Upload
duongquynh
View
215
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
Conflito de Competência 947/2015 Página 1
Processo nº 947/2015
(Autos de conflitos de competência e de jurisdição)
Data: 3/Março/2016
Assuntos: Competência para proceder ao julgamento nas
acções laborais em que o réu, citado
editalmente, não contestou, e que não foi
requerida a gravação da audiência
SUMÁRIO
- Nas acções laborais, tendo o réu sido citado
editalmente mas não contestou, não se consideram
reconhecidos os factos articulados pelo autor, antes
haveria necessidade de se proceder à instrução, discussão
e julgamento da causa.
- Diferentemente do que se verifica no processo
civil, o legislador laboral adoptou um critério diferente
na aferição da competência do tribunal
singular/colectivo, que consiste na (in)existência do
pedido de gravação da audiência (nº 1 do artigo 38º do
Código de Processo do Trabalho).
- Embora seja um critério discutível, mas não
deixa de ser uma opção do legislador.
- Nessa medida, das duas uma, ou a acção seja
julgada por tribunal singular, se for pedida a gravação
da audiência, ou por tribunal colectivo, se não houver
lugar a tal pedido.
Conflito de Competência 947/2015 Página 2
- Daí que, estando previsto no processo laboral
regime próprio no tocante à questão de intervenção do
tribunal colectivo, o nº 2 do artigo 549º do CPC deixa de
ser aplicável.
- Uma vez que não foi requerida a gravação da
audiência, não cabe ao juiz do processo nem à juiz
presidente de tribunal colectivo, por si só, proceder ao
julgamento da causa, antes pelo contrário, sendo tal
competência do tribunal colectivo.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Conflito de Competência 947/2015 Página 1
Processo nº 947/2015
(Autos de conflitos de competência e de jurisdição)
Data: 3/Março/2016
Autora/Requerente:
- A Limitada
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A Limitada, Autora na acção de processo comum do
trabalho, vem requerer a resolução do conflito negativo
de competência suscitado entre o Mmº juiz do Juízo
Laboral e a Mmª juíza presidente de tribunal colectivo,
alegando que ambos os Magistrados, em decisões
transitadas, se atribuem reciprocamente competência,
negando o próprio para conhecer do mérito da causa.
Notificados os Exmºs Juízes em conflito para,
querendo, responder nos termos e para os efeitos do
disposto nos artigos 37º, nº 2 e 3 do CPCM, veio o Mmº
juiz do Juízo Laboral declarar nada ter a acrescentar ao
despacho por si oportunamente proferido.
Notificados a Ilustre Advogada constituída e o
Digno Magistrado do Ministério Público, este último em
representação do Réu, para, querendo, pronunciar-se, nada
disseram.
Conflito de Competência 947/2015 Página 2
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Assente está a seguinte matéria de facto
pertinente para a resolução do conflito:
A 6.12.2013, a autora intentou contra o réu uma
acção de processo comum do trabalho, pedindo a condenação
deste a pagar àquele a quantia de MOP$888.890,18, a
título de reembolso por quebra do acordo de vinculação e
de compensação por cessação da relação de trabalho sem
justa causa e sem aviso prévio.
Citado editalmente, o réu não contestou a acção,
permanecendo em situação de revelia absoluta inoperante,
nos termos do artigo 406º, alínea b) do CPC.
Por despacho do juiz do processo do Juízo
Laboral, ordenou que os autos sejam encaminhados à juiz
presidente de tribunal colectivo, para os termos e
efeitos dos artigos 38º, nº 1 do CPT, artigo 24º, nº 2 da
LBOJ e artigo 549º, nº 2 do CPC.
Entretanto, a juiz presidente de tribunal
colectivo lavrou o seguinte despacho:
“Conforme o despacho de fls. 139, os presentes
autos foram-me conclusos por força dos artigos 38º, n.º 1
do CPT, 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999 e 549º, n.º 2 do
Conflito de Competência 947/2015 Página 3
CPC.
A partir das normas citadas vê-se que o mesmo tem
por base o entendimento de que o julgamento da matéria de
facto e a elaboração da sentença final nos presentes
autos cabe ao presidente do tribunal colectivo.
Tendo em conta as normas acima indicadas e o que
tem sido decidido nos casos de litígio de natureza
laboral em que é pedida a gravação da audiência, creio
que não compete, antes, ao presidente do tribunal
colectivo proceder ao julgamento da matéria de facto e à
elaboração da sentença final.
O artigo 23º, n.ºs 2 a 4 da Lei n.º 9/1999, prevê
a existência de dois tipos de tribunais: o tribunal
singular composto por um juiz (o qual, segundo
entendimento unânime é o juiz do processo) e o tribunal
colectivo composto por três juízes (um presidente do
tribunal colectivo, o juiz do processo e um juiz
previamente nomeado para o efeito). Ao lado desses dois
tipos de tribunais, existe um segundo tipo de tribunal
singular composto também por um juiz, mas desta feita,
pelo presidente do tribunal colectivo – artigo 24º, n.º 2
da mesma Lei.
Na concreta repartição das funções entre o juiz
do processo e o presidente do tribunal colectivo, no que
Conflito de Competência 947/2015 Página 4
às acções se referem, este último participa sempre no
julgamento da matéria de facto e elabora a sentença final
nas causas de valor superior à alçada dos Tribunais de
Primeira Instância – artigos 23º, n.º 6, 3), e 24º, n.º
1, 3), da mesma Lei. O que pode acontecer é a dispensa da
intervenção do tribunal colectivo nos casos previstos no
artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999, pois, nestas
hipóteses, o julgamento da matéria de facto é feito pelo
segundo tipo de tribunal singular, o composto pelo
presidente do tribunal colectivo nos casos previstos no
artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999, pois, nestas
hipóteses, o julgamento da matéria de facto é feito pelo
segundo tipo de tribunal singular, o composto pelo
presidente do tribunal colectivo.
Essa forma de repartição de competências resulta
do entendimento de que a norma do artigo 24º, n.º 2 da
Lei n.º 9/1999 veio a derrogar a norma do artigo 549º,
n.º 2 do CPC na parte que atribui competência ao juiz do
processo para julgar a matéria de facto a elaborar a
sentença final nos casos de valor superior à alçada dos
Tribunais de Primeira Instância.
A norma do artigo 38º, n.º 1 do CPT, veio, porém,
estabelecer uma disciplina própria para a mesma matéria
no âmbito dos litígios laborais. Essa norma prevê que a
Conflito de Competência 947/2015 Página 5
competência para a instrução, discussão e julgamento das
causas dessa natureza são da competência do tribunal
singular e o tribunal colectivo só intervém nos casos em
que o valor da causa é superior à alçada dos Tribunais de
Primeira Instância e em que não tenha sido requerida a
gravação da audiência de discussão e julgamento.
Portanto, à semelhança com o artigo 23º da Lei
n.º 9/1999, o CPT estabelece a dicotomia tribunal
singular/tribunal colectivo.
Poder-se-á, então, defender que o presente caso
cai na previsão da segunda parte do artigo 38º, n.º 1 do
CPT por ter valor superior à alçada dos Tribunais de
Primeira Instância e ninguém pediu a gravação da
audiência. Como a acção não foi contestada, por força do
disposto no artigo 549º, n.º 2 do CPC, não há intervenção
do tribunal colectivo e a situação encaixa na previsão do
artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999 sendo, portanto, o
presidente do tribunal colectivo competente para julgar a
matéria de facto e elaborar a sentença.
No entanto, pelo facto de o artigo 38º, n.º 1 do
CPT estabelecer um regime próprio para esta matéria, como
foi já salientado, não se deve menosprezar o seguinte:
não foi reproduzida a norma do artigo 24º, n.º 2 da Lei
n.º 9/1999 por forma a atribuir competência ao presidente
Conflito de Competência 947/2015 Página 6
do tribunal colectivo para julgar naquele segundo tipo de
tribunal singular os casos, como o presente, em que a
tramitação processual determina a não intervenção do
tribunal colectivo.
Julga-se que esse silêncio é relevante visto que,
perante um sistema de organização judiciária em que está
prevista a existência de um segundo tipo de tribunal
singular com competências próprias, a norma do artigo
38º, n.º 1 do CPT, ao estabelecer um nova forma de
repartição de competências entre os diferentes tipos de
tribunais, não podia deixar de estabelecer uma norma
semelhante ao artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999 ou,
pelo menos, fazer uma remissão expressa a esta norma se
realmente fosse esta a intenção do legislador.
Daí que a dicotomia tribunal singular/tribunal
colectivo é absoluta no sentido de, no regime de
repartição de competências das acções de natureza
laboral, não se consegue encaixar o segundo tipo de
tribunal singular com as características definidas no
artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999.
Para sustentar essa posição, não se pode deixar
de realçar o que foi salientado no Acórdão do Tribunal de
Segunda Instância, de 5 de Outubro de 2006, proferido no
processo n.º 381/2007, “… o legislador elenca
Conflito de Competência 947/2015 Página 7
primacialmente a competência do tribunal singular, para a
excepcionar através da expressão salvo.”
A isso acresce que no Acórdão acima citado
tentou-se saber da razão de ser da intervenção do
presidente do tribunal colectivo no segundo tipo de
tribunal singular, nas acções de natureza cível. Fez-se
aí referência ao critério de adequação: sendo o
presidente do tribunal colectivo, em princípio e em
abstracto, mais experiente, o mesmo está melhor preparado
para julgar os casos teoricamente mais importantes e mais
graves.
No entanto, não se deve perder de vista que, no
âmbito dos litígios laborais, está jurisprudencialmente
estabelecido que o tribunal singular referido na norma do
artigo 38º, n.º 1 do CPT, é o composto pelo juiz do
processo – cfr. nomeadamente o Acórdão do Tribunal de
Segunda Instância acima referida.
Por força disso, a instrução, discussão e
julgamento das causas, ainda que de valor superior à
alçada dos Tribunais de Primeira Instância, são da
competência do juiz do processo se for requerida a
gravação da audiência. Nessas causas incluem-se as acções
contestadas que são necessariamente mais complexas do que
as acções não contestadas, pois o tribunal é obrigado a
Conflito de Competência 947/2015 Página 8
conhecer também excepções peremptórias e dilatórias
arguidas pelo demandado que não são de conhecimento
oficioso.
Ora, tendo o juiz do processo competência para
julgar acções, em princípio, mais complexas, por maioria
de razão, o mesmo pode julgar as acções não contestadas.
Assim, para os litígios laborais, deixa de ter
sentido invocar o critério de adequação se o silêncio do
legislador laboral não for suficiente para fundamentar o
entendimento aqui sufragado. Com efeito, a coerência do
sistema não permite que se negue competência a quem é
reconhecido competente para julgar casos mais complexos e
a atribuir competência para julgar casos menos complexos
a quem, em abstracto, mais experiente e melhor preparado.
Nem se diga que a diferença entre um e outro caso
reside na existência e inexistência de gravação da
audiência. É que, a razão de atribuição de competência ao
juiz do processo nos casos em que é requerida a gravação
da audiência resulta do facto de se entender que, havendo
gravação da audiência, pode-se dispensar a intervenção de
três juízes como uma forma de racionalização da
distribuição do serviço. São razões de racionalização dos
recursos que estão na base da dispensa da intervenção do
tribunal colectivo, mas aí não entra em linha de conta a
Conflito de Competência 947/2015 Página 9
complexidade do caso.
Nos casos como o dos autos, também se dispensou a
intervenção do tribunal colectivo talvez também por
razões de racionalização dos recursos. Contudo, esses
casos, por não haver contestação, são supostamente menos
complexos.
É verdade que não foi pedida a gravação da
audiência no presente caso o que torna impossível
sindicar a prova. Porém, não se julga acertado afirmar
que, por força da falta da gravação da audiência, o
presidente do tribunal colectivo, por, em abstracto e em
princípio, mais experiente, é que está qualificado para o
julgar e decidir.
Com efeito, apesar dessa suposta maior
experiência, como o presidente do tribunal colectivo
julga sozinho, se realmente o mesmo for competente, não
deixa de ter os mesmos riscos de falha na apreciação da
prova que o juiz do processo pode ter. Não se julga
fundado estabelecer uma hierarquização entre o presidente
do tribunal colectivo e o juiz do processo a tal ponto de
se considerar aquele infalível. Daí que, nesses casos não
se pode invocar a impossibilidade de sindicância da prova
como fundamento para afirmar que o presidente do tribunal
colectivo é que é o competente.
Conflito de Competência 947/2015 Página 10
Pelo exposto, declaro-me incompetente para o
presente caso.”
Recebidos de volta os autos, pelo juiz do
processo do Juízo Laboral foi proferido o seguinte
despacho:
“No caso presente, tendo-se verificado a revelia
inoperante do Réu prevista no art. 406º, al. b) do CPC
sem que houvesse requerida gravação da audiência,
remeteram-se os autos à Mma. Juíza Presidente do Tribunal
Colectivo nos termos dos art. 38º, n. 1º do CPT, art.
24º, n.º 2º da LBOJ e art. 549º, n. 2º do CPC, com o fim
de proceder ao julgamento da causa e elaboração da
sentença final.
Por decisão proferida em 06 de Fevereiro de 2015,
a Mma. Juíza Presidente do Tribunal Colectivo declarou,
enquanto presidente do tribunal colectivo, incompetente
para o julgamento da matéria de facto e à elaboração da
sentença final com o fundamento constante das fls. 140 a
142 dos autos (para os devidos efeitos aqui se dá por
integralmente reproduzido).
Compulsando os elementos constantes dos autos,
suscita-se também uma questão da competência do tribunal
singular (no sentido do juiz de processo).
Vejamos.
Conflito de Competência 947/2015 Página 11
No processo declarativo comum laboral, o critério
geral de competência para o julgamento e a elaboração da
sentença final é consagrado no art. 38º, n. 1º do CPT,
nos termos do qual, “a instrução, discussão e julgamento
da causa são da competência do tribunal singular, salvo
nas causas de valor superior à alçada dos Tribunais de
Primeira Instância em que não tenha sido requerida a
gravação da audiência.”
Pela leitura dessa norma, podemos chegar às
seguintes conclusões:
- nas acções cíveis laborais de valor não
superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância,
quer contestadas quer não contestadas, e nesta última
hipótese, quer por revelia relativa quer por absoluta, a
sua instrução e discussão em primeira instância são
sempre da competência do tribunal singular, no sentido do
juiz titular do processo;
- e nas acções da mesma natureza de valor
superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância,
quer contestadas quer não contestadas, e nesta última
situação, seja por revelia relativa seja por absoluta, a
sua instrução e discussão em primeira instância são
sempre também da competência do tribunal singular, no
sentido do juiz titular do processo, desde que haja sido
Conflito de Competência 947/2015 Página 12
requerida a gravação da audiência nos termos previstos a
montante no n.º 2 do art.º 37º do CPT, ou a jusante no
n.º 4 do art.º 39 do mesmo CPT;
- e, portanto, e em suma, o tribunal colectivo só
é competente para julgar acções cíveis laborais, nas
questões de facto com ulterior decisão de direito a
constar da sentença final a ser lavrada pelo juiz
presidente do colectivo, quando estas acções tiverem
valor superior à alçada dos Tribunais de Primeira
Instância e, ao mesmo tempo, sem qualquer pedido de
gravação da audiência formulado nos termos do n.º 2 do
art.º 37º do CPT (vide o douto Acórdão do TSI n.
258/2006, no mesmo sentido cfr. acs. Do TSI n. 375/2006,
209/2006, 206/2006, 210/2006, 174/2006, 425/2006,
381/2006, 253/2006, 241/2006, 242/2006, 259/2006 e
307/2005).
De entre essas três conclusões, sublinhamos a
terceira, para a resolução dos casos como o nosso,
segundo a qual no processo com o valor da causa superior
à alçada dos Tribunais de Primeira Instância e sem
qualquer pedido de gravação da audiência é, sem dúvida,
competente o tribunal colectivo para o julgamento e a
elaboração da sentença final.
Tendo, todavia, no processo a situação de revelia
Conflito de Competência 947/2015 Página 13
inoperante do Réu, quid iuris?
No nosso modesto entendimento e salvo o devido
respeito, sendo competente, na hipótese de não haver
revelia inoperante no presente caso, o tribunal colectivo
mas não o tribunal singular (no sentido do juiz de
processo). Já não vislumbra, com a situação de revelia
inoperante, obstáculo à aplicação, mesmo subsidiariamente
por força do art. 1º do CPT, à parte final do art. 549º,
n.º 2 do CPC, derrogada por força do art. 24º, n. 2º da
Lei n. 9/1999, no sentido de que ao juiz presidente de
tribunal colectivo, mas não ao juiz de processo, cabe o
julgamento da matéria de facto e a elaboração da sentença
final (vide também acs. Do TSI n. 464/2010 e 568/2010).
Pelas razões acima expostas, declaro-me
incompetente para o caso nos termos subsequentes.
Notifique e DN.
Após o trânsito em julgado do presente despacho,
aplica-se o regime de conflitos de competência.
Cumpra o disposto nos art. 34º, n. 2º e 35º do
CPC, ex vi do art. 1º do CPT.”
*
A única questão colocada no presente recurso é
saber a quem compete proceder ao julgamento e,
posteriormente, proferir a sentença final, numa acção de
Conflito de Competência 947/2015 Página 14
processo comum do trabalho, sendo o valor da causa
superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância, em
que o réu, citado editalmente para contestar, não
contestou e, em consequência, passou a ser representado
pelo Ministério Público.
Para dar resposta à questão, tenhamos que analisar
as disposições relativas à distribuição interna de
competências constantes da Lei de Bases de Organização
Judiciária, bem como as regras processuais previstas no
Código de Processo do Trabalho.
Preceitua-se no nº 1 do artigo 23º da Lei de Bases
da Organização Judiciária que “Para efeitos de
julgamento, nos termos das leis de processo, os Tribunais
de Primeira Instância funcionam com tribunal colectivo ou
com tribunal singular.” – sublinhado nosso
E nos termos do nº 2 do mesmo artigo, dispõe que
“Sempre que a lei não preveja a intervenção do colectivo,
os tribunais funcionam com tribunal singular.”
Sustenta o juiz do processo do Juízo Laboral que,
aplicando-se o disposto no nº 2 do artigo 549º do Código
de Processo Civil, derrogada por força do nº 2 do artigo
24º da Lei nº 9/1999, cabe à juiz presidente de tribunal
colectivo julgar a matéria de facto e lavrar a sentença.
Ao passo que a juiz presidente de tribunal
Conflito de Competência 947/2015 Página 15
colectivo entende que, embora por força do disposto no
artigo 549º, nº 2 do CPC não haja intervenção do tribunal
colectivo, a situação não encaixa na previsão do artigo
24º, nº 2 da Lei nº 9/1999, por essa norma não ter sido
reproduzida por forma a atribuir competência ao
presidente do tribunal colectivo para julgar os casos em
que a tramitação processual determina a não intervenção
do tribunal colectivo.
Quid iuris?
Comecemos pelo artigo 549º do Código de Processo
Civil:
“1. A discussão e julgamento da causa são feitos
com intervenção do tribunal colectivo.
2. Porém, nas acções não contestadas que tenham
prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b), c)
e d) do artigo 406º, só tem lugar a intervenção do
tribunal colectivo se as partes o requererem nos 15 dias
subsequentes à notificação prevista nos nºs 1 e 2 do
artigo 431º; se as partes o não requererem, o julgamento
da matéria de facto e a elaboração da sentença final
competem ao juiz do processo.
3…”
Em nossa opinião, entendemos que esse artigo não
se aplica no processo laboral.
Conflito de Competência 947/2015 Página 16
Embora seja verdade que nos termos do nº 1 do
artigo 1º do Código de Processo do Trabalho manda aplicar
subsidiariamente a lei processual civil, mas salvo o
devido respeito por opinião diversa, a aplicação
subsidiária não significa que a legislação subsidiária se
aplica incondicionalmente, antes só se deve operar a
integração da legislação subsidiária na legislação
principal, na medida em que se destina a preencher as
lacunas da lei principal.
Em boa verdade, no respeitante à questão de
intervenção do tribunal singular/colectivo, entendemos
não haver “lacunas” no processo laboral que permita
recorrer à lei processual civil, antes pelo contrário,
nele está previsto um regime próprio.
Preceitua-se no nº 1 do artigo 38º do Código de
Processo do Trabalho que “a instrução, discussão e
julgamento da causa são da competência do tribunal
singular, salvo nas causas de valor superior à alçada dos
Tribunais de Primeira Instância em que não tenha sido
requerida a gravação da audiência”.
Ora bem, segundo a lei processual laboral, a regra
geral é no sentido de a instrução, discussão e julgamento
da causa laboral serem da competência do tribunal
singular, enquanto o tribunal colectivo só intervém,
Conflito de Competência 947/2015 Página 17
excepcionalmente, quando o valor da causa seja superior à
alçada dos Tribunais de Primeira Instância
(MOP$50.000,00) e que não tenha sido requerida a gravação
da audiência.
É bom de ver que, diferentemente do que se
verifica no processo civil, o legislador laboral adoptou
um critério diferente na aferição da competência do
tribunal singular/colectivo, que consiste na
(in)existência do pedido de gravação da audiência.
Embora seja um critério discutível, mas não deixa
de ser uma opção do legislador, se bem que ele pretende
estabelecer um regime mais célere, com vista a assegurar
os interesses dos trabalhadores, evitando a chamada
justiça tardia que resultará de eventuais atrasos na
marcação/adiamento de julgamentos em tribunal colectivo.
Nessa medida, das duas uma, ou a acção seja
julgada por tribunal singular, se for pedida a gravação
da audiência, ou por tribunal colectivo, se não houver
lugar a tal pedido.
Isso resulta justamente do nº 1 do artigo 38º do
Código de Processo do Trabalho.
Aliás, mesmo que as partes não tenham pedido
atempadamente a gravação da audiência, e se na data da
audiência se verifica algum motivo que obsta a
Conflito de Competência 947/2015 Página 18
constituição do tribunal colectivo, a lei permite ainda a
alguma das partes requerer a gravação da audiência, de
modo que o julgamento passa a ser presidido por tribunal
singular, evitando desta forma o seu adiamento (artigo
39º, nº 4 do mesmo Código).
No fundo, isto quer dizer que para determinar se
deve ou não intervir o tribunal colectivo, basta saber,
para além do valor da causa ser ou não superior à alçada
dos Tribunais de Primeira Instância, se for requerida a
gravação da audiência, independentemente de a acção ser
ou não contestada.
Tudo isto para apontar que estando previsto no
processo laboral regime próprio no tocante à questão de
intervenção do tribunal colectivo, entendemos que o nº 2
do artigo 549º do CPC deixa de ser aplicável.
*
Sendo assim, qual será o tribunal competente?
Notificadas as partes do despacho saneador,
nenhuma das partes apresentaram prova, nem requereram a
gravação da audiência.
Na verdade, não obstante a falta de contestação do
réu, os factos articulados pela autora não foram
considerados confessados pelo réu, por se tratar de uma
situação de revelia inoperante, pelo que há necessidade
Conflito de Competência 947/2015 Página 19
de se proceder à instrução, discussão e julgamento da
causa.
In casu, como não foi pedida a gravação da
audiência, somos a entender que não cabe ao juiz do
processo nem à juiz presidente de tribunal colectivo, por
si só, proceder ao julgamento da causa. Pois, segundo o
disposto no nº 1 do artigo 38º do Código de Processo do
Trabalho, a competência para o julgamento da causa é do
tribunal colectivo.
E sendo competente o tribunal colectivo para
julgar a causa, forçoso é concluir que a norma prevista
no nº 2 do artigo 24º da Lei nº 9/1999 deixa de ser
aplicável neste caso concreto, considerando que a norma
só se aplica aos casos em que ocorre qualquer
circunstância na tramitação processual que determine a
não intervenção do tribunal colectivo, que não é o caso.
Aqui chegados, decidimos resolver o conflito no
sentido de atribuir a competência ao tribunal colectivo,
devendo a juíza presidente de tribunal colectivo designar
data para audiência e discussão de julgamento (mesmo para
alegações), e elaborar oportunamente a respectiva
sentença final.
***
III) DECISÃO
Conflito de Competência 947/2015 Página 20
Face ao exposto, acordam em atribuir a
competência ao tribunal colectivo, devendo a juíza
presidente de tribunal colectivo designar data para
audiência e discussão de julgamento no aludido processo.
Sem custas por não serem devidas.
Registe e notifique.
***
RAEM, 3 de Março de 2016
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira