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Aula apresentado em Seminário de Epistemologia da Educação no PPGE_Unimep
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RETALHOS EPISTEMOLÓGICOS EM MAX WEBER1
Reginaldo Leandro Plácido2
A possibilidade de “”reviver” completamente a ação é importante para a evidência da compreensão, mas não é condição absoluta para a interpretação do sentido. Componentes compreensíveis e não compreensíveis de um processo estão muitas vezes misturados e relacionados entre si (WEBER, 1991, p.4).
Conforme ensina a experiência, nenhuma dominação contenta-se voluntariamente com motivos puramente materiais ou afetivos referentes a valores, como possibilidades de sua persistência. Todas procuram despertar e cultivar a crença em sua “legitimidade”. Dependendo da natureza da legitimidade pretendida diferem o tipo da obediência e do quadro administrativo destinado a garanti-la, bem como o caráter do exercício da dominação. (WEBER, 1991, p.139)
1 Introdução
O estudo científico dos fatos humanos somente começou a se constituir em
meados do século XIX. Nessa época, assistia-se ao triunfo dos métodos das ciências naturais,
concretizadas nas radicais transformações da vida material do homem; influenciadas
sobretudo pela Revolução Industrial.3 Diante disso alguns pensadores que procuravam
conhecer cientificamente os fatos humanos passaram a abordá-los segundo as coordenadas
das ciências naturais. Outros, ao contrário, afirmando a peculiaridade do fato humano,
buscavam uma metodologia que levasse em consideração o fato de que o conhecimento dos
fenômenos naturais é um conhecimento de algo externo ao próprio homem.
Estas transformações sociais e econômicas do século XVII e XVIII vivenciadas
em todo o continente europeu influenciaram as preocupações intelectuais de Max Weber. A
Alemanha teve o desenvolvimento capitalista e intelectual diferente do restante da Europa,
1 Este texto é parte da aula ministrada pelo prof. Reginaldo Plácido em Seminário de Pesquisa no PPGE_UNIMEP em 2010\2.2 Doutorando em Educação no PPGE-UNIMEP. Docente no Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, Belo Horizonte-MG 3 TRAGTENBERG, Mauricio. Apresentação in Os economistas: Max Weber, textos selecionados. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1987, p. 5.
enquanto França e Itália vivenciavam as revoluções burguesas republicanas e industriais a
Alemanha permanecia monárquica e agrária.
As sociedades modernas eram formadas a partir de uma profunda diversidade
social, o restante do continente europeu em suas teorias políticas, econômicas e sociais
buscava a universalidade através dos nacionalismos, do positivismo em relação ao progresso
técnico e científico proporcionado pelo sistema capitalista industrial. Já os alemães
apresentavam um amplo interesse pela História particular de cada povo e pela diversidade. O
pensamento alemão pode ser sintetizado na associação entre História, esforço interpretativo e
facilidade em discernir diversidades. Nesse sentido, a sociedade é analisada sob uma
perspectiva histórica e nesse ponto apresentam-se as divergências entre Max Weber e Émile
Durkheim, isto é, entre Positivismo e idealismo, cuja principal diferença está em como cada
um encara a História. De acordo com Tragtenberg:
Os positivistas (como eram chamados os teóricos da identidade fundamental entre as ciências exatas e as ciências humanas) tinham suas origens sobretudo na tradição empirista inglesa que remonta a Francis Bacon (1561-1626) e encontrou expressão em David Hume (1711-1776), nos utilitaristas do século XIX e outros. Na linha metodológica de abordagem dos fatos humanos se colocariam Augusto Comte (1798-1857) e Émile Durkheim (1858-1917), este considerado por muitos como o fundador da sociologia como disciplina científica.4
Sendo assim, o Positivismo possui a idéia de lei geral e História universal. Para
estes, a História é um processo universal de evolução da sociedade, ou seja, todos os povos de
todos os continentes possuem uma História única, linear, apenas em estágios diferentes
percebidos pelo método comparativo. Os Idealistas, por sua vez, corrente filosófica de Max
Weber, defendem a pesquisa histórica, baseada na coleta de documentos e no esforço
interpretativo das fontes. As diferenças sociais em cada território ou de uma nação para outra,
apresentam-se como de gênese (origem) e formação, portanto de História, não de estágios de
evolução. A perspectiva respeita o caráter particular e específico de cada formação social e
histórica.
Max Weber combina a perspectiva histórica de respeito às particularidades e à
Sociologia que ressalta os elementos mais gerais de cada fase do processo. Para ele, a
sucessão de fatos não faz sentido por si só, os dados são esparsos e fragmentados.
Propõe então o Método Compreensivo que é o esforço interpretativo do passado
e sua repercussão no momento presente. Assim, o conhecimento histórico é formado a partir
4 TRAGTENBERG, Mauricio. Apresentação in Os economistas: Max Weber, textos selecionados. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1987, p. 5-6.
da busca de evidências, onde o método permite ao cientista dar sentido social e histórico aos
fatos separados, desfragmentados.
Neste texto procurar-se-á tecer (o que dá sentido a idéia de retalhos) algumas
considerações sobre a metodologia proposta por Max Weber na tentativa de reunir material
para diálogo futuro com o projeto de pesquisa em andamento em meu doutorado. Neste
sentido o texto não tem a pretensão em ser um artigo sobre Weber ou mesmo um resumo
sobre sua obra, mas antes, como esboçado no titulo, discorrer sobre a epistemologia
weberiana. Assim este trabalho coloca-se, além de uma reflexão a partir dos encontros em
Epistemologia I no programa de doutorado em Educação da UNIMEP, como um rascunho
metodológico do meu projeto de tese em andamento.
2 Tempos de WeberMax Weber foi o primogênito de oito filhos de Max Weber (de quem ele recebe o
nome) e Helene Fallenstein Weber. Seu pai, protestante, era uma figura autocrata. Sua mãe,
mulher culta e liberal, também de credo protestante, tornou-se uma marcante personagem na
vida do filho, pois até 1919 trocavam cartas com grande erudição muito frequentemente.5 Foi
também na casa dos pais que Max Weber conheceu importantes pensadores do século XIX
que frequentavam as reuniões promovidas por eles. De acordo com Tragtenberg Weber deve
boa parte de sua erudição ao contexto familiar que estava exposto:
Max Weber nasceu e teve sua formação intelectual no período em que as primeiras disputas sobre a metodologia das ciências sociais começavam a surgir na Europa, sobretudo em seu país, a Alemanha. Filho de uma família da alta classe média, Weber encontrou em sua casa uma atmosfera intelectualmente estimulante. Seu pai era um conhecido advogado e desde cedo orientou-o no sentido das humanidades.6
Até os dezessete estudou de forma relapsa, sem grandes esforços, mas era
reconhecido como possuidor de um talento excepcional. Mesmo depois que entrou para a
universidade de Direito, Weber passava boa parte do tempo a embriagar-se em círculos de
fraternidades. Estudou matérias culturais como História, Economia e Filosofia. Interrompeu a
faculdade para ingressar no serviço militar, onde pesou o esforço físico e a ausência da
atividade intelectual. Passou um ano fazendo serviço militar e retornou à universidade.7
5 BENDIX, Reinhard. Max Weber: um perfil intelectual. Brasília: UnB, 1986.
6 TRAGTENBERG, Mauricio. Apresentação in Os economistas: Max Weber, textos selecionados. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1987, p. 6.
Ao concluir o curso, foi trabalhar nos tribunais de Berlim, depois reingressou na
universidade para os cursos de Direito Comercial, Alemão e Romano, onde defendeu sua tese
de doutorado.
Casou-se com Marianne Schnitger, sua prima, em 1893 e passou a trabalhar como
professor em Berlim e exercia uma série de trabalhos relacionados ao Direito. Nos anos
seguintes foi aceito à cátedra de Economia na universidade de Friburgo, depois em
Heidelberg, onde conviveu com seus ex-professores e onde criou um círculo de amizade
bastante fértil intelectualmente.
A partir de 1887 Max Weber começou a apresentar um quadro patológico de
doença mental, passando por diversas internações em centros de reabilitação e a realizar
viagens em busca de repouso e tratamento. Em uma de suas viagens, publica parte de sua obra
sobre A ética protestante e o espírito do Capitalismo. Foi na viagem para os Estados Unidos
da América que passou a se interessar sobre a questão do trabalho, da imigração e de
administração pública.8
Ao retornar para seus trabalhos na Alemanha, concluiu a segunda parte de A ética
protestante e o espírito do capitalismo e em seguida, com a Revolução Russa, acompanhou os
acontecimentos pela imprensa russa e os analisava para situá-los na história cotidiana. Tal
atividade lhe rendeu a publicação de diversos ensaios sobre a Rússia e o conhecimento
autodidata da língua.
Em 1903 Weber funda com Werner Sombart a revista Archiv für
Sozialwissenschaft und Sozislpolitik e em 1908 ajuda a organizar a Associação Alemã de
Sociologia, onde estimulou pesquisas coletivas sobre associações voluntárias, ligas atléticas,
seitas religiosas e partidos políticos. Propôs estudos sobre a imprensa e sobre psicologia
industrial.9
Com a Primeira Guerra Mundial, aos cinqüenta anos, tornou-se oficial da reserva
comissionado como administrador de nove hospitais em Heidelberg. De onde vivenciou um
conceito central em sua Sociologia: a burocracia.10
7 GERTH Hans H. e MILLS, C. Wright. O Homem e sua obra. In: Max Weber: Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Editora LTC, 1982.
8 WEBER, Max. Conceitos sociológicos fundamentais. In: Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Volume 1. Brasília: Editora da UnB. São Paulo: Impresna Oficial, 1999.
9 GERTH Hans H. e MILLS, C. Wright. Op. Cit.
10 BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira e QUINTANEIRO, Tania. Max Weber. In: Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1995.
Em 1918 Max Weber deixa suas convicções monarquistas e torna-se um
republicano, por acreditar que esse regime seja mais racional. Recebeu convite de várias
universidades nacionais e estrangeiras, aceitando ficar, em 1919 em Munique. Nesse mesmo
ano adoeceu, sendo diagnosticado com uma pneumonia aguda levando-o à morte em Junho de
1920. Abaixo segue breve cronologia de Weber11:
1864: Max Weber nasce em Erfurt, Tur íngia, em 21 de abril.1869: Muda-se para Berlim com a família.1882: Conclui seus estudos pré-universitários e matricula-se na Faculdade de Direito de Heidelberg. 1883: Transfere-se para Estrasburgo, onde presta um ano de serviço militar. 1884: Reinicia os estudos universitários. 1888: Conclui seus estudos e começa a trabalhar nos tribunais de Berlim . 1889: Escreve sua tese de doutoramento sobre a história das companhias de comércio durante a Idade Média. 1891: Escreve uma tese,Histór ia das Inst i tuições Agrárias.1893: Casa-se com Marianne Schnitger.1894: Exerce a cátedra de econom ia na Universidade de Freiburg.1896: Aceita uma cátedra em Heidelberg.1898: Consegue um a licença remunerada na universidade, por motivo de saúde. 1899: É internado numa casa de saúde para doentes mentais, onde permanece algumas semanas. 1903: Participa, junto com Sombart, da direção de uma das mais destacadas publicações de ciências sociais da Alemanha. 1904: Publica ensaios sobre os problemas econômicos das propriedades dos Junker, sobre a objetividade nas ciências sociais e a primeira parte de A Ét ica Protestante e o Espír i to do Capi ta l ismo. 1905: Parte para os Estados Unidos, onde pronuncia confer ências e recolhe material para a continuação de A Ét ica Protes tante e o Espíri to do Capitalismo. 1906: Redige dois ensaios sobre a Rússia:A Si tuação da Democracia Burguesa na Rússia e A Transição da Rússia para o Consti tucionalismo de Fachada. 1914: Início da Primeira Guerra Mundial . Weber, no posto de capitão,é encarregado de organizar e administrar nove hospi tais em Heidelberg. 1918: Transfere-se para Viena, onde dá um curso sob o t ítulo de Uma Crítica Positiva da Concepção Materialista da História. 1919: Pronuncia conferências em Munique, que serão publicadas sob o t ítulo de História Econômica Geral. 1920: Falece em conseqüência de uma pneumonia aguda.
2.1 Principais obras de Max Weber
Dentre as principais obras do autor - organizadas postumamente pela sua esposa
Marianne Weber - constam os seguintes títulos12:
1889: A história das companhias comerciais na idade média
11 Cronologia baseada na obra Os economistas: Max Weber. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1985b, p. 17-8.
12 Lista de obras sugerido em BENDIX, Reinhard. Max Weber: um perfil intelectual. Brasília: UnB, 1986.
1891: O direito agrário romano e sua significação para o direito público e privado1895: O Estado Nacional e a Política Econômica1904: A objetividade do conhecimento na ciência política e na ciência social1904: A ética protestante e o espírito do capitalismo1905: A situação da democracia burguesa na Rússia1905: A transição da Rússia à um regime pseudoconstitucional1906: As seitas protestantes e o espírito do capitalismo1913: Sobre algumas categorias da sociologia compreensiva1917/1920: Ensaios Reunidos de Sociologia da Religião1917: Parlamento e Governo na Alemanha reordenada1917: A ciência como vocação1918: O sentido da neutralidade axiológica nas ciências políticas e sociais1918: Conferência sobre o Socialismo1919: A política como vocação1919: História Geral da Economia1910/1921: Economia e Sociedade
Dentre seus escritos mais conhecidos destacam-se "A ética protestante e o espírito do capitalismo" (1904), a obra póstuma "Economia e Sociedade" (1920), "A ciência como vocação" (1917) e "A política como vocação" (1919).
3 Principais Conceitos Weberianos
Com base na lógica do respeito ao caráter particular e específico de cada
formação social e histórica e contrário às tendências organicistas presentes nas
ciências humanas de sua época, Weber atribui ao indivíduo um status
metodológico. Para Weber, a sociedade não constitui uma realidade em si
capaz de ser abordada compreensivamente. Somente o indivíduo é um
agente compreensível, segundo uma atividade orientada significativamente.
Com isso, ele descarta a hipótese de uma consciência coletiva.
De acordo com Weber (1991), a análise que leva em consideração
o coletivo é largamente utilizada por aqueles que se atêm à metodologia
organicista13.
13 VIEIRA, Cesar Romero Amaral. Protestantismo e educação: a presença liberal norte americana na reforma Caetano de Campos – 1890. Tese de doutorado em Educacação. PPGE-UNIMEP, 2006, p. 33-4
Nesse sentido, Weber ressalta que:
Para a sociologia, a realidade “Estado” não necessariamente se compõe exclusivamente de seus elementos juridicamente relevantes. E, em todo caso, não existe para ela uma personalidade coletiva “em ação”. Quando fala do “Estado”, da “nação” ou da “sociedade por ações”, da “família”, da “corporação militar” ou de outras “formações” semelhantes, refere-se meramente a determinado curso da ação social de indivíduos, efetivos ou construídos como possível.14
Desta forma, a utilização de conceitos coletivos, tais como: Estado,
nação, classe, família e outras formas organizativas, esbarra em limites que a
própria realidade impõe, e, para a sociologia compreensiva, o que tem
validade são as motivações e comportamentos que se estabelecem sob
essas formas de organizações, e não elas mesmas, como, por exemplo: os
motivos que condicionam determinados indivíduos a agirem de uma
determinada maneira e não de outra.15 Assim, os conceitos coletivos
em Weber só ganham sentido quando vistos sob o prisma
das relações significativas dos indivíduos a eles relacionados.
Isso não quer dizer que Weber abandone categoricamente
esses conceitos em sua sociologia, mas toma-os a partir de
uma outra lógica, a do indivíduo.
3.1 Ação Social: uma ação com sentido
Por Ação Social entende-se a conduta humana (ato, omissão, permissão) dotada
de sentido, ou seja, de uma justificativa elaborada subjetivamente, isto é, um significado
subjetivo dado de forma racional ou irracional por quem o executa, o qual orienta seu próprio
comportamento, tendo em vista a ação – passada, presente ou futura – de outro ou outros.
Para Weber os únicos objetos legítimos das Ciências Sociais seriam, então, em si
mesmas, as ações sociais. O agente individual seria o único portador real de sentido. A única
coisa que realmente existiria seriam sujeitos humanos agindo de uma forma e com um sentido
específico e produzindo, de modo intencional ou não, uma série de conseqüências. Cada
14 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; rev. técnica de Gabriel Cohn. Brasília: UnB, 1991. v. I, p. 9.
15 VIEIRA, Cesar Romero Amaral. Protestantismo e educação: a presença liberal norte americana na reforma Caetano de Campos – 1890. Tese de doutorado em Educacação. PPGE-UNIMEP, 2006, p. 34.
fenômeno cultural só poderia ser compreendido na sua significação e ter sua origem explicada
a partir da referência a agentes sociais que ao organizarem significativamente suas ações
contribuiriam, de forma mais ou menos intencional, para determinar essa significação e essa
origem.
Weber tira grande proveito das pesquisas de ordem
psicanalítica, particularmente no plano da motivação dos atos, para fazer
daí a distinção entre o que ele considera ação social orientada por uma
relação de sentido e o tipo de ação puramente reativa.16 No caso da ação
reativa, aquele que age nem sempre sabe porque se orientou nessa ou
naquela direção. É uma ação, geralmente inconsciente, puramente
condicionada por uma massa, e que não apresenta nenhuma relação de
sentido com o fim visado. Por ser uma ação inconsciente, a sociologia
compreensiva nem sempre tem condição de distinguir, com toda clareza, a mera
influência da orientação pelo sentido, entretanto poder ser separadas
conceitualmente.17
O indivíduo é o agente social que dá sentido à sua ação, o sentido é compreendido
através da análise do MOTIVO que leva a pessoa à ação, mas seus efeitos muitas vezes
escapam ao controle e previsão do agente. É pelo motivo que se desvenda o sentido da ação e
a motivação é formulada expressamente pelo agente ou está implícito em sua conduta. O
motivo da ação pode ser de três tipos:
I- Dado pela tradição
II- Dado por interesses racionais
III- Dado pela emotividade
Então, tem sentido social toda ação que leva em conta a resposta ou a reação de
outros indivíduos e é a interdependência entre os sentidos das diversas ações que dá o caráter
16 A ação reativa é aquela determinada, ou co-determinada, por uma situação de massa, em que a ação do indivíduo está fortemente influenciada pelo simples fato de ele se encontrar dentro de uma massa aglomerada em determinado local e circunstância. Junto à ação reativa, Weber também coloca a ação influenciada e a ação condicionada. Esses tipos de ações não se constituem ação social por serem determinadas causalmente por uma atitude de outra pessoa, ou grupo, e não por um sentido inerente à própria ação. Sobre o conceito de ação social ver em WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; rev. técnica de Gabriel Cohn. Brasília: UnB, 1991. v. I, p. 33ss.
17 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; rev. técnica de Gabriel Cohn. Brasília: UnB, 1991. v. I, p. 15.
social da ação. A tarefa do cientista é descobrir os possíveis sentidos das ações em todas as
suas consequências.
Ex.: Enviar uma carta – ato composto de uma série de ações sociais com sentido
Escrever, selar, enviar e receber – ações com uma finalidade objetiva;
Atores , agentes se relacionam nessa ação com orientação de motivos diversos:
enviar a carta, ser o atendente no posto dos correios, o carteiro, o destinatário. Essa
interdependência entre os diversos motivos que torna a ação social.
O sentido da ação é produzido pelo indivíduo através dos valores sociais que ele
compartilha e do motivo que emprega. Prever todas as conseqüências da ação escapa ao
indivíduo e é papel do cientista, a quem cabe explicar, isto é, captar e interpretar as conexões
de sentido inclusas numa ação.
O fundamental é que uma ação social transcorra sempre com
referência a um sentido. A compreensão da ação social, segundo os motivos
dos agentes, leva-nos a compreender os fundamentos de sua conduta. A
conexão entre motivo e ações sociais revela as diversas instâncias da ação social: política,
econômica ou religiosa.
Entretanto, cabe ressaltar que, na realidade, os tipos de ação social
não se apresentam como um caso inteiramente puro. A classificação dos tipos
de ação social serve como instrumental metodológico para a
compreensão do sentido que o ator atribui à sua conduta. Weber assim
classifica os tipos de ação social: 18
I- Ação racional com relação a fins;
II- Ação racional com relação a valores;
III- Ação tradicional;
IV- Ação afetiva.
3.1.1 Ação racional com relação a fins
Esta ação é definida pelo fato de que o ator concebe claramente seu
objetivo e combina os meios disponíveis para atingi-lo. Ele ordena
racionalmente seus atos segundo a lógica meios/fins levando em conta as
conseqüências previsíveis, capazes de acompanhar o desenrolar da ação.
18 Cf. ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 464-65. Cf. também FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987, p. 79-81.
Para atingir um objetivo previamente definido, lança-se mão de meios necessários
ou adequados, ambos combinados e avaliados tão claramente quanto possível de seu próprio
ponto de vista. É uma ação evidente, chegar ao objetivo pretendido recorrendo aos meios
disponíveis. Erros e afetos desviam o curso da racionalidade.
3.1.2 Ação racional com relação a valores
Ação que visa um objetivo, mas agindo de acordo com ou a serviço de suas
próprias convicções, levando em conta somente a fidelidade a certos valores que inspiram sua
conduta. O sentido da ação não está no resultado ou nas conseqüências, mas na própria
conduta.
Nesta ação o ator age racionalmente, aceitando todos os
riscos, não para obter um resultado extrínseco, mas para permanecer fiel à
sua idéia de honra. A sua ação é movida por pura convicção sem se
importar com as conseqüências previsíveis.
3.1.3 Ação irracional afetiva
A ação é inspirada em suas emoções imediatas sem considerar os meios ou os fins
a atingir. Esta A ação é aquela ditada pelo estado de consciência ou humor do sujeito, é
definida por uma reação emocional do ator em determinadas circunstâncias e não em relação
a um objetivo ou a um sistema de valor.
A ação afetiva deve ser diferenciada da ação com relação a valores, para evitar
confusões, pois a primeira não se preocupa com os fins a serem alcançados, muito menos com
os meios utilizados para se chegar a qualquer fim, ela tem uma razão em si mesma. Já em
relação aos valores, o agente da ação elabora racionalmente e conscientemente onde e como
chegar aonde se quer.
3.1.4 Ação tradicional
A ação tradicional é aquela ditada pelos hábitos, costumes, crenças transformadas
numa segunda natureza, para agir conforme a tradição o ator não precisa conceber um objeto,
ou um valor nem ser impelido por uma emoção, obedece simplesmente a reflexos
enraizados por longa prática, comporta por isso elementos não-
compreensíveis.
3.2 Relação Social (texto a desenvolver)
Ação é diferente de relação social, pois nesta o sentido precisa ser compartilhado.
Um exemplo: pedir informação – o indivíduo faz uma ação social, pois tem um motivo e age
em relação a outro, mas o motivo não é compartilhado.
Desta forma pode-se inferir que relação social é então uma ação social cujo
sentido é compartilhado pelas pessoas envolvidas na ação. É a conduta de várias pessoas
orientada, dotada de conteúdos significativos, que descansam na probabilidade de que se agirá
socialmente de certo modo.
Ao envolver-se em uma relação, tem-se por referência certas expectativas da
conduta do(s) outro(s). As Relações sociais estão inseridas em e reguladas por expectativas
recíprocas quanto ao seu significado, são ações que incluam uma mútua referência.
Weber chega à conclusão de que não existe oposição entre indivíduo e sociedade,
pois quanto mais racional uma relação mais facilmente ela se traduz em normas e uma norma
para se tornar concreta, primeiro se manifesta nos indivíduos como motivação.
3.3 O Tipo Ideal
Uma das preocupações de Weber foi, justamente, com a formulação de certos
instrumentos metodológicos que permitissem que o cientista investigasse os fenômenos
particulares sem se perder na infinidade disforme dos seus aspectos concretos. O principal
desses instrumentos é o tipo ideal.
O tipo ideal é um trabalho teórico indutivo com o objetivo de sintetizar o que é
essencial na diversidade social. Permite conceituar fenômenos e formações sociais e
identificar e comparar na realidade observada suas manifestações. Os diversos exemplos
mantém com o tipo ideal grande semelhança e afinidade. Ele permite comparações e a
percepção de semelhanças e diferenças.
Obtém-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de um ou de vários pontos de vista e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenômenos isoladamente dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor número ou mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim de se formar um
quadro homogêneo de pensamento. É impossível encontrar empiricamente na realidade este quadro, na sua pureza conceitual, pois trata-se de uma utopia.19.
Os tipos ideais cumpririam duas funções principais: selecionar explicitamente a
dimensão do objeto que será analisada e apresentar essa dimensão de uma forma pura, despida
de suas nuanças concretas. Nas palavras de Weber, a construção de tipos permitiria operar
uma espécie de abstração que converteria a realidade em “objeto categorialmente
construído”20.
Os tipos seriam elaborados “mediante acentuação mental de determinados
elementos da realidade”21 considerados, do ponto de vista do investigador, relevantes para a
pesquisa. O cientista social criaria definições exageradas, unilaterais, das dimensões da
realidade que pretendesse conhecer. Essas definições poderiam então ser utilizadas, num
segundo momento, para uma espécie de comparação com o mundo real. Elas auxiliariam no
trabalho de compreensão e de imputação causal realizado pela Sociologia e pela História.
Cada aspecto concreto da realidade empírica poderia ser compreendido em função da sua
maior ou menor distância em relação à definição típico ideal.
Assim, o tipo-ideal é para Weber um recurso metodológico para a
compreensão do real e não a finalidade mesma da pesquisa. Como
ressalta Maurício Tragtenberg, o tipo ideal tem como objetivo ““construir o
conhecimento aproximativo de forma mais definida, através da seleção das
relações típicas que configuram um panorama”22. Desse modo, constitui-se
como um parâmetro para se compreender uma individualidade sócio-
cultural, por meio da distância forjada entre a construção ideal e os seus
componentes históricos, em busca de conexões causais. Se por um lado o
tipo ideal, como formulado por Weber, só existe como utopia - já que não
pode ser encontrado na realidade empírica como tal - por outro, a realidade
pode ser explicada por ele em seus traços considerados essenciais.
Nesse sentido, a construção tipológica é apenas uma
ferramenta utilizada como recurso técnico para se fazer uma comparação com
19 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993, p. 137-38.
20 Id. ibid, p 203.
21 Id. ibid, p 137.
22 TRAGTENBERG, Mauricio. Apresentação in Os economistas: Max Weber, textos selecionados. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1987, p. 26.
a realidade empírica. Ele é então um instrumento de análise, um modelo acentuado do
que é característico ou fundante no estudo. É uma construção teórica abstrata utilizada pelo
cientista ao longo do seu processo de pesquisa. Três características definem os limites e as
possibilidades do tipo ideal:
I- Racionalidade: escolha de características do objeto relacionadas de modo racional;
II- Unilateralidade: a escolha racional acentua unilateralmente os traços considerados mais
relevantes;
III- Caráter utópico: não é, nem pretende ser, um reflexo ou repetição da realidade.
4 A Epistemologia de Max Weber (preciso reler metodologia das ciências e anotações das aulas do Cesar, Bruno e Raquel)
A epistemologia weberiana pode ser compreendida como resultando da
articulação de duas premissas com uma afirmação aparentemente antitética. As premissas são:
1) o conhecimento só é possível a partir da referência a valores e interesses; 2) valores e
interesses não podem ser validados ou hierarquizados segundo critérios objetivos. A
afirmação é a seguinte: é possível alcançar um conhecimento objetivo, universalmente válido,
científico, no sentido mais forte da palavra.
O que está sendo chamado aqui de premissas da epistemologia weberiana, são, na
verdade, as duas perspectivas básicas que definem a concepção de Weber no que se refere à
relação entre conhecimento, realidade e valores. De acordo com a interpretação do
pensamento weberiano feita por Julien Freund, Weber mantém-se fiel ao
espírito da epistemologia kantiana ao negar que ““o conhecimento possa ser uma
reprodução ou uma cópia integral da realidade, tanto no sentido da extensão,
como da compreensão”23. Dito dessa forma, pode-se entender por que para
Weber ““todo conhecimento da realidade cultural é sempre um
conhecimento subordinado a pontos de vista especificamente particulares”24.
Porque esta é a condição, por excelência, de se estabelecer qualquer
princípio de seleção do objeto a ser investigado e de se escolher a direção
a ser tomada. Entretanto, essa é apenas a condição primeira que, em
seguida, deverá ser submetida, ao rigor da objetividade científica através da
23 FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987, p 33.
24 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993, p. 131.
relação com os valores. Freund (1987, p.44) esquematiza esta argumentação
ao dizer que:
É fácil perceber agora o papel e a significação da relação com os valores. Dada a infinidade extensiva e intensiva da realidade empírica que nenhuma ciência consegue abarcar integralmente, aquela relação surge como princípio de seleção, condição de um conhecimento objetivo pelo menos parcial. Mais exatamente, ela é o momento subjetivo que torna possível um conhecimento objetivo limitado, desde que o sábio tenha consciência dessa limitação inevitável.25
A realidade é entendida como algo infinito, que pode ser apreendido a partir de
inúmeros ângulos, mas jamais na sua totalidade ou essência. O conhecimento seria sempre
fruto de um recorte particular, da seleção de um conjunto específico de problemas e de
fenômenos. Essa seleção ou recorte particular seria, necessariamente, feita a partir das
referências pessoais dos sujeitos. Weber nega, assim, a possibilidade de um conhecimento
absoluto, livre de quaisquer pressupostos, capaz de definir de modo completamente neutro
qual a verdade absoluta das coisas. Não existiria, segundo ele, um ponto privilegiado a partir
do qual o investigador pudesse atingir uma visão isenta e global da realidade. Ao contrário,
todo e qualquer conhecimento estaria referido a valores e interesses subjetivos. Seriam a partir
dessas referências que os sujeitos atribuiriam relevância e selecionariam, dentro da realidade
infinita, os problemas e objetos que, do seu ponto de vista, mereceriam ser investigados.
A primeira premissa do modelo epistemológico weberiano é, portanto, a do
caráter inexorável da referência do conhecimento a valores e interesses. Não existiriam
problemas ou objetos que seriam intrinsicamente relevantes para o conhecimento humano. De
uma forma ou de outra, o sujeito cognoscente sempre partiria de um conjunto específico de
referências e pressupostos culturalmente definidos. É uma questão secundária, o fato de que
se trate de um sistema ético, de um conjunto de postulados metafísicos, de um modelo teórico
ou de um conjunto de crenças e interesses religiosos ou econômicos. Em todos esses casos, a
situação seria, basicamente, a mesma. Tratar-se-ia de conjuntos de perspectivas ou
referenciais subjetivos que orientariam os investigadores nas atividades do conhecimento.
A segunda premissa fundamental seria a de que essas referências não poderiam
jamais ser validadas e nem mesmo hierarquizadas segundo critérios que pudessem ser
chamados de objetivos. A adesão a determinados valores ou a uma visão de mundo específica
seria, em última instância, uma questão de fé26. Não existiriam parâmetros objetivos a partir
25 FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987, p. 44.
26 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993.
dos quais se pudesse decidir sobre o melhor valor ou a visão de mundo mais verdadeira. A
adesão a qualquer desses pontos de vista seria sempre dependente de uma convicção pessoal,
subjetiva. Todos os valores, as visões de mundo, os sistemas metafísicos, as normas e
princípios éticos que conduzem os homens em seus assuntos práticos e que são referências do
conhecimento seriam incomensuráveis e teriam, em princípio, que ser tomados como
equivalentes.
A associação entre essas duas premissas, ou seja, o reconhecimento de que as
referências valorativas são inevitáveis e de que não é possível selecioná-las segundo critérios
objetivos, poderia ter conduzido Weber a uma postura cética e relativista. Partindo dessas
premissas, a conclusão aparentemente mais lógica seria a que afirmasse que não é possível um
conhecimento objetivamente válido da realidade, sobretudo, no que se refere aos fenômenos
culturais. A conclusão de Weber, no entanto, é exatamente a contrária. A objetividade do
conhecimento é possível, inclusive, nas Ciências da Cultura.
É importante lembrar que dentro do contexto intelectual alemão do final do século
XIX, no qual Weber se inseria, existiam pelo menos duas respostas disponíveis à questão da
validação do conhecimento das Ciências da Cultura. Ambas, no entanto, foram rejeitadas por
Weber. Dilthey27 (anotações aula Cesar), em linhas gerais, acreditava que o conhecimento dos
fenômenos culturais se fundamentava na estratégia da compreensão introspectiva, método
pretensamente capaz de resgatar o mundo tal como subjetivamente vivido pelos indivíduos. A
possibilidade desse resgate estaria, em princípio, garantida pela identidade humana e histórica
que une, nas Ciências da Cultura, o sujeito e o objeto. Como sujeito humano o observador
poderia compreender de modo relativamente fácil outros universos humanos. Weber rejeita a
solução de Dilthey, fundamentalmente, argumentando que o acesso a esse universo subjetivo
não é nem direto, nem completo e nem imparcial. Tratar-se-ia, além disso, de um método de
difícil controle intersubjetivo, que como tal não poderia ser posto como garantia de
objetividade.
27 Para Dilthey as ciências da natureza são passíveis de explicação, ao contrário, as relações humanas só podem ser compreendidas em seu sentido. Ver comentário em DIGGINS, John Patrick. Max Weber: a política e o espírito da tragédia. Rio de Janeiro: Record, 1999, p.146-147.
A outra solução para o problema da validade do conhecimento presente no
contexto intelectual de Weber era sustentada principalmente por Rickert28 e Windelband29.
Para estes, existiriam certos valores universais e necessários, supostamente compartilhados
pela humanidade e pelo cientista, que orientariam, de modo unívoco, o trabalho de seleção
dos problemas e objetos nas Ciências da Cultura. A observação desses valores universais seria
a garantia da relevância e pertinência do conhecimento produzido. Como observa Saint-Pierre
a relação com os valores seria, particularmente para Rickert, não “apenas um princípio de
seleção do material de estudo, mas, e principalmente, constituía o fundamento da validade do
conhecimento histórico-social”30. Weber rechaça esse alternativa acentuando, sobretudo, o
fato de que os valores não são universais, mas, ao contrário, múltiplos e contraditórios. Não
existiria um sistema de valores privilegiado, fundado numa base transcendental, com relação
ao qual as Ciências da Cultura pudessem se orientar, mas, apenas, o eterno confronto histórico
entre diversos valores inconciliáveis.
Em contraposição a essas duas alternativas, Weber busca uma solução para o
problema da objetividade do conhecimento que, como observa Saint-Pierre, se situa no plano
metodológico. O conhecimento objetivo é possível desde que os sujeitos cognoscentes se
comprometam a observar certas regras próprias à atividade científica. A objetividade não seria
alcançada pela extirpação de toda e qualquer referência a valores e pela busca de um olhar
imparcial, como talvez sonhassem os positivistas. Weber se mantém fiel a sua primeira
premissa. Também não seria obtida por meio da hierarquização das várias referências e da
escolha, entre essas, daquela mais verdadeira - talvez, algum sistema teórico ou metafísico ou,
ainda, um conjunto de valores superiores, como queria Rickert - a partir do qual se pudesse
proceder a uma abordagem unívoca da realidade. Weber, também, não abandona a sua
segunda premissa; não é possível selecionar segundo critérios cientificamente válidos qual a
referência melhor ou mais verdadeira.31
28 As idéias formuladas por Rickert de certa maneira contribuíram como ponto de partida para a construção metodológica de Weber. Para ele a realidade pode ser apreendida a partir da ótica da natureza ou da história dependendo das formulações conceituais que se empregam. Ver comentário em DIGGINS, John Patrick. Max Weber: a política e o espírito da tragédia. Rio de Janeiro: Record, 1999, p.146-147.
29 Para Wildelband ambas as ciências empregam métodos distintos para classificar o mundo real. Para isso sugere o emprego do método generalizante para as ciências da natureza e do método individualizante para as ciências humanas. Ver comentário em DIGGINS, John Patrick. Max Weber: a política e o espírito da tragédia. Rio de Janeiro: Record, 1999, p.146-147. e FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.
30 SAINT-PIERRE, Héctor, Max Weber: entre a paixão e a razão. 2. ed. Campinas: Unicamp, 1994, p. 24.
31 SAINT-PIERRE, Héctor, Max Weber: entre a paixão e a razão. 2. ed. Campinas: Unicamp, 1994, p. 24-25.
A objetividade do conhecimento é possível, no entanto, desde que, em primeiro
lugar, sejam claramente separadas as esferas do conhecimento empírico e da ação prática,
particularmente, a de natureza política ou religiosa. Weber se dedica exaustivamente ( ler
1982 e 1993 ) ao estabelecimento de uma delimitação clara entre essas duas esferas. Os
objetivos que a ciência deve se colocar e que ela é capaz de alcançar são radicalmente
distintos dos que cabem, por exemplo, à política. Embora se sirva da relação com valores para
selecionar seus objetos e ângulos de investigação, a ciência não deve, como tal, fazer
julgamentos de valor. Ela deve se restringir a fazer julgamentos científicos sobre a realidade
tal como esta é empíricamente, não sobre como ela supostamene deveria ser. Até mesmo
porque a ciência não é capaz de fazer julgamentos objetivos sobre valores, sobre como as
coisas devem ser. Esses julgamentos são necessariamente subjetivos.32
O primeiro passo para se garantir a objetividade do conhecimento científico é,
portanto, separar claramente julgamentos de valor e julgamentos de fato e excluir os primeiros
do âmbito da ciência. Essa, de certa forma, é uma atitude que depende de uma decisão
individual dos pesquisadores, mas que, para Weber, poderia ser incentivada e cobrada pelas
associações e revistas científicas. É importante observar que a objetividade do conhecimento é
possível, na perspectiva weberiana, na medida exata em que os cientistas estejam
deliberadamente dispostos a se comprometer com a busca dessa objetividade. Esse
compromisso tem como eixo principal a renúncia aos julgamentos de valor, mas é algo mais
amplo. Weber espera, na verdade, que o cientista esteja disposto a se curvar frente ao
imperativo das proposições empíricas, factuais, que não se apegue às suas referências teóricas
e filosóficas de modo dogmático, que esteja aberto ao diálogo e à crítica e que saiba correr o
risco constante da refutação empírica de suas idéias.33
Uma maneira interessante de se interpretar a concepção weberiana do
conhecimento científico é recorrendo à separação entre Contexto da Descoberta e Contexto da
validação. Weber sabe que o interesse pelo conhecimento e a seleção do problema, do objeto
e do ângulo específico das investigações são definidos necessariamente através de uma
relação com valores subjetivos – essa é, justamente, uma de suas premissas. Essa relação com
valores não alcançaria, no entanto, o plano da verificação empírica das hipóteses. Uma vez
proposto, o conhecimento poderia e deveria ser julgado, objetivamente, do ponto de vista de
sua lógica interna e validade empírica. A relação com os valores dominaria apenas o Contexto
32 WEBER, Max, A Ciência como vocação. In: WRIGHT MILLS, C. E GERTH, H.H. Org. Ensaios de Sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982.
33 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993.
da Descoberta. O Contexto da Validação deveria ser consciente e deliberadamente liberto das
influências subjetivas. Neste contexto deveria imperar o espírito crítico e antidogmático. Os
resultados do conhecimento, para serem considerados cientificamente válidos, teriam que se
submeter ao controle intersubjetivo e ser universalmente aceitos.34
Weber nos fala, portanto, particularmente, no caso das Ciências da Cultura, de
duas dimensões claras do trabalho científico. Uma primeira dimensão, em que nenhuma
forma de controle é possível. As referências subjetivas que orientam o conhecimento são
múltiplas, inconciliáveis e não são passíveis de nenhum tipo de julgamento ou hierarquização
segundo critérios objetivos. Partindo de referências variadas, os sujeitos selecionariam
problemas e objetos e construiriam conceitos e hipóteses. Uma vez formuladas as hipóteses,
passaria-se para a segunda dimensão, na qual imperaria o controle intersubjetivo, tendo na
validação empírica seu critério fundamental.
5 A ética protestante e o espírito do capitalismo (resumo)
Esse é o título de uma das principais obras de Max Weber, talvez tenha sido
aquela que mais que trouxe fama e prestígio. Nela o autor buscava compreender a relação
entre o protestantismo e um comportamento típico do capitalismo. A primeira parte desta obra
foi publicada em 1904 e a segunda veio a público em 1905, depois da viagem do autor e de
sua esposa aos Estados Unidos.
A temática das relações entre religião e capitalismo foi uma questão central do
pensamento social alemão. Do ponto de vista da análise do capitalismo, o estudo de Weber foi
precedido pela obra de Georg Simmel - A filosofia do dinheiro (1900) -, sem esquecer do
escrito de Karl Marx, intitulado O Capital (1867). Dois anos antes da publicação do livro de
Weber, seu colega Werner Sombart também publicou um livro sobre esse problema,
intitulado O capitalismo moderno (1902) . Neste criativo e rico espírito acadêmico, Weber
procurou mostrar que o protestantismo de caráter ascético dos séculos XVI e XVII tinha um
influxo direto com o conceito de vocação profissional, base motivacional do moderno sistema
econômico capitalista.35
Weber foi motivado pela análise de dados estatísticos que evidenciaram a grande
participação de protestantes entre os homens de negócio, entre os empregados bem-sucedidos
34 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993.
35 BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira e QUINTANEIRO, Tania. Max Weber. In: Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1995.
e como mão-de-obra qualificada. A partir daí procurou observar a conexão entre a doutrina e
a pregação protestante e seus efeitos no comportamento dos indivíduos. A doutrina e as
pregações mostraram a presença de valores protestantes tais como: Disciplina, poupança,
austeridade, vocação, dever e propensão ao trabalho. Tais valores formaram a partir da
Reforma Protestante no século XVI uma nova mentalidade – ethos – propício ao
desenvolvimento do capitalismo. (capitulo 1)
Nesse trabalho, Max Weber expõe as relações entre religião e sociedade e
desvenda particularidades do capitalismo:
I- A relação não se dá por meios institucionais; mas por intermédio de valores introjetados nos
indivíduos e transformados em motivos da ação social.
II- Motivação protestante: trabalho como dever, como vocação. Não visando o ganho material
como o objetivo final.
Como consequência, os trabalhadores protestantes adaptavam com facilidade ao
mercado de trabalho, também eles acumulavam capital já que a pregação de uma vida regada
e sem usura era predominante. Ao acumularem capital faziam poupança ou criavam seus
próprios negócios como reinvestimento produtivo.
A ação individual de cada protestante, com o motivo relacionado a valores vai
além de sua intenção: Virtude e vocação; Renúncia aos prazeres materiais. Sofre impacto
diretamente no meio social ao contribuir com as bases que promoveram o desenvolvimento
capitalista. (capitulo 2)
Como cientista, Weber procurou estabelecer as conexões entre os motivos e os
efeitos da ação no meio social. Percebeu que o Protestantismo possuía afinidade com o
racionalismo econômico, enquanto o catolicismo difundia o ascetismo contemplativo, isto é,
um conjunto de valores mais para a meditação do que para a ação prática.
Weber procurou fazer a construção do tipo ideal de capitalismo ao estudar as
diversas características das atividades econômicas em várias épocas e lugares e chegou ao
seguinte resultado:
Capitalismo è organização econômica racional assentada no trabalho livre e
orientada para um mercado real, não para a mera especulação ou rapinagem.
Características do sistema capitalista:
I- separação entre público e privado;
II- utilização técnica do conhecimento científico – ciência;
III- direito e administração racionalizados.
Esse e outros trabalhos de Max Weber situam-se na área da Sociologia da
Religião e seu esforço intelectual consistiu em observar na esfera religiosa um conjunto de
valores que conduziram à racionalização das condutas dos fiéis. Fenômeno fundamental para
a transformação das práticas econômicas e para a constituição da estrutura das sociedades
modernas.
Weber entende que cada religião constitui uma individualidade histórica, rica e
complexa. Por isso seu objetivo era compreender as conseqüências práticas da religiosidade
para a conduta social e ao persegui-lo, notou que a religião pode fomentar o racionalismo
prático e intensificar a racionalidade metódica, sistemática, do modo exterior de levar a vida.
Esse é um processo que ocorre ao nível da organização da comunidade e traduz-se
ao nível das concepções de mundo. De um lado estão os virtuosos, tendo legitimada sua boa
sorte. Os menos afortunados são apoiados pela criação do mito da salvação. No cristianismo
construiu-se a figura do redentor, salvador, como uma explicação racional para a história da
humanidade. A atitude religiosa ascética leva o virtuoso a submeter os impulsos naturais ao
modo sistematizado de levar a vida. Mudança na comunidade religiosa que se desdobra num
domínio racional do universo.
6 - Protestantismo no Brasil (implantação e relações de poder)
7- Protestantismo e educação
7.1 Instituições escolares protestantes no Brasil
Conclusão
Fontes de Referencia
ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira e QUINTANEIRO, Tania. Max Weber. In: Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1995.
BENDIX, Reinhard. Max Weber: um perfil intelectual. Brasília: UnB, 1986.DIGGINS, John Patrick. Max Weber: a política e o espírito da tragédia. Rio de Janeiro: Record, 1999.
DURKHEIM, Èmile. As regras do método sociológico. 14. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1990.
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______. Protestantismo e educação: a presença liberal norte americana na reforma Caetano de Campos – 1890. Tese de doutorado em Educação. PPGE-UNIMEP, Piracicaba, 2006.
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