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RETALHOS EPISTEMOLÓGICOS EM MAX WEBER 1 Reginaldo Leandro Plácido 2 A possibilidade de “”reviver” completamente a ação é importante para a evidência da compreensão, mas não é condição absoluta para a interpretação do sentido. Componentes compreensíveis e não compreensíveis de um processo estão muitas vezes misturados e relacionados entre si (WEBER, 1991, p.4). Conforme ensina a experiência, nenhuma dominação contenta-se voluntariamente com motivos puramente materiais ou afetivos referentes a valores, como possibilidades de sua persistência. Todas procuram despertar e cultivar a crença em sua “legitimidade”. Dependendo da natureza da legitimidade pretendida diferem o tipo da obediência e do quadro administrativo destinado a garanti-la, bem como o caráter do exercício da dominação. (WEBER, 1991, p.139) 1 Introdução O estudo científico dos fatos humanos somente começou a se constituir em meados do século XIX. Nessa época, assistia- se ao triunfo dos métodos das ciências naturais, concretizadas 1 Este texto é parte da aula ministrada pelo prof. Reginaldo Plácido em Seminário de Pesquisa no PPGE_UNIMEP em 2010\2. 2 Doutorando em Educação no PPGE-UNIMEP. Docente no Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, Belo Horizonte-MG

Reginaldo Leandro Placido - Retalhos Epistemológicos em Max Weber

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Aula apresentado em Seminário de Epistemologia da Educação no PPGE_Unimep

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RETALHOS EPISTEMOLÓGICOS EM MAX WEBER1

Reginaldo Leandro Plácido2

A possibilidade de “”reviver” completamente a ação é importante para a evidência da compreensão, mas não é condição absoluta para a interpretação do sentido. Componentes compreensíveis e não compreensíveis de um processo estão muitas vezes misturados e relacionados entre si (WEBER, 1991, p.4).

Conforme ensina a experiência, nenhuma dominação contenta-se voluntariamente com motivos puramente materiais ou afetivos referentes a valores, como possibilidades de sua persistência. Todas procuram despertar e cultivar a crença em sua “legitimidade”. Dependendo da natureza da legitimidade pretendida diferem o tipo da obediência e do quadro administrativo destinado a garanti-la, bem como o caráter do exercício da dominação. (WEBER, 1991, p.139)

1 Introdução

O estudo científico dos fatos humanos somente começou a se constituir em

meados do século XIX. Nessa época, assistia-se ao triunfo dos métodos das ciências naturais,

concretizadas nas radicais transformações da vida material do homem; influenciadas

sobretudo pela Revolução Industrial.3 Diante disso alguns pensadores que procuravam

conhecer cientificamente os fatos humanos passaram a abordá-los segundo as coordenadas

das ciências naturais. Outros, ao contrário, afirmando a peculiaridade do fato humano,

buscavam uma metodologia que levasse em consideração o fato de que o conhecimento dos

fenômenos naturais é um conhecimento de algo externo ao próprio homem.

Estas transformações sociais e econômicas do século XVII e XVIII vivenciadas

em todo o continente europeu influenciaram as preocupações intelectuais de Max Weber. A

Alemanha teve o desenvolvimento capitalista e intelectual diferente do restante da Europa,

1 Este texto é parte da aula ministrada pelo prof. Reginaldo Plácido em Seminário de Pesquisa no PPGE_UNIMEP em 2010\2.2 Doutorando em Educação no PPGE-UNIMEP. Docente no Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, Belo Horizonte-MG 3 TRAGTENBERG, Mauricio. Apresentação in Os economistas: Max Weber, textos selecionados. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1987, p. 5.

Page 2: Reginaldo Leandro Placido - Retalhos Epistemológicos em Max Weber

enquanto França e Itália vivenciavam as revoluções burguesas republicanas e industriais a

Alemanha permanecia monárquica e agrária.

As sociedades modernas eram formadas a partir de uma profunda diversidade

social, o restante do continente europeu em suas teorias políticas, econômicas e sociais

buscava a universalidade através dos nacionalismos, do positivismo em relação ao progresso

técnico e científico proporcionado pelo sistema capitalista industrial. Já os alemães

apresentavam um amplo interesse pela História particular de cada povo e pela diversidade. O

pensamento alemão pode ser sintetizado na associação entre História, esforço interpretativo e

facilidade em discernir diversidades. Nesse sentido, a sociedade é analisada sob uma

perspectiva histórica e nesse ponto apresentam-se as divergências entre Max Weber e Émile

Durkheim, isto é, entre Positivismo e idealismo, cuja principal diferença está em como cada

um encara a História. De acordo com Tragtenberg:

Os positivistas (como eram chamados os teóricos da identidade fundamental entre as ciências exatas e as ciências humanas) tinham suas origens sobretudo na tradição empirista inglesa que remonta a Francis Bacon (1561-1626) e encontrou expressão em David Hume (1711-1776), nos utilitaristas do século XIX e outros. Na linha metodológica de abordagem dos fatos humanos se colocariam Augusto Comte (1798-1857) e Émile Durkheim (1858-1917), este considerado por muitos como o fundador da sociologia como disciplina científica.4

Sendo assim, o Positivismo possui a idéia de lei geral e História universal. Para

estes, a História é um processo universal de evolução da sociedade, ou seja, todos os povos de

todos os continentes possuem uma História única, linear, apenas em estágios diferentes

percebidos pelo método comparativo. Os Idealistas, por sua vez, corrente filosófica de Max

Weber, defendem a pesquisa histórica, baseada na coleta de documentos e no esforço

interpretativo das fontes. As diferenças sociais em cada território ou de uma nação para outra,

apresentam-se como de gênese (origem) e formação, portanto de História, não de estágios de

evolução. A perspectiva respeita o caráter particular e específico de cada formação social e

histórica.

Max Weber combina a perspectiva histórica de respeito às particularidades e à

Sociologia que ressalta os elementos mais gerais de cada fase do processo. Para ele, a

sucessão de fatos não faz sentido por si só, os dados são esparsos e fragmentados.

Propõe então o Método Compreensivo que é o esforço interpretativo do passado

e sua repercussão no momento presente. Assim, o conhecimento histórico é formado a partir

4 TRAGTENBERG, Mauricio. Apresentação in Os economistas: Max Weber, textos selecionados. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1987, p. 5-6.

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da busca de evidências, onde o método permite ao cientista dar sentido social e histórico aos

fatos separados, desfragmentados.

Neste texto procurar-se-á tecer (o que dá sentido a idéia de retalhos) algumas

considerações sobre a metodologia proposta por Max Weber na tentativa de reunir material

para diálogo futuro com o projeto de pesquisa em andamento em meu doutorado. Neste

sentido o texto não tem a pretensão em ser um artigo sobre Weber ou mesmo um resumo

sobre sua obra, mas antes, como esboçado no titulo, discorrer sobre a epistemologia

weberiana. Assim este trabalho coloca-se, além de uma reflexão a partir dos encontros em

Epistemologia I no programa de doutorado em Educação da UNIMEP, como um rascunho

metodológico do meu projeto de tese em andamento.

2 Tempos de WeberMax Weber foi o primogênito de oito filhos de Max Weber (de quem ele recebe o

nome) e Helene Fallenstein Weber. Seu pai, protestante, era uma figura autocrata. Sua mãe,

mulher culta e liberal, também de credo protestante, tornou-se uma marcante personagem na

vida do filho, pois até 1919 trocavam cartas com grande erudição muito frequentemente.5 Foi

também na casa dos pais que Max Weber conheceu importantes pensadores do século XIX

que frequentavam as reuniões promovidas por eles. De acordo com Tragtenberg Weber deve

boa parte de sua erudição ao contexto familiar que estava exposto:

Max Weber nasceu e teve sua formação intelectual no período em que as primeiras disputas sobre a metodologia das ciências sociais começavam a surgir na Europa, sobretudo em seu país, a Alemanha. Filho de uma família da alta classe média, Weber encontrou em sua casa uma atmosfera intelectualmente estimulante. Seu pai era um conhecido advogado e desde cedo orientou-o no sentido das humanidades.6

Até os dezessete estudou de forma relapsa, sem grandes esforços, mas era

reconhecido como possuidor de um talento excepcional. Mesmo depois que entrou para a

universidade de Direito, Weber passava boa parte do tempo a embriagar-se em círculos de

fraternidades. Estudou matérias culturais como História, Economia e Filosofia. Interrompeu a

faculdade para ingressar no serviço militar, onde pesou o esforço físico e a ausência da

atividade intelectual. Passou um ano fazendo serviço militar e retornou à universidade.7

5 BENDIX, Reinhard. Max Weber: um perfil intelectual. Brasília: UnB, 1986.

6 TRAGTENBERG, Mauricio. Apresentação in Os economistas: Max Weber, textos selecionados. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1987, p. 6.

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Ao concluir o curso, foi trabalhar nos tribunais de Berlim, depois reingressou na

universidade para os cursos de Direito Comercial, Alemão e Romano, onde defendeu sua tese

de doutorado.

Casou-se com Marianne Schnitger, sua prima, em 1893 e passou a trabalhar como

professor em Berlim e exercia uma série de trabalhos relacionados ao Direito. Nos anos

seguintes foi aceito à cátedra de Economia na universidade de Friburgo, depois em

Heidelberg, onde conviveu com seus ex-professores e onde criou um círculo de amizade

bastante fértil intelectualmente.

A partir de 1887 Max Weber começou a apresentar um quadro patológico de

doença mental, passando por diversas internações em centros de reabilitação e a realizar

viagens em busca de repouso e tratamento. Em uma de suas viagens, publica parte de sua obra

sobre A ética protestante e o espírito do Capitalismo. Foi na viagem para os Estados Unidos

da América que passou a se interessar sobre a questão do trabalho, da imigração e de

administração pública.8

Ao retornar para seus trabalhos na Alemanha, concluiu a segunda parte de A ética

protestante e o espírito do capitalismo e em seguida, com a Revolução Russa, acompanhou os

acontecimentos pela imprensa russa e os analisava para situá-los na história cotidiana. Tal

atividade lhe rendeu a publicação de diversos ensaios sobre a Rússia e o conhecimento

autodidata da língua.

Em 1903 Weber funda com Werner Sombart a revista Archiv für

Sozialwissenschaft und Sozislpolitik e em 1908 ajuda a organizar a Associação Alemã de

Sociologia, onde estimulou pesquisas coletivas sobre associações voluntárias, ligas atléticas,

seitas religiosas e partidos políticos. Propôs estudos sobre a imprensa e sobre psicologia

industrial.9

Com a Primeira Guerra Mundial, aos cinqüenta anos, tornou-se oficial da reserva

comissionado como administrador de nove hospitais em Heidelberg. De onde vivenciou um

conceito central em sua Sociologia: a burocracia.10

7 GERTH Hans H. e MILLS, C. Wright. O Homem e sua obra. In: Max Weber: Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Editora LTC, 1982.

8 WEBER, Max. Conceitos sociológicos fundamentais. In: Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Volume 1. Brasília: Editora da UnB. São Paulo: Impresna Oficial, 1999.

9 GERTH Hans H. e MILLS, C. Wright. Op. Cit.

10 BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira e QUINTANEIRO, Tania. Max Weber. In: Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1995.

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Em 1918 Max Weber deixa suas convicções monarquistas e torna-se um

republicano, por acreditar que esse regime seja mais racional. Recebeu convite de várias

universidades nacionais e estrangeiras, aceitando ficar, em 1919 em Munique. Nesse mesmo

ano adoeceu, sendo diagnosticado com uma pneumonia aguda levando-o à morte em Junho de

1920. Abaixo segue breve cronologia de Weber11:

1864: Max Weber nasce em Erfurt, Tur íngia, em 21 de abril.1869: Muda-se para Berlim com a família.1882: Conclui seus estudos pré-universitários e matricula-se na Faculdade de Direito de Heidelberg. 1883: Transfere-se para Estrasburgo, onde presta um ano de serviço militar. 1884: Reinicia os estudos universitários. 1888: Conclui seus estudos e começa a trabalhar nos tribunais de Berlim . 1889: Escreve sua tese de doutoramento sobre a história das companhias de comércio durante a Idade Média. 1891: Escreve uma tese,Histór ia das Inst i tuições Agrárias.1893: Casa-se com Marianne Schnitger.1894: Exerce a cátedra de econom ia na Universidade de Freiburg.1896: Aceita uma cátedra em Heidelberg.1898: Consegue um a licença remunerada na universidade, por motivo de saúde. 1899: É internado numa casa de saúde para doentes mentais, onde permanece algumas semanas. 1903: Participa, junto com Sombart, da direção de uma das mais destacadas publicações de ciências sociais da Alemanha. 1904: Publica ensaios sobre os problemas econômicos das propriedades dos Junker, sobre a objetividade nas ciências sociais e a primeira parte de A Ét ica Protestante e o Espír i to do Capi ta l ismo. 1905: Parte para os Estados Unidos, onde pronuncia confer ências e recolhe material para a continuação de A Ét ica Protes tante e o Espíri to do Capitalismo. 1906: Redige dois ensaios sobre a Rússia:A Si tuação da Democracia Burguesa na Rússia e A Transição da Rússia para o Consti tucionalismo de Fachada. 1914: Início da Primeira Guerra Mundial . Weber, no posto de capitão,é encarregado de organizar e administrar nove hospi tais em Heidelberg. 1918: Transfere-se para Viena, onde dá um curso sob o t ítulo de Uma Crítica Positiva da Concepção Materialista da História. 1919: Pronuncia conferências em Munique, que serão publicadas sob o t ítulo de História Econômica Geral. 1920: Falece em conseqüência de uma pneumonia aguda.

2.1 Principais obras de Max Weber

Dentre as principais obras do autor - organizadas postumamente pela sua esposa

Marianne Weber - constam os seguintes títulos12:

1889: A história das companhias comerciais na idade média

11 Cronologia baseada na obra Os economistas: Max Weber. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1985b, p. 17-8.

12 Lista de obras sugerido em BENDIX, Reinhard. Max Weber: um perfil intelectual. Brasília: UnB, 1986.

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1891: O direito agrário romano e sua significação para o direito público e privado1895: O Estado Nacional e a Política Econômica1904: A objetividade do conhecimento na ciência política e na ciência social1904: A ética protestante e o espírito do capitalismo1905: A situação da democracia burguesa na Rússia1905: A transição da Rússia à um regime pseudoconstitucional1906: As seitas protestantes e o espírito do capitalismo1913: Sobre algumas categorias da sociologia compreensiva1917/1920: Ensaios Reunidos de Sociologia da Religião1917: Parlamento e Governo na Alemanha reordenada1917: A ciência como vocação1918: O sentido da neutralidade axiológica nas ciências políticas e sociais1918: Conferência sobre o Socialismo1919: A política como vocação1919: História Geral da Economia1910/1921: Economia e Sociedade

Dentre seus escritos mais conhecidos destacam-se "A ética protestante e o espírito do capitalismo" (1904), a obra póstuma "Economia e Sociedade" (1920), "A ciência como vocação" (1917) e "A política como vocação" (1919).

3 Principais Conceitos Weberianos

Com base na lógica do respeito ao caráter particular e específico de cada

formação social e histórica e contrário às tendências organicistas presentes nas

ciências humanas de sua época, Weber atribui ao indivíduo um status

metodológico. Para Weber, a sociedade não constitui uma realidade em si

capaz de ser abordada compreensivamente. Somente o indivíduo é um

agente compreensível, segundo uma atividade orientada significativamente.

Com isso, ele descarta a hipótese de uma consciência coletiva.

De acordo com Weber (1991), a análise que leva em consideração

o coletivo é largamente utilizada por aqueles que se atêm à metodologia

organicista13.

13 VIEIRA, Cesar Romero Amaral. Protestantismo e educação: a presença liberal norte americana na reforma Caetano de Campos – 1890. Tese de doutorado em Educacação. PPGE-UNIMEP, 2006, p. 33-4

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Nesse sentido, Weber ressalta que:

Para a sociologia, a realidade “Estado” não necessariamente se compõe exclusivamente de seus elementos juridicamente relevantes. E, em todo caso, não existe para ela uma personalidade coletiva “em ação”. Quando fala do “Estado”, da “nação” ou da “sociedade por ações”, da “família”, da “corporação militar” ou de outras “formações” semelhantes, refere-se meramente a determinado curso da ação social de indivíduos, efetivos ou construídos como possível.14

Desta forma, a utilização de conceitos coletivos, tais como: Estado,

nação, classe, família e outras formas organizativas, esbarra em limites que a

própria realidade impõe, e, para a sociologia compreensiva, o que tem

validade são as motivações e comportamentos que se estabelecem sob

essas formas de organizações, e não elas mesmas, como, por exemplo: os

motivos que condicionam determinados indivíduos a agirem de uma

determinada maneira e não de outra.15 Assim, os conceitos coletivos

em Weber só ganham sentido quando vistos sob o prisma

das relações significativas dos indivíduos a eles relacionados.

Isso não quer dizer que Weber abandone categoricamente

esses conceitos em sua sociologia, mas toma-os a partir de

uma outra lógica, a do indivíduo.

3.1  Ação Social: uma ação com sentido

Por Ação Social entende-se a conduta humana (ato, omissão, permissão) dotada

de sentido, ou seja, de uma justificativa elaborada subjetivamente, isto é, um significado

subjetivo dado de forma racional ou irracional por quem o executa, o qual orienta seu próprio

comportamento, tendo em vista a ação – passada, presente ou futura – de outro ou outros.

Para Weber os únicos objetos legítimos das Ciências Sociais seriam, então, em si

mesmas, as ações sociais. O agente individual seria o único portador real de sentido. A única

coisa que realmente existiria seriam sujeitos humanos agindo de uma forma e com um sentido

específico e produzindo, de modo intencional ou não, uma série de conseqüências. Cada

14 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; rev. técnica de Gabriel Cohn. Brasília: UnB, 1991. v. I, p. 9.

15 VIEIRA, Cesar Romero Amaral. Protestantismo e educação: a presença liberal norte americana na reforma Caetano de Campos – 1890. Tese de doutorado em Educacação. PPGE-UNIMEP, 2006, p. 34.

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fenômeno cultural só poderia ser compreendido na sua significação e ter sua origem explicada

a partir da referência a agentes sociais que ao organizarem significativamente suas ações

contribuiriam, de forma mais ou menos intencional, para determinar essa significação e essa

origem.

Weber tira grande proveito das pesquisas de ordem

psicanalítica, particularmente no plano da motivação dos atos, para fazer

daí a distinção entre o que ele considera ação social orientada por uma

relação de sentido e o tipo de ação puramente reativa.16 No caso da ação

reativa, aquele que age nem sempre sabe porque se orientou nessa ou

naquela direção. É uma ação, geralmente inconsciente, puramente

condicionada por uma massa, e que não apresenta nenhuma relação de

sentido com o fim visado. Por ser uma ação inconsciente, a sociologia

compreensiva nem sempre tem condição de distinguir, com toda clareza, a mera

influência da orientação pelo sentido, entretanto poder ser separadas

conceitualmente.17

O indivíduo é o agente social que dá sentido à sua ação, o sentido é compreendido

através da análise do MOTIVO que leva a pessoa à ação, mas seus efeitos muitas vezes

escapam ao controle e previsão do agente. É pelo motivo que se desvenda o sentido da ação e

a motivação é formulada expressamente pelo agente ou está implícito em sua conduta. O

motivo da ação pode ser de três tipos:

I- Dado pela tradição

II- Dado por interesses racionais

III- Dado pela emotividade

Então, tem sentido social toda ação que leva em conta a resposta ou a reação de

outros indivíduos e é a interdependência entre os sentidos das diversas ações que dá o caráter

16 A ação reativa é aquela determinada, ou co-determinada, por uma situação de massa, em que a ação do indivíduo está fortemente influenciada pelo simples fato de ele se encontrar dentro de uma massa aglomerada em determinado local e circunstância. Junto à ação reativa, Weber também coloca a ação influenciada e a ação condicionada. Esses tipos de ações não se constituem ação social por serem determinadas causalmente por uma atitude de outra pessoa, ou grupo, e não por um sentido inerente à própria ação. Sobre o conceito de ação social ver em WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; rev. técnica de Gabriel Cohn. Brasília: UnB, 1991. v. I, p. 33ss.

17 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; rev. técnica de Gabriel Cohn. Brasília: UnB, 1991. v. I, p. 15.

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social da ação. A tarefa do cientista é descobrir os possíveis sentidos das ações em todas as

suas consequências.

Ex.: Enviar uma carta – ato composto de uma série de ações sociais com sentido

Escrever, selar, enviar e receber – ações com uma finalidade objetiva;

Atores , agentes se relacionam nessa ação com orientação de motivos diversos:

enviar a carta, ser o atendente no posto dos correios, o carteiro, o destinatário. Essa

interdependência entre os diversos motivos que torna a ação social.

O sentido da ação é produzido pelo indivíduo através dos valores sociais que ele

compartilha e do motivo que emprega. Prever todas as conseqüências da ação escapa ao

indivíduo e é papel do cientista, a quem cabe explicar, isto é, captar e interpretar as conexões

de sentido inclusas numa ação.

O fundamental é que uma ação social transcorra sempre com

referência a um sentido. A compreensão da ação social, segundo os motivos

dos agentes, leva-nos a compreender os fundamentos de sua conduta. A

conexão entre motivo e ações sociais revela as diversas instâncias da ação social: política,

econômica ou religiosa.

Entretanto, cabe ressaltar que, na realidade, os tipos de ação social

não se apresentam como um caso inteiramente puro. A classificação dos tipos

de ação social serve como instrumental metodológico para a

compreensão do sentido que o ator atribui à sua conduta. Weber assim

classifica os tipos de ação social: 18

I- Ação racional com relação a fins;

II- Ação racional com relação a valores;

III- Ação tradicional;

IV- Ação afetiva.

3.1.1 Ação racional com relação a fins

Esta ação é definida pelo fato de que o ator concebe claramente seu

objetivo e combina os meios disponíveis para atingi-lo. Ele ordena

racionalmente seus atos segundo a lógica meios/fins levando em conta as

conseqüências previsíveis, capazes de acompanhar o desenrolar da ação.

18 Cf. ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 464-65. Cf. também FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987, p. 79-81.

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Para atingir um objetivo previamente definido, lança-se mão de meios necessários

ou adequados, ambos combinados e avaliados tão claramente quanto possível de seu próprio

ponto de vista. É uma ação evidente, chegar ao objetivo pretendido recorrendo aos meios

disponíveis. Erros e afetos desviam o curso da racionalidade.

3.1.2 Ação racional com relação a valores

Ação que visa um objetivo, mas agindo de acordo com ou a serviço de suas

próprias convicções, levando em conta somente a fidelidade a certos valores que inspiram sua

conduta. O sentido da ação não está no resultado ou nas conseqüências, mas na própria

conduta.

Nesta ação o ator age racionalmente, aceitando todos os

riscos, não para obter um resultado extrínseco, mas para permanecer fiel à

sua idéia de honra. A sua ação é movida por pura convicção sem se

importar com as conseqüências previsíveis.

3.1.3 Ação irracional afetiva

A ação é inspirada em suas emoções imediatas sem considerar os meios ou os fins

a atingir. Esta A ação é aquela ditada pelo estado de consciência ou humor do sujeito, é

definida por uma reação emocional do ator em determinadas circunstâncias e não em relação

a um objetivo ou a um sistema de valor.

A ação afetiva deve ser diferenciada da ação com relação a valores, para evitar

confusões, pois a primeira não se preocupa com os fins a serem alcançados, muito menos com

os meios utilizados para se chegar a qualquer fim, ela tem uma razão em si mesma. Já em

relação aos valores, o agente da ação elabora racionalmente e conscientemente onde e como

chegar aonde se quer.

3.1.4 Ação tradicional

A ação tradicional é aquela ditada pelos hábitos, costumes, crenças transformadas

numa segunda natureza, para agir conforme a tradição o ator não precisa conceber um objeto,

ou um valor nem ser impelido por uma emoção, obedece simplesmente a reflexos

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enraizados por longa prática, comporta por isso elementos não-

compreensíveis.

3.2  Relação Social (texto a desenvolver)

Ação é diferente de relação social, pois nesta o sentido precisa ser compartilhado.

Um exemplo: pedir informação – o indivíduo faz uma ação social, pois tem um motivo e age

em relação a outro, mas o motivo não é compartilhado.

Desta forma pode-se inferir que relação social é então uma ação social cujo

sentido é compartilhado pelas pessoas envolvidas na ação. É a conduta de várias pessoas

orientada, dotada de conteúdos significativos, que descansam na probabilidade de que se agirá

socialmente de certo modo.

Ao envolver-se em uma relação, tem-se por referência certas expectativas da

conduta do(s) outro(s). As Relações sociais estão inseridas em e reguladas por expectativas

recíprocas quanto ao seu significado, são ações que incluam uma mútua referência.

Weber chega à conclusão de que não existe oposição entre indivíduo e sociedade,

pois quanto mais racional uma relação mais facilmente ela se traduz em normas e uma norma

para se tornar concreta, primeiro se manifesta nos indivíduos como motivação.

3.3  O Tipo Ideal

Uma das preocupações de Weber foi, justamente, com a formulação de certos

instrumentos metodológicos que permitissem que o cientista investigasse os fenômenos

particulares sem se perder na infinidade disforme dos seus aspectos concretos. O principal

desses instrumentos é o tipo ideal.

O tipo ideal é um trabalho teórico indutivo com o objetivo de sintetizar o que é

essencial na diversidade social. Permite conceituar fenômenos e formações sociais e

identificar e comparar na realidade observada suas manifestações. Os diversos exemplos

mantém com o tipo ideal grande semelhança e afinidade. Ele permite comparações e a

percepção de semelhanças e diferenças.

Obtém-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de um ou de vários pontos de vista e mediante o encadeamento de grande quantidade de fenômenos isoladamente dados, difusos e discretos, que se podem dar em maior ou menor número ou mesmo faltar por completo, e que se ordenam segundo os pontos de vista unilateralmente acentuados, a fim de se formar um

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quadro homogêneo de pensamento. É impossível encontrar empiricamente na realidade este quadro, na sua pureza conceitual, pois trata-se de uma utopia.19.

Os tipos ideais cumpririam duas funções principais: selecionar explicitamente a

dimensão do objeto que será analisada e apresentar essa dimensão de uma forma pura, despida

de suas nuanças concretas. Nas palavras de Weber,  a construção de tipos permitiria operar

uma espécie de abstração que converteria a realidade em “objeto categorialmente

construído”20.

Os tipos seriam elaborados “mediante acentuação mental de determinados

elementos da realidade”21 considerados, do ponto de vista do investigador, relevantes para a

pesquisa. O cientista social criaria definições exageradas, unilaterais, das dimensões da

realidade que pretendesse conhecer. Essas definições poderiam então ser utilizadas, num

segundo momento, para uma espécie de comparação com o mundo real. Elas auxiliariam no

trabalho de compreensão e de imputação causal realizado pela Sociologia e pela História.

Cada aspecto concreto da realidade empírica poderia ser compreendido em função da sua

maior ou menor distância em relação à definição típico ideal.

Assim, o tipo-ideal é para Weber um recurso metodológico para a

compreensão do real e não a finalidade mesma da pesquisa. Como

ressalta Maurício Tragtenberg, o tipo ideal tem como objetivo ““construir o

conhecimento aproximativo de forma mais definida, através da seleção das

relações típicas que configuram um panorama”22. Desse modo, constitui-se

como um parâmetro para se compreender uma individualidade sócio-

cultural, por meio da distância forjada entre a construção ideal e os seus

componentes históricos, em busca de conexões causais. Se por um lado o

tipo ideal, como formulado por Weber, só existe como utopia - já que não

pode ser encontrado na realidade empírica como tal - por outro, a realidade

pode ser explicada por ele em seus traços considerados essenciais.

Nesse sentido, a construção tipológica é apenas uma

ferramenta utilizada como recurso técnico para se fazer uma comparação com

19 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993, p. 137-38.

20 Id. ibid, p 203.

21 Id. ibid, p 137.

22 TRAGTENBERG, Mauricio. Apresentação in Os economistas: Max Weber, textos selecionados. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Abril Cultural, 1987, p. 26.

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a realidade empírica. Ele é então um instrumento de análise, um modelo acentuado do

que é característico ou fundante no estudo. É uma construção teórica abstrata utilizada pelo

cientista ao longo do seu processo de pesquisa. Três características definem os limites e as

possibilidades do tipo ideal:

I- Racionalidade: escolha de características do objeto relacionadas de modo racional;

II- Unilateralidade: a escolha racional acentua unilateralmente os traços considerados mais

relevantes;

III- Caráter utópico: não é, nem pretende ser, um reflexo ou repetição da realidade.

4 A Epistemologia de Max Weber (preciso reler metodologia das ciências e anotações das aulas do Cesar, Bruno e Raquel)

A epistemologia weberiana pode ser compreendida como resultando da

articulação de duas premissas com uma afirmação aparentemente antitética. As premissas são:

1) o conhecimento só é possível a partir da referência a valores e interesses; 2) valores e

interesses não podem ser validados ou hierarquizados segundo critérios objetivos. A

afirmação é a seguinte: é possível alcançar um conhecimento objetivo, universalmente válido,

científico, no sentido mais forte da palavra.

O que está sendo chamado aqui de premissas da epistemologia weberiana, são, na

verdade, as duas perspectivas básicas que definem a concepção de Weber no que se refere à

relação entre conhecimento, realidade e valores. De acordo com a interpretação do

pensamento weberiano feita por Julien Freund, Weber mantém-se fiel ao

espírito da epistemologia kantiana ao negar que ““o conhecimento possa ser uma

reprodução ou uma cópia integral da realidade, tanto no sentido da extensão,

como da compreensão”23. Dito dessa forma, pode-se entender por que para

Weber ““todo conhecimento da realidade cultural é sempre um

conhecimento subordinado a pontos de vista especificamente particulares”24.

Porque esta é a condição, por excelência, de se estabelecer qualquer

princípio de seleção do objeto a ser investigado e de se escolher a direção

a ser tomada. Entretanto, essa é apenas a condição primeira que, em

seguida, deverá ser submetida, ao rigor da objetividade científica através da

23 FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987, p 33.

24 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993, p. 131.

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relação com os valores. Freund (1987, p.44) esquematiza esta argumentação

ao dizer que:

É fácil perceber agora o papel e a significação da relação com os valores. Dada a infinidade extensiva e intensiva da realidade empírica que nenhuma ciência consegue abarcar integralmente, aquela relação surge como princípio de seleção, condição de um conhecimento objetivo pelo menos parcial. Mais exatamente, ela é o momento subjetivo que torna possível um conhecimento objetivo limitado, desde que o sábio tenha consciência dessa limitação inevitável.25

A realidade é entendida como algo infinito, que pode ser apreendido a partir de

inúmeros ângulos, mas jamais na sua totalidade ou essência. O conhecimento seria sempre

fruto de um recorte particular, da seleção de um conjunto específico de problemas e de

fenômenos. Essa seleção ou recorte particular seria, necessariamente, feita a partir das

referências pessoais dos sujeitos. Weber nega, assim, a possibilidade de um conhecimento

absoluto, livre de quaisquer pressupostos, capaz de definir de modo completamente neutro

qual a verdade absoluta das coisas. Não existiria, segundo ele, um ponto privilegiado a partir

do qual o investigador pudesse atingir uma visão isenta e global da realidade. Ao contrário,

todo e qualquer conhecimento estaria referido a valores e interesses subjetivos. Seriam a partir

dessas referências que os sujeitos atribuiriam relevância e selecionariam, dentro da realidade

infinita, os problemas e objetos que, do seu ponto de vista, mereceriam ser investigados.

A primeira premissa do modelo epistemológico weberiano é, portanto, a do

caráter inexorável da referência do conhecimento a valores e interesses. Não existiriam

problemas ou objetos que seriam intrinsicamente relevantes para o conhecimento humano. De

uma forma ou de outra, o sujeito cognoscente sempre partiria de um conjunto específico de

referências e pressupostos culturalmente definidos. É uma questão secundária, o fato de que

se trate de um sistema ético, de um conjunto de postulados metafísicos, de um modelo teórico

ou de um conjunto de crenças e interesses religiosos ou econômicos. Em todos esses casos, a

situação seria, basicamente, a mesma. Tratar-se-ia de conjuntos de perspectivas ou

referenciais subjetivos que orientariam os investigadores nas atividades do conhecimento.

A segunda premissa fundamental seria a de que essas referências não poderiam

jamais ser validadas e nem mesmo hierarquizadas segundo critérios que pudessem ser

chamados de objetivos. A adesão a determinados valores ou a uma visão de mundo específica

seria, em última instância, uma questão de fé26. Não existiriam parâmetros objetivos a partir

25 FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987, p. 44.

26 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993.

Page 15: Reginaldo Leandro Placido - Retalhos Epistemológicos em Max Weber

dos quais se pudesse decidir sobre o melhor valor ou a visão de mundo mais verdadeira. A

adesão a qualquer desses pontos de vista seria sempre dependente de uma convicção pessoal,

subjetiva. Todos os valores, as visões de mundo, os sistemas metafísicos, as normas e

princípios éticos que conduzem os homens em seus assuntos práticos e que são referências do

conhecimento seriam incomensuráveis e teriam, em princípio, que ser tomados como

equivalentes.

A associação entre essas duas premissas, ou seja, o reconhecimento de que as

referências valorativas são inevitáveis e de que não é possível selecioná-las segundo critérios

objetivos, poderia ter conduzido Weber a uma postura cética e relativista. Partindo dessas

premissas, a conclusão aparentemente mais lógica seria a que afirmasse que não é possível um

conhecimento objetivamente válido da realidade, sobretudo, no que se refere aos fenômenos

culturais. A conclusão de Weber, no entanto, é exatamente a contrária. A objetividade do

conhecimento é possível, inclusive, nas Ciências da Cultura.

É importante lembrar que dentro do contexto intelectual alemão do final do século

XIX, no qual Weber se inseria, existiam pelo menos duas respostas disponíveis à questão da

validação do conhecimento das Ciências da Cultura. Ambas, no entanto, foram rejeitadas por

Weber. Dilthey27 (anotações aula Cesar), em linhas gerais, acreditava que o conhecimento dos

fenômenos culturais se fundamentava na estratégia da compreensão introspectiva, método

pretensamente capaz de resgatar o mundo tal como subjetivamente vivido pelos indivíduos. A

possibilidade desse resgate estaria, em princípio, garantida pela identidade humana e histórica

que une, nas Ciências da Cultura, o sujeito e o objeto. Como sujeito humano o observador

poderia compreender de modo relativamente fácil outros universos humanos. Weber rejeita a

solução de Dilthey, fundamentalmente, argumentando que o acesso a esse universo subjetivo

não é nem direto, nem completo e nem imparcial. Tratar-se-ia, além disso, de um método de

difícil controle intersubjetivo, que como tal não poderia ser posto como garantia de

objetividade.

27 Para Dilthey as ciências da natureza são passíveis de explicação, ao contrário, as relações humanas só podem ser compreendidas em seu sentido. Ver comentário em DIGGINS, John Patrick. Max Weber: a política e o espírito da tragédia. Rio de Janeiro: Record, 1999, p.146-147.

Page 16: Reginaldo Leandro Placido - Retalhos Epistemológicos em Max Weber

A outra solução para o problema da validade do conhecimento presente no

contexto intelectual de Weber era sustentada principalmente por Rickert28 e Windelband29.

Para estes, existiriam certos valores universais e necessários, supostamente compartilhados

pela humanidade e pelo cientista, que orientariam, de modo unívoco, o trabalho de seleção

dos problemas e objetos nas Ciências da Cultura. A observação desses valores universais seria

a garantia da relevância e pertinência do conhecimento produzido. Como observa Saint-Pierre

a relação com os valores seria, particularmente para Rickert, não “apenas um princípio de

seleção do material de estudo, mas, e principalmente, constituía o fundamento da validade do

conhecimento histórico-social”30. Weber rechaça esse alternativa acentuando, sobretudo, o

fato de que os valores não são universais, mas, ao contrário, múltiplos e contraditórios. Não

existiria um sistema de valores privilegiado, fundado numa base transcendental, com relação

ao qual as Ciências da Cultura pudessem se orientar, mas, apenas, o eterno confronto histórico

entre  diversos valores inconciliáveis.

Em contraposição a essas duas alternativas, Weber busca uma solução para o

problema da objetividade do conhecimento que, como observa Saint-Pierre, se situa no plano

metodológico. O conhecimento objetivo é possível desde que os sujeitos cognoscentes se

comprometam a observar certas regras próprias à atividade científica. A objetividade não seria

alcançada pela extirpação de toda e qualquer referência a valores e pela busca de um olhar

imparcial, como talvez sonhassem os positivistas. Weber se mantém fiel a sua primeira

premissa. Também não seria obtida por meio da hierarquização das várias referências e da

escolha, entre essas, daquela mais verdadeira - talvez, algum sistema teórico ou metafísico ou,

ainda, um conjunto de valores superiores, como queria Rickert - a partir do qual se pudesse

proceder a uma abordagem unívoca da realidade. Weber, também, não abandona a sua

segunda premissa; não é possível selecionar segundo critérios cientificamente válidos qual a

referência melhor ou mais verdadeira.31

28 As idéias formuladas por Rickert de certa maneira contribuíram como ponto de partida para a construção metodológica de Weber. Para ele a realidade pode ser apreendida a partir da ótica da natureza ou da história dependendo das formulações conceituais que se empregam. Ver comentário em DIGGINS, John Patrick. Max Weber: a política e o espírito da tragédia. Rio de Janeiro: Record, 1999, p.146-147.

29 Para Wildelband ambas as ciências empregam métodos distintos para classificar o mundo real. Para isso sugere o emprego do método generalizante para as ciências da natureza e do método individualizante para as ciências humanas. Ver comentário em DIGGINS, John Patrick. Max Weber: a política e o espírito da tragédia. Rio de Janeiro: Record, 1999, p.146-147. e FREUND, Julien. Sociologia de Max Weber. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1987.

30 SAINT-PIERRE, Héctor, Max Weber: entre a paixão e a razão. 2. ed. Campinas: Unicamp, 1994, p. 24.

31 SAINT-PIERRE, Héctor, Max Weber: entre a paixão e a razão. 2. ed. Campinas: Unicamp, 1994, p. 24-25.

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A objetividade do conhecimento é possível, no entanto, desde que, em primeiro

lugar, sejam claramente separadas as esferas do conhecimento empírico e da ação prática,

particularmente, a de natureza política ou religiosa. Weber se dedica exaustivamente ( ler

1982 e 1993 ) ao estabelecimento de uma delimitação clara entre essas duas esferas. Os

objetivos que a ciência deve se colocar e que ela é capaz de alcançar são radicalmente

distintos dos que cabem, por exemplo, à política. Embora se sirva da relação com valores para

selecionar seus objetos e ângulos de investigação, a ciência não deve, como tal, fazer

julgamentos de valor. Ela deve se restringir a fazer julgamentos científicos sobre a realidade

tal como esta é empíricamente, não sobre como ela supostamene deveria ser. Até mesmo

porque a ciência não é capaz de fazer julgamentos objetivos sobre valores, sobre como as

coisas devem ser. Esses julgamentos são necessariamente subjetivos.32

O primeiro passo para se garantir a objetividade do conhecimento científico é,

portanto, separar claramente julgamentos de valor e julgamentos de fato e excluir os primeiros

do âmbito da ciência. Essa, de certa forma, é uma atitude que depende de uma decisão

individual dos pesquisadores, mas que, para Weber, poderia ser incentivada e cobrada pelas

associações e revistas científicas. É importante observar que a objetividade do conhecimento é

possível, na perspectiva weberiana, na medida exata em que os cientistas estejam

deliberadamente dispostos a se comprometer com a busca dessa objetividade. Esse

compromisso tem como eixo principal a renúncia aos julgamentos de valor, mas é algo mais

amplo. Weber espera, na verdade, que o cientista esteja disposto a se curvar frente ao

imperativo das proposições empíricas, factuais, que não se apegue às suas referências teóricas

e filosóficas de modo dogmático, que esteja aberto ao diálogo e à crítica e que saiba correr o

risco constante da refutação empírica de suas idéias.33

Uma maneira interessante de se interpretar a concepção weberiana do

conhecimento científico é recorrendo à separação entre Contexto da Descoberta e Contexto da

validação. Weber sabe que o interesse pelo conhecimento e a seleção do problema, do objeto

e do ângulo específico das investigações são definidos necessariamente através de uma

relação com valores subjetivos – essa é, justamente, uma de suas premissas. Essa relação com

valores não alcançaria, no entanto, o plano da verificação empírica das hipóteses. Uma vez

proposto, o conhecimento poderia e deveria ser julgado, objetivamente, do ponto de vista de

sua lógica interna e validade empírica. A relação com os valores dominaria apenas o Contexto

32 WEBER, Max, A Ciência como vocação. In: WRIGHT MILLS, C. E GERTH, H.H. Org. Ensaios de Sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982.

33 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993.

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da Descoberta. O Contexto da Validação deveria ser consciente e deliberadamente liberto das

influências subjetivas. Neste contexto deveria imperar o espírito crítico e antidogmático. Os

resultados do conhecimento, para serem considerados cientificamente válidos, teriam que se

submeter ao controle intersubjetivo e ser universalmente aceitos.34

Weber nos fala, portanto, particularmente, no caso das Ciências da Cultura, de

duas dimensões claras do trabalho científico. Uma primeira dimensão, em que nenhuma

forma de controle é possível. As referências subjetivas que orientam o conhecimento são

múltiplas, inconciliáveis e não são passíveis de nenhum tipo de julgamento ou hierarquização

segundo critérios objetivos. Partindo de referências variadas, os sujeitos selecionariam

problemas e objetos e construiriam conceitos e hipóteses. Uma vez formuladas as hipóteses,

passaria-se para a segunda dimensão, na qual imperaria o controle intersubjetivo, tendo na

validação empírica seu critério fundamental.

5 A ética protestante e o espírito do capitalismo (resumo)

Esse é o título de uma das principais obras de Max Weber, talvez tenha sido

aquela que mais que trouxe fama e prestígio. Nela o autor buscava compreender a relação

entre o protestantismo e um comportamento típico do capitalismo. A primeira parte desta obra

foi publicada em 1904 e a segunda veio a público em 1905, depois da viagem do autor e de

sua esposa aos Estados Unidos.

A temática das relações entre religião e capitalismo foi uma questão central do

pensamento social alemão. Do ponto de vista da análise do capitalismo, o estudo de Weber foi

precedido pela obra de Georg Simmel - A filosofia do dinheiro (1900) -, sem esquecer do

escrito de Karl Marx, intitulado O Capital (1867). Dois anos antes da publicação do livro de

Weber, seu colega Werner Sombart também publicou um livro sobre esse problema,

intitulado O capitalismo moderno (1902) . Neste criativo e rico espírito acadêmico, Weber

procurou mostrar que o protestantismo de caráter ascético dos séculos XVI e XVII tinha um

influxo direto com o conceito de vocação profissional, base motivacional do moderno sistema

econômico capitalista.35

Weber foi motivado pela análise de dados estatísticos que evidenciaram a grande

participação de protestantes entre os homens de negócio, entre os empregados bem-sucedidos

34 WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1993.

35 BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira e QUINTANEIRO, Tania. Max Weber. In: Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1995.

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e como mão-de-obra qualificada. A partir daí procurou observar a conexão entre a doutrina e

a pregação protestante e seus efeitos no comportamento dos indivíduos. A doutrina e as

pregações mostraram a presença de valores protestantes tais como: Disciplina, poupança,

austeridade, vocação, dever e propensão ao trabalho. Tais valores formaram a partir da

Reforma Protestante no século XVI uma nova mentalidade – ethos – propício ao

desenvolvimento do capitalismo. (capitulo 1)

Nesse trabalho, Max Weber expõe as relações entre religião e sociedade e

desvenda particularidades do capitalismo:

I- A relação não se dá por meios institucionais; mas por intermédio de valores introjetados nos

indivíduos e transformados em motivos da ação social.

II- Motivação protestante: trabalho como dever, como vocação. Não visando o ganho material

como o objetivo final.

Como consequência, os trabalhadores protestantes adaptavam com facilidade ao

mercado de trabalho, também eles acumulavam capital já que a pregação de uma vida regada

e sem usura era predominante. Ao acumularem capital faziam poupança ou criavam seus

próprios negócios como reinvestimento produtivo.

A ação individual de cada protestante, com o motivo relacionado a valores vai

além de sua intenção: Virtude e vocação; Renúncia aos prazeres materiais. Sofre impacto

diretamente no meio social ao contribuir com as bases que promoveram o desenvolvimento

capitalista. (capitulo 2)

Como cientista, Weber procurou estabelecer as conexões entre os motivos e os

efeitos da ação no meio social. Percebeu que o Protestantismo possuía afinidade com o

racionalismo econômico, enquanto o catolicismo difundia o ascetismo contemplativo, isto é,

um conjunto de valores mais para a meditação do que para a ação prática.

Weber procurou fazer a construção do tipo ideal de capitalismo ao estudar as

diversas características das atividades econômicas em várias épocas e lugares e chegou ao

seguinte resultado:

Capitalismo è organização econômica racional assentada no trabalho livre e

orientada para um mercado real, não para a mera especulação ou rapinagem.

Características do sistema capitalista:

I- separação entre público e privado;

II- utilização técnica do conhecimento científico – ciência;

III- direito e administração racionalizados.

Page 20: Reginaldo Leandro Placido - Retalhos Epistemológicos em Max Weber

Esse e outros trabalhos de Max Weber situam-se na área da Sociologia da

Religião e seu esforço intelectual consistiu em observar na esfera religiosa um conjunto de

valores que conduziram à racionalização das condutas dos fiéis. Fenômeno fundamental para

a transformação das práticas econômicas e para a constituição da estrutura das sociedades

modernas.

Weber entende que cada religião constitui uma individualidade histórica, rica e

complexa. Por isso seu objetivo era compreender as conseqüências práticas da religiosidade

para a conduta social e ao persegui-lo, notou que a religião pode fomentar o racionalismo

prático e intensificar a racionalidade metódica, sistemática, do modo exterior de levar a vida.

Esse é um processo que ocorre ao nível da organização da comunidade e traduz-se

ao nível das concepções de mundo. De um lado estão os virtuosos, tendo legitimada sua boa

sorte. Os menos afortunados são apoiados pela criação do mito da salvação. No cristianismo

construiu-se a figura do redentor, salvador, como uma explicação racional para a história da

humanidade. A atitude religiosa ascética leva o virtuoso a submeter os impulsos naturais ao

modo sistematizado de levar a vida. Mudança na comunidade religiosa que se desdobra num

domínio racional do universo.

6 - Protestantismo no Brasil (implantação e relações de poder)

7- Protestantismo e educação

7.1 Instituições escolares protestantes no Brasil

Conclusão

Fontes de Referencia

ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira e QUINTANEIRO, Tania. Max Weber. In: Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1995.

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