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13 Quinta-Feira, 1 de Março de 2012 Jornal VILACONDENSE Sociedade “Profissões da nossa terra” Moleiro Há cem anos, era comum ver as margens dos rios e riachos recheadas de moinhos. Serviam a comunidade que transformava os cereais que produzia em fari- nha para o uso doméstico. No lugar de Figueiró de Baixo, em Bagunte, o Moinho do Peniche é como uma pequena marca do passado. Da família do Peniche, é o único moinho em funcionamento no conce- lho de Vila do Conde. Joaquim já não é novo e não conhece ao certo as origens do moinho que, hoje, ainda faz funcionar. Sabe que pertenceu ao seu avô, José António Peniche e, depois, pas- sou para a sua mãe. O processo de moagem dos cereais é bastante simples. Quando a água entra e embate no rodízio do moinho (uma roda horizontal que está ligada a uma mó) os cereais que se encontram entre as duas mós (uma por cima que se move com o rodízio e a de baixo que está sempre parada) são triturados, transforman- do-se em farinha. Localizado no Ribeiro de Fri- ães, um afluente que desagua no Rio Ave, o moinho do Peni- che sempre moeu trigo, milho e centeio. “Quando o meu avô era moleiro, haviam quatro moi- nhos neste ribeiro”, que moíam para o povo da terra, explica Joaquim. As pessoas chegavam com os sacos de cereal, “algu- mas com eles à cabeça e os mais avultados vinham em carros de bois”. Por vezes, o moinho era um local em que se troca- vam notícias da terra. Os fregue- ses partilhavam as novidades e ainda haviam momentos de riso, quando se contavam as peripé- cias do dia a dia em Bagunte. Normalmente, os clientes não ficavam muito tempo no moi- nho. A moagem é uma processo demorado, o moleiro Peniche explica que “um saco de milho de 40 quilos demora, em média, umas 10 horas a moer”. A maquia, valor pago ao moleiro pela transformação dos cereais em farinha, variava ao longo dos anos. O moleiro, tam- bém conhecido como Joaquim de Santagões, explica que se a farinha fosse para revenda, o freguês apenas pagaria metade da maquia. Com o passar dos anos, já não consegue recor- dar com certeza o valor da maquia, mas afirma que “era mais ou menos a 50 centavos cada arroba”. Uma actividade ingrata Na terra, a profissão de moleiro era vista como “uma actividade normal, sem grande desenvolvimento e que não dava para grandes larguezas”, explica o senhor Peniche. Normalmente, o moleiro vivia em harmonia com a lavoura. Colocava os cereais a moer e, enquanto estes estavam a ser tritura- dos, cultivava um “bocado de terra que ainda aqui tenho”. “Só com o moinho não dava para viver”. Era um negócio de família, mas tinha sempre o complemento monetário da agricultura. “O moleiro tinha dois ou três filhos que, quando eram novos, ajudavam no moi- nho, mas depois dedicavam-se a outras artes”. Joaquim dá o seu exemplo, dizendo que os irmãos enveredaram por outros caminhos para conse- guir vingar na vida. Grão a grão, o cereal ia-se desfazendo, sem tecnologia e apenas movido pela natu- reza. “Devo estar a moer uma média de 4 quilos à hora”, constata. A água moldava a rotina do moinho. No Inverno, por vezes, estava parado quando havia uma inundação e, no Verão, faltava água para o rodízio trabalhar. “Na altura do meu avô e da minha mãe, o moinho parava mesmo”. Hoje, o moleiro Peniche tem um motor que utiliza quando a água é escassa. Um património tão nosso e tão olvidado Homem dos dois ofícios, a agricultura e a moagem, Joa- quim não vê grande futuro para o seu moinho. As rugas já pesam no olhar. Gosta de ser moleiro, mas não quer que os filhos continuem com a profissão. “Apesar de valori- zar a tradição e o património, é uma actividade que não dá dinheiro”, acrescenta, “mui- tas vezes, até dá despesa”. O Moinho do Peniche é um exemplo real das centenas de moinhos de roda horizontal existentes no Norte do país. O negócio é centenário e, um pouco pelas margens dos rios e afluentes, vêem-se ainda as ruínas de moagens passadas. Se acompanharmos o Ribeiro de Friães até ao Rio Ave, con- seguimos ver as estruturas de antigas Azenhas da terra. Na ponte D. Zameiro, conhe- cida como a ponte velha sobre o Rio Ave, um grupo de homens com idade suficiente para conhecer os moinhos e azenhas de Vila do Conde, apreciam o património que resta. “É uma actividade cen- tenária, mas que se foi per- dendo”, frisa Joaquim Peni- che. A velocidade das mós não acompanhou a eficácia e rapi- dez da tecnologia. “As gran- des superfícies abafam tudo e, com preços mais baixos e a produzir grandes quantida- des, já ninguém vinha moer”, explica. O fabrico doméstico de pão decaiu drasticamente, bem como a produção de cere- ais para moer. O moleiro do Peniche lá se vai aguentando, põe o moinho a funcionar, na maioria das vezes, por gosto. Afinal, é o único moleiro activo de Vila do Conde. Mariana Catarino Aprendeu com o avô e a mãe e hoje em dia ainda é moleiro. O moinho da família Peniche é a única réstia de história da moagem em Vila do Conde. ARJERO ELECTRODOMÉSTICOS ESCRITÓRIO, EXPOSIÇÃO E ARMAZÉM: Rua D. Manuel I, 220 (Junto à Clipóvoa) - Tlf 252 613 431 Fax 252 685 481 Tlm 932 613 431 LOJA 1: Av. Mouzinho de Albuquerque, 134 R/c - Tlf 252 683 397 Tlm 936 833 977 PUB Joaquim Peniche “A moagem é uma actividade que não dá dinheiro, muitas vezes, até dá despesa”

Profissões da Nossa Terra: Moleiro

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Rúbrica "Profissões da Nossa Terra", no Jornal Vilacondense Autoria: Mariana Catarino

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Page 1: Profissões da Nossa Terra: Moleiro

13Quinta-Feira, 1 de Março de 2012 Jornal VILACONDENSE

Sociedade

“Profissões da nossa terra”

MoleiroHá cem anos, era comum ver

as margens dos rios e riachos recheadas de moinhos. Serviam a comunidade que transformava os cereais que produzia em fari-nha para o uso doméstico.

No lugar de Figueiró de Baixo, em Bagunte, o Moinho do Peniche é como uma pequena marca do passado. Da família do Peniche, é o único moinho em funcionamento no conce-lho de Vila do Conde. Joaquim já não é novo e não conhece ao certo as origens do moinho que, hoje, ainda faz funcionar. Sabe que pertenceu ao seu avô, José António Peniche e, depois, pas-sou para a sua mãe.

O processo de moagem dos cereais é bastante simples. Quando a água entra e embate no rodízio do moinho (uma roda horizontal que está ligada a uma mó) os cereais que se encontram entre as duas mós (uma por cima que se move com o rodízio e a de baixo que está sempre parada) são triturados, transforman-do-se em farinha.

Localizado no Ribeiro de Fri-ães, um afluente que desagua no Rio Ave, o moinho do Peni-che sempre moeu trigo, milho e centeio. “Quando o meu avô era moleiro, haviam quatro moi-nhos neste ribeiro”, que moíam para o povo da terra, explica Joaquim. As pessoas chegavam com os sacos de cereal, “algu-mas com eles à cabeça e os mais avultados vinham em carros de bois”. Por vezes, o moinho era um local em que se troca-vam notícias da terra. Os fregue-ses partilhavam as novidades e ainda haviam momentos de riso, quando se contavam as peripé-cias do dia a dia em Bagunte. Normalmente, os clientes não ficavam muito tempo no moi-nho. A moagem é uma processo demorado, o moleiro Peniche explica que “um saco de milho de 40 quilos demora, em média, umas 10 horas a moer”.

A maquia, valor pago ao moleiro pela transformação dos cereais em farinha, variava ao longo dos anos. O moleiro, tam-bém conhecido como Joaquim de Santagões, explica que se a

farinha fosse para revenda, o freguês apenas pagaria metade da maquia. Com o passar dos anos, já não consegue recor-dar com certeza o valor da maquia, mas afirma que “era mais ou menos a 50 centavos cada arroba”.

Uma actividade ingrata

Na terra, a profissão de moleiro era vista como “uma actividade normal, sem grande desenvolvimento e que não dava para grandes larguezas”, explica o senhor Peniche. Normalmente, o moleiro vivia em harmonia com a lavoura. Colocava os cereais a moer e, enquanto estes estavam a ser tritura-dos, cultivava um “bocado de terra que ainda aqui tenho”. “Só com o moinho não dava para viver”. Era um negócio de família, mas tinha sempre o complemento monetário da agricultura. “O moleiro tinha dois ou três filhos que, quando eram novos, ajudavam no moi-nho, mas depois dedicavam-se a outras artes”. Joaquim dá o seu exemplo, dizendo que os irmãos enveredaram por outros caminhos para conse-guir vingar na vida.

Grão a grão, o cereal ia-se desfazendo, sem tecnologia e apenas movido pela natu-reza. “Devo estar a moer uma média de 4 quilos à hora”, constata.

A água moldava a rotina do moinho. No Inverno, por vezes, estava parado quando havia uma inundação e, no Verão, faltava água para o

rodízio trabalhar. “Na altura do meu avô e da minha mãe, o moinho parava mesmo”. Hoje, o moleiro Peniche tem um motor que utiliza quando a água é escassa.

Um património tão nosso e tão olvidado

Homem dos dois ofícios, a agricultura e a moagem, Joa-quim não vê grande futuro para o seu moinho. As rugas já pesam no olhar. Gosta de ser moleiro, mas não quer que os filhos continuem com a profissão. “Apesar de valori-zar a tradição e o património, é uma actividade que não dá dinheiro”, acrescenta, “mui-tas vezes, até dá despesa”.

O Moinho do Peniche é um exemplo real das centenas de moinhos de roda horizontal existentes no Norte do país. O negócio é centenário e, um pouco pelas margens dos rios e afluentes, vêem-se ainda as ruínas de moagens passadas. Se acompanharmos o Ribeiro de Friães até ao Rio Ave, con-seguimos ver as estruturas de antigas Azenhas da terra. Na ponte D. Zameiro, conhe-cida como a ponte velha sobre o Rio Ave, um grupo de homens com idade suficiente para conhecer os moinhos e azenhas de Vila do Conde, apreciam o património que resta.

“É uma actividade cen-tenária, mas que se foi per-dendo”, frisa Joaquim Peni-che. A velocidade das mós não acompanhou a eficácia e rapi-dez da tecnologia. “As gran-des superfícies abafam tudo e, com preços mais baixos e a produzir grandes quantida-des, já ninguém vinha moer”, explica. O fabrico doméstico de pão decaiu drasticamente, bem como a produção de cere-ais para moer. O moleiro do Peniche lá se vai aguentando, põe o moinho a funcionar, na maioria das vezes, por gosto. Afinal, é o único moleiro activo de Vila do Conde.

Mariana Catarino

Aprendeu com o avô e a mãe e hoje em dia ainda é moleiro. O moinho da família Peniche é a única réstia de história da moagem em Vila do Conde.

ARJERO ELECTRODOMÉSTICOSESCRITÓRIO, EXPOSIÇÃO E ARMAZÉM: Rua D. Manuel I, 220 (Junto à Clipóvoa) - Tlf 252 613 431 Fax 252 685 481 Tlm 932 613 431LOJA 1: Av. Mouzinho de Albuquerque, 134 R/c - Tlf 252 683 397 Tlm 936 833 977

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Joaquim Peniche

“A moagem é uma actividade que não dá dinheiro, muitas vezes, até dá despesa”