Upload
buinhi
View
215
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO
CENTRO DE CINCIAS JURDICAS E ECONMICAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM POLTICA SOCIAL
MESTRADO EM POLTICA SOCIAL
MNICA PAULINO DE LANES
PROJOVEM TRABALHADOR NO MUNICPIO DE SERRA-ES:
ANLISE DE CONCEPES, AES E POLTICAS SOCIAIS PARA
A JUVENTUDE
VITRIA
2013
MNICA PAULINO DE LANES
PROJOVEM TRABALHADOR NO MUNICPIO DE SERRA-ES:
ANLISE DE CONCEPES, AES E POLTICAS SOCIAIS PARA
A JUVENTUDE.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Poltica Social Mestrado em Poltica Social, da Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Poltica Social. Orientador: Prof. Dr. Rogrio Naques Faleiros.
VITRIA
2013
Dados Internacionais de Catalogao na publicao (CIP)
Lanes, Mnica Paulino, pr ano de nascimento- 1976 L267p ProJovem trabalhador no municpio de Serra/ES: anlise concepes, aes e polticas sociais para a juventude / Mnica Paulino Lanes. - Vitria (ES), 2013.
151 f. Orientador: Rogrio Naques Faleiros.
Disseratao (Mestrado) Programa de Ps-Graduao em Poltica Social, Universidade Federal do Esprito Santo, Centro de Cincias Jurdicas e Econmicas.
1. Polticas Sociais 2. Juventude e trabalho I. Lanes, Mnica Paulino II. Faleiros, Rogrio Naques III. Universidade Federal do Esprito Santo. Centro de Cincias Jurdicas e Econmicas. IV. Ttulo.
CDU 36
MNICA PAULINO DE LANES
PROJOVEM TRABALHADOR NO MUNICPIO DE SERRA-ES:
ANLISE DE CONCEPES, AES E POLTICAS SOCIAIS PARA
A JUVENTUDE.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Poltica Social Mestrado em Poltica Social, Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Poltica Social. Orientador: Prof. Dr. Rogrio Naques Faleiros.
Aprovada em 13 de Setembro de 2013.
COMISSO EXAMINADORA
____________________________________________ Prof. Dr. Rogrio Naques Faleiros Universidade Federal do Esprito Santo Orientador ____________________________________________ Prof. Dr Vania Maria Manfroi Universidade Federal de Santa Catarina ____________________________________________ Prof. Dr Edinete Maria Rosa Universidade Federal do Esprito Santo
Dedico este estudo a todos (as) os/as jovens das periferias brasileiras
AGRADECIMENTOS
difcil sintetizar o que significou todo o processo. Foram momentos muito intensos,
de alegrias, realizaes, descobertas, conquistas, mas tambm de lgrimas,
decepes, perdas, conflitos e sacrifcios... Muitas madrugadas de estudo, em frente
ao computador, e tantas outras, buscando solues para as situaes frente as
quais nos deparamos na pesquisa. Mas valeu a pena! As marcas me ajudaram a
crescer. Por isso, tenho muito a agradecer.
Primeiro a Deus e espiritualidade, sempre presentes em todos os momentos, seja
no silncio das madrugadas, ou no silncio turbulento dos dias.
Darcy, minha me; Catarina, minha filha e Arthur meu sobrinho, por terem
suportado os momentos mais tensos, estressantes e as dificuldades financeiras,
sempre com alegria e bom humor! minha irm, Cludia, que mesmo de longe e a
seu modo, cuida de mim. Aos meus irmos que torceram por mim, sempre. Amo
todos vocs!
Aos amigos da Fraternidade Esprita de Laranjeiras (Feslar) e da Federao Esprita
do Esprito Santo (Feees) pela compreenso, cuidado e as boas vibraes durante
esses anos. O carinho de vocs foi sempre um aquecedor nos momentos mais
difceis.
Aos amigos novos e os antigos que encontrei na turma de mestrado 2011 do
Programa de Poltica Social da UFES. bom encontrar solidariedade e amizade. As
nossas discusses sempre foram muito produtivas e enriquecedoras. Ter feito parte
dessa turma fez toda diferena para mim.
Ao meu orientador pela ousadia em aceitar o desfio de uma nova temtica de
pesquisa; pelas contribuies sempre pertinentes e o apoio incondicional em todo o
processo.
Ao Programa de Ps-Graduao em Poltica Social da UFES, em especial Adriana
e Keydma.
Obrigada Camila Taqueti pela partilha de alguns textos que foram essenciais para
a pesquisa.
s professoras Edinete Maria Rosa e Vanda Valado pelas contribuies na
qualificao que nos permitiram observar outros ngulos e aprofundar outros
aspectos direcionando a pesquisa.
professora Vania Maria Manfroi por ter me apresentado a temtica de juventude,
evidenciando a pesquisa como um instrumento da prtica profissional e de mediao
para compreender a realidade.
Aos jovens do ProJovem Trabalhador de Serra, em especial aos jovens do bairro
Vila Nova de Colares, com os quais trabalhei diretamente. Peo desculpas por no
poder, por razes alheias nossa vontade, expressar nesse estudo as suas falas,
desejos e anseios. Estar com vocs foi muito importante para o processo da
pesquisa, mas, sobretudo, foi extremamente prazeroso. Aprendi muito com cada um
de vocs; com suas histrias de vida e de luta; com a alegria, ironia e rebeldia com
que lidaram com todas as dificuldades. Somos pares na vida!
equipe da Secretaria Municipal de Trabalho, Emprego e Renda de Serra e
equipe do Instituto Mundial de Desenvolvimento e Cidadania (IMDC).
Agradeo aos professores da banca pela disponibilidade e contribuies para o
estudo.
No poderia deixar de agradecer ao professor Reinaldo Carcanholo que tive o
prazer de conhecer na graduao, estudando Marx, em sala de aula e no Grupo
Rosa Luxemburgo. Reencontr-lo no mestrado foi extremamente enriquecedor.
Ainda posso ouvir sua voz grave na sala de aula! Saudades...
s minhas queridas amigas Sislene, Lvia e Jorgelene. Vocs no estavam aqui
presencialmente, mas contraditoriamente estavam, pois, desejei muito que
estivessem. Fazer junto muito melhor! Amo muito vocs!
E, finalmente agradeo Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel
Superior (CAPES) pelo financiamento que permitiu a realizao desta pesquisa.
Muito obrigada a todos vocs! Entrei no programa de mestrado acreditando que faria
um grande mergulho; saio dele tendo a certeza de que apenas molhei as pontas dos
ps!
Agosto de 2013.
Mnica Paulino de Lanes
A utopia est l no horizonte. Me aproximo dois
passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez
passos e o horizonte corre dez passos. Por mais
que eu caminhe, jamais alcanarei. Para que serve
a utopia? Serve para isso: para que eu no deixe
de caminhar.
Eduardo Galeano
RESUMO
Esta dissertao de mestrado tem por objetivo analisar o programa ProJovem
Trabalhador de Serra-ES identificando as concepes de juventude presentes,
buscando capturar se essas concepes influenciam nas aes do programa no
municpio. Para isso iniciamos o trabalho com uma discusso sobre as
configuraes histricas e atuais sobre as polticas sociais, especialmente das
polticas de juventude no Brasil. Realizamos ainda uma pesquisa bibliogrfica sobre
as concepes juvenis desde os anos 1950 buscando problematizar a categoria
social juventude de forma ampla. Para identificar as concepes no municpio,
realizamos entrevistas com a equipe tcnica que executa o programa, bem como
pesquisa documental. Os resultados indicam que apesar dos avanos nas polticas
de juventude, h aspectos que ainda precisam ser superados tais como: a
fragmentao, a superposio das aes pblicas, a descontinuidade administrativa,
a insuficincia de oramento e a despreocupao com as pesquisas e no
construo de indicadores sociais slidos; sendo extremamente necessrio e
urgente abrir os canais de dilogo com a juventude, de modo a construirmos uma
poltica que represente os interesses juvenis. Identificamos, ainda, que o programa
a expresso sntese das polticas sociais descentralizao, privatizao e
focalizao. No que se refere s concepes de juventude no programa ProJovem
Trabalhador de Serra percebemos que ainda sobressai a percepo de juventude
como sintoma de problema social, como consequncia do contexto no qual o
programa se insere.
Palavras-chave: Polticas Sociais. Juventude e Trabalho.
ABSTRACT
This dissertation aims to analyze the program Projovem Worker Serra-ES identifying
conceptions of youth present, seeking to capture whether these conceptions
influence the actions of the program in the city. For this work began with a discussion
of the historical and current settings on social policies, especially of youth policies in
Brazil. We also performed a literature search about the conceptions youth since the
1950s seeking to confront the social category of youth broadly. To identify the
concepts in the municipality conducted interviews with the crew that runs the
program, as well as documentary research. The results indicate that despite
advances in youth policies there are aspects that still need to be overcome such as
fragmentation, overlap of public actions, the lack of administrative, insufficient
budget, lack of concern with research and not construction of social indicators solid;
being extremely necessary and urgent to open channels of dialogue with youth in
order to build a policy that represents the interests of youth. Identified, further, that
the program is an expression synthesis of social policies - decentralization,
privatization and focusing. With regard to the concepts of youth in the program
ProJovem Worker Sierra realized that still stands the perception of youth as a
symptom of social problems as a result of the context in which the program operates.
Keywords: Social Politic. Youth and Work.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Perfil dos Programas ............................................................................... 19
Quadro 2 - Programas para Juventude no perodo de 1999 a 2002 ......................... 53
Quadro 3 - Programas para Juventude em 2011 ...................................................... 57
Quadro 4 - Evoluo do perfil do preso no Brasil no perodo de 2005 a 2011 .......... 85
Quadro 5 - Distribuio dos jovens de 16 a 29 anos ocupados segundo posio na
ocupao, Brasil e Grandes regies 2009............................................................... 104
Quadro 6 - Distribuio da carga horria ProJovem Trabalhador ........................... 113
Quadro 7 - Carga horria Qualificao social.......................................................... 113
Quadro 8 - Perfil dos Instrutores ............................................................................. 114
Quadro 9 - Arcos Ocupacionais ............................................................................... 115
Quadro 10 - Saldo de emprego formal nas famlias ocupacionais que mais geraram
empregos para as mulheres jovens 16 a 29 anos Brasil 2010 ................................ 115
Quadro 11 - Saldo de emprego formal nas famlias ocupacionais que mais geraram
empregos para os homens jovens 16 a 29 anos Brasil 2010 .................................. 116
Quadro 12 - Atendimento das modalidades do ProJovem Integrado ...................... 119
Quadro 13 - Nmero de Jovens cadastrados no ProJovem 2010 ........................... 122
Quadro 14 - Proporo de jovens cadastrados que tem algum membro da famlia
que recebeu auxlio do governo .............................................................................. 124
Quadro 15 - Renda familiar do Jovem cadastrado no programa 2010 .................... 125
LISTA DE SIGLAS
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
CEJUVENT - Comisso Especial de Polticas Pblicas de Juventude da Cmara dos
Deputados
CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina
CONJUVE - Conselho Nacional de Juventude
CRAS Centro de Referncia em Assistncia Social
CTJ Cmara Tcnica de Juventude
EC Emenda Constitucional
ECRIAD Estatuto da Criana e do Adolescente
FMI Fundo Monetrio Internacional
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IDH ndice de Desenvolvimento Humano
OIT - Organizao Internacional do Trabalho
ONG Organizao No Governamental
ONU- Organizao das Naes Unidas
PEC Projeto de Emenda Constitucional
PL Projeto de Lei
PPJ Poltica Pblica de Juventude
Pronasci - Programa Nacional Segurana com Cidadania
SENAI Servio Nacional de Aprendizagem Industrial
SETER - Secretaria de Trabalho, Emprego e Renda
SNJ - Secretaria Nacional de Juventude
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura
UNICEF - Fundo das Naes Unidas para a Infncia
12
SUMRIO
1 INTRODUO E CONSIDERAES METODOLGICAS .................................. 13
1.1 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ............................................................ 17
CAPTULO 1 - POLTICAS SOCIAIS E AS POLTICAS DE JUVENTUDE NO
BRASIL ..................................................................................................................... 25
1.1 POLTICA SOCIAL: GNESE E FUNDAMENTOS ............................................. 25
1.2 POLTICA SOCIAL NO BRASIL: BREVES CONSIDERAES ......................... 34
1.3 POLTICAS DE JUVENTUDE NO BRASIL ......................................................... 50
CAPTULO 2 - AS CONCEPES DE JUVENTUDE E SEUS IMPACTOS NAS
POLTICAS ............................................................................................................... 63
2.1 FAIXA ETRIA .................................................................................................... 63
2.2 PERSPECTIVA GERANCIONAL E PERSPECTIVA CLASSISTA ..................... 66
2.3 MORATRIA SOCIAL E MORATRIA VITAL .................................................... 71
2.4 CONCEPES DE JUVENTUDE: DE 1950 ATUALIDADE ............................ 74
2.5 AS CONCEPES NAS POLTICAS DE JUVENTUDE ..................................... 78
CAPTULO 3 - PROJOVEM TRABALHADOR: AES E CONCEPES ............ 93
3.1 JUVENTUDE E TRABALHO ............................................................................... 93
3.2 APRESENTANDO O PROJOVEM .................................................................... 105
3.3 PERFIL DO JOVEM INSERIDO NO PROJOVEM ............................................ 122
3.4 CONCEPES DE JUVENTUDE NO PROJOVEM TRABALHADOR DE SERRA
................................................................................................................................ 125
3.4.1 Juventude como problema .......................................................................... 126
3.4.2 Juventude como moratria social .............................................................. 128
3.4.3 E a juventude como sujeito social? ............................................................ 131
4 COSIDERAES FINAIS .................................................................................... 134
REFERNCIAS ....................................................................................................... 138
APNDICE A - QUESTIONRIO PARA PESQUISA EM CAMPO ........................ 148
APNDICE 2 - DADOS PARA COLETAR COM A GESTO ................................ 149
QUESTIONRIO COM JIVENS - PESQUISA EM CAMPO ................................... 150
13
1 INTRODUO E CONSIDERAES METODOLGICAS
O interesse pela temtica de juventude surgiu na graduao quando me inseri no
Ncleo de Estudos de Juventude e Protagonismo (NEJUP)1 onde estagiei por 1 ano,
iniciando as discusses sobre o assunto, que se estenderam no estgio da
Prefeitura Municipal de Serra, junto Secretaria de Direitos Humanos no
Departamento de Juventude (SEDIR).
Depois de graduada, o contato com a temtica se deu no Projeto Mulheres da Paz
de Vitria. Esse projeto uma das aes do Programa Nacional de Segurana com
Cidadania (PRONASCI), carro-chefe da poltica de Segurana Pblica no Brasil. Um
dos objetivos do projeto mencionado a reduo dos ndices de violncia atravs do
trabalho conjugado entre as mulheres da paz e os jovens inseridos no Projeto de
Proteo dos Jovens em Territrio Vulnervel (PROTEJO)2.
O contato com as comunidades, denominadas de Territrios de Paz (Forte So Joo,
Ilha do Prncipe e Grande So Pedro) e com a rede de atendimento nos colocou
algumas questes: de que forma a juventude percebida nesse e em outros
programas? Como problema? Como criminosa? Quais os canais de participao
desse jovem de periferia? Quais as possibilidades de lazer? Como esse jovem se
percebe?
Assim, nos aproximamos das perguntas norteadoras deste estudo: qual a concepo
de juventude nas polticas de juventude? Elas contribuem para fortalecer uma viso
de juventude que estigmatiza a juventude?
Com o objetivo de compreender os possveis nexos, buscamos pensar como as
polticas so concebidas, com quais objetivos, como so executadas, relacionando o
momento em que se deu a exploso da temtica juventude, e a ampliao das
aes voltadas para esse segmento populacional. Assim, identificamos que a partir
1Ncleo criado em 2003 e vinculado ao Departamento de Servio Social e Mestrado em Poltica
Social da UFES. 2 Projeto vinculado ao Ministrio da Justia, cujo objetivo maior prestar assistncia, por meio de
programas de formao e incluso social, a jovens adolescentes expostos violncia domstica ou urbana ou que vivam nas ruas (MINISTRIO DA JUSTIA, 2013).
14
dos anos 1990 houve um aumento significativo das intervenes para a juventude,
em grande parte, estabelecendo uma vinculao entre juventude e violncia.
As primeiras experincias dessa dcada emergem como resposta aos altos ndices
de mortes juvenis (a juventude vista como ator principal nos casos de homicdios,
seja como autor, seja como vtima) e, ainda, por conta da repercusso do
assassinato do ndio Galdino por jovens da classe mdia, em Braslia, no ano de
1997 (SPOSITO, 2003). tambm nesse perodo que a classe jovem atingiu os
maiores ndices de desemprego. Segundo Quiroga (2001), 45% do desemprego
desse perodo estava entre o pblico desse segmento.
Apesar das polticas juvenis no terem sido demandadas pela juventude, surgindo
com a funo de minimizar a potencial ameaa juvenil (SPOSITO, 2003), nesse
perodo houve muitos avanos no campo das polticas de juventude no Brasil,
quando se organizaram as primeiras conferncias e a Poltica Nacional de
Juventude comea a ser estruturada e discutida. Alguns espaos so criados como o
Conselho Nacional de Juventude e a Secretria Nacional de Juventude, vinculadas
diretamente Presidncia da Repblica.
De 1999 a 2002 houve uma grande exploso de polticas destinadas para o pblico
juvenil, contudo, nos questionamos qual o real objetivo delas: [...] manter a paz
social ou preservar a juventude? Controlar a ameaa que os segmentos juvenis
oferecem ou consider-los como seres em formao ameaados pela sociedade e
seus problemas? [...] (SPOSITO; CARRANO, 2003, p. 19).
Considerando que elas emergem num perodo de contrarreforma do Estado, de
redefinio das polticas sociais, no podemos desconsiderar o impacto do
neoliberalismo sobre tais polticas que j carregam um histrico estigmatizador do
jovem. Por esta razo, entendemos que tal processo faz parte do processo de
naturalizao da questo social e de criminalizao do pobre (IAMAMOTO, 2007;
NETTO; BRAZ, 2006; WACQUANT, 2007).
por esta razo que Abramo (1997, p. 30) assegura que no por acaso que a
problematizao da juventude vem sempre presidida do medo, que segundo ela,
15
uma [...] categoria social frente qual se pode (ou deve) tomar atitudes de
conteno, interveno ou salvao, mas com a qual difcil estabelecer uma
relao de troca, de dilogo, de intercmbio.
Carrano (2012) lembra que os jovens foram vistos como possibilidade de corrupo
dos costumes na dcada de 1950 (a juventude transviada); como foco de agitao e
subverso da ordem nos anos de 1960 e 1970; como promotores e vtimas de
situaes de violncia nos anos de 1980 e 1990, e hoje, como sujeitos vulnerveis
diante do desemprego, da desocupao e da quebra de vnculos institucionais. Para
o autor at mesmo essa preocupao com o desemprego juvenil revela uma viso
que associa o desemprego dos jovens com o risco em potencial do envolvimento
deles com o crime ou trfico de drogas. Isto porque as jovens sempre viveram
situaes de desemprego e esse dado nunca foi preocupante. Carrano (2012) afirma
que tais representaes so dominantes em determinados perodos, mas
transcendem as prprias pocas, e em determinadas situaes so encontradas
hibridizadas em concepes do presente.
O atual contexto das polticas sociais interfere significativamente no modo como a
juventude concebida, pois, as aes para esse segmento ainda so vistas como
"caixinhas", cada esfera defendendo a sua, o que impede o dilogo, coloca as aes
em disputa e ainda prejudica a construo de um projeto mais amplo de
transformao do pas que agregue as bandeiras especficas (SPOSITO, 2012).
Tal fragmentao corrobora com a manuteno do abismo entre as concepes e as
prticas. Como lembra Carrano (2012) surge o jovem temtico como expresso do
pblico-alvo: o jovem-aluno, o jovem-filho, o jovem-infrator, a jovem-me, a
jovem-que-no-queremos-que-seja-me, o jovem-rural. Essa diviso resulta em
um dualismo: de um lado polticas que atendem demanda da juventude, e de
outro, polticas que expressam interesses do mundo adulto.
Podemos dizer que as polticas de juventude, em sentido geral, comeam mais na
esfera dos direitos e menos na dos problemas sociais (SPOSITO, 2012). Contudo,
ainda [...] no se constituram em suportes suficientes para que os jovens brasileiros
possam viver com dignidade o tempo de juventude e, tambm, caminhar em
16
transies no to acidentadas para a autonomia da vida adulta [...], isto porque
permanecem aspectos como a fragmentao, a superposio das aes pblicas e
a descontinuidade administrativa, a insuficincia de oramento, a despreocupao
com as pesquisas e no construo de indicadores sociais slidos (CARRANO,
2012, p. 231).
Para analisar o ProJovem Trabalhador no municpio de Serra e identificar as
concepes de juventude nesse programa propusemos este estudo. Foi um grande
exerccio, pois, no h muitas pesquisas e produes acerca dos impactos das
concepes de juventude nas polticas voltadas a esse segmento. Assim, apesar de
trabalhoso, se revelou necessrio, pois, de fundamental importncia conhecer
como a juventude pensada na construo e elaborao das polticas.
Outro aspecto extremamente relevante foi sobre a configurao das polticas sociais
na atualidade, expressas no primeiro captulo deste estudo, destacando a gnese e
as configuraes delas na contemporaneidade no ProJovem Trabalhador, quais
sejam: privatizao que separou a formulao da execuo das polticas, cabendo
ao Estado, a formulao e s instituies privadas, a execuo; descentralizao
quando a gesto municipal recebe a responsabilidade de executar as aes e
programas que foram planejadas na esfera Federal; focalizao a destinao dos
servios sociais aos comprovadamente pobres. Esse trinmio das polticas sociais
atuais a expresso e explicao do ProJovem Trabalhador de Serra, e com
certeza no s o de Serra. Tais caractersticas marcam profundamente o programa,
e reforam o modo de conceber a juventude.
Dividimos este estudo em trs captulos. No primeiro apresentamos a discusso
sobre poltica social abordando a sua emergncia no contexto, bem como as
configuraes no Brasil contemporneo, buscando capturar o momento em que as
polticas de juventude surgem e as conformaes atuais.
No segundo captulo apresentamos o resultado da pesquisa bibliogrfica sobre as
concepes de juventude, enfatizando-a como uma categoria social complexa que
possui mltiplas faces: regional, de gnero, de orientao sexual, de classe, pois,
entendemos que esse reconhecimento que permite o contraponto aos velhos
17
discursos que associam juventude violncia ou reproduzem que a juventude atual
no to avanada como a de outrora (SPOSITO, 2012).
Apresentamos no terceiro captulo, a discusso sobre trabalho e mercado de
trabalho dos jovens, para em seguida, expor o ProJovem Trabalhador de Serra e o
perfil do jovem inserido no programa em mbito brasileiro. Encerramos o captulo
apresentando as concepes de juventude no municpio, relacionando as
concepes encontradas em mbito local com as concepes discutidas no captulo
anterior. Aqui se evidenciou os impactos das configuraes das polticas sociais
contemporneas, mostrando todos os limites enfrentados.
1.1 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS
A finalidade de uma pesquisa conhecer a realidade, ou minimamente oferecer
caminhos para o conhecimento dessa realidade. No entanto, o resultado desse
processo est condicionado metodologia utilizada para trilhar o caminho de
desvelamento dessa realidade. Ao fazer tal afirmao queremos dizer que
metodologia no apenas um conjunto de etapas coordenadas para se alcanar o
objetivo, mas tambm, e acima de tudo, uma opo terica, que vai nortear o
caminho metodolgico e o modo como o pesquisador ir se apropriar das
informaes e percepes colhidas no caminho para explicar, ou buscar explicar,
essa realidade.
Nossa opo metodolgica se deu pelo mtodo crtico-dialtico, pois, essa
abordagem terica nos permite uma maior aproximao com a realidade, na
aparncia e essncia, uma vez que o sujeito procura [...] reproduzir idealmente o
movimento do objeto, extrai as suas caractersticas, reconstruindo-o no nvel do
pensamento como um conjunto rico de determinaes que vo alm das suas
sugestes imediatas (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p.38).
O conhecimento para o mtodo crtico-dialtico no se d atravs da sobreposio
do objeto ao sujeito, tampouco do sujeito ao objeto, mas num movimento dinmico
onde [...] o homem conhece a realidade medida que ele cria a realidade humana e
18
se comporta antes de tudo como ser prtico [...] (KOSIK, 2002, p.28)3.
Para tal abordagem, a realidade entendida como uma unidade dialtica e
contraditria que se constitui em aparncia e essncia, e que na cotidianidade a
aparncia (ou fenmeno) esconde a essncia, mas no o elimina e nem impede o
seu desvelamento. Assim, necessrio primeiro conhecermos o fenmeno para
chegarmos essncia, fato que se torna possvel, pois esse movimento feito a
partir da prpria realidade, capturando o seu movimento (KOSIK, 2002).
Nesse sentido, buscamos compreender a totalidade dos fenmenos. Totalidade,
segundo Kosik (2002, p. 44) significa a [...] realidade como um todo estruturado,
dialtico, no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjunto de fatos)
pode vir a ser racionalmente compreendido [...]. A totalidade no a soma de todos
os fatos, no o real, e sim, um aspecto do real: que nos leva concreticidade.
Para esse autor, acumular todos os fatos no significa ainda conhecer a realidade, e
todos os fatos (reunidos em conjunto) no constituem, ainda, a totalidade. Logo,
para Kosik (2002) a totalidade concreta no um mtodo para esgotar todos os
aspectos, a teoria da realidade como totalidade concreta que requer um
[...] processo de concretizao que procede do todo para as partes e das partes para o todo, dos fenmenos para a essncia e da essncia para o fenmeno, da totalidade para as contradies e das contradies para a totalidade; e justamente neste processo de correlaes em espiral no qual todos os conceitos entram em movimento recproco e se elucidam mutuamente, atinge a concreticidade. [...] a compreenso dialtica da totalidade significa no s que as partes se encontram em relao de interna interao e conexo entre si e com o todo, mas tambm que o todo no pode ser petrificado na abstrao situada por cima das partes, visto que o todo se cria a si mesmo na interao das partes (KOSIK, 2002, p. 50).
Deste modo, se quisermos conhecer as polticas sociais em suas mltiplas
determinaes necessrio fazer o esforo para desvendar o significado real da
poltica social sob o vu fenomnico da aparncia. Para isto, preciso ultrapassar os
limites que ancoram o surgimento e o desenvolvimento das polticas sociais apenas
aos fatores econmicos ou apenas ao processo das lutas sociais. Para compreend-
la dentro de uma perspectiva dialtica preciso articul-la tanto poltica econmica
3 Para Kosik o conhecimento uma forma de apropriao do mundo pelo homem. Apropriao no
sentido objetivo e subjetivo.
19
quanto ao processo da luta de classes, no esquecendo a dimenso cultural, que
segundo Behring e Boschetti (2007), se relacionam com a poltica, que considera os
sujeitos polticos portadores de valores e do ethos de seu tempo. Ou nas palavras de
Behring (2002, p. 174): [...] o significado da poltica social no pode ser apanhado
nem exclusivamente pela sua insero objetiva no mundo do capital, nem apenas
pela luta de interesses dos sujeitos [...] mas, historicamente, na relao desses
processos na totalidade [...].
Tendo como base essas consideraes, definimos o nosso problema de pesquisa da
seguinte forma: Quais as concepes de juventude presentes nas polticas de
juventude? Partindo dessa questo norteadora iniciamos o processo de escolha do
programa a ser analisado. O primeiro recorte foi o municpio, quando escolhemos a
cidade de Serra, no Esprito Santo, por ser um municpio da Regio Metropolitana do
Estado, que tem um grande percentual de jovens, e que tem grande parte dos
programas para a juventude executados pelo Governo Federal, mas que apesar
disso, no tem muitas produes sobre o assunto.
Em seguida realizamos um levantamento dos programas e aes voltados para a
juventude. Na sequncia realizamos uma triagem de modo a escolher o programa
que mais nos aproximasse das questes levantadas: 1) que o pblico alvo fosse
essencialmente o jovem, de preferncia de 15 a 29 anos, que a idade padro
definida internacionalmente e utilizada pela Poltica Nacional de Juventude (BRASIL,
2006); 2) que tivesse abrangncia no territrio nacional, permitindo um dilogo
diversificado e ampliado; 3) e programas que estivessem em execuo. A
organizao dessa triagem encontra-se exposta no quadro abaixo.
PROGRAMAS PBLICO DO PROGRAMA
Bolsa Atleta; Proeja; Programa Nacional do Livro Didtico para a Alfabetizao de Jovens e Adultos; Projeto Rondon; ProUni (05)
Adultos e jovens
Praas da Juventude; Brasil Alfabetizado; Programa Nacional do Livro Didtico para o Ensino Mdio; Reforo s Escolas Tcnicas e Ampliao das vagas em Universidades Federais (04)
Instituies
Continua
20
PROGRAMAS PBLICO DO PROGRAMA
Programa Segundo Tempo; Escola Aberta (02) Pblico escolar em geral,
no especificamente o
jovem
Programa Cultura Viva (01) Atendem ao pblico de
baixa renda, especialmente,
mas, no exclusivamente,
os jovens de 17 a 29 anos
Projeto Soldado Cidado; Pronaf Jovem;
Juventude e Meio Ambiente (03)
Jovem - pblico muito
especfico
Ampliao do Bolsa Famlia (01) Atende aos adolescentes
de 15 a 17 anos
Programa Nacional de Segurana Pblica com Cidadania Pronasci (01)
Atendem jovens de 15 a 24
anos com foco na
preveno da violncia
Programa Nacional de Incluso de Jovens (ProJovem) (01)
Atendem o pblico juvenil
de 15 a 29
QUADRO 1 - PERFIL DOS PROGRAMAS Fonte: Guia de Polticas Pblicas Juventude (BRASIL, 2010)
Identificamos que dos 18 programas apresentados no Guia de Polticas de
Juventude, apenas 6 deles se destinam especificamente aos jovens: Projeto
Soldado Cidado; Pronaf Jovem; Juventude e Meio Ambiente; Programa de
Ampliao do Bolsa Famlia; Programa Nacional de Segurana com Cidadania
(PRONASCI) e o ProJovem. Porm, desses retiramos os trs primeiros, pois,
adotam um pblico ou temas muito especficos. J o Programa de Ampliao do
Bolsa Famlia se destina aos jovens adolescentes de 15 a 17 anos, o que nos levou
a desconsider-lo como possvel objeto de estudo.
Os outros dois programas (Programas do Pronasci e ProJovem) tm abrangncia
nacional, com aes em grande parte das capitais e regies metropolitanas4. No
4 Programas do Pronasci: Acre, Alagoas, Bahia, Cear, Distrito Federal, Gois, Esprito Santo,
Maranho, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Par, Paran, Pernambuco, Piau, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondnia, So Paulo, Sergipe e Tocantins (Fonte: www.pronasci.gov.br). ProJovem: Depende da modalidade (MINISTRIO JUSTIA, 2013).
Continuao
21
entanto, no que se refere execuo, nem todas as aes do Pronasci estiveram
em execuo em 2011 e 2012.
Chegamos, assim, ao Programa ProJovem, nosso objeto de pesquisa, por ser o
programa em execuo que tem como pblico alvo os jovens de 15 a 29 anos, e
ainda, por ter abrangncia nacional, sendo considerado como o carro-chefe da
Poltica Nacional de Juventude (BRASIL, 2008b).
A ideia inicial era trabalhar com o ProJovem Urbano, por j constar de um nmero
maior de estudos e avaliaes em outros estados, mesmo que estudos
institucionais, bem como por no estabelecer um critrio de renda para a insero do
jovem no programa. No entanto, foi necessrio fazer uma alterao na modalidade
do programa, pois, o programa ProJovem Urbano no municpio de Serra no estava
mais em execuo5.
Assim, voltamos os estudos para o ProJovem Trabalhador do municpio de Serra,
tendo como objetivo geral analisar as concepes de juventude presentes no
Programa ProJovem Trabalhador, realizado no municpio de Serra/Esprito Santo.
Os objetivos especficos so: 1) Identificar as concepes de juventude na literatura
sobre o tema; 2) Identificar as concepes de juventude presentes no Programa
analisando de que modo tais concepes se materializam nas aes do Programa;
3) Relacionar o pblico-alvo do Programa, apresentando o perfil do jovem inserido
no Programa do municpio de Serra/ES, com as concepes identificadas de
juventude.
Importante ressaltar que participei do programa como instrutora na qualificao
social, tendo atuado no processo de capacitao, em reunies e trabalhado
diretamente com os jovens do turno matutino do bairro Vila Nova de Colares, fato
esse que permitiu uma aproximao maior com o programa, com os instrutores e,
principalmente com os jovens.
Por sugesto da banca de qualificao inserimos na anlise da pesquisa,
5 O fato do Programa ser executado por Organizao No Governamental dificulta o acesso s
informaes, principalmente, se o programa no estiver em execuo no momento da pesquisa.
22
concepes de juventude da equipe tcnica que executa o programa, bem como,
dos jovens inseridos no programa, pois, a princpio pretendamos apenas fazer uma
pesquisa documental. Contudo, acessar as informaes sobre o programa foi
extremamente complicado.
Primeiramente, pelo atraso no incio do programa. O convnio s foi assinado em
julho de 2012, apesar de ter sido aprovado em 2010. A entidade que ganhou a
licitao para executar o programa foi o Instituto Mundial de Desenvolvimento e
Cidadania (IMDC), com sede em Belo Horizonte, Minas Gerais. As atividades foram
iniciadas em setembro de 2012, com a divulgao em algumas instituies
municipais (Centro de Referncia da Assistncia Social, Unidade de Sade, Escolas
e outras). Aps o perodo eleitoral, a divulgao foi mais ostensiva. As atividades
com jovens comearam em dezembro de 2012.
Nos primeiros meses de 2013 com a troca da gesto municipal, muitas atividades
ficaram paralisadas e o acesso informao ficou comprometido. Esse fato se
justifica, porque, no incio do ano, a equipe ainda no estava toda formada6, faltando
vrios instrutores para a qualificao social e principalmente, faltavam os jovens.
Assim, em maro de 2013 o programa abriu novamente as inscries formando
novas turmas.
Passado esse perodo de organizao, fizemos diversas tentativas junto ao IMDC
para realizar a pesquisa de campo com os jovens e os instrutores. No recebemos
uma negativa, mas tambm no conseguimos chegar aos possveis entrevistados, e
nem mesmo ter acesso aos relatrios sobre o perfil dos jovens. Dada a dificuldade,
optamos por realizar entrevista com a equipe tcnica, quando aplicamos
questionrios em trs espaos: Secretaria de Trabalho, Emprego e Renda
(SETER) do municpio, coordenao tcnica do programa no municpio,
coordenao pedaggica e aos tcnicos do programa, totalizando 06 entrevistados.
6 Uma das principais razes em manter os instrutores capacitados, pois, inicialmente o pagamento
dos instrutores seria por Recibo de Pagamento a Autnomo (RPA), que j uma forma precria de contratao, mas, ao final da capacitao, os profissionais foram informados que precisariam estar inscritos na forma Micro Empreendedor Individual (MEI), estimulando, assim, o empreendedorismo o que fez com que alguns instrutores se desligassem imediatamente. Outros se desligaram posteriormente, dada a dificuldade em cumprir os pr-requisitos para a inscrio no MEI.
23
Em uma das entrevistas, a informao recebida foi de que o nmero de jovens
estava muito abaixo do nmero que foi contratado. O IMDC recebeu o valor de R$
3.86 milhes para capacitar 2500 jovens, no entanto, no havia nem mesmo 600
jovens cadastrados. Essa seria a razo que dificultou o acesso s informaes,
especialmente aos jovens. Por essa razo, nossa pesquisa analisar apenas as
concepes de juventude no ProJovem Trabalhador de Serra baseado nas
informaes colhidas junto equipe tcnica, bem como nos documentos sobre o
programa que foram disponibilizados no site do Ministrio do Trabalho e da
Prefeitura Municipal de Serra.
O nosso percurso mostra que o objeto de estudo um caminho que est sendo
construdo, no est pronto, pois medida que nos aproximamos da realidade
estudada novos ngulos se apresentam e novas possibilidades ou impossibilidades
ajudam a desvelar o objeto (MINAYO, 2002).
Cabe ressaltar que esse caminho deve ser percorrido com base na teoria, por essa
razo a pesquisa bibliogrfica foi um dos instrumentos utilizados para estudar o
objeto proposto, uma vez que no h cincia sem pesquisa terica, j que ela a
ordenao da realidade ao nvel mental (DEMO, 2004).
Utilizamos desse mtodo terico para responder o primeiro objetivo dessa pesquisa,
cujos resultados foram explicitados no captulo dois desta pesquisa, quando
discutimos as concepes de juventude, e os impactos delas nas polticas para o
segmento juvenil. Apresentando as concepes de juventude no Brasil desde 1950
at os dias atuais buscamos capturar como essas concepes impactam as polticas
sociais, e ainda como as novas configuraes das polticas sociais interferem nesse
processo, articulando as discusses que foram feitas no primeiro captulo sobre
poltica social.
Recorremos tcnica de questionrio como procedimento metodolgico, isto porque
ele um recurso primordial na investigao qualitativa, uma vez que os discursos
intelectuais, burocrticos e polticos, os detalhes no esto escritos em lugar algum
(MINAYO; SANCHES, 1993). Assim, infere-se que os dados [...] no existem
isolados, mas precisam ser situados em uma estrutura terica para que o seu
24
contedo seja entendido (MAY, 2004, p. 222).
No que se refere abordagem da pesquisa, optamos pela abordagem qualitativa por
acreditarmos ser o mtodo mais adequado para atender s nossas expectativas,
buscando associar os dados do referencial bibliogrfico, com os resultados das
entrevistas e dos documentos encontrados (BAUER; GASKELL; ALLUM, 2002).
Agrupamos as concepes como sujeito social em dois aspectos: 1) Juventude
como problema social; 2) Juventude como momento de moratria social ou
vital; e questionamos a inexistncia de uma concepo de juventude como sujeito
social. Apresentamos o resultado desses contedos no captulo trs quando
discutimos sobre trabalho e mercado de trabalho juvenil, discutindo, outrossim, o
ProJovem Trabalhador e as concepes encontradas.
25
CAPTULO 1 - POLTICAS SOCIAIS E AS POLTICAS DE JUVENTUDE NO
BRASIL
1.1 POLTICA SOCIAL: GNESE E FUNDAMENTOS
As primeiras experincias de poltica social surgem no mundo no sculo XIX como
consequncia da ascenso do capitalismo e da Revoluo Industrial. Contudo, ela
s se legitima a partir da intensificao da luta de classes como expresso das
manifestaes da questo social (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
O termo "questo social" foi utilizado pela primeira vez por volta de 1830 por crticos
da sociedade e filantropos, e surge para dar conta de um fenmeno evidente na
Europa Ocidental: o pauperismo oriundo da primeira onda de industrializao. Era a
primeira vez que a misria se generalizava, apesar da desigualdade no ser algo
novo na histria, e dessa vez, no mais se vinculava escassez. A pobreza e a
capacidade de produzir riquezas cresciam em proporo direta (NETTO, 2005).
O uso do termo questo social para designar esse pauperismo relaciona-se com os
seus desdobramentos sociopolticos. Os pauperizados se manifestaram de diversas
formas: greves, manifestaes, e ainda atravs de outros movimentos como:
Ludismo, Cartismos e os Trades-Unions, todos em busca de condies de vida mais
dignas, jornadas de trabalho mais humanas e melhores salrios. Esse cenrio, do
ponto de vista do capitalista, representava uma ameaa ordem burguesa e s
instituies existentes.
Por essa razo se afirma que a questo social expresso do processo de
formao, desenvolvimento da classe operria7 e de seu ingresso no cenrio poltico
7 A Revoluo de 1848 trouxe luz o antagonismo da sociedade de classes e dissolveu o iderio do
utopismo. O proletariado passou da condio de classe em si a classe para si; assim, no processo de luta evidenciou que [...] a questo social est necessariamente colocada sociedade burguesa: somente a supresso desta conduz a supresso daquela (NETTO, 2005, p.156). O autor lembra que a partir da o termo passou a identificar uma expresso conservadora, e o pensamento revolucionrio passou a utiliz-la somente para mostrar o seu trao mistificador. A questo social (agora percebida como forte desigualdade, desemprego, fome, doenas, penria, desamparo) passa, ento, a ser naturalizada e vista como desdobramento da sociedade moderna de caractersticas ineliminveis e que podem, no mximo, ser objeto de uma interveno poltica limitada capaz de ameniz-las e reduzi-las, que s so possveis atravs de uma reforma moral do homem e da sociedade, e deve ser feita de modo a preservar a propriedade privada e os meios de produo (NETTO, 2005).
26
da sociedade, o que exigiu o seu reconhecimento enquanto classe por parte do
Estado e dos capitalistas (IAMAMOTO; CARVALHO, 2005).
Tal reconhecimento da classe operria requisitou aes que transitaram entre a
represso estatal e o reconhecimento de alguns direitos, tais como a legislao fabril
que normatizou a jornada de trabalho, representando algumas conquistas para os
trabalhadores. Assim, as polticas sociais emergem nesse processo de mudanas
nas configuraes do papel do Estado8, como uma das formas de enfrentamento das
expresses da questo social (BEHRING; BOSCHETTII, 2007).
Essas primeiras aes so consideradas pelas autoras, como as protoformas das
polticas sociais, que eram percebidas como caridade privada e de responsabilidade
da sociedade. Elas tinham como principal objetivo a punio da vagabundagem e a
manuteno da ordem9. Nesse escopo existia um conjunto de leis assistencialistas,
conhecidas como Leis Seminais, na Inglaterra: Estatuto dos Trabalhadores (1349);
Estatuto dos Arteses Artficies (1563); Leis dos Pobres elisabetanas (1531 e
1601); Lei de Domicilio Settlemente Act (1662); Speenhanland Act (1795); Lei
Revisora das Leis dos Pobres, ou Nova Lei dos Pobres Poor Law Amendent Act
(1834).
At 1795 as Leis dos Pobres (Estatuto dos Artficies, Lei de Domicilio, Estatuto dos
Trabalhadores), formavam um conjunto de regulaes, da sociedade pr-
capitalista10, destinadas s pessoas sem trabalho (idosos, invlidos, rfos, crianas
carentes, desocupados voluntrios e involuntrios e outros), com o claro objetivo
punitivo e referenciado no trabalho. A partir desse molde que surgem as
Workhouses, casas de trabalhos, que funcionavam como verdadeiras prises para
onde eram encaminhados os indigentes considerados aptos para o trabalho
(PEREIRA, 2007).
Um novo conceito de regulao da pobreza surgiu em 1795 com a Lei
8 Para aprofundar a questo consultar: Netto; Braz, (2006); Netto (2005); Berhing (2003).
9 Essas leis puniam exemplarmente a vagabundagem e mendicncia: todos que se enquadravam a
essas leis, eram obrigados a trabalhar, em troca de qualquer salrio e somente os invlidos, crianas carentes e idosos tinham direito assistncia social. 10
Entendemos assim, que Pereira (2007) se aproxima da definio dessas leis como protoformas das polticas sociais, como definiu Behring e Boschetti (2007).
27
Speenhamland (Speenhamland Law), indita na histria at aquele momento, pois,
reconhecia o direito social, da assistncia, a todos os homens, indissociando-a do
trabalho, ou seja, todos que necessitassem teriam direito a um mnimo (PEREIRA,
2007). Em contrapartida, como afirma a autora, com essa Lei houve um o
rebaixamento de salrios abaixo do mnimo. E cabe destacar que tal lei era
suplementada atravs de fundos pblicos, o que beneficiava mais o empregador que
o trabalhador.
Pereira (2007) ressalta, ainda, que essa lei j nasceu fadada ao fracasso, pois,
proclamava que nenhum homem deveria temer a fome, pois, a parquia o
sustentaria, constituindo-se, desse modo, em um obstculo formao do
proletariado industrial, mesmo sendo o seu benefcio irrisrio e repleto de
contradies.
Por conta das presses, em 1834, a Speenhamland foi revogada e instituda a Lei
Revisora das Leis dos Pobres (Poor Law Amendment Act), tornando a assistncia
seletiva e residual, mais afinada com o perfil liberal. Tal lei promoveu, ainda, a
quebra da territorializao do domiclio e da servido paroquial, o que permitiu a
mobilidade espacial do trabalhador, favorecendo, assim, a construo de um
mercado de trabalho que atendesse as necessidades capitalistas: um trabalhador
desprotegido, obrigado a vender sua fora de trabalho a um preo baixo. Esse fato
consolidou o vnculo histrico e moralista, entre assistncia e trabalho.
Esse perodo permeado por lutas sociais, greves e questionamentos sobre a
jornada de trabalho e salrios. A resposta por parte dos capitalistas foi a represso e
concesses pontuais nas legislaes fabris (que em sua maioria eram burladas).
Esse processo de lutas se estendeu por sculos, mas com a Lei Fabril de 183311
(que abrangia a indstria algodoeira, de linho e seda) que nasceu uma jornada de
trabalho, o embrio dos direitos sociais (MARX, 2003; BERHRING; BOSCHETTI,
11
A Lei de 1833 declara que a jornada de trabalho fabril deveria comear s 5 da manh e terminar s 8 da noite, e dentro desses limites, um perodo de 15 horas. legal utilizar adolescentes (isto , pessoas entre 13 e 18 anos) a qualquer hora do dia, pressupondo-se sempre que um mesmo adolescente no trabalhe mais que 12 horas num mesmo dia, com exceo para certos casos previstos [...]. O emprego de crianas menores de 9 anos, com excees que mencionaremos mais tarde, foi proibido, o trabalho de crianas entre 9 e 13 anos limitado a 8 horas dirias. Trabalho noturno, isto , segundo essa lei, trabalho entre 8 horas da noite e 5 da manh, foi proibido para toda pessoa entre 9 e 18 anos (MARX, 2003 p. 221).
28
2007).
Tal cenrio explicita o movimento realizado pelos capitalistas e trabalhadores, em
que ambos no aceitaram passivamente as determinaes legais; os fatos se
desenrolaram em um intenso momento de lutas12. Contudo, esse movimento ganhou
grande fora com as Revolues de 184813, uma vez que se expunha claramente
como um movimento de ruptura com o modelo burgus. As conquistas realizadas
nesse perodo (fim do sculo XIX) so importantes, mas se do de forma muito
superficial, recortada e repressiva, incorporando apenas [...] algumas demandas da
classe trabalhadora, transformando as reivindicaes em leis que estabeleciam
melhorias tmidas e parciais nas condies de vida dos trabalhadores [...]
(BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 63).
Isso porque todo esse processo se d no marco histrico do iderio liberal14, logo de
um Estado liberal, que afirma buscar do bem-estar individual como forma de se
alcanar o bem-estar coletivo, assim a interveno estatal deve se restringir ao
mnimo, de forma a garantir o mercado livre, fato que evidencia que a interveno
estatal [...] na garantia de direitos sociais sob o capitalismo no emanou de uma
natureza predefinida do Estado, mas, foi criada e defendida deliberadamente pelos
liberais, numa disputa poltica forte com os reformadores sociais (BEHRING;
BOSCHETTI, p. 61).
12
Outras informaes consultar Marx (2003) captulo VIII - A Jornada de Trabalho. 13
As Revolues de 1848 expressam a converso total da burguesia ao conservadorismo. Marx (2003b p. 18) afirma que a revoluo social do sculo XIX no pode tirar sua poesia do passado, e sim do futuro. No pode iniciar sua tarefa enquanto no se despojar de toda venerao supersticiosa perante o passado. Ou seja, essas lutas no poderiam se inspirar no passado aludindo Revoluo Francesa. Essas revolues marcaram no s a derrota do proletariado (a destruio do movimento Ludista e em seguida do movimento Cartistas, com uso extremado da fora), mas tambm expressam o abandono dos valores da cultura ilustrada e sua subsuno ao conservadorismo; e o mais importante: marcam a ultrapassagem do proletariado de classe em si em classe para si (NETTO; BRAZ, 2006). 14
bom que se diga que nos primrdios do liberalismo, no sculo XIX, existia um claro componente transformador nessa maneira de pensar a economia e a sociedade: tratava-se de romper com as amarras parasitrias da aristocracia e do clero, do Estado absoluto, com seu poder discricionrio. [...] Ou seja, havia um componente utpico (Lowy, 1987) na viso social de mundo do liberalismo, adequado ao papel revolucionrio da burguesia, to bem explorado por Marx e Engels, em seu Manifesto do Partido Comunista (1998). evidente que essa dimenso se esgota na medida em que o capital se torna hegemnico e os trabalhadores comeam a formular seu projeto autnomo e a desconfiar dos limites da burguesia a partir das lutas de 1848, e das lutas pela jornada de trabalho (BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 59).
29
A presso, por um Estado liberal, na verdade, visava levar ao mercado, um
trabalhador mais fragilizado para vender sua fora de trabalho, que no contasse
com nenhuma ajuda, ou seja, que s tivesse como opo vender sua fora de
trabalho a qualquer preo. O veio liberal do Estado se limitava relao com os
trabalhadores, pois como afirma Netto (2005, p. 24) nada mais estranho ao
desenvolvimento do capitalismo do que um Estado arbitrrio.
A emerso do movimento operrio, no final do sculo XIX e incio do sculo XX, e a
ecloso da Revoluo Russa em 1917 (que resultam na conquista de alguns direitos
polticos para os trabalhadores) colabora para que haja um enfraquecimento do
iderio liberal, fato que acentuado com a crescente concentrao e monopolizao
do capital (BEHRING; BOSCHETTI, 2007), caindo por terra a ideia liberal do
indivduo empreendedor com valores morais.
Com a entrada da nova fase capitalista, no iniciar do sculo XX, o Estado
redimensionado, j que as funes polticas do Estado imbricam-se organicamente
com suas funes econmicas (NETTO, 2005, p. 23). Assim, estabelece-se uma
tenso entre o Estado redimensionado e o iderio liberal15. Mas, deve-se ter claro
que o Estado que emerge no incio do sculo XX no rompe com a lgica liberal16,
h um movimento contraditrio onde o giro efetuado pelo Estado corta e recupera o
iderio liberal17 (NETTO, 2005).
15
H uma redefinio do pblico e do privado, reafirmando o ethos individualista do liberalismo, uma vez que o enfrentamento pblico da questo social se d por meio da interveno privada. Outro aspecto importante a psicologizao que para Netto (2005) no se esgota na responsabilizao do sujeito, mas que implica numa relao entre ele e as instituies prprias da ordem monoplica, que se constituiu em verdadeira pedagogia psicossocial, voltada para sincronizar as impulses individuais e os papis sociais propiciados aos protagonistas (NETTO, 2005, p. 42), substituindo o espao de realizao autnoma que lhe foi subtrado. 16
Behring e Boschetti (2007) apresentam uma sntese do que seria os elementos essenciais do liberalismo: a) predomnio do Individualismo; b) o bem-estar individual maximiza o bem-estar coletivo; c) predomnio da liberdade e competitividade; d) naturalizao da misria; e) predomnio da lei da necessidade; f) manuteno de um Estado mnimo; g) as polticas sociais estimulam o cio e o desperdcio; h) a poltica social deve ser um paliativo. 17
[...] A prpria considerao dos direitos sociais, corolrio da legitimao das polticas sociais, contribui para erodir pela base o ethos individualista que componente indissocivel do liberalismo econmico e poltico. Entretanto, seria um grave equvoco supor que o giro em questo derruiu o conjunto de representaes sociais (e de prticas a ele conectadas) pertinente ao iderio liberal. [...] o carter pblico do enfrentamento das refraes da questo social incorpora o substrato individualista da tradio liberal, ressituando-o como elemento subsidirio no trato das sequelas da vida social burguesa (NETTO, 2005, p. 35).
30
nesse perodo que uma das estratgias de organizao dos trabalhadores para se
manterem em greve, utilizada como modelo inspirador para a construo do
modelo alemo de seguridade social18: so as caixas de poupana, atravs do
mutualismo. O Chanceler Otto Von Bismarck que, em 188319, criou o primeiro
seguro-sade nacional obrigatrio, que se destinava apenas a algumas categorias
de trabalhadores; era obrigatrio; garantia a substituio de renda em caso de
incapacidade laborativa - em caso de doena, idade ou incapacidade para o trabalho
(BEHRING e BOSCHETTI 2007). Esse modelo, chamado de bismarckiano se
identifica com o modelo de seguro social privado, pois, o seu acesso condicionado
uma contribuio anterior e h proporcionalidade entre as prestaes e a
contribuio efetuada; so financiados com os recursos das contribuies de
empregados e empregadores; a gesto era realizada em caixas (caixa de
aposentadoria, caixa de penses, caixa de seguro sade); a cobertura era para o
trabalhador contribuinte de algumas categorias, e em alguns casos, a sua famlia
(BEHRING; BOSCHETTI 2007).
Apesar de terem comeado timidamente, os seguros sociais se espalharam no final
do sculo XIX e incio do sculo XX. Na virada do sculo XIX, as bases materiais do
liberalismo perdem fora, com a entrada de novos processos polticos e econmicos.
Um deles a Revoluo de 1917, quando a burguesia se viu obrigada a entregar os
anis para no perder os dedos, reconhecendo os direitos polticos e sociais da
classe trabalhadora (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
Outro elemento o prprio movimento do capital que dada s caractersticas
assumidas com o imperialismo e o monoplio, evidenciam a concorrncia feroz que
se explicita atravs das Grandes Guerras. Em 1929-1932 h uma crise do capital,
expressa no Crack de 1929, deixando a situao, ainda mais tensa e colocando em
xeque os princpios e pressupostos do liberalismo, e nesse sentido, a legitimidade
poltica do capitalismo (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
18
O termo Seguridade Social foi utilizado oficialmente pela primeira vez em 1935 por Roosevelt nos Estados Unidos - Social Security, mas em sentido ainda bem restrito (BEHRING; BOSCHETTI, 2007). 19
Behring e Boschetti (2007) afirmam que antes da implantao do seguro social de Bismarck aconteceu uma srie de legislaes pontuais de assistncia social aos pobres. A primeira a responsabilizar as prefeituras alems foi em 1842.
31
Esse fato favorece a emerso das ideias de um pensador capitalista heterodoxo, que
aposta na interveno estatal como estratgia para se superar os perodos de crise
capitalista. Nos referimos s ideias de John Maynard Keynes20, e a teoria
keynesiana. A sua heterodoxia residia no apenas na proposta de uma interveno
estatal no mercado, mas residia na discordncia do conceito liberal de
autorregulao da economia.
Keynes pensa o Estado como um agente que deve intervir na economia atravs de
medidas econmicas e sociais a fim de gerar uma demanda efetiva, domando assim
o animal spirit21 dos empresrios. Essas medidas podem variar desde a
disponibilizao de meios de pagamentos, garantias no investimento e o controle da
moeda e das flutuaes da economia. Assim, cabe ao Estado o papel de
restabelecer equilbrio por meio de uma poltica fiscal, creditcia e de gastos
(BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
Fica evidente, assim, a forte ligao entre o Keynesianismo e o pacto fordista. Para
Behring e Boschetti (2007) o fordismo vai alm da mera mudana tcnica com a
introduo da linha de montagem e da eletricidade, introduzindo uma nova forma de
regulao das relaes sociais. As mudanas efetuadas na linha de produo
trouxeram um aumento brutal de produtividade, mas o novo do fordismo foi a
possibilidade de combinao de produo em massa com consumo em massa. Isso
implicou em nova forma de relaes sociais, um novo homem inserido numa nova
sociedade capitalista (BEHRING; BOSCHETTI, p. 87).
A experincia de Ford se deu nas primeiras dcadas do sculo XX, mas s aps a
Segunda Guerra Mundial que esse modelo exportado e ganha o mundo. Claro que
essa disseminao pelo mundo s pode existir porque houve um giro sofrido pelo
Estado e um abalo nas relaes de classe. Behring e Boschetti (2007) afirmam que
20
Keynes, liberal insurreto, rompe com a naturalizao da economia do liberalismo e, sem pretender romper com a lgica capitalista, defende um estado regulador e produtor. Em 1936 publica seu livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, preocupado em apontar sadas democrticas para a Crise de 1929 (BEHRING; BOSCHETTI, 2007). 21
Para as autoras esse animal spirit se refere, em Keynes, s decises tomadas pelos empresrios que decorrem de sua viso de curtssimo prazo, que mobilizam grandes volumes de recursos com expectativa de retorno rpido, o que gera as inquietaes sobre o futuro, resultando em desemprego e recesso. E disso decorre o carter instvel da economia capitalista, reafirmando que a mo invisvel no produz harmonia (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
32
o movimento operrio abriu mo de um projeto mais radical em troca de conquistas
mais imediatistas e reformistas. Sem dvidas, representou uma mudana
significativa na qualidade de vida dos trabalhadores com acesso ao consumo e ao
lazer, com maior estabilidade, e esse foi chamado o pacto fordista22.
Dentro da perspectiva do Keynesianismo, surgiram diversos movimentos
reformadores, que tambm tentavam dar conta das lacunas do liberalismo, mas,
sem romper com a ordem capitalista. Dentre eles o movimento fabiano,23 que teve
como expoentes Beatrice e Sidney que foram convidados para dirigir uma comisso
real, na Inglaterra, que estudaria a reforma da assistncia pblica. Em 1909 foi
publicado sob nome de Minority Report um relatrio, realizado por eles, apontando a
necessidade de uma poltica de preveno social que concretizasse a doutrina da
obrigao mtua entre indivduo e a comunidade (PEREIRA, 2007, p. 109).
Em 1908, na Inglaterra, Loyd George criou a lei de assistncia aos idosos, sem
contrapartida para os beneficirios e comprovao autoritria de pobreza
(PEREIRA, 2007). Uma das primeiras inovaes aconteceu em 1911, na Inglaterra,
quando se criou o sistema de seguro-doena e seguro-desemprego. Esses
benefcios eram obrigatrios, apenas para os que ganhassem menos de 320 libras
por ano. Eram geridos pelo Estado e cobria o risco de invalidez. Esse plano foi
alterado em 1923, abrangendo tambm um sistema de penses para vivas e
rfos, e, ainda, em 1920 e 1931 abarcou os planos de desemprego (PEREIRA,
2007). Contudo, a concepo de Seguridade Social surge em 1942 com William
Beveridge, um dos secretrios de Beatrice e Sidney, que quando deputado criou o
Plano Beveridge24 sobre Seguro Social e servios afins (Report on Social Insurance
and Allied Services), que inspirou diversos modelos de seguridade social em todo
mundo.
22
As autoras lembram que esse processo s foi possvel porque se verificou uma capitulao das lideranas operrias s demandas do monoplio (BEHRING; BOSCHETTI, 2007). 23
Os fabianos eram um grupo ingls de centro-esquerda que, contra o liberalismo, propunha reformas econmicas e sociais como condio para a melhoria de vida da populao pobre (PEREIRA, 2007, p. 109). 24
Para Marshall (apud BEHRING; BOSCHETTI, 2007) um equivoco apontar apenas Beveridge como autor do modelo ingls de seguridade. Afirmam, ainda, que tal plano se constituiu na fuso de vrias medidas esparsas j existentes que foram ampliadas e padronizadas, incluindo novos benefcios.
33
Partindo da identificao, por meio dos estudos feitos, chegou-se a concluso de
que os projetos de Seguridade Social deveriam ter trs direes: a) estender seu
alcance, a fim de abranger pessoas excludas da proteo social pblica; b) ampliar
os seus objetivos de cobertura de riscos, e c) aumentar as taxas de benefcio
(PEREIRA, 2007, p. 18). Foi previsto ainda um ajustamento de rendas, em que a
famlia receberia o benefcio mesmo em perodos que estivessem recebendo o
salrio. O principal objetivo era evitar a reproduo da misria, dado os baixos
salrios dos trabalhadores, e o dispndio, no futuro, de grandes recursos pblicos no
combate misria em perodos de desemprego (PEREIRA, 2007).
As principais diferenas que permeiam o modelo beveridgiano diz respeito a: direitos
so universais (incondicionalmente ou submetidos a teste de meio); o Estado deve
prover o mnimo social a todos em necessidade; financiado pelos impostos fiscais
(no h contribuio direta de empregados e empregadores); gesto pblica estatal
e um dos princpios bsicos a unificao institucional e a uniformizao do
benefcio (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
O fato que a partir desses modelos se passou a utilizar o termo Welfare State.
Entender as diferenas entre os dois modelos explicitados acima de fundamental
importncia, pois o que marca a emergncia do Welfare State a superao da
lgica securitria pela noo ampliada de Seguridade Social contida no Plano
Beveridge (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
Outro ponto importante que no se pode confundir Welfare State com a
compreenso genrica de poltica social, pois no toda poltica social que o
exprime. Como destaca Pereira (2009, p. 57) apesar das polticas sociais e o Wefare
State terem se imbricado em dado momento histrico, fica evidente que eles no so
a mesma coisa, [...] as polticas sociais no morreram, mas se reestruturaram, para
seguir novos desgnios que extrapolam os limites institucionais do Welfare State,
enquanto este sim entrou em crise.
O modelo de regulao das polticas sociais na perspectiva Keynesiana, expresso
no Welfare State, se esgotou na entrada da nova fase do capital, em meados dos
anos 70, com as crises do capital desse perodo, e a entrada da fase de
34
mundializao do capital, que retoma o iderio liberal. Trataremos dos efeitos do
neoliberalismo nas polticas sociais no item seguinte quando estivermos analisando
a realidade brasileira.
1.2 POLTICA SOCIAL NO BRASIL: BREVES CONSIDERAES
Para entendermos as polticas sociais no Brasil, precisamos analisar o processo de
formao do Estado brasileiro. O primeiro ponto se refere Revoluo Burguesa no
Brasil, uma vez que as peculiaridades da nossa Revoluo Burguesa vo estruturar
a burguesia nacional e moldar as polticas sociais.
A chamada Revoluo Burguesa implicaria numa radical transformao da estrutura
agrria, nesse caso, no s desaparecem as relaes de trabalho pr-capitalistas,
fundadas na coero extraeconmica sobre o trabalhador, mas tambm
erradicada a velha classe rural dominante [...] (COUTINHO,1989, p. 118). J a Via
Prussiana
[...] a velha propriedade rural conservando sua grande dimenso, vai se tornando progressivamente empresa agrria capitalista, mas no quadro da manuteno das formas de trabalho fundadas na coero extraeconmica, em vnculos de dependncia ou subordinao que se situam fora das relaes impessoais do mercado, que vo desde a violncia aberta at intromisso na vida privada do trabalhador [...] (COUTINHO, 1989, p. 118).
A Via Prussiana seria a entrada para o capitalismo por meio da modernizao
conservadora, pois como explicitado acima, ela mantm estruturas antigas e
avana na introduo dos mveis capitalistas (MOORE JUNIOR, 1983).
Para Fernandes (2006) a Revoluo Burguesa no Brasil, no um episdio, mas
sim, um processo estrutural: [...] um conjunto de transformaes econmicas,
tecnolgicas, sociais, psicoculturais e polticas que s se realizam quando o
desenvolvimento capitalista atinge o clmax de sua evoluo industrial [...]
(FERNADES, 2006, p. 239), e que marcado por trs momentos principais:
Independncia (1822), Abolio da Escravatura (1888) e Proclamao da Repblica
(1889).
35
A Independncia representou a oportunidade de acumulao para a nascente
burguesia nacional, mesmo mantendo-se as relaes de heteronomia25 e
dependncia com os pases de capitalismo central, uma vez que a burguesia local
no precisava mais remeter ao exterior todo o lucro.
Foi a partir da que se pde formar o Estado nacional, instrumento fundamental para
a construo do capitalismo no Brasil. Constituiu-se, segundo Fernandes (2006), um
Estado amlgama, isto , um Estado hbrido, ambguo, situado [...] entre um
liberalismo formal como fundamento e o patrimonialismo como prtica no sentido da
garantia dos privilgios estamentais (BEHRING, 2003, p. 95). O Brasil, assim, como
outros pases capitalistas, tambm tiveram que recorrer ao Estado para consolidar o
capitalismo. Segundo Fernandes (2006) o Estado criado para estabelecer a
correlao entre o velho e o novo, os estamentos senhoriais precisavam dele.
importante ressaltar que a ordem social escravocrata e senhorial no cedeu
facilmente aos requisitos econmicos, sociais, culturais, jurdicos e polticos do
capitalismo, uma vez que o desenvolvimento desses representava a gradativa
extino daquela. A Abolio da Escravatura no Brasil s ocorreu mais de trinta
anos aps a proibio do trfico negreiro (1850). Ela surge no como uma revoluo
social, mas como uma [...] revoluo dos brancos e para os brancos [...]
(FERNANDES, 2006, p. 36), representando, assim, uma estratgia para a expanso
do mercado externo e interno.
Com a Proclamao da Repblica h alterao no regime poltico, condio
necessria para que a burguesia consolidasse sua posio de dominao. Segundo
Fernandes (2006), muitos autores chamam esse processo de crise do poder
oligrquico. Todavia, no propriamente a falncia da oligarquia, [...] mas o incio
de uma transio que inaugurava, ainda sob a hegemonia da oligarquia, uma
recomposio das estruturas do poder, pela qual se configurariam, historicamente, o
poder burgus e a dominao burguesa [...] (FERNANDES, 2006, p. 239). Assim,
coexiste no Brasil a sociabilidade colonial (patrimonialismo, mandonismo,
patriarcalismo) com o padro competitivo da ordem social capitalista nascente.
25
Para Fernandes (2006, p. 84): [...] o pas livrou-se da condio legal de Colnia, mas continuou sujeito a uma situao de extrema e irredutvel heteronomia econmica.
36
Esse processo no se deu a partir dos anseios e da participao das massas, nem
do uso organizado da violncia. fruto dos interesses e do empenho das elites
nativas, que no contestavam a estrutura da sociedade colonial, mas no toleravam
as implicaes sociopolticas e econmicas que a subordinao ao Estatuto Colonial
engendrava. Essa uma marca da formao social brasileira: ausncia das classes
populares.
Isso faz que a nossa democracia seja uma democracia restrita, aberta e funcional,
apenas queles que tm acesso dominao burguesa (FERNANDES, 2006).
Dificilmente, segundo o autor, esse capitalismo dependente e perifrico produzir
uma revoluo democrtica e nacional. Para o autor h um acordo tcito entre as
elites para manter o carter autocrtico, mesmo que ferindo a filosofia da livre
empresa, o que ressalta o carter conservador e reacionrio de nossa burguesia.
Tais particularidades na formao social brasileira se materializam, tambm, nas
polticas sociais, como buscaremos analisar. Desde seu surgimento na dcada de
1930, no perodo do Populismo de Vargas, as polticas sociais brasileiras carregam
a marca da lgica do favor e da filantropia. Para Behring; Boschetti (2007) essas
polticas se expandem nos perodos da autocracia burguesa se configurando como
benesses e no como direitos conquistados pelos trabalhadores, acentuando, assim,
o carter de tutela e favor. Nesse sentido, h uma tentativa de construo de
consenso na classe trabalhadora nos perodos de restrio dos direitos civis e
polticos.
Outro trao importante, que apresentado por Behring e Boschetti (2007), se refere
s marcas do escravismo que, segundo elas, fizeram, no Brasil, com que as classes
dominantes nunca tivessem um compromisso democrtico e redistributivo, o que
retoma a anlise de Fernandes (2006) sobre democracia restrita.
At 1930, quando surgem as primeiras experincias de polticas sociais no Brasil, o
Estado quase no se colocava como provedor social, sendo a questo social posta
merc do mercado (que se limitava s preferncias e demandas individuais); da
iniciativa privada (que respondia pontual e informalmente), e da polcia (que agia de
37
forma repressiva). As poucas medidas destinadas rea social no Brasil at a
dcada de 1930 foram, principalmente: a criao dos Departamentos Nacionais de
Trabalho e Sade, do Cdigo Sanitrio, de leis inconsistentes relacionadas ao
trabalho (acidentes, frias, trabalho do menor e da mulher, velhice, invalidez, morte,
doena e maternidade) e, da Lei Eloy Chaves de 192326 (PEREIRA, 2002).
Para Behring e Boschtti (2007), o ano de 1930 imprescindvel para entender o
perfil das polticas sociais no Brasil. Historicamente a formao do Brasil se deu de
forma heteronmica, uma vez que nossa economia cafeeira agroexportadora
correspondia a cerca de 70% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Sendo assim,
com a crise do capital em 1929 e 1932, a economia ficou fragilizada, dando abertura
para o movimento das oligarquias no ligadas ao caf, j h tempos insatisfeitas
com a predominncia desse produto no mercado brasileiro. Essas insatisfaes
alteraram as correlaes de foras das classes dominantes e diversificaram a
economia brasileira. Chega ao poder, alm dessas oligarquias, o setor industrialista
com a pauta de uma agenda modernizadora (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
Getlio Vargas, que esteve frente de uma forte coalizo de foras na Revoluo de
1930, assume o governo brasileiro nesse ano e os primeiros sete anos de seu
governo foram marcados pela disputa de hegemonia e de direo do processo de
modernizao (BEHRING; BOSCHETTI, 2007). Tal revoluo foi chamada por
Fernandes (2006) de contrarrevoluo autodefensiva que culminou com a
conquista de posio de fora e barganha, o que permitiu burguesia brasileira ir
alm, se relacionando com o capital financeiro internacional.
Nesse perodo, a acumulao capitalista passa a ser dominada pelo capital
industrial, e o Estado comea a se colocar enquanto interventor na proteo social, a
fim de responder a algumas reivindicaes dos trabalhadores sem sacrificar a
lucratividade do capital. As mudanas ocorridas no Brasil no ps 1930 evidenciam
as bases da interveno social do Estado brasileiro (MOTA, 2005).
26
A Lei Eloy Chaves marca o incio das polticas de Seguridade Social no Brasil. Essa Lei instituiu as Caixas de Aposentadorias e Penses (CAPs). Behring e Boschetti (2007) afirmam que as primeiras categorias atendidas pelas CAPs, a exemplo dos ferrovirios e martimos, no o foram por acaso, e sim porque neste perodo a economia cafeicultora de exportao tinha estas categorias como centrais.
38
Nessa dcada foi criado tambm o Ministrio da Educao e Sade Pblica. A
sade pblica era conduzida pelo Departamento Nacional de Sade (1937) e no que
se refere ao atendimento mdico hospitalar era conduzida pela iniciativa privada e
filantrpica. Mas foi nas polticas destinadas proteo trabalhista que a Era Vargas
se destacou com a criao do Ministrio de Trabalho, Indstria e Comrcio (1930),
da Carteira de Trabalho (1932) e dos direitos previdencirios como os Institutos de
Aposentadoria e Penses (IAPs), j supracitados. Alm dessas conquistas, foi
criada, concomitantemente, a Constituio de 1934 (com princpios polticos liberais
e econmicos reformistas), na qual se legitimava a regulamentao do salrio
mnimo, e posteriormente promulgou-se a Constituio de 1937, (inspirada nos
modelos coorporativos fascistas), fechando esse ciclo evolucionrio, com a
Consolidao das Leis Trabalhistas, em 1943 (BEHRING; BOSCHETTI, 2007;
PEREIRA, 2002).
Vale ressaltar que eram portadores de direitos apenas os que possuam a Carteira
de Trabalho assinada, demonstrando assim o carter fragmentado e corporativo do
reconhecimento dos direitos no Brasil, caracterizando uma cidadania regulada.
Alm disso, importante lembrar, que essas polticas tinham como fim ltimo conter
os movimentos trabalhistas. At mesmo a participao dos operrios na gesto dos
IAPs se constitua em forte mecanismo de cooptao dos mesmos (BEHRING;
BOSCHETTI, 2007).
Pereira (2002, p. 130) refora essa ideia lembrando que as polticas sociais no
perodo Varguista funcionavam muitas das vezes como uma [...] espcie de zona
cinzenta, onde se operavam barganhas populistas entre Estado e parcelas da
sociedade e onde a questo social era transformada em querelas reguladas jurdica
ou administrativamente e, portanto, despolitizada.
O perodo de 1940 a 1944 marcado por grande ascenso industrial, os nmeros
de empregos crescem e o salrio dos trabalhadores sofre acentuado declnio com a
precarizao de suas condies de trabalho e intensificao da explorao. O
Estado atua como um agente de regulamentao das condies favorveis ao
capitalismo industrial, intervindo no mercado de trabalho. Por um lado, reprime as
39
formas de organizao trabalhistas que s poderiam atuar com autorizao do
Ministrio do Trabalho, e, por outro, restringe a aplicao de aspectos importantes
das leis trabalhistas (IAMAMOTO;CARVALHO, 2004).
Nesse perodo os empresrios criaram o Servio Social do Comrcio (SESC), o
Servio Nacional de Aprendizagem (SENAI) e o Servio Social da Indstria (SESI),
influenciados por um iderio de paz social e diante da argumentao de colaborar
institucionalmente para a reduo do pauperismo. O financiamento era
regulamentado pelo Estado como uma forma de contribuio social obrigatria das
empresas. O Estado, ento, no exerccio de sua funo de defender as condies
propcias para o desenvolvimento capitalista, no atuou somente como receptor de
presses do empresariado. Diante da escassez de recursos tambm os induz a
interessar-se pela formao da fora de trabalho e da se institui o SENAI, com os
objetivos de adequao da fora de trabalho s necessidades do sistema industrial e
da produo de trabalhadores ajustados psicossocialmente ao estgio de
desenvolvimento capitalista (MOTA, 2005).
A criao dessas instituies, atenderia s necessidades tpicas da atividade
industrial e tambm contemplaria novos objetivos do empresariado, fortalecendo a
organizao patronal, socializando os custos dos servios oferecidos pelas grandes
empresas com as empresas menores e ampliando a prtica assistencial das
empresas para a famlia operria fora do espao fabril (MOTA, 2005).
O perodo de 1943 a 1945 foi o anoitecer da Era Vargas. Algumas circunstncias
como a insero do Brasil na Segunda Grande Guerra Mundial em 1942, a falta de
controle sobre as heterogneas fraes burguesas e sobre a situao da classe
trabalhadora e de suas lutas foram fundamentais para esse processo (PERERIA,
2002).
O perodo do Governo Dutra (1945-1950) foi chamado de fase da redemocratizao.
Destacou-se nesse perodo a promulgao da Constituio Federal de 1946
(portadora de ideias liberais) e a criao do Plano Salte (Sade, Alimentao,
Transporte e energia), o primeiro plano a incluir os setores da sade e da
alimentao (PEREIRA, 2002). Representa uma adaptao nova fase de
40
aprofundamento do capitalismo sob uma conjuntura poltica diferenciada e sua
adeso novas formas de dominao e controle do movimento operrio, cuja
especificidade ser dada pelo populismo e desenvolvimentismo, onde a procura do
consenso se sobrepe coero (IAMANOTO e CARVALHO, 2002).
Vargas volta ao poder em 1950 por meio de eleies diretas. Retomando o iderio
nacionalista, investiu na diversificao industrial e na produo de bens
intermedirios e de capital. O Estado intensifica sua interveno na economia o que
explica a criao de empresas estatais nesse perodo, a saber: Petrobrs, Eletrobrs
e Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE) (PEREIRA, 2002).
Nesta segunda fase de governo, segundo Behring e Boschetti (2007), no houve
nenhuma inovao significativa nas polticas sociais. Foram criados novos IAPs e
houve a separao entre os Ministrios da Sade e da Educao em 1953. Com a
morte de Vargas em 1954, o pas governado por governos provisrios at 1956.
no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) que o processo de
desenvolvimento econmico volta a se intensificar. A expresso maior desse
processo foi o chamado Plano de Metas, que objetivava um crescimento econmico
de 50 anos em 5. Esse processo de salto para a economia brasileira acirrava a luta
de classes, pois implicava o aumento numrico e a concentrao da classe
trabalhadora, com suas consequncias em termos de maior organizao poltica e
conscincia de classe (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
Nesse perodo, tambm crescem as tenses no campo, com a organizao das
Ligas Camponesas, em funo da inexistncia de uma reforma agrria consistente e
de imensa concentrao da terra. Tambm cresce a tenso das camadas mdias
urbanas, com destaque para os estudantes universitrios e suas reivindicaes pela
ampliao do ensino pblico superior (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
Segundo Pereira (2002) foi nesse perodo que se iniciou o deslocamento no eixo
trabalhista para as demais reas sociais, mas sem expresses muito significativas.
desse perodo, a aprovao da Lei Orgnica da Previdncia Social (LOPS), em
1960, proposta desde o Governo Vargas.
41
Nos Governos de Jnio Quadros e Joo Goulart (1961-1964) o contexto herdado do
perodo anterior era de estagnao econmica e de endividamento externo. Nesse
perodo se destacou: na previdncia, a aprovao de mais uma proposta da Era
Vargas, qual seja a previdncia para os trabalhadores rurais, em 1963; na educao,
a Lei de Diretrizes e Bases, o Programa de Alfabetizao de Adultos e o Movimento
de Educao de Base; e, na sade, a transformao do Servio Especial de Sade
Pblica em fundao e a criao de um novo Cdigo Sanitrio, com uma concepo
mais orgnica da sade (PEREIRA, 2002).
O perodo de 1946 a 1964 foi marcado por uma forte disputa de projetos e
intensificao da luta de classes, o que acarretou em uma secundarizao das
polticas sociais nos planos dos respectivos governos. Em 1964, a disputa do projeto
nacional desenvolvimentista e do projeto de desenvolvimento associado ao capital
estrangeiro culminou no Golpe militar de 1964, que deu incio a um perodo de 20
anos de autocracia burguesa e impulsionou uma nova fase do processo de
modernizao brasileira (BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
Cabe destacar que no plano internacional, as burguesias dos pases capitalistas
centrais promoviam formas de enfrentamento crise do capital, j adentrando em
novos modelos de produo e de regulao social, enquanto que o Brasil vivenciava
a expanso do modelo de produo fordista a populao passa a ter mais acesso
a carros, casa prpria, eletrodomsticos num contexto de crescimento econmico
que ficou conhecido como Milagre Brasileiro. O processo de produo em massa
de automveis e eletrodomsticos j vinha desde 1955, com o Plano de Metas, mas
no projeto desenvolvimentista da Ditadura Militar esse movimento de intensificou
(BEHRING; BOSCHETTI, 2007).
O significado do perodo da ditadura, para Netto (1998), transcende os limites
territoriais do pas. Orquestrada por centros imperialistas com hegemonismo norte-
americano, o ciclo da ditadura militar ou a contrarreforma preventiva, inserida num
processo global, atingiu diversos pases, especialmente os ditos de Terceiro Mundo.
Seus propsitos especficos e articulados eram adaptar o desenvolvimento desses
pases ao novo movimento transcendente da economia capitalista, enquadrando-os
42
internacionalizao do capital bem como combater o avano de grupos
insurgentes que se mobilizavam frente subalternidade engendrada pelo sistema
capitalista.
O Brasil, neste perodo, no havia ainda solucionado problemas estruturais de sua
descolonizao incompleta, ao contrrio disso, aprofundou tais problemas de forma
a torn-los ainda mais complexos: refuncionalizao e integrao de formas
econmico-sociais na dinmica do capitalismo, por exemplo, a manuteno dos
latifndios e o bloqueio da participao dos segmentos subalternos da sociedade
nos processos polticos decisrios em face de solues vindas pelo alto (NETTO,
1998). O pas caminhava em direo expanso de suas indstrias, abandonando o
modelo de substituio de importaes27 para dar lugar s indstrias pesadas, que
frente ao desafio de elevar a capacidade produtiva do pas, implementou a reunio
de recursos advindos do trip sustentado pelo Estado, capital privado e por
empresas transnacionais.
Tal modelo de acumulao em curso no pas contrastava com as demandas das
classes subalternas (representadas por setores democrticos e camadas
intelectuais), que fez emergir tenses e lutas sociais nesse perodo, rebatendo-se
numa ofensiva da classe burguesa que optou pela via repressiva, instaurando o que
Netto (1998) chama de movimento cvico-militar.
O Estado teve um papel funcional nesse processo assegurando o espao para o
desenvolvimento do capitalismo monopolista no Brasil, numa perspectiva altamente
antinacionalista e antidemocrtica, pois, aprofundou e ampliou a heteronomia e
excluiu grande parte da sociedade do protagonismo poltico. O Estado autocrtico
burgus no somente favoreceu como tambm produziu o processo de
concentrao e centralizao poltica e econmica sob a modernizao
conservadora.
A dcada de 1970, ainda sob a lgica da autocracia burguesa, foi para o Brasil um
momento de crescimento econmico em vista do incremento da produo industrial
que possibilitou um aumento nas taxas de lucro. Por outro lado, sua sustentao por
27
Esse processo se iniciou na dcada de 1950 com o Plano de Metas.
43
um longo perodo era invivel [...] diante dos limites de ampliao do mercado
interno de massas, cuja constituio, evidentemente no era o projeto da ditadura
[...] (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p.135). Aliado a esses fatores, a conjuntura
externa da acumulao capitalista passava por um perodo de saturao e
in