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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de Comunicação Social A Ditadura, por nós mesmos: Uma análise diferenciada do regime militar brasileiro Projeto Experimental apresentado como quesito obrigatório para a conclusão de curso do aluno Bruno Vieira dos Santos no curso de Comunicação Social – nível Bacharelado – habilitação Jornalismo, no primeiro semestre de 2009. Autor: Bruno Vieira dos Santos Orientador: Frederico Vieira Belo Horizonte, 29 de junho de 2009.

Relatório de TCC: Documentário "A Ditadura, por Nós Mesmos"

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de Comunicação Social

A Ditadura, por nós mesmos: Uma análise diferenciada do regime militar brasileiro

Projeto Experimental apresentado como quesito obrigatório para a conclusão de curso do aluno Bruno Vieira dos Santos no curso de Comunicação Social – nível Bacharelado – habilitação Jornalismo, no primeiro semestre de 2009.

Autor: Bruno Vieira dos Santos Orientador: Frederico Vieira

Belo Horizonte, 29 de junho de 2009.

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___ÍNDICE Introdução _____________________________________________________04

Justificativa ____________________________________________________05

Delimitação do tema _____________________________________________07

Discussão do Suporte ____________________________________________ 11

Dia-a-dia de Trabalho ____________________________________________14

Conclusão _____________________________________________________ 20

Referências Bibliográficas ________________________________________ 21

DVD “A Ditadura, por nós mesmos” segue anexo a este relatório.

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História é um assunto nebuloso, por todas as merdas que acabam incluídas mais tarde. Mas, mesmo sem podermos ter nenhuma certeza sobre a “história”, parece bastante sensato imaginar que, vez ou outra, a energia de uma geração inteira atinge seu ápice num instante magnífico e duradouro, por motivos que na época ninguém compreende por inteiro – e que, em retrospecto, nunca explicariam o que realmente aconteceu.

Hunter S. Thompson, Medo e Delírio em Las Vegas.

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___INTRODUÇÃO

A ditadura militar no Brasil iniciou-se em 31 de março de 1964. Em outros países da

América Latina, como o Chile e a Argentina, por exemplo, o governo dos militares começou

mais tarde – respectivamente, em 11 de setembro de 1973 e em 24 de março de 1976. No nosso

país, os militares derrubaram o então presidente João Goulart, que tinha, por bandeira de

governo, reformas de base que abrangiam setores fiscal, político e agrário.

O que se observa das discussões contemporâneas sobre esse período é uma forte tendência

à polarização de opiniões. De um lado, a esquerda militante e difusa1, que tentava combater a

Ditadura seja por guerrilha urbana armada, seja por vias institucionais ao compor o MDB

(Movimento Democrático Brasileiro, partido de fachada criado pelos Generais para dar voz à

oposição2). Do outro lado, os militares, a voz da situação que defende o golpe como uma “contra-

revolução” à ameaça da pátria brasileira. Em poucos momentos (ou quase nenhum), ouve-se a

voz de pessoas que não tiveram envolvimento direto com a Ditadura, mas que apenas “viveram

suas vidas”, às vezes de forma alheia ao que acontecia em derredor.

Quarenta e cinco anos depois, o Golpe Militar ainda não foi esquecido pelas pessoas que

viveram a época. Não na sua intensidade, mas talvez nos seus pormenores. Dada a relevância do

tema, este trabalho vem investigar a Ditadura olhando não para os “peritos” no assunto, mas para

o “homem ordinário”, comum, que não teve envolvimento direto com os acontecimentos do

regime. Trata-se este trabalho de um videodocumentário, com tempo de 20 minutos, com relatos

de pessoas comuns acerca do regime militar.

1 Para informações mais detalhadas sobre o caráter difuso da esquerda brasileira nas décadas de 1960 e 70, consultar o texto Esquerdas revolucionárias armadas nos anos 1960-1970, de Marcelo Ridenti. In: AARÃO REIS & FERREIRA, 2007. 2 “O MDB era uma organização imposta artificialmente, resultado de uma reforma institucional que destruíra partidos em vias de consolidação na sociedade brasileira; (...) teria sido autorizado a funcionar apenas para dar legitimidade ao sistema e atender aos pruridos liberais de parte dos apoiadores do regime militar.” (Rodrigo Sá Motta, apud AARÃO REIS & FERREIRA, 2007, p. 286.)

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___JUSTIFICATIVA

Em seu editorial de 17 de fevereiro de 2009, com o título “Limites a Chávez”, a Folha de

São Paulo considerou o Regime Militar brasileiro como uma “Ditabranda”:

Mas, se as chamadas “ditabrandas” -caso do Brasil entre 1964 e 1985- partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça-, o novo autoritarismo latino-americano, inaugurado por Alberto Fujimori no Peru, faz o caminho inverso. O líder eleito mina as instituições e os controles democráticos por dentro, paulatinamente. (Folha de São Paulo, 17 de fevereiro de 2009.)

Esse termo é um trocadilho utilizado por alguns militares, que basicamente quer dizer que

no Brasil o regime militar, em vez de “duro”, foi “mole”, “brando”; daí o jogo de palavras. A

utilização desse termo por parte do periódico movimentou não somente a internet, com vários

blogs repercutindo o acontecido, como também causou celeuma no site “Observatório da

Imprensa”, especializado em crítica de mídia – que é um campo da Comunicação que visa criticar

a imprensa e seus atos. Da data de publicação do editorial até duas semanas depois, esse assunto

ainda estava em voga, refletindo a fúria e a indignação dos jornalistas para com o termo usado

pela Folha. Por esse episódio, pode-se perceber o quão inflamado ainda está o tema na mídia –

mas, bipolarmente, entre militantes e militares.

Dentro da sociedade brasileira, atualmente, a Ditadura entrou numa discussão dicotômica

– no sentido de um acontecimento poder ter apenas duas versões oficiais. Estudam-se e

divulgam-se, muito a fundo, as relações institucionais dos Militares àquela época e a função das

Esquerdas de tentar combater o regime. Mas se esquece que não somente essas duas “vertentes”

viveram aquele momento – mas também “pessoas comuns”, indivíduos sociais que não estiveram

em uma situação de contato direto com os trâmites do regime, ainda que sob o jugo dele. Esses

“fulanos-de-tal”, independentemente da posição político-ideológica adotada, viviam sob esse

sistema político. O objeto de análise deste produto é a diversidade de discursos para esse período

da História Brasileira, verificando, assim, que todos os acontecimentos têm mais de dois lados.

O tema ao qual se destina este trabalho é a Ditadura Militar sob uma terceira via de

interpretação: utilizar-se de sujeitos ordinários, representantes da recente sociedade de massas,

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como personagens para relatar como viveram o período citado. Estes indivíduos deixam de ser

meros coadjuvantes para atuarem na cena principal, contando seus relatos. Michel de Certeau

(1994) observa que nas ciências, artes e filosofia, as figuras arquetípicas (musas, deuses e outras

figuras inspiradoras) deram lugar ao homem comum. O Outro a que a cultura sempre se refere

passa a ser, com isso, não mais o célebre ou o exótico, mas o anônimo. Certeau define ordinário

como comum, porque faz parte da massa, que é marginal (que não faz parte de um processo de

produção de cultura) 3.

Para tanto, o recurso utilizado neste trabalho é o manuseio da história oral embasada pela

memória. A construção da história via oralidade, segundo Thompson (1992) abre novas

possibilidades. Para Portelli (1997), a História Oral é

uma ciência e arte do indivíduo. Embora diga respeito (...) a padrões culturais, estruturas sociais e processos históricos, visa aprofunda-los, em essência, por meio de conversas com pessoas sobre a experiência e a memória individuais e ainda por meio do impacto que estas tiveram na vida de cada uma. (PORTELLI, 1997, p. 15)

Se de um lado tem-se a história oral como relato da memória individual e/ou coletiva, do

outro lado deve-se delimitar o conceito de “memória”. Para tanto, Portelli a conceitua como

“processo individual que ocorre em um meio social dinâmico, valendo-se de instrumentos

socialmente criados e compartilhados”. (PORTELLI, 1997, p.16) Dessa forma, vale dizer que

memória e história oral estão interligadas pelo fato de a história oral respeitar a experiência e a

individualidade fazendo uma espécie de “colcha de retalhos”, mostrando não a importância

abstrata do indivíduo per si, mas a “importância idêntica de todos os indivíduos”. (PORTELLI,

1997, p. 17-8)

É preciso salientar que este trabalho deve, por questão ética, admitir a subjetividade na

sua linguagem, visto que o documentário utiliza relatos subjetivos para construir a narrativa sobre

a Ditadura. De certa forma, é um estudo da construção de uma memória social desconhecida,

fluida, em processo de “fazenda” e “refazenda”. (JELIN & KAUFMAN, p. 186) O processo de

arquitetura de A Ditadura, por nós mesmos terá de assumir que os relatos feitos sofrerão os

efeitos da distância temporal. Assumir a subjetividade dentro deste trabalho não retira o seu

63 CERTEAU, 2004, pp. 57-106.

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caráter jornalístico, já que ela confere um espaço de discussão que possibilita perspectivas – nem

mais corretas, nem mais erradas.

___DELIMITAÇÃO DO TEMA

Discussão Histórica

Observemos a conjuntura pré-1964. Para Aarão Reis (2004), o ponto inicial para a

discussão sobre o golpe é agosto de 1961, com a renúncia do então presidente Jânio Quadros, há

apenas sete meses no poder. Os líderes militares nomeados por Jânio não se conformaram com a

renúncia, e tentaram impedir a posse do vice João Goulart4 (que estava em visita à China na

ocasião), acusando-o de vínculos com o Comunismo internacional. Isso foi uma tentativa de

golpe, que não deu certo. Temendo enfrentamentos, Jango (como era conhecido João Goulart)

negociou a posse de sete de setembro, assumindo a presidência com os poderes limitados por

uma emenda constitucional votada “a toque de caixa e de clarins” (AARÃO REIS, 2004, p. 32),

poucos dias antes.

Encerrada a crise institucional, abriu-se uma situação crítica de múltiplas dimensões, que

desembocariam em março de 1964. Sob o contexto da Guerra Fria – o conflito ocorrido entre

1945 e 1988, no qual debatiam-se Capitalismo, representado pelos EUA, e Socialismo, da extinta

URSS –, a vitória contra a tentativa de golpe em 1961 desencadeou em todo o país amplos

movimentos sociais populares, desejosos da melhoria da condição de vida e trabalho. (AARÃO

REIS, 2004, p. 34) As demandas foram encaixadas aos poucos em um programa governamental,

o das “Reformas de Base”, movimento de cunho nacionalista, antiimperialista e estatista. O que,

de certa forma, abalou as elites mais conservadoras e as Direitas do país.

Em 1963, Jango recupera os plenos poderes presidenciais; os movimentos radicalizaram-

se, angariando mais setores sociais. Enquanto isso, as Direitas rearticulavam-se rapidamente,

ganhando eleições para governador em vários estados, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul,

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Guanabara, Paraná e outros. A Igreja Católica também se colocava do lado conservador da

história, considerando os movimentos sociais como “comunizantes”. Sob esse contexto, os

militares ascendem ao poder no Brasil em 31 de março de 1964, derrubando Jango e suas

reformas de base – que abrangiam os setores fiscal, político e agrário. Segundo as vertentes

conservadoras, essas reformas implantariam o Comunismo no Brasil – visto como uma ameaça

iminente de destruição do lar, da família e da propriedade.5 Outro motivo para o golpe, além da

ameaça vermelha, foi a forte crise econômica que descontentava a população. No dia 15 de abril,

o Congresso Nacional elege o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1968) como

Presidente da República.

O golpe que implantou a Ditadura no Brasil foi saudado por importantes setores da

sociedade brasileira. Grande parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais, da

Igreja Católica, vários governadores de estados importantes (como Carlos Lacerda, da

Guanabara; Magalhães Pinto, de Minas Gerais; e Ademar de Barros, de São Paulo) e amplos

setores de classe média pediram e estimularam a intervenção militar, como forma de pôr fim à

ameaça de esquerdização do governo e de controlar a crise econômica.

Em abril de 1964, foi publicado o Ato Institucional Número 1, ou AI-1, que suspendeu

por dez anos os direitos políticos de todos aqueles que poderiam ser contrários ao regime,

intimidando os congressistas com a ameaça de cassações, prisão, enquadramento como

subversivos (aquele que vai contra um status quo imposto) e expulsão do país. Os atos foram

decretos emitidos durante os anos após o Golpe Militar de 1964 no Brasil. Serviram como

mecanismos de legitimação e legalização das ações políticas dos militares, estabelecendo para

eles próprios diversos poderes extraconstitucionais. Mais quatro atos foram editados entre 1964 e

1968, ano do AI-5, que representou um endurecimento do Regime: este ato, publicado durante o

governo de Artur Costa e Silva (1968-1970), incluía a proibição de manifestações de natureza

política, além de vetar o habeas corpus para crimes contra a segurança nacional (ou seja, crimes

políticos), privar a população da liberdade de imprensa e manifestação e fechar o Congresso

Nacional.

4 Segundo Aarão Reis (2004), as eleições para presidente e vice aconteciam de uma forma diferente da atual. Se hoje elegemos presidente e vice numa mesma chapa, antes os líderes eram escolhidos separadamente. Jânio ganhou a presidência pela UDN, partido conservador de direita, enquanto Jango venceu a vice-presidência pelo PSD, coligado com o PTB, de origem varguista e anti-UDN. 5 Segundo Aarão Reis (2004), em 1937, o Vaticano emitia a encíclica Divinis Redemptoris, cujo trecho se destaca: “Velai, veneráveis irmãos, para que não se deixem iludir os fiéis. Intrinsecamente mau é o comunismo (...).”

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O governo de Emílio Garrastazu Médici (1970-1974) é marcado como o governo de

maior progresso econômico da história recente do Brasil (apesar do avanço da inflação que

ocasionava o aumento da pobreza e da grande desigualdade social) e do aumento da repressão

política. Com o tempo, vendo que o país estava indo para uma inflação desencadeada pela falta

de incentivos aos insumos básicos, os militares liderados por Ernesto Geisel, 1974-1979,

resolveram iniciar um movimento de distensão para abertura política institucional, lenta, gradual

e segura, segundo suas próprias palavras. Este movimento acabaria por reconduzir o país de volta

à normalidade democrática. Essa é parte da versão oficial da história do Regime Militar, que

durou até 1985, quando Tancredo de Almeida Neves é indiretamente eleito o primeiro presidente

civil depois de vinte anos de regime militar, encerrados pelo general João Batista Figueiredo.

Discussão Jornalística

Em meio a estudos sobre Jornalismo, percebe-se que muitos deles apegam-se ao caráter

técnico da atividade, sem se atentar para as discussões inerentes. Insiste-se na afirmação contínua

do mito da objetividade e se esquece de questões cruciais ao entendimento do fenômeno

jornalístico. Uma delas, a multiplicidade de atores e discursos que configuram as condições de

produção periodística6.

A subjetividade é negada em prol de um método objetivo para o labor jornalístico. Uma

das primeiras teorias, a “Teoria do Espelho”, já traz, não abertamente mas embutida, essa

negação ao afirmar que o jornalismo reflete aquilo que vê da realidade. No século XIX, o

“jornalismo de informação” surge com essa característica, de o labor jornalístico ser de

“comunicar fatos”, com proibição a “qualquer tipo de comentários sobre os fatos, sejam quais

eles forem”. Considerada como pretensão de “refletir a realidade”, a objetividade é muito mais

uma junção de métodos baseados em uma fidelidade às regras e procedimentos “para um mundo

no qual até os fatos eram postos em dúvida”.7 Michael Schudson explica que os fatos não

mereciam crédito por causa do surgimento de uma nova profissão, o Relações Públicas, e da

eficaz propaganda da I Guerra Mundial. Walter Lippmann, em seu livro Opinião Pública, reitera

que os jornalistas “precisam procurar no método científico e nos procedimentos profissionais o

6 GADINI, 2007, p. 79. 7 TRAQUINA, 2004, p. 148.

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antídoto para a subjetividade”. No entanto, percebe-se que a escolha daquilo que é ou não

noticiável passa pelo crivo do jornalista. Isso mostra que, mesmo havendo um processo pelo qual

a notícia passa para se tornar “confiável” (possibilidade do contraditório, provas, uso de aspas,

estruturação da informação e separação entre fatos e comentários8), o critério de noticiabilidade

do jornalista possui subjetividade, esta relativa às suas escolhas pessoais ou do veículo no qual

está alocado.9 O jornalista seria como um porteiro de um condomínio: deixa entrar quem está

autorizado para tal, e barra qualquer companhia que não se enquadre nos quesitos

preestabelecidos. Traduzindo: publica aquilo que é noticiável (o que ele considera notícia

segundo critérios pessoais e da empresa) e impede que o que ele não considera notícia seja

publicado.

Em meados de 1960/70, surge a teoria da construção social, pressupondo que a notícia,

“presentificando” o acontecimento, também o constrói, participando da realidade social.

Desenvolvida com base na reflexão de Gaye Tuchman, a tese reside na hipótese de que, assim

como um acontecimento origina uma notícia “na forma de um produto que torna público ou

visível a mesma situação”, a notícia também faz a construção do acontecimento, num processo

recíproco, “porque é um produto elaborado que não pode deixar de refletir diversos aspectos do

processo de produção”.10 Dessa mesma forma, Adelmo Genro Filho (1988), apud GADINI

(2007, p. 80), define o fato jornalístico como sendo uma construção interpretativa, elaborada a

partir de um fato: numa construção discursiva, há um “fenômeno e uma pluralidade de fatos”,

conforme os jogos de interesses, opiniões e procedimentos em questão.

Dessa forma, o limite deste trabalho está entre a discussão sobre a ausência real da

multiplicidade de vozes, no sentido de se ter pessoas “desimportantes” fazendo parte do

Jornalismo, ambientando-se no fórum aberto sobre a Ditadura Militar devido à sua efervescência

recentemente na sociedade.

Levando-se em conta o caráter diversificado da nossa sociedade, o trabalho de um

jornalista não pode se prender a apenas discursos oficiais. Como um ator social, um

comunicólogo necessita sensibilidade para certas questões, as quais – sejam por interesses

8 OLIVEIRA, 1996, pp. 41-43. 9 TRAQUINA, 2004, p. 150. 10 GADINI, 2007, p. 81.

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empresariais e políticos, sejam por escolhas pessoais – não podem ficar presas à oficialidade dos

fatos.

Não se pretende concluir, conquanto, que tudo é relativo, mas que os fatos aconteceram

sob uma multiplicidade de interpretações, às quais o Jornalismo tradicional fecha as portas.

A proposta de verdade do fato, ainda mais em sua formulação no singular, nos impede de ver que o mesmo tem múltiplas interpretações - Nietzche prefere mesmo colocar que “são justamente os fatos que não existem, mas tão somente interpretações”.11

Deve-se observar, dessa forma, o respeito pelo valor e importância de cada indivíduo no

relato dos acontecimentos tanto históricos quanto jornalísticos. Não são apenas as vítimas ou os

heróis que produzem efeito de impacto com sua descrição de vida.12

___DISCUSSÃO DO SUPORTE

Bill Nichols (2007) afirma que todo filme é um documentário por representar e evidenciar

a cultura e a aparência das pessoas numa sociedade real ou ficcional. Segundo o teórico, há dois

tipos de documentário13:

- o documentário de satisfação de desejos: o filme de ficção, que

expressa de forma tangível “nossos desejos e sonhos, nossos pesadelos e

terrores”. Dentro desse mundo imaginado pelo autor (baseado no real ou no

imaginário), podemos adotar ou rejeitar suas verdades. Exemplo: Star Trek

(Jornada nas Estrelas), Crash – no limite, dentre outros;

- o documentário de representação social: o filme de não-ficção,

que representa um mundo que já ocupamos, tornando visível a matéria de

11 BRAGA, 2007, p. 30. 12 PORTELLI, p. 17-18 13 NICHOLS, 2007, p. 26

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que é feita a realidade social – isso, de acordo com a seleção e a orientação

do cineasta/documentarista. Exemplo: Fahrenheit 9/11, Surplus –

Terrorized Into Being Consumers, Estamira e outros.

O trabalho A Ditadura, por nós mesmos encaixa-se na segunda opção (documentário de

representação social), por não se tratar de uma ficção imaginada pelo autor do produto, mas por

se basear em um recorte da realidade do cotidiano daqueles que viveram a Ditadura no Brasil. É

um trabalho que proporciona uma crença sobre uma nova visão acerca de um tema, dilatando a

interpretação sobre, no caso deste vídeo, o Regime Militar Brasileiro:

Podemos acreditar nas verdades das ficções, assim como nas das não-ficções: Um corpo que cai (Alfred Hitchcock, 1958) pode nos ensinar tanto sobre a natureza da obsessão quanto The plow that broke the plains (Pare Lorentz, 1936) sobre a conservação do solo. A crença é encorajada nos documentários, já que eles freqüentemente visam exercer um impacto no mundo histórico (...). A ficção talvez se contente em suspender a incredulidade (aceitar o mundo do filme como plausível), mas a não-ficção com freqüência quer instilar crença (aceitar o mundo do filme como real).14

O poder do documentário está, portanto, na capacidade de ver questões oportunas que

necessitam atenção. No caso deste documentário, a questão que aflora é o Regime Militar.

Nichols (2007) observa que o documentário está inserido numa triangulação entre

documentarista/sobre quem se fala/para quem se fala, formando a sentença EU falo DELES para

VOCÊ. No entanto, o autor observa que essa colocação pode ser subvertida, como ELE fala

DELES para NÓS, que, segundo Nichols, denuncia uma separação entre depoentes e público. No

trabalho A Ditadura, por nós mesmos, crê-se que se trata de alguém falando sobre sua visão da

época da Ditadura para nós. Mas este NÓS, no caso deste produto, não está desvinculado do

ELES – neste caso, o grupo de pessoas que dará seu depoimento.

Pode-se ver que esta mídia mostra-se como trabalhosa e onerosa no que tange ao seu uso

técnico: há que se pensar previamente as gravações, roteirizando como será a pré-produção, a

produção e filmagens em si e a pós-produção (edição, montagem etc.). No entanto, o filme possui

14 NICHOLS, 2007, p. 27.

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um papel crescente no enquadramento da memória, não se dirigindo apenas à racionalidade

cognitiva, mas também às emoções. Dessa forma, o filme-testemunho é um poderoso instrumento

para dar vazão e visibilidade à reação dos entrevistados quando inquiridos sobre suas vidas

àquela época. Para o projeto, este é o meio considerado mais viável para mostrar a emoção dos

relatos – por mais que estes demonstrem indiferença, lá está o registro dela.

Nichols ainda observa acerca da existência de vários modos de execução aplicados em

diferentes épocas e por diferentes documentaristas. O que mostra o processo de se fazer

documentário não como estático, estanque e monolítico, mas em constante diversificação. Os

modos poético, expositivo, observativo, participativo, reflexivo e performático são algumas das

divisões propostas por ele. Para este trabalho, podemos encaixar, sob as definições de Nichols,

este projeto como de cunho expositivo, observativo e reflexivo. Sob estes aspectos:

• expositivo, porque expõe, de certa forma, um modo de se pensar a época da

Ditadura; mostra-se como cada entrevistado visualizava e/ou vislumbrava essa

época, e o que mais lhe chamava a atenção;

• observativo, porque faz uma análise desse pensamento, conjugando-o com

vertentes consolidadas acerca do regime;

• reflexivo, porque faz pensar na importância que tais pessoas têm na construção de

relatos cotidianos e como que o Regime Militar mudou (ou não) a vida dessas

pessoas; faz refletir, também, as práticas jornalística e documental no seu próprio

modus operandi, no que se refere quanto a história dos fatos, a sua narração e a

sua consequente narrativa.

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___DIA-A-DIA DE TRABALHO

A partir do momento no qual foi feita a escolha da temática – o que aconteceu de forma

relativamente precoce, quando ainda na discussão do Seminário de Projeto Experimental (Pré-

Projeto), no segundo semestre de 2008 – , era a hora de se pensar na teoria que embasasse o

trabalho. Foram coletadas várias bibliografias acerca de jornalismo, história oral e fez-se uma

pesquisa sobre o Movimento de 1964. Duas disciplinas eletivas cursadas no Departamento de

História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG no segundo semestre

de 2008 foram fundamentais para o direcionamento crítico deste trabalho. A primeira, que deu o

insight para este trabalho, chama-se “Memória e Regime Militar”, ministrada pela profa. Priscila

Antunes. Nessa matéria, lia-se acerca dos fatos que se sucederam durante a Ditadura e a partir

disso – e com bibliografias voltadas também para História Oral – processou-se um trabalho de se

investigar como era a memória daqueles que viveram a época. Mais exatamente, que memória

essas pessoas tinham daquela época. A segunda disciplina, apesar de não diretamente

correlacionada com o assunto, abordava também o tópico “Ditaduras”, comparando os regimes

de Argentina, Brasil e Chile. Essa matéria forneceu carga teórica e medida de comparação para

verificar a intensidade e a gravidade das ações dos militares no Cone Sul-americano. Ambas as

disciplinas puderam servir de base teórica histórica para a discussão do assunto do trabalho.

De posse dessa análise crítica do período militar brasileiro, surge a ideia de se perguntar a

quem não participou diretamente do regime como era a sua percepção do período. Visto que a

mídia há muito anda saturada de declarações oficiais do lado dos militares e dos militantes da

Esquerda, a proposta era não de desautorizar as falas oficiais, mas sim de oferecer um

contraponto alternativo a essa sobrepujança de especialistas. Para tal, correu-se atrás de

bibliografia relacionada ao homem ordinário, chegando a Michel de Certeau em A Invenção do

Cotidiano. Sua leitura permitiu a delimitação da noção de homem ordinário, procurado pelo

trabalho desde o início da discussão teórica. Certeau define ordinário não como reles, mas como

comum, porque faz parte da massa, não integra um processo de produção de cultura. Tal

produção tem um sentido amplo – por isso, para este trabalho, delimita-se “produção de cultura”

como produção jornalística. O autor confere uma perspectiva diferenciada acerca das figuras

populares:

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A uma produção racionalizada, expansionista além de centralizada, barulhenta e espetacular, corresponde outra produção, qualificada de ‘consumo’: esta é astuciosa, é dispersa, mas ao mesmo tempo se insinua ubiquamente, silenciosa e quase invisível, pois não se faz notar com produtos próprios mas nas maneiras de empregar os produtos impostos por uma ordem econômica dominante. (CERTEAU, 1996, p.39)

Continuando a pré-produção, paralelamente à leitura dos textos, houve a necessidade de

se fazer uma análise delineando qual o perfil das pessoas a serem entrevistadas. Ao término de tal

exame, constatou-se que o entrevistado (como é mote inicial deste trabalho) não poderia ter tido

envolvimento direto com a Ditadura, mas pode ter conhecido alguém que se envolveu. O fato de

conhecer algum envolvido não retira o caráter ordinário do entrevistado, visto que, ao longo da

execução das entrevistas, percebeu-se que a escolha por não se envolver partia às vezes não de

um cunho estritamente apolítico, mas de escolha pessoal. Como segundo quesito, vem a idade.

Optou-se por não entrevistar menores de 55 anos por uma simples questão de memória temporal:

quem tem menos que essa idade talvez se lembre muito menos pelo fato de, em 1964, essas

pessoas terem aproximadamente dez a doze anos, com um tipo de memória que não interessa a

este trabalho, no momento.

Fechados esses quesitos, chegou-se a alguns potenciais entrevistados, cujo número ficou

em três: Mauro Sérvulo, fotógrafo; Geralda Brito Lisboa, mais conhecida como Naná, aposentada

e professora de dança; e Raimundo Inocente do Carmo, policial militar reformado. Devido ao

pouco tempo e a relativa falta de disponibilidade dos entrevistados, partiu-se logo para as

gravações, que se iniciaram em abril. A amostragem foi tomada levando em conta a proximidade

que o autor do vídeo tem ou adquiriu com os entrevistados, pensando não exatamente na faixa

social, mas sim o não-envolvimento direto com o regime militar.

Uma dificuldade foi detectada na pré-produção: a falta de disponibilidade dos

entrevistados, o que não permitiu a aplicação de um pré-questionário para verificar se eles

encaixavam ou não no perfil proposto pelo trabalho. Por causa dessa indisponibilidade, uma pré-

pauta às vezes era difícil de ser feita. Logo, ia-se à entrevista com quatro ou cinco perguntas

básicas; durante a conferência emendava-se no gancho do entrevistado ou resumia-se à pauta.

Nas três entrevistas houve a possibilidade do gancho. O que diz muito da atividade jornalística e

também documental: muitos jornalistas não conseguem boas entrevistas por demasiado se aterem

à pauta e não deixar a entrevista correr solta dentro de um limite proposto. Jean-Louis Comolli,

em “Sob o risco do real”, observa que as nossas fantasias e necessidades seguem uma certa

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roteirização. Diante disso, o autor propõe uma flexibilidade do documentarista na hora da

filmagem.15 “O projeto documentário se forja a cada passo, se debate frente a mil realidades que,

na verdade, ele não pode nem negligenciar nem dominar” (COMOLLI, 2001). Tal flexibilidade

impôs um bom resultado ao trabalho.

Para as entrevistas foram utilizados os equipamentos do Almoxarifado Técnico da Fafich,

tais como câmera, tripé, microfone. No entanto, pegar os equipamentos não foi a maior

dificuldade do trabalho, mas sim o transporte. Sem a disponibilidade de um carro, os

equipamentos tiveram que ser levados aos locais das entrevistas por meio de ônibus – nunca

Suplementares, porque o equipamento não cabia em tais micro-ônibus de reduzido espaço (daí,

muitas vezes, a necessidade de se pagar duas passagens para se chegar a determinado local).

Por causa dos dois feriados no mês de abril, a realização das entrevistas e o início da

decupagem das fitas ficaram prejudicados. A Semana Santa e o feriado de Tiradentes tiveram o

espaço de apenas uma semana entre um e outro, o que diminuiu drasticamente o tempo de

produção e obrigou a uma aceleração da produção para não deixar funções acumuladas para

maio.

A ideia do começo do documentário (a imagem em preto e branco do início da conversa

com o Sr. Mauro, assemelhando-se a uma câmera de bastidores) baseia-se num processo

reflexivo do autor do vídeo sobre o processo de se fazer vídeo. Remetendo-se longinquamente a

“O Homem com a Câmera” (Dziga Vertov, 1929), que faz um procedimento metalinguístico com

a câmera do cinema, este filme remete-se a si mesmo, explicando-se no seu processo. O que quer

dizer: aquele rápido começo mostra como foi a produção do documentário e evidencia seu

processo de feitura. Já a abertura é uma espécie de “contextualização histórica” do vídeo,

inserindo-o na discussão sobre o Regime Militar. Utilizando-se imagens da época e de agora, já

nesse começo tem-se mais ou menos o fio condutor que irá reger o andamento do vídeo.

O miolo do filme se dá com o relato dos entrevistados, que se mostraram ricos em

conteúdo. No entanto, durante a edição do trabalho, houve algumas dificuldades no que tange à

montagem própria do vídeo. Tentava-se achar um nexo entre as falas para que elas não

parecessem soltas e descontextualizadas uma da outra. Isso foi aos poucos resolvido com uma

pequena roteirização, que foi tomando corpo quando da captura das imagens no computador para

15 COMOLLI, Jean-Louis. Sob o risco do real. In: Catálogo do Forumdoc. bh.2001 – 5º Festival do Filme Documentário e Etnográfico. Belo Horizonte, 2001. pp. 99-108.

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a referida edição. Foi um processo mais livre de edição – geralmente, roteiriza-se antes de se

começar a editar; no caso deste videodocumentário, uma primeira roteirização foi feita a partir do

material mapeado, mas o filme não é estritamente guiado por esse primeiro fio condutor – este fio

foi-se construindo ao longo da edição, num processo contínuo de reflexão sobre o teor das cenas

e como elas poderiam se entrecruzar.

A seleção dos trechos que seriam utilizados no vídeo ateve-se a uma questão dupla: de

trazer a novidade (fatos inusitados, curiosidades etc.), mas observando o que o “homem

ordinário” dizia sobre a Ditadura. O filme deveria, como meta inicial, satisfazer uma curiosidade

do diretor acerca do tema abordado e, além disso, satisfazer os desejos do público que, uma vez

conhecedores da existência de um filme que trata dessa maneira o período ditatorial brasileiro,

ficam curiosos em saber como se deu tal tratamento. Aqui vale citar Nichols:

O vídeo e o filme estimulam o desejo de saber no público. Transmitem uma lógica informativa, uma retórica persuasiva, uma poética comovente, que prometem informação e conhecimento, descobertas e consciência. O documentário propõe ao seu público que a satisfação desse desejo de saber seja uma ocupação comum. Aquele que sabe compartilhará o conhecimento com aqueles que desejam saber. (NICHOLS, 2005, p. 70)

Dessa forma, então, percebe-se um projeto preocupado em compartilhar a novidade, o que

foi feito durante a produção deste documentário e expondo o que os sujeitos ordinários dizem

sobre o período de 1964-85. Pautaram-se as entrevistas pelo que elas têm de relevante segundo o

trecho abaixo, do autor Alessandro Portelli:

Cada pessoa é um amálgama de grande número de histórias em potencial, de possibilidades imaginadas e não escolhidas, de perigos iminentes, contornados e por pouco evitados. (...) Cada entrevista é importante, por ser diferente de todas as outras. (PORTELLI, 1997, p. 17)

Dois relatos do documentário traduzem a fala acima. Um deles, do fotógrafo Mauro

Sérvulo, relata o fascínio e o misticismo acerca da propaganda contra o Comunismo (que era

visto como a devastação da humanidade ocidental), empreendida durante o período da Guerra

Fria. Nesse relato, o Sr. Mauro conta como era a propaganda anticomunista da época e contradiz

com aquilo que vê diante dos olhos.

O segundo relato é o de Naná Lisboa, contando que um dos participantes do sequestro do

avião conduzido para Cuba, Cláudio Galeno de Magalhães Linhares, era seu vizinho de bairro –

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mais exatamente, Naná e Galeano moravam no mesmo quarteirão. Segundo o jornal ESTADO

DE MINAS (03 de janeiro de 1970, pág. 16), o sequestro aconteceu no dia 1º de janeiro de 1970,

quando o avião Caravelle, da empresa Cruzeiro do Sul (que fazia a rota Buenos Aires – Rio de

Janeiro) foi raptado em Montevidéu, capital do Uruguai. O Caravelle ficou seqüestrado por sete

dias, retornando ao Brasil em 7 de janeiro. A professora de dança, apesar de nada engajada, ficou

sabendo do ocorrido justamente pelo boca a boca, e pode trazer via memória esse relato

relevante.

A primeira versão do documentário foi apresentada ao orientador em meados de maio. O

vídeo, ainda faltando ajustes de áudio, identidade visual e créditos, beirava os 20 minutos, tempo

pretendido desde o anteprojeto defendido no semestre passado (2008/2). Já a versão pré-final,

com alguns arremates a serem feitos (sincronia de créditos e legendas, ajustes de imagens –

contraste e brilho, entre outros detalhes), foi apresentada ao orientador faltando vinte dias para a

defesa. De certa forma, a produção e a pós-produção ocorreram de forma mais célere que a pré-

produção, que dependia da disponibilidade dos entrevistados. Mas, superados esses obstáculos (e

a roteirização), o vídeo pôde ser fechado a tempo para a defesa ainda em junho.

No quesito “identidade visual”, foi chamado Fábio Megale, aluno de Comunicação Social

– habilitação Publicidade da UFMG, para ajudar na formatação dessa identidade. Numa primeira

versão do vídeo, os créditos e as legendas utilizavam fontes sem serifas16 (ex: Arial, Trebuchet,

Tahoma), as quais de certa forma não conversavam com o todo da obra. A partir disso, houve a

sugestão de substituir as fontes sem serifas por outras serifadas (ex. Times, Bookman) e que se

assemelhassem a máquinas de digitação. Tal escolha se deve pelo fato de as fichas do DOPS,

pesquisadas pelo autor deste documentário, serem datilografadas. Daí, seria feito um link,

inclusive, à época, quando não se usavam computadores e, por conta disso, as máquinas de

escrever eram sempre utilizadas.

Quanto ao nome, esse partiu de uma escolha pessoal. Ao dar o título do documentário de

“A Ditadura, por nós mesmos”, dois movimentos são feitos: um, de se tentar afastar um pouco

daquilo que já se conhece (e até chega a se banalizar) da Ditadura; o outro é, basicamente, trazer

a realidade da época para as pessoas comuns – ou os “sujeitos ordinários”. Daí, o “nós mesmos”

16 Serifas são traços encontrados no início ou fim das hastes das letras. Elas podem ser unilaterais (quando são desenhadas apenas de um lado da haste) ou bilaterais (aparecem em ambos os lados do traço). Os tipos que não possuem serifa normalmente são classificados como sans serif (sem serifa), de palo seco ou ainda grotescas. (Fonte: Hhttp://www.avaad.ufsc.br/H - acessado em 14 de junho de 2009.)

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situa-se no lugar em que indivíduos como nós, desinteressantes do ponto de vista jornalístico mas

importantes do ponto de vista do relato diferenciado, estamos alocados.

Este vídeo está, em sua quase totalidade, focado nos relatos, e não muito nas questões das

imagens. Esse discurso imagético cumpre uma função de mostrar o sentimento dos entrevistados

durante o relato (o punho cerrado de Naná Lisboa quando discorria sobre o jornal O Binômio, os

olhos interessados de Mauro Sérvulo quando conta a história dos cartazes comunistas, o olhar

perdido de Raimundo do Carmo quando compara as épocas). O filme “se dirige não apenas às

capacidades cognitivas, mas capta as emoções”. (POLLAK, 1988, p. 11) Óbvio que algumas

contextualizações tiveram que ser feitas com o recurso da imagem de arquivo, mas isso não retira

o foco inicial, que é mostrar o relato e como ele se faz imagética e memoriaisticamente.

Deve-se salientar que, pelo fato de as pessoas estarem numa ponta do processo político,

elas podem ter sido contaminadas pela forte propaganda que o regime fazia de si próprio – com o

intuito de fortalecer o caráter nacional, a agência de relações públicas do regime (AERP)

estimulava o amor à pátria, aos bons costumes etc.17 O que não quer dizer que a fala dos

entrevistados esteja totalmente mergulhada nessa propaganda: o fotógrafo Mauro Sérvulo é um

exemplo, ao pronunciar que tinha as suas convicções e não foi tolhido por causa delas.

Durante as entrevistas e na montagem final do documentário, observou-se uma coisa

deveras relevante, que só foi aflorada a partir do comentário do orientador: não foi pronunciada,

por parte dos entrevistados, a palavra “repressão” como sinônimo ou sintoma do regime militar.

Um questionamento que pode ser lançado é: a palavra em questão não se encontra no vernáculo

popular quando se fala regime ou ela não aparece por distração dos convidados? A palavra em si

não aparece, mas as suas manifestações (censura, falta de liberdade de ir e vir, entre outros) são

citadas. Interessante perceber como que, mesmo não sendo pronunciada, ela se mostra entranhada

quando se comenta da dureza do regime.

Para o final do documentário, escolheu-se uma música da banda Mutantes, chamada

Tecnicolor. Tal escolha se deve a dois fatores: um, que essa música e a banda são

contemporâneas do regime; dois, que o nome da música remete a um processo de colorização de

filmes comum nas décadas de 1940 e 1950. Com isso, quer-se dizer que o discurso deste

documentário vem dar uma “colorizada” na consolidada dicotomia entre militantes e militares na

imprensa, além de fornecer uma alternativa ao uso exagerado de fontes oficiais.

17 Cf. FICO, apud DELGADO e FERREIRA, 2003, pp. 193-8.

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___CONCLUSÃO

O processo de produção deste videodocumentário veio complementar a bipolaridade de

discursos jornalísticos acerca do regime militar. Em parte, essa função se encontra cumprida,

visto que os entrevistados não possuíam ligação direta com as instâncias deliberativas da

ditadura. Poderia ter-se aprofundado mais nessa questão, com mais recursos de imagens de

arquivo e/ou relatos de mais pessoas, mas isso não foi feito pela questão do tempo e também por

causa de questões técnicas, tais como disponibilidade dos equipamentos e do diretor e do câmera

para filmagem. Mesmo assim, o vídeo cumpre seu papel social de revelar um outro lado de uma

questão cujas visões se encontram sedimentadas. A experiência de tomar relatos de pessoas

comuns é emocionante no sentido de se poder obter algumas preciosidades de fala (no popular,

algumas “pérolas”) e de se perceber o quanto se perde em relatos ao se prender exclusivamente a

fontes oficiais. Sobre esse ponto, o documentário cumpre seu papel com sucesso. A partir dos

relatos obtidos, pode-se concluir dois movimentos paralelos: o primeiro, que pode ser facilmente

taxado de repetidor da propaganda do regime, mas que não o é meramente por causa do segundo

movimento: as acepções pessoais sobre a época, o que pode estar contaminado pelo primeiro

movimento, mas não o é completamente. Até porque cada pessoa absorve e reflete sobre a época

de maneiras diferentes do que se espera – e essa surpresa costuma ser, se não fantástica,

espantosa.

Por fim, este trabalho vem dar uma terceira via de interpretação, que não se apega à

oficialidade dos fatos, mas não a desautoriza enquanto critério jornalístico. Aproveitando-se que

em 2008 ocorreu o 40º aniversário do AI-5, e em 2009 os 45 anos do Golpe Militar, é bem

oportuno de se discutir onde estão as vozes que não se mobilizaram nem pró nem contra o

regime. Como foi que as pessoas comuns receberam o regime. Como a rotina de vida foi alterada

– se foi alterada. Este trabalho é mais uma voz para se somar à questão dicotômica no que tange a

abordar o regime militar apenas com as vozes oficiais, dos heróis, dos mártires. Juntando-se a

linguagem solta e fluida do documentário com a discussão jornalística, crê-se que este

“documentário jornalístico” ou “reportagem documental” cumpre sua função social. Assumindo a

subjetividade na sua linguagem que não retira o seu caráter jornalístico, já que ela confere um

espaço de discussão que possibilita perspectivas – nem mais corretas, nem mais erradas.

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