Upload
dangkien
View
216
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=37411987007
Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal
Sistema de Información Científica
João dos Reis Silva Júnior
O professor pesquisador nas universidades públicas no contexto da internacionalização do capital: a
produtividade do trabalho imaterial superqualificado
Revista Portuguesa de Educação, vol. 22, núm. 1, 2009, pp. 145-177,
Universidade do Minho
Portugal
Como citar este artigo Fascículo completo Mais informações do artigo Site da revista
Revista Portuguesa de Educação,
ISSN (Versão impressa): 0871-9187
Universidade do Minho
Portugal
www.redalyc.orgProjeto acadêmico não lucrativo, desenvolvido pela iniciativa Acesso Aberto
Revista Portuguesa de Educação, 2009, 22(1), pp. 145-177© 2009, CIEd - Universidade do Minho
O professor pesquisador nas universidadespúblicas no contexto da internacionalizaçãodo capital: a produtividade do trabalhoimaterial superqualificado *
João dos Reis Silva JúniorUniversidade Federal de São Carlos, Brasil
ResumoO objetivo deste texto é compreender o processo de mercantilização dauniversidade estatal pública brasileira e de sua identidade institucional.Busca-se compreender este evento tal qual um processo de racionalizaçãosocial, com origem no Estado reformado e como parte da herança do séculoXX, articulado com a internacionalização do capitalismo, que terminou comoalvo da naturalização do fundo público pelo capital, resultando em reformasdas instituições republicanas brasileiras. A universidade, não sem acontraposição de movimentos sociais, políticos e sindicais e de intelectuaisque ainda resistem, está sendo transformada em instituição tutelada pelocapital e pelo Estado, tendo o mercado como mediador. A racionalidademercantil tornou-se o núcleo da Política quando deveria ser a administraçãopública voltada para o ser humano, com conseqüências perversas para ogoverno popular democrático distanciando-se de sua origem, para opensamento intelectual mais crítico, para a esquerda partidária, para apesquisa sobre as políticas públicas de educação superior e, sobretudo, parao objeto aqui examinado: as atividades e a formação do professorpesquisador das universidades estatais públicas em geral. Enfim, procura-semostrar que o processo de racionalização, em sua forma histórica atual, temcomo essência também histórica a racionalidade de formação social docapitalismo, e, em razão disso, mostra, indiretamente, as orientações desteevento.
Palavras-chave
Educação Superior; Formação Docente; Alienação no Trabalho Docente;
Ontologia no Trabalho Docente
Reflito! Sei não estar louco Imerso nesta sociedade doente
Confesso! De quando em quandoDeliro com um bem para todo ser humano1
Introdução: construindo uma hipóteseEm artigo intitulado Riqueza concentrada e trabalho em excesso,
Márcio Pochmann (2008), professor da Universidade Estadual de Campinas e
presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas, discorre sobre as
modificações nas formas de produção de valor pelas modificações ocorridas
e a ocorrer em face da nova proporção da renda com origem no trabalho
material e no trabalho imaterial, bem como suas conseqüências. Segundo o
economista, para cada "R$ 1 de riqueza gerada no mundo a partir do esforço
físico do trabalho do homem em 2006, havia R$ 9 de responsabilidade do
trabalho de natureza imaterial" (Pochmann, 2008). Sua afirmação considera
"a composição do PIB (Produto Interno Bruto) acrescido do conjunto de ativos
financeiros em circulação no planeta, que permite associar o trabalho imaterial
às atividades terciárias da estrutura de produção de riqueza" (idem). Para ele,
portanto, ainda que se considere esta proporção, a produção do valor
encontra-se no setor industrial, num hibridismo com as muitas formas de
exploração do trabalho imaterial na acumulação flexível.
O autor acrescenta que em "1950, por exemplo, a cada R$ 10 de
riqueza gerados no mundo, somente R$ 4 provinham do trabalho imaterial"
(idem). Isto é, em um período menor que 30 anos "a riqueza associada ao
trabalho imaterial cresceu quase 10%, em média, ao ano, enquanto a do
trabalho material aumentou a metade disso" (idem). Disto decorre uma
profunda mudança no processo de circulação de mercadorias e realização do
valor, com conseqüências para o trabalho imaterial.
"Nesse sentido, o PIB dos países torna-se mais leve e com elevada
produtividade, tendo o trabalho imaterial como principal força geradora de
riqueza no mundo" (idem). Isto é, contrariamente à época de Marx, o trabalho
imaterial torna-se mais factível de tornar-se produtivo, "o que exige, em
contrapartida, amplos e constantes investimentos em infra-estrutura, em
ciência e em tecnologia aplicada" (idem). O que isto significa dito de forma
mais direta? Que a ciência, a tecnologia e as inovações tecnológicas tornam-
146 João dos Reis Silva Júnior
se imprescindíveis no momento atual para a "potencialidade renovada de
fantástica ampliação da riqueza a partir da base industrial consolidada pela
estrutura produtiva existente" (idem). Isto impõe, para o centro das mudanças
que assistimos nos últimos 40 anos no mundo e a partir da década de 1980,
no Brasil, que a sociabilidade seja alterada na direção de uma "sociabilidade
produtiva". Para isto, de um lado as instituições escolares — que são o lugar
privilegiado da educação básica — são chamadas para o lugar central no
processo de construção desta sociabilidade; de outro, as universidades são
postas no centro do processo de formação de professores e de produção de
ciência, tecnologia e inovação tecnológica, modificando profundamente a
natureza da instituição universitária, das instituições escolares da educação
básica e do trabalho do professor.
Voltemos ao excelente artigo de Pochmann (2008): em 2006, "a cada
dois ocupados no mundo, um encontrava-se relacionado ao trabalho material,
enquanto em 1950 eram três em cada quatro que trabalhavam". Como
havíamos destacado que o fenômeno não se põe apenas para o Hemisfério
Sul, Pochmann argumenta que nas "economias capitalistas avançadas, só um
a cada três ocupados desenvolve trabalho material".
A demanda intensificada do trabalho imaterial constitui-se numa
contradição, dado que pressupõe um real crescimento da economia por meio
de investimento de capital produtivo, ainda que amalgamado ao capital
financeiro, que se põe na condição de macrogestor da economia mundial e
das mudanças que vêm sofrendo a classe trabalhadora e o trabalho material
e imaterial.
No entanto, no pólo antitético a este apresentado surge uma demanda
reformista posta pela própria substância histórica do capitalismo. No plano da
economia, a necessidade de contínuo processo de ensino e aprendizagem,
como se pode observar no centro da Declaração mundial sobre educação
para todos, aprovada na Conferência de Jontiem, promovida pela
Organização da Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, em
1990. Esta data é significativa, um ano após a derrubada do Muro de Berlim
– cujos fragmentos foram e ainda são vendidos como souvenir a turistas — e
mostra de forma solar o caráter ideológico daquele evento histórico: a vitória
do capitalismo liberal, da democracia e da república burguesa, com a astúcia
e comemoração de Francis Fukuyama, o qual publica seu famoso e polêmico
livro O fim da história e o último homem, pragmaticamente colocando o
147O professor pesquisador nas universidades públicas
acadêmico no lugar do político e, ao mesmo tempo, buscando legitimar
cientificamente o evento político.
Por que amplio ao nível desta mediação a introdução deste artigo, cujo
objeto goza de precisão que se estampa no título? Porque esta visada permite
articular o específico do trabalho do professor às modificações do trabalho
imaterial em meio à acumulação flexível. O momento de internacionalização
do capital, no plano econômico, exige uma nova sociabilidade do ser humano.
Lembremos Gramsci (1988) em seu primoroso texto Americanismo e
fordismo, ao se referir à passagem para o modelo fordista de organização do
trabalho, e inspirado em Trotsky, afirma que somente haverá sucesso nas
atividades do trabalhador no novo paradigma produtivo se um novo ser
humano pensar, sentir e viver em conformidade com as novas relações
sociais que derivariam das novas formas de relações de produção. O que
Gramsci nos indica naquela mudança da forma histórica do capitalismo é a
necessidade da construção de uma nova sociabilidade para o cidadão
europeu, em um continente cuja densidade histórica é infinitamente maior que
a que era a dos Estados Unidos.
Isto nos está posto desde há quatro décadas em nível planetário e há
três décadas para o Brasil. Em decorrência deste movimento, tornamo-nos o
país das reformas na década de 1990, com o objetivo de mudança de nossa
sociabilidade para a produção de uma "sociabilidade produtiva", para o que
são centrais a esfera educacional, a instituição escolar e a universitária, mas,
sobretudo, o trabalho do professor.
Com base em pesquisas de longo prazo sobre emprego e desemprego
no capitalismo e com uma visão particular da esfera educacional, Pochmann
(op. cit.) toca em pontos importantes para o entendimento das mudanças
nesta esfera de formação humana — a Educação — e para as profundas
alterações que já se estão realizando no trabalho do professor. Acrescento
outros traços às boas análises feitas, para compreendermos as mudanças
nas instituições escolares de educação básica e nas instituições universitárias
no Brasil.
A compreensão das mudanças da identidade da instituição escolar —
lugar da prática da educação básica — da instituição universitária e do
trabalho do professor (cujo trabalho é imaterial e superqualificado) deve
ocorrer por meio do entendimento de dois grandes eixos, dentre outros: o
148 João dos Reis Silva Júnior
primeiro consiste na reforma do Estado posta em movimento em 1995 e em
curso até os dias atuais; o segundo realiza-se nas mudanças na produção e
valoração do capital. O primeiro realiza-se por meio das reformas das
instituições republicanas, da reorganização da sociedade civil e da mudança
da sociabilidade do ser humano neste momento do capitalismo; o segundo
tem como principais orientações, de um lado, a reestruturação produtiva, que
teve seu início sistematizado no Brasil na primeira metade da década de
1980, e de outro, a transformação radical no trabalho imaterial
superqualificado, ambos no contexto da acumulação flexível. Esta última
condensa as formas "pretéritas" e atuais de exploração do trabalho,
atualizadas por novas e eficientes formas de controle e valorização do capital.
Nisto consiste a grande e mais relevante inovação do capitalismo para manter
sua produtividade, diminuindo seu custo (o trabalho vivo) e,
conseqüentemente, realizando o desemprego e a reorganização do mercado
de trabalho material e imaterial e a desorganização das formas de
representação da classe trabalhadora.
Os dois eixos por meio dos quais é possível compreender mudanças
na identidade da instituição universitária e do trabalho do professor
encontram-se na necessidade de mudança da sociabilidade para a
manutenção das margens de produtividade do capital. Daí decorre o primeiro
eixo, relacionado à necessidade de reformas das instituições republicanas
brasileiras; para tanto, a matriz é a reforma do Estado.
O segundo eixo a que aludimos anteriormente articula-se à reforma
das instituições republicanas. Esta nova taxonomia institucional legalizada
pelo novo ordenamento jurídico colocaria em curso no país um extenso e
intenso movimento de reformas com o objetivo de produzir um novo pacto
social pragmático e nova sociabilidade, a "sociabilidade produtiva". A ciência,
a tecnologia e a inovação tornaram-se meios de produção, mudança que
produziu a mercantilização das instituições federais de ensino superior (Ifes)
e alterou qualitativamente o trabalho do professor pesquisador, um trabalho
imaterial e superqualificado. Em acréscimo, o resultado do trabalho do
professor pesquisador colocará em movimento, por meio das reformas da
educação básica, a constituição de um novo tipo de professor, que formará
novas gerações segundo o pacto social que se pretendia construir. Imbricada
nessa mudança, está a emergência dos espaços midiáticos, as células de
fabricação e a terceirização e, com ela, a exigência de um processo cognitivo
149O professor pesquisador nas universidades públicas
do trabalhador cujo trabalho está muito mais próximo do trabalho imaterial,
adequado à reestruturação produtiva, tendo como paradigma a acumulação
flexível.
Destacam-se, ainda, o aumento da expectativa de vida do trabalhador,
a desconcentração de plantas industriais de trabalho, o trabalho domiciliar e
as reformas relativas ao trabalho, que diminuem os direitos sociais sobre o
trabalho, requerem a necessidade de qualificação continuada pela vida toda
e novamente reforçam a produção científica pragmática e o aumento do
trabalho imaterial e produtivo. Tudo isto modifica a identidade das Ifes, as
relações entre o Estado e as instituições, mas, sobretudo, o trabalho do
professor pesquisador, como se pôde observar até agora em nossa pesquisa.
Sobre as transformações no trabalho material ou imaterial no Brasil,
ver Antunes (2006). Por meio de pesquisas empíricas na maioria dos setores
empresariais, o autor mostra como se verificaram as transformações para a
exploração nos dois tipos de trabalho e como a acumulação flexível
intensificou e precarizou o trabalho material e imaterial no país. O aumento da
possibilidade da exploração do trabalho abstrato na condição de acumulação
flexível consiste no "acúmulo dos modos de produção servis pré-capitalistas"
(Lazzarato, 1997: 11) e leva ao limite da auto-exploração o trabalhador
orientado pela nova sociabilidade produtiva. Esta é a novidade mais profunda
da acumulação flexível.
No âmbito objetivo das relações sociais, a mais-valia "se esconde sob a
ilusão de uma sociedade de produtores independentes de mercadorias, uma
sociedade de vendedores de trabalho materializado. Uma sociedade sem
vendedores de força de trabalho, posto que o contrato de compra e venda de
força de trabalho está metamorfoseado num contrato de fornecimento de
mercadorias"2 (Lazzarato, 1997: 34). Em acréscimo, "A exploração do aspecto
intelectual do trabalhador, no capitalismo contemporâneo, é uma afirmação da
existência de uma 'subjetividade produtiva', relativamente diferente da
'subjetividade operária'" (idem: 104).
Neste sentido, Coli (2006), em Riqueza e Miséria do trabalho no Brasil,
coletânea organizada por Ricardo Antunes, analisa o trabalho imaterial do
artista do Coro do Estado de São Paulo demonstrando que:
No atual contexto de flexibilização produtiva, os "processos imateriais deprodução" tornam-se, no processo de produção em geral, a expressão máxima
150 João dos Reis Silva Júnior
de como as formas de trabalho "pretéritas" e mercantis submetem-se aos novosmodos de controle e valorização do capital (Coli, 2006: 315, grifos nossos).
A autora nos mostra que o processo ideológico torna velado o
fetichismo da mercadoria força de trabalho e a negação da intensificação
humana. E ainda nos possibilita refletir sobre a condição do professor
pesquisador a partir do trabalho imaterial do artista quando afirma que:
No contexto do trabalho imaterial, o contrato trabalhista não estabelece umarelação imediata entre "produtividade" e "improdutividade"; ao contrário,estabelece novos parâmetros para a exploração da força de trabalho vivo, quehoje é redimensionado por novas formas de controle do capital, essencialmentea partir de sua subjetividade criativa e participativa no processo de produção.Em dimensão não inédita, no caso do artista em geral [e do professor emparticular], altamente qualificado, isso se aprofunda por meio de elementoscomo a intensificação do trabalho, a precarização das relações de produção(carreira, prestação de serviço, etc.) no interior das instituições às quaisprestam serviços. Em resumo, um trabalho que já dependia da subjetividadeprodutiva [o do professor] do trabalhador resulta, no atual processo deestratégias de mudanças no trabalho produtivo, em profunda sujeição dasubjetividade do artista [professor] aos meios e controles do capital (Coli, 2006:317).
Talvez resida aí eventual chave de leitura que todos os textos da
coletânea citada anteriormente, por formas diferentes, nos indicam: o
fenômeno do "queimar-se de dentro para fora", o burnout no caso da
educação básica e, contraditoriamente, no caso da educação superior, os
professores em condições de se aposentarem e que não o fazem. Alguns,
quando recebem a comunicação da aposentadoria compulsória, sofrem e
chegam a adoecer; há os que se aposentam e continuam trabalhando como
voluntários ou em outras instituições públicas ou privadas.
Enfim, tendo sido instado pela coletânea, especialmente pelo texto de
Coli, pus-me a refletir sobre o trabalho do professor no momento histórico
atual. Por outro lado, Valdemar Sguissardi e eu finalizamos extensa e intensa
pesquisa sobre a mercantilização da universidade estatal pública e a
modificação qualitativa no trabalho do professor, o que me empurrou de
pronto a novo projeto de pesquisa sobre o sentido do trabalho do professor
pesquisador nas universidades estatais públicas. Percebemos a necessidade
de ampliação da produção de pesquisas que busquem uma especificidade
mais profunda no processo escolar de socialização humana e o lugar do
151O professor pesquisador nas universidades públicas
trabalhador professor e seu trabalho na instituição escolar. Há pouco sobre
isto e somos induzidos a fugir deste campo estruturado de pesquisa que
articula, de um lado, trabalho e educação, e de outro, as políticas e reformas
educacionais.
A universidade estatal pública brasileira passa por um processo de
mercantilização de sua identidade institucional. Este processo de
racionalização social, com origem no Estado reformado, constitui-se na
articulação da herança do século XX (o século da social-democracia e do
Estado de bem-estar social) com a internacionalização do capitalismo, e foi
alvo da naturalização do fundo público pelo capital, que resultou em reformas
das instituições republicanas brasileiras. A universidade, não sem a
contraposição de movimentos sociais, como a Associação Nacional de
Docentes do Ensino Superior — Sindicato Nacional (Andes-SN), ou de
intelectuais que ainda resistem, como os professores Francisco de Oliveira,
José Luiz Fiori, Maria Cristina Paoli, Cezar Benjamin, dentre outros, está
sendo transformada em instituição tutelada pelo capital e pelo Estado, tendo
o mercado como mediador.
A racionalidade mercantil tornou-se o núcleo da Política (que deveria
ser a administração pública voltada para o ser humano e não reduzida na
direção do crescimento econômico), com conseqüências perversas para o
governo popular democrático, que se distancia de sua origem, para o
pensamento intelectual mais crítico, para a esquerda partidária, para a
pesquisa sobre as políticas públicas de educação superior, mas, sobretudo,
para o objeto que aqui interessa examinar, as atividades e a formação do
professor pesquisador das universidades estatais públicas em geral. Ainda
que se possa aprender, com Theodor Adorno, que em determinados
momentos históricos somente é possível resistir por meio da consciência, e
não por meio do trabalho e da atividade humana e da política, diante da
objetividade histórica, também não é possível contribuir para o adensamento
desta mesma objetividade histórica que se vem produzindo ao longo do
período de 1995 até a atualidade, sob os governos Fernando Henrique
Cardoso (FHC) e Luiz Inácio Lula da Silva.
152 João dos Reis Silva Júnior
O financiamento da instituição universitária pública e acomposição do fundo público
Na introdução a este pequeno artigo, esboçou-se a construção de uma
hipótese e a constituição de alguns elementos mediadores para uma
indagação que poderá ser objeto de uma próxima pesquisa; por esta razão,
lança-se mão de alguns dados que podem ajudar nessa empresa. Dentre
esses elementos, vale destacar o estudo de Pinto (2005), que mostra que,
enquanto os Encargos Financeiros da União evoluíram de 4% do PIB, em
1995, para aproximadamente 10%, em 2002, com manutenção desta
tendência até o ano 2005, a rubrica de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação oscilou em torno de 1% do PIB, com leve tendência de queda no
mesmo período. Isto permite inferir muito sobre o que se anuncia desde o
início deste texto.
Esse ponto de partida fortalece-se ainda mais se paralelamente a isso
se observa a composição da receita da União. Ainda segundo Pinto (2005),
de 1995 a 2003, as contribuições sociais, como a Contribuição Provisória
sobre Movimentação Financeira (CPMF), agora não mais existente, saltaram
de um patamar de aproximadamente 9% para próximo de 15% do fundo
público nesse mesmo período. Sabendo que apenas um percentual dos
impostos, parte do fundo público do Estado, é destinado ao financiamento da
Educação, fica claro como estão orientadas as políticas de financiamento da
educação superior no Brasil, isto é, são parte do processo de naturalização do
capital.
As verbas destinadas à Educação ficam cada vez mais escassas e o
Estado transfere sua responsabilidade pelo financiamento educacional ao
processo de naturalização do fundo público pelo capital, a que acima se fez
referência, como herança do século XX. Não é difícil, pois, perceber o outro
pólo da contradição em que se vai constituindo a hipótese que aqui se quer
construir: as atividades e a formação do professor pesquisador.
No plano político, vigora a racionalidade mercantil no âmbito do Estado
(a regulação do mercado), que, no âmbito da educação superior, apresenta-
se como Estado gestor, ao estabelecer instrumentos jurídicos para
conformação da identidade universitária, e avaliar, regular e controlar a
liberdade acadêmica, essencial às atividades e à formação do professor
153O professor pesquisador nas universidades públicas
pesquisador das universidades estatais públicas. Isto é suficiente para
deslocar o equilíbrio psíquico e psicossomático deste trabalhador, induzindo a
grande maioria ao estresse e às doenças psicossomáticas daí decorrentes,
como observado nos muitos depoimentos feitos na pesquisa sobre a qual se
apóia este texto.
Leia-se um excerto do depoimento de um dos colegas entrevistados
para essa pesquisa, no qual ele estabelece relações entre a pós-graduação,
a pesquisa, a publicação, o financiamento e as condições objetivas em que
isto se faz, segundo o modelo Capes3 de avaliação. Neste modelo, além de
financiar e induzir a organização dos programas de pós-graduação, esta
agência estatal também os avalia, criando um sistema de controle e regulação
de cada um deles e do espaço social que eles compõem no Brasil, e
induzindo a formação de uma suposta elite de intelectuais gestores que, entre
outras decorrências, perpetuam-se em associações e órgãos semelhantes do
governo relacionados à pesquisa e à pós-graduação. Tal fato torna cada vez
mais constritor o contexto institucional da pós-graduação, o que segundo o
depoente, levaria a um alto nível de estresse. Ao comentar a diferença entre
a graduação e a pós-graduação, analisa:
Eu digo o seguinte: na pós-graduação o trabalho é muito mais pesado que nagraduação (...) Por quê? Na hora que você admite um pós-graduando, vocêestá celebrando com ele praticamente um contrato de que, se não houversucesso, o fracasso é dos dois. Então, a orientação implica essaresponsabilidade (...) O aluno de pós-graduação também é um agoniado e issoele transmite para o orientador (...) Você está fazendo um contrato deconvivência mútua e muita responsabilidade na condução de um processocomplexo por cinco anos. A questão do financiamento: você realmente trabalhaapertado (...) você é pressionado pelas agências, pressionado pelo aluno, epressionado por você mesmo, porque cada aluno em geral é suaresponsabilidade.
Cabe observar, neste ponto do depoimento, a forma como o modelo de
avaliação da Capes, já mencionado, modifica qualitativamente o trabalho do
professor que se mostra sujeito aos seus meios e controles ao concordar que
"é sua responsabilidade". Outro ponto relevante refere-se à natureza exógena
da avaliação imposta à organização do programa avaliado, o qual terá ou não
financiamento diante do resultado desta avaliação. Por outro lado, as notas
atribuídas aos programas instituem uma concorrência pelos recursos
financeiros, instaurando verdadeira competição entre os pesquisadores de
154 João dos Reis Silva Júnior
uma mesma área e acirrando a pressão sobre eles, seus orientandos no
doutorado, no mestrado e na iniciação científica (afetando aí os alunos da
graduação que pretendem seguir a carreira acadêmica eventualmente) e
sobre a própria coordenação, além de propiciarem uma verdadeira "caça às
bruxas" internamente aos programas. Novamente aqui o depoente mostra a
pseudoformação do professor pesquisador, do graduando de iniciação
científica, do mestrando ou doutorando, envoltos no ardil em que se tornou o
produtivismo acadêmico induzido pelo Ministério de Ciência e Tecnologia e
pelo Ministério da Educação, especialmente na figura da Capes, por
financiamentos estatais-mercantis, nas formas de parcerias público-privadas,
fundos setoriais, lei de inovação, etc.
Observem-se os jovens que se doutoraram depois da vigência do atual
sistema de avaliação da Capes implantado a partir de 1997: hoje parecem
muito adaptados ao produtivismo acadêmico, à competitividade. Além de
estarem sendo induzidos pela suposta elite de "intelectuais gestores",
parecem continuar sua formação de pós-graduando, isto é, o "aluno de pós-
graduação também é um agoniado". É perceptível a expansão do número de
doutores desta geração com esse perfil, processo que acentua a formação do
professor pesquisador "produtor de resultados" de estudos e pesquisas
efêmeros — interessa sua posição dentro da área de investigação que é
medida de forma quantitativa.
O mesmo colega continua seu relato, acentuando o modelo Capes e
avaliando que não seriam as atividades de ensino que os preocupariam, mas
a pressão realizada por este modelo.
Nós temos três professores que preferiram sair, e tinha uma colega minha quefalou assim: "eu mantenho disciplina". Ela dá duas disciplinas da pós-graduação. "Mas eu quero ser colaboradora porque eu não quero maisorientar." Porque ela não agüenta o estresse e a pressão, parece sofrer muito.Então, eu tenho três professores na pós-graduação que chegaram a esseacordo de manter as disciplinas. "Não tem problema nenhum, vou lá, dou asminhas aulas." Aliás, são excelentes professores de pós-graduação, mas nãoquerem mais orientar.
O prazer da docência na pós-graduação é um fator a ser destacado e,
eventualmente, por meio da docência, o sentimento de pertença a um
programa de pós-graduação fornece elementos de certo posicionamento
acadêmico dentro da área, num contexto de competitividade e concorrência.
155O professor pesquisador nas universidades públicas
"Mas eu quero ser colaboradora porque eu não quero mais orientar". Por um
lado, o não querer orientar sugere não se expor aos perversos mecanismos
de regulação e controle da Capes, à competitividade na área, "porque ela não
agüenta o estresse e a pressão, parece sofrer muito". Por outro lado, quer
esposar-se do que há de positivo no programa de pós-graduação: a docência
em seu campo específico de pesquisa, a própria pesquisa (sem financiamento
ou com financiamento privado) e publicações sem a "espada de Dâmocles" do
Instrumento Anual Coleta Capes, e, sobretudo, ao final do triênio, a avaliação
do programa. Trata-se de uma defesa consciente de si em relação aos
mecanismos citados.
Mas não se deve creditar toda esta negatividade ao demiurgo "modelo
Capes de avaliação"; a cultura dos programas alterou-se e as disputas
políticas dentro dos programas de pós-graduação acentuaram-se. A luta
dentro da esfera da microfísica do poder, e esta articulada com uma espécie
de síndrome do poder pequeno têm realizado destruições de pactos
institucionais e de pessoas, levando-as ao divã do psicanalista ou às drogas
lícitas e ilícitas. É interessante, a propósito do que se está a analisar, citar o
debate sobre o uso de estimulantes e narcolépicos por pesquisadores e
colegas da Universidade de Cambridge segundo a notícia "'Doping'
acadêmico vem à tona na universidade" divulgada no Jornal da Ciência da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC (11/03/2008). Neste
boletim informativo, pode-se ler:
Num recente comentário na revista Nature, dois pesquisadores da Universidadede Cambridge relataram que cerca de uma dezena de seus colegas admitiramo uso regular de drogas como Adderall, um estimulante, e Provigil, que promoveo estado de vigília, para melhorar seu desempenho acadêmico.
Outro depoente, dos muitos colegas que gentilmente se dispuseram a
colaborar conosco, correndo o risco de, se identificados, serem
estigmatizados na academia (traço cultural dissimulado, mas ainda presente
na cultura acadêmica), teve toda sua trajetória profissional na mesma
instituição onde até hoje se encontra e mostra a consciência sobre a
intensificação e a precarização de seu trabalho, bem como sobre as
perversas conseqüências desta reforma na instituição universitária. Depois
que expusemos os principais objetivos da investigação, ele relatou:
156 João dos Reis Silva Júnior
Fui credenciado, acredito que em 1997, primeiro para o mestrado e só em 2000para o doutorado, e agora exerço todas as atividades: graduação, pós-graduação, atividades de pesquisa, atividades administrativas, porque eu façoparte de vários conselhos: conselho do departamento, conselho da pós-graduação aqui da CPG [de sua área de conhecimento], sou vice-presidente dacomissão permanente de pessoal docente, e tenho agora sete alunos de pós-graduação e graduação. Então, tudo isso que vocês falaram eu concordoplenamente, a gente só vai acumulando atividades.
Antes de tudo, é necessário demarcar que o ano em que o depoente
entrou para a pós-graduação coincide com a implantação do atual modelo
Capes de avaliação. Por outro lado, em trabalho desenvolvido para o Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
Sguissardi, Silva Júnior & Hayashi (2006: 70) observam que:
O ano de 1997, segundo o censo da educação superior no período de 1991 a2004, é o momento em que há uma inflexão no número de instituições, decursos, de vagas, mas também, o de uma relativa redução das funçõesdocentes, de funcionários técnicos administrativos, destacadamente no setorpúblico4. Um fato na esfera educacional é, sem dúvida, a promulgação da Lei9.394/96, em dezembro [de 1996], que se tornou um guarda-chuva jurídico àsombra do qual o Poder Executivo pôde fazer a re-configuração da educaçãosuperior no Brasil. No entanto, isto somente dar-se-á em razão da presumívelvitória de Fernando Henrique Cardoso em 1998 e com isso, a continuidade dasmudanças institucionais que se vinha fazendo, marcadamente a partir de 1995,quando se institucionaliza a reforma do Estado brasileiro, e, com isto, garantir-se-ia a forma hiperpresidencial, que continuaria até pelo menos o primeiromandato do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
E acrescentam, de maneira enfática, que:
Em outras palavras, enquanto ao crescimento do total de matrículas naeducação superior privada correspondeu um aumento bastante próximo do totalde funções docentes, na educação superior pública, o crescimento do total defunções docentes foi inexpressivo ou ínfimo (6%) para um aumento significativodas matrículas (78%, ou 13 vezes maior). Isto implica dizer um realadensamento da carga de trabalho dos docentes da IES, controlado pelosmecanismos da avaliação institucional, com base no Planejamento deDesenvolvimento Institucional e no Projeto Pedagógico. Isto se acentua quandose considera a [...] expansão da pós-graduação havida nos últimos dez anospós-LDB, posto que os dados sobre os quais trabalhamos sãopredominantemente relativos à educação superior na esfera da graduação.(Sguissardi; Silva Júnior & Hayashi, 2006: 73, grifos nossos)
São significativas estas duas conclusões sobre a mudança estrutural
da educação superior, pois nos ajudam a compreender a situação dos
157O professor pesquisador nas universidades públicas
docentes em geral, mas especificamente na esfera estatal pública e na
educação superior. Pode-se indicar que, a partir de 1997, o trabalho do
professor depoente para nossa pesquisa foi paulatinamente se intensificando
no âmbito acadêmico e administrativo. No plano acadêmico, o docente foi
credenciado para o mestrado e em seguida para o doutorado, num processo
de veloz expansão da pós-graduação no país. Neste período, teve seu
trabalho qualitativamente modificado, posto que: 1) a organização do
programa de pós-graduação modificou-se em razão da avaliação; 2) a cultura
do programa também se modificou, como já apontamos acima. Por outro lado,
a própria instituição universitária pública se reestruturou. No plano
administrativo, o docente entrevistado afirma que àquela época (2007) exercia
todas as atividades: graduação, pós-graduação, atividades de pesquisa,
atividades administrativas, e detalhava: "porque eu faço parte de vários
conselhos: conselho do departamento, conselho da pós-graduação aqui da
CPG [de sua área de conhecimento], sou vice-presidente da comissão
permanente de pessoal docente, e tenho agora sete alunos de pós-graduação
e graduação". Destaco, aqui, que a formação dos graduandos em iniciação
científica, bem como a dos pós-graduandos no mestrado e no doutorado sob
responsabilidade do docente, ainda que com a consciência que ele afirma ter
das mudanças institucionais, está-se fazendo segundo a racionalidade que se
impôs desde a reforma do Estado em 1995 a toda instituição republicana.
Tendo consciência do processo, sentindo as mudanças e suas
conseqüências, contraditoriamente, o docente quer fazer seu trabalho e
continua formando, segundo esta racionalidade, a próxima geração nos três
níveis citados. Não é de espantar que encontremos alunos da graduação que
necessitam ansiolíticos para irem para a universidade e narcolépticos para
dormir. Evento ainda raro, mas que já existe. Volto ao trabalho de Sguissardi,
Silva Júnior & Hayashi (2006: 75), no ponto em que fazem a síntese de sua
análise sobre a educação superior do Estado de São Paulo, mas observando
que, ainda que com algumas especificidades, esta era a tendência na Região
Sudeste e no Brasil. Os autores afirmam que:
Os 14 pontos aqui elencados para realizar a síntese como indicado inicialmentepermitem afirmações bem arrazoadas de que houve um largo processo deexpansão, ao lado de extenso e intenso processo de mercantilização daeducação superior, chegando a ponto de reconfigurar toda esfera deste nível deensino, especialmente no setor privado, cuja inferência que se pode tirar é a doesgotamento de seus fundamentos organizativos. Quanto à esfera pública,
158 João dos Reis Silva Júnior
existe uma acentuação das funções docentes e, em vez de expansão donúmero de IES públicas, levantamos a hipótese de aumento de vagas por meioda educação à distância. Em acréscimo, a existência de uma exploração dotrabalho docente como resultado de políticas públicas para a educação superiorquanto à carreira docente e à avaliação, com graves conseqüências para aprópria saúde mental dos trabalhadores na educação superior, incluindo aí,como foi visto, os funcionários técnico-administrativos. Se as razões de talquadro, no qual não se pode concluir sobre democratização, podem sercreditadas às políticas do governo Lula, mais acentuada deve ser a crítica aogoverno FHC. Outrossim, tal qual se busca mostrar no texto, há uma culturapragmática e profissionalizante [e caritativa] que, originada no início do séculoXX, se faz presente nos dias atuais e orienta as reformas institucionais em gerale as mudanças na educação superior no período de 1991 a 2004.
Estas mudanças observadas por meio dos indicadores financeiros e no
cotidiano das universidades, por meio dos depoimentos de nossos colegas,
mostram situação de profunda ansiedade e inegável sofrimento do professor
pesquisador diante das imposições colocadas sobre sua cabeça, de buscar
pesquisas e contatos com pesquisadores de outros países, fazendo do
financiamento o grande indutor da intensificação do trabalho deste professor
e estimulando o autofinanciamento das universidades – uma lógica muito
perversa. Estes são mecanismos do controle do indivíduo, de sua formação
humana pelo Estado: um Estado que deveria regular o processo econômico
global e, de fato, realiza o inverso: a racionalidade mercantil regula as
atividades políticas deste Estado num processo mediado e contraditório.
A Tabela 1 abaixo, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
é relevante e exemplifica a situação do quadro docente das Ifes em geral.
159O professor pesquisador nas universidades públicas
Tabela 1 - Evolução do corpo docente permanente — Titulação — 1995-
2005 — UFMG (2º semestre, excluídos os docentes de 1º e 2º graus e
"especialistas")
Fonte: UFMG (2005)5
Trazemos no espaço deste texto, a título de ilustração de nossa
construção da hipótese indicada em epígrafe, a rubrica do financiamento das
Ifes. Estes recursos foram a elas destinados no Brasil no período de 1995
(início da reforma do Estado) a 2005, com ênfase para as sete Ifes que
formaram a amostra da pesquisa já referida.
160 João dos Reis Silva Júnior
Anos Graduação % Mestrado % Doutorado % Total
1995 251 12,9 857 44,1 836 43 1.944
1996 222 10,9 877 43,2 931 45,8 2.030
1997 201 9,3 897 41,7 1.052 48,9 2.150
1998 190 8,7 861 40 1.329 60,9 2.180
1999 156 7,8 732 36,7 1.106 55,4 1.994
2000 71 3,7 600 31,3 1.251 65,2 1.917
2001 155 7,2 610 28,3 1.387 64,4 2.152
2002 132 6,1 615 28,4 1.414 65,4 2.161
2003 102 4,8 562 26,8 1.428 68,2 2.092
2004 414 15,9 540 20,8 1.636 63,1 2.590
2005 102 4,4 600 26,1 1.592 69,3 2.294
1995/2005 _% -59 -66 -30 -41 90 61 18
Tabela 2 - Evolução dos recursos totais de todas as Ifes e de sete Ifes
da Região Sudeste (amostra da pesquisa) — Todas as fontes — 1995-
2005 — Valores de janeiro de 2006, corrigidos pelo IGP-DI da FGV, em
R$ milhões
Fonte: Amaral (2006)
A Tabela 2 mostra a involução do financiamento estatal para cada uma
das sete Ifes que constituem a amostra da pesquisa, em comparação com o
total dos recursos financeiros destinados a essas sete Ifes da Região Sudeste
e ao conjunto de Ifes do país. Ao se observar a característica das séries
numéricas representativas do financiamento nos três níveis (a amostra, o
universo e o país), vê-se que é nítida a semelhança entre as tendências, o
que revela a significativa diminuição dos recursos do Tesouro Nacional
alocados para a manutenção do Sistema Federal de Educação Superior. Há
uma redução de 30% (em ordem de grandeza) do financiamento estatal para
as instituições da amostra, com exceção da Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF) e da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio),
cuja ordem de grandeza da diminuição oscilou em torno de 15%. Não é difícil
inferir destes dados a situação que decorre desta redução de financiamento:
a necessidade de busca, pelos gestores da Ifes, de formas alternativas de
financiamento, entre as quais talvez a primeira consista, de um lado, na
mudança e/ou intensificação do trabalho do professor dessas universidades
por meio da prestação de serviços, das parcerias público-privadas, dos fundos
161O professor pesquisador nas universidades públicas
Anos Ufes UFF UFJF UFMG Unif esp Unirio UFU Total 7Ifes
TotalIfes
1995 322 767 215 914 485 144 372 3.219 16.155
1996 281 699 208 839 490 138 341 2.996 14.558
1997 261 668 206 822 416 141 309 2.823 14.302
1998 266 655 205 785 384 150 313 2.758 14.050
1999 254 687 200 779 308 130 325 2.683 13.753
2000 237 573 200 726 271 115 310 2.432 12.964
2001 219 522 176 670 255 112 308 2.262 11.863
2002 221 551 189 673 244 113 291 2.282 12.063
2003 193 485 166 591 233 101 259 2.028 10.707
2004 219 507 176 658 311 124 283 2.278 11.851
2005 216 506 176 649 294 125 276 2.242 11.465
1995/2005_% -33,0 -34 -18 -29 -39 -13 -26 -30 -29
setoriais, da inovação tecnológica; de outro, em programas sociais de caráter
compensatório, como o Universidade Aberta, o Programa Universidade para
Todos (ProUni), agora associado ao Fundo de Financiamento ao Estudante
de Ensino Superior (Fies), o Programa de Expansão e Reestruturação das
Universidades Federais (Reuni), inspirado no Processo de Bologna e imposto
de forma persuasiva e por pressão financeira somente às Ifes em 2007 e que,
dentre outros dispositivos, dobra o número de vagas nas Ifes, a Escola de
Gestores, os Programas de Educação a Distância, etc.
É necessário informar que tais inferências se devem também a outros
dados e análises, que não se apresentam neste texto, mas fazem parte de
outros estudos e pesquisas dos autores Silva Júnior & Sguissardi (2001), que
demonstravam a existência de uma reforma da educação superior "a conta-
gotas" desde 1995, em cujo centro se encontrava, dentre outras tendências,
a redução do papel do Estado brasileiro no financiamento das instituições de
educação superior, ao lado de um incentivo velado à privatização e
internacionalização desse nível educacional.
Outros elementos que podem ilustrar a hipótese em construção
referem-se aos gastos com pessoal e encargos sociais de todas as Ifes
brasileiras e das sete Ifes da Região Sudeste no período 1995-2005 (com
valores a preços de janeiro de 2006, corrigidos pelo IGP-DI da FGV), que
mostram a mesma tendência apresentada em relação ao financiamento total
(tabela acima). Há uma redução de 29% nesta rubrica das Ifes no período de
1995 a 2005. Quando é considerada a amostra da pesquisa com as Ifes do
Sudeste, a tendência se repete, porém com uma redução em média superior
a 30% (Sguissardi & Silva Júnior, 2007).
Estes dados revelam a tendência ao fortalecimento da mercantilização
e do empresariamento da educação superior no contexto de naturalização do
fundo público do Estado pelo capital. Revelam, ainda, que o professor
pesquisador, para viver na condição de tempo integral e dedicação exclusiva,
vê-se compelido a sujeitar-se às novas faces da educação superior no Brasil.
Isto permite inferir que se está vivendo um radical processo de mudança do
ser social professor pesquisador. Ele deve, neste contexto, adaptar-se à nova
instituição universitária e ao novo pacto social, que se inspira grandemente no
pragmatismo que se vem construindo desde os governos de Fernando
Henrique Cardoso, com fiel continuidade nos governos de Luiz Inácio Lula da
Silva.
162 João dos Reis Silva Júnior
Continuando com exemplos que podem ilustrar o impacto causado no
trabalho dos professores e em sua formação humana em geral, mas em
particular no dos professores pesquisadores, cito a questão salarial. Segundo
a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério de Planejamento,
Orçamento e Gestão (SRH/MPOG)6, o salário do professor titular doutor em
regime de dedicação exclusiva reduziu-se de R$ 10.092,96, em 1995, para R$
7.830,13, em 2007 (em valores corrigidos pelo IGP-DI da FGV, a preços de
Janeiro de 2008). Houve, no período em questão, um decréscimo de
aproximadamente 25% dos proventos do professor. Poderíamos inicialmente
tomar como pequena a diminuição salarial, pois em nossa cultura os valores
inflacionários foram em geral muito altos, especialmente em nossa história
recente: quando o presidente Sarney desceu a rampa do Palácio do Planalto
pela última vez, a inflação passava de 1.000% ao ano. Estes altos níveis
inflacionários sempre foram o resultado de políticas econômicas que
necessitavam da alta inflacionária para compor o fundo público do Estado,
sempre sob um impacto profundo de comprometimento da dívida interna no
país e de roubo do poder aquisitivo do trabalhador.
No entanto, no período de 1995 a 2007, vivemos uma época em que,
também à custa da dívida interna, tivemos uma inflação que oscilou em torno
1,5%, o que implica dizer que 25% consistem num furto do professor
pesquisador das Ifes, tendência que se fez presente também nas
universidades estatais públicas em geral.
Considerando as condições mercantis de trabalho, e o que
apresentamos sobre o financiamento e as mudanças jurídico-institucionais
indicadas — que constituem o horizonte de possibilidades institucionais para
a realização do trabalho cotidiano e da formação do professor pesquisador na
universidade estatal pública — a tendência de sua formação em geral
direciona-se para uma reprodução institucional mercantil e pragmática que
nega a liberdade acadêmica, a autonomia universitária e, conseqüentemente,
a identidade da instituição universitária, o que consiste numa contradição: por
um lado, contribui para a consolidação do pacto social e para o crescimento
econômico do país; por outro, exerce a função social de crítica institucional de
seu tempo histórico e, sobretudo, de seus próprios objetivos. O processo de
mercantilização tende a enfraquecer o equilíbrio histórico liberal desta
contradição, fortalecendo o primeiro de seus pólos, enquanto debilita o
163O professor pesquisador nas universidades públicas
segundo. Daí dizer-se que a dimensão ontológica do ser social professor
pesquisador na direção do humano é, aí, negada.
No entanto, se é negada por mercantilizar o trabalho do professor
pesquisador, tornando com isso, em muitos casos, o produto de sua pesquisa
em mercadoria (por exemplo, uma patente ou uma metodologia para
construção de projetos-políticos pedagógicos para escolas da educação
básica), estas quase mercadorias põem em movimento relações sociais por
meio do valor de troca, mas somente o fazem tendo como materialidade o
valor útil do trabalho mercantilizado. A formação humana do professor-
pesquisador é contraditória. Por um lado, o valor útil de seu trabalho imaterial
e intelectual é historicamente humano e o leva a uma dimensão humana mais
intensa. De outro lado, o valor de troca de seu trabalho acadêmico, sendo o
guia do processo de sua socialização, traz consigo neste movimento a
potência ontológica da formação humana mais intensa. Isso pode ser visto
nos itinerários dos depoimentos de nossos colegas.
No início, eles nos pareciam empolgados e orgulhosos de seus
trabalhos orientados pelo produtivismo acadêmico; no entanto, quando
continuávamos as indagações forçando o pólo sobre o qual, conscientemente
ou não, os professores não tocavam, a tomada de consciência parecia se
fazer presente. No plano empírico, este movimento fica mais claro. Ainda que
tomando consciência da contradição, pretendem continuar seu trabalho,
contraditoriamente querem continuar fazendo o trabalho do mesmo jeito,
apesar de verem suas famílias desfeitas, de prejudicarem sua saúde por meio
do uso de ansiolíticos, anti-depressivos, narcolépticos, sacrificarem seu
tempo livre trabalhando nos finais de semana, não saírem um mês completo
em férias, não fazerem uso de licenças-prêmio ou sabáticas por entenderem
que não teriam o que fazer. Aqui, põe-se a alienação, mas não somente ela:
põe-se também, mesmo que de forma não-consciente, a possibilidade de
resolução da contradição na direção da formação humana mais intensa. Um
dos colegas, quando indagado sobre suas licenças-prêmio, respondeu: "Eu
nunca tirei uma licença, nunca! Licença-prêmio, licença sabática, qualquer
coisa que você pensar, eu nunca tirei uma licença. (...) Porque o que eu vou
fazer em casa durante uma licença-prêmio? O que é que eu vou fazer?
Licença sabática (...) Sim, mas viajar pra onde? (...) e grana também, não
tenho". Outro colega nos mostra a intensificação do trabalho e o
164 João dos Reis Silva Júnior
desenvolvimento de uma "sociabilidade produtiva" por naturalizarmos em
nosso cotidiano os valores que já constituem a cultura institucional
mercantilizada e internacionalizada:
Ah sim! Eu acho que depois... Eu já tive por causa do trabalho, do estresse dotrabalho eu tive uma gastrite hemorrágica e uma pneumonia junto, e só fiqueiafastada 20 dias e foi por estresse, e foi exatamente por essa loucura. E a partirdaí a única coisa que eu faço é que eu tiro, pelo menos, meia hora pra sair praalmoçar, isso eu faço! Tiro meia hora, 45 minutos. É aqui próximo, e eu saio praalmoçar, porque antes teve uma época que eu já nem almoçava, entendeu? Eufazia, comia um lanche aqui e ia direto. Tem muitos professores, eu não sou aexceção, tem vários professores que seguem essa daqui, e tem gente aqui doandar que, por exemplo, chega mais cedo do que eu, porque eu chego 10h, ouseja, chego tarde. Mas geralmente eu tenho reunião às 9h, então nesses diasque eu tenho reunião às 9h como da CPG, da pós-graduação, eu chego aquiantes das 10h.
O trabalho imaterial de maneira geral tem um limite pouco sensível
para o trabalhador e isto é sensível quando se trata de trabalho imaterial
superqualificado e que nos dá prazer. Torna-se verdadeira droga lícita e
legítima às nossas consciências prenhes dos traços da cultura mercantil e
internacionalizada. Frente ao enfraquecimento dos sindicatos e das
associações científicas, em nossa defesa não temos discernimento sobre até
que ponto nosso trabalho contribui para nossa formação humana e quando
avançamos este ponto e nossas atividades voltam-se contra nós. Nossa falta
de consciência e a ausência de coletivos a que possamos ter um sentimento
de pertença, e que tenham condições de nos defender deste mal invisível,
fazem com que nós mesmos nos levemos ao máximo de nossos esforços
humanos: o único modo de resistência (resistência que foi verbalizada e
negada, mostrando a naturalização da "sociabilidade produtiva") torna-se a
doença mental ou somatizada.
O salário, por sua vez, é a mediação do professor pesquisador com o
mundo. O salário pode ser a medida do tamanho de sua capacidade de
acesso à cultura necessária à sua formação como ser humano e como
professor pesquisador, dimensões indissociáveis. Mostra também a potência
institucionalmente criada para a adaptação do professor pesquisador às
mudanças na universidade reformada, a universidade caritativa e
neoprofissional, assim constituída e transformada pelos programas que é
impelida a desempenhar, como assinalado anteriormente. O trabalho do
165O professor pesquisador nas universidades públicas
professor pesquisador e suas atividades mercantilizadas, articuladas com seu
salário, serão analisados quando da abordagem de uma eventual chave
explicativa sobre o sentido do trabalho do professor na institucionalização
mercantil das universidades estatais públicas.
O fundo público e o aumento das instituiçõesO aumento das instituições de educação superior públicas no período
de 1995 a 2004 é considerável, como se pode observar no gráfico abaixo, o
que nos faria supor o aumento de professores em tempo integral para manter
o mínimo da produção de pesquisas, publicações tão exigidas pelo Estado e
pelo mercado, bem como a formação de profissionais nos cursos de
graduação e pós-graduação.
Gráfico 1 . Evolução das taxas de crescimento das IES públicas –
Brasil e Sudeste — 1995-2004
Fonte: INEP (2006: 41)
Por outro lado, quando se observa o gráfico abaixo que mostra, se não
a involução, uma ínfima oscilação com tendência à estagnação das vagas dos
funcionários técnico-administrativos dos setores público e privado, dá-se o
retorno do pessimismo. Se houve um aumento nas instituições em idêntica
ordem de grandeza, deveria ter havido o aumento dos técnico-administrativos,
posto que as funções da competência desta categoria devem ser realizadas.
166 João dos Reis Silva Júnior
% de crescimento das IES públicas Brasil e Sudeste - 1995-2004
-10,0
-5,0
0,0
5,0
10,0
15,0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
BR Público SE Público
Ainda que no gráfico não estejam discriminados os dois setores, a curva
indica a mesma tendência. Uma hipótese imediata é a de que os mesmos
funcionários tenham seu trabalho intensificado. Outra hipótese consiste na
mudança do perfil deste funcionário, dadas as tecnologias inseridas nas
novas formas de gestão das universidades estatais públicas. Os novos
sistemas administrativos servidos por espaços tecnológicos midiáticos
operam novas relações dos técnico-administrativos com os professores.
Muitas funções de competência daquela categoria são repassadas para o
professor, com ênfase para o professor pesquisador. Três exemplos, dentre
muitos que se poderiam citar: 1) os muitos pareceres emitidos são feitos
diretamente, via eletrônica, com agências de fomento ou com revistas,
dispensando o trabalho dos funcionários técnico-administrativos; 2) o
preenchimento de planilhas de notas de avaliação de alunos on-line; e 3) a
apresentação do programa da disciplina on-line, por meio de formulários
eletrônicos que "obrigam" o professor a apresentar com rigor seu objetivo e
estratégias para o curso que ministrará.
Gráfico 2 - Evolução do número de funcionários técnico-
administrativos — Brasil e Região Sudeste — 1995-2004
Fonte: INEP (2006: 69)
Para dar um pouco mais de consistência ao que se propôs no início
deste texto, ousadamente, já em seu primeiro parágrafo, é importante mostrar
167O professor pesquisador nas universidades públicas
Funcionários técnico-administrativos Brasil e Sudeste
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Brasil Sudeste
a evolução dos professores em tempo integral. Tomando como fonte a
Diretoria de Estatísticas e Avaliação da Educação Superior do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação
(MEC-Inep-Deaes), construiu-se o gráfico abaixo, que ilustra bem o que se
pretendeu com o título deste texto.
Gráfico 3 - Evolução do número de docentes no período 1995 a 2004
em regime de trabalho de tempo integral — Universidades públicas e
privadas — Região Sudeste
Fonte: INEP (2006)
Apenas um comentário quanto ao mostrado pelo gráfico acima. No
período de 1995 a 2004, o número de professores em regime de tempo
integral (curva branca), regime em que se encontram todos ou quase todos os
professores pesquisadores das universidades estatais públicas, teve um
levíssimo aumento: de cerca de 23 mil professores para aproximadamente 26
mil.
No primeiro parágrafo, adiantou-se a hipótese de que as mudanças na
identidade institucional da universidade estatal pública se inseriam num
processo de racionalização social específico datado e localizado. No entanto,
o processo racional a que se aludiu consiste no processo de racionalização
social do capitalismo, que é movido a reformas institucionais com origem no
Estado. Desta forma, para um entendimento mais consistente do que
acontece, não basta a simples apresentação dos dados, mas, em face do
168 João dos Reis Silva Júnior
Regime de trabalho - Tempo integral
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
30.000
35.000
40.000
45.000
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Total geral Total pr ivada Total pública
espaço deste texto, é necessária a produção de visada analítica destes
processos de racionalização no capitalismo por meio dos clássicos, que bem
apreenderam os tempos longos deste modo de produção. Com isto, poder-se-
á entender melhor as mudanças de identidade institucional e a formação de
novos seres sociais a cada processo de racionalização social exigido pelo
capitalismo, sempre com graves conseqüências para o novo ser social.
No século XVIII, Adam Smith (1993), analisando o capitalismo em A
riqueza das nações, mostra que o Estado capitalista, para além de
representar o capital mediante uma autonomia política relativa, sempre teve
um papel econômico, sem o qual o capital jamais se reproduziria plenamente
de forma privada, isto é, pela mão invisível do mercado.
Smith (1993) mostra o papel político, mas também o econômico e o
belicoso do Estado moderno, antevendo o século da social-democracia e dos
presentes diagnósticos e soluções neoliberais, ao mesmo tempo em que
oferece a chave para desvendar o período do liberalismo clássico, isto é, a
contradição entre a igualdade, a liberdade e a propriedade privada. Segundo
Smith (1993), a primeira das despesas do Estado moderno é com a defesa, e
em seguida, com a justiça, para a garantia da propriedade privada, o que
resulta na desigualdade social entre os homens e no aflorar desta
contradição. Isto é, sua teoria econômica somente se sustenta se existir um
Estado com tais funções. Aqui se põe o embrião da mercantilização da política
no capitalismo. Diante da inevitável desigualdade social desta condição,
afirma-se a necessidade inarredável do ordenamento jurídico burguês, dando
a forma burocrática à política e à dimensão ideológica do capitalismo.
O terceiro aspecto a que Smith (1993) faz referência é a despesa do
Estado para com serviços ou mesmo instituições que possam interessar a
uma ou várias unidades de capital: "a criação e a manutenção dos serviços
públicos que facilitam o comércio de qualquer país (...) boas estradas, pontes,
canais navegáveis, etc., exigirão variadíssimos níveis de despesas nos
diferentes períodos da sociedade" (Smith, 1993: 335). A educação é também,
para Smith (op. cit.), parte de tais despesas: um serviço público. Trata-se de
Estado que, em sua origem, submete a dimensão pública à esfera privada em
benefício desta última, no âmbito do próprio Estado republicano. Smith (op.
cit.) desvela, no âmbito da economia, o fetiche do Estado liberal e torna clara
a contradição entre o público e o privado presente nas relações econômicas
169O professor pesquisador nas universidades públicas
e sociais. Mostra, assim, a tendência histórica de intensificação da dimensão
estatal mercantil que faz com que o Estado dirija suas políticas públicas para
o pólo privado da contradição, dada a materialidade da economia. Ao
examinar-se esta obra tendo em vista a análise do momento atual, vê-se que
existe uma linha de continuidade: as mudanças na forma de Estado estão
tendencialmente sempre a serviço do capital.
Em As lutas de classe na França e no 18 Brumário de Luiz Bonaparte
(Marx, 1983a, 1983b), dentre outras obras, Marx deixa clara sua concepção
de Estado, quando analisa a última fase da revolução: o bonapartismo.
Realiza seu intento mostrando a tomada de consciência de classe quando da
Constituição Republicana, texto do ordenamento jurídico que torna explícito
para os trabalhadores que não se tratava da mudança do regime, mas da
transformação do modo de produção. Em seguida, no período da república
burguesa, elucida as contradições entre os segmentos da burguesia, que
buscavam ter sob seu poder o político e o econômico. Isso possibilitou o golpe
de Luís Bonaparte (coup de main) e com ele a produção de uma autonomia
relativa do Estado, com destaque para o Poder Executivo. Fez-se aqui esse
parênteses para mostrar o embrião das relações entre a economia, a
sociedade e o Estado.
Por sua vez, na Itália do início do século XX, no momento histórico em
que se concretiza a existência de partidos bem organizados, de fortes
sindicatos, do sufrágio universal, da grande imprensa e da operária [de que
operária?], o pensador Antonio Gramsci, inspirado em Lênin, vislumbra,
diferentemente de Marx, diante de uma diferente forma histórica, uma nova
esfera: a sociedade civil. Esta é constituída de contradições entre capital e
trabalho, entre público e privado e expande a noção de Estado tal qual
proposto, com base na filosofia da praxis. Nos Cadernos do Cárcere, Antonio
Gramsci (2000) elabora uma concepção ampliada de Estado, na qual este é
explicitado como espaço de luta política em razão de conter elementos do
Estado restrito, bem como da sociedade civil e de representantes do capital e
do trabalho em ambas as esferas.
No entanto, diante da hipótese apresentada e para tratar do tema
problematizado neste artigo, é necessário que se procure conhecer a lógica
que orientou o processo de racionalização atual e, para isto, como indicado,
faz-se necessário conhecer, ainda que de forma analítica, as características
170 João dos Reis Silva Júnior
essenciais do século XX, e como esta lógica se atualiza quando do fim da
prática do consenso de classes e regulação econômico-social promovidos
pelo Estado de bem-estar social.
Voltando a Marx, as modificações das esferas pública e privada
mantêm relações entre si, influenciadas, com mediações, pela realização do
valor na esfera da circulação de mercadorias. O valor produzido no âmbito da
produção é potência, podendo realizar-se ou não na esfera da circulação de
mercadorias, o que teria levado Marx (1988) a dizer que a burguesia necessita
revolucionar-se sempre para se manter. Há, portanto, uma defasagem entre a
produção e a realização do valor. Por outro lado, a demanda do capital é
diferente da demanda da classe trabalhadora. O foco daquele são os meios
de produção; o desta são os produtos necessários para sua própria
reprodução, mediante seu trabalho alienado, a reprodução do capital, bem
como a reprodução das contradições da sociedade capitalista. Isto, segundo
Marx (1988), provocaria crises cíclicas de superprodução de capital em suas
diversas formas (matéria-prima, força de trabalho, produto acabado, capital
financeiro, etc.). Isso significa, no médio prazo, queda da produção, dívida
interna, inflação e desemprego, além de alta tributação.
A base econômica das teses da social-democracia e do Estado de
bem-estar social, de acordo com a Teoria Geral de Keynes, inicia seu declínio
na década de 1970. As teses social-democratas transformam-se face o
esfacelamento econômico, como se pode observar nos governos Margaret
Thatcher na Inglaterra e François Mitterrand na França, sendo que o segundo
anuncia em 1982 uma série de medidas em benefício dos trabalhadores,
característica das políticas de bem-estar social, mas termina aderindo à
privatização, pois não havia mais recursos para o financiamento dessas
políticas.
O consenso produzido com base nas teorias keynesianas reproduzia o
capital e a força de trabalho por meio do fundo público. Em razão disto, as
políticas colocavam o Estado no lugar da classe trabalhadora, na condição de
consumidor dos bens da classe operária. Por outro lado, em maior magnitude,
colocava o fundo público a serviço do capital. Esta é a chave de leitura para
compreendermos o início do processo que tornou o capital industrial produtivo
e o capital financeiro uma massa amalgamada sob hegemonia do último.
Diante da necessidade de aumento da produtividade em face de crise
171O professor pesquisador nas universidades públicas
iminente, pesquisas têm seu foco voltado para as inovações sobre o trabalho
e ganham grande espaço no âmbito do Estado aquelas voltadas para o
trabalho, tendo-se escrito muito sobre este movimento que resultou na
reestruturação produtiva. Porém, o que até agora pouco se tem explorado
deste nó górdio é o resultado ideológico deixado pelo Estado de bem-estar
social.
O pólo antitético da reestruturação produtiva é a naturalização do
fundo público por parte do capital, que movimentou todos os seus
representantes na direção de reformas do Estado pelo mundo todo,
colocando esta instituição reformada a seu serviço, isto é, alterando de forma
radical o fundo público na direção de seu benefício. Isto demandou uma
reforma de todas as instituições republicanas, especialmente a instituição
universitária e a Educação de forma geral, em face da necessidade de alterar
todo o processo de racionalização social quando os governos social-
democratas faliram literalmente e se viram obrigados a aderir aos
fundamentos econômicos de Hayek, que atualizam o que Smith já escrevia no
século XVIII. A reforma do Estado brasileiro e da educação superior que está
em processo desde 1995, cuja perversa forma fenomênica foi acima
mostrada, ganha consistência de análise nestes fundamentos. Neles também
se encontram elementos para se compreenderem as radicais e profundas
mudanças no trabalho do professor pesquisador da universidade estatal
pública e suas conseqüências para o ser humano que é, antes de ser o
concreto professor.
As políticas públicas passam, no país e no exterior, por um processo
de mercantilização ancorado na privatização/mercantilização do espaço
público (processo que já se punha de forma embrionária desde os primórdios
do capitalismo) e sob o impacto de teorias gerenciais próprias das empresas
capitalistas imersas na suposta autonomia ou real heteronomia do mercado,
hoje coordenado por organismos multilaterais a agirem em toda extensão do
planeta. Quando titular do Ministério da Reforma do Estado e da
Administração Federal (Mare), Luiz Carlos Bresser Pereira assim
argumentava sobre a necessidade de uma "nova administração pública":
A abordagem gerencial, também conhecida como "nova administração pública",parte do reconhecimento de que os Estados democráticos contemporâneos nãosão simples instrumentos para garantir a propriedade e os contratos, masformulam e implementam políticas públicas estratégicas para suas respectivas
172 João dos Reis Silva Júnior
sociedades, tanto na área social quanto na área científica e tecnológica. E paraisso é necessário que o Estado utilize práticas gerenciais modernas, semperder de vista sua função eminentemente pública (Pereira, 1996: 7).
O ex-ministro estabelece aí a matriz teórica, política e ideológica da
reforma do Estado e das instituições republicanas, buscando produzir, por
meio das políticas públicas e das instituições, um pacto social pragmático. É
com base nessa análise da realidade que contextualiza as políticas públicas
recentes, em especial das políticas sociais, e é na reflexão exigida pela
materialidade histórica, que envolve tanto a contradição público-privado
quanto a dimensão central e mercantil do Estado moderno, que se pode
compreender melhor a racionalidade político-administrativa dos governos
FHC e Lula. Este processo realizou-se nas esferas federal e municipal, no
primeiro caso por meio dos governos FHC e, no segundo, pelos governos do
Partido dos Trabalhadores (PT). Hoje, apresenta sua horrenda nudez sem
mediação alguma, como se pôde observar no âmbito da educação superior:
ela se torna naturalizada pelo capital em meio às diferentes formas de fundo
público e altera o trabalho imaterial e intelectual, provocando a alienação dos
professores, concretizada especialmente por doenças psicossomáticas,
dentre outras formas, mesmo que os professores, contraditoriamente,
pareçam orgulhar-se de seus trabalhos. Tal fato aparece com freqüência em
conversas com colegas e na grande maioria dos depoimentos colhidos
durante a pesquisa de campo acima referida, que produziu relevante questão
para ser investigada. O que leva a indagar sobre o sentido do trabalho do
professor pesquisador das universidades estatais públicas.
* Este artigo tem como referência a pesquisa Mercantilização da Esfera Pública eUniversidade — nova Identidade Universitária e Trabalho Docente das IFES daRegião Sudente, realizada pelos propessores João do Reis Silva Júnior (UFSCAR)e Valdemar Sguissardi (UNIMEP), com financiamento da FAPESP e do CNPq.
Notas1 Fala do personagem de Lima Barreto no filme A volta de Lima Barreto.
2 Este autor e sua contribuição teórica e empírica sobre o trabalho imaterial ganhouvisibilidade a partir de 1970. O tema veio à tona na década de 1960 no âmbito dodebate da sociologia do trabalho na França, e encontrou eco na Itália no que ficou
173O professor pesquisador nas universidades públicas
conhecido como neomarxismo e operaísmo. Apesar das simetrias que encontrocom Lazzarato e Negri, esta corrente parece manter um diálogo crítico com osautores que tomam a materialidade econômica para análise da reprodução social,tal qual entende György Lukács. A reprodução social tem autonomia relativa dada amaterialidade da economia, ainda que esta forma de nos formarmos na condiçãosocial – a reprodução social – jamais possa historicamente ser reduzida àeconomia. Isto nos é claro e disto temos convicção. Mas para tais autores tudoparece indicar que, com o debate sobre a produtividade do trabalho imaterial, a tesemarxista sobre a centralidade da categoria trabalho, tornada muito clara por Lukácsem sua Ontologia do ser social, é algo criticável, sugerindo certo conservadorismo.Os autores desta corrente parecem compreender o trabalho imaterial embasadosno espaço midiático e mediador entre o trabalhador e os meios de produção, o quefaria de grande parte da força de trabalho ser imaterial e produtiva. Mas não nosateremos aqui sobre este debate, que nos exigiria muito mais papel e reflexão. Noentanto, em razão das simetrias em relação a Lazzarato e de nossa posição maispróxima de Lukács, aceitamos o argumento do espaço midiático e a exigência decaráter mais imaterial, bem como a própria desconcentração de plantas industriaisque contribuiriam para a acentuação da exploração do trabalho, o material produtivono contexto da acumulação flexível. Mas enfatizamos que a existência destes tiposde trabalho é uma linha de continuidade na economia, que é a esfera fundamentalda reprodução social da vida humana e das relações sociais de produção. Em razãodisto, procuramos usar a expressão "sociabilidade produtiva" em vez de"subjetividade produtiva", posto que aquela seria construída pela prática social, naqual os valores e alternativas que se movimentam numa atividade humanaconstroem a subjetividade em cada prática que o ser humano realiza. Portanto, nãohá uma subjetividade fixa do ser humano, ela é sempre movimento em cada práticasocial, em cada atividade humana.
3 Capes: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
4 Esta análise tem como objeto predominantemente o nível de graduação, não sendoanalisada, portanto, de forma direta, a pós-graduação e o impacto que suaexpansão teve no período estudado quanto a aumento de cursos, matrículas,vagas, funções docentes, regime de trabalho e funções técnico-administrativas.
5 Disponível em: <http://www.ufmg.br/proplan/relatorios_anuais/relatorio_anual_2005/ evolucao_qualificacao_docente.htm>. Acesso em 15 mar. 2008.
6 Disponível em: <http://www.servidor.gov.br>. Acesso em: 29 fev. 2008.
ReferênciasAMARAL, Nelson C. (2006). 1995-2005: Execução Orçamentária do Governo Federal.
Brasília, DF. [Em linha] [Acedido em: 26 de junho de 2006], Disponível em:<http://www.camara.gov.br>.
ANTUNES, Ricardo (Org.) (2006). Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. São Paulo:Boitempo.
174 João dos Reis Silva Júnior
COLI, Juliana (2006). A precarização do trabalho imaterial: o caso do cantor doespetáculo lírico. In R. Antunes (Org.), Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil.São Paulo: Boitempo, pp. 98-141.
GRAMSCI, Antonio (1988). Americanismo e fordismo. In A. Gramsci, Maquiavel, aPolítica e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, pp. 101-178.
GRAMSCI, Antonio (2000). Cadernos do Cárcere. v. 3. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira.
INEP (2006). Educação Superior Brasileira: 1991-2004. Brasília: Instituto Nacional deEstudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, (São Paulo) [Em linha][Acedido em 10 Março. 2008, http://www.publicacoes.inep.gov.br/].
JORNAL DA CIÊNCIA (2008). Brasil: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência,11 de março de 2008. [Em linha] [Acedido em 29 Março. 2008,http:www.jornaldaciencia.org.br/ detalhe.jsp?id=54782].
KEYNES, John M. (1970). Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro.Brasil/Portugal: Fundo de Cultura.
LAZZARATO, Michel (1997). Trabalho Imaterial. Rio de Janeiro: DP&A.
MARX, Karl (1988). O Capital: Crítica da Economia Política. São Paulo: Nova Cultural.
MARX, Karl (1983a). O 13 de junho de 1849 (As lutas de classes na França de 1848 a1850). In F. Fernandes (org.), K. Marx, F. Engels: História. São Paulo: Ática, pp.252-279.
MARX, Karl (org.) (1983b ). O coup de main de Luís Bonaparte (O 18 Brumário de LuísBonaparte). In F. Fernandes (org.), K. Marx, F. Engels: História. São Paulo:Ática, pp. 280-292.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E ACULTURA (1990). Declaração Mundial sobre Educação para todos: Satisfaçãodas Necessidades Básicas de Aprendizagem. Jomtien: Unesco.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser (1996). Crise Econômica e Reforma do Estado no Brasil:para uma Nova Interpretação da América Latina. São Paulo: Editora 34.
PINTO, José Marcelino de Resende (2005). Os números do financiamento da educaçãono Brasil. Revista Pro-posições, Campinas, v. 85, n. 95.
POCHMANN, Márcio (2008). Riqueza concentrada e trabalho em excesso. Folha de S.Paulo, São Paulo: 3, 21 mar. 2008.
SGUISSARDI, Valdemar & SILVA JÚNIOR, João dos Reis (2007). Segundo Relatório daPesquisa Mercantilização da Esfera Pública e Universidade: nova IdentidadeUniversitária e Trabalho Docente das Ifes Região Sudeste. Financiamento daFapesp e do CNPq. São Carlos.
SGUISSARDI, Valdemar; SILVA JÚNIOR, João dos Reis & HAYASHI, Carlos RobertoMassao (2006). Educação superior brasileira - São Paulo – 1991/4. In D. Ristoff& J. Giollo (Org.), Educação Superior Brasileira 1991-2004. Inep: Brasília.
SILVA JÚNIOR, João dos Reis & SGUISSARDI, Valdemar (1993). As Novas Faces daEducação Superior no Brasil: Reforma do Estado e Mudança na Produção. SãoPaulo: Cortez.
SMITH, Adam (1993). A Riqueza das Nações. v. 2. Lisboa: Calouste Gulbenkian.
175O professor pesquisador nas universidades públicas
THE PROFESSOR AND RESEARCHER IN BRAZILIAN PUBLIC UNIVERSITY IN THE
CONTEXT OF THE INTERNATIONALIZATION OF CAPITAL: THE PRODUTIVITY OF
THE HIGHLY QUALIFIED IMMATERIAL LABOR
Abstract
The article’s purpose is to understand the mercantilist process of the Brazilian
public university and its institutional identity. We aim at understanding this
event as a process of social streamlining, with origin at the reformed state and
as a part of the legacy of the twentieth century with links to the
internationalization of capitalism, which ended as a target of the naturalization
of the public fund by capital, and resulting in the reforms of the Brazilien
republican intitutions. The university, not without opposition from social,
political and trade union movements and from intellectuals who still resist, is
being transformed into an institution ruled by the capital and the state, with the
market as a mediator. The market rationality has become the core of the policy
(which should be the public administration directed for human being), with
perverse consequences for the popular democratic government, which is
distant from its origin, for the more critic intellectual thinking, to the left parties,
for research on higher education public policy, but, over all, for the object that
matters here: the activities and training of the teacher and the researcher of
the public state universities in general. In addition, it is intended to show that
the process of rationalization in its current historical form has as also historical
essence the rationality of the social capitalism formation and it indirectly shows
the course of this event.
Keywords
Higher Education Reform; Teaching formation; Alienation in the Teaching
Work; Ontology in the Teaching Work
176 João dos Reis Silva Júnior
L’ENSEIGNANT — CHERCHEUR À L’UNIVERSITÉ PUBLIC DANS LE CONTEXE DE
L’INTERNATIONALIZATION DU CAPITAL: LA PRODUCTIVITÉ DU TRAVAIL
IMMATÉRIEL SURCALIFIÉ
Résumé
L’objetif de ce texte consiste à comprendre le processus de marchandisationde l’université publique brésilienne et de son identité institutionnelle. Il essayede comprendre ce fait comme un processus de rationalisation sociale,originaire de l’État reformé et héritage de l’État-providence ariculé avecl’internationalisation du capitalism, processus qui a fait de l’université publiquecible de la naturalisation du fond publique par le capital, comme l’on étédiverses d’importantes réformes des institutions républicaines au Brésil.L’université, non pas sans l’opposition de certains mouvements sociaux,politiques et syndicaux, aussi que d’intellectuels qui encore resistent, est entrain d’être summise à la tutelle du capital et de l’État, en ayant le marchécomme opportun médiateur. La rationalité du marché s’est rendue le noyau dela politique (à la place de l’administration publique tournée vers l’être humain),avec des consequences perverses pour le gouvernement populairedémocratique – qui s’éloigne de son origine –, pour la pensée intellectuelleplus critique, pour la gauche partisane, pour la recherche sur les politiquespubliques d’éducation supérieure, mais, surtout, pour l’objet qui ici intéresseexaminer: les activités et la formation de l’enseignant/chercheur desuniversités publiques en general. En outre, il cherche à montrer que leprocessus de rationalisation, dans sa forme historique actuelle, a, commeessence, aussi historique, la rationalité de la formation sociale du capitalisme,et, par cette raison, explicite, indirectement, les orientations de cet évent.
Mots-cléÉducation Supérieure; Formation enseignant; Alienation au travail enseignant;Ontologie dans le travail enseignant
Recebido em Maio/2008
Aceite para publicação em Janeiro/2009
177O professor pesquisador nas universidades públicas
Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: João dos Reis Silva Júnior, RuaMinerva, 128/61, CEP: 05007-030, Bairro Perdizes, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected];[email protected]; Telef.: 55 11 36754227; 55 11 83388170.