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REFLEXIDES ACERCA DAS PERSPECTIVAS DE ESTUDO HISTÓRICO SOBRE A EDUCAÇÁO POPULAR ROSA FÁTIMA DE SOUZA Este texto pretende apresentar urna síntese comentada de alguns textos constantes da bibliografia do Curso "Educació Popular i Moviment "Cultural-Associatiu" dels Darrers 75 Anys". Trata-se de urna reflexäo sobre as contribuiçiíes que esta literatura pode aportar aos estudos históricos da educa- çäo popular no contexto da realidade brasileira. Primeira- mente, busca explicitar as diferentes acepçöes em que o termo educaçäo popular tem sido empregado, historicamen- te, no Brasil e, a relaçäo entre educaçäo popular e educaçäo informal. Em segundo lugar discute sobre a contribuiçäo que o estudo do associacionismo pode dar ao estudo histórico da educaçäo popular; e, por último, assinala a contribuiçäo dos estudos sobre a alfabetizaçäo. 1. CONSIDERAÇÓES SOBRE O TERMO EDUCAÇÁO POPULAR E SUA RELAÇÁO COM A EDUCAÇÁO INFORMAL O adjetivo popular aplicado ao termo educaçäo apenas enriquece a polissemia deste termo. E preciso ter claro que estamos lidando num terreno movediço, cheio de impreci- säes ao mesmo tempo que impregnado de urna ampla ri- queza semántica. Sem aventurarmos a dissecar o sentido do termo educaçäo nos deteremos aqui, rapidamente, sobre o adjetivo popular. Encontramos no Dicionário de la Real Academia Espa- ñola (1), as seguintes acepçóes do termo popular: "1. Per- tencente o relativo ao pueblo; 2. del pueblo o de la plebe; 3. que es acepto y grato al pueblo". Percebe-se que as acep- çóes arroladas referem-se a realidades includentes e ex- cludentes ao mesmo tempo. Ou seja, o termo é integrador guando refere-se ä maioria, o conjunto da coletividade. Ele é excludente guando contrapäe o po yo a outras categorias sociais que por definiçäo näo fazem parte da maioria. Tal observaçäo fica ainda mais nítida guando recorremos a aju- da do mesmo dicionário para esclarecer o sentido do termo pueblo: "1. Ciudad o villa; 2. población de menor catego- ría; 3. conjunto de personas de un lugar, región o país; 4. gente común y humilde de una población; 5. país con go- bierno independiente". Aplicado ä educaçäo, o adjetivo tem servido para designar pelo menos duas realidades no ámbi- to da política educacional as quais analisaremos agora. Referindo-se, particularmente, ä realidade brasileira, so- bre a qual tenho dedicado meus estudos, pode-se dizer que a primeira acepçäo da educaçäo popular coincide com a acepçäo utilizada na Europa no final do século XVIII e durante o século XIX, ou seja, educaçäo popular entendi- da como educaçäo de todos (do poyo), referida, especial- mente, á universalizaçäo do ensino elemementar. O uso ori- ginal do termo esteve pois, vinculado aos grandes movi- mentos de implantaçäo do sistema de educaçäo de massas. No entanto, cabe ressaltar que esta universalizaçäo da edu- caçäo escolarizada para o po yo, foi compreendida, inicial- mente, corno o "mínimo a ser generalizado", ou seja, esco- larizaçäo restrita ao ensino primario. Näo obstante, este processo foi vivenciado muito mais tardiamente nos países Latino-americanos, cuja maioria deles, incluindo o Brasil, näo lograram, até o momento, universalizar o ensino primario e a alfabetizaçäo em mas- sa da populaçäo. No Brasil, o principio legal da obrigatoriedade do Es- tado de promover a educaçäo popular consta desde a pri- meira Constituiçäo de 1824. Contudo, durante todo o sécu- lo XIX, muito pouco foi feito em relaçäo ä difusäo do en- sino primario. Campanhas em prol da educaçäo popular emergem no cenário do país, por volta da Proclamaçäo da República (1889) e nos primeiros anos que se seguiram a esta; guan- do a educaçäo popular foi considerada o maior problema da Naçäo e o instrumento privilegiado para a fonnaçäo do ci- dadäo republicano e, por conseguinte, como meio para a consolidaçäo da nova ordern social. Em 1889, 85% da populaçäo brasileira de todas as ida- des eram analfabetos, 75% em 1900 e igual porcentagem 20 anos depois. No entanto, é preciso considerar o elevado crescimento demográfico do país neste período: de quase 18 milhöes em 1900, a populaçäo passou a 30.635.305 ha- bitantes em 1920 (2). A partir da década de 40, verifica-se um decréscimo sensível nos índices de analfabetismo como demonstra a ta- bela n.° 1, devido, em grande parte, ä expansäo do ensino básico. No entanto, ainda persistem altos índices de analfa- betismo entre a populaçäo adulta. Segundo Werebe (1994), a porcentagem de analfabetos em 1990, caiu para 18,5%, concentrando-se nas faixas etárias acima de 40 anos. Ainda em relaçäo ao analfabetismo, as diferenças regio- nais säo alarmantes, pois, em estados do Norte e Nordeste do país, as porcentagens sobem muito, possuindo o maior índice o estado de Alagoas com 54%. Também, é grande, o número de crianças que ficam fora da rede escolar. Em 1988, das 26500000 de crianças entre 7 a 14 anos (popula- çäo em idade escolar), 1400000 estavam fora da escola (3). Mesmo assim, este näo é o problema mais grave. A demo- cratizaçäo do ensino no Brasil, se vé altamente comprome- tida näo somente pelo fato do sistema de ensino näo acolher todas as crianças em idade escolar, mas, sobretudo, pelo fato de näo conseguir reter as que ingressam na escola per- mitindo que completem um mínimo de escolarizaçäo. De fato, o fracasso escolar (repeténcia e evasäo) constitui um (1) Diccionario de la Lengua Española, Real Academia Española, Madrid, 1970. (2) WEREBE, María J. García (1994), Grandezas e Miserias do Ensino no Brasil. Auca, SI) Paulo. p. 21. (3) WEREBE, op. cit. 175

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REFLEXIDES ACERCADAS PERSPECTIVAS DE ESTUDO

HISTÓRICO SOBREA EDUCAÇÁO POPULAR

ROSA FÁTIMA DE SOUZA

Este texto pretende apresentar urna síntese comentada dealguns textos constantes da bibliografia do Curso "EducacióPopular i Moviment "Cultural-Associatiu" dels Darrers 75Anys". Trata-se de urna reflexäo sobre as contribuiçiíes queesta literatura pode aportar aos estudos históricos da educa-çäo popular no contexto da realidade brasileira. Primeira-mente, busca explicitar as diferentes acepçöes em que otermo educaçäo popular tem sido empregado, historicamen-te, no Brasil e, a relaçäo entre educaçäo popular e educaçäoinformal.

Em segundo lugar discute sobre a contribuiçäo que oestudo do associacionismo pode dar ao estudo histórico daeducaçäo popular; e, por último, assinala a contribuiçäo dosestudos sobre a alfabetizaçäo.

1. CONSIDERAÇÓES SOBRE O TERMOEDUCAÇÁO POPULAR E SUA RELAÇÁOCOM A EDUCAÇÁO INFORMAL

O adjetivo popular aplicado ao termo educaçäo apenasenriquece a polissemia deste termo. E preciso ter claro queestamos lidando num terreno movediço, cheio de impreci-säes ao mesmo tempo que impregnado de urna ampla ri-queza semántica. Sem aventurarmos a dissecar o sentido dotermo educaçäo nos deteremos aqui, rapidamente, sobre oadjetivo popular.

Encontramos no Dicionário de la Real Academia Espa-ñola (1), as seguintes acepçóes do termo popular: "1. Per-tencente o relativo ao pueblo; 2. del pueblo o de la plebe;3. que es acepto y grato al pueblo". Percebe-se que as acep-çóes arroladas referem-se a realidades includentes e ex-cludentes ao mesmo tempo. Ou seja, o termo é integradorguando refere-se ä maioria, o conjunto da coletividade. Eleé excludente guando contrapäe o po yo a outras categoriassociais que por definiçäo näo fazem parte da maioria. Talobservaçäo fica ainda mais nítida guando recorremos a aju-da do mesmo dicionário para esclarecer o sentido do termopueblo: "1. Ciudad o villa; 2. población de menor catego-ría; 3. conjunto de personas de un lugar, región o país; 4.gente común y humilde de una población; 5. país con go-bierno independiente". Aplicado ä educaçäo, o adjetivo temservido para designar pelo menos duas realidades no ámbi-to da política educacional as quais analisaremos agora.

Referindo-se, particularmente, ä realidade brasileira, so-bre a qual tenho dedicado meus estudos, pode-se dizer quea primeira acepçäo da educaçäo popular coincide com aacepçäo utilizada na Europa no final do século XVIII edurante o século XIX, ou seja, educaçäo popular entendi-da como educaçäo de todos (do poyo), referida, especial-mente, á universalizaçäo do ensino elemementar. O uso ori-

ginal do termo esteve pois, vinculado aos grandes movi-mentos de implantaçäo do sistema de educaçäo de massas.No entanto, cabe ressaltar que esta universalizaçäo da edu-caçäo escolarizada para o poyo, foi compreendida, inicial-mente, corno o "mínimo a ser generalizado", ou seja, esco-larizaçäo restrita ao ensino primario.

Näo obstante, este processo foi vivenciado muito maistardiamente nos países Latino-americanos, cuja maioriadeles, incluindo o Brasil, näo lograram, até o momento,universalizar o ensino primario e a alfabetizaçäo em mas-sa da populaçäo.

No Brasil, o principio legal da obrigatoriedade do Es-tado de promover a educaçäo popular consta desde a pri-meira Constituiçäo de 1824. Contudo, durante todo o sécu-lo XIX, muito pouco foi feito em relaçäo ä difusäo do en-sino primario.

Campanhas em prol da educaçäo popular emergem nocenário do país, por volta da Proclamaçäo da República(1889) e nos primeiros anos que se seguiram a esta; guan-do a educaçäo popular foi considerada o maior problema daNaçäo e o instrumento privilegiado para a fonnaçäo do ci-dadäo republicano e, por conseguinte, como meio para aconsolidaçäo da nova ordern social.

Em 1889, 85% da populaçäo brasileira de todas as ida-des eram analfabetos, 75% em 1900 e igual porcentagem20 anos depois. No entanto, é preciso considerar o elevadocrescimento demográfico do país neste período: de quase18 milhöes em 1900, a populaçäo passou a 30.635.305 ha-bitantes em 1920 (2).

A partir da década de 40, verifica-se um decréscimosensível nos índices de analfabetismo como demonstra a ta-bela n.° 1, devido, em grande parte, ä expansäo do ensinobásico. No entanto, ainda persistem altos índices de analfa-betismo entre a populaçäo adulta. Segundo Werebe (1994),a porcentagem de analfabetos em 1990, caiu para 18,5%,concentrando-se nas faixas etárias acima de 40 anos.

Ainda em relaçäo ao analfabetismo, as diferenças regio-nais säo alarmantes, pois, em estados do Norte e Nordestedo país, as porcentagens sobem muito, possuindo o maioríndice o estado de Alagoas com 54%. Também, é grande, onúmero de crianças que ficam fora da rede escolar. Em1988, das 26500000 de crianças entre 7 a 14 anos (popula-çäo em idade escolar), 1400000 estavam fora da escola (3).Mesmo assim, este näo é o problema mais grave. A demo-cratizaçäo do ensino no Brasil, se vé altamente comprome-tida näo somente pelo fato do sistema de ensino näo acolhertodas as crianças em idade escolar, mas, sobretudo, pelofato de näo conseguir reter as que ingressam na escola per-mitindo que completem um mínimo de escolarizaçäo. Defato, o fracasso escolar (repeténcia e evasäo) constitui um

(1) Diccionario de la Lengua Española, Real Academia Española, Madrid, 1970.(2) WEREBE, María J. García (1994), Grandezas e Miserias do Ensino no Brasil. Auca, SI) Paulo. p. 21.(3) WEREBE, op. cit.

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dos mais importantes obstáculos à universalizado do ensi-no fundamental no país. A este respeito Werebe faz o se-guinte comentário: seletividade do ensino está associa-da a um dos mais sérios problemas da educaväo no Brasil:os elevados indices de reprovaçäo. Eles säo alarmantessobretudo na passagem da primeira para a segunda série.E isso até bem recentemente, pois em 1985 as taxas de re-peténcia, nas quatro primeiras séries, eram as seguintes:24,48% na primeira, 19,29% na segunda; 15,75% naterceira e 12,86% na quarta" (Estatísticas educacionais,Brasil 1985 - 88, MEC/SG/SAEP/SEEC, p. 33).

TABELA 1

Anos CensitäriosPessoas de 15 anos e mais

1940 1959 1960 1970 1980

Populaçáo 23.709.769 30.249.423 40.278.602 54.008.604 73.541.943

PessoasAnalfabetas 13.269.381 15.272.632 15.964.852 18.146.977 18.716.847

analf. 56% 50,5%3 9,6%3 3,6% 25,5%

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1940, 1950, 1960,1970 e 1980 (4).

Dessa forma é possível ter em conta a actualidade daquestäo da educado popular no país. De fato, a luta pelademocratizado do ensino atravessa o século com avançose retrocessos que se devem à conjuntura político-social.Näo obstante, se por um lado, sobrevive latente a questäoda educado popular entendida como universalizado daescola elementar para todos, por outro lado, cabe ressaltaruma outra acepdo importante que obteve o termo.

No cornee() da década de 60, surgiram uma serie de mo-vimentos de carácter educativo dirigidos exclusivamente ásclasses populares partindo do principio de que a educadoera um processo libertador devendo ser utilizado a favor dascamadas populares e visando a transformado social.

Os anos entre 1946 - 1964, considerado o período maisdemocrático da história política brasileira, geraram umadiversidade de movimentos que culminaram na exigénciadas chamadas reformas de base: reforma agrária, educa-do, reforma tributária, saúde, habitado, entre outras polí-ticas sociais. O país viveu no inicio dos anos 60, uma gran-de agitado política que mobilizou grande parte da socieda-de civil. A reivindicado em torno da democratizado doensino se somou ás iniciativas em prol da alfabetizado deadultos culminando com ad- es que contaram com a parti-cipado de grupos organizados da sociedade civil, o Esta-do (alguns governos municipais e estaduais) e alguns seto-res da Igreja. Dentre todas essas iniciativas de programas decultura popular e de alfabetizado de adultos, destaca-se aCampanha de Pé no Chäo também se Aprende a Ler,realizada com grande éxito, e com parcos recursos, na pe-riferia de Natal, capital do Rio Grande do Norte (Nor-deste), as primeiras aplicades bem sucedidas do MétodoPaulo Freire em Pernambuco, posteriormente estendidaspor todo o país no curto período em que foi Ministro daEducado e Cultura (1962/1963); o MEB —Movimento deEducado de Base, criado em 1961, por grupos religiososcatólicos—; e, os CPC —Centros Popular de Cultura—,vinculados à UNE —Uniäo Nacional dos Estudante— (5).

Com a implantado violenta da ditadura após o golpemilitar em 1964, foi eliminado de forma dramática todosesses movimentos täo efervescentes até entäo. No entanto,muitas lideranças permaneceram atuando na clandestini-dade ou participando em iniciativas desenvolvidas pelaIgreja ou sindicatos ou Universidades.

A partir dos anos 60, portanto, o termo educaçäo popu-lar passou a designar, propriamente, iniciativas de forma-do (educado) de adultos das classes populares, fora dosistema oficial do ensino e para-estatal, que näo se restrin-gia somente à alfabetizado. Pode-se mesmo dizer, que seconstituiu numa pedagogia (6) corn base numa determina-da forma de conceber a educado —segundo a qual, a prá-tica educacional deve valorizar a cultura popular e visar aluta contra a marginalizaçäo cultural das mulheres e doshomens das classes populares tornando-o agente de suaprópria educado e da história—, e corn uma metodologiaprópria. Pedagogia esta que congrega urna grande quantida-de de profissionais da educado em diversos tipos de insti-tuides ligadas aos movimentos sociais, a sindicatos, a par-tidos políticos, à Igreja, ás Universidade e até mesmo aoEstado.

Portanto, atualmente, o emprego mais usual de educadopopular no Brasil, refere-se a urna determinada concepdoe prática educativa a qual se caracteriza por tés aspectos:primeiro o seu vínculo de classe. A educado popular éentendida corno conjunto de programas e iniciativas educa-cionais das ou para as classes populares. A propósito, éindubitável a imprecisäo do termo classes populares. Opróprio termo classe social nunca encontrou urna definidoprecisa dentro da sociologia e da política, desde que foicunhada em seu sentido moderno pelo marxismo aplicadaás formades sociais estratificadas no capitalismo em fun-do da relaçäo que os homens estabelecem com os meios deproduçäo e com a organizado do trabalho. Evidentemen-te, é ceno que as categorias de análise säo criadas comotermos abstratos para dar conta da descrido e compreensäode urna realidade sempre cambiante. No entanto, nos paísessubdesenvolvidos corno o Brasil, a realidade da estratifica-do social é muito complexa resultando dificil a aplicadoda acepdo clássica de classe social. Dessa forma, o termotem sido utilizado com o intuito de abarcar a grande hete-rogeneidade existente no interior das classes sociais no país.Segundo afirma Weffort: "(..) classes populares permitecaptar a homogeneidade possivel existente entre o conjun-to de pessoas que ocupam «escal5es» sociais e económicosinferiores das diversas áreas do sistema capitalista vigen-te no Brasil" (7).

Esta clara definido política em retado ás classes popu-lares resulta na segunda característica da educado popular,qual seja, o desenvolvimento de ades educativas com vis-ta à transformado das condides de vida imediata dessasclasses e tendo como horizonte a transformaçäo social. Aterceira característica refere-se a metodologia, os processoseducativos que partem da experiéncia e da cultura popu-lar e pauta pelo diálogo e a participaçäo dos sujeitos en-volvidos.

Naturalmente, esta concepçäo de educaçäo popular, tam-bém tem sua própria história que conta com a revisäo deprincipios, a criaçäo de novos grupos e a definiçäo de no-vos objetivos. Alguns autores como Arroyo e Nosella (8),por exemplo, tém indicado a necessidade dos educadores

(4) WEREBE, op. cit. p. 227.(5) Ver: CUNHA, Lutz A. e GOES, Moacir de. (1985). 0 Golpe na Educaçäo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar; GOES, Moacyr (1988). Espaço cultural reinventado

(e outros espaços): "De pé no chäo também se aprende a ter'. Idéias, FDE, 48- 52.(6) A importäncia das obras de Paulo Freire no Brasil, em alguns países da Latino-América e países africanos, nao podem ser subestimadas, principalmente,

o livro "Pedagogia do Oprimido" e outras referentes ao Método Paulo Freire de alfabetizaçäo de adultos. Do autor, veja: FREIRE, Paulo (1976). Pedagogíado Oprimido, 3 ed. Madrid, Siglo XXI; La Educación como práctica de la libertad. Bogotá, America Latina, 1975; ¿Extensión o Comunicación?: laconcienciación en el medio rural. México, Siglo XXI, 1973; La Importancia de leer y el proceso de liberación. Madrid, Siglo XXI, 1984.

(7) WEFFORT, Francisco (1980). 0 Populismo na Política Brasileira, Rio de Janeiro, Paz e Terra.

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relativizarem o peso da escola na luta pela educado popu-lar, urna vez que o verdadeiro front em que de fato ocorrea formado/educado das classes populares encontra-se nouniverso do trabalho, nas relades e nos movimentos de lutacolectiva. Alegam que a grande maioria da populaçäo bra-sileira passa muito poucos anos na escola, portanto, säopouco influenciados pela educado formal. Nesta perspec-tiva, a educaçäo popular refere-se aos processos educativosmais ou menos difusos que tem incidencia sobre as classespopulares. Esta acepçäo encontra-se muito mais próxima aoconceito de educado informal como veremos em seguida.

Em síntese, as acepçöes do termo educado popular re-ferem-se a realidades muito distintas. De fato a polissemiado termo e sua amplitude nos remete a este enigmático uni-verso semäntico que enlaça as palavras e as coisas... e, tam-bém, a história.

Por último, cabe analisar a relaçäo entre educado popu-lar e educado informal. Para tratar desta última, vamos nosreportar à obra de Jaume Trilla intitulada "La EducacionInformal" (9). De acordo com este autor, há várias criteri-os pelos quais se pode taxonomizar a educado: segundo oaspecto do desenvolvimento individual ou da configuradoda personalidade; segundo as características próprias dosujeito ou populaçäo receptora; e, segundo o agente educa-tivo. Esclarece, pois, que a distinçäo entre educado formal,näo formal e informal constitui uma tipologia estabelecidasegundo o agente educativo. Como explica Trilla, o adjeti-vo informal diz respeito á ad-o educativa, ao agente queeduca e näo ao resultado ou ao efeito educativo. "Lo que esdado como «informal» puede ser el agente, o la acciónmisma, o incluso el contexto en el que ésta tiene lugar,pero, en cualquier caso, tal adjetivo no se refiere nunca (...)a la educación in facto esse" (Trilla, 1986: 204).

Em resumo, a educado informal seria aquela que se ori-gina no meio fora de qualquer intervençäo pedagogicamen-te preconcebida enquanto a educado näo formal correspon-deria a educado que se promove institucional, intencionalou metodicamente fora das vias convencionais de escotan-zaçäo. A educado informal pöe em destaque a riqueza ediversidade da oferta educativa existente na sociedade.

Retomando o conceito de educado popular ternos: a pri-meira acepçäo de educaçäo popular como educado básica(elementar) para todos compreende a educado formal; asegunda acepçäo está inserida no universo da educado näoformal; e, a terceira chama aterido para os aspectos educa-tivos informais. Apesar da ambigüidade e polissemia dotermo educaçäo popular, este parece ser um conceito bas-tante abrangente capaz de acolher urna análise integradorade fatos e processos educativos täo diversos corno os quecompreende a educaçäo formal, näo formal e informal.

Assim, a história da educado popular deveria articulartodas os processos, instituiçóes e entidades geradores deefeitos educativos sobre a maioria da populaçäo como asescotas, as instituiçöes näo escolares e os canais de educa-do informal.

Creio que os estudos que estäo sendo realizados na Ca-talunha sobre o associacionismo oferecem um exemplo decomo essa história pode ser realizada.

2- EDUCAÇÁO POPULAR E ASSOCIACIONISMONos deteremos agora, a examinar uma linha de investi-

gaçäo bastante inovadora e potencialmente fértil para a His-tória da Educado e, particularmente, para a história da edu-cado popular, ou seja, o estudo da rede associativa comoelemento educador —meio de transmissäo educativo-cultu-ral— tomando como base os estudos realizados por PereSolà. Primeiramente, buscaremos apresentar um quadro sin-tético das idéias do autor e em seguida, analisaremos quala contribuiçäo que estes estudos podem dar ás investigadessobre a educado popular no Brasil.

O livro, "Cultura Popular; Educació i Societat al Nord-Est Català (1887-I959)" (10), trata de um estudo históricosobre a educado informal no ámbito geográfico do Nor-deste da Catalunha, especialmente, a comarca Gironina.

Tal definido geográfica que ressalta o papel da comarcacorno meio confonnador da vida das mulheres e dos ho-mens, busca efetivar um estudo sobre urna realidade con-creta. Neste caso, a valorizado da história local contribuípara deslocar o centro de atençäo comummente dedicadoaos grandes centros urbanos, em relaçäo à Catalunha, geral-mente dado á Barcelona, e, colocar em relevo toda a com-plexidade do mundo rural e urbano ("pueblos") que cons-tituí a comarca, principalmente considerando as profundastransfonnaçöes económicas e sócio-culturais sofridas porestas localidades no período estudado pelo autor.

Solà parte do principio de que a formado dos homens emulheres das comarcas se deve tanto ou mais aos canaiseducativos infonnais que aos formais. Por educaçäo infor-mal utiliza a concepçäo de Tubingen: "processos educatiusno dirigits per les intencions de subjectes determinables, noestructurats dintre de settin experimentals o no institucio-nalitzats de manera clara, també contribueixen sistemeni-eament a la formació de la personalitat" (Solà, 1983: 13).

De fato, encontramos difuso no meio social incontáveissituaçöes geradoras de efeitos educativos, muitas delas degrande eficácia formadora. No entanto, enfrentarnos umaserie de dificuldades para investigar tanto essa multiplicida-de de agentes" educativos, quanto os efeitos provocados naspessoas, efeitos muitas vezes, de natureza subjetiva relaci-onados à mudanças de comportamentos, à aquisido de ide-ologias, de costumes e valores. Desconhecemos os proces-sos de apropriaçäo dos saberes "imediatos", ou em outrostérminos, corno ocorre a transmissäo e aprendizagem doschamados "saberes calientes" (11).

Esta é, de certa forma, uma das dificuldades assinaladaspor Solá para quem o estudo da transmissäo cultural-edu-cativa, compreendendo aspectos formais e informais, neces-sita da utilizado de urna perspectiva desde logo, interdis-ciplinar ou como afirma o autor "des-disciplinar".

Para acercar-se destes canais informais investiga umrico universo que säo os centros e instituides associativasresponsáveis pela transmissäo cultural-educativa. Em rels-do ao "fato associativo", afirma a hipótese segundo a qual:"... el «Jet associatiu», en especial l'espontani, en si i per sija és un fet generador d'hàbits culturals i de pautes deconvivència, de valors jfins i tot de transmissió de conei-xements. (ibiden, p. 111-112).

Elege corno fio condutor da investigaçäo os níveis deinstrucçäo por área geográfica e a considerado quantitati-va e qualitativa das mudanças no associacionismo culturalem relaçäo, sobretudo, com a transmissäo educativa. O pri-meiro capítulo tratando do marco institucional da culturapopular, analisa a actuado da Igreja, os índices de alfabe-

(8) Ao chamar atengäo para a importäncia dos processos educativos que ocorrem no trabalho e nas relagóes sociais, os autores buscam, por um lado, con-trapor a uma visäo escolarizante dos estudos e debates educacionais e, por outro lado, contrapor a uma corrente que defende a democratizagäo do ensi-no como a principal via de educagäo das camadas populares e como meio de luta social. Trabalhando com o tema educacäo e trabalho, estes autoresestäo atentos para os aspectos de formagäo profissional, ideológica e política que ocorrem cornos trabalhadores fora do universo escolar. Ver: ARROYO,Miguel "Educagao e Exclusäo da Cidadania", in: BUFFA, Ester et alli. (1987). Educaçäo e Cidadania: quem educa o cidadäo? Säo Paulo, Co rtez/Auto-res Associados; Da Escola Carente à Escola Possivel (1986). Säo Paulo, Loyola.

(9) TRILLA, Jaume. (1986). La Educación Informal. PPU, Barcelona.(10) SOLA, P. (1983). Cultura Popular. educació i societat al Nord-Est Catalä (1887-1959). Diputació de Girona. Girona.(11) GRAMIGNA, Anita (1993). "Tra scuola ed extrascuola". In: Recherche Pedagogiche, 108-109. pp. 6-68.

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tizaçäo e a expansäo da escolarizado de base, além deidentificar os meios de comunicaçäo existentes nas comar-cas estudadas. Dessa forma estabelece um amplo quadroque pöe em destaque importantes meios formativos como aIgreja, a escola e os meios de comunicado que seräo asso-ciados posteriormente, a rede associativa para a análise dasoportunidades educativas de cada localidade.

Mas a que tipos de associaçóes refere-se o autor? Solaabarcou em sua investigado uma grande quantidade deentidades, incluindo inclusive aquelas que näo constavamdas estatísticas oficiais. Para a classificaçäo das entidadesutilizou urna taxonomia "bastante ampla" e códigos parafacilitar a descrido e a análise quantitativa e qualita-tiva (12).

Porém, excluiu desta taxonomia as entidades oficiais res-ponsáveis pela "política cultural" vinculadas as instanciasde poder comuns depois da guerra como as delegaçóes desindicatos ou os centros de "Auxilio Social". Também, näoconsiderou os organismos executivos administrativos esta-tais ou para-estatais, nem tampouco, aqueles organismosque mesmo possuindo uma base "popular" e espontánea"como os "comités" anti-faxistas ao iniciar a guerra civil,estavam vinculados ao poder oficial

Assim, a taxonomia adotada envolve instituees de di-versas naturezas: entidades de interesse económico-profis-sional, culturais, recreativas, políticas, religiosas, assisten-ciais e de ensino. Apesar de assinalar a precariedade destacatalogado e a provisionalidade dos resultados, percebe-seque o tratamento de todos estes meios de transmissäo cul-tural-educativa, de inegável influencia formativa, para amaioria da populado, favorecem a construçäo de um mo-delo de análise que articula a educado informal com a edu-cado formal e näo formal e permite obter um espectro bas-tante interessante sobre processos de transmissäo culturaleducativa na perspectiva de sua mais ampla incidencia so-bre o conjunto da populaçäo de cada localidade estudada.

Ainda em relaçäo à metodologia utilizada, Sola vale-sedo criterio cronológico para analisar a evoluçäo da dinámi-ca do associacionismos. Dentro deste criterio cronológicoidentifica tres tipos em relado à durabilidade de existenciadas entidades e instituiçóes: (a) as de longa durado; (b) asde curta durado; (c) as de durado intermitente. O criteriocronológico é importante tendo em vista a variabilidade deexistencia de determinadas entidades, e também, para aanálise do processo evolutivo das mesmas. Para efectuaresta análise o autor utiliza dois conceitos: nivel associativo-cultural (nivell associatiu-cultural) e oportunidade asso-dativo-cultural (oportunitat associativa-cultural). O pri-meiro refere-se à cifra total de entidades e grupos existen-tes em cada lugar por decenio; o segundo diz respeito aonúmero de habitantes da localidade ou comarca por unida-de associativo-cultural. Estes conceitos possibilitam tantourna análise de conjunto da qualidade e quantidade do as-sociacionismo comarcal quanto uma análise aproximativadas condiçóes da transmissäo cultural-educativa numa dadalocalidade e em determinado momento histórico.

A análise feita pelo autor revela urna qualitativa diferençaentre a dinámica associativa urbana e rural. Destaca, tam-bém, os efeitos das mudanças sócio-políticas sobre o asso-ciacionismo cultural e político. Por exemplo, assinala o ar-refecimento do associacionismo espontáneo nas comarcasestudadas em decorrencia do regime totalitario instauradocom a ditadura de Franco.

Outra conclusäo interessante, é a evidencia nas comarcas,de importantes canais de formado näo formal confirman-do portanto, a idéia segundo a qual a rede associativaconsideravelmente, responsável pela formaçäo educativa degrande parte da populaçäo. O que leva o autor a afirmar queantes da adoçäo dos "mass midia" modernos, num períodoem que a universalizado da escolarizaçäo pública näo atin-gia os niveis actuais, a difusäo da cultura e da instrucçäopopular passavam pela oportunidade culturalizadora propi-ciada pela rede associativa (13).

As conclusóes a que chega Sola em relado á contri-buido da pesquisa sócio-histórica à teoria da EducadoInformal podem ser consideradas sugestivas hipóteses deinvestigado aplicadas a outros contextos geográficos esócio-culturais. Aponta cinco aspectos: a) o progresso daescolarizaçäo (sistema formal) em detrimento da deca-dencia de outras formas de educado vinculadas ao clero;b) destaca a influencia decisiva das diversas instituiçóesde cultura popular na formado continua dos homens dascomarcas; c) enquanto a familia e a igreja atuaram comomeio de educado informal para as mulheres do meio rural,o mundo do trabalho constituiu a instancia de educado in-formal para os filhos e filhas de proletarios campesinos ouda cidade; d) os canais informais demonstraram muita efi-cacia na transmissäo de habilidades práticas relacionadas aomundo do trabalho, de valores comunitarios e de pautasideológicas; e) evidencia casos em que subsistemas de cul-tura popular e de educado informal ou formal sobrevivemlargamente aos condicionantes sócio-económicos que lhesväo originar.

Em desdobramentos posteriores de seus estudos (14),Sola utiliza o conceito de Incidencia Educativa Global(IG), buscando compreender estes "efeitos culturais glo-bais". A Incidencia Educativa Global encontra-se em fun-do de tres tipos de efeitos: Atividades con intençóes edu-cativas formais (EF), Atividades corn internó- es educativasnäo-formais (NF) e, Efe itos educativos incidentais (infor-mais) (EI). Em decorréncia, deduz a seguinte fórmula:IG—F (EF, NF, EI). Os valores de cada um destes fatoresdependem da "vontade de educar" e da "eficacia formativa".Tais conceitos säo explicados pelo autor: "La «voluntad deeducar» es un concepto que supone intención y mediosoperativos para conseguir unos fines educativos. La «efica-cia formativa» son los efectos formativos continuados,duraderos, estructurantes, sobre los individuos y los gru-pos, efectos formativos resultantes de la acción de EF, deNF y de EI" (mimeog).

Portanto, um estudo dessa natureza demanda uma inves-tigado acurada sobre cada associaçäo. Como indicaçäometodológica, Sola sugere a elaboraçäo de urna ficha infor-mativa considerando os seguintes elementos: Nombre (s) dela entidad; seciones; projectos educativos; lugar; circuns-cripción; fundadores (individuos y/o organismos); fechasextremas de existencia; tipo de actividades educativas, conuna evaluacion de los motivos que las impulsan y de losresultados de tales actividades; análisis del tipo de educa-ción formal, no-formal e informal que difunde la institu-ción; presupuestos; medios personales (socios, personalprofesional, animadores no voluntarios; recursos mate-riales; dificultades y problemas en la realización de sucometido; subvenciones; fuentes de información sobre laentidad y su tarea educacional: existencia de estatutosy reglamentos (fecha, localización); fuentes escritas: ma-

(12) Em outro estudo, Solà estabelece urna tipologia empírica para o movimento associativo compreendendo dez classificacñes: 1- Promoción y defensa gene-ral de la persona; 2- Cultura y medios de difusión; 3- Enseñanza, formación e investigación; 4- Assistencia social; 5- Salud; 6- Ordenación del espacio,ecología y vivienda; 7- Intereses económicos y profesionales; 8- Acción social, ideológica, política y religiosa: asociaciones declaradamente políticas y reli-giosas; 9- Sociedades de difícil clasificación (incluí en este apartado las instituciones de las que sosa posee información suficiente); 10- Las variables degénero y de espacio (geográficas). Ver: SOLA (1993). Histeria de l'Associoacionisme Català Contemporari Barcelona i les Comarques de/a seva demar-cació (1874-1966). Públics Generalitat de Catalunya, Barcelona.

(13) SOLA, P. (1993), op. cit. p. 16.(14) SOLA, P. (1993), op. cit.

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nuscritas (actas...), impresas (memorias, prensa...); fuentesorales (personas: edad, localización, vinculación con la ins-titución o con alguna de sus secciones i actividades...).

Todas essas idéias deixa-nos com a sensaçáo de que todoum campo de investigado se abre para ser desenvolvido,nestes termos o autor indiretamente, brinda-nos com umconvite para o estudo da temática.

O inventário do movimento associativo revela um poucoda história da sociedade civil, isto é, das diferentes formasde sociabilidade estabelecidas por homens e mulheres dediferentes setores sociais em urna dada sociedade. Porisso,o movimento associativo, em toda sua diversidade, fazemergir as relaçóes entre grupos sociais e instituiçfies, alémde explicitar ofertas e demandas em prol da satisfaçäo denecessidades sociais, culturais, educativas, recreativas, eco-nómicas, assistenciais e políticas. Além disso, a análise desua evoluçäo permite compreender o impacto do desenvol-vimento económico, seguido dos processos de urbanizaçäoe industrializado, sobre determinados padróes de sociabi-lidade, permitindo identificar mudanças e permanencias.No campo cultural-educativo ilumina todo um conjunto deelementos, fatos e processos desconhecidos sobre a cultu-ra e a educado popular.

Em retado ao Brasil, näo possuímos nem um cadastroempírico do movimento associativo nem dispomos de aná-lises globalizadas sobre o fato educativo compreendendo osmeios formativos näo intencionais articulados com os meiosforrnais. Neste sentido, estudos sobre o associacionismo po-deräo constituir urna linha de investigado bastante interes-sante e proficua.

A construçäo do Brasil como nado possui urna históriarecente que conta com menos de duzentos anos, ou seja, apartir da "independencia" de Portugal em 1822 (15). Osprocessos formais de educado básica difundiram-se tar-diamente, inicio do século XX, e, näo chegou a universa-lizar completamente nos dias de hoje. Assim, algumasquestóes se apresentam muito instigantes: Como ocorriaa formado/educado das mulheres e homens comuns nosnúcleos urbanos e rurais? Quais foram os principais canaisde transmissäo cultural-educativa? Qual o peso da escolae da Igreja neste processo? Que influencia exerceu a redeassociativa?

A este respeito, é bem provável que a investigaçóes rea-lizadas no Brasil, possam chegar ä conclusóes semelhan-tes ás do estudo de Solà, pelo menos no que se refere aoimportante papel formativo desempenhado pelos canais in-formais e a rede associativa na formado das camadaspopulares. Por exemplo, o estudo que realizei sobre as de-mandas populares pela educado em Campinas/SP-Brasil,nas primeiras décadas do século (16), revela que váriasassociaçóes promoviam atividades educativas como a ma-çonaria, associaçóes étnicas de imigrantes alemäes e ita-lianos, associaçóes dos homens de cor e outras associaçóesbeneficentes.

Caberia de todos modos avahar a proporçäo dessa redeassociativa e as transformaçóes históricas sofridas. No limi-te, considerando a precariedade do sistema formal de edu-cado estudos sobre a educado informal recobre de signi-ficado profundo para a sociedade brasileira.

3- ALFABETIZAÇÁO E EDUCAÇÁO POPULARNeste item, buscaremos discutir alguns aspectos que nos

parecem relevantes a serem considerados nos estudos sobrealfabetizado/analfabetismo e sua relado com a educadopopular, suscitados a partir da leitura dos textos de Solà,Núñez e Vilanova (17).

Nuñez nos alerta para o fato de que a distindo entre umalfabetizado e um analfabeto "es la posibilidad de accedera una nueva fuente de información, la información escrita,cuya disponibilidad e importancia en relación con otrosmedios de comunicación ha cambiado a lo largo de la his-toria" (Nufies, 1992: 54). De fato, como demonstra a auto-ra, a "transido da alfabetizaçäo" —passagem da alfabetiza-do restrita ä alfabetizado universal—, é um fenómenorelativamente recente, iniciado nos países do norte da Eu-ropa no final do século XVIII (18), e cuja generalizadopara o resto do mundo é um fenómeno do século XX.

Ter claro a historicidade deste fenómeno social e cultu-ral, pelo qual toda urna sociedade passa a ter acesso ä cul-tura escrita, é fundamental para desmistificar preconceitose interpretaçóes ideológicas. E preciso considerar que odiscurso sobre a alfabetizado e o analfabetismo säo, tam-bém, constructos históricos. Veja, por exemplo, a vincula-do que se estabelece comummente, entre alfabetizado edesenvolvimento económico. Em realidade, os índices dealfabetizado tém sido empregados sistematicamente nasúltimas décadas para medir, quantificar e avahar o nivel dedesenvolvimento dos países do "Terceiro Mundo".

Evidentemente, a alfabetizado é um indicador sócio-cultural importante, no entanto, é necessário ter cautela aose estabelecer uma vinculado directa entre esta e a econo-mia. E muito difundida a idéia de que a alfabetizado é umfenómeno decorrente da industrializado, relacionada pois,com a passagem de economias agrárias para economias in-dustriais. Ora, é sabido que nos países do norte da Europa,a alfabetizado de massas foi anterior á industrializado ten-do ocorrido no interior das sociedades agrárias tradicionais.

Nos países subdesenvolvidos, é todavia, complexa estaretado. Em muitos deles, corno Chile, Argentina, Brasil,por exemplo, o desenvolvimento da alfabetizaçäo näo ocor-reu acompanhado do desenvolvimento económico. Assim,parece temerável estabelecer urna correspondencia do tipocausa-efeito entre educaçäo e desenvolvimento económico.

A alfabetizaçäo é, sobretudo, um indicador qualitativodas condiçóes culturais e sociais de urna sociedade, embo-ra, seja pouco dimensionada neste sentido. De fato é mili-to dificil estimar a capacidade de ler e escrever e, aindamais, em ámbito histórico, pois as fontes geralmente, säolimitadas e näo revelam o nivel de compreensäo nem a fre-quencia da prática e uso da leitura e/ou escrita, além de näoinformarem sobre o nivel de cogniçäo e tampouco as di-ferenças de comportamento entre analfabetos e alfabetiza-dos, muito menos, sobre os efeitos da alfabetizaçäo sobre omercado de trabalho e sobre o crescimento económico.

Como assinala Solà (1985), os dados genéricos dos Cen-sos, muitas vezes pouco fiáveis, näo permitem aceder áscircunstáncias concretas do fenómeno da alfabetizado detipo antropológico, sócio-económico e linguístico. Daí, anecessidade de estudos de carácter local.

(15) Para alguns autores, este processo ocorreu a partir da ida da familia real para o Brasil em 1808, guando D. Joäo VI proclama Brasil reino-unido a Portugale instala no Rio de Janeiro a sede do governo po rtugués.

(16) SOUZA, Rosa Fátima (1991). Classes Populares e Educaoäo Popular na Primeira República: problemas, valores e lutas. Dissertaçäo de Mestrado,UNICAMP, Campinas.

(17) SOLA, P. (1985). "Immigració i alfabetització a Barcelona, 1908-1950. Alguns problemas." In: Actes de les 7enes Jornades dllistória de l'Educació alsPaisos Catalans, Perpinyà, Eumo Editorial, pp. 335-353; SOLA, P. (1983). Cultura Popular, educació i societat al Nord-Est Català (1887-1959). Diputacióde Girona. Girona; NUÑEZ, C. E. (1992). La Fuente de la Riqueza. Educación y desarrollo económico en la España Contempoánea. Alianza Universidad,Madrid; VILANOVA, M y MORENO, X. (1992). "La valía estadística de los censos de población de España a través de una comparación con el censoelectora!' In: Atlas de la Evolución del Analfabetismo en España de 1887-1981. Cide, Madrid, pp. 137-161.

(18) A Suécia toj o primeiro país europeu a lograr a alfabetizaçäo da maioria da populaçäo iá no século XVII. Ver: BOLI, John (1991). New Citizens fora NewSociety. The Institucional Origins of Mass Schooling in Sweden, Pergamon Press, New York.

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No entanto, essa precariedade e parcialidade das fontes,näo invalida os esforços investigativos de urna área queaporta inúmeras chaves para a compreensäo da cultura po-pular explicitando processos de apropriado de bens cultu-rais (aquisido/transmissäo) como é o caso do uso da leiturae da escrita por mulheres e homens comuns. A história daalfabetizado mostra como determinados saberes (habilida-des) adquirem valor sócio-cultural, económico e político. Amesma sociedade que gera a alfabetizado corno necessi-dade e valor, também, gera a figura negativa do analfabeto,ou seja, opera mais urna estratificado social além daqueladada pela situado económica.

Infelizmente, no Brasil, näo foi realizado até o momen-to, nenhum estudo dedicado especialmente, à história daalfabetizado. E sabido, corno foi citado no primeiro item,que por volta de 1889, 85% da populado era analfabeta.Mas quem eram, efectivamente, estes 15% de alfabeti-zados? Até que ponto o uso da leitura e/ou da escrita en-contrava-se disseminado entre a populado? Tal questäo écuriosa se considerarmos alguns estudos sobre a escravidäoque mostram como muitos escravos, principalmente os quese dedicavam a trabalhos domésticos, aprendiam a ler eescrever com seus amos. Outro dado interessante em rela-do à Provincia de Säo Paulo, säo as iniciativas dos repu-blicanos a partir da década de 1870, com a abertura de cur-sos noturnos para trabalhadores pobres nos quais assistiamescravos ou ex-escravos alforriados. E o que dizer em re-lado á populado livre e pobre que vivia nos núcleos ur-banos?

Em realidade, o estudo da alfabetizado resulta em difi-culdades metodológicas e de fontes devendo ser observadosalguns aspectos sugestivos como indicam os autores lidos.

Urna questäo interessante, diz respeito à relado entre adifusäo do ensino elementar e o desenvolvimento da alfa-betizado. No capítulo dedicado à análise do gasto públicoem educado, em Espanha, entre 1860-1930, Núñez assina-la a precariedade da inversäo nesta área ademais das fortesdiferencas regionais provocadas pelo financiamento a car-go dos municipios. Outro problema, era a adodo de recur-sos para os diferentes níveis de ensino. Em retado a isto,a autora afirma que o sistema escolar espanhol era sobre-dimensionado em níveis superiores e infradotado nos in-feriores. Considerando os problemas de eficacia da escolaprimaria, compreende-se as dificuldades de incremento daalfabetizado via escola pública. Esta mesma análise podeser feita em relado ao Brasil, entretanto para o períodoentre 1890-1950, concernente ao período de difusäo do en-sino público primario e crescimento do número de alfa-betizados.

Porisso, um sistema paralelo de alfabetizado de adultosse fez necessario nestes países, considerando a grande de-manda das camadas populares.

Dessa forma, a correlado entre expansäo do ensino ele-mentar e desenvolvimento da alfabetizado, ainda que per-tinente, necessita ser matizada levando-se em conta os pro-blemas de eficacia e abrangéncia da escola e, por outrolado, as vias alternativas que lancavam mäo as camadaspopulares para se alfabetizarem.

O diferencial sexual em relado a alfabetizado masculi-na e feminina é outro aspecto interessante a ser considera-do. O estudo de Núñez abrangendo a Espanha e os de Solae Vilanova sobre Barcelona, apresentam relativamente, ín-dices inferiores de alfabetizado feminina em reladomasculina. Tais dados sugerem análises sobre as condicóeseducacionais e sócio-cultural de inserdo das mulheres nasociedade.

Outro indicador a levar em conta é a distribuido geográ-fica do analfabetismo/alfabetizado, seja em termos regio-nais ou considerando as difereneas entre campo-cidade emesmo considerando a distribuido urbana, como no textode Sola (1985). Estes indicadores, juntamente com a idade,

permitem compreender melhor o comportamento dos dife-rentes grupos sociais em relado à educado. Apresentam-se, também, como dados contrastantes que possibilitamuma análise mais qualitativa do fenómeno da alfabetizado.

Resumindo, a alfabetizado se evidencia como um capí-tulo fundamental nos estudos históricos sobre a educadopopular. Sua relevancia deve-se ao valor social e políticoque adquiriu nas sociedades contemporáneas. Além disso,para grande parte das classes populares constitui as primei-ras aprendizagens, e para muitos, a única, em relado aouniverso da cultura escrita. Em sociedades marcadas porprofundas desigualdades sociais como a sociedade brasilei-ra, a educado apresenta-se como um intrincado campo deluta pela cidadania.

Säo varios, pois, os aspectos sugestivos e instigadoresque a bibliografia comentada neste texto, aportam para urnainvestigado sócio-histórica da educado popular. Urnacompreensäo globalizadora e integradora do fato educativoapresenta-se como horizonte fértil para todos os investi-gadores que se entregam à estimulante aventura de buscarcompreender a relado entre a educado e a sociedade eos processos educativos e culturais que incidem sobre amaioria da populado, ou seja, para aqueles que se propöema mergulhar neste universo plural e pouco conhecido que éa cultura popular.

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