, na Alemanha, após a derrota para asForças Aliadas na Segunda Guerra Mundial.3 Benito Mussolini foi chefe de governo da Itália (1922-1943), fundador do fascismo.Assumiu o governo a convite do rei Vítor Emanuel III em 28 de outubro de 1922.Consolidou o regime unipartidário e totalitário com base no poder do GrandeConselho Fascista, apoiado pelas milícias de segurança nacional. Mussolini iniciou aconquista da Etiópia (Abissínia, 1935-1936), apoiou o general Francisco Francodurante a Guerra Civil e spanhola (1936-1939), aliou-se à Alemanha nazista,através da formação do Eixo Roma-Berlim (1936) que culminou com o Pacto de Açoentre os dois e stados (1939), publicou leis contra os judeus e invadiu a Albânia
54 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
(1939). O Grande Conselho Fascista destituiu e prendeu Mussolini, em julho de1943, e assinou no mês de setembro um armistício com os Aliados que tinhaminvadido o sul da Itália. Mussolini tentou fugir para a Suíça, mas foi capturado efuzilado com sua amante por membros da Resistência italiana. http://www.imn.com.br/lideres/mussolini/ acessado em 10/10/2003.4 HOUAISS, Antonio. Dicionário Eletrônico Houaiss de Língua Portuguesa. Ediçãoespecial, março 2002. Editora Objetiva Ltda., 2001-2002. Ato ou efeito depropagar(-se); espalhar(-se); difusão; ação de fazer chegar a um grande númerode pessoas; divulgação, vulgarização < p. de uma doutrina >. etimologiapropagatì,ónis “ação de mergulhar, mergulhia; aumento do território;prolongamento”, do radical de propagátum, supino de propagáre “pôr emmergulhia; multiplicar, propagar; prolongar; estender, alargar, engrandecer,aumentar, desenvolver”.5 Paul Joseph Goebbels (1897 – 1945) foi jornalista e político nazista radical alemãonascido em Rheydt, precursor da propaganda de massa através de todos os meiosde comunicação que usou com o intuito de impor ao povo alemão uma única idéiapolítica e social, a do nazismo. Estudou literatura e filosofia nas universidades deBonn e Heidelberg, onde se graduou (1922). Orador eloqüente, aderiu ao nazismo efoi nomeado chefe do partido nazista em Elberfeld (1924). Foi encarregadopessoalmente por Hitler para implantar o nazismo, que até então tinha suas basespredominantemente na Baviera, em Berlim. Em 1928, foi nomeado chefe dapropaganda e recebeu o encargo, do próprio Hitler, de desenvolver uma açãopolítica e psicológica sobre o povo alemão. Assim, criou o mito da infalibi lidade doFührer e estabeleceu o ritual das grandes celebrações partidárias, constante demarchas noturnas e fogueiras nas quais eram queimados livros de autoresdemocratas e judeus. Com a ascensão de Hitler ao poder, tornou-se Ministro daInformação e Propaganda e, para atingir seus objetivos, se valeu mesmo da forçado regime, impedindo qualquer manifestação de independência dos setoresintelectuais. Foi o único dirigente nazista a permanecer até o fim ao lado doFührer, que o havia designado chanceler do Reich, em seu testamento. Logo após amorte de Hitler, também se suicidou, em Berlim, envenenando-se, juntamente coma mulher e os seis filhos menores.http://www.sobiografias.hpg.ig.com.br/PaulJGoe.html acessado em 01/10/2003.6 MAGNONI, Antônio Francisco e outros. O Rádio Digital Avança no Interior de SãoPaulo. In: DEL BIANCO, Nélia R. e MOREIRA, Sônia Virgínia. Rádio no Brasil,Tendências e Perspectivas. Ed. UERJ/UNB. Rio de Janeiro, 1999.7 Ibidem.
Ano 1, nº 0, Outubro de 2006 Revista Independência
Título
Autor
Resumo
Sílvio Romero:O Pensamento Mestiço
José Henrique de Freitas SantosDoutorando em Teorias e Crítica da Literatura e da Cultura pela
Universidade Federal da Bahia. Professor da Faculdade 2 de Julho e da
UNEB - Universidade Estadual da Bahia.
E-mail: [email protected]
O artigo “Sílvio Romero: o pensamento mestiço”, a partir da análise da atuação do
crítico Sílvio Romero no cenário cultural brasileiro do séc. XIX, mapeia, na atuação
deste, a existência de um pensamento transdisciplinar que, mesmo tangenciado
pelas correntes científicas da época, não deixou-se aprisionar por elas, dando
origem ao que chamamos neste trabalho, apoiado nas considerações de Serge
Gruzinski, de “o pensamento mestiço”.
Palavras-chave: Sílvio Romero, mestiçagem, crítica cultural
05
56 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
A compreensão da mestiçagem choca-se com hábitos
intelectuais que levam a preferir os conjuntos monolíticos
aos espaços intermediários. Com efeito, é mais fácil
identificar blocos sólidos do que interstícios sem nome.
Preferimos considerar que ‘tudo o que parece ambíguo só
o é na aparência, e que a ambigüidade não existe’. Os
enfoques dualistas e maniqueístas seduzem pela
simplicidade e, quando se revestem da retórica de
alteridade, confortam as consciências e satisfazem nossa
sede de pureza, inocência e arcaísmo.
Serge Gruzinski
Se considerarmos o problema levantado por Gruzinski no âmbito
intelectual, acerca da incompreensão da mestiçagem ante o ímpeto da
coerência apaziguadora presente neste círculo, compreenderemos a
dimensão da questão que se coloca a partir do título deste ensaio, ao
postular a existência de um pensamento mestiço em um autor
oitocentista, atravessado pelas teorias científicas de seu tempo, como
o foi Sílvio Romero1. Para além da dualidade e da dicotomia, condenadas
por Gruzinski, ao mesmo tempo em que revela uma visão étnica
hierarquizada com o branco europeu no topo da pirâmide das três raças
constitutivas do Brasil (branco, índio, negro), Romero não apenas
descreve o encontro/conflito dessas etnias no Brasil, do qual originará
as “mesclas raciais”, mas incorpora a contradição, presente na própria
idéia de mestiçagem2, como a lógica de seu pensamento crítico
indisciplinar, ao qual chamaremos de pensamento mestiço.
Sílvio Romero definitivamente não foi um autor fora do texto
conforme sugere o título do famoso ensaio de Antônio Cândido, que,
sem dúvida, foi um dos críticos mais argutos do autor oitocentista. Se
nada é a-histórico, como propõe Nietzsche, e o texto é só superfície,
como nos ensina na contemporaneidade Foucault, a polêmica concepção
57Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
romeriana de obra literária, no século XIX, expressa nos seus textos
historiográficos, abre espaço para uma desconstrução da margem que
consolidava o extrínseco e o intrínseco na crítica literária vigente antes
e depois dele, daí seu violento embate com José Veríssimo.
Os críticos e historiadores literários, de Araripe Júnior a Nelson
Werneck Sodré, dentre outros, reiteram a crítica de Veríssimo e somam
a esta a problemática da contradição, ignorando que é exatamente a
contradição que constitui o recurso mais potente da escrita desse autor.
Assim, por exemplo, a História da Literatura Brasileira de Sílvio Romero
é constituída simultaneamente de um modelo fechado, unitário,
totalizante, a partir de um ímpeto monumental baseado em todas aquelas
unidades discursivas que Michel Foucault nos convida a colocar em
suspenso (origem, influência, evolução, tradição, etc. E também da
contradição que permite uma revisão dialética do texto, rasurando a
estaticidade da proposta inicial.
José Veríssimo, além, para ele, do problema das contradições,
“há 30 anos o Sr. Sílvio Romero faz a mesma coisa”. Ora, esta crítica
flagra uma regularidade no discurso de Sílvio Romero, que justamente
pelo ímpeto dialético, estrutura o próprio processo de sua historiografia
e crítica. Ademais, Sílvio Romero não nega este aspecto em suas
produções, assumindo a necessidade de retorno e da retificação de
algumas de suas reflexões, demonstrando, inclusive, uma consciência
acerca da importância da contradição no seu pensamento:
... a contradição supõe choque de dois pensamentos
contraditórios num mesmo tempo, ao passo que tudo aquilo
vem a ser apenas a normal evolução de um espírito que
caminhou, que progrediu.3
58 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Voltando a Antônio Cândido, salientamos que este, utilizando-se
de um procedimento do próprio Sílvio Romero, na segunda edição de
seu O método crítico de Sílvio Romero, relativiza o ímpeto que o levara
anteriormente a tentar compreender um sistema coerente em um
pensamento que se fez indisciplinar, portanto o que antes havia sido
lido por ele, Cândido, como o problema das contradições e incoerências,
deveria ser observado como o turbilhão, a força propulsora da obra
romeriana, pois
...Primeiro: elas exprimem uma certa coragem de ir ao
cabo, que nós freqüentemente não temos... Segundo: as
suas contradições se forem tomadas em nível profundo,
constituem na projeção, no seu pensamento da
complexidade perturbadora de uma sociedade marcada
por desarmonias e discordâncias.4
A crítica romeriana seria indisciplinar por três motivos: não
obedecia aos pressupostos apolíneos para o seu desenvolvimento,
conforme a abordagem da época; reclama um rigor e uma neutralidade
científicos e apresenta-se ao mesmo tempo pessoal, demarcando o seu
lugar de fala (o que toda crítica tenta recalcar) e, por fim, é feita com
base no trânsito entre campos de saber, também, ou principalmente,
“não-literários”. Este último ponto aparece como requisito básico para
se tratar da mestiçagem, uma vez que o tema para ser compreendido
devidamente deve ser estudado a partir de campos disciplinares em
convergência:
Mas uma disciplina pode, por si só, esgotar a questão das
mestiçagens? Para tanto seriam necessárias ciências
59Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
“nômades”, preparadas para circular do folclore à
antropologia, da comunicação à história da arte.5
Apesar de Gruzinski afirmar que essa fluidez disciplinar ainda
está para acontecer, o trânsito por entre estes nichos de saber realizado
por Sílvio Romero, no contexto oitocentista, uma vez que ele nos lega
inclusive uma vasta obra no campo do estudo da cultura oral popular, já
se apresenta como um sintoma da mestiçagem que, mais que uma
temática, figura como um lógica estruturante de seu pensamento
mestiço, afinal a mestiçagem relaciona-se também com o deslocamento
de fronteiras.
É notório que o discurso de Romero em diversos momentos figura
como racialmente hierarquizante, em face de uma posição que reflete
bem as correntes científicas (darwinismo, determinismo, spencerismo)
de seu tempo, e, justamente por que ao lado dessa visão figura uma
posição oposta, sem nenhum constrangimento, que o seu pensamento
adquire uma importância no contexto do século XIX. Com o arcabouço
teórico de seu tempo, ao invés de adotar uma posição “politicamente
correta”, como alguns abolicionistas que depois da “libertação dos
escravos” figuraram como os heróis libertários do negro no Brasil “ao
lado” da princesa Isabel; ou ainda adotar uma posição ortodoxa em
relação aos conceitos em que acreditava, Romero enfatiza a importância
do branco europeu na formação cultural brasileira sobre as outras etnias,
ao mesmo tempo em que rasura a historiografia oficial com a narrativa
da auto-libertação dos negrobrasileiros, recuperando Zumbi em vez dos
monumentos do discurso hegemônico:
60 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
... a raça negra foi liberta, porque merecia sê-lo, e quem
a libertou foi principalmente o povo brasileiro. Não foi S.
Alteza a Regente, como dizem os monarquistas; não foi o
sr. João Alfredo, como dizem os pretendentes; não foi o sr.
Joaquim Nabuco, como dizem os liberais; não foi o sr. José
do Patrocínio, como dizem os democratas; não foi o sr.
Dantas, como dizem os despeitados... Não, nada disto, a
coisa vem um pouco mais de longe.6
O processo de desleitura dos nomes que figuravam o panteão
abolicionista do século XIX, demarca a vontade de potência e de verdade,
que são peculiares na crítica romeriana, e justamente por isso ela
apresenta-se de forma tão categórica, proporcionando em nossas leituras
contemporâneas a recuperação da multiplicidade das narrativas sobre
os eventos que ela enfoca, e, acima de tudo, descentra. Em Romero, o
instinto pessoal é posto como instrumento que conduz ao conhecimento,
daí a veemência e a seriedade de sua crítica cabal com suas postulações
incisivas:
No primeiro século da conquista e da colonização notam-
se já fortes protestos contra a escravidão. Tais protestos,
que se referiam exclusivamente à raça indígena, repetiram-
se no século seguinte ainda tendo por alvo o selvagem
tupi. Mas então a raça negra lavrava o seu primeiro e
eloquentíssimo brado de libertação. Este processo foi
duplo: de um lado, nessa famosa república dos Palmares,
mostrava ao branco que seria livre quando definitivamente
quisesse.7
Sílvio Romero, ante os “escombros” e “ruínas” culturais de um
país politicamente emancipado, mas ainda sob a sombra da dependência,
61Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
não hesitará em tomar para si, no século XIX, o que ele considerará uma
missão através de suas atividades de crítica e história literária: a
construção de uma historiografia literária do/no/para o Brasil. Isto se
dará em momento em que, pelo exposto, era difícil o soerguimento de
monumentos, como requeria os modelos totalizantes da época, em face
do problema que se colocava acerca de uma autêntica brasilidade e das
representações românticas inverossímeis, criticadas ad nauseam por
Romero, além da dificuldade do método ideal a ser utilizado para a
confecção de uma historiografia literária brasileira - metonímia da uma
nação letrada.
Para a realização de tal tarefa, Sílvio Romero propõe um
modelo historiográfico para a literatura brasileira no qual possa encontrar
a força plástica necessária para não ser engolido pela história e consiga
representar a dinâmica das produções anti-românticas, através das
unidades do darwinismo e do positivismo que “traduz” para o método
historiográfico, as quais serão largamente utilizadas por ele. A obsessão
pela origem imemorial de nossa literatura; o meio e a raça como
determinantes do homem e de suas produções; a evolução como um
princípio vital que será coextensiva às nossas manifestações literárias
são algumas premissas que percorrerão toda a obra historiográfica
romeriana, uma vez que, também, ciente de seu “método inovador” no
Brasil, reitera continuamente a singularidade de sua abordagem, a qual
não se detém em concepção autônoma de obra literária.
A literatura torna-se dependente, dentro desse esquema, dos
fatores naturais e sociais, do meio e, principalmente, da raça, cujo
desenvolvimento era processado em acordo com o princípio de seleção
natural. Desta forma, por exemplo, as “grandes obras” tenderiam
naturalmente a permanecer ad infinitum, enquanto outras pelas suas
6 2 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
fraquezas, seriam devoradas pelo tempo.
Os abalos provocados por Sílvio Romero a uma crítica literária
beletrista, através de seu ímpeto radical que terminava por cair em
inversão (priorização do conteúdo, em detrimento da forma), foram
fundamentais para que um outro olhar começasse a se lançar sobre a
literatura “reduzida” antes e também, algum tempo depois dele, aos
seus atributos estruturais:
A antiga maneira de fazer a crítica literária fundada nas
regras estruturais do bom gosto modificou-se de uma vez
e foi obrigada a aceitar a relatividade do conceito.8
A partir de Sílvio Romero, o texto literário reivindica suas
paisagens, sua intervenção social, trazendo problemas, os quais
atravessam também a literatura, mas eram recalcados. Aliás na sua
História da literatura, ao explicar a estruturação da mesma, tece as
seguintes reflexões sobre a literatura:
Cumpre declarar, por último, que a divisão proposta não
se guia pelos fatos literários, porque para mim a expressão
literatura tem a amplitude que lhe dão os críticos e
historiadores alemães. Compreende todas as
manifestações da inteligência de um povo: política,
economia, arte, criações populares, ciências... e não,
como era costume supor-se no Brasil, somente as
intituladas “belas-letras”, que afinal cifravam-se quase
que exclusivamente na poesia.9
Mais uma vez percebe-se uma posição veemente adotada por
Romero que, se por um lado apresenta uma visão míope da obra literária,
63Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
por outro, justamente por não se fechar dogmaticamente no campo dos
“estudos literários”, transitando pela filosofia, direito, ciências humanas,
sociais e biológicas, em sua crítica, ele nos permitirá hoje através de
seus registros contraditórios, ambíguos, a possibilidade de construirmos
uma história a contrapelo.
Esse olhar indisciplinar permite a Romero constatar a
mestiçagem como essencial à dinâmica cultural brasileira e expressar o
seu desejo particular a uma fraternização das raças10 para uma “boa
mistura”, a fim de que o Brasil chegasse a ter um povo etnicamente
estável, que pudesse se manifestar democraticamente e exercer a
democracia.
Ora, Sílvio Romero, ao trazer uma questão deste porte para a
cena literária, tratando-a de forma ambígua, o que não deixa de ser um
avanço se pensarmos no contexto histórico dogmático em que faz suas
especulações, assume um ato que requer potência, principalmente se
somarmos a tudo o que já foi dito o fato da mestiçagem ser vista de
forma negativa no século XIX, do Brasil a essa época estar investindo
oficialmente na imigração européia para branquear o povo brasileiro. É
sem exagero, realmente, que Antônio Cândido evidencia a influência da
vasta obra romeriana em intelectuais como Mário de Andrade e,
principalmente, Gilberto Freyre, cujas reflexões sobre o patriarcado
brasileiro e sobre a democracia racial são debitárias.
Aliás podemos traçar na historiografia e crítica literárias uma
brevíssima genealogia na qual teríamos em primeiro lugar Sílvio Romero
e sua concepção de obra literária que se bate contra a imitação e
reivindica um mimetismo explícito, em seguida, Antônio Cândido que
busca um equilíbrio entre as questões intra e extra literárias (para
Cândido, ainda há em sua historiografia essa dicotomia), bem como
64 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
coloca ainda o problema da dependência cultural na literatura brasileira
e, por fim, Silviano Santiago, para o qual, a obra já figura como um
todo indistinto e a questão da dependência cultural já não figura mais
como um fantasma, como para Cândido.
Desorganizando ainda mais essa “genealogia”, se Stuart Hall
quando esteve no Brasil, participando da ABRALIC, afirmou que Gilberto
Freire seria o “pai” dos Estudos Culturais, não podemos nos esquecer
não só da importância de Sílvio Romero para a formulação do pensamento
freiriano, mas que na própria produção romeriana no século XIX, ele já
demonstrava um ímpeto de uma crítica cultural com base não só na
temática da mestiçagem, mas do seu próprio pensamento mestiço:
Todo brasileiro é um mestiço, quando não no sangue, nas
idéias.11
Referências bibliográficas:
CANDIDO, Antonio. Educação pela noite e outros ensaios. São Paulo:
Ática, 1987.
CANDIDO, Antonio. O método crítico de Sílvio Romero. São Paulo: Edusp,
1988.
GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. Trad. Rosa Freire D´Aguiar.
São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
ROMERO, Sílvio. História da Literatura Brasileira.Luiz Antônio Barreto
(org). Rio de Janeiro: Imago; Aracaju: Universidade Federal de Sergipe,
2001.
65Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Notas:
1 Sílvio Romero escreveu diversas obras ligadas à literatura e à cultura brasileirasendo considerado pela crítica contemporânea, a qual inclusive revisita sua obra,um importante intérprete do Brasil, por ter pensado e acima de tudo polemizadoacerca de questões cruciais como a mestiçagem.2 Gruzinki levanta uma série de impropriedades acerca do uso do conceito demestiçagem, como a idéia de mistura, como se as etnias (branca, indígena ounegra, por exemplo) não já fossem produtos de outras “hibridações”. Daí a idéiade mestiçagem não deixa de ser em si já contraditória, pois ela pressuporia ocontato de raças puras para originar o “misturado”.3 CANDIDO, Antonio. Fora do texto, dentro da vida. In:_______. Educação pelanoite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987. p. 101.4 Idem. p. 103.5 GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. Trad. Rosa Freire D´Aguiar. São Paulo:Companhia das Letras, 2001. p.44.6 ROMERO, Sílvio. História da Literatura Brasileira.Luiz Antônio Barreto (org). Riode Janeiro: Imago; Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, 2001. p. 417 Idem.8 Idem.9 Idem.10 Mesmo com esse desejo Sílvio Romero não deixa de registrar as tensõesexistentes nesses contatos étnicos no Brasil, desde suas origens.11 Idem. p. 57
66 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Ano 1, nº 0, Outubro de 2006 Revista Independência
Título
Autor
Resumo
As filigranas da dor em“Contos cruéis de guerra”,e Ibéa Atondi
Lívia NatáliaMestre em Teorias e Crítica da Literatura e da Cultura pelo Instituto de
Letras da UFBA, Doutoranda na mesma IES. Professora de Teoria da
Literatura das Faculdades Jorge Amado.
E-mail: [email protected]
A cineasta congolesa Ibéa Atondi registra, com seu olhar arguto e sensível, o impacto
da guerra civil ocorrida no Congo Brazaville na primeira metade da década de 90 do
século XX. Os confrontos armados entre os Cobras e Ninjas deixaram atrás de si um
país destruído. Neste artigo se buscou oferecer uma leitura hermenêutica de alguns
signos expostos na narrativa fílmica levando em conta o olhar estrangeiro e feminino
da cineasta.
Palavras-chave: cinema, documentário, Congo, guerra civil
06
68 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
As batidas de coração, fortes e compassadas, que iniciam o filme
Contos Cruéis de Guerra da congolesa Ibéa Atondi, soam, quando
contrastadas com a tela totalmente preta, opressoras. A insistência em
fazê-las audíveis por nós, parece querer, e, na verdade, quer, nos alertar
não para a morte, mas para a vida, apesar de sua crueza e da brutalidade.
Na verdade, Atondi faz, no retorno à sua terra natal, uma travessia,
buscando devassar a narrativa dos sobreviventes, a fim de encontrar,
ali, entre agredidos e agressores, os restos das subjetividades e da
humanidade que foram soterradas pelos escombros da violência.
A beleza do filme, posto que a obra de arte tem esta perversão,
de retirar a sua leveza da pesada realidade, talvez resida justamente
nesta peregrinação subjetiva de Ibéa Atondi que, não por acaso,
representa uma travessia do povo de Congo Brazaville em busca da
reconfiguração de sua identidade1. Freud nos ofereceu, como caminho
para a cura das feridas indeléveis da alma, a palavra. Ao oferecer voz a
todos estes sujeitos silenciados pelo horror e pelo trauma, Atondi faz
uma espécie de clínica e presta socorro a pessoas que convivem com os
fantasmas da guerra. Eles caminham pelas casas de paredes arrombadas
pelos tiros, residem nos corpos marcados pela violência, e estão diante
daquele que carrega o olhar de quem viveu entre os mortos e que precisa,
de alguma maneira, saber-se vivo, mesmo que pelo relato de sua difícil
sobrevivência.
A diretora do documentário ocupa o lugar de uma narradora
descentrada2 que, pela pluralidade dos relatos, acaba muito mais
ocupando o lugar de cerzideira das falas, de mediadora de melancolias.
O envolvimento com Jules Atondi Ikassis, o Mignon, oferece a ela a
possibilidade de não apenas filmar um documentário sobre a guerra no
Congo, mas, também, de penetrar em ínfima parte de um universo que
69Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
não era o seu: o dos milicianos. Quando chega em sua terra natal, a
diretora buscava fazer um filme ficcional sobre os conflitos. Seus planos
envolviam a colocação de atores semi-profissionais para representar a
ação mediada por personagens de nomes hollywoodianos como Kurtz e
Sneiper. Mignon, miliciano e potencial “ator” do filme de Ibéa,
imediatamente questiona os nomes americanizados, e afirma ter
dificuldade na leitura e compreensão do roteiro trazido, o que pode ser
interpretado como sendo um descompasso entre o relato ficcional e a
experiência vivida por ele. A diretora percebe, então, a impossibilidade
de construir uma narrativa ficcional acerca dos conflitos, vez que ela
não os experimentou e o filme que ela intentava montar mostra-se como
um sintoma de que, apesar de nascida ali, não ter vivido o sofrimento
pelo qual passaram aquelas pessoas, fazia de Atondi uma estrangeira.
Ao escolher o miliciano Mignon para representar a sua própria
vida, convertida em “papel ficcionalizado” no filme, Ibéa Atondi tenta
reduzir a dinâmica das forças ambíguas que operam na experiência vivida
de um miliciano à ordem de uma narrativa linearizada e centralizada de
um filme. Sabemos que a arte explora as potencialidades do real,
entretanto, a força dos depoimentos é importante para a construção do
filme, vez que eles têm o poder de fazer audível um discurso que os
mass media e a historiografia deixam escapar.
Atondi opera, ao democratizar o lugar de fala (às vezes de maneira
até desconfortável, vez que os depoimentos são expostos a interrupções
e intromissões dos ouvintes), aquilo que Walter Benjamin chamou de
leitura a contrapelo. A imagem surge da comparação da escovação da
crina de um cavalo às avessas, retirando os pelos de sua linearidade e
homogeneidade e fazendo vir à tona as sujeiras mínimas, a poeira,
desrecalcando aquilo que foi silenciado. A historiografia tradicional tende,
70 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
conforme afirma Michel Foucault, estabelecer linhagens, relações de
causalidade, homogeneidades, origens e linearidades, abandonam
novidade e a dissensão que o acontecimento pode produzir, silenciando
a sua potência discursiva, em favor dos grandes cortes e grandes períodos
históricos. Ou seja, o filme de Ibéa oferece a possibilidade de subverter
o discurso oficial com a constatação de uma outra versão sobre a história.
Em lugar de representar-se no seu filme, a fala da congolesa, agora
estrangeira, ou a visão dos mass media, dos políticos envolvidos ou dos
antropólogos, historiadores e estudiosos em geral, o que se destaca na
cena discursiva do filme é o lugar dado ao sofrimento individual, à fala
do sujeito, buscando oferecer, através de um microfone e uma câmera,
a possibilidade de fazer-se ouvir em todo o mundo. E esta é a grande
riqueza do filme.
Mas Contos Cruéis de Guerra toma este direcionamento apenas
após a violenta morte de Mignon. O miliciano é pego em emboscada e
torturado por quatro dias antes de sua morte. Com isto, a diretora
imagina poder fazer um filme onde se veja o que um “homem pode
fazer a um homem”. Podemos embasar toda a nossa interpretação do
texto fílmico a partir de uma fala de Ibéa: “E o que me espantava é que
eu sabia que ele falava a verdade”, isto ela declara sobre o seu espanto
diante das narrações de Mignon sobre o seu tempo de guerra. Podemos
imaginar que, após a morte dele, o que resta à diretora é recolher as
outras verdades silenciadas e, neste investimento, constrói-se o
documentário.
Hypokrités, esta é a tradução grega para a palavra ator, ele seria
o hipócrita que finge sofrer aflições e padecer em combate ao qual
permanece infenso, este é o sentido que pode ser atribuído também aos
atores que representariam um sofrimento que, apesar do que nos dizem
71Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
as notícias que circulam nos jornais do mundo inteiro, ainda permanece
presente na vida dos congoleses. Hipócritas, na melhor acepção da
palavra, são os governos americano e francês que, conforme coloca o
documentário, mediados pelas sua respectivas indústrias petrolíferas,
são os patrocinadores deste conflito que se inicia em plena eleição
presidencial na qual confrontar-se-iam Pascal Lissouba, “dono” da milícia
dos Cocóias, e Denis Sassou-Nguesso, atual presidente do Congo
Brazaville e chefe dos “Cobras”.
Após a expulsão de Lissouba, Nguesso passa a confrontar-se com
Bernard Kolelas, prefeito da capital, Brazaville, e dono da milícia dos
“Ninja”. Vencedor dos combates, Nguesso chega à presidência
caminhando sobre os escombros de um Congo desolado, deixando como
marca de sua caminhada, um rastro funesto de 10.000 mortos e 800.000
desaparecidos, números que aumentaram para 25.000 mortos quando,
ao fim do conflito, em lugar de pagar a seus milicianos o presidente,
ofereceu, como recompensa a estes, dois dias de livre pilhagem nos
bairros da capital.
A ficção que, inicialmente, era pretendida por Atondi, entraria no
circuito de narrações assépticas que cercam as histórias contadas sobre
os países do continente africano. A construção ficcional da narrativa
apenas resvalaria, tocando muito de leve nas feridas daquela população.
A estrutura escolhida para o documentário favorece ao espectador que,
diante dos testemunhos, interroga a face daqueles indivíduos buscando
caçar, ali, as lágrimas dos filmes de Holywood. E a ausência de lágrimas
nos parece estranha, alguns parecem ainda mergulhados no torpor, em
anestesia que, depois compreendemos, só o sofrimento tamanho pode
oferecer.
A narrativa dos milicianos, certamente por conta da posição
72 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
ocupada por eles no conflito, é das mais difíceis de ser aceita e
compreendida. Entretanto, se há um elemento que perpassa não apenas
as suas ações durante os confrontos, mas também o momento mesmo
da narração, é o entorpecente, seja ele o álcool, a maconha ou a heroína.
O próprio Mignon era um miliciano toxicômano. Muitos destes indivíduos
que participaram das milícias se utilizavam e se viciaram em psicotrópicos
a fim de, talvez, conviver com o trauma da morte e sofrimento que eles
não apenas promoviam, mas representavam. A consciência embotada,
esmaecida sob a força do entorpecente, evita que o sujeito pense na
sua própria humanidade e dilua a força destruidora dos seus gestos nas
drogas, que burlam a mente e oferecem às ações ares de filmes de tv.
Ao entrar na milícia muitos forjam uma identidade, um alter ego violento
no qual a crueldade e a capacidade de matar se adicionam a um novo
nome e ao entorpecente, a fim de criar este novo personagem que será
ou um “cobra” ou um “ninja”.
Ao dedicar o filme a Mignon Árabe, codinome utilizado Jules Atondi
Ikassis, Ibéa Atondi busca nos mostrar a humanidade que ainda restava
sob a máscara do miliciano. Penso que, neste investimento de revelar
esta humanidade, mediado, certamente, pelo enlace amoroso que,
conforme se mostra no documentário, uniu o miliciano e a diretora do
filme, Atondi finda por deixar escapar um grave problema de seu filme.
A excessiva subjetividade, da qual não escapa nenhuma narrativa, apesar
de dar, a esta em específico, o valor de construir-se ouvindo as histórias
contadas por vários sobreviventes, ludibriou a sua mão no momento de
colocar na balança a fala de vítimas e algozes ou, por outro lado, adotando
uma outra interpretação que ora me assalta, em Contos cruéis de guerra
os algozes não estão presentes, apenas as vítimas.
Os verdadeiros algozes são os governos dos Estados Unidos da
73Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
América e da França, que alimentaram, com cifras milionárias, os
confrontos. Os algozes são também o FMI e a União Européia, que após
o anúncio do presidente Nguesso da adesão do Congo Brazaville à
iniciativa de transparência para as indústrias de exportação com o
objetivo de favorecer a “reestruturação da economia, promoção da
transparência e do bom governo”, retiraram todas as sanções sobre o
país. O algoz foi Jacques Chirac, presidente da França, que, em 1997,
recebe o presidente do Congo para parabenizá-lo pela bela “eleição” à
presidência. Quando finalmente descobrimos que, conforme o próprio
FMI, entre 1999 e 2002, desapareceram US$ 248 milhões da venda de
petróleo e outros US$ 150 milhões por motivos governamentais, quando
ficamos sabendo que Denis Sassou-Nguesso é um dos homens mais ricos
da África, enquanto 70% dos 3,5 milhões de congoleses vivem abaixo da
linha de pobreza, tendo uma expectativa de vida de apenas 50 anos e
que tudo isto se passa no Congo Brazaville, o país mais endividado do
mundo, compreendemos perfeitamente quem são os algozes.
Referências bibliográficas:
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas II. São Paulo: Brasiliense, 1996.
DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva,
2002.
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2005.
74 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
FOUCAULT, Michel. A microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas. São Paulo: Imago, 1997.
ROSA, Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2005.
Notas:
1 A travessia, referida no texto, evoca a imagem de Riobaldo, de Grande SertãoVeredas, de Guimarães Rosa, que, na obsessiva narrativa sobre a sua vida dejagunço busca, pela reconstrução mnemônica dos fatos, soerguer a sua identidadefraturada negociando, com os fantasmas do passado, a paulatina interpretação desua vida.2 Refiro-me aqui ao conceito derridiano de descentramento que, pode serpercebido na construção polifônica do documentário.
Ano 1, nº 0, Outubro de 2006 Revista Independência
Título
Autor
Resumo
“O canto do negro veio lá do alto...é belo como a íris dos olhos de Deus...”(Daniela Mercury / Pérola Negra)
Sílvio César Tudela-VieiraJornalista, Especialista e Mestrando em Cultura e Sociedade pelaFaculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (FACOM/UFBA) eprofessor de Assessoria de Comunicação para os cursos de Jornalismo ede Produção Cultural na FACOM/UFBA.
E-mail: [email protected]
Este trabalho tem como objetivo destacar a contibuição da mestiçagemcomo elemento de integração nacional, tomando como ponto de partidaalguns aspectos apontados por Gilberto Freire em “Casa grande &senzala”. Além disso, procura interpretar o papel do negro no futebolcomo forte instrumento de democratização racial na sociedade brasileira,a partir dos anos 30 do século XX.
Palavras-chave: Identidade, Sujeito, Mestiçagem, Racismo, Futebol
07
76 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Canto das três raças
(Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro)Clara Nunes
Ninguém ouviu um soluçar de dorNo canto do Brasil.
Um lamento triste sempre ecoouDesde que o índio guerreiro
Foi pro cativeiro e de lá cantou.
Negro entoou um canto de revolta pelos aresNo Quilombo dos Palmares, onde se refugiou.
Fora a luta dos InconfidentesPela quebra das correntes.
Nada adiantou.
E de guerra em paz, de paz em guerra,Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar,Canta de dor.
Ooooooooooooooooooooooo...
E ecoa noite e dia: é ensurdecedor.Ai, mas que agonia
O canto do trabalhador...Esse canto que devia ser um canto de alegria
Soa apenas como um soluçar de dor.
Ooooooooooooooooooooooo...
Samba da benção(Vinícius de Moraes / Baden Powell)
É melhor ser alegre que ser tristeAlegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coraçãoMas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristezaÉ preciso um bocado de tristeza
77Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Senão, não se faz um samba não
(Senão... é como amar uma mulher só lindaE daí? Uma mulher tem que terQualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de tristeQualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudadeUm molejo de amor machucadoUma beleza que vem da tristeza
De se saber mulherFeita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amorE pra ser só perdão)
Fazer samba não é contar piadaE quem faz samba assim não é de nadaO bom samba é uma forma de oração
Porque o samba é a tristeza que balançaE a tristeza tem sempre uma esperançaA tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não
(Feito essa gente que anda por aí brincando com a vidaCuidado, companheiro
A vida é pra valerNão se engane não
É uma sóDuas mesmo que é bom ninguém vai me dizer que temSó se provar muito bem provado com certidão passada
Em cartório do Céu e assinado embaixo: Deus!E com firma reconhecida!
A vida não é de brincadeira, amigoA vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vidaHá sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinhoe as mãos cheias de perdão
Ponha um pouco de amor na sua vida,como no seu samba)
Ponha um pouco de amor numa cadênciaE vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba não
78 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Porque o samba nasceu lá na BahiaE se hoje ele é branco na poesiaSe hoje ele é branco na poesiaEle é negro demais no coração
(Eu, por exemplo, o capitão do matoVinicius de MoraesPoeta e diplomata
O branco mais preto do BrasilNa linha direta de Xangô, Saravá!
À benção, SenhoraA maior ialorixá da Bahia
Terra de Caymmi e João Gilberto
À benção, PixinguinhaTu que chorastes na flauta
Todas as minhas mágoas de amorÀ benção, Sinhô, à benção Cartola,
À benção, Ismael SilvaSua benção, Heitor dos Prazeres
À benção, Nelson CavaquinhoÀ benção, Geraldo Pereira
À benção, meu bom Cyro MonteiroVocê, sobrinho de Nonô
À benção, Noel, sua benção, AryÀ benção, todos os grandes
Sambistas do meu BrasilBranco, preto, mulato
Lindo como a pele macia de OxumÀ benção, maestro Antônio Carlos Jobim
Parceiro e amigo queridoQue já viajaste tantas canções comigo
E ainda há tantas a viajar
À benção, Carlinhos LyraParceirinho cem por cento
Você que une a ação ao sentimentoE ao pensamento, à benção
À benção, à benção, Baden PowellAmigo novo, parceiro novo
Que fizeste este samba comigoÀ benção, amigo
À benção, maestro Moacir Santos
79Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Não és um só, és tantos comoO meu Brasil de Todos os Santos
Inclusive meu São Sebastião, Saravá!À benção, que eu vou partirEu vou ter que dizer adeus)
Ponha um pouco de amor numa cadênciaE vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba nãoPorque o samba nasceu lá na BahiaE se hoje ele é branco na poesiaSe hoje ele é branco na poesiaEle é negro demais no coração
O jogo do equilíbrio das diferenças
Quem é o povo brasileiro? Podemos falar de uma unidade nacional
e pressupor a existência de uma cultura brasileira? Se esse perfil de
respostas corresponde às exigências da civilização ocidental, pode o
Brasil figurar no concerto geral das nações? Estes questionamentos
levantados pela socióloga Elide Rugai Bastos são, de certa forma,
respondidos pela autora a partir da análise da obra “Casa grande e
senzala” (1933), em que o pernambucano Gilberto Freire ganha espaço
nacional ao penetrar no âmago desta discussão enfocando a formação
nacional a partir da região Nordeste, em especial Pernambuco.
O trabalho de Freire foi pioneiro por apresentar propostas que
superaram as explicações sociobiológicas como código competente para
dar conta das questões sociais, desmontando as argumentações fundadas
no determinismo geográfico e por colocar em novo patamar analítico as
interpretações do Brasil.
Sua concepção sobre a sociedade brasileira funda-se na articulação
de três elementos: o patriarcado, a interpenetração de etnias e culturas
e o trópico. Esta correlação de forças levou a uma sociedade singular,
80 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
derivada do modelo econômico em que se estabelece a dominação
patriarcal, não apenas sobre a família e os escravos, mas também sobre
os agregados e os homens livres. Da escassez de mulheres brancas
resultou a possibilidade de “confraternização entre vencedores e
vencidos”, gerando-se filhos do senhor com a escrava, operando a
miscigenação como corretor social entre “a casa-grande e a mata tropical;
entre ela e a senzala”.
Para Gilberto Freire, o ambiente colonial transformou-se em
sistema de contemporização entre tendências aparentemente
conflitantes. Neste sentido, a casa-grande funciona como centro de coesão
social, representando o todo de um sistema econômico, social e político,
e age como ponto de apoio para a organização nacional.
Freire coloca, em linhas gerais, algumas características sobre o
branco português: um povo indefinido entre a Europa e a África,
bicontinentalidade esta que permite um “bambo equilíbrio de
antagonismos”, e também uma deficiência de volume humano para o
triunfo do empreendimento português na colonização de tão vasto
território como o Brasil. Com isso, pode-se dizer que a grande herança
lusitana deixada para nós é a adaptabilidade do colonizador aos indígenas
nativos e negros africanos via mestiçagem racial e cultural.
Marcada desde o inicio pela importância da família, a vida política
brasileira se equilibra entre duas místicas. De um lado, a ordem e a
autoridade decorrentes da tradição patriarcal; de outro, a liberdade e a
democracia, desafios da sociedade moderna. Esta dualidade, conforme
o autor, não deveria criar oposições, pois a formação brasileira tem
sido “um processo de equilíbrio de antagonismos”.
Com relação ao índio, Freire encaminha sua análise no sentido de
demonstrar que as relações sociais no Brasil constituíram-se
81Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
harmonicamente, sem conflitos de caráter violento, uma espécie de
reciprocidade cultural, em que a mulher indígena foi incorporada à
sociedade cristã, tornando-se esposa e mãe de família e transmitindo
valores aos herdeiros, através de um caminho convergente entre a
degradação da “raça atrasada” e da assimilação pela “raça adiantada”
da cultura dominada – termos utilizados aqui de acordo com a
complexidade das culturas e não com aspectos de valor.
Em seu diálogo com o povo negro, Freire parte da tese que são
deles as melhores expressões de vigor ou de beleza física em nosso País
e mostra ser anticientífica a afirmação da superioridade ou da
inferioridade de uma raça sobre outra, definindo que todo brasileiro é
racial ou culturalmente negro.
Além de reverenciar a plasticidade do negro e sua grande
adaptabilidade, Freire alega que ele é o verdadeiro filho do trópico,
conservando, nesse ambiente, suas características eugênicas. O fato
de estar mais adaptado por raízes fisiológicas e psíquicas resultou em
traços psicológicos mais extrovertidos, alegres e bondosos, ao contrário
do índio, resistente ao colonizador.
O sociólogo contrapõe também afirmações racistas que vêem como
amoralidade o excesso de sexualidade dos negros como uma
característica psíquica e levanta que não há escravidão sem depravação
e, portanto, a acusação não se realiza pela condição da pele, mas pela
influência da escravidão, da estrutura social sobre a racial e o meio
físico, conforme a tese de Boas.
Em termos comportamentais, para Freire, o negro é ainda o
responsável pelo traço dionisíaco do caráter brasileiro; é ele quem
ameniza o apolíneo presente no ameríndio, marca tão patente em seus
rituais. Exemplifica que a dança negra é marcada pelo caráter sensual,
82 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
enquanto nos segundos é puramente uma representação dramática. A
alegria do africano contrabalançou o caráter melancólico do português e
a tristeza do indígena.
Das três raças à geléia geral
Em artigo publicado no jornal Tribuna da Bahia, de Salvador, a
presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Consuelo Pondé
de Sena, explica que muitos dos selecionados para a colonização do
território brasileiro eram indivíduos sem responsabilidade familiar. Diz
a historiadora:
O fato é que, ao chegarem ao território brasileiro, logo
após 1500, os portugueses integravam contingentes de
aventureiros, náufragos, marinheiros, desertores,
degredados, banidos pela pátria por crimes, questões
políticas ou religiosas, jovens ambiciosos escolhidos pela
aptidão física e livres de laços familiares para servir na
guarnição da colônia. Vinham ainda nobres empobrecidos,
alguns funcionários, jesuítas, clero secular, judeus expulsos
pela Inquisição, ciganos, prostitutas e órfãs enviadas pela
Coroa, em número reduzido, para que se casassem com os
colonos, e alguns desses acompanhados de suas famílias,
fossem de Portugal, dos Açores ou de Cabo Verde1.
De acordo com a autora, convém mencionar que a intermistura
racial favoreceu, ainda no período colonial e imperial, um grupo
intermediário que possuía melhor condição que a de seus antepassados
negros, circunstância que lhes permitia a ascensão social através de
atividades domésticas mais delicadas e exigentes, tais como mucamas,
moleques de recados e outros serviços que os diferenciavam dos escravos.
Silvio César Tudela
83Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Embora o mestiço brasileiro fosse considerado marginal por muitos,
alguns deles conseguiram certa notoriedade, como Gonçalves Dias, Olavo
Bilac, Tobias Barreto, Machado de Assis etc.
A miscigenação é uma articulação de processos que foram
acontecendo simultaneamente, de forma natural e progressivamente,
mesmo que lenta. Nos primeiros tempos da colonização, a índia se tornou
primeiramente amásia e, depois do extermínio da população nativa por
armas ou moléstias trazidas pelos europeus, ganhou o papel de mãe de
família, incorporando elementos da gastronomia e da farmacêutica. Já
o processo de aproximação das culturas negras e européias começou a
se construir através da religião, de uma espécie de catolicismo místico
tradicional entre as famílias cristãs e os rituais pagãos. Vivendo dentro
da casa-grande, a mucama começou a exercer forte influência na
educação das crianças.
Com isso, a língua portuguesa foi perdendo sua pureza na
interpenetração das falas e ganhou contornos das linguagens atlânticas
absorvendo, principalmente no Brasil, elementos indígenas em termos
de referência espacial (Sorocaba, Anhangabaú, Abaeté etc.) e africanos,
notadamente no âmbito da cultura (acarajé, macumba, samba etc.).
Pode-se dizer, em certa medida, que o período colonial acabou
sendo economicamente definido pela ociosidade do indivíduo branco.
Nesta fase de nossa História, os negros trabalhavam ininterruptamente
e criaram praticamente tudo o que se consumia nos quatro primeiros
séculos de nossa colonização – de alimentos, tecidos, armas a habitações,
para ficar apenas nestes exemplos. Entendida a partir do conceito da
produção de bens e mercadorias para uso e troca, é inegável reconhecer
que a cultura brasileira nasceu das mãos e do talento do negro.
A partir da leitura do autor, bem como de diversos de seus críticos,
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Gilberto Freire foi muito otimista (para não dizer conivente ou ingênuo)
por acreditar que “somos duas metades confraternizantes que se vêm
mutuamente enriquecendo de valores e experiências diversas...”.
Poderíamos pensar, equivocadamente, a partir disso, que somos
atualmente uma democracia social porque temos como base histórica
uma “democracia racial” alicerçada em uma pacífica mestiçagem.
Por sua vez, o antropólogo Roberto DaMatta considera que os
traços de aproximação intercultural entre negros, índios e lusitanos não
são resultado de uma característica cultural portuguesa. Para ele, esta
foi uma das poucas possibilidades de enfrentar os dilemas do trabalho
escravo em um sistema hierarquizado: “Onde cada um tem um lugar
determinado, não há espaço para a igualdade”, pontuou.
As oportunidades nunca foram iguais para brancos e negros e é
fato conhecido que o indivíduo é mais aceito socialmente a partir do
momento em que se aproxima dos padrões arianos, o que vem denunciar
a falsidade do mito da “democracia racial”. Na verdade, esta tese
funciona como obstáculo ao enfrentamento da questão racial no Brasil e
de suas imensas desigualdades.
No contexto da política atual e do crescimento das ações
afirmativas, é importante levar em consideração depoimento do
sociólogo e professor Milton Moura, no qual:
... Ninguém está dizendo que a humanidade é branca...
seria ostentação afirmar continuamente o traço diferente.
Os negros não querem ser iguais? Pois então, a insistência
e a provocação de falar nisto a toda hora não seria racismo
dos negros? Não seria o caso de o negro se acostumar com
a pertença ao conjunto dos cidadãos numa sociedade
democrática? Já não acabou a escravidão? Para que, então,
acentuar a cor? Em vez de aceitar essa incorporação como
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uma dádiva ou como um reconhecimento, um número
expressivo de jovens e adolescentes negros quer não
apenas que a negritude seja reconhecida como humana,
mas também que a humanidade seja reconhecida como
negra .2
Dando razão a Freire, DaMatta e Moura, é preciso incluir nesta
reflexão, que apenas aparentemente se mostra antagônica, um relatório
da ONU, divulgado em novembro de 2005, que ataca o mito da democracia
racial no Brasil: “Quanto mais se avança rumo ao topo das hierarquias
de poder, mais a sociedade brasileira se torna branca”. Conforme o
documento, os negros representam 64,1% dos pobres brasileiros e a
taxa de desemprego é 23% maior que o índice de brancos sem emprego
entre 1992 e 2003. “Ações afirmativas, incluindo as políticas de cotas,
são necessárias no Brasil porque mulheres, negros e povos indígenas
foram deixados em secular desvantagem na sociedade brasileira... Tratar
igualmente desiguais pode, no entanto, agravar a desigualdade, em vez
de reduzi-la”, afirma o relatório.
Enfim, o mestiço como sujeito nacional
O sociólogo Florestan Fernandes, ao tratar da questão racial no
Brasil, afirmava que o brasileiro tem o preconceito de não ter
preconceito. O escritor Sílvio Romero chega a denunciar o descaso com
o negro através de sua completa ausência no plano literário até a Abolição
- o que diferencia o nosso Romantismo do europeu, que se volta para o
passado glorioso. Mas que glória esperar dos negros se eles são uma
espécie de “sujeitos ausentes” da cidadania?
Carlos Guilherme Mota, em seu livro “Ideologia da Cultura
Brasileira”, considera que os anos 30 foram decisivos na reorientação
86 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
da historiografia brasileira ao analisar “Casa grande e senzala”, de
Gilberto Freire (1933), “Evolução política do Brasil”, de Caio Prado Jr.
(1933), e “Raízes do Brasil”, de Sérgio Buarque de Holanda (1936).
Juntas, estas obras eliminam uma série de dificuldades colocadas
anteriormente a respeito da herança atávica do mestiço ao passar do
conceito de raça para o da cultura. Mas é, principalmente, em Freire
que a temática transcende e evolui ao transformar a negatividade do
mestiço em positividade.
O mito das três raças torna-se então plausível e pode se
atualizar como ritual. A ideologia da mestiçagem, que
estava aprisionada nas ambigüidades das teorias racistas,
ao ser reelaborada pode difundir-se socialmente, tornar-
se senso comum e ritualmente celebrada nas relações do
cotidiano, ou nos grandes eventos como o Carnaval e o
Futebol. O que era mestiço torna-se nacional. (ORTIZ,
1985, p. 41).
Neste sentido cabe entendermos como a continuidade do
pensamento tradicional se inscreve na descontinuidade dos anos 30,
época em que parte do povo brasileiro se debatia ainda com as
ambigüidades de sua própria definição. Ao positivar a condição do negro,
Gilberto Freire oferece ao brasileiro uma carteira de identidade, como
diz Ortiz, tornando incompatível a imagem do Ser Nacional forjada pelos
intelectuais do século XIX, que atribuíam as características que
determinam a racionalidade do espírito capitalista à raça branca. Ao
retirar do mestiço estas qualidades, acabavam negando, naquele
momento histórico, as possibilidades do desenvolvimento real do
capitalismo no Brasil.
87Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Renato Ortiz justifica que o mesmo processo dos intelectuais dos
anos 30 pode ser identificado na ação cultural do governo Vargas através
de iniciativas como a de promover o samba ao título de música nacional,
esvaziando sua especificidade originariamente negra. Na medida em
que a sociedade se apropria das manifestações de “cor” e as integra no
discurso unívoco da nacionalidade e do desenvolvimento, elas perdem
sua essência e deixam de ser o que inicialmente eram, completa Ortiz.
Memória ancestral ou criação ideológica
Em um contexto mais amplo neste instante de “redescoberta do
Brasil”, o nacional se definiria como a conservação “daquilo que é nosso”,
isto é, a memória nacional seria o prolongamento da memória coletiva
popular, de acordo com o posicionamento de Ortiz. Ele usa como exemplo
o Candomblé, que ao definir um espaço social sagrado, o terreiro,
possibilita a encarnação da memória coletiva africana em determinados
enclaves da sociedade brasileira. Neste sentido, a origem é
recorrentemente relembrada e se atualiza através do ritual religioso.
Completa Ortiz dizendo que a memória coletiva se aproxima do mito e
se manifesta portanto ritualmente enquanto a nacional é da ordem da
ideologia, como produto de uma história social, não da ritualização da
tradição.
...Um seminário sobre a noção de identidade, coordenado
por Lévi-Strauss, afirmava nas conclusões do trabalho que
a identidade é uma entidade abstrata, sem existência real,
e que não pode ser apreendida em sua essência, muito
embora seja indispensável como ponto de referência ,
enquanto desvenda o projeto que se vincula às formas
sociais que a sustentam, o que nos leva a pensar que a
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identidade assim como a memória nacional são elementos
que derivam de uma construção de segunda ordem. (ORTIZ,
1985, p. 137)
Na história intelectual brasileira, vários autores tentaram chegar
a uma essência da cultura e definir a identidade do brasileiro em termos
de caráter: cordialidade (Sérgio Buarque de Holanda), tristeza (Paulo
Prado), bondade (Cassiano Ricardo). A “brasilidade” também foi buscada
no Carnaval ou na Malandragem.
Muitos dos componentes da “brasileirice” que nós nos imputamos
são bem mais recentes do que se acredita e nasceram no Brasil quando
o País já tinha quase quatro séculos de existência. Em artigo publicado
na Folha de S. Paulo3, o sociólogo Antônio Flávio Pierucci afirma que o
Catolicismo, por exemplo, só se estrutura entre nós depois da
Proclamação da República (1889), o samba emerge nas décadas de 10 e
20, mas se impõe nos anos 30, assim como os desfiles das escolas de
samba. A temática do negro, por sua vez, teve que esperar até 1960
para ser enredo de uma agremiação carioca, na qual o Salgueiro foi o
pioneiro.
Mas considerar o homem nacional a partir de determinados
conceitos corresponderia a atribuir-lhe um caráter imutável, à maneira
de uma substância filosófica. Essa procura, na opinião de Ortiz, torna-
se então um falso problema, pois a pergunta fundamental seria: quem é
o artífice desta identidade e desta memória que se pretendem nacionais?
A que grupos sociais elas se vinculam e a que interesses eles servem?
Idéia de construção e o sujeito da mediação
Ainda em Ortiz, se existem duas ordens de fenômenos distintos -
o popular (plural) e o nacional - é necessário um elemento exterior a
89Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
essas duas dimensões que atue como agente intermediário. Dito de
outra forma, o processo de construção da identidade nacional se
fundamenta sempre em interpretação.
Colocar o intelectual como mediador simbólico implica
apreendermos a mediação como possibilidade de reinterpretação. E é
por meio deste mecanismo que o Estado, através de seus intelectuais,
acabou se apropriando das práticas populares para apresentá-las como
expressões da cultura nacional, como manifestação da “brasilidade”.
Foi assim com o Samba, com o Carnaval e depois com o Futebol:
ícones imbatíveis de nossa identidade e reconhecidos em qualquer parte
do mundo como tipicamente brasileiros. Qualquer um destes fenômenos
se apresenta como um palco extremamente revelador das relações raciais
estabelecidas entre nós ao longo do último século.
Futebol, um Brasil de cores na Pátria em preto e branco
Diferentemente do Candomblé que, para Ortiz, se inscreve como
a atualização de uma memória coletiva, o que dizer do futebol, um
esporte que teve suas configurações oficias na Inglaterra, mas que possui
origens ainda na China? Como dizer, a partir deste raciocínio de Ortiz,
que o futebol é brasileiro? Em que medida e de que forma a reconfiguração
deste esporte planetário conseguiu emplacar como patrimônio imaterial
brasileiro se ele não se inscreve como fruto de uma memória coletiva?
O futebol foi introduzido no Brasil através do brasileiro Charles
Miller, em 1894, quando este voltava de seus estudos na Inglaterra, e
seguiu restrito inicialmente aos grupos elitizados e próximos dos ingleses,
até os primeiros anos do século XX, quando parcelas populares, ávidas
em aprender o jogo, começaram a se organizar a fim de disputar o
esporte bretão em que as bolas e os uniformes eram importados e as
regras eram ensinadas em língua inglesa.
90 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
A popularização do futebol se deu, de uma certa
perspectiva, através da criação de estratégias de
distinção das elites, e da apropriação do esporte elitizado
pelas classes populares.(...) O enquadramento moral desse
esporte acabou culminando na manutenção do futebol como
um dos índices expressivos de identidade nacional.
(TOLEDO, 1999, p. 146)
Nas duas primeiras décadas do século passado começam a se
formar os primeiros times de futebol, muitos deles ligados a tradicionais
clubes de elite formados por profissionais liberais, intelectuais e,
sobretudo, brancos. O esporte de público aristocrático (e considerado,
na época, pouco másculo para a população que identificava como símbolo
de virilidade as atividades ligadas ao remo e às regatas) foi se deslocando
para as periferias urbanas e ganhando contornos mestiços, fossem de
negros, mulatos ou imigrantes estrangeiros que chegavam em grande
número ao Brasil.
Mas a entrada dos negros no futebol brasileiro não se deu de
forma tranqüila... Através dos fatos levantados pelo jornalista Mário
Filho em “O negro no futebol brasileiro”, considerado um dos clássicos
da literatura sobre este esporte no País, podemos perceber como o futebol
serviu, em relevante medida, como um instrumento democratizante das
relações entre raças no Brasil.
Assim como nos círculos intelectuais que redefiniam a noção de
ser brasileiro, dois tipos de posicionamento público se confrontaram
neste movimento. Um deles louvava as características supostamente
negras e mestiças do nosso futebol, como a ginga, a malícia e a arte.
Em sentido contrário, as reacionárias idéias de inferioridade negra e da
incapacidade mulata pintavam os diálogos através da utilização de termos
como instabilidade emocional, fraqueza moral, covardia e imprestáveis,
91Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
para ficar na terminologia do médico Nina Rodrigues. As conquistas e as
derrotas brasileiras nos campos de futebol marcavam os avanços e os
recuos deste processo.
Se o negro ou o branco ou o mulato marcassem o gol da vitória
não havia tanta diferença. Mas o inverso não era verdade. Bastava uma
derrota, uma jogada malfeita, para os mulatos e negros serem
violentamente desqualificados e se levantassem insinuações que eles
estivessem “vendidos”. Nenhuma suspeita de suborno recaía sobre os
jogadores brancos.
Trajetórias de alguns atletas servem de parâmetro para entender
o processo. O baiano Manteiga (América-RJ, anos 20) nunca pisou no
hall social do seu clube e sofreu toda série de preconceitos. Carlos Alberto
(Fluminense, 1916) passava pó-de-arroz no rosto para disfarçar o tom
de pele antes de cada partida. Miranda (América-RJ, anos 20) usava um
gorro durante os jogos para esconder os traços negros de seu cabelo.
O historiador e escritor Édison Carneiro, em 1964, em texto
publicado na 2ª edição de “O negro no futebol brasileiro”, diz que tão
deliberada era essa atitude racista dos grandes clubes ligados à elite da
capital federal (Flamengo, Fluminense e Botafogo) que nem mesmo se
importavam com o risco de derrota em partidas internacionais.
O preconceito não poupava ninguém. Primeiro grande ídolo da
Seleção Brasileira, o próprio Artur Friedenreich, filho de alemão com
uma negra, ficava horas antes de uma partida passando gomalina nos
cabelos a fim de alisá-los, com o objetivo de parecer um pouco branco.
Foi através dele que uma grande parcela de torcedores e do povo em
geral começou a perceber que o futebol não precisava ser de apenas
uma cor, nem só da elite.
Para alguns estudiosos, Friedenreich representa o ponto-chave
9 2 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
na identificação do futebol com o ethos nacional. Com ele, o esporte e a
cultura, como um todo, começam a se entrelaçar de forma quase
inextricável em torno de uma idéia de mistura, de um país mestiço,
formado pela conjunção de múltiplas raças.
Depois de Friedenreich, ainda nos anos 20 e 30, muitos outros
negros e mulatos conseguiram brilhar no futebol graças a uma revolução
protagonizada pelo Vasco da Gama que foi campeão carioca, em 1923,
jogando de forma arrasadora com uma equipe praticamente formada
por negros e mulatos. A reação dos grandes clubes à vitória do time
suburbano foi imediata e causou uma cisão interna no futebol do Rio de
Janeiro com a fundação de uma outra entidade que reunisse os clubes
grandes e que lutava contra a profissionalização – processo que vinha
facilitando o acesso de mais negros aos clubes, uma vez que eles se
tornavam empregados e não sócios das associações esportivas.
Os clubes finos, de sociedade, como se dizia, estavam
diante de um fato consumado. Não se ganhava campeonato
só com times de brancos. Um time de brancos, mulatos e
pretos era o campeão da cidade. Contra este time, os
times de brancos não tinham podido fazer nada.
Desaparecera a vantagem de ser de boa família, de ser
estudante, de ser branco. O rapaz de boa família, o
estudante, o branco, tinha de competir, em igualdade de
condições, com o pé-rapado, quase analfabeto, o mulato e
o preto, para ver quem jogava melhor. (FERNANDES, apud
FILHO, 2003, p. 11).
Antes da profissionalização se efetivar de verdade, em meados
dos anos 30, surgiu o negro Feitiço, alçado por Mário Filho à condição de
“Imperador do Futebol” - muito antes de nosso jovem e contemporâneo
Adriano ganhar o mesmo apelido -, o que representou o fato de a Europa
93Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
se curvar ao Brasil como noticiavam os jornais da época.
Mas é com Leônidas, o “Diamante Negro”, que a imagem de
Gilberto Freire de um futebol dionisíaco - expressando um País de
excessos, da multiplicidade, da hybris, da irracionalidade -, conseguiu
se fazer sentir mais claramente. Algo do tipo “o sangue negro
transformando em arte o que seria um simples esporte, a diferença do
futebol brasileiro com relação ao resto do mundo”.
Estas representações não eram assumidas como parte de nossa
identidade nacional somente por alguns eruditos, Freire incluso, mas
também começaram a fazer parte do senso comum, que entendia a
sociedade brasileira como fruto de uma mistura, a mesma que produzia
o clássico Domingos da Guia e o dionisíaco Leônidas, os principais
jogadores da década de 30, quando as concepções do que significaria
ser brasileiro e a noção de Brasil estavam em redescoberta.
Para além das paixões clubísticas, a democratização da
prática do futebol, materializada na ascensão de jogadores
negros e mestiços, permitiu que esse esporte viesse a
ocupar posição central na construção da identidade
nacional. Na ausência de um maior envolvimento brasileiro
em guerras – matéria-prima para a construção de fronteiras
de identidade na formação dos estados nacionais
unificados na Europa – o futebol forneceu um simulacro de
conflito bélico para o qual era possível canalizar emoções
e construir sentidos de pertencimento nacional.... Do
Estado Novo em diante... todos os regimes que governaram
o Brasil durante o seu ciclo nacional-desenvolvimentista
exploraram a chave do futebol para ajudar a construir e
consolidar nossa identidade nacional.... Em oposição ao
racismo aberto das velhas oligarquias, o novo discurso
oficial passou a valorizar a mestiçagem, associando-a aos
sucessos de uma ‘escola brasileira” de futebol que
94 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
explicaria a nossa singular maneira de ser no mundo
(marcada pela criatividade, flexibilidade, informalidade e
sensibilidade plástica).(FERNANDES, apud FILHO, 2003, p.
13)
Este tipo de construção, reproduzida pelos novos narradores
(intelectuais e jornalistas esportivos), foi pioneiramente elaborada por
Gilberto Freire no artigo intitulado “Football mulato”4, publicado no
Diário de Pernambuco, em 17 de junho de 1938, por ocasião da
participação do Brasil na Copa da França:
Um repórter me perguntou anteontem, o que eu achava
das admiráveis performances brasileiras nos campos de
Strasburgo e Bordeaux. Respondo ao repórter... que uma
das condições de nosso triunfo, este ano, me parecia a
coragem, que afinal tivéramos completa, de mandar à
Europa um time fortemente afro-brasileiro. Brancos,
alguns, é certo; mas grande número, pretalhões bem
brasileiros e mulatos ainda mais brasileiros...
O nosso estilo de jogar futebol me parece contrastar com
o dos europeus por um conjunto de qualidades de surpresa,
de astúcia, de ligeireza e, ao mesmo tempo, de
espontaneidade individual em que se exprime o mesmo
mulatismo de Nilo Peçanha, que foi até hoje a melhor
afirmação da arte política.
Os nossos passes, os nossos pitu’ s, os nossos
despistamentos, os nossos floreios com a bola, há alguma
coisa de dança ou capoeiragem que marca o estilo brasileiro
de jogar futebol, que arredonda e adoça o jogo inventado
pelos ingleses e por outros europeus jogado tão
angulosamente, tudo isso parece exprimir de modo
interessantíssimo para psicólogos e sociólogos o mulatismo
flamboyant e, ao mesmo tempo, o malandro que está hoje
em tudo o que é a afirmação verdadeira do Brasil. (FREIRE,
apud HELAL, 2001, pp. 30-31)
95Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Mas o caminho trilhado pela reafirmação do negro no futebol
brasileiro reservava aspectos de dramaticidade e de tragédia nacional.
A derrota na Copa de 1950 reverteria o quadro otimista em relação à
mestiçagem, reacendendo velhos rancores racistas, em que os negros
foram culpados pela derrota e pelo fracasso da própria nação, conforme
o antropólogo Cesar Gordon Jr.
Para Mário Filho, a prova disto estaria nos bodes expiatórios,
escolhidos a dedo, e por coincidência, todos negros: Barbosa, Juvenal e
Bigode. Os brancos do escrete brasileiro não foram acusados de nada na
derrota frente ao Uruguai, no Maracanã,de acordo com o jornalista.
No fundo, o torcedor quer que o jogador seja melhor do
que ele... O jogador representa-o, representa seu clube,
sua cidade, seu Estado, sua Pátria. A derrota do jogador é
a derrota do torcedor. Quem perdeu em 50 foi o brasileiro.
Mais o brasileiro que não jogou do que o que jogou. (FILHO,
2003, p. 17)
Mas eis que viriam Pelé, Garrincha, Didi e muitos jogadores de
“cor”.
E vieram as conquistas nas Copas do Mundo e a hegemonia do
futebol brasileiro...
Para Mário Filho, nenhum negro, no mundo, contribuiu mais para
varrer barreiras raciais do que Pelé, que se tornou o ídolo do esporte
mais popular da Terra. “Quem bate palmas para ele, bate palmas para
um preto. Por isso Pelé não mandou esticar os cabelos: é preto como o
pai, como a mãe, como a avó, como o tio, como os irmãos. Para exaltá-
los, exalta o preto”.
96 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Reflexões finais
Para ficar no tema futebol, mesmo com tantas conquistas de nossa
Seleção a partir da superação do “complexo de vira-latas”, conforme
colocava o dramaturgo e escritor Nelson Rodrigues, ainda é bastante
comum, apesar do respeito conseguido pelos negros no futebol mundial,
infelizmente, nos depararmos, na crônica esportiva e na postura
torcedora com atitudes racistas.
Vindas da torcida no caso do jogador Grafite (São Paulo), chamado
de “macaco” pela torcida argentina, ou dos próprios atletas em campo,
como recentemente demonstrou o caso envolvendo Jeovânio (Grêmio)
e Antônio Carlos (Juventude), estas notícias abrem espaço para reflexão.
Causa estranheza também que, questionado sobre estas atitudes racistas,
Ronaldo, o craque conhecido como o “Fenômeno”, declare-se triste com
isto e que se fosse negro se sentiria muito mal, quando seu genótipo é
exatamente bem outro. Mas quem somos nós para criticarmos se ele é
negro, pardo, mulato, moreno ou branco? Onde residem estas
classificações?
Muito da rivalidade entre Brasil e Argentina advém do racismo
que os hermanos sempre dedicaram aos nossos jogadores, como durante
a final da Copa Rocca, no final dos anos 40, que terminou com vários
jogadores expulsos e feridos, após a exibição de faixas que humilhavam
a nossa mestiça Seleção.
Na Europa dos dias de hoje, muitos jogadores, brasileiros ou não,
têm sofrido com manifestações racistas, o que levou o presidente da
FIFA, Joseph Blatter, a anunciar severas punições e uma nova legislação
para adotar um procedimento unificado contra o preconceito no futebol.
Racismo à parte, as características singulares do futebol brasileiro
e que, de certa forma, justificaram a criação de nossa identidade nacional
97Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
são formadas por categorias que recebem valorações positivas como o
talento, o carisma, a visão de jogo, o oportunismo, a catimba e
principalmente o drible, uma espécie de simulação ou fingimento. Estes
elementos formadores do que internacionalmente se chama de “futebol-
arte”, mesmo positivamente, chegam a soar como racistas pelo fato de
atribuir qualidades como ginga, malandragem e catimba ao negro, pois
significaria imputar a ele, mais uma vez, características biológicas.
No Brasil, não é preciso vencer apenas, pois a torcida quer se
convencer de que está vendo o melhor futebol, digno das legítimas
tradições brasileiras. Basta lembrar as exibições da Seleção Tetracampeã,
que venceu a Copa de 1994, nos pênaltis, com um futebol frio e
pragmático adotado pelo técnico Carlos Alberto Parreira, e a Seleção
Canarinho de 1982, que o Mestre Telê Santana imortalizou mesmo na
derrota, mas que encantou o mundo nos gramados da Espanha.
Este estilo brasileiro de jogar talvez venha da “pelada”, daquilo
que o cantor e compositor Chico Buarque nos coloca como a matriz do
futebol sul-americano e, hoje em dia, mais nitidamente do africano,
praticado por moleques de pés descalços, no meio da rua, em pirambeira,
na linha de trem, dentro do ônibus, no mangue, na areia fofa, em qualquer
terreno pouco confiável. Em suma, “pelada” é uma espécie de futebol
que se joga, apesar do chão, com linhas imaginárias, onde o próprio gol
é uma coisa abstrata. “O que conta mesmo é a bola e o moleque, o
moleque e a bola”, completa Chico.
Talvez seja mais coerente atribuir que o nosso estilo de jogar
futebol é fruto de uma cobrança estética da sociedade brasileira, que
formula e transmite qual deve ser a prática ideal para os nossos padrões,
definindo quais são os valores dominantes que regem o nosso futebol,
bem como a imagem da nação por ela representada, como coloca o
98 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
antropólogo Marcos Alves de Souza5.
“Se para fazer um samba com beleza é preciso um bocado de
tristeza”, como lembram Vinícius de Moraes e Baden Powell, e para brincar
o Carnaval é importante não perder de vista que ele é efêmero e acaba
na Quarta-Feira das Cinzas, com o futebol, a alegria de jogar é a nossa
maior marca. E de jogar bonito, como uma dança, um ritual. E se a
alegria e a beleza, a la Gilberto Freire, vêm do negro, nosso futebol é
negro e é belo, mas é também azul, branco, verde e amarelo. Somos
uma sociedade arco-íris, cromaticamente bela, brilhante e opaca, como
a íris e os olhos de Deus. E Deus, bem...
Deus é brasileiro!
Referências Bibliográficas:
FREIRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. In: BASTOS, Elide Rugai:
Introdução ao Brasil: Um banquete no trópico. Lourenço Dantas Mota
(org). São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004.
FILHO, Mário. O negro no futebol brasileiro. 4ª edição. Rio de Janeiro:
Mauad, 2003.
GORDON JR, César. História social dos negros no futebol brasileiro.
In: MURAD, Maurício (et al.). Futebol e Cultura Brasileira. Rio de
Janeiro: UERJ, Departamento Cultural / SR 3, 1995.
HELAL, Ronaldo. A invenção do país do futebol: mídia, raça e idolatria.
Ronaldo Helal, Antonio Jorge Soares, Hugo Luvisolo. Rio de Janeiro:
Mauad, 2001.
99Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira & Identidade Nacional. São Paulo:
Brasiliense, 1985.
SOUZA, Marcos Alves de. A “nação em chuteiras”: raça e masculinidade
no futebol brasileiro. Brasília: UNB / Série Antropológica, 1996.
TOLEDO, Luiz Henrique de. A invenção do torcedor de futebol: disputas
simbólicas pelos significados do torcer. In COSTA, Márcia Regina da
(org): Futebol: Espetáculo do século. São Paulo: Musa Editora, 1999.
Outras referências
Folha de S. Paulo, 26.02.2006 / http://www.folha.uol.com.br/fsp/mais/
fsp2602200601.htm
Notas:
1 Tribuna da Bahia, 08/06/2005, p 052 Negritude humana, humanidade negra3 Folha de S. Paulo, 26.02.2006 / http://www.folha.uol.com.br/fsp/mais/fsp2602200601.htm4 Diá rio de Pernambuco, 17.06.19385 Souza, Marcos Alves de. A Nação em chuteiras: raça e masculinidade no futebolbrasileiro. Brasília: UNB, 1996.
100 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Ano 1, nº 0, Outubro de 2006 Revista Independência
Título
Autor
Resumo
Pedro Batista,o Curador de Santa Brígida
Sebastião Heber Vieira CostaDoutor em Antropologia, professor da Universidade Estadual da Bahia (Uneb),
da Fundação Visconde de Cairu, da Faculdade 2 de Julho, Membro do
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Academia Mater Salvatoris
E-mail: [email protected]
Em 1945, aparecia em Santa Brígida, lugarejo próximo a Paulo Afonso,Bahia, a figura carismática de Pedro Batista. Ele lá se refugiou, depoisde ter passado por várias cidades do Nordeste. Em Alagoas, foiperseguido e preso, por conta de seus milagres. Mas aí ele encontraabrigo, sempre seguido dos seus adeptos. Pouco a pouco sua fama seespalha e, por conta do afluxo dos romeiros, as autoridades temem quese repita ali mais um episódio de Canudos. Ele é duramente acompanhadopelas autoridades. Mas vence a todos pela paciência. Até os políticoslocais se rendem a ele em busca de votos. Além dos atos religiosos, elese destaca pela ação social que empreende: mutirões, plantio, vendados produtos na feira. Maria Isaura P. Queiroz conheceu-o pessoalmentee o menciona na sua obra clássica sobre o Messianismo. Ele faleceu em11 de novembro de 1967.
Palavras-chave: messianismo, carisma, religião, política, social.
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INTRODUÇÃO
Quem me falou, por primeiro, sobre os acontecimentos místico-
religiosos da cidade de Santa Brígida foi o professor Edivaldo Boaventura.
Seus primeiros contatos com a cidade surgiram no tempo em que foi
Secretário da Educação do Estado da Bahia. Há duas datas que são
marcantes para a cidade: uma é a festa de São Pedro, dia onomástico
do Padrinho Pedro Batista, e a outra é o 11 de novembro, dia do aniversário
de morte do Beato, falecido em 1967.
Com Bastide, podemos dizer que o sagrado constitui “a metáfora
do social”, isto é, ele traduz o social sob a forma de imagens, e permite
aos indivíduos “captar” o social dando-lhe uma dimensão nova, sendo
ele próprio provocador de novidades1. Nesse sentido, o Padrinho Pedro
Batista preenche a tipologia dos messias populares, que surgiram no
Brasil, dentro da categoria do messianismo rústico, isto é, aquele que
está vinculado à vida rural do povo.
O PEREGRINO E SEU CARISMA
Depois de tanto peregrinar, sem ser compreendido, mas, ao
contrário, perseguido, preso, foi enxotado de um lado para o outro. Em
1945, fixou-se em Santa Brígida, povoado insignificante, no contexto do
seu tempo, pertencente a Jeremoabo. Ele encontrou um ambiente
desolador em todos os aspectos: econômico, social, moral. Claro que as
reações logo começaram, vindas de três níveis: do clero, dos médicos e
da Justiça. Pouco a pouco, as multidões acorrem em busca de alívio da
alma e do corpo. O povo vinha de onde ele já havia passado: Sergipe,
Pernambuco, Ceará e, sobretudo, Alagoas. Muitos vinham com a intenção
de visitá-lo, somente pedir a bênção, ou alguma cura, mas muitos outros
tinham a intenção de se instalar junto ao Padrinho. E logo ele teve que
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arrendar, alugar e até adquirir roças para instalar os seus seguidores.
Essa consciência dos poderes de messias em Pedro Batista, os
romeiros a têm, a ponto de uma beata, vendo os resultados das realizações
sócio-religiosas do Padrinho, suspirar dizendo: “Aqui é mesmo o céu”2.
Por tudo isso, foi muito apropriado o título de um documentário sobre a
vida do líder messiânico de Santa Brígida, realizado pelo IRDEB, em 1998,
intitulado “O Conselheiro que deu certo”.
O termo “carisma” foi introduzido na linguagem sócio-
antropológica por Max Weber para designar o poder específico de
postulação e exercício de autoridade sobre os outros. Os carismas são
muitos e diferentes, mas o tipo especificamente religioso é fundamental.3
A Madrinha Dodô, que fora copeira do Padre Cícero do Juazeiro,
após a morte dele, em 1934, volta à terra de origem, Água Branca, em
Alagoas. Lá ela conhece o Padrinho Pedro Batista. Ela é uma das primeiras
seguidoras, e que, após a morte dele, em 1967, assume uma liderança
espiritual até à sua morte, em 1998.
ALIENAÇÃO OU MELHORIA DE VIDA DOS ADEPTOS?
Hoje, a liderança espiritual do movimento está a cargo do senhor
Zezito Apóstolo da Silva, que lá chegou em 1961, convidado
insistentemente, desde 1959, pelo Padrinho, para assumir a função de
professor, atividade que já tinha em Água Branca, onde era professor
leigo. Apesar de ser analfabeto, e por isso nunca poder votar, o Padrinho
tinha uma visão ampla com relação à importância dos estudos para o
povo. Ele dizia: “Vamos rezar para Deus mandar alguém para cá”. Zezito
me contou que não queria ir, e o Padrinho soube disso, mas afirmou que
ele viria um dia. De fato, o professor se transferiu para Santa Brígida,
e, pouco a pouco, veio toda a família. E ele se tornou o braço direito do
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Padrinho.
Há uma justa crítica ao fenômeno religioso de que, determinadas
expressões, possam acarretar uma alienação do povo. Na verdade,
constata Maria Isaura que Pedro Batista “tinha como finalidade a melhoria
de vida de seus adeptos, e a religião se tornava o meio mais fácil de
atingi-la”4.
Os dons extraordinários do Beato atraíram mais e mais pessoas
ao povoado. A incessante presença dos romeiros fez o povoado ir se
multiplicando geometricamente e chegando a sua produção a ultrapassar
o município de Jeremoabo. A feira é sempre um termômetro para uma
região e a importância de um povoado se mede pela importância dela –
isso vale até hoje e até para as cidades maiores. O jornal O Estado da
Bahia, em 10 de julho de 1954, já dizia: “O progresso agrícola de Santa
Brígida, depois da chegada do velho Pedro, basta que se diga que a
produção de mandioca, de feijão e de milho, é superior ao consumo de
todo o município de Jeremoabo”.
Os progressos são visíveis. Além de lavoura, comércio e educação,
ele chegou a doar a fazenda Gameleira ao Governo Federal para que ali
fosse instalado o primeiro modelo de colonização para proporcionar aos
habitantes-romeiros os ensinamentos agrícolas, visando até a
mecanização da lavoura. Esse foi o primeiro embrião de reforma agrária
na região. Essa fazenda lhe fora cedida pelo Coronel João Sá, que a
negociou por um valor irrisório5.
UM “ESTADISTA” DO SERTÃO
A obra de Pedro Batista está configurada ao âmbito religioso, no
social, no administrativo, mas é inegável constatar que ele construiu
uma obra de engenharia política. Fez conchavos com a elite agrária do
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seu tempo. Como analfabeto não votava – era Dona Bilu quem escrevia
suas cartas, lia e respondia à sua correspondência. Fala-se que Getúlio
Vargas o considerava o maior político brasileiro do século XX e dele disse:
“Pedro Batista foi o político mais matreiro que o Brasil já teve”. No seu
Museu-Memorial, organizado na gestão da prefeita Rosália Rodrigues de
Freitas, e do seu sobrinho, vice-prefeito Antônio França, vê-se um
telegrama de Juracy Magalhães pedindo seu apoio político. Lá também
se encontra uma carta de Juscelino Kubitschek solicitando sua cooperação
para a campanha do General Lott. O Beato foi até Paulo Afonso para
recebê-lo.
A grande dúvida que paira é com relação às origens dele – ele
nunca falou e nem a revelou a ninguém. Mas Antônio França tem uma
tese que ele não nasceu em Alagoas, porque, pelo seu biótipo, ele não
era um nordestino, e teria nascido em Guaraqueceba, litoral do Paraná.6
Diz França: “Certa vez consegui contatar uma senhora de Curitiba, Elvira
Batista, que apontou Pedro Batista como um tio seu que foi para o
Nordeste e nunca mais voltou”.7
No documentário de Sérgio Muniz, “O povo do velho Pedro”,
filmado em 1967, lá o Beato deixa escapar, talvez inconscientemente,
já doente, o seu lado mandão. Apontando para a palma da mão, ele diz:
“Aqui todos têm que passar nessa mão. É rico, é pobre, é padre, tudo
tem que ter aqui”. É a sua dimensão política que, até o fim de sua vida,
esteve sempre bem presente.
O PADRINHO, UM MODELO A SEGUIR
Na verdade, Pedro Batista foi o grande provedor do seu povo.
Maria Isaura compara-o a “uma espécie de banco dos seus romeiros”8.
Ele financiava o que o povo precisava, e isso sem juros. Mas toda essa
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fortuna vinha das múltiplas doações dos seus romeiros.
Qual a base para o seu sucesso, qual o segredo para a sua
performance? A chave do seu segredo está no fato de nunca ter agido de
forma revolucionária, nunca ter invadido terras. Com muita habilidade
fez alianças com os líderes políticos da sua região, e pedia sempre licença
para morar. Em contrapartida, favorecia com votos os seus protetores,
para a perpetuação dos políticos no poder. Pode-se dizer que esse era
“voto de cabresto”, sacramentado pela fé9. Havia um acordo tácito entre
ele e o Coronel João Sá. Logo, ao chegar ao povoado, os romeiros tiravam
seus títulos de eleitor, a ponto de Santa Brígida decidir as eleições
municipais de Jeremoabo. Lindoaldo Alves de Oliveira, “Seu Lindo”, ex-
prefeito, explica: “Aqui só eram duas urnas, apelidadas de ‘bomba
atômica’, pelo poder de aniquilar os adversários. Nas eleições de 1954,
foram contados mais de 300 votos em Santa Brígida, só havia dois contra
o coronel João Sá”, conta ele10.
Há uma conseqüência nas atitudes e hábitos, na vida moral, nos
costumes dos fiéis, como resultado da pregação dos messias. Com Pedro
Batista, essa tônica foi marcante. Viver ao lado do Padrinho era segui-lo
como modelo. A maneira dos antigos romeiros se vestirem está em voga
até os dias de hoje: as mulheres de branco, com lenço e vestidos com
manga comprida. Mesmo aos homens havia essa recomendação – até
hoje Zezito Apóstolo só usa camisas de mangas compridas. Como Pedro
Batista era celibatário, muitos seguiam o mestre nesse costume, sendo
ainda hoje, na cidade, motivo de glória alguém se apresentar como
“moço ou moça velha”.
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CONCLUSÂO
A grande verdade de tudo que foi relatado, é que, nas expressões
da religião do povo, e o messianismo de Pedro Batista é um deles, essa
religiosidade ajuda os pobres a suportarem a vida – não seria criminoso
tirar-lhes essa expressão de fé sem substituir e proporcionar em troca,
de verdade, algo melhor?11
Pessoalmente, tenho me perguntado sobre a continuidade da obra
do Beato. Já perguntei a pessoas ligadas a esse interesse quem seria a
pessoa que daria continuidade a essa obra quando Zezito não puder
mais desempenhar essa função. As pessoas não vêem um nome com as
aptidões dele. Mas talvez essa seja uma preocupação por demais
racionalista, porque, diferentemente de Canudos, pelas razões que a
história mostra, há movimentos religiosos, como o do Padre Cícero, que
teve autonomia após a sua morte e nunca foi dissolvido
Não devemos fazer interpretações reducionistas. René Ribeiro,
citando Sylvia Thrupp, relata as conclusões do estudo comparativo dos
messianismos: “Em toda cultura, o pensamento em que se mantém o
sonho milenarista, tem uma lógica própria, que não é reflexo automático
das situações sociais” 12
Referências Bibliográficas:
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supermodernidade. Campinas: S. Paulo,1977
CORREIO DA BAHIA. Pedro Batista – venerado em Stª Brígida, o
peregrino foi um bem-sucedido ‘estadista do sertão’. Caderno Correio
Repórter. Salvador, 18/11/2001
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HOONAERT, E. Antônio Conselheiro, negociador do sagrado. In: História
das religiões no Brasil. Org. Sylvana Brandão. Recife: Ed. Universitária
da UFPE. 2001, p. 39-77
LEPARGNEUR, H. Religiosidade popular em questão. In: A religião do
povo. S.Paulo: Paulinas, 1978, p.95-105
QUEIROZ, Mª Isaura Pereira. O messianismo no Brasil e no Mundo.
Prefácio: Roger Bastide. 2ª ed. São Paulo: Alfa Ômega,1976
OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro. O catolicismo do povo. IN: A religião do
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RIBEIRO, R. Antropologia da religião e outros estudos. Recife:
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ROXO, Roberto M. Religião, religiosidade, secularização. In: A religião
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STRIEDER, I. Religiões: ópio ou libertação. In: História das religiões no
Brasil. Org. Sylvana Brandão. Recife: Ed. UNiversitária da UFPE, 2002,
p.633-666
WAACH, J. Sociologia da religião. Trad. Attílio Cancian. São Paulo:
Paulinas, 1990
109Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Notas:
1 BASTIDE, R. A pud QUEIROZ, Mª I. P. O messianismo no Brasil e no mundo.2. ed.S.Paulo: Alfa Ômega 1977, p.XXI2 QUEIROZ, op. cit. p. 3053 WAACH, J. Sociologia da religião.Trad. Attílio Cancian.A. Paulo:Paulinas,1990, p.404.4 QUEIROZ, op. cit.p.3085 Correio da Bahia, Pedro Beato. Caderno Correio Repórter, 11/11/2001, p.66 Informação verbal.7 Correio da Bahia, op. cit. p. 6.8 Id. p 39 Id. p 410 Id. p.411 LEPARGNEUR, H. Religiosidade popular em questão.In: A religião do povo. S. Paulo:Paulinas,1978,p. 10312 RIBEIRO, R. Antropologia da religião e outros estudos.Recife: Massangana, 1982,p.233.
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Ano 1, nº 0, Outubro de 2006 Revista Independência
Título
Autor
ResumoEste artigo comenta sobre a importância do papel conjunto da escola eda família na formação da criança e do jovem para a vida. Destaca ovalor da formação como fator muito mais importante do que ainformação massiva voltada para levar os jovens a uma faculdadedescomprometida com a formação cristã, com a ética e a cidadania.Mostra a preocupação com a necessidade de desenvolver nas crianças enos jovens os princípios de solidariedade e o reconhecimento da suaresponsabilidade social.
Palavras-chave: Formação, responsabilidade social, solidariedade,exclusão social.
A importância da educação naformação do jovem engajadoem movimentos de comunidade
Sérgio MirandaAdministrador de Empresas, especializado em Gestão Organizacional,autor do livro A Eficácia da Comunicação, professor universitário e DiretorAdministrativo da Faculdade 2 de Julho.E-mail: [email protected]
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Com o desenvolvimento tecnológico que o mundo vem
experimentando nas últimas décadas, as mudanças ocorrem cada vez
mais em menores espaços de tempo e, sob o signo da globalização, esse
desenvolvimento vem arrastando e transformando tudo que encontra
pela frente. Além da tecnologia, da economia, da política, da educação,
entre outros aspectos, os costumes também estão mudando. As pessoas
que moram nas cidades, por mais simples que sejam, não conseguem
passar ao largo sem participar, de alguma forma, da evolução dos tempos
(e aqui abrimos um parêntese para salvaguardar as pessoas simples do
campo que parecem ainda viver na idade média, longe da civilização e
de tudo que lá ocorre).
A juventude, como instrumento de transformação, vivendo em
contínuo processo de mudanças, não poderia estar fora desse contexto.
O episódio das manifestações dos estudantes secundaristas contra o
aumento das passagens de ônibus, em Salvador, parecia uma reedição
dos “caras pintadas” lutando por seus direitos. Mas, infelizmente, nem
todos estavam ali com os mesmos propósitos. Muitos queriam apenas o
ôba-ôba, a farra e a suspensão “oficial” das aulas.
O novo tempo requer um jovem engajado, participativo, cidadão,
consciente dos seus direitos e deveres, que seja coerente, posicionado
frente aos problemas políticos do nosso País e do mundo, que esteja
ligado com as questões ambientais e, sobretudo, que reconheça a sua
responsabilidade social, mantendo-se alerta diante da realidade das
pessoas que vivem às margens da sociedade e excluídos por ela.
Para desenvolver um assunto como este, é necessário que façamos
uma contextualização da educação recebida pelos nossos jovens, a
preocupação familiar e escolar com a sua formação ética e moral e o
compromisso pessoal com a realização de trabalhos sociais e solidários.
113Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Essa realidade nos remete ao importante papel do educador e da
escola na formação do jovem para a vida, e não somente para o
vestibular. Do que vale ser um bom profissional com um excelente curso
de graduação e pós sem que exista uma preocupação com a formação
ética e moral? De que adianta ser um profissional liberal abastado ou um
grande comerciante ou empresário, se a visão está deturpada pelo lucro
excessivo ou pela gana de levar vantagem em tudo? Visões do tipo “é
necessário alguém perder para outro ganhar”, ou “meu pai paga a escola,
por isso eu faço o que quero aqui dentro” são formas altamente
combatidas pela ética, porém, alimentadas em muitas famílias da nossa
sociedade, no momento em que não impõem às suas crianças,
adolescentes e jovens os limites necessários, transformando-os em
futuros sonegadores de impostos ou em marginais, como os filhinhos de
papai de Brasília que queimaram vivo o índio Galdino.
Muitas escolas, hoje, se preocupam muito mais com a parte
estética, o luxo e instalações que mais parecem um shopping na
expectativa de atrair alunos das classes sociais mais altas, demonstrando
uma visão muito mais empresarial que educacional. Nesse viés, voltam-
se muito mais para o ensino e o preparo dos jovens para enfrentar a
concorrência do vestibular, achando que isso é suficiente e necessário
para a sua educação do que com a importância da formação global do
indivíduo. Desligam-se da importância da formação do caráter, da
disciplina, da necessidade de imposição de limites, do respeito ao
próximo e à família e da orientação religiosa, tão importante e que
tanto contribui para que o jovem possa perceber e internalizar a
necessidade de se integrar, solidarizar, se envolver e se comprometer
com movimentos sociais que visam reduzir as diferenças entre as
pessoas, desenvolvendo, assim, a sua responsabilidade social.
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A conscientização solidária do jovem deve começar dentro da
própria família, mas, infelizmente, a célula mais importante da sociedade
está cada vez mais degradada. As estatísticas revelam que, cada vez
mais, casais se separam e marido e mulher tornam-se inimigos,
promovendo verdadeiras batalhas, destruindo o pouco que restava do
espírito de integração familiar. Filhos são criados sem a presença
importante e fundamental do pai ou da mãe, gerando indivíduos muitas
vezes desequilibrados emocional, sexual e socialmente, impedindo o
desenvolvimento do espírito de agregação e unidade familiar na mente
da criança e do jovem. Como um jovem pode internalizar aquele princípio
se não o vivenciou? Dificilmente ele vai querer se engajar em movimentos
comunitários ou solidários porque a sua mente não está aberta nem
preparada para esse tipo de atividade. Muito pelo contrário, ela estará
susceptível a receber e acatar idéias que confrontem ou desafiem a
família, porque se considera vítima do que sobrou dela e então se torna
totalmente vulnerável às drogas, ao crime e a outras desgraças.
Nesses tempos de adversidade, quando os próprios pais não têm
afinidade ou nunca participam de movimentos comunitários, mesmo
porque a maioria abandona a igreja logo após a realização da “primeira
comunhão”, como, então, orientar os filhos a participarem? A maioria
dos jovens, por falta de uma formação religiosa, acha que participar de
trabalhos sociais seria, na linguagem deles, “pagar mico”. Daí a
importância do trabalho de formação feito pela escola, até para compensar
o desconhecimento religioso desses pais.
O distanciamento entre a família e a igreja e, conseqüentemente,
da formação religiosa, seja qual for o credo ou a denominação, tem sido
um ponto de vulnerabilidade para os filhos em relação às drogas e ao
crime. As pessoas que têm vivência em movimentos familiares cristãos,
115Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
grupos de jovens, escolas bíblicas, entre outros, dificilmente enveredam
por caminhos que levam à marginalidade. Nesses ambientes, os jovens
estão muito mais preparados e disponíveis para a realização de um
trabalho solidário porque desde crianças são conscientizados da
necessidade de amar e ajudar ao próximo e cumprir a orientação do
próprio Cristo que diz, no Evangelho segundo Mateus: “Sempre que o
fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”.
A Bíblia está recheada de citações que estimulam o trabalho
comunitário, a solidariedade e a responsabilidade social. Citaremos
apenas duas delas, que nos mostram a necessidade de uma tomada de
consciência e um questionamento pessoal: a primeira está na epístola
de Tiago que afirma: “Mostra-me o tamanho das suas obras e eu te
direi o tamanho da sua fé”; e, a outra, na carta do apóstolo Paulo aos
efésios: “A salvação não vem das obras, para que ninguém se glorie,
mas somos criados por Deus, em Cristo, para praticarmos boas obras”.
É muito cômodo e prático colocar a culpa de toda essa situação no
Governo e achar que ele tem obrigação de resolver todo o problema
social do país e ficar esperando o resultado. E a nossa consciência, onde
é que fica? Sabemos que a solução está muito distante e que o governo
não tem condições de gerar emprego e renda para uma população tão
grande e despreparada para o trabalho. Há gente pobre e necessitada
espalhada por todos os estados da Federação, principalmente na nossa
sofrida Região Nordeste, tão maltratada pela seca. O Governo Lula iniciou
a campanha do Programa Fome Zero abrindo campos de ação e espaços
para qualquer pessoa ou organização que queira ajudar os necessitados.
É necessário, porém, um envolvimento de toda a nação, não só daqueles
que têm financeiras para fazer alguma coisa, mas todos os que têm
disponibilidade no coração para ajudar uma pessoa que passa fome. E
116 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
não é só contribuir financeiramente, mas doar um pouco de si, do seu
trabalho, seja em que área for, qualquer que seja o seu esforço será
bem vindo. É preciso arregaçar as mangas e começar já.
Muitas comunidades religiosas de várias denominações, escolas,
associações de bairros, centros espíritas, confrarias, organizações do
terceiro setor (ONG), entre outras, vêm promovendo trabalhos
comunitários em diversas áreas da sociedade, principalmente nos bairros
de periferia e junto a populações carentes das cidades e da zona rural,
atuando em diversas áreas como saúde, educação, alimentação,
abastecimento de água, saneamento, higiene, mercado de trabalho formal
e informal, moradia. Não importa a cor, o credo, o sexo, a raça ou o que
for, o importante é que o jovem e todos nós possamos estar engajados,
de alguma forma, com qualquer disponibilidade de tempo ou de recursos,
em qualquer tipo de programa ou projeto, em qualquer entidade do seu
agrado, que vise a reduzir a diferença existente entre os seres humanos
ou que possa amenizar a fome daquela parcela mais excluída da sociedade
ou a dor daqueles que sofrem qualquer tipo de discriminação, doença ou
problemas sociais.
Educadores: façamos a nossa parte preparando as nossas crianças
e nossos jovens para a vida, formando cidadãos conscientes, pacíficos
e solidários, dispostos a lutar pela igualdade social no Brasil e no Mundo.
Jovens! Adolescentes! Crianças! Homens e mulheres! Unamos as
nossas mãos por um mundo melhor, mais justo e mais igual.
Ano 1, nº 0, Outubro de 2006 Revista Independência
Título
Autor
ResumoO artigo é de teor estritamente filosófico. Elaborado como apresentaçãode um projeto de estudo, seu objetivo é situar a questão da relaçãoentre fala e gesto na proposta fenomenológica de Merleau-Ponty. O textoapresenta uma breve introdução acerca da tríade fundamental da obrado autor; articula três noções fundamentais da sua fenomenologia –comportamento, corpo e carne; assinala nesse amálgama a emergênciade uma “ciência da expressão” que parte da descrição do gesto e dafala; destaca as idéias elementares de Merleau-Ponty acerca dalinguagem como expressão. Observa-se, na consideração final desseestudo preliminar, que a obra de Merleau-Ponty só se deixa aprender nomovimento de conjunto, fazendo valer o princípio estrutural: “cadaparte só tem sentido quando atuando em conjunto com as demais”.
Palavras-Chave: Linguagem, corpo, gesto, fala, signo.
A fala e o gesto na fenomenologiade Merleau-Ponty
Márcia SaieviczEspecialista em Educação Estética, Semiótica e Cultura.
Professora da UNEB – Campus IX, Barreiras / BA e da Faculdade 2 de Julho.
E-mail: [email protected]
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118 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Nossa visão sobre o homem continuará a ser superficial
enquanto não remontarmos a essa origem, enquanto não
encontrarmos, sob o ruído das falas, o silêncio primordial,
enquanto não descrevermos o gesto que rompe esse
silêncio. A fala é um gesto, e sua significação um mundo.
Merleau-Ponty, 1999
No livro A Estrutura do Comportamento (1942) se encontra exposto
o eixo temático do pensamento merleau-pontyano; os conceitos aí
examinados determinam o solo de ancoragem das significações
primordiais que opera na sua fenomenologia. Na introdução dessa
publicação, Merleau-Ponty escreve: “Nosso objetivo é compreender as
relações entre a consciência e a natureza, – orgânica, psicológica, ou
mesmo social” (Merleau-Ponty, 1975: 29). Desse modo anuncia a
preocupação fundamental do seu pensamento que será a temática central
de toda a sua obra, a saber: as relações entre homem e mundo.
Merleau-Ponty na publicação de 1942 elege a noção de
comportamento como ponto de partida de sua investigação, pois ao seu
ver essa é uma noção neutra frente à distinção do “psíquico” (alma) e
do “fisiológico” (corpo) – e, portanto, escapa às amarras do idealismo e
do empirismo. O exame do comportamento humano é feito, então, a
partir da “descrição” científica e filosófica da experiência.
Merleau-Ponty apresenta várias concepções da Psicologia –
behaviorismo, gestaltheorie, psicanálise, para demonstrar a fragilidade
de seus pressupostos epistemológicos. Sua crítica se dirige tanto às
tendências empiristas da ciência quanto ao idealismo das filosofias da
consciência. Essa é uma das marcas características da fenomenologia
merleau-pontyana: negar as polaridades do pensamento (objetivismo,
subjetivismo / idealismo, empirismo) e privilegiar os enigmas e
119Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
paradoxos, isto é, o caráter ambíguo da experiência2.
A recusa radical às concepções do comportamento como um
processo mecanicista de causa e efeito (crítica ao behaviorismo), a
recusa à experiência científica como ponto de apoio para as teorias
psicológicas (crítica a gestaltheorie) e, juntamente, a recusa às
tendências filosóficas idealistas que pressupunham a natureza como uma
unidade objetiva constituída face à consciência, levam Merleau-Ponty a
descrever o comportamento como possuindo intenção e sentidos, e a
elaborar a noção de estrutura, a partir da qual o comportamento humano
será compreendido na complexidade de seu enraizamento na experiência
vivida.
Na sua estrutura, o comportamento humano não prevê as
minuciosidades dos seus gestos, não se orienta conforme uma
representação clara e distinta dos movimentos que o definem. O
comportamento determina-se na sua “familiaridade perceptiva” com o
mundo, pelo modo como se está “instalado nele”. Compreendido a partir
da noção de estrutura e não de uma “consciência instituinte”, o
comportamento revela a ordem da gestualidade natural, solo de onde
emerge a “gesticulação cultural”.
O exame do “comportamento” dá lugar ao exame da percepção
na obra mais célebre de Merleau-Ponty, Fenomenologia da Percepção
(1945). No Prefácio, o autor esclarece o propósito da fenomenologia:
compreender a relação homem e mundo a partir de sua “facticidade”,
isto é, tal qual aparece no “mundo vivido” – neste, aparência e essência
não se distinguem; aliás, aí “as coisas mesmas” mostram sua essência.
Nesse sentido, a fenomenologia tal como a descreve Merleau-Ponty é
uma filosofia “para a qual o mundo já está sempre ‘ali’, antes da reflexão,
como uma presença inalienável” (Merleau-Ponty, 1999: 02). Destarte, a
Márcia Saievicz
120 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
descrição na Fenomenologia da Percepção volta-se para a “experiência
natural e ingênua” (não mais para a experiência científica), pois seu
esforço todo consiste em reencontrar o “contato ingênuo com o mundo”.
Merleau-Ponty recorrerá ainda às teorias da psicologia, entretanto, não
mais para criticá-las e, sim, como fontes de confirmação de seu próprio
pensamento.
No capítulo da Fenomenologia da Percepção dedicado ao
tratamento do tema da linguagem, o título enuncia O Corpo como
Expressão e a Fala. O tema da linguagem é deslocado de uma compreensão
representativa intelectual e situado ao lado dos fenômenos do corpo,
colocando-o em uma dimensão existencial. A idéia sumária de Merleau-
Ponty é afirmar que as palavras são fundamentalmente um
prolongamento do corpo, assim como os gestos: “A fala é um verdadeiro
gesto e contém seu sentido, assim como o gesto contém o seu” (Merleau-
Ponty, 1999: 49).
O uso da linguagem é descrito por Merleau-Ponty do mesmo modo
que o emprego do corpo na experiência do “mundo vivido”. Do mesmo
modo como corpo é usado espontaneamente, sem necessidade de que
cada gesto venha acompanhado da explicitação de seus detalhes, assim
também são empregadas as palavras. Destarte, na gestualidade
(movimento do corpo) descobre-se a expressão originária que constitui
toda linguagem.
O importante nessa breve apresentação das duas primeiras
publicações de Merleau-Ponty é mostrar que entre ambas há uma
articulação essencial, “um reenvio de análise e fundação”. J. de A. Correa
refere-se ao pensamento nelas contido como “filosofia do corpo” que
revela “o ser-humano em sua originalidade de ser-no-mundo e o corpo
próprio como expressão desta nova realidade” (Correa, 1975: 14). O
121Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
“corpo vivido” ou “corpo próprio” diz respeito ao modo pelo qual estamos
instalados no mundo, recebendo e doando significações. A noção de
corpo próprio, na publicação de 1945, expressa a compreensão da
“consciência perceptiva solidária com o corpo” que já aparecera na
publicação de 1942. Correa comenta que a Estrutura do Comportamento
e a Fenomenologia da Percepção elaboram “uma fenomenologia que já
contém em si o movimento que possibilitará sua releitura, sua
‘explicitação ontológica’ tal como Merleau-Ponty nota em O Visível e o
Invisível” (Correa, 1975: 14).
O livro citado, O Visível e o Invisível (1964), reúne os últimos
escritos de Merleau-Ponty e nele o autor enuncia seu objetivo nos
seguintes termos: “O que nos importa é precisamente saber o sentido
de ser do mundo” (Merleau-Ponty, 1971:18). O livro, publicado
postumamente, inicialmente se intitularia “A Origem da Verdade” e
destinava-se a ser um livro “sobre a ontologia pré-reflexiva, mundo do
ser bruto ou selvagem”. Nesse escrito, a noção de corpo dá lugar à
noção de carne entendida como “uma interioridade que não se reduz à
imanência da consciência, mas que não se explica pela exterioridade de
mecanismos físico-fisiológicos” (Chauí, 1989: XI). A carne é expressão
do fenômeno da reversibilidade “corpo–mundo” que revela a
peculiaridade das relações perceptivas: a ambigüidade. Corpo–mundo
constitui o “campo de presença” onde emergem todas as relações da
“vida perceptiva” e do “mundo sensível”. Escreve Merleau-Ponty:
Antes da ciência do corpo – que implica a relação com
outrem –, a experiência de minha carne como ganga de
minha percepção ensinou-me que a percepção não nasce
em qualquer lugar, mas emerge no recesso de um corpo
(1971: 21).
122 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
A relação “corpo sensível – mundo sensível” constitui o campo da
expressividade. Ao entrelaçamento corpo-mundo Merleau-Ponty outorga
o “poder doador de significados”. A partir do desenvolvimento da noção
de carne, a potência de significar é descoberta no imbricamento da
expressão e do silêncio. Lê-se em “O Visível e o Invisível”: “Esta nova
reversibilidade e a emergência da carne como expressão constituem o
ponto de intersecção do falar e do pensar no mundo do silêncio” (Merleau-
Ponty, 1971: 140).
Segundo o próprio Merleau-Ponty o livro “O Visível e o Invisível”
se destinaria a “elaborar com todo o rigor” os fundamentos filosóficos
dos seus trabalhos anteriores numa “teoria concreta do espírito que o
mostrará numa relação de troca com os instrumentos de que ele se
vale” (In: Lefort, 2002: 08). Lefort ao comentar essa intenção expressa
de Merleau-Ponty indica que essa
“teoria concreta do espírito devia se organizar em torno
de uma idéia nova de expressão e da análise dos gestos ou
do uso mímico do corpo, bem como de todas as formas de
linguagem, até as mais sublimadas da linguagem
matemática” (Lefort, 2002: 08).
Merleau-Ponty pretendia elaborar uma filosofia e ciência da
expressão que começasse por tratar da dimensão gestual da linguagem;
que abordasse os signos encarnados no movimento de significação. A
linguagem é descrita por ele como “encarnação de significações”, “campo
ilimitado de possibilidades de expressão”, onde “a palavra não é a
tradução de um sentido mudo, mas criação de sentido”. O compromisso
da palavra não é com uma significação já dada e, sim, com uma que
está por se fazer.
123Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Destarte, a tarefa da filosofia fenomenológica é perseguir o que
Merleau-Ponty denomina a “ordem da espontaneidade” do ser da qual
toda expressão busca libertar o que aí se encontra cativo e, para ele a
fenomenologia da palavra e do gesto é, entre todas as outras, a mais
apta para revelar-nos essa ordem. Em A Linguagem Indireta e az Vozes
do Silêncio o autor escreve:]
Se o próprio do gesto humano é significar para além de sua
simples existência de fato, inaugurar um sentido, daí
resulta que todo gesto é comparável a qualquer outro,
que se prendem todos a uma única sintaxe, que cada um
deles é um começo (e uma seqüência), anuncia uma
seqüência ou recomeços [...] na medida em que vale mais
do que sua mera presença, e nisso é de antemão aliado ou
cúmplice de todas as outras tentativas de expressão.
(Merleau-Ponty, 1991: 71)
A compreensão fenomenológica da linguagem como expressão está
alicerçada em três importantes idéias: 1) a idéia de que as palavras não
ganham seu sentido como elementos isolados e, sim, como atos
convergentes de expressão carregados de significação; 2) a idéia de
que a expressão nunca é total; 3) a idéia de que o ato de expressão não
é apenas uma operação secundária, ou um mero meio de comunicação,
mas é a aquisição que nós fazemos das significações.
Na exposição “Sobre a Fenomenologia da Linguagem”, publicada
em Signos, de 1960, Merleau-Ponty afirma que a fenomenologia institui
uma nova concepção do ser da linguagem, uma concepção que é “lógica
encarnada”. Com isso se compreende que a fenomenologia se ocupa
mesmo da linguagem no espaço da contingência, onde os acasos se
coadunam em um sistema orientado, como se estivesse realizando uma
124 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
continuação do ocasional em uma totalidade que possui sentido. Na parte
do texto intitulada Quase-corporalidade do significante, Merleau-Ponty
novamente explora a idéia de que a significação veiculada por cada
signo só diz respeito a sua diferença em relação aos demais, porém não
é a simples soma deles que constituem o valor expressivo da fala.
O valor expressivo de uma língua não é dado pelo mero
encadeamento verbal dos elementos que essa língua reconhece como
seus, mas se constitui pelo modo como os signos da língua dirigem-se a
uma significação que sempre os ultrapassa. É como se as palavras
surpreendessem o sujeito mesmo que fala e lhe ensinasse o seu próprio
pensamento, na medida em que uma ponte se instaura entre a intenção
muda e a própria palavra em um domínio da significação encontrado no
vivido.
Do mesmo modo que temos uma certa “consciência significativa”
dos nossos gestos e corpos quando nos dirigimos ao mundo, ainda que
não tenhamos a representação explícita de todos os elementos que nos
circundam, a palavra também contém uma significação que é encontrada
na “própria textura do gesto lingüístico”, ou seja, a palavra está
circunscrita em um contexto que a engloba e ultrapassa (como o corpo
no mundo), bastando apenas uma hesitação na voz ou uma mudança na
sintaxe para modificar a significação que aí jaz. Escreve Merleau-Ponty:
A significação anima a palavra como o mundo anima meu
corpo: por uma surda presença que desperta minhas
intenções sem se mostrar abertamente diante delas. A
intenção significativa em mim (assim como no ouvinte que
a reencontra ao ouvir-me) não é, no momento em que
ocorre – mesmo que depois venha a frutificar em
‘pensamentos’ –, senão um vazio determinado a ser
125Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
preenchido por palavras; o excesso daquilo que quero dizer
sobre o que é ou o que já foi dito. (Merleau-Ponty, 1991:
94).
O que se realiza no fenômeno da fala, na experiência de seu uso,
é que ao fazer uma intenção significativa ainda muda ganhar corpo em
uma palavra, revestindo-a de um sentido, a expressão mostra o
pensamento não só ao ouvinte, mas ao próprio falante, que só o conhecia
na sua mudez. Desse modo, a palavra (a fala) é compreendida como o
momento da encarnação de uma intenção de significar em uma cultura,
lembrando que é preciso “admitir a ordem da cultura ou do sentido
como uma ordem geral do advento” ((Merleau-Ponty, 1991: 71).
É em A Prosa do Mundo (1969) que o propósito de tratar dos
problemas da expressão aparece claramente. Essa coletânea de ensaios
sobre a linguagem, publicados postumamente, se destinavam a uma
obra que Merleau-Ponty deixou inacabada. Conforme Lefort, existem
razões para se acreditar que “o autor a abandonou deliberadamente e
que não desejou, em vida, levá-la a seu termo”, porém, a interrupção
desse trabalho não diminui sua importância na compreensão da obra do
autor, ao contrário, os escritos que estão aí reunidos podem lançar uma
luz sobre os problemas da linguagem e da expressão.
Merleau-Ponty declara pretender “mostrar que a linguagem jamais
é a simples vestimenta de um pensamento que se conhece a si mesmo
com toda a clareza (In: Lefort, 2002: 08). Seu estudo denuncia o “fantasma
de uma linguagem pura” como instrumento de designação e prossegue
por uma reflexão sobre a expressão e a característica indireta de toda
linguagem. A linguagem é sempre alusiva e nisso reside seu enigma:
nela a significação sempre ultrapassa o significante, e este sempre
engendra novas significações. Toda operação expressiva busca “recuperar
126 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
o ser do mundo”, porém, “a idéia de uma expressão completa é um
contra-senso”.
O caráter indireto da linguagem é o principal tema do artigo que
Merleau-Ponty extraiu de sua obra inacaba e publicou sob o título A
Linguagem Indireta e as Vozes do Silêncio (1952). Partindo da
consideração de Saussure acerca dos signos que só adquirem um sentido
quando relacionados a outros signos, explora a idéia de que as palavras
teriam pouco ou nenhuma significação se tomadas isoladamente. A fala
aparece como uma tessitura de palavras onde se entrelaçam os “gestos
lingüísticos”, sendo que o sentido emerge apenas “na interseção e como
que nos intervalos das palavras” (Merleau-Ponty, 1991: 42). Para
apreender a linguagem é necessário deixar-se envolver por seu
“movimento de diferenciação e de articulação, por sua gesticulação
eloqüente” (Merleau-Ponty: 1991: 43).
Ao referir-se ao poder da linguagem de ir “além dos ‘signos’ rumo
ao sentido deles”, Merleau-Ponty fala de uma “opacidade da linguagem”,
porém, é a própria linguagem que “desvela seus segredos” e, nesse
sentido “é inteiramente mostração”. Para compreender as palavras basta
deixar-se envolver por sua vida, “instalando-as no entrecruzamento dos
gestos lingüísticos como aquilo que estes mostram de comum acordo”
(Cf. Merleau-Ponty, 1991, 43). Escreve Merleau-Ponty:
Muito mais do que um meio, a linguagem é algo como um
ser... O sentido é o movimento total da palavra, e é por
isso que nosso pensamento demora-se na linguagem. Por
isso também a transpõe como o gesto ultrapassa os seus
pontos de passagem. (Merleau-Ponty, 1991: 43).
127Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
A Linguagem Indireta e as Vozes do Silêncio o fenomenólogo
apresenta uma comparação entre o modo de expressão literário e o
pictórico que faz transparecer com agudeza a gestualidade testemunha
e cúmplice de toda expressão. A palavra como o gesto, na descrição
merleau-pontyana, aparecem como “modulação de uma certa maneira
de existir, que é originariamente sensível” e como modos de expressão
(“experiências reveladoras”) da latência e da transcendência do real.
Aparece assim o enlace da percepção e da expressão que, na perspectiva
fenomenológica, constituem atos primários da instituição cultural.
Qualquer percepção, qualquer ação que a suponha, em
suma, qualquer uso humano do corpo já é expressão
primordial (...) operação primária que de início constitui
os signos em signos, faz o expresso habitar neles apenas
pela eloqüência de sua disposição e de sua configuração,
implanta um sentido naquilo que não tinha, e que assim,
longe de esgotar-se na instância em que ocorre, inaugura
uma ordem, funda uma instituição, uma tradição...
(Merleau-Ponty, 1991: 70).
Esse artigo e A Prosa do Mundo, que lhe deu origem, constituem
um importante núcleo do pensamento de Merleau-Ponty onde a linguagem
e a sua dimensão gestual figuram como o solo mesmo das descrições
fenomenológicas que buscam compreender a relação homem e o mundo
a partir da sua facticidade. A fenomenologia da percepção e da expressão
não só “reinstala” o homem no mundo sensível como “restaura” o corpo
como expressão espontânea. O segredo da ação expressiva já se mostra
nos gestos mais simples e se prolifera nas diversas expressões da cultura.
Merleau-Ponty escreve:
128 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Digamos mais genericamente que a tentativa contínua da
expressão funda uma única história – como o domínio do
nosso corpo sobre todos os objetos possíveis funda um
único espaço. (Merleau-Ponty, 1991: 73)
A compreensão do fenômeno da palavra e do gesto proposta por
Merleau-Ponty implicará em importantes conseqüências tanto para a
filosofia da linguagem quanto para as ciências semiológicas. O estudo
da gestualidade da linguagem, a partir da relação “palavra” e “gesto”
mostra a peculiaridade filosófica do movimento do pensamento
fenomenológico que consiste em se instalar “na ordem da espontaneidade
ensinante” para, a partir daí, compreender as relações que se
estabelecem entre a própria presença e a presença do mundo e do outro,
respectivamente, problema para uma teoria da verdade (semiótica) e
problema para uma teoria da intersubjetividade (ética).
Conclusão
A obra do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty tem suscitado,
desde suas primeiras publicações, algumas controvérsias. As críticas
recaem ou sobre o conjunto da obra (colocando dúvidas acerca do próprio
estatuto da fenomenologia da percepção como método para o
conhecimento filosófico), ou sobre parte de seus escritos (colocando
dúvidas sobre a propriedade filosófica de alguns de seus textos, caso
específico do livro Estrutura do Comportamento e das publicações
póstumas – em especial, A prosa do Mundo e O Visível e o Invisível).
O estudo acerca da dimensão gestual da linguagem na teoria da
expressão de Merleau-Ponty mostra, de início, que uma correta
abordagem desse tema requer a compreensão da unidade essencial do
pensamento do autor, aliás, disso depende qualquer articulação conceitual
129Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
que se pretenda em relação à sua proposta, sob pena de dar-lhe um
tratamento incompleto e/ou equívoco, e não alcançar sua “tópica”
essencialmente filosófica3.
Pode-se dizer que a fenomenologia de Merleau-Ponty mostra sua
desenvoltura metodológica na medida mesmo em seus escritos surgem
e vêm a público, revelando aí um movimento próprio do pensamento
desse autor que se desvela / se esclarece pela passagem de um conceito
a outro, uma noção à outra, um termo a outro, demonstrando que nela
“conteúdo e método, com efeito, não se encontram separados”.
Perseguindo o movimento de articulação das temáticas que compõe a
obra merleau-pontyana, visualiza-se um traço característico do seu
esforço e mérito filosófico: o poder de deixar a obra instituir-se a partir
do fluxo que ela mesma instaura em uma interrogação constante e isso
sob o crivo severo de uma auto-reflexividade.
Nesse sentido, acredita-se que a conexão dos caminhos conceituais
trilhados pela filosofia de Merleau-Ponty é passível de ser alcançada
retomando e congregando suas idéias-mestra, as quais encontram uma
exposição axial já na sua primeira obra publicada, Estrutura do
Comportamento, desenvolvem seu motivo fundamental na sua obra mais
célebre, Fenomenologia da Percepção, e adquire seu corpus ao longo de
uma intensa produção que ora se deixa vir a público, ora se guarda para
a póstuma idade – ou por opção do autor, caso dos ensaios que compõe
A Prosa do Mundo, ou da natureza, como se sabe, a morte “prematura”
de Merleau-Ponty encerra o projeto de O Visível e o Invisível.
130 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Referências Bibliográficas:
MERLEAU-PONTY, M. Estrutura do Comportamento. Belo Horizonte:
Interlivros, 1975.
______. Fenomenologia da Percepção. São Paulo: Martins Fontes,
1999.
______. O Visível e o Invisível. São Paulo: Perspectiva, 1971.
______. A Prosa do Mundo. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
______. A Linguagem Indireta e as Vozes do Silêncio. Sobre a
Fenomenologia da Linguagem In: Signos. São Paulo: Martins Fontes,
1991.
______. Elogio da Filosofia. 3 ed. Lisboa: Guimarães Editores, s/d.
CHAUÍ, M. Merleau-Ponty. Vida e Obra. In: MERLEAU-PONTY, M. Textos
Selecionados. São Paulo: Nova Cultural, 1989. (Os Pensadores)
CORREA, José de A. Prefácio. In: MERLEAU-PONTY, M. Estrutura do
Comportamento. Belo Horizonte: Interlivros, 1975.
GRANGER, Gilles-Gaston. Por um Conhecimento Filosófico. São Paulo:
Papirus, 1989.
LEFORT, C. Prefácio.. In: MERLEAU-PONTY, M. A prosa do mundo. São
Paulo: Cosac & Naify, 2002.
131Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Notas:
2 O que levará Ferdinand Alquié (em 1947), e depois Alphonse de Waelhens (em1949), denominá-la “uma filosofia da ambigüidade”, expressão que Merleau-Pontynão rejeita. Ver o Elogio a Filosofia de 1952.3 A necessidade de uma ‘tópica transcendental” é apontada por G-G. Granger comocondição incontornável do exercício filosófico. Sobre essa exigência o autorescreve: “Compreendemos com isso que todo trabalho filosófico deve mais oumenos explicitamente delimitar e articular os domínios do vivido, onde se exerce oato de construir significações, e por conseguinte indicar o estudo de diferentesplanos onde cada conceito introduzido desenvolve seu sentido” (Granger, 1989, p.208).
132 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Ano 1, nº 0, Outubro de 2006 Revista Independência
Título
Autor
ResumoA Padaria Espiritual constituiu-se num movimento literário dos maisoriginais que sacudiu o meio intelectual da sociedade cearense no finaldo século XIX com sua verve humorística. De grande importância dentroda agremiação, o humor era o veículo pelo qual os chamados padeiroscriticavam incisivamente as estruturas sociais tradicionais da província.Esse mesmo humor foi também transformado em instrumento deaproximação com a sociedade na medida em que possibilitou aomovimento penetrar nos debates literários e conquistar a aceitação dopúblico com sua excentricidade e ousadia. Este artigo pretende analisar- baseando-se nos estudos históricos e literários desse movimento enas propriedades conferidas ao cômico - as facetas que o humor tomouno processo de reconhecimento público e intelectual desse curioso grupo.
Palavras-chave: Comunicação, estratégia, publicidade, humor, PadariaEspiritual.
Humor: uma estratégiacomunicacional do movimentoliterário Padaria Espiritual1
Júlio Vitorino FigueroaBacharel em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará.
E-mail: [email protected]
1 Artigo apresentado no VIII INTERCOM NORDESTE.
11
134 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
QUESTÕES PRELIMINARES
Este artigo procura, a partir da observação do grupo literário
chamado Padaria Espiritual, movimento dotado de um humor peculiar à
sua época, compreender alguns dos aspectos relacionados à agremiação
que possivelmente não constariam em estudos literários ou históricos.
Como território de análise, tomamos os aspectos decorrentes da presença
do humor no seio do movimento.
Diversos estudos se ocuparam em entender o que representou de
fato essa agremiação, dentre eles merecem destaque os de Sânzio de
Azevedo, Gleudson Passos e José Ramos Tinhorão. Visando expandir as
possibilidades de compreensão do assunto, esse artigo, sob a ótica da
comunicação e dos estudiosos sobre o fenômeno humorístico, analisa a
parcela de contribuição dessa forma de expressão chamada humor para
o êxito do movimento.
Inicialmente, porém, precisamos informar o leitor sobre o assunto
específico do qual estamos tratando, apresentando a Padaria Espiritual.
Com essa noção já adquirida, esboçaremos, então, um breve panorama
da época em que nasceu o movimento, assim como aprofundaremos um
pouco mais suas características peculiares. Só após esses momentos, é
que abordaremos diretamente o papel do humor na agremiação,
observando atentamente as cores que ele toma.
PADARIA ESPIRITUAL: O MOVIMENTO
O século XIX se despedia em nosso País com a instituição do regime
republicano e a chegada das novas relações sociais trazidas pelo avanço
dos valores capitalistas, conjuntura que pretendia remodelar a realidade
social ao novo pensamento, visando a tornar ainda mais concreto o
plano de desenvolvimento do capitalismo.
135Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
A Padaria Espiritual - que não é um estabelecimento onde se
compra pães, tampouco um centro espírita com sede no mesmo
estabelecimento comercial - consistia em uma agremiação literária, um
grupo bastante irreverente de talentosos jovens letrados de classe média
com um bom repertório de leituras e conhecimentos artísticos e literários.
Tais instrumentos intelectuais os dotaram de considerável senso crítico,
cuja utilização, acompanhada de um ácido senso de humor nada
convencional, não tardou a aparecer. Em pouco tempo, ficaram
conhecidos por suas excentricidades e críticas a diversos setores da
província. Todos exaustos da pacata Fortaleza, os padeiros - escritores,
músicos e pintores - lançaram a máxima de fornecer “pão de espírito”
aos que estivessem famintos por idéias. Obviamente essa era uma
metáfora bem humorada e, ao mesmo tempo, uma forma de esclarecer
o interesse do movimento em contribuir para uma maior capacidade de
reflexão da sociedade, levantando o debate intelectual na província.
Na Padaria, as funções estavam dividas em um Padeiro-mor, o
presidente; dois Forneiros, os secretários; um Gaveta, o tesoureiro; um
Guarda-Livros, o bibliotecário; um Investigador das coisas e das Gentes,
ou o O Olho da Previdência, que era o responsável por colher informações
do dia-a-dia. Os membros em geral eram os amassadores, que
trabalhariam a massa (idéias), oferecendo, aos que se interessassem,
o “pão de espírito”. Antônio Sales dividiu a Padaria em duas fases: a
primeira, cheia de espírito, timbrando acima de tudo pela pilhéria, era
a época em que, da sacada do segundo prédio que serviu de sede ao
grêmio, um dos ‘padeiros’, de barbas postiças, fazia conferência para o
povo na rua, tempos em que o Mané Côco embandeirava o Café Java,
distribuía aluá aos fregueses, e soltava um imenso balão com o letreiro
‘Padaria Espiritual’ (...) a segunda, a partir de 1894 (...) menos boêmia,
136 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
mas nem por isso alheia às brincadeiras e às anedotas, caracterizou-se
por maior seriedade nos trabalhos e sobretudo pela publicação de quase
todos os livros da sociedade. (AZEVEDO, 1996, p.76)
Como AZEVEDO (1996) nos fala, a primeira fase foi marcada pela
despreocupação, em que os membros do grêmio abusavam da
extravagância e boemia. Este foi o momento em que se fez o possível
para atacar de forma irreverente, ao passo que a segunda fase, de 1894
até o fim da agremiação, representava o momento mais sério da
existência do grupo. O órgão oficial da Padaria Espiritual era o jornal “O
Pão”, prometido no artigo 35 do Programa de Instalação.
O “HUMOR ESTRATÉGICO” DA PADARIA
Talvani Lange, professor da Universidade Metodista de São Paulo,
estudioso do humor no âmbito da publicidade, aponta que “em nossa
sociedade competitiva, em que até mesmo o tratamento dado à
informação possui reflexos da concorrência acirrada, procuram-se
maneiras de estabelecer mecanismos publicitários capazes de seduzir o
receptor diante do caos informacional em que vivemos. Tal engrenagem
é enfocada, assim, para cativar o consumidor através dos aspectos
emotivos e psicológicos que ofereçam prazer no ‘consumo’ dos anúncios
publicitários” (LANGE, www2.usp.br ).
De certa forma, podemos relacionar o que Lange investiga com
aquilo que investigamos, posto que é possível encontrar determinada
similaridade entre o humor que estimula o consumo dos anúncios
publicitários” e o humor da agremiação de que tratamos, na medida em
que ela estimulou e despertou o interesse da sociedade, através de suas
pilhérias e de seu comportamento. Ambas as instâncias são marcadas
pela tentativa de fisgar o público a partir dos artifícios de atração do
humor.
137Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Cabe, neste momento, diferenciarmos os dois tipos de “humor
estratégico” que agora já se delineiam. Despertar o interesse, atrair a
atenção, causar empatia são características gerais do humor que seduz,
o “humor estratégico”. No caso da Padaria, essas duas formas foram
utilizadas de modo parecido, apesar de se distinguirem quanto à
finalidade. Identificamos um “humor estratégico-promocional” e o
“humor estratégico-crítico”.
O “humor estratégico-promocional” se aproxima em alguns
aspectos de um “marketing empático” promovido pela Padaria, no sentido
de que tenha sido também uma estratégia que adotou o humor como
forma de causar determinada empatia no público, com vistas a facilitar
um contato com este.
A Padaria, com seu Estatuto cheio de gracejos, caracterizada pelo
comportamento irreverente e despreocupado de seus membros, não
demorou a “utilizar a emoção e o humor para atingir um grande número
de pessoas” (LANGE, www2.usp.br ). O autor observa essa capacidade
magnética contida no humor, conferindo-lhe a propriedade de
“desarmar”.
Por um lado, tem-se um mundo sufocado de produtos e imagens
em um ritmo acelerado, onde se necessita de um diferencial; por outro,
tem-se um grupo de jovens que planeja sacudir o meio intelectual e
artístico, também em busca de demonstrar originalidade em suas
manifestações. Tendo em vista os aspectos levantados, é possível
considerar que um movimento como o que foi a Padaria Espiritual era
dotado de uma parcela de caráter publicitário. Antônio Sales foi o padeiro
que mais se preocupou com a publicidade do grupo, a divulgar O Pão,
distribuindo números do periódico com o inusitado programa, a emitir
homenagens e estabelecer contato da Padaria com os escritores mais
138 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
conhecidos da Capital Federal. Essa publicidade do grêmio, que serviu
em grande medida pra imortalizar a agremiação na historiografia literária
brasileira, contribuía para tornar Antônio Sales reconhecido na imprensa
do Rio (CARDOSO, 2002, p. 51).
No padeiro, verificamos uma tendência que aproxima as
características identificadas na utilização do humor pela Padaria a um
tipo de estratégia publicitária. Obviamente não podemos falar aqui de
um “marketing” propriamente dito, visto que seu conceito só começou
a se popularizar nos Estados Unidos dos anos vinte. Todavia, as bases
do marketing se encontram diluídas nas idéias dos “grandes economistas
ingleses dos séculos XIII e XIX, contemporâneos da Primeira Revolução
Industrial” (GRACIOSO, 1998, p. 10). O que pretendemos neste ponto é
demonstrar que é possível uma aproximação do que foi feito por Antônio
Sales e pela Padaria - tanto no âmbito da divulgação do jornal e da
agremiação quanto na conhecida irreverência dos integrantes do grêmio
- com os princípios do marketing e da publicidade.
Interessante é perceber a mobilização de Antônio Sales e dos
demais padeiros em torno do objetivo de fazer com que o lançamento
do Programa de Instalação da Padaria Espiritual e conseqüentemente do
próprio grêmio fosse bem-sucedido, no sentido de que se tornasse uma
novidade excitante. A idéia do Estatuto de Instalação, torna possível
uma aproximação das ações dos padeiros, reservando-se aqui algumas
limitações, com a esfera do marketing, em vias do lançamento de um
novo produto: “Nem é preciso dizer que jamais outra associação cultural
apresentou um programa de instalação com tanto humor (...) Daí o
estrondoso êxito do grêmio cearense” (AZEVEDO, 1996, p. 65).
É válido observar que não estamos refutando a faculdade mediúnica
dos padeiros de serem alegremente embalados pelo “espírito boêmio”,
139Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
mas afirmando que a absoluta espontaneidade de seu humor é
questionável, assim como chamamos atenção para a evidente
preocupação da agremiação em divulgar seus feitos extravagantes. Por
este motivo é tão difícil afirmar categoricamente que a Padaria Espiritual
se utilizou do poder de penetração do humor para se promover e se
destacar. Não podemos afirmar isso e descartar a idéia de que os padeiros
eram conscientes da atmosfera apaziguadora e lúdica provocada pelo
humor e, por isso, tenham enveredado por ele a fim de despertar e
resgatar a criticidade adormecida na população leiga. Devemos, portanto,
passar ao outro tipo de humor.
Esclarecemos o “poder de penetração” do humor, ao que chamamos
de “humor estratégico”, assim como falamos do humor que se utiliza
desse mesmo poder para fins de divulgação, ao que demos o nome de
“humor estratégico-promocional”. Definiremos agora aquele tipo de
humor que, através da capacidade de penetração, tanto abre uma ponte
de diálogo com os desinteressados em assuntos intelectuais, quanto é
responsável por corrosivas críticas à sociedade. A este, atribuímos o
nome “humor estratégico-crítico”, caracterizado pelo ataque a estruturas
de dominação, por muita pilhéria, pela rejeição a comportamentos
enquadrados na norma e pelo despertar da atenção.
Este humor teria um distanciamento em relação àquela essência
cômica medieval, descrita por Bakhtin em Cultura Popular na Idade Média
e no Renascimento (1976), que cuspia na lógica e queria repensar o
mundo a partir da desestruturação das suas bases falhas.
Lipovetsky(1983), por sua vez, entende o humor, como o filhos
conformado do riso, encaixotados em seguros recipientes não prejudiciais
à saúde do organismo vigente. Esse riso contemporâneo não é mais
transgressor, ativo, modificador ou impiedoso como o da Idade Média,
140 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
mas é calmo e leve. Nessa perspectiva, a Padaria teria, sim, contribuído
para a contestação de valores e para o aprimoramento intelectual de
sua época, mas seria em nome de outro quadro de valores nos quais se
acreditava. Apesar disso, no paulatino “abrandamento de costumes”
descrito por Lipovetsky(1983), em que se inclui o humor, processo
gradativo que se iniciou desde o fim da Idade Média, a Padaria pode ter
representado um humor ainda preocupado em assanhar alguns cabelos
bem penteados.
Josimey Costa da Silva entende que o humor sedutor também
atrai o interesse para questões que conscientizam para discussões e
idéias, que, tratados geralmente sob uma atmosfera rude e
excessivamente séria, dificultam um primeiro contato. Em seu artigo
Um Humor Nada Objetivo e um Jornalismo Muito Sério, acrescenta que
“quando se ri sem se saber por quê, corre-se o risco de, excluindo o
elemento intelectual do ato de rir, impossibilitar a leitura do seu potencial
crítico e ignorar qualquer nível de consciência que nele esteja contido.
Em outras palavras, ao se privilegiar o emocional incluso no riso,
escamoteia-se o seu potencial crítico e se reduz a sua importância”
(SILVA, 2002, p. 122).
Inserido em um contexto comunicacional, podemos destacar o
humor não como mero agente alavancador de atenção ou como uma
simples representação banal de algo (às vezes o é, de fato), que pôde
ser percebido pelo talento ou pela sensibilidade. Seria, sim, um artifício
de aceitação e manipulação - politicamente correta, talvez - ,com o
objetivo de tornar o assunto de certa forma mais atraente, abrandando
a rejeição do público. A Padaria Espiritual, que supomos, em certa
medida, consciente desse pontecial, e cujo exame revelou considerável
aproximação com as classes subalternas, perspicazmente adotou as
141Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
faculdades do humor estratégico de caráter crítico. Defendemos essa
afirmação haja vista os efeitos no campo magnético sob o qual o humor
atua. Nesse campo, as idéias pré-concebidas se enfraquecem, inexistem
formalidade e repreensão, ao passo que as esferas do novo e do diferente
são impulsionadas pela atmosfera livre e aparentemente despreocupada
que paira.
HUMOR ESTRATÉGICO-PROMOCIONAL x HUMOR ESTRATÉGICO-
CRÍTICO
De certa forma, podemos afirmar que o humor, considerando as
idéias aqui discutidas, representa um recurso a que os padeiros
recorreram para conquistar visibilidade e cultivar a imagem de
intelectuais dotados de uma fina ironia, assim como para alfinetar o
conservadorismo sepultado e sério que regia a harmonia vesga dos fatos.
No nosso caso específico de dedicação à compreensão do humor
na Padaria, não se pode constatar um evidente divórcio entre aquele
que seria o “humor estratégico-promocional” e o “humor estratégico-
crítico”. Afirmamos isto tendo em vista que em ambos os casos existe
determinada estratégia de conquista e empatia pautada pela atmosfera
humorística, seja ela para abrandar um discurso crítico, tornando-o mais
atraente e inteligível; seja para, por meio da mesma estratégia,
conquistar popularidade, visibilidade e a empatia, destacando-se frente
aos demais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Empenhamo-nos em nos aproximar do objetivo de compreender
de que maneira a Padaria Espiritual se utilizou do humor. Durante a
pesquisa, algumas idéias principais emergiram e tomaram uma forma
142 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
mais nítida, constituindo nosso local de chegada. Verificamos, de um
lado, indícios de mecanismos de caráter promocional no conjunto de
ações da Padaria. Valemo-nos, para tal, de uma observação centrada na
figura de Antônio Sales e nos novos ângulos de observação que o
lançamento do seu Programa de Instalação nos proporcionou.
Identificamos, por outro lado, também as vantagens de se tratar um
conteúdo sério dentro de uma atmosfera humorística, considerando tanto
sua facilidade de aproximação com o público quanto seu potencial
transgressor.
Assim, entendemos que estes dois tipos de “orientações
humorísticas” que percebemos se encontram e se entrelaçam, mas não
se confundem. Ambos compõem um mesmo conjunto, mas têm
características diferentes, assim como conservam sua individualidade.
As duas expressões estão inseridas na esfera do humor estratégico,
como já foi dito, mas não há qualquer espécie de relação hierárquica
entre elas.
A discussão parece ser bem mais profunda, sem dúvida. Se
analisada por outros ângulos, certamente se tornará ainda mais clara.
Inviável, senão impossível, é oferecer respostas lapidadas e reluzentes
frente a um tema como o humor, repleto de poeira teórica e densas
contradições. Mais complexo ainda é satisfazer todos os campos de
conhecimento de cujas idéias nos valemos, como o campo da Filosofia,
da História, da Literatura, da Comunicação e da Publicidade. Desta
forma, são inúmeras as possibilidades de abordagem que se podem
desenvolver em relação a este assunto tão rico, com base em diferentes
pontos de partida.
143Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Referências bibliográficas:
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BAKHTIN, Mikhaïl. Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento.
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(Coleção Outras Histórias – 8)
GRACIOSO, Francisco. 4ª Edição. Marketing. São Paulo: Coleção Contato
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TINHORÃO, José Ramos. A província e o Naturalismo. Rio de Janeiro:
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144 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Ano 1, nº 0, Outubro de 2006 Revista Independência
Título
Autor
ResumoEste artigo visa a apresentação de uma atividade acadêmica desenvolvidacom alunos de Administração em Gerência de Negócios, na forma detrabalho de pesquisa, utilizando-se a metodologia de estudo de caso /história de vida, através de entrevista com um empreendedor desucesso. No depoimento do empreendedor são tratadas questõesrelacionadas à sua origem, o surgimento da empresa, conceito de si, otrabalho como empreendedor, energia, relações, liderança, criatividadee imaginação. Ao final do artigo, percebemos que na fala desse atorsocial são encontradas as características de alguém com espíritoempreendedor. Porém, o que esse depoimento traz de original, típico eexclusivo é a singularidade da sua própria história de vida, onde nos étransmitido lições e “dicas”, que se tornam conselhos úteis a todosaqueles que aspiram à condição de empreendedor ou desejam se manterno seu negócio.
Palavras-chave: Empreendedorismo, estudo de caso, entrevista comempreendedor.
História Empresarial Vivida
Juarez Duarte BomfimProfessor da Faculdade Dois de Julho. Mestre em Administração pela UFBA
E-mail: [email protected]
12
146 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Introdução
A pesquisa acadêmica sobre empreendedorismo é relativamente
recente e está ligada à grande importância que as pequenas empresas
exercem na atividade econômica nacional e global. Representando
aproximadamente, conforme dados do SEBRAE, 90% do total das
empresas, 75% da mão-de-obra ocupada e contribuindo com 70% do valor
bruto do produto industrial e 35% do PIB1, dá-se para medir a dimensão
de tal setor empresarial.
O empreendedorismo, não sendo (ainda) uma ciência social,
estando no campo de estudos da Administração, enquanto ramo de
conhecimento vive uma fase pré-paradigmática, já que não existem
padrões definitivos, princípios gerais ou fundamentos que possam
assegurar de maneira cabal o conhecimento na área.
A perguntas como “é possível ensinar alguém a ser
empreendedor?”; “Quais as características determinantes no
empreendedor de sucesso?”2 não existem respostas definitivas e os
estudiosos da matéria ficam sempre com um que de desconfiança sobre
as respostas provisórias. Essas dificuldades são vividas / vivenciadas
em sala de aula nas disciplinas de empreendedorismo.
Empreendedorismo é uma livre tradução que se faz da palavra de
origem francesa entrepreneurship e pode ser definida como atividade
daquele indivíduo que assume riscos e começa algo novo3.
O empreendedor (entrepreneur) já foi considerado o agente
responsável pela transformação e desenvolvimento econômico
(Schumpeter); pessoas possuidoras de elevada motivação, que preferem
executar tarefas difíceis e não rotineiras e assumem responsabilidades
pessoais pelo seu trabalho (McClelland); um tomador de riscos (Peter
147Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Drucker); e uma pessoa que imagina, desenvolve e realiza visões (Filion) 4.
Ele, o empreendedor, é quem tem e namora a idéia do negócio,
implementa e acompanha até adquirir vida própria. Identifica-se
emocionalmente com a empresa, concentrando a sua atenção nas fases
iniciais do empreendimento5. Diferencia-se do empresário, que se
preocupa mais com a segunda fase do ciclo de vida de uma empresa – a
sobrevivência e o crescimento.
Sendo os dois maiores responsáveis pela criação, desenvolvimento,
consolidação, sucesso ou insucesso das empresas, o empreendedor e o
empresário se completam. Percebe-se, no entanto, que a partir de
determinado ponto o empresário “cresce” mais do que o empreendedor.
O empreendedor é um homem de muita iniciativa, personalidade
agressiva, eterno farejador de oportunidades, fazedor de negócios e
muito trabalhador, porque tudo gira em torno dele. Ele faz e gosta de
fazer tudo sozinho6.
O empresário tem outras características, mesmo carregando
dentro de si a chama do empreendedor. No empresário, conforme Aquino 7,
destaca-se sua motivação e capacidade para “crescer” e se
“desenvolver”, conduzir profissionalmente a administração dos seus
negócios e dotar suas empresas de uma estrutura organizacional, inclusive
a administração profissional, como meio de perpetuar o seu sucesso,
libertando-se da condição convencional de “dono”. Enquanto que o
empreendedor, por mais notável que seja, jamais poderá se
responsabilizar, eternamente, pela perpetuidade do seu
empreendimento8.
Feita essa ressalva, e esses papéis – de empreendedor e
empresário - não sendo impermeáveis, pois o empreendedor pode tornar-
se empresário e vice-versa, nessa comunicação não faremos distinção
148 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
de um e outro.
Sendo as qualidades pessoais do empreendedor mais enfatizadas
do que coisas como o conhecimento do ramo, ou do processo em si, um
dos campos centrais da pesquisa na área do empreendedorismo
concentra-se no estudo de ser humano e dos comportamentos que podem
conduzir ao sucesso, sendo o restante (tecnologia, ferramentas
gerenciais...) visto como uma conseqüência do processo de aprendizado
de alguém capaz de atitudes definidoras de novos contextos – o
empreendedor9.
História Empresarial Vivida
Entre os anos 1980-90, na Faculdade de Economia e Administração
da Universidade de São Paulo ( FEA/USP), o prof. Cleber Aquino organizou
um programa acadêmico denominado de “História Empresarial Vivida”,
baseado em depoimentos de empreendedores e empresários brasileiros
onde, usando a metodologia de estudo de caso / história de vida, visava
proporcionar informações e lições de pioneiros e empresários de processos
de gestão bem-sucedidos dentro do contexto brasileiro.
Resumidamente, os objetivos perseguidos no programa eram de
a) estabelecer um diálogo permanente e interação entre a classe
empresarial e todos os públicos nacionais, especialmente o acadêmico;
b) repassar a experiência empresarial e de negócios brasileira sobre a
vida, a obra e o tempo dos vitoriosos homens de negócios, isto é, dos
empreendedores, pioneiros e empresários; c) proporcionar aos estudiosos
e interessados lições vividas de negócios e de gerência; d) despertar no
estudante o espírito empresarial etc. Tudo isto através do “tempo” (pano
de fundo histórico) e do “contexto” (pano de fundo cultural e ambiental)
dos empreendedores e empresários brasileiros ou atuantes no Brasil10.
149Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Lecionando a disciplina Lógica do empreendedor para o curso de
Administração com habilitação em Gerência de Negócios, este autor
sentiu a necessidade e anteviu a oportunidade de usando uma
metodologia própria, desenvolver com os seus alunos uma atividade
acadêmica que suscitasse nestes a vocação para a pesquisa, juntamente
com o aprendizado, em trabalho de campo, de experiências
empreendedoras, através de coleta de informações, na forma de
entrevista estruturada, de depoimentos de pessoas que assumiram o
desafio de “abrir o seu próprio negócio” e “mudar de vida”.
Acreditamos que, para estudantes de Administração que aspiram
à condição de futuros gestores e empreendedores, um trabalho desse
tipo (a entrevista) surge como forma de preparação para a ação real,
porque através dele se pode ter um discernimento mais profundo das
razões, estratégias, abordagens e motivações do empreendedor para
iniciar ou manter um negócio. O entrevistado, com o seu exemplo
pessoal, transmite informações e “dicas” sobre o mundo dos negócios,
com a sensibilidade e intuição de quem está no “front”.
A metodologia escolhida foi a seguinte: uma vez identificado um
empreendedor, escolhido como informante pelo critério amostral de
acessibilidade-tipicidade, o aluno deveria realizar uma entrevista com
o mesmo, a ser apresentada na forma de relatório de pesquisa.
O método de procedimento praticado foi de estudo de caso /
história de vida, não sendo feita a distinção entre história de vida
completa ou focada, uma vez que o roteiro da entrevista já direcionava
para os objetivos.
A estrutura da entrevista sugerida contempla blocos de perguntas
que consideram questões relacionadas à origem do empreendedor,
surgimento da empresa, conceito de si, visão do empreendedor, o trabalho
150 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
como empreendedor, energia, relações, liderança, criatividade e
imaginação11.
Os resultados têm sido considerados positivos tanto pelo produto
em si, como pela experiência adquirida pelos alunos com esta atividade
investigativa e inovadora, inclusive como forma criativa de avaliação
discente.
Para exemplificar esta afirmação, apresentaremos uma entrevista
com um empreendedor, realizada pelo estudante José Adauto Ribeiro,
do sexto semestre de Administração com habilitação em Gerência de
Negócios, sob orientação do professor Juarez Duarte Bomfim, em 2004.1.
A entrevistada foi a senhora Helena Torres, proprietária do
Empreendimento: Serve Saúde Cozinha Industrial, localizado na cidade
de Campinas, estado de São Paulo.
A ENTREVISTA
José Adauto - Existe algum empresário em sua família?
Helena Torres - Não. Eu sou a pioneira.
J. A. - Tem alguém como modelo?
Helena Torres - O modelo que tenho são o caráter e honestidade de
meus pais e a força e a coragem de minha mãe, uma mulher que sempre
encarou a vida positivamente e nunca a vi de baixo astral.
J. A. - O que os seus pais fazem?
Helena Torres - São professores aposentados. Dedicaram suas vidas a
essa profissão tão nobre e tão mal compreendida no Brasil, mas minha
mãe nunca reclamou.
151Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
J. A. - Você poderia falar um pouco sobre a sua formação?
Helena Torres - Formei-me em pedagogia por influência de meus pais,
mas nunca exerci minha profissão. Casei logo após me formar. Meu
marido, em razão de seu trabalho, nunca ficava mais de três anos em
uma cidade. Isso tornou inviável uma carreira profissional.
J. A. - Foi boa aluna? Gostava de estudar? Como você aprende mais?
Helena Torres - Sempre fui boa aluna e gostava de estudar, afinal tinha
dois professores em casa. O que era um privilégio. Freqüento palestras
e cursos, mas tenho aprendido mais sozinha, com leituras. Aliás, quando
estamos lendo, nunca estamos sozinhos. No mínimo estamos conversando
em silêncio com o autor.
J. A. - Como você se vê como pessoa?
Helena Torres - Eu me vejo como uma pessoa que teve a felicidade de
ter uma educação familiar extremamente correta, que me ensinou a
ser ética, a respeitar as pessoas, a respeitar compromissos. E o que é
mais importante, minha família sempre me deu muita liberdade. Com a
liberdade eles me ensinaram a ser responsável.
J. A. - Quais, na sua opinião, são as suas características pessoas mais
importantes para sua empresa?
Helena Torres - Não sou um pessoa castradora, controladora das ações
das pessoas. Além disso, sou muito comunicativa, tenho muitos amigos
e muita disposição para o trabalho.
J. A. - Como surgiu a idéia de ser empreendedora?
Helena Torres - Sempre cozinhei muito bem. As pessoas elogiavam muito.
152 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Já fui arrendatária de um pequeno bar dentro de um clube. Lá dentro eu
não tinha concorrentes. Isso facilitava minha vida. Mas durou pouco
tempo. Meu marido foi transferido para outra cidade. Já aposentado,
morando em Campinas, ao lado de uma praça onde tinha
aproximadamente 60 camelôs, surgiu a idéia de fazer marmitex para
vender para este público.
J. A. - Como sua empresa começou?
Helena Torres - Dirigi meu negócio inicialmente para os camelôs, que
trabalhavam ao lado de minha casa. No primeiro dia ofereci 10 marmitex
gratuitamente para os camelôs, deixei um panfleto de propaganda do
produto e informei que a partir do dia seguinte estaria vendendo de
segunda a sábado. No dia seguinte vendi 15 marmitex. Com aquela
pequena vitória fiquei muito feliz. Foi um bom começo.
J. A. - Você pensou sobre isso por muito tempo, antes de realmente
começar o negócio? Já havia considerado a possibilidade de abrir um
negócio como uma opção de vida?
Helena Torres - Sempre tive este sonho e acalantei por muito tempo.
Até que surgiu a oportunidade ideal. Sempre pensei em abrir um negócio,
mas as freqüentes transferências, sempre me obrigaram a adiar meu
sonho. Quando meu marido se aposentou, senti que tinha chegado a
hora de agir mais decisivamente.
J. A. - Conte-nos sobre seus primeiros tempos.
Helena Torres - Os primeiros tempos foram difíceis. Eu comecei sozinha,
preparando o cardápio, comprando os ingredientes, preparando os
alimentos e vendendo. Era uma equipe de uma pessoa só. Era cansativo,
153Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
mas era também realizador e gratificante. Se tivesse que recomeçar,
faria tudo de novo. Logo em seguida comecei a receber a ajuda de meu
filho André e depois de meu outro filho formado em nutrição, Alexandre.
J. A. - Como você identifica oportunidades?
Helena Torres - A primeira oportunidade que identifiquei, ela estava na
minha frente, quase caiu na minha cabeça. Havia 60 camelôs que
trabalhavam na praça ao lado e não havia um restaurante mais próximo
que a minha casa. Antes, os camelôs ou traziam marmita de casa ou
almoçavam nos bares locais sem adequada condição de higiene. Depois
com a pequena cozinha industrial já instalada em um endereço próprio,
quase todo fim de semana andava pela cidade vendo se tinha um canteiro
de construção civil iniciando uma obra nova. Toda minha família também
ficava atenta para estas oportunidades. Pois elegemos como nosso público
alvo os operários da construção civil. O motivo desta escolha é que este
público não interessava para as grandes cozinhas industriais. Hoje o
nosso público está mais diversificado.
J. A. - Como você aprende hoje? Tem um método próprio?
Helena Torres - Sempre que posso faço um cursos no SEBRAE, vou a
palestras dirigidas ao pequeno empresário e todo ano vou a uma feira
de cozinha industrial, em São Paulo, ver as novidades. Tenho vários
amigos que são donos de outras cozinhas industriais, sempre faço visitas
a eles para trocar idéias e informações. Temos um relacionamento muito
cordial.
154 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
J. A. - Tem um sistema para solução de problema?
Helena Torres - Meu método, se é que se pode chamar de método, é
matar o problema na hora. Não gosto de postergar a solução. O problema
que não é resolvido na hora corre o risco de se multiplicar em outros
problemas ou aumentar de tamanho. E pode virar um monstro. Se eu
tenho um problema hoje não deixo para reunir amanhã ou pensar em
sua solução depois. São pouquíssimos problemas que você não possa
resolver na hora ou deixar bem encaminhado sua solução. Se você não
fizer isso, será soterrado por problemas.
J. A. - Como lida com o fracasso?
Helena Torres - Na vida há dois tipos de pessoas: há o que, quando leva
um golpe da vida, se fecha, abaixa a cabeça e se encolhe como se
estivesse se protegendo para não ser golpeada de novo. E aí fica mais
frágil e vulnerável. E há outro que, quando recebe um golpe da vida,
levanta a cabeça e parte com força redobrada para o contra-ataque
como quem tenta virar o jogo. A queda serve de alavanca, como um
estímulo, como um ponto de inflexão para uma virada, uma mudança,
uma transformação. E essa transformação nada mais é do que o
aprendizado com o fracasso. Meus pais me disseram certa vez, quando
fui reprovada no vestibular, que o fracasso é uma oportunidade de
aprendizado e de crescimento. Esta é uma maneira positiva que meus
pais me ensinaram de ver o fracasso. É importante que a gente não
internalize a negatividade do fracasso. Agora, só aprenderá e crescerá
com o fracasso quem souber aproveitar essa oportunidade.
J. A. - Qual é o seu trabalho na empresa?
Helena Torres - Eu controlo a compra junto aos fornecedores e gerencio
o serviço de cozinha.
155Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
J. A. - Quais são as áreas onde você gosta de se concentrar?
Helena Torres - As duas áreas sensíveis em meu negócio são a qualidade
e preço dos ingredientes e o padrão das refeições. Por isso, me envolvo
mais intensamente com esses dois setores. Até porque são minhas
especialidades. O meu filho, que é formado em nutrição, dá suporte
técnico com relação à manipulação, estocagem e preparo dos alimentos.
J. A. - Você se envolve com a rotina, com as operações do dia-a-dia?
Você tem quantas pessoas que se reportam a você? Você delega?
Helena Torres - Nossa empresa é relativamente pequena. Além de
gerenciar e investir, temos que botar a mão na massa. Eu vou diariamente
ao Ceasa e a outros fornecedores e escolho pessoalmente os ingredientes.
A qualidade final depende da qualidade dos ingredientes. Uma boa
refeição envolve estética, sabor, aroma e, principalmente, saúde. Higiene
e limpeza são uma obsessão em nossa empresa. Cobro higiene dos meus
fornecedores também. Estou sempre na cozinha acompanhando o
processo de manipulação e estocagem dos alimentos. Disso, nós não
abrimos mão. Vendemos higiene, limpeza, saúde e prazer alimentar.
Porque uma refeição deve ser também um ato de prazer. Nossos clientes
esperam tudo isso de nós. Quando não pudermos atendê-los, buscarão
outros fornecedores. Como a empresa é pequena, nós temos uma
comunicação constante. Um de meus filhos cuida das vendas, o outro da
administração e eu da produção das refeições. Temos também uma equipe
de cinco cozinheiras e ajudantes e um motorista. No atual estágio em
que estamos, com vendas de 1.200 refeições por dia, não há tanta
necessidade de delegação, mas mesmo assim procuro estimular minhas
companheiras de trabalho a serem mais autônomas.
156 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
J. A. - Você tem parceiros no negócio?
Helena Torres - Nós temos uma relação muito construtiva com nossos
fornecedores e clientes, por isso considero-os meus parceiros.
J. A. - Como é que você obtém informação sobre o que está acontecendo
na empresa e como é que você controla as coisas?
Helena Torres - Tem um ditado que diz: o olho do dono é que engorda o
gado. Só que esse ditado serve apenas para empresas de pequeno porte.
Não acontece nada na empresa que a gente não toma conhecimento.
Fazemos uma reunião semanal com todos, às sextas-feiras, para avaliar
como foi a semana. Todos tomam conhecimento como está indo o negócio.
Inclusive as dificuldades. Dedicamos um tempo especial para reclamações
e sugestões dos clientes. Outro grande controle é a contabilidade,
principalmente os relatórios que recebemos. Nosso contador é excelente.
Ele não se limita à rotina contábil. Seus relatórios são muito
esclarecedores.
J. A. - Qual o percentual de solução representado pela tecnologia do
produto? Ou seja, a tecnologia do produto representa qual percentagem
do sucesso da sua empresa?
Helena Torres - Se você der uma mesma receita para dez pessoas
fazerem um prato, ao final você terá 10 pratos diferentes. Nesse sentido,
eu entendo que a tecnologia é fundamental em meu negócio. Pois o
nosso modo de preparo é único. E para preservar essa tecnologia temos
que estar atentos aos padrões. A batata frita tem que estar sempre
sequinha, crocante e com o sabor agradável. Mas, para isso tem uma
técnica precisa e que não pode ter variações, porque a expectativa de
nossos clientes não muda. E, se muda, muda para exigir mais. Nunca
menos.
Juarez Duarte Bomfim
157Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
J. A. - Quantas horas você trabalha por dia? Sábado e domingo?
Helena Torres - Como só servimos o almoço, trabalho, em média, 10
horas por dia. Meus clientes não demandam nos finais de semana. Por
isso, nos sábados e domingos, além de lazer e descanso, eu me dedico
ao planejamento da semana seguinte.
J. A. - Você tira férias?
Helena Torres - Férias? O que é isso? Como antes eu era apenas dona-
de-casa, nunca tirei férias. Agora sou dona-de-casa e empresária e
continuo a não tirar férias. Mas não acho isso normal, considero uma
deficiência. Preciso corrigir isso.
J. A. - Você pensa em se aposentar?
Helena Torres - A idéia de botar um pijama, ficar lendo em casa ou
dando milho aos pombos na praça não me atrai. Gosto de estar produzindo
e de ser útil sempre.
J. A. - Qual a importância que você dá às relações internas e externas
na empresa?
Helena Torres - As relações são um meio de ligação entre o sonho e sua
realização. É através de contatos e uma boa rede de relacionamentos
que se chega a novos clientes, a novos fornecedores, a novas tecnologias.
Enfim, é através dos relacionamentos que você fica conhecido, que tem
acesso a pessoas importantes para o seu negócio e que fazem as coisas
acontecerem.
J. A. - E para você, qual a importância das relações externas? Quais
contatos são mais importantes: fornecedores, clientes, pessoas
influentes?
158 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Helena Torres - Os clientes, garantia de nossa sobrevivência, podem se
tornar nossos vendedores mais eficientes, na medida em que estiverem
satisfeitos. E quando estão encantados com o atendimento que recebem,
vendem sua marca e seus produtos de maneira muito mais entusiasmada
e convincente. Os fornecedores são importantes, mas de alguma maneira
a gente está no controle. Eles é que tem que nos manter satisfeitos. Já
os nossos clientes são os nossos reis, a quem devemos reverenciar e
encantar sempre.
J. A. - Como você faz para que as pessoas realizem os seus sonhos?
Helena Torres - O ideal seria perguntar para elas, mas acho que é o
entusiasmo, o brilho nos olhos e o acreditar sempre. Ser positiva e otimista
todos os dias. E você mostra que é verdadeiramente otimista e positivista
quando as coisas não vão bem. Quando o cenário está ruim, quando as
possibilidades de dar errado são maiores na visão dos outros. Acreditar
mais no sucesso que no fracasso, procurar ver o lado bom das coisas,
acreditar na capacidade das pessoas, procurar mais os acertos do que os
erros. Elogiar os acertos e tolerar erros. Evitar ficar criticando previamente
qualquer idéia, negando a possibilidade de sucesso. Tem pessoas que você
convida para um piquenique e elas logo lembram das formigas. Então
convida para ir a praia, aí levantam a possibilidade de chuva. Da mesma
forma dizem, em uma reunião de trabalho, que a estratégia não vai dar
certo, que o produto na terá aceitação do mercado ou que a idéia já foi
tentada antes. São pessoas negadoras, que tem a cultura do não. O
negativismo e o criticismo são doenças comportamentais que podem matar
uma empresa, um projeto. Acreditar firmemente que hoje será melhor
que ontem e que amanhã será melhor ainda. Este é meu mantra. Tanto o
negativismo como o positivismo são contagiosos. Fuja das pessoas
negativistas e espalhe otimismo por onde passar.
159Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
J. A. - Como você descreveria a si próprio como líder na sua companhia?
Helena Torres - Sou uma pessoa entusiasta, otimista, procuro ser
coerente e ética. Sou rigorosa no cumprimento de meus compromissos
e procuro ter um relacionamento sem barreiras com meus colegas de
trabalho. Faço questão de elogiar sempre que há superação. E também
comemoramos todas as nossas vitórias. As grandes e as pequenas.
J. A. - Você poderia explicar como a sua equipe se desenvolveu?
Helena Torres - No principio comecei sozinha. Depois meus dois filhos
começaram a me ajudar. Depois que estávamos vendendo quase 100
refeições/dia procuramos uma casa para instalar a cozinha industrial.
Contratei cozinheiras e ajudantes que já conhecia seu trabalho e que
tinha confiança.
J. A. - Quais métodos você desenvolveu para encorajar as pessoais a
serem mais criativas?
Helena Torres - Quem trabalha em negócio de alimentação está sempre
a procura de inovações, principalmente no cardápio. Como estímulo,
todo mês a gente faz um concurso. Cada ajudante e cozinheira são
desafiadas a preparar uma receita nova. Convidamos um grupo de
clientes para almoçar na cozinha. Neste almoço há uma experimentação
das receitas. O prato mais elogiado ganha um prêmio e passa a ser
servido no mês seguinte com o nome da criadora. A gente notou que o
fato de fazer parte do cardápio no mês seguinte, dando nome ao prato,
é que dá mais realização e alegria ao funcionário do que o prêmio.
Temos tido surpresas maravilhosas.
160 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
J. A. - O que você diria que é diferente na maneira como você comanda
seus negócios?
Helena Torres - Em duas palavras: objetividade e simplicidade.
J. A. - Para onde você direciona seus esforços ao comandar a empresa?
Helena Torres - Para a cozinha, que é a área mais sensível de meu
negócio. Higiene, limpeza, sabor e saúde. Hoje as pessoas estão
preocupadas com obesidade, colesterol etc. A comida tem que, antes de
tudo, ser saudável.
J. A. - Você vê as coisas de forma diferente, mudou seu estilo de
gerenciamento, desde que fundou sua empresa?
Helena Torres - Sou mais cuidadosa com o controle de custos e com o
capital de giro. Certa vez ouvi no Sebrae que o capital de giro é o oxigênio
da empresa. Não há expressão mais certa. Quando você não tem capital
de giro, toma empréstimo no banco. Aí precisa de mais capital de giro
para pagar os juros do banco, entrando em uma espiral de endividamento
rumo à insolvência e a falência.
J. A. - O que lhe dá mais satisfação ao comandar uma empresa?
Helena Torres - Ver a satisfação dos meus clientes quando nos elogiam
e ver a alegria dos meus empregados quando temos uma vitória.
J. A. - O que você pensa sobre o poder como um instrumento de comando?
Helena Torres - Quando você precisa de poder para comandar então
você não tem o verdadeiro poder. Outro dia li um livro que tinha a seguinte
frase atribuída a Margarett Tatcher: “Ser líder é como ser uma dama, se
você precisa dizer que é, então você não é”.
161Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
J. A. - O que você acha do erro? Como trata os colaboradores que erram?
A sua empresa erra muito?
Helena Torres - Como eu já disse o erro é uma oportunidade de
aprendizado e crescimento. E o melhor dos erros é quando você erra
porque foi ousado e corajoso. Significa que não é conformado com a
mesmice. Nesse sentido, sou tolerante com os erros. Mas isso não
significa empurrá-los para baixo do tapete e fingir que não foi percebido.
Com relação à pergunta se minha empresa erra muito, a resposta é não.
As que erram muito estão na estatística de mortalidade de empresas do
IBGE.
J. A. - O que é que lhe dá mais prazer no processo de empreender? O
que é que a torna criativa?
Helena Torres - É lidar com pessoas tanto interna quanto externamente.
O que me torna mais criativa é estar de bem com a vida, com as pessoas
e comigo mesma.
J. A. - O quanto você diria que a imaginação é importante para o sucesso?
Helena Torres - No meu ramo de negócio a criatividade e imaginação
são fundamentais. Sou daqueles que um bom prato é sempre uma obra
criativa, mesmo para uma pequena cozinha industrial como a minha.
J. A. - O que é intuição para você? Qual a importância da intuição para
o seu negócio?
Helena Torres - Intuição para mim é decidir sem nenhum dado, evidência
ou tendência consistente, mas no íntimo você se sente segura para
seguir um caminho. Prefiro mais a razão à intuição.
162 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista IndependênciaJuarez Duarte Bomfim
J. A. - Como você lida com a incerteza, ambigüidade?
Helena Torres - Com certeza não sou conservadora com relação a riscos.
Empresariar é a arte de correr riscos e gerenciar as incertezas. Quando
você abre uma loja todas as manhãs, nada garante que entrarão clientes,
muito menos que comprarão. No entanto, você abre a loja todos os
dias. É exatamente o risco de não vender que faz com que muitas pessoas
não abram lojas. Vendo desta forma, o risco na realidade se converte
em oportunidade. Quem vê o risco apenas como uma ameaça, certamente
não é empresário.
J. A. - Qual o fator mais importante para o sucesso de sua empresa?
Helena Torres - São alguns valores e princípios que cultivamos. Temos
atenção permanente com a qualidade, estamos sempre buscando
informações do mercado, temos um clima de trabalho muito favorável.
Mas o principal fator é a cultura muito forte de valorização de nossos
clientes.
J. A. - Quais são as principais potencialidades e fraquezas de sua
empresa?
Helena Torres - Vou começar por nossas fraquezas. Nós não temos escala
para competir com as grandes cozinhas. Outra fragilidade é a carência
de capital para investimentos. Com a taxa de juros que está aí não vale
a pena buscar recursos nos bancos. Além disso, não ha muito recurso
para investimento. Há mais para capital de giro. Preferimos crescer
devagar, mas com segurança. Por isso chegamos até recusar clientes de
médio e grande porte. Nossa força é nossa equipe de trabalho, o
diferencial de nosso produto é a imagem que temos junto aos nossos
clientes. Nosso lema: se não podemos ser os maiores, seremos os
melhores.
163Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista IndependênciaJuarez Duarte Bomfim
J. A. - Quais critérios você utiliza na seleção de pessoal?
Helena Torres - O principal é conhecer as pessoas que você escolherá
para fazer parte desta família. Só contrato pessoas conhecidas. É lógico
que isso é possível porque somos uma equipe pequena.
J. A. - Fale de seu sistema de gestão. Ele é baseado em alguma ideologia?
Helena Torres - Nas decisões importantes a gente procura envolver todos.
Decisões que exijam mais agilidade, decidimos eu e meu filho. No final
das contas gerenciar é fazer escolhas e decidir. Quanto mais você decidir
certo, melhor você gerencia. Não há um sistema formal propriamente
dito. Mas com certeza, há um jeito de gerir que é só nosso, que decorre
de nossos valores e princípios e está nas nossas condutas e
comportamento gerenciais.
J. A. - Você tem descrição escrita dos trabalhos e políticas da empresa?
Helena Torres - Embora cada um saiba muito claramente o quer tem
que fazer, não temos isso escrito no papel. Mas temos na consciência de
cada um e de todos e isso é checado diariamente pelas nossas ações.
Pois quando você deixa de fazer algo sempre alguém te lembra.
J. A. - Você estabelece metas?
Helena Torres - Nas nossas reunião gerais fixamos nossas metas de
comum acordo com todos. Além de fixarmos metas de produção, vendas
e de custos, fixamos principalmente metas de satisfação de nossos
clientes.
J. A. - Qual é a posição de mercado de seus produtos/serviços?
Helena Torres - Nosso produto é diferenciado em relação à concorrência,
164 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
principalmente pela variedade, qualidade e sabor. Se entendermos que
o atendimento faz parte do produto, então temos um diferencial. Nós
vendemos 1.200 refeições/dia, nossos concorrentes produzem em média
12.000. Há quem atinja a faixa de 30.000. O fato de ter uma escala
menor nos permite ter maior controle de todo o processo, agregar valores
e diferenciais competitivos e cobrar por isso, fixando um preço um pouco
maior para os nossos produtos. Só faz sentido agregar valor ao produto
se os clientes estiverem dispostos a pagar por eles. A aceitação de nossos
produtos tem sido tão boa que a nossa demanda tem crescido além de
nossa capacidade de crescer. Nossa evasão de clientes tem sido quase
nula. Temos sempre agregado novos clientes.
J. A. - Quais argumentos você utiliza para persuadir os seus clientes a
comprar seus produtos?
Helena Torres - Em cinco palavras: ética, higiene, limpeza, saúde e
sabor.
J. A. - O que você diria a alguém que está pensando em iniciar um
negócio?
Helena Torres – Tudo começa com um sonho. Depois do sonho vem a
informação: conheça profundamente o ramo e o negócio que você vai
operar. Busque o máximo de informação sobre o público alvo,
concorrência, fornecedores, legislação e o melhor ponto de venda. Visite
vários negócios em funcionamento e procure identificar que diferenciais
vai acrescentar à sua oferta. Só informação não basta, também é
necessário emoção. Você precisa gostar ou ter paixão pelo que pretende
fazer. Uma pessoa apaixonada pelo que faz não conhece limites ou
barreiras. E ser empreendedor é superar obstáculos e gerenciar a
165Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
escassez. É preciso sonhar, sonhar grande para o futuro, mas na hora de
realizar no presente procure evitar a megalomania. O ideal é começar
pequeno para poder ter uma margem para corrigir os rumos, pois cada
desvio de rota tem um custo. Todo início de negócio, por mais estudado
e pensado que seja, é um experimento de alto risco. A máxima “não
devemos colocar todos os ovos em uma única cesta”, é valida e útil para
todo empreendedor. Conheço muita dona de loja de confecções que foram
sacoleira antes. Enquanto vendiam para as amigas e de porta-em-porta,
estavam testando e conhecendo o mercado. Também é fundamental
cultivar a humildade e ser um eterno aprendiz, mantendo acesa a chama
da curiosidade e da busca incessante pelo conhecimento. Por fim, é
preciso ter um objetivo claro, manter o foco no negócio e ser otimista,
positivista e acreditar no sucesso sempre. Quando mentalizamos
intensamente o sucesso em nossa consciência, significa que ele já
começou a existir. Essa é a base onde se assentam todas as vitórias.
J. A. - Há algo mais que você gostaria de dizer que nós não abordamos?
Helena Torres - Deus e a família são o canteiro onde florescem todas as
nossas conquistas. Ninguém, absolutamente ninguém, vence só.
Conclusão
Percebemos que na fala dos empreendedores, como da senhora
Helena Torres, são encontradas as características gerais do indivíduo
que além de ter o perfil de empreendedor, na sua história de vida
demonstra essa vocação, com o seu exemplo prático. Comuns aos
empreendedores são as características de ter gosto pelo desafio, ousadia,
coragem para enfrentar riscos, ter prazer no trabalho, capacidade
166 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
gerencial, determinação, visão de futuro, visão global, talento no
relacionamento com pessoas, habilidade com as comunicações,
responsabilidade, persistência e muitos outros aspectos que podemos
enumerar.
O que então podemos encontrar de original, peculiar e único nos
depoimentos como este que acabamos de apresentar?
No que pese de semelhante nas respostas, em conseqüência da
metodologia utilizada (entrevista estruturada), o que encontramos de
típico, especial e exclusivo do depoente é a singularidade da sua própria
história de vida, onde nos são transmitidas lições como: que sistema de
gestão utiliza, processo de seleção e recrutamento, política de recursos
humanos, captação de recursos, parcerias... e tudo o que foi narrado ao
longo do texto.
Chama a atenção também, em um exercício acadêmico como este,
e isto é reconhecido pelos estudantes que desenvolvem tal atividade,
que este é o momento de (no jargão deles) comparar a “teoria” com a
“prática”, isto é, cotejar os paradigmas administrativos aprendidos no
decorrer do curso com as atividades reais de gestão.
Portanto, “dicas”, análise de conjuntura, como aproveitar as
oportunidades, como lidar com o fracasso... se tornam conselhos úteis
a todos aqueles que aspiram à condição de empreendedor ou desejam
se manter no seu negócio.
E o que verificamos de mais singular em uma conversação como
esta, é a capacidade inovadora e a criatividade do empreendedor, já
apontadas por Schumpeter na primeira metade do século anterior, e que
permanece atual até os dias de hoje.
167Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Referências bibliográficas:
ALBAGLI NETO, Isaac. A revolução do espírito empreendedor. O capital
de risco na pequena empresa. Salvador: Bureau Gráfica e Editora, 1998.
AQUINO, Cleber. História empresarial vivida. Depoimentos de
empresários brasileiros bem sucedidos. Volume V. São Paulo: Atlas, 1991.
DOLABELA, Fernando. O segredo de Luíza. 14ª ed. São Paulo: Cultura
Editores Associados, 1999.
DORNELAS, José Carlos Assis. Empreendedorismo. Transformando idéias
em negócios. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
Notas:
1 ALBAGLI NETO, Isaac. A revolução do espírito empreendedor. O capital de risco napequena empresa. Salvador: Bureau Gráfica e Editora, 1998, p.13.2 DOLABELA, Fernando. O segredo de Luíza. 14ª ed. São Paulo: Cultura EditoresAssociados, 1999, p. 37.3 DORNELAS, José Carlos Assis. Empreendedorismo. Transformando idéias emnegócios. Rio de Janeiro: Campus, 2001, p. 27.4 ALBAGLI NETO, 1988, p. 21-22; DOLABELA, 1999, passim.5 ALBAGLI NETO, 1988, p. 19.6 AQUINO, Cleber. História empresarial vivida. Depoimentos de empresáriosbrasileiros bem sucedidos. Volume V. São Paulo: Atlas, 1991, p. 20-21.7 Idem, p.22.8 Id, ibid, p.22.9 DOLABELA, 1999, p. 37.10 AQUINO, op cit, p. 16-17.11 Uma referência dada pelo professor para elaboração do roteiro de entrevistaencontra-se em DOLABELA, Fernando. Op cit, p. 87-89.
168 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
169Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
A REVISTA INDEPENDÊNCIA é uma publicação da FACULDADE 2 DE
JULHO, indexada no ISSN, que tem como missão fomentar a produção e
a disseminação do conhecimento das Humanidades.
O público-alvo da REVISTA INDEPENDÊNCIA é composto por
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ENCAMINHAMENTO DE ARTIGOS
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170 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Texto: a primeira página do artigo deve conter:
Título, com, no máximo, oito palavras, em maiúsculas e negrito.
Resumo em português, com cerca de 150 palavras, alinhamento à
esquerda, contendo campo de estudo, objetivo, método, resultado e
conclusões.
Cinco palavras-chave, alinhamento à esquerda, em português.
Resumo em inglês e/ou espanhol, com cerca de 150 palavras,
alinhamento à esquerda, contendo campo de estudo, objetivo, método,
resultado e conclusões.
Cinco palavras-chave, alinhamento à esquerda, em inglês e/ou
Espanhol.
Em seguida, deve ser iniciado o texto do artigo.
Referências: devem ser citadas no corpo do texto com indicação
do sobrenome, ano e página de publicação. As referências bibliográficas
completas deverão ser apresentadas em ordem alfabética no final do
texto, de acordo com as normas da ABNT (NBR-6023).
Notas: devem ser reduzidas ao mínimo necessário e apresentadas
ao final do texto, numeradas seqüencialmente, antes das referências
bibliográficas.
Diagramas, quadros e tabelas: devem apresentar título e fonte
e ser colocados ao final do texto, após as referências. Sua posição deve
ser indicada no próprio texto e também deve constar referência a eles
no corpo do artigo. Deve-se evitar que repitam informações contidas no
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Informações complementares: em separado, o autor deverá enviar:
Página 1: título do artigo; seguido da identificação do(s) autor(es)
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171Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
Página 2: resumo indicando a contribuição do texto com cerca de
30 palavras.
Os artigos podem ser enviados em português, inglês ou espanhol.
Excepcionalmente, a critério do editor, serão aceitos artigos em outras
línguas.
Os artigos são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es).
AVALIAÇÃO
O processo de avaliação da REVISTA INDEPENDÊNCIA consta de
duas etapas:
· primeiro, uma avaliação preliminar pelo editor, que examina
a adequação do trabalho à linha editorial da revista;
· segundo, revisão técnica pelo conselho editorial.
Os autores serão comunicados dos passos do processo por e-mail.
Os avaliadores da REVISTA INDEPENDÊNCIA devem apresentar, quando
necessário, além do parecer quanto à publicação, sugestões de melhoria
quanto ao conteúdo e à forma, inclusive aos artigos não aceitos.
RESENHAS
A seção de resenhas tem como objetivo apresentar aos leitores
os lançamentos nos campos da Administração, Comunicação Social e
Direito, contribuindo, assim, para a disseminação dos referidos
conhecimentos.
As obras escolhidas para preparação das resenhas devem ser
recentes e apresentar conteúdo inovador e consistente, de interesse
para o público da REVISTA – INDEPENDÊNCIA.
As resenhas devem conter, no máximo, cinco páginas e podem
ser enviadas em dois formatos: Resenhas de um livro, analisando um
lançamento, nacional ou estrangeiro, e resenhas múltiplas, analisando
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172 Ano 1, n. 1, Fevereiro de 2007 Revista Independência
duas a cinco obras, com as mesmas características de formatação dos
artigos.
Os arquivos devem ser encaminhados para a Editoria da REVISTA
INDEPENDÊNCIA, através do e-mail: [email protected].
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