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Gestão Integrada de Bacias Hidrográficas Conceitos e Métodos Luís Ribeiro 2009 RECARGA

RECARGA - fenix. · PDF fileγ - constante psicrométrica (kPa oC-1); T ... valores são determinados com o auxílio da tabela 2. Tabela 2 – Valores de C n e C d Intervalo de tempo

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Gestão Integrada de Bacias Hidrográficas

Conceitos e Métodos

Luís Ribeiro

2009

RECARGA

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1. A recarga é a quantidade de água que escoa verticalmente até atingir o nível freático aumentando assim a

quantidade de água subterrânea armazenada. Contribui para esta componente do ciclo hidrológico a infiltração da

água da chuva e da neve, a infiltração das águas dos rios, de lagos e de outros aquíferos.

No balanço hídrico do solo, ( fig.1 ) a recarga é estimada a partir da seguinte equação

( 1 ) Em que :

R é a recarga

P é a precipitação

Es é o escoamento superficial

ETR é a evapotranspiração real

∆S é a variação do conteúdo de humidade no solo,

O conteúdo de humidade do solo tem como limite superior a capacidade de campo (CC) e inferior o valor 0 . Entende-se aqui como Capacidade de campo de um solo como o grau de humidade de um solo depois de perder toda a água gravítica.

Fig. 1 – As componentes do ciclo hidrológico

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O processo é natural, mas pode ser realizado artificialmente injectando no aquífero, através de captações

ou albufeiras especificamente construídas para esse fim, água proveniente de outras origens, como sejam águas residuais tratadas. É aquilo que se designa por recarga artificial.

A recarga de aquíferos pode ser expressa em unidades mm ou em percentagem da precipitação.

A recarga pode ser calculada através da medição in situ da Evapotranspiração Potencial (ETP) utilizando para tal dispositivos construídos para esse efeito chamados lisimetros.

Um lisimetro é um tanque colocado no campo, cheio do mesmos solo e vegetação do local ( fig,2 ).

Fig. 2 - Lisimetro A medição da ETP é obtida é obtida através do balanço hídrico do dispositivo para um determinado

período de tempo através da eq. 2 :

( 2 )

em que:

ETP é a evapotranspiração potencial ( mm )

I é o valor de irrigação no dispositivo (litros)

P é a quantidade de precipitação ( litros )

D é a quantidade de água drenada no dispositivo ( litros )

S é a área do tanque ( m2 )

4

Regra geral existe uma balança no fundo do lisímetro onde se pode determinar quanta água se evapotranspirou daquele sistema.

Outro tipo de lisímetro usa, ao invés da balança, um sistema de drenagem de água onde quando colocada até a capacidade de campo ser atingida, a quantidade de água drenada é exactamente a quantidade de água evapotranspirada.

O lisímetro deve ser instalado numa área plana, homogénea em cultura e solo, com uma área no mínimo de dois hectares

A vegetação plantada dentro do lisímetro deve ser da mesma espécie, altura e densidade da que se encontra no exterior. O valor da precipitação utilizado na eq. 2, deve ser o observado numa estação udométrica instalada na vizinhança do lisímetro.

Sendo o movimento da água no solo um processo relativamente lento, o valor de ETP calculado no lisímetro só é significativo para períodos mais ou menos longos. Como é óbvio o valor obtido pelo lisímetro não é representativo da região como um todo.

2. O valor da recarga pode ser estimado por diversos métodos, que podem ser agrupados em duas classes:

a) Os que utilizam a equação de balanço hídrico no solo.

Este tipo de métodos estão baseados no facto que a água que entra no aquífero é igual à quantidade que

sai, mais ou menos a variação de volume de água que está armazenada. Na prática só algumas das componentes podem ser medidas directamente, como por exemplo a

precipitação, enquanto outras como a Evapotranspiração Real (ETR) e a ETP são estimadas Para a determinação de ETP são utilizadas fórmulas semi-empíricas como as de Thornthwaite , Turc,

Hargreaves, Blaney- Criddle e Penman-Monteith. Para a determinação de ETR é utilizado o método de Penman-Grindley. Para o cálculo específico de recarga em aquíferos de natureza carbonatada é utilizado o método de

Kessler

b) Os que utilizam directamente variáveis hidrogeológicas.

Nesta classe estão os métodos baseados na flutuação do nível piezométrico e do balanço de cloretos.

Figura 3 – Evapotranspiração numa floresta na Costa Rica

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Evapotranspiração potencial (ETP) define-se como o limite superior da evapotranspiração para condições de humidade do solo óptimas Evapotranspiração real (ETR) define-se como a evapotranspiração efectivamente verificada num dado período

Método de Thornthwaite

O método de Thornthwaite baseia-se numa relação empírica entre a ETP e a temperatura média diária do ar, sendo calculada pela seguinte expressão ( eq. 3 )

( 3 )

em que :

ETP é a evapotranspiração potencial (mm / mês);

T é a temperatura média diária do mês (oC);

I é um índice que expressa o nível de calor da região

O valor de I depende da variabilidade anual da temperatura sendo calculado pela eq. 4

( 4 )

O termo "a" é um índice térmico regional, função de I, calculado pela eq. 5

a = 6.75 x 10-7 I3 – 7.71 x10-5 I2 + 1.7912 x 10-2 I + 0.49239 (5 )

Deve referir-se que o método subestima em geral o valor de ETP em zonas áridas e semi-áridas.

Método de Blaney-Criddle

O método de Blaney-Criddle utiliza a equação 6 para calcular ETP.

ETP = p (0.46 Tm + 8 ) ( 6 )

em que :

ETP é a evapotranspiração potencial ( mm / dia );

6

Tm é a temperatura média diária (oC);

p é a percentagem média diária de horas diurnas por ano, para diferentes latitudes. Este valor é calculado com o auxílio da Tabela 1.

Para o calculo de Tm são utilizados as temperaturas máxima ( Tmax ) e mínima (Tmin ) calculadas da seguinte forma.

( 7 )

( 8 )

( 9 )

Em que n é o número de dias do mês.

Tabela 1 - Percentagem media diária (p) de horas diurnas por ano para diferentes latitudes

LATITUDE NORTE JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SETT OUT NOV DEZ

SUL JUL AGO SET OUT NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN

60° .15 .20 .26 .32 .38 .41 .40 .34 .28 .22 .17 .13

55º .17 .21 .26 .32 .36 .39 .38 .33 .28 .23 .18 .16

50º .19 .23 .27 .31 .34 .36 .35 .32 .28 .24 .20 .18

45º .20 .23 .27 .30 .34 .35 .34 .32 .28 .24 .21 .20

40º .22 .24 .27 .30 .32 .34 .33 .31 .28 .25 .22 .21

35º .23 .25 .27 .29 .31 .32 .32 .30 .28 .25 .23 .22

30º .24 .25 .27 .29 .31 .32 .31 .30 .28 .26 .24 .23

25º .24 .26 .27 .29 .30 .31 .31 .29 .28 .26 .25 .24

20º .25 .26 .27 .28 .29 .30 .30 .29 .28 .26 .25 .25

15º .26 .26 .27 .28 .29 .29 .29 .28 .28 .27 .26 .25

10º .26 .27 .27 .28 .28 .29 .29 .28 .28 .27 .26 .26

5º .27 .27 .27 .28 .28 .28 .28 .28 .28 .27 .27 .27

0º .27 .27 .27 .27 .27 .27 .27 .27 .27 .27 .27 .27

O método não é adequado para o cálculo de ETP em condições climáticas extremas, subestimando-a em áreas áridas, com muito sol e vento ou sobrestimando-a em áreas húmidas com nebulosidade.

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Método de Turc

O método de Turc utiliza valores de temperatura e de radiação solar para calcular ETP.

ETP = 0.013 (23.88 Rs + 50) T (T + 15) -1 ( 10 )

Em que :

ETP é a evapotranspiração potencial ( mm / dia )

Tm é a temperatura média diária (oC)

Rs é a radiação solar ( MJ / m2 / dia )

Método de Hargreaves

Para o cálculo de ETP pelo método Hargreaves são necessários valores de temperatura e radiação solar sendo utilizada a eq. 11

ETP = 0.0023 ( Tm + 17.8 ) ( Tmax - Tmin)0.5 Rs ( 11 )

Em que :

ETP é a evapotranspiração potencial ( mm / dia );

Tm é a temperatura média diária (oC)

Tmax temperatura máxima diária (oC)

Tmin temperatura mínima diária (oC)

Rs é a radiação solar ( MJ / m2 / dia ).

Vários estudos indicam que a equação de Hargreaves se ajusta bem para períodos maiores que 10 dias. Contudo, a equação tende a sobrestimar em regiões húmidas e subestimar em regiões áridas. Tem sido também provado que o método sobrestima a baixas taxas de evapotranspiração e subestima a elevadas taxas. A equação de Hargreaves necessita de calibração local para a sua aplicação

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Método de Penman-Montheit

O método Penman-Monteith é o recomendado pela FAO (Food and Agriculture Organization) como método standard na determinação das necessidades em água de culturas agrícolas. Este método já provou fornecer boas estimativas de ETP para diversos locais em todo o mundo Para o seu cálculo necessitamos de valores de temperatura do ar, humidade relativa, velocidade do vento e radiação solar. O valor de ETP pode ser calculado através de duas equações designadas por FAO56 e ASCE A primeira equação derivada por Allen et al. (1998) assume valores constantes de parâmetros para uma cultura de referência descrita no artigo nº 56 da FAO como “a hypothetical reference crop with an

assumed crop height of 0.12 m, a fixed surface resistance of 70 s m-1 and an albedo of 0.23.” e é expressa pela seguinte equação:

( 12 )

Em que :

ETP - evapotranspiração potencial ( mm / dia );

∆ - declive da curva de pressão de vapor (kPa oC-1);

Rs - radiação solar ( MJ / m2 / dia );

G - densidade do fluxo de calor do solo (MJ m-2 d-1);

γ - constante psicrométrica (kPa oC-1);

T - temperatura média do ar (oC);

V -velocidade média do vento a uma altura de 2 m do solo (m/s) ;

- défice da pressão de vapor (kPa);

A eq.12 pode ser aplicada para obter valores horários de ETP desde que o valor 900 seja dividido

por 24 horas e Rs e G sejam expressos em MJ. m2 hr-1. A equação ASCE ( American Society of Civil Engineers ) baseia-se na equação FAO56 ( eq.12 ), tendo sido derivada para uma cultura hipotética de características típicas:

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(13 )

em que Cn e Cd são constantes que dependem do tipo de cultura e do intervalo de tempo, Os valores são determinados com o auxílio da tabela 2.

Tabela 2 – Valores de Cn e Cd

Intervalo

de tempo

Cultura de referência

ETos

VEGETAÇÃO BAIXA

Cultura de referência

ETrs

VEGETAÇÃO ALTA

Unidades para

ETos, ETrs

Unidades para

RS e G

Cn Cd Cn Cd

Diário 900 0.34 1600 0.38 mm/d MJ/m2/d

Horário,

diurno 37 0.24 66 0.25 mm/h MJ/m2/h

Horário,

Nocturno 37 0.96 66 1.7 mm/h MJ/m2/h

Método de Penman-Grindley

Para calcular o valor de recarga com base na equação 1 necessitamos determinar o valor de ETR

a partir dos valores de ETP. A relação entre ETR e ETP é função da interacção do conteúdo de humidade do solo, da vegetação e das condições climáticas.

À medida que a água do solo vai desaparecendo, aumenta o deficit de água no solo ( DAS), Segundo o modelo conceptual sugerido por Penman o valor crítico de DAS é controlado pela constante de raiz (CR). O valor de CR é função do solo e das características da vegetação e traduz a quantidade de água disponível na zona reticular, que pode ser ainda evapotranspirada. Grindely determinou diferentes constantes de raízes para diferentes culturas e relacionou-as com valores máximos de DAS.

Segundo o algoritmo DMAS ( Daily Soil Moisture Accounting) proposto por Holmes et al. (2002) a redução de ETP para ETR, para além de valor crítico DAS é substituída por uma relação linear descrita na equação 14.

(14)

O parâmetro A determina o valor máximo de DAS a partir do qual a evaporação deixa de ocorrer

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A relação entre e DAS assim como o modelo Penman-Grindley original estão representados no

gráfico da fig.4, em que se assumiu um valor de CR igual a 75mm. O balanço hídrico no solo é processado num intervalo de tempo diário, de acordo com os seguintes passos 1 – O valor ETR para o intervalo de tempo i+1 é controlado pela relação de ordem entre DAS e RC.

Assim se DASi > RC então a razão decresce segundo a equação 15

se > CR

se ≤ CR (15)

2 – Se existe suficiente precipitação ( P ) durante o intervalo de tempo i+1 que satisfaça as quantidades de água evapotranspirada então DAS = 0

então ( 16 )

3 – Se a P é insuficiente para satisfazer as quantidades de água evapotranspirada, durante o intervalo de tempo i+1 então DAS é calculado segundo a equação 17.

então - ( 17 )

DAS

Figura 4 – Relação entre a razão ETR / ETP e DAS para os modelos Penman-Grindley e DSMA

ETR / ETP

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Método de Kessler

O método de Kessler foi desenvolvido para estimar valores de recarga em aquíferos carbonatados, utilizando valores mensais de precipitação. O método é baseado no conceito de razão da precipitação determinativa (RPD) definida como sendo a percentagem da chuva caída nos primeiros 4 meses do ano (Janeiro a Abril) relativamente ao total de pluviosidade anual. Esta percentagem é corrigida a partir de uma constante k que depende das condições de precipitação nos últimos 4 meses do ano. Para tal calcula-se um índice de acordo com a

eq. 18.

(18 )

Em que :

é a precipitação dos últimos 4 meses do ano

é a média das precipitações dos últimos 4 meses do ano, calculado para um período de tempo

significativo. O valor do factor de correcção k é calculado de acordo com a tabela 3 para vários valores de µ.

Tabela 3- Valores do factor de correcção K para vários valores de µ

µ k

0-5 0

6-15 1

16-25 2

26-35 3

36-45 4

46-55 5

56-60 7

61-65 10

66-70 13

� 70 15

O valor K é adicionado ou subtraído a RPD de acordo com o sinal da diferença - .

Após esta correcção a taxa de recarga é calculada utilizando a curva da figura 5.

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RPD

Figura 5 -Cálculo da taxa de recarga em função de RPD Método baseado na flutuação dos níveis piezométricos

Neste método o aumento dos níveis freáticos que ocorre durante a época da chuva é utilizado para estimar valores de recarga, partindo de princípio que o aumento é devido exclusivamente à infiltração da água da chuva e que outros factores externos, tais como bombagem ou irrigação, não têm influência naquela variação. Neste caso o valor da recarga é dado pela seguinte expressão:

R = Sy*dh/dt = Sy*Δh/Δt ( 19 )

Em que R é a taxa de recarga [L/T] Sy é o coeficiente de armazenamento [adimensional]

∆ h é a variação do nível freático calculado entre o valor mínimo observado no inicio das primeiras chuvas e valor máximo observado no final da época da chuva, [ L ]

t = tempo [T]

Para o cálculo de ∆ h deve proceder-se como se indica na figura 6

Recarga ( em % de

precipitação)

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Método do balanço de cloretos

Na base do método está o facto de que o cloreto é estável e, em geral, não é afectado por reacções químicas durante o processo de infiltração.

Se assumirmos que a concentração do ião cloreto observado na água subterrânea é o resultado da infiltração da água da chuva devido aos fenómenos de evapotranspiração, então temos que a recarga será calculada em termos de percentagem de precipitação com a seguinte expressão:

x P x 100 ( 20 )

Em que CP é a concentração em ppm do ião cloreto na água da chuva e CA é a concentração em ppm do ião cloreto na água subterrânea e P é a precipitação média observada no local.

Figura 6 – Método utilizado para o cálculo de ∆ h a partir do gráfico de evolução piezométrica

<--- ∆ h

<--- ∆ h

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Bibliografia

Allen, R.G., Pereira L.S., Raes, D., Smith M. (1998) Crop evapotranspiration,guidelines for computing crop

water requirements. FAO Irrig. and Drain. Paper 56, Food and Agric. Orgn. of the United Nations, Rome, Italy. 300 pp. Davie T. ( 2008 ) Fundamentals of Hydrology, Routledge, 200p. Grindley, J. (1970) Estimation and mapping of evaporation. IAHS Publication No. 1, 200-213. Hargreaves, G. H. & Allen, R. G. (2003) History and Evaluation of Hargreaves Evapotranspiration

Equation. Journal of Irrigation and Drainage Engineering. January/February 2003. Pp 53-63. Hiscock K. ( 2005) – Hydrogeology, Principles and Practice, Blackwell Pub., 389p. Holmes M.G.R, Young A.R., Gustard A. Grew R. (2002 ) - A new approach to estimating Mean Flow in the UK Hydrology and Earth System Sciences, 6(4), 709–720 Kessler H (1967) Water balance investigations in the karst regions of Hungary. Act Coll Dubrovnik, AIHS-UNESCO, Paris Lerner DN, Issar AS, Simmers I (1990) Groundwater recharge: a guide to understanding and estimating natural recharge. International Contributions to Hydrogeology 8. Heise, Hannover Monteith, J.L. (1965) Evaporation and environment. pp. 205-234. In G.E. Fogg (ed.) Symposium of the Society for Experimental Biology, The State and Movement of Water in Living Organisms, Vol. 19, Academic Press, Inc., NY. Penman, H.L. (1948) Natural evaporation from open water, bare soil, and grass. Proc. Roy. Soc. London A193:120-146. Thornthwaite CW (1948) An approach towards a rational classification of climate. Geogr Rev 38:55–94 Turc L (1954) The soil balance: relations between rainfall, evaporation and flow (in French). Geogr Rev 38:36–44