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PROGRAMA SABERES DA TERRA: Saberes Tradicionais e Educação Patrimonial em São João del-Rei e Região
MARTINS, Mateus de Carvalho (1); HERMSDORF, Juliana de Oliveira (2); REZENDE; Maria Emília Barros (3)
1. Universidade Federal de São João Del Rei. Professor Adjunto do Departamento de
Arquitetura, Urbanismo e Artes Aplicadas. Rua Inácio Rodrigues de Faria, 80/302, Vila Marchetti, São João del-Rei – MG. CEP: 36307-228
2. Universidade Federal de São João del-Rei. Graduanda do Curso de Arquitetura e Urbanismo. Rua Marechal Deodoro, nº158, apto 301. Centro, São João del-Rei, MG, CEP: 36300-074
3. Universidade Federal de São João del-Rei. Graduanda do Curso de Arquitetura e Urbanismo Rua Frei Cândido, nº210, apto. 301. Fábricas, São João del-Rei, MG, CEP: 36301-196
RESUMO
Generalizando o termo Patrimônio Cultural, pode-se dizer que são costumes, saberes, técnicas e comportamento de um determinado grupo, que se agrupam e determina uma herança coletiva adquirida em uma determinada sociedade. E para que esses saberes sejam preservados é necessária a troca de conhecimento entre as gerações e a preservação do mesmo, por meio da documentação oral, escrita ou visual. Atuando em sua quarta edição, o Programa Saberes da Terra trabalhou com crianças e adultos da rede pública e particular de ensino, museus e moradores da cidade de São João del-Rei e região, resgatando as técnicas tradicionais construtivas, tais como o adobe, pau-a-pique e a tinta à base de terra. Para a quebra de preconceito, disseminação e conscientização acerca dessas bio técnicas ancestrais, foram desenvolvidas atividades teóricas e práticas para levantar o debate no que se diz respeito à educação patrimonial e a preservação. Num primeiro momento, foram realizadas discussões sobre o uso da terra como material construtivo, troca de saberes e, para a aplicação do conhecimento, desenvolveu-se oficinas práticas de adobe e tinta à base de terra. A sensibilização é uma das diretrizes para o desenvolvimento das atividades propostas, pois dessa maneira, comprovamos a necessidade e a importância de preservar e registrar o conhecimento vernacular. Embasando nos princípios de patrimônio, dessa maneira, o programa dissemina e concretiza o repasse da cultura desse tipo de prática bio-conceitual histórica.
Palavras-chave: Educação Vernacular; Sensibilização; Patrimônio Cultural; Adobe; Tinta de Terra.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
1. INTRODUÇÃO
A definição da palavra “patrimônio” vêm metarfoseando ao passar dos anos, dessa maneira,
atualmente consideramos patrimônio, a herança, os saberes e costumes de uma
comunidade ou instituição. Para Choay (2001), “em nossa sociedade errante,
constantemente transformada pela mobilidade e ubinquidade de seu presente, “patrimônio
histórico” tornou-se uma das palavras-chave da tribo midiática. Ela remete a uma instituição
e a uma mentalidade”. Entende-se que as obras arquitetônicas e as manifestações culturais
caracterizam um a organização e lhe atribuem valor de “Patrimônio Cultural”, uma vez que,
Cota (2013) define que “também é patrimônio cultural tudo aquilo que determinado povo
produz”.
Historicamente, somente depois da Segunda Guerra Mundial que os monumentos de
arquitetura vernacular, termo inglês para designar os edificios locais, foram considerados
Patrimônio Histórico pela Comissão dos Monumentos Históricos. Antes disso, eram
constitúidas como Patrimônio três grandes categorias: remanescentes da Antiguidade,
edificios religiosos da Idade Média e alguns castelos.
“Patrimônio Cultural” está intrinsecamente ligado à memória, uma vez que, engloba o que
entende-se por cultura de uma determinada sociedade ou grupo. Ele pode ser representado
pela transmissão de valores simbólicos tangíveis ou intangíveis, não apenas de forma
exclusivo, ele deve ser disseminado coletivamente. É somente a partir do conhecimento da
herança cultural da sociedade em que estamos inseridos e do reconhecimento da sua
identidade coletiva como identidade individual que entendemos a importância de se
preservar o que chamamos de patrimônio. O sentimento de pertencimento é chave para o
entendimento de patrimônio e a necessidade de difusão dos saberes colecionados nele.
No município de São João del-Rei encontra-se facilmente construções feitas de adobe, pau-
a-pique, taipa de pilão e com acabamento feito de tinta a base de solo. O que tornou
possível a sobrevivência destas construções durante centenas de anos foi a valorização e
preservação das mesmas por parte da população juntamente ao mercado imobiliário,
justificável pelos saberes tradicionais e a carga histórica que estas construções transmitem.
Porém, em pesquisa de percepção realizada na primeira edição do Programa Saberes da
Terra, revela que uma porcentagem significativa dos mnoradores de São João del-Rei e
Tiradentes não tinham conhecimento das técnicas tradicionais que consolidam a urbe,
apenas ouviram falar das origens históricas. Esse quadro denuncia a necessidade da
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educação patrimonial, a conscientização e promoção de conservação dos imóveis para
crianças, jovens e adultos.
Faz se necessário a diluição das barreiras que impedem a aproximação da população com
os órgãos competentes, para que assim todos estejam a par dos motivos pelo quais as
prefeituras, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, Instituto Estadual
do Patrimônio Histórico – IEPHA, Conselhos de Patrimônio, dentre outros grupos assumem
certas posturas frente ao patrimônio.
À vista disso, englobando diversas técnicas de arquitetura vernacular, a bioconstrução tem
como característica principal a preferência por materiais construtivos locais, pois dessa
forma diminui-se os gastos com transporte e fabricação. Utilizando de técnicas simples, e
muitas vezes milenares, a bioconstrução também pode ser chamada de autoconstrução, já
que as soluções para a construção dependem da criatividade do responsável e todo o
processo pode, ou não, ser coordenado por um profissional da área. A bioconstrução busca
sempre o máximo de aproveitamentos dos recursos disponíveis com o mínimo de impacto,
sendo comum o uso de águas pluviais, o reaproveitamento de resíduos além de fontes de
energia sustentáveis e, como foco do programa, a terra.
2. DESENVOLVIMENTO
Partindo de conversas, rodas de discussão e workshop sobre bioconstrução, o Programa
Saberes da Terra busca o despertar da consciência acerca do patrimônio cultural – frisando
a arquitetura vernacular – daqueles que são afetados de modo direto.
“A Educação Patrimonial é um instrumento de “alfabetização cultural” que
possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à
compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em
que está inserido” (HORTA, GRUMBERG e MONTEIRO, 1999).
A educação patrimonial pode ser aplicada em diferentes níveis de manifestações culturais e
conjunto de bens, como monumentos, parques, centros urbanos, área rural, manifestações
folclóricas, rituais religiosos e até mesmo processos de produção industrial ou/e artesanal.
Seja esta manifestação material ou não, se aplica a qualquer outra expressão resultante da
relação entre indivíduos e seu meio.
Partindo do princípio defendido por Voltaire (2008, p.432) de que o “proprietário de um
terreno cultiva melhor a sua terra do que quando esta pertence”, a conscientização do
patrimônio gera efeitos positivos na forma como determinado grupo se posiciona em relação
a sua própria cultura. Reconhecer o que está presente no dia a dia e perceber que é
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possível continuar esta tradição, fortalece o sentimento de pertencimento, colaborando com
a preservação cultural e manifestar o sentimento de coletividade. Dessa maneira, presume
que a sensibilização junto às comunidades e seu patrimônio auxilia a troca de conhecimento
e saberes entre os indivíduos, facilitando a compreensão do que é realmente importante
para a sociedade.
Em sua quarta edição, o Programa Saberes da Terra trabalhou com crianças da rede
pública e particular de ensino e moradores da cidade de São João del-Rei e Tiradentes
desenvolvendo atividades de educação patrimonial baseadas nos conceitos de preservação
cultural e bioconstrução.
Nesta edição do programa foi inserida nas discussões, a tinta à base de solo, de maneira
levantar questionamentos acerca do seu uso e os benéficios que a mesma possui como
meio sócio-sustentável e custo-benefício. Para a produção da tinta de solo é necessário
apenas terra, água e cola nas proporções de 1 por 1 por ½, respectivamente. A tonalidade
da tinta pode preservar a naturalidade da terra ou adicionar pigmentos naturais ora
industrializados. O preparo da mesma é relativamente rápido e simples, se feito em pequena
quantidade. Os participantes da oficina de capacitação após produzirem a tinta,
experimentam a textura, a cobertura, a tonalidade e a eficácia da terra em papeis para
aquarela ou, se possivel, em parede.
O principal objeto e produto de estudo, o adobe, é um material vernacular usado na
construção civil. É considerado um dos antecedentes históricos do tijolo de barro e seu
processo construtivo é uma forma rudimentar de alvenaria, usualmente feito manualmente.
São tijolos de terra crua, água, palha ou capim seco, e esterco seco, moldados em fôrmas
retangulares. Para chegar-se ao ponto da massa, coloca-se uma pequena quantidade da
massa na mão e ao virar a palma da mão para baixo, ela têm de resistir a gravidade por
mais de 5 segundos. Em seguida, coloca-se a massa nas forminhas, apertando ao máximo
para o ar da massa sair e garantir que a mesma não rache. O tijolo é desenformado e
colocado em sombra e protegido das intempéries, pois dessa forma, evita-se que o mesmo
trinque na secagem. O tempo médio para a secagem do tijolo é de 15 dias. O uso de fibras
naturais garante que durante a secagem do tijolo, ele não sofra rachaduras devido a
retração.
3. METODOLOGIA
O foco de ação do Programa Saberes da Terra são as comunidades de São João del-Rei e
região, objetivando o estreitamento das relações entre o acadêmico e o meio urbano no qual
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ele está inserido, pois ambas as partes possuem saberes que devem ser compartilhados.
Junto a comunidade foram realizadas diversas atividades acerca de educação patrimonial,
na quebra de pré-conceitos que rodeiam a arquitetura vernacular e biocontrução, além de
estimular o contato direto de crianças e adultos com a terra. Nesta edição foi proposto a
divisão das atividades em dois momentos: a parte teórica desenvolvida com base em
discussões e conversas guiadas, e a segunda parte, a prática do conhecimento adquirido
anteriormente, por meio das oficinas de adobe e tinta de solo.
No inicio da edição de 2014, as bolsistas juntamente com o orientador, participaram de
cursos que foram oferecidos pelo Museu da Arte Sacra da cidade de Tiradentes acerca das
diferentes técnicas de alvenaria histórica, como o pau-a-pique, adobe e taipa de pilão. A
procura pelo aprendizado de técnicas alternativas construtivas vêm do objetivo de expansão
do conhecimento e posteriormente, o ensino à comunidade. Além disso, como já foi
supracitado, introduziu-se o ensino de tinta à base de terra.
Diferente das edições anteriores, não foi estabelecido um programa rígido de locais no qual
seriam realizados os cursos. A primeira ação do Programa no ano de 2015, foi a
participação na “Semana de Museus” do Museu Padre Toledo em Tiradentes (Figura 3 e
Figura 2), no qual foram realizadas oficina de adobe para adultos e de tinta de terra para as
crianças. É claro, a inexistência de delimitação de faixa etária para participar das oficinas e
atividades desenvolvidas, pois acredita-se que a educação patrimonial e o saber acerca da
arquitetura vernacular deve ser disseminada a toda população, desmanchando as amarras
socio-econômicas e culturais.
Figura 1 – Oficina de tinta de terra no Museu
Padre Toledo, em Tiradentes-MG
Figura 2 – Oficina de adobe no Museu Padre
Toledo, em Tiradentes-MG
Fonte: Programa Saberes da Terra, 2014
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Uma atividade de destaque durante o ano corrido foi a participação do Programa Saberes
da Terra no Encontro Regional de Estudantes de Arquitetura – EREA Minas, espaço para
discussão acerca do construir arquitetônico e o resgate das técnicas tradicionais. E como
prática, foi realizado a pintura com a tinta de terra das casas do bairro Araçá, em São João
del-Rei (Figura 3 e Figura 4).
Figura 3 – EREA Minas: Encontro Regional de
Estudantes de Arquitetura. Pintura com tinta de
terra no Bairro Araçá em São João del-Rei
Figura 4 – Comunidade e participantes do EREA
Minas: Encontro Regional de Estudantes de
Arquitetura. Pintura com tinta de terra no Bairro
Araçá em São João del-Rei
Fonte: Programa Saberes da Terra, 2014
Um dos pontos marcantes no ano de 2014 foi a oficina realizada na Casa Lar na cidade de
São João del-Rei, local de abrigo provisório para crianças e adolescentes encaminhados
pelo Conselho Tutelar (Figura 5 e Figura 6).
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Figura 5 – Criança confeccionando um mini
adobe na Casa Lar, em São João del-Rei
Figura 6 – Mini tijolos de adobe feitos pelas
crianças da Casa Lar, em São João del-Rei
Fonte: Programa Saberes da Terra, 2014
Para entender a ordem cronológica – da teoria à prática – das atividades desenvolvidas no
Programa Saberes da Terra, dividi-se em seis partes aplicáveis para o questionamento da
produção arquitetônica no âmbito de bioconstrução. Essas etapas são apresentadas a
seguir.
3.1 OBSERVAÇÃO
Após apresentar rapidamente o Programa Saberes da Terra e a tipologia de construções do
periodo colonial, inicia-se a etapa no qual o cursante identifica uma construção na cidade
que seja considerado patrimônio cultural e que possivelmente utilizou das técnicas
construtivas tradicionais. É considerada sua função e as justificativas do tombamento do
imóvel; e por meio de conversa guiada pelas alunas bolsistas, destacam-se questões
relativas às técnicas construtivas tradicionais – adobe, pau-a-pique e tinta à base de solo. É
de importância destacar também a relevância histórica do monumento para a história da
cidade. A partir deste momento, inicia uma discussão acerca de educação patrimonial, a
relevância da preservação do patrimônio, o uso das técnicas milenares no sistema
construtivo atual e a inserção do indíviduo na herança cultural e papel social.
3.2 SENSIBILIZAÇÃO AOS VALORES
No decorrer da roda de discussão, é pautada a importância da autoconstrução e do sentido
de pertencimento ao lugar para materializar o genius loci por meio das vivências no espaço
construído. É evidenciado a questão energética emanada pela terra ressaída tanto em
estudos alternativos, medicinais, como na física; o poder que ela tem sobre nosso corpo.
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A produção dos materiais como etapa integrante do processo de construção nos
proporciona muito além do conhecimento dos materiais, mão de obra ou custo, a
importância do resgate cultural e troca de saberes.
Igualmente, a capacidade e beleza da autoconstrução, participando de todo o processo,
todo tijolo ou pintura faz-se especial. Os dois produtos podem ser trabalhados por pessoas
sem muitas especializações, sobretudo pela facilidade da produção e manuseio dos
elementos, realizados até por crianças, retomando um dos sintomas de inspiração: a
execução. A poesia de erguer algo, especialmente quando este se transforma em abrigo,
gera o reconhecimento do seu valor e a relação de pertencimento ao local, refletindo a
necessidade de conservação do patrimônio e o prazer de mantê-lo, passando esse costume
adiante, enraizando as tradições.
As atividades desenvolvidas são de caráter interdisciplinar, envolvendo a biologia,
psicologia, filosofia e arquitetura, entre outros. Desta forma, questionamos a maneira como
produzimos os nossos bens materiais e os impactos que os mesmos causam no meio
ambiente. A exemplo, temos a oficina de tinta de terra realizada com crianças do ensino
fundamental da Escola Estadual Tomé Portes del-Rei, no qual a discussão era a moradia
dos índios, inciada na disciplina de filosofia escolar, incluindo a troca de conhecimento com
o grupo de permacultura Yebá da Universidade Federal de Lavras – UFLA.
3.3 MEMORIZAÇÃO
Como descrita na teoria cognitiva de Jean Piaget, a fixação da sabedoria se dá de maneira
empírica, já que o conhecimento parte tanto do abstrato para o concreto quanto vice-versa.
Partindo desta premissa, é de suma importância a fixação dos saberes adquiridos e
transferidos num exercício prático.
Após as discussões acerca de patrimônio cultural, herança familiar, experiências com
técnicas alternativas são realizadas oficinas práticas de adobe e tintas à base de solo, em
especial as crianças para que, desde cedo possam aprender sobre as tradições construtivas
e as técnicas. Todo o material produzido pode ser levado para casa.
3.4 INTERPRETAÇÃO
Posteriormente à memorização, é instigada a capacidade de análise e julgamento crítico por
parte dos cursantes. A partir do momento que eles são incentivados a identificar a presença
destas técnicas nos bens edificados da cidade e no cotidiano, são aptas a examinar,
explorar e esquadrinhar o conteúdo tratado. Assim, são sensibilizados e tornam-se mais
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observadores à presença dessas técnicas na rotina, no trajeto diária, a viabilidade de aplicar
as técnicas atualmente, bem como o valor da edificação enquanto patrimônio cultural da
cidade.
3.5 APROPRIAÇÃO
É o reconheciemento do coletivo, o envolvimento afetivo, capacidade de apropriação, o
sentimento de pertencimento às tradições, a valorização do bem cultural e sua preservação.
Este conceito é o alicerce do programa, que trabalha com ensinamentos de técnicas
construtivas tradicionais à sociedade como forma de difusão destes saberes e assim
estimulando o reconhecimento destas técnicas como algo que lhe pertence e,
consequentemente, o que promove a preservação e continuidade do ensinamento dos
saberes e da herança cultural.
3.6 DISSEMINAÇÃO
Estágio ocorrente em dois âmbitos. A primeira pós-atividades do programa, na qual o
cursante, depois de entrar em comunhão com o assunto e se envolver com as técnicas
tradicionais de construção, se torna um importante meio de disseminação deste saber,
predominantemente entre as pessoas mais próximas de seu círculo social, como familiares
e amigos. Além disso, ele poderá dar continuidade à tradição desta técnica construtiva
através de suas gerações de forma oral, principalmente. Tornando possível o enraizamento
do saber popular e tradicional transmitida através das gerações.
A segunda trata-se de táticas desenvolvidas do programa, como a produção de materiais
para divulgação geral do trabalho. Entre eles, tem-se a produção de artigos, banners,
cartazes, camisetas, adesivos, folders para participação em eventos acadêmicos para a
disseminação entre a comunidade acadêmica e de São João del-Rei.
4. CONCLUSÃO
A preocupação acerca do resgate da herança coletiva, a conservação do patrimônio
arquitetônico, a educação patrimonial nas comunidades e a efervescência pela troca de
sabres conduziu a necessidade de definir conceitos e critérios para preservação e
continuidade da técnica vernacular construtiva, técnica milenar, além correlacionar às
preocupações de sustentabilidade, bioconstrução e permacultura no âmbito construção civil.
Na cidade de São João del-Rei, existe um centro histórico tombado pelo IPHAN, no qual
possui uma gama de edificações com técnica construtiva de alvenaria vernacular. Tais
imóveis ainda cumprem com o papel social no qual foi concebido com algumas alterações
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de uso, colocando em prova a resistência e longevidade do adobe, pau-a-pique, taipa de
pilão, a tinta a base de terra, e outros materiais que utilizam a terra como matéria prima. A
técnica, a tipologia construtiva e as características do entorno arquitetônico revelam a
cultura no qual a obra foi construída e o modelo de planejamento da época. Essas
alvenarias históricas – adobe, pau-a-pique, taipa de pilão e alvenaria em pedra – estão
inseridas no conceito de Patrimônio Cultural. O saber tradicional, desde o inicio do
Modernismo vem perdendo espaço no mercado em função da difusão de elementos
construtivos contemporâneos, como o concreto, o aço, vidro e os tijolos queimados, no qual
são considerados funcionais pela praticidade de produção deles.
Uma vez que estamos inseridos numa cidade onde as técnicas tradicionais construtivas são
facilmente detectadas e necessitam, além de cuidados especiais para sua preservação,
precisam de difusão do saber, cabe à Universidade, enquanto instituição baseada no
trinômio Ensino, Pesquisa e Extensão, desenvolver e apoiar atividades na comunidade local
que incentivem o pensar coletivo, as alternativas perante o funcionalismo e enquadro
Modernismo. A preservação destes bens intangíveis é de suma importância para a
disseminação futura do conhecimento, das tradições culturais e como alternativa construtiva
do habitar.
O Programa Saberes da Terra propõe o ensino desses saberes supracitados para
comunidades de São João del-rei e região para tentar resgatar o sentimento de
pertencimento a cidade, no qual pode se dizer que enfraqueceu com o esvaziamento do
centro, devido a especulação mobiliaria e o turismo.
Na segunda edição entre abril de 2012 e março de 2013, atuou na comunidade local,
principalmente com crianças da rede pública de ensino, desenvolvendo atividades de
educação patrimonial e reconhecimento das técnicas construtivas, visando à difusão e a
preservação destes conhecimentos a partir do processo de reconhecimento e valorização do
saber. Houve também atividades com moradores da cidade, destacando-se a oficina de
confecção de adobe com as crianças do bairro São Dimas, onde houve também a adesão
de adultos e foi possível realizar a troca de conhecimentos com pessoas que já tinham
contato com a técnica. O programa teve uma boa receptividade nas comunidades locais,
sendo avaliado de forma positiva tanto pela a coordenação da Escola Municipal Maria
Teresa, quanto pelos moradores do bairro São Dimas. Além da comunidade de São João
del Rei, foram ministradas oficinas em Tiradentes com jovens e crianças da região periférica
para ilustrar alternativas construtivas que podem ser aplicadas no ambiente em que elas
vivem.
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É valido destacar que o Programa Saberes da Terra vem desenvolvendo, em parceria com
outros grupos de extensões da Universidade Federal de São João del-Rei, atividades em
duas comunidades Quilombola, Jaguara e Palmital, localizadas no município de Nazareno-
MG, próximo a São João del Rei. Há nessas comunidades variações de terra entre branco,
rosa, roxo e amarelo. Esses solos estão sendo pesquisados e analisados através do
trabalho intitulado “Saberes da Terra – Tons dos Solos: Estudos, Produção e Avaliação de
Tintas à Base de Solos”. Esses solos, após analise, serão utilizados pelo Programa Saberes
da Terra para pintar junto aos moradores, as fachadas das casas.
Além disso, visto a necessidade de disseminação das técnicas alternativas construtivas no
meio acadêmico, foi ministrado no Encontro Regional de Arquitetura e Urbanismo – EREA
Minas, oficinas de adobe e tinta de solo, com o objetivo de levantar questionamento da
produção arquitetônica no campo construtivo. Pois, boa parte dos alunos desconhecem as
técnicas vernaculares e a necessidade de preservação e divulgação da mesma. De maneira
a garantir a transmissão de conhecimento para a comunidade e as gerações e, quebrar os
preconceitos acerca de bioconstrução e permacultura, interdisciplinaridade entre os campos
de arquitetura, biologia, filosofia, psicologia, entre outras.
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Estudo Sobre a Produção de Tintas à Base de Solo. Projeto de Pesquisa – Edital Nº
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6. AGRADECIMENTOS
Agradecemos primeiramente à Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ); à PROEX
– Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitário; ao Departamento de Arquitetura,
Urbanismo e Artes Aplicadas – DAUAP, pela ajuda e disponibilização de técnicos e
laboratórios para a execução da parte prática da extensão. Também foi essencial para o
bom andamento do Programa, a autorização dos diretores dos locais que foram realizadas
as oficinas.