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Conflito de Competência 947/2015 Página 1 Processo nº 947/2015 (Autos de conflitos de competência e de jurisdição) Data: 3/Março/2016 Assuntos: Competência para proceder ao julgamento nas acções laborais em que o réu, citado editalmente, não contestou, e que não foi requerida a gravação da audiência SUMÁRIO - Nas acções laborais, tendo o réu sido citado editalmente mas não contestou, não se consideram reconhecidos os factos articulados pelo autor, antes haveria necessidade de se proceder à instrução, discussão e julgamento da causa. - Diferentemente do que se verifica no processo civil, o legislador laboral adoptou um critério diferente na aferição da competência do tribunal singular/colectivo, que consiste na (in)existência do pedido de gravação da audiência (nº 1 do artigo 38º do Código de Processo do Trabalho). - Embora seja um critério discutível, mas não deixa de ser uma opção do legislador. - Nessa medida, das duas uma, ou a acção seja julgada por tribunal singular, se for pedida a gravação da audiência, ou por tribunal colectivo, se não houver lugar a tal pedido.

Processo nº 947/2015 (Autos de conflitos de competência e ... · e julgamento da causa. - Diferentemente do que se verifica no processo ... vem requerer a resolução do conflito

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Conflito de Competência 947/2015 Página 1

Processo nº 947/2015

(Autos de conflitos de competência e de jurisdição)

Data: 3/Março/2016

Assuntos: Competência para proceder ao julgamento nas

acções laborais em que o réu, citado

editalmente, não contestou, e que não foi

requerida a gravação da audiência

SUMÁRIO

- Nas acções laborais, tendo o réu sido citado

editalmente mas não contestou, não se consideram

reconhecidos os factos articulados pelo autor, antes

haveria necessidade de se proceder à instrução, discussão

e julgamento da causa.

- Diferentemente do que se verifica no processo

civil, o legislador laboral adoptou um critério diferente

na aferição da competência do tribunal

singular/colectivo, que consiste na (in)existência do

pedido de gravação da audiência (nº 1 do artigo 38º do

Código de Processo do Trabalho).

- Embora seja um critério discutível, mas não

deixa de ser uma opção do legislador.

- Nessa medida, das duas uma, ou a acção seja

julgada por tribunal singular, se for pedida a gravação

da audiência, ou por tribunal colectivo, se não houver

lugar a tal pedido.

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- Daí que, estando previsto no processo laboral

regime próprio no tocante à questão de intervenção do

tribunal colectivo, o nº 2 do artigo 549º do CPC deixa de

ser aplicável.

- Uma vez que não foi requerida a gravação da

audiência, não cabe ao juiz do processo nem à juiz

presidente de tribunal colectivo, por si só, proceder ao

julgamento da causa, antes pelo contrário, sendo tal

competência do tribunal colectivo.

O Relator,

________________

Tong Hio Fong

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Processo nº 947/2015

(Autos de conflitos de competência e de jurisdição)

Data: 3/Março/2016

Autora/Requerente:

- A Limitada

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO

A Limitada, Autora na acção de processo comum do

trabalho, vem requerer a resolução do conflito negativo

de competência suscitado entre o Mmº juiz do Juízo

Laboral e a Mmª juíza presidente de tribunal colectivo,

alegando que ambos os Magistrados, em decisões

transitadas, se atribuem reciprocamente competência,

negando o próprio para conhecer do mérito da causa.

Notificados os Exmºs Juízes em conflito para,

querendo, responder nos termos e para os efeitos do

disposto nos artigos 37º, nº 2 e 3 do CPCM, veio o Mmº

juiz do Juízo Laboral declarar nada ter a acrescentar ao

despacho por si oportunamente proferido.

Notificados a Ilustre Advogada constituída e o

Digno Magistrado do Ministério Público, este último em

representação do Réu, para, querendo, pronunciar-se, nada

disseram.

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Corridos os vistos, cumpre decidir.

***

II) FUNDAMENTAÇÃO

Assente está a seguinte matéria de facto

pertinente para a resolução do conflito:

A 6.12.2013, a autora intentou contra o réu uma

acção de processo comum do trabalho, pedindo a condenação

deste a pagar àquele a quantia de MOP$888.890,18, a

título de reembolso por quebra do acordo de vinculação e

de compensação por cessação da relação de trabalho sem

justa causa e sem aviso prévio.

Citado editalmente, o réu não contestou a acção,

permanecendo em situação de revelia absoluta inoperante,

nos termos do artigo 406º, alínea b) do CPC.

Por despacho do juiz do processo do Juízo

Laboral, ordenou que os autos sejam encaminhados à juiz

presidente de tribunal colectivo, para os termos e

efeitos dos artigos 38º, nº 1 do CPT, artigo 24º, nº 2 da

LBOJ e artigo 549º, nº 2 do CPC.

Entretanto, a juiz presidente de tribunal

colectivo lavrou o seguinte despacho:

“Conforme o despacho de fls. 139, os presentes

autos foram-me conclusos por força dos artigos 38º, n.º 1

do CPT, 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999 e 549º, n.º 2 do

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CPC.

A partir das normas citadas vê-se que o mesmo tem

por base o entendimento de que o julgamento da matéria de

facto e a elaboração da sentença final nos presentes

autos cabe ao presidente do tribunal colectivo.

Tendo em conta as normas acima indicadas e o que

tem sido decidido nos casos de litígio de natureza

laboral em que é pedida a gravação da audiência, creio

que não compete, antes, ao presidente do tribunal

colectivo proceder ao julgamento da matéria de facto e à

elaboração da sentença final.

O artigo 23º, n.ºs 2 a 4 da Lei n.º 9/1999, prevê

a existência de dois tipos de tribunais: o tribunal

singular composto por um juiz (o qual, segundo

entendimento unânime é o juiz do processo) e o tribunal

colectivo composto por três juízes (um presidente do

tribunal colectivo, o juiz do processo e um juiz

previamente nomeado para o efeito). Ao lado desses dois

tipos de tribunais, existe um segundo tipo de tribunal

singular composto também por um juiz, mas desta feita,

pelo presidente do tribunal colectivo – artigo 24º, n.º 2

da mesma Lei.

Na concreta repartição das funções entre o juiz

do processo e o presidente do tribunal colectivo, no que

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às acções se referem, este último participa sempre no

julgamento da matéria de facto e elabora a sentença final

nas causas de valor superior à alçada dos Tribunais de

Primeira Instância – artigos 23º, n.º 6, 3), e 24º, n.º

1, 3), da mesma Lei. O que pode acontecer é a dispensa da

intervenção do tribunal colectivo nos casos previstos no

artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999, pois, nestas

hipóteses, o julgamento da matéria de facto é feito pelo

segundo tipo de tribunal singular, o composto pelo

presidente do tribunal colectivo nos casos previstos no

artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999, pois, nestas

hipóteses, o julgamento da matéria de facto é feito pelo

segundo tipo de tribunal singular, o composto pelo

presidente do tribunal colectivo.

Essa forma de repartição de competências resulta

do entendimento de que a norma do artigo 24º, n.º 2 da

Lei n.º 9/1999 veio a derrogar a norma do artigo 549º,

n.º 2 do CPC na parte que atribui competência ao juiz do

processo para julgar a matéria de facto a elaborar a

sentença final nos casos de valor superior à alçada dos

Tribunais de Primeira Instância.

A norma do artigo 38º, n.º 1 do CPT, veio, porém,

estabelecer uma disciplina própria para a mesma matéria

no âmbito dos litígios laborais. Essa norma prevê que a

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competência para a instrução, discussão e julgamento das

causas dessa natureza são da competência do tribunal

singular e o tribunal colectivo só intervém nos casos em

que o valor da causa é superior à alçada dos Tribunais de

Primeira Instância e em que não tenha sido requerida a

gravação da audiência de discussão e julgamento.

Portanto, à semelhança com o artigo 23º da Lei

n.º 9/1999, o CPT estabelece a dicotomia tribunal

singular/tribunal colectivo.

Poder-se-á, então, defender que o presente caso

cai na previsão da segunda parte do artigo 38º, n.º 1 do

CPT por ter valor superior à alçada dos Tribunais de

Primeira Instância e ninguém pediu a gravação da

audiência. Como a acção não foi contestada, por força do

disposto no artigo 549º, n.º 2 do CPC, não há intervenção

do tribunal colectivo e a situação encaixa na previsão do

artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999 sendo, portanto, o

presidente do tribunal colectivo competente para julgar a

matéria de facto e elaborar a sentença.

No entanto, pelo facto de o artigo 38º, n.º 1 do

CPT estabelecer um regime próprio para esta matéria, como

foi já salientado, não se deve menosprezar o seguinte:

não foi reproduzida a norma do artigo 24º, n.º 2 da Lei

n.º 9/1999 por forma a atribuir competência ao presidente

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do tribunal colectivo para julgar naquele segundo tipo de

tribunal singular os casos, como o presente, em que a

tramitação processual determina a não intervenção do

tribunal colectivo.

Julga-se que esse silêncio é relevante visto que,

perante um sistema de organização judiciária em que está

prevista a existência de um segundo tipo de tribunal

singular com competências próprias, a norma do artigo

38º, n.º 1 do CPT, ao estabelecer um nova forma de

repartição de competências entre os diferentes tipos de

tribunais, não podia deixar de estabelecer uma norma

semelhante ao artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999 ou,

pelo menos, fazer uma remissão expressa a esta norma se

realmente fosse esta a intenção do legislador.

Daí que a dicotomia tribunal singular/tribunal

colectivo é absoluta no sentido de, no regime de

repartição de competências das acções de natureza

laboral, não se consegue encaixar o segundo tipo de

tribunal singular com as características definidas no

artigo 24º, n.º 2 da Lei n.º 9/1999.

Para sustentar essa posição, não se pode deixar

de realçar o que foi salientado no Acórdão do Tribunal de

Segunda Instância, de 5 de Outubro de 2006, proferido no

processo n.º 381/2007, “… o legislador elenca

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primacialmente a competência do tribunal singular, para a

excepcionar através da expressão salvo.”

A isso acresce que no Acórdão acima citado

tentou-se saber da razão de ser da intervenção do

presidente do tribunal colectivo no segundo tipo de

tribunal singular, nas acções de natureza cível. Fez-se

aí referência ao critério de adequação: sendo o

presidente do tribunal colectivo, em princípio e em

abstracto, mais experiente, o mesmo está melhor preparado

para julgar os casos teoricamente mais importantes e mais

graves.

No entanto, não se deve perder de vista que, no

âmbito dos litígios laborais, está jurisprudencialmente

estabelecido que o tribunal singular referido na norma do

artigo 38º, n.º 1 do CPT, é o composto pelo juiz do

processo – cfr. nomeadamente o Acórdão do Tribunal de

Segunda Instância acima referida.

Por força disso, a instrução, discussão e

julgamento das causas, ainda que de valor superior à

alçada dos Tribunais de Primeira Instância, são da

competência do juiz do processo se for requerida a

gravação da audiência. Nessas causas incluem-se as acções

contestadas que são necessariamente mais complexas do que

as acções não contestadas, pois o tribunal é obrigado a

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conhecer também excepções peremptórias e dilatórias

arguidas pelo demandado que não são de conhecimento

oficioso.

Ora, tendo o juiz do processo competência para

julgar acções, em princípio, mais complexas, por maioria

de razão, o mesmo pode julgar as acções não contestadas.

Assim, para os litígios laborais, deixa de ter

sentido invocar o critério de adequação se o silêncio do

legislador laboral não for suficiente para fundamentar o

entendimento aqui sufragado. Com efeito, a coerência do

sistema não permite que se negue competência a quem é

reconhecido competente para julgar casos mais complexos e

a atribuir competência para julgar casos menos complexos

a quem, em abstracto, mais experiente e melhor preparado.

Nem se diga que a diferença entre um e outro caso

reside na existência e inexistência de gravação da

audiência. É que, a razão de atribuição de competência ao

juiz do processo nos casos em que é requerida a gravação

da audiência resulta do facto de se entender que, havendo

gravação da audiência, pode-se dispensar a intervenção de

três juízes como uma forma de racionalização da

distribuição do serviço. São razões de racionalização dos

recursos que estão na base da dispensa da intervenção do

tribunal colectivo, mas aí não entra em linha de conta a

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complexidade do caso.

Nos casos como o dos autos, também se dispensou a

intervenção do tribunal colectivo talvez também por

razões de racionalização dos recursos. Contudo, esses

casos, por não haver contestação, são supostamente menos

complexos.

É verdade que não foi pedida a gravação da

audiência no presente caso o que torna impossível

sindicar a prova. Porém, não se julga acertado afirmar

que, por força da falta da gravação da audiência, o

presidente do tribunal colectivo, por, em abstracto e em

princípio, mais experiente, é que está qualificado para o

julgar e decidir.

Com efeito, apesar dessa suposta maior

experiência, como o presidente do tribunal colectivo

julga sozinho, se realmente o mesmo for competente, não

deixa de ter os mesmos riscos de falha na apreciação da

prova que o juiz do processo pode ter. Não se julga

fundado estabelecer uma hierarquização entre o presidente

do tribunal colectivo e o juiz do processo a tal ponto de

se considerar aquele infalível. Daí que, nesses casos não

se pode invocar a impossibilidade de sindicância da prova

como fundamento para afirmar que o presidente do tribunal

colectivo é que é o competente.

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Pelo exposto, declaro-me incompetente para o

presente caso.”

Recebidos de volta os autos, pelo juiz do

processo do Juízo Laboral foi proferido o seguinte

despacho:

“No caso presente, tendo-se verificado a revelia

inoperante do Réu prevista no art. 406º, al. b) do CPC

sem que houvesse requerida gravação da audiência,

remeteram-se os autos à Mma. Juíza Presidente do Tribunal

Colectivo nos termos dos art. 38º, n. 1º do CPT, art.

24º, n.º 2º da LBOJ e art. 549º, n. 2º do CPC, com o fim

de proceder ao julgamento da causa e elaboração da

sentença final.

Por decisão proferida em 06 de Fevereiro de 2015,

a Mma. Juíza Presidente do Tribunal Colectivo declarou,

enquanto presidente do tribunal colectivo, incompetente

para o julgamento da matéria de facto e à elaboração da

sentença final com o fundamento constante das fls. 140 a

142 dos autos (para os devidos efeitos aqui se dá por

integralmente reproduzido).

Compulsando os elementos constantes dos autos,

suscita-se também uma questão da competência do tribunal

singular (no sentido do juiz de processo).

Vejamos.

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No processo declarativo comum laboral, o critério

geral de competência para o julgamento e a elaboração da

sentença final é consagrado no art. 38º, n. 1º do CPT,

nos termos do qual, “a instrução, discussão e julgamento

da causa são da competência do tribunal singular, salvo

nas causas de valor superior à alçada dos Tribunais de

Primeira Instância em que não tenha sido requerida a

gravação da audiência.”

Pela leitura dessa norma, podemos chegar às

seguintes conclusões:

- nas acções cíveis laborais de valor não

superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância,

quer contestadas quer não contestadas, e nesta última

hipótese, quer por revelia relativa quer por absoluta, a

sua instrução e discussão em primeira instância são

sempre da competência do tribunal singular, no sentido do

juiz titular do processo;

- e nas acções da mesma natureza de valor

superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância,

quer contestadas quer não contestadas, e nesta última

situação, seja por revelia relativa seja por absoluta, a

sua instrução e discussão em primeira instância são

sempre também da competência do tribunal singular, no

sentido do juiz titular do processo, desde que haja sido

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requerida a gravação da audiência nos termos previstos a

montante no n.º 2 do art.º 37º do CPT, ou a jusante no

n.º 4 do art.º 39 do mesmo CPT;

- e, portanto, e em suma, o tribunal colectivo só

é competente para julgar acções cíveis laborais, nas

questões de facto com ulterior decisão de direito a

constar da sentença final a ser lavrada pelo juiz

presidente do colectivo, quando estas acções tiverem

valor superior à alçada dos Tribunais de Primeira

Instância e, ao mesmo tempo, sem qualquer pedido de

gravação da audiência formulado nos termos do n.º 2 do

art.º 37º do CPT (vide o douto Acórdão do TSI n.

258/2006, no mesmo sentido cfr. acs. Do TSI n. 375/2006,

209/2006, 206/2006, 210/2006, 174/2006, 425/2006,

381/2006, 253/2006, 241/2006, 242/2006, 259/2006 e

307/2005).

De entre essas três conclusões, sublinhamos a

terceira, para a resolução dos casos como o nosso,

segundo a qual no processo com o valor da causa superior

à alçada dos Tribunais de Primeira Instância e sem

qualquer pedido de gravação da audiência é, sem dúvida,

competente o tribunal colectivo para o julgamento e a

elaboração da sentença final.

Tendo, todavia, no processo a situação de revelia

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inoperante do Réu, quid iuris?

No nosso modesto entendimento e salvo o devido

respeito, sendo competente, na hipótese de não haver

revelia inoperante no presente caso, o tribunal colectivo

mas não o tribunal singular (no sentido do juiz de

processo). Já não vislumbra, com a situação de revelia

inoperante, obstáculo à aplicação, mesmo subsidiariamente

por força do art. 1º do CPT, à parte final do art. 549º,

n.º 2 do CPC, derrogada por força do art. 24º, n. 2º da

Lei n. 9/1999, no sentido de que ao juiz presidente de

tribunal colectivo, mas não ao juiz de processo, cabe o

julgamento da matéria de facto e a elaboração da sentença

final (vide também acs. Do TSI n. 464/2010 e 568/2010).

Pelas razões acima expostas, declaro-me

incompetente para o caso nos termos subsequentes.

Notifique e DN.

Após o trânsito em julgado do presente despacho,

aplica-se o regime de conflitos de competência.

Cumpra o disposto nos art. 34º, n. 2º e 35º do

CPC, ex vi do art. 1º do CPT.”

*

A única questão colocada no presente recurso é

saber a quem compete proceder ao julgamento e,

posteriormente, proferir a sentença final, numa acção de

Conflito de Competência 947/2015 Página 14

processo comum do trabalho, sendo o valor da causa

superior à alçada dos Tribunais de Primeira Instância, em

que o réu, citado editalmente para contestar, não

contestou e, em consequência, passou a ser representado

pelo Ministério Público.

Para dar resposta à questão, tenhamos que analisar

as disposições relativas à distribuição interna de

competências constantes da Lei de Bases de Organização

Judiciária, bem como as regras processuais previstas no

Código de Processo do Trabalho.

Preceitua-se no nº 1 do artigo 23º da Lei de Bases

da Organização Judiciária que “Para efeitos de

julgamento, nos termos das leis de processo, os Tribunais

de Primeira Instância funcionam com tribunal colectivo ou

com tribunal singular.” – sublinhado nosso

E nos termos do nº 2 do mesmo artigo, dispõe que

“Sempre que a lei não preveja a intervenção do colectivo,

os tribunais funcionam com tribunal singular.”

Sustenta o juiz do processo do Juízo Laboral que,

aplicando-se o disposto no nº 2 do artigo 549º do Código

de Processo Civil, derrogada por força do nº 2 do artigo

24º da Lei nº 9/1999, cabe à juiz presidente de tribunal

colectivo julgar a matéria de facto e lavrar a sentença.

Ao passo que a juiz presidente de tribunal

Conflito de Competência 947/2015 Página 15

colectivo entende que, embora por força do disposto no

artigo 549º, nº 2 do CPC não haja intervenção do tribunal

colectivo, a situação não encaixa na previsão do artigo

24º, nº 2 da Lei nº 9/1999, por essa norma não ter sido

reproduzida por forma a atribuir competência ao

presidente do tribunal colectivo para julgar os casos em

que a tramitação processual determina a não intervenção

do tribunal colectivo.

Quid iuris?

Comecemos pelo artigo 549º do Código de Processo

Civil:

“1. A discussão e julgamento da causa são feitos

com intervenção do tribunal colectivo.

2. Porém, nas acções não contestadas que tenham

prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b), c)

e d) do artigo 406º, só tem lugar a intervenção do

tribunal colectivo se as partes o requererem nos 15 dias

subsequentes à notificação prevista nos nºs 1 e 2 do

artigo 431º; se as partes o não requererem, o julgamento

da matéria de facto e a elaboração da sentença final

competem ao juiz do processo.

3…”

Em nossa opinião, entendemos que esse artigo não

se aplica no processo laboral.

Conflito de Competência 947/2015 Página 16

Embora seja verdade que nos termos do nº 1 do

artigo 1º do Código de Processo do Trabalho manda aplicar

subsidiariamente a lei processual civil, mas salvo o

devido respeito por opinião diversa, a aplicação

subsidiária não significa que a legislação subsidiária se

aplica incondicionalmente, antes só se deve operar a

integração da legislação subsidiária na legislação

principal, na medida em que se destina a preencher as

lacunas da lei principal.

Em boa verdade, no respeitante à questão de

intervenção do tribunal singular/colectivo, entendemos

não haver “lacunas” no processo laboral que permita

recorrer à lei processual civil, antes pelo contrário,

nele está previsto um regime próprio.

Preceitua-se no nº 1 do artigo 38º do Código de

Processo do Trabalho que “a instrução, discussão e

julgamento da causa são da competência do tribunal

singular, salvo nas causas de valor superior à alçada dos

Tribunais de Primeira Instância em que não tenha sido

requerida a gravação da audiência”.

Ora bem, segundo a lei processual laboral, a regra

geral é no sentido de a instrução, discussão e julgamento

da causa laboral serem da competência do tribunal

singular, enquanto o tribunal colectivo só intervém,

Conflito de Competência 947/2015 Página 17

excepcionalmente, quando o valor da causa seja superior à

alçada dos Tribunais de Primeira Instância

(MOP$50.000,00) e que não tenha sido requerida a gravação

da audiência.

É bom de ver que, diferentemente do que se

verifica no processo civil, o legislador laboral adoptou

um critério diferente na aferição da competência do

tribunal singular/colectivo, que consiste na

(in)existência do pedido de gravação da audiência.

Embora seja um critério discutível, mas não deixa

de ser uma opção do legislador, se bem que ele pretende

estabelecer um regime mais célere, com vista a assegurar

os interesses dos trabalhadores, evitando a chamada

justiça tardia que resultará de eventuais atrasos na

marcação/adiamento de julgamentos em tribunal colectivo.

Nessa medida, das duas uma, ou a acção seja

julgada por tribunal singular, se for pedida a gravação

da audiência, ou por tribunal colectivo, se não houver

lugar a tal pedido.

Isso resulta justamente do nº 1 do artigo 38º do

Código de Processo do Trabalho.

Aliás, mesmo que as partes não tenham pedido

atempadamente a gravação da audiência, e se na data da

audiência se verifica algum motivo que obsta a

Conflito de Competência 947/2015 Página 18

constituição do tribunal colectivo, a lei permite ainda a

alguma das partes requerer a gravação da audiência, de

modo que o julgamento passa a ser presidido por tribunal

singular, evitando desta forma o seu adiamento (artigo

39º, nº 4 do mesmo Código).

No fundo, isto quer dizer que para determinar se

deve ou não intervir o tribunal colectivo, basta saber,

para além do valor da causa ser ou não superior à alçada

dos Tribunais de Primeira Instância, se for requerida a

gravação da audiência, independentemente de a acção ser

ou não contestada.

Tudo isto para apontar que estando previsto no

processo laboral regime próprio no tocante à questão de

intervenção do tribunal colectivo, entendemos que o nº 2

do artigo 549º do CPC deixa de ser aplicável.

*

Sendo assim, qual será o tribunal competente?

Notificadas as partes do despacho saneador,

nenhuma das partes apresentaram prova, nem requereram a

gravação da audiência.

Na verdade, não obstante a falta de contestação do

réu, os factos articulados pela autora não foram

considerados confessados pelo réu, por se tratar de uma

situação de revelia inoperante, pelo que há necessidade

Conflito de Competência 947/2015 Página 19

de se proceder à instrução, discussão e julgamento da

causa.

In casu, como não foi pedida a gravação da

audiência, somos a entender que não cabe ao juiz do

processo nem à juiz presidente de tribunal colectivo, por

si só, proceder ao julgamento da causa. Pois, segundo o

disposto no nº 1 do artigo 38º do Código de Processo do

Trabalho, a competência para o julgamento da causa é do

tribunal colectivo.

E sendo competente o tribunal colectivo para

julgar a causa, forçoso é concluir que a norma prevista

no nº 2 do artigo 24º da Lei nº 9/1999 deixa de ser

aplicável neste caso concreto, considerando que a norma

só se aplica aos casos em que ocorre qualquer

circunstância na tramitação processual que determine a

não intervenção do tribunal colectivo, que não é o caso.

Aqui chegados, decidimos resolver o conflito no

sentido de atribuir a competência ao tribunal colectivo,

devendo a juíza presidente de tribunal colectivo designar

data para audiência e discussão de julgamento (mesmo para

alegações), e elaborar oportunamente a respectiva

sentença final.

***

III) DECISÃO

Conflito de Competência 947/2015 Página 20

Face ao exposto, acordam em atribuir a

competência ao tribunal colectivo, devendo a juíza

presidente de tribunal colectivo designar data para

audiência e discussão de julgamento no aludido processo.

Sem custas por não serem devidas.

Registe e notifique.

***

RAEM, 3 de Março de 2016

Tong Hio Fong

Lai Kin Hong

João A. G. Gil de Oliveira