24
1

Revista A República 3ª Edição

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Publicação da Associação Nacional dos Procuradores da República

Citation preview

Page 1: Revista A República 3ª Edição

1

Page 2: Revista A República 3ª Edição

2

Page 3: Revista A República 3ª Edição

3

Em nome dos mais de 1.000 procuradores da República, a ANPR traz nesta edição uma homenagem àquele que se tornou um mártir do combate à corrupção dentro do Ministério Público Federal: Pedro Jorge de Melo e Silva. A reportagem de capa mostra um pouco daquilo que foi

conviver - seja no âmbito familiar ou no profissional - com o jovem procurador da República que, aos 35 anos de idade, foi assassinado à queima-roupa por investigar o esquema de corrupção conhecido como o “Escândalo da Mandioca”.

É lamentável que tenhamos um mártir, mas se o temos, é preciso que façamos jus à sua memória, coragem e destemor. Neste mês, com-pletamos 30 anos sem Pedro Jorge com a certeza de que o exemplo de vida que ele deixou permanecerá sempre como um norte, uma ins-piração na luta cotidiana dos membros do MPF contra organizações criminosas e agentes públicos corruptos.

Em entrevista exclusiva, a subprocuradora-geral da República Raquel Dodge apresenta uma nova sistemática de controle externo da atividade policial, que está sendo adotada em todas as procura-dorias. Coordenadora da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, ela explica a importância da atribuição e faz uma análise das proposi-ções em tramitação no Congresso Nacional que pretendem estender as garantias dos membros do Ministério Público (MP) aos policiais e delegados.

Ainda no domínio criminal, esta edição aborda o Projeto de Lei 3.443/08, que pode auxiliar no combate à lavagem de dinheiro. Em tramitação na Câmara dos Deputados, o PL é de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB/SE) e prevê que qualquer ilícito penal seja considerado crime antecedente. Na visão dos procuradores da Re-pública, tal mudança significa um considerável avanço na legislação.

No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a revista buscou, ainda, lançar luz sobre a recente mudança de entendi-mento da Lei Maria da Penha, que permitiu a intervenção do Ministé-rio Público no combate à violência doméstica, mesmo nos casos em que a vítima não presta queixa. Decisão do Supremo Tribunal Federal permite, agora, que o Estado garanta a proteção das mulheres mesmo no ambiente familiar. A conquista decorreu de Ação Direta de Incons-titucionalidade proposta pela Procuradoria Geral da República e re-presenta uma mudança de perspectiva sociológica.

Boa leitura!Alexandre Camanho de Assis

Revista A República

Esta é uma publicação da Associação Nacional dos Procuradores da República

Diretoria Biênio 2011/2013

Presidente

Alexandre Camanho de Assis (PRR1)Vice-Presidente

José Robalinho Cavalcanti (PR/DF)Diretor de Comunicação Social

Alan Rogério Mansur (PR/PA)Diretor para Aposentados

Antônio Carneiro Sobrinho (PRR1-aposentado)Diretora-Secretária

Caroline Maciel (PR/RN)Diretor Financeiro

Gustavo Magno Albuquerque (PR/RJ)Diretor de Assuntos Legislativos

José Ricardo Meirelles (PRR3)Diretora Cultural

Monique Cheker de Souza (PR/PR)Diretor de Assuntos Corporativos

Roberto Thomé (PRR4)Diretor de Assuntos Institucionais

Tranvanvan Feitosa (PR/PI)Diretor de Assuntos Jurídicos

Vladimir Aras (PR/BA)Diretora de Eventos

Zani Cajueiro (PR/MG)

Revista A República

Março de 2012Tiragem: 4.000 exemplaresFoto da capa: Carteira funcional de Pedro Jorge de Melo e SilvaJornalista Responsável

Renata Freitas ChamarelliMTB – 6945/15/172-DFEdição: Renata Freitas ChamarelliTextos:

Ana Carolina Ferreira, Érica Abe e Shirley de MedeirosProjeto Gráfico:

Pedro LinoContato:

SAF Sul Quadra 4 Conjunto C Bloco B Salas 113/114 – Brasília (DF)Cep 70.050-900 Fone: 61 – 3961-9025Fax: 61 – 3201-9023e-mail: [email protected]: @Anpr_BrasilFacebook: ANPRBrasilwww.anpr.org.br

Fala, Presidente!

Page 4: Revista A República 3ª Edição

4

Índice

Curtas30 anos sem Pedro Jorge

Menos Lavagem, mais Brasil

O desastre na Região Serrana e a tutela do patrimônio público

Nossos escritores

Pela garantia de um Estado Democrático

Combate à violência doméstica é reforçado

PEC que unifica polícias é inconstitucional, defende ANPR

5 e 6

10-13

8-9 22

21

14-17

18-20

7

Capa Mobilização

Artigo

Entrevista

Em destaque

Parlamento

ANPR recomenda

Page 5: Revista A República 3ª Edição

5

A ANPR entregou nota téc-nica ao Senado Federal favorável à Proposta de Emenda à Constituição 2/2012 - que trata sobre o restabele-cimento do Adicional por Tempo de Serviço (ATS) como componente da remuneração das magistraturas. O documento foi recebido pelo relator da PEC na Comissão de Constitui-

Dando início este ano à luta pela recomposição salarial, a ANPR retomou o diálogo com o Executivo em reunião com o vice-presidente da República, Michel Temer. Em fe-vereiro, o presidente da Associação, Alexandre Camanho, foi recebido para tratar do reajuste dos subsídios.

Camanho relembrou a Temer o descontentamento das magis-traturas com a defasagem salarial – que já atingiu cerca de 24,5% - e explicou que o pleito da carreira não é por aumento e, sim, pela re-posição das perdas inflacionárias. Disse ainda que, mais do que uma insatisfação setorial, a absoluta au-sência de propostas por parte do Executivo parece caminhar para

Senado: Associação defende Adicional por Tempo de Serviço

Camanho vai a Michel Temer pedir pelo MP

ção, Justiça e Cidadania (CCJ), sena-dor Aloysio Nunes (PSDB/SP).

A Associação argumenta que a PEC objetiva o retorno de uma van-tagem financeira voltada à valoriza-ção do servidor e ao reconhecimen-to da sua qualificação profissional, adquirida pelo tempo de serviço. “A ausência de mecanismos que dife-

um radicalismo dos servidores públicos federais em geral, com reflexos negativos e imprevisíveis para as eleições municipais deste ano e para a consecução das obras dos grandes eventos que ocorre-rão nos próximos anos. “Estados de Direito Democráticos precisam de um Ministério Público forte e reconhecido”, afirmou.

O vice-presidente agradeceu

Curtas

renciem servidores com experiência e capacitação técnica distintas frus-tra todas as expectativas de busca da eficiência pessoal e organizacional, além de desestimular o ingresso e a permanência de profissionais qua-lificados em funções estratégicas do Estado”, ressalta o presidente da ANPR, Alexandre Camanho.

por estas comunicações e reiterou sua vontade de ser o grande inter-locutor das carreiras jurídicas junto à presidente da República, Dilma Rousseff, colocando-se à disposi-ção para um diálogo mais próximo e frequente. “A remuneração do Judiciário e do Ministério Público está na agenda do Governo deste ano, à espera de um cenário econô-mico melhor”, adiantou.

Rom

ério

Cun

ha V

PR

doras serão contempladas com o valor de R$ 50 mil - exceto a catego-ria Tribunal. A Premiação Especial também oferece ao vencedor um intercâmbio para conhecer de perto o sistema judiciário e autoridades da área jurídica de outros países.

A edição deste ano do Prêmio Innovare traz temas escolhidos em virtude da Rio+20 - conferência da ONU que reunirá no Rio de Ja-neiro líderes do mundo todo para discutir meios de desenvolvimen-to sustentável.

Prêmio Innovare: inscrições vão até o dia 31 de maio

O prazo de inscrições termina dia 31 de maio. Os interessados em participar do Prêmio podem se ins-crever nas categorias: Juiz individu-al, Advocacia, Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal e Pre-miação Especial. As práticas vence-

Page 6: Revista A República 3ª Edição

6

ma judiciário do Brasil e será uma honra trabalharmos juntos”, disse.

Secretaria de Direitos Hu-

manos - Em reunião com a mi-nistra Maria do Rosário (Direitos Humanos), o presidente apresentou o projeto da ANPR. Ela elogiou a iniciativa e afirmou que a Secretaria já está trabalhando no combate à ex-ploração sexual nas obras dos está-dios de futebol da Copa do Mundo de 2014. Segundo ela, hoje a Secre-taria também dispõe de programa de conscientização que obteve a adesão de mais de 100 empresas. “Podemos expandir esse programa e abarcar as entidades de classe”, suge-riu a ministra, convidando a ANPR a ser a primeira associação a assinar o termo. Camanho, de imediato, fe-chou a parceria e adiantou que dará prosseguimento ao projeto.

Curtas

A possibilidade concreta de mudar o futuro do país. Para a As-sociação Nacional dos Procurado-res da República, a vitória da Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010) , anunciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é a comprovação de que o Brasil é, de fato, um Estado Democrático de Direito e que um país sem corrupção é possível.

Para o presidente da ANPR, Alexandre Camanho, o Supremo atendeu às demandas da sociedade e demonstrou que o Poder Judi-ciário está largamente em conso-nância com a proposta de um país honesto, que repudia governantes

corruptos e políticos incapazes de gerir o patrimônio público.

“Está na hora de o velho dar lugar ao novo, de os líderes cor-ruptos deixarem o poder e de a sociedade consagrar aqueles que possam escrever uma história dife-rente, baseada em princípios éticos e assumindo, de fato, a responsa-bilidade inerente aos cargos públi-cos”, comemorou Camanho.

Iniciativa Popular - A Lei Complementar nº135/2010, mais conhecida como Lei da Ficha Lim-pa, foi promulgada em 4 de junho de 2010, fruto de um projeto de lei

de iniciativa popular. Após con-siderar que as novas normas não valiam para as Eleições de 2010, o Plenário do Suprema Corte ini-ciou, em novembro do ano passa-do, o julgamento das Ações Diretas de Constitucionalidade 29 e 30, propostas pela Ordem dos Advoga-dos do Brasil (OAB) e pelo Partido Popular Socialista (PPS).

Procuradores da República defendem aplicabilidade imediata da Lei da Ficha Limpa

Div

ulga

ção

Asc

om A

NPR

Os projetos voltados para a responsabilidade social são prio-ritários para a ANPR neste ano. Em função das celebrações do Dia Internacional da Mulher (8 de março), fechou-se parceria com a ONU Mulheres.

A representante da ONU Mulheres no Brasil e Cone Sul, Rebecca Tavares, e o presidente da Associação, Alexandre Camanho, estabeleceram três linhas de frente: o reforço na aplicação e defesa da Lei Maria da Penha, o combate à exploração sexual de menores e a preservação das lideranças femini-

ANPR faz parceria com a ONU Mulheres

nas nas comunidades tradicionais.Segundo Camanho, com a

chegada de grandes eventos – como a Copa do Mundo e as Olimpíadas –, cresce a preocupação em torno da vitimação sexual de menores. Tavares adiantou que irá levar as propostas da ANPR ao conheci-mento da ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleono-ra Menicucci, bem como da Unicef, que já dispõe de programas volta-dos para o combate à exploração sexual de menores. “O Ministério Público Federal representa uma ca-tegoria importante dentro do siste-

Page 7: Revista A República 3ª Edição

7

Em destaque

PEC que unifica polícias é inconstitucional, defende ANPR

Uma afronta à separação de po-deres e à forma federativa do Estado. É assim que a Associa-ção Nacional dos Procuradores da República (ANPR) classifi-

ca a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 102/2011, que tramita no Senado Federal. De autoria do senador Blairo Maggi (PR/MT), a pro-posição prevê a unificação das polícias civil e mi-litar, bem como a criação do Conselho Nacional de Polícia, destinado a exercer o controle externo da atividade policial – atividade atribuída pela Constituição Federal ao Ministério Público.

Em nota técnica entregue em março ao senador Waldemir Moka (PMDB/MS), respon-sável pela relatoria da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a ANPR defende a inconstitucionalidade da PEC, uma vez que o texto mitiga as cláusulas pétreas do princípio da separação dos poderes e da forma federativa do Estado. Além disso, a Associação salienta que “melhorias estruturais do sistema de segurança pública são necessárias, mas isso não deve advir de pleitos fundados em indevidas comparações com outros entes em velada campanha salarial”.  Em relação à criação do Conselho Na-cional de Polícia, a ANPR argumenta que o elemento jurídico essencial para a constituição de um conselho nacional é a independência funcional do ente controlado, que encontra suporte na vitaliciedade e na inamovibilidade dos membros da carreira – prerrogativa exclu-

siva dos membros do Ministério Público e do Judiciário -, e não apenas em mera estabilida-de. “A polícia não tem autonomia funcional, não se moldando, portanto, à forma de controle por meio de Conselho. Supor a criação de uma polícia independente atenta contra o princí-pio da separação dos poderes”, alega o presi-dente da ANPR, Alexandre Camanho. “Além disso, a independência funcional não é com-patível com as instituições armadas”, observa. Outro ponto negativo da proposta, na visão da ANPR, é que ela retira do MP o controle externo da atividade policial. “Essa alteração re-presenta um retrocesso em uma conquista histó-rica, instituída para coibir os abusos praticados pela polícia durante a ditadura militar”, salienta Camanho. Da forma como consta da PEC, “o Conselho Nacional de Polícia teria uma atribui-ção que nem o CNJ nem o CNMP possuem: o controle da atividade-fim. E como ocorre nas en-tidades de controle com tom estritamente corpo-rativo, a atividade investigatória de delegados e agentes não sofreria qualquer controle”, explica. Por fim, a ANPR alerta que a criação des-se Conselho terá impactos negativos no desem-penho profissional dos membros do MP. “Uma investigação mal conduzida prejudicará o traba-lho dos procuradores da República, destinatários das investigações e o titulares privativos da ação penal pública”, finaliza o documento. Acesse o site da ANPR (www.anpr.org.br) e confira a íntegra da nota.

RENATA FREITAS CHAmARELLI

Rod

olfo

Stu

cker

t

Page 8: Revista A República 3ª Edição

8

Ranking divulgado no último mês de março pelos Estados Unidos cita o Brasil na lista dos “Estados de Alto Risco” de cometimento de crime de lavagem de dinheiro proveniente do

tráfico internacional de drogas. De acordo com o Relatório Internacional de Estratégia de Controle de Narcóticos (INCSR, na sigla em inglês), a lava-gem de dinheiro no Brasil é relacionada ao tráfi-co de drogas, à corrupção, ao crime organizado, aos jogos de azar e aos contrabandos em geral. Os principais canais utilizados para branqueamento de capitais, segundo o documento, são bancos, in-vestimento imobiliário, mercado de ativos finan-ceiros, bens de luxo, redes informais de financia-mento e remessas de dinheiro.

Atualmente, no país, a denúncia pelo cri-me de lavagem de dinheiro só é possível se o acusado também cometer um dos oito crimes listados no artigo 1º da Lei 9.613/08: tráfico ilíci-to de substâncias entorpecentes ou drogas afins; terrorismo e seu financiamento; contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destina-do à sua produção; extorsão mediante sequestro; contra a Administração Pública; contra o sistema financeiro nacional; praticado por organização criminosa e por particular contra a administra-ção pública estrangeira.

Com o objetivo de modificar esse cenário, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3.443/08, de autoria do senador Antônio Car-los Valadares (PSB/SE). Já aprovada pelo Senado em 2008, a proposição prevê que qualquer ilícito penal seja considerado crime antecedente, e não apenas aqueles citados pela Lei 9.613/08. Para o diretor de Assuntos Jurídicos da ANPR, procura-dor da República Vladimir Aras (PR/BA), esse é o principal avanço do projeto.

O coordenador do Grupo de Trabalho em Lavagem de Dinheiro e Crimes Financeiros do Ministério Público Federal, procurador da Re-pública Rodrigo de Grandis (PR/SP), concorda. “Isso coloca o Brasil ao lado dos países mais avançados em relação ao tema”, complementa. Ele explica que hoje há muitos casos em que o antecedente é a sonegação e não se pode denun-ciar por lavagem. “A lei vem estabelecer uma situ-ação muito peculiar do Brasil, que é em relação ao jogo do bicho”, aposta.

Já o presidente do Conselho de Controle da Atividade Financeira (Coaf ), Antonio Gusta-vo Rodrigues, acredita que a principal mudança é o aumento dos setores obrigados a comuni-car operações suspeitas ao órgão. “Hoje em dia, existem alguns setores que não estão obrigados – como os cartórios -, e esse projeto inclui vários setores novos, como leilão de gado, intermedia-ção de artista, atletas, auditoria e contabilida-de”, exemplifica.

mais mudanças

O texto, contudo, ainda precisa de ajustes. Na opinião de Aras, o projeto é tímido quando trata da delação premiada. “Achávamos que o tex-to iria avançar nesse sentido, mas não foi isso que ocorreu”, observa. Para ele, o PL também merece reparos quando trata das penas. Isso porque em

Menos Lavagem, mais BrasilProjeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados prevê avanços na tipificação do crime da lavagem de dinheiro, ampliando as chances de denúncia.éRICA ABE

Parlamento

Presidente do Conselho de Controle da Atividade Financeira (Coaf), Antonio Gustavo Rodrigues

Asc

om A

NPR

Page 9: Revista A República 3ª Edição

9

casos em que o crime antecedente é considerado leve, a pena por lavagem é maior do que a do cri-me anterior. Ele defende que o réu não poderia ser punido com mais severidade pelo crime de la-vagem do que pelo antecedente. “Senão, deixa de ser uma lei proporcional, equilibrada e que pode gerar uma injustiça,” explicou Aras.

O vice-presidente da ANPR, procurador da República José Robalinho Cavalcanti (PR/DF), aponta o financiamento do terrorismo como uma lacuna na lei. “Se nem o crime de terrorismo está tipicado, que dirá o do financiamento”, la-menta. Ele explica que o projeto trazia, original-mente, um artigo que tratava dessa questão, que foi retirado ao longo da tramitação. “É verdade que era mal escrito e não daria a efetividade ne-cessária, mas pelo menos mostrava a vontade po-lítica”, pondera Robalinho.

Eficácia e aprovação

A expectativa é de que o projeto seja aprova-do em breve pelo Congresso Nacional, onde tra-mita desde 2003. Robalinho, por exemplo, acredi-ta que a proposição será votada ainda neste ano. “O governo, especialmente o da presidente Dilma Rousseff, está se mostrando disposto a aprovar o PL ainda neste primeiro semestre”, analisa.

De Grandis, por sua vez, observa que mesmo que seja aprovada em breve, a lei de lavagem só será aplicável, eficaz e terá frutos importantes se o Brasil aprovar a lei de crime organizado. “São duas leis que devem ser aprovadas juntas”, avaliou.

A questão da punibilidade é apontada pelo presidente do Coaf como um dos principais de-safios do país, após a aprovação da lei. “Inclusive o próprio Grupo de Ação Financeira (Gafi) [enti-dade internacional que analisa as ações relacio-nadas ao tema] identificou isso como um pro-blema estrutural brasileiro”, ressalta Rodrigues. Segundo ele, o projeto vai trazer novas ferramen-tas e eliminar alguns problemas, mas a questão que continuará a ser enfrentada é da eficácia, da punibilidade de fato.

mP no Coaf

Em outubro de 2011, a ANPR entregou nota técnica defendendo a manutenção do artigo 16 do projeto original, que prevê a inclusão de mem-bros do Ministério Público no Coaf. Aras explica

que, como o MP é destinatário de todas as ações do Coaf, seria fundamental que a instituição tam-bém participasse do debate, nos moldes do que já acontece com o Conselho Administrativo de De-fesa Econômica (Cade). “No Cade, o MP não tem voto, mas participa dos debates como observador, o que é muito importante”, explica.

O presidente do Coaf é contra a previsão. “Acho que é um mal entendido e que pode ser prejudicial”. Segundo ele, achar que ser parte do conselho vai afetar o processamento dos re-latórios de inteligência é um equivoco porque o Conselho não se envolve nisso. “Tenho enormes dúvidas da eficácia disso. A gente têm sistemas tão eficientes no relacionamento com o MP, que a resposta é imediata aos questionamentos feitos pelo órgão”, argumenta.

Para o diretor de Assuntos Jurídicos da ANPR, Vladimir Aras, o projeto é um avanço para o Brasil

O vice-presidente da ANPR, José Robalinho, acredita na aprovação do PL ainda em 2012

Asc

om A

NPR

Asc

om A

NPR

9

Page 10: Revista A República 3ª Edição

10

30 anos sem Pedro JorgeA história do procurador da República assassinado por sua atuação inspira membros do MPF e é considerada um marco para a instituição

Capa

No dia 3 de março completaram-se 30 anos do assas-sinato do procura-dor da República

Pedro Jorge de Melo e Silva. O membro foi morto em 1982 com seis tiros – três à queima-roupa - quando saia de uma padaria perto de sua casa, em Olinda (PE). Alago-ano e ex-seminarista do Mosteiro de São Bento (PE), Pedro Jorge fa-leceu aos 35 anos, deixando duas filhas - Roberta e Marisa, com qua-tro e três anos, respectivamente - e viúva a bancária Maria das Graças Viegas e Silva.

Na época, Pedro Jorge atua-va no esquema de corrupção que ficou conhecido como o “Escânda-lo da Mandioca” (confira o box) e sua morte causou grande comoção nacional, além de um clima de in-segurança entre os magistrados. O assassinato deixou o Ministério Público Federal órfão da atuação de um procurador que, segundo quem o conheceu, teria uma car-reia brilhante pela frente.

A procuradora federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), Gil-da Pereira de Carvalho, quando recém-formada, estagiou no escri-tório de advocacia de Pedro Jorge

O “Escândalo da Mandioca”

SHIRLEy DE mEDEIROS

O caso conhecido como “Escândalo da Mandioca” desviou cerca de 1,5 bilhão de cruzeiros - quase 20 milhões de reais - dos cofres públicos e ocorreu entre 1979 e 1981, no município de Floresta (PE), localizado a 434 quilômetros de Recife. O esquema teve início na concessão de empréstimos - por meio do crédito rural - na agência do Banco do Bra-sil da cidade, com o pretexto de financiar o plantio de mandioca na região. Pessoas humildes eram levadas a assinar formulários falsificados e muitos dos financiamentos eram solicitados em nome delas ou de pessoas mortas, tudo com a coordenação do gerente da agência, Edmilson Soares Lins, e do fazendeiro Antônio Oliveira da Silva.

Posteriormente, sob a alegação de que a seca destruíra os plantios - que, efetivamente, nunca existiram -, eram feitos os pedidos de indenização, cobertos pelo seguro agrícola do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro). Com base no valor dos empréstimos obtidos, cerca de 140 mil hectares de mandioca teriam sido plantados, o que equivaleria a 80% de toda a produção pernambucana na época. O crime poderia ter passado despercebido se não fosse o fato de ter chovido muito em 1981, o que levou o gerente a cobrar de uma só vez grande parte dos seguros agrícolas.

Várias pessoas eram beneficiadas com o esquema: políticos, fazendeiros, bancários, servidores e militares. O procurador da República Pedro Jorge de Melo e Silva formalizou denúncia contra 25 envolvidos nas fraudes, passan-do a ser alvo de pressões e ameaças, o que resultou em seu assassinato.

Arq

uivo

Pes

soal

Page 11: Revista A República 3ª Edição

11

e guarda na memória a importân-cia da experiência que adquiriu. “Ele era destemido, chamava aten-ção pela vasta cultura que possuía. Por ter sido seminarista, sabia gre-go, latim, filosofia e tinha estuda-do profundamente o Humanismo. Fui contagiada por seu entusias-mo pelo trabalho do MPF, institui-ção que ele amava”, lembra.

Carvalho conta que, por terem filhos na mesma faixa etá-ria, suas famílias ficaram próximas. “Além de ser um pai dedicado, a his-tória de amor entre Graça (esposa) e ele era linda. Pedro largou o semi-nário por causa dela”, recorda. Na opinião da PFDC, ele sabia da gra-vidade do caso, pois estava lutando contra gente influente e poderosa. “Pedro Jorge sempre ressaltou a im-portância de ser um procurador da República. Ele jamais iria esmore-cer em sua função”, defende.

A filha mais velha do procura-dor, Roberta Viegas de Melo e Silva, concorda com Carvalho. “Sempre ouvi dizer que meu pai ia lá e fazia. Ele era muito íntegro e, por ter sido criado para ser padre, acredito que tinha uma certa inocência, uma vi-

são romântica do Direito”, conta. Quando ocorreu o assassinato, Ro-berta tinha apenas quatro anos e tudo o que sabe hoje sobre Pedro Jorge lhe foi dito por outras pessoas. “Meu pai para mim é feito de reta-lhos. A única vez que lembro de ter escutado sua risada foi em uma gra-vação, e muito rápido”, revela.

A morte do procurador privou as filhas de seu convívio; po-rém, nenhuma gosta da imagem de

vítima e escolheram também o Di-reito como área de atuação. “Não dá para voltar atrás e a vida vai toman-do seu rumo. Agora que tenho um filho tento transmitir os valores do avô para ele, mas é difícil não pen-sar em como seria a relação dos dois se ele estivesse vivo” desabafa, com olhos marejados de lágrimas.

Segundo ela, a mãe tentou dar às filhas uma infância normal, poupando as crianças do assédio

Roberta Viegas de Melo e Silva, filha mais velha do procurador Pedro Jorge

“Fui contagiada por seu entusiasmo pelo trabalho do MPF” diz a procuradora Gilda Carvalho

“Esta carta se apresenta como um beijo que que lhe dou

na fronte (...) como um passar a mão sobre sua cabeça na

carícia maternal porque enfrentou um “leão” (...) nesta sala

continue a dar despachos que despertem o respeito que você

merece e que honram seu nome (...) os bons não devem parar

para não sobressair a audácia dos maus (...)”

Trechos da carta enviada a Pedro Jorge por sua mãe, Heloísa de Melo e Silva, em meio às tensões devido a sua atuação no MPF

Asc

om A

NPR

Asc

om A

NPR

Arq

uivo

Pes

soal

Page 12: Revista A República 3ª Edição

12

nambuco Maria Lúcia Cavalcanti de Carvalho.

marco para o ministério

Público Federal – O procurador--geral da República, Roberto Gur-gel, considera o episódio da morte de Pedro Jorge um marco funda-mental na história e no destino da instituição. Gurgel ingressou no MPF poucos meses após o assas-sinato - quando o caso ainda era recente - e participou da reação da classe, perplexa, perante a tragé-dia. Segundo ele, atualmente, as iniciativas do procurador assassi-nado podem parecer comuns ao cargo, devido às prerrogativas já conquistadas pela carreira. “Po-rém, naquele contexto, o que Pe-dro Jorge fez era extremamente difícil, exigia uma coragem imen-sa, um destemor, uma dedicação à coisa pública absolutamente notá-vel”, declara.

A classe respondeu per-manecendo unida e pressionando as autoridades para a prisão dos culpados. O então presidente da Associação Nacional dos Procura-

dores da República (ANPR) – hoje, subprocurador-geral da República -, Henrique Fagundes Filho, viajava o país buscando o apoio da carreira no enfrentamento político do caso e em sua elucidação. Entre outras ações, a ANPR emitia notas, falava com a imprensa e acompanhava, junto com diversos procuradores, os julgamentos. “A opinião pública acordou para o trabalho do MPF e era uniforme entre os membros a ideia de que a carreira precisava ser fortalecida”, conta Fagundes.

Para ele, a conduta do pro-curador assassinado refletia a nova mentalidade que pulsava dentro do MP. “Antes da denúncia, Pedro Jorge chegou a me ligar. Disse que estava investigando um grande desfalque no Banco do Brasil e que alguns colegas tinham receio do que poderia acontecer se ele pros-seguisse”, recorda. Mesmo assim, o procurador foi em frente. “Ele fazia parte da nova geração de procura-dores da República: concursados, que não tinham compromisso com indicações políticas, mas, sim, uma inconformidade com os abusos”, relata. Passados 30 anos e às véspe-ras de se aposentar, o subprocura-dor-geral desabafa: “parece que a nossa luta contra a corrupção e a impunidade será eterna”.

Os encontros nacionais dos Procuradores da República - que ocorreram após a morte de Pedro Jorge - debateram, incansa-velmente, a necessidade de novas prerrogativas que protegessem e dessem autonomia à atuação dos membros. Os resultados começa-ram a ser colhidos seis anos depois, com a Constituição de 1988, que prevê, entre outros pontos, garan-tias como a inamovibilidade: o procurador da República não pode ser transferido com o intuito de

da mídia e do martírio das inves-tigações. Por outro lado, a família sempre contou com o amparo de membros da carreira, que se fize-ram presentes dando suporte à fa-mília e até hoje mantêm o contato. No entanto, para Roberta, o con-texto histórico do país - período da ditadura - e a imaturidade do Ministério Público Federal influen-ciaram na tragédia. “Meu pai ficou vulnerável porque não teve o apoio da instituição”, acredita.

De acordo com relatos da época, Pedro Jorge sofreu várias pressões para deixar o caso, entre elas uma ordem para entrar de fé-rias e ameaças de morte recebidas por telefone. No dia 1º de março - antevéspera do crime -, ele foi afas-tado da investigação pelo procura-dor-geral da República Inocêncio Mártires Coelho, sob suspeita de falta de isenção funcional. Pedro Jorge era acusado pelo oficial da Polícia Militar Audas Diniz de Car-valho Barros - um dos denunciados no “Escândalo da Mandioca” - de perseguir sua sogra, a servidora da Procuradoria da República em Per-

“A opinião pública acordou para o trabalho do MPF”, lembra o subprocurador Henrique Fagundes Filho

Para Gurgel, a morte de Pedro Jorge é um marco na história do MPF

Asc

om A

NPR

Roo

sew

elt P

inhe

iro/

ABr

Page 13: Revista A República 3ª Edição

13

afastá-lo de algum caso que esteja sob sua responsabilidade.

Com o objetivo de man-ter viva a memória do procurador que simbolizava a sociedade agre-dida e a luta por um Brasil mais justo, foi criada em 6 de maio de 1985 - pelo então presidente da ANPR, Miguel Frauzino Pereira - a Fundação Procurador Pedro Jorge (FPJ). Atualmente, a entidade tem projetos nas áreas de educação, saúde, meio ambiente e desenvol-vimento sustentável, todos volta-dos para a sociedade.

Exemplo a ser seguido –

No último dia 2 de março, diversas unidades do MPF homenagearam o procurador, fazendo um minu-to de silêncio em sua memória. A ideia partiu do procurador da Re-pública Marcos Antonio da Silva Costa (PR/PE) e teve o apoio da ANPR e da Fundação Pedro Jorge. “Nossas justas homenagens a Pedro Jorge, ao longo deste mês, ajudam a preservar, em cada um de nós, a certeza do que é ser procurador da República ontem, hoje e sempre”, observou Costa.

A diretora de Eventos da ANPR, Zani Cajueiro, participou do ato feito pela PR/MG. “Foi lindo. Eu me penitenciei, confesso, pelos momentos em que reclamo de um ou outro problema no MPF, princi-palmente da carga de serviço, lem-brando que se há alguém que viveu, respirou e amou esta instituição, sem um milésimo da estrutura que temos hoje, foi Pedro Jorge”, disse.

Hoje, a história do mem-bro assassinado inspira também o trabalho da nova geração de procu-radores de República, muitos deles ainda crianças quando ocorreu a tragédia. O procurador da Repúbli-ca Ramiro Rockenbach de Almeida

(PR/MS) conheceu o episódio quan-do ingressou no MP - em 2002 - e foi convidado por um colega da carrei-ra para escrever uma prosa (confira o box) como parte das homenagens aos 20 anos do assassinato. Almeida acredita que Pedro Jorge incorpo-rou o idealismo que os membros do MPF devem ter.

Com 34 anos, ele consi-dera uma honra ser da instituição pela qual passou o colega assassi-nado. “Para manter vivos os nossos ideais, nada melhor que o exemplo de um homem que encarnou os va-lores mais sagrados e necessários para combater o câncer do nosso país que é a corrupção”, declara.

Um grande pequenino alagoano certa feita apareceuO predestinado, em escolas religiosas muito estudouE o Francês, Inglês, Alemão, Latim e Grego aprendeuO excelente pianista e organista em Filosofia se formou!

Ao seu redor, porém, percebeu um mundo equivocadoInquieto e decidido pensou: é preciso fazer algo afinalO cenário de miséria e corrupção deve ser modificadoColou grau em Direito e logo ingressou no MP Federal!

(...) Sem jamais vacilar, atuando com firmeza e dedicaçãoSurgiu o Procurador da República destemido e lealAos adversários larápios fez sentir a justiça e a razãoE cumprindo o seu dever travou a sua batalha final!

(...) O mal anunciado e prometido infelizmente foi executado(...) O combativo Procurador da República foi assassinadoO crime chocou toda a população e o MPF estremeceu!

O memorável Pedro Jorge de Melo e Silva nos deixou! (...)(...) Deixou mais. Deixou um exemplo a ser por todos seguidoDeixou a lição de que o correto sempre deve ser defendidoE fez mais. Fez nascer um MP Federal determinado e unidoFez brotar Procuradores e Procuradoras cada qual decidido!

E esteja onde estiver, irmão, ao lado do Patrão CelestialSaiba que és eterno orgulho desta Instituição Ministerial!

Procurador da República Ramiro Rockenbach de Almeida (PR/MS)

Trova ao memorável Pedro Jorge de Melo e Silva

O procurador da República Ramiro de Almeida é um exemplo da nova geração inspirada por Pedro Jorge

Div

ulga

ção

Page 14: Revista A República 3ª Edição

14

Pela garantia de um Estado Democrático

Entrevista

éRICA ABE

Ascom ANPR

Há 25 anos no Ministério Públi-co Federal (MPF), a subpro-curadora-geral da República Raquel Elias Ferreira Dodge atuou na defesa do patrimônio

público, de índios e minorias e no combate ao trabalho escravo, além de casos emblemáticos como o da Operação Caixa de Pandora, que le-vou à prisão do então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda. Com mestrado em Direitos Humanos pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, ela também de-senvolveu pesquisas na área de violência poli-cial no Brasil.

À frente da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão - responsável pelas matérias criminais e pelo controle externo da atividade policial -, Dodge coordena o lançamento de um passo-a--passo de como exercer esse controle. Em entrevista exclusiva à revista A Repú-blica, a subprocuradora-geral falou da importân-cia desse novo roteiro – obrigatório – para os pro-curadores da República e para a manutenção do Estado Democrático de Direito no Brasil. Durante a conversa, Dodge criticou, ainda, as proposições em tramitação no Congresso Nacional que preten-dem equiparar as garantias dos membros do Mi-nistério Público (MP) às de policiais e delegados.

Subprocuradora-geral da República Raquel Dodge explica novo padrão de atuação do MPF no controle externo da atividade policial

Page 15: Revista A República 3ª Edição

15

é função constitucional do mP atuar no con-

trole externo da atividade policial. Como ele

ajuda no funcionamento do trabalho policial?

A compreensão que devemos ter sobre o controle externo da atividade policial é de que ele é uma garantia do cidadão. Ele é realizado porque quem exerce a atividade policial é uma instituição do Estado brasileiro que tem a prerro-gativa de usar armas e de empregar a força contra as pessoas. E como vivemos em um Estado De-mocrático de Direito, há um conjunto de regras que devem ser respeitadas para que as provas contra uma pessoa tenham idoneidade, não se-jam pré-fabricadas ou fabricadas para forjar uma culpa que seria inexisten-te. Outro aspecto é naqui-lo que diz respeito à segu-rança pública, quando o Estado também pode em-pregar a força física, por exemplo, para conter uma multidão; para prevenir a prática de um crime que está na iminência de ocor-rer e, até mesmo, para prender uma pessoa em cumprimento a ordens judiciais. Em todas essas atividades, o MP tem o dever de examinar se a conduta policial preservou o direito das pessoas e observou o devido processo legal. Para alguns pode parecer estranho que a instituição encarre-gada de acusar usando as provas, que muitas ve-zes são trazidas pela polícia, faça também o con-trole da atuação da polícia. Isso porque, numa primeira vista, pode parecer que o MP quereria ganhar a acusação a qualquer preço e, por isso, estaria disposto a passar por cima do modo

como a prova foi produzida. Mas é exatamente o oposto. Então, mesmo quando acusamos, nós só podemos acusar alguém se a prova produzi-da contra essa pessoa é lícita, idônea, autêntica e chegou ao conhecimento do Ministério Público observando todas as garantias constitucionais. Fora dessa hipótese, não seria ético acusar. Então, nós não acusamos.

De que forma é realizado esse controle?

Há dois modos bem distintos. Um é feito pelo próprio procurador encarregado do caso. E há aqueles que exercem essa atribuição di-fusamente, por intermédio de um grupo de

procuradores que tem um mandato fixado. Es-ses integram os Grupos de Controle Externo da Atividade Policial, que existem em cada uma das unidades da federação e examinam aspectos que dão suporte para o bom exercício da atividade po-

licial. Para tornar isso mais claro, nós, na 2ª Câ-mara, instituímos um grupo de trabalho que se dedicou por quase cinco anos à elaboração de um roteiro de atuação.

Quais fatores foram analisados na elabora-

ção desse roteiro?

A 2ª Câmara elaborou esse roteiro, editou e aprovou o texto, que foi publicado em dezembro de 2011. Ele explica o que é o controle, o situa como o exercício de uma atividade em defesa do cidadão e da sociedade brasileira, assegura que

“Mesmo quando acusamos, só podemos

fazê-lo se a prova produzida contra essa

pessoa for lícita, idônea, autêntica”

Mar

cello

Cas

al Jr

. ABr

Page 16: Revista A República 3ª Edição

16

do que ele colhe, pode resultar numa recomen-dação – em geral isso vai ocorrer em casos de ir-regularidades menos severas. Por exemplo, pode acontecer que os coletes para uso da autoridade policial não sejam aptos a conter um tiro, o que leva a recomendação a pedir a troca do aparato de proteção. Isso é um tipo de investigação que tem a ver com a estrutura de funcionamento da própria polícia. Mas há aspectos dessa inspeção que dizem respeito ao acautelamento da prova e há aspectos relacionados à oitiva de pessoas,

como a contenção da tor-tura. Nessa ocasião, a ação – civil ou penal – deve ser ajuizada imediatamente. Em 2011, no Distrito Fe-deral, por exemplo, como resultado desse controle, ajuizamos ações penais de crime de tortura contra agentes da Polícia Federal.

É um crime raro de acontecer, mas tem tido ajui-zamento em decorrência desse controle externo.

Então, esse roteiro vai tornar a atividade do

procurador mais eficiente?

Bem mais, e coordenada. Ou seja, não é só o procurador de São Paulo que vai exercer o controle externo com foco nesses aspectos e, sim, todos os procuradores do país. Então, a virtude desse roteiro é que ele passa a ser de observância obrigatória por todos os membros do MPF. Tal-vez ele tenha que acrescentar algum conteúdo, algum aspecto num determinado caso concreto, mas já tem um modelo base para trabalhar.

No final do ano passado, a Comissão de

Constituição e Justiça da Câmara aprovou a

Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37,

que dá às polícias federal e civil a competên-

cia para a investigação criminal. Qual a sua

avaliação sobre isso?

Acho que a Constituição Federal, do jeito que ela está, é mais feliz em disciplinar tanto a instituição do MP quanto a instituição da Polícia Federal. O artigo 144 da Constituição faz, inclu-sive, duas coisas muito interessantes, que con-trariam a doutrina antiga. Quando lemos nos compêndios de Direito a respeito da definição

“Em 2011, no DF, como resultado desse controle, ajuizamos ações penais

de crime de tortura contra agentes da Polícia

Federal“

as regras do devido processo legal sejam obser-vadas durante a produção da prova e indica, para os procuradores da República, como esse contro-le pode ser exercido. Para isso, fizemos um am-plo estudo dentro do MPF. Avaliamos doutrina, jurisprudência e o modo como vínhamos exer-cendo essa atribuição para, então, compilarmos as melhores práticas.

E quais são os alvos dessa averiguação?

À primeira vista seria só a Polícia Federal, porque é a principal for-ça de atuação da União. Contudo, o roteiro tam-bém inclui a Polícia Rodo-viária Federal, que exerce atividade policial de se-gurança e preventiva, e a Força Nacional, que passa a ser agora uma corpora-ção policial, integrada de forma mista, com arregimentação em várias cor-porações policiais.

Quais são as dificuldades encontradas

pelos membros do mP para executar essa

atribuição?

A aprovação desse roteiro cumpre uma de-terminação do Conselho Superior do MPF, pois esse assunto é novo na área jurídica. As univer-sidades não tratam do que é o controle externo, não o conceituam. O máximo que fazem é tratar sobre a licitude da prova, ou seja, o que o advo-gado pode alegar para contradizer o modo como a prova foi produzida. Nós tratamos da respon-sabilização sobre o policial que foi o torturador, por exemplo, mas queremos que essa conduta não se repita dentro daquela corporação. Então, queremos saber se o chefe dele sabia, se as regras de controle interno da atividade policial previ-nem uma conduta como essa.

mas o que acontece depois que o procurador

identifica essas irregularidades?

No controle difuso, ao dar início a uma fis-calização, o procurador instaura o procedimento de inspeção, que tem número, data, objeto e des-crição de por quanto tempo ele vai trabalhar co-lhendo as informações. A partir daí, a depender

Page 17: Revista A República 3ª Edição

17

sar é que é preciso equilibrar aquele que tem a força e a prerrogativa do uso da força, inclusive armada, como atividade regular, e aquele que só tem a caneta e precisa de garantias outras porque, exatamente, não pode exercer o uso da força. É para atender essas duas circunstâncias que a Constituição defere a certas instituições, como a dos juízes e do MP, certas garantias. É por isso que é possível deferir a quem tem a prerrogativa de só utilizar a sua caneta a possibi-lidade de fazer o controle externo de uma outra corporação e não vice-versa. O controle exter-no do MP, por sua vez, é feito por um conjunto de entidades congregadas dentro do Conselho Nacional do MP - uma quantidade enorme de instituições não-portadoras de armas. Acho que isso em nada diminui essa instituição. Na verda-de, apenas nos permite compreender melhor o seu papel e o tamanho da força que tem. Porque se aliada à prerrogativa de usar a força e da arma também forem deferidas a ela todas as garantias que as entidades civis, de modo geral, têm, ela se torna a única superforça dentro do Estado Democrático de Direito, talvez incontrolável.

de polícia judiciária, parece que a atividade de investigação criminal é uma das atividades da polícia judiciária. No entanto, o inciso desse ar-tigo [§1º, inciso I] trata da prerrogativa da polícia de exercer a atividade de investigação criminal e num outro dispositivo, no final [§1º, inciso IV], trata a atividade de polícia judiciária como pri-vativa da Polícia Federal. Então, a Constituição faz a distinção e separa essas duas atribuições. Por isso, quando o MPF também reivindica a possibilidade de investigar, ele está observando essas duas atribuições de acordo com essa con-ceituação constitucional: pode investigar, mas não exerce a atividade de polícia judiciária. Essa PEC 37 utiliza essa conceituação doutrinária an-terior à Constituição.

Além disso, há pelo menos outros três proje-

tos no Congresso Nacional que preveem ex-

tensão das garantias funcionais dadas pela

Constituição aos membros do mP aos dele-

gados de polícia. Na sua visão, qual é o im-

pacto dessas alterações no controle externo?

O que a administração da Justiça deve pen-

A Força Nacional e as polícias Federal e Rodoviária Federal são alvo do controle externo do MP

Wils

on D

ias/

ABr

Mar

cello

Cas

al Jr

. ABr

Page 18: Revista A República 3ª Edição

18

Combate à violência doméstica é reforçadoEstatísticas mostram o alto número de arquivamento de denúncias e evidenciam a necessidade de intervenção do Ministério Público na garantia dos direitos femininos

mobilização

ANA CAROLINA FERREIRA

Abiofarmacêutica Maria da Penha, a estudante Eloá Pimentel, a procu-radora da União Ana Alice Morei-ra. Oriundas das mais diversas clas-ses sociais, todas elas foram vítimas

da violência doméstica - mal que, segundo pes-quisa da Fundação Perseu Abramo, acomete uma mulher a cada 15 segundos no Brasil. Esse cenário revela a ineficiência do Estado brasileiro em asse-gurar às mulheres o direito à dignidade da pessoa humana e à igualdade, mesmo após a edição da Lei Maria da Penha. No mês em que se comemo-ra o Dia Internacional da Mulher – 8 de março -, a discussão sobre a impunidade nos casos de violência doméstica volta à cena, trazendo uma novidade: agora, o Ministério Público pode in-tervir mesmo quando a vítima não presta queixa. Começaram a se tornar comuns nas cor-tes do país histórias como a do marido que agre-diu a esposa com uma pá de madeira, desferiu tapas no rosto, destruiu peças de roupas, mas, ain-da assim, foram julgadas como lesões corporais “leves”. O número de arquivamentos nos tribu-nais por “renúncia tácita”, devido à reconciliação

do casal, levaram o Ministério Público Federal a propor ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.

“Os crimes que dependem de representação (queixa), em regra, são aqueles em que o interes-se privado à intimidade das vítimas sobrepuja o interesse público em sua punição. No caso da violência doméstica, tem-se, a um só tempo, gra-ve violação a direitos humanos e expressa previ-são constitucional da obrigação estatal de coibir e prevenir sua ocorrência”, declara o parecer ela-borado pela vice-procuradora geral da Repúbli-ca, Déborah Duprat, e apresentado ao STF.

Na ação, julgada pelo STF como proceden-te, a Procuradoria Geral da República requereu que o Judiciário confira interpretação conforme a Constituição Federal à Lei 11.340/2006 - co-nhecida como Lei Maria da Penha. Dessa forma, a Lei 9.099/95 - que dispõe sobre os Juizados Es-peciais Cíveis e Criminais para os julgamentos de crimes de menor potencial ofensivo - não se apli-caria, em nenhuma hipótese, aos crimes come-tidos no âmbito da Lei Maria da Penha, mesmo que estes sejam considerados lesões corporais

Shutterstock

Page 19: Revista A República 3ª Edição

19

“leves”. Com isso, a natureza da ação penal des-ses casos passaria a ser pública incondicionada, possibilitando a atuação do Ministério Público. “A vitória no Supremo representa mais do que uma mudança jurídica, representa uma mudança de perspectiva sociológica”, analisa a subprocuradora-geral da República Maria Elia-ne Menezes de Farias. Em 2010, Farias foi autora da primeira sustentação oral no Superior Tribu-nal de Justiça que pedia o fim da exigência de representação da vítima. Ela explica que a fra-gilidade e a dependência - emocional e finan-ceira - de seus agressores era responsável pelo arquivamento de mais de 90% das denúncias de agressão doméstica. “Era fundamental acabar com a cumplicidade social e estatal que pairava sobre a violência contra a mulher. Agora, o pe-sado fardo de sustentar uma acusação sairá dos ombros das vítimas para os do Estado”, ressalta. A subprocuradora-geral da República Ela Wiecko, que participou desde o início da elaboração da Lei Maria da Penha, concorda e destaca que a definição cabal a respeito da inter-pretação da lei é muito im-portante porque ainda hoje existe uma incompreensão do que é a violência domés-tica e do seu ciclo vicioso e ascendente - isto é, a agres-são rotineira pode chegar ao ápice de um homicídio. Da-dos do relatório de 2011 da Secretaria de Políticas para as Mulheres revelam que, das 74,9 mil denúncias recebidas, 58,64% são de violência diária e, em 52,86%, há perigo de que os relatos culminem em morte das vítimas.

A subprocuradora-geral explica que, na má-quina do Judiciário, casos de violência doméstica são levados para a conciliação, sob o argumento de preservar a família, estimulando a mulher a desistir da ação. A renúncia da queixa reforça a impunidade e a cultura patriarcal. Wiecko tem propriedade para falar do assunto: além de ter atuado como procuradora federal dos Direitos do Cidadão, ela coordena um projeto de extensão da Universidade de Brasília (UnB) que presta assis-tência jurídica e psicológica a vítimas de violência doméstica. “Falta conscientizar as pessoas de que

a violência doméstica não é um campo de conci-liação, porque as partes estão em uma situação de desigualdade estrutural”, explica Wiecko. No pro-jeto, as mulheres são empoderadas e instruídas a não aceitarem mais a situação de agressão e, por consequência, a não desistirem da ação.

Uma história, várias marias - A bio-farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fer-nandes - que deu nome a lei que hoje protege as mulheres em casos de violência - viveu na pele o que Ela Wiecko afirma. “Uma vida sem vio-lência é um direito de todos, por isso a mulher tem que romper o ciclo de agressões, que começa

com xingamentos, depois parte para tapas e empurrões e, mui-tas vezes, pode chegar ao homi-cídio”, diz Maria da Penha. Foi por muito pouco que a história dela não teve o mesmo fim que o de 42 mil mulheres assassi-nadas em 2011, sendo 70% em suas próprias casas. Em 1983, após anos de agressões psico-

lógicas e morais, Maria da Penha levou um tiro do próprio marido enquanto dormia. Ela sobre-viveu à tentativa de homicídio, mas como seque-la perdeu os movimentos das pernas. Ao voltar para casa, Marco Antônio Heredia, marido de Maria da Penha, tentou novamente assassiná-la,

“O pesado fardo de sustentar uma

acusação sairá dos ombros das vítimas para os do Estado”

Para Wiecko, ainda existe uma incompreensão do que é a violência doméstica

Maria Eliane foi a primeira a propor o fim da exigência de representação da vítima

Asc

om A

NPR

Asc

om A

NPR

Page 20: Revista A República 3ª Edição

20

desta vez eletrocutada. Só após uma autorização judicial, a biofarmacêutica conseguiu deixar a casa em companhia das duas filhas.

Livre das garras do marido, Maria da Penha inciou uma luta por Justiça que se estendeu por 19 anos, até que, em 2006, a Lei 11.340 foi san-cionada, punindo não só Marco Antônio, mas to-dos aqueles que cometerem violência doméstica. Desde então, ela dedica sua vida a ajudar mulhe-res que enfrentam a mesma batalha. “Essa última decisão do STF vai contribuir muito para que a mulher se sinta encorajada a denunciar, pois ela está amparada pelo Estado. Mas ainda falta uma mudança de consciência da sociedade machista e sabemos que isso ainda precisa de mais tempo

para acontecer, porém temos muita gente engaja-da nessa luta”, afirma.

Uma doença coletiva - Apesar da violên-cia doméstica ser pensada - inicialmente - como uma questão de segurança pública, o problema vai além das vias judiciais. “Existe a necessidade de sensibilização dos serviços públicos”, expli-ca a socióloga Marlene Rodrigues. Para ela, a temática da violência contra a mulher deve ser capilarizada para outros serviços sociais, prin-cipalmente para a educação e para a saúde. “A política social do Brasil tem que prever um con-junto de ações e equipamentos para criar um área de convivência, em que haja espaço para diálogos e mediação de conflitos. Porque não se pode ter a pretensão de que as conflagrações - sejam elas relacionadas ou não a gênero - não irão existir”, analisa.

Segundo ela, a violência doméstica é uma doença social e multifacetada, pois não afeta apenas a mulher, mas todos os que con-vivem com ela - como os filhos – e, por isso, deve ser tratada coletivamente. Rodrigues ex-plica que a sociedade precisa reconhecer que, além do lado criminal desse fenômeno, existe também o lado da organização e das relações sociais e, a partir disso, promover uma cultu-ra mais cidadã e tolerante com a diversidade. Seja judicialmente ou por mediações, os que lutam por uma sociedade mais igualitária - para homens e mulheres - concordam que para dar um fim a essa violência é preciso conscien-tizar todos os envolvidos: vítimas, agressores e agentes do Estado. “Só se muda o mundo de duas maneiras: pela guerra ou pela educação. É pelo dia a dia que se constrói a história”, afirma a sub-procuradora-geral da República Maria Eliane.

Maria da Penha: símbolo da luta contra a violência doméstica

A Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 -, criada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), recebe denúncias ou relatos de violência doméstica. O sistema atende todo o país gratuitamente e funciona 24 horas por dia, de segunda à domingo, inclusive feriados.

Além de encaminhar os casos para os serviços especializados, a Central orienta a mulher sobre seus direitos legais e a legislação vigente. As atendentes capacitadas no enfrentamento à violência doméstica informam quais estabelecimentos a vítima pode procurar – conforme o caso -, como dele-gacias de atendimento especializado à mulher, defensorias públicas, postos de saúde, instituto médico legal - para casos de estupro - centros de referência, casas abrigo e outros institutos de promoção da defesa dos direitos da mulher.

Como denunciar casos de violência doméstica:

19%

15%

Relação dos filhos com a violência

Não presenciam nem sofrem violência

Fonte: Secretaria de Políticas para as Mulheres

Presenciam violência

Sofrem a violência

66%

Div

ulga

ção

- Ins

titut

o M

aria

da

Penh

a

Page 21: Revista A República 3ª Edição

21

Autor: Procurador da República Alexandre Amaral Gavronski

Livro: Técnicas Extraprocessuais de Tutela Coletiva

Editora: Revista dos Tribunais

Sinopse: Teoria e prática caminham juntas nesta publicação de Alexandre Amaral Ga-vronski. Ao longo de sua atuação no MPF, o procurador da República percebeu a carência de bibliografia sobre os instrumentos extraprocessuais do sistema jurídico. Em 2006, lançou o Manual de Atuação de Tutela Coletiva, que foi adotado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Foi então que Gavronski decidiu buscar ainda maior embasamento teórico para escrever o “Técnicas Extraprocessuais de Tutela Coletiva”, fazendo mestrado em Direitos Difusos e Coletivos. A publicação traz uma análise panorâmica das potenciais contribuições e limites desses instrumentos para assegurar a efetividade dos direitos no país.

Perfil do autor: O atual procurador regional dos Direitos do Cidadão do Rio Grande do Sul coleciona celebrações de Termo de Ajustamento de Conduta. Em sua primeira lotação, no Mato Grosso do Sul, Gavronski conseguiu que uma empresa de telefonia móvel ressarcisse seus clientes devido ao mau funcionamento das linhas. O pagamen-to de indenizações alcançou o montante de R$ 33 milhões. Já no MPF em São Paulo, o procurador da República expediu recomendação à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para aumentar o valor do seguro obrigatório em caso de acidentes aéreos – o valor da indenização subiu de R$ 14.223 para R$ 40.950. Com 12 anos de carreira, Gavronski é mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e professor da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU).

Autor: Procurador Regional da República Marcelo Alves Dias de Souza

Livro: Ensaios Ingleses

Editora: Queima-Bucha

Sinopse: A Inglaterra é a musa inspiradora de Marcelo Alves nesta obra. O doutorado na King’s College London proporcionou ao autor uma explosão de experiências. “A cada esquina tudo – ou quase tudo – me era diferente”, observa ele. As novas descobertas trans-formaram-se em crônicas, publicadas no jornal Tribuna do Norte (RN) e depois reunidas em Ensaios Ingleses. Mesmo se tratando de uma obra literária, o direito permeia os contos da publicação. Para Alves, o livro faz uma análise das questões do direito dentro do seu contato com as outras ciências, como a Filosofia, o Cinema e a Política.

Perfil da autor: Mestre em Direito do Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e cursando o doutorado em Direito Comparado na King’s College London, o potiguar tem 15 anos de carreira no MPF. O procurador regional da República atuou em casos de repercussão, como a Operação Paraíso, que denun-ciou trinta pessoas por envolvimento em lavagem de dinheiro através de luxuosos empreendimentos imobiliários no Rio Grande do Norte, e na fraude conhecida como Escândalo da Fazenda Nacional, na Paraíba. Além de sua atuação na área criminal, Alves também foi procurador regional dos Direitos do Cidadão na Paraíba e no Rio Grande do Norte.

ANPR recomenda

Nossos escritores

Ascom/MPF/RN

Ascom/MPF/RS

Page 22: Revista A República 3ª Edição

22

Artigo

Na madrugada de 12 de janeiro de 2011, a Região Serrana do Rio de Janeiro foi atingi-

da por tempestade de trágica inten-sidade. Centenas de deslizamentos de encostas, acompanhados de rá-pidas enxurradas, ceifaram a vida de mais de 900 pessoas e fizeram mais de 30 mil desabrigados e de-salojados. Após a enchente, esvaiu--se a água. Restou a lama.

O episódio teve caracterís-ticas superlativas. Se as vítimas foram muitas, a solidariedade foi expressiva; se os prejuízos foram elevados, as verbas recebidas pelo Governo do Estado e pelos Municí-pios atingidos foram significativas. Para ações de defesa civil, a União prontamente liberou R$ 100 mi-lhões. Para a reconstrução de pon-tes, disponibilizou R$ 80 milhões. Para a recuperação de escolas, transferiu mais R$ 74 milhões.

Mas a disponibilidade de vul-tosos recursos, associada à possi-bilidade de dispensa emergencial de licitação, criou ambiente fértil a ilegalidades. Contrafações, frau-des, superfaturamento, atestações inconsistentes, serviços não presta-dos, pagamentos indevidos, saques na boca do caixa acompanhados por agente público foram alguns

O desastre na Região Serrana e a tutela do patrimônio público

Marcelo Borges de Mattos Medina*

*Procurador da República em Nova Friburgo (RJ)

dos fatos detectados nas investiga-ções do Ministério Público Federal, bem como nas fiscalizações dos de-mais órgãos de controle.

Para além desses pontos, da perspectiva da tutela do erário, a tragédia distinguiu-se por três ou-tras práticas indevidas, ainda mais amplamente difundidas: a pres-tação de serviços sem cobertura contratual, a tardia publicação das dispensas de licitação e a remune-ração dos executantes pelo limite de tabelas de referência para custos de engenharia.

Pelo Estado e por Municípios afetados, a tomada de serviços sem cobertura contratual tornou-se corriqueira. Grassou a assinatura a posteriori de termos de reconhe-cimento de dívidas. Nos primeiros dias que se seguiram à catástrofe, em face do caos existente, tal práti-ca seria até tolerável. Mas semanas ou meses depois, não se afigurava mais escusável a ausência de con-tratos que especificassem as pres-tações devidas, cercassem as partes de garantias quanto ao cumpri-mento das obrigações recíprocas e prevenissem possíveis superposi-ções entre os trabalhos realizados por diferentes empresas.

À ausência de contratações prévias seguiu-se a tardia publica-ção das dispensas de licitação, que somente foram veiculadas após a assinatura dos termos de ajuste de contas, nas dezenas de casos em que tais instrumentos foram em-pregados. A falta de publicidade

tempestiva criou sério embaraço a que se soubesse quais as empresas, os valores e os entes públicos en-volvidos. A maior parte das ações realizadas consistiu na desobstru-ção de vias e na remoção de entu-lho, que dificilmente podem ser verificadas após a sua conclusão. Em vista da dificuldade ao acom-panhamento dos serviços, restou aos órgãos de controle o exame das medições que serviram de base aos pagamentos, a despeito de suas omissões e imprecisões.

Outra consequência da falta de processos prévios de contrata-ção foi a indistinta remuneração dos executantes pelos valores de tabelas como a Sinapi. Não tendo havido cotações entre empresas do ramo, em vez de servirem de teto, tais valores converteram-se em pa-drão para os pagamentos. Dada a expressividade das importâncias gastas, a ausência de descontos em relação aos custos de referência afigura-se censurável no que con-cerne à economicidade.

As três práticas acima des-tacadas, largamente adotadas na Região Serrana, merecem a aten-ção do Ministério Público e dos órgãos de controle. À medida que se reproduzem no país, com per-turbadora periodicidade, eventos de natureza semelhante, as ilegali-dades mais peculiares às ações de resposta a grandes desastres hão de ser conhecidas e combatidas.

Div

ulga

ção

Page 23: Revista A República 3ª Edição

23

Page 24: Revista A República 3ª Edição

www.anpr.org.br