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Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em uma perspectiva histórica Rachel de Oliveira Pereira Lucena Universidade Federal do Rio de Janeiro Faculdade de Letras Fevereiro de 2016

Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

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Page 1: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu

em uma perspectiva histórica

Rachel de Oliveira Pereira Lucena

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Faculdade de Letras

Fevereiro de 2016

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Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu

em uma perspectiva histórica

Rachel de Oliveira Pereira Lucena

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Letras Vernáculas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como

quesito para a obtenção do Título de Doutor em

Letras Vernáculas (Língua Portuguesa).

Orientador: Professora Doutora Célia Regina dos

Santos Lopes

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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Pereira, Rachel de Oliveira

Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação

teu/seu em uma perspectiva histórica / Rachel de

Oliveira Pereira. – Rio de Janeiro: UFRJ / FL, 2016.

Orientador: Célia Regina dos Santos Lopes

Tese (doutorado) – UFRJ / Faculdade de Letras /

programa de Pós-graduação em Letras Vernáculas,

2016

Referências bibliográficas: f. 137 – 142.

1. Pronomes possessivos de segunda pessoa. 2.

Cartas pessoais. 3. Variação. 4. Linguística

Histórica. I. Rachel de Oliveira Pereira Lucena. II.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade

de Letras, Programa de Pós-graduação em Letras

Vernáculas. III. Pronomes possessivos de segunda

pessoa: a variação teu/seu em X’uma perspectiva

histórica

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Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu

em uma perspectiva histórica

Rachel de Oliveira Pereira Lucena

Orientadora: Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua

Portuguesa).

Examinada por:

______________________________________________________________________

Presidente, Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes

______________________________________________________________________

Professora Doutora Márcia Cristina de Brito Rumeu – UFMG

______________________________________________________________________

Professora Doutora Juliana Barbosa de Segadas Vianna – UFRRJ

______________________________________________________________________

Professora Doutora Vera Lucia Paredes Pereira da Silva – UFRJ

______________________________________________________________________

Professora Doutora Sílvia Rodrigues Vieira – UFRJ

______________________________________________________________________

Professora Doutora Karen Sampaio Braga Alonso – UFRJ, Suplente

______________________________________________________________________

Professora Doutora Silvia Regina de Oliveira Cavalcante – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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PEREIRA, Rachel de Oliveira. Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação

teu/seu em uma perspectiva histórica. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa. Rio de

Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. 2016

Resumo

O presente estudo objetiva analisar a variação existente entre as formas simples de

pronomes possessivos de segunda pessoa do singular, isto é, teu/tua/seu/sua,

diacronicamente, no português brasileiro, buscando explicar o que o motiva tal variação

e observar em especial o comportamento do pronome seu. Para a realização deste

trabalho, pretende-se realizar duas etapas distintas de análise da variação possessiva.

Primeiro, será realizado um estudo de longa duração (1870 a 1970), com base em cartas

pessoais, verificando os contextos linguísticos e extralinguísticos que influenciam na

variação entre os pronomes possessivos referentes à segunda pessoa. Para tanto, a

análise quantitativa e qualitativa dos dados baseia-se nos pressupostos da

sociolinguística variacionista (LABOV, 1994; WEINREICH; HERZOG; LABOV,

1968). Além disso, na análise dos pronomes possessivos serão observadas também as

situações comunicativas em que os pronomes estão inseridos, observando as relações de

poder na ótica da teoria de Poder e Solidariedade proposta por Brown e Gilman (1960).

Assim sendo, o presente estudo possui duas hipóteses norteadoras. A primeira é a de

que a forma você é um fator condicionante para o emprego de seu como forma

possessiva de segunda pessoa. Assim, acredita-se que o pronome possessivo

acompanhou a utilização do sujeito até ter seu uso generalizado. A outra hipótese que

orienta o estudo é a de que o pronome possessivo de segunda pessoa seu/sua é

extremamente dependente do contexto comunicativo em que ele está inserido. Em

síntese, a tese mostra que a utilização de seu como estratégia de referência à segunda

pessoa está intrinsecamente relacionada à inserção de você no quadro de pronomes do

português brasileiro. Além disso, a categoria pronome possessivo mostra-se com

comportamento diferenciado dos demais subtipos pronominais.

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PEREIRA, Rachel de Oliveira. O tratamento em cartas amorosas e familiares da Família

Penna: um estudo diacrônico. Tese de Doutorado em Língua Portuguesa. Rio de

Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ. 2016

Abstract

The present study is oriented towards the diachronical analysis of the existing variation

among the simple possessive pronominal forms of the second person singular in

Brazilian portuguese, that is, teu/tua/seu/sua. The objective is to explain the reason for

such variation and observe specifically how the pronoun seu behaves. To this end, a

long duration study based on personal letters from 1870 to 1970 will verify the

linguistic and extralinguistic context that influenced the variation between possessive

pronouns regarding the second person. The quantitative and qualitative data analysis

will be based on the premises of the variationist sociolinguistics (LABOV, 1994;

WEINREICH; HERZOG; LABOV, 1968). Moreover, it will be observed in the

possessive pronoun analysis the context of which the communication happens,

observing the relationship from the point of view of the Power and Solidarity theory

proposed by Brown and Gilman (1960). Hence, the present study contemplates two

main hypothesis. First, the form você is a conditional factor in the use of seu as a second

person possessive form. So therefore, it is believed that the possessive pronoun

acompanied the use of the subject until its use was generalized. The other hypothesis

that guides this study contemplates that the use of the possessive forms seu/sua is

extremely dependent on the communication context. To conclude, the thesis shows that

the use of seu as a reference strategy towards the second person is intertwined with the

insertion of você within the framework of brazilian portuguese pronouns. Additionally,

the possessive pronouns behaves differently from the other pronominal subtypes.

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Dedico esta tese a todos os alunos que cruzaram meu caminho.

Vocês me fazem ir além.

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AGRADECIMENTOS

Arnaldo Jabor, em sua crônica “Relacionamentos”, diz, em determinada parte,

que “Nascemos sós. Morremos sós.”, por isso é importante dar valor à solidão, à nossa

própria companhia e que, nesse sentido, não haveria necessidade de estar sempre em um

relacionamento, porque, afinal, nossos pensamentos são apenas nossos e nossa

impressão de mundo idem.

Longe de discordar de Jabor, acredito que, justamente pelo fato de nascermos e

morrermos sós é que devemos dar valor às pessoas que nos cercam e aos

relacionamentos que temos, sejam eles amorosos ou não. Assim, esse é o espaço

destinado a agradecer a todos aqueles que, direta ou indiretamente, auxiliaram nesses

quatro longos anos de trabalho e estudo.

Todos que passam pela pós-graduação sabem bem que a realização de um

trabalho como esse não se dá apenas por nós. Precisamos de apoio técnico e,

principalmente, emocional nesse período nada fácil de nossas vidas. Sem o amparo

daqueles que cruzam nossos caminhos, seria, sem sombra de dúvidas, impossível a

realização de uma pesquisa como essa. Por isso, a lista de agradecimento é extensa.

Agradeço, primeiramente, a Deus por ter me dado a oportunidade de existir e me

dar possibilidades de escolhas para seguir meu caminho. Já diz a narrativa que “a fé

move montanhas”, logo, para mim, ela foi essencial para que esse estudo se realizasse.

Acreditar que não estou nesse mundo por acaso e que todos temos uma missão na Terra,

de uma certa forma, foi, também, o combustível que eu precisava nos momentos que

precisei. Obrigada, meu Pai, por me dar a oportunidade de chegar até aqui!

Assim, não poderia deixar de agradecer a meus pais, meus amores, por terem

sempre me cercado de cuidados e terem me dado os meios cabíveis para que minhas

vontades fossem sempre realizadas. Sem sombra de dúvidas, eu não seria a pessoa que

sou e essa tese não teria sido realizada sem o respaldo, apoio e zelo de meus amados

pais. Obrigada por tudo o que fizeram e fazem por mim! Não tenho palavras que

exprimam com exatidão a importância de vocês em minha vida e para a realização desse

estudo! Obrigada, obrigada, obrigada!

Nesse interim, agradeço à minha família: meu irmão, primos, tios, avós.

Obrigada por me apoiarem, por me acompanharem, por estarem ao meu lado.

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Um obrigada mais do que especial à mãe acadêmica que a vida me deu: minha

querida orientadora Célia Lopes. Obrigada por ter me adotado no quarto período da

faculdade e ter acompanhado meu crescimento pessoal e profissional. São oito anos de

orientação, muitas histórias e todo o respeito do mundo! Obrigada por me ensinar o que

é pesquisa, pela paciência, pelos conselhos, pelas broncas necessárias, por ter me

acompanhado até aqui. Os possessivos sempre serão NOSSOS!

Não poderia deixar de agradecer ao meu marido, Bruno, pelo carinho, afago e

apoio integral. Obrigada por ser esse companheiro maravilhoso, que me deu o suporte

emocional de que eu precisava nesse final de doutorado. Obrigada por ter pegado o

“bonde andando” comigo e, mesmo sem entender muito bem, me acompanhou e foi o

mais presente possível na realização do meu trabalho. Obrigada por ter entendido meus

momentos de tensão, estresse, cansaço e, apesar de tudo isso, ainda me dar forças para

que eu me superasse e fosse além. Amo você!

Agradeço aos meus filhos felinos e peludos, Dom, Juninho e Ozzy, que, aos

olhos alheios, não passam de três gatos, mas são responsáveis por encher minha vida de

felicidade e aliviar as tensões de todos os dias. Sem sombra de dúvidas, uma casa é mais

feliz com esses anjos de luz e minha vida não existiria de maneira completa sem vocês.

Também agradeço imensamente aos meus chefes e colegas de trabalho do

Colégio e Curso Fator. Aos primeiros, especialmente meu coordenador pedagógico,

Néviton, por facilitar em tudo o que podia minha vida para que esse estudo pudesse ser

realizado. Trabalhar e estudar não é fácil e ter pessoas que apoiam e auxiliam nessa fase

foi essencial para que eu pudesse realizar meu trabalho. Muito, muito obrigada mesmo!

E, aos segundos, particularmente minhas amigas Glaucia, Helen, Isabella, Lorena, Meg,

Suzana e Vanessa, e ao meu queridíssimo Bruno, por me ensinarem que

interdisciplinaridade é a melhor “disciplina” da vida e aos colegas, como um todo, por

serem a melhor equipe com quem um professor pode trabalhar. Obrigada por não serem

apenas colegas de trabalho, mas uma família que ganhei e que sempre me apoiou!

Famíliaaaaaa Fatoooooooor!

Um agradecimento especial aos amigos, que, como muito bem diz um texto

atribuído a Shakespeare “são a família que Deus nos permitiu escolher”. Obrigada pelo

carinho, consideração e por entenderem meus momentos de ausência, meu sumiço e por

eu levar uma vida sempre corrida. Obrigada por não me cobrarem, por se preocuparem e

por me amarem! Assim, um beijo especial para os amigos do CLAC: Beth, Isabela,

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Michel, Renata, Sarah e Wanessa; e para os amigos que a vida mesmo se encarregou de

colocar no meu caminho: Fabio, Guga, Thammy, Douglas, Lívia.

Agradeço a todos os professores que cruzaram meu caminho: desde a escola até

a pós-graduação. Obrigada por me trazerem até aqui! Aproveito o espaço para agradecer

ao professor da Faculdade de Letras Leonardo Marcotulio, que para mim sempre será o

Leo. Obrigada pelas ideias, pela ajuda e pela companhia. Um beijo para a Silvia

Cavalcante, que sempre me auxiliou nos momentos em que precisei e estimulou a

minha ida para a pós-graduação.

Um obrigada imenso aos companheiros acadêmicos que a UFRJ me trouxe. Um

beijo hiper mega especial para as queridíssimas Mayara e Janaína, amigas que são um

verdadeiro presente! Obrigada por me entenderem e me apoiarem sempre! É um afago

imenso poder dividir com vocês as dores e delícias da vida acadêmica. Obrigada

também aos companheiros de F-316 por dividirem as alegrias e tristezas: Priscila,

Thiago, Camila, esses três últimos, meus irmãos de orientação. Um beijo especial para a

Érica por ter me ajudado principalmente nesses últimos meses de doutorado. Um

agradecimento especial ao Caio, visitante ilustre da 316, por ter me dado um certo

esporro, numa hora bem certa, me impedindo de largar o doutorado na metade. Essa

tese é, também, graças a você!

Um agradecimento à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (Capes), por ter financiado parte desse projeto.

Por fim, o agradecimento mais especial de todos: a todos os meus alunos, em

especial, os alunos do Colégio e Curso Fator. O meu último ano de doutorado foi o mais

intenso, mas tenho certeza de que vocês foram verdadeiros presentes mandados por

Deus para amenizar os meus dias de angústia. Vocês me animam com o espírito jovem

de vocês, com a inquietude, com o prazer em aprender, com a bagunça. Quantas vezes

saí de casa querendo me esconder do mundo e vocês transformaram minhas

preocupações e ansiedade em sorrisos sinceros? Obrigada por me energizarem, por

gostarem de mim, por me escutarem. Obrigada por terem interesse em saber o que foi

que eu estudei no mestrado, o que pesquiso no doutorado. Obrigada por me fazerem ver

que todo o esforço vale a pena. Obrigada por me transformarem todos os dias. Não

haveria outras pessoas para quem poderia dedicar essa tese que não vocês! Amo, amo,

amo com toda a força que um coração pode amar. MUITO OBRIGADA por existirem

na minha vida!

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O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário

Albert Einstein

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“Na outra casa os meninos encontraram os

Pronomes POSSESSIVOS — Meu, Teu, Seu,

Nosso, Vosso e Seus com as respectivas esposas

e com os plurais. Emília, que achava as palavras

Meu e Minha as mais gostosas de quantas

existem, agarrou o casalzinho e deu um beijo no

nariz de cada uma, dizendo:

— Meus amores!”

(Emília no país da gramática – Monteiro Lobato)

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SINOPSE

Estudo da variação entre as formas

possessivas teu e seu ao longo de 100 anos.

Mapeamento do comportamento do

pronome seu em cartas pessoais escritas

entre 1870 a 1970.

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Sumário

1: Introdução ................................................................................................................... 1

2: O percurso histórico dos pronomes possessivos ...................................................... 3

2.1: Posse e pronomes possessivos: definição do objeto de estudo ......................................... 3

2.2: Pronomes possessivos: história, hipóteses e objetivos ...................................................... 7

2.3: Outros estudos sobre o tema ............................................................................................ 14

3: Pressupostos Teóricos e Metodológicos ................................................................... 24

3.1: A teoria da variação e a sociolinguística histórica ........................................................... 24

3.2: O gênero carta .................................................................................................................. 32

3.3: Descrevendo o corpus: as diferentes famílias que compõem a amostra .......................... 40

3.4 A pragmática e suas questões ........................................................................................... 53

3.5: Os grupos de fatores ........................................................................................................ 63

4: Pronomes possessivos: resultados encontrados ...................................................... 70

4.1: Os fatores linguísticos selecionados ................................................................................. 77

4.1.1 Sujeito na totalidade da carta ................................................................................. 77

4.1.2 Tipos de posse ...................................................................................................... 83

4.1.3 Traço de gênero do possessivo ............................................................................. 94

4.1.4 Animacidade do sintagma possessivo .................................................................. 95

4.2: Os fatores extralinguísticos selecionados ....................................................................... 102

4.2.1 Período histórico ................................................................................................. 102

4.2.2 Gênero ................................................................................................................ 115

4.2.3 Faixa etária ......................................................................................................... 135

4.2.4 Parentesco ........................................................................................................... 147

4.2.4.1 Parentesco na fase 1 (1870-1899) ........................................................ 150

4.2.4.2 Parentesco na fase 2 (1900-1939) ........................................................ 153

4.2.4.3 Parentesco na fase 3 (1940-1979) e o espraiamento de

seu nas relações simétricas: síntese dos resultados .......................................... 156

4.2.5 Subgênero da carta particular ............................................................................. 158

4.2.6 Localidade da carta ............................................................................................. 165

5: Conclusão ................................................................................................................ 171

6: Referências bibliográficas ...................................................................................... 178

7: Anexos ..................................................................................................................... 192

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Índice de tabelas, gráficos, quadros e figuras

Tabelas

Tabela 1: A distribuição dos pronomes possessivos nas gramáticas tradicionais .................... 5

Tabela 2: Os pronomes possessivos no português brasileiro ................................................... 6

Tabela 3: O sistema pronominal em diferentes regiões do Brasil, segundo Perini Fonte:

Perini 1995 .............................................................................................................................. 14

Tabela 4: Frequência dos pronomes possessivos, em valores absolutos e percentuais

(Monteiro 1994, p. 206) .......................................................................................................... 21

Tabela 5: Aspectos divergentes e complementares da investigação em sociolinguística

sincrônica e diacrônica (CONDE SILVESTRE, 2007, p.38) .................................................. 29

Tabela 6: Principais informações sobre o corpus adotado ..................................................... 41

Tabela 7: Divisão para a análise ............................................................................................. 75

Tabela 8: A distribuição de seu a depender do tipo de sujeito em todas as rodadas ........... 78

Tabela 9: O tipo de posse na rodada geral ............................................................................ 88

Tabela 10: A distribuição de teu e seu por todos os tipos de posses e em todas as fases ...... 89

Tabela 11: A distribuição de teu e seu em concreto e abstrato em todas as fases ............... 92

Tabela 12: Percentuais do traço de gênero do possessivo

encontrados em todas as rodadas .......................................................................................... 94

Tabela 13: O traço de gênero do possessivo no período 3. Valor de aplicação: seu .............. 95

Tabela 14: Percentuais da animacidade do possessivo encontrados em todas as rodadas ..... 98

Tabela 15: A distribuição de seu e a animacidade do sintagma ............................................. 99

Tabela 16: A animacidade do possessivo no período 3. Valor de aplicação: seu .................. 99

Tabela 17: A distribuição de seu e a animacidade do sintagma ........................................... 100

Tabela 18: A distribuição de teu e seu ao longo do tempo, na amostra brasileira em Machado

(2011), adaptado ................................................................................................................... 104

Tabela 19: A distribuição de teu e seu ao longo do tempo, na amostra portuguesa em

Machado (2011), adaptado ................................................................................................... 105

Tabela 20: A distribuição de seu ao longo do tempo, na rodada geral.

Valor de aplicação: seu ........................................................................................................ 106

Tabela 21: A distribuição de seu nas décadas correspondentes à fase 1.

Valor de aplicação: seu ......................................................................................................... 107

Tabela 22: A distribuição de teu e seu nas décadas correspondentes à fase 2 ..................... 110

Tabela 23: A distribuição de teu e seu nas décadas correspondentes à fase 3 ..................... 113

Tabela 24: A distribuição dos possessivos a depender do gênero na na rodada geral ........ 123

Tabela 25: A distribuição de seu a depender do gênero na fase 1.

Valor de aplicação: seu ......................................................................................................... 123

Tabela 26: Possessivos e sujeito predominante nas cartas da fase 1 ................................... 124

Tabela 27: A distribuição de seu a depender do gênero na fase 2.

Valor de aplicação: seu ......................................................................................................... 129

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Tabela 28: O gênero no período temporal 2 nas amostras de pessoas ilustres .................... 129

Tabela 29: O gênero no período temporal 2 nas amostras de pessoas não-ilustres ............ 130

Tabela 30: Possessivos e sujeito predominante nas cartas do período 2, nas cartas

de pessoas ilustres ............................................................................................................... 130

Tabela 31: Possessivos e sujeito predominante nas cartas do período 2,

nas cartas de pessoas não-ilustres ......................................................................................... 130

Tabela 32: A faixa etária em todas as rodadas. Valor de aplicação: seu .............................. 137

Tabela 33: Faixa etária e a distribuição de seu na fase 1 a depender do sujeito na carta ..... 139

Tabela 34: Faixa etária e a distribuição de seu na fase 2 a depender do sujeito na carta .... 142

Tabela 35: Faixa etária e a distribuição de seu na fase 3 a depender do sujeito na carta ..... 144

Tabela 36: O parentesco na rodada geral. Valor de aplicação: seu ...................................... 148

Tabela 37: Relações de parentesco na fase 1 (1870-1899). Valor de aplicação seu ........... 149

Tabela 38: Percentuais a depender das relações de parentesco encontradas na fase 1 ......... 150

Tabela 39: Relações de parentesco na fase 2 (1900-1939). Valor de aplicação seu ............ 151

Tabela 40: Percentuais a depender das relações de parentesco encontradas na fase 2 ......... 152

Tabela 41: Percentuais a depender das relações de parentesco encontradas na fase 3 ......... 154

Tabela 42: O subgênero da carta particular na rodada geral. Valor de aplicação: seu ......... 157

Tabela 43: A distribuição de teu e seu a depender do subtipo da carta nas três fases.

Valor de aplicação: seu ......................................................................................................... 157

Tabela 44: A distribuição de seu a depender da localidade da carta em todas as rodadas ... 166

Gráficos

Gráfico 1: A distribuição de teu/seu ao longo das décadas .................................................... 71

Gráfico 2: Frequência de uso de tu e você em peças teatrais brasileiras

(adaptado de MACHADO, 2011) ........................................................................................... 72

Gráfico 3: A variação entre tu/você, na posição de sujeito, ao longo de 100 anos

(extraído de Souza, 2012, p.90) ............................................................................................... 73

Gráfico 4: A distribuição de seu por todos os tipos de posses e em todas as fases. ............... 90

Gráfico 5: A distribuição de seu pela natureza concreta ou abstrata do nome

em todas as fases ..................................................................................................................... 92

Gráfico 6: A distribuição de seu a depender do parentesco ................................................. 101

Gráfico 7: A distribuição dos pronomes possessivos pelo gênero

e amostras ilustres e não ilustres ........................................................................................... 130

Gráfico 8: O crescimento de seu a depender do tipo de relação estabelecida ...................... 156

Quadros

Quadro 1: As principais diferenças entre cartas familiares, pessoais e amorosas ................. 37

Quadro 2: Palavras alienáveis na fase 1 ............................................................................... 192

Quadro 3: Palavras alienáveis na fase 2 ............................................................................... 194

Quadro 4: Palavras alienáveis na fase 3 ............................................................................... 194

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Quadro 5: Palavras inalienáveis na fase 1 (Parentesco) ...................................................... 195

Quadro 6: Palavras inalienáveis na fase 1 (Partes do corpo) ............................................... 195

Quadro 7: Palavras inalienáveis na fase 1 (Outros tipos de posse) ..................................... 196

Quadro 8: Palavras inalienáveis na fase 2 (Parentesco) ...................................................... 197

Quadro 9: Palavras inalienáveis na fase 2 (Partes do corpo) .............................................. 197

Quadro 10: Palavras inalienáveis na fase 2 (Outros tipos de posse) ................................... 198

Quadro 11: Palavras inalienáveis na fase 3 (Parentesco) .................................................... 198

Quadro 12: Palavras inalienáveis na fase 3 (Outros tipos de posse) ................................... 192

Quadro 13: Extensão do sentido de posse na fase 1 ............................................................ 200

Quadro 14: Extensão do sentido de posse na fase 2 ............................................................ 202

Quadro 15: Extensão do sentido de posse na fase 3 ............................................................ 202

Figuras

Figura 1: Casimiro de Abreu .................................................................................................. 37

Figura 2: Christiano Ottoni ................................................................................................... 44

Figura 3: A família Pedreira Ferraz-Magalhães ..................................................................... 44

Figura 4: Oswaldo Cruz ......................................................................................................... 45

Figura 5: Affonso Penna Júnior (no centro) ........................................................................... 47

Figura 6: Washington Luís .................................................................................................... 50

Figura 7: Francisco Brandão Neto ......................................................................................... 52

Figura 8: Classificação das diferentes estratégias dos emissores em função do grau de

imposição que suponha a ação que se quer realizar e do tipo de relação

entre os interlocutores ............................................................................................................. 61

Figura 9: Continuum do tipo de posse ................................................................................... 84

Figura 10: Continuum de animacidade .................................................................................. 97

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1 – Introdução

O presente trabalho propõe estudar a inserção do pronome possessivo seu como

um pronome de segunda pessoa do singular, em cartas pessoais escritas por diferentes

famílias, tanto ilustres como não ilustres, ao longo de 100 anos: de 1870 a 1970. Dessa

forma, esta investigação é estruturada a partir da descrição e análise da variação entre

duas estratégias de referência à segunda pessoa: teu e seu.

Portanto, o objetivo principal do estudo é analisar a variação entre os pronomes

possessivos teu e seu, mostrando os contextos favorecedores de uma forma em

detrimento da outra. Estas estratégias não serão analisadas apenas em termos

descritivos, mas também à luz das teorias que discutem a questão da variação e

mudança (WEINREICH, LABOV e HERZOG, 1968) e os fenômenos da cortesia

(BROWN & GILMAN, 1960; BROWN & LEVINSON, 1987; VIDAL, 2002).

Com o presente estudo, pretende-se investigar a distribuição das formas

possessivas nas missivas pessoais escritas ao longo de um século, observando o

comportamento do pronome seu nesse período. Para mapear o uso dessas estratégias de

tratamento até a década de 1970 do século XX na variedade brasileira do português, os

dados serão analisados com base em algumas teorias sobre cortesia. A análise não será

apenas quantitativa, mas será proposta uma leitura qualitativa e pormenorizada das

ocorrências encontradas nas amostras, a fim de atestar as hipóteses formuladas.

A partir da análise proposta, pretende-se responder as seguintes questões

principais:

(i) Como se dá a distribuição das formas variantes teu/tua e seu/sua de 1870 a

1970)?

(ii) O possessivo seu realmente acompanha a entrada de você no sistema

pronominal? Em que contextos morfossintáticos e discursivo-pragmáticos?

(iii) Por que o comportamento dos possessivos de segunda pessoa se diferencia

dos demais pronomes? Por que formas acusativas e dativas do paradigma de você

tendem a ter implementação nula ou limitada, enquanto a forma possessiva seu/sua

mostra-se produtiva?

(iv) Quais os fatores linguísticos e extralinguísticos importantes para entender a

variação entre teu e seu?

(v) É possível afirmar que o possessivo seu/sua, assim como o pronome você,

possui uma faceta polifuncional?

Page 19: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

2

O estudo leva em consideração duas hipóteses norteadoras: a primeira é a de que

a variação encontrada nos pronomes possessivos comporta-se de maneira similar aos

resultados encontrados no que concerne à posição de sujeito de segunda pessoa, seja

pleno ou nulo. Dessa maneira, acredita-se que o possessivo seu como segunda pessoa

acompanha a entrada da forma você no quadro pronominal. A outra hipótese de estudo é

a de que o possessivo seu/sua, por estar relacionado à forma você, teria o mesmo

comportamento polifuncional do pronome pessoal correspondente. Isso quer dizer que

seu assumiria diferentes valores ao longo do tempo.

Para responder a todas as questões e objetivos propostos para o presente estudo,

organizou-se esta tese em seis seções. Seguindo-se a esta introdução (capítulo 1), será

realizada, no capítulo seguinte, a descrição do objeto de estudo, na qual se apresenta

brevemente um histórico sobre as estratégias de referência a segunda pessoa no

português, principalmente pronomes possessivos, além de haver algumas resenhas de

estudo sobre o mesmo fenômeno linguístico.

No capítulo 3 serão descritos os pressupostos teóricos nos quais este trabalho se

baseia, expondo a metodologia utilizada na pesquisa. Em um primeiro momento, serão

descritas a teoria variacionista e, a mais recente, sociolinguística histórica, seguidas da

descrição das amostras que foram utilizadas no estudo. Em primeiro lugar, comenta-se

sobre o gênero carta e as tradições discursivas que lhe são presentes. Depois, apresenta-

se, de maneira geral, a biografia de cada família que compõe a amostra. Em seguida,

serão apresentadas as teorias pragmáticas que norteiam o estudo, e, por fim, o

detalhamento da metodologia utilizada.

No capítulo 4, apresentam-se elucidações obtidas a partir da análise dos

resultados. No total, foram realizadas quatro rodadas: uma com todas as ocorrências do

corpus e três rodadas parciais que compreendem períodos específicos de tempo.

No capítulo 5, encerra-se o trabalho com considerações gerais sobre o assunto

estudado. Nessa seção, tenta-se retomar hipóteses e objetivos confrontando-os com

resultados significativos à análise.

Page 20: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

3

2 – O percurso histórico dos pronomes possessivos

2.1 – Posse e pronomes possessivos: definição do objeto de estudo

A língua portuguesa possui diferentes formas de expressar posse

linguisticamente: em estruturas nominais mediante o emprego de possessivos, teu livro;

frases prepositivas com valor genitivo; o livro do Pedro; através de pronomes relativos

possessivos, Pedro, cujo livro. Também é possível transmitir a relação de posse através

de verbos que a indiquem: Pedro tem um livro; Pedro possui um livro, por exemplo. Em

todas as possibilidades apontadas, sempre haverá uma entidade possuída que se

relaciona com outra entidade que, real ou metaforicamente, a possui (HUERTA

FLORES, 2009).

Apesar da gama de possibilidades de se expressar posse em português, o

presente estudo deter-se-á a analisar apenas as estruturas nominais com o uso de

pronomes possessivos, mais especificamente, a variação entre as formas pronominais

teu e seu, diacronicamente, como estratégia de referência ao interlocutor. Nesse sentido,

os pronomes possessivos, em português, são característicos, uma vez que aparecem em

posição pré-nominal, teu livro; pós-nominal, livro teu; e de forma elíptica, Amanhã

trarei meu livro, você também deve trazer o teu. Ademais, o pronome torna-se

particularizado pelo fato de concordar em gênero e número com a forma possuída,

como, por exemplo, teu(s)/livro(s) e tua(s)/caneta(s). Assim sendo, o pronome

possessivo acaba estabelecendo uma relação sobre quem possui (possuidor) algo ou

alguma coisa (termo possuído).

Nesse sentido, o valor de posse é a nuance mais básica transmitida pelo emprego

dos pronomes possessivos. Assim, o conceito de posse divide-se em duas

subcategorizações: a posse alienável e a posse inalienável. A primeira é relacionada a

alguém que possui alguma coisa, ou a posse imaginária de algo, mas essa posse não é

definitiva, logo, pode passar a outro alguém, como é o caso de um bem material ou algo

mais abstrato, como um emprego. A posse inalienável, por outro lado, correlaciona-se

com a impossibilidade de transferência da coisa possuída a outro possuidor, sendo,

portanto, uma posse intrínseca, a exemplo das relações de parentesco e partes do corpo

(NEVES, 2000). Nesta tese, compreende-se que um possessivo transmite muito mais do

que a simples ideia de que alguém possui algo/alguma coisa. Por isso, com o presente

estudo, pretende-se mostrar que a classificação binária de posse alienável e inalienável

não engloba as diversas relações semânticas de posse possíveis. Dessa forma, pensou-se

Page 21: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

4

em uma classificação mais apurada, como será discutido na seção 4. Observam-se

alguns exemplos a seguir:

(1) A senhora há de ter tido seus apertos de dinheiro, disse Rubião.

(Machado de Assis, OC, I, 630. apud Cunha & Cintra (1985))

(2) Entrou uma mulherzinha de seus quarenta anos, decidida e de

passo firme. (F. Sabino, HN, 164. apud Cunha & Cintra (1985))

(3) Era lindo o bicho, com sua calma de passarinho manso. (R. Braga,

CCE, 85. apud Cunha & Cintra (1985))

(4) Todos aqueles santos varões comiam, bebiam o seu vinho do

Porto na Copa. (Eça de Queirós, O, II, 17. apud Cunha & Cintra

(1985))

(5) Em casa de Norberto, as senhoras tinham as delicadezas do sexo,

bebiam seu chá, faziam sua malha e eram madrinhas das filhas dos

criados mais próximos. (J. Saramago, LC, 54. apud Cunha & Cintra

(1985))

Curioso verificar que os pronomes possessivos incorporaram valores

completamente distantes do seu sentido originário, como indefinição (1), aproximação

numérica (2) e designação de um hábito (3), muitas vezes, impregnados de valores

afetivos (4) e (5). Dessarte, a nomenclatura pronomes possessivos engloba significados

diferentes da relação mais básica de posse (CUNHA & CINTRA, 1985; NEVES, 2000).

Além disso, de acordo com a estrutura formal, funcional e distribucional que

apresentam os pronomes possessivos, na gramática tradicional existem

fundamentalmente dois enfoques de descrição: 1) aqueles que, a partir da relação formal

e semântica com os pronomes pessoais, os classificam como pronomes e 2) aqueles que

os caracterizam como adjetivos, pois observam o funcionamento e as propriedades

combinatórias dos possessivos (CUNHA & CINTRA, 1985; CÂMARA JR., 1985).

Dessa forma, assim é representada a distribuição dos pronomes possessivos nas

gramáticas brasileiras:

Page 22: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

5

Tabela 1: A distribuição dos pronomes possessivos nas gramáticas tradicionais1

A tabela 1 apresenta uma regularidade para o uso dos pronomes possessivos

que são incompatíveis com a realidade. Assim, não há qualquer menção ao emprego de

de-possessivo, como o uso de de vocês2 em lugar de vosso ou dele/dela co-ocorrendo

junto a seu/sua. Além disso, a tabela indica o uso de teu para a segunda pessoa do

singular e seu para a terceira (com suas respectivas flexões), quando há uma confluência

das formas na referência à segunda pessoa que é, especificamente, o foco do presente

estudo. Assim sendo, de acordo com diferentes estudos sobre o tema3 este seria o quadro

de pronomes possessivos, encontrado atualmente no português brasileiro

contemporâneo:

1 Baseado na leitura da Gramática em textos, de Leila Sarmento. 2 Assis, Dalila Mendes dos Santos. Construções com de-possessivo na 2ª pessoa do plural: um estudo

sobre o percurso de de vocês na história do português. Monografia de conclusão de curso de graduação.

Rio de Janeiro, Faculdade de Letras da UFRJ, 2013.

http://www.portaldeperiodicos.letras.ufrj.br/index.php/clac/article/view/75/42 3 Destacam-se os estudos de Perini (1985), Oliveira e Silva (1991), Arduin (2005), Marcotulio e Lopes

(2013), entre outros.

Pronomes possessivos

Número Pessoa

Singular

meu, minha, meus, minhas

teu, tua, teus, tuas

seu, sua, seus, suas

Plural

nosso, nossa, nossos, nossas

vosso, vossa, vossos, vossas

seu, sua, seus, suas

Page 23: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

6

Pronomes possessivos

Número Pessoa

Singular

meu, minha, meus, minhas

teu/seu, tua/sua, teus/seus,

tuas/suas, de você4, do

senhor

seu, sua, seus, suas, dele,

deles, dela, delas

Plural

nosso, nossa, nossos,

nossas

seu, sua, seus, suas, de

vocês

seu, sua, seus, suas, dele,

deles, dela, delas

Tabela 2: Os pronomes possessivos no português brasileiro5

Nesse sentido, o presente estudo visa analisar especialmente a variação

existente entre os possessivos referentes à segunda pessoa do discurso: teu/seu,

diacronicamente, buscando explicar o que motiva tal variação e, principalmente, o que

levou o pronome seu, que era originariamente empregado para tratamento da terceira

pessoa, a ser utilizado para se referir à segunda pessoa do singular.

Na próxima seção será feito um resgate histórico dos pronomes no português

brasileiro, além de serem apresentados as hipóteses, questões e objetivos desta tese.

4 Importante destacar que, embora de você apareça como um pronome possessivo, pesquisas indicam que

seu emprego não é tão frequente, chegando a cerca de 2% (Guedes, 2014), 5 Baseado no estudo de Soares (1999).

Page 24: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

7

2.2 – Pronomes possessivos: história, hipóteses e objetivos

É possível afirmar que, nos últimos anos, a alternância entre tu/você, como

estratégia de referência ao interlocutor, tornou-se objeto de diferentes estudos

sincrônicos e diacrônicos6. De acordo com tais estudos, o pronome tu ocorria

preferencialmente nulo nas relações de maior intimidade entre homens entre os séculos

XIX e início do XX. A forma você, por outro lado, passou por um processo de

gramaticalização e era empregada, entre os séculos XVIII e XIX, como sujeito pleno,

principalmente em cartas femininas ou em relações que conferiam menor intimidade

entre os participantes (RUMEU, 2008).

Interessante comentar que os trabalhos diacrônicos mostraram que a forma você,

por ser oriunda do pronome de tratamento Vossa Mercê, ora comportava-se como uma

variante do pronome tu, em (6), ora era empregada em contextos de maior

distanciamento entre os interlocutores para amenizar pedidos e ordens, como se vê em

(7):

(6) “Talvez você | lhe preste bom serviço | ficando ahi mais tem- | po

para ver o que ha a | respeito, escrever lhe sem- | pre dando noticias

emfim | com o seu tino e amabilida- | de podes perceber o que | há é

preciso cuidado que | sabem iludir a gente; as- | sim prestarás bom

serviço | a Papai que muito precisa | e que nos quer tanto bem. | Vocé

ahi é pessoa amiga | dedicada de toda confian- | ça de Papai e isso nos

va- | le muito e muito agora.” (Carta de Maria Guilhermina Penna a

Affonso Penna Júnior em 16/11/1908)

(7) “(...) não tenhas man | dado o que me disseste doaria a Camara |

para ser collocada no lugar de honra seria | bom que no dia 7, voce vissi

e não podendo | talvez o Amarilio com algum companheiro | que

[pudessi] discursar e fazer propaganda eu | mandaria a condução.”

(Carta de Manuel Penna a Affonso Penna Júnior, em 24/08/1909)

Souza (2012) analisou cartas pessoais escritas durante os anos de 1870 e 1970 e

observou a implementação de você na virada do século. A autora evidenciou que, até o

final do século XIX, o pronome tu era a forma mais recorrente de tratamento ao

interlocutor. No início do século XX, a competição entre tu/você torna-se mais evidente,

quando os índices de frequência passam a ser bastante equilibrados. Já no período entre

6 Cf. Lopes/Duarte, 2003; Machado, 2006; Lopes e Machado, 2005; Rumeu, 2008; Souza, 2012 Pereira,

2012; Silva, 2012; Paredes e Silva; 2000, 2003.

Page 25: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

8

os anos de 1940 e 1970, o pronome tu é suplantado pela forma você, ocorrendo como a

estratégia quase absoluta de referência ao interlocutor.

Cabe ressaltar que, em um período de 100 anos, os valores das duas formas e

mesmo as relações sociais modificaram-se. No final do século XIX, o pronome tu era

empregado em relações de maior proximidade entre remetente e destinatário, enquanto a

forma você, que ainda guardava resquícios do tratamento original Vossa Mercê, era

empregada em contextos de maior formalidade ou menor intimidade entre os

interlocutores. Em um segundo momento, a forma você passa a ser empregada nos

mesmos contextos funcionais do pronome tu, sendo utilizada em contextos menos

formais. A partir da década de 1940, você suplantou a estratégia mais antiga devido ao

espraiamento pelos contextos típicos de tu. Souza (2012) credita tal mudança ao

desbotamento semântico sofrido pela forma você, que, segundo a autora “era uma

estratégia de referência neutra, à medida que deixou de marcar fortemente deferência e

distanciamento, tornou-se uma estratégia que não era nem tão íntima e nem tão

distanciada” (p. 137). Nesse sentido, devido à neutralidade de você, essa forma “tornou-

se uma estratégia “coringa” para os novos papeis sociais das sociedades

contemporâneas, principalmente em uma cidade cosmopolita como o Rio de Janeiro”

(LOPES e MARCOTULIO, 2013, p. 2)

Em termos sincrônicos, embora não haja um estudo descritivo completo da atual

situação do sistema pronominal de tratamento do português brasileiro, Scherre et alii

(2015) realizaram uma síntese sobre os estudos de variação tu/você no Brasil e

apresentam uma descrição, na qual propõem a existência de seis subsistemas de

tratamento no Brasil: (i) você, (ii) tu (concordância baixa), (iii) você/tu (sem

concordância), (iv) tu (concordância média), (v) você/tu (concordância muito baixa) e

(vi) você/tu (concordância médio/baixa).

Assim sendo, os estudos sincrônicos corroboram os resultados encontrados nas

pesquisas diacrônicas, mostrando que o pronome tu, mesmo tendo sido suplantado pela

forma você, quando aparece na fala, como descreve Maia (2012), geralmente é

encontrado em informantes masculinos, que o utilizam “em atos de fala mais solidários

e diretos, sinalizando certeza, ordem e obrigação” (2012, p. 122). Já a forma você

continua sendo mais produtiva na fala feminina, por ser “menos marcada socialmente”

(2012, p. 122). Seu emprego ocorre com maior profusão “em atos de fala neutros e/ou

menos ameaçadores ao interlocutor, quando se quer indicar uma possibilidade ou

quando se faz um aconselhamento” (2012, p. 122).

Page 26: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

9

Além disso, estudos sincrônicos como o de Vargas (2010) mostram que a forma

você também é utilizada, a partir da década de 1970, como uma estratégia bastante

expressiva de indeterminação do sujeito, como comenta o cronista João Ubaldo Ribeiro,

que critica, justamente, o fato da forma você ser utilizada não somente como uma

estratégia de referência ao interlocutor, mas também como uma forma para não se

referir a um sujeito específico:

“Não pretendia voltar a escrever sobre

como a língua vai mudando, por não se

quer ser chamado de velho caturra, mas

esta semana (ou, segundo a atual usança,

“nesta semana”), (...) outra usança:

estabeleceu-se o “você”, no lugar do

nosso bem mais respeitável “se”. Agora

não se faz mais nada, é você quem faz.

Por exemplo, a afirmação “deve-se

checar” é substituída por “você deve

checar”. De novo, só se ouve falar assim

e de novo temo que se transforme em

regra, até porque você escuta muito isso

dos próprios professores e você sabe

que, quando, você aprende algo na

infância, você nunca esquece e aí você

usa na vida o que você aprende na

escola.” (O Globo, 7 de Junho de 2009

apud Vargas 2010: 11)

Nesse sentido, todos os estudos feitos até então permitem que se afirme que a

entrada do pronome você no quadro de pronomes do português brasileiro provocou um

verdadeiro redesenho das formas pronominais e verbais, configurando morfológica e

sintaticamente o português moderno. Lopes e Marcotulio (2013) vão ainda mais além e

afirmam que as formas acusativas (complemento direto) e dativas (clíticos dativos ou

sintagmas preposicionados com a ou para) são os contextos em que mais se mantêm as

formas originais do paradigma de tu. Por outro lado, as formas oblíquas (complementos

de preposições) e genitivas (possessivos) estão mais propensas à implementação das

formas ligadas ao paradigma de você.

Na verdade, os autores discutem, justamente, por que as formas o/a (forma

acusativa), lhe (forma dativa), preposição + você (forma oblíqua) e seu (forma

genitiva), originais do paradigma de você, foram implementadas em detrimento das

Page 27: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

10

outras formas do paradigma de tu, como te (forma acusativa), preposição + ti (forma

dativa), contigo (forma oblíqua) e teu (forma genitiva).

Segundo Lopes e Marcotulio (2013), no português hoje, há coexistência entre as

formas do paradigma de você com as formas do paradigma de tu, configurando um

paradigma misto para a segunda pessoa. Os resultados encontrados apontam que as

formas acusativas e dativas são as mais resistentes à inserção de formas relacionadas ao

paradigma de você. Já as formas oblíquas e genitivas, ao contrário, mostraram-se mais

propícias à implementação das novas formas. Além disso, os autores comentam que as

formas genitivas, isto é, os pronomes possessivos, possuem comportamento

diferenciado dos demais pronomes, uma vez que “formas acusativas e dativas do

paradigma de você tendem a ter implementação nula ou limitada; por outro lado, a

forma genitiva seu mostra uma alta taxa de produtividade” (p. 12).

Na tentativa de explicar por que algumas formas mostram-se mais resistentes

dos que outras, os autores argumentam que, pelo fato da forma você ser especificada

para o traço de pessoa (2P), haverá preferência da língua por formas de complemento e

possessivo que também sejam especificadas para pessoa. Nesse sentido, no que tange à

forma genitiva, o possessivo teu deveria restringir o emprego de seu, mas os resultados

mostram exatamente o contrário: o genitivo seu, além de não ter sido descartado,

apresenta uma alta produtividade de uso.

Assim, para os autores, o comportamento das formas possessivas distancia-se do

comportamento dos demais pronomes do paradigma de segunda pessoa, uma vez que as

formas acusativas e dativas do paradigma de você tendem a ter implementação nula ou

limitada, por não terem nenhum traço que ative a informação de pessoa ([0P e +/-

humano]).

A forma genitiva, embora não tenha também especificação para pessoa, possui

alta taxa de produtividade. Entretanto, os autores deixam essa questão em aberto, apenas

ressaltando que o fato de um possuidor necessariamente carregar um traço [+humano]

aliado à reorganização particular sofrida pelo sistema de possessivos no português

brasileiro são encaminhamentos para explicar a questão.

Pode-se perceber, portanto, que se fazem necessários mais estudos sobre a

variação existente em outros contextos morfossintáticos, com a finalidade de ampliar o

Page 28: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

11

entendimento sobre a configuração do sistema de tratamento do português brasileiro7.

Dessa maneira, o presente estudo objetiva analisar, diacronicamente, a variação

existente entre as formas simples de pronomes possessivos, isto é, teu/tua/seu/sua,

buscando explicar o que faz a forma possessiva seu/sua ter um comportamento tão

diferenciado em relação a outros subgrupos pronominais como discutido em Lopes e

Marcotulio (2013), entre outros estudos.

Para a realização do presente trabalho, propõe-se uma análise na longa duração

(1870 a 1980), com base em cartas particulares, para verificar os contextos linguísticos

e extralinguísticos que influenciam na variação entre os pronomes possessivos

referentes à segunda pessoa. Para tanto, a análise quantitativa e qualitativa dos dados

baseia-se nos pressupostos da sociolinguística variacionista (LABOV, 1994;

WEINREICH, HERZOG & LABOV, 1968). No entanto, como os trabalhos que

verificavam a variação no sujeito já mostraram que, a depender do contexto e da

situação comunicativa, o emprego pronominal pode mudar, tal hipótese é levada em

consideração na análise da variação das formas possessivas. Dessa forma, a variação das

formas teu/seu levará em conta a teoria de Poder e Solidariedade proposta por Brown e

Gilman (1960) e a Teoria da Polidez, proposta por Brown & Levinson (1987).

O presente estudo possui duas hipóteses norteadoras. A primeira é a de que a

variação encontrada nos pronomes possessivos comporta-se de maneira similar aos

resultados encontrados no que concerne à posição de sujeito de segunda pessoa, seja

pleno ou nulo. Dessa maneira, acredita-se que o possessivo seu como segunda pessoa

acompanha a entrada da forma você no quadro pronominal. Assim, supõe-se que alguns

dos contextos linguísticos, como o tratamento empregado, e extralinguísticos, a

exemplo do período histórico e a simetria/assimetria na relação estabelecida entre os

interlocutores, que regem a variação entre você e tu na posição de sujeito, são relevantes

para a análise dos pronomes possessivos.

A outra hipótese de estudo é a de que o possessivo seu/sua, por estar relacionado

à forma você, teria o mesmo comportamento polifuncional do pronome pessoal

correspondente. Isso quer dizer que seu assumiria diferentes valores ao longo do tempo

seja funcionando como variante do possessivo teu/tua, seja sendo empregado em

contextos comunicativos que distanciam os interlocutores, ou ainda, assumindo

7 Destacam-se os estudos de Oliveira (2014), Souza (2014), Rumeu (2013) Marcotulio (2012) e Lopes e

Cavalcante (2011) que mostram as reorganizações pelas quais passaram as formas acusativas, dativas,

oblíquas e genitivas.

Page 29: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

12

acepções de posses genéricas. Nesse último caso, seria estratégia relacionada a um você

como estratégia de indeterminação do sujeito.

Além disso, é importante considerar alguns aspectos para a realização da

presente tese. A primeira delas diz respeito à natureza do objeto de estudo: o pronome

possessivo seu era originalmente empregado para referir-se à terceira pessoa do

discurso, mas, ao acompanhar o pronome você, passou a ser empregado também no

trato ao interlocutor, isto é, como pronome de segunda pessoa. Assim, uma

ambiguidade também se instaura nesse novo quadro de pronomes, já que o possessivo

seu pode se referir tanto à segunda (você trouxe o seu apoio e sua contribuição) quanto à

terceira pessoa (ele trouxe seu apoio e sua contribuição) ao lado de dele. Inúmeros

estudos8 atribuem o crescimento no uso de dele/dela como forma de mitigar essa

ambivalência, principalmente na fala.

Essa obscuridade é tanta no emprego de seu que são infindáveis os artigos em

blogs e em outras páginas na internet que visam ajudar o leitor a não cometer gafes ao

empregar o pronome possessivo9. O fato desse pronome não marcar uma pessoa no

discurso é o primeiro aspecto relevante para que a interpretação de uma simples

sentença como o professor comentou com os alunos suas deficiências gere dúvidas

sobre a quem deficiências refere-se: professor ou alunos.

Ademais, em um novo sistema pronominal misto com antigas formas de terceira

pessoa, como você, referindo-se à segunda pessoa, ambiguidades podem ser geradas.

Em uma frase como vou convidar Maria e seu noivo para minha festa, seu noivo pode

relacionar-se tanto ao noivo de Maria/noivo dela ou ao noivo do ouvinte, o teu noivo.

Assim, como o presente estudo é de longa duração e, portanto, se refere a períodos

anteriores, durante e pós-inserção do pronome você, pode-se verificar se há

ambiguidade no uso do pronome no tratamento ao interlocutor.

Dessa forma, o presente estudo possui os seguintes objetivos:

• Analisar a correlação entre os pronomes de segunda pessoa utilizados e a forma

empregada na posição de sujeito. Nesse sentido, espera-se que, em cartas de

sujeito tu exclusivo, encontrar-se-á o possessivo correlato teu/tua; em cartas cujo

8 Oliveira e Silva (1982); Oliveira e Silva (1994), Monteiro (1994), entre outros. 9 Alguns sites encontrados: http://www.recantodasletras.com.br/gramatica/1054820;

http://forum.wordreference.com/threads/ambiguidade-do-pronome-possessivo-seu.2549446/;

http://www.folhape.com.br/blogdosconcursos/?p=23555.

Page 30: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

13

sujeito é você exclusivo, o possessivo utilizado seria seu/sua; já em cartas em

que há mescla de sujeitos tu/você, o emprego majoritário seria de teu/tua.

• Mostrar com a análise diacrônica que o possessivo seu/sua entrou no quadro

pronominal do português brasileiro juntamente com a forma você. Assim, como

tal forma tratamental possuía resquícios de cerimônia oriundos da forma original

Vossa Mercê, o trabalho pretende comprovar que o possessivo seu/sua também

era responsável por carregar uma carga de formalidade.

• A pesquisa busca confirmar que o possessivo seu/sua acompanha a forma você

e, por isso, possui caráter polifuncional: ora mantém traços de formalidade,

cortesia e distanciamento, ora é íntimo.

Através dos objetivos e questões que essa tese propõe-se a responder, pretende-

se mapear a distribuição de seu qualitativa e quantitativamente. Para isso, é preciso

apresentar a revisão bibliográfica sobre a variação das formas possessivas, com o intuito

de entender um pouco mais as discussões já propostas sobre o tema. Assim, será

apresentada, na próxima seção, a revisão bibliográfica.

Page 31: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

14

2.3 – Outros estudos sobre o tema

A maioria das análises linguísticas sobre a variação possessiva concentra-se na

terceira pessoa (seu/dele), embora já haja algumas incursões sobre a variação teu/seu na

fala e na escrita seja na sincronia ou na diacronia. A seção se inicia com os estudos mais

teóricos, como os de Perini (1985) e de Kato (1985), com as possíveis explicações

funcionais e formais para a emergência de dele no lugar de seu. Parte-se, em seguida,

para as análises descritivas ainda observando a terceira pessoa e, por fim, apresentam-se

os trabalhos empíricos sobre a variação teu/seu no português brasileiro principalmente.

Os resultados observados nos estudos revistos aqui fundamentaram a formulação de

algumas das hipóteses a serem testadas na tese.

Um dos trabalhos mais antigos que aborda a questão da variação pronominal

possessiva é Perini (1985). Em seu estudo o autor discute, através da ótica funcionalista,

o sistema pronominal do português coloquial na parte central do Brasil (Rio de Janeiro,

Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Goiás, São Paulo e outras áreas), estabelecendo

distinções com as regiões Norte e Sul do país. No quadro apresentado, o autor

estabelece a correspondência entre os pronomes pessoais em (1), os possessivos

descritos como português padrão em (2) e os possessivos da região central do país:

Tabela 3: O sistema pronominal em diferentes regiões do Brasil, segundo Perini Fonte: Perini 1995

Como é possível observar na tabela 3, há, no português ensinado nas gramáticas

normativas, uma única forma para marcar a segunda e terceira pessoas, o que causa,

muitas vezes, ambiguidade. Na linguagem escrita, a ambiguidade é mais facilmente

(1)

Pronomes pessoais

do

português coloquial

ou

do padrão

(2)

Pronomes

possessivos

associados

aos pronomes

pessoais referentes

ao português

padrão

(3)

Sistemas de

possessivos para

o português

coloquial da

região central do

País

Singular 1ª pessoa Eu Meu Meu

2ª pessoa Você Seu Seu

3ª pessoa Ele/Ela Seu Dele

Plural 1ª pessoa Nós Nosso Nosso

2ª pessoa Vocês Seu De vocês

3ª pessoa Eles/Elas Seu Deles

Page 32: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

15

eliminada pelas possibilidades referenciais presentes no enunciado. Assim, o autor

levanta quatro questões para investigar o problema:

(a) Por que o pronome seu não manteve seus diversos sentidos (isto é, por que o sistema

apresentado no princípio (2) não permaneceu válido para o português coloquial)?

(b) Por que meu e nosso não foram também substituídos por construções do tipo de +

N?

(c) Por que seu foi mantido em um de seus sentidos (isto é, por que não foi substituído

por *de você)?

(d) Por que seu foi mantido em seu sentido de 2ª pessoa do singular e não no de 3ª do

singular, 2ª do plural ou 3ª do plural?

Com o intuito de responder as questões, Perini formula dois princípios:

Princípio Um: A ambiguidade deve ser evitada sempre que impedir a recuperação da

pessoa gramatical referida.

Princípio Dois: Quando um sistema é alterado para atender ao Princípio Um, só se

admitem alterações mínimas.

Segundo o autor, a primeira questão colocada é respondida através do Princípio

Um, já que tal princípio impediria a existência de um possessivo cuja pessoa gramatical

não se pode recuperar sem ambiguidade. A segunda pergunta é respondida com o

Princípio Dois, que determina que só são admitidas mínimas alterações, assim, só os

casos ambíguos foram substituídos por construções de + N. Perini também responde à

terceira questão com o Princípio Dois: de acordo com o autor, para evitar que os

pronomes você, vocês, ele e eles tenham todos um único possessivo (seu) a solução

mais econômica é desmarcar todos menos um deles. Assim, evitam-se as exceções e

seus possessivos de maneira geral se formam através de uma construção de + N. Para o

autor, seria fácil evidenciar que seu permanece em um de seus significados. Por isso,

você continua marcado e sua forma possessiva continua sendo seu e não *de você. O

autor afirma não ter resposta satisfatória para a última questão, uma vez que os

princípios formulados por ele não respondem a esse questionamento.

A partir do estudo de Perini (1985), Kato (1985) propõe uma discussão com base

em uma abordagem teórica distinta. A autora rebate Perini (1995) mostrando que as

formas *de você e *de mim, consideradas agramaticais pelo autor, são, na verdade,

restrições de uso, apenas não-ocorrentes ou de baixa produtividade na língua. A autora

admite que, em São Paulo, os falantes utilizem na fala o possessivo teu, o que contraria

Perini. Para a autora não há ambiguidade quanto à pessoa, mas sim quanto ao grau de

Page 33: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

16

intimidade. Assim, a forma de você marca a relação interpessoal como íntima, enquanto

seu não é marcado quanto a isso. Nesse sentido, a forma não-marcada seria cômoda,

principalmente quando o falante não está certo de como tratar determinada pessoa. A

autora afirma que é possível suprimir o sujeito pronominal em situações reais de

comunicação e, nesses casos, o possessivo seu é oportuno.

Cunha Lacerda (2010) acena para a ausência de trabalhos que comentem sobre

os possessivos seu e dele antes do século XV. O estudo busca mostrar a inserção de dele

como possessivo na língua portuguesa, além de verificar a distribuição das variantes

átonas de seu. A autora consegue delinear fatores que colaboraram para o desuso das

formas possessivas átonas, identificando contextos que favoreceram a variante dele.

O estudo aponta que havia uma competição entre as variantes átonas e os artigos

definidos pela posição de núcleo da categoria funcional D. Assim, o aumento da

frequência do artigo diante de possessivo no português arcaico levou “à queda das

variantes átonas de ‘seu’” (p. 33). Enquanto havia a concorrência entre formas átonas e

artigos pela ocupação da mesma posição, dele era favorecido por contextos [+

específicos], caracterizados pela presença de artigo definido.

Também analisando a variação seu/dele, Oliveira e Silva (1982) fez um estudo

sobre tal variação em corpora escritos, nos quais o possessivo seu é mais frequente do

que em corpora orais. Seu estudo mostrou que os fatores envolvidos na variação entre

seu e dele agem na tentativa de diminuir a ambiguidade gerada pelos diferentes

empregos de seu em português (segunda e terceira pessoas do singular e plural). A

autora analisou corpora dos séculos XV, XVI e XVII e constatou que o fato do

possuidor ser humano favorecia o uso do pronome seu. No entanto, segundo a autora, já

no século XVIII, houve total alteração desse comportamento: a forma dele passou a ser

atribuída a humanos, enquanto seu passou a atribuir objetos.

Em seu trabalho de 1991, Oliveira e Silva, ainda analisando a variação seu/dele,

investiga a influência do fator definitude. Seus resultados indicam que um possuidor

indefinido propicia o emprego de seu. Por outro lado, a autora afirma que, quando o

possuidor está totalmente definido, há inibição quase que total da forma seu, havendo o

emprego de dele. Os exemplos a seguir (OLIVEIRA E SILVA, 1991, p. 90) ilustram as

conclusões da autora:

(8) Todo mundo teve que ir requerer as suas luzi, né? (C040177)

Page 34: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

17

(9) (falando da cantora Gretchen) Ela agita a música dela, sabe?

(C64252)

Ainda discutindo a questão de seu/dele, Negrão e Müller (1996) apresentam os

resultados de uma pesquisa realizada por Almeida (1993) com dados do Projeto NURC

do estado de São Paulo. Segundo as autoras, as formas possessivas de terceira pessoa

passam por um processo de especialização de acordo com o eixo semântico de

referencialidade. Assim, o possessivo seu se especializou em recuperar sintagmas

nominais não-referenciais. Tais resultados corroboram os resultados de Oliveira e Silva,

já que mostram que o possessivo seu retoma sintagmas genéricos, enquanto a forma

dele é empregada na retomada de sintagmas específicos, como se pode observar a

seguir:

(10) “(...) o telégrafo vai até perdendo sua importância” (NURC/SP);

(11) “(...) foi a primeira peça que o Ziembinski apresentou em toda a

vida dele na carreira dele...” (NURC/SP).

É perceptível que a maioria dos estudos de variação das formas possessivas

encontra-se no âmbito da terceira pessoa do singular, havendo poucos estudos que

tratem da variação teu/seu propriamente dita. Um estudo relativamente recente sobre a

segunda pessoa é o de Arduin (2005). A autora analisou a variação dos pronomes

possessivos de segunda pessoa do singular, nas cidades de Blumenau, Chapecó, Flores

da Cunha, Florianópolis, Lages, Panambi, Porto Alegre e São Borja, considerando tanto

os aspectos linguísticos quanto os aspectos sociais da variação, à luz dos pressupostos

teóricos da sociolinguística variacionista aliados ao estudo de Brown e Gilman (2003)

The Pronouns of Power and Solidarity.

Os dados foram coletados através de 192 entrevistas pertencentes ao banco de

dados VARSUL (Variação Linguística Urbana da Região Sul do Brasil), que são

estratificadas de acordo com algumas variáveis como faixa etária, sexo, escolaridade e

região (etnia). Os resultados da pesquisa indicaram que há uma relação entre a

utilização dos pronomes pessoais tu e você e o emprego dos pronomes possessivos teu e

seu. No que se refere aos fatores sociais, os resultados indicam que as mulheres tendem

a utilizar mais o possessivo teu, já que há indícios de que este possessivo tenha prestígio

naquelas regiões, embora o possessivo seu não sofra estigmas. A escolaridade foi outro

grupo significativo em seu trabalho, uma vez que mostrou que os informantes de nível

Page 35: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

18

ginasial possuíam maior tendência a utilizar o possessivo teu. Por outro lado, o estudo

também aponta que as questões de poder e solidariedade também atuam no emprego

dos possessivos: os resultados mostraram que o pronome teu é mais utilizado em

relações simétricas ou assimétricas de superior para inferior, enquanto seu é mais

empregado nas relações de inferior para superior. Além disso, há maior emprego de teu

pelos informantes mais jovens, que é a forma mais solidária, o que, segundo a autora,

corrobora o estudo de Brown e Gilman (2003) sobre as alterações que vêm acontecendo

nas sociedades modernas.

Soares (1999), em seu estudo, busca descrever o funcionamento dos pronomes

possessivos de segunda e terceira pessoas, observando como os fatores linguísticos e

extralinguísticos estariam condicionando o uso, na linguagem oral, dos pronomes em

estudo. Para tanto, o autor utiliza-se do banco de dados do VARSUL em quatro cidades

do Paraná: Curitiba, Irati, Londrina e Pato Branco. Nesse sentido, as formas

pronominais possessivas analisadas são teu, seu, de você e do senhor referentes à

segunda pessoa do singular e seu e dele para a terceira pessoa.

Os resultados encontrados pelo pesquisador revelaram que o possessivo teu era

mais empregado por falantes mais jovens com formação correspondente ao segundo

grau. Seu, por outro lado, foi mais recorrente entre falantes adultos, porém, com

formação escolar correspondente ao primário. No que tange a variação possessiva na

terceira pessoa, constatou-se que dele, em geral, é utilizado com referentes

determinados e específicos, já seu é mais empregado com referentes indeterminados,

quase de maneira absoluta, anteposto ao substantivo.

Com relação ao valor semântico dos possessivos, a análise mostrou que alguns

ambientes eram mais favorecedores para a ocorrência dos pronomes. A utilização de

teu, por exemplo, é favorecida quando a relação entre possuidor e possuído faz

referência às partes do corpo. Em contrapartida, seu favorece-se em ambientes que

mostram uma característica psicológica ou física do possuidor ao possuído. O autor

finaliza ratificando a necessidade de estudos que descrevam de fato o português falado

no Brasil.

Mendes (2008) fez um estudo em que buscava descrever a variação entre

pronomes possessivos de segunda e terceira pessoas do singular através de entrevistas

realizadas em quatro cidade paranaenses: Curitiba, Irati, Londrina e Pato Branco,

responsáveis por compor o banco de dados do VARSUL.

Page 36: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

19

A hipótese norteadora do trabalho era observar o grau de motivação que a

variação estilística exerceria sobre a ocorrência do possessivo seu, designando a

segunda pessoa do singular, em co-ocorrência com a forma teu, analisando contextos [+

formal] e [- formal] de fala. No que tange a variação seu/dele a generacidade seria

importante no processo de variação, isto é, o possessivo seu estaria mais propenso a

recuperar sintagmas nominais [+ genéricos], sendo este o elemento motivador de sua

permanência como pronome possessivo para a terceira pessoa do singular. Nesse

sentido, é a variação estilística que força a ocorrência de tal possessivo para a segunda

pessoa do singular.

A autora conclui, depois de sua investigação, que, no que se refere à variação de

possessivos de segunda pessoa do singular, contatou-se que a variação estilística

condiciona a escolha do falante entre teu/seu, mais precisamente, o tipo de relação –

(as)simétrica – que é instaurada entre os interlocutores. Resumidamente, teu é

categoricamente empregado em relações simétricas, enquanto seu é utilizado em

relações assimétricas, principalmente de inferior para superior. Por outro lado, no que se

refere à variação entre seu/dele, a hipótese da pesquisadora não foi confirmada, embora

não tenha sido de todo descartada, o que dependeria de maiores e mais aprofundados

estudos.

Em sua dissertação de doutorado, Castro (2006) estudou formas possessivas

simples e preposicionadas no português europeu. A autora mostra que os possessivos

simples em posição pré-nominal ocorrem em contextos definidos, ao passo que os pós-

nominais ocorrem em contextualização indefinida, contrastando os usos em Portugal e

no Brasil.

Os resultados do estudo são esclarecedores em diversos aspectos. Possessivos

simples podem ocorrer sem o artigo definido dentro de frases nominais argumentativas

no português brasileiro, possibilidade esta que é rejeitada no português europeu. Além

disso, dele é mais produtivo no Brasil do que em Portugal e, assim como outras formas

de-possessivas, ele só codifica as características de pessoa e número do possuidor, sem

concordar com o elemento possuído.

A pesquisadora mostra que seu possui quatro interpretações distintas: (i) terceira

pessoa do singular ou plural; (ii) possuidor masculino ou feminino (iii) referência à

segunda pessoa no discurso, tanto no Brasil, quanto em Portugal; e (iv) referência à

segunda pessoa do plural no português do Brasil. Nesse sentido, a autora demonstra que

esse possessivo é ambíguo, diferentemente de dele.

Page 37: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

20

Assim, no que diz a variação entre as duas formas possessivas, seu e dele são

produtivas na língua. No entanto, a escolha é delimitada pelo antecedente: dele só

ocorre com antecedentes referenciais, enquanto seu pode ocorrer com um antecedente

referencial ou não. As formas, aparentemente, são variantes em contextos de

antecedentes referenciais e os resultados apontaram para o emprego de dele no discurso

oral e informal, ao passo que seu é mais recorrente na escrita e em discursos formais.

Em estudo mais recente sobre o tema, Marcotulio e Lopes (2013) ilustram como

a entrada da forma você no português fez com que houvesse um grande rearranjo no

quadro pronominal de segunda pessoa do singular. Os autores, utilizando um corpus

composto por cartas pessoais, mostram que em fins do século XIX e início do XX já é

possível delinear mudanças que são vistas na atual sincronia.

Assim, o estudo pretende apontar em que medida as formas acusativas, oblíquas,

dativas e genitivas relacionadas ao paradigma de você são implementadas em

detrimento das formas originais do paradigma de tu. Nesse sentido, o trabalho evidencia

que os contextos de acusativo e dativo mostram-se mais resistente à entrada das formas

do paradigma de você, ao passo que o genitivo e oblíquo estão mais propícios à sua

implementação. Isso se deveu possivelmente ao fato de as formas acusativas e dativas

do paradigma de você (o/a e lhe) serem menos transparentes quanto ao traço de pessoa

se comparadas ao clítico te, por isso a sua manutenção.

No entanto, no que se refere ao possessivo, especificamente, a utilização de seu

para a segunda pessoa estaria relacionada ao fato de tal forma, embora não ser marcada

para pessoa, possuir o traço [+ possuidor], que pressupõe necessariamente a informação

de pessoa, por isso o mesmo mostra-se produtivo.

Monteiro (1994) faz uma análise muito abrangente sobre o sistema pronominal

da língua portuguesa com base em dados de fala. Seu corpus é constituído por 60

inquéritos com 15 mil dados de fala em cinco capitais brasileiras: Recife, Salvador, Rio

de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. A amostra faz parte do Arquivo Sonoro do Projeto

NURC/Brasil e analisa a natureza dos pronomes, suas funções dêitica e anafórica, além

da variação e reestruturação do sistema pronominal.

Entre tantas constatações, o autor mostra que o pronome tu foi praticamente

substituído por você, na posição de sujeito, em quase todas as capitais brasileiras

estudadas, com exceção de Porto Alegre. Tal modificação, segundo o autor, provoca

ajustes similares nas outras funções pronominais. No entanto, serão comentados aqui

apenas a variação das formas possessivas.

Page 38: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

21

Monteiro afirma ser difícil saber em que situação se encontra o processo de

mudança nessa categoria devido à introdução de expressões genitivas como dele, de

você, entre outras. Mas o autor declara que “o destino sem dúvida será análogo ao dos

pronomes retos e oblíquos, uma vez que todos integram a rigor um só e mesmo sistema”

(p. 205). O quadro abaixo ilustra a frequência dos pronomes possessivos na amostra:

Tabela 4: Frequência dos pronomes possessivos, em valores absolutos e percentuais (Monteiro 1994, p.

206 – grifo nosso)

Ressalta-se que nos inquéritos analisados pelo pesquisador, os informantes falam

muito de si e de suas experiências, por isso a grande quantidade de pronomes

possessivos relacionados à primeira pessoa. Entretanto, cabe ressaltar que o autor

distingue a forma seu relacionada à segunda e terceira pessoas. Dessa forma, Monteiro

ratifica que existem dois seu’s diferentes: o seu que se refere à segunda pessoa do

singular e está em variação com teu, e o seu que se relaciona com a terceira pessoa e,

portanto, está em variação com dele.

Nesse sentido, é importante mencionar que a tabela aponta que, na sincronia,

ainda há variação entre teu e seu, mesmo esse último tendo emprego majoritário. Apesar

de o estudo não se deter no assunto, nem especificar em quais das capitais foram

encontradas as ocorrências, tal observação é interessante, pois mostra que a variação

dessas formas possessivas ainda persiste no sistema pronominal.

Martins e Vargas (2014), em artigo denominado Os possessivos de segunda

pessoa do singular em cartas de leitores de jornais brasileiros dos séculos XIX e XX,

com base nos pressupostos teóricos metodológicos da teoria da variação e mudança,

descrevem e analisam o processo de variação envolvendo pronomes possessivos

Possessivos N %

MEU(S), MINHA(S) 554 44

TEU(S), TUA(S) 12 1

SEU(S), SUA(S) – (2ª p.) 88 7

SEU(S), SUA(S) (3ª p.) 282 22

NOSSO(S), NOSSA(S) 132 10

DELE(S), DELA(S) 196 16

Total 1264 100

Page 39: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

22

referentes à segunda pessoa através de cartas de leitores de jornais brasileiros entre os

séculos XIX e XX.

Nesse sentido, as cartas acabam por representar um retrato da imprensa

brasileira em diferentes regiões brasileiras, a saber: Sul, Sudeste e Nordeste. Os

resultados apontam para a coexistência entre as formas teu/tua e seu/sua, além do

emprego desses pronomes estarem fortemente condicionados à natureza sociodiscursiva

das cartas de leitores no curso dos séculos e pelas diferentes regiões onde foram

produzidas.

Os autores mostram que, muito embora as mudanças ocorridas no sistema

pronominal do português brasileiro tenham influenciado no processo de variação no

quadro de possessivos, a alternância entre teu/seu, no estudo, não está diretamente

correlacionada à alternância entre os pronomes tu e você na posição de sujeito. Os

resultados encontrados mostram que você aparece revestido do aspecto semântico-

pragmático de vossa mercê (p. 392), isto é, nas cartas de leitores, ainda preserva traços

de respeito e cortesia entre leitor e redator.

O trabalho mostra que a localidade apresentou diferenças no tocante aos

resultados. Assim, estados como Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro apresentam uso

categórico do pronome possessivo seu, por outro lado, em Santa Catarina e Bahia, o

número de ocorrências de teu é mais significativo: respectivamente 30% e 25%. Os

autores comentam que o uso de tu nessas localidades influencia na realização do

possessivo.

Por fim, os pesquisadores concluem que os resultados apresentados pelas

diferentes localidades são refratários à mudança, pelo fato de mostrarem a forma

pronominal você equivalente a uma forma de tratamento ainda fortemente marcada com

traços de cortesia. Nesse sentido, não existe variação teu/seu, mas sim seu/vosso, uma

vez que você não se configura, no corpus analisado, como variante de tu. Assim sendo,

o pronome possessivo seu assume, nas cartas, um status mais cerimonioso, formal,

polido e cortês.

De maneira geral, os estudos, mesmo sendo de natureza e utilizando corpora

distintos, apontam para as mesmas conclusões: o possesivo teu é empregado em

contextos em que há maior intimidade e proximidade entre os interlocutores, ao passo

que seu, por ter um caráter mais neutro, é empregado em contextos de menor intimidade

e em relações mais distantes e não-próximas. Além disso, a entrada de dele como forma

possessiva de referência à terceira pessoa fez com que o possessivo seu perdesse seu

Page 40: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

23

caráter original de remeter-se, principalmente na fala, à terceira pessoa, reforçando seu

emprego como segunda pessoa.

Em síntese, é possível afirmar que a variação seu/dele, isto é, no âmbito da

terceira pessoa do singular, é mais estudada na linguística do que a variação teu/seu, que

discute a alternância para a segunda pessoa. Assim, em geral, os estudos apontam para o

emprego de seu terceira pessoa para usos mais genéricos e pouco específicos, enquanto

dele carece de um referente mais específico.

Por outro lado, os trabalhos que se propõem a verificar a alternância entre teu e

seu, em geral, são referentes à atual sincronia, principalmente nos estados referentes à

região Sul do Brasil, uma vez que eles apresentam uma variação maior entre os dois

pronomes. Nesse sentido, observa-se, de forma mais geral, o emprego de teu em

contextos de maior intimidade entre os interlocutores, enquanto o pronome seu parece

possuir uma neutralidade, o que o configura como uma estratégia mais utilizada em

situações em que os interactantes não são tão próximos.

Dessa forma, o próximo capítulo relaciona-se à metodologia empregada para a

realização dessa pesquisa.

Page 41: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

24

3 – Pressupostos Teóricos e Metodológicos

3.1 – A teoria da variação e a sociolinguística histórica

- Princípios básicos de variação e mudança

O final da década de 1960 constitui-se como um momento de virada para a

linguística, uma vez que é nesse período que começam a surgir os primeiros trabalhos

sociolinguísticos e, com isso, uma mudança significativa se dá na abordagem do

conceito de língua discutida desde Saussure.

A proposta de Weinrech, Labov & Herzog (1968) sobre os princípios da

mudança acabou por revolucionar as correntes linguísticas existentes até então, já que a

heterogeneidade passou a ser considerada como uma característica inerente a qualquer

língua, sendo esta suscetível às pressões sociais, o que, claramente, comprometia o

estudo da língua fora de seu contexto social. Tal visão contrariava correntes, como o

estruturalismo e o gerativismo, que concebiam a língua por ela mesma, como uma

estrutura abstrata, em que idealizavam o sistema linguístico de maneira uniforme,

homogêneo e estático. Nessa nova concepção, a heterogeneidade não ocorre de maneira

aleatória, mas sim, fundamentada por um conjunto de regras predizíveis.

Desse modo, é possível definir a sociolinguística, em sentido mais abrangente,

como uma subárea da Linguística responsável por estudar a língua aliada a aspectos

sociais, ou seja, analisando a correlação entre os aspectos linguísticos e sociais. Nesse

sentido, na sociolinguística, todas as línguas são inerentemente dinâmicas e

heterogêneas, ou seja, variáveis. O maior objeto de estudo da sociolinguística é a

variação, já que, como afirma Mollica (2003), a mesma é entendida “como um princípio

geral e universal, passível de ser descrita e analisada cientificamente” (p. 10). É

necessário, portanto, entender na sociolinguística que “as línguas não existem sem as

pessoas que as falam, e a história de uma língua é a história de seus falantes” , como

afirmou Calvet (1993, p.12).

Um dos primeiros estudos que consideram tal ótica é de Bernstein (1992),

especialista inglês em sociologia da educação. O autor é o primeiro a ponderar as

produções linguísticas reais e a situação sociológica dos falantes. Nesse sentido, seu

estudo focaliza o fracasso escolar de crianças da classe operária em comparação com as

crianças de classe média americana. Através dos usos linguísticos dessas crianças,

Page 42: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

25

propõe a existência de dois códigos: estrito e elaborado. O primeiro caracteriza-se léxica

e morfologicamente pela elaboração, estruturação gramatical complexa e precisa, além

do uso frequente de orações adverbiais, preposições, verbos na voz passiva, adjetivos e

advérbios. Por outro lado, o segundo código distingue-se do primeiro por ser restrito,

com estrutura gramatical simples e, normalmente, incompleta, uso de ordens e

perguntas, afirmações categóricas, repetição de pronome pessoais, uso limitado e mais

rígido de adjetivos e advérbios, baixo emprego de orações subordinadas adverbiais,

verbos na voz passiva e frequente substituição da expressão verbal por recursos não-

verbais.

O estudioso alerta para o fato de que não se pode afirmar que uma criança de

classe trabalhadora não seria capaz de produzir uma linguagem semelhante à de uma

criança de classe média. A diferença entre as duas, na verdade, relaciona-se como cada

uma associou linguagem e seu contexto. Seus estudos estão na base da hipótese do

déficit linguístico que pressupõe que o desenvolvimento da linguagem tem relação

direta com o desenvolvimento cognitivo, o que explica, sem sombra de dúvidas, o

“fracasso” escolar de alguns e o “sucesso” de outros. Dessa forma, a sociolinguística se

faz importante para que se entenda como os fatores sociais são condicionantes para

determinados usos linguísticos e, muitas vezes, para que se entenda um pouco da

própria sociedade.

Nesse contexto, Labov surge como o principal nome da linguística variacionista

por propor um estudo inovador, que considera o contexto social nas comunidades de

fala, com o objetivo de compreender sua sistematização e ampliar a competência

linguística. Assim, o autor faz duras críticas a Saussure e Chomsky e sua visão

estruturalista da língua, que é vista como um sistema sincronicamente homogêneo,

unitário e autônomo. Labov, ao contrário, defende a língua como um organismo vivo,

em constante transformação a depender da necessidade de seus usuários.

Dessa forma, acreditando que a variação e a mudança são características básicas

e evidentes de qualquer língua natural, a Sociolinguística Variacionista possui como

principal objetivo observar como os diferentes sistemas linguísticos sofrem mudanças.

Labov, inclusive, é categórico ao afirmar à Revista Virtual de Estudos da

Linguagem (2007) qual o objetivo da Sociolinguística:

“É a língua, o instrumento que as pessoas usam

para se comunicar com os outros na vida

Page 43: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

26

cotidiana. Esse é o objeto que é o alvo do

trabalho em Variação Linguística. Existem outros

ramos da Sociolinguística que estão preocupados

primordialmente com questões sociais: o

planejamento linguístico, a escolha pela

ortografia oficial e outros que se preocupam com

as consequências das ações de fala. Todas essas

são importantes áreas de estudo, mas eu sempre

tentei abordar as grandes questões da Linguística,

como determinar a estrutura da linguagem – suas

formas e organização subjacentes – e conhecer o

mecanismo e as causas da mudança linguística.

Os estudos da linguagem usada no dia-a-dia

provaram ser bastante úteis para alcançar esses

objetivos.”

A variação pressupõe que formas linguísticas variantes estejam coexistindo

dinamicamente (Mollica 2007, p.10). Tarallo (1986, p. 08) afirma que: "variantes

linguísticas são diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e

com o mesmo valor de verdade. A um conjunto de variantes dá-se o nome de variável

linguística". Cabe ressaltar que as variantes de uma mesma variável podem competir em

determinados contextos, o que ocasiona duas situações possíveis: (i) tal competição

pode ocorrer indefinidamente ou (ii) uma das formas pode se sobrepor a outra, o que

acarreta em um processo de mudança.

Segundo Labov (2006), o fenômeno variável deve ter alta frequência de uso e

deve, sobretudo, estar sujeito à influência de fatores sociais10 e de fatores linguísticos11.

Além disso, a proposta de regra variável de Labov implica nas seguintes questões: (i) a

necessidade de um grande número de dados, para que a regra variável seja analisada

quantitativamente, (ii) o objeto de descrição deve ser necessariamente um dado real e

(iii) a análise deve envolver diferentes fatores independentes, uma vez que esses são

responsáveis por influenciar a alternância das formas.

Assim sendo, a variação é a condição essencial para que a mudança linguística

ocorra, embora, nem todo processo de variação gere necessariamente uma mudança.

Assim, pelo fato da mudança não ocorrer de maneira repentina e inesperada, seria

possível identificar os diferentes momentos do processo de mudança. Segundo

Weinreich, Labov & Herzog (1968), para o estudo do processo de mudança, cinco

problemas empíricos precisam ser considerados:

10 Faixa etária, grau de escolaridade, sexo, entre outros. 11 Fonéticos e fonológicos, semânticos, morfológicos e sintáticos.

Page 44: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

27

1- Problema das restrições (constraints problem): define exatamente as

possibilidades estruturais que restringem e definem as possíveis mudanças

linguísticas.

2- Problema da transição (transition problem): relaciona-se com os diferentes

estágios do processo de mudança, isto é, o falante alterna o uso das formas

variantes em alguns contextos, até que se torne principal em todos os contextos

existentes.

3- Problema de encaixamento (embedding problem): de acordo com os autores,

toda variação/mudança acarreta outras mudanças, seja em nível linguístico ou

social.

4- Problema de avaliação (evaluation problem): os falantes não teriam consciência

nos estágios iniciais da mudança, entretanto, em estágios mais avançados, tal

consciência começa a se tornar possível e perceptível ao falante. Nesse sentido,

torna-se importante saber como os falantes avaliam a mudança e quais valores

são passados através dela, além do fato de que uma possível avaliação negativa

poderia interferir no processo de mudança.

5- Problema de implementação (actuation problem): a compreensão dos

mecanismos de implementação da mudança é movida pela seguinte indagação:

por que razão um determinado processo de mudança linguística aconteceu em

certo momento e lugar e não em outro?

No presente estudo, tentar-se-á responder algumas das questões apresentadas por

Weinreich, Labov & Herzog, levando em conta, principalmente, os problemas da

restrição, transição e encaixamento. O primeiro é bastante elementar nos estudos

variacionistas pelo controle que se faz dos fatores que condicionam o fenômeno

variável, no caso, a variação entre as formas possessivas de segunda pessoa (teu/seu). O

segundo refere-se ao mapeamento realizado na longa duração para identificar

cronologicamente estágios e/ou etapas para incremento de seu em referência à segunda

pessoa, além da identificação dos valores que essa forma inovadora foi assumindo nesse

percurso. Por fim, tem-se o problema de encaixamento, pois uma das hipóteses de

trabalho é a de que a variação teu/seu está relacionada à inserção da forma você no

quadro de pronomes do português brasileiro.

Page 45: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

28

Dessa forma, utilizar a sociolinguística para a realização do presente estudo é

fundamental, uma vez que a escolha tratamental dos falantes pode estar condicionada

aos valores que cada forma assume na interlocução. Nesse sentido, fatores linguísticos

atuam fortemente na variação existente nas formas possessivas, uma vez que se acredita

que o contexto em que o pronome está inserido pode influenciar nas escolhas

linguísticas feitas pelo próprio falante.

– Os problemas de um estudo diacrônico: a Sociolinguística Histórica

As discussões fundamentais da teoria da mudança apresentadas Weinreich,

Labov & Herzog (1968) constituem a chave para uma compreensão racional dos

processos de mudança linguística a partir da observação e descrição da heterogeneidade

ordenada que define todas as línguas vivas. Os fundamentos empíricos da mudança

desencadearam uma série de proposições complementares para o estudo e interpretação

dos dados do passado (cf. ROMAINE, 1999; CONDE SILVESTRE, 2007). A

linguística sociohistórica, mais recentemente denominada por Sociolinguística Histórica

procura aplicar para o passado os métodos e princípios que a sociolinguística

desenvolveu para situações de língua contemporânea. A ideia é a reconstrução histórica

da linguagem em seu contexto social. No entanto, para que isso seja possível, a

sociolinguística histórica depende da recuperação de fatos linguísticos passados a partir

de textos que sobreviveram na atualidade. Em consequência disso, as investigações

linguísticas diacrônicas são, muitas vezes, fragmentadas, escassas e nem sempre

vinculáveis com a produção real dos falantes, uma vez que não basta a simples

transposição da metodologia de base laboviana para os estudos de cunho histórico.

A projeção da noção de variabilidade linguística para o passado, promovida pela

sociolinguística histórica, tem consequências importantes para o estudo da história das

línguas. Sendo a variabilidade constitucional à linguagem em qualquer dos períodos de

sua evolução, então os estudos históricos centrados no desenvolvimento de variedades

padronizadas ou a convergência em diferentes variedades que tendem à padronização,

não dão conta de todos os fenômenos suscetíveis de estudo. A busca da uniformidade,

resulta como insatisfatória e contraditória. Por isso a história das línguas particulares

deve ir além dos estudos de mudanças atestadas em textos escritos padronizados e

confrontar que a existência da variação e diferenciação no passado é um feito cuja

reconstrução histórica, mesmo completa, é tão necessária (MILROY, 1992).

Page 46: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

29

Os estudos de sociolinguística histórica enfrentam diversos problemas para a

análise de textos de sincronias passadas, uma vez que as informações disponíveis são

quase parcos e incompletos. O principal problema, como será mostrado na tese, refere-

se à constituição da amostra de análise. Como afirmam Gomes e Lopes (2016, p.140),

os dados são procedentes de textos escritos que sobreviveram na atualidade “por sorte”.

Isso significa, por exemplo, que o controle de fatores externos, como faixa etária,

escolaridade, gênero, categoria social, pode ser lacunar, pois os informantes não estão

mais à disposição do investigador como ocorre nos estudos sincrônicos. A tabela a

seguir, retirada de Conde Silvestre (2007, p. 38), ilustra alguns desses problemas e as

diferenças encontradas entre as investigações sincrônicas e diacrônicas:

Sociolinguística sincrônica Sociolinguística diacrônica

Material Dados procedentes do meio

oral

Material autêntico

Dados relativos a todos os

membros da comunidade e

todos os estilos e registros

Dados procedentes do meio

escrito

Material tendencioso,

sobreviveu por azar

Dados relativos a grupos

alfabetizados da

comunidade (geralmente

homens, de classe média a

alta) e só de determinados

estilos e registros

Objeto de investigação Variação e mudança no

nível da análise fonológica

Variação e mudança no

nível da análise gramatical

Contexto social Conhecimento em primeira

mão, disponibilidade de

dados suficientes

Desconhecido, deve ser

reconstruído a partir da

investigação histórica

Disciplina vinculada Sociologia História social

Influência do padrão Muito significativa Variável, depende do

período investigado

Amplitude e resultado das

mudanças linguísticas

Desconhecidos Conhecido

Tabela 5: Aspectos divergentes e complementares da investigação em sociolinguística sincrônica e

diacrônica (CONDE SILVESTRE, 2007, p.38)

Page 47: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

30

Conde Silvestre (2007) afirma que que os dados linguísticos do passado são

insatisfatórios para a investigação empírica pelos seguintes motivos: (i) os dados são

oriundos da escrita o que faz com os textos parecem desprovidos do contexto e situação

comunicativa do qual se originaram; (ii) os textos são restos e corpos textuais muito

mais amplos, que sobreviveram por azar (ou sorte), tendo por isso, segundo Labov,

caráter fragmentário. Além disso, nem sempre é possível conseguir dados

representativos de uma comunidade mais ampla de indivíduos pertencentes a todos os

níveis sociais de comunidades históricas, pois, por muito tempo, só os homens tinham

acesso à escrita. Na maioria dos casos, não se conhecem as estruturas sociais do passado

e nem sempre o pesquisador consegue informações sobre os estratos mais baixos da

sociedade ou sobre falantes femininas.

Além disso, Conde Silvestre (2007) comenta que as limitações referentes ao

material de investigação também afetam as variáveis ligadas ao contexto social, já que o

investigador precisa te conhecimentos sobre a estratificação social da comunidade, a

valorização que a comunidade faz de certos comportamentos, atitudes, entre outros.

Assim, nesse processo reconstrutivo, há ajuda da história social para servir de apoio à

sociolinguística histórica.

Nesse sentido, os estudos de sociolinguística histórica só passam a acontecer a

partir de uma reconstrução do material linguístico, como também do contexto social em

que os falantes se encontravam. No presente trabalho, encontrou-se exatamente os

problemas listados por Labov e Conde Silvestre: devido ao fato de a pesquisa ser de

longa duração, não foi possível encontrar materiais pertinentes a todas as décadas

verificadas; também não foram obtidas informações sociais sobre todas as mulheres que

escreveram cartas, ao passo que a biografia dos informantes homens está mais

completa; por fim, não há informações precisas sobre os informantes não-ilustres, na

verdade, pouco se sabe dos mesmos.

No entanto, o maior problema na realização do presente estudo se deu na

distribuição não igualitária das ocorrências de pronomes possessivos ao longo do

período estudado. Tal fato ocorreu, justamente, por haver um maior número de

produções escritas em determinadas décadas, principalmente nos anos referentes às

primeiras décadas do século XX. Assim sendo, foram encontrados quase 1.400 dados

difundidos entre os anos de 1870 a 1970, porém, observou-se, na verdade, uma

concentração das ocorrências em décadas específicas, o que corroborou para que se

Page 48: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

31

optasse por um estudo dividido em rodadas parciais, a fim de não enviesar a análise.

Além disso, outros trabalhos sobre variação pronominal apontaram para divergência de

resultados no que tange tipos específicos de cartas. Assim, na presente tese, decidiu-se

dividir as missivas em subgêneros, no entanto, não foi possível agrupar um número

exato de cartas em cada subgrupo. Da mesma forma, foram controlados fatores como as

relações de parentesco entre remetente e destinatário ou onde a carta foi redigida, com o

intuito de verificar como esses fatores influenciavam na variação das formas

pronominais. Entretanto, nem sempre, ao observar os resultados obtidos através das

rodadas parciais, era possível identificar exatamente as mesmas relações ou localidades.

Tais adversidades provocaram problemas, como a não-correlação entre

porcentagem e peso relativo na grande maioria dos resultados apresentados, o que

exigiu explicações qualitativas em todos os grupos de fatores controlados, tornando a

parte analítica ainda mais densa e maior. Portanto, conclusões mais contundentes sobre

os resultados encontrados tiveram de ser ponderadas e amenizadas, pois, nem sempre,

havia um número de ocorrências que se validassem por si só.

Apesar das dificuldades encontradas por quase todos os estudiosos que realizam

pesquisas em sociolinguística histórica, a mesma encontra-se essencialmente ligada à

sociolinguística, uma vez que as duas buscam explicar fatos relacionados à língua

através de fatores sociais, como também do contexto sócio-histórico e cultural em que o

falante está inserido. Nessa perspectiva, os estudos produzidos, muitas vezes, são a

chave para que se entenda os resultados das mudanças linguísticas identificadas no

presente. Assim, o passado também pode ser usado para compreender o presente, e não

só o inverso. “O propósito é acompanhar e reconstruir as etapas da mudança,

observando as tendências do comportamento linguístico com base na amostra escrita

constituída. A descoberta de novos materiais sempre poderá elucidar as lacunas

observadas nos estudos parciais feitos com os dados disponíveis (GOMES e LOPES,

2016, p.141).

Como a questão dos dados históricos é fundamental para os estudos no âmbito

da sociolinguística histórica, serão discutidos na sequência a natureza do gênero

analisado na tese e, em seguida, serão apresentações informações básicas sobre os

autores das cartas estudadas para que se tenham um perfil social dos mesmos.

Page 49: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

32

3.2 – O gênero carta

Há infindáveis discussões dentro da linguística na tentativa de definir o que é

gênero. Por não ser uma tarefa fácil, ainda é impossível se chegar a um consenso sobre

o assunto. Assim, a depender da linha teórica adotada, o gênero pode ser visto através

de uma perspectiva textual, enunciativa, funcional ou comunicativa.

No presente trabalho, o gênero é considerado uma entidade sócio discursiva,

uma vez que é uma estrutura cristalizada decorrente de práticas sociais constituídas

através da história. Assim, tal estrutura, por ser decorrente de práticas sociais, está

sujeita a mudanças, não sendo, de maneira alguma, uma estrutura estática, como já

apontara Bakhtin (1997):

“Utilizamo-nos sempre dos gêneros do

discurso, em outras palavras, todos os

nossos enunciados dispõem de uma norma

padrão e relativamente estável estruturação”

(BAKHTIN, 1997, p.301)

Além de ter uma estruturação moderadamente fixa – como saudações, núcleo e

despedida – de acordo com Soto (2001), o gênero carta seria um exemplo pertencente

ao gênero primário do discurso, isto é, ele faz parte do grupo de gêneros que se

fundamentam em circunstâncias de conjunturas espontâneas da comunicação verbal e,

por isso, não perdem a relação com a realidade, seja ela linguística ou extralinguística.

De acordo com Bazerman (2006), o gênero carta é um gênero que permite

identificar o nível de relação estabelecida entre os interlocutores naquele determinado

contexto comunicativo e qual o grau de intimidade existente entre eles. Assim sendo,

esse gênero constitui-se como um documento utilitário como fonte para estudos de

sincronias passadas por possibilitar a identificação da origem do remetente, do local e

da época em que foi produzido, além de informações relevantes extraídas do próprio

texto a depender de como será discutido.

Faz-se importante mencionar, no entanto, a complexidade existente no gênero

carta, haja vista a quantidade de diferentes modelos que o compõem, “pois, para cada

situação socioenunciativa que o envolve, novas características são apresentadas”

(WATTHIER, 2010, p. 56). O estudo de Souto Maior (2001) ilustra, justamente, os

Page 50: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

33

diversos modelos pertencentes ao gênero, em que a autora agrupa tais modelos em

diferentes nomenclaturas, dependendo do domínio discursivo em que estão inseridos.

De acordo com tal proposta, o gênero carta seria “um gênero com subgêneros” (SOUTO

MAIOR, 2001, p. 11). Watthier (2010) elenca todos os subgêneros mencionados por

Souto Maior (2001):

Assim, cartas cujos domínios discursivos são

comerciais são denominadas cartas de

resposta e de comunicado; as de domínios

instrucionais são cartas de programa,

circulares, respostas e de apresentação; as

jornalísticas são cartas do leitor, do editor,

aos leitores, aberta, propaganda,

boasvindas; as jurídicas são as cartas de

intimação; publicitários são respostas,

confirmações, agradecimento, pedido;

religiosas são as cartas de convite ou de

comunicado; e as de saúde são cartas de

programa, de comunicado. (SOUTO

MAIOR apud WATTHIER, 2010, P. 44)

Salienta-se a discussão existente dentro da classificação dos subgêneros, visto

que há autores, como Barbosa, que acrescenta na categoria das cartas pessoais, as cartas

familiares e amorosas. Por outro lado, há autores, como Miranda (2000) e Jiménez

(2000), que não diferem cartas familiares e amorosas. No entanto, é preciso ter cuidado

com essas nomenclaturas, porque, como evidenciou Pereira (2012), os resultados

linguísticos podem variar de acordo com o subgênero da missiva. Em seu estudo, a

pesquisadora observou diferenças no que tange o estudo do tratamento a depender do

subgênero da carta: cartas familiares continham mais variação entre o sujeito tu/você do

que cartas amorosas, que apresentavam, quase que exclusivamente, sujeito tu. Além

disso, um mesmo missivista, possuía comportamento linguístico distinto quando

escrevia uma carta endereçada ao filho e outra endereçada à esposa, por exemplo.

Observando isso, no presente estudo, optou-se por controlar especificamente o

subgênero a que pertence as cartas que constituem o corpus. Nesse sentido, o gênero

mais amplo cartas particulares foi subdividido em três outros: (i) cartas familiares, isto

é, aquelas trocadas entre pessoas de uma mesma família; (ii) cartas pessoais, ou seja,

correspondências trocadas entre amigos ou colegas, pessoas de famílias distintas e sem

Page 51: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

34

nenhum laço de consanguinidade; e (iii) cartas amorosas, dessarte, missivas trocadas

entre namorados, noivos, cônjuges, amantes.

Nesse sentido, o modelo epistolar, de acordo com Souto Maior (2001), compõe

um gênero textual responsável por abarcar diferentes subgêneros, classificados a

depender de sua função discursiva: particulares, públicas, tratados, argumentativa,

comerciais, entre outras. Todavia, apesar de apresentarem funções discursivas

totalmente distintas, todos esses subgêneros seguem, geralmente, o modelo de carta e a

variação do conteúdo é intrínseca à distância entre os interlocutores, conforme afirma

Bazerman (2006). Sendo assim, a seguir são apresentados, exemplos dos três

subgêneros que compõem a amostra:

Familiar Pessoal Amorosa

Local e data Rio de Janeiro, 29 de

Novembro de 1915

Fortaleza, 22 de Maio

de 1882

Rio de Janeiro 11 de

Outubro de 1936

Saudação Prezado Pae. Meu caro Copertino Minha querida

noivinha

Contato inicial

(Captação da

benevolência)

Accuso a sua carta de

hontem e bem assim das

flores que teve a idéa de

me mandar, e pelas quaes

fico muito obrigado.

Ha dous vapores que

não te escrevo - por...

preguiça e só

preguiça! bem vês,

sou réo confesso, devo

ser perdoado. Não

pódes imaginar o

prazer que me deste

em communicar-me

que resolveste

continuar o teu curso

em São Paulo; foi uma

excelente resolução.

Dou-te os meus

parabens.

Espero que esta te vá

encontrar em perfeito

estado de saude assim

como os teus, eu e os

meus vamos bem

graças a Deus.

Hoje estive em tua

casa, recebi 3 cartas

tuas as dos dias 6, 7 e

9 do corrente que

muito alegrou-me,

qual o coração

apaixondado não se

alegra ? ao receber

noticia a pessoa a

quem se ama .

Nós vamos passando sem

novidade maior, apezar do

calor já estar entrando

furioso hoje, ás 8 horas da

manhã, no Escriptorio, o

thermometro marcava 28;

Senti saber que Mãmãe

não tem passado bem; que

tem ella?; o Moreira já a

examinou? o que disse?. É

exacto que ha mais de 15

dias não lhes escrevo, mas

para que hei de eu

escrever-lhes para lhes dar

aborrecimentos dos que

ando cheio a mais não

poder??? Como se já não

bastasse os que não posso

evitar, por não estar em

Segue n’este vapor o

nosso amigo Doutor

Amarilio que a

ignorancia o capricho

e o enfatuamento de

um Vice-Prezidente

estupido arrancaram

do lugar que com o

maior zêlo,

inteligencia e

inexcedivel probidade

e principalmente com

imenso proveito para

;a provincia exercia!

Homem fatal ao Ceará

foi o tal Torquato!!

Por ocasião da

despedida do Amarilio

provocamos as

Voce está ausente! E

nem imagina o mal

que eu estou sofrendo!

Esse mal que nos

machuca cantando e

que nos faz sorrir com

os olhos cheios degua.

Este anseio de um

sonho que existe e que

não vem, esta doce

amargura de uma

felicidade distante,

que muito nos

pertence. Voce está

ausente! E nem pode

saber que eu vivo

pensando em mil

cousas bonitas,

relembrando as nossas

Page 52: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

35

Núcleo da carta

minhas forças demovel-os,

e não fallando mesmo nos

que se prendem aqui á

Cantareira - maiores agora

depois que o Snr Miller

embarcou para Londres -,

recebi uma carta de

Waldemarque, como

sempre acontece quando se

lembram de escrever-me,

só maiores amuos me veio

dar. Sem duvida sabe o Snr

que - - - por motivos que

ignoro e que não desejo

mesmo saber porquanto o

fundo de tudo é um e unico

- - - elle não está mais

morando em casa de

Eurico e dáhi ter

descoberto que não póde

continuar na casa, que está

trabalhando aborrecido,

amollado, etc etc, emfim a

mesma choradeira que

conduz ao ponto em mira

Vir embora, e

evidenciando a mais

absoluta falta de, já não

digo intelligancia, mas do

mais elementar bom senso,

- "achar que eu não terei

difficuldades em collocal-o

muito regularmente" Isso,

francamente é demais,

tanto mais quanto ha

menos de um mez fiz-lhe

ver em carta a minha

situação e o dinheiro que

acabava de perder

estupidamente na fallencia

da Fabrica de Tecidos

Botafogo e outros máos

negocios. - - - - Se eu fosse

ouvido e se de mim não se

lembrassem só nas horas

de querer, a sahida agora,

mal segundo entendo da

carta, não se daria porque

sempre fui de opinião que,

tanto elle como o Edgard,

desde que começaram a

ganhar bem deveriam

deixar a casa de Eurico e

morarem fóra, porquanto

embora irmãos a posição

logica e sensata era de

patrão para empregado e

vice-versa; bons dias bõas

tardes e nada mais. Faço á

Eurico - - embora sem

mesmas solemnes e

esplendidas

manifestações de

apreço e consideração

aquelle distintissimo

funccionario. O Ceará

mostrou-se n’altura

dos seus brios e

gratidão. Incluso

encontrarás um saque

de 150 $000 para me

aviares ahi uma

encommenda. O que

queres? Porque foste

te sahir tão bem e tão

a meu contento na 1ª

encommenda que te

fiz? Agora soffre as

consequencia da tua

böa vontade e gosto.

Ao dia 30 de Junho

proximo faz annos a

irmã do Rodolfo que

com a maior

dedicação e

desinteresse ensina-o

Handarca; desejo que

esta dê-lhe uma

pequena lembrança e

aqui no Ceará não

existe o que eu desejo

uma duzia de meias

muito finas e chics ,

um par de botinas e

um par de coturnos, ja

sabes – tudo trop chic.

As botinas No 36 e a

altura é a que remetto

incluso em um papel

azul. Calculei as meias

em 60$ ou 70$ as

botinas 40$ ou 50$, os

sapatos em 30$ ou

40$; bem

comprehendes que por

causa de mais 10$ ou

20$ não deixes de

adquirir um objecto

que saibas que mais

me agradará só pela

differença de preço

deixares de fazer.

Quando por acaso

exceda mais 15$000

ou 20$ dos 150$ do

saque eu estou

persuadido que o

desembolso de tão

diminuta quantia não

te fará grande

loucuras que eram

verdadeiras venturas,

sublimes e

impecaveis, porque

todas elas eram

nascidas do amor, e só

do amo... Porque...

voce me ama, bem sei.

Eu tambem te amo,

tanto que desse meu

amor eu fiz a minha

vida. Quem é a deusa

dos meus sonhos e

pensamentos? Voce!

Quem é que derrama

no meu coração um

punhado de frescas

promessas e lagrimas?

Voce! Quem acolhe os

meus desejos,

acariciando a

minh'alma e

despetalando os meus

beijos? Voce! Meu

amor! A sua ausencia

deixa-me tão aflito,

que até a recordação

da nossa felicidade,

amarga por demais a

minh'alma cheia de

saudade! ... Minha

querida até quinta

feira te direi se irei

ahi; no domingo, os

meus paes não tem

falado nada a teu

respeito, junto a esta

remeto-te a fotografia

que te pedi, não a

quero visto ser da tua

irmã, fico-te muito

agradecido de

satisfasera este meu

desejo mandando-a,

mas não posso

guardal-a por já ter

dona.

Page 53: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

36

Núcleo da carta

saber o que se passou - - a

justiça de crer que não

ligará a mudança delle á

sua posição no negocio,

mas, como já lhe disse o

fim visado é muito outro é

a vinda para o Rio ou

mesmo para Petropolis,

muito embora para ;vegetar

ou pra nada fazer , o que

afinal de contas não hade

ser má cousa para não ter a

intelligencia bastante para

ver dous palmos adiante do

nariz. Ainda mesmo que

me fosse possvel

empregal-o neste momento

premente em que toda a

gente que tem uma

collcação se agarra a ella

com dentes e unhas, e

ainda mesmo que houvesse

uma asão q.q. que me

induzisse a assim proceder,

o Senhor, tão bem ou

melhor dque eu, conhece o

casmurrismo do

Waldemar, que constitue

por si só uma diffiuldade

grande não só para o

Commercio como para q.q.

outra collocação. asta dizer

- - - e isto define o homem

- - - que em S. Paulo ha

não sei quanto annos, não

tem o Waldemar um só

amigo, um conhecido

mesmo que seja. Dito isso

- - de um empregado do

Commercio - - está dito

tudo. TITULO DA CASA

Recebi a sua carta e não

mandei a procuração

porque pensava subir

sabbado caso não possa

fazel-o no sabbado

proximo, mandarei a

procuração na segunda ou

terça feira. COSINHA

Recommendo que faça o

que fôr apenas

INDISPENSAVEL e pelo

menos possivel. A epoca é

de não se gastar nada,

nada.

differença até a

passagem do vapor.

Fico perfeitamente

tanquilo por que és

inexcedivel em

desempenhar uma

commissão qualquer e

muito principalmente

se esta depender de

gasto. A

emcommenda deve vir

infallivelmente no

vapor que d’ahi deve

partir no dia 10 de

Junho.

Page 54: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

37

Quadro 1: As principais diferenças entre cartas familiares, pessoais e amorosas

O quadro ilustra algumas semelhanças e diferenças entre cartas familiares,

pessoais e amorosas. Pode-se observar, como a primeira grande diferença, o

distanciamento ou proximidade presente na saudação utilizada pelos três remetentes.

Enquanto Alarico e Pedro são mais distantes, tratando o pai e o amigo como,

respectivamente, “Prezado Pae” e “Meu caro Copertino”, Jayme Saraiva é mais íntimo,

empregando o vocativo “Minha querida noivinha” para tratar sua noiva. A aproximação

nas cartas familiares e pessoais só se dá no contato inicial, apesar do teor da carta

familiar ainda mostrar um distanciamento maior entre os interlocutores do que a carta

trocada entre os amigos. Na carta amorosa, por outro lado, continua o tom intimista.

No núcleo, parte em que se encontra o motivo pelo qual a carta foi redigida, é

possível, também, encontrar divergências: enquanto Alarico trata de assuntos mais

sérios com o pai, relacionados a problemas da casa em Petrópolis; e Pedro de negócios,

além de pedir favores a Cupertino, na carta amorosa prevalecem-se assuntos íntimos,

ligados ao encontro do casal, preocupação com a família da noiva, entre outros.

Além disso, na seção de despedida, é possível observar também diferenças na

forma de tratar o interlocutor: na carta familiar e pessoal, é mantido o distanciamento

entre os interactantes, com a utilização de expressões como, respectivamente, “Sem

mais por hoje” e “Adeus”; na carta amorosa, ao inverso, mantém-se o tom de intimidade

com o emprego de palavras como “ternura” e “noivinho apaixonado” e o fato do

remetente mandar “beijos e abraços”. Por fim, os três remetentes assinam as cartas,

sendo apenas a missiva amorosa tendo um P.S.

Seção de

despedida

Sem mais por hoje, vou

rodar já que está

ameaçando uma terrivel

carga d'agua e trovoada.

Com Mãmãe eo Dudy

queira receber muitas

saudades e abraços do filho

sempre amigo gratissimo,

Adeus; Ludovina se

recommenda assim

como a Dona Elisa a

quem ella abraça e a

quem eu apresento os

meus respeitos.

Abraça o

Amigo

Lembranças para

todos os teus, beijos

para a Hilda e para

você minha santa,

recebe com bastante

ternura muitos beijos e

abraços deste teu

noivinho apaixonado

Assinatura Alarico

Pedro Jayme O. Saraiva

P.S. - - Se eu for domingo só

irei no trem das 8

horas e voltarei nos

dias 4,40 do contrario

não irei.

Page 55: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

38

Nesse sentido, nota-se que a semelhança entre os três subtipos de cartas

encontra-se quase que exclusivamente na estrutura das mesmas. Nas três cartas há a

presença das mesmas seções, como afirma Marcotulio (2008, p. 74):

A carta é um gênero textual pois apresenta

uma estrutura formal e propriedades

facilmente reconhecidas em qualquer língua

histórica. Em relação ao aspecto formal e

estrutural, observam-se outras características

comuns, como a presença de um

encabeçamento que inclui a data e as

saudações iniciais, o corpo do texto e, por

último, um fechamento, que inclui as

saudações finais de despedida, assinatura e

possíveis P.S.s.

Assim, nas palavras do autor, o gênero carta é definido pela sua estrutura

própria, facilmente reconhecido em qualquer língua. À semelhança do autor, Silva

(1988, p. 76) denomina tais partes de seção de contato, núcleo da carta e seção de

despedida. Para Marcuschi (2000), do mesmo modo, se destacam como elementos

básicos utilizados para identificar minimamente o gênero carta (i) o local e a data, (ii) a

saudação, (iii) o texto e (iv) a assinatura. Nesse sentido, a seção de contato inicial é o

local da carta onde figura a saudação e a captação da benevolência, o núcleo é o corpo

do texto, em que se explicita o motivo pelo qual a carta foi escrita e a seção de

despedida. Nos três subgêneros apresentados, tais seções funcionam da mesma forma e

têm, necessariamente, a mesma estrutura.

Em contrapartida, as diferenças encontradas nos exemplos vistos deixam clara a

necessidade de desmembrar a amostra em cartas familiares, pessoais e amorosas, visto

que, apesar dos três subgêneros serem constituídos das mesmas partes pertencentes ao

gênero carta, pode-se afirmar que os conteúdos são distintos. Assim, isso leva a crer que

o maior ou menor distanciamento entre os interactantes pode influenciar nos resultados

que serão encontrados a partir da amostra.

Na próxima seção será mostrada uma breve biografia das famílias que compõe a

amostra de cartas dessa tese.

Page 56: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

39

3.3- Descrevendo o corpus: as diferentes famílias que compõem a amostra

O corpus utilizado no presente trabalho é composto por 363 cartas escritas por

pessoas oriundas do Rio de Janeiro ou que viveram no estado por algum tempo de suas

vidas. Ressalta-se que as missivas foram escritas por indivíduos pertencentes a 12

grupos diferentes, sejam esses familiares ou não, entre os anos de 1857 a 1859.

A grande maioria das correspondências12 foi recolhida no Arquivo Nacional do

Rio de Janeiro (Família Penna, Família Land Avelar, Família Pedreira Ferraz-

Magalhães, Família Cupertino, Família Brandão), já as cartas da Família Cruz foram

obtidas através do Departamento de Arquivo e Documentação (DAD) da Casa de

Oswaldo Cruz (COC), também no Rio de Janeiro. As demais missivas foram retiradas

do acervo do Projeto Labor Histórico (Família Lacerda, “Jayme e Maria, casal dos anos

30”, Acervo Washington Luis, Amostra Robertina de Souza e Casal Ottoni). Importante

mencionar que grande parte do material utilizado nesse estudo se encontra disponível no

site do Projeto (http://www,letras.ufrj.br/laborhistorico).

A denominação das diversas amostras foi realizada através do nome da família,

uma vez que é justamente dessa maneira que o material é armazenado em arquivos

públicos. No entanto, nesse corpus, há cartas de pessoas que não pertenciam a uma

mesma família, como será ilustrado mais adiante. Cabe informar que, apesar de não ter

sido controlado por um grupo de fatores específico, as amostras possuem certo grau de

homogeneidade no que diz respeito à categoria social a que os escribas pertencem.

A tabela a seguir ilustra a organização da amostra utilizada para a realização

desse estudo:

12 Cabe ressaltar que a Amostra Robertina de Souza é constituída por bilhetes e não cartas, porém, foram,

nesta tese assumidos como correspondências.

Page 57: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

40

Tabela 6: Principais informações sobre o corpus adotado

A partir de agora será mostrado um breve resumo com informações das amostras

utilizadas para a realização do estudo.

Família/Grupo Período de

escritura das cartas

Quantidade de

cartas

Subgênero das

cartas

Cartas de Casimiro

de Abreu

1857-1859 11 Pessoais

Acervo Cupertino

do Amaral

1873-1895 23 Pessoais, familiares

e amorosas

Cartas dos avós

Ottoni

1879-1889 41 Pessoais

Acervo Família

Pedreira Ferraz-

Magalhães

1884-1948 33 Pessoais

Acervo Oswaldo

Cruz

1889-1915 27 Familiares e

amorosas

Acervo Affonso

Penna Júnior

1896-1926 31 Pessoais, familiares

e amorosas

Acervo Land

Avellar

1907-1917 50 Familiares

Amostra Robertina

de Souza

1908 13 Familiares e

amorosas

Acervo Jayme-

Maria "Casal dos

anos 30"

1936-1937 97 Amorosas

Acervo

Washington Luís

1940-1949 5 Familiares e

pessoais

Acervo Brandão 1966-1972 20 Pessoais

Família Lacerda 1977-1979 12 Amorosas

Page 58: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

41

Cartas de Casimiro de Abreu13

Figura 1: Casimiro de Abreu

Casimiro José Marques de Abreu nasceu em Silva Jardim, em 4 de janeiro de

1839 e faleceu em Nova Friburgo em 18 de outubro de 1860. Nomeia o município do

Rio de Janeiro onde viveu parte de sua vida e é conhecido por ser poeta da segunda

geração do Romantismo no Brasil.

Viveu grande parte de sua vida em Portugal, para onde embarcou com o pai em

1853. Foi lá que entrou em contato com o meio intelectual e produziu grande parte de

sua obra. Seu sucesso literário, no entanto, deu-se após sua morte, com a edição de

muitos de seus poemas, tanto no Brasil, quanto em Portugal. É o patrono da cadeira

número seis da Academia Brasileira de Letras, fundada por Machado de Assis.

A amostra é composta por 11 cartas14 redigidas por Casimiro de Abreu, entre os

anos de 1857 a 1859. Todas as cartas são dirigidas ao pai, a quem se dirige com muito

respeito, geralmente, informando-o sobre os acontecimentos de sua vida.

Acervo Cupertino do Amaral15

Antônio Felizardo Cupertino do Amaral nasceu em 15 de junho de 1852, no Rio

de Janeiro. Era filho do então Comendador Antônio José Cupertino do Amaral e de

Joana Cândida Melo do Amaral. Formou-se em Direito pela Faculdade de São Paulo e

13 Disponível em: http://www.letras.ufrj.br/laborhistorico/ 14 As cartas estão disponíveis no site www.letras.ufrj.br/laborhistorico 15 Material editado por Rachel de Oliveira Pereira (PEREIRA, 2012)

Page 59: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

42

teve uma vida política bastante ativa nos últimos anos do Império, ocupando os

seguintes cargos: oficial de gabinete em 1880; subdiretor da Secretaria de Negócios do

Império, em 1887; subdiretor da 3ª Seção da Secretaria de Negócios do Exterior, em

1890; diretor-geral do gabinete da mesma Secretaria, em 1891; e Secretário de gabinete

do ministro da Justiça e Negócio Interiores entre os anos de 1897 e 1898. Faleceu em

1906, no Rio de Janeiro.

A amostra corresponde ao total de 23 cartas. Entretanto, elas se dividem em dois

grupos: cartas escritas por Antônio endereçadas a sua esposa, Elisa, e filha, Marieta, e

cartas direcionadas a Antônio escrita por dois amigos, Pedro e Alberto Fiacho, sua mãe,

Helena, e sua prima, Anna.

Carta dos avós Ottoni16

Christiano Benedito Ottoni nasceu em Minas Gerais em 30 de maio de 1811,

vindo a falecer no Rio de Janeiro em 18 de maio de 1896. É considerado o pai das

estradas de ferro no Brasil por ter sido o primeiro diretor da Estrada de Ferro Dom

Pedro II e o homem que fez os trilhos subirem a serra do Mar em direção a Minas

Gerais e a São Paulo, entre 1855 e 1865.

Era irmão de Teófilo Ottoni, ex-senador do império e ilustre comerciante,

Christiano Ottoni destacou-se como capitão-tenente da Marinha, engenheiro, professor

de Matemática, diretor da Estrada de Ferro Dom Pedro II, senador do Império e, depois

da proclamação da República, como senador de República.

Em 1837, Christiano Ottoni casou-se com sua prima Bárbara Balbina de Araújo

Maia, jovem de classe média, com quem teve 15 filhos, mas apenas seis sobreviveram.

As 41 cartas utilizadas nesse corpus são cartas do casal Chistiano e Bárbara aos netos

Misael e Christiano.

16 Material disponível em Lopes, 2005.

Page 60: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

43

Figura 2: Chistiano Ottoni

Acervo Família Pedreira Ferraz-Magalhães17

Figura 3: A família Pedreira Ferraz-Magalhães

O patriarca da família Pedreira Ferraz-Magalhães é João Pedreira Couto Ferraz

(Conselheiro Pedreira, Dr. Pedreira ou Pai Pedreira), nascido no Rio de Janeiro, em

1826. Estudou Direito na Academia de Olinda, onde formou-se em 1848. Exerceu o

cargo de Secretário do Supremo Tribunal Federal por 50 anos. Foi casado com Elisa

Amália de Oliveira Bulhões, também nascida no Rio de Janeiro em 1834. Depois de

17 Material editado por Marcia Cristina de Brito Rumeu (RUMEU, 2008).

Page 61: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

44

casados, em 1856, viveram no atual bairro do Cosme Velho, mudando-se para o Alto da

Boa Vista seis anos depois. Lá tiveram seis filhos: Maria Teresa, Zélia, João, José,

Antonio e Guilhermina.

Além de escrever para seus filhos e netos, João Pedreira também escrevia ao seu

genro, Jerônimo de Castro Abreu Magalhães, que com Zélia, formou o outro ramo da

família: os Pedreira Ferraz-Magalhães.

Jerônimo de Castro de Abreu Magalhães, nasceu em Magé, no Rio de Janeiro,

em 1851, mas, devido à morte de sua mãe, foi levado pelo pai a Portugal, onde foi

criado e educado por uma tia materna. Em Lisboa, frequentou o Colégio dos Nobres e,

posteriormente, cursou Humanidades, na Alemanha. Em 1875, após finalizar seus

estudos, regressou ao Brasil, onde cursou Engenharia Civil, sendo nomeado pelo

Imperador como lente catedrático da Escola de Minas, localizada em Ouro Preto.

Casou-se com Zélia Pedreira de Abreu Magalhães, em 1876. Inicialmente moraram em

Petrópolis, localizada na região serrana do Rio, seguindo para a fazenda Santa Fé.

Tiveram 13 filhos: Maria Elisa, Maria Rosa, Maria Leonor, Maria Bárbara, Maria

Teresa, Maria Joana, Maria Amália, Maria de Lourdes, Jerônimo, Francisco José,

Fernando, João Maria e Luis.

As cartas, em geral, tratam sobre a saudades que os familiares sentiam, uma vez

que os filhos de Zélia tornaram-se religiosos, o que tornou a distância algo constante na

família. Os irmãos também versam sobre o falecimento dos pais, Jerônimo e Zélia;

apesar de estarem ausentes quando a mãe faleceu, os filhos decidiram escrever uma

biografia sobre a mãe, onde retratam a devoção que ela tinha pela família e pela

religião.

Para o presente estudo, foram utilizadas 33 cartas dessa numerosa família, em

que se encontram diferentes tipos de relações familiares. As mesmas foram redigidas

entre os anos de 1870 e 1940.

Acervo Oswaldo Cruz18

18 Material editado por Thiago Laurentino de Oliveira e Camila Duarte Souza, disponível em:

http://www.letras.ufrj.br/laborhistorico/

Page 62: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

45

Figura 4: Oswaldo Cruz

Oswaldo Gonçalves Cruz nasceu em 5 de agosto de 1872, em São Luís do

Paraitinga, em São Paulo. Projetou-se como cientista, médico, bacteriologista,

epidemiologista e sanitarista. Formou-se em 1892 pela Faculdade de Medicina do Rio

de Janeiro, lançando-se como pioneiro no estudo de moléstias tropicais e da medicina

experimental no Brasil. Fundou em 1900, o Instituto Soroterápico Nacional, atual

Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Cabe evidenciar que, Oswaldo Cruz

também era um homem das artes, ligado à literatura e, por isso, ocupou a cadeira de

número 5 da Academia Brasileira de Letras. Casou-se aos 20 anos com Emília da

Fonseca, jovem de família rica, filha de abastado comerciante português, a quem

carinhosamente chamava de Miloca. Dessa união, nasceram os seus seis filhos: Elisa,

Bento, Hercília, Oswaldo, Zahra e Walter.

A amostra é composta por 27 cartas escritas e trocadas pelos membros da família

do médico, entre os anos de 1889 e 1915.

Acervo Família Penna Júnior19

19 Material editado por Rachel de Oliveira Pereira (PEREIRA, 2012)

Page 63: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

46

Figura 5: Affonso Penna Júnior (no centro)

A família Penna foi uma importante família de políticos de Minas Gerais, que

teve como patriarca o Major Domingos José Teixeira Penha, oriundo da cidade

portuguesa de Ribeira da Peña. Ao vir para o Brasil, o Major Penha encontrou-se com

seu tio, Capitão Manuel José de Carvalho Pena, substituindo o sobrenome “Penha” por

“Penna”, sem haver uma justificativa reconhecida.

Grande parte da família se estabeleceu em cidades interioranas de Minas Gerais,

como Santa Bárbara, Sabará e Barão de Cocaes, a oeste do estado. Estas localidades são

consideradas cidades pertencentes ao Circuito do Ouro de Minas Gerais. Apesar de os

integrantes da família terem começado sua carreira política nessas cidades, depois de

conseguirem status na carreira, vários deles acabaram migrando para outras cidades

maiores e mais desenvolvidas, como Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

As 31 cartas que constituem a amostra selecionada para a realização deste

trabalho estão organizadas por cartas familiares e amorosas de alguns membros da

família Penna, a saber: o ex-presidente da República, Affonso Penna; seu filho mais

velho, Affonso Penna Júnior, seu filho mais novo, Alvaro Penna; sua esposa, Maria

Guilhermina Penna; seu irmão, Manuel Penna e seu genro, Edmundo Veiga.

Acervo Land Avellar20

20 Material editado por Paula Fernandes da Silva (SILVA, 2012)

Page 64: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

47

Alarico Land Avellar, município de Vassouras, no estado do Rio de Janeiro, em

1892. Era filho do comerciante e proprietário da Gazeta de Petrópolis, tendo seis

irmãos: Eurico, Maria Carolina, Waldemar, Tito, Edgar e Aluízio.

Alarico estudou no renomado colégio São Vicente de Paula e no Colégio

Brasileiro Alemão, ambos em Petrópolis. Em 1904, escreveu um série de artigos sobre

as reinvindicações sociais femininas, o que lhe rendeu a nomeação para o cargo de

Delegado Fiscal, em Petrópolis. Dois anos depois, transferiu-se para o Rio de Janeiro,

onde trabalhou na empresa Isnard & Cia. Ainda em 1906, iniciou sua carreira

profissional na Rede Ferroviária Federal, trabalhando, posteriormente, na Companhia

Cantareira Viação Fluminense.

A amostra compõe-se de 50 cartas escritas entre os anos de 1907 a 1917 pelo

núcleo familiar da família Land Avellar, principalmente, pela mãe de Alarico, Helena,

que, geralmente, escreve sobre sua rotina em Petrópolis, problemas familiares e

questões financeiras.

Amostra Robertina de Souza21

A amostra compõe-se por 13 bilhetes escritos por Robertina de Souza que

constam em um processo criminal. De acordo com o processo e os escritos, Robertina

era casada com Arthur, com quem tinha um filho. No entanto, Robertina passou a

envolver-se com Alvaro, que virou seu amante. Assim, Arthur matou Alvaro, mas foi

absolvido por ser crime de honra. A grande maioria dos bilhetes é de Robertina

escrevendo ao amante, mas também há alguns escritos ao marido, a quem pede perdão.

Acervo Jayme-Maria “Casal dos anos 30”22

A amostra compõe-se por 97 missivas trocadas, entre os anos de 1936 e 1937,

por um casal de noivos: Jayme e Maria. O material possui valor linguístico ímpar, uma

vez que não foi recolhido em museus ou arquivos e só é possível traçar um perfil do

casal a partir da leitura das próprias cartas.

21 Disponível em: http://www.letras.ufrj.br/laborhistorico/ 22 Material editado por Janaína Pedreira Fernandes de Souza e Érica Nascimento Silva. (SOUZA, 2012;

SILVA, 2012)

Page 65: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

48

Dessa forma, observou-se que o casal representava a classe média carioca.

Jayme de Oliveira Saraiva residia em Ramos, bairro do subúrbio carioca, e trabalhava

no centro da cidade. Já Maria Ribeiro da Costa, morava em Petrópolis, além de ser mãe

solteira da menina Hilda.

Ambos os jovens moravam com os pais, mas devido ao fato da mãe de Jayme

não gostar de Maria, os dois não podiam se ver com frequência. Assim, encontravam-se

secretamente na Igreja da Penha aos domingos (Maria era muito religiosa), ou na Rua

Uruguaiana, nas proximidades do trabalho de Jayme.

Pela leitura das cartas, percebe-se que tanto Jayme como Maria eram pessoas

simples, sem grau de instrução elevado, sendo categorizados nos termos de Barbosa

(2005), como de cultura mediana. Contudo, é possível identificar diferenças

socioculturais entre o casal, como, por exemplo, a diferença no que tange o domínio da

norma culta padrão, traços de oralidade, entre outros.

Ao que tudo indica, Jayme possui um domínio maior da escrita, talvez pelo fato

de trabalhar no comércio, o que, de certa forma, poderia leva-lo a um contato maior com

a norma culta padrão escrita, diferentemente de Maria, que tinha tarefas restritas ao lar.

Acervo Washington Luís23

A amostra é composta por cinco cartas escritas por Washington Luís, tendo

como remetente, um primo, uma prima e um amigo. As cartas são da década de 1940 do

século XX.

Washington Luís Pereira de Souza nasceu em Macaé, em 26 de outubro de 1869,

vindo a falecer em 4 de agosto de 1957. Washington Luís foi um advogado, historiador

e político brasileiro: décimo primeiro presidente do estado de São Paulo, décimo

terceiro presidente do Brasil e último presidente da República Velha.

23 Material editado por Janaina Pedreira Fernandes de Souza (SOUZA, 2012).

Page 66: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

49

Figura 6: Washington Luís

Acervo Brandão24

Francisco de Carvalho Soares Brandão Neto nasceu no Rio de Janeiro, em 1904.

Formou-se na primeira turma de bacharéis da Universidade do Rio de Janeiro, sendo

promotor e subprocurador fiscal de São Paulo. Alguns anos depois, advogou para a

Caixa Econômica do Rio de Janeiro, cidade onde se casou com Maria Martins Penna,

com quem não teve filhos.

Associou-se ao Colégio Brasileiro de Genealogia, onde se dedicou aos estudos

genealógicos e escreveu o livro Glorioso Passado – documento histórico. Para a

elaboração do libro, Brandão Neto necessitou da ajuda de seu grande amigo, especialista

em história e genealogia, Heitor Lyra, que foi secretário de embaixada e embaixador em

Ottawa, em Lisboa e no Vaticano.

Assim, as 20 cartas que compõem o corpus foram escritas por Brandão Neto e

são endereçadas a Heitor Lyra, entre os anos de 1966 e 1972, cujo assunto principal é a

genealogia da família Soares Brandão.

24 Material editado por Janaina Pedreira Fernandes de Souza (SOUZA, 2012).

Page 67: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

50

Figura 7: Francisco Brandão Neto

Família Lacerda25

A amostra constituída por cartas da Família Lacerda é um dos mais recentes do

Labor Histórico e foi cedido por membros da referida família, estando, ainda, em fase

de edição.

A família é natural de Minas Gerais, passando, posteriormente, a residir na Zona

Sul do Rio de Janeiro. Grande parte das cartas foi escrita no período em que uma das

filhas do casal Lacerda mudou-se para o Rio de Janeiro a fim de estudar, indo

posteriormente para os Estados Unidos para o mesmo fim.

Assim, foram analisadas 12 cartas pertencentes a essa amostra e escritas entre os

anos de 1977 e 1979. Todas essas missivas foram escritas por um amigo carioca da filha

dos Lacerda, com quem ela manteve um relacionamento afetivo ao longo do período em

que esteve no Rio de Janeiro. O rapaz escreveu as cartas no período em que a moça

encontrava-se nos Estados Unidos. Os assuntos abordados giram em torno dos pedidos

de notícias, do interesse em saber se ela estava gostando de alguém de lá, do relato de

sua rotina de graduando de medicina e, também, dos seus sentimentos por ela. As

missivas possuem tom jocoso e jovial.

A descrição, mesmo que breve, das diferentes amostras que compõem o corpus é

fundamental para que se conheça os missivistas e as relações estabelecidas entre eles.

25 Material editado por Diogo Marinho da Silva Ribeiro.

Page 68: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

51

Assim, é possível afirmar que, com exceção de duas amostras: amostra Robertina de

Souza e Acervo Jayme-Maria “Casal dos anos 30”, as cartas pertencentes às outras

famílias ilustres foram redigidas por homens que, em sua maioria, graduaram-se em

uma universidade e mulheres com domínio da linguagem escrita, feitos importantes

para os padrões da sociedade brasileira no período, como será especificado nas seções

de análise dos resultados.

Page 69: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

52

3.4 – A pragmática e suas questões

As palavras, em sua significação comum, podem assumir distintos significados.

Assim, a pragmática, grosso modo, é o ramo da linguística responsável por estudar a

linguagem comum e o uso concreto da linguagem em seu contexto de uso na

comunicação. Portanto, a pragmática engloba os significados linguísticos determinados

não só exclusivamente pela semântica frásica, mas aqueles deduzidos através de

contextos extralinguístico, discursivo, situacional, entre outros.

Nesse sentido, pode-se afirmar que todos os falantes possuem a competência

pragmática, que é a capacidade de compreensão da intenção do locutor. Dessa forma, a

pragmática está além da construção frasal ou seu significado, uma vez que ela estuda

justamente os objetivos da comunicação. Por isso, a intenção do locutor não precisa

necessariamente estar explícita para que o interlocutor compreenda a mensagem que

está sendo passada, já que a significação linguística vem através da interação entre

falante e ouvinte, no contexto em que se fala, considerando os elementos socioculturais

em uso, além dos seus objetivos, efeitos e consequências.

Para Vidal26, o real objetivo da pragmática é estabelecer com precisão quais

fatores que determinam sistematicamente o modo em que funcionam os intercâmbios

comunicativos dos falantes. Sobre a pragmática a autora comenta:

“La tarea de la Pragmática consiste

precisamente en proporcionar una respuesta

adecuada a preguntas como esta. En el

ejemplo anterior, la pregunta se interpreta

como una petición, y como tal es resuelta.

Por tanto, es como si a lo largo del proceso

de comunicación los enunciados fueran

adquiriendo dimensiones nuevas que

sobrepasan el significado estable que se les

atribuye en virtud del código de la lengua.

pautas que van más allá no sólo de las que

regulan la buena formación de las

estructuras gramaticales, sino también de

las que gobiernan la pura y simple

transmisión eficaz de información. Lo que

parece evidente de entrada es que lo que se

26 http://www.csub.edu/~tfernandez_ulloa/AportPrag.pdf

Page 70: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

53

comunica, en cierto sentido, va más allá de

lo que se dice literalmente.”27 (VIDAL, p.3)

A autora afirma categoricamente que a pragmática tem como objeto de estudo o

conjunto total de enunciados de uma língua. No entanto, Vidal atenta para o fato de que

esse não é um objeto exclusivo, isto é, já que é compartilhada com a gramática. No

entanto, o objeto é visto através de perspectivas diferentes: a gramática deve atender

apenas os aspectos internos, constitutivos, que afetam as relações formais entre

elementos linguísticos. Por outro lado, a pragmática deve dar um enfoque mais amplo,

que considere também os usuários da língua e seu entorno.

Além disso, a autora afirma que, se na gramática o seu critério básico é a

formação estrutural/gramatical, ao se adotar o enfoque pragmático, o importante é a

adequação, como explica a autora:

“La adecuación no es una exigencia

nueva, sino la consecuencia necesaria de

los planteamientos que hemos adoptado:

si hay principios sistemáticos que regulan

la comunicación, sólo los enunciados que

se ajusten a ellos serán adecuados; los que

no lo hagan (como las respuestas

extravagantes que comentábamos a

propósito de nuestro ejemplo), serán

inadecuados. Mientras que ser gramatical

es una propiedad esencial, permanente y

definitoria de las expresiones —una

secuencia o es gramatical o no lo es—, ser

adecuado es una propiedad relativa, que

tiene que ser evaluada en relación con un

contexto de emisión.”28 (VIDAL, p.4)

27 A tarefa da Pragmática consiste precisamente em proporcionar uma resposta adequada a perguntas

como esta. No exemplo anterior, a pergunta se interpreta como um pedido, e como tal, esta se resulta.

Portanto, é como se ao longo do processo de comunicação os enunciados fossem adquirindo dimensões

novas que sobre passam o significado estável a que a eles é atribuído em virtude do código da língua. A

naturalidade do intercâmbio mostra que nossa atividade comunicativa está submetida a outras pautas que

vão além das que regulam a boa formação das estruturas gramaticais, como também das que governam a

pura e simples transmissão eficaz de informação. O que parece evidente é que o que se comunica, em

certo sentido, vai mais além do que se disse literalmente. 28 A adequação não é uma exigência nova, mas a consequência necessária das abordagens que adotamos:

se há princípios sistemáticos que regulam a comunicação, só os enunciados que se ajustam a eles serão

adequados; os que não o fazem (como as respostas extravagantes que comentávamos a propósito de nosso

exemplo), serão inadequados. Enquanto que ser gramatical é uma propriedade essencial, permanente e

definidora das expressões – uma sequência é gramatical ou não –, ser adequado é uma propriedade

relativa, que tem que ser avaliada em relação com um contexto de emissão.

Page 71: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

54

Nesse sentido, a pragmática se insere no presente estudo uma vez que se lida

indiretamente com formas associadas a formas de tratamento, por conta dos possessivos

se referirem à segunda pessoa do discurso. A maneira como tratar o outro, na verdade,

encontra-se intrinsicamente relacionada com o status social que acaba determinando a

representação linguística de determinada forma.

Antes de adentrar na discussão sobre as diferentes teorias pragmáticas, faz-se

necessário mostrar a correlação existente entre os usos linguísticos e o papel social

representado por um indivíduo. Preti (2000) afirma que o conceito sociológico de papel

encontra-se diretamente ligado ao de status e ambos referem-se à participação do

homem na sociedade, em seu grupo social. Por isso, é completamente natural que se

entenda que os indivíduos possuem posições dentro de um grupo – desde um grupo

primário, ou seja, restrito como a família, por exemplo, ou um grupo secundário, maior,

como o Estado. No entanto, cabe ressaltar que o indivíduo pertence a diferentes grupos

sociais, nos quais ocupa diferentes posições sociais. Desta forma, ele pode assumir, por

exemplo, o papel de mãe, na família; de médica, no hospital etc. Essas posições sociais

do indivíduo definidas no grupo social são denominadas status.

Em seu trabalho, o autor afirma inclusive que, quando um indivíduo ocupa certo

status, isto exige necessariamente a subordinação a certos comportamentos, não sendo

esses apenas relacionados à postura ética, mas “à sua representação física, à sua

aparência, ao seu vestuário” (PRETI, 2000, p. 86). Obviamente, a linguagem

empregada por esta pessoa também se inclui nessa lista, visto que esta é imprescindível

à criação de sua imagem. Segundo Preti (2000), estas normas relacionadas ao status

denominam-se papel social. Assim, pode-se afirmar com propriedade que o papel social

indica o “caráter funcional do homem na sociedade” (p. 86).

Preti (2000) também afirma que se a variação linguística é um traço fundamental

que caracteriza o status do falante ao exercer o seu papel social, não se deve esquecer de

que elas são dependentes diretas da convivência social entre falante e seus interlocutores

e “do grau de expectativa e aceitabilidade deles, em relação à linguagem empregada.”

(Preti, 2000, p. 91)

Neste sentido, destaca-se, especificamente, o estudo das formas de tratamento,

ou seja, a maneira pela qual os interlocutores se tratam mutuamente e o que pode

significar, na interação verbal, a escolha de uma forma em detrimento de outras

disponíveis no repertório linguístico.

Page 72: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

55

No entanto, só é possível explicar a escolha de uma forma determinada de

tratamento em detrimento de outras existentes na língua a partir de um estudo

minucioso das situações comunicativas em que estas formas aparecem, tentando

elucidar os objetivos mais diversos dos interlocutores.

Vidal29 reafirma o que diz Preti quando assegura que os fatores que intervêm na

comunicação podem reduzir-se ao conjunto de representações internas com que cada

indivíduo entra no processo comunicativo. Nesse sentido, a representação do entorno é

decisiva para a comunicação. Assim, muitas representações são de caráter puramente

individual e relacionam-se com detalhes específicos da situação concreta, preferências,

desejos e a maneira de ser de cada um. No entanto, um grande número serão

representações compartilhadas com outros membros do mesmo grupo social ou da

mesma cultura; representações que vão sendo adquiridas paulatinamente como parte do

processo de socialização do indivíduo, já que “... convertirse en un miembro normal de

una cultura es sobre todo una cuestión de aprender apercibir, pensar y comportarse

como lo hacen los demás miembros de esa cultura.”30 (Janney y Arndt, 1992:30 apud

Vidal, p. 6). Ou nas palavras de Jackendoff 1992:74 apud Vidal, p. 6: “El modo en que

los individuos son capaces de comportarse en la sociedad depende del modo en que son

capaces de representarse internamente el entorno social”.31

Para que se efetue um estudo sobre as estratégias de referência à segunda pessoa

do discurso, em particular, das formas possessivas, faz-se necessária uma cuidadosa

averiguação das relações estabelecidas entre os participantes da situação comunicativa

em questão. Isso se deve ainda ao fato de os poucos estudos disponíveis sobre a

variação teu-seu terem identificado a forte atuação de fatores sociopragmáticos e de

cortesia no uso de uma ou outra estratégia possessiva de segunda pessoa. Dessa forma,

com o objetivo de entender a pertinência dessas relações sociais nas escolhas

linguísticas, é necessário discutir algumas teorias de base pragmática e seus limites para

a análise em questão, como a dicotomia “poder e solidariedade”, idealizada por Brown e

Gilman (1960) e a teoria da polidez, proposta por Brown & Levinson (1987), aliando-as

aos preceitos da sociolingüística variacionista (WLH, 1968).

29 http://www.csub.edu/~tfernandez_ulloa/AportPrag.pdf 30 Converter-se em um membro normal de uma cultura é sobretudo uma questão de aprender a perceber,

pensar e comportar-se como fazem os demais membros dessa cultura. 31 O modo em que os indivíduos são capazes de se comportar na sociedade depende do modo em que são

capazes de representar-se internamente o entorno social.

Page 73: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

56

Vidal32 afirma que os atos de fala e a cortesia constituem os âmbitos específicos

e privilegiados das relações básicas, uma vez que os atos de fala relacionam-se com as

intenções e analisam os meios linguísticos que se usam para expressá-las. Por outro

lado, a cortesia estuda os parâmetros que determinam a distância social e suas

manifestações linguísticas. A autora afirma que esses dois âmbitos são os mais

interessantes, já que são os campos em que se fazem mais evidentes as diferenças

culturais a que as normas da língua se referem e, por isso, são os campos em que se

manifestam de maneira mais clara os fenômenos da interferência pragmática.

No trabalho pioneiro The pronouns of Power and Solidarity, Brown e Gilman

analisam as regras de tratamento que regem vinte línguas distintas, sendo a grande

maioria de origem indo-europeia. Os autores conseguem concluir que a escolha das

estratégias de tratamento referentes à segunda pessoa do discurso está regulamentada

por relações denominadas de poder e solidariedade. De acordo com essa proposta, tais

relações estão presentes em todas as formas de interação entre os interlocutores.

Embora tal proposta tenha sido rediscutida para as sociedades contemporâneas,

como mencionado adiante, ainda é bastante pertinente discutir tal dicotomia na análise

de dados do passado um tanto remoto, uma vez que a sociedade brasileira oitocentista e

novecentista apresentava ainda relações sociais bastante marcadas.

Neste sentido, o conceito de poder pode ser definido como o domínio que uma

pessoa exerce sobre outra em uma determinada situação comunicativa. Desta maneira,

para que haja uma situação de poder, é necessária a interação social de pelo menos duas

pessoas e que a relação entre elas não seja simétrica, visto que todos os participantes

não podem ter poder na mesma área de comportamento. Assim, conclui-se que o poder

encontra-se presente em relações assimétricas ou não recíprocas, nas quais a hierarquia

é observada na diferenciação de determinados atributos, a saber: autoridade, geração e

idade.

Diferentemente da relação de poder, em que o conceito de hierarquia é

extremamente importante para se compreender a assimetria de tratamento, a

solidariedade, por outro lado, pressupõe um mesmo nível hierárquico decorrente de

relações sociais simétricas ou recíprocas. As relações simétricas são derivadas de

atributos como sexo, parentesco e filiação de grupo, que estão ligados às ideias de

afinidade e afeto.

32 http://www.csub.edu/~tfernandez_ulloa/AportPrag.pdf

Page 74: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

57

Considerando a relação estabelecida entre as estratégias de referência ao

interlocutor, de acordo com Machado (2006), haveria dois eixos de relações

estabelecidas entre os interlocutores: um eixo assimétrico – em que predomina a

assimetria nas relações – e um eixo simétrico – em que predominam relações

igualitárias. A autora afirma que o poder seria o elemento central do eixo semântico

assimétrico e a solidariedade o núcleo do eixo semântico simétrico. Desta maneira,

haveria duas formas de relação assimétrica – aquela em que o emissor é o detentor do

poder frente ao receptor e a inversa, quando o receptor exerce poder sobre o emissor –

assim como há dois tipos de relação simétrica – quando a solidariedade entre os

participantes da situação comunicativa se faz presente e quando não se observa

solidariedade. Para Brown e Gilman (1960), o uso de formas V (como Vous, em

francês) está diretamente ligado às relações simétricas em que não há solidariedade

entre os participantes da ação, e às relações assimétricas em que o emissor está

hierarquicamente inferior ao receptor. Por outro lado, as formas T (como Tu, em

francês), correspondem às relações simétricas em que há reciprocidade e solidariedade

ou às relações assimétricas em que o emissor exerce alguma forma de poder sobre o

receptor.

Deve-se comentar que nesse estudo, estão sendo analisadas famílias típicas do

século XIX e início do XX e, por isso, algumas relações e papéis sociais podem

aparecer bastante delimitados na sua produção escrita. As alterações nos papéis sociais

podem ser observadas, principalmente, nas cartas familiares em que apesar das relações

de parentesco entre pai-filho, tio-sobrinho, etc. alguns remetentes ocupam cargos

políticos e se subordinam hierarquicamente a seus destinatários em algumas situações

de escrita. É possível perceber alterações das relações de poder e solidariedade

estabelecidas entre os interlocutores na interação em uma mesma carta e de uma carta

para outra.

Outra teoria bastante utilizada para a temática do tratamento de segunda pessoa é

a teoria da polidez, idealizada por Brown & Levinson (1987). De acordo com os

autores, na comunicação todos os participantes possuem duas propriedades básicas que

podem explicar seu comportamento no que tange a interação verbal. A primeira

propriedade denomina-se racionalidade e, segundo ela, cada indivíduo possui um modo

de raciocinar que pode ser definido de modo preciso e que o conduz aos meios

necessários para chegar aos fins que deseja alcançar. A segunda propriedade é a imagem

pública que cada indivíduo constrói para si próprio, buscando manter o prestígio no

Page 75: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

58

meio social em que vive. A imagem pública possui duas vertentes: a face positiva e a

negativa. A primeira consiste na personalidade (imagem) desejada pelos interactantes,

ou seja, a maneira como os indivíduos desejam ser vistos pela sociedade. A face

negativa, por outro lado, está relacionada ao território, ao direito de sofrer perturbação,

à preservação pessoal, o que remete à liberdade de ação e liberdade para não sofrer

imposição por parte dos outros.

Segundo os autores, qualquer ato de fala em si é considerado um ato de ameaça

à face de nosso interlocutor, porque a imagem pública é vulnerável e a interação verbal

nada mais é do que um esforço para a preservar. Desta forma, as estratégias de polidez

ou cortesia são empregadas para reforçar a imagem positiva do emissor e/ou do

interlocutor, isto é, garantir a harmonia do processo interativo. Quando há uma

estratégia que suaviza a imposição de um ato que ameace a face positiva do interlocutor,

tem-se um caso de polidez positiva, e quando esse ato ameaça a face negativa, a

estratégia utilizada é a polidez negativa.

Sobre as diversas acepções do termo cortesia, Vidal (2002) mostra a diversidade

de perspectivas. A cortesia pode ser entendida como um conjunto de normas sociais,

estabelecidas por cada sociedade, que acabam regulando o comportamento adequado de

seus membros, proibindo algumas formas de conduta e favorecendo outras. Desta

maneira, o que se ajusta às normas é considerado cortês e o que não se ajusta é

sancionado como descortês. Assim, a cortesia é interpretada como um mecanismo de

salvaguarda que é estabelecido por todas as sociedades para que a “agressividade” de

seus membros não se volte contra eles mesmos. Pelo fato de se tratar de normas

externas, é esperado que o que é cortês em uma sociedade possa até mesmo ser

descortês em outra. Essa questão é imprescindível no caso das escolhas tratamentais que

são feitas para se referir a outrem. Fica claro que a noção de cortesia ou descortesia

como norma social está intrinsicamente ligada à cultura geral de cada um, visto que as

normas sociais não são igualitárias para todas as sociedades. Sobre a questão da

cortesia, Vidal33 comenta:

“Se habla, en estos casos, de usos

estratégicos de la cortesía, en el sentido

de que la formulación lingüística

empleada puede utilizarse para

amortiguar o para potenciar los efectos

33 http://www.csub.edu/~tfernandez_ulloa/AportPrag.pdf

Page 76: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

59

no deseados de un determinado acto:

cuando supone una cierta imposición

sobre el interlocutor, al emisor le puede

interesar valerse de los medios

lingüísticos disponibles para

compensarlo.”34 (VIDAL, p. 11)

O conceito de cortesia também pode ser entendido de outra maneira: se se

concebe que a comunicação verbal é uma atitude completamente intencional para se

obter um determinado objetivo com relação a outras pessoas, seria lógico pensar que o

uso adequado da linguagem pode constituir um elemento determinante para o êxito do

objetivo perseguido. Sabe-se que o emissor deve ter em conta que seu enunciado se

adapte não só a suas intenções e seus objetivos, mas também à categoria e ao papel

social do destinatário. Desta forma, não é difícil imaginar a importância de se utilizar

convenientemente todos os meios que possui a linguagem para manter uma relação

cordial, especialmente, quando o falante deve enfrentar um conflito entre seus objetivos

e os do destinatário, em que não há intenção de romper suas boas relações com este.

Neste sentido, a cortesia pode ser entendida também como um conjunto de estratégias

conversacionais destinadas a evitar ou mitigar conflitos. A cortesia é uma estratégia

para poder manter as boas relações, como fica claro no modelo proposto por Brown &

Levinson (1987):

34 Se fala, nesses casos, de usos estratégicos da cortesia, no sentido de que a formulação linguística

empregada pode utilizar-se para amortecer ou potencializar os efeitos desejados de um determinado ato:

quando supõem uma certa imposição sobre o interlocutor, ao emissor pode interessar valer-se dos meios

linguísticos disponíveis para compensá-lo.

Page 77: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

60

Figura 8: Classificação das diferentes estratégias dos emissores em função do grau de imposição que

suponha a ação que se quer realizar e do tipo de relação entre os interlocutores.

Apesar das vantagens e do alto grau explicativo de suas categorias, sabe-se que

as teorias propostas por Brown e Gilman (1960) e Brown & Levinson (1987) foram

revisitadas por outros autores, como Bravo (1999, 2003) e Bravo e Briz (2004), que

questionam a validade da teoria proposta por Brown & Levinson para algumas

sociedades. Os autores argumentam que há um etnocentrismo sociocultural da teoria. As

críticas provêm de estudos empíricos em que se questiona a validade universal das

noções de “pessoa” (self), imagem/face social (face), o que se entende por cortesia

(politiness), o que é considerado amenizador (face-threat) e as relações de poder e

solidariedade nos termos de Brown e Gilman (1960). Segundo as críticas, tais

construções teóricas estão definidas por delimitações semânticas que são determinadas

socioculturalmente e que, por isso, constituem-se insuficientes para serem usadas como

parâmetros panculturais. Nesse sentido, pesquisadores afirmam que a teoria de Brown

& Levinson se aplicaria melhor em sociedades anglogermânicas, em que a estratificação

social é mais bem delimitada, diferentemente das sociedades provenientes da América

do Sul. Do mesmo modo, as relações de poder/solidariedade se alteraram com o passar

do tempo e seriam mais facilmente percebidas em sociedades bastante hierarquizadas.

No entanto, para a realização deste trabalho, leva-se em conta os princípios

norteadores da teoria proposta por Brown & Levinson e de Brown & Gilman pelo fato

do corpus escolhido para análise pertencer aos séculos XIX e XX, em que a sociedade

brasileira, principalmente até a metade do século XX, ainda continha uma

Page 78: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

61

hierarquização social maior e mais bem definida. Não se pode esquecer que os membros

das diferentes famílias pertencentes ao século XIX e início do século XX ainda deviam

sentir os reflexos sócio-históricos de uma sociedade com resquícios da era escravagista.

Além disso, nesse período, ainda não existia a classe burguesa propriamente dita e a

estrutura familiar ainda era presa aos padrões pré-estabelecidos ao longo da história: o

pai provedor e com total autoridade sobre a família, a mãe como cuidadora do lar e os

filhos como sendo submissos, o que talvez não fique tão claro ao analisar o corpus

sincrônico.

Cabe ressaltar ainda com Levinson (1989), a correlação que pode ser

estabelecida entre os estudos pragmáticos e sociolinguísticos. Estes não são exclusivos,

porém podem ser complementares, visto que em seu trabalho discutem-se os limites e

alcances dos dois referenciais teóricos. De acordo com o autor, a sociolinguística

interessa-se pelo valor que uma determinada forma de tratamento carrega. Além disso,

observa as características do falante (sexo, grupo social, escolaridade, idade, etc) em sua

relação com o destinatário, analisando os fatores linguísticos e extralinguísticos que

determinam os usos variáveis. A pragmática, por outro lado, preocupa-se pela

justificativa de tal forma ter sido utilizada em um determinado contexto e qual o efeito

que essa escolha pode ter para o destinatário da ação, daí sua pertinência.

Definidos os principais aportes teóricos que embasam o estudo, apresentam-se

na sequência os grupos de fatores que foram controlados para a análise e controle dos

dados levantados na amostra de cartas.

Page 79: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

62

3.5 – Os grupos de fatores

Serão brevemente apresentados os grupos de fatores controlados para a análise

da variação entre teu/seu. Optou-se pela descrição detalhada dos fatores e

exemplificação de cada grupo, além da menção às hipóteses na seção em que se

apresentam os resultados obtidos nas análises multivariadas. No geral, a formulação dos

grupos baseou-se em outros estudos sobre o mesmo tema (Arduin, 2005; Soares, 1999)

e nos pressupostos teóricos adotados para a análise. Os grupos de natureza linguística

foram elaborados no sentido de oferecer uma descrição de qual das duas formas é

utilizada nas missivas e em quais contextos estruturais há favorecimento de uma forma

em detrimento de outra. Por outro lado, os fatores extralinguísticos são responsáveis por

caracterizar o processo de variação e de mudança.

As variáveis linguísticas

(1) Número da forma possessiva

O objetivo de analisar esse grupo de fatores é observar se o número (singular ou

plural) em que a forma possessiva se encontra pode interferir na utilização dos

possessivos teu/seu. Trata-se de um grupo de controle, pois não havia uma hipótese

prévia para esse grupo.

(2) Gênero da forma possessiva

Assim como o grupo de fatores anterior, o objetivo de analisar esse grupo em

específico é verificar se o gênero (masculino ou feminino) que o possessivo possui afeta

a distribuição das formas possessivas. Trata-se também de um grupo sem hipótese

prévia, por isso, utilizado para controle.

(3) Referente do possessivo

Como uma das hipóteses norteadoras do trabalho é a de que o possessivo seu

acompanha o comportamento do pronome você e este, tanto pode referir-se à segunda

pessoa do discurso, quanto pode ter uma referência genérica, acredita-se que é mais

Page 80: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

63

provável que as formas possessivas teu/seu concorram para ver qual será o possessivo

mais empregado ao reportar-se à segunda pessoa do discurso, enquanto o pronome seu,

a princípio, é o único que poderia referir-se a posses genéricas.

(4) Correlação entre sujeito e possessivo: simetria do tratamento

Estudos anteriores sobre a variação entre tu e você35 mostraram é possível

estabelecer uma correlação entre o sujeito utilizado nas missivas e os outros subtipos

pronominais empregados do mesmo paradigma, isto é, em cartas em que o emprego de

sujeito é tu, há maior probabilidade de serem encontrados pronomes ligados a ele, como

teu, te, entre outros. Da mesma maneira, em cartas cujo sujeito é você, percebe-se maior

emprego de formas ligadas a este pronome, como seu, lhe, entre outros.

Assim, nesse grupo de fatores controlaram-se quatro fatores: (i) carta de tu; (ii)

carta de você; (iii) carta em que há mescla entre tu e você e (iv) carta de vossa mercê.

Pretende-se verificar se existe ou existiu simetria no paradigma pronominal, observando

inclusive que possessivo é produtivo quando o missivista emprega as duas formas (você

e tu) em uma mesma carta.

(5) Pronome sujeito mais próximo

Como já foi comentado no grupo de fatores anterior, a hipótese na qual se baseia

tal grupo seria a de que formas originalmente do paradigma de tu tendem a ser

antecedidas por formas do mesmo paradigma, no caso, tu (nominativo)/teu (genitivo),

enquanto formas do paradigma de você são antecedidas por formas de você: você

(nominativo)/seu (genitivo). Nesse grupo de fatores foram controlados cinco fatores: (i)

tu pleno: Tu sabes que a tua cartinha muito me agrada; (ii) tu nulo: Sabes que a tua

cartinha muito me agrada; (iii) você pleno: Você sabe que a sua cartinha muito me

agrada; (iv) você nulo: Sabe que a sua cartinha muito me agrada e (v) sem sujeito: A

tua cartinha muito me agrada.

(6) Tipos de posse

35 Conferir Rumeu (2008), Souza (2012), Pereira (2012), Silva (2012).

Page 81: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

64

De certo, como afirma Barros (2006), “a inalienabilidade não é determinada pela

cultura, ainda que seja motivada por ela; assim, cada língua desenvolve mecanismos

formais para refletir a diferente dependência conceptual entre, por exemplo, nomes

relacionais e não-relacionais”.

Nesse sentido, estipularam-se tipos de posse que poderiam ocorrer nas missivas

tais como inalienável e alienável. A posse inalienável compreende partes do corpo e

relações de parentesco, ou seja, tudo aquilo que não pode ser “adquirido”, sendo uma

posse intrínseca. Vale ressaltar que no livro Gramática de usos do Português, Neves

(2006, p. 488), quando trata das relações semânticas expressas pelo possessivo, explica

esse tipo de posse como aquela a que se refere a possuídos, que não podem, a princípio,

ser separados do possuidor, como ocorre, por exemplo, com as partes do corpo: teu

olho, seu espírito, teu lado machista. Por outro lado, as posses alienáveis são reservadas

a bens adquiridos e transferíveis.

A classificação binária tradicional não satisfaz todas as relações encontradas no

corpus, por isso, sugeriu-se uma nova especificação. Assim, quais os contextos

favorecedores de seu? E quais são os contextos que restringem sua implementação?

(7) Animacidade do sintagma possessivo

Nesse grupo de fatores foram controlados quatro fatores: (i) (+ animado, +

humano); (ii) (+ animado, - humano); (iii) inanimado e (iv) não se aplica, embora só

tenham sido encontrados sintagmas possessivos [+ humano] e [inanimado] na amostra.

Estudos apontam para o maior emprego de teu quando o possessivo faz referência a

seres com a característica [+ animado]. Por outro lado, a forma possessiva seu ganha

destaque ao fazer referência a seres [- animado]. Assim, tal grupo pretende confirmar o

resultado apresentado por outros estudos.

(8) Posição do possessivo em relação ao nome

Os pronomes possessivos foram analisados de quatro maneiras distintas: (i)

anteposto ao nome, em (17); (ii) posposto ao nome, em (18); (iii) sem aplicação de

posição (elipse nominal) em 19 e (iv) predicativo (esse carro é teu) como se vê a seguir:

Page 82: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

65

(17) “Bem desejo que continues a pas- | sar bem de tua dupla

existencia, referin- | do me ao teu marido e tríplice pelo | fructo

abençoado e proximo do teu feliz | consorcio.” (Família Pedreira, em

05/02/1877)

(18) “Não tenho recebido letras | suas, mas como Você tem podido | il

correspondencia com a | vossa mãe e irmã eu por | esse meio obtenho

sempre no | ticias vossas” (Família Pedreira, em 20/05/1886)

(19) “Querido Misael | Desejei escrever-te em papel do for- | mato do

teu, e este foi o que mais se- | approximou.” (Família Ottoni, carta de

Christiano Ottoni para seu neto, Misael Ottoni, em 26/02/1885)

Estudos como o de Castro (2006) mostram que quando o pronome possessivo

está anteposto ao nome há interpretação definida dessa posse, ou seja, segundo a

argumentação de Borges Neto (1978, 1986), tal possessivo delimita a classe do nome.

Por outro lado, possessivos pós-nominais apresentariam interpretação indefinida.

(9) Localização do possessivo no documento

Nesse grupo de fatores, há cinco localidades em que os pronomes possessivos

podem aparecer ao longo de uma carta: (i) antes do cabeçalho; (ii) captação de

benevolência; (iii) núcleo da carta; (iv) despedida e (v) observações posteriores a

despedida.

Assim, o objetivo é se a forma possessiva estaria influenciada pela estruturação

mais fixa e cristalizada do documento, como ocorre no gênero carta. Há estruturas

específicas que se repetem seja na “captação de benevolência” seja na seção de

despedida. Nesse sentido, esse grupo é relevante para saber quando as formas

possessivas estão em variação de fato ou não.

As variáveis sociais

(10) Gênero

Diversos estudos36 em diferentes áreas da linguística – pesquisas fonéticas e

morfossintáticas – evidenciaram que a variável gênero estaria ligada à escolha de uma

36 Cf. Rumeu (2008), Lopes e Machado (2005), entre outros.

Page 83: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

66

dada forma variante em detrimento de outra(s). Tais pesquisas confirmam a hipótese de

Labov (1990), de que, no que se refere aos processos de variação, as mulheres tendem a

usar formas que se aproximam da norma padrão, evitando os usos linguísticos

socialmente estigmatizados. Desta maneira, acredita-se que o gênero está

intrinsecamente ligado às mudanças linguísticas e a introdução de novas formas ao

sistema.

Baseando-se em tais afirmações, seria possível questionar se esta variável estaria

ligada à inserção da nova variante – seu – no sistema pronominal de segunda pessoa do

português brasileiro? Os princípios postulados por Labov (1994) conseguem ser

perfeitamente aplicados em sincronias passadas? Homens e mulheres possuem

comportamentos diferenciados? Trabalhos de mesmo cunho (RUMEU, 2008) mostram

que as mulheres seriam as grandes propulsoras na inserção da forma você no sistema

pronominal do português brasileiro, por isso, seria a utilização de seu mais expressiva

em cartas femininas?

(11) Faixa etária

O controle da faixa etária seguiu o estudo de Souza (2012). Observou-se, desse

modo, a idade do escrevente, controlando se haveria assimetria ou simetria em termos

etários. Têm-se as seguintes possibilidades combinatórias: (i) um missivista pertencente

à faixa etária jovem (até 29 anos); (ii) um missivista pertencente à faixa etária adulta

(entre 30-60 anos); (iii) um missivista pertencente à faixa etária idosa (acima de 60

anos) e (iv) quando não há qualquer identificação sobre a idade do missivista.

Objetiva-se, com esse grupo, verificar se há divergência de comportamento

linguístico no que tange as formas possessivas a depender da faixa etária do missivista,

como já apontou Arduin (2005). Além disso, como o estudo é de longa duração, é

possível identificar se um mesmo missivista muda seu comportamento linguístico no

decorrer dos anos.

(12) Parentesco dos missivistas

O parentesco com o destinatário poderia interferir diretamente na escolha de

uma das formas de tratamento em detrimento de outra, uma vez que o maior ou menor

grau de intimidade entre os interactantes pode afetar as formas possessivas por eles

Page 84: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

67

empregadas. Nesse sentido, acredita-se que relações mais próximas tenderiam ao uso de

teu, enquanto o possessivo seu seria mais empregado em relações cuja proximidade

entre os interlocutores não seja tão forte.

No presente trabalho, podem ser estabelecidas diferentes tipo de relações entre

os interlocutores: mãe/filho, pai/filho, tio/sobrinho, irmão/irmão, cunhado/cunhado,

esposo/esposa, esposa/esposo, entre outros.

(13) Período

De acordo com o estudo de Duarte (1995), é a partir da década de 30 que a

forma você se implementou no sistema pronominal do português brasileiro, como foi

comprovado pelo estudo de Souza (2012). Logo, o rearranjo pronominal que se defende

é posterior a esse período. No entanto, parte das cartas escritas utilizadas nesta análise é

de um período anterior à mudança, por isso, acredita-se que quanto mais afastado do

período mencionado no estudo de Duarte, maior utilização de teu, enquanto a maior

utilização de seu se daria nas décadas mais próximas dos anos 30 do século XX e

posteriormente.

(14) O subgênero da carta particular

O estudo de Pereira (2012), ao analisar o sujeito em cartas pessoais da família

Penna, apontou divergências nos resultados a depender do tipo de missiva. Dessa forma,

faz-se importante diferenciar, no presente estudo, os subgêneros que podem aparecer

nas diversas cartas que integram o corpus: (i) pessoal (entre amigos); (ii) amorosa (entre

casais) e (iii) familiar (entre membros de uma mesma família). Com esse grupo de

fatores, objetiva-se verificar se há diferenciação no uso das formas possessivas a

depender do tipo de carta escrita.

(15) Localidade

As cartas que compõem o corpus do presente trabalho foram escritas por

diferentes pessoas, de diferentes períodos históricos e de diferentes localidades. Assim

sendo, há nove diferentes localidades de onde podem ter partido as missivas: (i) Minas

Gerais; (ii) Bahia; (iii) Rio de Janeiro; (iv) Santa Catarina, (v) Rio Grande do Norte, (vi)

Page 85: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

68

Sergipe, (vii) Ceará, (viii) São Paulo, (ix) fora do Brasil. Objetiva-se, com esse grupo,

observar como as formas possessivas são distribuídas a depender da localização dos

missivistas.

Os dados foram levantados nas cartas e codificados segundo os grupos de fatores

apresentados. O pacote de programas Golvarb X foi utilizado para realizar a análise

quantitativa das ocorrências, que, após codificadas e revistas, foram realizadas rodadas

gerais e parciais como será discutido no próximo capítulo.

Page 86: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

69

4- Pronomes possessivos: resultados encontrados

A análise da variação dos pronomes possessivos de segunda pessoa baseou-se

em uma amostra de 363 cartas pessoais, distribuídas pelo período temporal de 100 anos:

entre 1870 e 1970. Nessas missivas foram encontradas 1.376 ocorrências de pronomes

possessivos, com predomínio geral de teu sobre seu na totalidade da amostra. Foram

1041 dados de teu (76%) e apenas 335 dados de seu/sua (24%).

A maior parte desses dados ocorreu em posição pré-nominal, como em tua/sua

casa: 1148 ocorrências, sendo 301 ou 26% de seu. Na amostra só foram encontrados 89

dados de possessivos em posição pós-nominal, caso de casa tua/sua, em que 19

ocorrências, o equivalente a 21%, eram de seu. Foram encontrados 136 casos do

possessivo seu em posição elíptica, ou seja, quando o nome fica subentendido, por

exemplo, Que esta te vá encontrar boa de saude assim como aos teus, em que teus

refere-se a parentes ou familiares; e, por fim, apenas três ocorrências do pronome seu

em posição de predicativo, como em esta zona e sua e do Doutor Britto, em que seu foi

mais produtivo com duas ocorrências.

Além disso, cabe comentar que apenas quatro ocorrências de pronomes

possessivos foram encontradas antes do cabeçalho da carta, sendo apenas uma (25%) de

seu. Na captação da benevolência, isto é, parte da carta em que o remetente faz os

contatos iniciais com o destinatário, localizaram-se 316 dados, sendo 110 deles (35%)

do pronome seu. O núcleo da carta, por sua vez, foi o local com mais ocorrências de

pronomes possessivos de forma geral: 731, sendo 168 apenas de seu (23%). Na

despedida, foram localizadas 306 ocorrências, somente 54 de seu (18%) e no P.S., ou

seja, informação posterior a despedida, 19 dados, sendo dois (10%) do possessivo seu.

Apesar de não ser o cerne do trabalho, foram encontradas três construções de de-

possessivos com valor de posse, como visto a seguir:

(12) “Domingo recebi 4 carta 3 é de voce e 1 é | do meu irmão

Zezinho eu fiquei muito contente” (Casal Jayme e Maria, em 11 de

Outubro de 1936)

(13) “Meu querido filho | A boa saúde de voce, e seus irmaõs, | é o que

eu desejo.” (Família Land Avellar, em 22 de julho de 1917)

(14) “Estou esperando | a minha foto, magra | ou gorda de voce.”

(Família Lacerda, em 25 de agosto de 1978)

Page 87: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

70

Percebe-se que o pronome teu teve uma presença significativa nos resultados

globais de maneira geral, no entanto, não teve uma distribuição regular ao longo de 100

anos, como ilustrado no gráfico a seguir:

84%87%

99%

70%

44%

79%

97%

0%4%

16%13%

1%

30%

56%

21%

3%

100% 96%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1870 1880 1890 1900 1910 1920 1930 1940 1970

Teu Seu

Gráfico 1: A distribuição de teu/seu ao longo das décadas

O gráfico mostra que o fator temporal é de extrema importância para a análise da

variação das formas possessivas teu/seu entre nos anos de 1870 a 1970. Embora se

tenha o predomínio de teu quando se observa a totalidade da amostra referente ao Rio

de Janeiro, é possível perceber avanços e recuos que sinalizam para uma mudança de

comportamento no uso dos possessivos de segunda pessoa. Notam-se, primeiramente,

altos índices de teu/tua no final do século XIX, entre os anos de 1870 a 1890. Nas

décadas seguintes (de 1900 a 1930) há oscilações nas frequências das duas variantes,

principalmente na década de 1910. Os valores tão próximos de teu e seu nessa década

em específico se dá pelo fato das cartas que compõem esse período serem peculiares:

tais missivas são pertencentes a famílias de políticos e, muitas vezes, percebe-se uma

grande dificuldade dos remetentes em separar o parentesco do cargo político. Assim,

nessas cartas embora houvesse um tio/pai escrevendo ao seu sobrinho/filho, na verdade,

a relação estabelecida era a de um homem pedindo favores políticos ao parente

Page 88: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

71

importante. Dessa forma, essa década acaba apresentando um comportamento

diferenciado das demais. Em seguida, por fim, pelo uso majoritário de seu/sua, a partir

de 1940.

Tais resultados estão em confluência com o estudo de Machado (2011). A autora

observou o comportamento de diferentes formas de tratamento ao colocutor no

português brasileiro e europeu nos séculos XIX e XX, através da análise de 29 peças

teatrais escritas ao longo desse período. O gráfico abaixo, extraído do estudo em

questão, diz respeito ao emprego e tu e você, na posição de sujeito, na amostra:

Gráfico 2: Frequência de uso de tu e você em peças teatrais brasileiras (adaptado de MACHADO, 2011)

Os resultados da pesquisadora mostram que há um predomínio de tu do meado

do século XIX até as primeiras décadas do século XX, quando as formas entram

variação. A partir de 1930, você passa a ser mais empregado, suplantando o pronome tu.

Apesar do estudo de Machado (2011) ser ímpar para o campo linguístico, a autora faz

uma descrição geral das formas de tratamento encontradas nas peças brasileiras

comparando-as com peças portuguesas. Assim, há referência a diferentes formas de

tratamento e não só à variação entre tu e você, por isso, o estudo realizado por Souza

(2012) mostra-se relevante para entender tal disposição. Em seu trabalho, a

pesquisadora analisou 354 cartas redigidas por pessoas oriundas do Rio de Janeiro ou

Page 89: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

72

que viveram a maior parte da vida no estado. A autora também delineou

cronologicamente o comportamento linguístico da variação entre tu e você, na posição

de sujeito, no período de 1870 a 1970. O gráfico de Souza (2012), reproduzido a seguir,

ilustra tal mapeamento no decorrer de 100 anos:

Gráfico 3: a variação entre tu/você, na posição de sujeito, ao longo de 100 anos (extraído de Souza, 2012,

p.90)

Com base nesses resultados, Souza (2012) traçou três períodos temporais para o

processo de variação das formas pronominais de segunda pessoa na posição de sujeito.

O primeiro corte temporal refere-se aos anos de 1870 a 1890, em que há maior

utilização de tu em detrimento de você. O estudo de Souza (2012) mostra, no entanto,

que, nesse período, as duas estratégias não eram formas variantes no sentido estrito da

palavra, já que não eram empregadas nos mesmos contextos discursivo-pragmáticos: tu

era mais empregado por homens e, principalmente, nas relações mais informais e

próximas entre os interlocutores das missivas, ao passo que você era mais produtivo na

escrita das mulheres, marcando deferência, distanciamento ou sendo uma forma de

mitigar um ato de ameaça à face do interlocutor.

Page 90: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

73

Assim, nesse segundo corte temporal, nota-se, a partir do gráfico de Souza

(2012), a coexistência das duas estratégias com porcentagens mais equilibradas. Além

disso, tu e você passam a dividir os mesmos espaços funcionais, caracterizando-se como

variantes propriamente ditas. Isso se deve ao fato de a forma você ampliar seus

contextos de uso, deixando de ser empregada apenas como uma forma de suavizar um

ato ameaçador à face do interlocutor e perdendo o seu caráter de deferência e

distanciamento social observado em fins do século XIX. Assim sendo, para o período de

1900 a 1930, Souza (2012) defende uma fase de variação entre tu e você, fato que

corrobora o estudo de Duarte (1993), em que esta autora afirma que é a partir de 1930

que você passa a ser realmente produtivo no português brasileiro.

No último período temporal, isto é, aquele alocado entre as décadas de 1940 a

1970, percebe-se o emprego quase que categórico de você, em detrimento de tu, que cai

em desuso no corpus. Souza (2012) observa que, nesse período, você passa a substituir

o pronome tu em todos os seus espaços funcionais, o que também dialoga com os

resultados observados por Rumeu (2008), uma vez que a autora, ao realizar um estudo

de longa duração com base em cartas pessoais de uma mesma família, também verificou

que entre os anos de 1920 a 1945 a forma você mostra-se mais produtiva do que tu na

posição de sujeito. O comportamento linguístico identificado em fontes documentais

distintas – carta e peças teatrais – evidencia que os resultados não estão associados à

natureza do gênero, mas sim, representa uma variação em curso da própria língua.

Assim sendo, assume-se, no presente estudo, que as formas variantes teu/seu,

por hipótese, acompanham o comportamento das formas de tratamento na posição de

sujeito e, por isso, foram realizadas rodadas parciais, de acordo com as fases temporais

postuladas por Souza (2012).

Nesse sentido, para a realização da presente pesquisa, optou-se por realizar

quatro rodadas distintas: (i) a rodada geral, com a análise das 1.376 ocorrências a fim

de verificar quais os grupos de fatores são significativos para entender a variação entre

as formas possessivas ao longo de 100 anos; (ii) a fase 1, isto é, o período referente às

décadas de 1870-1899, em que foram encontrados 397 dados. Espera-se, a exemplo da

variação entre tu e você no mesmo período temporal, que as formas possessivas não

sejam variantes stricto sensu, como será discutido pormenorizadamente nas próximas

seções; (iii) a fase 2, que corresponde ao período temporal de 1900 a 1939 com 799

dados, provavelmente apresentará maior variação entre as duas formas possessivas; e,

por fim, (iv) a fase 3, dessarte, o período temporal correspondente às décadas de 1940-

Page 91: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

74

1979, em que se encontrou 122 ocorrências de formas possessivas, com maior utilização

de seu.

A tabela a seguir apresenta os grupos de fatores selecionados em cada período

temporal específico:

Tabela 7: Divisão para a análise

A tabela 7 apresenta alguns aspectos interessantes a serem observados.

Primeiramente, destaca-se que, os grupos de fatores selecionados nem sempre são os

mesmos, o que reforça a divisão da amostra em períodos temporais. Além disso, é

significativo mencionar que houve predomínio na seleção de grupos de fatores

extralinguísticos sobre os linguísticos. Destes últimos, apenas quatro grupos de fatores

foram selecionados pelo programa de regras variáveis Goldvarb: sujeito na totalidade

da carta e tipo de posse, na rodada geral e na fase 2 (1900-1939) e traço do gênero do

possessivo e animacidade do sintagma possessivo, na fase 3 (1940-1979). Ressalta-se

que nenhum grupo de fatores linguístico foi selecionado na fase 1 (1870-1899).

Por outro lado, os grupos de fatores extralinguísticos foram sistematicamente

selecionados nas diversas rodadas realizadas no estudo da variação entre teu/seu: faixa

etária, parentesco, período, gênero, subgênero da carta e localidade. É importante

salientar que tais grupos repetem-se sistematicamente em três das quatro rodadas, já que

a fase 3 foi o único período temporal em que nenhum grupo de fatores extralinguístico

foi selecionado. Nesse sentido, faixa etária, parentesco e localidade repetem-se em três

rodadas (rodada geral, fase 1 e fase 2) e os grupos de fatores restantes aparecem em dois

Rodada Geral Fase 1 (1870-

1899)

Fase 2 (1900-

1939)

Fase 3 (1940-

1979)

Fatores

Linguísticos

Sujeito na

totalidade da

carta

Não houve Sujeito na

totalidade da

carta

Traço de

gênero do

possessivo

Tipo de posse Tipo de posse Animacidade

do sintagma

possessivo

Fatores

Extralinguísticos

Faixa etária Gênero Gênero Não houve

Parentesco Faixa etária Faixa etária

Período Parentesco Parentesco

Subgênero da

carta

Período Subgênero da

carta

Localidade Localidade Localidade

Page 92: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

75

dos três recortes temporais, como o caso de período (rodada geral, fase 1), gênero (fase

1 e fase 2) e subgênero da carta (rodada geral, fase 2).

Em função da distinção temporal proposta para o trabalho e dos grupos de

fatores aparecerem recorrentemente, os resultados serão apresentados de maneira

comparativa, a fim de que a análise torne-se menos repetitiva. Desse modo, apresentar-

se-á, primeiramente, a análise referente aos grupos de fatores linguísticos selecionados

para, em seguida, serem discutidos os resultados relacionados aos grupos de fatores

extralinguísticos.

Page 93: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

76

4.1- Os fatores linguísticos selecionados

4.1.1- Sujeito na totalidade da carta

O primeiro grupo de fatores apontado pelo programa estatístico Goldvarb X

(SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005), como sendo relevante para a análise,

foi a forma empregada na posição de sujeito na totalidade das cartas. A hipótese inicial

do trabalho era a de que a variação teu/seu, aparentemente, acompanha a forma do

mesmo paradigma empregada na posição de sujeito: o possessivo teu seria empregado

em cartas com a forma tu na posição de sujeito, do mesmo modo que o possessivo seu

estaria presente em cartas com você na posição de sujeito. Entretanto, seria necessário

investigar que forma possessiva emerge quando há a variação entre tu e você em uma

mesma carta. O aumento de seu acompanhou a inserção de você no paradigma de

segunda pessoa a partir de 1930 como mostrou Souza (2012)?

Diversos estudos demonstraram que a mescla tratamental ou falta de simetria de

formas do mesmo paradigma, seja de tu seja de você, já se fazia notar a partir de fins do

século XVIII (cf. Machado (2006), Lopes (2008), Rumeu (2008), Marcotulio (2008),

Pereira (2012,) Souza (2012), Silva (2012), Oliveira (2014) e Souza (2014). No

exemplo a seguir, extraído de uma carta escrita pelo Marquês do Lavradio, em 1775,

verifica-se a combinação de você (Fique você) com formas do paradigma de tu (tu

deves, satisfizeres, te):

(15) “como tu medeves resposta dehuã grande Carta que te escrevi,

quando Satisfizeres esta divida: eu mefarei novamente devedor. Fique

você embora com ósseo Sigarro em quanto eu cá vou uzando da

minha agoá fria” (Marcotulio 2013, 145)

Para o controle dessa correlação entre sujeito e formas possessivas, foram

observados quatro tipos diferentes de cartas: (i) aquelas com uso de você sujeito; (ii)

cartas com emprego exclusivo de tu sujeito; (iii) cartas em que apareciam tanto você

quanto tu na posição de sujeito; (iv) cartas em que não havia qualquer referência ao

sujeito empregado, ou seja, cartas sem tratamento de sujeito específico, apenas

vocativos na saudação ou formas verbais na terceira pessoa do singular.

Acredita-se que, baseado nos estudos supracitados sobre estudo de diferentes

subtipos pronominais e nas hipóteses mencionadas, em cartas cujo sujeito é tu,

encontrar-se-ão formas pronominais relacionadas a esse pronome reto. Da mesma

forma, em cartas cujo sujeito é você, serão observadas as formas pronominais que se

Page 94: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

77

relacionam à terceira pessoa. Assim, a grande questão para esse grupo é buscar delinear

qual pronome possessivo aparecerá em cartas com mistura entre tu e você e em cartas

sem referência explícita do sujeito. Postula-se que o emprego de seu estaria

intrinsecamente ligado ao uso de você: quando você vai gradativamente aumentando sua

frequência como pronome de segunda pessoa ao lado de tu, as outras formas do

paradigma original de segunda pessoa, ou seja, do paradigma de tu tenderiam a também

diminuir.

Nas rodadas parciais feitas neste trabalho, a forma de referência à segunda

pessoa que ocorria na posição de sujeito (você, tu, você/tu ou sem referência) foi

selecionada como relevante na análise multivariada da rodada geral com todos os dados

e na rodada da fase 2 – 1900 a 1930. Para facilitar a análise comparativa, entretanto,

serão apresentados, na tabela a seguir, os resultados da variação teu/seu, em todas as

rodadas, levando-se em consideração qual era o sujeito de 2a pessoa empregado nas

missivas:

Tabela 8: A distribuição de seu a depender do tipo de sujeito em todas as rodadas

Os resultados apresentados na tabela 8 confirmam o que a hipótese postulara: em

todas as rodadas existe uma tendência para a manutenção das formas do mesmo

paradigma. Em cartas com uso exclusivo de você sujeito houve favorecimento para o

emprego de seu, ao passo que nas cartas em que ocorria o emprego restrito de tu na

posição de sujeito a utilização desse possessivo foi desfavorecida. Tal constatação é

Rodada geral Fase 1 Fase 2 Fase 3

Fatores Seu Seu Seu Seu

Somente tu 33/724 – 5% –

0.248

5/300 – 2% 24/392 – 6% –

0.207

Somente você 235/269 – 87% –

0.946

11/31 – 35% 110/121 – 91% –

0.999

97/101 –

96%

Mista 31/307 – 10% –

0.410

5/42 – 12% 16/254 – 6% –

0.205

10/11 –

91%

Sem

referência

explícita

37/75 – 49% –

0.874

12/23 – 52% 7/32 – 22% –

0.656

Page 95: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

78

reiterada pelos pesos relativos observados nas rodadas geral (0.946 e 0.248) e fase 2

(0.999 e 0.207), respectivamente.

Há outros aspectos que podem ser depreendidos a partir da análise da tabela 8. O

primeiro deles refere-se aos resultados relativos a cartas em que não há qualquer

referência de sujeito. Nota-se que, nesse contexto, houve maior favorecimento do uso de

seu com 0.874 na rodada geral e 0.656 na rodada da fase 2 (1900-1939). Tal

favorecimento nas cartas sem sujeito de segunda pessoa explícito dá indícios, como será

discutido na análise dos exemplos mais adiante, de que o possessivo seu pode ter

mantido alguma propriedade original de pessoa menos marcada do seu antigo

paradigma de terceira pessoa. Atualmente, seu mais do que teu é usual ao lado de você

como estratégia de indeterminação do sujeito com referência arbitrária, em construções

do tipo: Mas se você não cuida do seu mau aluno, ele vai embora. A ausência de um

tratamento de segunda pessoa explícita nas cartas analisadas estaria sendo interpretado

como um dos contextos que favoreceu essa leitura indeterminada que seu assumiu mais

recentemente como possessivo polifuncional.

Outro aspecto refere-se às cartas mistas. Nesse caso, houve uma mudança de

comportamento de uma fase para outra. Nas cartas mais antigas, quando se empregava

tu ou você numa mesma carta na posição de sujeito, o emprego de teu era favorecido.

Isso ocorreu até 1930 como mostram os pesos relativos bastante baixos de seu na

rodada geral (0.410) e na fase 2 (0.205). Apesar dos poucos dados da fase 3, o que não

permitiu uma análise multivariada, os percentuais de frequência indicam o forte

predomínio seu com 91% nesse contexto. Tais resultados evidenciam também o

espraiamento de seu como segunda pessoa independentemente do uso de tu ou você na

posição de sujeito.

Interessante observar que, no que se refere ao sujeito empregado nas cartas, não

há diferenças substanciais de uma rodada para a outra. Os exemplos a seguir ilustram o

emprego de possessivos em correlação com o sujeito das missivas no corpus:

(16) “Antes de tudo, rendamos graças á Deos | pela continuação da

saude e paz de espirito | que gosas em paz com os teus e toda Santa

Fé. | [espaço] Vou seguir o exemplo que me dás | na ultima carta, que

separou me de tua | Mãe, escrevendo me – á mim, assim como | aella

á parte.” (Família Pedreira, em 4 de outubro de 1879)

(17) “Você recebeu a mi- | nha ideia a respeito da capa, quero sua o- |

pinião e o nome, o que lhe parece? é uma | sugestão Imperial. Em

Page 96: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

79

seguida ao | seu prefacio, vou fotografar a carta | do Wahington, que

mencionei, e depois, | vem a "Explicação necessaria" etc. etc..”

(Família Brandão, em 20 de outubro de 1966)

Em (16), tem-se uma carta de uso exclusiva do sujeito tu, que é possível

verificar pelo emprego das formas verbais gosas e dás, assim, o possessivo empregado

segue o sujeito da missiva: teus e tua Mãe. Nesse viés, em (17), exemplifica-se uma

carta de você exclusivo, através da presença do pronome em Você recebeu e,

posteriormente, o emprego de formas possessivas relacionadas ao pronome de terceira

pessoa: sua opinião e seu prefácio. O exemplo a seguir ilustra um trecho de uma carta

mista:

(18) “Recebi suas cartas, mas | com um dia de demora | D’ ahi resulta

só hoje | poder enviar lhe a | incommenda. | Como tens Você, a tua |

Mãe e Marido e Pae | e irmãos passado?” (Família Pedreira, em 7 de

fevereiro de 1877)

Em (18), percebe-se a mistura de tratamento em uma mesma carta, verificado

através da forma verbal tens associado ao uso de você. Assim, as formas possessivas

acompanham a variação das formas de segunda pessoa, aparecendo suas cartas no

início do exemplo e tua mãe, depois tens e você. É interessante ressaltar que, embora o

peso relativo e as porcentagens tenham mostrado um favorecimento de teu nesse tipo de

carta, o trecho ilustra que, na verdade, quando há variação nas formas de sujeito, os

pronomes possessivos também se alternam. Os exemplos que virão a seguir

demonstram os usos encontrados em cartas sem referência explícita de sujeito:

(19) “Prezado parente e amigo F Brandão Neto || Por telegrama já lhe

agradeço as felicitações | que me mandou por motivo de meu anni- |

versario natalicio. Isso significa que recebi | Esperando sua resposta,

muito cordialmente | primo e amigo, | Washington Luis” (Fundo

Washington Luis, sem data precisa, década de 1940)

O exemplo (19) chama a atenção, pois demonstra o emprego do possessivo em

uma carta que não há qualquer referência de sujeito. Apesar de não haver sujeito

expresso, pelo conteúdo da carta e emprego de algumas palavras e expressões, como

Prezado parente e amigo e muito cordialmente, pode-se perceber certo distanciamento

entre remetente e destinatário, inferindo que os dois mantinham, bem possivelmente,

um relacionamento não tão próximo. Nota-se mais um exemplo:

Page 97: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

80

(20) “Prima Sophia | (...) | Recebi sua carta de 22 de Agôsto, e agora a

de 25 do mesmo | mês encaminhando-me o livro do Dr. Martinho da

Rocha, sôbre o vul- | to de Dr. Francisco de Mello Franco. | Junto

envio-lhe um agradecimento ao Dr. Martinho da Rocha, | que rogo

fazer chegar a destino. | Dou-lhe os parabens por estar “na pista certa”

para encon-| trar os seus ascendentes do lado Mello Franco. A melhor

pista é | a que é marcada por documentos. | (...) | Pedindo que muito

me recomende afetuosamente a todos os se- | us, aqui fico sempre

pronto a dar-lhe quaisquer outras informa- | ções que estejam a meu

alcance. | Muito Cordialmente | Washington Luis” (Fundo Washington

Luis em 30/10/1949)

Novamente, percebe-se que há certo grau de distanciamento entre Washington

Luis e aquela a quem a carta se destina, mesmo sendo os dois parentes. Pode-se notar,

mais uma vez, que a carta não trata de assuntos íntimos, ou seja, seu teor não é de

proximidade. Além disso, o missivista se utiliza do termo cordialmente, que é

responsável por deixar clara a relação não íntima dos dois primos.

Nesse sentido, observou-se que, apesar de haver cartas em que não há qualquer

emprego direto de sujeito, é possível identificar pelo teor das missivas, se a carta

representa uma relação mais ou menos próxima entre remetente e destinatário. Assim

sendo, verificou-se que, nas cartas sem referência explícita a um sujeito tu, você ou o

senhor, quando há distanciamento entre remetente e destinatário, é comum o emprego

de seu com variações de gênero e número. Por outro lado, quando as missivas

ilustravam uma relação mais íntima entre os informantes, havia emprego de teu e

variantes. Seguem os exemplos:

(21) “Padre Jeronymo meu irmão querido | Antes de começar a

quaresma venho converçar um pou- | co comtigo ainda que por carta,

desde que não posso de | mos. Recebi hontem tua carta, muito te |

agradeço, precisava uma palavrinha de | meu irmão que tão bem

comprendeu | meu coração. Meu irmãosinho querido | nas tuas

orações ponha uma supplica | para que Nosso Senhor dé um geito na

mi- | nha vida. | (...) | [espaço] Adeus meu irmão querido, um gran- |

de abraço cheio de saudades. Muito gostei | da imagem que me

mandou | [espaço] Tua irmã que muito te estima | Sor Maria

Auxiliadora” (Família Pedreira, em 16/02/1926)

(22) “Querido Filho | [espaço] Tua carta escripta a 20 de fevereiro, |

veiu romper o involuntario silencio | que ha uns dois mezes reina entre

nós. | Ambos com o tempo bem tomado e | tranquillos a respeito dos

outros que sa- | bemos estarem no serviço de Deus e por- | tanto

Page 98: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

81

entregues a um bom Senhor, vamos | deixando passar o tempo, mas

não se pas- | sa um dia sem que teu nome seja repe- | tido por mim

junto ao Altar. Tuas | noticias me consolaram muitissimo e | me vêm

sempre suavisar o espinho cons- | tante que o estado continuo de

Leonor | fere meu coração.” (Família Pedreira, em 23/09/1919)

Os exemplos mostram um comportamento interessante acerca dos possessivos.

Em (21) e (22), pode-se observar que, apesar de também não haver nenhum sujeito

explícito nas cartas, as mesmas caracterizam-se por apresentarem assuntos mais íntimos

e próximos, além do uso de expressões que deixam a proximidade entre remetente e

destinatário bem explícita, como querido. Desse modo, o possessivo empregado nas

mesmas é teu.

Os estudos realizados sobre a variação entre tu e você, na posição de sujeito,

como Rumeu, 2008; Pereira, 2012; Souza, 2012, mostram que, até o início do século

XX, o pronome tu era empregado em cartas cujas relações estabelecidas entre os

informantes eram bem próximas e íntimas, sendo utilizado, principalmente, por homens.

Já a forma você possuía um comportamento polifuncional, ora sendo variante do

pronome tu em contextos mais íntimos, ora sendo uma forma empregada para

demonstrar um caráter cerimonioso e distante entre remetente e destinatário.

Assim sendo, percebe-se que, aparentemente, os pronomes possessivos

acompanham o emprego dos pronomes na função de sujeito nesse mesmo recorte

temporal. Dessa forma, as formas possessivas não só acompanham o sujeito das

missivas, como a princípio se supunha, mas, também podem ser empregados tanto no

trato informal, como em ocasiões em que se exija mais cerimônia, principalmente no

que se refere ao emprego do possessivo seu. Como mencionado antes, o seu possessivo,

na diacronia, apresentava (e continua apresentando) o mesmo caráter polifuncional

descrito para o pronome você, aparecendo tanto em relações mais íntimas, como uma

variante do possessivo teu, quanto em cartas em que se nota distanciamento entre os

informantes.

Esse comportamento é um forte indicativo para que se estude a variação entre

teu e seu através de rodadas parciais divididas em lapsos temporais e, principalmente,

de maneira comparativa. A seguir será explicado o grupo de fatores tipo de posse.

Page 99: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

82

4.1.2- Tipos de posse

Em seu estudo sobre a história dos possessivos em espanhol, Flores (2009)

retoma o conceito de posse estabelecido a partir dos diferentes tipos de relações entre

possuidor e o objeto possuído. A forma de manifestá-los depende não só dos recursos

gramaticais de cada língua, mas também de seu uso e contexto. Nesse sentido, os tipos

de posse comumente mencionados nas referências bibliográficas – alienável versus

inalienável – são considerados por Huerta Flores (2009) como os padrões mais

relevantes em diferentes línguas do mundo37. A distinção entre esses dois tipos de posse

é equivalente terminologicamente a separável versus inseparável ou transferível versus

intransferível.

Para a grande maioria dos autores, os conceitos de alienabilidade e

inalienabilidade são distinções de caráter semântico, em que a principal diferença

baseia-se na inerência natural entre o possuidor e o que é possuído (KLIFFER 1983;

LANGACKER 1995; SEILER 1983 e VELÁSQUEZ 1996). De maneira geral, o termo

inalienável refere-se a relações tipicamente possessivas, isso é, aquelas em que a

entidade possuída é inseparável de seu possuidor ou inerente a ele. Por outro lado,

alienável diz respeito à relação em que o objeto possuído é separável de seu possuidor,

sendo transferível e, portanto, passível de ser transferido a outro possuidor. Os

exemplos a seguir ilustram tais conceitos no corpus usado para análise:

(23) “A noite fui a tua casa, | qual a alegria que esperava-me, tinha

duas | cartas para mim, mal recebias fui ler, | as cartas eram dos dias

22 e 23 do | corrente, fiquei um pouco mais descansado, | mais um

pouco desaçosegado por saber que tens tido febre e | que a Hilda

tambem está meio adoentada.” (Casal Jayme e Maria, em 26 de

setembro de 1936)

(24) “Recebi a sua carta, | de tudo qto nella me diz fico sciente.”

(Land Avellar, em 5 de outubro de 1909)

(25) “Domingo sentirei as tuas mãos | de veludo acariciarem as

minhas, | sentirei o contacto do teu corpo com o meu, | ouvirei o seu

coração palpitando de desejos, e furtivamente lhe | beijarei varias

vezes || Previne a tua irmã que desceremos no trem de | 4 horas e 40

minutos, só irei eu teu pae e o Nelzinho | vae arrumando a tua mala,

(...)” (Casal Jayme e Maria, em 14 de outubro de 1936)

37 Chapell e McGregor (1996), Heine, (1997), Seiler (1983) e Velásquez (1996).

Page 100: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

83

(26) “Só tu minha querida e que | poderás me dar socego, so o teu

amor | minha flor e que me poderá trazer | felicidade, tenho sentido

tanto a tua ausencia | que chego a julgar que tu não queres | mais

voltar mas esse pensamento morre logo, | porque vejo que tú não tens

culpa.” (Casal Jayme e Maria, em 25 de agosto de 1936)

Os exemplos (23) e (24) ilustram o emprego de posses alienáveis, visto que o

destinatário pode possuir uma casa e uma carta por um espaço de tempo em específico.

Entretanto, mãos, corpo, coração, irmã e pai representam a posse inalienável, no

exemplo (25), já que não são desvinculadas de forma alguma do possuidor, são

inerentes a ele.

É preciso lembrar que as posses inalienáveis em que o possuidor apresenta o

traço [+humano]38, como é o caso dos possessivos de segunda pessoa, restringem-se, na

bibliografia referente ao tema, basicamente a referências de parentesco e partes do

corpo. Entretanto, há itens como amor e ausência, exemplificados em (26), que não são

tipos canônicos de posse inalienável, mas foram considerados, no presente estudo, como

um subtipo de inalienabilidade, tendo em vista que são sentimentos não

necessariamente transferíveis a outros possuidores (cf. CHAPELL e MCGREGOR,

1996). A separação se justifica porque exemplos dessa natureza não possuem uma

noção tão clara de transferência como os inalienáveis clássicos.

Na tentativa de um controle maior sobre a semântica das ocorrências no corpus

foi feita tal subdivisão. Dessa forma, pensou-se em um continuum de transferência de

posse. Como se verá a seguir, nessa proposta, as posses alienáveis estariam em um

extremo do continnum, pois elas são passíveis de transferência de um possuidor a outro.

Figura 9: Continuum do tipo de posse

Pela figura 9, é possível perceber que às posses alienáveis é atribuído um valor

de transferência, enquanto, posses inalienáveis serem intransferíveis. Dessa forma, essa

38 Há estudos que levam em conta que o possuidor pode ser [-humano], como é o caso, por exemplo, das

relações de parte-todo: a bateria do celular, fruta da árvore, o quarto do hotel, o ponteiro do relógio, etc.

Em casos como esses, celular, árvore, hotel e relógio funcionariam como [+possuidor/todo] e bateria,

fruta, quarto e ponteiro como [+possuído/parte]. Nessa perspectiva, noção de inalienabilidade é bastante

mais ampla. Para detalhes ver o estudo recente de Melo (2015).

Page 101: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

84

transferência só é possível devido a quase todas as palavras serem concretas ou terem

essa ideia, como no exemplo a seguir:

(26) “Como te agradecer meu filho tuas lettras!” (Família Pedreira-

Ferraz, em 17 de setembro de 1912)

No exemplo (26) lettras possui a conotação de cartas, algo alienável e de

natureza concreta. Compare-se esse exemplo com o que vem a seguir:

(27) “Devido a estar viajando [deixei] de a | 25 de 10bro escrever-te

felicitando pelo | teo aniversario nataliçio o que fasso | agora

desejando te muitos annos | de existençia e que brevemente estejas

ele- | vado pelos teos incontestados merecimentos | ao mais altos

postos do nosso paiz | e gloria e contentamento dos parentes.”

(Família Penna, em 6 de Janeiro de 1908)

O exemplo (27) ilustra a representação do outro extremo do continuum: a

impossibilidade de transferência a outro possuidor. Assim, teo aniversario e teos

merecimentos são pertencentes a apenas ao destinatário da carta e impossíveis de serem

repassados a terceiros. Além disso, diferentemente de tuas lettras (26), os termos em

destaques são abstratos e inerentes ao possuidor. Segue um outro caso:

(28) “Sinto me feliz em saber que tu me amas, | e que teu coração

pertence somente a mim” (Casal Jayme e Maria, em 13 de fevereiro de

1937)

Percebe-se que, em teu coração (28), embora não haja a possibilidade de

transferência a outro possuidor, o que faz com que seja considerado uma posse

inalienável, por esse substantivo ser concreto, há uma aproximação semântica entre essa

posse e a posse alienável expressa por tuas lettras. Assim, as posses inalienáveis ficam

entre os extremos do continnum por apresentarem características distintas em si: são

intransferíveis como as posses abstratas, porém concretas como as posses alienáveis.

Dessa forma, considerando que (i) os conceitos clássicos de alienabilidade e

inalienabilidade se relacionam apenas ao conceito mais básico de posse, isto é, aquele

que pressupõe uma posse que remete a um possuidor além de um nome substantivo que

indica o termo possuído; (ii) a noção de posse é apenas uma das relações que os

Page 102: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

85

possessivos podem indicar, como afirma Neves (2000, p.476), propõe-se, nessa tese, a

seguinte subdivisão para caracterização dos tipos de posse:

I – Alienável: posse no seu sentido mais estrito, isto é, quando alguém detém poder

sobre a coisa possuída, podendo, inclusive, passá-la a outro possuidor.

(29) “Manda-me dizer se a Ismenia viu, | e as fotografias estão

demorando muito, | se fosse aqui no Rio um milhão de fotografias, |

amanhã irei a tua casa” (Casal Jayme e Maria, 26 de setembro de

1936)

(30) “Minha querida espera-me domingo que | irei buscar-te subirei no

trem das 8 horas, prepara as tuas malas | para descermos juntos no

trem das 4,40 horas, | eu só te escreverei até quinta feira.” (Casal

Jayme e Maria, 13 de outubro de 1936)

(31) “D. Pedro Henrique, hontem | telefonou-me de Vassou- | ras,

como antes de hontem | esteve aqui em casa e | claro que mostrei-lhe o

seu livro” (Família Brandão, em 25 de junho de 1972)

II – Inalienável: a coisa possuída é inseparável do seu possuidor, podendo apresentar os

seguintes subtipos:

Parentesco: quando se estabelece algum tipo de relação consanguínea ou não.

(32) “Seu pai te escreveu hontem, | voçe já deve ter recebido a carta, |

e esta a par de tudo qto por cá se passa.” (Família Land Avellar, em 03

de dezembro de 1913)

(33) “Deste teu amo, | que não sabe o que fazer para agradar-te, | mil

beijos e, ternas saudades.” (Casal Jayme e Maria, 09 de setembro de

1936)

Partes do corpo

(34) “sentindo as tuas mãos esfregando as minhas, | sentir as suas

carnes roçar nas minhas, | ver os seus olhos luminosos, clarear o nosso

amor, | ver teus labios que estão sempre a pedir beijos, porque foram |

feitos só para beijar, e ouvir a sua linda boquinha | dizer bobagens

como esta, “não se esquece | de mim sim!” ou então esta, "voce não

gosta mais de mim", | hontem eu vim me embora com tanta vontade |

de ficar só para estar juntinho de ti.” (Casal Jayme e Maria, 05 de

Outubro de 1936)

Page 103: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

86

Outros inalienáveis: relacionam-se com a constituição mental e

comportamental do indivíduo, pois embora não seja considerado parte do corpo

ou parentesco, não podem ser propagados a outrem.

(35) “Não pense que fiquei chateado por causa do | seu jeito.” (Família

Lacerda, em 24 de fevereiro de 1977)

(36) “Espero que ao receberes esta estejes pas- | sando bem, e que tua

tristeza não seja tão | avassaladora quanto a minha.” (Casal Jayme e

Maria, 24 de janeiro de 1937)

III – Extensão de posse: não se encaixam em nenhum dos critérios estabelecidos para a

distinção dos tipos de posse mencionados anteriormente. Por isso, entendeu-se esse

grupo de palavras como uma extensão do sentido de posse mais clássico, relacionado ao

pertencimento. Em geral, nesse grupo estão os nomes deverbais, como se vê a seguir:

(37) “Eu previ que Maninha hia ao | beneficio da Cortesi quando li os |

annuncios nos Jornaes, e por isso | achei graça de ler em sua carta o |

seo encontro com ella no theatro.” (Família Cupertino, 16 de outubro

de 1874)

(38) “Enfim escreva uma carta com um | pouco de bom senso, de

modo que de uma vez | eu possa socegar os velhos . É urgente tua

resposta.” (Família Land Avellar, em 04 de agosto de 1913)

Em seo encontro e tua resposta, a noção de posse não é tão clara: */?encontro

que o destinatário possui; */?resposta que o destinatário possui. Como deverbais, a

interpretação de posse é dúbia ou mais estendida, pois a leitura pode ser,

respectivamente, “que você encontrou com ela” e “que você responda”. Assim, esses

termos estão mais próximos do ato de encontrar, do ato de responder, logo, são nomes

mais ligados aos verbos originários e a construção funciona como um complemento e

não como adjunto. Não é possível, em exemplos como esses, identificar uma relação

canônica clara de possuidor-possuído, como no restante do corpus. Por entender que

esses nomes possuem semântica diferenciada, esses dados foram considerados aqui

como um subgrupo a parte (extensão do sentido de posse), uma vez que a terminologia

binária alienável e inalienável não parece adequada nesses casos.

Page 104: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

87

Cabe ressaltar, no entanto, que, em casos específicos, foi possível identificar

nomes deverbais, lexicalizados, alocados como posse alienável, como se vê nos

exemplos que seguem abaixo:

(39) “Pela sua carta de 30 de outu- | bro vejo que continua a passar |

bem em sua nova residencia; | o que muito estimo.” (Família

Cupertino do Amaral, 14 de novembro de 1874)”

(40) “Recebi hoje teu cartão pedindo | a tua correspondência só tem |

um cartão de Dona Maria Amalia | felicitando te pelo teu bonito

exame” (Família Penna, em 20 de fevereiro de 1899)

Em (39) observa-se que sua nova residencia é sinônimo de casa, moradia, o

local onde o destinatário reside. Da mesma forma, em (40), tua correspondência é uma

palavra com sentido semelhante ao de carta e de forma alguma relacionado com o

sentido mais relacionado ao verbo corresponder (ele corresponde). Assim, o contexto

foi crucial para que nomes deverbais como os dos exemplos fossem interpretados como

posse alienável.

A partir da subdivisão apresentada, objetiva-se verificar se é possível identificar

contextos cujo tipo de posse interfira na distribuição das formas possessivas teu e seu e

não apenas considerando os conceitos de alienabilidade e inalienabilidade.

A tabela a seguir apresenta a distribuição dos pronomes teu e seu considerando o

tipo de posse e qual a forma possessiva presente na totalidade da carta: teu, seu ou mista

(teu e seu), como é observado a seguir:

Tabela 9: O tipo de posse na rodada geral39

39 Não serão apresentados os resultados referentes ao peso relativo, pois, no decorrer da análise, os dados

foram recodificados com base na nova terminologia.

Carta

Tipo de posse Teu Seu

Alienável 240/332

72%

92/332

28%

Inalienável 404/505

80%

101/505

20%

Extensão de

posse

73/113

66%

40/113

34%

Page 105: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

88

A tabela mostra a distribuição entre teu e seu a depender do tipo de posse,

alienável, inalienável e extensão de seu significado. Assim, foram encontradas 332

ocorrências de posses alienáveis, 505 de posses inalienáveis e 113 ocorrências de

extensão do sentido de posse. Nos dois primeiros tipos (alienável e inalienável), as

frequências de teu são majoritárias, com 72% e 80%, respectivamente. Dessa forma, a

tabela mostra que com o corpus em questão a alienabilidade ou inalienabilidade da

posse, a princípio, não interferem na distribuição das formas possessivas, pois, nos dois

contextos, houve predominância de teu.

Por outro lado, ainda que na categoria denominada de extensão de posse a

frequência tenha sido alta, 66%, observa-se uma distribuição não tão polarizada de teu e

seu: enquanto nas primeiras categorias o número de ocorrências de teu é quase o triplo

do número de ocorrências de seu, na extensão da posse o desequilíbrio é menor: os

índices de seu chegam a 34%. Novamente, faz-se necessária a verificação dos resultados

através dos diferentes períodos temporais. Assim, a tabela a seguir ilustra as ocorrências

de teu e seu em cada um dos tipos de posse verificados:

Tabela 10: A distribuição de teu e seu por todos os tipos de posses e em todas as fases

ALIENÁVEL

Teu Seu TOTAL TOTAL (SEU)

Fase 1 76 20 96 20/96 – 21%

Fase 2 125 64 189 64/189 – 34%

Fase 3 1 46 47 46/47 – 98%

INALIENÁVEL

Parentesco

Fase 1 99 8 107 8/107 – 7%

Fase 2 177 44 221 44/221 – 20%

Fase 3 3 26 29 26/29 – 90%

Parte do corpo Fase 1 7 1 8 1/8 – 12%

Fase 2 40 7 47 7/47 – 15%

Outros

inalienáveis

Fase 1 20 2 22 2/22 – 9%

Fase 2 58 5 63 5/63 – 8%

Fase 3 0 8 8 8/8 – 100%

EXTENSÃO DA POSSE

Fase 1 31 3 34 3/34 – 9%

Fase 2 41 22 63 22/63 – 35%

Fase 3 0 15 16 15/16 – 94%

Page 106: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

89

A tabela demonstra a distribuição dos pronomes possessivos teu e seu em todas

as fases e em todos os tipos de posse controlados. Cabe ressaltar que o cálculo da

porcentagem foi feito pelo total de número de ocorrência de seu em cada fase dividido

pelo número de possessivos totais de cada fase. Essa escolha se deu pelo fato da fase 2

(1900-1939) apresentar o maior número de dados da amostra. Tal concentração é tão

grande que, em alguns casos, o número de ocorrências das fases 1 (1870-1899) e 3

(1940-1979) somadas não chegam a metade do número de dados da fase 2. Assim, se a

porcentagem fosse feita de forma clássica, isto é, dados da fase 1 + fase 2 + fase 3 =

100%, haveria uma constante impressão de que, na fase 2, a porcentagem é muito maior

do que nas outras fases. Assim, o gráfico abaixo ilustra a distribuição mostrada na

tabela 10.

Gráfico 4: A distribuição de seu por todos os tipos de posses e em todas as fases

O gráfico ilustra a distribuição do pronome seu nos contextos de posse nas três

fases. Cabe comentar que a disposição se deu nos três contextos da tipologia proposta:

alienável, inalienável e extensão de posse. A posse inalienável abarca as três

subdivisões propostas nessa tese, ou seja, parentesco, parte do corpo e outros tipos de

inalienáveis. É possível identificar que seu cresce nos três contextos. A posse alienável,

entretanto, é a única em que o pronome se mostra mais produtivo na fase 1 (1870-1899),

com 21% de emprego, contra 7% e 9% de posses inalienável e extensão.

Aparentemente, a posse alienável, tipicamente de pertença, pode ter sido o contexto

Page 107: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

90

“gatilho” para o posterior espraiamento de seu para os outros tipos de posse como uma

forma relacionada à segunda pessoa.

Dessa forma, com o maior número de ocorrências na fase 2 (1900-1939), o

pronome passa ser mais empregado em todos os tipos de posse, chegando a 34% de

frequência na posse alienável e 35% na extensão de posse. A posse inalienável, ainda

que tenha apresentado crescimento e chegado a 17% na fase 2, configura-se como o

contexto em que seu é menos produtivo, o que o coloca, muito provavelmente, como o

contexto de resistência à mudança. Por fim, na fase 3 (1940-1979), em que o pronome

seu é majoritariamente empregado, ele passa a ter frequências quase que absolutas.

Além da alienabilidade e inalienabilidade dos tipos de posse, também houve

controle da concretude e abstração dos nomes, como já foi brevemente comentado.

Assim, os nomes concretos são aqueles relacionados principalmente, mas não

exclusivamente, à posse alienável e à parte do corpo. Por outro lado, os demais tipos de

posse – outros inalienáveis, parentesco e extensão da posse – englobariam mais

recorrentemente os nomes abstratos. Os exemplos a seguir ajudam a ilustrar essas

ocorrências:

(41) “Estou sentindo saudades suas. Mande | uma foto para mim. (...)

Me multaram na Belfort Roxo, em frente ao | seu predio mas parece

que vão anular a multa pois | falei que ia na casa da dona Marcela e

eles então | disseram que foi mal-entendido e pediram desculpas.”

(Família Lacerda, em 15 de agosto de 1978)

(42) “Na ha duvida que abusei da sua hospitalidade, | passando 12

hóras em sua casa: almoçando, toman- | do cafá e jantando, mas

pergunto quem não ficaria | cativo com sua prósa” (Família Brandão,

em 20 de setembro de 1965)

Os termos saudades suas, sua hospitalidade e sua prosa foram considerados

abstratos, pois designam sentimentos e ações que estariam, segundo Huerta Flores

(2009, p.651) na zona mais baixa da hierarquia da animacidade, dada a sua não

tangibilidade, caráter indefinido e geral, por isso teriam menor especificidade que um

nome concreto. Desse modo, a capacidade de controle sobre os abstratos seria mais

débil. Assim, saudade é sentir falta, um sentimento, hospitalidade é o ato de acolher

bem e sua prosa é sinônimo de conversa/palavra, logo seria o resultado do ato de

prosear. Diferentemente, seu predio e sua casa são termos concretos, tangíveis e

Page 108: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

91

corpóreos. Dessa maneira, a tabela a seguir ilustra a distribuição de teu e seu a partir das

duas classificações:

Tabela 11: A distribuição de teu e seu em concreto e abstrato em todas as fases

A tabela 11 mostra a distribuição de teu e seu a depender da concretude ou

abstração do nome, nas três fases. Ela também foi produzida através do cálculo do

número total de ocorrências de seu em cada fase pelo número de possessivos totais de

cada fase. O gráfico abaixo ajuda a ilustrar o resultado observado na tabela:

Gráfico 5: A distribuição de seu pela natureza concreta ou abstrata do nome em todas as fases

Concreto

Teu Seu TOTAL

TOTAL

(SEU)

Fase

1 93 21 104

21/104 –

20%

Fase

2 165 71 236

71/236 –

30%

Fase

3 1 46 47 46/47 – 98%

Abstrato

Fase

1 150 13 163 13/163 – 8%

Fase

2 261 71 347

71/347 –

20%

Fase

3 14 49 52 49/52 – 92%

Page 109: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

92

O gráfico aponta que a ocorrência do pronome seu vai aumentando

independentemente da natureza do nome. No entanto, é possível perceber que os nomes

concretos, na fase 1 (1870-1899), concentram mais dados de seu (20%), o que faz sua

porcentagem ser maior do que a dos nomes abstratos (8%) no mesmo período. Por outro

lado, na fase 2 (1900-1939), há um aumento maior de seu ocorrendo com nomes

abstratos (20%) em relação aos nomes concretos (30%). Na fase 3 (1940-1979), as

porcentagens se aproximam e o pronome passa a 92% das ocorrências com nomes

abstratos e 98% com nomes concretos.

Os resultados apresentados nessa seção indicam que a ocorrência do pronome

possessivo seu é favorecida nas posses alienáveis e com nomes concretos. Tal resultado

faz sentido quando se pensa que esses contextos são interpretados através da concepção

clássica e mais básica de posse: a pertença. Assim, possuir uma casa ou uma carta é

mais tangível do que possuir saudades, notícias, entre outros. Dessa forma, ao pensar

que o pronome se modifica, ou seja, passa a relacionar à segunda pessoa do discurso e

não mais só à terceira pessoa do singular, é mais coerente que o mesmo passe a ser,

primeiramente, empregado nos contextos mais clássicos de posse e, aos poucos, ele vai

se espraiando para outros tipos de posse, como a inalienável e a extensão do sentido de

posse.

Embora as análises tenham sido feitas em períodos diferentes, os resultados

apresentados aqui dialogam com o estudo de Huerta Flores (2009, p. 652) sobre os

possessivos na diacronia do espanhol. Tanto aqui quanto no estudo da autora, a

evolução das formas nominais possuídas deu-se a partir de nomes mais concretos para

nomes mais abstratos ou de maior controle para menor controle do possuidor. Apesar de

não ser o propósito desse estudo, esse deslizamento segue a dinâmica evolutiva clássica

de processos de mudança por gramaticalização que mostram um desgaste de

significados referenciais e concretos e a ampliação de uso para significados mais

abstratos e mais gramaticais. (HUERTA FLORES, 2009, p.652).

Apresentar-se-ão os resultados referentes ao grupo traço do gênero do

possessivo.

Page 110: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

93

4.1.3- Traço de gênero do possessivo

Uma das características dos possessivos simples em português é o fato de

estabelecerem concordância de gênero e número com a forma possuída e não com o

possuidor, como se vê a seguir:

(43) “Hontem Papai recebeu uma car- | ta tua dando noticia do

encom- | modo de Marieta, fiquei bem | afflita; mas felizmente o teu |

telegramma nos veio tranqui- | lisar. É preciso ter muito cuida- | do, e

desmamar o Aluysio.” (Família Penna, em 22 de março de 1909)

Observa-se, pelo exemplo (43), que, no português, a depender do gênero da

palavra possuída, o possessivo a acompanhará, como em carta tua e teu telegramma.

Dessa forma, na presente pesquisa, tal característica foi controlada pelo grupo de fatores

traço de gênero do possessivo.

É preciso esclarecer que não há nenhuma hipótese para o emprego dessas

variáveis, o objetivo era verificar se haveria diferença na distribuição dos possessivos

teu e seu dependendo do gênero e do número dos mesmos. Esse grupo foi selecionado

em uma das quatro rodadas parciais: a que se refere ao terceiro período temporal, único

que não selecionou nenhuma variável social. O grupo referente ao traço de número, por

sua vez, não foi selecionado.

Dessa forma, a tabela a seguir ilustra a disposição das formas possessivas na

rodada geral, levando em consideração esse grupo de fatores:

Tabela 12: Percentuais do traço de gênero do possessivo encontrados em todas as rodadas

A tabela aponta que as formas possessivas são levemente mais recorrentes na

forma feminina (735 utilizações) do que no masculino (641 utilizações). Além disso, de

Rodada Geral Fase 1 Fase 2 Fase 3

Gênero do

possessivo

Seu Teu Seu Teu Seu Teu Seu Teu

Feminino 202/735

– 27%

533/735

– 73%

25/209

– 12%

184/209

– 88%

91/418

– 22%

327/418

– 78%

63/64

98%

1/64

2%

Masculino 133/641

– 21%

508/641

– 79%

8/188

– 4%

180/188

– 79%

66/381

– 17%

315/381

– 82%

44/48

92%

4/48

8%

Page 111: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

94

forma geral, os percentuais são muito semelhantes: 27% sua e 21% de seu, ao passo que

há 73% de tua e 79% de teu.

No período 1 (1870-1899), os percentuais de teu/tua são próximos com 79% e

88% respectivamente. No entanto, nesse período o possessivo seu mostra-se mais

produtivo junto de objetos possuídos do gênero feminino, já que aparece quase três

vezes mais do que no masculino. Tal resultado é interessante porque, aparentemente,

esse possessivo não era tão produtivo no final do século XIX.

Ainda de acordo com a tabela (13), observa-se que, no período 2 (1900-1939), o

crescimento das ocorrências de possessivo de forma geral. Mas, assim como na rodada

geral, os percentuais não são diferenciados: 22% de sua e 17% de seu, enquanto tua

registrou 78% e teu 82% das ocorrências. A tabela a seguir ilustra a distribuição desse

grupo selecionado pelo período temporal 3 (1940-1979):

Tabela 13: O traço de gênero do possessivo no período 3. Valor de aplicação: seu

A tabela 13 mostra que, nesse período, o pronome possessivo seu tem

predomínio de uso de forma geral. A análise do peso relativo apontou para o leve

favorecimento de pronomes possessivos no feminino (0.588) em detrimento do

masculino (0.383). Nesse sentido, o peso relativo parece acompanhar os percentuais

brutos observados ao longo da amostra como um todo: no corpus há mais formas

possessivas no feminino do que no masculino, no entanto, essa diferença é sutil, logo, o

peso relativo refletiu essa tenuidade da amostra.

Apesar de ter sido selecionado no terceiro período temporal, acredita-se que

escolha seja devido a essa rodada ter poucos dados, poucos informantes, as cartas serem

escritas na mesma cidade. Assim, não é possível dizer que esse grupo de fatores possa

influenciar na distribuição das formas possessivas ao longo do tempo com esse corpus.

Será apresentado o último grupo de fatores linguístico selecionado: a

animacidade do sintagma possessivo.

Gênero do

possessivo

Aplicação/Total % PR

Feminino 63/64 98% 0.588

Masculino 44/4 92% 0.383

Page 112: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

95

4.1.4- Animacidade do sintagma possessivo

Huerta Flores (2009), em estudo sobre o percurso diacrônico das formas

possessivas em espanhol, define que há características responsáveis por definir os

membros da relação possessiva. Assim, segundo a autora, o traço que mais sobressai do

possuidor é o de ser [+humano]. Nesse sentido, ao ser uma entidade animada, agentiva e

volitiva se supõe uma participação ativa do possuidor no evento, com a possibilidade de

controle sobre outras entidades, no caso, o possuído. Por outro lado, o possuído seria

geralmente [-humano], [-animado], [-agentivo] e, por isso, carente de capacidade de

controle.

Dessa forma, Company (2008) afirma que as manifestações típicas das relações

possessivas são construções em que os participantes mostram traços assimétricos, ou

seja, possuidor humano + possuído coisa, como nos exemplos a seguir:

(44) “D. Pedro Henrique, hontem | telefonou-me de Vassou- | ras,

como antes de hontem | esteve aqui em casa e | claro que mostrei-lhe o

seu livro” (Família Brandão, 25 de junho de 1972)

(45) “Pelo teo telegramma e | cartão soubemos que | fizeste boa

viagem” (Família Penna, 21 de Janeiro de 1902)

Nos exemplos (44) e (45) livro e telegramma são [-humano], [-animado] e [-

agentivo], são objetos, coisas, ao passo que os pronomes seu e teo indicam um

possuidor humano, no caso, o destinatário. Por outro lado, a autora comenta sobre

relações semanticamente marcadas, isto é, aquelas em que as diferenças entre possuidor

e possuído são menos marcadas, como se vê abaixo:

(46) “Marcela, pergunte ao | seu irmão para que ele quer | o tenis. (...)

Marcela sinto sua falta | sinceramente. Sinto | que gosto de voce mas

não | quero te prender a nada.” (Família Lacerda, 17 de outubro de

1978)

Em (46), por outro lado, observa-se que irmão é tão animado quanto o possuidor

(representado por seu), logo, essa relação é semanticamente diferente das relações

tipicamente possessivas listadas por Company. Apesar de tais distinções, no entanto, os

exemplos têm em comum o fato do possuidor ser uma referência para localizar,

entender o que é possuído.

Page 113: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

96

Outro aspecto fundamental para caracterizar as relações possessivas é o conceito

de controle: a capacidade que o possuidor tem de manipular o possuído (HEINE 1997,

SEILER 1983). No entanto, a relação de controle só é estabelecida em relações cuja

semântica seja possuidor [+humano] e possuído [-humano], uma vez que o controle só é

estabelecido através da intencionalidade, algo que é característico de pessoas e não de

coisas. Assim, de acordo com Huerta Flores (2009), os conceitos de humanidade,

animacidade, agentividade e controle são extremamente relacionados entre si e

vinculados ao valor clássico de posse.

Entretanto, deter-se-á aqui, principalmente ao conceito de animacidade. Assim,

o continuum abaixo, proposto por Comrie (1981), Croft (1995) e Silverstein (1976)

estabelece a hierarquia da animacidade:

Figura 10: Continuum de animacidade

Segundo os autores, o possuidor ocupa a posição mais à esquerda do continuum,

enquanto o elemento possuído as posições mais à direita, o que os coloca em zonas

opostas da hierarquia proposta. Os exemplos abaixo ilustram os tipos de ocorrências das

formas possuídas encontradas no corpus:

[+ humano]

(47) “Minha Miloca , eu sei | quão grande é o amôr que te dedica | tua

bôa mãi, sei do que ella é capaz para te | poupar um ;instante de

desgosto” (Fundo Oswaldo Cruz, em 12 de abril de 1891)

[-animado] ou [inanimado]

(48) “Embora eu | tenha te escrevido hoje de manha, | torno a voltar a

tua presença | com as minhas letras.” (Casal Jayme e Maria, em 21 de

setembro de 1936)

Page 114: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

97

Em estudo sobre pronomes possessivos em espanhol, Huerta Flores (2009)

postula que há uma tendência na língua espanhola a diminuir o uso de entidades

possuídas atípicas, isto é, aquelas com traço [+ humano], uma vez que esse, em teoria,

seria o traço característico do possuidor. Dessa maneira, de acordo com a autora, dos

séculos XIII a XVI, essa construção excepcional é mais frequente, porém, nos séculos

posteriores, passa, pouco a pouco, a ser implementada na língua a presença de

possuídos com traço [inanimado] ou [- humano]. Esses resultados são similares aos

observados em Oliveira e Silva (1982) para a terceira pessoa, uma vez que as autoras

afirmam que o pronome seu passa a ser atribuído a objetos a partir do século XVIII.

Assim, a hipótese norteadora desse grupo é ver se o pronome seu, ao ser

empregado no trato ao interlocutor, tem seu emprego relacionado a sintagmas com traço

[inanimado]. Dessa maneira, a tabela a seguir ilustra a distribuição das variáveis de

forma comparativa nas quatro rodadas parciais:

Tabela 14: Percentuais da animacidade do possessivo encontrados em todas as rodadas

A tabela 14 que mostra a distribuição nas diferentes rodadas apresenta

comportamentos similares em quase todas as fases. Dessa maneira, em três das quatro

rodadas, o traço [+ humano] possui percentuais similares para o pronome possessivo

seu: 17% na rodada geral, 6% na fase 1 e 14% na fase 2. O mesmo acontece com o traço

[inanimado]: 30% na rodada geral, 10% na fase 1 e 24% na fase 2. No entanto, para

identificar se há crescimento de posses típicas, ou seja, com traço [inanimado], como

presume Huerta Flores (2009) para o espanhol, é preciso de uma nova tabela, cujas

porcentagens foram calculadas através do número de ocorrência de seu em cada fator

dividido pelo número total do referido pronome encontrado em cada fase. Segue a

tabela:

Rodada Geral Fase 1 Fase 2 Fase 3

Animacidade Seu Teu Seu Teu Seu Teu Seu Teu

[+ humano] 107/624

– 17%

517/624

– 83%

14/215

– 6%

201/215

– 94%

49/348

– 14%

299/348

– 86%

29/32

91%

3/32

9%

[inanimado] 228/744

– 30%

524/744

– 70%

19/182

– 10%

163/182

– 90%

108/448

–24%

340/448

– 76%

76/78

97%

2/78

3%

Page 115: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

98

Tabela 15: A distribuição de seu e a animacidade do sintagma

A tabela aponta para o crescimento gradual do pronome seu nas construções

com traço [inanimado], ao passo que as construções [+humano] com o pronome

diminuem. Esse comportamento confirma a hipótese postulada por Huerta Flores

(2009). Assim, na fase 1, há 19 dados, o equivalente a 57%, de seu em construções com

sintagma possessivo [inanimado], que aumenta, na fase 2, para 108 ocorrências, 69%,

chegando a 76 dados, 72%, na fase 3. O traço de possuído torna-se diferente do traço de

possuidor à medida que o pronome seu tem o seu emprego como forma de referência à

segunda pessoa aumentado.

Cabe verificar os resultados encontrados na única rodada que selecionou esse

grupo de fatores: a fase 3. Dessa forma, a tabela 16, abaixo, apresenta os resultados

referentes a essa fase:

Tabela 16: A animacidade do possessivo no período 3. Valor de aplicação: seu

A tabela indica que, na análise do peso relativo, o traço [+ humano] desfavorece

o emprego do pronome possessivo seu, com 0.453, conforme o traço [inanimado]

favorece a utilização do pronome, com 0.670. O resultado encontrado com o peso

relativo, corrobora a hipótese de Huerta Flores (2009) para o espanhol.

No entanto, a autora aponta outro contexto como fundamental para entender a

distribuição das formas possessivas a longo prazo em espanhol: as relações de

parentesco. Huerta Flores (2009) mostra uma maior flexibilidade entre as formas

possessivas no que se refere à expressão de relações de +/-parentesco com o possuidor.

Inclusive, esse contexto é o único, no estudo da autora, em que há diferença entre os

Fase 1 Fase 2 Fase 3

Animacidade Seu Teu Seu Teu Seu Teu

[+ humano] 14/33 –

43%

201/364

– 55%

49/157 –

41%

299/639

– 47%

29/105 –

28%

3/5 –

60%

[inanimado] 19/33 –

57%

163/364

– 45%

108/157 –

69%

340/639

– 53%

76/105 –

72%

2/5 –

40%

Animacidade Aplicação/Total % PR

[+ humano] 29/32 90% 0.453

[inanimado] 76/78 60% 0.670

Page 116: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

99

possessivos de segunda e terceira pessoa, uma vez que o parentesco ocorre

predominantemente com a segunda pessoa, tendo frequência menor com a terceira. Ao

pensar que o pronome seu é uma forma originária do paradigma de terceira pessoa que é

alçada ao tratamento à segunda pessoa, talvez fosse possível identificar um aumento na

sua frequência conforme o pronome, cada vez mais, é empregado no tratamento ao

interlocutor. A tabela a seguir apresenta a distribuição dos possessivos através do

parentesco:

Tabela 17: A distribuição dos possessivos através do parentesco

A tabela aponta que nesse contexto, de forma geral, há pouca produtividade do

pronome seu, uma vez que das 357 ocorrências totais, apenas 78 são do referido

pronome. No entanto, a tabela mostra que a frequência de seu passa a aumentar no

decorrer das fases, o que o gráfico a seguir ilustra:

Parentesco

Misto

Teu Seu Teu Seu Total Total (SEU)

94 7 5 1 107 8/357 –

10%

162 38 15 6 221 44/351 –

56%

0 17 3 9 29 26/357 –

34%

Page 117: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

100

Gráfico 6: A distribuição de seu a depender do parentesco

O gráfico indica que o emprego de seu, na fase 1, é apenas 10%, aumentando

consideravelmente na fase 2, onde atinge 56% de ocorrências, e se mantém com 34% na

fase 3. Considerando que a fase 1 se caracteriza pelo momento em que o pronome tu e

as formas relacionadas ao seu paradigma são mais proeminentes, o pronome teu

caracteriza-se como a estratégia recorrente para indicar a posse da segunda pessoa. No

entanto, na fase 2, há o emprego de você nos mesmos contextos funcionais de tu, o que

faz com que as formas relacionadas a esse novo pronome de tratamento acabem sendo

mais presentes. Dessa maneira, o gráfico transparece que o pronome seu passa a ser

mais produtivo nessa fase, o que muito provavelmente indica que seu passa a ser, pouco

a pouco, reconhecido como uma forma de tratar o interlocutor, perdendo a referência

original à terceira pessoa. Na fase 3, o número de ocorrências do pronome é menor do

que aquele encontrado na fase 2, dando a impressão de que seu uso diminuiu, quando,

na verdade, o pronome passou a ser o mais usual na fase 3, já que das 29 ocorrências, 26

são do pronome.

Nesse sentido, os resultados provenientes da análise da animacidade indicam um

crescimento do pronome seu em posses típicas e sua redução em posses atípicas

conforme o mesmo é empregado na referência à segunda pessoa. Além disso, o aumento

do emprego de seu em relações de parentesco, que, segundo Huerta Flores (2009), está

muito relacionado à segunda pessoa, é mais um indício do uso do pronome como forma

de tratamento ao interlocutor.

Page 118: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

101

Nas próximas seções serão apresentados os resultados referentes às variáveis

extralinguísticas selecionadas pelo programa estatístico.

Page 119: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

102

4.2- Os fatores extralinguísticos selecionados

4.2.1- Período histórico

Como mencionado anteriormente, o estudo de Souza (2012) sobre a

implementação de você em cartas produzidas ao longo de 100 anos constatou que no

final do século XIX, o pronome tu, em coexistência com a forma você, era a estratégia

mais recorrente, com frequências que chegavam próximo de 70%. No entanto, no início

do século XX, a autora identificou uma competição entre tu e você mais evidenciada,

através de frequências bastante equilibradas entre as formas. Por fim, a análise da

segunda metade do século XX permitiu identificar, nos termos de Souza, o grande

“vencedor” dessa disputa: entre os anos de 1940 a 1970, você suplantou o pronome tu

nas cartas analisadas pela autora, configurando-se como a estratégia absoluta de

referência ao interlocutor, o que ficou evidente pelo seu espraiamento em diferentes

contextos de uso.

Mais do que mapear a inserção da forma você no quadro de pronomes do

português brasileiro, Souza (2012) identificou que, ao longo desses 100 anos, nem

sempre tu e você configuraram-se como um caso prototípico de variação. Nas missivas

do século XIX e início do XX, a forma você era empregada em contextos de indiretiva

referência, na atenuação de pedidos, reclamações e ordens. Já o pronome tu era

empregado para individualizar o destinatário. Sobre essa dinâmica, a autora comenta:

“Com isso, até a primeira metade do

século XX, em alguns contextos,

tínhamos o emprego de uma ou outra

estratégia em contextos específicos e

não necessariamente variáveis. A

utilização de uma forma diferente não

produziria o mesmo “efeito”

discursivo.” (p. 137)40

A autora deixa claro que, apesar de não ser produzido o mesmo efeito

discursivo, foram encontradas ocorrências esporádicas de uma forma sendo empregada

no lugar da outra. Entretanto, apesar de serem poucos dados, tal alternância, mesmo

tímida, começou a evidenciar a variação das formas. Por fim, seria na segunda metade

40 Grifos da autora.

Page 120: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

103

do século XX, que a pronominalização de você estaria implementada, fazendo com que

essa forma variasse com o pronome tu no campo da informalidade, confirmando assim,

hipóteses de outros trabalhos, como Soto (2001) e Machado (2006, 2011).

Com relação à análise específica da variação entre formas possessivas de

segunda pessoa, Machado (2011) analisou um corpus constituído por peças teatrais

brasileiras e portuguesas dos séculos XIX e XX. A tabela adaptada abaixo ilustra a

distribuição das formas possessivas teu e seu nas peças brasileiras no período de 1843-

2003:

Tabela 18: A distribuição de teu e seu ao longo do tempo, na amostra brasileira em Machado

(2011), adaptado

A tabela mostra que, a partir do último quarto do século XIX, quando as formas

relacionadas ao antigo paradigma de terceira pessoa tornam-se predominantes na

posição de sujeito – você – os pronomes seu/sua passam a ser os mais frequentes nas

peças teatrais brasileiras. Tal resultado, porém, não é o mesmo na amostra portuguesa,

como se vê na tabela adaptada a seguir:

Forma de

Tratamento

TEU(S)/

TUA(S)

SEU(S)/

SUA(S)

1846 18/22 – 82% 4/22 –18%

1857 52/92 – 57% 40/92 – 43%

1870 4/16 – 25% 12/16 – 75%

1870* 10/19 – 53% 9/19 – 47%

1896 2/24 – 8% 22/24 – 92%

1908 43/94 – 46% 51/94 – 54%

1918 9/95 – 9% 86/95 – 91%

1937 - 93/100%

1952 3/78 – 4% 75/78 – 96%

1962 11/90 – 12% 79/90 – 88%

1972 2/88 – 2% 86/88 – 98%

1980 - 85/100%

1995 8/126 – 6% 118/126 – 94%

2003 12/37 – 32% 25/37 – 68%

Page 121: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

104

Tabela 19: A distribuição de teu e seu ao longo do tempo, na amostra portuguesa em Machado

(2011), adaptado

A tabela 19 demonstra que, na amostra portuguesa, não é possível delinear uma

regularidade, como no caso da amostra brasileira. Assim, o pronome seu não apresenta

um crescimento gradual, como observado na tabela 18. Na verdade, observa-se que o

pronome seu/sua é mais frequente no início e meio do século XIX, muito embora, teu

desponte como principal estratégia em algumas décadas, como 1825 e 1858. No

entanto, nota-se o maior emprego de teu/tua a partir do último quarto do século XIX

com exceção do ano de 1965, em que o emprego de seu é maior. A distribuição das

formas possessivas no século XX na amostra portuguesa é o inverso dos resultados

encontrados na amotra brasileira. Nesse sentido, os resultados de Machado (2011)

comprovam um comportamento diferenciado, no que se refere aos pronomes

possessivos de segunda pessoa, entre as amostras de Brasil e Portugal.

Dessa forma, o presente trabalho sobre a variação das formas possessivas teu/seu

possui como principal hipótese que o emprego de seu como uma estratégia de referência

Forma de

Tratamento

TEU(S)/

TUA(S)

SEU(S)/

SUA(S)

1819 6/30 – 20% 24/30 – 80%

1825 12/17 – 71% 5/17 – 29%

1858 26/33 – 79% 7/33 – 21%

1866 9/44 – 20% 35/44 – 80%

1874 1/39 – 3% 38/39 – 97%

1895 49/100% -

1902 3/100% -

1921 43/80 – 54% 37/80 – 46%

1925 7/9 – 78% 2/9 – 22%

1931 28/31 – 90% 3/31 – 10%

1934 8/11 – 73% 3/11 – 27%

1956 61/106 – 53% 55/106 – 47%

1958 22/25 – 88% 3/25 – 12%

1965 6/15 – 40% 9/15 – 60%

1995 39/100% -

Page 122: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

105

à segunda pessoa e não à terceira, como seria seu paradigma original, se dá, justamente,

pelo fato do pronome acompanhar a inserção de você, como já foi comentado na

apresentação geral dos resultados. O gráfico 3 lá apresentado demonstra que, a

princípio, tal hipótese se confirma, uma vez que o emprego de teu era majoritário antes

dos anos de 1930, ao passo que o uso de seu se tornou mais produtivo a partir dessa

década e das subsequentes. Cabe destacar que a análise do período histórico de difusão

da mudança não será feita a partir estritamente de uma divisão cronológica. Como

mencionado no estudo de Souza (2012), serão levados em conta, ao longo do tempo, os

valores discursivo-funcionais e sócio-pragmáticos das formas variantes na amostra de

cartas. Tem-se, como hipótese inicial, que seu e teu não eram necessariamente formas

variantes stricto sensu em fins do século XIX: o possessivo seu mantinha um caráter de

deferência e tinha um uso motivado como uma estratégia de cortesia para mitigar atos

ameaçadores nos termos de Brown e Levinson (1987); o possessivo teu, por seu turno,

era produtivo para marcar intimidade. Gradativamente, seu invade os contextos típicos

de teu até se tornar a variante possessiva mais frequente em todos os contextos de uso.

Como mencionado, anteriormente, o período histórico foi selecionado como

fator relevante pelo programa Goldvarb na rodada geral e naquela relativa à fase 1

(1870-1899). A tabela a seguir apresenta os resultados obtidos a partir da rodada geral:

Fatores Aplicação/Total % PR

1870-1879 16/98 16% 0.316

1880-1889 16/127 13% 0.100

1890-1899 1/172 1% 0.011

1900-1909 31/103 30% 0.560

1910-1919 103/183 56% 0.915

1920-1929 7/34 21% 0.729

1930-1939 16/480 3% 0.690

1970-1979 107/112 95% 0.922

Tabela 20: A distribuição de seu ao longo do tempo, na rodada geral. Valor de aplicação: seu

Os resultados revelados corroboram a hipótese postulada para este grupo de

fatores: quanto mais distante da década de 1930 do século XX, menor o favorecimento

ao emprego de seu. Sendo assim, o período composto pelas décadas de 1870 a 1890

mostrou-se mais propício à utilização de teu, uma vez que, nesse período, como

Page 123: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

106

evidenciou o estudo de Souza (2012), o pronome tu ainda era majoritariamente utilizado

como sujeito nas missivas. Além disso, tais resultados assemelham-se aos resultados

encontrados na amostra brasileira de peças teatrais no estudo de Machado (2011).

Resultados tão similares em estudos com corpora distintos parecem evidenciar que esse

fenômeno não se circunscreve simplesmente a um gênero específico, mas se trata de um

processo de mudança em curso no português brasileiro. Os exemplos a seguir

demonstram os empregos das formas possessivas encontradas nesse período:

(49) “Vejo da tua | cartinha , que naõ queres | mais ser - Tichet - |

como teu irmão não | quer ser Bebê : muito bem” (Família Ottoni, em

22 de dezembro de 1879)

(50) “Fortaleza, 29 de Agosto de 1882 | Meu caro Copertino |

Realmente suppunha que | já tinhas perdido a memoria! | que não te

lembravas mais de | um dos teus mais humildes | amigos! Vejo,

felizmente, que | me enganei com a tua carti- | nha; e bem pequena

que esta | foi, de 7 do expirante mez.” (Família Cupertino do Amaral,

em 29 de agosto de 1882)

(51) “Affonsinho | Recebi hoje teu cartão | pedindo a tua

correspondência | só tem um cartão de Dona Maria Amalia |

felicitando te pelo teu bonito exame;” (Família Penna, em 20 de

fevereiro de 1899)

Os exemplos (49), (50) e (51) não ilustram apenas o emprego dos possessivos,

mas mostram que tal utilização está intrinsecamente ligada ao fato de que todas as

referências aos interlocutores, nos três exemplos, são do paradigma de segunda pessoa,

seja com a desinência verbal (queres, tinhas, lembravas), seja com o pronome oblíquo

(te). Os dados mostram uma forte uniformidade e simetria de formas do mesmo

paradigma em cartas de fins do século XIX.

A tabela a seguir, referente à fase 1 (1870-1899), ratifica os resultados

comentados:

Fatores Aplicação/Total % PR

1870-1879 16/98 16% 0.962

1880-1889 16/127 13% 0.890

1890-1899 1/172 1% 0.033

Tabela 21: A distribuição de seu nas décadas correspondentes à fase 1. Valor de aplicação: seu

Page 124: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

107

Embora se tenha defendido que na fase 1 as formas teu e seu não sejam formas

variantes prototípicas, foi realizada uma análise mutivariável para identificar o peso de

cada fator para a explicação do fenômeno. O programa estatístico Goldvarb selecionou

o período como um dos grupos de fatores relevantes. Os resultados encontrados na

tabela 21, referentes à fase 1 (1870-1899), mostram que, no que se refere à

porcentagem, todas as décadas dessa fase possuem pouca representatividade do

pronome seu, uma vez que, juntas, apresentam apenas 33 ocorrências do pronome. No

entanto, observando o peso relativo, o programa de regras variáveis Goldvarb relativiza

esses percentuais e indica, entre os fatores postulados, aquele que mais favoreceria a

forma variante seu. Como as frequências para seu não atingem 20% nas três décadas

controladas, as duas primeiras décadas foram consideradas mais favoráveis ao uso de

seu com pesos relativos de 0.962 para o período de 1870-79 e 0.890 para 1880-89. Os

exemplos a seguir ajudam a explicar tal diferenciação:

(52) “Meo presado Primo | Por ter estado doente não respon- | di ainda

suas cartas de 19 de Se- | tembro e 3 deste mez porem hoje que | estou

melhor vou approveitar para | respondel-as. (...) Pela sua carta de 9

escripta ao Es- | pinola vejo que ja tinha feito o | favor que lhe pedi na

minha | carta de 21 do passado, pelo que | fico lhe muito e muito

agradecida. | O Espinola recebeo os cartões e os | cigarros; é natural

que elle escre- | va-lhe neste sentido. (...) Não tenho tempo para mais, |

peço-lhe que me recommende | à sua Familia. Receba sauda- | des

nossas com especial de | sua prima affectuosamente e |

obrigadamente. | Anna Espínola (...) P.S. Peço-lhe que faça chegar a |

seu destino a carta junta.” (Família Cupertino, em 16 de outubro de

1874)

O exemplo (52) refere-se a uma carta escrita de uma prima ao seu primo.

Percebe-se, apenas pela presença do vocativo Meo presado Primo, que a relação

estabelecida entre os dois é mais distante do que intimista. Além disso, logo no início da

carta, Elisa desculpa-se com o primo por não ter respondido as cartas redigidas por ele.

Tal atitude é, nos termos de Brown & Levinson (1987), um ato ameaçador à face do

emissor e o fato da escriba se utilizar de explicações mostra-se como um recurso de

polidez positiva, isto é, uma estratégia mitigadora. Em seguida, Elisa agradece ao favor

prestado pelo primo e que ela já o pedira. Novamente, o ato é mais uma forma da prima

usar da polidez positiva para se comunicar com Antônio. Por fim, a remetente despede-

se empregando um verbo com desinência verbal relacionada a você, receba, e se utiliza

Page 125: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

108

de termos como affectuosamente, ratificando uma relação não tão próxima com o primo.

Como adendo, no P.S., a escriba, novamente, faz um pedido ao primo, que é um ato

ameaçador à face do destinatário.

É interessante observar que não há, em nenhum trecho da carta, a presença de

um pronome reto para tratar o interlocutor de maneira mais direta. Apenas a presença de

pronomes oblíquos (lhe), da forma imperativa (receba) e de pronomes possessivos

(seu/sua). Nesse sentido, a utilização desses pronomes, em especial o possessivo, que é

o foco da análise, configura-se como estratégias suavizadoras de uma carta que não tem

como teor dar ou receber notícias, mas agradecer por favores prestados e pedir mais

favores. Tais empregos aproximam-se do que Souza (2012) descreveu para as

ocorrências de você no mesmo período temporal: as formas não apresentavam o mesmo

valor discursivo e sóciopragmático. As formas, nessa fase, não se configuram como

variantes stricto sensu, já que os contextos de uso são específicos.

Observa-se agora um exemplo retirado da década de 1880:

(53) “Querida Elisa | Vou passando bem de saude, | mas tenho sentido

aqui mais | calor do que durante a | ultima semana em que | estava na

Côrte, e calor in- | commodo, preciso por falta | de [verão], de dia e de

noite. (...) | Ainda não tive noticias | da Corte e não sei si hoje | à noite

terei. Você já devia | ter me escripto, mesmo antes | de receber carta

minha de | modo que hontem eu tivesse | noticias. (...) Estou com

muitas saudades a você e dos | meninos. Escreva me. | Receba um

abraço apertado | e beijos que distribuimos pelos mais | seu [marido]

Antonio” (Família Cupertino, em 14 de fevereiro de 1886)

Em (53) nota-se que é uma carta escrita de Antônio à esposa. Aparentemente,

esse tipo de relação configura-se como simétrica e íntima. O fato do emissor utilizar

expressões como Querida, muitas saudades, abraço apertado e beijos, parece

corroborar com tal ideia. Assim, o esperado era a presença das formas do paradigma de

tu, uma vez que, segundo Souza (2012), o contexto de intimidade favorecia o emprego

de formas desse paradigma. No entanto, o que se verificou foi a utilização de você e do

pronome possessivo sua. Tal fato se justifica pelo teor da carta e não pela relação

estabelecida entre os interactantes. Antônio, na verdade, escreve para cobrar à esposa

cartas que ela ainda não escreveu, como se observa em Você já devia ter me escripto,

mesmo antes de receber carta minha. A cobrança e crítica do marido aparece como um

ato ameaçador à face positiva do destinatário, como definem Brown & Levinson (1987).

Page 126: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

109

E, novamente, para amenizar a censura feita à esposa, Antônio se utilizou de pronomes

que funcionam para diminuir esse ato negativo.

Dessa forma, os exemplos (52) e (53) são representativos de duas décadas que,

nos resultados apontados pelo peso relativo, favoreciam o emprego de seu. No entanto,

o que se pode afirmar é que o pronome possessivo seu não está em variação direta com

o pronome teu, assim como apontou Souza (2012) para o sujeito: as formas possessivas

seriam funcionalmente divergentes ainda.

Seguindo esse viés, foi a partir da década de 1900 que tu e você começaram a

disputar espaço no sistema, isto é, começou de fato a variação entre as duas formas na

posição de sujeito indo até a década de 1930 (cf. SOUZA, 2012). Os resultados

encontrados na tabela 21, referentes à rodada geral da variação nas formas possessivas,

parecem corroborar o estudo de Souza. Dessa forma, as décadas de 1900, 1910, 1920 e

1930 passam a apresentar índices que favoreciam o emprego de seu, com 0.560, 0.915,

0.729 e 0.690, respectivamente.

É importante comentar que o grupo de fatores período temporal não foi

selecionado na fase 2, no entanto, é válido mostrar as porcentagens encontradas nesse

momento:

Tabela 22: A distribuição de teu e seu nas décadas correspondentes à fase 2

A primeira constatação possível de se estabelecer é a de que da fase 1 (1870-

1899) para a fase 2 (1900-1939), as ocorrências de seu aumentaram vertiginosamente.

Das 33 ocorrências encontradas na fase 1 identificaram-se 157 dados, além da

ampliação dos valores percentuais. Tais resultados reforçam a hipótese de que é, nessa

segunda fase temporal, que os possessivos teu e seu acirram a disputa como variantes

stricto sensu. Os exemplos a seguir ilustram algumas ocorrências encontradas no

período em questão:

Fase 2

Décadas Seu Teu

1900-1909 31/102 – 30% 71/102 – 70%

1910-1919 103/183 – 56% 80/183 – 44%

1920-1929 7/34 – 21% 27/34 – 79%

1930-1939 16/480 – 3% 464/480 – 97%

Page 127: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

110

(54) “Rio, 21 de Agosto de 1905 | Recebi sua carta e estimei sa- | ber

que a Marieta vai | bem e que a Dona Etelvina tem | se resignado com

a triste sorte que lhe [cou] | [be]. Estou um pouco indefluxado, | mas é

cousa que não vale a pena | mencionar. (...) Ahi vai uma carta de M. T.

Dias | para Você providenciar. Respondi-lhe que | confiara esse

negocio a Você.” (Família Penna, em 21 de agosto de 1905)

(55) “Pelo teo telegramma e cartão soubemos que | fizeste boa

viagem, o que veio tranquilizar- | nos, pois teo estado de saude não

parecia bom | quando partiste. Deos permitta que tenhas | passado bem

e que o mesmo aconteça | aos nossos parentes. Estimei saber que o

Mario | está melhor; mas não seja isso rasão para | se descuidarem de

tratamento definitivo.” (Família Penna, em 21 de janeiro de 1902)

Os dois trechos acima correspondem a cartas escritas pelo mesmo missivista.

Em (54) Maria Guilhermina Penna emprega seu e, em (55), utiliza teu. Apesar de as

cartas serem redigidas em uma década em que há o favorecimento o pronome seu, os

exemplos permitem ilustrar que o emprego dos pronomes possessivos ainda ocorre de

maneira motivada.

Em (54), Maria Guilhermina Penna começa saudando seu destinatário, seu filho

primogênito, Affonso Penna Júnior. No entanto, no decorrer da carta, percebe-se a

presença de um ato que ameaça a face do interlocutor: uma ordem (Ahi vai uma carta de

M. T. Dias para Você providenciar. Respondi-lhe que confiara esse negocio a Você).

Dessa maneira, os pronomes utilizados, tanto o possessivo seu, como o emprego de

você, mais uma vez, possuem empregos motivados, ou seja, servem para minimizar a

imposição feita pelo escriba.

Por outro lado, em (55), o mesmo remetente emprega teu e verbos com

desinência de segunda pessoa (fizeste, partiste, tenhas) em uma carta, cujo teor é

amistoso e íntimo. O escriba relata a felicidade de saber que a esposa de Affonso,

Marieta, encontra-se melhor de saúde e passa a discorrer sobre a vida de outrem, isto é,

relatar os fatos do cotidiano.

Os dados a seguir, no entanto, mostram que, com decorrer do tempo, o

comportamento das formas possessivas se modifica, pois não se percebe um emprego

motivado para seu uso:

(56) “Meu querido Filho | A sua cartinha me causou | muito

contentamento. Eu | tambem custo muito a es- | crever por isso sei

Page 128: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

111

relevar os | outros. Marieta tem sido | tão delicada commigo | me

escrevendo sempre car- | tas tão amaveis e longas | que não tenho

expresões | para agradecer. Eu tambem | ja estou afflita para vol- | tar,

com muitas saudades | suas e dos meus netinhos.” (Família Penna, em

03 de janeiro de 1911)

(57) “Bello Horizonte, 16 de Março de 1914 | Queridinha | Hontem e

hoje tive o immenso conforto | de receber duas cartas suas. | Já estava

pensando | que tinha sido esquecido, que Você não sentiu falta | nem

saudade do maridinho e minha tristeza era | tão grande, que nem

coragem tinha de ranzinzar. | Parece que seu coração | adivinhou,

afinal, tudo isto, porque as duas cartinhas vieram tão cheias | de

affecto e tão noticiosas que desfizeram toda | a minha magoa.”

(Família Penna, em 16 de março de 1916)

(58) “J M J Rio - 29 - 3 – 920 | Meu querido Sobrinho | Tanto prazer

causou-me | tua carta de 16! | Ri-me por vezes com | teus ditos de

gracejo. | Meu filho faz rir à tua titia | por vezes - Estimo tanto tua

boâ saúde | que tudo te côrra o melhor possivel | nesta vida!” (Família

Pedreira, em 29 de março de 1920)

(59) “Esta tem por fim | fazer-lhe uma visitinha, pedindo | noticias

suas e perguntando se recebeu um cartão | meu agradecendo o

segundo | presente de doces. (Família Pedreira, em 07 de outubro de

1928)

(60) “Rio de Janeiro, 13 de Fevereiro de 1937 | Minha querida

noivinha sempre teu | Espero que esta te vá encontrar em perfeito |

estado de saude, assim como os teus. | Recebi teu bilhete | datado de

hontem cujo conteudo muito | interessou-me, porque o teu irmão | fez

mal em dizer que estava morando no | Catumby, motivo por qual

tenho que | reservar-me sobre qualquer ataque em mi- | nha casa, eu

parar despistar caso perguntem | a mim digo a mesmo cousa que é

para | julg- rem que eu não sei tambem.” (Casal Jayme e Maria, em 13

de fevereiro de 1937)

Diferentemente dos empregos motivados observados nos exemplos referentes à

fase 1 (1870-1899) e nos exemplos (56) e (57) relacionados à década de 1900, é

possível identificar que, nos três trechos de cartas listados acima (58), (59) e (60), não

havia qualquer motivação para o emprego do pronome possessivo seu. Em todos os

trechos nota-se que o teor da carta é intimista e solidário, com o uso de expressões que

denotam carinho e aproximação entre os interlocutores. Da mesma maneira, observa-se

intimidade entre os interactantes nos exemplos (57) e (58), em que se empregou teu.

Esse fato é um forte indício de que os pronomes teu e seu podem ser encarados como

Page 129: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

112

variantes, já que estão competindo nos mesmos espaços funcionais. Os exemplos (61) e

(62), abaixo, tornam tal perspectiva ainda mais evidente:

(61) “Justamente para escrever esta carta é | que preciso da informação

a respeito da | tua posição e da do Edgard na casa, quanto a |

vencimentos. || Sou de opinião que Eurico não tomará o | Horacio, em

todo o caso como este | me pedio vou escrever. | Peço ser breve na sua

| resposta, que deve ser dirigida para | a Caixa-postal - 1545 - . | Do

irmão amigo.” (Família Land-Avellar, em 04 de agosto de 1913)

(62) “Em tudo que vejo, | tudo que fasso, tudo que pego pareço | ouvir

tua voz, pareço sentir as tuas | mão acariciadoras, envolvendo-me

com ternura, | confor-me só eles mesmo e que | sabem afagar-me,

quando medito, | pareço ver sua imagem, que tanta se- | dução traz-

me, esses seus olhos que | parecem que foram feitos somente para | me

ver, e para só a mim pertencer, esse seus labios | que foram criados

pela mão maravilhosa | da natureza, somente para trazer aos | meus os

seus beijos embriagadores, que de tantos desejos | me enchem.” (Casal

Jayme e Maria, em 16 de março de 1937)

Os trechos (61) e (62) salientam a mescla de pronomes teu/seu numa mesma

carta, o que evidencia que esses pronomes estão em franca variação. Além disso, a

mistura pronominal indica que os resquícios de deferência relacionados ao seu da fase 1

(1870-1899) parecem desaparecer na fase 2 (1900-1939), já que o pronome passa a co-

ocorrer com teu em cartas marcadas pela intimidade e solidariedade entre os

interlocutores.

Por fim, serão observados os dados da fase 3 (1940-1979). De acordo com Souza

(2012), a forma você suplanta o pronome tu e passa a ser mais empregada no seu

material de análise. No corpus utilizado para a realização da presente pesquisa, como já

comentado, há uma lacuna temporal que não contempla todas as décadas após 1930,

porém é interessante que se verifiquem os resultados referentes à fase 3 (1940-1979),

como pode ser visto na tabela a seguir:

Tabela 23: A distribuição de teu e seu nas décadas correspondentes à fase 3

Fase 3

Décadas Seu Teu

1940-1949 9/9 – 100% -

1970-1979 107/112 – 95% 5/5%

Page 130: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

113

Ressalta-se, primeiramente, que o grupo de fatores período histórico também

não foi selecionado na fase 3. No entanto, os porcentuais da tabela 23 indicam que, na

fase 3, o pronome seu suplanta o pronome teu, assim como Souza (2012) demonstrou

com a análise sobre o sujeito tu/você. Não obstante, o fato de ainda haver 5% de

frequência de teu, no final do século XX, mostra, ainda que timidamente, o seu emprego

como possessivo de segunda pessoa. Os exemplos a seguir ilustram o emprego de

seu/teu no período:

(63) “Queria saber a razão do seu desa- | parecimento. Pensei até em ir

a Cataguases | na semana Santa mas voce ia viajar e eu | não sabia

para onde. Acabei indo para Tere- | sopolis e lá, para variar, estava um

saco. | E voce para onde foi afinal?” (Família Lacerda, em 14 de abril

de 1977)

(64) “Marcela || Desculpe-me pela demora de ter escrito, porem | não

sabia o que [te] dizer para justificar a minha falta | contigo na tua

viagem ao Rio. E continuo. (...) Me entristeceu bastante a forma | com

que voce me recebeu ao telefone. Achei voce | muito fria, tanto que

chamei voce para sair e | voce veio com uma resposta pré-formada e

negativa | que me deixou chateado. (...) Fiquei indeciso ate que recebi

uma | carta sua com a qual fiquei espantado principal- | mente quando

não li os palavrões que esperava.” (Família Lacerda, em 19 de

setembro de 1977)

Na década de 1970, observam-se cartas com uso exclusivo do possessivo seu,

como em (63), mas também identificou-se a mescla de teu/seu na mesma carta, como

em (64). Nesse sentido, embora haja o uso majoritário de seu, os resultados indicam que

a variação não se extinguiu, mesmo que o pronome teu apareça de forma pouco

expressiva.

Tais resultados observados nessa seção permitem associá-los às três fases de

mudança proposto por Conde Silvestre (2007) e aos princípios postulados por

Weinrech, Labov e Herzog (1968). Assim, a fase 1 corresponderia, nos termos de

Conde Silvestre, à fase da origem, quando a mudança é incipiente e a forma variante,

pode estar restrita a um contexto de uso e aos membros de um grupo apenas. Dessa

forma, o pronome seu, na fase 1, caracteriza-se pelo seu uso motivado, com resquícios

de deferência do tratamento original Vossa Mercê. Assim, seu aparece em contextos

específicos, como defendido nos problemas da transição e restrição de Weinrech,

Labov e Herzog.

Page 131: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

114

Nessa perspectiva, a fase 2 (1900-1939), em que foi observada a variação mais

latente de teu e seu, seria a fase de propagação da mudança. Segundo Conde e Silvestre

(2007), há um número cada vez maior de falantes empregando a nova variante, que

começa a se consolidar em contraste com as demais em um ambiente cada vez mais

amplo de interação social. O pronome seu que antes aparecia em contextos mais

respeitosos e de distanciamento entre os missivistas passa a se espraiar para contextos

menos formais. Nesse período, teu e seu chegam inclusive a variar nas mesmas cartas.

A fase 3 (1940-1979), portanto, seria o momento de completude (CONDE

SILVESTRE, 2007), ou seja, o período em que os falantes estão mais conscientes da

mudança, diminuindo progressivamente a importância social relacionada à variante em

processo de mudança. É nesse estágio que a mudança atinge sua maior regularidade

mediante à eliminação das variantes que competem entre si e a criação de uma nova

norma comunitária. Embora não se possa dizer que teu tenha sido eliminado do sistema,

pode-se afirmar que suas ocorrências diminuíram drasticamente no corpus em questão.

Assim sendo, nos termos de Weinrech, Labov e Herzog (1968), a fase 2 estaria

relacionada aos problemas de encaixamento e avaliação, enquanto a fase 3 relaciona-se

ao problema de implementação.

Na próxima seção serão discutidos os resultados referentes à variável gênero.

Page 132: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

115

4.2.2- Gênero

Há diferentes estudos de sociolinguística histórica que indicam que haveria

preferências de uma variante, em detrimento de outra, por homens e/ou mulheres. Em

algumas comunidades de fala, há variantes mais utilizadas por mulheres do que homens,

como por exemplo, a própria inserção de você no português brasileiro, como mostraram

Rumeu (2008) e Souza (2012). Nesses estudos, as autoras verificaram que foram as

mulheres as grandes propulsoras na inserção de você como pronome pessoal no

português brasileiro. As autoras explicam que, por ser oriundo do pronome de

tratamento Vossa Mercê, a forma você, a princípio, trouxe consigo, apesar do desgaste

fonético, marcas de indiretividade, prestígio e deferência, sendo, por isso, mais presente

no discurso feminino.

Para a análise do gênero, os estudos de base sociolinguística levam em conta os

três princípios postulados por Labov (1994), ao longo de trinta anos de estudos, sobre a

questão do gênero, que assim fica distribuída:

Princípio I: Na variação estável, os homens utilizam com maior frequência a

variante não-padrão, enquanto as mulheres utilizam-na menos.

Princípio Ia: Na mudança em direção ao prestígio, as mulheres tendem a usar

mais do que os homens, a variante mais prestigiada.

Princípio II: Nos processos de mudança, as mulheres possuem um

comportamento linguístico inovador.

Para a discussão do fenômeno em estudo, tais princípios propostos por Labov

precisam ser redefinidos tendo em vista vários aspectos relacionados a um estudo de

sociolinguística histórica na longa duração. Em primeiro lugar, faz-se necessário

esclarecer as diferenças entre variação estável e mudança em progresso. Por um lado, a

variação estável pressupõe a manutenção das formas por um longo período, uma vez

que não se verifica qualquer tendência de predominância de uma variante linguística em

detrimento de outra. Por outro lado, a mudança em progresso implica em afirmar que o

processo de mudança direciona-se para a sua resolução em favor de uma das variantes,

que, possivelmente, irá se generalizar, tendo um uso mais categórico dentro da

Page 133: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

116

comunidade de fala. Nesse contexto, a(s) outra(s) variante(s) tenderia(m) a cair em

desuso. Como foram identificadas, nesse estudo, fases distintas no comportamento de

teu e seu ao longo de 100 anos, defende-se que o fenômeno em estudo estaria em

variação estável no período de variação entre teu e seu (segunda fase). A partir do

momento em que os resultados indicam a suplantação de teu pelo possessivo seu,

observa-se indícios de uma mudança em progresso.

Em segundo lugar, Labov estabelece uma distinção entre formas não-padrão e

formas de prestígio, o que nem sempre é tão claro quando se analisam dados de

sincronias passadas. Na perspectiva sincrônica, as formas padrão corresponderiam aos

usos linguísticos utilizados com maior frequência pelas classes sociais mais abastadas e,

consequentemente, utilizadas pelos falantes nos seus discursos mais formais ou

monitorados. Por isso, estaria comumente associada à língua ensinada nas escolas ou

em estreita conexão com o uso literário do idioma. Desta maneira, tais formas seriam as

consideradas prestigiadas na comunidade de fala. Em contrapartida, a variante não-

padrão teria menos prestígio social. Nos estudos sincrônicos, é mais fácil delimitar se

determinada variante é mais ou menos valorizada dentro de uma comunidade de fala.

Para estudos diacrônicos, no entanto, definir o valor social de uma variante linguística

não é tarefa simples, uma vez que o pesquisador não conhece necessariamente qual era

a norma padrão vigente em outro período do tempo (BARBOSA, 2005, p. 28). É difícil,

inclusive, definir, no caso de estudos com base em cartas, se um escriba é detentor de

um padrão mais culto ou menos culto, pois os parâmetros são distintos dos atuais.

No caso específico do objeto de estudo em análise, não se pode dizer que uma

das formas variantes seria não-padrão stricto sensu. Pensando nesses aspectos, parece

mais sensato uma oposição entre conservador e inovador. O presente estudo assume

que, no que se refere à variação entre teu e seu, o possessivo teu seria a forma mais

conservadora de tratamento ao interlocutor por, justamente, pertencer ao paradigma do

pronome tu. Assim, o pronome possessivo seu é considerado inovador porque, a priori,

é a forma possessiva referente à terceira pessoa do discurso, então, o fato de referir-se

diretamente ao colocutor, por ser mais recente na língua, é encarado de maneira

inovadora e não ligada a uma forma não-padrão da mesma. Além disso, não se

evidencia quaisquer indícios de estigma em sua utilização, principalmente, por aparecer

em cartas de pessoas reconhecidamente letradas e, em alguns casos, ilustres.

Embora se considere a variante seu como inovadora na perspectiva assumida

aqui, não se pode dizer que tal possessivo deixe de carregar certo prestígio no período

Page 134: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

117

analisado por estar associado ao paradigma de você que, por sua vez, origina-se do

tratamento de deferência Vossa Mercê. Nesse sentido, uma releitura do princípio Ia de

Labov pode elucidar a questão. O estudo de Rumeu (2008, 2013), por exemplo, mostrou

o maior emprego de você em cartas femininas no século XIX. A autora argumenta que

tu seria uma estratégia demasiadamente íntima para ser empregada em cartas femininas

do século XIX, por isso a manutenção do tratamento você que preservava certa

indiretividade e/ou neutralidade, além de ser menos invasiva à face do outro. Outros

argumentos também podem ser considerados. O perfil sociolinguístico das missivistas

também é relevante. Sabe-se que as remetentes pertenciam a famílias abastadas da

sociedade oitocentista do Rio de Janeiro.

Nesse sentido, realinha-se o princípio Ia, com os próprios argumentos

labovianos sobre o Paradoxo do Gênero41. As mulheres podem apresentar um

comportamento linguístico mais conservador do que os homens por utilizarem mais a

variante padrão ou prestigiosa, no entanto, também podem ter um comportamento mais

avançado, visto que adotam mais rapidamente a variante inovadora, sendo esta ou não

variante não-padrão. Tentando uma resolução para este paradoxo, Labov (2001) o

restabelece como o Paradoxo da Conformidade, no qual as mulheres teriam um

comportamento linguístico menos desviante do que os homens no que se refere à

utilização da norma padrão, caso o desvio seja extremamente condenado. Por outro

lado, as mulheres tendem a desviar mais no que se refere ao exercício da norma padrão

do que os homens, quando a variante não é estigmatizada pela comunidade linguística.

Nesse sentido, a retificação de Labov a seu próprio princípio só se torna possível

quando se consegue estabelecer justamente o prestígio de uma variante dentro da

sociedade. Tal estipulação é tênue e, muitas vezes, difícil de ser determinada,

principalmente na diacronia, porque nem sempre homens e mulheres tinham as mesmas

condições de estudo, como relata Conde Silvestre (2007, p. 121):

“La adopción de normas lingüísticas de

prestigio depende de las posibilidades de

acceso a los registros más cuidados utilizados

en ámbitos de interacción formal, por lo que

suele ir asociada con el nivel de instrucción o

educación formal. Es evidente que los

problemas de la maioria de las mujeres para

acceder a la educación hasta el siglo XIX, así

41 Pensado por Wolfram and Schilling-Estes (1998) apud Labov (2001).

Page 135: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

118

como su discriminación social y legal, y su

subordinación al varón hasta bien entrado el

XX, habrían impedido, en general, su

contacto con la producción lingüística

formalizada y prestigiosa (Amusen, 1988;

Laurence, 1994 apud Conde Silvestre,

2007)”.42

A afirmação de Conde Silvestre é perceptível de ser corroborada pelo fato de

não ter sido possível encontrar referências bibliográficas detalhadas sobre as mulheres

que faziam parte dos diversos núcleos familiares que compõem a amostra dessa tese.

Geralmente, não há dados documentados sobre sua formação escolar. Entretanto, é

possível dizer que essas esposas, mães, primas, filhas, possuíam algum nível de

erudição, posto que, a grande maioria dessas mulheres são advindas de famílias

abastadas oitocentistas e novecentistas.

É importante ressaltar que, durante o século XIX e boa parte do século XX, a

sociedade brasileira era basicamente patriarcal e as mulheres tinham uma atuação mais

restrita e limitada às atividades meramente domésticas. Em geral, elas eram preparadas

desde cedo para se casarem, por isso não precisavam ter muito estudo. Biasoli-Alves

(2000, p. 235) reafirma essa ideia quando mostra que, em fins do século XIX e início do

XX, havia “colégios para meninos e meninas das classes abastadas e torna-se cada vez

mais comum que a “moça de família”, depois que aprendeu em casa as “primeiras

letras”, seja enviada a um colégio interno de freiras “para ser educada”. De lá ela sairá

depois de alguns anos, pronta para casar”.

Os primeiros avanços aparecem de maneira sutil e vagarosa, porém, são

importantes para modificar, aos poucos, a condição feminina dentro da sociedade, como

aponta Cerdeira (2004, p.7):

“Aos poucos, a mulher sai da domesticidade

e integra-se finalmente na sociedade, a

princípio como escritora ou professora. Em

fins do século XIX, o Brasil já possui

mulheres que sabem ler e escrever,

42 “A adoção de normas linguísticas de prestígio depende das possibilidades de acesso aos registros mais

cuidados utilizados em âmbitos de interação formal, pelo que costuma ser associada ao nível de instrução

ou educação individual. É evidente que os problemas da maioria das mulheres para ter acesso à educação

até o século XIX, assim como sua discriminação social e legal, e sua subordinação ao homem até o início

do século XX, teriam impedido, em geral, seu contato com a produção linguística formalizada e

prestigiada (Amusen, 1988; Laurence, 1994).” apud Conde Silvestre (2007).

Page 136: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

119

limitando-se, no entanto, à esfera medíocre

do romance francês.”

Apesar dos romances franceses serem menosprezados até mesmo dentro da

própria literatura43, deve-se destacar a importância de haver mulheres alfabetizadas

nesse período e, principalmente, o contato que elas tinham com modelos de escrita,

independentemente do tipo textual.

No entanto, há quem questione a visão clássica de que as mulheres deste período

viviam rigorosamente sob um regime patriarcal e eram dedicadas à vida doméstica,

como se observa no trabalho de Bernardes (1989, p. 15):

“(...) Não parecia haver, assim, nem na

maneira de pensar dos homens, nem na das

mulheres, e nem no modo de agir destas, um

único modelo preferencial que padronizasse

as imagens e que tornasse sempre

semelhantes comportamentos e atividades.

Pelo contrário, entre os extremos detectados,

opiniões e comportamentos revelavam uma

gama de pontos intermediários, de nuances,

separando a submissão total da total

autonomia. Inferiorização e marginalização

da mulher, dentro e fora do lar, não pareciam

marcar irremediavelmente sua posição, nas

famílias urbanas abastadas, no Rio de Janeiro

da segunda metade do século XIX. (...) O que

reinava era a variedade.” (Queiroz apud

Bernardes, 1989: XV)

Para a autora, uma das mais relevantes reivindicações dessas mulheres foi o

acesso à instrução e, principalmente, o fato de elas estarem cientes de seu estado de

subordinação. Segundo os estudos de Cerdeira (2004, p. 9), no período em questão,

havia uma sacralização da mulher que, “embora dançasse nos bailes de máscara, pouco

falava, pouco fazia para libertar-se da opressão masculina, e permanecia virgem até o

casamento”. Sobre a mudança na condição feminina, a autora afirma:

“Sua saída às ruas foi feita por meio do

teatro, da janela, do estudo de dança, de

música e do francês. Foi esse o resultado da

43 O período literário Realismo, posterior ao Romantismo, faz duras críticas à burguesia e à prática

essencialmente feminina de consumir romances.

Page 137: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

120

urbanização: a mulher burguesa, não menos

servil que a senhora de engenho, porém mais

culta.” (CERDEIRA, 2004, p. 9)

Sem sombra de dúvidas, o acesso da mulher à educação formal e,

consequentemente, os papéis sociais diferentes assumidos pelas mulheres ao longo do

tempo alteraram sobremaneira seu comportamento linguístico por formas de maior

prestígio ou por usos mais vernaculares.

Dessa maneira, as discussões acerca do princípio Ia proposto por Labov,

normalmente apontam para as mulheres liderando tanto a aquisição de novas formas de

prestígio de fora da comunidade de fala, como a eliminação das formas estigmatizadas.

A questão do princípio I será pensada aqui tendo em vista outros parâmetros

relacionados a natureza do objeto de estudo e a própria perspectiva de análise histórica.

A variante não-padrão é reinterpretada como um marcador social do grupo. Os homens

adotariam as variantes avaliadas de forma positiva na filiação ao seu grupo, buscando a

solidariedade de seus amigos e companheiros. Assim, empregam variantes marcadas

positivamente como características linguísticas identificadoras de sua comunidade,

classe ou gênero, embora tais formas coincidindo ou não com a norma padrão, gozam

de um alto valor simbólico social (Trudgill, 1972, 187-188). A forte presença de tu no

lugar de você nas cartas masculinas do século XIX, como apontou Rumeu (2013), não

corresponderia a um uso não-padrão, mas um recurso identitário da escrita partilhada

entre amigos e parentes com grande intimidade.

Embora os princípios Ia e II pareçam contraditórios, uma vez que retratam as

mulheres como simultaneamente conservadoras – por preferirem as formas prestigiadas

– e inovadoras – por adotarem mais rapidamente as novas formas, eles podem ser

conciliados dada a natureza objeto de estudo e da maneira pela qual as mudanças se

propagam na comunidade.

Nessa perspectiva, Souza (2012) mostra exatamente esse comportamento

linguístico dúbio das mulheres. Ao mesmo tempo em que se considera que o

comportamento feminino tenha sido inovador, por elas terem inserido a forma você no

quadro pronominal do português brasileiro, isso também se deve ao fato dessa então

variante não sofrer estigmas sociais, isto é, não ser considerada uma variante não-

padrão, como defende Rumeu (2008). Da mesma maneira, ao estudar a variação entre

teu e seu, acredita-se que as mulheres terão um comportamento parecido, já que se

Page 138: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

121

assume aqui que a inserção de seu no paradigma de segunda pessoa acompanhou a

inserção de você no sistema e não é uma forma estigmatizada socialmente.

Em seu estudo sincrônico, Cheshire (2004) comenta também a diferenciação de

comportamento de mulheres de classes sociais diferentes. A autora aponta que, em um

estágio inicial de mudança, as diferenças linguísticas entre homens e mulheres são

quase imperceptíveis, mostrando-se mais presente ao passo que a variação passa a ser

mais notada pelos falantes. Na diacronia, com os questionamentos que o presente estudo

busca responder, seria possível tentar identificar tais apontamentos ao analisar a amostra

em períodos temporais distintos, observando todo o desenrolar da mudança.

As considerações feitas até então, mais do que manifestar as diversas discussões

sobre o comportamento linguístico de homens e mulheres, revelam que não é possível

desvincular o gênero de questões como prestígio, conservadorismo e mudança. Nesse

sentindo, assume-se que o pronome possessivo seu seria uma inovação na língua, uma

vez que um pronome vinculado à terceira pessoa passa a ser empregado para se dirigir

diretamente ao interlocutor. Também adota-se a concepção de que essa forma não

possuía estigmas por estar associado a um tratamento de deferência; por estar presente

em um texto previamente pensado, a carta, e, principalmente, por aparecer no discurso

de pessoas com erudição e domínio dos modelos de escrita.

Nesse sentido, embora os princípios propostos por Labov sejam pertinentes ao

estudo que está sendo realizado, não se pode afirmar que os mesmos sejam aplicáveis a

todas as pesquisas diacrônicas de base sociolinguística. É preciso que essas questões

sejam relativizadas, principalmente quando se tratam de fenômenos que saem do escopo

da fonética e da fonologia. Não é possível definir com precisão quem foram todos esses

homens e mulheres que escreveram todas as cartas que serviram de base para a análise.

Dessa maneira, para essa pesquisa, os princípios propostos por Labov ficam assim

reformulados para os objetivos e perspectivas aqui adotadas:

Princípio I: Na variação estável, os homens utilizam com maior frequência a

variante mais marcada ou identitária do grupo, enquanto as mulheres utilizam-na

menos.

Princípio Ia: Na mudança em direção ao prestígio, as mulheres tendem a usar

mais do que os homens, a variante menos estigmatizada ou marcada.

Page 139: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

122

Princípio II: Nos processos de mudança, as mulheres possuem um

comportamento linguístico inovador.

Assim, busca-se identificar se tais princípios poderiam ser encontrados na

análise da variável gênero, que se mostrou, de certa forma, equilibrada na amostra, já

que das quatro rodadas realizadas, ela foi selecionada em duas: o primeiro e segundo

períodos temporais. Apesar disso, a tabela 24 aponta a distribuição dos resultados na

rodada geral:

Tabela 24: A distribuição dos possessivos a depender do gênero na na rodada geral

A tabela aponta que, no âmbito geral, tanto homens quanto mulheres utilizaram

mais o pronome possessivo teu/tua, com percentuais quase idênticos: 75% e 78%

respectivamente. Entretanto, apesar de, na amostra, haver mais cartas escritas por

homens (252) enquanto mulheres escreveram 111, chama a atenção o fato de pronomes

possessivos, em geral, estarem mais presentes no discurso masculino, uma vez que das

1376 ocorrências totais de formas possessivas, 998 estão em missivas escritas por

homens.

Tais resultados gerais não despertam surpresas, uma vez que o pronome

possessivo teu foi mais empregado na amostra de forma geral, logo, ao observar as

ocorrências através do prisma das diferentes variáveis, espera-se que seus índices sejam

maiores e as porcentagens mais altas. A análise dos pesos relativos indicados para cada

período pode dar indícios dos contextos mais favorecedores, relativizando tais

percentuais brutos. Não obstante, ao fazer as diferentes rodadas, pode-se perceber

comportamentos contrastantes entre os diferentes períodos temporais, o que requer uma

análise mais minuciosa. Assim sendo, a tabela a seguir ilustra o que foi encontrado no

primeiro período temporal:

Tabela 25: A distribuição de seu a depender do gênero na fase 1. Valor de aplicação: seu

Gênero Seu Teu

Homem 253/998 – 25% 745/998 – 75%

Mulher 82/378 – 22% 296/378 – 78%

Gênero – Fase 1 Aplicação/Total % PR

Homem 11/364 3% 0.307

Mulher 22/33 65% 1.000

Page 140: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

123

A tabela mostra que, no período de 1870-1899, no que se refere à frequência,

seu é favorecido entre as mulheres, com 1.000 de peso relativo e 65% de frequência, no

entanto, ressalta-se a pouca quantidade de dados: apenas 33. Por outro lado, homens

mostram-se desfavorecedores ao emprego da forma inovadora em referência à segunda

pessoa (seu), com 0.307. Cabe ressaltar que, no período em questão, fins do século XIX

e início do século XX, sabe-se, a partir dos estudos sobre a variação de sujeito de

segunda pessoa, o pronome tu era mais produtivo nas cartas masculinas, ao passo que

você era produtivo nas cartas de mulheres (RUMEU, 2008; SOUZA, 2012). Importante

lembrar também que Souza (2012) aponta para um uso de você ligado à indiretividade e

deferência no discurso feminino, isto é, essa forma não era variante stricto sensu do

pronome tu.

Nesse sentido, os resultados mostrados na tabela 25 apontam que, na fase 1, o

resultado encontrado para o sujeito em outros estudos caminha na mesma direção com

os pronomes possessivos, assim, as mulheres favorecem o emprego de seu na amostra,

ao passo que o pronome tu é favorecido por homens.

Vale frisar que, no período em questão, as cartas que compõem a fase 1 foram

escritas por homens e mulheres de famílias abastadas, com domínio da língua escrita. A

tabela a seguir relaciona as formas empregadas na posição de sujeito e o pronome

possessivo empregado nas missivas, tendo em vista do gênero na fase 1 (1870-1899):

Tabela 26: Possessivos e sujeito predominante nas cartas da fase 1

O controle da forma de sujeito presente na carta tinha objetivo (i) verificar se o

missivista seguia o mesmo paradigma ao empregar o possessivo (você-seu e tu-teu); (ii)

rastrear que variante possessiva começava a predominar nas cartas mistas, ou seja,

Mulheres

Somente tu Somente

você

Mista Sem

referência

Total

Seu 2 – 15% 6 – 100% 4 – 100% 10 – 91% 22 – 65%

Teu 11 – 85% 0 0 1 – 9% 12 – 35%

Homens Seu 3 – 1% 5 – 20% 1 – 3% 2 – 17% 11 – 3%

Teu 284 – 99% 20 – 80% 37 – 97% 10 – 83% 352 –

97%

Page 141: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

124

naquelas em que ora usava você ora empregava tu na posição de sujeito, além de

observar as cartas sem qualquer tipo de referência explícita ao sujeito, isto é, o mesmo

era identificado através de vocativos, por exemplo.

Os resultados da fase 1 reiteram o predomínio do pronome possessivo seu em

cartas femininas. Destaca-se que isso ocorre até mesmo nas cartas mistas (100%) e nas

cartas sem referência explícita ao sujeito (91%). O fato de o pronome ter ocorrido em

todas as missivas independentemente do sujeito que era empregado nas mesmas

evidencia sua preferência nas cartas femininas ao referenciar-se de forma mais genérica.

Logo, seu ocorre livremente, com qualquer tipo de sujeito nas cartas femininas,

enquanto o possessivo teu só aparece em cartas em que o sujeito é tu. Aparentemente, o

emprego espraiado de seu por mulheres indica que essa forma não sofria estigma social,

podendo ser até mesmo um tratamento prestigioso.

Esse resultado confirma a hipótese de que essa forma, ainda resguarda resquícios

de deferência, já que era, a priori, uma forma relacionada à Vossa Mercê. Ora o

pronome aparece direcionado diretamente ao interlocutor, nas cartas de você e também

nas cartas em que tu é o sujeito, ora o mesmo é empregado de forma mais cortês.

Embora se tenha apenas um indício, seria pertinente destacar, como afirma Trudgill

(1974), que as mulheres podem ser responsáveis pela difusão das formas de prestígio

por estarem encarregadas, direta ou indiretamente, da educação de seus filhos. Mesmo

que não seja o caso em nossa amostra, são as mulheres as responsáveis pela

aprendizagem da língua materna e transmitiriam as suas formas variantes a seus filhos

que as incorporariam uma geração mais tarde (Conde Silvestre, 2005, p. 158)

Nesse sentido, a tabela complementar reitera o que foi postulado no princípio Ia

proposto por Labov: na mudança em direção ao prestígio, as figuras femininas tendem a

usar a forma menos marcada. Defende-se aqui que o período do gatilho da mudança

talvez tenha sido o final do século XIX (1870-1899), na fase seguinte tem-se o início de

um processo mais forte de variação. Os exemplos abaixo ilustram as ocorrências do

período 1:

(65) “O que queres? Porque foste te sahir tão | bem e tão a meu

contento na | 1ª encommenda que te fiz? | Agora soffres as

consequencia da tua | böa vontade e gosto.” (Família Cupertino, em

22 de maio de 1882, carta escrita por homem)

Page 142: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

125

(66) “Já escrevi ao [inint] | sobre a entrega de dinheiro | meu a Você

visto que elle | tem procurado me para re | ceber meus endereços. |

Estava aqui no meu | quarto estudando quando | recebi sua carta | (8

horas da noite) | vou em pessôa levar esta | ao Correio para seguir

amanhã. | Continuo felizmente | bem de saúde. | Diga a sua mãe | que

hei de escrever lhe | uma longa carta, e | lembre me a todos.” (Família

Cupertino, em 26 de fevereiro de 1886, carta escrita por homem)

Observa-se, através dos exemplos (65) e (66), o emprego de teu e seu em cartas

masculinas e que, o emprego do sujeito nas cartas está diretamente relacionado ao uso

do possessivo. Assim, em uma carta cujo sujeito é tu, como queres, foste e soffres o

pronome possessivo empregado é tua böa vontade, enquanto que em uma carta em que

há emprego de você, mesmo que como dativo (a você), ou sujeito nulo (diga), há

também utilização de seu (sua carta, sua mãe). Interessante ainda observar, através da

tabela 26, que há um predomínio de teu nas cartas masculinas, mesmo nas cartas mistas

ou sem referência explícita e também nas cartas cujo sujeito é você. As mulheres, por

outro lado, parecem seguir o paradigma pronominal: cartas de você, seu; cartas de tu,

teu. Tal comportamento é uma evidência da escolha feminina por variantes de prestígio,

já que, em suas cartas, há menos mescla das formas pronominais. Os exemplos a seguir

ilustram o emprego dos possessivos em cartas sem referência pronominal explícita e em

cartas mistas:

(67) “Estimara que Você e todos | os nosso queridos filhinhos | tenham

passado bem | depois que parti. | Hei de escrever te sempre | ainda que

sejam 2 linhas. | Faz sempre que puderes o | mesmo, pois já estou |

[ancioso] por uma carta. | Lembranças abraços e beijos | do Seu |

Antonio” (Família Cupertino, em 12 de fevereiro de 1886, 12 de

fevereiro, carta escrita por homem)

Observam-se mais alguns exemplos. O primeiro deles foi escrito por uma

mulher e o segundo, escrito por um homem e nos dois casos a variante possessiva

empregada é seu:

(68) “Aracajú 12 de Fevereiro de 1873 | Primo | Foi com muito prazer

que recebi sua | carta de 3 de Janeiro próximo passado princi- |

palmente por trazer com ella a no- | ticia do seo restabelecimento. (...)

| Peço-lhe que agradeça muito e muito de | minha parte a Prima

Joanninha | e ao Doutor João Maria os obsequios que | ambos tem

feito a [João] e peço que | me recommende à todos os seos. | Ja tive

noticia da boa recepção | que lhe fizerão na Rua do Lavradio, |

portarão-se como verdadeiros sel- | vagens, foi mais uma delicadeza

Page 143: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

126

que | vem juntar-se a outras. || Muito estimarei que obtenha o lugar | de

Amanuense a que aspira | Receba saudades do Espinola das me- |

ninas e de sua prima || affetuosamente || e obrig[adíssima] || Anna

Espínola” (Família Cupertino, em 12 de fevereiro de 1873, carta

escrita por mulher)

(69) “Minha mto bôa e presada Filha e ma Ama | Corte 20 de Maio de

1886. | Esta chegara as suas mãos | em vespera da terminação do mez

solemne mariano | e da sua festa Deos permitta que todos estejam

satisfei-tos, | com saude e mais bens, em paz com as crianças. || (...)

Não tenho recebido letras suas mas como Você tem podido | ser mais

frequente em a estima vil correspondencia | com a vossa mãe e irmã

eu por esse meio obtenho | sempre noticias vossas – tanto de si, como

do marido | e filhinhos.” (Família Pedreira, em 20 de maio de 1886,

carta escrita por homem)

Percebe-se que, tanto no exemplo em que a carta foi escrita por uma mulher,

quanto em carta escrita por homem, nos dois casos, as missivas apresentam elementos

que mostram ao leitor o distanciamento presente entre os interlocutores. No primeiro

caso (68), Anna não chama o primo pelo nome, usa a relação de parentesco para referir-

se a ele. Além disso, é possível perceber um cuidado com o vocabulário empregado,

além do uso do pronome lhe e formas verbais relativas a você, como aspira e receba.

Na despedida, não há beijos ou abraços, que mostram intimidade, apenas Receba

saudades (...) da sua prima.

Esse uso é semelhante ao encontrado no trecho extraído de uma carta da Família

Pedreira. Nesse exemplo (69), papai Pedreira também possui zelo com o vocabulário

empregado e, apesar de escrever para a filha, utiliza-se de termos como presada, que

marcam uma relação mais distante entre os dois. Além disso, há emprego da forma você

e a mescla de seu/sua com vosso/vossa, que, aparentemente, marcam distanciamento.

Os exemplos a seguir ilustram o emprego do pronome possessivo teu/tua no

mesmo período em uma carta feminina e outra masculina:

(70) “Chim, meu querido Filho || Gosto muito de receber tuas

cartinhas, | vejo n’ellas o amor que me tens, e a teus | Irmãos. || Fiquei

muito contente de ver a defeza que fazes do Alvaro. (...) Mandei por

de molho e passar a ferro duas | fazendas para fazeres ternos, e | breve

mandarei. || Por quanto fazem o terno dan- | do-se a fazenda? Martinsi-

| nho me escreveu. Doxa vem | hoje de Juiz de Fora. Papai só | vem do

Rio no dia 2. (...) Com Ceição e Edmundo | acceite a benção da |

Maisinha” (Família Penna, em 23 de setembro de 1898, carta escrita

por mulher)

Page 144: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

127

(71) “Querido Affonsinho || Barbacena, 3 de Maio de 1898 || Pela tua

carta de 1o | vejo os motivos que tens para | não [escreveres] todos os

dias [o] | que [me] pareciam justos. | Escrevas quando puderes, ao

menos uma vez por | semana. || Andei indefluxado e adoentado a

semana | passada, mas já estou melhor, embora ainda | soffrendo

alguma cousa. Todos de casa passão | bem. (...) | Lembrei me agora de

[satisfazer] a [pergunta] | que fizeste sobre o resultado da viagem de |

Leopoldo a São Paulo. Diz elle que obteve alguma | melhora, mas se a

obteve foi de pouca | duração. Depois que voltou teve inchação | de

pernas, cousa que d’antes não soffria... | Como vai a minha casa? |

Saudades ao Henrique e [Guilherminha] | e receb[e] a benção e um

abraço de | Pai e amigo | Affonso” (Família Penna, em 3 de maio de

1898, carta escrita por homem)

Diferentemente dos exemplos (70) e (71), é possível observar que, nos dois

trechos de cartas, as mesmas são mais intimistas e afetuosas. Assim, há o emprego de

formas relacionadas ao pronome tu, como tens, fazes e fazeres em (70) e tens,

escreveres, escrevas e fizeste, em (71). Além disso, tanto na carta feminina, quanto na

carta masculina, utilizam-se apelidos para referir-se ao destinatário, como Chim e

Affonsinho, respectivamente. Ademais, nas duas missivas percebe-se que os remetentes

escrevem em busca de notícias e também para dizerem como estão passando eles

próprios e os familiares. Nesse sentido, o teor da carta é mais íntimo e aproxima os

interlocutores.

Assim, é possível afirmar que, no que se refere ao primeiro período temporal,

teu e seu não são variantes diretas, já que há motivações discursivo-pragmáticas para a

utilização das formas possessivas, isto é, as mesmas não são empregadas nos mesmos

contextos de uso. Os exemplos deixam claro que teu é usado em cartas íntimas, em que

há proximidade entre remetente e destinatário. Por outro lado, seu é empregado em

missivas cujo distanciamento é maior entre os interlocutores. Nesse sentido, esse seu,

assim como o você do mesmo período em questão, ainda, de certa forma, está

relacionado ao pronome de tratamento Vossa Mercê, apresentando, portanto, prestígio e

deferência. Então, da mesma maneira que a forma você tem seu maior emprego

associado às mulheres justamente por não haver estigma com seu emprego, é natural

que o pronome possesivo seu associado à essa forma também esteja mais presente no

discurso feminino.

No segundo período temporal, o corpus acaba se modificando um pouco, já que

o mesmo não se restringe mais a famílias ilustres, sobre as quais é possível, com maior

facilidade, buscar informações biográficas. Duas amostras são pertencentes a pessoas

Page 145: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

128

comuns, cuja proveniência não se conhece, muito menos informações mais detalhadas

acerca da vida desses escribas. Assim sendo, decidiu-se realizar três rodadas

correspondentes ao segundo corte temporal: a primeira, unindo todas as amostras do

período; a segunda, em que se agrupam as famílias ilustres; e a terceira, em que constam

apenas os dados das pessoas ditas comuns, com o intuito de identificar se há alterações

linguísticas a depender desse fator. Vê-se a tabela que ilustra os resultados referentes a

esse segundo corte temporal considerando todas as amostras do período:

Tabela 27: A distribuição de seu a depender do gênero na fase 2. Valor de aplicação: seu

A tabela 27, referente ao segundo período temporal, evidencia que tanto homens

quanto mulheres empregam mais teu se for levado em conta os baixos percentuais de

frequência para seu. No entanto, apesar de baixos percentuais de ocorrência do pronome

seu (22% para homens e 16% para mulheres), o número de dados aumentou

consideravelmente em relação à fase anterior: de apenas 11 dados em cartas masculinas

na fase 1, passa-se a 105. Já nas cartas femininas, o crescimento é um pouco menor, de

22 para 52 ocorrências. Em termos dos pesos relativos, houve uma mudança de

comportamento em relação à fase anterior. Nessa fase, o programa estatístico indicou

que são os homens que aparecem como favorecedores de seu (0.916). No entanto, cabe

observar como se dá essa distribuição a depender do gênero dos informantes,

considerando o tipo de amostra: famílias ilustres e famílias não-ilustres, como se vê nas

tabelas a seguir:

Tabela 28: O gênero no período temporal 2 nas amostras de pessoas ilustres

Gênero – Fase 2 Aplicação/Total % PR

Homem 105/468 22% 0.916

Mulher 52/335 16% 0.034

Famílias Ilustres

Teu Seu

Homens 44/133 – 33% 89/133 – 67%

Mulheres 138/190 – 73% 52/190 – 27%

Famílias Não-Ilustres

Teu Seu

Page 146: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

129

Tabela 29: O gênero no período temporal 2 nas amostras de pessoas não-ilustres

As tabelas mostram comportamentos semelhantes, na fase 2, entre as mulheres

das famílias ilustres e não-ilustres: em ambos os casos, as mulheres empregam mais o

pronome teu. Assim, as mulheres não-ilustres fazem uso categórico do possessivo teu,

enquanto seu aparece timidamente nas cartas de mulheres ilustres (27%). O

comportamento dos homens, no entanto, demonstra divergências, uma vez que o

emprego de seu é favorecido por homens ilustres (67%), ao passo que os homens não

ilustres o utilizam em apenas 5% das ocorrências. Apesar dessa discrepância é

importante ressaltar que, ainda que o número de dados de seu em cartas de homens não

ilustres seja pequeno (16), o pronome aparece, mesmo que timidamente, em cartas

masculinas, o que não ocorre nas cartas femininas. O gráfico abaixo ilustra os resultados

observados em todas as tabelas:

Gráfico 7: a distribuição dos pronomes possessivos pelo gênero e amostras ilustres e não ilustres

O maior emprego do pronome seu por famílias ilustres corrobora a ideia de que

tal forma não possuía, muito provavelmente, estigmas sociais. Além disso, observa-se o

maior emprego dessa forma por figuras masculinas, o que indica o seu espraiamento na

escrita de homens, inclusive os não-ilustres. Os resultados indicam que o emprego de

seu como forma de referência à segunda pessoa, aparentemente, se deu através do

Homens 319/335 – 95% 16/335 – 5%

Mulheres 145/145 – 100% -

Page 147: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

130

emprego do pronome por pessoas mais eruditas e escolarizadas, passando, pouco a

pouco, para a escrita de pessoas com menos acesso à educação formal.

Nesse sentido, as tabelas a seguir demonstram a disposição das formas

possessivas considerando o tipo de sujeito nas cartas femininas e masculinas,

separando-os em ilustres e não ilustres:

Tabela 30: Possessivos e sujeito predominante nas cartas do período 2, nas cartas de pessoas ilustres

Tabela 31: Possessivos e sujeito predominante nas cartas do período 2, nas cartas de pessoas não-ilustres

As tabelas mostram que a variação entre as formas possessivas teu/seu acirra-se

mais no período 2 (1900-1939), principalmente nas cartas de pessoas ilustres e nas

Famílias Ilustres

Mulheres

Somente tu Somente

você

Mista Sem

referência

Total

Seu 2 – 2% 44 – 90% 3 – 13% 3 – 19% 52 –

27%

Teu 100 – 98% 5 – 10% 20 – 87% 13 – 81% 138 –

73%

Homens Seu 9 – 24% 66 – 100% 12 – 75% 2 – 15% 89 –

67%

Teu 29 – 76% - 4 – 25% 11 – 85% 44 –

33%

Famílias Não-Ilustres

Mulheres

Somente tu Somente

você

Mista Sem

referência

Total

Seu - - - - -

Teu - 6 – 100% 139 –

100%

- 145 –

100%

Homens Seu 13 – 5% - 1 – 1% 2 – 50% 16 – 5%

Teu 239 – 95% - 78 – 99% 2 – 50% 319 –

95%

Page 148: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

131

cartas de homens não-ilustres. Assim, identifica-se uma correlação maior entre as

formas possessivas e os sujeitos empregados nas cartas de pessoas ilustres, isto é, tanto

homens, mas principalmente as mulheres tendem a não misturar as formas tratamentais.

Vê-se também que, através da tabela 30, que o emprego de seu passa a ser mais

frequente em cartas mistas (75%) redigidas por homens ilustres, assim como aparecem

mais ocorrências de seu – 9 – em cartas cujo sujeito é tu nas cartas desses homens.

Por outro lado, a tabela 31, referente a homens e mulheres de famílias não

ilustres, mostra que a mescla de pronomes de tratamento tende a ser maior nas cartas

redigidas por essas pessoas, principalmente as mulheres. Assim, das 145 ocorrências de

teu em cartas femininas, 139 aparecem em cartas mistas e seis em cartas cujo sujeito é

você. Interessante observar que não ocorre um único dado de teu em cartas cujo sujeito

é exclusivamente tu. Da mesma forma, homens não ilustres, embora tenham

apresentado poucas ocorrências de seu em suas cartas, apenas 16, 13 delas aparecem em

cartas cujo sujeito é tu.

Assim, tais resultados reafirmam a ideia de maior variação pronominal entre os

anos de 1900 a 1939, porém desvelam que essa oscilação ocorre porque tu e você e teu e

seu passam a ocorrer nos mesmos espaços funcionais, nos mesmos contextos,

principalmente nas cartas redigidas por pessoas não-ilustres e, por isso, não tão atentas

ao rigor gráfico e gramatical. Assim, os exemplos a seguir ilustram o emprego dos

pronomes nesse segundo corte temporal:

(72) “Rio, 23 de Setembro de 1919 || Querido Filho || Tenho tido

noticias suas, não | tenho escrito porque sei que não | tens tempo para

responder. | Sinto bem você não ter mais | calma para fazer o seu tra |

balho, não se alimentar bem | e com socego. Agora você deve | estar

mais tranquillo e | mais contente com a pre- | sensa de Marieta e filhi-

;nhos. (...) || Octavio tem vindo sempre | jantar as 7 horas e hontem só |

veio as 9. É um horror!!! | Está cançadissimo. São 9 | horas da manhã

já estam em | Larangeiras vendo casa. || Recebi a carta de Marieta e |

eide escrever a ella. Agora va- | mos conversar em negocios. | O

dinheiro que você, mandou | para o Salvador ir tirando to- | dos os

mezes só restam 800$ | é preciso você mandar o das | meninas e 200$

para pagar a | pensão do convento até De- | zembro. A vida está

caríssima | e custosa. (...) || Muitos beijinhos aos me- | us netinhos de

quem te- | nho immensas saudades | e você com Marieta acceite |

abraços das meninas e | da || Maisinha” (Família Penna, em 23 de

setembro de 1919, carta, carta escrita por mulher)

(73) “Bello Horizonte, 16 de Março de 1914 || Queridinha || Hontem e

hoje tive o immenso conforto | receber duas cartas suas. Já estava

Page 149: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

132

pensando | que tinha sido esquecido, que Você não sentiu falta | nem

saudade do maridinho e minha tristeza era | tão grande, que nem

coragem tinha de ranzinzar. | Parece que seu coração adivinhou,

afinal, tudo | isto, porque as duas cartinhas vieram tão cheias | de

affecto e tão noticiosas que desfizeram toda | a minha magoa. (...) |

Não se preocupe com a questão de di- | nheiro, pois será bem

applicado, que é o | essencial. Ahi vai um cheque de 700$00 | para

accudir o esgotamento de sua caixa. || Diga a [Irinho] que o Juca ainda

não | se entendeu commigo sobre a mobilia. | [Covem] que elle

escreva catucando, pois | elle já está em Marjagão. | Está aqui uma

Companhia hespanhola de operetas. | Obrigaram me a [tomar] uma

assignatura, | mas quem a está aproveitando é Aidinha, | que já foi aos

3 primeiros espectaculos da | Companhia. (...) | Muitas e muitas

saudades aos de casa. || Beijos aos filhinhos e guarde para | Você o

coração [amantissimo] do seu || Maridinho” (Família Penna, em 16 de

março de 1914, carta escrita por homem)

Os exemplos (72) e (73) mostram um uso diferenciado do pronome possessivo

seu se comparado ao primeiro período temporal. Observa-se agora o uso de seu

juntamente com a forma você que já se espraia para os mesmos espaços funcionais do

pronome tu, o que fica bem claro, com a mescla de pronomes na posição de sujeito no

exemplo (72). Assim, nota-se que as cartas possuem tom altamente intimista, com o

emprego de vocativos como Querido Filho e Queridinha, ao invés do nome dos

destinatários. Vê-se o desejo por saber notícias e contar o que vem acontecendo na vida

dos próprios remetentes e de pessoas próximas, utilizando-se de expressões no

diminutivo, o que acaba configurando um tom mais próximo e familiar às missivas. Por

fim, tanto na carta feminina, quanto na carta masculina, os missivistas não assinam com

seus próprios nomes, mas com Maisinha e Maridinho, além de se despedirem

mandando beijos.

Vê-se a seguir um pouco mais do emprego das formas possessivas teu/tua nas

missivas pertencentes ao segundo lapso temporal:

(74) “Paulo de Frontem 10 – 9 – 1936 | Querido Jayme Saudades

Desejo que ja estejas | passando melhor de saude que e o meu deseijo |

eu e a Hilda chegamos bem grasas | a Deus (...) || Jayme manda-me

dizer se atua mãe falou | alguma cousa com voce au meu respeito | eu

espero voce no dia 27 sepoder vin | no dia 20 era bom por que estou

com tantas saudades | tuas muitas | lembranças da minha irma Imenia

e | dos meus sobrinha e da Hilda e desta | tam te ama muitos beijo e

abraços | Mariquinhas” (Casal Jayme e Maria, em 10 de setembro de

1936, carta escrita por mulher)

Page 150: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

133

(75) “Petropolis, 15 de maio de 1913 | Alarico. || Recebi hontem sua

carta | de 12, a que respondo. Nós por aqui vamos | indo bem. Eu estou

passando um pouco melhor | o Moreira tem vindo agora diariamente |

pois estou fazendo uso de injecções. (...) || Mande o Valentim na casa

de tia Bibi | pedir uma camisa e 1 collarinho pois | vou começar a dar

passeios de manhã. | Poderás trazer quando subir pois | é pouca cousa.

(...) || Os meus 10 $ 000 que estavam na gaveta | de mesa estão em teu

poder? || Sem mais acceite um abraço do irmão || Tito” (Família Land-

Avellar, em 15 de maio de 1913, carta escrita por homem)

Os exemplos (74) e (75) mantêm o tom intimista, a busca por informações por

parte dos remetentes e relatos para o destinatário, além de despedidas com expressões

como beijo e abraço que reforçam a intimidade entre os interlocutores. No entanto,

esses trechos são claros para que se possa afirmar que o segundo período temporal é

marcado por ser um período de variação no português brasileiro, mas não só na posição

de sujeito.

No exemplo (74), escrito por uma mulher, observa-se o emprego do pronome

possessivo teu, com tu na posição de sujeito, mas você sendo empregado como

complemento. Já no exemplo (75), escrito por um homem, é possível identificar, além

da mescla na posição de sujeito, também a mescla na utilização dos próprios pronomes

possessivos, uma vez que o missivista inicia a carta utilizando seu e termina com teu.

Assim, diferentemente do primeiro período temporal, em que teu e seu não eram

variantes porque não eram empregados necessariamente nos mesmos contextos, nessa

segunda fase, é justamente o contrário: teu e seu estão em constante variação, assim

como os outros subtipos pronominais. Dessa forma, por ser possível constatar que esse é

um novo contexto de uso do pronome possessivo, reforça-se a tese de que seu na

referência à segunda pessoa é uma inovação, sendo timidamente implementado na

língua, através da escrita masculina, como a tabela 28 mostrou.

Na fase 3, tem-se apenas cartas masculinas. Assim, foram identificadas 112

ocorrências de pronomes possessivos, sendo 107 de seu (95%) e 5 de teu (5%). O uso

majoritário de seu era esperado, uma vez que, nesse período temporal, o pronome você

já se configura como tratamento pessoal de uso corrente e predominante. Todavia, vale

ressaltar que, mesmo como esse novo panorama pronominal, ainda há utilizações,

mesmo que tímidas, de teu, como pode-se observar no exemplo a seguir:

(76) “Estou brincando muito | mas no fundo sinto | muitas saudades

suas. | Queria te ver. Como esta | o teu ex-namorado daqui? | Voce

Page 151: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

134

tem escrito para ele? | Talvez este ano não de | para eu ir a Guarapari |

pois não vou ter tempo.” (Família Lacerda, em 9 de novembro de

1978, carta escrita por homem)

O exemplo (76) demostra a alternância dos pronomes teu e seu numa mesma

carta. Esses usos, juntamente com os resultados encontrados para esse recorte temporal,

mostram que o período de mudança em progresso, apesar de ainda existir, mesmo que

timidamente, variação.

Em síntese, essa seção foi importante para que se entendesse como a variável

gênero poderia influenciar nos resultados encontrados. Pode-se constatar que, de fato,

essa variável, na análise desse fenômeno, está intrinsecamente ligada a outros conceitos

como inovadorismo/conservadorismo e prestígio social de uma variante. Conclui-se que

não foi possível identificar quaisquer indícios de que o pronome seu era uma variante

estigmatizada, muito pelo contrário, já que por ser relacionado ao pronome de

tratamento Vossa Mercê era uma variante com valor de deferência. Por isso, são as

mulheres as grandes favorecedoras de seu emprego, na fase 1 (1870-1899), o que

confirma o princípio Ia de Labov, aqui reformulado: em uma mudança em direção ao

prestígio, as mulheres vão utilizar mais as variantes menos marcadas ou estigmatizadas.

Assim, na fase 2 (1900-1939), observou-se o aumento no uso do pronome seu

por homens, principalmente ilustres, o que corrobora a ideia de prestígio da variante,

muito embora o aparecimento tímido desse pronome em cartas de homens não-ilustres

indique o seu espraiamento sutil para outras camadas sociais, até o momento em que o

pronome se configura como a estratégia em profusão, como se identificou na fase 3

(1940-1979). Infere-se, portanto, que a variação teu/seu se dá a partir das mulheres (fase

1), passando a variar nos mesmos espaços funcionais de teu, principalmente na escrita

dos homens (fase 2) e chegando ao seu auge (fase 3).

Na próxima seção, serão discutidos os resultados referentes à variável faixa

etária.

Page 152: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

135

4.2.3- Faixa etária

Nos estudos sociolinguísticos em geral, quando se refere à comunidade de fala,

esta não é entendida como um grupo de pessoas que fala de maneira igual, mas sim

como um conjunto de pessoas que compartilha traços linguísticos que distinguem seu

grupo de outros, que se comunicam mais entre si do que com outros e, primordialmente,

compartilham normas e atitudes diante do uso da própria linguagem (cf. LABOV 1972;

GUY, 2007). Nesse sentido, acredita-se que, nas comunidades de fala, há,

constantemente, formas linguísticas em variação, podendo elas estarem em coocorrência

ou concorrência.

Dessa maneira, uma variável muito considerada em estudos de cunho

sociolinguístico é a faixa etária em que os indivíduos da comunidade de fala estão e

como isso pode contribuir para o fenômeno da variação em si. No que tange à faixa

etária, a variação estável se caracterizaria por um padrão curvilinear, em que as faixas

intermediárias apresentariam a maior frequência de uso das formas de prestígio, ao

passo que, quando há mudança em progresso, a distribuição seria inclinada, com os

mais jovens apresentando a maior frequência de emprego das formas inovadoras (cf.

CHAMBERS e TRUDGILL, 1998, p. 91-93). É importante destacar que há outros

fatores envolvidos nessa dinâmica, como, por exemplo, o grau de escolaridade, mas “a

falta de conservadorismo” dos jovens é comumente responsabilizada por trazer

mudanças à língua.

Conde Silvestre (2007) comenta que, diferentemente da investigação sincrônica

que estabelece previsões ou caminhos da variação e da mudança em curso, os estudos

de sociolinguística histórica conhecem de antemão o alcance que obteve determinado

objeto de estudo. Nesse sentido, os estudos em tempo aparente seriam desnecessários

para o investigador histórico, uma vez que não se quer, como nos estudos sincrônicos,

projetar a observação de uma situação de variabilidade linguística para o futuro, porque

as consequências e os resultados de uma mudança já são conhecidas.

Recorrer ao estudo em tempo aparente na sociolinguística histórica tem outro

objetivo, qual seja, determinar a fase de propagação inicial de uma mudança cujo

transcurso é bem atestado na história da língua. Um exemplo ilustrativo seria o estudo

de Duarte (1995) e de Souza (2012) que comprovaram ser a década de 1930 o momento

em que o pronome você se inseriu no sistema pronominal brasileiro, logo, é possível

supor que outras mudanças em subtipos pronominais distintos podem estar relacionadas

Page 153: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

136

a essa inserção. Ademais, a análise em tempo aparente ajuda também a solucionar

problemas relacionados à deficiência de dados, permitindo conectar a informação que

fornecem textos coetâneos em relação à variável estudada.

Seguindo essa perspectiva, a presente tese busca verificar quais foram os

contextos em que o pronome seu espraiou-se gradativa e timidamente como variante de

segunda pessoa. O grupo de fatores faixa etária foi, justamente, apontado como

relevante, em três – rodada geral, fase 1 e fase 2 – das quatro rodadas realizadas para a

análise da variação entre as formas possesivas teu/seu. Raumolin-Brunberg (1996b), por

exemplo, rastreou o progresso de mudanças morfológicas na produção epistolar privada

de duas gerações de uma mesma família. Os resultados da autora apontaram para uma

estratificação por idade, em que cada geração variava lentamente sua produção

linguística e, em consequência, influenciava, a longo prazo, na promoção da mudança.

Apesar de o presente corpus não reunir diferentes gerações de todas as famílias é

possível acompanhar e mapear os progressos da mudança dos pronomes possessivos de

segunda pessoa.

Embora os estudos sobre formas possessivas se limitem à análise sincrônica, os

seus resultados atendem à formulação das hipóteses a serem testadas aqui. Trabalhos

como os de Menon (1996) e Arduin (2005) mostraram que jovens, em geral, tendem a

favorecer o pronome teu/tua, pois, segundo as autoras, essa faixa etária estaria mais

propensa a empregar formas mais solidárias e menos formais. Por outro lado, as faixas

etárias mais velhas tendem ao uso de seu/sua, pois esses falantes optariam por formas

que mostram mais poder e formalidade.

Cabe, entretanto, fazer uma importante ressalva: no estudo de Arduin (2005, p.

107), a autora afirma que “não dão indícios de que há uma mudança

em progresso, ou seja, a variação dos possessivos de segunda pessoa teu/seu permanece

estável”. Diferentemente da conclusão a que a autora chega sobre a variação entre

teu/seu na sincronia, em regiões específicas do sul do país, os resultados até então

observados levam a crer que há uma mudança em progresso no sistema pronominal do

português do Brasil. Houve diacronicamente um aumento do pronome seu como forma

de referenciar à segunda pessoa do discurso. Nesse sentido, o presente estudo contempla

os períodos temporais em que se estaria sendo observada uma mudança em curso.

Como se está considerando como inovadora a forma seu em referência à segunda

pessoa, acredita-se que em fins do século XIX, foram os mais jovens aqueles que

Page 154: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

137

empregariam a variante seu, ao passo que as faixas etárias mais velhas conservariam por

mais tempo a forma antiga teu.

Dessa forma, objetiva-se verificar as diferenças no emprego dos pronomes

possessivos a depender da faixa etária, podendo observar se, na longa duração, há

missivistas que mudam de comportamento linguístico, já que é possível acompanhar um

mesmo missivista ao longo de anos, em que ele passa de adulto a idoso, por exemplo. O

intuito é observar inclusive se a mudança na faixa etária pode influenciar no

comportamento linguístico que o informante venha a ter. Portanto, foram controlados

quatro fatores: (i) a faixa etária jovem, compreendida por escribas com até 29 anos; a

faixa etária adulta, representativa dos indivíduos entre 30-60 anos; (iii) a faixa etária

idosa, retratando os missivistas com mais de 60 anos de idade; e (iv) quando não há

qualquer referência sobre a idade do remetente.

A tabela a seguir reúne os resultados referentes a todas as rodadas para facilitar

uma análise comparativa:

Tabela 32: A faixa etária em todas as rodadas. Valor de aplicação: seu

A tabela aponta que, com exceção da fase 3, o grupo de fatores faixa etária foi

selecionado em todas as rodadas, o que faz crer que essa variável seja preponderante

para que se busque entender a variação entre teu/seu ao longo do tempo.

Interessante observar que, apesar de haver índices distintos, os resultados

caminham para um mesmo direcionamento: favorecimento de seu por jovens (0.772 na

rodada geral, 0.998 na fase 2 e 91% de ocorrências na fase 3), por idosos (0.608 na

Rodada geral Fase 1 Fase 2 Fase 3

Fatores Aplicação/Total

– % – PR

Aplicação/Total

– % – PR

Aplicação/Total

– % – PR

Aplicação/Total

– %

Jovem 54/73 – 74% –

0.772

– 5/19 – 26% –

0.998

49/54 – 91%

Adulto 163/269 – 16%

– 0.344

2/253 – 1% –

0.122

75/656 – 11% –

0.365

58/58 – 100%

Idoso 19/149 – 13% –

0.608

5/93 – 5% –

0.963

14/32 – 44% –

0.857

Sem

referência

99/156 – 63% –

0.958

26/51 – 51% –

0.980

63/92 – 68% –

0.890

Page 155: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

138

rodada geral, 0.963 na fase 1 e 0.857 na fase 2) e quando não há referências sobre a

idade do missivista (0.958 na rodada geral, 0.980 na fase 1 e 0.890 na fase 2). No caso

dos adultos, houve desfavorecimento no uso de seu: 0.344 na rodada geral, 0.122 na

fase 1 e 0.365 na fase 2. Ainda que esse grupo de fatores não tenha sidoselecionado na

fase 3 (1940-1979), o percentual mostra o emprego categórico de seu por parte dos

adultos, com 100% de frequência, o que indica que esse possessivo se estabeleceu no

sistema como forma de referência ao interlocutor.

Em vista de tais resultados, o fato de os jovens, apesar de poucas ocorrências e

não contemplarem todas as fases temporais, terem tido os pesos relativos mais altos na

rodada geral e na fase 2 para seu/sua corrobora a hipótese inicial. Por se tratar de uma

mudança em progresso, os jovens tenderiam ao uso da forma inovadora, pois absorvem

mais rapidamente as novidades da língua. Ao mesmo tempo, observa-se que os idosos

também favoreceram esse pronome, o que parece contraditório, já que os mais velhos

costumam ter um comportamento linguístico mais conservador.

Na realidade, a análise do fenômeno é bastante complexa, tendo em vista que é

preciso correlacionar outros fatores linguísticos e extralinguísticos discutidos.

Primeiramente, como mencionado na seção que trata do gênero, está se considerando

seu como forma inovadora tendo em vista que originalmente tal variante possessiva se

referia à terceira pessoa, ou seja, como forma possessiva de segunda pessoa, o

possessivo seu é inovador em relação a teu. Entretanto, nessa perspectiva dicotômica

entre inovador versus conservador deve ser observada a forma empregada na posição de

sujeito. O valor das formas variantes se altera em função da preservação ou não de

formas do mesmo paradigma numa carta. O uso de seu em uma carta com uniformidade

no tratamento não tem o mesmo caráter inovador do seu emprego em uma carta

chamada aqui de mista. Se o remente mantém as formas do paradigma de tu e/ou de

você, ele não apresenta comportamento inovador. Nesse sentido, faz-se necessário

relacionar a faixa etária às formas empregadas na posição de sujeito tendo em vista as

fases controladas.

A tabela a seguir ilustra o emprego de seu nos diferentes tipos de carta

observados (só você, só tu ou você/tu), observando ainda a variável faixa etária, no

primeiro período temporal:

Page 156: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

139

Tabela 33: Faixa etária e a distribuição de seu na fase 1 a depender do sujeito na carta

A tabela 33 ilustra a utilização de seu a depender da faixa etária dos remetentes

no primeiro período temporal, considerando o tratamento sujeito nas missivas. Observa-

se que nas cartas em que era possível controlar a idade do remetente, só foram

encontrados sete dados de seu: dois em cartas redigidas por adultos e cinco em cartas

produzidas por idosos. Apesar de serem pouquíssimos dados, os adultos da fase 1

apresentaram comportamento relativamente inovador, uma vez que os dados de seu não

ocorreram em cartas do mesmo paradigma: um deles apareceu em uma carta com tu na

posição de sujeito e o outro dado de seu foi localizado em uma carta mista.

Os idosos, entretanto, tiveram um comportamento bastante conservador, pois

houve o emprego categórico de seu em cartas do mesmo paradigma (cartas de você).

Foram localizadas cinco ocorrências de seu, todas elas em cartas cujo sujeito é você.

Esse resultado dialoga com os resultados encontrados em outras variáveis, como

gênero, parentesco e período histórico. Como discutido, na primeira fase temporal, o

emprego de você estava ainda relacionado ao valor de deferência e distanciamento

provocado pela forma nominal Vossa Mercê. Logo, nesse período temporal, o emprego

de seu estava intrinsecamente ligado ao valor de respeito do pronome de tratamento. À

vista disso, é coerente que os idosos sejam favorecedores desse pronome, uma vez que o

comportamento linguístico dessa faixa etária costuma ser mais conservador. Os dados a

seguir são bastante elucidativos:

(77) “Fazer com que o teu marido e Pae não me | mandem o carro sem

animal de | montaria, porque temos | logo no dia segte precisão de que

os muares | estejam vigorosos para conduzir nos. | Tive noticias de

todos as Famílias dos | teus Tios Ferreira Mages Castro | A tua Tia

Josefina e graças | a Deos não há novidade alguma. | A tua avó-tia

Eulália, [inint] e principalmente a Ou vão bem.” (Família Pedreira, em

05 de fevereiro de 1877)

Carta de tu Carta de

você

Carta mista Sem

sujeito

Total

Adulto 1/253 –

0,5%

0/253 1/253 –

0,5%

0/253 2/253 – 1%

Idoso 0/93 5/93 – 5% 0/93 0/93 5/93 - 5%

Sem referência 4/51 – 8% 6/51 – 12% 4/51 – 8% 12/51 –

24%

26/51 –

51%

Page 157: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

140

(78) “Esta chegara as suas mãos em vespera da terminação | do mez

solemne mariano e da sua festa Deos | permitta que todos estejam

satisfei-tos, | com saude e mais bens, em paz com as crianças. (...) Não

tenho recebido letras suas, mas como V tem podido | ser mais

frequente em a estima vil correspondencia | com a vossa mãe e irmã

eu por esse meio obtenho | sempre noticias vossas – tanto de si, | como

do marido e filhinhos.” (Família Pedreira, em 20 de maio de 1886)

Os dois trechos observados foram retirados de cartas do mesmo missivista, João

Pedreira Couto Ferraz, em momentos diferentes de sua vida. No exemplo (86), o

missivista é adulto, na faixa dos 50 anos de idade e, no exemplo (87), o mesmo já é

idoso. Observa-se que há um comportamento linguístico diferenciado a depender da

idade do escriba: quando na faixa intermediária, ele empregava teu/tua, ao passo em

que, quando idoso, emprega seu/sua. Tal diferenciação, encontrada em um mesmo

missivista para o mesmo destinatário, indica que o fato dele ser um idoso interfere em

seus empregos linguísticos.

Interessante observar os dados relativos ao grupo de remetentes que não se sabe

a idade. Tem-se aí 26 ocorrências de seu, a maioria deles (12 ocorrências) aparece em

cartas sem quaisquer referências de tratamento sujeito. Os exemplos abaixo ilustram

algumas ocorrências:

(79) “Meo presado Primo || Por ter estado doente não respon- | di

ainda suas cartas de 19 de Se- | tembro e 3 deste mez porem hoje que |

estou melhor vou approveitar para | respondel-as. || Ao abrir sua carta

de 19 tive | uma viva recordação do Rio, sen- | tindo o agradavel

aroma da vio- | leta que dentro della enviou-me. || Agradeço essa

lembrança e creio | que depois que sahi do Rio foi a | primeira violeta

que vi. || u previ que Maninha hia ao | beneficio da Cortesi quando li

os | annuncios nos Jornaes, e por isso | achei graça de ler em sua carta

o | seo encontro com ella no theatro. || Senti bastante a morte do Chico

| que eu conheci tão forte e alegre. | Agradeço as alegrias que me faz a

| proposito do Concerto que aqui houve. || Pela sua carta de 9 escripta

ao Es- | pinola vejo que ja tinha feito o | favor que lhe pedi na minha |

carta de 21 do passado, pelo que | fico lhe muito e muito agradecida.

(...) P.S. Peço-lhe que faça chegar a | seu destino a carta junta.”

(Família Cupertino, em 16 de outubro de 1874)

(80) “Agradeço muito a tua cartinha e | tambem a vovó tua madrinha |

ficou muito contente. || Foi bom, V voltar para Santa Fé, | por que aqui

teem adoecido muitas | crianças, até a Maria da Glória | está de cama. |

Você va pedindo a mamãe que lhe ensine | a ler e escrever para com o

tempo | sustentarmos uã grande correspondencia. || Adeos. até breve -

Page 158: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

141

querendo Deos. | Os affagos de teu Papae | e amo Pedreira” (Família

Pedreira, em 15 de abril de 1886)

O exemplo (79), escrito pela prima Anna a Cupertino, mostra uma situação em

que, pela carta, percebe-se que os dois não possuem grande intimidade. Além disso, a

prima escreve ao primo pelo fato dele ser figura política importante que pode resolver

problemas referentes a esse assunto. Então, a carta apresenta expressões que mostram o

distanciamento entre os dois, como presado. Além disso, não é possível identificar

qualquer referência tratamental sem ser o vocativo. É possível que tenha sido esse

contexto, em que o possessivo seu tenha se firmado e, aos poucos, ganhado escopo para

se referir à segunda pessoa do discurso.

O segundo exemplo, (80), mostra que o pronome possessivo teu é empregado,

nesse período, de forma generalizada, até quando o sujeito é você. Esse comportamento,

um tanto diferenciado, até porque os resultados linguísticos mostraram que esse

contexto – cartas em que o sujeito é você – favorecem justamente o pronome seu, indica

que esse pronome não era ainda reconhecido como maneira possível de tratar

diretamente o interlocutor.

Em suma, pode-se concluir que na fase 1 o pronome teu ainda era majoritário. A

forma possessiva seu era mais empregada nas cartas sem quaisquer referências de

sujeito explícito, ou seja, nas cartas em que o tratamento podia ser você, senhor ou outra

forma de tratamento nominal em que predominava um sujeito nulo de terceira pessoa do

singular. Esse tipo de missiva ambígua favoreceu o espraiamento de um possessivo que

ainda resguardava traços de terceira pessoa naquele período de tempo (fins do século

XIX e início do XX).

A seguir apresentam-se os resultados encontrados no segundo período temporal

(1900-1939):

Page 159: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

142

Tabela 34: Faixa etária e a distribuição de seu na fase 2 a depender do sujeito na carta

A tabela aponta que, nesse período temporal (1900-1939), foi possível encontrar

remetentes em todas as faixas etárias. Percebe-se, no entanto, diferenças no que se

refere ao emprego de seu. Primeiramente, nota-se o maior número de ocorrências dessa

forma possessiva de maneira geral: de apenas sete no primeiro corte temporal, tem-se 98

no segundo. Ademais, é possível perceber que seu configura-se como estratégia

categórica em cartas cujo sujeito é você, em quase todas as faixas etárias, sendo

recorrente até mesmo em cartas redigidas por adultos. Por fim, esse pronome passa a

aparecer timidamente em cartas cujo sujeito é tu exclusivo, em todas as faixas etárias, o

que leva a crer que, nesse período temporal, essa estratégia passa a ocupar os contextos

de teu, perdendo, cada vez mais, as características de terceira pessoa, deferência e

distanciamento.

Nesse sentido, a tabela 34 mostra-se fundamental, pois observando apenas o

peso relativo, o mesmo aponta para o favorecimento e desfavorecimento por parte de

algumas faixas etárias em relação ao uso dos pronomes possessivos. No entanto, a

tabela 34 aponta que, com índices maiores em algumas faixas e menores em outras,

jovens, adultos e idosos parecem ter comportamentos similares, passando a empregar

mais nas suas produções o pronome seu, apesar do possessivo teu ainda ter índices

bastantes expressivos. Observam-se a seguir alguns exemplos:

(81) “Minha querida noivinha saudades enfinda | Espero que esta te vá

encontrar em per- | feito estado de saude, eu vou bem graças a | Deus,

a dor que te falei no domingo é que tem | aumentado, não me deixa

descansar. | Em casa continuam todos de ressaca, | hoje vou comprar a

camisa mas só a azul | porque não ganhei dinheiro que chegue para as |

Carta de tu Carta de

você

Carta mista Sem

sujeito

Total

Adulto 1/19 – 5% 4/19 – 21% 0/19 0/19 5/19 – 26%

Jovem 17/657 – 3% 42/657 – 6% 9/657 – 1% 7/657 –

1%

75/657 –

11%

Idoso 6/32 – 19% 1/32 – 3% 7/32 – 22% 0/32 14/32 –

44%

Sem referência 0/92 63/92 – 68% 0/92 0/92 63/92 –

68%

Page 160: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

143

duas, e até sabado vou ver se arranjo para o | bonet, se eu não arranjar

tu vaes me empres- | tar o teu, e tu sabes seu bonet, que é mais |

bonito.” (Casal Jayme e Maria, em 2 de fevereiro de 1937, carta de

adulto)

(82) “Mamãe sem ti é outra, não é mais | alegre como de costume (...)

Deuleu não a vi mais | seu cartão. || Receba muitos | e muitos beijos da

| tua filha || Lisette” (Acervo Oswaldo Cruz, em 10 de janeiro de

1915, carta de jovem)

É possível observar que em ambos os exemplos há emprego tanto de teu quanto

de seu, mesmo quando há sujeito tu expresso e pleno, além de próximo do possessivo,

como no exemplo 90. Tais usos indicam que, no segundo período temporal, as formas

teu e seu estão em variação. Observam-se mais alguns exemplos:

(83) “Affonsinho || Recebi hoje teu cartão pedindo | a tua

correspondência só tem | um cartão de Dona Maria Amalia |

felicitando te pelo teu bonito exame | e ella mandou me contar que | o

Fausto teve distinções em todos | os exames que ja tinha conclui- | do

o curso e que breve iria | tomar conta de alguma pro- | motoria. Queres

os jornaes?” (Família Penna, em 20 de fevereiro de 1899)

(84) “Querido Filho. || Foi grande meu contentamento re- | cebendo o

seu telegramma dizendo estar | restabelecido. Achei que você foi mui-

| to depressa tomar conta do serviço de | via ter esperado ficar mais

forte.” (Família Penna, em 26 de abril de 1926)

Devido ao fato do corpus ser composto por diferentes amostras, é difícil

encontrar missivistas que tenham escrito nos dois períodos temporais. Não obstante,

isso ocorre na amostra da Família Penna, com a escriba Maria Guilhermina Penna, ao

escrever para o seu filho. No exemplo (83), referente ao período temporal 1 (1870-

1899), a missivista emprega o pronome teu/tua, quando tinha 40 anos, ou seja, na fase

adulta. Todavia, tal comportamento não se mantém quando a missivista se torna idosa,

já que Maria Guilhermina passa a utilizar preferencialmente seu/sua.

Em síntese, o segundo período temporal caracteriza-se pela propagação do

pronome seu, mostrando que tal emprego não se detém a uma faixa etária, mas começa

a ser recorrente em todas. Além disso, o possessivo passa a ter um uso especializado, ou

seja, aparece quase que categoricamente nas cartas em que há você sujeito. Entretanto,

apesar de serem poucas ocorrências, seu já aparece em cartas cujo sujeito é tu, o que

indica que, nesse lapso temporal, há variação entre teu e seu nos mesmos espaços

Page 161: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

144

funcionais. É nesse período, aparentemente, que seu passa a perder a deferência e a

indiretividade de Vossa Mercê e passa a ter um uso inovador, isto é, empregado na

referência à segunda pessoa e não mais só à terceira pessoa do discurso.

A tabela a seguir mostra a distribuição de seu no último período temporal (1940-

1979):

Tabela 35: Faixa etária e a distribuição de seu na fase 3 a depender do sujeito na carta

O terceiro período temporal corresponde ao momento em que tanto você

suplanta tu na posição de sujeito, como seu sobrepuja teu. Não obstante, as amostras

que compõem o terceiro período temporal não possuem missivas sem referência à idade

do remetente, nem cartas redigidas por idosos, o que não impede que se verifique que os

resultados observados na tabela 35 dialogam com os resultados anteriores.

Ressalta-se, apesar disso, um comportamento distinto que só essa fase

apresentou, mesmo que apenas através de percentuais. Em todas as rodadas até então, os

adultos eram favorecedores de teu, o que não se mantém nesse período temporal. Na

fase 3, os adultos utilizam mais seu do que teu, sendo esse uso, inclusive, categórico.

Dessa forma os adultos, nesse período temporal, deixam de utilizar o legítimo pronome

de segunda pessoa para empregar em seu discurso o pronome que passou a integrar o

quadro pronominal como forma de segunda pessoa, o que pode ser um indício de

mudança. Quanto aos jovens, vê-se a presença de seu tanto em cartas de você quanto

nas cartas mistas, como mostram os exemplos a seguir:

(85) “Sinto saudadessss até da | sssua vozzzz que apessssar | de feia,

me deixava muito | felizzzzzz. Atualmente | deve estar engraçada

falando | Cataguêz. Alias voce | sempre foi engracada por | sua

redondeza.” (Família Lacerda, jovem, em 15 de setembro de 1978)

Carta de

você

Carta mista Total

Jovem 39/54 – 72% 10/54 – 18% 49/54 –

91%

Adulto 58/58 –

100%

0/58 58/58 –

100%

Page 162: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

145

(86) “O que faço questão é em adquirir as suas “Me- | morias”. Basta

meu querido Embaixador, | Maria e eu enviamos um afetuoso abraço |

a Yolanda e a você || Brandão” (Família Brandão, adulto, em 04 de

abril de 1972)

Ainda é possível encontrar nas cartas dos jovens o pronome possessivo teu,

como se vê abaixo:

(87) “Quero que escrevas para mim dizen- | do como foi teu carnaval

e dizendo o que | voce realmente pensa de nós. Quero que | mande um

abraço na sua mãe, seu pai e | seu irmão. Volto amanhã mesmo para

saqua- | rema, só vim fazer matrícula. Espero que | esteja gostando de

assistir aula nas férias. | Mande um beijinho para a Daniela, gostei

dela.” (Família Lacerda, em 24 de fevereiro de 1977)

O exemplo (87) é interessante por mostrar que, mesmo com a dominância de

você na posição de sujeito e seu como forma possessiva, ainda há, na década de 70,

utilização de tu e teu, como se vê em escrevas e teu carnaval, seguidos por você pensa e

sua mãe, seu pai e seu irmão, o que demonstra a dominância dos últimos pronomes,

mas não o fim inteiramente da variação.

Além disso, como mencionado, esse período temporal configura-se como o

único em que a faixa etária relacionada a adultos favorece o emprego de seu/sua, com

100% de emprego, como se observa no trecho a seguir:

(88) “Estou começando a lêr o seu D. Pedro II, mag- | nifico nada

melhor, vou cancelar o | "Patriarcha da Independencia", quando |

refiro-me a José Bonifacio, o 1º que men- | cionou a "sesmaria do

Pinhal". Vi que seu pai | Pernambucano, como você diz | de 400 anos,

pertencia ao Glorioso Partido | Liberal, de modo que você está como |

Você sabe que em 1901, os monarquistas cons- | piravam. Disse-me o

Pedro que neste ano | João Alfredo foi preso.” (Família Brandão, em

17 de outubro de 1966)

O emprego categórico de você e seu, como se vê no exemplo (88), é um forte

indício de que essas formas pronominais afirmam-se, no período temporal em questão,

como as variantes dominadoras, já que se espraiaram, inclusive, na escrita de adultos,

mostrando a sua incorporação ao discurso corrente. Ademais, nesse terceiro período

temporal, não foram detectadas na amostra de cartas de adultos o uso de teu, o que pode

indiciar que o pronome seu passa a ser reconhecido como a variante mais usual em

Page 163: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

146

referência ao interlocutor nessa faixa etária que tradicionalmente apresenta

comportamento conservador pelas pressões do mercado de trabalho.

Serão apresentados, a seguir, os resultados encontrados na análise do grupo de

fatores parentesco.

Page 164: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

147

2.1.4 - Parentesco

Outro fator social selecionado pelo programa estatístico como relevante à

variação dos pronomes possessivos relacionados à segunda pessoa do singular foi o

grau de parentesco existente entre remetente e destinatário, observando, o grau de

intimidade e as relações de poder estabelecidas entre os interactantes.

Parte-se da hipótese de que a maior proximidade entre os correspondentes,

favoreceria o uso de teu, enquanto as relações em que há maior distanciamento entre os

interlocutores, o seu seria mais frequente. Tal formulação estaria, em princípio,

associada à correlação das formas possessivas aos seus respectivos paradigmas: de tu,

no primeiro caso, e de você, no segundo. Leva-se assim em consideração não só as

questões de Poder e Solidariedade propostas por Brown & Gilman (1960), mas também

o que outros estudos apontaram sobre o emprego de formas de tratamento como

estratégias de polidez que atuam para suavizar os atos de ameaça à face do interlocutor

(BROWN & LEVINSON, 1997).

Souza (2008), por exemplo, ao realizar um estudo comparativo entre português e

espanhol em peças teatrais, mostrou que pronomes de tratamento como Vossa Mercê e

Vuestra Merced “configuravam distanciamento social entre os interlocutores” (p. 124).

Além disso, nas relações assimétricas de superior-inferior, havia uma diversidade maior

de formas empregadas para tratar o colocutor, do que em relações assimétricas de

inferior-superior. Por fim, a autora declara que “apenas a partir das análises de cunho

pragmático perceberam-se os distintos valores que cada forma de tratamento adquire,

confirmando que o uso é que determina a regra.” (p. 125).

Nesse mesmo viés, Arduin (2005), ao estudar especificamente a variação entre

as formas possessivas teu/seu, em corpus sincrônico de fala, mostrou que o pronome teu

é mais produtivo em relações assimétricas de superior-inferior e também nas simétricas.

Assim, na primeira situação, o uso se faz necessário para demonstrar poder e na

segunda, solidariedade (BROWN e GILMAN, 1960). Por outro lado, o pronome

possesivo seu é mais empregado nas relações assimétricas de inferior-superior, o que, de

acordo com a autora, seria um uso “estilisticamente motivado” (ARDUIN, 2015, p.116).

Souza (2012), analisando a variação entre tu e você na posição de sujeito, cria

um continuum que mostra o menor ou maior grau intimidade nas relações estabelecidas

entre os missivistas. Assim, a pesquisadora identificou que as relações de parentesco em

que havia menos intimidade entre remetentes e destinatário – família ampliada (tios,

Page 165: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

148

amigos, primos, avós) – favoreciam o emprego de você. As relações abarcadas no grupo

família nuclear, ou seja, aquelas de consanguíneos advindos do casamento favoreceriam

o emprego de tu se fossem de inferior-superior (filho-pai) ou você se fossem de

superior-inferior (mãe-filho). Já as relações entre casais (casados, noivos e namorados),

por terem alto grau de intimidade, são desfavorecedoras do emprego de você.

Barcia (2006) analisou formas nominais e pronominais de tratamento ao

interlocutor em cartas oitocentistas de leitores cariocas, mineiros e paulistas. Seus

resultados apontaram para comportamento similar ao estudo de Souza (2012): quanto

maior a relação de intimidade entre os missivistas, menor era o emprego de você.

Assim, nas relações de cônjuges/casais, havia maior emprego de tu. Por outro lado,

cartas entre amigos favoreceria o emprego de você. Por fim, em cartas trocadas entre

outros familiares, mesmo com baixas frequências, a estratégia empregada era o vós e o

Vossa Mercê. Nesse sentido, os resultados de Barcia (2006) parecem indicar que, nas

cartas oitocentistas, a forma você era intermediária: não tão íntima quanto o tu, mas não

tão distante quanto vós.

O grau de parentesco mostrou-se como grupo de fatores relevante nessa tese,

uma vez que foi selecionado em três das quatro rodadas: a rodada geral com todos os

dados, a amostra relativa à fase 1 (1870-1899) e aquela referente à fase 2 (1900-1939).

Os resultados, no que se refere a este grupo de fatores, serão apresentados através de

tabelas separadas e não comparativas entre as quatro rodadas, pois, devido ao fato da

amostra ser muito extensa e diversificada, há mais de 20 relações de parentesco

estabelecidas entre remetente e destinatário. Separadamente, as tabelas serão mais

elucidativas. A tabela a seguir elenca os resultados encontrados na rodada geral:

Page 166: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

149

Fatores Aplicação/Total % PR

Marido/Mulher 12/30 40% 0.801

Amigos 61/70 87% 0.820

Avô/Neto 13/15 87% 0.814

Namorado/Namorada

Noivo/Noiva

65/527 12% 0.747

Pai/Filha 7/112 6% 0.589

Tio/Sobrinho 16/54 30% 0.368

Irmão/Irmão 23/32 72% 0.153

Mãe/Filho 46/101 45% 0.140

Pai/Filho 27/72 37% 0.005

Filha/Pai 1/15 7% 0.000

Tabela 36: O parentesco na rodada geral. Valor de aplicação: seu

Na análise geral dos dados, observou-se, a partir dos pesos relativos, o

favorecimento de seu nas seguintes relações de parentesco: marido/mulher (0.801),

amigos (0.820), avô/neto (0.814), namorado/namorada ou noivo/noiva (0.747) e

pai/filha (0.589). Por outro lado, o favorecimento de teu se deu nas seguintes relações:

tio/sobrinho (0.368), irmão/irmão (0.153), mãe/filho (0.140), pai/filho (0.005) e

filha/pai (0.000).

A princípio tais resultados não confirmam as hipóteses iniciais postuladas sobre

o uso da forma possessiva seu em contextos de maior distanciamento e respeito entre os

interactantes, principalmente quando havia diferença de idade e de poder entre eles:

relações entre filhos/filhas e pais ou sobrinhos aos tios, netos aos avós, entre outros. Da

mesma forma, nas relações mais íntimas como entre cônjuges, amigos, haveria

predomínio de teu.

Tal comportamento observado na rodada geral se deve provavelmente ao fato de

que, como é proposto nessa tese, os pronomes possessivos teu e seu teriam valores

diferentes ao longo do tempo. Assim, ao defender que i) o possessivo seu foi assumindo

valores sócio-pragmáticos distintos ao longo do tempo; ii) as relações de Poder e

Solidariedade subjacentes às relações de parentesco se modificaram ao longo do período

analisado; iii) os tipos de parentesco controlados nas cartas analisadas não foram sempre

os mesmos nas fases postuladas; propõe-se, mais uma vez, uma análise pormenorizada

por fases. A descrição dos resultados levará em conta ainda a associação do parentesco

Page 167: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

150

a outros aspectos extralinguísticos, tais como, a presença da consanguinidade que

marcaria mais poder e a questão do gênero do remetente. Seguem, assim, os resultados

relativos a cada fase:

4.2.4.1- Parentesco na fase 1 (1870-1899)

A tabela abaixa demonstra a distribuição das formas possessivas no primeiro

período temporal (1870-1899).

Tabela 37: Relações de parentesco na fase 1 (1870-1899). Valor de aplicação seu

No período referente a 1870 a 1899, as relações entre marido e mulher e pai e

filha mostraram-se favorecedoras da forma possessiva seu/sua, ao passo que missivas

trocadas entre amigos e mãe-filho desfavoreceram o uso do referido pronome

possessivo. Ainda que o número de ocorrências não seja expressivo e que teu tenha sido

o possessivo mais produtivo nessa fase, esses resultados confirmam algumas das

hipóteses postuladas no que se refere, principalmente, ao emprego de teu nas relações

mais simétricas (entre amigos) e assimétricas descendentes (mãe-filho). Com relação ao

favorecimento de seu indicado pelo peso relativo, os resultados sinalizam alguns

aspectos interessantes quanto ao caráter híbrido e polifuncional dessa variante

possessiva no século XIX. Por um lado, tem-se o favorecimento de seu entre marido-

mulher o que pode indicar que tal relação não era necessariamente ‘simétrica” no

período em questão, por outro lado, o peso relativo de 0.537 para pai-filha (relação

assimétrica descendente) dá indícios tímidos de seu atuando nos contextos típicos de

teu.

Outro ponto merece destaque. É possível perceber que, das quatro relações

estabelecidas, duas delas pressupõem figuras femininas como destinatários, o que

poderia indicar que o emprego de seu era favorecido para a manutenção de certo

respeito e distanciamento quando se escrevia para mulheres nesse período. A seguir

seguem-se alguns exemplos do emprego de seu nas missivas:

Parentesco Aplicação/Total % PR

Marido-Mulher 3/20 15% 0.634

Pai-Filha 7/103 7% 0.537

Mãe-Filho 3/9 33% 0.144

Amigos 1/10 10% 0.267

Page 168: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

151

(89) “Diga a sua mãe | que hei de escrever lhe | uma longa carta, e |

lembre me a todos. | Até outra vez.” (Família Cupertino do Amaral,

relação marido/mulher, em 26 de fevereiro de 1886)

(90) “Agradeço-te desde já | a fineza e peço-te, meo caro | Antonico,

que aceites um aper- | tado abraço do | Seo amigo velho e caro |

Alberto Fiacho” (Família Cupertino do Amaral, relação entre amigos,

em 5 de julho de 1895)

Em (89), percebe-se que, apesar de ser uma relação entre um casal de esposos, a

relação entre Cupertino e sua esposa não é íntima e necessariamente solidária, uma vez

que, na despedida, não há expressões que denotem saudade, apenas um “Até outra vez”.

Em (90), o trecho destacado mostra intimidade entre os interlocutores, através de

expressões como “apertado abraço” ou o uso de apelidos, o que, aparentemente, leva a

acreditar no estabelecimento de uma relação mais solidária. No entanto, a carta inteira é

um pedido que Alberto quer que o amigo Cupertino realize, o que seria, nos termos de

Brown e Levinson (1987), um ato que ameaça à face negativa do destinatário. Acredita-

se, dessa forma, que o escriba se utiliza do possessivo seu como uma estratégia de

polidez, entre outras, para reduzir o impacto negativo que seu pedido pode causar.

Aparentemente, no primeiro período, o uso de seu está relacionado à deferência

e, principalmente, a um emprego diferenciado para as mulheres como uma estratégia

que carrega traços de cortesia ou polidez. Para que se tenha um panorama mais

completo dos diferentes graus de parentesco identificados nessa fase, apresenta-se, na

tabela a seguir, o emprego de teu e seu em todas as relações observadas:

Page 169: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

152

Tabela 38: Percentuais a depender das relações de parentesco encontradas na fase 1

A tabela 38 mostra os resultados percentuais em todas as relações de parentesco

estabelecidas na primeira fase. Diferentemente da tabela exclusiva com pesos relativos,

é possível identificar na distribuição geral dos dados que, assim como as mulheres desse

período favoreciam o uso de você, elas também empregavam mais seu/sua. Dos 26

dados encontrados em cartas femininas, 20 ocorrências são de seu, e em duas relações –

avó-neto e prima-primo – há uso categórico dessa forma possessiva. Por outro lado, os

homens são favorecedores de teu/tua, assim como no período em questão, os mesmos

apresentavam índices majoritários de tu.

Nesse viés, é possível afirmar que a utilização das formas possessivas está

intrinsecamente relacionada ao emprego que os missivistas faziam do pronome na

posição de sujeito. Desse modo, percebe-se que os resultados encontrados nas variáveis

gênero e parentesco na fase 1 (1870-1899) não estão em discordância. Observa-se, a

partir de agora, a distribuição das formas possessivas no segundo período temporal:

4.2.4.1- Parentesco na fase 2 (1900-1939)

Fase 1

Relação Teu Seu

Assimétrica

Descendente

(superior-inferior)

Avô-Neto 66

100%

-

Avô-Neta 11

100%

-

Pai-Filho 21

100%

-

Pai-Filha 96

93%

7

7%

Mãe-Filho 6

67%

3

33%

Avó-Neto - 5

100%

“Simétrica”

Marido-Esposa 17

85%

3

15%

Amigo-Amigo 9

90%

1

10%

Namorado/Namorada

Noivo/Noiva 138

100%

-

Prima-Primo - 14

100%

Page 170: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

153

A tabela a seguir aponta os resultados encontrados no segundo período temporal,

compreendido entre os anos de 1900 a 1930. Como discutido anteriormente, nessa fase

a variação entre teu e seu começa a se fazer notar com maior nitidez:

Tabela 39: Relações de parentesco na fase 2 (1900-1939). Valor de aplicação: seu

Os resultados identificados no período 2 (1900-1939) confirmam alguns dos

indícios apontados na fase anterior: o comportamento híbrido de seu ora como estratégia

de deferência ora como variante possessiva de segunda pessoa. Na fase 2, a variante seu

mostrou-se favorecedora em contextos típicos do teu-íntimo: relações assimétricas

descendentes de mãe-filho com 0.994 e de tio-sobrinho com 0.786 de peso relativo.

Entre pai-filho, no entanto, tal uso foi desfavorecido em termos do peso relativo,

embora as frequências indiquem o contrário. Outros graus de parentesco apresentam

resultados inusitados como será demonstrado na tabela a seguir com todas as

ocorrências e percentuais encontrados, o que pode elucidar a análise:

Parentesco Aplicação/Total % PR

Mãe/Filho 41/90 46% 0.994

Tio/Sobrinho 16/54 30% 0.786

Namorado/Namorada

Noivo/Noiva

16/335 5% 0.406

Irmão/Irmão 23/32 72% 0.335

Pai/Filho 27/50 54% 0.001

Filha/Pai 1/15 7% 0.019

Page 171: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

154

Tabela 40: Percentuais a depender das relações de parentesco encontradas na fase 2

Os resultados encontrados na tabela 40 mostram que há um crescimento no

emprego do pronome seu no segundo período temporal. Como mencionado

anteriormente, seu se mostrou bastante presente nas relações assimétricas descendentes.

Nota-se também que apesar de teu ainda ser mais produtivo nas cartas de mãe para

filho, nessa relação, em específico, há um crescimento de 13% de emprego do pronome

possessivo seu, quando são comparados os resultados dos períodos temporais 1 e 2.

Apenas nas relações de pai-filha e mãe-filha teu aparece categoricamente. Por outro

lado, na relação avó-neto, o uso de seu é exclusivo.

Fase 2

Relação Teu Seu

Assimétrica

Descendente

(superior-inferior)

Pai-Filho 23

46%

27

54%

Mãe-Filho 49

54%

41

46%

Tio-Sobrinho 38

70%

16

30%

Pai-Filha 9

100%

-

Avó-Neto - 2

100%

Mãe-Filha 6

100%

-

Assimétrica

Ascendente

(inferior-superior)

Filha-Pai 14

93%

1

7%

Filho-Pai - 10

100%

Filho-Mãe - 10

100%

Simétrica

Namorado/Namorada

Noivo/Noiva

319

95%

16

5%

Noiva/Noivo 145

100%

-

Irmã-Irmã - 4

100%

Irmão-Irmão 9

28%

23

72%

Amantes 27

100%

-

Mulher-Marido 3

100%

-

Marido-Mulher - 7

100%

Page 172: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

155

Assim, é possível inferir que, nas relações assimétricas descendentes,

comparando os resultados encontrados nos períodos 1 e 2, seu passa a ser mais

utilizado, uma vez que, no segundo período temporal, encontram-se 86 ocorrências de

seu/sua, contra apenas 15 no primeiro corte temporal. Esses resultados mostram um

crescimento de 560% no emprego de seu nas cartas de relações assimétricas

descendentes, o que parece ilustrar a propagação ainda tímida de seu como variante de

teu em referência à segunda pessoa. Aparentemente, o pronome possessivo seu não

estivesse mais tão relacionado à cortesia e distanciamento verificado no pronome

seu/sua da fase 1, por isso, também o maior emprego dele de forma geral,

principalmente nas relações assimétricas descendentes.

Nesse segundo período temporal, foram identificadas três relações de parentesco

em que um remetente inferior escrevia a um superior, no entanto, todas elas são filhos

ou filhas escrevendo ao seu pai ou mãe. Como este é um período em que a mudança na

posição de sujeito ainda está em transição, o que se espera, a princípio, é uma relação

menos solidária entre a filha e o pai, uma vez que, há uma hierarquização nessa relação.

Assim, esperava-se encontrar mais formas relacionadas a você, como o pronome seu,

que, nesse caso, explicitaria o respeito e a deferência que essa relação de parentesco

exige no período em questão.

Dessa forma, foram encontradas 21 ocorrências do pronome seu e 14 de teu.

Deve-se ressaltar, no entanto, que em duas relações houve uso categórico de seu: de

filho para pai e de filho para mãe. A única relação em que teu prevalece é quando a filha

escreve ao pai. Tais resultados parecem indicar que, na primeira metade do século XX,

há um hibridismo e uma polifuncionalidade relacionada ao uso do pronome seu, que ora

é mais íntimo, ora marca respeito e distanciamento.

Por fim, ainda no período 2, foram encontradas sete relações simétricas:

namorado/noivo-namorada/noiva, noiva-noivo, amantes, marido-mulher e missivas

trocadas entre irmãos e irmãs. Nas cartas de irmão-irmão, há o maior emprego de seu,

com 72% de frequência, enquanto na relação irmã-irmã há uso categórico do mesmo

pronome. No entanto, cabe comentar as relações amorosas estabelecidas entre

namorado/noivo-namorada/noiva, noiva-noivo, amantes e marido-mulher. Essas

relações de parentesco, geralmente, são marcadas pela intimidade entre os interactantes,

cujas cartas são de cunho mais íntimo. Assim, era esperado o emprego majoritário,

senão categórico, de teu/tua, o que ocorreu em quase todas as relações. Entretanto, na

Page 173: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

156

relação marido-mulher ocorre o inverso: 100% de emprego de seu. O trecho abaixo

ilustra tal emprego:

(91) “Continue a escreval-as | assim, minha Negrinha, pois bem sabe

que | Você é a unica, razão e o unico encanto da mi- | nha vida

attribulada. Você e os [nossos] filhi- | nhos, parte da nossa alma! (...)

Pela sua ultima carta, vejo que Dona | Angelina não pode tardar e

urge [assentarem] | um plano que permitta sua completa sa- | hida da

casa, afim de não crear embaraços. (...) Muitas e muitas saudades aos

de casa. | Beijos aos filhinhos e guarde para | Você o coração

[amantissimo] | do seu | Maridinho” (Família Penna, relação marido-

mulher, em 16 de março de 1914)

É possível perceber, no exemplo (91), o emprego de apelidos como Negrinha e

Maridinho, uso de palavras no diminutivo, como filhinhos, além de comentários sobre a

vida de pessoas próximas, como Dona Angelina, o que configura que a relação

estabelecida entre esse casal é íntima e solidária. O emprego categórico de seu em um

tipo de relação com maior proximidade entre remetente e destinatário é um indício do

espraiamento desse pronome no tratamento ao interlocutor para as relações simétricas.

Observa-se agora os resultados encontrados no terceiro e último corte temporal.

4.2.4.3- Parentesco na fase 3 (1940-1979) e o espraiamento de seu nas

relações simétricas: síntese dos resultados

Na fase temporal 3, relacionada ao período de 1940-1979, não houve fatores

extralinguísticos selecionados, logo, não há peso relativo para as relações de parentesco

nesse interim. Entretanto, como a análise das relações de parentesco estão sendo

analisadas também através da porcentagem, vale observar as ocorrências encontradas

nesse lapso temporal, como ilustra a tabela a seguir:

Tabela 41: Percentuais a depender das relações de parentesco encontradas na fase 3

Fase 3

Relação Teu Seu

Simétrica

Namorado/Namorada

Noivo/Noiva

5

9%

49

91%

Amigo-Amigo - 58

100%

Page 174: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

157

Embora não haja ocorrências de pronomes possessivos em relações assimétricas,

o fato de seu aparecer com índices altos nas relações simétricas indica um emprego

diferenciado desse pronome, se comparado aos dois primeiros lapsos temporais. Os

resultados da fase 3 evidenciam claramente que o possessivo seu se consolida como

uma forma variante de teu, uma vez que assumiu o contexto típico do possessivo

original de segunda pessoa: relações simétricas e solidárias.

Embora não se tenha uma amostra completamente equilibrada em função dos

problemas inerentes aos estudos de sociolinguística histórica, pode-se sintetizar no

gráfico a seguir os resultados relativos ao grau de parentesco/relação simétrica-

assimétrica. O gráfico evidencia um crescimento contínuo no emprego de seu ao longo

dos períodos temporais controlados, em todos os tipos de relações:

Gráfico 8: O crescimento de seu a depender do tipo de relação estabelecida

Nota-se o crescimento no emprego do uso do pronome seu nas relações

assimétricas descendentes da fase 1 para a fase 2 e nas relações simétricas nas três fases.

Assim, a relação assimétrica descendente equivale a 15% das ocorrências no período 1,

passando a 85% de emprego de seu no período 2. Da mesma forma, na relação

simétrica, observa-se o crescimento contínuo de seu: 11% na fase 1, 24% na fase 2 e

65% na fase 3. Ressalta-se que cartas com relação assimétrica ascendente só foram

identificadas no segundo período temporal.

Apesar de não terem sido encontradas as mesmas relações de parentesco ao

longo de toda a amostra, é possível afirmar que os resultados indicam que, no início do

século XIX, havia um predomínio de teu, mas, timidamente, seu vai aumentando e se

difundindo nas diversas relações antes predominadas por teu.

A seguir, serão apresentados os resultados referentes à variável subgênero da

carta particular.

Page 175: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

158

4.2.5- Subgênero da carta particular

Como já comentado no capítulo 3, sabe-se que o gênero denominado carta é um

termo muito extenso e, nesse sentido, abarca em si, diversos subgêneros. A depender da

intenção do emissor, esse gênero acaba possuindo estruturas variegadas, que, inclusive,

recebem denominações diferentes, como o caso da carta particular, carta comercial,

carta do leitor, carta argumentativa, entre outros.

Dessa maneira, na seção 3.5, mostrou-se que, no presente trabalho

consideraram-se três possibilidades de cartas diferentes: (i) cartas pessoais, trocadas

entre interlocutores sem quaisquer laços consanguíneos, como as cartas trocadas entre

amigos; (ii) cartas familiares, escritas por um remetente com grau de parentesco com o

destinatário: pai-filho, irmãos, mãe-filho, etc; (iii) cartas amorosas, aquelas em que os

interactantes mantinham relacionamento amoroso: esposo-esposa, noivo-noiva,

namorado-namorada.

Tal perspectiva de análise baseou-se em outros estudos sociolinguísticos que

identificaram diferenças nas formas pronominais de tratamento a depender da natureza e

do teor dos subgêneros da carta pessoal. Em seu estudo realizado para analisar a

variação entre tu e você, em fins do século XIX e início do século XX, Pereira (2012)

indicou que havia divergência nos resultados a depender do subgênero das cartas, isto é,

em cartas trocadas por casais de temática amorosa havia maior predominância de tu e

formas relacionadas ao paradigma desse pronome, enquanto nas cartas familiares, que

abarcavam assuntos diferenciados e, muitas vezes, não tão íntimos, o uso de você

mostrava-se mais recorrente. Souza (2012) observou que a forma você era mais

frequente em cartas ditas como pessoais (entre amigos), em que, de acordo com a

autora, havia maior distanciamento entre remetente e destinatário. Nas cartas amorosas,

a frequência de você foi extremamente baixa, enquanto que em cartas familiares,

encontrou-se equilíbrio entre as frequências de tu e você.

Seguindo o mesmo viés analítico, observando, porém, as estratégias dativas de

segunda pessoa, Oliveira (2014) constatou que o clítico dativo lhe estava relacionado ao

baixo grau de intimidade entre os interlocutores, por isso, era mais “frequente em cartas

trocadas entre amigos ou pessoas próximas dentro de um dado círculo de convivência

social” (p. 159). Já os sintagmas preposicionados relacionados ao paradigma de tu

(a/para ti) eram mais produtivos em cartas amorosas, com traço romântico mais forte.

Souza (2014) afirma que esse grupo de fatores mostrou-se altamente relevante em sua

Page 176: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

159

análise sobre as estratégias acusativas de segunda pessoa, uma vez que o mesmo foi

selecionado em todas as rodadas estatísticas realizadas em seu estudo. Os resultados

apontaram para o favorecimento do clítico acusativo te em cartas amorosas e familiares,

porém, jamais em cartas pessoais. Estas eram favorecedoras de formas de terceira

pessoa associadas ao paradigma de você, como o/a, você e lhe. A pesquisadora

comprovou, inclusive, que o clítico acusativo lhe teria um maior grau de formalidade

nesse tipo de carta.

Assim, percebe-se que deve haver certo cuidado ao denominar o gênero carta,

porque ele possui subgêneros que, influenciados pelo teor da carta, pela temática e pelo

grau de formalismo, podem intervir nos resultados encontrados. Dessa maneira,

acredita-se que as formas possessivas teu/seu podem variar a depender do maior e

menor graus de intimidade entre remetente e destinatário presentes nos diferentes

subgêneros da carta. Por isso, analisou-se a variação possessiva a partir dessa ótica e,

com certeza, não por acaso, esse foi o penúltimo grupo selecionado pelo programa

estatístico. A tabela a seguir ilustra os resultados encontrados na rodada geral com todos

os dados, uma das rodadas parciais que selecionou o presente grupo de fatores:

Tabela 42: O subgênero da carta particular na rodada geral. Valor de aplicação: seu

Os resultados apontados pela tabela 42, de certa maneira, vão ao encontro do que

mostram Pereira (2012), Souza (2012), Oliveira (2014) e Souza (2014): nas cartas

familiares houve o favorecimento do possessivo seu (0.976), ao passo que nas cartas

amorosas seu uso foi desfavorecido com (0.174). Nas cartas ditas pessoais trocadas

entre amigos, embora tenha havido o desfavorecimento de seu, o índice não é tão baixo

(0.465).

Como mencionado, tais resultados estão intrinsecamente ligados ao grau de

intimidade e proximidade que os interlocutores teriam entre si. Nesse sentido, as cartas

amorosas desfavorecem o emprego de seu, pois a temática romântica traria um tom mais

informal, descontraído e íntimo, como se pode ver no exemplo a seguir:

Fatores Aplicação/Total % PR

Cartas familiares 174/321 54% 0.976

Cartas amorosas 77/734 10% 0.174

Cartas pessoais 84/1376 26% 0.465

Page 177: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

160

(92) “Minha querida noivinha! Alegra-te? | Espero que esta te vá

encontrar | em franco repouso de convalescensa assim como os teus,

(...) Eu andava tão triste por não saber noticias | tuas só tinha recebido

a carta | que escreves-te na segunda feira, ainda hontem | de manhã

esperava que o Nelzi- | nho trouxe-se alguma, não trazia nada, (...) esta

carta não cheguei a mandar, pensei que primeiro devia ir na tua casa, |

talvez tivesse chegado alguma, e guardei | carta já pronta, com

envelope e tudo. | A noite fui a tua casa, (...) ir buscar em ti minha flor

o lenitivo de minha dor que | é o teu amor, quero sorver de teus labios

minha querida | o néctar de um beijo de amor embria- | gador, quero

buscar a minha ventura, olhando para os | teus olhos, vejo de eles (...)

embora tu queiras só o meu amor, ele ja e teu a muito tempo, | tu

mereces muito mais minha flor, sem ti morrerei. (...) Vou satisfazer o

teu pedido, | irei amanhã na festa da Primavera, com o | Antoninho, e

o Dalves, mas talvez | venha embora cedo porque eles vão para | andar

atraz de pequenas e isto não | me interessa, porque só em ti reside |

todo o meu amor, e sei tambem que lá, não irá beleza | que suplante a

tua (...) amanhã irei a tua casa logo de manhã cedo. (...)

Recomendações aos teus, (...) noivinha muitos beijos e abraços deste |

teu noivinho que jamais te esquecerá, | e que depositou todo seu amor

em vocé. | teu tristonho noivinho Jayme O. Saraiva” (Casal Jayme e

Maria, carta amorosa, em 26 de setembro de 1936)

Observa-se que o exemplo (92), correspondente à carta do noivo Jayme à noiva

Maria, possui um tom intimista e próximo. Isso pode ser percebido pelo uso de

diminutivos (noivinha, noivinho), através da referência e o relato de vida de pessoas

próximas aos interlocutores (Nelzinho (...) não trazia nada, irei amanhã na festa da

Primavera com o Antoninho e o Dalves), também devido ao emprego de expressões que

se refiram à amada de modo carinhoso (minha flor, minha querida).

Assim, o teor da carta acarreta no emprego de formas de tratamento que

mostrem, justamente, a proximidade entre o casal. Apesar de estudos como os de Duarte

(1993) e Souza (2012) apontarem que é em torno da década de 1930 que você suplanta o

pronome tu, percebe-se que, em cartas amorosas desse período, há emprego de tu,

inclusive como sujeito pleno. Logo, o pronome possessivo teu é utilizado, nesse caso,

para mostrar a intimidade, informalidade e descontração entre o casal, o que está

relacionado com a temática da carta. O exemplo a seguir ilustra o possessivo teu em

cartas pessoais trocadas entre amigos:

Page 178: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

161

(93) “Meu caro Copertino | Ha dous vapores que não | te escrevo -

por... preguiça e só | preguiça! bem vês, sou réo con- | fesso, devo ser

perdoado. | Não pódes imaginar o pra- | zer que me deste em

communicar- | me que resolveste continuar os | teu curso em São

Paulo; foi uma | excelente resolução. Dou-te os | meus parabens. (...)

Agora soffre as consequencia da tua | böa vontade e gosto. (...) Adeus;

Ludovina se recom- | menda assim como a Dona Elisa a quem | ella

abraça e a quem eu apresento os | meus respeitos. | Abraça a | Amigo

[inint] | Pedro” (Família Cupertino do Amaral, carta pessoal, em 22 de

maio de 1882)

O exemplo (93) mostra que a carta possui tom jocoso, cordial, em que é vista a

camaradagem entre os dois amigos. Nesse sentido, a amizade mostra uma proximidade

entre os dois, o que faz com que o remetente empregue o pronome tu e também a forma

possessiva teu. O emprego dessas estratégias, nas cartas amorosas e pessoais, de acordo

com Brown e Gilman (1960), declara solidariedade em relação ao destinatário,

diminuindo a distância que separa os interlocutores.

Os exemplos a seguir ilustram dados de seu em cartas familiares, trocadas entre

pai e filho:

(94) “Sua carta de 26 encheo meo me de alegria pelas | boas noticias

que trouxe de sua saude e dos | seus. Peço a Deos que continue a

prolegel-os. | Vamos passando sem novidade. || Achei acertada a

operação que Você lembra, | podendo tomar a letra por 3 annos.

Tenho | na Cai[x]a matriz quantia mais que sufficiente (...) Abençoo a

todos e envio muitos beijos aos netinhos. | Do Pai e amigo || Affonso”

(Família Penna, carta familiar, em 29/07/1907)

(103) “Recebi seu cartão e estimei saber | que o encomodo do meu

philosopho foi | passageiro. Aqui todos passam bem, feliz- | mente. ||

Estou a braços com a M[ensagem], | que enfim concluir até 3a ou 4a

feira. (...) Pode mandar dizer a seus ami- | gos de Peçanha que vou

mandar prolon- | gar a linha telegraphica para lá à partir | de S

[Miguel] de [Guanhães] em direcção | a Theophilo Ottoni. É bom que

seja Você | o portador da boa nova. Receba | com Marietta muitos

abraços e bençãos e | beiji por mim aos pequenos.” (Família Penna,

carta familiar, em 27/04/1907)

Todas os exemplos configuram-se como cartas de Affonso Penna a seu filho

Affonso Penna Júnior. Vale lembrar que a relação pai-filho caracteriza-se por ser uma

relação assimétrica, em que o pai exerce poder sobre o filho, devido à posição distinta, o

que justificaria o emprego da forma possessiva seu e do uso de você nas cartas do

missivista. Tais ocorrências podem ainda estar associadas ao caráter misto de algumas

Page 179: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

162

cartas familiares. Nesses exemplos, verifica-se que o remetente faz menção tanto a

aspectos familiares quanto a assuntos políticos, quando em (102) o pai-presidente

comenta: Achei acertada a operação que Você lembra, podendo tomar a letra por 3

annos. Tenho na Cai[x]a matriz quantia mais que suficiente. Em (103), Affonso Penna,

o pai, dá notícias da família, mas aproveita para recomendar ao filho que tome algumas

providências: Pode mandar dizer a seus amigos de Peçanha que vou mandar prolongar

a linha telegraphica para lá à partir de S [Miguel] de [Guanhães] em direcção a

Theophilo Ottoni.

As cartas familiares da amostra apresentam essa dualidade, sendo mais objetivas

em alguns momentos quando tratam de assuntos políticos e de negócios. Nesse

contexto, o emprego da forma você e do pronome possessivo seu configura-se como um

atenuador em favor da polidez negativa, no momento em que confere maior

responsabilidade ao seu interlocutor. Tal uso contribui para um distanciamento maior

entre os interlocutores, criando uma relação simétrica V – V, de acordo com a teoria de

Brown & Gilman (1960).

Nessas cartas, o teor é político, uma vez que Affonso Penna não assume o papel

de pai, mas sim de homem de negócios fazendo solicitações ao filho. Dessa maneira, o

missivista utiliza um tratamento que atenua a polidez negativa de pedir ou ordenar

alguma coisa ao seu filho. Nestes casos, há quase uma imposição e com o intuito de

diminuir a ato de ameaça à face, utiliza-se você que, como mostrou Rumeu (2008), no

período, ainda possuía uma carga semântica de deferência, assim, aparentemente, como

o pronome seu.

Nesse sentido, é interessante observar a distribuição das formas possessivas nas

demais rodadas parciais a fim de comparar os resultados, mesmo que apenas com

percentuais, nas fases 1 e 3, uma vez que a fase 2 selecionou esse grupo de fatores:

Page 180: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

163

Tabela 43: A distribuição de teu e seu a depender do subtipo da carta nas três fases. Valor de aplicação:

seu

Primeiramente, vale lembrar, que de maneira geral, o pronome possessivo teu

possuiu mais ocorrências na amostra. Assim, é natural que as porcentagens relativas ao

pronome seu sejam menores. Além disso, já foi constantemente repetido, ao longo desse

estudo, que as três fases possuem comportamentos diferenciados em relação ao sujeito:

na fase 1 (1870-1899) há predomínio de tu; na fase 2 (1900-1939), há variação acirrada

entre tu e você e na fase 3, a difusão de você como pronome pessoal. Nesse sentido,

aparentemente, os pronomes possessivos teu/seu também seguem esse percurso. É

natural que os índices de seu sejam menores na fase 1 (1870-1899), apresentem-se

maiores na fase 2 e se sobressaiam na fase 3.

No entanto, apesar dessas diferenças percentuais, a tabela 43 confirma as

tendências indicadas pelo peso relativo referente à rodada geral. Verificam-se índices

muito baixos de seu nas cartas amorosas nas fases 1 e 2 (entre 2% e 4%), porém, na fase

3, quando o possessivo seu se dissemina, os índices de frequência atingem 91% nesse

tipo de carta. Interessante observar que as únicas cinco ocorrências de teu na fase 3

ocorrem, justamente, nas cartas amorosas, que se configuraram, sem sombra de dúvidas,

como as mais íntimas entre os três subgêneros estipulados.

Nessa ótica, as cartas pessoais, que também favoreceram o pronome teu no peso

relativo, apresentam altas frequências do pronome nas fases 1 e 2, com 94%, sendo a

fase 3, a única que foge à regra: 100% de emprego de seu.

Fatores Fase 1 Fase 2 Fase 3

Teu Seu Teu Seu Teu Seu

Cartas

familiares

76/98 –

78%

22/98 –

22%

44/171 –

26%

127/171 –

75% –

0.976

- -

Cartas

amorosas

155/158 –

98%

3/158 –

2%

494/517 –

96%

23/517 –

4% –

0.313

5/54 –

9%

49/54 –

91%

Cartas

pessoais

133/148 –

94%

8/148 –

6%

104/111 –

94%

7/111 –

6% –

0.118

- 58/58 –

100%

Page 181: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

164

Por fim, as cartas familiares, únicas favorecedoras de seu nas duas rodadas em

que o grupo foi selecionado, apresentam, também porcentagens diferenciadas dos outros

tipos de cartas. Na fase 1, apesar de o emprego de teu ser maior, seu apresenta 22

ocorrências, atingindo 22% de frequência. Tal resultado é bem maior do que as 11

ocorrências de seu somadas nas cartas amorosas e pessoais, além das porcentagens

serem bem menores. Na fase 2, então, a evidência fica ainda mais forte: o pronome seu

atinge 75% de uso (0.976), o que reafirma que esse tipo de carta favorece o uso dessa

variante. No que tange à fase 3, não foram encontradas cartas cujos interlocutores

tivessem relações consanguíneas.

Os resultados apresentados nessa seção confirmam os estudos de Pereira (2012),

Souza (2012), Oliveira (2014) e Souza (2014), que demonstram a importância de

considerar o subgênero da carta ao analisar variação no tratamento, uma vez que a

temática da carta e o teor da mesma influenciam nas utilizações pronominais. Desse

modo, é possível concluir que os resultados encontrados nesta seção reiteram as

conclusões observadas ao longo desta tese no que se relaciona às fases: nas fases 1 e 2,

o uso de teu está relacionado à intimidade e proximidade entre os interlocutores,

enquanto o pronome seu é empregado em contextos que mostram maior distanciamento

entre os mesmos.

Na próxima seção, serão apresentados os resultados referentes ao último grupo

de fatores: localidade da carta.

Page 182: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

165

4.2.6- Localidade da carta

O último grupo de fatores relacionado a variáveis sociais foi a localidade onde a

carta foi escrita. Ressalta-se que tal grupo foi selecionado em três das quatro rodadas

parciais. Embora os remetentes das cartas fossem oriundos ou tivessem vivido maior

parte de sua vida no Rio de Janeiro, suas cartas foram escritas em lugares distintos. Tal

fato é bastante comum em um corpus constituído por cartas, uma vez que a troca de

correspondência para estabelecer o contato e buscar notícias se dá, muitas vezes, quando

as pessoas estão longe do seio familiar ou do círculo de amigos original. O controle

diatópico da origem do documento se justifica ainda pelo fato da existência de

diferentes subsistemas de tratamento coexistentes no português brasileiro como

mostram Scherre et al (2015) para a sincronia e Lopes et al (2015) para a diacronia.

Nesse sentido, quer-se verificar se haveria alguma diferenciação na distribuição das

formas possessivas a depender de onde as cartas foram produzidas, isto é, da localização

dos remetentes. O objetivo é, basicamente, ver se os usos locais no que se refere às

formas de tratamento poderiam influenciar na escolha de uma forma possessiva em

detrimento de outra.

A amostra é constituída por cartas escritas em diferentes localidades, tais como:

(i) Minas Gerais; (ii) Bahia; (iii) Rio de Janeiro; (iv) Santa Catarina; (v) Rio Grande do

Norte; (vi) Sergipe; (vii) Ceará; (viii) fora do país; (xv) sem localização. Como a

hipótese norteadora do trabalho é a de que a evolução da variação das formas

possessivas está intrinsecamente relacionada às alterações na posição de sujeito,

encontra-se aí o primeiro empecilho para explicar os resultados de maneira mais

definida. Nesse sentido, não é possível afirmar categoricamente como se deu a

distribuição do sujeito em todos esses locais, ao longo do período temporal apresentado

nessa tese. Primeiramente, porque não há estudos de variação que contemplem,

necessariamente, todas as localidades, no decorrer de mais de um século, precisamente

em cartas pessoais44.

Tendo em vista a perspectiva laboviana de que através da observação do

desenvolvimento de um fenômeno linguístico no presente pode-se inferir um processo

que ocorreu no passado pelo fato de a mudança ser constante, optou-se por verificar

44 Está em vias de publicação um estudo feito por Lopes e pesquisadores vinculados ao Projeto PHPB

(Para a História do Português Brasileiro) que dará um panorama histórico das formas de tratamento de 2ª

pessoa na posição de sujeito e na de complemento verbal em algumas localidades do Brasil: Rio de

Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Santa Catarina.

Page 183: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

166

resultados sincrônicos de pesquisa em busca de vestígios que ajudem a explicar os

resultados encontrados na diacronia. Embora não haja um mapeamento descritivo

completo da atual situação dos subsistemas pronominais de tratamento do português

brasileiro que contemplem todo o território nacional, no que tange os estudos

sincrônicos sobre essa variação, Scherre el alii (2015) realizaram uma síntese dos

estudos de variação tu/você no Brasil. As autoras apresentaram uma descrição, em que

propõem a existência de seis subsistemas de tratamento no Brasil: (i) você, (ii) tu

(concordância baixa), (iii) você/tu (sem concordância), (iv) tu (concordância média), (v)

você/tu (concordância muito baixa) e (vi) você/tu (concordância médio/baixa).

Para os fins de um estudo diacrônico, Lopes e Cavalcante (2011) rediscutem os

subsistemas de Scherre et al (2009), reduzindo-os a três subsistemas que não levam em

conta a presença ou ausência de concordância: (i) tu, (ii) você e (iii) tu/você. De acordo

com as autoras, tais subsistemas podem ser sintetizados da seguinte maneira:

i. No subsistema de você, é possível identificar o uso majoritário do pronome-

sujeito você e suas variantes (ocê, cê, etc), com 97% a 100% de frequência.45

ii. O subsistema de tu agregaria dois outros: o de concordância baixa e o de

concordância média. No primeiro, o emprego do pronome tu apresenta taxas

acima de 80% de frequência, mas com concordância abaixo de 10%.46 No

segundo, há emprego de tu sujeito com índices de concordância maiores do que

40%. Embora nesta concepção haja dois subsistemas de tu, a discrepância entre

ambos são as diferentes frequências de concordância. Nesses casos, a presença

de tu não é categórica, mas seu predomínio é com índices acima de 76%.47

45 Este subsistema abarcaria algumas cidades da região Sudeste, como Belo Horizonte, Montes Claros,

Uberlândia, Arcos, no estado de Minas Gerais e na capital do Espírito Santo, Vitória; em Curitiba, capital

do Paraná, na região Sul do Brasil, que teve forte afluxo de paulistas; e na região Nordeste, em particular

no estado da Bahia, em Salvador, Helvécia e Rio de Contas. 46 O emprego de tu com baixa concordância foi identificado, segundo o levantamento de Scherre et al, em

cidades da região Sul, principalmente no Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Flores da Cunha, Panambi,

São Borja e Pelotas) e em uma localidade da região Norte (Tefé no Amazonas). 47 O terceiro subsistema está presente na região Sul, sendo identificado nas cidades de Florianópolis e

Ribeirão da Ilha que ficam em Santa Catarina; no Nordeste do Brasil, em São Luís do Maranhão, embora

os percentuais ainda não estejam disponíveis, e na região Norte, na cidade de Belém (capital do Pará).

(Cf. Loregian 1996: 65; Loregian-Penkal 2004: 136; 167; Soares e Leal 1993: 51 apud Lopes e

Cavalcante 2011: 9). Cabe ressaltar que este subsistema também poderia ocorrer nas outras localidades

em que o tu é predominante com baixa ocorrência de concordância.

Page 184: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

167

iii. Os outros três subsistemas elencados por Scherre et al (2009) foram

considerados dentro de um grupo só por Lopes e Cavalcante (2011). Neles

houve sempre a coexistência de você e tu na mesma comunidade, só que com

taxas de frequência diferenciadas: a) equilíbrio entre os dois pronomes pessoais

e baixa concordância com o pronome tu (perto de 1%)48; b) variação entre os

dois tratamentos, mas uma maior utilização de você (30% a 95%)49 e c) variação

tu/você, mas a concordância com o pronome tu é acima de 10%.50

Em síntese, os resultados encontrados em diferentes estudos sincrônicos

mostram que na maior parte do Brasil, a nova forma pronominal você é a mais

produtiva, sendo o tratamento categórico em quatro das cinco regiões brasileiras. No

entanto, cabem as ressalvas: (i) em Belo Horizonte (Minas Gerais), Vitória (ES), São

Paulo (SP), Curitiba (PR), Salvador (BA) entre outras localidades, o você é a forma

única de tratamento; (ii) No Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF), Santos (SP), São João da

Ponte (MG) e algumas localidades da Bahia (Cinzento, Sapé, Poções, Santo Antônio), a

forma você concorre com o pronome tu; (iii) há predomínio de tu em áreas muito

pontuais no sul do Brasil.

Como os estudos sincrônicos reunidos por Scherre et al (2015) e os estudos

parciais feitos a partir de cartas de sincronias passadas produzidas no Rio de Janeiro (cf.

SOUZA, 2012; PEREIRA, 2012; SILVA, 2012, LOPES et al, 2015) demonstraram, o

subsistema de tratamento no Rio de Janeiro é misto contemplado pela coexistência de tu

e você na posição de sujeito. Uma das questões a ser respondida é se há diferenças no

emprego das formas possessivas a depender da localidade de onde o missivista escreve.

Será que é possível detectar alguma influência do tratamento local na escrita dos

remetentes em análise? No tocante aos possessivos em particular, as escolhas entre teu e

seu acompanham o que está previsto para a posição de sujeito? Embora haja outros

fatores em jogo que não foram controlados aqui, como o tempo de afastamento e o local

48 Localizado apenas na cidade de Chapecó, em Santa Catarina. (cf. Loregian-Penkal 2004: 133; 137; 167

apud Lopes e Cavalcante 2011: 9) 49 Observado no Distrito Federal e Grande Brasília (região Centro-Oeste); no Rio de Janeiro (RJ), Santos

(SP), São João da Ponte (MG) (região Sudeste). No Nordeste, só há dados de localidades da Bahia

(Cinzento, Sapé, Poções, Santo Antônio) e no Sul, em particular no Paraná, ocorreria em áreas bilíngues.

apud Lopes e Cavalcante 2011: 9) 50 Identificado na região Sul, principalmente em Santa Catarina, nas cidades de Blumenau e Lages e em

diversos estados da região Nordeste: Pernambuco (cidade de Recife), Paraíba (João Pessoa e Campina

Grande), Ceará (Fortaleza), Piauí (Teresina), Imperatriz (Maranhão). (Cf Lorengian (1996: 65), Loregian-

Penkal (2004: 137 e 167), Bezerra (1994: 115), Soares (1980), Herênio, (2006: 76-79) apud Lopes e

Cavalcante 2011: 9).

Page 185: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

168

de nascimento do missivista, é preciso considerar que o local de escritura da carta foi

sistematicamente selecionado em todas as rodadas multidimensionais: rodada com todos

os dados da amostra, rodada da fase 1 (1870-1899) e da fase 2 (1900-1939).

Para uma análise comparativa, foram reunidos na tabela a seguir os resultados de

todas as rodadas realizadas. Tentar-se-á explicar a variação entre as formas possessivas

teu/seu a partir do que se sabe da atual sincronia:

Tabela 44: A distribuição de seu a depender da localidade da carta em todas as rodadas

A tabela 44 mostra que nem sempre as mesmas localidades se repetiram nas

rodadas parciais, com exceção do Rio de Janeiro, de São Paulo e das cartas sem

localização.

Primeiramente, é importante ressaltar que, devido ao pequeno número de dados,

em alguns casos, peso relativo e porcentagem não são correspondentes. Além disso, em

todas as rodadas, as cartas sem qualquer informação sobre sua localidade não

favoreceram o emprego de seu: 0.190 na rodada geral, 0.115 na fase 1 e 0.009 na fase 2.

Por outro lado, as cartas redigidas fora do Brasil favorecem o uso desse possessivo:

0.949 na rodada geral e 1.000 na fase 1. Os dois fatores têm em comum, o fato de as

respectivas porcentagens acompanharem o peso relativo. Observam-se alguns

exemplos:

Rodada geral Fase 1 Fase 2 Fase 3

Fatores Seu Seu Seu Seu

Fora do

Brasil

12/28 – 43% –

0.949

1/4 – 25% –

1.000

– –

Minas

Gerais

18/38 – 47% –

0.724

– 18/27 – 67% –

0.094

Rio de

Janeiro

251/1018 – 25%

– 0.604

7/192 – 4% –

0.821

120/697 – 17%

– 0.857

107/112 – 95%

São Paulo 15/35 – 43% –

0.289

3/19 – 16% –

0.393

12/16 – 75% –

0.598

Sem

localização

31/245 – 13% –

0.109

15/161 – 9% –

0.115

6/45 – 13% –

0.009

Page 186: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

169

(95) “Muito penhorado agradeço os amaveis | felicitações pelo meu

aniversario natalício, en- | viados na sua carta de 22, aqui chegada | no

dia proprio. (...) Seu pai saberá | fazer o regimem que lhe concerve a

saude, | necessaria aos seus. Desejo que todos [inint] | continuem bem.

| Faço votos sinceros pela sua prosperidade | [inint] com amizade |

Washington Luis” (Fundo Washington Luis, carta escrita em Nova

Iorque, em 26/10/1946)

(96) “Affonsinho | Recebi hoje teu cartão | pedindo a tua

correspondência | só tem um cartão de Dona Maria | Amalia

felicitando te pelo teu | bonito exame (...) Queres os jornaes? | Deves

levar o Alexandre no | dia 28 sem falta para elle come- | çar os estudos

no dia 1o de | Março; não fique esperando | não adie nem um dia.”

(Família Penna, sem localização, em 20/02/1899)

A partir da análise dos exemplos (95) e (96), percebe-se que só é possível

explicar a variação entre as formas possessivas pelo tratamento na posição de sujeito e

não pelo local onde a carta é escrita. Em (95), observa-se que não há sujeito explícito na

carta, o que acaba influenciando o missivista a empregar outras formas pronominais que

não mostrem diretividade. Assim, o autor da carta utiliza o possessivo seu, que, por

estar relacionado a um paradigma de terceira pessoa, é uma forma menos direta de tratar

o interlocutor. Por outro lado, em (96) a missivista utiliza o pronome possessivo teu,

enquanto, no decorrer da carta, ela também emprega formas verbais relacionadas à

segunda pessoa (queres, leves).

A tabela 45 também demonstra que as cartas redigidas no estado de Minas

Gerais, na rodada geral, favorecem o emprego de seu com índice de 0.724, o que

dialoga com os estudos sincrônicos sobre a variação na posição de sujeito, visto que o

emprego de você predomina nessa localidade. Por outro lado, na fase 2, o possessivo

seu é desfavorecido (0.094), mesmo tendo 67% das ocorrências:

(97) “Querido Affonsinho | Cocaes 11 de 8bro de 1907 | Recebi a sua

carta que muito estimei por sa- | ber que com Marietta e Sobrinhos

gosão saude. (...) Fico certo da sua boa instrução sobre as nomeações |

do Beijito e do Manoel filho do Ferreira e logo | que [ficessi] a estrada

te mandarei um cartão com | os nomes para providenciares como

tambem não | te esquecerás dos de Santa Barbara para que sejão de pre

| ferencia empregados em menos fornecimentos | de documentos etc

pois bem sabes que presentemente | só tem sido empregados os de

Caethe, pois hoje | estamos em epoca ultra protecionista. (...) | Eu sua

tia e [Primos] te en- | viamos e Marietta saudozas visitas um beijo aos |

[Sobrinhos] e um abraço de Tio e Amigo Certo | Neca” (Família

Penna, carta escrita em Minas Gerais, em 11 de outubro de 1907)

Page 187: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

170

Interessante observar, no exemplo (97), que, mesmo o missivista empregando

formas verbais referentes ao pronome tu (providenciares, esquecerás, sabes), o mesmo

utiliza seu/sua como forma possessiva, o que comprova que a fase 2 é o momento de

maior variação e mescla das formas pronominais.

É preciso destacar também que a tabela demonstra que o estado de São Paulo é

desfavorecedor do pronome seu em duas das três rodadas parciais: 0.289 na rodada

geral, 0.393 na fase 1, passando a 0.598 na fase 2. Cabe ressaltar que, como já

comentado, no período temporal 1, há maior predomínio de tu sujeito e, por

conseguinte, de teu, assim, o resultado na primeira fase temporal é completamente

justificável: pequeno uso do pronome seu (16%). Na fase 2, período temporal de disputa

pronominal mais acirrada, percebe-se que as cartas redigidas no estado passam a

favorecer o possessivo seu, também, no número de ocorrências: 75%. Esse resultado

para a variação das formas possessivas converge com os resultados referentes à posição

de sujeito na sincronia. Assim, talvez, se houvesse cartas escritas em São Paulo na fase

3, momento de ascensão do pronome você e do possessivo seu, essa hipótese seria

melhor sustentada.

Por fim, a tabela 45 ilustra o favorecimento de seu em cartas escritas no Rio de

Janeiro, que é o estado que possui mais ocorrências em todo o corpus. Assim, na rodada

geral, o possessivo é favorecido com índice de 0.604, na fase 1 e 2 os índices são

parecidos: 0.821 e 0.857, respectivamente. Chama atenção, no entanto, a quantidade de

ocorrências de uma fase para outra: de apenas sete, no primeiro corte temporal, para 120

na segunda fase, o que mostra o aumento gradativo do uso dessa forma possessiva. Na

fase 3, embora este grupo não tenha sido selecionado, há o predomínio de seu, com

95%.

Tais resultados, mais uma vez, dialogam com o que se vê na sincronia: o Rio de

Janeiro é um estado que se configura, de acordo com Lopes e Cavalcanti (2011), como

um subsistema de variação entre tu/você na posição de sujeito, com maior incidência do

segundo pronome. Assim, a fase 3, embora contabilize ocorrências até a década de

1970, mostra que tal coexistência também abrange os pronomes possessivos.

Page 188: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

171

5- Conclusão

Apesar de problemas enfrentados na constituição da amostra, bem como na

distribuição das ocorrências, o que é, sem dúvidas, uma das consequências de se fazer

um estudo histórico, foi possível desenvolver discussões ao longo desta tese. Assim,

baseando-se na análise dos resultados obtidos através da distribuição das estratégias

possessivas de referência à segunda pessoa, em função de diversos aspectos linguísticos

e sociais, em cartas pessoais, dos séculos XIX e XX, que compõem o corpus em estudo,

foi possível responder a alguns questionamentos outrora levantados e que foram as

diretrizes desta tese.

Volta-se nesse primeiro momento para as perguntas gerais que serviam de ponto

de partida para o presente estudos:

(i) Como se dá a distribuição das formas variantes teu/tua e seu/sua nos

séculos XIX e XX (1870-1970)?

A distribuição global, na amostra, mostrou o predomínio de teu sobre seu. Assim

sendo, das 1.376 ocorrências de pronomes possessivos encontradas, 76% correspondiam

a teu (1041 dados), enquanto 24% representavam seu (335 dados). Entretanto, uma

investigação mais pormenorizada da variação das formas possessivas mostrou que essa

distribuição não se deu de forma igualitária ao longo dos 100 anos de estudo: do século

XIX até o final da década de 1930 há o maior emprego de teu, porém, a partir da década

de 1940, há a maior utilização, muitas vezes categórica, de seu na amostra.

(ii) O possessivo seu realmente acompanha a entrada de você no sistema

pronominal? Em que contextos morfossintáticos e discursivo-

pragmáticos?

O objetivo central do presente estudo foi analisar a variação entre as formas

possessivas teu e seu, tentando elucidar quais contextos mostraram-se favorecedores

para a inserção de seu, antes pertencente ao paradigma de terceira pessoa, no trato ao

interlocutor. Nesse sentido, não se pode afirmar que enquanto o pronome você inseria-se

no quadro de pronomes do português brasileiro, ao mesmo tempo, o possessivo seu

passava a referir-se à segunda pessoa. Em verdade, os resultados delineados nesta tese

Page 189: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

172

parecem apontar para o efeito “dominó” já tão comentado por diferentes linguistas: a

entrada de você funciona como um gatilho para diferentes mudanças pronominais que

ocorreram e ocorrem no sistema. Assim sendo, não se pode afirmar de forma categórica

que o pronome seu acompanha a entrada do pronome você no sistema pronominal, mas

seu só passa a referir-se à segunda pessoa a partir do momento em que você entra nesse

sistema como variante de tu.

Além disso, é impotante ressaltar que o presente estudo aponta para a presença

de três fases distintas de comportamento no que tange o emprego de seu. Nessa

perspectiva o uso do pronome seu é favorecido de forma diferente a partir do momento

que, lingusticamente, o próprio pronome adquire novos valores de uso.

(iii) Por que o comportamento dos possessivos de segunda pessoa se

diferencia dos demais pronomes? Por que formas acusativas e dativas do

paradigma de você tendem a ter implementação nula ou limitada,

enquanto a forma possessiva seu/sua mostra-se produtiva?

Segundo estudo de Oliveira (2014) e Souza (2014), uma das hipóteses para o

baixo emprego de formas dativas e acusativas ligadas ao paradigma de você é,

justamente, a carga semântica de deferência e distanciamento que o emprego de lhe, por

exemplo, causa ao interlocutor. O pronome seu, no corpus analisado, apresentou

indícios de semântica respeitosa ou reverente apenas no primeiro lapso temporal

estudado, isto é, 1870-1899. Conforme seu emprego vai aumentando na amostra,

observa-se um comportamento neutro. Dessa maneira, o pronome tanto apareceu em

contextos em que a intimidade entre remetente e destinatário era latente, quanto em

contextos em que era perceptível a falta de proximidade entre os interlocutores. Assim,

percebe-se que o distanciamento causado pelo uso de formas dativas e acusativas

relacionados ao paradigma de você, não se manteve com seu. Nesse sentido, talvez, o

que tenha feito com que o pronome possessivo permanecesse no sistema pronominal, de

forma bastante produtiva, inclusive, é a sua neutralidade e capacidade de estar presente

em diferentes situações comunicativas.

(iv) Quais os fatores linguísticos e extralinguísticos importantes para entender

a variação entre teu e seu?

Page 190: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

173

No presente trabalho foram controlados 16 grupos de fatores que poderiam

mostrar-se relevantes à variação entre teu e seu ao longo de 100 anos. O programa

estatístico Goldvarb selecionou quatro grupos de fatores linguísticos como importantes

– sujeito na totalidade da carta, tipos de posse, traço de gênero do possessivo e

animacidade do sintagma possessivo – e seis grupos de fatores extralinguísticos –

período histórico, gênero, faixa etária, parentesco, subgênero da carta particular e

localidade da carta. Importante ressaltar que esses foram os grupos de fatores

selecionados na amostra somando todas as rodadas parciais.

A partir dessa escolha estatística, pode-se afirmar que, na presente pesquisa, os

grupos de fatores extralinguísticos parecem ter um peso maior para entender a variação

existente entre teu e seu.

(v) É possível afirmar que o possessivo seu/sua, assim como o pronome você,

possui uma faceta polifuncional?

A faceta polifuncional do pronome você vem, sobretudo, dos estudos sincrônicos

sobre a variação tratamental na atualidade, seja através de corpora oral ou escrito.

Assim, buscou-se observar se o pronome possessivo seu teria, na diacronia,

comportamento polifuncional atribuído ao pronome você. Os resultados observados

nesta tese parecem indicar um comportamento idiossincrático, ainda não visto em

outros subtipos pronominais: a possibilidade de estar em contextos mais ou menos

informais sem que o pronome possessivo seja o grande marcador da presença ou falta de

intimidade entre os interlocutores. Assim, na verdade, é possível afirmar que tal qual o

pronome você, o pronome possessivo seu possui um caráter neutro.

A partir de agora será realizada uma síntese dos resultados encontrados em cada

grupo de fatores controlados. A ordem aqui presente seguirá a mesma sequência

disposta na tese: análise dos grupos de fatores linguísticos e a posteriori os grupos de

fatores extralinguísticos.

- Os grupos linguísticos

(a) Sujeito na totalidade da carta

Esse grupo de fatores mostrou-se relevante, pois demonstrou que,

aparentemente, o emprego dos pronomes possessivos está intimamente ligado ao uso do

pronome sujeito utilizado nas missivas. Dessa forma, como esperado, nas cartas em que

Page 191: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

174

havia o emprego exclusivo do pronome tu houve a utilização da forma possessiva teu,

ao passo que nas cartas cujo sujeito era você, havia o emprego de seu.

A análise do peso relativo apontou para o favorecimento do pronome seu em

cartas sem sujeito explícito e o seu desfavorecimento em cartas em que havia mescla de

tu e você na posição de sujeito. No entanto, a análise qualitativa dos dados revelou que,

na verdade, quando havia mistura dos pronomes sujeitos, havia uma tendência geral à

mescla em todos os subtipos pronominais, incluindo os pronomes possessivos.

Ademais, nas cartas sem sujeito explícito, o emprego do pronome possessivo era

definido pelo teor das cartas. Assim, missivas que expressavam maior intimidade e

proximidade entre os interlocutores tendiam ao uso de teu, enquanto que cartas em que

ficava latente o maior distanciamento entre remetente e destinatário, geralmente, havia

emprego de seu.

(b) Tipos de posse

A análise do grupo de fatores tipos de posse mostrou alguns resultados

interessantes. O primeiro deles é a comprovação de que os conceitos clássicos de

alienabilidade e inalienabilidade não são suficientes para dar conta das várias nuances

existentes no que tange o sentido de posse. Assim, a proposição de uma nova

classificação para a tipologia de posse, em posses alienáveis, inalienáveis e estensão do

sentido de posse foi acertada, já que se conseguiu observar uma distribuição

diferenciada de teu e seu.

Os resultados apontaram um uso mais produtivo de seu com posses alienáveis e

posses com seu sentido estendido, o que está intimimamente ligado à concretude do

nome, ao passo que as posses inalienáveis mostraram-se mais resistentes ao emprego de

seu como forma de relacionar-se à segunda pessoa. Nesse sentido, é possível afirmar

que o pronome seu, perdendo os traços de terceira pessoa e, cada vez mais, sendo usado

no emprego ao interlocutor, teve seu uso inicialmente marcado nas ditas posses

clássicas, ou seja, naquelas em que um bem é transferível a outro possuidor.

(c) Traço de gênero do possessivo

Esse grupo de fatores não possuía hipótese a ser testada e, com ele, apenas

verificou-se que, as formas possessivas femininas foram mais produtivas na amostra.

(d) Animacidade do sintagma possessivo

Page 192: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

175

Segundo estudo de Huerta Flores (2009), para o espanhol, quando se trata de

hierarquia de posse, possuidor e possuído encontram-se me polos opostos. Dessa forma,

nas posses clássicas, o possuidor possui traço [+humano] e controla a coisa possuída,

que é [-humano]. A autora mostra que contruções diferentes dessas só passam a ser mais

frequentes a partir do século XVI. Nesse sentido, postulou-se que o pronome seu,

conforme sendo empregado como forma de segunda pessoa, tem, cada vez mais, seu

emprego relacionado a sintagmas com traço [inanimado]. Os resultados encontrados

corroboraram o estudo de Huerta Flores (2009): o pronome seu, à medida que passa a

ser empregado na referência à segunda pessoa, é mais utilizado em contruções atípicas,

isto é, com sintagma possessivo [inanimado].

- Os grupos extralinguísticos

(a) Período histórico

A variável período histórico foi imprescindível na tentativa de mostrar que o

pronome possessivo seu acompanha o pronome você e sua entrada no sistema

pronominal. A análise dos resultados apontou que assim como Souza (2012) identificou

três fases no processo de inserção de você, o mesmo aconteceu com as formas

possessivas no presente estudo.

Pode-se verificar que o pronome teu é empregado como única forma de referir-

se ao interlocutor entre os anos de 1870 a 1899, assim como o pronome tu era a

estratégia preferida no mesmo período. Por outro lado, você e seu apareciam em

contextos específicos, o que faz com que se possa afirmar que, no final do século XIX,

teu e seu não podem ser consideradas variantes, pois não ocorriam nos mesmos

contextos de uso.

No início do século XX, identificou-se que seu passa a ter um número de

ocorrências mais expressivo, passando a se configurar como uma variante do pronome

teu, já que os pronomes passam a ocorrer nos mesmos contextos sintáticos e

discursivos. Souza (2012) aponta o mesmo comportamento com os pronomes tu e você.

A partir da década de 1940, é possível observar o predomínio de seu no corpus,

muito embora teu não tenha desaparecido. É a partir dessa década que Souza (2012)

afirma que você passa a ser mais recorrente na amostra, passando a configurar-se como

um pronome pessoal. Assim, é possível afirmar que a inserção da forma você no quadro

de pronomes do português brasileiro foi crucial para que seu seja uma forma produtiva.

Page 193: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

176

(b) Gênero

A análise da variável gênero no primeiro lapso temporal mostrou que o pronome

seu não era uma forma estigmatizada, uma vez que, em um primeiro momento, o

pronome mostrou-se mais produtivo em cartas de mulheres ilustres, o que traz indícios

de que a forma tinha certo prestígio.

Cabe lembrar que, no segundo corte temporal, o pronome seu não está presente

apenas em cartas de mulheres ilustres, mas também em cartas masculinas ilustres, além

de aparecer timidamente em cartas de homens não-ilustres. Tal distribuição, mais uma

vez, parece sinalizar para o prestígio que o pronome tinha.

Tal resultado confirma o princípio Ia de Labov (1994), reformulado nessa tese:

as mulheres tendem, em processo de mudança em direção ao prestígio, a usarem formas

linguísticas prestigiadas ou menos estigmatizadas.

(c) Faixa etária

Com a análise desse grupo de fatores, objetivava-se verificar se havia diferença

no emprego de teu e seu a depender da faixa etária dos missivistas. Os resultados

apontaram para conclusões esperadas: como a implementação de seu no trato ao

interlocutor é uma mudança em progresso, os jovens apareceram no corpus como

inovadores, por favorecerem o uso dessa variante. Por outro lado, os adultos são os

maiores desfavorecedores ao emprego de seu, passando a empregá-lo de forma

disseminada e desmotivada apenas na fase 3, ou seja, quando seu tem utilização

majoritária na amostra. Na análise variável, os idosos aparecem como favorecedores ao

uso de seu, mas uma análise mais minuciosa mostrou que tal favorecimento se dá no

período de 1870-1899, em que o emprego desse possessivo ainda está relacionado ao

uso de você motivado e prestigioso.

(d) Parentesco

Não foi possível, ao longo dos 100 anos analisados, encontrar as mesmas

relações de parentesco na amostra, mas os resultados apontaram para um crescimento

tímido do pronome seu, tanto nas relações simétricas quanto assimétricas ascendentes e

descendentes estabelecidas.

(e) Subgênero da carta particular

Page 194: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

177

Os resultados encontrados na análise desse grupo de fatores corroboraram os

resultados referentes à análise de outros subtipos pronominais, como clíticos e dativos.

Assim, as cartas amorosas, em que, em geral, encontra-se maior intimidade entre os

interlocutores, mostraram-se como desfavorecedoras ao emprego de seu, já as cartas

pessoais, trocadas entre amigos, está no limiar entre favorecimento e desfavorecimento

do pronome, enquanto as cartas familiares, trocadas entre pessoas com relações

consanguíneas, favorecem o emprego de seu na amostra.

(f) Localidade da carta

A análise desse grupo de fatores mostrou que o mesmo estava bastante

dependente de outros grupos analisados na amostra, principalmente o sujeito na

totalidade da carta. Nesse sentido, controlar o pronome sujeito que aparecia nas

missivas mostrou-se mais relevante do que identificar onde a carta foi escrita, uma vez

que os resultados encontrados na amostra não dialogaram com os resultados sincrônicos

sobre variação pronominal e localidade.

Os resultados encontrados nesta tese apenas delineiam a variação entre as formas

possessivas teu e seu em um recorte temporal de 100 anos, em que se verificou o

crescimento tímido, porém contínuo do pronome seu como estratégia de referência à

segunda pessoa. Há, sem sombra de dúvidas, ainda muitos questionamentos a serem

desenvolvidos e respondidos sobre o tema.

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Page 211: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

194

7- Anexos

Nesta seção são apresentadas todas as palavras que foram coletadas para que se

pudesse fazer a nova classificação para a variável tipos de posse.

Quadro 2: Palavras alienáveis na fase 1

Alienável | Fase 2 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto

Carta 67 41 1

Alienável | Fase 1 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto

Carta 44 11 2 5

Cartão 2

Casa 6

Correspondência 1

Residência

1

Apólices 1

Brinquedos 1

Leito 1

Paletó 1

Presentes 1

Quarto 1

Letras 6 1 1

Sorte 1

Atenção

1

Negócios 1

Bronquite 1

Estado 1

Consórcio 1

Fama 1

Ósculo

1

Prendas 1

Festa

1

Lições 1

Total 73 15 4 5

Page 212: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

195

Cartão

1

1

Correspondência

1

Residência 1

Bilhete 1

Boné 1

Caderneta

2

Caixa

1

Carteira 1

Chapéu

1

Dinheiro

2

Escrivaninha

1

Fantasia 1

Malas 1

1

Missal 1

Sobretudo

1

Telegrama 3 1

Toalhas

1

Retrato 11 2

Alcova 1

Nome

2

Coisinha 1

Beijo 7

1 1

Fruto

1

Ser 1

Vapor 1

Missas 1

Festa 1

Magistério 1

Ministério 1

Título

1

Serviços

1

Despesa 1

Lado 4

2

Ortografia 1

Congregação 1

Perfumes 1

Estado 6

Page 213: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

196

Favor

1

Cânticos 1

Olhar 2

Zona

1

Negócios 1

Conta

3

Total 121 61 8 3

Quadro 3: Palavras alienáveis na fase 2

Alienável | Fase 3 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto

Carta

16

5

Cartão

3

Casa

2

1

Carro

1

Currículo

1

Lista

1

Livro

1

Prédio

1

Prefácio

3

Foto

3

Voz

1

Peso

1

Carnaval

1

Ano

2

Redondeza

1

Tempinho

1

Recado

1

Frase

Hospitalidade

1

Total 0 39 1 7

Quadro 4: Palavras alienáveis na fase 3

Inalienável | Fase 1 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto

Parentesco

Prima

3

Page 214: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

197

Marido 13

4

Irmão 4

Avô 11

Afilhada 1

Tio 3 1

Tia 3

Tia-avó 1

Mãe 31 1

Padrinho 1

Esposo 1

Amo

1 1

Ama 1

Baroneza 1

Amigo 15

1

Filha 1

Cunhada 1

Escravo 1

Filho 2

Companheiros 1

Mestre 1

Superiores 1

Família

1

Total 94 7 5 1

Quadro 5: Palavras inalienáveis na fase 1 (Parentesco)

Inalienável | Fase 1 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto

Partes do corpo

Coração 2

1

Pés 2

Mãos 2 1

Braço 1

Total 7 1 1

Quadro 6: Palavras inalienáveis na fase 1 (Partes do corpo)

Inalienável | Fase 1 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto

Page 215: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

198

Quadro 7: Palavras inalienáveis na fase 1 (Outros tipos de posse)

Outros

Boa vontade 1

Felicidade

1

Alma 4

Idade 2

Inteligência 1

Razão 1

Fé 1

Mente 1

Aniversário 1

Futuro 1

Desejo 2 1

Saudades 4

Total 19 1 1

Inalienável | Fase 2 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto

Parentesco

Mãe 36 3 2

Irmão 29 7 3 1

Pai 10 21 1 2

Tia 8 4 2 1

Tio 1

Familiares 1

Filha

1

Amigo

Irmã 4 1 1 2

Discípula 1

Proprietária

1

Avó

1

Padrinho 1

Diretor 1

Noivo 38

4

Cunhado 1

Desconhecido

1

Noiva 17

Page 216: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

199

Quadro 8: Palavras inalienáveis na fase 2 (Parentesco)

Quadro 9: Palavras inalienáveis na fase 2 (Partes do corpo)

Amante 1

Amado 2

Amo 1

Pais 9

Família 2

Total 163 38 15 6

Inalienável | Fase 2 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto

Partes do corpo

Mão 5 1 2 1

Coração 11 1

1

Lábios 5 1 1

Olhos 6

2

Peito 1

1

Braços 4

Cérebro 1

Boca 1

Faces 1

Corpo

1

Total 35 3 5 4

Inalienável | Fase 2 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto

Outros

Tristeza 1

Felicidade 1

Experiência

1

Dignidade

1

Carinho 5

Virtude 1

Zelo 1

Ausência 9

Amor 10

1 1

Vulto 1

Page 217: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

200

Quadro 10: Palavras inalienáveis na fase 2 (Outros tipos de posse)

Quadro 11: Palavras inalienáveis na fase 3 (Parentesco)

Imagem 1

1

Presença 1

Vida 3

Saúde 1

1

Aniversário 1

1

Dádiva 1

Beleza 1

Audição 1

Lágrimas 4

Saudades 14

1

Total 57 1 3 4

Inalienável | Fase 3 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto

Parentesco

Mãe

1

Pai

2 1 1

Irmão

1

1

Pais

1

4

Ex-namorado

1 1

Namorado

1 1

Colega

1

Amigo

4

Colaboradora

1

Filhos

3

Primo

1

Conhecida

1

Família

2

Total 0 17 3 9

Inalienável | Fase 3 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto

Outros

Jeito

1

Preguiça

1

Page 218: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

201

Quadro 12: Palavras inalienáveis na fase 3 (Outros tipos de posse)

Quadro 13: Extensão do sentido de posse na fase 1

Memórias

2

Saudades

2

2

Total 0 5 0 3

Extensão | Fase 1 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto

Restabelecimento

1

Encontro

1

Existência 1

Vinda 1

Desejo 2

1

Expressão 1

Viver 1

Amor 2

Sentir 1

Carícias 1

Estudo 3

Companhia 1

Esquecimento 1

Saída 1

Martírio 1

Separação 1

Chegada 2

Ausência 2

Volta 3

Trabalho 1

Conduta 1

Alimentação 1

Notícias 4

Total 32 2

1

Extensão | Fase 2 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto

Retirada 1

Instrução

1

Page 219: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

202

Merecimento

1

Procura

1

Trabalho 2

Aprovação 1

Resposta 2 1 1

Lembrança

1

Nomeação

1

Posição

1 1

Descrição

1

Suposições

1

Prática

1

Esforço

1

Respeito 2 1 1

Aviso

1

Dividendo

1

Vinda

1

Informação

1

Relações

1

Subida

1

Poder

1

Recomendações

1

Partida 1

Impressão 1

Opinião 1

Benção 1

Intenção 4

2

Companhia 1

Orações 1

Deveres

1

Ditos 1

Dedicação 1

Pedido 2

Resolução 1

Almoço 1

Obrigação 1

Sentimento 1

Encomenda

1

Page 220: Pronomes possessivos de segunda pessoa: a variação teu/seu em

203

Quadro 14: Extensão do sentido de posse na fase 2

Quadro 15: Extensão do sentido de posse na fase 3

Notícias 7 2 1

Total 33 21 8 1

Extensão | Fase 3 Teu Seu Teu / Misto Seu / Misto

Desaparecimento

1 1 1

Viagem

1

1

Falta

2

Fiscalização

1

Trabalho

1

Casamento

1

Impressão

1

Respeito

1

Prosa

1

Interferência

1

Aprovação

1

Opinião

1

Notícias

1

Total

14 1 2