Por Uma Proposta Curricular de Curso Superior Em Guitarra

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA MESTRADO EM MSICA POR UMA PROPOSTA CURRICULAR DE CURSO SUPERIOR EM GUITARRA ELTRICA ROGRIO BORDA

RIO DE JANEIRO, 2005 POR UMA PROPOSTA CURRICULAR DE CURSO SUPERIOR EM GUITARRA ELTRICA

por ROGRIO BORDA DissertaosubmetidaaoProgramadePs-GraduaoemMsicadoCentrodeLetrase ArtesdaUNIRIO,comorequisitoparcialpara obtenodograudeMestre,sobaorientao do Professor Dr. Jos Nunes Fernandes. RIO DE JANEIRO, 2005

Autorizo a cpia da minha dissertao Por uma proposta curricular de curso superior em guitarra eltrica, para fins didticos. Borda, Rogrio. B726Por uma proposta curricular de curso superior em guitarra eltrica / Rogrio Borda, 2005. vii, 138f. Orientador: Jos Nunes Fernandes. Dissertao (Mestrado em Msica) Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2005. Bibliografia: p. 131-138. 1. Instrumentos de corda Histria - Brasil. 2. Instrumentos de corda Instru- co e estudo Brasil. 3. Currculos - Avaliao. 4. Guitarra eltrica. I. Fernan des, Jos Nunes. II. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2003-). Centro de Letras e Artes. Curso de Mestrado em Msica. III. Ttulo. CDD 787.8719 ii Este trabalho dedicado a pessoas que ainda no conheci: alunos, guitarristas e pesquisadores da guitarra eltrica. Pessoas que como eu esto trabalhando e procurando uma vida melhor. iii AGRADECIMENTOS A minha esposa June e filha Isabella. A minha me Norma, irms Denise e Maria Lciae ao meu pai Edson (in memorian). A Jos Nunes Fernandes, Luiz Otvio Braga, Marcos Cavalcante, Regina Mrcia, Silvio Merhy, Roberto Gnatalli e Samuel Arajo. A Aloysio Neves, Jos Menezes Frana, Marcelo Salerno e tantos outros guitarristas, professores e alunos que, atravs da vida profissional e amadora na msica, contriburam, contribuem e contribuiro para a construo do percurso, da guitarra brasileira. iv Estou rouca de tanto gritar Pedindo um mundo melhor Eletro-roque, letro-choque Laser, corao Hendrix, garra, raiva e paixo Quando me chamam guitarra bom levantar o som Quando me chamam guitarra bom levantar o som Eu me chamo guitarra menina Minha fama coisa fina Eu me chamo guitarra rapaz Sinta a minha fria E deixe-me, deixe-me, deixe-me Se for capaz Alma de guitarra (Moraes Moreira - Paulo Leminsky) BORDA,Rogrio.PorumaPropostaCurriculardeCursoSuperioremGuitarraEltrica. 2005.Dissertao(MestradoemMsica)-ProgramadePs-GraduaoemMsica,Centro de Letras e Artes, Universidade do Rio de Janeiro. RESUMO Verificou-se uma lacuna na oferta de cursos de graduao em guitarra eltrica. Cursos que so importantes por abordarem tecnologias, estilos e repertrios que os bacharelados em violotendemanoabordar.Somadoaistoahiptesedaexistnciadeumatradioem guitarra no Brasil fundamenta os objetivos deste estudo: realizar uma pesquisa sobre a histria daguitarra noBrasil; identificar o repertrio deum estilo deguitarra brasileiro; desenvolver subsdiostericosparaanlisedecurrculos;analisarosdocumentoscurricularesdecinco InstituiesdeEnsinoSuperiores;analisaraLDBEN/96sobrecursossuperiores;edelinear indicaesparacursossuperioresemguitarraeltrica.Omtodoutilizadonestapesquisa qualitativapartiudaanlisedoatualestadodaquestoedolevantamentobibliogrfico. Buscou-seextrairsignificadosrelativosaotextoeainterpretaodosdados,produzindoas concluses a partir dos dados coletados tendo em vista: a tecnologia e a linguagem musical da guitarra; a histria da guitarra no Brasil; as tendncias curriculares; as anlises de documentos curriculares e da legislao educacional brasileira; e a elaborao de sugestes para currculos em guitarra. A pesquisa em tecnologia e linguagem da guitarra indicou ser positiva a hiptese sobreaorigemcomumdosinstrumentosdecordastrasteadas,comocavaquinho,bandolim, violoeguitarra.Oestudohistricomusicalbrasileirorevelouqueaprticadaguitarrano Brasil teve origem em uma tradio multiinstrumentista e revelou um repertrio praticado por guitarristas.Oestudocurricularresultounoentendimentodocurrculocomotrajetriaedo currculocomoomododefuncionamentodeumaescola.Asanlisesdedocumentos curricularesedalegislaoeducacionalbrasileiraapontaramasvariveisaserem consideradasparaaelaboraodepropostascurriculares.Assugestesparacurrculosem guitarra eltrica foram realizadas na forma de: disciplinas e ementas, metodologias de ensino e pesquisa, repertrio e indicaes de paradigmas educacionais. Palavras chave: Guitarra eltrica Currculo - Ensino superiorBORDA, Rogrio. For a Superior Course Curricula Propose of Eletric Guitar. 2005. Master Thesis(MestradoemMsica)-ProgramadePs-GraduaoemMsica,CentrodeLetrase Artes, Universidade do Rio de Janeiro.

ABSTRACT Agapwasverified concerningtheofferofeletricguitargraduationcourses.These coursesareimportantbecausetheydealwithacertaintecnology,stylesandrepertoriesthat are not usually done in classical guitar graduation courses. Adding to this, there is a hypotesis about Brazilian guitar traditon that justify the objectives of this work: todo a research about thehistoryofeletricguitarinBrazil;identifyarepertoryofbrasilianeletricguitarstyle; developtheoreticalsupportforcurriculaanalysis;analysethecurriculadocumentsoffive EducationSuperiorInstituitions;analyse LDBEN/96onsuperiorcoursessubjects;and indicate available eletric guitar superior courses. The method used in this qualitative research start with the analysis of the present question and its bibliography. The intent of this work was toextractrelativemeaningsconcerningthetextandtheinterpretationof data, producing conclusionsfromthedatacollectedandtakingnoticeof:thetechnologyandthe musicallanguageoftheguitar;thehistoryoftheguitarinBrazil;thecurriculartrends;the analyses of curricular documents and the Brazilian educational legislation; and the elaboration of suggestions for guitar curricula. The research about technology and language of the guitar indicatedtobepositiveconcerningthehypothesisofthecommonoriginofthefretsstrings instruments such as cavaquinho, mandolin, classical and eletric guitar. The study of brazilian musichistorydisclosedtousthatthebrazilianguitarpracticehaditsorigininamulti instrumentist tradition and showed us a repertoire pacticed by guitarists. The curricular study resulted in the understanding of the curriculum as a trajectory and the curriculum as the way a schoolfunctions.Thecurriculardocumentsandthebrazilianeducationallegislation analyses pointedtothevariablestobeconsideredregardingtheelaborationofcurricular proposals. The suggestions for curriculum in electric guitar were carried through as: subjects andmemoranda,teachingandresearchmethodologies,musicalrepertoireandeducational paradigms indications. Key Words: Electric guitar Curricula - Superior studies v SUMRIO Pgina LISTA DE FIGURAS...................................................................................................vii 1 INTRODUO ..........................................................................................................1 1.1 Questes de estudo 1.2 Antecedentes 1.3 Quadro terico 1.4 Justificativa 1.5 Objetivos 1.6 Metodologia e unidades de anlise 1.7 Fontes 1.8 Organizao do estudo 2 A TECNOLOGIA E A LINGUAGEM SONORA DA GUITARRA ..........................12 2.1 Tecnologia da guitarra 2.2 A linguagem da guitarra 3 UMA HISTRIA DA GUITARRA BRASILEIRA (1927 a 1999) .............................24 3.1 Os precursores (1927-1945) 3.2 Modernizao e consolidao (1945-1969) 3.3 Ps-tropicalismo, perodo de transio (1969-1980) 3.4 Msica Instrumental Brasileira Contempornea (1980-1999) 3.5 Concluso 4 PERCORRENDO A HISTRIA DO PENSAMENTO CURRICULAR ......................54 4.1 A universidade no sculo XV 4.2 Origens sociais das organizaes por categorias 4.3 Organizao classificao e sistematizao do conhecimento 4.4 Filosofia do currculo 4.5 Teorias crticas 4.6 Teorias ps-crticas 5 ANLISE DOS DOCUMENTOS CURRICULARES SELECIONADOS ..................81 5.1 O currculo flexibilizado: o Curso de Msica da UFPR 5.2 A estrutura dentro da estrutura: o currculo de guitarra da UNICAMP 5.3 Tradio e modernidade: o Bacharelado em Msica da FASM 5.4 Um modelo de competncia: graduao em Berklee 5.5 Eficincia, eficcia e efetividade: Guitar Institute of Tecnology (GIT) vi 6 POR UMA PROPOSTA CURRICULAR PARA GUITARRA ELTRICA ...............113 6.1 Reproduzir prticas positivas das cinco IES 6.1.1 UFPR 6.1.2 UNICAMP 6.1.3 FASM 6.1.4 Berklee 6.1.5 GIT 6.2 Repertrio 6.3 Por uma metodologia da guitarra brasileira 6.4 Disciplinas e ementas 6.5 Indicaes currculos em guitarra eltrica 7 CONCLUSO ..............................................................................................................126 8 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .........................................................................131 9 ANEXOS ......................................................................................................................139 9.1 E-mail enviado por Yara Casnok do Departamento de Msica da FASM 9.2 Ementas - Msica Popular (FASM) 9.3 Transcrio da entrevista realizada na residncia de Jos Menezes 9.4 Projeto do curso de extenso com Jos Meneses 9.5 "Gafieirando", uma das partituras produzidas durante o curso de extenso 9.6 Programa do recital de trmino do curso de extenso vii LISTA DE FIGURAS Pgina 1. Gibson ES-150 ...........................................................................................................14 2. Fender Stratocaster ....................................................................................................16 3. Garoto ........................................................................................................................29 4. Jimi Hendrix ...............................................................................................................39 5. John McLaughlin ........................................................................................................42 6. Pepeu Gomes ..................................................................................................43 7. Hlio Delmiro .............................................................................................................47 8. Artes Liberales ...........................................................................................................58 9. Arbor scientiae ...........................................................................................................61 10. Tabula generalis .......................................................................................................63 11. Rizoma ....................................................................................................................77 1 INTRODUO OfechamentodobachareladoemmsicadaUniversidadeEstciodeS(UNESA) criadoem1985,naocasioFaculdadesIntegradasEstciodeS(FIESA),noquala habilitaoemguitarraeltricaeraoferecida,gerouumalacunanaofertadecursosde graduao em guitarra eltrica no Brasil. NoRiodeJaneiroestalacunaaindaexiste,masemmbitonacionalexisteoferta. Encontramos, em So Paulo, agraduao emguitarra eltrica na Faculdade Santa Marcelina (FASM,2004)eemCampinas,aUniversidadeEstadualdeCampinas(UNICAMP,2004c) oferece o bacharelado em msica popular, com opo de instrumento em guitarra eltrica. EmboraexistamdezenasdecursossuperioresemviolonoBrasil,acreditamosque estesnososuficientesparasuprirumacarncianadiversidadedaprticaemcordas dedilhadas. Assim acreditamos existir uma real necessidade de cursos superiores que abordem a guitarra eltrica e possivelmente outros instrumentos de cordas dedilhadas. Os estudos em guitarra abordam questes, estilos e repertrios que os bacharelados em violo erudito em geral no abordam. Conceitos como: arranjo automtico1; improvisao no jazz e bossa nova; msica e tecnologia; e o rock. Estudos superiores em guitarra eltrica existem nos Estados Unidos desde a dcada de 60emalgumasuniversidades(Murphy,1994),deformaqueametodologiadominanteem guitarraeltrica norte-americana. Essa metodologia tem sido trazida aoBrasil por msicos que em geral estudaram em escolas como Berklee e o Guitar Institute of Tecnology. 1Otermoarranjoautomticosurgeapartirdaevoluodostecladosebateriaseletrnicasque,almdas caractersticasrtmicasdosgnerosmusicais,incorporaramaobancodememriaoutroselementosestilsticos taiscomo:frasesmusicais,instrumentaoefacturasharmnicas.Otermosugereumaseleoinstantneados elementoscaractersticosdosgneroshomofnicos,naqualomsicoprticorealizaoarranjodemaneira autnomaeimediata,semanecessidadedoarranjador.Oarranjoautomticoouarranjoimediatoumtipode realizaomusicalparapartiturasdotipomelodiacifrada.Oestilodacomposiosugereaomsicoqual factura,ritmoeconduoharmnicaserrealizada,praticamente1vista,semanecessidadedaescritado arranjo. 2 NoBrasilatradiodeformaodamsicabrasileira,queincorporarapidamenteos estilostransformando-os,nosfazcrerqueexistehojeumaverdadeiraescoladeguitarra brasileira, calcada no frevo, no choro, no samba jazz, e na bossa nova e mais; comea a surgir uma gerao de pesquisa experimental da tecnologia da guitarra no sentido de incorpor-la linguagem da msica erudita contempornea. 1.1 Questes de estudo Quaissoosfatorestecnolgicosesonorosquejustificariamanecessidadedeestudos aprofundados sobre a guitarra? Quando surgiu a guitarra eltrica no Brasil e nas mos de que msicos? Onde na histria daguitarranamsicabrasileiraestabeleceremossubsdiosparaorganizarumrepertrio que represente um estilo de guitarra brasileiro? O que currculo? Como se pensou a organizao do ensino no passado e como se projeta um pensamento curricular para o futuro? Quais as caractersticas fundamentais dos currculos em guitarra existentes no Brasil e nos Estados Unidos? Aoelaborarumprojetocurricularemguitarraeltrica,oquedevemosobservarna legislaobrasileira?O queprecisamosreproduzirdasexperinciasbemsucedidas?Que repertrio a histria da guitarra brasileira quer revelar? Quais tecnologias e metodologias so imprescindveis para o ensino e a pesquisa da guitarra eltrica na universidade? 1.2 Antecedentes OcursosuperiordemsicadaUNESAsurgiuatravsdaimplantaodocurso superiordemsicadaAcademiaLorenzoFernandeznocampusdaFIESA.Aestruturado cursodaAcademiaLorenzoFernandezfoireconhecidapeloDecretoN.38.186,publicado 3 peloDirioOficialem9denovembrode1955erevogadopeloDecretode25deabrilde 1991.OcursodaFIESAfoidivulgadocomoumcursovoltadoparaamsicapopular,no entantoamsicaeruditatambmeraabordada.Nocorpodocenteestavampresentes:o maestroOrlandoSilveira,acordeonistaearranjadordediversoslbunsdemsicapopular brasileira; o baterista Cludio Carib, formado em Berklee atuou com msicos de renome no cenriodamsicainstrumentalbrasileira;opianistaJooCarlosAssisBrasil,irmodo clebresaxofonistaVictorAssisBrasil;oviolonistaecompositorSrgiodePinna,seguidor daescoladeTrregaeatuantenocircuitodochorocarioca;ocontrabaixista,compositore arranjador Yuri Popoff,e a flautistaLenaHorta,que participaram juntos em diversos lbuns doClubedaEsquina2;oguitarristaNelsonFaria,formadonoGuitarInstituteofTecnology atuante no circuito profissional da msica instrumental brasileira; Aloysio Neves, fundador e diretordogrupodepesquisaemguitarraeltricadaFIESAaOrquestraBrasileirade Guitarras3, entre outros. O sistema de crditos era anual e a estrutura de disciplinas do curso eraaseguinte:InstrumentoI,II,IIIeIV,PrticadoEnsinoInstrumentalI,II,IIIeIV, Harmonia I e II, Histria da Msica I e II, Histria das Artes, Esttica, Canto Coral, Didtica, Estudo dos Problemas Brasileiros I e II, Estrutura do Ensino de 2. Grau, Pedagogia Aplicada MsicaIeII,GinsticaRtmica,ComposioemJazz,PsicologiadaAdolescnciae Aprendizagem. Durante o perodo de sua existncia4 passaram por esse curso uma pliade de 2 Segmento fonogrfico da msica popular mineira dos anos 60 a 80. 3 Fundada em 1986 a Orquestra Brasileira de Guitarras, inicialmente denominada Orquestra de Guitarras Estcio de S foi um grupo de grande importncia para a formao prtica dos guitarristas da instituio. 4Ocursofoiextintoemdezembrode1998,oprincipalmotivoalegadopelaFIESAfoioaltocustodocurso, advindo da manuteno do salrio dos professores instrumento. A instituio no concordou mais em remunerar professores para atender um aluno pagante, no uma turma de alunos pagantes. Em 2003 a UNESA tentou mais umavezimplementarumcursosuperiordemsica,dessavezatravsdaResoluoCNE/CPN.3,de 18/12/2002. TendocomocoordenadoroilustreviolonistaTurbioSantos,ocursoapresentouumcurrculoque permitia uma formao por mdulos em: Msica Brasileira, Violo Erudito e Popular, Piano Popular e Clssico, Rock e Percepo e Escrita Musical. Essa nova configurao curricular voltada para a educao profissional de nveltecnolgicoapresentouaindaoCursoPolitcnicoemGravaoeProduoFonogrfica,aindaemvoga, que oferece habilitaes em 3 nveis: Disc Jokey (DJ) no 2 Perodo; Assistente Tcnico de Estdio de udio no 3 Perodo; Assistente Tcnico de Montagem e Reparos em Sistemas de Sonorizao tambm no 3 Perodo e o diploma de graduao como Produtor Fonogrfico na concluso do 5 perodo do curso. 4 diretores, que procuraram modificar a estrutura curricular de acordo com as necessidades dos alunos.Umaperguntaaserfeita,comoumcursoaprovadoem1955pdeacolheruma habilitao em guitarra eltrica? Encontraremos uma justificativa analisando o artigo nico do DecretoN.38.186,observandoqueomesmomuitogeneralistasobreoscursosde instrumento: concedido reconhecimento aos Cursos de Instrumento, Canto, Instrumentao eComposioeRegncia,daAcademiadeMsicaLorenzoFernandez,mantidapela sociedade civil de igual nome e com sede no Distrito Federal (Brasil/Poder Executivo, 2005). Dessaforma,aoentenderinstrumentocomoumadiversidadedeinstrumentosmusicais, percebemos como o ensino da guitarra eltrica foi admitido na legislao educacional superior brasileira;comoumensinomuitoprximoaoensinodopianooudoviolino,instrumentos tradicionalmente mais presentes no ensino formal de msica no Brasil. 1.3 Quadro Terico Oquadrotericodopresentetrabalhosearticulaemtornode4camposdeestudo: tecnologia, linguagem musical, histria da msica brasileira e tendncias curriculares. Em torno da tecnologia o quadro se articula a partir de um conceito geral de tecnologia dosautoresTornatzkyeFleischer,interpretadosporJaniceMileniBogo(Bogo,1998).Para fundamentarastecnologiasquetransitamemtornodaguitarrarecorreu-seaMaxWeber (1995) e interpretaes de seus conceitos por Eduardo Vicente (1996). Nainvestigaodeumapossvellinguagemmusicalcaractersticadaguitarra, conceitoscognitivosemusicaisdeSloboda(1985)(1997)eSerafine(1988)so contextualizadosemtornodouniversodaguitarra,seusprocedimentos,materiais, comunidades musicais, estilos e mtodos didticos. 5 NocampodahistriadamsicanoBrasiltrabalhou-secomreferenciaisque explicitamasrelaesculturaisentreBrasileEstadosUnidos.Recorreu-seaoconceitode triagem:assimilao&extrao,desenvolvidoporLuizTatit(2001),eaoconceitode frices de musicalidades, criado por Accio Tadeu de Camargo Piedade (2003).No campo sobre pensamento curricular mile Durkheim, interpretado por Peter Burke (2003), fundamenta o conceito chave do estudo, que gira em torno de organizaes sociais do conhecimento. O conceito de discurso curricular, de Tomaz Tadeu da Silva (2003), promove a ligaodoconceitodeDurkheim(apudBurke,2003)comospensamentoscurriculares presentes no trabalho. 1.4 Justificativa Opresenteprojetodegrandeimportnciaporqueinsereaguitarraeltrica,um instrumentotopopularaosjovens,dentrodadiscussodasmaisrecentespesquisasdarea da msica no Brasil e das prticas e teorias do currculo. Apsummergulhonabibliografiaespecializada,podemosdizerqueesteprojeto pioneiroemtermosdeestudocurricularemguitarraeltricanoBrasil.Logonoinciodo mestradonoProgramadePs-GraduaoemMsicadaUniversidadedoRiodeJaneiro (PPGM-UNIRIO)verificamosumalinhadeestudosobrerepertrioemguitarraeltricana ps-graduaoemprticasinterpretativasdaUNICAMP.Deimediatoentramosemcontato comoprofessororientadordoprojeto5,nosentidodeestreitarlaosdeintercmbio acadmico entre a UNIRIO e a UNICAMP. 5 Dr. Marcos SiqueiraCavalcante. O ttulo do projeto "O Ensino do repertrio da guitarra na Universidade: a definiodeumrepertrio'obrigatrio'('canon')paraaformaodeguitarristaseprofessoresdeguitarra" (UNICAMP.ProgramadePs-GraduaoemMsica:pesquisasdesenvolvidasatualmentepeloprograma. Disponvel em acesso em 6 mar. 2003). 6 PercebendooadiantamentodapesquisanaUNICAMPobservamosaconvicta pertinncia e uma certa urgncia do nosso projeto, uma vez que fora a UNICAMP e a FASM nenhuma outra universidade brasileira oferece, atualmente, a graduao em guitarra eltrica. Nossaprincipaldiretrizaconstataodequecomeaahaverummaior direcionamento de pesquisadores e estudantes para esse campo da guitarra eltrica no Brasil. Almdisso,fomosincumbidosdeimplantarumcursodegraduaoemguitarraeltricano ConservatrioBrasileirodeMsica(CBM),ondeatuamosdesde1990nocursolivreeno curso tcnico de violo e guitarra eltrica. 1.5 Objetivos Partindodeumaanlisedocumental,estetrabalhopretendefornecerindicaesparaa elaborao de currculos em guitarra eltrica. Esse objetivo subdivide-se nos seguintes itens: Contribuir para pesquisas sobre histria da guitarra no Brasil. Desenvolver subsdios tericos para anlise de currculos atravs do estudo: da teoria, dos discursos, do pensamento, da histria do conhecimento e do currculo. Analisar documentos curriculares de cinco Instituies de Ensino identificando elementos comunsecaractersticosdessas.Aproximaressaanliseaodebatesobresaberes, competncias e habilidades presentes na Lei de Diretrizes e Bases da educao brasileira. Delinear disciplinas especficas para cursos superiores em guitarra eltrica, tendo em vista a tcnica, a tecnologia, os estilos e o repertrio da guitarra no Brasil. Identificar um repertrio possa caracterizar um estilo de guitarra brasileiro. 7 1.6 Metodologia, unidades e subunuidades de anlise Estapesquisadocumentaltendeaadotarvriosmtodos,estabelecendoligaes coerentesentreeles6.eminentementequalitativa,utilizaumaamostrabemdelimitadade currculosparaanlise,apontacaractersticastecnolgicasdaguitarra,mergulhanahistria do pensamento curricular, na histria da guitarra no Brasil e busca a construo de um objeto: indicaes que possam alimentar elaboraes de projetos educacionais. SegundoSinglenton(apudFrota,1998),unidadesdeanlisesoosobjetoseeventos descritos,analisadosoucomparadospelaspesquisassociais.DeacordocomDias(2000),as anlises de dados em pesquisas qualitativas caracterizam-se pela abordagem de contedo/caso eporgerarpadresapartirdosprpriosdados.Quantointerpretaodosdados,as pesquisasqualitativasbuscamextrairsignificadosrelativosaotexto(hermenutica)ea produo de teorias a partir dos prprios dados coletados (fenomenologia).Adotandoadescrioacima,levaremosemconsideraoasseguintesunidadesde anlise: Tecnologia e linguagem da guitarra Histria da guitarra brasileira Histria do pensamento curricular Documentos curriculares e legislao educacional brasileira Empesquisasqualitativasosdadospodemserfracionadosemunidadesmenores,para seremreagrupadosemcategoriasqueserelacionamressaltandopadres,temaseconceitos (Dias,2000).Localizaremosessasunidadesmenores,ousubunidades,apartirderevises bibliogrficas nas seguintes questes: 6BuscamosextrairdecadadisciplinacursadanoProgramadePs-GraduaoemMsica(PPGM)omaterial paraaconstruodotrabalho.Porm,foiprecisoreestruturarasmonografiasapresentadasnasdisciplinas cursadas no PPGM, estabelecendo coerncia entre elas. 8 Nasorigensdastecnologiasedafundamentaodeumalinguagemmusicaldaguitarra eltrica; Napassagemdaguitarraeltricapelosgnerosdamsicapopularbrasileiraapartirdo surgimento da indstria fonogrfica no Brasil; No reconhecimento dos msicos fundadores e sucessores de uma possvel escola brasileira de guitarra; Nateoria,prticaepolticascurriculares,comosentidodeproduzircontribuiesque estejam em consonncia com os nossos pares. Osestudosdatecnologia,dalinguagemmusicaledahistriadaguitarranamsica brasileira guitarra, visam identificar o surgimento da guitarra eltrica (nos Estados Unidos), a entradadessatecnologianoBrasil,a"linguagem"daguitarranamsicabrasileiraeo surgimento de uma vertente de interpretao e performance da guitarra no Brasil. Emnossoprojetodemestradooestudodopensamentosobrecurrculoeoestudoda legislao educacional brasileira so temas centrais na elaborao das nossas indicaes. Ser atravs da anlise das correntes educacionais do passado e da reflexo do momento atual que concretizaremospartedenossapesquisa,estudando,analisandoecomparandodocumentos curriculares em guitarra e tecnologia.AsduasInstituiesdeEnsinoSuperior(IES)norte-americanasetrsIESbrasileiras oferecemcursossuperiorescomnfaseemmsicapopularetecnologia.Elegemospara anlise a Berklee College of Music (Berklee) e o Guitar Institute of Tecnology (GIT) porque soasprincipaisIESescolhidasporgrandepartedeestudantesbrasileirosquevoestudar guitarranosEstadosUnidos.OBachareladoemProduoMusicaldaUniversidadeFederal doParan(UFPR)foioptadoportratar-sedeumprogramaqueabordafortementea tecnologiaeporconternovasdisciplinasatentoinexistentesemcurrculosbrasileiros.A UniversidadeEstadualdeCampinas(UNICAMP),eaFaculdadeSantaMarcelina(FASM) 9 foram separadas por serem as nicas a oferecerem, atualmente no Brasil, cursos de formao superior em instrumento com a opo em guitarra eltrica.Paraotrabalhocomoscurrculos,estabeleceremosassubunidadesdeanlise comparandoosdocumentosdasIESentresi,procurandoitenspertinentesnosindicadores, resoluesepareceresdaLeideDiretrizeseBasesdaEducaoNacionalbrasileira (LDBEN/96), de forma a obter um padro de coerncia para anlise dos perfis das instituies emquesto.Identificaremososobjetivosdoscursos,perfisprofissionaisdesejados, competncias, saberes e habilidades desejadas, os estilos e gneros abordados, a estruturao dos cursos, relaes entre teoria/prtica e os discursos e fundamentaes curriculares gerais.Porfim,procuraremos,combasenainvestigaosobreatecnologiaelinguagem,na histriadasprticasdaguitarrabrasileira,nafundamentaotericasobreosdiscursos curricularesenasanlisesdasIES,elaborarcontribuies,sobaformadeindicaesde disciplinas,sugestesdeatividades,validaoderepertrios,prticaspedaggicase procedimentos curriculares, que sejam teis na elaborao de programas dos cursos superiores em guitarra eltrica. 1.7 FONTES Utilizamosdiversostiposdefontesbibliogrficas:enciclopdias,livros,textos acadmicos, peridicos, revistas, internet e encartes de discos.Deformaaorganizaradiversidadedomaterialbibliogrfico,classificamosasfontes em dois itens: Fontesderefernciaguitarra,constandoomaterialbibliogrficopertinente tecnologia, cognio musical e histria da msica; Fontes de referncia aos currculos, na qual constam as fontes de estudo histricas e sociais do currculo, os documentos das IES e a legislao educacional. 10 Asfontessobreaguitarrasotextoseartigosderefernciahistricadamsica brasileiraeindstriafonogrfica,tecnologiadaguitarranoBrasilenosEstadosUnidos, trabalhosacadmicossobreperfisprofissionais,textostericossobrecogniomusical, mtodoserevistasdeguitarra,umaentrevistarealizadacomoguitarristaJosMenezes (Menezes, 2004), sites de artistas, sites jornalsticos, sites acadmicos e encartes de discos.Na referncia ao currculo, livros sobre currculo, histria social, histria da filosofia e histriadoconhecimento,textos,artigoselivrosdepensadoresdocurrculo,interpretaes, ensaios,artigos,pareceres,diretrizesedecretoseleisdaeducaobrasileiradisponveisna internet,artigosemsitesdainternetsobreteoriascurriculares,revistas,gradeseementas, programas, hipertextos, e-mail e correspondncias das universidades selecionadas. 1.8 Organizao do estudo Esta dissertao composta de nove itens, sendo o primeiro item esta introduo.O segundo item um estudo sobre tecnologia e linguagem da guitarra, que recorre s origens etimolgicas da palavra guitarra, aproximando os instrumentos trasteados de cordas dedilhadase palhetadas,localizando asformas de utilizao e formalizao dos materiais de construomusicalaomesmotempoemquedelineiaascomunidadesmusicaisondea guitarra eltrica se faz presente. Oterceiroitemtratadeumlevantamentohistricobibliogrfico,tendoemvistao surgimentodaguitarraeseusintrpretesnoBrasil,principalmenteosprecursoresdesse instrumentoeosmsicosquepromoveramumdesenvolvimentodogneroinstrumental brasileiro. O quarto item trata do levantamento de bibliografia sobre o pensamento em currculo. Os trs itens anteriormente citados formam o corpo da reviso bibliogrfica desta dissertao. 11 OitemcincoanalisaosdocumentoscurricularesdascincoIESselecionadas, apresentando tambm uma tabela comparativa. No sexto item o objetivo central do trabalho exposto. Trata-se de contribuies para a implementao, insero e modificao de currculos em guitarra eltrica. Conclui-se o trabalho no item sete, seguido das referncias bibliogrficas, item oito e dos anexos, item nove. 12 2 A TECNOLOGIA E A LINGUAGEM SONORA DA GUITARRA Anecessidadedeaumentodovolumesonorodosinstrumentosdecordasdedilhadas foifatorprimordialparaoadventodaguitarraeltrica.Procuraremosapontaras caractersticasfsico-acsticas da guitarra,recorrendo histria da fabricaoe da utilizao desse instrumento. Tendocomobaseosconceitosdemsicacomocognio(Serafine,1988)emsica comolinguagem(Sloboda,1997),localizaremoselementosformaisdomaterialmusical (escalas,arpejos,acordes,estiloseoutroselementos)queumsensocomum,advindode estudos acadmicos e prticas musicais7, disps constituir uma linguagem da guitarra. 2.1 A tecnologia da guitarra O termo tecnologia deriva do radical grego techne, arte, artesania, indstria, cincia e logos, pensamento, linguagem ou proposio ou seja: tratado ou proposio sobre uma arte, exposio das regras de uma arte, ou o estudo de algum ofcio prtico. Por extenso, segundo TornaztkyeFleischer(apudBogo,1998),tecnologiasignificaestudosistemticosobre tcnicas, processos e mtodos transformados ou manifestados por ferramentas. Dessaforma,aoentendermostecnologiacomoumconjuntodeprincpios,mtodose instrumentosnumaperspectivaaplicadaeutilitriavisandorelaescausa-e-efeitoque produzemmelhoriaouaperfeioamento(Bogo,1998),entendemosaguitarraeltricacomo uma tecnologia derivativa do violo. Estudando a histria das escolas de lutheria verificamos que diferenas surgem a partir de tecnologias distintas na construo do violo e da guitarra.Comosabemos,osomproduzidopelascordasdovioloampliadoatravsdacaixa de ressonncia e do tampo; a tecnologia do violo evoluiu durante vrios sculosat o atual 7 No realizamos a pesquisa nesse sentido, mas buscamos apoio na produo acadmica de Elizabeth Travassos (1999),LucianaRequio(2002), JosEstevamGava(2002).Opresentetrabalhoteve,comofontedereflexo, oslivrosdeDaZinho(1999)(EdgardGonalves)eMickGoodrick(1987).Comoinspiraoostrabalhosda Orquestra Brasileira de Guitarras, Hermeto Pascoal e Grupo, Z Menezes e a Camerata de Violes do CBM. 13 modeloclssico.EncontraremosnaIdadeMdiaasrazesdapalavravioloemfidicula (diminiutivodefides),fithele,vielle,viole,viula,vihuella,vyuelaevigela,existindoainda vihueladearco,vihueladepeolaevihuelademano(Dudeque,1994).Otermoviolo passa a ser usado somente no final do sculo XIX, quando o espanhol Antonio Torres Jurado (1817-1892)definiuumpadroclssicodeconstruoatravs:docomprimentodascordas (feitasdetripadecarneiro),dautilizaodecravelhasderoscasemfim,doaumentodo tampoharmnicoedousodolequeinternodedistribuiodosharmnicos.Nametadedo sculoXX,comainvenodonylon,Segviaadota-ocommuitasvantagensemrelaos cordas de tripa (Dudeque, 1994).Naguitarraascordasprecisamserdemetal,poisavibraodascordasestimula magneticamenteoscaptadores,essesproduzemumsinaleltricoqueamplificado eletronicamente. Quanto origem etimolgica, a palavra guitarra vem de kytara de origem caldia-assria.NaIdadeMdiaaspalavrasguiterre,guiterne,guitherneguitareram amplamente utilizadas para denominar cordofones (Dudeque, 1994). No final do sculo XIX, avanosexperimentaissobreasteoriaseletromagnticaspossibilitamodesenvolvimentode novas tecnologias como: o microfone, o telefone e o rdio8. Nas primeiras dcadas do sculo XX, construtores de instrumentos, tcnicos e engenheiros de eletrnica procuravam aumentar osomdosinstrumentosdecordasnumprocessodetentativaeerro:inicialmenteatravsde processosmecnicosdeamplificao,posteriormenteinstalando-sepequenosmicrofones prximosspartesmaisressonantesdosinstrumentosefinalmenteatravsdautilizaode captadores magnticos (Barsa Cd).NosEstadosUnidos,OrvilleGibsonutilizouosmtodosdeconstruodeviolinose violoncelosnafabricaodebandolinseviolesintroduzindodessaformaautilizaode 8 Tecnologias que se baseiam no fenmeno fsico da transformao do som em variaes eletromagnticas e de suapropagaoatravsdosmeioscondutores.Omicrofonefoiinventadoem1878porDavidHughes(Barsa Cd). 14 cordasdeaonosvioles.Acusticamenteoucomamplificaoeltrica,essesviolescom cordas de ao e boca em F da seco ritmo-harmnica das Big Bands dos anos 20 e 30 nos EstadosUnidos.Atecnologiadosressonadoresmetlicosprovavelmentefoiinspiradano modelodobanjo,instrumentodeorigemaficanaquefoiaperfeioadoemuitoutilizadonos conjuntosdejazzdasdcadasde20e30.Assim,nesseperodo,data-seosurgimentodos violes "National" ou "DoBro", com ressonadores metlicos que amplificam acusticamente o som com um timbre estridente e metlico. No Brasil a tecnologia dos ressonadores aplicada porDelVecchionoviolotenor.Porvoltade1920,empresasdeinstrumentosmusicais, msicos construtores e engenheiros eletrnicos iniciam diversas experincias para a adaptao da tecnologia de captao magntica nos instrumentos de cordas: a empresa Rowe-DeArmond fabricaosprimeiroscaptadoresmagnticos,paraseremadaptados"boca"doviolo;a guitarrahavaianaconhecidacomoFryingPan(frigideira)foidesenvolvidaporGeorge Beuchamp e Paul Barth na Rickembaker; Lloyd Loar e Les Paul na Gibson criaram as Eletric Spanish,aLog(tora)eaLesPaul;eClarenceLeoFendernaempresaquelevouseunome desenvolveu diversos modelos de guitarras slidas (Ho, 2003). AguitarraGibsonES-150EletricSpanish(v.figura1),produzidaem1935 foia primeiraguitarrasemi-acstica.Essasguitarraspossuamumcorpoacstico,mas necessitavamefetivamentedeestaremligadasaamplificadoresparaproduziremumvolume Figura 1: Gibson ES-150http://strings.gibson.com 15 significativo.Nessapocajpodemosreconhecerosurgimentodeuma"linguagem"solista deguitarraeltricanojazz,atravsdeCharlieChristian,queefetivamentedefendeua amplificao da guitarra, com habilidade e um forte desejo de ser ouvido9. Com a Gibson ES-150,ChristiantocoucomCountBasie,LesterYoungeparticipoudaorquestradeBenny Goodman de 1939 at 1942 (Fox, 2003).No Brasil de 1942,alm do violo eram o bandolim, o violo tenor e o cavaquinho de Dod e Osmar, que necessitavam de amplificao para participar dos conjuntos de Frevo em Salvador.Dodaprendeaconstruircaptadoresmagnticosepassaaadapt-loaos instrumentosacsticos,pormsemconseguirevitarosproblemasdemicrofonia.Osmar percebeuquetampandoa"boca"doinstrumentoreduziaamicrofoniaeresolvefazerum instrumentodemadeiramacia.Surgeentoo"paueltrico",instrumentomusicaldesom estridente criado de um pedao de cepo macioque depois seria chamado de guitarra baiana (Marsiglia & Almeida, 1996). Em1944LeoFendercomeaatrabalharnaproduodeamplificadoreseguitarras. Seuprimeiroprottipodesucesso,aFenderBroadcaster,comeaasercomercializadaem 1948.LeoFenderiniciaaproduodaFenderStratocasterem1954eessaguitarrapossui caractersticas de um modelo revolucionrio: o corpo slido foi desenhado para oferecer o mximodeconforto,aalavancadetrmolosejuntouaocavaleteeficaembutidano corpo do instrumento, possui trs captadores e uma chave de cinco posies10. O projeto da Stratocasterpermaneceuinalteradoduranteanos,setornandoumarefernciadedesignpara diversos modelos que surgiram aps esse modelo (v. figura 2). 9"Hmuitotempoosguitarristasprecisavamdeumcampeo,algumqueexplicasseaomundoqueum guitarristamaisdoqueumrobtocandoumaferramentaparamanteroritmo"(Christian,1939apudFox, 2003, p. 47). 10 Isso possibilita uma gama de variaes no timbre do instrumento. 16 O advento da guitarra eltrica faz surgir todo um aparato de recursos expressivos como aalavancadetrmolo,adistorodosom,amodificaodoenvelopesonoroeuma infinidade de recursos de produo de rudo. Com essa gama de processamentos sonoros em temporeal,aproduosonoradaguitarraalcana,atravsdaeletrnica,umaviaindireta, ondesomfinalproduzidopeloamplificadortendeasercompletamentediferenteosom originalproduzidopeloinstrumento.OguitarristaLesPaulcomentaoestranhamentoinicial comanovatecnologia:"Comoguitarristas,umdenossosmaioresproblemasnapocaera fazeraspessoasseacostumaremconoscoouvindoritmosamplificadosatrsdelas"(Fox, 2003, p. 52). Aproduodemsicaeruditacontemporneabrasileiraparaguitarraeltrica reduzida, os msicos brasileiros compositores de cordas dedilhadas preferem escrever para o violo.Masjexisteumatradiodeperformancedeguitarraeltricanamsica contemporneadevanguardaconstrdapornomescomo:DerekBailey11,RobbertFripp, 11 O ingls Derek Bailey, adepto dos sistemas micro tonais, utiliza uma curiosa tecnologia desenvolvida por ele mesmo para explorar essas possibilidades na guitarra. um conceituado pesquisador do instrumento, desenvolve umaformadetocarqueeledenominacomoimprovisaonoidiomtica.AlgumasvezesaguitarradeBailey soa, percussivamente, como as peas para piano preparado de John Cage. Figura 2: Fender Stratocasterhttp://www.guitarhouse.com.br 17 FrankZappa,TerjeRypdal12,JonhMcLaughlinePatMetheny13.Mesmoassimoacervode peasdevanguarda14paraaguitarraeltricaaindapouconumeroso15.Devemospensara guitarraeltricamaiscomoumaderivao,umaramificao,doqueumaevoluo;trata-se deumnovoinstrumentocommuitosrecursostecnolgicos,compossibilidadestcnicase sonoras distintas das do violo. Dentrodaculturademassaaguitarraeltricaconfundidacomorock16eacultura adolescente. So estigmas e representaes que a cultura da mdia soube enfatizar para impor associaesaosprodutosdocomrciocultural.Procurandoevitartaispreconceitos,alguns compositoresdevanguardaeinstrumentistasmaisesclarecidospercebemaguitarraeltrica comouminstrumentomusicalpossuidordediversosrecursospoucoexplorados.preciso incentivaressaexploraoeexperimentao,criarnovasformasprocedimentose representaes,nosentidodedesenvolverumavertentedepesquisaeutilizaodaguitarra eltrica na msica erudita contempornea brasileira. SegundoMaxWeber(1995),umaracionalizaotcnicadoselementosdamsica ocidentalpodeserpercebidadesdeoadventodasescalas,acordesedosistematonal,ato desenvolvimentodasformas,dasestruturasmusicaisedosinstrumentosadequados produomusical.Essaracionalizaopercebidatambmatravsdatecnologiade 12 Pode-se dizer que Robbert Fripp, Frank Zappa e Terje Rypdal tiveram a mesma origem: o rock, mas cada um desenvolveu uma vertente particular dentro do experimentalismo. Fripp, nos anos 70, utilizou recursos eletrnicos de looping modificando do envelope sonoro convencional da guitarra. Inventou o "Frippertronics" que fazia sua guitarra soar como um trompete bem estridente.FrankZappaestudou comKarlheinzStockhausenaolado defigurascomoPierreBoulezeRogrioDuprat.Sua msicacontmumamisturadeelementosdorock,dojazz,dofreejazz,entreoutrosparafazerumaobradecrtica sociedadeocidental,principalmenteanorte-americana.Suatcnicaruidosa,seuestiloumapardiagrandepartedos gneros da msica comercial. Terje Rypdal um guitarrista que reformulou os elementos caractersticos do rock (sonoridade, riffs, ritmo) aplicando-os em uma ambincia sonora de disperso rtmica (Berendt, 1987). Sua caracterstica mais marcante a de modificar o envelope da guitarra, utilizando uma distoro e um pedal-volume, fazendo um envelope parecido com o do violino. 13JonhMcLaughlinePatMetheny,almdassuasproduesmaisconvencionais,utilizaramosrecursostecnolgicosda guitarraeltricas,produzindoalgumaspeasquetmcaractersticasnoconvencionais,queacabaramconfigurandoum "estiloexperimentalista"caracterizadopela:dissoluodartmica,atonalismooupantonalismo,timbrsticano convencional, maior intensidade na execuo e maior utilizao do rudo como elemento expressivo. 14 No conceito de vanguarda entendemos uma prtica que esteja disposta a pesquisar-explorar efeitos, sonoridades musicais e formas, com objetivo de buscar inovaes na produo musical.15 Em pesquisa no acervo do Centro de Documentao de Msica Contempornea (CDMC) na UNICAMP, das 43 peas com guitarra eltrica localizamos apenas uma de compositor brasileiro (Potica I de Aylton Escobar). 16 Segundo Cesar (2003) at os anos 70 a guitarra era considerada um instrumento marginal no Brasil desde os anos 50. Foi rejeitada por diversos setores da msica popular brasileira. 18 construodosinstrumentosmusicais,nasregrasparaadivisodeintervaloseharmnicos. Seguindo essa linha de raciocnio no difcil constatar que instrumentos como o cavaquinho, obandolim,aviolade10cordas;oviolo,aguitarrabaiana,eaguitarraeltrica,possuem umamesmalgicanadivisoharmnicadaescala:todososinstrumentoscitadosutilizam trasteamento17porsemitonsescordaturas18baseadasemintervalosde3as,4ase5as.Os idiomatismos19tcnicosdessesinstrumentoscitadossediferemsutilmenteatravsdessas scordaturasepelautilizaodapalhetaoudodedilhado.Dentrodocontextodessa racionalizao-emWeber(1995)-edeseusmeiostcnicosposteriores(Vicente,1996), defendemos,emumacertamedida,anecessidadedesepreservarumaureaacsticado fazermusical,natentativadepreservarvaloresde"identidadeacstica"queumaostensiva utilizaodeprodutosindustrializadostendeaestandardizaratravsdefixaese normalizaes nas sonoridades dos equipamentos eletrnicos. 2.2 A linguagem da guitarra A guitarra eltrica se faz presente em quase todos os estilos da msica popular, o que podetornarbastantecomplexaumapesquisasobremetodologiaelinguagemdeguitarra, tentaremos sintetizar esse estudo utilizando conceitos sobre cognio musical (Sloboda, 1985, 1987)ecomunidadesmusicais(Serafine,1988).NoBrasilhumafortetendnciadese considerar a linguagem da guitarra como resultado de um hibridismo que envolve tanto estilos como:oblues,orock,ojazz,osoul,ofunk,oreggae,ochoro,obaio,oboleroedemais ritmoslatinos;quantoumamisturadetcnicasperformticas:doviolo,docavaquinho, bandolim,violacaipira,guitarrabaianaedaprpriaguitarraeltrica20.Paratrabalharos 17 Lgica de disposio dos trastes.18 Sistemas de afinao das cordas dos instrumentos. 19Otermoserefereacaractersticasprpriasdosinstrumentos,dadaspelasfacilidadesoudificuldadespara realizar determinados efeitos musicais como articulaes, combinaes de intervalos, timbres ou registos. 20MEDEIROSFILHO,JooBarretode.Guitarraeltrica:ummtodoparaoestudodoaspectocriativodemelodias aplicadas s escalas modais de improvisao jazzstica. 2002. Dissertao (Mestrado em Msica) - Universidade Estadual de Campinas,InstitutodeArtes.VISCONTI,Eduardo deLima.AguitarrabrasileiradeHeraldodo Monte. 2004.Dissertao (Mestrado em Msica) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes. 19 elementosformaispresentesnamsicadeguitarrafaremosumaincursoaosconceitosde msica como linguagem e estilo do ponto de vista cognitivo musical. ConcordamoscomSloboda(1997)quandoafirmaserosomomeiomaisimportante da linguagem, mas apesar de possurem diversas propriedades fsico-acsticas os sons no so linguagem, o crebro humano que ao codificar os sons agrupando-os em estruturas internas e realizando categorizaes de acordo com as experincias individuais, transforma esses sons em linguagem. Na msica de forma semelhante linguagem verbal, as estruturas internas da linguagem musical podem ser divididas em estruturas fonolgicas, sintticas e semnticas. A fonologiaestudacomoocrebrocategorizaossons-blocosbsicos-emunidadesde linguagem. Como o crebro percebe esses blocos como sendo uma determinada unidade x e nooutray.Nasintaxeoqueestemjogoaordenaodasunidadesdelinguagemem seqnciaslgicaseaceitveis.Sloboda(1997)entendeasemnticacomoumconjuntode processosassociativosrealizadosporumindivduo,conjuntodeprocessosnoqualsmbolos de uma linguagem unidades lgicas - so relacionados a smbolos de uma outra linguagem, aobjetos,aalgumdossentidoshumanosouaestadosemocionais.Ouseja,blocosbsicos reunidos em estruturas sintticas conduzem os smbolos de uma linguagem que se relacionam a experincias humanas. Nossa abordagem se restringe aos campos fonolgico e sinttico, no sentido da produo do som pelos instrumentos musicais e da ordenao dos eventos musicais que formalizam as estruturas sintticas da msica, considerando a totalidade dos estilos aonde a guitarra se faz presente. Serafine(1988)vaicontraatendnciadesedescreveroconhecimentomusicalem elementosdamsica,alturas,escalas,acordes,melodia,ritmo,harmoniaemtrica.Ela acreditaqueesseselementospodemserteissimparaumareflexoformaldamsica, necessrios para o domnio de tcnicas necessrias para o compositor, o improvisador, para o 20 msicoemgeral,masnodescrevemnecessariamentearealidadecognitivadamsica21. Sendoamsicaumfenmenocultural,Serafine(1988)utilizaoconceitodecomunidade musicalparaestudarosestilosmusicaiscomoprincpioscognitivos,observandoqueatravs dostemposocorremtransformaesnosestilosdeacordocomavontadedoscompositores, intrpreteseouvintes.AhiptesedeSerafinedequemudanasnosestilossurgematravs de uma sutil interao entre os protagonistas do fenmeno musical (compositores, intrpretes eouvintes)produzindovariaesesubversesderegras,novaseinteressantesparao ambiente musical. Princpios cognitivos gerais esto presentes em um grande quantitativo de composiesapreciadaspordiversascomunidadesmusicais,princpioscongitivosmais particularesirocaracterizareespecificarascomunidadesmusicais,dividiresubdividiros estilos22.Poderamosassimdistinguiralgumascomunidadesmusicaisrelacionando-asa estilosespecficos:comunidadedamsicaerudita,comunidademusicaldochoro, comunidademusicaldabossanova,comunidademusicaldorock,comunidademusicaldo jazz.SegundoSerafine(1988)comunidadesmusicaisemgeralsoexcludentes,ouseja,um estilo tende a excluir um outro, porm existem indivduos que costumam transitar por varias comunidadesmusicaisnumacomplexatramasocial23.Assimumprotagonistamusical,seja ele compositor, intrprete ou ouvinte poder interagir na comunidade musical em que estiver. Sua interao poderia ser observada em diferentes nveis de aceitao ou repulsa, e a resposta dacomunidademusicalpoderiaacontecerigualmenteemdiversosnveisdeacolhimentoou de excluso. Serafine (1988) corrobora que as anlises musicais da forma, aliadas s anlises deescutaeaestudossobreascaractersticassociaisdascomunidadesmusicaissoos 21 Serafine (1988) entende a msica como uma atividade prioritariamente do pensar, pensar temporalmente com o som. Podemos conceituar o pensamento musical como uma atividade udio-cognitiva do crebro humano que se relaciona com o tempo, em grande parte em tempo real, ou seja, minuto a minuto, segundo a segundo. 22Serafine(1988)conceituaestilocomoprincpioscognitivoscompartilhadoseutilizadospeloscompositores. Emnossaabordagemdeestiloscomo,jazz,rock,choro,necessrioreconhecercaractersticasespeciais peculiaresscomposies,comoharmonias,encadeamentos,rtmica,ornamentosousonoridadesquesediz caracterizarumdeterminadoestiloemespecial.Conformeseavananasdistinesdecaractersticasespeciais podem surgir subestilos como, samba jazz, heavy metal ou mesmo valsa choro. 23 Principalmente nos centros urbanos, onde o convvio social elevado, ocorrem os hibridismos culturais. 21 recursosnecessrios para o estudoe a descriodos estilos e subestilos da msicaemgeral. Assimnossaanlisesobreametodologiaelinguagemdaguitarraeltricalevarem considerao as concluses do estudo de Serafine (1988). Oestudoemguitarraconstitudoporprincpioscognitivosemprestadosde diversas comunidades musicais. O guitarrista deve aprender a pensar musicalmente, de acordo com o estilo, com a comunidade musical na qual se pretente tocar. As metodologias oriundas datradioformaldeensinodeinstrumentosmusicais,quetemcomobaseosistema tradicional de escrita musical cumprem um papel decisivo no estudo desse instrumento. Como exemplo, Jos Menezes (2003) nos relata a importncia decisiva que a compreeno da escrita musical, aliada sua prtica de leitura, teve na sua carreira profissional.Tem uma coisa, voc pode estudar muito em casa, estude muito em casa. Mas sevocpegaumaorquestra-vocqueguitarristatemquesaberdisso-se voc pega uma orquestra, voc no vai tocar o que voc estuda em casa, voc vaitocaroqueoarranjadorescreveu.Etodososarranjadorestmmaneiras diferentesdeescrever.Vocv,svezesdivisesfeitasdeumjeitoede repente um outro arranjador escreve de um outro jeito. Ele tem o jeito dele de escrever,quetcertoaquiloevoctemqueveramaneiradetodomundo. Vocimagine,eufizomaiortestequevocpodeimaginar,porqueeutoquei comtudooquefoimaestrodessemundo,atravsdosfestivaisinternacionais que a base era eu de primeira guitarra (Menezes, 2003). Oguitarristadeveaprenderarealizaracordesdeacordocomacifrarepresentadae conhecer escalas e arpejos para aplic-los s progresses harmnicas de uma cano ou tema. Noestudodaguitarracostuma-setrabalharcomumlevantamentodaspossibilidadesde aplicaes de acordes e escalas nas canes. Trabalha-se com o mapeamento auditivo, visual e tctil, atravs da compreeno da lgica do brao do instrumento (Goodrick, 1987). Alm de desenvolvertcnicasdeleituramusical,aprendendoatocarmelodias,contracantose acompanhamentos,oguitarristaaprendeaimprovisar,acriardentro(oufora)deuma progresso harmnica predeterminada. O estudo de leitura pode ser realizado como no estudo deoutrosinstrumentos,atravsdeestudosdeleituraesolfejo.Odesenvolvimentodo 22 mecanismo motor se corresponde, em parte, ao realizado em estudos de outros instrumentos e alguns exerccios podem, em casos especficos, ser transcritos para a guitarra.Odesenvolvimentodastcnicasdeacompanhamentotalvezsejaoassuntomais complexoporestarligadoaumprofundoconhecimentodasprticasestilsticasedos princpioscognitivosdascomunidadesmusicais.Algunsmtodostmsepreocupadocomo assuntoprocurandoapresentarestudosderitmoscaractersticosdeestilos,ouescrevendo modelosdeconduoharmnica.Otrabalhocomatranscriotambmumadas metodologiasindicadas,masdificilmentepoderiasubstituiraconvivnciacomos protagonistasdeumacenamusical.Oestudodetcnicasdeimprovisaoemgeral realizadoatravsdaformalizaodoselementosmusicais.Talestudopodeserconsiderado um breve estudo de composio e arranjo na msica popular. O contedo desse estudo , em geral,formadode:trades(maior,menor,aumentada,diminutaesuspensa),escalas pentatnicas(nomodomaioremenor),escalasdiatnicas(maior,menornatural,menor harmnicaemenormeldica),ttrades(maiorcomquintaaumentadaestimamaior,maior com stima maior, maior com stima dominante, menor com stima maior, menor com stima menor, menor com quinta diminuta e stima menor e diminuta), escalas simtricas (cromtica, tonsinteirosediminuta),inversesdosacordes,arpejosdosacordes,modosderivadosdas escalaspentatnicas,modosderivadosdasescalasdiatnicas,enarmoniadasescalas simtricas, 2 modos da escala diminuta, movimentos paralelos, pluralidade acordal24, clichs25 harmnicos,clichsfraseolgicos,fraseologia,padres26meldicos,padresrtmicos, acompanhamento (comping), encadeamentos harmnicos e substituies de acordes27. Todoessecontedopodeconstituirumsabernecessrioparaumarealizaode reflexes formais acerca da msica pelo guitarrista. Seguramente uma forma de organizar a 24Estudoqueprocuraidentificarnasinversesdealgunsacordes,outraspossibilidadesdeescutae representaes por cifra. 25 Elemento motvico que pode caracterizar um estilo musical. 26 Combinaes de intervalos musicais ou ritmos que se repetem. 23 intelignciamusicalecomprovadamentepodecontribuirparaodesenvolvimentodas competnciastcnicasedehabilidadescriativas.Pelomenos10dositensdescritosacima estopresentesnoscontedosdosmtodosdeguitarrapesquisados28eestopresentes tambm na maioria das publicaes peridicas sobre guitarra29.Acomunidademusicalconstruidaemtornodaguitarra,seurepertrio,suaprtica, meiosocialeestilosencontra-seemcontnuatransformao,tornandoainstitucionalizao doensinodaguitarraumdesafioeumaesperanaparaocampoeducacionalsuperior. Acordes,ritmos,fragmentosmeldicos,rudos,efeitoseletrnicos,clichs,soelementos recorrentesnosdiversosestilosdamsicanosquaisguitarraseinsere,essematerialresulta em uma sintaxe musical quando sua utilizao se d no ambiente das comunidades musicais. S um cuidadoso exerccio de escuta e transcrio das msicas produzidas pelos guitarristas, com seus idiomatismos tcnicos e o imaginrio produzido dentro das comunidades musicais, capaz de fornecer a dimenso correta e especfica para compreenso da linguagem da guitarra eltrica, no que se refere aos seus sistemas de representao musical. Se conseguirmos validar uma prtica, fundamentada na improvisao formal e legitimar um repertrio essencialmente popular,esseaportepoderpromoverumaefetivamudananaformadeencararaprtica musical dentro da universidade brasileira.

27 Estudo que procura somar novos acordes para alcanar as notas das superestruturas dos acordes.28Osmtodosconsultadosforam:FARIA,Nelson.Acordesarpejoseescalasparavioloeguitarra.Riode Janeiro:Lumiar,1999.GALIFI,Gaetano.Mtodocompletodeguitarra:dobluesaojazz.SoPaulo:1997. BAKERS,Mickey.Completecourseinjazzguitar.HasbrouckHeigths:LewisMusicPublishing,1985. GOODRICK, Mick. The advancing Guitarrist: applying concepts & tecniques. Milwaukee: Hal Leonard Books, 1987. 29 As revistas consultadas foram: Guitar Player Brasil, Revista Cover Guitarra Down Beat e Guitar Player (americana). 24 3 UMA HISTRIA DA GUITARRA BRASILEIRA (1927 A 1999) Ahistriadainserodaguitarraeltricanaproduomusicalbrasileirapodeser divididaemquatromomentosqueserelacionamcomodesenvolvimentodaindstriaedo mercadofonogrficonopas.Noprimeiromomento,pocadordio,ovioloeltricosurge danecessidadedeaumentodovolumesonoro,participandodasdiversasformaes instrumentaisdamsicabrasileira(Antnio&Pereira,1982).Nosegundomomentocoma popularizao do rock em 1954, a guitarra eltrica aparece aos olhos dos partidrios do Centro PopulardeCultura(CPC)comosmbolodainvasodaculturanorte-americananoBrasil, representadapelaJovemGuardaeoI-i-i.Oterceiromomento,nosanos70,operodo ps-tropicalista,deintensarepressopoltica,verifica-seumagrandefragmentaodo mercadoeaforteentradadafonografianorte-americananoBrasil.Oquartomomento acontecenosanos80,ondeatravsdasnovastecnologiasdegravaoeoconseqente barateamentodaproduo,verifica-seosurgimentodeumafonografiaindependenteno Brasil e uma produo voltada para a msica instrumental e para o rock, que se afirma como produtonacional,ochamado"Rock-Brasil",quelevadezenasdegrupossparadasde sucesso. Nonossaintenoefetuarumaanlisedetodososestilosdaguitarrabrasileira.O multifacetamentodomercadofonogrficonopermitetalempreendimento,emapenasum captulodestadissertao;tambmnopetendemosrealizarumlevantamentocompletodos guitarristas brasileiros. Nosso objetivo : sinalizar atravs desta pesquisa uma necessidade de legitimao dos procedimentos musicais dos guitarristas citados e do repertrio praticado por eles. Jos Roberto Zan (2001), observa que a produo fonogrfica brasileira se iniciou com recursos bem precrios,obrigando os compositores a produzir dentro daslimitaes tcnicas 25 dos registros mecnicos30; essa tecnologia foi gradativamente se transformando e possibilitou oregistrodaproduomusicalbrasileiracomrecursoscadavezmaissofisticados.Simon FrithafirmaqueamsicapopulardosculoXXsignificaodiscopopulardosculoXX (apudZan,2001,p.109).Emboranossoobjetivosejasempreaguitarra,ahistriada produofonogrficaajudaacontextualizardadosbiogrficosdemsicosdeimportncia para a prtica da guitarra eltrica na msica brasileira.No estudo dos processos de modificao das estruturas musicais pelos msicos e suas relaescomaindstriafonogrficautilizamos oconceitodetriagem:seleo,assimilao, enriquecimento, extrao e eliminao; desenvolvido por Luiz Tatit (2001). Segundo Tatit, o fenmeno da mistura de estilos universal e, no Brasil, essa mistura ocorre atravs da triagem (Tatit,2001).Quandoainclusodevaloresconsideradapositiva,aassimilaoaceita comoenriquecimentocultural.Porm,quandoosvaloresexternossoconsiderados prejudiciaiscultura,aassimilaoprovocaosentimentodeprofanaodecrenase/ou costumes; assim o conceito de extrao utilizado, para explicitar as operaes de eliminao doselementosconsideradosindesejveisedaseleodosvaloresconsideradosdesejveis, pelo grupo social que est construindo uma determinada cultura (Tatit, 2001).Outro conceito til a nossa pesquisa o de frices entre musicalidades, desenvolvido porAccioTadeudeCamargoPiedade(2003),queprocurareferenciaisantropolgicose etnolgicos para explicar as relaes de tenso entre a msica instrumental brasileira e o jazz. Seutrabalhoprocuraesclarecertermoscomo:jazzbrasileiro,msicainstrumental, brazucaentreoutros;afirmandoqueosmsicosbrasileirossempreconsideraramochoro como a origem da msica instrumental brasileira.TendosurgidonoRiodeJaneiroporvoltade1870,osprimeirosconjuntosdechoro tocavamcomposiesinstrumentais.Ochoro,tantoquantoemoutrosgrandesgneros,se 30NosprimeirosregistrosdecanesnoBrasil,bemnoinciodosculoXX,predominaramosconjuntosde cordas dedilhadas e percusso leve (Tatit, 2001). 26 caracteriza como uma forma especial de tocar. Nas dcadas de 20 e 30, ao se relacionar com o jazz, o choro adquire uma estutura ritmo-hamnica mais sofisticada que o transforma em um dos mais elaborados gneros da msica popular mundial. A improvisao a condio bsica do choro, a participao ocasional e improvisada dos instrumentos acontece de acordo com a composio, com a funo de cada instrumento, de acordo com o momento e com tcnica do instrumentista.(EnciclopdiadaMsicaBrasileira,1977).OGrupoOitoBatutas31foi duramente criticado pela opinio pblica nacionalista da poca ao incorporar, aps a histrica temporada na Europa em 1922, foxes e ragtimes em seu repertrio e clarinetas e saxofones em sua formao (Piedade, 2003).Arelaodamsicabrasileiracomojazzatravessaasdcadasde40,50e60, modificandoelementoscomo:instrumentao,harmoniaeinterpretao;masasestruturas formais e a temtica da msica brasileira tendem a manter as caractersticas de nacionalidade. Nasdcadasde40e50,porexemplo,osambafoienriquecido(Tatit,2001)comarranjos tpicos das Big-Bands americanas. Nos anos 60 e 70, a crtica nacionalista se intensifica com bossanovaeotropicalismonocentrodadiscussosobreonacionalismomusical(Piedade, 2003)(Napolitano,2001).Nosanos80e90,percebe-sequeainflunciamusicalentreos Estados Unidos e o Brasil uma via de mo dupla, uma rede, que envolve diversos pases e culturasmusicais.Oqueseprocuraentoidentificar,dentrodeumestilo,qualograude mistura e quais os elementos que eventualmente se misturaram (Piedade, 2003). 3.1 Precursores (1927-1945) Em1927,apartirdaentradadosistemaeltricodegravaofonogrficanoBrasile domicrofone,comeaaexistirapossibilidadedeamplificaodoviolo.OsculoXX 31Formadoem1919,foiumdosgruposmusicaismaisimportantesparaadivulgaodamsicabrasileiranas primeirasdcadasdosculoXX.OrganizadoporPixinguinha,ogrupoeraformadopor:Pixinguinha,flauta; China,voz,violoepiano;Donga,violo;RaulPalmieri,violo;NelsonAlves,cavaquinho;JosAlves, bandolim e ganz; Jac Palmieri, pandeiro; Lus de Oliveira, bandola e reco-reco; Joo Toms, bateria; J. Ribas, piano (Enciclopdia da Msica Brasileira, 1977). 27 prdigonastentativasdeintroduzirnovainstrumentaomusical.Osmsicosforamtalvez quemmaisatuaramnesseaspecto.Aeletrificaoumcampofrtileo adventodaguitarra eltricanopodeserexcudodessecontexto;alis,agravaoeltrica(1927)suscita,emsi mesma, a possibilidade de ampliao do volume sonoro (quase) como conseqncia direta. Datadade1929acomposiodeVilla-Lobos"IntroduoaosChoros"paraviolo solista e orquestra, apresenta a indicao na grade: "Violo (com microfone) (Guitarra)". Jos Menezes nos fala de seu encontro com essa obra e com o prprio Villa-Lobos. EupegueimeuinstrumentoefuinacasadoVilla-Lobos.Chegueileleme recebeumuitobem,comaquelaaltitudedeembaixador.Comeceiatocar, termineidetocareledisse:'stemumacoisaquevoctemquemudar,todas essasnotas"si"aprtocarna2acordaeasnotas"mi"na1acordasolta'. Quando foi no dia, estava uma grande orquestra no palco, a orquestra tocando aquelascoisasbonitas,dachegouaminhahoral...Eutermineidetocara msica e ele veio me abraar (Menezes, 2003). AobrafoigravadacomaorquestradaRdioNacional32duranteosFestivaisGE,na dcadade50,comregnciadeLoPerachi.Apesardeutilizarumviolosemamplificao, contoucomumrecursodeestdiobemsimplesemuitoutilizadonapoca:aproximarou afastar os microfones dos instrumentos de destaque e de segundo plano (Menezes, 2003). O perodo histrico que compreende os anos de 1927 a 1946 amplamente conhecido comoa"pocadeouro"damsicabrasileira.Umapocaquefoicaracterizadapelo surgimentodordioedecompositorescomoAryBarroso,NoelRosa,AssisValente33; arranjadorescomoPixinguinhaeRadamsGnatallieinstrumentistassituadosemummeio termoentreamsicaeruditaeamsicapopular.Acanopopularbrasileiraeraconsumida principalmentenocarnaval,pelosouvintesdordio(Tatit,2001).HelosaValente(1999) 32 Fundada em 12 de setembro de 1936, e encampada pelo Estado Novo, em 1940, pelo decreto lei N. 2.073, que criou as Empresas Incorporadas ao Patrimnio da Unio. Com a deposio de Vargas em 1945, a Rdio Nacional passapormomentosdifceisesvoltaaseequilibrarcomoretornodeVargasaogovernoem1951(Nobre, 1998). 33Menosconhecidoqueseuspares,AssisValentecompsvriossucessos.Seusamba"TemFrancesano Morro", foi sucesso na voz de Araci Cortes em 1932. Carmen Miranda foi a maior intrprete e divulgadora dos sambas de Valente. "Minha Embaixada Chegou", "Uva de Caminho", "CamisaListrada", "E o Mundo No Se Acabou" e "Recenseamento" foram algumas composies de Assis cantadas pela Pequena Notvel. Nos anos 80 Moraes Moreira eterniza o sucesso "Brasil Pandeiro". 28 ratifica que uma poca de uma forte influncia da cultura do cinema e do jazz no Brasil e em todo o mundo; "inmeras Big Bands ganharo sotaque internacional, seja nos Estados Unidos, naFranaounoBrasil,tocandoritmosdamoda,norte-americanosoudeoutras provenincias, adaptadas ao padro do rdio comercial" (Valente, 1999, p. 66). Nadcadade20,asprimeirasexperinciasdetransmissesdemarcamoperodode surgimento do rdio no Brasil. Na dcada seguinte, com a introduo dos rdios valvulados, o governocomeouaperceberaforadessenovomeiodecomunicaojuntoclasse trabalhadora e o definia como um servio de interesse nacional e de finalidade educativa34 (Nobre,1998).Apoiadopelogovernoepelasempresas,osistemaradiofnicocresceu bastanteepodeempregargrandenmerodecantores,instrumentistas,arranjadorese compositores,criandoummercadodeexecuoeproduomusicaldegrandequalidade tcnicaeartstica."Umaestaodegrandepotnciatornaoreceptorbaratoe,portanto,o generaliza(...)ordiochegaatondenochegamaescolaeaimprensa,isto:aospontos mais longnquos do pas e, at compreenso do analfabeto" (Saroldi apud Nobre, 1998). Apartirde1942ogovernoVargascomeouaprepararumatransioqueculminou comaLeiConstitucionalN.9de28defevereirode1945,queestabeleciaarealizaode eleies num prazo de 90 dias, eleies que foram regulamentadas pelo Decreto Lei N. 7.589 de 28 de maio de 1945. Em 29 de outubro de 1945 Vargas deposto pelo Alto Comando do Exrcito;terminaaEraVargas.Comaderrotadosnazistasem1945intensificaram-seas presses diplomticas e financeiras, aliadas ainda a uma forte propaganda articulada no estilo de vida norte-americano. Em 1946 Eurico Gaspar Dutra o presidente do Brasil e a poltica da boa vizinhana de Roosevelt segue promovendo o intercmbio cultural entre o Brasil e os Estados Unidos. "Hollywood era em si um convite irrecusvel ao ingresso naquela cultura 34RegulamentandopelodecretoN.20.047demaiode1931,proibiaapropagandacomercial.Depois autorizando propaganda sob 10% do tempo de programao em 1932. Esse percentual foi fixado em 25% no ano de 1985 (Nobre, 1998). 29 fartaepromissora,queconcentrava(...)osmaisatraentessmbolosdemodernidade associadostecnologia"(Tatit,2001,p.228).RiodeJaneiroeSoPaulotornaram-seos plosdasproduescinematogrficasnacionais,comafundaodaAtlntidaem1941,e Vera Cruz em 1949. Foi dentro desse cenrio poltico que os principais precursores na utilizao do violo eltricoedaguitarraeltricanoBrasilproduziramasuamsica.Forameles:PereiraFilho (1914-1986),Garoto(AnbalAugustoSardinha,1915-1955),LaurindodeAlmeida(1917-1995), Betinho (AlbertoBorges deBarros, 1918), Poli (ngelo Apollonio, 1920-1985), Jos Menezes (1921), Luiz Bonf (1922-2001) e Bola Sete (Djalma de Andrade, 1923-1987), entre outros.PereiraFilhofoiopioneiroautilizarovioloeltriconasrdiosbrasileiras35.Atuou de 1932 a 1940 na Orquestra de Napoleo Tavares. De 1941 at a decada de 1950 tocou em bailescomseuprpriogrupo.Trabalhoucomsolistaediretordeorquestrasdordioe televiso. (Enciclopdia da Msica Brasileira, 1977). 35 Segundo Z Menezes (entrevista, 2003) o 1o violonista a utilizar o violo eltrico no Brasil. Figura 3: Garoto http://www.brazilianmusic.com/ 30 Garoto(v.figura3)consideradopormuitospesquisadores,entreelesAry Vasconcelos e Paulo Tapajs36, o precursor da bossa nova. Segundo Tapajs, Garoto realizou uma sntese musical entre a tradio musical da rtmica brasileira, as tcnicas de contraponto e baixariadoChoro,avanguardadojazzbebopeaharmoniaimpressionistadeRavele Debussy.Emsuacarreiraajudoueinfluencioumuitosinstrumentistasdesuageraoe continua sendo referncia como multinstrumentista de cordas dedilhadas. (Antnio & Pereira, 1982). LaurindodeAlmeidatevegranderelevncianadivulgaodamsicaedoviolo brasileiros nos Estados Unidos. Foi parceiro de Garoto nos anos 30 e 40, em 1936 comea a tocar no Cassino da Urca e na Rdio Marink Veiga. Em 1947, vai para os Estados Unidos l empreendebrilhantecarreiracomoarranjador,orquestrador,compositoreinstrumentista.O repertrioqueinterpretavaconsistia,emsntese,decomposiesparaviolodeManuel Ponce,JoaquinRodrigo,Villa-LoboseRadamsGnatalliedecomposiesdejazzebossa nova (Enciclopdia da Nusica Brasileira, 1977) (Ejazz, 200+).Betinhofoicantor,guitarristaecompositor,ecomJosudeBarros37,seupai, acompanhouCarmemMiranda.Atuoucomoguitarristaemdiversasorquestras,ede1941a 1946tocavanasorquestrasdoscassinosdaUrcaedeIcara.Betinhoprovavelmentefoio primeiro guitarrista a gravar um rock no Brasil38 (Senhor F, 2003). Politocavaviolo,cavaquinho,bandolim,banjo,contrabaixo,violaeguitarra havaiana. Sua carreira de instrumentista teve incio na dcada de 30, acompanhado cantores e 36AryVasconcelosfoijornalista,crticomusicaleumdosmaisimportantespesquisadoresdamsicapopular brasileira.PauloTapajs,cantor,compositor,radialistaepesquisadordamsicapopular(Enciclopdiada Msica Brasileira, 1977). 37TambmumpioneironaintroduodovioloeltriconoBrasilem1929,JosudeBarros(1888-1959) tornou-se conhecido a partir de sua composio Chora, Violo, gravada em 1928, por Araci Cortes (Enciclopdia da Msica Brasileira, 1977). 31 integrando regionais como violonista e solista de cavaquinho e bandolim. Poli o pioneiro e o principalrepresentantedaguitarrahavaiananoBrasil.Obomemguitarrahavaianamesmo era o Poli, esse era o bom. Alis, o Poli tambm era bom em tudo, em guitarra havaiana o Poli eraOPapasemprefoi(Menezes,2003).Nadcadade40integrouoregionaldeGaroto queseapresentavanoCassinoCopacabana,naRdioMarinkVeigaenaRdioClubedo Brasil.OmsicoajudouaprojeodecantorescomoCaubyPaixotoeWilsonMiranda. AlgumascomposiesdePolitiveramprojeointernacionalquandoforamgravadaspor artistas como Teddy Reno, Ls Paul, Trio Los Panchos, entre outros (Hepner, 1997). Em1943,JosMenezeschegavanoRiodeJaneiroparaintegrarcomLaurindode Almeida,RomualdoMiranda,LuperceMirandaeLuizAmericanooregionaldaRdio MarinkVeiga.Jem1947,porintermdiodeLaurindodeAlmeida,Menezesconhece, GarotoqueoconvidaparatrabalharcomelenaRdioNacionalondetocaramemduonos regionais e nas orquestras da rdio. Nessa poca Menezes conhece Radams Gnatalli e com a sadadeGarotodaRdioNacional,JosMenezespassaaseroprincipalguitarristada orquestraedoquartetoRadams,depoisquintetoemaistardesexteto.Seuestilo,altamente virtuosstico fundamenta-se em estruturas da msica nordestina, do choro e do jazz (Menezes, 2003).Menezesumpersonagemimportanteparaahistriadaguitarrabrasileira,atuando profissionalmentedesdeadcadade30athoje,passoupordiversosestilosemodificaes tecnolgicas. Luiz Bonf estudou violo clssicocomIsaas Svio39, nas dcadas de 40e 50 tocou emcassinos,naRdioNacionalenaRdioTupi.Tambmfoifortementeinfluenciadopor Garoto que o ajudou em sua carreira. Assim como Laurindo de Almeida, Bonf s encontrou

38ComposiodeBetinhoeHeitorCarilhofoi,provavelmente,aprimeiracanoderock gravada em portugus, em abril de 1957 nos estdios da Rdio Record. A cano fez parte da trilha sonora do filme "Absolutamente Certo" (Senhor F, 2003). 39 Violonista clssico uruguaio, radicado no Brasil, adepto da escola de Trrega. 32 reconhecimento nos Estados Unidos e l projetou a msica brasileira para o mundo (Hepner, 2001). Bola Sete participava, na dcada de 40, da Orquestra Brasileira de Shows de Radams, com Z Menezes e Garoto. Foi parceiro de Z Menezes, com ele realizava nmeros de violo aquatromos.Aindaem40,comseuconjunto,BolaSeteatuavanasboatescariocas.Em 1959 vai para os Estados Unidos, solidificando sua carreira de violonista e guitarrista, tocando com msicos de jazz e gravando dezenas de discos (Menezes, 2003). Constata-seatravsdoestudodabiografiadaguitarraeltricanoBrasilqueseus precurssoresforammuiltiinstrumentistasdecordastrasteadas.Essesmsicos,atuantesnos cassinos,nasemissorasderdioetelevisopossuamdomniotcnicoempelomenosdois dosinstrumentosdecordastrasteadascomo:banjo,bandolim,cavaquinho,guitarraeltrica, guitarrahavaiana,violo,violadedezcordaseviolotenor.Executavamcomposies, trancriesearranjosmesclandoastcnicaseosidiomatismosparticularesdesses instrumentos,implementandoassimumatradiomultiinstrumentistadeinterpretao.Para um instrumento to novo com a guitarra eltrica, que nessa poca ainda demarcava seu campo de atuao, isso foi um fator determinate para a definio do seu repertrio e de sua tcnica. Concumos ento que a prtica da guitarra eltrica, no Brasil, esteve associada a uma tradio multiinstrumentistadecordasdedilhadaseque,dentrodessatradio,ovioloeltrico40se confunde com a guitarra eltrica at a dcada de 4041. Assim, podemos afirmar que a tradio da guitarra brasileira multiinstrumentista. 40 Como vimos, antes da guitarra eltrica existiu o violo eltrico que consistia de um instrumento de cordas de ao com um pequeno microfone acoplado ao "corpo" do violo. Atualmente existem diversos modelos de violes eltricosoueletro-acsticos,algunsseaproximammaisdotimbredoviolo,outrosdotimbredeguitarra.As novas tecnologias permitem ainda simulao de timbres. 41Comoadventodaguitarraslida,seunovodesigneosurgimentodorocknoBrasilaguitarrasedistngue definitivamente do violo, tanto no repertrio quanto na maneira de tocar. 33 A escola do violo brasileiro pode ser representada em sntese na obra para violo de Joo Pernambuco, Canhoto (Amrico Jacobino),Dilermano Reis, Garoto, Radams Gnattali, Villa-Lobos42 eBaden Powell. As obras desses compositores, assim comoagrande parte do que foi escrito para cavaquinho e bandolim fazem parte de um repertrio fundamental para a caracterizaodaprticadaguitarranamsicabrasileira.Assimcomonobanjo,bandolim, cavaquinho,violo,violadedezcordaseviolotenor,aguitarrauminstrumentotantode recursosharmnicosquantomeldicos.Pormnaguitarra,aspossibilidadesmeldicasse ampliamdevidoaumamaiorsustentaodasnotaseamplitudedetessitura43.Aindana caracterizaodaprticadaguitarranamsicabrasileiranecessrionoesquecermoso repertrio do frevo, da guitarra baiana (Marsiglia, 1996). 3.2 Modernizao e consolidao (1945-1969) Duranteocurtoperododemocrtico,dofinaldaEraVargasem1945,ata implantao de uma nova ditadura em 1964, o Brasil vivia sonhos de modernidade; a euforia do ps-guerrae os anos JK. Aps acumular reservas atravs da exportao de matria prima durante a guerra o pas abriu ainda mais o mercado para importaes, adquirindo os produtos culturaisestrangeiros(livros,discos,filmesepropaganda)einvestindoemmaquinariae tecnologiasparaaampliaodomercadointerno(Tacuchian,1997).NoRiodeJaneiroa intensa urbanizao de Copacabana transformou o bairro em um novo plo cultural da cidade. Osprdiosdeapartamentosaurbanidadeemconvivnciacomanaturezacomomarea emancipaodamulher,foramalgumascaractersticasquedelinearamocomplexoterritrio dabossanova.ORiodeJaneiroalmde"cidademaravilhosa"eraacapitaldarepblica, "coraodomeuBrasil";atraacadavezmaispessoasembuscadecargospblicos,arteou 42 Embora as obras para violo de Radams e Villa-Lobos se aproximem do que se reconhece como msica de concerto, no possvel excluir as obras desses compositores da classificao violo brasileiro. 43 A guitarra possui notas graves, que o banjo, o bandolim, o cavaquinho, a viola de dez cordas e o violo tenor no possuem e alguns modelos de guitarra podem atingir as notas mais agudas, desses instrumentos. 34 diverso.Dessaformacriou-seaimagemdoRiodeJaneirocomo"vitrinaculturaldopas" (Gava, 2002, p. 85). O estudo das relaes entre os campos de produo da identidade nacional brasileira e a produo da msica popular brasileira, da msica folclrica, da msicaerudita e do rock fundamental para o entendimento desse perodo histrico (Napolitano, 2001). Surge um forte policiamentoideolgico,sobreaorientaodasproduesmusicaisbrasileiras.Esse policiamento foi realizado por artistas e intelectuais ligados aos projetos desenvolvimentistas ereformistasdogovernonadcadade60,"procurandoarticularaexpressodeuma conscincianacional,politicamenteorientadaparaaemancipaodanao"(Napolitano, 2001, p. 13). Pelo fato de a televiso ainda no estar difundida e do rdio seguir uma massificao baseada em gneros como o bolero, as marchas carnavalescas, o samba cano e o sertanejo, omercadodediscosseabriacomoumapossibilidadedeumaescutamaisautnomae independente das programaes. Assim verifica-se nesse perodo um substancial aumento no consumo de discos (Ortiz, 1995).Operodode1945a1965foiumafasedegrandeapurotcnicoparaojazznorte-americano. As harmonizaes de pianistas como Bill Evans44 e de guitarristas como Jim Hall eGeorgeBensoninfluenciaramalgunsdosguitarristasbrasileirosdessapoca.NosEstados Unidos, uma das vertentes da guitarra eltrica nesse perodo encontra vnculos no virtuosismo dobebopeposteriormentenorefinamentodocooljazz.WesMontgomery(1925-1968),Tal Farlow(1921-1998),BarneyKessel(1923-2004)eJoePass(1929-1994)soalgunsdos guitarristasqueatuavamnocircuitojazzsticonorte-americanonadcadade40(Berendt, 1987). O bebop e o cool jazz representam um retorno da performance jazzstica aos pequenos 44SegundoJoachimE.Berendt,Evansfoioprimeiropianistamoderno"modal".Seufraseadoeleganteesuas harmonias sofisticadas indicam influncias de Debussy e Ravel (Berendt, 1987). 35 ambienteseumretornopesquisaeaexperimentao.SegundoBerendt(1987),Charlie Christianinfluencioutodaageraoposterioraele.Melodicamenteelefoioprimeiroa substituir o toque staccato da guitarra anterior pelo toque legato (p. 230). Intensifica-seautilizaodaguitarraporalgunsviolonistasbrasileirosquej transitavam nos dois instrumentos, o caso de Laurindo de Almeida, Jos Menezes, Bola Sete e Roberto Menescal. Em 1946, a gravao do samba-cano Copacabana, de Joo de Barro e AlbertoRibeiroporDickFarney,teveainclusodaguitarraeltricadeJosMenezesna orquestraodeRadamsGnattali(Menezes,2003).Essagravaorevelaasntesede elementos, do jazz, da msica erudita e da msica popular brasileira urbana, que se associaria esttica de modernidade e suavidade tpica da Bossa Nova (Zan, 2001).Abossanovasurgiacomopromessade"modernidadebrasileira",fundindoos elementosdojazzcomosambaurbano(smbolodenacionalidade).Aguitarraeltricaque aindanosetornaraumconedorockerautilizadanasvertentesmaisjazzsticasdabossa nova,nosclubesdejazzenasjamsessionsqueaconteciamemdiversasboatescariocas (Ejazz,2004).AprticadaguitarranoBrasilprossegueganhandomaisespaoeadeptos. Acreditamosqueatingeopicedoreconhecimentodasqualidadesexpressivascomo ConcertoCariocaN.1paraguitarraeltrica,pianoeorquestra,umagrandeobrasinfnica emquatromovimentoscompostaem1950porRadamsGnattali45.Essapeadedicadaa Laurindo de Almeida teve sua estria no dia 30 de maro de 1965, com a Orquestra Sinfnica do Teatro Municipal regida por Henrique Morelembaun, tendo como solistas: Jos Menezes e o prprio Radams ao piano. 45 o primeiro e nico concerto para guitarra eltrica, piano e orquestra que se tem notcia. Essa grande obra que pode ser considerada ummarco sinfnico para a guitarra contm quatromovimentos: 1o Movimento -Abertura (MarchaRancho),2oMovimento-Cano,3oMovimento-ValsaSeresteira,4oMovimento-Final(Samba). Pelo que se sabe nunca mais foi executada. 36 Oanode1954consideradooanodonascimentodorock.Emboraumestilono surja da noite para o dia o fato que a mistura entre o blues, o country e a cano americana aliada a uma astuciosa viso de mercado de massa reuniu, na noite de 5 de julho de 1954, no estdiodaSunoprodutorSamPhillips,ocontrabaixistaBillBlack,oguitarristaScotty MooreeocantorElvisPresleyparaagravaodeumcompactosimplescomasmsicas ThatsallRigthdeArthurCrudupeBlueMooncanodeRodgers&Hartemuma versointituladaBlueMoonofKentucky.NomesmoanoBillHaleyalcanavagrande sucesso comercial com a msica Rock around the clock (Senhor F, 2003). preciso realizar agora um parntese no sentido de compreender melhor o fenmeno cultural do rock e compreender como a guitarra eltrica, inventada na dcada de 30, acabou se transformando no cone desse gnero musical. Nesse intento nosso principal referencial ser o trabalho de Simon Frith (1980).Simon Frith era um apreciador do rock que vivenciou todo o movimentodesde a sua criaonadcadade50atapocadacontra-culturaedosmovimentosestudantis,quando ele conviveu com a difcil situao (para a poca) de estar na academia estudando sociologia e escrevendosobrerock,enquantosurgiamvriaspublicaesroqueirasquecriticavamos estudos acadmicos. Porm ele acreditava que unindo esses dois campos estaria de fato dando uma contribuio ao entendimento e apreciao desta forma de comunicao de massa. Em SociologiadelRock(1980)oautorrealizaumaminuciosaanlisecrticadessefenmeno cultural.Emseutrabalhosobreomercadofonogrfico,Frith(1980)procuroucaracterizara msicaclssica,todaamsicafolclricaegrandepartedaproduodojazz,comogneros independentesdaindstriaculturaledomercadodemassas,umavezqueosespaosde interaodessesparacomopblicoforamoriginalmente:assalasdeconcerto,as comunidades e os bares, respectivamente. Com o rock e a msica pop a situao diferente, 37 pois tendo surgido essencialmente na interao das massas com a indstria fonogrfica, o rock eamsicapopsognerosqueserelacionamdiretamentecomaindstriaculturaleo mercado massivo.OsBeatles,porexemplo,(fenmenodecomunicaodemassasemquasetodosos pases do mundo) pde provar a existncia de um mercado massivo multinacional atravs das fusesdaindstriafonogrficainglesacomanorte-americanaeposteriormentecomo mercadoeuropeucontinental.Amsicapopanglo-americanadominouomundomais efetivamente do que qualquer outrognero musical. Muito emboraa multinacionalizao do rocktenhapossibilitadoumadiversificaonomercadodemsicademassas(quedeforma algumaorganizada),ocorreutambmosurgimentodeartistas,gruposebandascuja produo muitas vezes no se destina a grandes pblicos annimos (Frith, 1980). Arespeitodainflunciadaindstriaculturalnaculturajovemprecisoseparar criticamenteassuasintenes.Comovimosorockfoioresultadodaaproximaoentrea msicacountrydosuldosEstadosUnidoseoblues;nodevemosrelacionarasuaorigem comosurgimentodaculturateen.Noobstante,aindstriaculturalsoubeexplorar(muito bem)asrelaesentreorockeaculturajovem.Delinqentesjuvenisnosodiferentesde outrosadolescentes,suasnecessidadesdeconsumodeprodutosfabricadospelaindstria culturalsoasmesmaseseintensificamcomasdiferenassociais.Dessaformaas "quebradeiras" nos cinemas norte-americanos onde se exibiram os filmes de rock nos anos 50, nopodemsertratadascomocasuais.Algunsdosmotivosestariamnousodamsicapelos jovens que se relacionavam com as condutas dos grupos denominados "teddy boys". Na falta de satisfao no trabalho e nas frustraes a respeito de status, os jovens tendem a converter seu cio em algo que produza alguma satisfao ou transformaoe a utilizao e defesa de smbolosculturaistendeaserrealizadamaisenfaticamente.Essemodeloculturalda juventude que surgiu nos anos 50 diferencia-se em parte do que surgiu depois nos anos 60. 38 PodemosdelinearaentradadorocknoBrasilcomtrsacontecimentos:coma gravaodeRockAroundTheClocknaContinentalporNoraNeyem1955,comofilme Blackboard Jungle exibido em 1956 e com o guitarrista Betinho e sua msica Enrolando o Rocklanadoem1957.Esteocenriodaproduoeconsumomusicaldajovemguarda (SenhorF,2003).NoentantoantesdajovemguardaorocknoBrasilvivenciouumperodo instrumental que popularizou aguitarra eltrica nas formaes da maioria dos conjuntos46, o guitarristaOlmirStockerfoiumdospioneirosdestafase.Tocavarockemconjuntos chamados"meldicos"(SenhorF,2003).AtualmenteStockerconsideradoumdos principais representantes da guitarra brasileira.Naculturahippieamsicateveumaimportnciaespecialdevidoaoseupoderde penetrao.Orockfoicapazdeintroduzirosvaloreseaideologiahippienaindstria fonogrfica,o"corao"domercadodeconsumoculturaljovemdapoca.Emcontrasteao movimentoanteriordos"teddyboys"eapesardesermanufaturadopelasmesmasempresas fonogrficas,omovimentodecontra-culturanorte-americanoutilizouorockparadifundir umaposioideolgica.Nacontra-culturaosistemadeproduomusicalsemostroumais politizado.No final dos anos 50 e na dcada de 60, surgiu uma grande quantidade de guitarristas de rock como Eric Clapton, Pete Towsand, Jeff Beck, entre outros. Mas com Jimi Hendrix (v. figura4)comeammudanassubstanciais,"aversatilidadeeobrilhodesuasidias transformaramnoapenasconceitosdeexecuoinstrumental,mastodaaconscincia auditivadeseusjovenscontemporneos"(Berendt,1987,p.235).JimiHendrixpode representarasntesedoguitarristadacontra-cultura.Sehojecostumedizerqueorock principalmente uma questo de "atitude", foi em parte por causa das atitudes dele. No Festival 46VitrioQuintilliofoioprimeiroluthieraconstruirguitarraseltricasnoBrasilapartirdosanos50,nessa mesmadcadaaempresadeGiorgioGianninicomeaaproduzirseusprimeirosvioleseltro-acsticos, guitarras e contrabaixos eltricos (GIANNINI. Um Sculo de Instrumentos de Cordas. Guitar Player. So Paulo, ano 5, n. 53, jul. 2000, p. 26 -28.). 39 de Woodstock Hendrix produziu na guitarraeltrica efeitos sonoros semelhantes ao som dos avies B-52 lanando bombas (em uma clara aluso guerra do Vietn), entre as melodias do "StarSplangedBanner".Foiummarconahistriadoinstrumentotendoemvistaas possibilidadesexpressivasdaguitarraquedespontavamnasua"performance",ummomento que ficou gravado como um dos mais fortes na histria da msica de massa, da contra-cultura e da guitarra eltrica. Desde ento a guitarra eltrica passou a ser o mais significativo cone da indstria cultural do rock (Senhor F, 2003). OcrescimentodorocknoBrasil,atravsdajovemguardaedoi-i-igerouuma srie de conflitos com os artistas e intelectuais ligados ao Centro Popular de Cultura (CPC). A animosidade culminou em 17 de julho de 1967, com a passeata pela MPB "contra as guitarras eltricas", tendo como participantes Elis Regina, Jair Rodrigues, Edu Lobo, MPB 4. Gilberto Gil,ChicoBuarque,NaraLeoeCaetanoVelosotambmparticiparam,pormperceberam que por trs de uma questo ideolgica dedefendera msica brasileiracontraa invaso da culturanorte-americana,oqueestavaemjogoeraadisputadeespaonaprogramaoda TVRecord.DessaformatrsmesesdepoisGilbertoGildeclaraqueopop"aartedo consumo. a utilizao, na criao artstica, dos dados fornecidos pelos fatores de formao deummercadodeconsumo.aartequeprocuraconcentrarnasuacriaoelementos Figura 4: Jimi Hendrix http://www.jimihendrix.com 40 importantes na psicologia das massas" (Paiano, 1996, p. 30). Gilberto Gil foi premiado em 2o lugar no III Festival de MPB com Domingo no Parque, acompanhado pelas guitarras eltricas dogrupoOsMutantes.GilconfessoutersidoinfluenciadopelodiscoSargentPepper'sdos Beatles e levou o prmio de melhor arranjo. Srgio Dias, ex-integrante do grupo Os Mutantes considerado o primeiro guitarrista do Tropicalismo; Lanny Gordin apareceu logo depois. Autodidata, Lanny comeou a tocar na boateStardust,depropriedadedeseupai.EraaboateemqueHermetoPascoaltocavano incio de sua carreira em So Paulo. "Vi oLanny nascercomo msico, tocando as primeiras notas, l na boate Stardust. Ele aprendeu do dia para a noite, assustadoramente. O Heraldo do Montedeuumimpulsograndeaele"(HermetoPascoalapudCalado,2003).Aos16anos Lanny j era uma das atraes da Stardust.Fiqueiprofundamenteadmirado,aoveraquelemeninotocandopelaprimeira vez,quandooRogrioDupratochamou,napocadaTropiclia.Depoisque CaetanoeGilforamemcanaesaramdopas,em1969,eu,GalCosta, PaulinhodaViolaeCapinanfizemosumafirmachamadaTropicartee produzimosumespetculo,noTeatroOficina.Esseshowtinhatrsfiguras importantes: eu, Gal e Lanny. No cotidiano com ele, meu violo mudou. Alm de ter um talento enorme, o Lanny tinha um violo muito peculiar, muito rico. Ele o que mais se aproxima de Jimi Hendrix. Sabia tudo da guitarra da poca ecapazdetocarviolocomooGaroto,incrementandoasharmoniaseas melodias.LannyumadasmaisprofundasericasmusicalidadesdoBrasil. QuemquiseraprenderaguitarratemqueouvirLannyGordin(JardsMacal apud Calado, 2003). Nos anos 60, ao assumir a cano como produto comercivel, o Tropicalismo cumpriu uma importante etapa no processo de reconceituao da MPB, que pde assim englobar quase todas as expresses da cano popular. Tendo como cenrio um complexo momento histrico nacionalemundial,aindstriaculturalpde,esoubeaproveitareutilizaraimagemde rebeldiaparaolanamentodeprodutosvoltadosaopblicojovem.Consagradopela convergnciadospensamentosartsticosmaisradicaiscomoaantropofagiamodernistados anos20,apoesiaconcretadosanos50eomovimento"MsicaNova"oTropicalismo 41 assumiuumafrmuladeagressoesttica,quelembraomanifestomodernistade1922, porm, nas bases da contra-cultura.SegundoMarcosNapolitano(2001)otropicalismorepresentouapassagemdeuma cultura poltica de matriz romntica para uma cultura de consumo. O mais interessante como aindstriaculturalsoubedialogarcomessesartistascomooportunismoespervel, veiculando as propostas mais experimentais j realizadas na indstria fonogrfica brasileira de massa.Omovimentotropicalistapermitiuumaaglutinaodeumademandadeconsumo predominantemente jovem, que j existia em muitos pases ocidentais desde o incio dos anos 60. Mais ao nordeste do Brasil, especificamente emSalvador, o Trio Eltrico com violo eltrico,paueltricoepercusso,procuravarompercomaelitizaodocarnaval.A experinciapioneiradeDodeOsmarcomaeletrificaodosinstrumentosdecordas possibilitou,tantoosurgimentodeumestilodeconsumoparaocarnaval(otrioeltrico), quantooinventodeuminstrumentomodernoegenuinamentebrasileiro,aguitarrabaiana (Marsiglia, 1996).Delineando um outro setor da produo fonogrfica brasileira, o guitarrista Heraldo do Monte47,gravaem1967,comHermetoPascoal,AirtoMoreiraeTheodeBarrosoLP QuartetoNovo.SegundoHermetoPascoalogrupoQuartetoNovotinhacomopropostaa revigoraodamsicainstrumentaldoNordeste(CliqueMusic,2003).OQuartetoNovo utilizouaviolaeoviolocaipiraassimcomooinstrumentalpercussivodoNordestena elaboraodearranjosecomposiescomharmoniasmodaiseumartmicavigorosa, utilizando com freqncia compassos irregulares. 47Heraldopossuidordeuma"linguagem"deimprovisaoqueutilizaamplamenteoselementosrtmicose meldicos da msica brasileira, sendo um dos primeiros guitarristas a desenvolver essa "linguagem". 42 3.3 Ps-tropicalismo, perodo de transio (1969-1980) OsurgimentodeHendrixeofimdacontra-culturamodificaramsubstancialmenteo panorama da guitarra; "talvez se pudesse dizer que Hendrix no tocava guitarra, propriamente, mas que seu instrumento era a eletrnica" (Berendt, 1987, p. 235). Assim, na busca de novas misturas, Jeff Beck vai procurar no eletric jazz a sua forma de expresso. Steve Hacket, Grag Lake e Steve Howe desenvolvem as suas "linguagens" de guitarra no rock progressivo48.JonhMcLaughlinumdosmaisimportantesguitarristasdojazzrock,tambmfoi influenciadoporHendrix(Berendt,1987).NaMahavishnuOrchestra49,McLaughlin desenvolveu uma linguagem altamente sofisticada, com partes sinfnicas intercaladas a partes solistas,emduosdeguitarraebateria,ouemformaesmaisconvencionaisdequartetose quintetos. McLaughlin (v. figura 5) foi um dos primeiros guitarristas a utilizar a tecnologia de sntese eletrnica e digital na guitarra. Inegvel o apelo roqueiro que a "linguagem" da guitarra produziu na dcada de 60 e 70. Porm o discurso intelectual em torno de uma postura esttica nacional popular no foi em 48SteveHacketfoioguitarristadogrupoGnesis;GregLake,dotrioEmersonLake&PalmereSteveHowe, guitarrista do Yes. A tendncia progressiva nos anos 70 tinha como principais caractersticas o experimentalismo e a incluso de elementos da msica clssica sob forma de citao ou de pardia. 49AMahavishnuOrchestra,nosanos1970,buscouafusoentreamsicasinfnica,opop,ojazz-rockea msica da ndia. A sntese produzida pelo grupo permanece nica e ainda referncia de instrumentao, textura e experimentalismo na msica pop. Figura 5: John McLaughlin http://www.dwponline.com 43 vo,poisduranteesseperodoamaioriadosguitarristasbrasileirosprocurouincorporarao idiomatismo da guitarra eltrica, caractersticas do cavaquinho, bandolim e viola caipira. Na passagem da dcada de 60 para 70 eclodia o rock progressivo no mundo e o Brasil teverepresentaonesseestiloprincipalmenteemSrgioDiasdosMutanteseSrgioHinds doGrupoOTero.SrgioDiasfoiparticularmenteimportanteparaodesenvolvimentoda tecnologiadaguitarranoBrasil,eleeseuirmoCludioDiaspesquisaram,testarame construramguitarraseamplificadores.Hindsumguitarristaverstil,nogrupoOTero, procurouumasonoridadeparaaguitarraquelevasseemconsideraoaculturarockea tradio brasileira em cordas dedilhadas50. PepeuGomes(v.figura6)surgenomovimentops-tropicalistageradopelosNovos Baianos,sua"linguagem"naguitarracontminflunciasdorockedochoro,"euconseguia juntarJacdoBandolimcomJimiHendrix"(Gomes,2003a).Em1971osNovosBaianos chegam no Rio de Janeiro e fazem uma temporada no Teatro Teresa Raquel, apresentando-se depoisdoshowdeGalCostaqueeraacompanhadaporLannyGordin.CertaocasioPepeu substituiuLanny,"foiumdesafioimportante,umamissoquaseimpossvel,mastambm 50Aexemplodoslbuns"OTero"(Copacabana,1975)e"CasaEncantada"(Cobacabana,1976)dogrupoO Tero. Figura 6: Pepeu Gomes http://www2.uol.com.br/cliquemusic/

44 uma grande chance" (Gomes, 2003b). O resultado est registrado no lbum "Gal Fatal", Pepeu havia criado uma linguagem de guitarra brasileira. "Lanny Gordin e Sergio Dias inventaram a eletricidadenaMPB,PepeuGomesexplodiuasltimasbarreiras.Detalhe:todosostrs utilizaraminstrumentosnacionais,dispensandoa'sofisticao'dosaparelhosimportados" (Jlio Barroso apud Gomes, 2003b). Comosabemos,adc