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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEAR
FACULDADE DE FARMCIA, ODONTOLOGIA E ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM
DOUTORADO EM ENFERMAGEM
SIMONE GONALVES VASCONCELOS
REPERCUSSES DO COTIDIANO DE FAMLIAS COM CRIANAS
NASCIDAS EXPOSTAS AO HIV
FORTALEZA
2009
3
SIMONE GONALVES VASCONCELOS
REPERCUSSES DO COTIDIANO DE FAMLIAS COM CRIANAS NASCIDAS EXPOSTAS
AO HIV
Tese submetida Coordenao do Curso de Ps-
Graduao em Enfermagem da Faculdade de
Farmcia, Odontologia e Enfermagem da
Universidade Federal do Cear como requisito
parcial para obteno do ttulo de Doutor em
Enfermagem.
rea de concentrao: Enfermagem Clnico-
Cirrgica
Linha de pesquisa: Enfermagem no processo de
cuidar na promoo da sade
Orientadora: Profa. Dra. Marli Teresinha Gimeniz Galvo
FORTALEZA
2009
4
SIMONE GONALVES VASCONCELOS
REPERCUSSES DO COTIDIANO DE FAMLIAS COM CRIANAS NASCIDAS EXPOSTAS
AO HIV
Tese submetida Coordenao do Curso de Ps-Graduao em Enfermagem da Faculdade de
Farmcia, Odontologia e Enfermagem da Universidade Federal do Cear como requisito
parcial para obteno do ttulo de Doutor em Enfermagem. rea de concentrao:
Enfermagem Clnico-Cirrgica.
A citao de qualquer trecho desta permitida, desde que seja de conformidade com as
normas de tica cientfica.
Data da aprovao: 29 de outubro de 2009
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Profa. Dra. Marli Teresinha Gimeniz Galvo (Presidente)
Universidade Federal do Cear (UFC)
______________________________________________
Profa. Dra. Maria Ftima Maciel Arajo (Membro efetivo)
Universidade Federal do Cear (UFC)
_____________________________________________
Profa. Dra. Joselany fio Caetano (Membro efetivo)
Universidade Federal do Cear (UFC)
___________________________________________
Profa. Dra. Mrcia Maria Tavares Machado (Membro efetivo)
Universidade Federal do Cear (UFC)
______________________________________________
Profa. Dra. Maria Lcia Duarte Pereira (Membro efetivo)
Universidade Estadual do Cear (UECE)
___________________________________________
Dra. Cristiana Brasil de Almeida Rebouas (Suplente)
Universidade Federal do Cear (UFC)
______________________________________________
Profa. Dra. Raimunda Hermelinda Maia Macena (Suplente)
Faculdade Integrada do Cear (FIC)
5
Investigao inserida no Ncleo de Estudos em HIV/aids e Doenas Associadas do
Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Cear.
6
Aos meus pais, Expedito e Horiza, ao meu
marido, Gerson, e aos meus filhos, Luiz Gerson
Neto, Luiz Gustavo e Luiz Augusto, por tudo o
que significam na minha vida, sentimento
impossvel de ser descrito com palavras e pelo
amor a mim dedicado.
7
AGRADECIMENTOS
A Deus, porto seguro, que me d foras e ilumina o caminho a percorrer.
minha orientadora, Profa. Dra. Marli Terezinha Gimeniz Galvo, pela pacincia e
dedicao em me acompanhar nesta longa trajetria, cheia de percalos.
Profa. Dra. Maria Ftima Maciel Araujo, por sua imensa contribuio no direcionamento da
pesquisa em todo seu percurso.
Aos professores da ps-graduao em enfermagem, pelo saber repassado ao longo do curso.
s famlias que concordaram em participar desta pesquisa, por nos confiarem seus medos,
angstias e sofrimentos, permitindo-nos a busca de uma enfermagem construda com base na
realidade.
Ao Hospital So Jos, por nos propiciar um espao to rico para pesquisa em HIV/aids.
Ao Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministrio da Sade, pelo apoio
financeiro na realizao das entrevistas do Projeto de pesquisa Condies de sade,
convivncia familiar e comunitria de crianas que nasceram sob risco da transmisso vertical
do HIV ou que vivem com HIV/Aids em Fortaleza-Cear, no qual esta tese est inserida.
8
Tudo que existe e vive precisa ser cuidado para continuar existindo. Uma planta,
uma criana, um idoso, o planeta Terra. Tudo o que vive precisa ser alimentado. Assim, o
cuidado, a essncia da vida humana, precisa ser continuamente alimentado. O cuidado vive do
amor, da ternura, da carcia e da convivncia (BOFF, 1999).
9
RESUMO
VASCONCELOS, S.G. Repercusses do cotidiano de famlias com crianas nascidas
expostas ao HIV. Fortaleza. (Tese). Fortaleza (CE). Universidade Federal do Cear. 2009.
A convivncia com pessoas portadoras do Vrus da Imunodeficincia Humana (HIV)
proporcionou a oportunidade de conhecer de maneira mais prxima as angstias que famlias
portadoras do HIV enfrentam, tendo em vista que a sociedade ainda no consegue aceitar
tranqilamente a convivncia com pessoas contaminadas, apresentando atitudes
preconceituosas e discriminativas. Surge, ento, a famlia como unidade de cuidado, e como
importante fonte de ajuda para o indivduo infectado pelo HIV, contribuindo para o bom
desempenho fsico e mental, redistribuindo suas tarefas e papis no intuito de criar solues
destinadas melhoria da qualidade de vida do ser doente. Em caso de crianas expostas ao
HIV, a famlia deve ter seu foco voltado para aes educativas, respaldada por profissionais
de sade, buscando-se construir um elo consistente entre famlia servio de sade
enfermeiro. Diante disto, os objetivos deste trabalho foram construdos com base na seguinte
tese: Famlias com crianas nascidas expostas ao HIV sofrem repercusses que alteram o seu
cotidiano. Assim teve-se como objetivo geral: Identificar as repercusses da infeco pelo
HIV/aids no cotidiano das famlias com crianas infectadas pelo HIV/aids. Trata-se de estudo
qualitativo realizado no domiclio de famlias comprometidas pelo HIV e que tinham crianas
verticalmente expostas, atravs de questionrio. Foram entrevistadas 21 mes no perodo de
julho a dezembro de 2008. Os dados coletados originaram as seguintes categorias: 1.
Descoberta do diagnstico de soropositividade ao HIV materno; 2. Descoberta do risco da
transmisso vertical; 3. Convivncia no domiclio, com outros familiares, na comunidade e na
escola depois do diagnstico da criana; 4. Dificuldades enfrentadas pela me no cuidado com
a criana; 5. Discriminaes vivenciadas pela famlia; 6. Sentimento depois da entrevista. As
famlias consideradas severamente disfuncionais de acordo com a classificao do APGAR
familiar deram origem a genogramas e ecomapas. Em face do exposto considera-se que este
trabalho permitiu alm de identificar o contexto pelo qual vivem as famlias comprometidas
pelo HIV, uma aproximao real do seu cotidiano. A partir do reconhecimento da
vulnerabilidade da famlia que tem um ou mais de seus membros infectados pelo HIV, pode-
se planejar intervenes de enfermagem que ajudem a famlia no enfrentamento da doena e
do preconceito vigente. Assim, se favorecero mudanas fundamentais centradas no seu
fortalecimento, orientando-a para uma nova trajetria em relao ao sentimento de
vulnerabilidade ento vivenciado.
Palavras-chave: Sndrome de Imunodeficincia Adquirida. Famlia. Criana.
10
ABSTRACT
VASCONCELOS, S.G. Repercussions on the routine of families with children exposed to
HIV at birth. (Dissertation). Fortaleza (CE). Federal University of Cear. 2009.
The experience with people carrying the Human Immunodeficiency Virus (HIV) permitted to
know more closely the anguish that families of HIV patients have to cope with because the
society does not easily accept living with contaminated people and displays prejudice and
discrimination. Consequently, the family emerges as the unit of care and as an important
source of support for individuals infected with HIV, contributing to the patients good
physical and mental performance and redistributing their tasks and roles with a view to
improve their quality of life. In case in which children are exposed to the HIV, the family
should focus on educational actions supported by healthcare professionals, seeking to
construct solid ties between family health service nurse. In this perspective, this studys
objectives were based on the following thesis: families of children who were exposed to HIV
at birth suffer repercussions that alter their routine. Thus, the general objective was to identify
the repercussions of the HIV/AIDS infection on the daily lives of families with infected
children. It is a qualitative study carried out in the households of families with children
vertically exposed to HIV. Data were collected through a questionnaire applied to 21 mothers
between July and December 2008. Collected data originated the following categories: 1.
Discovery of the maternal HIV diagnosis; 2. Discovery of the vertical transmission risk; 3.
Living in the same house with other family members, in the community and school after the
childs diagnosis; 4. Difficulties mothers face in the childs care; 5. Discrimination
experienced by the family; 6. Feelings after the interview. Genograms and ecomaps were
developed for those families considered severely dysfunctional according to the family
APGAR. In addition to the identification of the context in which families affected by HIV
live, this study permitted a real approximation of their routine. Based on the acknowledgment
of the vulnerability of families with one or more members infected by the HIV, nursing
interventions can be planned to help them to cope with the disease and prejudice. Hence,
essential changes focused on families strengthening can be promoted and guide them to a
new path to cope with the vulnerability they experience.
Key words: Acquired Immunodeficiency Syndrome. Family. Child.
11
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AIDS - Sndrome de Imunodeficincia Adquirida
CEP - Comit de tica em Pesquisa
HIV - Vrus da Imunodeficincia Humana
MS - Ministrio da Sade
UFC - Universidade Federal do Cear
OMS - Organizao Mundial da Sade
PSF Programa de Sade da Famlia
12
LISTA DE QUADROS E FIGURAS
QUADRO 1 Apresentao das famlias segundo dados socioeconmicos e APGAR
familiar .................................................................................................. 45
QUADRO 2 Apresentao das categorias e subcategorias da anlise de contedo das
falas ......................................................................................................... 47
FIGURA 1 Smbolos de acordo com o gnero............................................................. 38
FIGURA 2 Smbolos para o paciente identificado de acordo com o gnero................ 38
FIGURA 3 Smbolos representando o falecimento de acordo com o gnero............... 39
FIGURA 4 Representao de matrimnio.................................................................... 39
FIGURA 5 Representao de separao....................................................................... 39
FIGURA 6 Smbolo representativo da aliana........................................................... 39
FIGURA 7 Smbolo representativo de relacionamento conflituoso.......................... 39
FIGURA 8 Genograma da famlia de Eutlia.............................................................. 64
FIGURA 9 Ecomapa da famlia de Eutlia................................................................. 65
FIGURA 10 Genograma da famlia de Hades............................................................... 67
FIGURA 11 Ecomapa da famlia de Hades................................................................... 68
13
SUMRIO
1 INTRODUO................................................................................................... 14
1.1 A convivncia com a aids ......................................................................... 14
1.2 Epidemiologia da aids ............................................................................... 15
1.3 Famlia................................................................................................................... 17
1.4 Criana portadora do HIV..................................................................................... 21
2 OBJETIVOS........................................................................................................ 28
2.1 Objetivo geral....................................................................................................... 28
2.2 Objetivos especficos............................................................................................ 28
3 CONSIDERAES METODOLGICAS....................................................... 29
3.1 Local do estudo...................................................................................................... 29
3.2 Populao/sujeitos e perodo do estudo................................................................ 30
3.3 Coleta de dados e instrumento para captao de dados......................................... 30
3.4 Anlise dos dados.................................................................................................. 32
3.5 Genograma............................................................................................................ 33
3.6 Ecomapa................................................................................................................ 36
3.7 APGAR familiar.................................................................................................... 37
3.8 Aspectos ticos e de biossegurana....................................................................... 39
4 RESULTADOS.................................................................................................... 41
4.1 Apresentao dos resultados.................................................................................. 41
4.2 Definio das categorias e subcategorias.............................................................. 44
4.3 Genograma e ecomapa das famlias severamente disfuncionais........................... 59
5 DISCUSSO........................................................................................................ 66
6 CONSIDERAES FINAIS.............................................................................. 78
REFERNCIAS.................................................................................................. 81
APNDICES........................................................................................................ 85
ANEXO................................................................................................................. 90
14
1 INTRODUO
1.1 A convivncia com a AIDS
A convivncia com pessoas portadoras do Vrus da Imunodeficincia Humana
(HIV) nos proporcionou a oportunidade de conhecer de maneira mais prxima as angstias
enfrentadas por estas pessoas por carregarem consigo uma doena grave, incurvel e de forte
estigma social. Mesmo depois de quase trs dcadas de descoberta da aids, e com todas as
informaes prestadas pela mdia e pelos servios de sade quanto s formas de contaminao
com o vrus, a sociedade ainda no consegue aceitar com tranqilidade a convivncia com
pessoas contaminadas. De modo geral, demonstram atitudes preconceituosas e
discriminativas, e, assim, aumentam sobremaneira o sofrimento vivido por estes pacientes.
Apesar da gravidade da doena, a sobrevida hoje uma realidade. Um dos
principais fatores para tal a poltica brasileira de preveno e controle da epidemia de
HIV/aids, com acesso amplo e gratuito aos anti-retrovirais, elevando em nmero e qualidade a
sobrevida dos pacientes. Mesmo com estes avanos, ainda h muito por fazer. Conviver com a
aids nas famlias um emblemtico desafio ainda persistente e que nos instiga a aprofundar o
conhecimento e buscar alternativas para amenizar esta situao (PAIVA et al., 2002).
Atenuar, porm, as dificuldades enfrentadas por estas famlias perante a sociedade
no tarefa fcil. Precisamos trabalhar uma profunda mudana de comportamento, sobretudo
por se tratar de uma epidemia fortemente estigmatizada por classificar seus portadores em
grupos de risco (homossexuais e usurios de drogas injetveis). Para isso h de se discutir
sobre gnero, sexo, famlia e direitos civis, em busca de uma reformulao dos pensamentos
vigentes, tendo frente profissionais de sade e responsveis pela educao formal e
informal. Conforme as expectativas, com seu saber prtico, eles so capazes de transformar a
realidade.
Como consta na literatura, a aids socialmente incapacitante pelos efeitos
combinados do risco de contgio, do longo perodo de portador assintomtico, do status atual
de incurvel e do vnculo com grupos altamente estigmatizados como homossexuais e
usurios de drogas injetveis (CARTER; Mc GOLDRICK, 1995). Podemos evidenciar esta
afirmao no trabalho realizado com o Ncleo de Estudos em HIV/aids e Doenas
Associadas, ao acompanharmos pacientes e famlias que sofrem com a confirmao do
diagnstico e com as novas necessidades exigidas ao portador do HIV e sua famlia,
oferecendo-lhes um suporte tcnico, cientfico e emocional com vistas a minimizar os danos
causados pela doena.
15
Como percebemos, a cultura de discriminao e excluso aos pacientes de aids
obrigou suas famlias a terem um comportamento de silncio e at de recluso por medo do
estigma vigente. Estigma este empregado estrategicamente para produzir e reproduzir
desigualdades sociais, transformando diferenas em desigualdades. Este um processo social
de desvio entendido em relaes de poder e dominao. Assim o estigma sentido pelas
famlias empregado por atores sociais que buscam legitimar seu status de dominante dentro
de uma sociedade repleta de desigualdades sociais (PAIVA et al., 2002).
Em escala mundial, segundo observamos, os portadores do HIV so pessoas de
todas as idades, sexo, crenas, etnias ou profisses. Tal como todos ns, eles tm direito de
ser vistos como cidados, e de participar livremente da sociedade na qual vivemos. nosso
dever respeit-los e compreend-los, com suas diferenas peculiares, seu conjunto de valores,
suas dores e tenses.
Aps o diagnstico, a vida familiar do portador do HIV uma poderosa fonte
tanto de apoio como de estresse, pois familiares so determinantes para a adeso ao
tratamento e a insero na sociedade na busca de normatizao da sua rotina (PAIVA et al.,
2002). A famlia surge ento como unidade de cuidado, e representa importante fonte de ajuda
para o indivduo infectado pelo HIV, em especial por contribuir para o bom desempenho
fsico e mental, redistribuindo suas tarefas e papis para criar solues voltadas melhoria da
qualidade de vida do ser doente.
1.2 Epidemiologia da AIDS
Com o surgimento dos primeiros casos de aids, em 1981, a infeco pelo HIV tem
se propagado para todas as naes, constituindo um dos principais problemas de sade
pblica da humanidade.
Conforme divulgado pela Organizao Mundial de Sade (OMS), a pandemia do
HIV se transformou em uma catstrofe humana, social e econmica com conseqncias de
longo alcance para os indivduos, as comunidades e os pases. Ainda como aponta, nenhuma
outra enfermidade teve relevncia to dramtica com disparidades e desigualdades no acesso
ateno sade, s oportunidades econmicas e proteo dos direitos humanos
elementares (OMS, 2003).
Segundo dados do Boletim epidemiolgico, at junho de 2008, no Brasil, h
506.499 pessoas com aids e existem atualmente em torno de 630 mil infectados pelo vrus no
mundo. Entre as regies, o Nordeste responde por 58.348 (11,5%) destes. Apesar destes
dados, o Ministrio da Sade considera estvel a epidemia (BRASIL, 2008).
16
De acordo com os dados, houve uma reduo no nmero de incidncia entre os
que tm mais de doze anos de estudo (de 14% para 8,7%), enquanto na populao que tem
entre oito e onze anos de estudo a incidncia passou de 13, 9% para 24,5% (BRASIL, 2008).
Isto reflete a importncia da escolaridade na preveno das doenas sexualmente
transmissveis, demonstrando que quanto maior o nvel escolar maior o acesso s informaes
acerca de sade disponvel e maior a conscientizao quanto s formas de transmisso das
doenas.
Quanto transmisso vertical, a despeito do trabalho desenvolvido em nvel de
pr-natal com a testagem para o HIV precoce e o trabalho nas maternidades com a realizao
do teste rpido para o HIV nas gestantes que no fizeram o exame durante o pr-natal, houve
um aumento na taxa de incidncia nas regies Norte e Nordeste, enquanto nas demais regies
observou-se uma queda nestes nmeros. No Brasil, desde o incio da epidemia, foram
diagnosticados 11.796 casos da doena por transmisso vertical (BRASIL, 2008).
Isto nos remete ao fato de considerarmos que as crianas e adolescentes ainda so
a face oculta da aids, pois muitos destes j chegaram vida adulta e iniciaram a vida sexual.
Resta saber se esto preparados emocionalmente e educacionalmente para lidar com a doena
diante dos desafios de chegar a esta fase de vida portador de uma doena geradora de forte
estigma social, e mais, se sabem lidar de forma a no contaminarem os outros jovens com
quem se relacionam sexualmente.
Para monitorar a disseminao do HIV em gestantes e diminuir a transmisso
vertical, o Ministrio da Sade instituiu a Portaria n. 993, de 4 de setembro de 2000, a
vigilncia epidemiolgica de gestantes HIV positivo. Desta forma ele espera reduzir a
transmisso vertical e seu impacto na infncia, pois at junho de 2008 foram notificados 5.142
casos de aids em menores de 5 anos no Brasil (BRASIL, 2008).
Desde o incio da epidemia, aconteceram mudanas no enfoque do enfrentamento
do HIV, cujo foco direcionou-se para a identificao dos fatores favorveis ao crescimento
psicolgico, ao ajustamento condio de enfermidade crnica e qualidade de vida. Ao
passar de agravo de alta letalidade para enfermidade crnica, a modificao da aids repercute
no desenvolvimento fsico e psicolgico de crianas e adolescentes soropositivos,
notadamente aqueles infectados pelo HIV (SEIDL et al., 2005). Muitas vezes a criana sob
risco de infeco est inserida em famlias nas quais h outras pessoas contaminadas. Assim,
problemas sociais e econmicos podero atingir estas famlias.
Ante esta nova realidade, a resposta brasileira indica que ainda preciso avanar
para atender s necessidades adicionais dos rfos, adolescentes e outras crianas vulnerveis,
17
j que muitas famlias no tm como enfrentar todos os problemas advindos do diagnstico da
infeco.
Em mbito mundial, a distribuio gratuita de anti-retrovirais no Brasil
reconhecida como exemplo, e os Estados da Federao disponibilizam servios pblicos
especializados para ateno a essa populao. Entretanto, mesmo com as diferentes estratgias
de acompanhamento, diversas circunstncias so relatadas no pas, cuja populao nem
sempre tem possibilidade de contar com as diferentes opes de diagnstico e tratamento da
infeco pelo HIV.
Com o surgimento da terapia anti-retroviral combinada, as taxas de mortalidade
por aids em crianas soropositivas diminuram, com conseqente melhoria dos ndices gerais
de sade. Assim, os familiares, em especial os cuidadores primrios, tendem a se deparar com
novos desafios, como a revelao do diagnstico, o incio e continuidade da escolarizao, a
adeso a um tratamento complexo e longo, a chegada da puberdade e o incio da vida sexual
(SEIDL et al., 2005).
Para atuarmos nesta frente exige-se apreender o significado de famlia,
compreendendo seus valores e crenas no relacionado principalmente a perdas e morte, pois,
ao lidarem com uma doena grave e crnica, esse receio constante.
1.3 Famlia
A famlia base da socializao, e atravs dela o ser humano reproduz seus
padres culturais. nela onde as crianas se transformam em cidados do futuro e onde
acontecem as primeiras identificaes. Sem dvida a famlia a principal geradora de
identidade e responsvel pelo comportamento dos indivduos. Portanto, se a famlia a cdula
fundamental da sociedade, que tem seus campos funcionais (afetivo, scio e econmico,
cultural, religioso e biolgico) sujeitos a alteraes de acordo com influncias internas (de
seus membros) e externas (meio social), um paciente no pode ser visto isoladamente e sim
em conjunto com sua famlia. Dessa forma, as intervenes para melhorar o seu estado
podero ser mais facilmente efetivadas (RODRIGUES et al., 2006).
Famlia um sistema aberto, em constante transformao e permanente troca de
informaes com os extras familiares. Cada membro pode agir por vontade prpria ou
conforme as orientaes intrnsecas no seio familiar, as quais podem variar drasticamente
quando em situaes extremas de doena (MINUCHIN, 1983). o espao indispensvel para
a garantia da sobrevivncia e proteo integral dos filhos, independente do arranjo familiar.
ela que propicia os suportes afetivos, materiais e de bem-estar aos seus componentes. Nela se
18
aprofundam os laos de solidariedade. Ela o elo afetivo tanto dos mais pobres quanto dos
mais ricos; enfim, a identidade de ser social (KALOUSTIAN et al., 1994).
Segundo a literatura, o termo famlia pode ser entendido de diferentes formas,
como: a morada de um ser humano, porto seguro, pessoas que vivem juntas, uma casa ou
outras mais. Morada no simplesmente o espao fsico, mas sim pessoas que convivem e
cuidam uns dos outros. Na famlia as pessoas aprendem a se preservar e a se cuidar
mutuamente compreendendo a importncia de se viver em comunidade (SALOM;
ESPSITO; MORAES, 2007).
Por ser a famlia a instituio mais antiga da sociedade e o primeiro local de
promoo das necessidades bsicas do indivduo, em caso de doena as pessoas nela
compreendidas em geral buscam se auto-ajudar no intuito de amenizar o sofrimento e dividir
os cuidados. No caso de uma doena grave e principalmente estigmatizante, como a aids,
afloram no seio desta famlia vrias dificuldades enfrentadas medida que o cuidado precisa
ser prestado. A interao dos membros da famlia, seus valores e crenas interferem
sobremaneira na forma como a necessidade do cuidado percebida e como ele executado.
Com as mudanas ocorridas atravs do tempo, hoje as famlias se vem aladas a
assumirem novos papis e arranjos familiares, no mais to fortemente delimitados quanto
outrora. As funes dos pais que antes eram responsveis pelo estabelecimento das regras e
valores para os filhos, esto descentralizadas do ncleo e entregues ou ao menos
compartilhadas com as tias, avs, babs, entre outros.
Este compartilhamento pode ser fortalecido ainda mais nas famlias portadoras de
doenas crnicas, as quais convivem de maneira muito prxima com a possibilidade de perda
de um ente. Diante da situao, preciso recorrer a bases que a apiem em momentos de
agravamento da doena ou da morte. Em casos de doena fsica, especialmente as crnicas, o
foco da preocupao o sistema criado pela interao da doena com o indivduo, famlia ou
outro sistema biopsicossocial (CARTER; McGOLDRICK, 1995).
De modo geral, a doena crnica, a exemplo da aids, apresenta uma forma de
estressor para a famlia e o indivduo. Diferentemente da crise sbita, ela exige o
reajustamento na estrutura, nos papis, a soluo de problemas e manejo afetivo da famlia
que ficam comprometidos por um longo perodo.
Portanto, a exausto gerada por uma doena crnica na estrutura familiar, como o
abreviamento da vida ou a morte, so fatos muitos crticos, de profundo impacto emocional.
Alm disso, a expectativa quanto s possibilidades de cura ou durao da doena torna o
paciente um constante sobrevivente, e ele tem dificuldades de traar o seu plano de vida
19
futura ou de seus familiares, em especial os mais prximos. Tal perspectiva de perda
compromete a manuteno de uma estrutura familiar equilibrada, e, s vezes, provoca o
afastamento do familiar do ser doente com vistas a se preservar emocionalmente. Algumas
famlias, porm, se ajustam melhor a mudanas no seu ciclo, e so capazes de suportar
estados emocionais mais complexos, e at trocam papis previamente definidos com maior
facilidade. Enfim, tentam resolver seus problemas de forma mais eficiente, utilizando-se dos
recursos externos com maior xito.
Como uma doena estigmatizante, a aids cria forte tenso no ciclo familiar, pois a
famlia divide sua energia no intuito de proteger-se contra os outros provveis danos causados
pela doena ou pelo tratamento ao longo do curso da doena ou morte, com esforos
progressivos para reestruturar-se ou resolver um novo problema. uma doena que est
compreendida nas doenas de forma progressiva, pois vai evoluindo em severidade e requer
contnua adaptao e mudana de papis. Isto, mais uma vez, desencadeia tenso crescente
nas pessoas que prestam cuidados, motivados tanto pelos riscos de exausto como pelo
contnuo acrscimo de novas tarefas ao longo do tempo.
Conforme visvel, aqueles expostos ao vrus, em particular as crianas, tambm
precisam de acompanhamento para monitorar sua sorologia. Pacientes com aids so bastante
vulnerveis a vrias infeces e seu tratamento pode variar a cada nova consulta na unidade
de sade, exigindo do cuidador um novo ajuste ao esquema e reestruturao na rotina
familiar. Assim, o cuidador dessa criana tambm exposto a essa adaptao no seu
cotidiano.
Esses momentos de aumento de tenso no s fragilizam o doente como acarretam
uma forte carga emocional ao cuidador. Em face disto, indispensvel recorrer a fontes de
apoio dentro ou fora da famlia. Esta busca de auxlio pode ser vista de maneira muito clara
quando construdos o genograma e o ecomapa de uma famlia com criana portadora de
HIV/aids. Diante do registro da situao familiar e social, percebemos os locais mais
procurados para auxlio nos momentos de dificuldade e assim podemos compreender se esta
dinmica familiar est alterada ou no, e propor formas mais eficazes de resoluo dos seus
problemas.
Para se trabalhar a doena em qualquer famlia faz-se necessrio compreender
como a questo colocada no campo comum e na histria individual de cada componente.
Trata-se de um trabalho simultneo para o qual requer a compreenso de cada um com seus
diferentes papis, sua dificuldade em solicitar ajuda dentro ou fora do ciclo familiar, e sua
disposio em cumprir a tarefa proposta.
20
Algumas famlias so mais flexveis; outras, mais rigorosas. Mas a doena pode
tornar mais rgida uma disfuno familiar preexistente, tendo assim um nvel mais elevado de
reatividade, e tornando o prognstico para este tipo de famlia mais reservado. Para corrigir
um fator doentio com mais eficincia, importante o conhecimento do funcionamento
familiar com e sem doena crnica.
Como observado, a doena exerce uma fora centrpeta sobre o sistema familiar,
de socializao com a enfermidade. Os sintomas, a perda de funo e as exigncias de
mudanas por causa da doena, alm do medo da perda atravs da morte, levam a famlia a
criar um novo foco interno (CARTER; McGOLDRICK, 1995). No referente aids,
essencial que a famlia lide com as demandas da doena sem comprometer o seu
desenvolvimento ou o de seus membros. Muitas vezes, planos de vida tiveram de ser
cancelados, adiados ou alterados em virtude deste diagnstico. Nessa situao, preciso saber
quem foram os mais afetados a fim de prevenir crises desenvolvimentais.
De acordo com a contextualizao e subjetividade de cada ser, experincias
trocadas entre os seres da mesma famlia, diante da realidade, tm um significado nico
(GOMES; PEREIRA, 2005). A presena de uma doena como a aids torna estas experincias
mais intensas e com significados mais dolorosos, marcando profundamente o seio da famlia.
Como forma de auxlio para o enfrentamento da doena, as famlias recorrem a determinadas
estratgias, entre estas, a religiosidade. Mas a busca de suporte social maior pelos
cuidadores com melhor nvel de escolaridade (SEIDL et al., 2005). Assim possvel supor
que escolaridade mais elevada possa facilitar o acesso informao, gerando mais facilidade
em falar sobre a enfermidade, obter apoio e fortalecer a rede social.
medida que a famlia se depara com dificuldades para cumprir eficazmente sua
tarefa de amparo aos seus membros, criam-se situaes de vulnerabilidade, pois, para ser
efetiva, a famlia depende de condies para sustentao e manuteno de seus vnculos
(PETRINI, 2003). Como divulgado por pesquisadores, estabelecer vnculos prprio do ser
humano, e a famlia, como grupo primrio, o lcus para concretizao desta experincia.
Ainda como afirmam, a confiana do indivduo de estar bem no mundo e com os outros
transmitida mediante sua situao dentro da famlia. Laos afetivos abalados ou quebrados
fragilizam esta condio (GOMES; PEREIRA, 2005).
Entre os seres humanos, as formas de estabelecimento deste vnculo variam
bastante. Na contemporaneidade vemos uma revoluo no modo como formamos laos e
ligaes com os outros; contudo, nenhum tipo de formao familiar, seja ela nuclear ou de
qualquer outra, melhor ou pior que as outras. uma diversidade, sem termos a certeza das
21
suas vantagens ou desvantagens para o ser humano e principalmente para as crianas
(AMAZONAS et al., 2003).
De acordo com pesquisa feita por Cazenave et al. (2005), a necessidade de apoio
social mais importante que a necessidade de conhecimento em famlias expostas ao HIV, e
em relao ao recebimento de ajuda quanto aos conflitos familiares, a melhor forma seria por
meio de aconselhamento por profissionais de sade envolvidos num processo de escuta e
apoio aos outros. Assim, com a finalidade de atuar diante destes desajustes, essencial
detectar as repercusses que doenas como a aids podem acarretar nas famlias buscando
melhores alternativas de lidar com tal doena.
Intervenes psicolgicas destinadas ao fortalecimento da rede social de apoio e
modificaes das estratgias de apoio s famlias so necessrias para o melhor enfrentamento
da doena e diminuio das repercusses negativas possveis de advir para a famlia em
discusso. Nesse aspecto, nvel socioeconmico e de escolaridade influencia nessa deciso.
Segundo observamos no nosso cotidiano ao trabalharmos com famlias nas quais existem
crianas portadoras do HIV, aquelas com condies socioeconmicas mais precrias e
escolaridade baixa so mais afetadas com estas repercusses por no saberem onde buscar
apoio social.
Ademais, existem vrias dimenses sociais que justificam este trabalho, sendo
perceptvel o grande contingente de famlias acometidas pela doena junto com suas crianas,
apresentando dificuldades de convivncia e insero na sua comunidade.
1.4 Criana portadora do HIV
A infncia uma fase da vida extremamente delicada e importante e requer
investimentos significativos na rea afetiva e de suporte social (DESLANDES; ASSIS;
SANTOS, 2005). Crianas acometidas pela aids vivem sob o preconceito e estigma ainda
fortemente arraigado na nossa sociedade. De modo especial, elas precisam de proteo
especfica para um desenvolvimento psicolgico, fsico e social saudvel.
Na manuteno da sade da criana, h muitos obstculos a serem enfrentados
para a implementao de aes com vistas a um novo paradigma, introduzindo conceitos e
aes facilitadores de promoo da sade. Estas aes devem ser acionadas por meio de
estratgias das quais participe a famlia responsvel pela criana e detentora de um saber que
deve ser aperfeioado pelos profissionais de sade (QUEIROZ; JORGE, 2006).
Para isso, inicialmente, deve se contar com um adulto responsvel pela prestao
dos seus cuidados, no intuito de ajud-la a suprir suas necessidades de criana, independente
22
do seu estado sorolgico para a aids. Num outro ngulo, ela tambm precisa ser vista sob o
aspecto de portador do HIV, que requer cuidados especficos quanto ao controle da doena e
seu convvio social. Estes cuidados, geralmente, tm sido desempenhados pela me gentica
da criana.
Em caso de crianas acometidas pelo HIV, a famlia deve ter seu foco voltado
para aes educativas, respaldada por profissionais de sade. Juntos, devem construir um elo
consistente entre famlia servio de sade enfermeiro para que este ltimo possa atuar na
frente promotora de aes educativas e de cuidado s mes portadoras de HIV e seus filhos
expostos ao vrus ou no. Dessa forma, pode-se proporcionar-lhes mais conhecimento e mais
habilidade no cuidado prestado no domiclio.
Em qualquer doena crnica significativa na criana deve-se buscar saber como
essas famlias se organizam para lidar com as vrias tarefas exigidas quanto ao cuidado da
pessoa doente. Observar se os pais assumiram excessivas responsabilidades, ou foram
protegidos de envolvimento, ou o que eles aprenderam sobre a doena fundamental. Com
estas informaes pode-se antecipar reas de conflito e consenso (CARTER; McGOLDRICK,
1995).
Por ser a aids uma doena crnica que impe constantes questionamentos ao
grupo familiar onde est inserida, exigindo decises quanto ao tratamento mdico e s
relaes de mbito social, espiritual e de estilo de vida, quando uma famlia se v diante de
uma criana afetada pela doena, na maioria dos casos, a me assume o cuidado. Esta me
tem de se adaptar demanda do cuidado, sobretudo porque outras atribuies j lhe eram
delegadas. Esta nova tarefa exige profunda dedicao e forte trabalho psicolgico a fim de
direcionar devidamente as deliberaes a serem tomadas acerca do cuidado geral com a
doena (CAZENAVE et al., 2005).
Para Ayres (2001), cuidar de algum mais que intervir sobre ele, construir
projetos. O cuidado deve ser includo na totalidade das reflexes e intervenes em sade,
com sua proposta tambm aplicada na famlia, na medida em que ela funciona como um
espao privilegiado para os cuidados de sade.
O interesse no cuidado das crianas deve ser pensado tambm a partir do sistema
de crenas que cercam a famlia. Nesse caso, so importantes experincia prvia do
cuidador bem como as mensagens transmitidas por parentes, profissionais de sade e
instncias religiosas. Neste aspecto tm nfase as necessidades da criana. Outro aspecto
menos explcito o cuidado da criana permeado pelas gratificaes que os adultos obtm por
23
estar fazendo o bem ou, ainda, a dedicao das mes como uma forma de se sentirem menos
culpadas pela contaminao do HIV nos filhos (BUSTAMANTE; TRAD, 2007).
Como evidenciamos, o medo do estigma social e o sentimento de culpa ou
vergonha por ser portador do HIV afetam sobremaneira o comportamento dos membros da
famlia, alterando sua rotina dentro e fora do ambiente familiar. Isso gera relaes
conflituosas entre os cuidadores diretos da criana (pai e me), e podem surgir divergncias
quanto ao cuidado prestado, e, tambm, quanto ao enfrentamento da famlia diante do
diagnstico, da comunidade e do ambiente escolar. Em muitas famlias parece se estabelecer
um pacto de silncio em relao ao estado sorolgico da criana. Quase sempre se faz uma
revelao seletiva, ou seja, s confidenciado o estado de infeco pelo vrus queles em
quem a me confia, em virtude do medo do preconceito, principalmente na comunidade onde
vivem e na escola.
Para a me, o preconceito visto como um distanciamento dos outros seres por
conviver com uma criana portadora de aids. Assim, para no ser percebida pelo outro dessa
forma, prefere omitir a condio sorolgica da criana, e conseqentemente sua prpria
histria familiar. Ainda na concepo dela, o interesse do outro especulativo e depreciativo,
servindo apenas para comentrios e no para auxili-la na vivncia com a aids
(SCHAURICH; PADOIN, 2008).
Como mostra o dia-a-dia, a exposio ao HIV na criana representa uma
experincia de intenso sofrimento, pois alm de limitar suas atividades cotidianas por causa
das infeces oportunistas, pode promover atitudes superprotetoras ou discriminatrias das
pessoas que com ela convivem. Sobre a me destas crianas recaem o peso da culpa da
transmisso para o filho e a sobrecarga do cuidado intenso e diferenciado (SILVA et al.,
2008). Ademais, a superproteo da me e de outros membros da famlia potencializa
eventuais problemas emocionais e comportamentais da criana, tornando a interao me-
criana inadequada com maior chance de atraso e dificuldades no desenvolvimento da
criana, alm de provocar limitaes sociais e cognitivas.
Tais repercusses devem ser trabalhadas eficazmente e com profundo
conhecimento de causa no intuito de amenizar sobremaneira os danos causados pelo impacto
da doena na vida destas pessoas. A qualidade de vida de crianas e jovens pode ser
totalmente afetada pela epidemia da aids. Elas podem no apenas sofrer a perda do convvio
dos pais ou parentes, como ter sua prpria sade comprometida (FRANA-JUNIOR;
DORING; STELLA, 2006). Conforme evidenciado, as questes psicossociais e as
dificuldades enfrentadas por crianas soropositivas e seus familiares revelam a importncia de
24
serem estas efetivamente identificadas e valorizadas pela equipe de sade, em uma
perspectiva de ateno integral e interdisciplinar (SEIDL et al., 2005).
A adaptao dos pais soropositividade um decisivo fator na determinao do
ajustamento da criana vivendo com aids. Diante da situao, muitas famlias desenvolvem
estratgias de enfrentamento voltadas para a normalizao da sua rotina, investindo na
manuteno da sade e na busca da insero social de forma cautelosa com vistas a minimizar
os prejuzos sociais e psicolgicos causados pela doena.
Inegavelmente, em decorrncia do nmero de crianas que esto chegando
segunda infncia crescente a busca por apoio psicolgico de familiares, crianas e
adolescentes soropositivos. Como principais demandas dos familiares em relao aos
profissionais de psicologia citamos os seguintes: como lidar com a curiosidade sobre o
diagnstico, quando e como revelar a soropositividade para a criana, quais as dificuldades de
adeso ao tratamento, dvidas e preocupaes relacionadas escolarizao e chegada da
puberdade. Isto aponta para os crescentes e novos desafios impostos aos familiares e equipe
de sade (SEIDL et al., 2005).
Outro problema a se somar prpria doena a depresso. Muitas vezes, a
sensao de desamparo para lidar com a aids devido ao estigma e preconceito ainda
fortemente presentes na nossa sociedade contribuem para o aumento do nmero de casos de
depresso encontrado nos portadores da doena. Mes de crianas infectadas convivem com
este agravante por tentarem proteger seus filhos deste tipo de discriminao, alm de
enfrentarem as incertezas da evoluo da doena.
De acordo com a nossa percepo como integrantes do grupo de pesquisa Ncleo
de Estudo em HIV/aids e Doenas associadas, em atendimento a famlias com crianas
expostas ao HIV, as mes buscam um novo sentido para a vida, como sua auto-afirmao e
redefinio de relacionamentos, na tentativa de superar a dor de ter seu filho contaminado e
proteg-lo de possveis agresses psicolgicas dirigidas ao portador do HIV. Isto acarreta
nelas um forte estresse emocional que precisa ser trabalhado e principalmente dividido com os
membros desta famlia.
Alm desse estresse, preciso conviver com a carga econmica decorrente do
cuidado do doente com aids, diante de sua cronicidade e do longo perodo de tratamento que
as mes enfrentam com seus filhos. Tudo isto, associado impossibilidade de trabalhar fora
em virtude do seu estado de sade ou por discriminao social, provoca intensa repercusso
dentro da famlia (CAZENAVE et al., 2005).
25
De modo geral, as crianas expostas ao vrus e suas mes portadoras do HIV
compartilham dificuldades ao lidarem com situaes relacionadas ao vrus, como a adeso ao
tratamento, sentimentos de raiva, solido, baixa auto-estima, entre outras. Acrescentam-se
ainda, as precrias condies socioeconmicas, como a pobreza e o acesso aos recursos
mdicos e sociais (SEIDL et al., 2005). Familiares e cuidadores deparam-se com um dos mais
dolorosos desafios, tais como a revelao do diagnstico, o incio e a continuidade da
escolarizao, a adeso a um tratamento complexo e de longo prazo, a chegada da puberdade
e o incio da vida sexual. preciso, pois, dispensar-lhes assistncia, acompanhamento e apoio
especializado.
Analisar condies de sade sob as quais vivem as crianas essencial para
compreender todas as circunstncias presentes na vida dos que esto convivendo com a
infeco. Nesse caso, mencionamos especialmente os menores de idade, dependentes de
adultos responsveis para seu cuidado, muitos dos quais so infectados e vivenciam outras
mazelas advindas da infeco. Quase sempre cabe as mes genticas soropositivas
desempenhar seu papel como cuidadoras primrias. Elas participam do processo de
desenvolvimento de seus filhos, graas ao reflexo das polticas pblicas que permitem o
acesso universal ao tratamento anti-retroviral, propiciando melhor qualidade de vida e de
sade aos que vivem com aids (SEIDL et al., 2005).
Nesse universo de dores, a infeco do HIV em crianas cria espaos de
vulnerabilidade, pois os responsveis, sobremodo os pais, sentem-se culpados pelo
surgimento da doena. Isto contribui fortemente para a desestruturao familiar, repercutindo
de forma mais intensa nos membros mais sensveis. Consequentemente, produz sofrimento e
leva o indivduo responsvel pela criana infectada descrena de si mesmo, tornando-o
frgil e com baixa auto-estima. Instala-se, assim, um sentimento desagregador. Mas hora de
unio. Juntos os membros da famlia devem procurar alternativas de enfrentamento da
doena, mas nem sempre agem de acordo com um consenso. Isto, por vezes, gera situaes de
conflito para as quais se exige a devida interveno a fim de no prejudicar a criana enferma.
Impe-se, ento, uma questo fundamental: a necessidade de promoo e apoio a
estas famlias com crianas nascidas expostas ao HIV ou j infectadas, por meio de polticas
sociais bem articuladas e focalizadas. Inegavelmente, as polticas pblicas so fatores
decisivos para o alcance dos objetivos prioritrios com vistas melhoria das condies de
vida da criana portadora do HIV no seio familiar ou na comunidade onde vive. A famlia, os
grupos sociais e instituies, mediante os cuidados prestados, podem influenciar sobremaneira
26
a possibilidade de sobrevivncia e de qualidade de vida das crianas afetadas direta ou
indiretamente pelo HIV.
Contudo, uma pergunta fundamental: Como ajudar as mes de crianas
portadoras de HIV a amenizar o sofrimento de suas crianas e como orient-las a construir
junto com seus filhos projetos de vida e de felicidade em um contexto de vida alterado pelo
HIV?
A resposta exige das mes tomar decises em benefcio dos seus filhos, associada
rotina diria. Tal exigncia pode gerar srias conseqncias porquanto estas decises nem
sempre traro o efeito desejado. Mencionado processo de deciso inclui desde no fazer nada
ou tomar decises-chaves na conduta do cuidado. Surge, assim, mais um condutor de estresse
para a famlia, pois fica configurado o dilema das mes ao terem de adotar a melhor conduta
no cuidado de seus filhos (CAZENAVE et al., 2005).
Diante de tanto estresse, todos se abalam. Por isto, este crescimento psicolgico
deve ser trabalhado no apenas no ser exposto ou infectado com o vrus, mas em toda a
famlia. Nesse momento, as mes deparam-se no apenas com o prprio sofrimento motivado
pela doena, mas tambm com a angstia de ter um filho nascido exposto. Ademais, muitas
vezes elas aguardam desesperadamente pelo estabelecimento do diagnstico da criana.
Em face da doena, surge uma nova realidade. Famlias que tm crianas
portadoras do HIV devem se reconstruir de acordo com a nova realidade; devem buscar meios
de enfrentar o dia-a-dia, tentando amenizar seu sofrimento e criando alternativas para manter
a socializao delas no seio familiar, na comunidade e no colgio. preciso ter sempre
presente o foco da sua ateno a proteo e o cuidado prioritrio da criana portadora do
HIV.
Como evidenciado, as crianas destas famlias tendem a ser protegidas
excessivamente. Tal proteo pode dificultar a convivncia da criana com as questes que
por ventura surjam no seu cotidiano, quer de ordem biolgica ou emocional. Fatores como
estes precisam ser trabalhados no intuito de minimizar os estresses vividos por doentes e
cuidadores, prevenindo a sobrecarga de papis e dando autonomia vigiada para as crianas
buscarem solues para resoluo dos seus problemas de acordo com a sua capacidade
cognitiva e fsica. Deve-se ajud-las, mas apenas quando necessrio.
Crianas portadoras de HIV precisam de muita aceitao em seu convvio
familiar, porm devem ser tratadas do mesmo modo das outras crianas no portadoras do
vrus. Trat-las diferentemente acentuar o preconceito, e pode dificultar o seu convvio com
as outras esferas alm do grupo familiar.
27
Aparentemente, lidar com a doena crnica e a morte so tarefas da vida adulta.
No entanto, crianas ou jovens tambm podem viver esta experincia, a qual, quando ocorre,
tende a atingir de forma mais agressiva a estrutura familiar. Isto afeta significativamente o
sentimento de continuidade do ciclo de vida destes familiares e at seus direitos. Em estudo
recente sobre crianas e adolescentes portadores de HIV/aids, afetados no-rfos e rfos por
aids, h indcios de comprometimento de vrios direitos, como sade, educao, moradia,
alimentao, discriminao, integridade fsica e mental (FRANA-JUNIOR; DORING;
STELLA, 2006).
Estes direitos precisam ser assegurados e fiscalizados pela populao em geral e,
particularmente, por ns profissionais da rea de sade que lidamos diretamente com
portadores do HIV. Dessa forma, poderemos trabalhar na linha de frente, de maneira
interdisciplinar, na reduo das repercusses emocionais e sociais causadas pelo HIV, tendo
como objetivo principal assegurar o pronto atendimento a todos os infectados pelo vrus, em
qualquer esfera, seja ela clnica, psicolgica ou social.
Apesar das limitaes, o uso dos servios de sade para atender as crianas est
bastante valorizado, indicando a tendncia segundo a qual as crianas so levadas aos servios
de sade com mais facilidade e freqncia que os adultos. Toda criana deve ter
acompanhamento peditrico preventivo (BUSTAMANTE; TRAD, 2007). Contudo, ante a
dificuldade no acesso aos servios de sade, comum as mes tentarem resolver os problemas
de sade das crianas no contexto familiar antes de procurar os mencionados servios. Diante
desta lacuna importante perceber o cuidado infantil como um espao privilegiado de contato
entre mes e profissionais de sade.
Para pensar este contato, essencial considerar o carter intersubjetivo do cuidado
de modo que, ao atender uma criana exposta ao HIV, se est atendendo tambm a sua
famlia, pois a criana em si mesma um projeto familiar, bem como uma significativa fonte
de gratificao para a me ou parentes que a cuidam. Os enfermeiros tm o importante desafio
de conhecer a criana e sua famlia, conhecer seus projetos e participar deles de alguma forma
(BUSTAMANTE; TRAD, 2007).
Diante do apresentado, este estudo tem como tese a seguinte proposio: Famlias
com crianas nascidas expostas ao HIV sofrem repercusses que alteram o seu cotidiano.
28
2 OBJETIVOS
Os objetivos deste trabalho foram construdos com base na seguinte tese: Famlias
que possuem crianas nascidas expostas ao HIV sofrem repercusses que alteram o seu
cotidiano. Assim temos os seguintes objetivos geral e especficos:
2.1 Objetivo Geral
Identificar as repercusses da infeco pelo HIV/aids no cotidiano das famlias
com crianas infectadas pelo vrus.
2.2 Objetivos Especficos
Compreender a configurao familiar e os suportes utilizados para
manuteno da rotina da famlia onde vivem crianas infectadas pelo
HIV/Aids;
Entender como elas se relacionam no seio familiar, na comunidade em que
vivem na escola ou creche e com o servio de sade do qual fazem uso sob
a tica da me responsvel pelo cuidado direto da criana.
29
3 CONSIDERAES METODOLGICAS
Trata-se de estudo descritivo com abordagem qualitativa que surgiu concomitante
a uma ampla pesquisa destinada a avaliar condies de sade, convivncia familiar e
comunitria de crianas nascidas sob risco da transmisso vertical do HIV ou que vivem com
aids em Fortaleza-Cear.
A pesquisa qualitativa possibilita aos pesquisadores da enfermagem que transitam
nas relaes interpessoais de assistncia sade e doena, uma coerncia e um
aprofundamento das experincias individuais que nenhum outro mtodo capaz (ZIMMER,
2008).
Realizou-se uma avaliao utilizando-se critrios de incluso e excluso entre
adultos freqentadores do ambulatrio de HIV/aids do hospital onde o estudo comeou a ser
desenvolvido, e que tinham em seus lares crianas nascidas sob exposio ao vrus ou
infectadas e que faziam acompanhamento no servio. Este foi o primeiro passo para delimitar
a populao.
3.1 Local do estudo
O estudo iniciou-se no ambulatrio de um hospital de referncia no Estado do
Cear para o atendimento de doenas infectocontagiosas e que possui a maior demanda de
acompanhamento de pacientes com HIV/aids.
Mes que acompanhavam seus filhos em atendimentos de rotina neste hospital
foram convidadas aleatoriamente a participar da pesquisa (pr-seleo dos sujeitos). Neste
primeiro contato o pesquisador, aps se identificar, explicava me o tipo de trabalho ento
proposto, e pedia autorizao para a coleta de dados a ser realizada no domiclio. Nesse
momento esclarecamos para a me que l ela poderia se reportar mais facilmente s situaes
do seu cotidiano e responder com mais profundidade as perguntas.
Alm disso, a coleta de dados no domiclio nos permitiu conhecer de perto parte
da realidade relatada pelas mes durante a entrevista e fazer anotaes em um caderno de
apoio no qual registramos informaes que consideramos importantes para a anlise de dados
posteriormente.
Por vezes houve resistncia de algumas mes em aceitar a visita domiciliar, tendo
em vista que elas temiam que outros familiares ou vizinhos que desconhecessem o
diagnstico desconfiassem da visita dos pesquisadores. Por entendermos este contato
30
domiciliar essencial para uma maior clarificao da situao estudada, falamos
detalhadamente com cada uma, enfatizando que o sigilo e a discrio seriam mantidos. Aps
as explicaes sobre o contato posterior nenhuma me recusou a visita domiciliar. Assim,
como recomendado pelas normas ticas em pesquisa com seres humanos, para manter o sigilo
das famlias, o nome das mes foi substitudo por pseudnimos de origem grega.
3.2 Populao/sujeitos e perodo do estudo
Neste estudo trabalhamos com dois tipos de sujeitos: o direto e o indireto.
Enquanto o sujeito direto foram mes genticas responsveis pelo cuidado direto do filho, o
indireto foram crianas sob o cuidado materno vivendo em famlia. Assim, a populao
constituiu-se de famlias com no mnimo um binmio me e filho.
Para a seleo das famlias adotamos os seguintes critrios e passos para comp-
las a partir de uma pr-seleo realizada no servio. So eles:
- Me que possuir pelo menos uma criana (0 a 12 anos) nascida sob exposio de
risco da transmisso vertical ou com diagnstico definitivo de infeco pelo HIV/aids;
- Famlia cuja me biolgica permanece com a criana naquele domiclio;
- Famlia residente no municpio de Fortaleza;
- Criana e me acompanhadas no ambulatrio do hospital escolhido para a pr-
seleo das famlias;
- Aceitao voluntria como participante da pesquisa.
O convite para participao das entrevistas em profundidade foi efetivado at
obtermos saturao dos dados (repetio/clarificao/evidncias a que se quer buscar). Desse
modo, a princpio, no estabelecemos nmero adequado de famlias para esta forma de
avaliao. Assim, a pesquisa contou com um total de 21 mes entrevistadas. Destas famlias,
quatorze crianas tinham sorologia negativa confirmada para o HIV, seis tinham diagnstico
de HIV positivo e uma criana tinha sorologia ainda inconclusiva.
Quanto coleta de dados, ocorreu nos meses de julho a dezembro de 2008.
3.3 Coleta de dados e instrumento para captao de dados
Para a captao de dados utilizamos como recurso a entrevista gravada, realizada
com o auxlio de um roteiro com questes norteadoras (APNDICE A) e um questionrio que
avalia a funcionalidade familiar denominado de APGAR familiar (APNDICE B). O roteiro
possibilitou a captao das seguintes informaes: endereo e ponto de referncia do
domiclio (obtidos na pr-seleo), identificao dos familiares com iniciais do nome, idade,
31
sexo e parentesco, situao civil, ocupao (situao funcional), escolaridade (anos de estudo)
e renda familiar. E, ainda, instituies e servios de sade prximos da residncia, escola e
ambientes para lazer (praa/parque/praia/cinema).
Ademais, o roteiro ainda contemplou espao para a descrio do ambiente no qual
a criana vive, como tipo de casa, nmero de cmodos e condies de saneamento, bem como
qualquer outro achado que o pesquisador considerou relevante para o trabalho na segunda
etapa da pesquisa feita no domiclio da famlia.
Com vistas ao objetivo proposto, foram elaboradas questes norteadoras, como:
- Como a famlia vivencia a situao de ter em seu contexto uma criana infectada
pelo HIV?
- Para os integrantes da famlia houve situaes que se tornaram mais difceis no
cuidado desta criana?
- Em algum perodo ocorreram situaes ou problemas com algum dos familiares
para cuidar da criana?
- Como tem sido a convivncia dos membros da famlia com a criana infectada
pelo HIV?
Quanto ao questionrio do APGAR familiar, depois de aplicado, fizemos a
contagem dos escores e estabelecemos o grau de funcionamento no prprio domiclio. Para as
famlias consideradas severamente disfuncionais construmos o genograma e o ecomapa para
dar maior visibilidade do contexto estudado.
Para a realizao da entrevista no domiclio fazamos um agendamento prvio por
telefone com a me no dia e horrio mais convenientes para ela. A coleta de dados no
domiclio durou em mdia duas horas e neste contato sempre estavam presentes duas
entrevistadoras. Dessa forma, enquanto uma dava seguimento s perguntas do roteiro de
entrevista, a outra anotava em um caderno de apoio situaes e caractersticas do ambiente
consideradas relevantes para o estudo.
Para a maioria das mes entrevistadas, as entrevistas constituram um duro
momento. Diante disso, muitas vezes em virtude do choro das mes, era preciso interromp-
las. Falar da sua convivncia com a doena lhes fazia relembrar a trajetria percorrida desde a
descoberta do diagnstico, o medo da confirmao do contgio do filho e todas as
dificuldades vividas pela famlia, particularmente as financeiras (algumas relatavam faltar
comida constantemente em casa), s relacionadas ao apoio social e situaes de discriminao
no percurso da doena.
32
Por se tratar de pessoas carentes, quase todos os domiclios das famlias situavam-
se em bairros de periferia e de difcil acesso para o pesquisador. Isto por vezes colocou em
risco sua integridade e foi necessrio inclusive em determinado momento o apoio policial para
termos acesso moradia de uma famlia pr-selecionada. Conforme estabelecido, nenhuma
famlia poderia ser descartada da pesquisa aps preencher os critrios de incluso e aceitar
participar, em face da dificuldade em captar famlias com estas caractersticas, pois elas
temem que seus dados possam ser expostos e passem a ser vtimas de discriminao.
3.4 Anlise dos dados
Nesta etapa utilizamos diferentes recursos para a anlise dos dados dos
entrevistados cujas falas/depoimentos foram submetidos anlise especfica que constou de
agrupamento dos temas em forma de categorias temticas, em consonncia com o referencial
proposto por Bardin (1999), seguindo os seguintes passos:
a) Transcrio das falas/depoimentos;
b) Leitura de todas as entrevistas e, quando necessrio, retorno s fitas para se
evidenciar outras formas de comunicao: tom da voz, expresso de tristeza (choro) ou alegria
(riso) entre outras formas que conduzem a um significado diferenciado;
c) Aplicao de escore de acordo com a aplicao do questionrio APGAR
familiar a cada famlia entrevistada;
d) Aproximao de assuntos semelhantes referidos nas falas (temas);
e) Construo de genograma e ecomapa para as famlias consideradas
severamente disfuncionais.
Deste modo, as categorias subsidiaram a discusso dos dados e fundamentaram a
anlise de contedo. Como afirma Chizzotti (2006), a anlise de contedo uma dentre as
diferentes maneiras de interpretar o contedo de um texto/entrevista que se desenvolveu de
forma aberta, adotando-se normas sistemticas de extrair os significados temticos ou de
significantes lexicais, por meio dos elementos mais simples de um texto/depoimentos.
Os dados da constituio familiar deram origem a ecomapas e genogramas das
famlias consideradas severamente disfuncionais de acordo com o total de escores obtidos
aps a aplicao do questionrio do APGAR familiar e tiveram sua estrutura analisada em
associao com as entrevistas (falas).
No caso das famlias altamente insuficientes o uso do ecomapa e do genograma
teve como objetivo compreender a configurao familiar e os suportes utilizados para
33
manuteno da sua rotina. O genograma nos d um retrato da rotina da criana no seio
familiar, mostra suas atividades nos momentos de lazer, a ida ou no escola, a busca pelas
redes sociais de apoio e os centros de sade.
Destacamos tambm relaes familiares conflituosas e de proximidade alm da
convivncia familiar e do acompanhamento em servios de sade.
3.5 Genograma
Genograma a representao grfica, por meio de smbolos (crculos, quadrados e
linhas) da composio familiar e dos relacionamentos bsicos. Ele permite ver de forma
rpida e clara quais membros constituem a famlia, com vnculos consangneos ou no,
identificando idade e ocupao, retratando ainda o lugar ocupado por cada um dentro da
estrutura familiar (CASTOLDI; LOPES; PRATI, 2005).
So retratos grficos da histria e do padro familiar desvelando sua estrutura
bsica, demografia, funcionamento e os relacionamentos da famlia. uma taquigrafia
utilizada para descrever os padres familiares primeira vista (CARTER; McGOLRICK,
1995).
O genograma considerado uma importante ferramenta para obter informaes
sobre o indivduo e sua famlia, e utilizado h muito na rea da sade. Por esta ferramenta,
tem-se uma viso lgica dos padres de repetio de patologias e relaes intrafamiliares
sobre os quais se pode intervir de forma preventiva, na qual paciente, profissional de sade e
famlia tornam-se co-responsveis pelo processo assistencial (MACHADO et al., 2005).
Pelas representaes grficas do genograma podemos identificar os vrios
arranjos familiares e como as famlias funcionam. Desse modo, podemos desvendar toda a
trama envolvida, especificamente as condies de sade e convivncia familiar de crianas
verticalmente expostas.
Como no existe um tipo padro de estrutura familiar por meio do genograma
que iremos buscar o entendimento e os modos de agir preventivamente e de forma promotora
de sade no ncleo destas famlias estudadas. Por ser o ciclo de vida familiar circular e
repetitivo, podemos comear a contar a histria da famlia em qualquer momento. O
genograma , pois, um timo meio de retratar de maneira clara, simples e objetiva como os
cnjuges esto conectados s suas prprias famlias e seus papis dentro delas.
Por ele identificamos a famlia atual do sujeito (paciente) e a situao dos casais
(divrcio, concubinato, etc.). Doenas graves tambm so identificadas assim como o que
cada famlia faz para buscar o auxlio em caso de doena e onde o procuram. Vrios fatores
34
podem ser includos no genograma para que ele nos auxilie no alcance dos nossos objetivos,
pois atravs da representao grfica feita por ele entendemos com maior nitidez a trama
familiar existente.
Padres de interao familiar podem ser registrados via genograma, como a
ocorrncia de relacionamentos muito prximos, conflitados, rompimentos ou desavenas entre
duas ou mais pessoas, para entendermos a qualidade dos vnculos estabelecidos,
principalmente neste estudo que trata de crianas verticalmente expostas ao HIV dentro do
convvio com seus familiares (CASTOLDI; LOPES; PRATI, 2005).
Ainda conforme esses autores, por revelar informaes sobre a composio
familiar e outros dados importantes, como idade, trabalho, separaes, morte, entre outros, e a
visualizao de pelo menos trs geraes da famlia, o genograma vem sendo utilizado por
profissionais de sade da famlia como instrumento de abordagem eficaz para a compreenso
da dinmica familiar e avaliao dos diversos grupos de risco (comportamentais, ambientais,
sociais, etc.). Ele um instrumento imprescindvel na compreenso do contexto nuclear no
qual os processos sade/doena ocorrem. Nele a famlia entendida como foco central deste
processo, requerendo o uso de instrumentos de abordagem familiar capazes de retratar a
estrutura familiar com seus padres de relacionamentos e conflitos, possibilitando a
compreenso do processo de um indivduo adoecer a partir de suas relaes intrafamiliares e
dos aspectos psicossociais envolvidos. Enfim, reflete fielmente as interaes e os conflitos
existentes entre os indivduos.
A ilustrao do genograma nos possibilita analisar com mais clareza em que
condies esta criana vive e como se d sua convivncia familiar e comunitria. Possibilita
tambm buscarmos fatores favorveis promoo da sua sade e fatores estressantes
prejudiciais ao projeto de felicidade dela.
Com o uso do genograma podemos sumariar as informaes, e verificar a preciso
do registro. Ele capaz ainda de mostrar como os relacionamentos interferem na gnese do
tratamento das doenas. Salientamos sua utilidade por agrupar informaes de distintas
fontes, de acesso imediato para uma consulta rpida, facilitando a tomada de deciso em
relao adoo de comportamentos e padres mais saudveis para se viver em famlia.
Segundo Revilla (1996), este instrumento propicia aos profissionais manejar
informaes sobre pessoas que no conhece, mas que so importantes no contexto familiar
dos pacientes, bem como detectar os casos nos quais medidas precisam ser tomadas para a
recuperao da sade ou diminuio dos riscos de adoecimento.
35
Coletar a informao necessria deve ser parte de uma extensiva entrevista clnica
e o genograma um grfico sumrio dos dados coletados. Muitas informaes podem e
devem ser omitidas para a devida compreenso do genograma (CARTER; McGOLDRICK,
1995).
Graficamente, o genograma constitui um diagrama que detalha a estrutura, o
histrico familiar e traz informaes sobre os vrios papis de seus membros e das diferentes
geraes que compem a famlia. de bastante utilidade em atividades preventivas adotadas
por equipes do Programa de Sade da Famlia (ATHAYDE; GIL, 2005).
No genograma cada membro da famlia representado por um quadrado ou
crculo, conforme seu gnero (masculino ou feminino) (Figura 1).
Mulher Homem
Figura 1 - Smbolos de acordo com o gnero
O paciente ou pessoa considerada o foco central da construo do genograma,
neste estudo, a criana, deve ser identificado com linhas duplas, pois ele a pessoa que
representa a disfuncionalidade familiar, sendo o motivo de busca de ajuda. Por vezes a ajuda
no para ele e sim para os outros ao seu redor (Figura 2).
Mulher Homem
Figura 2 - Smbolos para o paciente identificado de acordo com o gnero
Em caso de pessoas que j faleceram, acrescenta-se um X dentro do quadrado ou
crculo, conforme o gnero a ser identificado como morto (Figura 3).
Mulher falecida Homem falecido
Figura 3 - Smbolos representando o falecimento de acordo com o gnero
36
Segundo o modelo, as linhas que conectam os smbolos demonstram os
relacionamentos. Nestas mesmas linhas indicam-se as separaes com uma linha diagonal
como mostram as Figuras 4 e 5.
Figura 4 - Representao de matrimnio
Figura 5 - Representao de separao
Ainda segundo o modelo, as linhas representam o nvel de relacionamento em
uma famlia. A aliana que representada por duas linhas paralelas retrata uma afinidade
positiva entre duas pessoas como expe a Figura 6:
Figura 6 - Smbolo que representa a aliana
O conflito nas relaes pode aparecer sob a forma de um tracejado estremecido.
Figura 7 - Smbolo que representa relacionamento conflituoso
3.6 Ecomapa
Consoante a literatura, o ecomapa um desenho complementar ao genograma. Ele
versa sobre a representao grfica dos contatos dos membros da famlia com os outros
sistemas sociais, incluindo a rede de suporte sciossanitrio. De posse desse desenho,
podemos ter um melhor entendimento da composio e estrutura de relacionamentos da
famlia (ARAJO et al., 2005).
Evidenciar a presena ou ausncia de recursos sociais, culturais e econmicos o
retrato de um momento da vida dos membros da famlia. Assim, ele considerado dinmico,
37
pois sua estrutura mutante com o passar do tempo (NASCIMENTO; ROCHA; HAYES,
2005).
No ecomapa, as pessoas componentes da famlia e suas idades so colocadas no
meio do crculo enquanto crculos externos so os contatos da famlia com outras pessoas da
comunidade ou de grupos significativos.
Linhas indicam o tipo de conexo: contnuas ou duplas, ligaes fortes, relaes
slidas; pontilhadas, ligaes frgeis, relaes tnues; com barras ou talhadas, aspectos
estressantes ou relaes conflituosas.
Setas desenhadas ao lado das linhas significam o fluxo de energia e recursos.
Ausncia de linhas significa ausncia de conexo.
Assim, esquematicamente, podemos ter a representao da ausncia ou presena
de recursos sociais, culturais e econmicos, de determinado momento do ciclo familiar.
3.7 APGAR familiar
O instrumento Apgar de famlia foi desenvolvido por Smilkstein em 1978 e se
compe de cinco questes que possibilitam a mensurao do nvel de satisfao dos
componentes da famlia em relao a cinco aspectos considerados bsicos na unidade e
funcionalidade de qualquer famlia: adaptao, companheirismo ou participao,
desenvolvimento ou crescimento, afetividade e capacidade resolutiva (DUARTE, 2001).
Proveniente da lngua inglesa, o acrnimo APGAR assim traduzido:
Adaptation (Adaptao)
Partneship (Participao)
Growth (Crescimento)
Affection (Afeio)
Resolve (Resoluo)
Cada item desta avaliao representa um ponto a ser compreendido sobre a
funcionalidade da famlia em foco de acordo com a descrio a seguir:
1. Adaptao - relacionada aos recursos familiares oferecidos quando se faz
necessria uma assistncia;
2. Companheirismo ou participao - compreende a reciprocidade nas
comunicaes familiares e na soluo de problemas;
38
3. Desenvolvimento ou crescimento - associado liberdade, disponibilidade da
famlia para mudanas de papis e para alcance de maturidade ou
desenvolvimento emocional;
4. Afetividade - relacionada intimidade e s interaes emocionais num
contexto familiar;
5. Capacidade resolutiva - associada deciso, determinao ou resolutividade
existentes em uma unidade familiar.
No Brasil, a adaptao deste instrumento teve como objetivo verificar as
propriedades de medida do Family Apgar quando aplicado a idosos independentes,
dependentes e seus cuidadores (DUARTE, 2001). Como recomendado, os resultados obtidos
a partir da aplicao do Apgar devem ser transformados em escores de acordo com uma
escala de respostas que contm trs opes para cada um dos componentes a serem avaliados.
Os diferentes ndices de cada membro devem ser comparados para se avaliar o estado
funcional da famlia.
Assim como foi adaptado para ser aplicado em idosos independentes, pareceu-nos
oportuno fazer tambm uma adaptao deste instrumento para observar o nvel de satisfao
das mes com sorologia positiva ao HIV que tenham filhos verticalmente expostos ou com
sorologia j confirmada para o vrus em relao ao seu nvel de satisfao com seus
familiares.
Aps a adaptao para o uso em famlias portadoras do HIV, temos o seguinte
contexto para cada tpico mencionado. No quesito adaptao, identificaramos se a me est
satisfeita quando recorre famlia em busca de auxlio nos momentos de necessidade
(financeira, psicolgica, social, dentre outras) ou quando qualquer outra coisa a est
incomodando, relacionado ou no com a aids.
No segundo quesito, inerente ao companheirismo ou participao, buscamos a
compreenso de como esta me se sente diante da comunicao com seus familiares e da
busca de soluo para os problemas por elas enfrentados no seu dia-a-dia, ou de como estes
problemas so compartilhados. Quanto ao quesito de desenvolvimento ou crescimento,
exploramos o nvel de aceitao da famlia referente vontade das mes de buscarem novas
atividades (de trabalho, estudo ou lazer) e dar um novo direcionamento a suas vidas e de
seus filhos. A maneira como a afeio sentida pelas mes e como os familiares reagem s
emoes expressas por ela, como mgoa, raiva ou amor, integra o quesito afetividade. Por
ltimo, a capacidade resolutiva, percebida pelas mes como a forma de enfrentamento das
39
situaes nas quais decises precisam ser tomadas e, mais ainda, como o tempo usado para
estas decises compartilhado.
Avaliar a funcionalidade familiar de famlias com HIV presente em um dos seus
membros nos induz a profunda reflexo acerca do curso de vida destas famlias e nos instiga a
procurar alternativas de interveno eficazes nas famlias com APGAR comprometido.
Por ser o APGAR familiar um retrato da satisfao de um ou mais membros da
famlia e por ser a me na grande maioria dos casos a principal provedora de cuidados com a
criana, ela foi escolhida para responder as perguntas do questionrio, as quais foram
adaptadas ao estudo a que nos propomos.
A partir da aplicao do questionrio e da avaliao do contexto familiar,
possvel desenhar um plano teraputico a ser desenvolvido pela equipe de enfermagem ou
mediante a participao de outros profissionais, como enfermeiros, psiclogos, psiquiatras,
terapeutas ocupacionais, ou, ainda, de profissionais de outras especialidades numa abordagem
mais complexa, como os terapeutas familiares.
Segundo a literatura, o APGAR familiar propicia um momento importante para
refletir as relaes familiares e contribui sobremaneira para a compreenso do relato dos
entrevistados (PAVARINI et al., 2006). Diante da confirmao dos tipos de funcionalidade
familiar em famlias com aids possvel comprovar o emprico das disfunes existentes
nestas famlias cercadas por forte preconceito e discriminao, inclusive dentro de casa.
Analisar a famlia como um todo, aplicando o questionrio do APGAR familiar
aos outros membros da famlia, seria mais apropriado, pois nos forneceria mais subsdios para
uma interveno mais eficaz. Contudo, diante da dificuldade de abordagem a pacientes
soropositivos e do sigilo na maioria das vezes imposto pelas mes quanto ao diagnstico da
doena para os demais familiares, privamo-nos de uma abordagem mais profunda. Ainda
assim, a nosso ver, com suas respostas, a me nos fornece um vasto material a ser trabalhado
de forma incisiva pela equipe de sade, com vistas a melhorar a funcionalidade familiar.
3.8 Aspectos ticos e de biossegurana
Em face dos dilemas ticos relacionados doena, pesquisas com portadores do
HIV exigem do profissional bastante tcnica e tica. Esta questo enfatizada no Programa
Nacional de DST/aids, acerca do sigilo profissional e consentimento para realizar
procedimentos como este.
40
Portanto, no nosso estudo, seguimos todas as recomendaes da Resoluo
196/96, do Conselho Nacional de Sade, inerente pesquisa com seres humanos no Brasil
(BRASIL, 1996).
Como exigido, o estudo submetido ao Comit de tica em Pesquisa do Hospital
So Jos de Doenas Infecciosas foi aprovado sob protoclo n 014/2007 (ANEXO A).
Conforme estabelecemos, nossas entrevistadas foram as responsveis pela criana.
Utilizamos um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APNDICE C), destinado s
mes biolgicas das crianas (0 a 12 anos) que manifestaram interesse em participar da
pesquisa. Para a efetiva participao todas leram o mencionado termo e o assinaram
prontamente. Ao mesmo tempo, lhes asseguramos o sigilo, anonimato e confidencialidade dos
dados coletados. Ainda como recomendado, garantimos impedir qualquer tipo de
constrangimento para os sujeitos envolvidos no estudo.
41
4 RESULTADOS
4.1 Apresentao dos resultados
A apresentao dos resultados almeja responder aos objetivos deste estudo.
Assim, mostraremos dois quadros para uma compreenso mais clara do objeto estudado.
Destes, o primeiro retrata a questo scioeconmica e o resultado do APGAR familiar aps
aplicao do questionrio com a me. O segundo um quadro explicativo das categorias
advindas da anlise das entrevistas e subcategorias de acordo com as definies das falas das
mes.
Para as famlias consideradas severamente disfuncionais, aps a aplicao do
APGAR familiar decidimos fazer o genograma e ecomapa para uma melhor visualizao do
contexto em que vivem.
O Quadro 1 mostra as caractersticas sociodemogrficas das famlias estudadas e
o resultado do APGAR familiar aps aplicao do questionrio. Nele observamos os
seguintes aspectos:
A idade mdia das mes de 33 anos;
A idade mdia das crianas de 5 anos;
A maioria das mes no tem o primeiro grau completo;
Das crianas, 14 tm sorologia negativa para o HIV, e do restante 1
tem diagnstico inconclusivo;
Os domiclios tinham em mdia 4 habitantes, com aproximadamente 2
crianas por casa;
Na maioria das casas a renda mensal era de 1 a 3 salrios mnimos e;
Quanto ao APGAR familiar, 13 famlias foram classificadas como
moderadamente funcional, 6 como altamente funcional e 2 como
severamente disfuncional.
42
Quadro 1 Apresentao das famlias segundo dados socioeconmicos e APGAR familiar
Idade
me
(anos)
Idade
filho
(anos)
Escolaridade
me
Sorologia
criana
N de
pessoas
Renda
mensal
(SM*)
APGAR familiar
Eutlia 29 4 1 Grau
Incompleto
Negativo 5(2 cri) < 1 Severamente
disfuncional
Gaia 39 3 2 Grau Positivo 6(1 cri) 1- 3 Altamente
disfuncional
Hades 31 3 1 Grau
Incompleto
Negativo 6(3cri) 1 - 3 Severamente
disfuncional
Demter 42 8 Analfabeta Positivo 4(1 cri) 1 - 3 Altamente
disfuncional
Kerina 39 9 2 Grau Positivo 8(2 cri) 3 Altamente
funcional
Labda 39 3 1 Grau
Incompleto
Negativo 4(3 cri) 1- 3 Moderadamente
funcional
Kerensa 29 2 1 Grau
Completo
Negativo 5(1 cri) 1 - 3 Moderadamente
funcional
Cilea 35 7 1 Grau
Completo
Positivo 5(2 cri) 1 - 3 Moderadamente
funcional
Talia 48 8 1 Grau
Completo
Negativo 7(3 cri) 1 - 3 Moderadamente
funcional
Lucina 44 7 1 Grau
Completo
Negativo 2(1 cri) 1 - 3 Moderadamente
funcional
Clo 33 4 Analfabeta Negativo 4(2 cri) < 1 Moderadamente
funcional
Cora 20 6 2 Grau
completo
Negativo 5(2 cri) 1 - 3 Moderadamente
funcional
rtemis 28 7 2 Grau
completo
Negativo 3(1 cri) 1 - 3 Altamente
funcional
Celena 32 3 1 Grau
Completo
Negativo 3(1 cri) 1 - 3 Moderadamente
funcional
Chara 27 3 2 Grau
completo
Negativo 3(1 cri) 1 - 3 Altamente
funcional
Corlia 25 4 2 Grau Positivo 3(1 cri) 1 - 3 Moderadamente
funcional
Cassandra 43 8 1 Grau
Incompleto
Positivo 4(1 cri) 1 - 3 Moderadamente
funcional
Diana 43 6 Sup. completo Negativo 5(2cri) 3 Altamente
funcional
Cleonice 20 10
meses
2 Grau Inconclusiva 3(1 cri) 3 Moderadamente
funcional
Eirene 27 5 1 Grau Negativo 3(2 cri) 1 -3 Moderadamente
funcional
Eufrone 31 2 1 Grau Negativo 5(2 cri) 1 -3 Moderadamente
funcional
* SM= Salrio mnimo (Valor do Salrio mnimo na poca era de R$415,00)
Diante destes achados, conforme observamos, no Quadro 1 as famlias com menor
renda per capita apresentam uma funcionalidade familiar mais comprometida, tendo como
conseqncia um nvel de satisfao menor. A nosso ver este fator agravado ainda pelo
nvel de escolaridade, pois famlias mais humildes demonstraram maior desajustamento
43
familiar, maior preconceito quanto aos portadores do vrus, em decorrncia do menor
esclarecimento sobre a doena, e uma forma discriminativa mais agressiva com as pessoas
contaminadas. Ainda como observamos, fatores como a idade da me, da criana e dos
habitantes do domiclio no parecem influenciar no nvel de satisfao das mes.
No Quadro 2, consta a apresentao das categorias e subcategorias da anlise de
contedo das falas.
Quadro 2 Apresentao das categorias e subcategorias da anlise de contedo das falas
Categorias Subcategorias
Categoria 1: Descoberta do diagnstico de
soropositividade ao HIV materno
a) Desespero com a confirmao;
b) Depresso;
c) Medo da discriminao.
Categoria 2: Descoberta do risco da
transmisso vertical
a) Medo de contaminao da criana;
b) Emprego de medidas para evitar a
transmisso vertical.
Categoria 3: Convivncia no domiclio,
com outros familiares, na comunidade e na
escola depois do diagnstico da criana
a) Cuidados especficos com a criana;
b) Superproteo;
c) Desconhecimento de familiares e da
comunidade sobre o diagnstico da famlia;
d) Revelao forada do diagnstico para
conseguir vaga em escola/creche.
Categoria 4: Dificuldades enfrentadas
pela me no cuidado com a criana
a) Dificuldade financeira;
b) Ausncia de familiares no cuidado direto
com a criana.
Categoria 5: Discriminaes vivenciadas
pela famlia.
a) Vivenciando a discriminao da famlia e
da comunidade que desconfiam do
diagnstico da famlia;
b) Discriminao percebida no cuidado de
profissional de enfermagem.
Categoria 6: Sentimento depois da
entrevista.
a) Satisfao e alivio em compartilhar o
sofrimento da doena.
44
4.2 Definio das categorias e subcategorias
A seguir, apresentaremos a definio de cada categoria e subcategoria,
exemplificadas atravs das falas das mes.
Categoria 1. Descoberta do diagnstico de soropositividade ao HIV materno Retrata o
momento em que a me se descobre portadora do vrus, bem como os sentimentos
compartilhados por ser portadora deste.
Ao saber do seu diagnstico de portadora do HIV as mes relatam ter enfrentado
um momento muito difcil de aceitao. Culpam-se por no ter evitado a doena e tambm ao
parceiro por ter-lhes transmitido. Esta culpa desencadeia na maioria delas um quadro de
profunda depresso com o passar do tempo. Pensam nas oportunidades de preveno
desperdiadas, quando, por exemplo, sugeriram o uso do preservativo ao parceiro.
Algumas relataram que ao conversar com o parceiro sobre o uso do preservativo
eles eram resistentes idia, inclusive lanando dvidas quanto sua fidelidade e at as
ameaando com agresses fsicas.
Caso mais peculiar foi o de uma me que descobriu o parceiro infectado pelo
HIV, foi orientada pelo servio de sade a fazer o exame diagnstico cujo resultado foi
negativo e ainda assim insistiu em no se prevenir. A cada nova consulta, a unidade de sade
reforava as orientaes quanto preveno da parceira como ela mesma relata, mas ela no
se prevenia pois se acreditava