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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais
ATIVIDADE POLÍTICA DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL:
AS DEMANDAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA
TRANSNACIONALIZADAS POR DOM HELDER CAMARA (1968-1978)
Adenilson Ferreira de Souza
Belo Horizonte
2010
Adenilson Ferreira de Souza
ATIVIDADE POLÍTICA DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL:
AS DEMANDAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA
TRANSNACIONALIZADAS POR DOM HELDER CAMARA (1968-1978)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Relações Internacionais.
Orientador: Otávio Soares Dulci
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Belo Horizonte
2010
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Atividade Política da Igreja Católica no Brasil: As Demandas da Sociedade Brasileira
Transnacionalizadas por dom Helder Camara (1968-1978)
Adenilson Ferreira de Souza
Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designada pelo Colegiado do
Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em
Relações Internacionais.
Aprovada em 22 de fevereiro de 2010
Por:
__________________________________________
Prof. Dr. Otávio Soares Dulci (Orientador, PUC-Minas)
__________________________________________
Prof. Dr. João Batista Libanio (FAJE)
__________________________________________
Profª. Dra. Maria Elizabeth Marques (PUC-Minas)
Belo Horizonte
2010
Aos meus antepassados, e também aos meus pais,
Ailton e Maria Aparecida. Aos meus amigos/as
Paulo Sérgio, Toinho, Gerson, Solange e Elizabeth.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, a inspiração fundamental, a força incessante, a confiança frente os
desafios, a serenidade ante as adversidades; a vida, e tudo o que nela transcorreu. E a todos
aqueles que fizeram (ou fazem) da minha vida o que ela realmente é: eterna gratidão.
Agradeço aos meus pais, Aparecida e Ailton, pela vida e por entregar-me o mundo
em possibilidades. A todos os meus irmãos (José Gomes, Joelson e Ademir) e irmãs (Ângela e
Joelma) pela demonstração de confiança. Aos meus sobrinhos (Cleyton, Maria Eduarda,
Rômulo, Joyce e Carlos Eduardo) pela compreensão de minha ausência no melhor momento
de suas vidas.
Agradeço as amigas Claudivânia, Cinthia, Gleicy, Luciana (Lu), Simone, pelas
inúmeras palavras de encorajamento e pelas verdadeiras intimações a participar de suas vidas.
Agradeço a dom José Maria Pires (dom Pelé) pela longa entrevista, durante a qual
manifestou amor apaixonado pelos seus colegas da CNBB e pelas lutas, por vezes tensas, em
nome dos mais pobres.
Agradeço a João Batista Libanio, profícuo teólogo jesuíta, por sua amizade,
disponibilidade, e por nos permitir, embora agenda estivesse sempre cheia, inúmeras ocasiões
de partilha de vida e de conhecimentos.
Agradeço a Manoel José de Godoy e Cleto Caliman pela gentileza das entrevistas,
concedidas em clima da maior cordialidade.
Agradeço a Maria Helena Ferreira e Lucy Pina Neta, do Centro de Documentação
Dom Helder Camara (CEDOHC- Recife), do Instituto Dom Helder Camara (IDHEC), toda
colaboração em termos de acesso aos “Discursos” de Helder Pessoa Camara.
Agradeço a Aline Bispo Ferreira e Welther Lustosa Fontoura, da Biblioteca da FAJE,
e Roziane do Araújo Michielini, da Biblioteca da PUC-Minas, pela solidariedade,
disponibilidade e colaboração; materializados em gestos de gentileza e de serviços.
Agradeço a Ricardo Grisi Velôso, do Arquivo Eclesiástico da Paraíba, João Pessoa,
que não mediu esforço para a localização de documentos referentes a dom José Maria Pires e
dom Helder Camara, e demais bispos a estes correlacionados.
Agradeço ao Gerson Carvalho e a Solange Ribeiro pela eterna amizade e pelo
exercício contínuo da compreensão, que se traduziram em amplo suporte humano, durante
esses dois anos.
Agradeço a Germano Cord Neto pela participação, embora pontual, muito efetiva, a
ponto de tornar factível toda essa empreitada.
Agradeço a João Ademar Specht pela amizade. Aqui, estendo o agradecimento a toda
sua equipe pelo provimento de seis (6) meses em bolsa de estudos.
Agradeço, de modo mui particular, ao Programa de Apoio para o Desenvolvimento
de Lideranças Católicas (PROLIC), pela bolsa, que, em última instância, representou
condição sine quo non para o desenvolvimento e a produção da dissertação.
Agradeço a todos os Funcionários da PUC Minas, em nome de Paula Mayrink,
Secretária do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. Em nome dos
Professores, agradeço ao Professor Otávio Soares Dulci, por sua orientação sempre serena,
sábia, confiante, enriquecedora; por todas as informações compartilhadas; por me permitir
desfrutar de sua competência e generosidade e, por fim, por acolher gentilmente todos os
meus esforços.
Resta agradecer ainda aos colegas de mestrado que ousaram empreender essa aventura
de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais
humano - empreitada de dúvidas e medos, angústia e realização, desejos e perspectivas,
sorrisos e lamentos, sustentados pelo apoio mútuo.
O que mais me preocupa não é nem o grito dos violentos, dos
corruptos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética. O que
mais me preocupa é o silêncio dos bons.
Martin Luther King
RESUMO
Nosso trabalho consiste em analisar a atividade política da Igreja Católica no Brasil,
particularmente, as demandas da sociedade brasileira transnacionalizadas por dom Helder
Pessoa Camara, através de seus pronunciamentos no exterior, durante a vigência do Ato
Institucional nº5 (1968 a 1978). A Guerra Fria e a Revolução Cubana, com os seus respectivos
desdobramentos, constituem-se em grandes eventos - da política Internacional e da política
regional, respectivamente - a partir dos quais os Governos militares elaboraram conceitos
fundamentais para a política doméstica, tais como: a ideologia da segurança nacional, o
inimigo interno (e externo) e a ameaça comunista. Análise da sociedade brasileira entre os
anos de 1950 e 1964 esclarece o contexto de crise dos Governos com tendências populistas
[que atinge o ápice no governo de João Goulart] e, por conseguinte, aponta as condições
favoráveis ao golpe civil-militar em abril de 1964. O golpe encerra a curta experiência
democrática no país. Nesse contexto, a Igreja Católica no Brasil é impelida a mobilizar-se, por
vezes, em defesa do “subversivo”. Análise da natureza transnacional da Igreja evidencia os
atributos [organização, estrutura, estratégias e autonomia] que possibilitam à Instituição atuar
nas esferas de política doméstica e internacional. Enquanto as diretrizes de política externa
dos Governos militares visavam o crescimento econômico, a Ideologia da Segurança Nacional
impunha à sociedade brasileira restrição de toda ordem. O símbolo de maior expressão desse
estreitamento da arena política doméstica é o AI-5, que, sob o pretexto de combater o avanço
do comunismo no país, promoveu a inserção das demandas da sociedade brasileira na arena
de política internacional, por meios dos pronunciamentos de dom Helder no exterior.
Palavras-chave: Política Internacional, Política Regional, Integração Regional, Segurança
Nacional, Igreja Católica, Governos Militares, AI-5, Demandas Transnacionalizadas, Dom
Helder Pessoa Camara.
ABSTRACT
The present work consists in analyzing the political activity of the Catholic Church in
Brazil, mainly the demands of the Brazilian society echoed by Dom Elder Camara‟s
international pronouncements, during the Institutional Act n°5 period. Both the Cold War and
the Cuban Revolution, with their respective developments, constitute important events in
terms of regional and international politics that were used by the military governments to
elaborate fundamental concepts of domestic politics such as: national security, internal or
foreign enemy and the communist threat. The analysis of the Brazilian society between 1950
and 1964 highlights the crisis context of populist governments (that reached its apex with
João Goulart), and consequently points out the favorable conditions for the civil/military coup
of April 1964. The coup ended the country‟s short-lived democratic experience. It was in this
context that the Catholic Church in Brazil was impelled to mobilize itself, often to take the
defense of the “subversive”. An analysis of the transnational nature of the Church points out
the attributes that enabled the Institution to act in both the domestic and international spheres
[organization, structure, strategies and autonomy]. While the military governments‟ external
policies aimed at economic development, the ideology of National Safety imposed all kinds of
restrictions upon the Brazilian society. The major symbol of this political narrowing was the
AI-5 that, under the false pretence of fighting the advance of communism in the country,
promoted the demands of the Brazilian society in the international political arena, through
Dom Elder‟s pronouncements abroad.
Key-words: International Politics, Regional Politics, Regional Integration, National Safety,
the Catholic Church, Military Governments, AI-5, Transnational demands, Dom Helder
Pessoa Camara.
LISTA DE SIGLAS
AC - Ação Católica
ACB - Ação Católica Brasileira
ACO - Ação Católica Operária
ACR - Animação Cristã no Meio Rural
AEC - Associação de Escolas Católicas
AI-5 - Ato Institucional nº 5.
AL - América Latina
ALN - Aliança Libertadora Nacional
AP - Ação Popular
ASIs - Assessorias de Segurança e Informação
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
CAL - Pontifícia Comissão para a América Latina
CBA - Comitê Brasileiro pela Anistia
CCC - Comando de Caça aos Comunistas
CEBs - Comunidades Eclesiais de Base
CEPLAR - Centro de Planejamento Rural (Paraíba)
CELAM - Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribe
CENIMAR - Centro de Informações da Marinha
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e Caribe
CIDA - Comitê Interamericano de Desenvolvimento Agrícola
CIEX - Centro de Informações do Exército
CISA - Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica
CODEARA - Companhia de Desenvolvimento do Araguaia
CODI - Centro de Operações de Defesa Interna
CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.
CPOR - Centro de Preparação de Oficiais da Reserva
CPT - Comissão Pastoral da Terra
CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
DSIs - Divisões de Segurança e Informação
DOI - Destacamento de Operações e Informações
DSI - Doutrina Social da Igreja
17
DSN - Doutrina da Segurança Nacional
FAG - Federação dos Agricultores (do Rio Grande do Sul ou de Goiás)
FAP- Federação dos Agricultores Paulistas
FMI - Fundo Monetário Internacional
FUNAI - Fundação Nacional de Assistência ao Índio .
GS - Gaudium et Spes
GETAT - Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins
JAC - Juventude Agrária Católica
JEC - Juventude Estudantil Católica
JIC - Juventude Independente Católica
JOC - Juventude Operária Católica
JUC - Juventude Universitária Católica
MEB - Movimento de Educação de Base
MM - Mater et Magistra
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
ONU - Organização das Nações Unidas
OPA - Operação Pan-Americana
OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo
PC do B - Partido Comunista do Brasil
PEB - Política Externa Brasileira
PP - Populorum Progressio
SAR - Serviço de Assistência Rural
SFICI - Serviço Federal de Informações e Contra-Informação
SIPRI - Stockholm International Peace Research Institute
SORPE - Serviço de Orientação Rural de Pernambuco
SNI - Sistema Nacional de Informação
TdL - Teologia da Libertação
UDN - União Democrática Nacional
UNCTAD - Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.
18
LISTA DE ENTREVISTAS
1. Dom José Maria Pires (dom Pelé)
Arcebispo Emérito de João Pessoa, Paraíba. Entrevista realizada no dia 17 de novembro de
2008, no Bairro Itapuã, Belo Horizonte.
2. Prof. Dr. João Batista Libanio
Professor do Programa de Pós-Graduação da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
(FAJE). Entrevista realizada no dia 12 de março de 2009, no Bairro Planalto, Belo Horizonte.
3. Prof. Dr. Manoel José de Godoy
Diretor do Instituto Santo Tomás de Aquino, Bairro Coração Eucarístico, Belo Horizonte.
Entrevista realizada no dia 10 de dezembro de 2009.
4. Prof. Dr. Cleto Caliman
Coordenador do Curso de Teologia do Instituto Dom João Resende Costa, Bairro Coração
Eucarístico, Belo Horizonte. Entrevista realizada no dia 14 de dezembro de 2009.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................16
1. A ARENA POLÍTICA INTERNACIONAL NO PÓS-II GUERRA ..............................26
1.1 O PÓS-II GUERRA: BIPOLARIDADE E CRISE DO COLONIALISMO .....................26
1.2 O EMBATE ENTRE AS SUPERPOTÊNCIAS: A GUERRA FRIA .................................28
1.3 A REVOLUÇÃO CUBANA E A ESTABILIDADE DO CONTINENTE ........................32
1.4 AS DIRETRIZES DA PEB DOS GOVERNOS MILITARES (1964-78)..........................38
2. O CONTEXTO SÓCIO-ECONÔMICO-POLÍTICO-RELIGIOSO NO BRASIL......47
2.1 A MUDANÇA DE ESTRUTURAS SÓCIO-ECONÔMICAS NO BRASIL.....................47
2.2 OS ANTECEDENTES POLÍTICOS DO GOLPE DE 1964 E A HISTÓRICA RELAÇÃO
IGREJA-ESTADO NO BRASIL .......................................................................................51
2.2.1 Os Antecedentes Políticos do Golpe Militar .....................................................51
2.2.2 A Histórica Relação entre Igreja-Estado no Brasil ...........................................55
2.3 A FUNDAÇÃO DA CNBB, DA ACB E DA AP.................................................................60
2.3.1 A Fundação da CNBB e a sua Relação com a ACB.........................................60
2.3.2 A ACB: o Deslocamento da Igreja em Direção à Esquerda Política..................65
2.3.3 A Esquerda Católica: o Movimento de Ação Popular........................................70
2. 4 AS ESTRATÉGIAS PARA A MUDANÇA SOCIAL DA IGREJA...................................74
2.4.1 O Engajamento Formal na Educação.................................................................74
2.4.2 O MEB: Fundação e Relevância Sócio-Política ...............................................76
2.4.3 O Sindicalismo Rural e a Organização Operária ..............................................81
2.4.4 Francisco Julião e as Ligas Camponesas ..........................................................86
2.4.5 A Expressão Social da Igreja ............................................................................90
3. A NATUREZA TRANSNACIONACAL DA IGREJA: INSTÂNCIAS
INTERNACIONAL E REGIONAL, E DESDOBRAMENTOS.........................................94
3.1 A NATUREZA TRANSNACIONAL DA IGREJA............................................................94
3.2 AS INSTÂNCIAS TRANSNACIONAIS DA IGREJA......................................................98
3.2.1 Internacional: os Concílios................................................................................98
3.2.2 Regional: o CELAM .........................................................................................99
3.2.3 Regional: as Conferências Gerais do Episcopado Latinoamericano...............101
3.3 ATUAÇÃO DA IGREJA NO DESENVOLVIMENTO E NA INTEGRAÇÃO DA
AMÉRICA LATINA ..............................................................................................................104
3.3.1 Atuação da Igreja no Desenvolvimento da América Latina.............................104
3.3.2 Atuação da Igreja na Integração da América Latina........................................106
3.3.3 Atuação da Igreja na América Latina pós-Medellín........................................108
3.3.4 Crítica da Igreja à Teoria da Interdependência ...............................................112
3.4 O SURGIMENTO DE UMA CONSCIÊNCIA DA LIBERTAÇÃO E DE UMA
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO............................................................................................121
3.4.1 Do Conceito de Libertação à Consciência da Liberdade.................................121
3.4.2 Teologia da Libertação: Fazer Teologia na (e para) Nova Igreja.....................123
3.4.3 Desdobramento: CEBs, Igreja Popular e Inclusiva..........................................125
4. A REDUÇÃO DO ESPAÇO POLÍTICO DOMÉSTICO PELO AI-5 E SUAS
CONSEQUÊNCIAS..............................................................................................................128
4.1 O APARATO REPRESSIVO DE APORTE AO AI-5.......................................................128
4.1.1 O SNI, Suas Divisões e Assessorias................................................................128
4.1.2 O Poder Executivo em Ação: as Cassações de Mandatos e a Criminalização da
Política.........................................................................................................132
4.2 A OPOSIÇÃO DA IGREJA AO “REGIME DA LIBERTINAGEM”..............................133
4.2.1 A Formulação do Conceito de “Regime da Libertinagem”.............................133
4.2.2 “A Igreja sai da Sacristia”................................................................................136
4.2.3 Segurança Nacional e Reforma Agrária...........................................................141
4.3 A PERSEGUIÇÃO VIOLENTA À IGREJA....................................................................144
4.3.1 A Perseguição a dom Helder Camara e a seus Colaboradores.........................144
4.3.2 A Perseguição a dom Pedro Casaldáliga e a seus Colaboradores....................147
4.3.3 A Perseguição a dom Adriano Hipólito e a dom Valdir Calheiros...................149
4.3.4 A Perseguição aos Dominicanos e outros Casos..............................................151
4.3.5 A Igreja que se opõe à Igreja............................................................................154
4.4 GUSTAVO CORÇÃO E ALCEU AMOROSO LIMA: UM DUELO À PARTE.............157
4.5 AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL.........................................160
5. A TRANSNACIONALIZAÇÃO DAS DEMANDAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA
POR MEIO DOS PRONUNCIAMENTOS DE DOM HELDER CAMARA NO
EXTERIOR ..........................................................................................................................166
5.1 A NECESSIDADE DE REFORMAS ESTRUTURAIS...................................................166
5.2 O COMBATE AO COLONIALISMO INTERNO E EXTERNO....................................172
5.3 A INTEGRAÇÃO REGIONAL E O DESENVOLVIMENTO........................................177
5.3.1 A Integração Regional......................................................................................177
5.3.2 O Desenvolvimento Latinoamericano ............................................................179
5.4 ORDEM SOCIAL OU DESORDEM ESTABELECIDA.................................................183
5.5 PROMOÇAO DA JUSTIÇA COMO CONDIÇÃO PARA A PAZ...................................190
5.6 COMBATE À MISÉRIA E À POBREZA........................................................................194
5.7 A “VIOLÊNCIA DOS PACÍFICOS”................................................................................197
5.8 OS DIREITOS HUMANOS E A DEMOCRACIA..........................................................204
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................209
REFERÊNCIAS....................................................................................................................216
7. ANEXO A: ........................................................................................................................238
16
INTRODUÇÃO
Nossa pesquisa consiste em analisar a atividade política da Igreja Católica no Brasil,
particularmente, as demandas da sociedade brasileira transnacionalizadas por dom Helder
Pessoa Camara, através de seus pronunciamentos no exterior, durante a vigência do Ato
Institucional nº5 (doravante AI-5), precisamente entre os anos de 1968 e 1978.
No início da década de 1960, a sociedade brasileira enfrenta transição política de
governos populistas para regime militar. O golpe desferido contra o governo constitucional de
João Goulart, em 1964, não representa evento inédito na história política do país. O elemento
novo emerge do conflito entre Igreja-Estado, instituições historicamente caracterizadas por
relação de cooperação. O poder de Estado, em termos de força repressiva, suplanta o processo
em curso de maior participação da sociedade brasileira no governo.
O símbolo de maior expressão desse estreitamento da arena política doméstica é o
AI-5. A promulgação do AI-5 impõe à sociedade brasileira restrições de toda ordem. Em
resposta a essa estratégia político-governamental, alguns movimentos, organizações e
instituições, tais como: movimentos estudantis, OAB e a Igreja, respectivamente, organizam-
se como núcleo duro de crescente oposição ao governo, e resistem à força do regime.
Análise da sociedade brasileira para os anos de 1950, 60 e 70 revela diversas
demandas da mesma para a política doméstica, tais como: reforma agrária, saúde pública,
habitação, educação, urbanização, transporte público, segurança, entre outras. Uma das
principais demandas transnacionalizadas pelos Governos militares, mediante a elaboração e a
implementação de política externa brasileira, traduz-se no desenvolvimento (econômico)
como pressuposto fundamental à segurança nacional, regional e internacional. A Igreja, no
entanto, insere em sua agenda de política internacional desenvolvimento (humano) como
pressuposto da justiça social nacional e mundial.
Os grandes eventos da política internacional e regional, respectivamente, Guerra Fria
(evento estendido no tempo) e Revolução Cubana (evento pontual), com os seus
desdobramentos, consideram-se pressupostos que perpassam toda a nossa análise. A
relevância desses eventos no marco de nossa pesquisa justifica-se pela capacidade de gerar
conceitos que se tornaram fundamentais na política doméstica [tais como: a ideologia da
segurança nacional, o inimigo interno (e externo), a ameaça comunista; o subversivo] durante
as décadas de 1960, de 1970 e mesmo na década de 1980.
17
A abordagem teórica da temática, em perspectiva histórico-analítica, requer: analisar
a arena internacional do pós-II Guerra Mundial (Cap. 1); analisar o contexto sócio-
econômico-político-religioso no Brasil de 1950-1964 (Cap. 2); analisar a natureza
transnacional da Igreja e as contribuições de suas organizações regional e internacional (Cap.
3); analisar possível estreitamente do espaço político doméstico promovido pelo AI-5, entre
os anos de 1968-1978 (Cap. 4) e, por fim, analisar as demandas da sociedade brasileira
transnacionalizadas por meio dos pronunciamentos de dom Helder no exterior (Cap. 5).
A opção por não desenvolver a temática em perspectiva cronológica resguarda certo
inconveniente. O leitor pode se confundir na falta de uma sucessão histórica. Contudo, há
nessa escolha o benefício de uma exposição dinâmica que prioriza a relevância dos conteúdos
selecionados.
As hipóteses aduzidas para o desenvolvimento da pesquisa postulam que o AI-5
produz tensões entre as instituições (Igreja e Governo militar) e limita fortemente a atividade
política da Igreja Católica no Brasil. Como consequência, o estreitamente da arena política
doméstica pelo AI-5 teria resultado em maior inserção política da Igreja no cenário
internacional via pronunciamentos de dom Helder Camara. As declarações de dom Helder, no
exterior, teriam produzidos, segundo o próprio Costa e Silva, a necessidade de mobilização
dos governos militares no esforço de preservar boa imagem do país.
Análise coerente da temática que aqui se pretende desenvolver, se nos impõe, em
caráter imediato, a necessidade de apresentar alguns esclarecimentos prévios acerca de
determinados conceitos, expressões, princípios metodológicos, perspectiva de análise, que, se
não bem delimitados, podem eventualmente permitir ambigüidades, ou permitir
extrapolações. Além disso, esforço maior se depreenderá no intuito de evitar, o que não
significa omitir, fazer menção a certos temas que, por ventura, possam ser apenas abordados
tangencialmente, em virtude da natureza e do enquadramento desse trabalho.
A Igreja, cuja atividade constitui-se objeto de nossa análise, é a Igreja
tradicionalmente reconhecida como “Igreja Católica”. Quanto aos Governos militares,
especial atenção volta-se para os que assumem o Executivo durante o período do AI-5, isto é,
Costa e Silva, Emilio G. Médici, Ernesto Geisel. Exceção será concedida ao Governo de
Castelo Branco, quando da análise da Política Externa Brasileira (PEB), visto que seu
governo caracteriza-se pela ruptura (com governo democrático) e transição (para governo
autoritário). Além disso, a Igreja e os Governos militares serão analisados enquanto grupos de
interesses em interação na arena política doméstica, com eventual transbordamento de suas
ações no exterior.
18
O termo Igreja (do lat. Ecclesia) é polissêmico. Ele não será tomado aqui em sentido
eclesiológico (“Povo”), antropológico (“Corpo”) ou teológico (“Templo”), mas em
perspectiva do estudo das Organizações Internacionais no campo de Relações Internacionais.
Análise da atividade política da Igreja no Brasil, com eventual incursão também na América
Latina (nossa opção pela expressão América Latina se justifica basicamente pelo interesse em
se manter a uniformidade dos termos ao longo do texto, pois os autores de nossa bibliografia
usam exclusivamente essa expressão, quando o mais indicado, por razões políticas, seria
usarmos o termo América do Sul), situa nossa pesquisa no campo do estudo das
Organizações. Análise das demandas da sociedade brasileira transnacionalizadas por dom
Helder, por meio de seus pronunciamentos no exterior, durante a vigência do AI-5, constitui-
se em elemento responsável pelo enquadramento de nossa pesquisa na área de Relações
Internacionais.
A atividade da Igreja caracteriza-se pela diversidade no tempo e no espaço, definidas,
em geral, pelas circunstâncias históricas e culturais. As categorias tempo-espaço, em si
mesmas, prestam para dizer da dupla dimensão (nacional e internacional) da identidade da
Igreja. Embora origem organizacional da Instituição deva ser remetida às pequenas vilas da
Judeia, a vasta literatura produzida por antropólogos, historiadores, historiadores-teólogos,
cientistas das Religiões, pesquisadores em geral, ajuda a acompanhar seu processo de
expansão. A internacionalização da Igreja afirma-se como fato histórico desde o IVº século.
Após esclarecimento quanto à dimensão transnacional da Igreja, enquanto
organização internacional, convém situar dom Helder no escopo da pesquisa. Dom Helder é,
indiscutivelmente, a figura mais emblemática da Igreja no contexto das perseguições do
regime militar brasileiro. Entretanto, não temos aqui qualquer interesse em “canonizar” dom
Helder, nem deixar que ele se torne superior à nossa análise. A história pessoal ou eclesiástica
de dom Helder não se constitui objeto de nossa pesquisa; e quando da análise das demandas
da sociedade brasileira transnacionalizadas por meio dos seus pronunciamentos no exterior,
seus escritos serão tomados apenas como fonte documental. Além disso, nos convém fazer
ainda o seguinte alerta: os escritos de dom Helder não serão tomados como objeto de “Análise
do Discurso”, abordagem que demandaria outra análise, e outra pretensão de pesquisa.
As demandas da sociedade brasileira, durante a vigência do AI-5, transpõem as
fronteiras do país, particularmente, mediante os “pronunciamentos” de dom Helder Camara
no exterior. Por demandas transnacionalizadas, entendemos as questões que se constituem
desafios cruciais à sociedade brasileira, expostas em arena política internacional. Por
transnacionalização de demandas, entendemos o processo de transposição de fronteiras das
19
questões próprias da agenda política doméstica. Nossa opção pelo termo “pronunciamentos”,
e não “discursos”, evidencia o caráter mais abrangente e inclusivo do termo pronunciamentos
para dizer dos escritos e das “comunicações” de dom Helder na arena política internacional.
As demandas da Igreja (em âmbito nacional e internacional) e do Estado brasileiro
(este sob a gestão de governos militares), não encontrarão aqui o espaço da devida análise,
mas, teremos o cuidado de fazer o devido registro. As demandas, foco de nossa análise, são as
representativas da sociedade brasileira, entre os anos de 1968 e 1978. A inserção dessas
demandas no exterior, por representantes dos dois grupos de interesses [Igreja e Governo],
desenvolve-se sob profunda tensão política e, por vezes, mediante estratégias cujo resultado
se verifica por meio de constrangimentos mútuos.
Além das delimitações já apresentadas, faz-se necessário apresentar as variáveis
[Governo, Representação Política, (Des) Ordem Social, Inside / Outside, Soberania,
Segurança, Inimigo Interno e Externo] mais recorrentes em nossa exposição.
Que realidade deve considerar-se abrangida por tais variáveis depende da pluralidade
de perspectivas experimentadas, pois, cada uma destas pode oferecer caráter a corrente de
pensamento e determinar métodos específicos de análise. Por essa razão, lançar-se-á mão de
perspectiva interdisciplinar, no esforço de interrelacionar análise histórica, sociológica, de
Ciência Política e de Relações Internacionais, para o devido aprofundamento dos conceitos
que se nos apresentam como essenciais.
A variável Governo é fundamental em nossa análise. Classicamente, de Aristóteles a
Hegel, não parece encontrar-se diferença rigidamente estabelecida entre Estado e Governo.
Quando muito parecem designar partes inseparáveis de um todo sócio-político. Na análise dos
contratualistas, como Locke e Rousseau, o Governo é meio que assegura a realização das
finalidades do corpo político. Por vezes, o Estado aparece referido nas relações internacionais
como a totalidade da comunidade soberana, e nas relações domésticas como o governo
soberano em relação com os indivíduos, sentido que asseguraremos ao vocábulo na pesquisa.
Entende-se a expressão representação política, no entanto, como sendo “a
possibilidade de controlar o poder político, atribuída a quem não pode exercer pessoalmente o
poder”. Stuart Mill conceituou governo representativo como aquele que “o povo inteiro, ou
pelo menos parte dele, exercite, por intermédio de deputados periodicamente eleitos por ele,
o poder do controle supremo, que deve existir em algum lugar em todas as constituições. O
povo deve ser amo e senhor, sempre que quiser, de todas as atividades do governo” (MILL,
1981, p. 47).
20
No que diz respeito à ordem social e política, o pressuposto de Bull é o de que “um
estudo da ordem política mundial deve começar por análise da ordem na vida social, de modo
geral, para em seguida considerar o que ela significa no sistema de estados e na política
mundial”. Por isso, “a ordem que se procura na vida social não é qualquer ordem ou
regularidade nas relações entre indivíduos ou grupos, mas tem a ver com a conformidade da
conduta com as leis científicas, dentro da sociedade” (BULL, 2002, p. 7-8).
A permanente condição dos Estados na defesa de seus próprios interesses na esfera
internacional cria ambiente anárquico na política internacional. A anarquia é fator
predominante na sociedade internacional. Isso não constitui, em hipótese alguma, em
desordem. O que se entende por anarquia não é propriamente o caos, mas sim a ausência de
autoridade suprema e legítima que possa ditar as regras, interpretá-las, implementá-las e punir
quem não as obedece. Em artigo intitulado Cooperation Under the Security Dilemma, Robert
Jervis, afirma que o realismo tem de lidar com um desafio central, qual seja: “que apesar da
inegável existência da anarquia internacional, existe cooperação nas relações internacionais,
inclusive e principalmente na área de segurança” (JERVIS, 1978, p. 208).
As dicotomias ordem / desordem ou antinomias como liberdade / igualdade, entre
outras, encontram lugar central na representação do pensamento político moderno. Não
obstante, Rob Walker (1993) apresenta o conceito de internacional como algo historicamente
construído a partir da metáfora inside / outside. O foco de análise de Walker se volta para a
separação entre as duas esferas da política – a nacional e a internacional – como traço
constitutivo do pensamento político moderno. Isto é, há elementos característicos da política
doméstica que também se encontram na política internacional e vice-versa.
A filosofia política de Michael Foucault inspirou autores como Richard K. Ashley
(1986) e Rob Walker (1993) a problematizar a relação entre o saber teórico das Relações
Internacionais e o exercício do poder por certo tipo de sujeito, julgado competente e racional:
o Estado. As teorias convencionais (realista e neorealista) articulam, discursivamente, as
estratégias de operação do poder nas relações internacionais. Ao criticarem teorias
convencionais, os dois autores avaliam as teorias de Relações Internacionais como discursos
de poder ou modos de interpretação sem os quais o poder não pode ser exercido, e não como
representações de mundo real.
A proposta de Ashley (1988) é desconstruir o discurso tradicional das Relações
Internacionais, tendo como alvo principal o Estado soberano, o sujeito principal do discurso
da anarquia. O objetivo do autor é questionar as dicotomias nas quais as teorias dominantes se
baseiam para construir sua representação da política mundial, por exemplo, ordem/desordem;
21
guerra/paz; amigo/inimigo, etc. Essas dicotomias contrapõem pólos opostos cujo sentido só
pode ser interpretado quando ambos estão justapostos. Ao desconstruir esse discurso, Ashley
despe o Estado de sua subjetividade estável, homogênea e unitária. Na verdade, o discurso
dominante transfere, por intermédio da dicotomia anarquia / soberania, as contradições
presentes no interior das sociedades domésticas para a esfera das relações internacionais.
Ao desvendar a estratégia discursiva das representações modernas, os críticos pós-
positivistas procuram mostrar, na teoria de Relações Internacionais, que a representação da
anarquia como esfera de perigo, violência e morte assume papel fundamental na preservação
do valor e do significado do Estado soberano como esfera de preservação da vida, da
propriedade, da autonomia, da identidade e da produção de sentido. Desse modo, toda
representação se refere apenas a outras representações, e não à realidade empírica objetiva à
qual alegam corresponder. As formas de conhecimento modernas “cristalizam” o significado
das representações e produzem verdades que, efetivamente, excluem e subjugam
interpretações, visões de mundo.
O discurso clássico das Relações Internacionais, contudo, sempre privilegiou
ameaças oriundas de outros Estados e minimizou as que provinham de atores não-estatais.
Para Cynthia Weber, “a soberania descreve Estados ou uma comunidade. Geralmente, a
soberania é dada como a autoridade absoluta que Estado exerce sobre determinado território e
a parcela da população correspondente, bem como independência internacional e
reconhecimento por outros Estados soberanos” (WEBER, 1995, p. 1). As críticas de Weber se
voltam contra a pretensão de o conceito de Estado representar comunidade política
homogênea, governada por autoridade legítima e circunscrita num território delimitado.
Ao se delimitar a temática, pretende-se circunscrever o objeto de análise, a saber, a
atividade política da Igreja Católica no Brasil, entre os anos de 1968-1978, particularmente, as
demandas da sociedade brasileira inseridas por dom Helder na arena política internacional.
Ao se definir o espaço de atuação política da Igreja Católica - isto é, analisar a
atividade da Igreja no Brasil e, de modo algum, noutro país -, se quer precisamente
circunscrever geopolítica a partir da qual atores domésticos constroem políticas e atuam
inside e outside. Seria importante, porém, não nos cabe aqui, análise comparativa de métodos,
recursos, instrumentos, estratégias políticas adotadas pela Igreja Católica no Brasil e nos
demais países da América Latina, com semelhança em regime de governo, para o mesmo
período histórico, ou para os contextos sócio-histórico-políticos distintos.
22
Quanto ao nosso objetivo geral, assim o definimos:
- Analisar a atividade política da Igreja Católica no Brasil, particularmente, as demandas da
sociedade brasileira transnacionalizadas por dom Helder Camara, através de seus
pronunciamentos no exterior, durante a vigência do AI-5 (1968-1978).
Quanto aos nossos objetivos específicos, classificam-se da seguinte forma:
- Analisar a arena internacional do pós-II Guerra Mundial;
- Analisar o contexto sócio-econômico-político-religioso no Brasil (1950-1964);
- Analisar a natureza transnacional da Igreja e as contribuições de suas organizações;
- Analisar possível estreitamente do espaço político doméstico promovido pelo AI-5;
- Por fim, analisar as demandas da sociedade brasileira transnacionalizadas por dom Helder
no exterior.
Para a realização do fim a que nos propusemos, em sua dimensão global, utilizamos
fontes documentais secundárias (jornais, revistas, livros) de diversos autores e instituições
(Encíclicas, Mensagem de Paz do Papa, Documentos do Conselho Episcopal Latinoamericano
e do Caribe - CELAM, Relatório Rockfeller de 1969, Relatório da Amnesty International de
1970, etc.) e documentos pessoais de dom Helder Pessoa Camara (cartas, palestras e
discursos), de modo que, de posse desse conjunto de informações e de sua posterior
compreensão, estruturamos nossa investigação e procedemos à produção da dissertação, com
especial atenção à participação de dom Helder, com perfil de liderança espontânea na Igreja,
especialmente em sua dimensão política internacional.
A princípio, considerávamos da maior importância visitar dois arquivos, quais sejam:
o Arquivo da CNBB (Brasília) e o Arquivo pessoal de dom Helder (Recife). Em entrevista
realizada em novembro de 2008, dom José Maria Pires sugeriu-nos que visitasse Arquivo
Eclesiástico da Paraíba, sob alegação de serem Olinda-Recife e João Pessoa Arquidioceses
vizinhas e - a julgar pelo trabalho de catalogação dos documentos realizado pelos estagiários
da Universidade Federal da Paraíba -, encontrar documentos, entre eles cartas pastorais e
pessoais, trocadas entre ele e dom Helder.
O material de estudos referente a dom Helder constitui-se em patrimônio do rico
acerco documental do Centro de Documentação Helder Camara (CeDoHC), do Instituto Dom
Helder Camara (IDHeC), em fase de organização e à espera de pesquisa e publicação. Os
documentos de nosso interesse, em ambos os arquivos, foram recolhidos (xérox e fotos) em
dezembro de 2008 e janeiro de 2009. Quanto à documentação de nosso interesse nos arquivos
da CNBB e da Nunciatura, fomos informados de que, se tal documentação existe, é vetado
acesso à mesma em atenção à lei federal de guarda dos documentos sigilosos.
23
No que diz respeito à bibliografia geral, as bibliotecas da PUC-Minas, espalhadas
pela grande Belo Horizonte bem como pelo interior do Estado de Minas Gerais, ofereceu-nos
relativo suporte. Não sem razão, a Biblioteca da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
(FAJE), situada no Bairro Planalto, Belo Horizonte, por possuir rico acervo em documentos
da Igreja, possibilitou-nos acesso a material referente aos documentos papais, às
Constituições e Decretos do Concílio Ecumênico Vaticano II, às Conferências Gerais do
Episcopado Latinoamericano e do Caribe e às Conclusões do CELAM, Documentos da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entre outros.
A produção da dissertação, em termos de operacionalização da pesquisa, realizou-se
através: 1) da leitura e análise da documentação produzida por (ou sobre) dom Helder entre os
anos de 1964 e 1980; 2) da leitura, fichamento e interpretação cuidadosa das obras
complementares; 3) da análise das reportagens publicadas na época pelos jornais e revistas
nacionais: Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde,
Última Hora, Jornal do Commercio, Diário de Pernambuco, A Imprensa; e internacionais:
The Times, The New York Times, Le Monde Diplomatique, La Nación, entre outros (material
fotografado do Arquivo do CeDoCH, em Recife e do Arquivo Eclesiástico da Paraíba, em
João Pessoa); 3) de entrevistas com dom José Maria Pires, João Batista Libanio, Manoel José
Godoy e Cleto Caliman sobre a atividade política da Igreja no Brasil; a relação entre dom
Helder, CNBB e CELAM; as Conclusões do Concílio Vaticano II e as contribuições da CNBB
e do CELAM para a Igreja no Brasil e na América Latina, respectivamente.
Quanto ao desenvolvimento da temática, nosso ponto de partida consiste em analisar
a arena política internacional do pós-II Guerra Mundial. No intuito de atender a tal propósito,
o nosso primeiro capítulo divide-se nas seguintes seções: o embate político-ideológico, mais
do que econômico, entre as duas superpotências; a Revolução Cubana e seus desdobramentos
para o Continente sulamericano; as diretrizes de Política Externa Brasileira (PEB) dos
Governos militares (1968-1978, com digressão sumária até o Governo de João Goulart) e a
crítica à Teoria da Interdependência (Econômica) feita pela Igreja e o ressurgimento da
mesma Teoria no campo de Relações Internacionais nos anos de 1970.
Após análise da arena política internacional do pós-II Guerra, nosso esforço
concentra-se na análise do contexto sócio-econômico-político-religioso no Brasil, para os
anos de 1950 a 1964. O segundo capítulo, nesse caso, divide-se nas seguintes seções: o
esforço de transformação das estruturas sócio-econômica no Brasil; o contexto político-
religioso no Brasil dos anos que precedem ao Golpe de 1964; a histórica relação Igreja-Estado
no Brasil; a fundação da CNBB, a relação desta entidade com a Ação Católica Brasileira
24
(ACB), o nascimento da Ação Popular (AP) e o início das transformações no comportamento
da Igreja; a esquerda católica e a institucionalização das estratégias para a mudança social.
O nosso terceiro capítulo pretende analisar a natureza transnacional da Igreja e suas
organizações em âmbito internacional (Concílios) e regional (CELAM). O capítulo subdivide-
se em: a natureza transnacional da Igreja; as instâncias de organização da Igreja em âmbito
internacional (os Concílios) e regional (o CELAM e as Conferências Gerais do Episcopado
Latinoamericano e do Caribe); a atuação da Igreja no Desenvolvimento e na Integração da
América Latina; a atuação política da Igreja na América Latina pós-Medellín e, por último, o
surgimento de uma “Consciência da Libertação” e de uma Teologia da Libertação, com
desdobramentos nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
A redução do espaço político doméstico promovido pelo AI-5 no Brasil, entre os
anos de 1968-1978, constitui-se em objeto de nosso quarto capítulo, cuja subdivisão faz-se a
partir das seguintes seções: o aparato repressivo de aporte ao AI-5; a oposição da Igreja ao
“regime da libertinagem”; a perseguição violenta à Igreja; duelo à parte entre Gustavo Corção
e Alceu Amoroso Lima; e, por fim, as práticas de violações dos Direito Humanos no Brasil.
O estreitamento do espaço político doméstico, promovido pelo AI-5, leva a Igreja a
explorar a arena política internacional como ambiente propício de apresentação de demandas
da sociedade brasileira como equivalentes às grandes questões da sociedade latinoamericana e
mundial. Nosso quinto capítulo traz algumas categorias transnacionais [desenvolvimento,
interdependência, cooperação, integração (regional e internacional), ordem/ desordem] no
decorrer das seguintes seções: a necessidade de reformas estruturais; o combate ao
colonialismo interno e externo; a integração regional e o desenvolvimento; a contestação da
“ordem social” vigente como “desordem estratificada”; a promoção da justiça como condição
para a paz; o combate à miséria e à fome; o movimento de “violência dos pacíficos”; os
Direitos Humanos e a Democracia. O nosso último capítulo apresenta análise de conteúdo e
de significação dos pronunciamentos internacionais de Helder no período de 1968 a 1978.
Além disso, obtêm-se excelente identificação dos temas prevalecentes e da lógica
argumentativa que os sustenta. Assim, o capítulo pode ser tomado independente dos demais,
porém, para a compreensão dos pressupostos recomenda-se a leitura em conjunto dos
capítulos precedentes.
A estrutura da dissertação evidencia o caminho metodológico escolhido para
demonstrar o objeto de pesquisa. Em outras palavras, os quatro primeiros capítulos compõem
o amplo alicerce [em termos de análise da arena política regional e internacional e da
sociedade brasileira em suas dimensões sócio-econômico-político-religioso-cultural] sobre o
25
qual a análise das demandas da sociedade brasileira é desenvolvida. Assim sendo, a partir da
análise de conteúdo/significação dos pronunciamentos internacionais de dom Helder Camara,
no período de 1968 a 1978, como matéria substancial do quinto capítulo, obtêm-se a
identificação dos temas prevalecentes e da lógica argumentativa que os sustenta.
A identificação dos temas prevalecentes nos pronunciamentos de Helder na arena
política internacional resulta da “dissecação” de seus manuscritos. Análise atenta de tais
manuscritos possibilitou-nos a elaboração do Anexo A, com a produção de quadro a detalhar
os temas mais recorrentes nos pronunciamentos de dom Helder. Excluem-se aqui os
pronunciamentos feitos no Brasil, suas cartas pessoas e pastorais do período. A lógica
argumentativa, por sua vez, constrói-se a partir da interpretação dos textos pertinentes ao
objeto de pesquisa.
Há, no entanto, correlação estreita entre os escritos, os pronunciamentos e o público
alvo dos mesmos. Inicialmente dom Helder alimenta a esperança de que os meios de
comunicação social mobilizariam as “Minorias Abraâmicas, pessoas sedentas pela promoção
justiça como condição para a paz”, rumo à “mudança de estruturas” mediante “a pressão
moral libertadora”. Ao perceber que se substituíam os governos democráticos nos países
latinoamericanos pelos governos autoritários, com restrições às liberdades, dom Helder
aponta as “grandes Universidades do mundo” como instituições responsáveis pela
organização das “Minorias”. Dom Helder discursou nos grandes centros universitários do
mundo desde um Nordeste de miseráveis. O público alvo dos pronunciamentos de dom
Helder no Exterior eram, predominantemente, os universitários. A justifica por ele
apresentada é simples: “os jovens têm sede de justiça e de reformas sociais”.
Embora a relação Igreja-Estado brasileiro constitua-se tema recorrente de estudos no
campo da Sociologia, da História, da Ciência Política, a Igreja, enquanto organização
internacional, não tem sido devidamente tematizada na literatura de Relações Internacionais.
Assim, a singularidade de nossa pesquisa implica esforço de análise da atividade política da
Igreja como Organização Internacional, com pretensões e em condições de atuar, em virtude
de sua organização, estrutura e estratégias, tanta no espaço político dos Estados quanto na
arena de política internacional.
26
1. A ARENA POLÍTICA INTERNACIONAL NO PÓS-II GUERRA
1.1. O PÓS-II GUERRA: BIPOLARIDADE E CRISE DO COLONIALISMO
Após apresentação do objeto de pesquisa, da perspectiva de análise, do método
adotado, das hipóteses aduzidas, da delimitação teórico-conceitual, da identificação dos
grupos de interesses implicados (Igreja e Governo), da exposição dos procedimentos
metodológicos, das condições de pesquisa, do reconhecimento quanto à ousadia em se
pretender abordar tema dessa natureza no campo de Relações Internacionais, o próximo passo
consiste no esforço de “reconstrução” do contexto sócio-econômico-político-religioso no
Brasil, com incursão também na América Latina, para as décadas de 1950 a 1980.
Ainda que recorte histórico da pesquisa aponte para análise dos eventos transcorridos
entre os anos de 1968 e 1978 (isto é, o período de vigência do AI-5), convém que se leve em
consideração no esforço de “reconstrução” do contexto sócio-econômico-político-religioso
brasileiro período de tempo mais amplo, no intuito de correlacionar diversos eventos da
política doméstica (e ou internacional), causas e consequências para mesmo período histórico.
As causas e consequências dos eventos de política doméstica e internacional que se pretende
analisar durante vigência do AI-5 encontram-se, possivelmente, em fatos construídos,
politicamente, em décadas anteriores, com repercussões profundas nas décadas subseqüentes.
Por isso, o interesse em ampliar contexto de análise estendendo-o dos anos 50 aos anos 80.
Embora contexto de análise seja amplo e diversos sejam os eventos históricos do
período, a reflexão se pretende objetiva, porém, sistêmica. A opção por analisar as
informações de forma interrelacionada demonstra que se abre mão de perspectiva cronológica
característica de abordagem comumente identificada como positivista. A sistematização das
informações, no entanto, visa correlacionar “estilos” de governo no Brasil, as estratégias
políticas adotadas, o dinamismo no cenário internacional: esforço de integração ou opção pelo
isolamento, a diversidade de atores internacionais (organizações e instituições transnacionais),
a efervescência de ideias responsáveis pela reabertura do Itamaraty ou pelo fim do monopólio
desta instituição, no que tange a elaboração e implementação de política externa brasileira. O
critério de análise adotado para aprofundamento das diretrizes de política externa dos
governos militares não sugere produção em perspectiva de evolução histórica, mas de ênfase
analítica.
27
O fim da Segunda Guerra (1945) caracteriza-se por enorme euforia particularmente
dos povos europeus. Entretanto, entre os anos de 1938-1945, o conflito produz questões, tais
como: Quem foi o grande responsável pela quebra da frágil estabilidade político-econômica
européia? Por que a Liga das Nações não assegurou a paz no “velho continente”? Em suma:
por que havia acontecido tal tragédia? Embora a essas questões tenham sido formuladas
diversas respostas, a partir das quais se pode atribuir razões distintas ao evento, não podem
ser retórica e/ou sumariamente respondidas sob pena de redução ao simplório.
Muitos historiadores responsabilizam Adolf Hitler por ter deflagrado o conflito,
como se a história pudesse ser movida por único homem; por único Estado. Ignoram,
certamente, o caráter anárquico do sistema internacional, no qual os Estados procuram
realizar interesses próprios e garantir soberania deles. Isso não significa eximir da
responsabilidade os tomadores de decisão dos Estados envolvidos, mas atribuir devida
responsabilidade aos que poderiam ter decidido de outro modo, quando decidiram pelo ato
irracional da guerra, pelas atrocidades e genocídios cometidos durante o conflito. A Liga das
Nações, diferentemente da atual Organização das Nações Unidas (ONU), não possuía poder
de enforcement, e se encontrava limitada nos quadros da função de recomendar e aconselhar
os países membros ante implementação de políticas adversas aos interesses dos demais.
A II guerra arrasa a Europa em todas as suas estruturas. Embora nenhuma guerra
resulte de fato com vencedor entre os Estados beligerantes, pode ocorrer de Estado sair menos
fragilizado do conflito que outro. A II guerra desenrola-se no entorno da geopolítica européia.
Assim, os Estados Unidos da América (EUA) assiste ao declínio da Europa enquanto se
prepara para consolidar sua hegemonia. Com o conflito, o nazifascismo havia sido derrotado.
Além disso, percebeu-se, posteriormente, a derrota dos movimentos de esquerda. A indústria
norte-americana consistia agora em principal símbolo do vitorioso responsável por mais da
metade da produção do mundo. A guerra permite aos Estados Unidos recuperar sua economia
e torná-la dominante em nível mundial, graças à semidestruição de seus rivais capitalistas.
O cenário internacional do pós-II Guerra assiste a outras alterações. “Em nível
mundial observa-se a formação de novos regimes socialistas, como resultado da participação
soviética na guerra” (VIZENTINI, 2004, p. 116). Se a guerra permite a expansão qualitativa e
quantitativa do capitalismo norte-americano, o crescimento do socialismo dá-se mais em
termos extensivos. A União Soviética (URSS) ascende à condição de superpotência e,
internacionalmente, seus inimigos tiveram que aceitar existência dela. A partir de então,
percebe-se sistema internacional bipolarizado e sob influência das duas superpotências. Há
autores em Relações Internacionais, à semelhança de Walker (2005; 2006), que defendem a
28
existência de áreas não influenciáveis por qualquer uma das superpotências. A URSS afirma-
se internacionalmente, embora temporariamente sem capacidade ofensiva, ao contrário dos
EUA, que dominam os mares, possuem bases e exércitos em todos os continentes em 1945,
bem como a bomba atômica.
A guerra acelera a crise do colonialismo político e, por conseguinte, o processo de
descolonização mediante lutas de libertação nacional. Os movimentos de libertação nacional
ganham força na Ásia, mas, sobretudo, na África. O declínio da Europa como centro da
política mundial e da diplomacia de equilíbrio de poder ocorre concomitantemente com a
formação de sistema bipolar, centrado nas formações sociais capitalistas e socialistas. A
derrota do nazifascismo, da barbárie, do genocídio - como manifestações da irracionalidade
presente na racionalidade da modernidade ocidental -, representa a afirmação da democracia e
das liberdades individuais, sociais e nacionais, em termos de direitos civis e de soberania, esta
sob princípio de autodeterminação dos povos.
1. 2. O EMBATE ENTRE AS SUPERPOTÊNCIAS: A GUERRA FRIA
Os 45 anos desde o lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki
até a completa dissolução da URSS não se constitui período homogêneo. A história desse
período se constrói sob condição internacional peculiar: a Guerra Fria. A II Guerra Mundial
teoricamente chega ao fim, porém, a Europa (especificamente a região da URSS) e os EUA
permanecem sobre regime de guerra particular.
O filosofo Thomas Hobbes, observa que “a guerra consiste não só na batalha, ou no
ato de lutar: mas num período de tempo em que a vontade de disputar pela batalha é
suficientemente conhecida” (HOBBES, 1989, p. 376). Para Clausewitz, estrategista militar
prussiano, “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Especificamente,
Clausewitz considera fundamental que a guerra estivesse sempre submetida à política. A
Guerra Fria entre os EUA e a URSS, que domina o cenário internacional na segunda metade
do séc. XX, trava-se quase exclusivamente no campo político.
A estratégia de “Guerra Fria” representa opção por confronto ideológico, mais do que
econômico, entre as duas superpotências que emergem da II Guerra Mundial. Análise das
perspectivas adotadas pelos EUA e pela URSS permite dom Helder Camara afirmar:
Os USA, apoiados no suporte financeiro do Banco Mundial, no suporte
monetário do Fundo Monetário Internacional e no suporte comercial do
29
GATT, alimentaram, durante anos, a guerra fria anti-soviética, criaram seus
satélites, reconstruíram a Europa Ocidental e o Japão para consolidar o seu
próprio comércio, atingiram o apogeu, com o dólar como moeda super-forte.
A União Soviética, por sua vez, em 50 anos, firmou-se como Império, com
satélites tratados de maneira ainda mais dramática, entrando na corrida
armamentista e na corrida espacial com os USA, aparecendo por detrás de
todas as guerras para contrabalançar a presença dos USA (CAMARA,
1973m, p. 2).
A peculiaridade da Guerra Fria se mostra, em termos objetivos, na inexistência quase
absoluta de perigo iminente de guerra mundial. O historiador Eric Hobsbawm atribui à
“balança de poder desigual” condição para manutenção da paz entre as superpotências:
Os governos das duas superpotências aceitaram a distribuição global de
forças no fim da II Guerra, que equivalia a equilíbrio de poder desigual. A
URSS controlava parte do globo, ou sobre ela exercia predominante
influência e não tentava ampliá-la com o uso da força militar. Os EUA
exerciam controle e predominância sobre o resto do mundo capitalista, além
do hemisfério norte e oceanos, assumindo o que restava da velha hegemonia
imperial das antigas potências coloniais (HOBSBAWM, 2001, p. 224).
A situação fora da Europa é menos definida, a não ser pelo Japão, onde os EUA
desde o início estabelecem uma ocupação completamente unilateral que exclui não só a
URSS, mas qualquer outro co-beligerante. Após breve período de razoável estabilidade,
sustentado pelas superpotências até meados da década de 70, o sistema internacional e as
unidades que o compunham entram em outro período de extensa crise política e econômica.
Até então, as duas superpotências aceitam a divisão desigual do mundo, fazem todo esforço
para resolver disputas de demarcação sem choque aberto entre suas Forças Armadas e, ao
contrário da ideologia e da retórica da Guerra Fria, trabalham com base na suposição de que a
coexistência pacífica entre elas é possível a longo prazo. Na verdade, na hora da decisão,
ambas confiam na moderação uma da outra.
Assim que a URSS adquire armas nucleares (1949) e bomba de hidrogênio (1953) -
sempre tempos depois dos EUA -, as duas superpotências claramente abandonam a guerra
como instrumento da política. “Ambos usaram ameaça nuclear em algumas ocasiões: os EUA
para acelerar as negociações de paz na Coréia e no Vietnã (1953, 1954), a URSS para forçar a
Grã-Bretanha e a França a retirar-se de Suez em 1956” (HOBSBAWM, 2001, p. 227). Os
britânicos conseguem bombas próprias em 1952, com o objetivo de afrouxar sua dependência
dos EUA; os franceses e os chineses na década de 1960. Nas décadas de 1970 e 1980, outros
países conseguem a capacidade de fazer armas nucleares, notadamente Israel, África do Sul e
provavelmente a Índia, mas essa proliferação nuclear só se torna problema internacional sério
após o fim da ordem bipolar de superpotências em 1989.
30
Embora o aspecto mais óbvio da Guerra Fria seja o confronto militar e a frenética
corrida armamentista no Ocidente, não é esse o seu grande impacto. As potências nucleares se
envolvem em três grandes guerras (mas não umas contra as outras). Abalados pela vitória na
China, os EUA e seus aliados (disfarçados como Nações Unidas) intervém na Coréia em 1950
para impedir que o regime comunista do Norte daquele país se estendesse ao Sul. Fizeram o
mesmo, com o mesmo objetivo, no Vietnã (1954). A URSS retira-se do Afeganistão em 1988,
após oito anos nos quais fornece ajuda militar ao governo para combater grupos terroristas
apoiados pelos americanos e abastecidos pelo Paquistão.
Em suma, o material caro e de alta tecnologia da competição das superpotências
revela-se pouco decisivo. A ameaça constante de guerra produz movimentos internacionais de
paz essencialmente dirigidos contra as armas nucleares. O resultado líquido dessa fase de
ameaças e provocações mútuas é a sustentação de sistema internacional relativamente
estabilizado. O Muro de Berlim (1961) fecha a última fronteira indefinida entre Oriente e
Ocidente na Europa. Os EUA aceitam Cuba comunista em sua soleira. As pequenas chamas
da guerra de libertação e de guerrilha acendidas pela Revolução Cubana na América Latina
não se transformam em incêndios.
Em meados da década de 1970, alguns historiadores consideram que o mundo
inaugura a II Guerra Fria. Coincide com grande mudança na economia mundial, o período de
crise que caracterizaria as duas décadas a partir de 1973, e que atinge o clímax no início da
década de 1980. Contudo, de início a mudança no espectro econômico não é muito notada
pelos participantes do jogo das superpotências, a não ser por súbito salto nos preços da
energia promovido pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
A Guerra do Vietnã (1965-75) divide a opinião pública e desmoraliza os EUA. E, se
Vietnã não bastasse para demonstrar o isolamento dos EUA, a guerra do Yom Kipur de 1973
entre Israel e as forças de Egito e Síria, abastecidas pelos soviéticos, mostra isso de forma
mais evidente. De acordo com Eric Hobsbawm, “quando Israel, duramente pressionado,
apelou aos EUA para mandar suprimentos, os aliados europeus, com a exceção de Portugal, se
recusaram até mesmo a permitir o uso das bases áreas americanas em seu território para esse
fim” (HOBSBAWM, 2001, p. 241-242).
As guerras sempre produzem conseqüências para os Estados mais fracos mesmo
quando não envolvidos diretamente no conflito. A II Guerra Mundial envolve, diretamente,
países pobres na geopolítica dos países beligerantes. A Guerra Fria, posteriormente, também
produz consequências para os países subdesenvolvidos. Análise das guerras permite a dom
Helder Camara concluir:
31
A guerra é cada vez mais desumana e imoral. Perdeu, de todo, a aparência de
heroísmo, com lances de corpo a corpo, em que a coragem e a bravura se
revelavam. A guerra mundial põe em risco a sobrevivência humana na face da
terra. A guerra fria alimenta, como as quentes, a corrida armamentista, que
consome dinheiro que daria, se sobra, para arrancar todos os países do
subdesenvolvimento e da miséria (CAMARA, 1969d, p. 3).
A Guerra fria acaba quando uma ou ambas superpotências reconhecem o sinistro
absurdo da corrida nuclear. Os dois líderes, Mikhail Gorbachev e Reagan, empenharam-se em
processo de convencimento de que diziam a verdade quando se referiam a convivência
pacífica. Para fins práticos, a Guerra Fria termina nas duas conferências de cúpula de
Reykjavik (1986) e Washington (1987).
Mas não é o confronto hostil com o capitalismo que solapou o socialismo. Como o
capitalismo não desmoronou, nem pareceu que ia desmoronar, as perspectivas do socialismo
como alternativa global dependiam de sua capacidade de competir com a economia mundial
capitalista, reformada após a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial, e transformada
pela revolução nas comunicações e tecnologia de informação na década de 1970. Foi mais a
combinação entre suas próprias contradições econômicas e a acerada invasão da economia
socialista pela muito mais dinâmica, avançada e dominante economia capitalista mundial.
Os elementos indicadores do confronto entre as superpotências [corrida armamentista
e corrida espacial] apontam para outra perspectiva, a saber, que o dado essencial do período
da Guerra Fria não é a disputa econômica entre a potência capitalista (EUA) e a potência
socialista (URSS). “O problema fundamental não é o confronto entre Leste e Oeste, mas entre
Norte e Sul, entre países ricos e países pobres” (CAMARA, 1976b, p. 3).
A Guerra Fria eliminara inteiramente, ou em parte, todas as rivalidades e conflitos
que moldavam a política mundial antes da II Guerra Mundial. Os impérios da era imperial
desapareceram. Além disso, a Guerra Fria congelara a situação internacional, e, ao fazer isso,
estabilizara estado de coisas essencialmente não fixo e provisório. A Alemanha, dividida,
constituía-se em exemplo mais óbvio. O desenvolvimento das políticas internas de Estados,
claro, não se congelou da mesma forma.
Por fim, a Guerra Fria inegavelmente encheu o mundo de armas num grau que
desafia a crença. Era o resultado natural de quarenta anos de competição constante entre
grandes Estados Industriais para armar-se com vistas a uma guerra que podia estourar a
qualquer momento. O fim da Guerra Fria, no entanto, retirou de repente os esteios que
sustentavam a estrutura internacional. E o que restou foi sistema internacional desordenado. A
ideia de que a velha ordem bipolar podia ser substituída por “nova ordem” baseada na única
superpotência restante (hegemônica ou imperialista) logo se mostrou irrealista.
32
1. 3. A REVOLUÇÃO CUBANA E A ESTABILIDADE DO CONTINENTE
O estudo da realidade social latinoamericana, em termos de política regional e
internacional, no período 1960-1980, evidencia complexidade poucas vezes observada em
outras épocas. “É uma América Latina onde a questão da revolução popular aparece com
muita força, onde a solução burguesa representada pelo populismo perde seu fôlego, onde o
controle das camadas populares exigiu participação ativa das Forças Armadas”
(GUAZZELLI, 2004, p. 9). Já ao final da década de 50, a política regional inaugura-se com a
afirmação da Revolução Cubana (1959). As transformações sociais resultantes da vitória dos
guerrilheiros de Sierra Maestra atingiram a um só golpe os interesses dos grupos dominantes
locais e geopolíticos estratégicos do vizinho: os EUA.
Neste panorama, a Revolução Cubana configura-se em séria ameaça à estabilidade
dos Estados populistas e para as oligarquias latinoamericanas. Em outras palavras, a América
Latina, dos anos 60, evidencia o declínio dos governos populares e, consequentemente, as
dificuldades dos chamados Estados oligárquicos em preservarem posições e interesses deles.
Ao longo das décadas de 60 e 70, o continente assiste a progressiva queda dos governos
populistas, substituídos por ditaduras militares. Além disso, à ameaça ao capitalismo
monopolista estadunidense, o imperialismo deste amplia o horizonte da Guerra Fria,
englobando a América Latina na estratégia dele de enfrentamento da ameaça comunista.
A política externa dos países sulamericanos caracteriza-se por profundas
controvérsias na sua relação com os EUA. Dom Helder constata que:
“A América Latina está sendo conduzida para o perigo, com certa
cumplicidade de vossa [dos EUA] política internacional. Em nome do
anticomunismo, surge e se estende a todo o Continente a teoria da segurança
nacional. A América Latina esteve ao lado dos que combateram o Nazismo.
E, no entanto, para combater o Comunismo, a Segurança Nacional está
revivendo e reimplantando o Nazismo (CAMARA, 1976b, p. 5).
O processo revolucionário que desencadeou série de reformas profundas em Cuba
não se pretendia, em princípio, transformação rumo ao socialismo, mas tão somente
movimento antioligárquico, que se tornou antiimperialista e, finalmente, rompendo, com o
próprio capitalismo. A solução cubana repercutiu na maioria dos Estados da região, para os
quais a possibilidade de transformação social não mais dependia de adaptações de modelo de
desenvolvimento capitalista, mas de ruptura com o capitalismo. Neste sentido, houve
importante mudança no comportamento de setores da esquerda latinoamericana, com o
surgimento e expansão de mobilizações que não mais correspondiam às tradicionais.
33
Obviamente, os Estados Unidos não permaneceram impassíveis a esses
acontecimentos. Período agudo de Guerra Fria, defrontaram-se subitamente com o que parecia
baluarte adversário em pleno quintal, e as medidas tomadas foram drásticas: rompimento das
relações diplomáticas, bloqueio econômico, sanções militares unilaterais, que chegaram ao
clímax na Crise dos Mísseis, em 1962. A URSS, desde 1961, tornou-se principal parceira
comercial da Ilha, ocupando espaço de mercado deixado pelos Estados Unidos. A pequena
Cuba, embora grande produtora de cítricos, dedicava-se à monocultura da cana-de-açúcar, seu
principal produto de troca com o petróleo soviético. Não obstante, “o primeiro duro golpe
sentido pelo imperialismo foi a nacionalização do truste telefônico; como represália,
desencadeou-se a prática clandestina de incendiar canaviais por parte da aviação norte-
americana (GUAZZELLI, 2004, p. 17).
Além disso, o governo de Fidel Castro promoveu “a nacionalização das importantes
companhias petrolíferas Shell, Exxon e Texaco, além de grande conjunto de bancos e
empresas estrangeiras” (GUAZZELLI: 2004, p. 18). Com a suspensão da compra da cota de
cana-de-açúcar por parte dos Estados Unidos, restou a Cuba, a partir de então, a procura de
novos parceiros econômicos, tratando de estabelecer relações de cooperação e comércio com
nações do bloco socialista, especialmente a União Soviética. Isso colocaria Cuba como um
dos principais focos da Guerra Fria, com desdobramentos extremamente graves das tensões
internacionais.
A crise de relacionamento de Cuba com os Estados Unidos atingiu clímax na Crise
dos Mísseis. Em consequência da situação criada pelo crescente esforço de retomada do
governo da Ilha sob comando revolucionário pelos EUA e pelo estreitamento de relações com
a União Soviética, houve a instalação de mísseis soviéticos na Ilha. A presença de armamento
nuclear inimigo a pouco mais de cem quilômetros da sua costa alarmou as Forças Armadas
norte-americanas, que deflagraram como represália forte esquema de bloqueio naval, com
algumas incursões áreas sobre Cuba. A iminência de choque armado entre as duas
superpotências intensificou atividade diplomática. O esvaziamento da crise consistia
basicamente em acordo entre as superpotências na retirada dos mísseis de Cuba e no
compromisso formal dos EUA em não perpetrarem quaisquer tentativas de invasão da Ilha.
Em janeiro de 1962, ocorreu a reunião da Organização dos Estados Americanos
(OEA), em Punta del Este, tendo sido decretado o bloqueio continental à Revolução Cubana.
Essa foi a primeira ocasião em que ficou demonstrada a importância da situação criada em
Cuba para as demais nações latino-americanas. A forte pressão dos Estados Unidos impôs a
expulsão de Cuba da organização defensiva do continente, o que equivalia a colocá-la na
34
posição de virtual inimigo dos demais países americanos. No mês seguinte, na Segunda
Declaração de Havana, “Fidel Castro criticou abertamente a submissão dos governos latino-
americanos aos interesses dos Estados Unidos, acentuando que a aceitação dos termos de
Punta del Este colocava os povos do continente à mercê de eventuais intervenções norte-
americanas” (GUAZZELLI, 2004, p. 20).
O isolamento continental imposto a Cuba não evitou que a questão da revolução na
América Latina fosse retomada nos termos que as elites locais faziam tanta questão de evitar.
O antídoto contra movimento de revolução comunista logo apareceu. Os governos latino-
americanos paulatinamente tornaram-se ditatoriais, militarizados.
Em 1962, os militares peruanos anteciparam-se à posse do populista Haya de la Torre
e ocupam o poder; em 1963, golpe militar derrubou o governo do moderado e confiável Juan
Bosch, na República Dominicana; em 1964, caíram os também populistas João Goulart do
Brasil, e Paz Estenssoro da Bolívia; em 1965, as tropas da OEA, capitaneadas pelos Estados
Unidos, intervieram e impediram uma restauração democrática na República Dominicana; em
1966, as Forças Armadas ocuparam o poder na Argentina; em 1968, novamente os militares
assumiram o governo no Peru; em 1973, chegaria ao fim a experiência socialista chilena com
o sangrento assalto ao poder por Pinochet; também no mesmo ano, deixava o Uruguai de ser a
“Suíça da América Latina”; em 1976, mais uma vez os militares ocupavam o governo
argentino após curto interregno de governantes civis. Se somarmos a estes os países
latinoamericanos onde as antigas oligarquias mantinham-se graças às Forças Armadas,
podemos constatar que “na década de 70 apenas o México, a Colômbia e a Venezuela não
haviam apelado para golpes militares como solução para seus problemas” (GUAZZELLI,
2004, p. 28).
A América Latina parecia duplamente condenada: no plano econômico, é agrícola;
no plano político, o militarismo. Ambas encontram-se imbricadas com a implantação do
capitalismo no continente. A economia agroexportadora respondia aos anseios mundiais por
matérias-primas; os militares significavam a possibilidade dos grupos detentores dessas
matérias-primas organizarem estados nacionais que otimizassem organizações produtoras
capazes de oferecer os artigos primários de acordo com a demanda internacional. Assim, o
tradicional modelo de ditadura latino-americana corresponde ao Estado oligárquico.
No entanto, a maior parte das ditaduras militares que se impuseram a partir dos anos
1960 apresenta pouca coisa em comum com aquelas tradicionais associadas aos Estados
oligárquicos. Elas ocorreram em países industrializados, ou em países nos quais processo de
industrialização estava em curso.
35
A questão da intervenção do Estado na economia, menos em termos de regulação e
mais em razão da estabilização monetária, constituía-se ponto-chave de princípio neoliberal.
Isso implicava, em princípio, em privatizações das empresas públicas montadas em anos
anteriores. Além disso, nova ordem prescrevia reverter algumas “ousadias nacionalistas”.
Empresas estrangeiras que tinham sido nacionalizadas foram em geral devolvidas aos
“legítimos donos”, ao mesmo tempo em que se procurava a participação de capitais privados
transnacionais em áreas que haviam sido desenvolvidas com recursos públicos.
No entanto, a repressão foi justamente a face mais visível que mostraram as ditaduras
militares latinoamericanas. A “segurança nacional” garantiu-se pelo uso aberto da violência,
incrementando poder de polícia às Forças Armadas para combate do “inimigo interno”. A
velha Doutrina da Segurança Nacional criada em 1947 nos Estados Unidos para conter o
“perigo vermelho” era transplantada para as nações latinoamericanas.
Além do reaparelhamento bélico, intensificou-se a formação de quadros militares
especializados nas técnicas de contra-insurgência. Além da célebre Escola das Américas,
outras bases militares norte-americanas ofereceram cursos para oficiais dos países latino-
americanos, treinando-os para combater quaisquer formas de insurreição. Desenvolveram-se
sofisticados sistemas de informação que envolviam não somente as Forças Armadas, mas
também as organizações policiais. As organizações repressivas elaboraram complexos
sistemas que incluíam operações de seqüestro das pessoas suspeitas, a prática da tortura para
obtenção das confissões, centros clandestinos de interrogatório e de detenção de presos
políticos, cemitérios clandestinos, etc. O número de mortos e desaparecidos nos países
latinoamericanos como consequência dessa brutal repressão é ainda hoje imperfeitamente
conhecido.
A Argentina iniciou os anos 60 sob a pesada herança da queda do regime populista de
Perón, provocado pelo golpe militar de 1955, ironicamente chamada de “Revolução
Libertadora”. Este golpe foi “a expressão de uma oposição da grande burguesia ao
peronismo” (CASANOVA, 1988, p. 72), fundamentalmente pelo temor à mobilização das
massas trabalhadoras e pela retórica antiimperialista de Perón. Apoiaram a “Revolução” os
setores tradicionais da oligarquia fundiária, o empresariado industrial, setores médios urbanos
– insatisfeitos com a queda no nível de vida e com as arbitrariedades do regime peronista.
Estruturou-se Estado autoritário, com supressão dos partidos políticos, representação
parlamentar e quaisquer atividades que pusessem em risco o regime. Sob o comando do
general Videla, foi instituído o chamado Processo de Reorganização Nacional, em que era
aspecto fundamental a guerra anti-subversiva. De acordo com Isidoro Cheresky e Jacques
36
Chonchol, “o regime autoritário apresentou-se como inevitável ou como necessário aos olhos
de setores consideráveis da população” (CHERESKY & CHONCHOL, 1986, p. 26). De fato,
o golpe ocorreu com ausência de oposição civil, como se coletivamente houvesse resignação
quanto à fragilidade das instituições democráticas para o atendimento das demandas sociais
crescentes e o combate à oposição armada.
A volta à democracia, na Argentina, esteve diretamente relacionada com a derrota
militar para a Inglaterra após a ocupação das Ilhas Malvinas, em 1982. Com a desmoralização
das Forças Armadas, os militares puderam administrar sua retirada do governo, pautando
algumas etapas da transição. O processo de transição política em direção ao retorno da
democracia na Argentina é descrito por Cesar Augusto B. Guazelli nos seguintes termos:
Sua opção [dos militares no poder] era por algumas lideranças da direita do
peronismo, que julgavam mais confiáveis. Isso deu a grande bandeira para a
União Cívica Radical: abandonando a sua tradição de partido ligado à
pequena burguesia, os radicais investiram no tema da restauração completa
da democracia, denunciando a existência de vínculos do peronismo com as
Forças Armadas e prometendo exemplar punição aos responsáveis pela
„guerra suja‟. O peronismo perdeu seu papel de partido dos trabalhadores, e
as eleições deram vitória, no final de 1983, ao candidato radical Raúl
Alfonsín. O novo governo herdou a crise econômica e o aparato repressivo da
ditadura (GUAZZELLI, 2004, p. 79).
A Guerra das Malvinas, no entanto, resolveria temas cruciais para as relações
internacionais. Com referência ao Brasil, o conflito atingiria pontos relevantes de sua agenda
diplomática: “a discussão sobre a sua posição como país do bloco ocidental e do Terceiro
Mundo, sua percepção sobre o sistema internacional, sua relação com o contexto contíguo e
com o contexto regional, além de sua relação com os Estados Unidos em particular”
(PINHEIRO, 1986, p. 587).
No caso brasileiro, os militares tomaram o poder de governo institucional em 1964.
Desde então, com incalculável apoio do serviço de inteligência dos Estados Unidos,
“elaboraram-se programas de treinamento para militares, incrementou-se o auxílio técnico e
material para as Forças Armadas e, especialmente, ideologizou-se a contra-insurgência na
Doutrina de Segurança Nacional, que fazia da oposição interna o alvo das Forças Armadas”
(PINHEIRO, 1986, p. 587). Constatou-se a primazia do tema da Segurança Nacional, quer
em perspectiva doméstica (isto é, o subversivo representava risco à ordem, à estabilidade
nacional), quer regional (ou seja, países como a Argentina, de maior poder militar ofensivo
passou a ser visto como potencial ameaça à soberania nacional), acima inclusive dos direitos
liberais e de expressões democráticas.
37
Em oposição à investida dos governos militares contra as formas de expressões
democráticas, e, antes mesmo destas, dos direitos fundamentais, posicionaram-se instituições
nacionais e transnacionais, tais como: a OAB e a Igreja Católica, respectivamente. Convém
afirmar que nenhuma delas, através de seus membros, apoiou unânime ou homogeneamente
intervenção militar no sistema de governo do país, e, como resultado, a alteração de regime
democrático para autoritário. Na contramão do AI-5, juristas como Vitor Nunes Leal, Hermes
Lima e Evandro Lins e Silva concediam hábeas corpus às petições de advogados que
defendiam concidadãos detidos equivocadamente sob o signo da segurança nacional. A Igreja,
no entanto, dividiu-se politicamente. Parcela da Igreja considerada “progressista”, cujo
principal representante é a pessoa de dom Helder, passou a tecer duras críticas ao governo,
desde sua política econômica até sua estratégia de segurança.
Nos anos de 70, a situação do Chile revela-se peculiar. A ascensão de governo
socialista disposto a realizar transformações profundas colocou em xeque os interesses da
classe dominante chilena. Além disso, “a nacionalização de grandes setores da produção
significou ameaça concreta ao imperialismo. Paralelamente a movimento popular que se
organizava e reivindicava o aprofundamento da experiência socialista” (GUAZZELLI, 2004,
p. 11). Em países como o Peru, a Bolívia e o Panamá, alguns grupos militares, após
alcançarem o poder, buscaram apoio nas camadas médias e populares, tentando efetuar
reformas sociais em prejuízo dos interesses oligárquicos.
As ditaduras, por sua vez, sem o apoio dos dólares e do big stick norte-americano,
apresentavam dificuldades crescentes na manutenção da ordem social. A própria conformação
nacional dos EUA mostra a adoção destas duas políticas: “assim como a Louisiana e o Alasca
foram adquiridos a peso de ouro, respectivamente, dos franceses e dos russos, os atuais
estados do Texas, do Novo México, do Arizona e da Califórnia foram conquistados
militarmente ao México” (GUAZZELLI, 2004, p. 85). A restauração das democracias
apareceu como solução mágica para todos os problemas, formando-se grandes frentes pela
derrubada das ditaduras militares em quase todas as partes da América Latina. As
redemocratizações, no entanto, caracterizaram-se bem mais pela restauração das instituições,
ditas democráticas, que pela busca de soluções concretas para os graves problemas
enfrentados pelas sociedades latinoamericanas. No final dos anos 70, inaugurou-se a política
dos Direitos Humanos, o que tornava previsível mudança nos regimes de governo da Região.
38
1. 4. AS DIRETRIZES DE POLITICA EXTERNA BRASILEIRA DOS GOVERNOS
MILITARES (1964-78)
O nosso ponto de partida consiste na análise do contexto político do Brasil no início
da década de 1960, que, em virtude de diversos fatores, comportou a transição política forjada
pelos militares em 1964. A transição política levada a cabo pelos militares, em parceria com
lideranças civis, em abril de 1964, resultou de conjunto de fatores arrolados e não
solucionados ao longo das décadas de 1940 e 1950 e, por sua vez, promoveu mudanças de
orientação da política doméstica e externa do país. A década que antecedeu ao golpe político-
militar, em particular, reservadas as diferenças existentes em cada governo, revela aspectos
relevantes da política externa brasileira (PEB) desde suas demandas domésticas.
O desenvolvimento econômico e a progressiva afirmação de novo perfil sócio-
político da sociedade brasileira impunham novas demandas à política exterior. As relações
internacionais do Brasil alteram-se a partir da formulação de Política Externa Independente,
do governo João Goulart. Esta política externa “não representava inovação completa, na
medida em que se estruturava como continuidade e aprofundamento da barganha nacionalista
de Vargas e Kubitschek e da política externa dirigida para apoiar o desenvolvimento industrial
[Operação Pan-Americana, OPA]” (VIZENTINI, 2004, p. 123). A OPA reintroduziu o tema
do multilateralismo na PEB, em oposição ao bilateralismo do alinhamento com os EUA.
A interpretação das contradições das políticas, sobretudo econômicas, permite-nos
afirmar que, a transição política forjada pelos militares, em 1964, resultou de antigo projeto
militar de “correção de rumos” das políticas doméstica e externa brasileira, contudo sem
planejamento claro e coerente para o país, produzindo alteração no nível de participação das
“unidades de decisão”, no número de atores domésticos interrelacionados, na diversificação
ideológica dos atores e das questões consideradas centrais no processo de formulação e
implantação da política externa durante o regime militar.
Ao assumir a Presidência da República, em abril de 1964, Castelo Branco e seu
ministro das Relações Exteriores, Vasco Leitão da Cunha, esforçaram-se com denodo para
desarticular os princípios que regiam a Política Externa Independente, tais como “o
nacionalismo, base da industrialização brasileira; o ideário da Operação Pan-Americana e a
autonomia do Brasil em face da divisão bipolar do mundo e da hegemonia norte-americana
sobre a América Latina” (CERVO & BUENO, 2002, p. 368). Nesse contexto, a disposição de
aproximação com os EUA até o nível do “alinhamento automático” tornou-se definidora do
modelo de política exterior do novo governo.
39
A instabilidade política característica das últimas décadas que antecederam ao golpe
de 64 - associada a crises econômicas decorrentes de processos inflacionários que assolavam a
economia brasileira -, exigia dos governos, de modo recorrente, mudança na política
doméstica das questões consideradas prioritárias e, na política externa, revisão das demandas
essenciais da agenda internacional do país.
No âmbito da política regional, o país valorizava sua relação com os parceiros de
maior expressão no Hemisfério Sul. Além de diversos acordos assinados com Chile e México,
a cooperação com a Argentina esboçava-se como eixo dominante da PEB para a América
Latina, a qual buscava ainda acercar-se dos grandes países do continente (Chile e México)
com idênticos projetos, além de diplomacia com objetivos e interesses semelhantes.
No plano econômico internacional, o governo de Castelo Branco que sucedeu
governo constitucional, a partir de 1964, esforçou-se por negar os princípios fundamentais da
PEI e, promover, por conseguinte, abertura ao capital estrangeiro. O governo tornou-se
visitador assíduo das principais instituições financeiras estrangeiras para tomada de grandes
empréstimos, os quais resultaram no endividamento crescente e histórico do país.
Em termos de política global, era incoerente, para país como o Brasil, de limitado
poder econômico-militar, balizar sua política externa pelo confronto bipolar, quando o sistema
internacional presenciava sua erosão. Contudo, a bipolaridade serviu internamente, para
engendrar a noção de “inimigo interno” e, consequentemente, transformar as Forças Armadas
em forças policiais, e, externamente, desenvolver as variáveis de “interdependência” e
“segurança coletiva”.
Ao mesmo tempo em que o governo se preocupava em proporcionar a segurança
interna, eliminando a ação subversiva dentro do território nacional, havia também a
necessidade de redefinição da política externa. A conjuntura internacional de bipolaridade na
década de 1960, e mesmo na década de 1970, era interpretada por muitos responsáveis pela
formulação da política externa como sendo pautada pela “Guerra Fria”. Assim sendo, os
temas de “segurança coletiva” e desenvolvimento econômico promoveram reinserção do país
na política internacional.
Segundo Celso Lafer, a postura do governo Castelo Branco sustentava equívoco em
pensar na existência de convergência de interesses entre o Brasil e os EUA. “O objetivo da
atual política exterior americana é a manutenção da segurança americana, ao passo que o
objetivo básico do Brasil é desenvolvimento” (LAFER, 1967, p. 96). A política de
interdependência proposta no governo Castelo Branco evoluiu para política de dependência
em relação aos EUA. Em palavras do próprio presidente:
40
Em relação aos Estados Unidos da América, a política externa brasileira
removeu, antes de tudo, a irreconhecível doutrina de nossas posições
ambíguas. Temos a convicção de que o Brasil e a grande nação norte-
americana cruzam seus interesses econômicos e comerciais no plano de
dogma político e de amizade recíproca. As características da atual situação
política do Brasil coincidiam com os anseios de paz do Continente e,
também, com os fundamentos de segurança coletiva, de responsabilidade dos
Estados Unidos (CASTELO BRANCO, 1966, p. 04).
As questões de ordem política têm, pois, implicações sobre as relações comércios
dos dois países. Para Carlos Estevam Martins,
A fragilidade da política externa do governo Castelo Branco repousava, a
partir do conceito de interdependência, exatamente na crença ingênua
depositada na fraternidade americana. Esperávamos que seu comportamento
internacional fosse ditado não pela percepção que eles tinham dos seus
próprios direitos e necessidades, mas pelos deveres e atribuições que lhes
havíamos imputado (MARTINS, 1975, p. 67).
No que se refere à problemática do comércio internacional, o Brasil, “ao aderir às
propostas em gestação pelo conjunto dos países subdesenvolvidos, tinha sido, nas Nações
Unidas, um dos principais atores na defesa da institucionalização de fórum, a exemplo da
OMC, para discussão da correlação entre comércio e desenvolvimento” (OLIVEIRA, 2005, p.
114). A ação do Brasil no continente, apesar de coerente e servil, não obteve dos EUA ou do
Ocidente a contrapartida esperada em termos de ajuda ao desenvolvimento.
A política externa passou a caminhar na direção oposta à da unidade latinoamericana.
O país não perdeu apenas com cisões na região, mas também com distanciamento noutros
continentes. “O espírito de cruzada anti-comunista afastou drasticamente as relações com a
China. O tratamento privilegiado concedido a Portugal limitava liberdade diplomática com os
recém-nascidos países africanos ávidos de reconhecimento” (MARTINS, 1975, p. 66). Como
conseqüência, o esfriamento das relações com os países em desenvolvimento reduziu as
possibilidades do país implementar política externa diversificada, acentuando a falta de
alternativa ao alinhamento automático, que representava política de dependência aos Estados
Unidos.
No tocante ao Itamaraty, sua relativa perda de autonomia e prestígio na condição de
formulador de políticas deveu-se, segundo Letícia Pinheiro, a duas razões essenciais: “à
presença ativa da Presidência da República nos negócios de política externa durante os
primeiros anos de regime militar; e a diferenças de ênfase entre o Itamaraty e o próprio
presidente quanto ao grau de aproximação aos Estados Unidos” (PINHEIRO apud
ALBUQUERQUE, 2000, p 457). Além do estilo atuante de governar do presidente, da sua
forte identificação com a Doutrina de Segurança Nacional deve-se levar igualmente em conta
41
a inexistência de agências com suficiente grau de autonomia para se contrapor à sua posição
de decisor central.
Todavia, a política externa de Castelo Branco, desde suas primeiras investidas,
passou a colecionar críticas (conservadorismo político e econômico, restrição das relações
internacionais do país, promoção de estreito alinhamento aos Estados Unidos e estímulo à
evolução da política de interdependência para política de dependência) que a situaram em
posição de defesa e, ao constatarem sua fragilidade e contradições, os formuladores de
política externa dos militares optaram por sua revisão, e, por sua vez, abandono.
A mais urgente tarefa do novo governo, Costa e Silva (1967-69), era a economia. Os
críticos de esquerda, a exemplo de Celso Furtado, “denunciavam Castelo Branco e Campos
por terem adotado as fórmulas ortodoxas do FMI” (SKIDMORE: 1988, p. 141).
Embora fosse a crise de credibilidade que levara à expansão do poder executivo, o
grande beneficiário desta nova situação foi a política econômica. Enquanto o Brasil
mergulhava ainda mais profundamente no autoritarismo, surpreendido por sucessivos atos
institucionais, sua economia reagia bem à estratégia do governo.
Ainda que dando continuidade aos princípios de desenvolvimento e segurança, itens
básicos da “revolução”, Costa e Silva, a partir da constatação do insucesso da política de
interdependência desenvolvida no governo de Castelo Branco, implementou, em seu governo,
a “diplomacia da prosperidade”, enfatizando o caráter estratégico do setor externo para a
consecução de seus objetivos. Para Hermes de Oliveira,
A Diplomacia da Prosperidade baseia-se na convicção de que o
desenvolvimento é responsabilidade nacional a ser exercida, principalmente,
por meio de instrumentos internos. O governo reconhece, contudo, o caráter
estratégico do setor externo, tanto em termos de comércio, como de capitais e
técnicas (OLIVEIRA, 2005, p. 121).
Não é somente por fatores internos que se pode creditar o abandono da
interdependência e relativa retomada dos princípios básicos da PEI. Constata-se, mais uma
vez, a não convergência dos interesses da política externa norteamericana com os interesses
brasileiros, visto que os EUA estavam empenhados na manutenção da segurança internacional
e o Brasil em sua proposta de desenvolvimento.
Conforme Carlos Estevam Martins, “a política externa de Costa e Silva combateu os
privilégios decorrentes da divisão internacional do trabalho, criticando abertamente as
políticas discriminatórias dos países industrializados” (MARTINS, 1975, p. 72). Para ele, a
política implantada por Costa e Silva desconheceu o dualismo entre Ocidente e Oriente, bem
como a existência de fronteiras ideológicas. Para tanto, a diplomacia foi concebida e mantida
42
como instrumento do expansionismo econômico.
A redescoberta do subdesenvolvimento como fenômeno estrutural do sistema
capitalista mundial promoveu a substituição dos conceitos de “segurança coletiva” e
“soberania limitada” pelos conceitos de segurança nacional e soberania nacional. A redução
no nível de relevância dado ao tema “Guerra Fria” representa mudança na percepção do
mundo. Na conjuntura internacional constata que bipolaridade – EUA e URSS – comporta
entendimentos políticos e cooperação econômica. A nova política continuava a buscar a
colaboração externa necessária à aceleração do crescimento sócio-econômico.
Quanto ao Itamaraty, aumentaria significativamente sua força enquanto formulador
de políticas. Em síntese, três razões explicam este fato:
Em primeiro lugar, o menor interesse do novo presidente por assuntos de
natureza externa. Em segundo, a particular atuação do chanceler Magalhães
Pinto, cujas aspirações políticas o levavam a adotar postura de considerável
visibilidade na arena nacional. Finalmente, o projeto de fortalecer a presença
brasileira no cenário internacional vis à vis postura menos alinhada aos EUA
e mais próxima aos países do Terceiro Mundo (PINHEIRO, 2000, p 459).
O Itamaraty recuperou em parte seu prestígio ao perceber maior espaço de atuação
enquanto unidade de formulação e decisão. Em virtude da interação respeitosa entre o
Itamaraty e o Executivo, já não se pode mais falar unicamente de um líder predominante
como nos tempos de Castelo Branco, mas antes de disputa de prestígio e poder entre vários
atores autônomos: o Itamaraty, os militares representados no Conselho de Segurança Nacional
e o presidente da República.
O governo de Emílio G. Médici, sobretudo na política doméstica, usufruiu de
esforços empreendidos por seus antecessores, especialmente na política econômica. A
performance econômica em 1969 definiu a tendência para o resto do governo Médici. O
Produto Interno Bruto (PIB) cresceu, contrariando as previsões dos analistas pessimistas, a
taxa superior a 10%, liderado pela indústria, em particular a automobilística. Este é o período
que se convencionou chamar de “milagre brasileiro”, que intensificou a concentração de renda
e dilatou a desigualdade de oportunidades entre ricos e pobres.
A década de 1970 mostrou grandes alterações nos quadros da economia mundial. Os
países desenvolvidos e em desenvolvimento iniciaram a década com níveis de crescimento
recordes em suas respectivas economias. Percebia-se o esforço de crescimento da economia
mundial. Não obstante, passados alguns poucos anos, o sistema econômico internacional
colapsou-se, quando os países produtores de petróleo decidiram pela supervalorização do
produto no mercado internacional.
43
O esquema de confronto bipolar da Guerra Fria dos anos 1960 cedeu lugar, nos anos
1970, a esquema político complexo, no qual as considerações de poder passaram a ser muito
mais diversificadas. Para Celso Lafer, “nos desdobramentos dessa ordem de coexistência a
segurança deixou de ser qualificada pelos Estados apenas em termos estritos de guerra e paz,
e passou a englobar outros valores, como bem-estar econômico-social, autonomia política e
prestígio” (LAFER, 1982, p. 152).
Além desses fatores econômicos que conduziram a modificação na relação de forças,
bem como à diminuição da bipolaridade Leste/Oeste, podem ser ainda apontados três outros
fatores que pressionaram a reestruturação da ordem econômica internacional. Segundo o
renomado economista Celso Furtado, esses fatores são:
As alterações nas velhas estruturas coloniais e a conseqüente emergência de
novas nações no cenário Internacional; a importância cada vez maior para o
funcionamento e expansão das economias dos países desenvolvidos dos
recursos não-renováveis e da mão-de-obra dos países em desenvolvimento e,
por fim, a evolução política ocorrida nos países em desenvolvimento
(FURTADO, 1987, p. 143-159).
Assim, pode-se admitir a ocorrência de alterações fundamentais nos países
desenvolvidos ou em desenvolvimento, com importantes projeções para as realizações
internacionais. A histórica decisão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(OPEP), em 1973, evidenciou a existência de (nova) situação objetiva, na qual países
considerados periféricos no sistema econômico internacional agigantaram-se por controlar
determinado tipo de matérias-primas.
O caso da OPEP revela-se ilustrativo das modificações que se processavam no
cenário internacional, a partir da estrutura da sociedade de Estados, bem como na crescente
percepção de maior interdependência entre os Estados. Os países em desenvolvimento, e tidos
como periféricos do sistema financeiro internacional, continuam não tendo poder de retaliação
contra os países desenvolvidos, contudo, descobriram-se, desde então, com poder de
barganha.
A política externa do governo Médici (1969-1974) não buscou qualquer tipo de
aproximação com os países chamados terceiro-mundistas. Antes, procurou negociar as bases
de dependência com os Estados Unidos. Segundo Carlos Estevam Martins, “para o governo
Médici nada precisava ser alterado na ordem mundial estabelecida, exceto a posição relativa
que nela o Brasil estava ocupando” (MARTINS, 1975, p. 84). Médici sustentava a ideia de
Brasil Grande Potência.
44
Além das questões de ordem política, as de natureza econômica e militar ganharam
relativo destaque. O novo governo esforçou-se por implementar medidas de maior
desenvolvimento econômico e projeção internacional. Para Letícia Pinheiro,
Presencia-se crescente multiplicação de agências federais relacionadas com
questões de comércio e finanças internacionais. No que se refere à área
militar, assiste-se ao fortalecimento da chamada comunidade de informações
e segurança enquanto núcleo influenciador de política externa, basicamente
através do Conselho de Segurança Nacional (CSN), e do Serviço Nacional de
Informação, o SNI (PINHEIRO, 2000, p.461).
Ao final da década de 70, os analistas apresentaram novos conceitos, que
qualificavam melhor a natureza das relações entre Brasil - Estados Unidos. O Brasil via o
mundo dividido entre ricos e pobres, aspirava ao desenvolvimento autônomo e dava rumo
independente a sua política exterior. “Os Estados Unidos viam-no dividido ideologicamente,
não tinham o desenvolvimento brasileiro, latino-americano ou sulista entre seus objetivos
externos e pretendiam cooptar o Brasil a sua meta de contenção do comunismo” (CERVO,
2002, p. 407). O crescimento econômico brasileiro lhes era prejudicial, a menos que fosse
induzido e controlado por seus banqueiros e empresas transnacionais.
Quanto ao Itamaraty, o ministro das Relações Exteriores Gibson Barbosa não chegou
a consolidar padrão relativamente autônomo de formulação de política externa, pois precisou
administrar conflitos com a área econômica e buscar apoio e consentimento na área militar
para implementar as políticas que envolvessem a segurança nacional. “O funcionamento da
arena decisória de política externa durante o governo Médici caracterizou-se por intensa
disputa entre três unidades: a Chancelaria, os militares oficiais e os segmentos econômicos”
(PINHEIRO, 2000, p. 462). Diante de tal espectro, decisões sobre diversos temas
internacionais foram formuladas em ambiente de barganha, postura que produziu, quase
sempre, política de interesse de grupos particulares mais do que política de interesse nacional.
A expectativa de boa parte da sociedade brasileira em relação ao novo governo
centrava-se na esperança de que Ernesto Geisel controlasse o aparato de repressão,
especialmente os torturadores. A cassação de mandatos e a suspensão dos direitos políticos de
parlamentares, bem como a censura, encontravam-se entre as principais ações arbitrárias do
governo anterior, que se tornou alvo de críticas e protestos de artistas e intelectuais. A Igreja
(através da CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) destacavam-se pela
contestação dos contínuos desmentidos do governo sobre a continuação da tortura e das
arbitrariedades das forças de segurança.
45
As grandes esperanças do governo centravam-se na economia. De acordo com
Thomas Skidmore,
O II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974-1979) fixava taxa de
crescimento em 10% por ano a ser alcançada mediante a mudança de ênfase
sobre os bens de consumo duráveis para a de produtos industriais e bens de
capital. A aceleração do crescimento era para melhorar a distribuição de
renda e exigiria a continuação de altos índices de ingressos de capital, assim
como aumento da poupança doméstica (SKIDMORE, 1988, p. 349).
O governo Geisel tinha quatro alvos principais: “manter o apoio majoritário dos
militares reduzindo ao mesmo tempo o poder da linha dura; controlar os „subversivos‟;
promover o retorno à democracia e, por fim, manter as altas taxas de crescimento”
(SKIDMORE, 1988, p. 319-321). Além disso, preocupava-se também com a distribuição cada
vez mais desigual dos benefícios do crescimento econômico. Medidas para distribuir melhor
os benefícios do “milagre” econômico seriam mais fáceis de adotar se o crescimento
continuasse a taxas altas.
No tocante ao cenário econômico mundial, a crise econômica internacional de 1973,
decorrente da valorização do petróleo, forçou o governo de Geisel a redefinir as funções
secundárias da política externa ao projeto de desenvolvimento: “a diplomacia, convertendo-se
em instrumento mais ágil, buscou a cooperação, a expansão do comércio exterior, o
suprimento de matérias-primas, o acesso a tecnologias avançadas” (CERVO, 2002, p. 385).
A política externa implementada durante o governo Geisel (1974-79) é geralmente
explicada, de acordo com Letícia Pinheiro, “a partir da necessidade de adaptações na inserção
do país no panorama internacional em virtude de suas novas demandas de natureza política e
econômica” (PINHEIRO, 1993, p. 247). Era imperativo para a manutenção do
desenvolvimento econômico do país o redirecionamento de sua política externa.
Ora, da adequação da práxis política externa à realidade internacional, a política
externa desenvolvida pelo governo Geisel passou a ser projetada como “pragmática,
ecumênica e responsável”: “A política exterior brasileira é pragmática porque procura
considerar a realidade internacional tal como ela se apresenta, e é responsável porque é ética.
O pragmatismo não nos obriga a aceitar tudo, leva-nos, isto sim, a fazer esforço para
compreender tudo, o que é diferente” (OLIVEIRA, 2005, p. 149). Assim, o enfoque
pragmático e ecumênico da política externa é, de certa forma, o resultado direto da evolução
da economia, tanto dentro quanto fora de nossas fronteiras (SILVEIRA, 1975, p. 53).
A considerar a nova conjuntura internacional, o pragmatismo ecumênico e
responsável do governo Geisel propunha, na realidade, defender os interesses nacionais
46
vinculados ao projeto de desenvolvimento econômico. “A ação diplomática brasileira está
para a projeção, no exterior, dos interesses nacionais. Se, no passado, os interesses prioritários
foram os da consolidação da soberania política, hoje a diplomacia se orienta a apoiar o
desenvolvimento econômico do País” (SILVEIRA, 1974, p. 13). A política externa brasileira
caracterizou-se, então, por esforço contínuo de implementar projeto de inserção internacional
de viés autonomista.
Para Brasília, o mais importante eram as relações econômicas, “especialmente as
restrições ao acesso ao mercado americano e o desinteresse dos Estados Unidos em apoiar
reforma do sistema comercial e financeiro internacional” (SKIDMORE, 1988, p. 376). Não
obstante, não foi a economia que atritou fortemente o relacionamento Brasil-EUA durante o
governo Geisel, mas a tecnologia nuclear e os direitos humanos.
Desde 1945, os Estados Unidos se esforçaram para impedir a proliferação da
tecnologia de armas nucleares. Obviamente, não podiam deter os soviéticos, nem tentaram
impedir os ingleses e os franceses de se tornarem auto-suficientes em todas as fases da
tecnologia nuclear, inclusive a produção de armas. A tecnologia nuclear da Alemanha
Ocidental era avançada, além do que o país procurava avidamente clientes para o seu produto,
o que o tornou a fonte mais lógica para onde o Brasil se voltaria. A controvérsia em torno da
política nuclear produziu alguns benefícios políticos para o governo Geisel. Um deles foi o
apoio dos militares, que há muito se preocupavam com a liderança nuclear da Argentina.
Para Letícia Pinheiro, “o estilo autocrático do governo que caracterizou a
administração Geisel e as modificações introduzidas na estrutura da arena de decisão foram
cruciais para a implementação de mudanças significativas na política externa” (PINHEIRO,
1993, p. 247). Para alguns analistas, os ministérios econômicos, o Conselho de Segurança
Nacional, o Itamaraty e a Presidência da República constituíam-se em diferentes atores
presentes no processo decisório.
Letícia Pinheiro afirma que, durante o governo Geisel, “o que melhor define o padrão
de formulação da política externa é a categoria de foreign policy executive, que designa a
relação de extrema proximidade entre o presidente e seu ministro do Exterior, Azeredo da
Silveira” (PINHEIRO, 2000, p. 463). A política externa do governo Geisel teve, como
resultado básico, a ampliação dos contatos internacionais do Brasil, sendo exatamente esse
processo de ampliação de parcerias internacionais correspondente ao processo de
“universalização” da política externa brasileira.
47
2. O CONTEXTO SÓCIO-ECONÔMICO-POLÍTICO-RELIGIOSO NO BRASIL
2.1 O ESFORÇO DE TRANSFORMAÇÃO DAS ESTRUTURAS SÓCIO-ECONÔMICA
NO BRASIL
Analisamos, no capítulo anterior, a arena política internacional do pós-II Guerra
Mundial. Abordagem sistema da temática, no entanto, exigiu aprofundamento do embate
político-ideológico, mais do que econômico, entre as duas superpotências (EUA e URSS); a
Revolução Cubana e seus desdobramentos para o Continente sulamericano e, por último, as
diretrizes de Política Externa Brasileira (PEB) dos Governos militares (1964-1978).
Nosso próximo passo, então, consistirá no esforço de “reconstrução” do contexto
sócio-econômico-político-religioso no Brasil, com eventual incursão também na América
Latina, para os anos de 1950 a 1964. O nosso ponto de partida consiste em aprofundar as
grandes questões sócio-econômicas do Brasil: a questão agrária (dilema resultante do tipo de
ocupação e colonização do país, mas que se tornou agudo no período populista dos anos 1950
e início de 1960); a sindicalização rural e urbana; a instabilidade política e o esforço de
crescimento econômico do país.
Em seguida, descreveremos o processo de fundação da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB), em outubro de 1952, em sua relação com a Ação Católica
Brasileira (ACB); os grupos de pressão política da Igreja e o início das transformações no
comportamento da Igreja no Brasil, em virtude de novos valores protagonizados pela CNBB;
a relação Igreja-Estado em meados do século XX; o apoio de grande parte da instituição ao
golpe militar de 1964; o golpe militar com inevitável alteração no sistema político e no
regime de governo do Brasil; a composição dos grandes blocos ideológicos (“esquerda ou
progressistas”, “direita ou conservadores” e moderados) na CNBB dos anos 1960; os
resultados do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965); a promulgação do AI-5 (1968) e o
aprofundamento do fosso político-relacional entre Igreja e governos militares.
Ao contrário do que afirmou Thomas Bruneau, a longa era Vargas (1930-1945)
caracteriza-se por tempo de instabilidade. Em 1932, eclodiu a revolta constitucionalista. Em
1935, a “marcha” da intentona comunista pelo país. Em 1937, o golpe que resultou na
implementação do Estado Novo. Getúlio Vargas instala regime autoritário, de caráter
moderado, e apóia-se no nacionalismo de Estado forte, de partido de massa, e ameniza a
necessidade da polícia secreta para permanecer no poder, simplesmente porque não é
48
seriamente combatido por qualquer grupo importante da sociedade. “Eliminara a ameaça em
potencial dos comunistas, depois usou os fascistas como justificação do seu Estado Novo, e
passa a governar tranquilamente nos oito anos seguintes” (BRUNEAU, 1974, p. 102).
Ao término da guerra e à deposição de Vargas, o Brasil experimenta forte irrupção de
mudanças de toda ordem e em todos os setores da sociedade brasileira. Essas mudanças foram
inúmeras vezes analisadas por brasileiros e estrangeiros (BAER, 1965; FURTADO, 1965;
LOPES, 1967; SKIDMORE, 1967; BRUNEAU, 1974). Este último apresenta esboço do
processo de mudança da sociedade brasileira e indica as implicações dela para a Igreja.
As melhores descrições da política da Primeira República, ou da República Velha
(1891-1930), são aquelas que sublinham o seu caráter descentralizado e flexível. A
característica desse sistema parece ter sido a sua capacidade, de curta duração, de jogar com
vários grupos e, no processo, manter o status quo. Thomas Bruneau descreve a Primeira
República em termos de compromissos, equilíbrio e falta de mobilização:
A política se assentava sobre grupos políticos e econômicos extremamente
descentralizados, que não encorajavam uma mais larga participação do povo,
e o sistema político, no nível nacional, era equilíbrio entre certos Estados
mais poderosos. Durante a maior parte desse período, a estabilidade política
era um dado pacífico e não havia razão para maior mobilização ou para
mudança (BRUNEAU, 1974, p. 101).
Análise da sociedade brasileira no pós II Guerra evidencia o caráter paradoxal das
mudanças. Em muitos setores os passos eram tão largos que o país parecia empurrar rolo
compressor sobre os entraves estruturais do passado. Em outros setores, no entanto, havia a
crise e a regressão. “Política, econômica e socialmente, o Brasil foi tragado numa voragem de
mudança frenética que culminou no golpe militar de 1964” (BRUNEAU, 1974, p. 103). A
crise do final dos anos 1950 era, principalmente, de caráter econômico, político e social.
O país se encontrava diante de alternativas que compreendiam pelo menos duas
diferentes modalidades de desenvolvimento: “a primeira implicava a realização de
transformações profundas na estrutura de produção, de distribuição da renda, da propriedade
da terra”, favorecendo a criação de mercado interno amplo, produzindo acelerado crescimento
do setor industrial da economia. “A segunda proposta era prosseguir com o desenvolvimento
econômico dentro de modelo que permitisse a satisfação dos interesses internacionais -
externos e internos à sociedade brasileira” (LIMA, 1979, p. 27). Essa alternativa pressupunha
o desenvolvimento sem transformação da estrutura econômica e social do país. É o
desenvolvimento econômico “dependente-associado” (SODRÉ, 1964), que o país
implementou depois do golpe de Estado de 1964.
49
O sistema de propriedade rural no Brasil era semelhante aos de outros países
subdesenvolvidos da América Latina, se não um pouco pior.
No Nordeste, em 1960, os minifúndios abrangiam 55% das propriedades mas
cobriam apenas 2% das terras, enquanto que os latifúndios perfaziam 2% das
propriedades com 47% das terras. As porcentagens de 1950 e 1960 mostram
uma mudança no volume das propriedades e na distribuição das terras.
Entretanto, as mudanças não são tão significativas quanto parecem à primeira
vista (BRUNEAU, 1974, p. 167).
O sistema historicamente estabelecido e mantido nas zonas rurais baseava-se no
modelo de sociedade patriarcal-paternalista, com uma relação de dependência entre o
empregado (colono) e senhor (proprietário). De modo geral, esse sistema permaneceu intacto,
nas zonas rurais, por toda a década de 1950. “O sistema é caracterizado por completa e difusa
autoridade da parte do senhor e falta da mínima autodeterminação da parte do empregado”
(CAMARGO, 1966, p. 166-167).
Desde o início dos anos 1950, o movimento operário1 tinha iniciado lento processo
de ascensão, elevando quantitativa e qualitativamente o nível de suas reivindicações
econômicas e políticas. Nesse processo de ascensão, mesmo com profundos limites políticos e
organizacionais, o movimento operário brasileiro rompeu, de fato, com a camisa de força que
lhe tinha sido imposta pela ditadura Vargas (1937-45) através de legislação sindical
corporativa, de estilo mussoliniano. Foi criado o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT),
ilegal, mas interlocutor de fato do governo. O esforço de aliança das esquerdas brasileiras
produziu a Frente de Mobilização Popular e a Frente Parlamentar Nacionalista, que
elaboraram bases pragmáticas unitárias: as “reformas de base”. Esta articulada ascensão do
movimento de setores populares pressionava o governo e o parlamento em favor de projeto
social de independência nacional.
Nesse contexto, quando as forças sociais se confrontavam num antagonismo sempre
maior, dois elementos se conjugaram acelerando a radicalização dos conflitos: primeiro, a
participação política dos camponeses2 que, pela primeira vez, se mobilizavam nos Sindicatos
1 O Movimento Operário no Brasil será analisado em contexto de maior expressividade dele, isto é, final dos
anos 1950 e início dos 1960, que corresponde a momento considerado pelos pesquisadores como segundo
período da industrialização brasileira; e será tematizado em sua relação com a Igreja.
2 Os camponeses organizaram-se em sindicatos, apoiados, sobretudo, pela Igreja. O esforço de sindicalização
rural, por parte da Igreja, expressa interesse pela manutenção de sua influência política e de controle do potencial
“revolucionário” dos camponeses. Quando a Igreja pleiteou a libertação política, econômica e cultural do
camponês manifestou interesse de coordenação do processo, no intuito de evitar que tal processo revolucionário
se voltasse contra a Instituição.
50
e “Ligas Camponesas”3 pela defesa dos seus interesses (transformação na estrutura da
propriedade da terra e maior participação política) que confluíam nas reivindicações da frente
reformista; segundo, a divisão dos católicos, força social tradicionalmente conservadora, os
católicos compareciam diluídos nas diversas agremiações políticas que constituíam os
instrumentos de dominação política. Um processo, que necessita ser ainda melhor estudado,
provocou o deslocamento de núcleo progressista da hierarquia e dos leigos no sentido de
integrar a frente reformista.
Na segunda metade dos anos 1950 o Brasil experimentou crescimento econômico
extraordinário; poucos países na América Latina podiam se enquadrar na afirmação seguinte:
O grau de desenvolvimento industrial alcançado pelo Brasil torna possível ao
país satisfazer a procura de bens de consumo quase só com bens produzidos
internamente, e permite investimento baseado principalmente no suprimento
interno de bens de capital [...] o nível de atividade doméstica do país não é
mais dependente acima de tudo da quantidade e dos preços dos produtos
exportados (FURTADO apud BRUNEAU, 1974, p. 103).
Na década de 1950, o crescimento real per capita do Brasil era cerca de três vezes o
do resto da América Latina. A base desse crescimento repousava num aumento extraordinário
de produção industrial. Entre 1947 e 1961, a taxa anual média de crescimento econômico foi
de 5,8%, que dava quase 3% per capita. Entre 1957 e 1961, a taxa cresceu para 7% ou seja,
3,9% per capita. Esse crescimento baseava-se no setor industrial. Assim, enquanto a produção
total da indústria, entre 1955 e 1961, cresceu num índice relativamente impressionante de
80%, a indústria do aço cresceu 100%, as indústrias mecânicas, 125%, as indústrias elétricas e
de comunicações, 300%, e o setor de equipamento de transporte saltou para 600%
(FURTADO, 1965, p. 88-89). Em suma, durante a década, a economia do Brasil se
desenvolveu muito rapidamente e principalmente na base da indústria.
Em 1962, entretanto, o ritmo de crescimento decaiu e continuou a diminuir em 1963.
Devido à natureza do próprio processo de industrialização, à política do Presidente
Kubitschek até 1960, à resposta do Presidente Goulart à diminuição no crescimento, entre
outros fatores, a inflação cresceu tremendamente. No começo de 1964 a economia tinha
estagnado, a inflação chegara a média de pelo menos 8% ao mês, as reservas estrangeiras
estavam esgotadas, o investimento caíra, e a economia em geral estava em desordem.
3 Em meados dos anos 1950, as “Ligas Camponesas” constituíram-se provavelmente na primeira forma de
organização política do homem campo pela defesa de seus interesses, a saber: a transformação na estrutura da
propriedade da terra e maior participação política. Embora tenha alcançado expressividade política nacional em
torno de Francisco Julião, a iniciativa da Liga foi inteiramente de grupo de camponeses.
51
2.2 OS ANTECEDENTES POLÍTICOS DO GOLPE DE 1964 E A HISTÓRICA RELAÇÃO
IGREJA-ESTADO NO BRASIL
2.2.1 Os Antecedentes Políticos do Golpe Militar
A cronologia dos acontecimentos políticos no período de 1955 a 1964, ainda que
simples, demonstra o caráter paradoxal do sistema político brasileiro. “A ascensão de
Kubistchek, em 1956, marcou início do processo de industrialização inteiramente ajustado aos
interesses do capital internacional” (KOSHIBA & PEREIRA, 1987, p. 346). O governo de
Kubistchek (1956-1960, do PSD) caracterizou-se “pelo rápido crescimento econômico e pela
criatividade que resultou em inovações, como a construção da nova capital federal em Brasília
e a criação da SUDENE, a repartição incumbida de executar a política de desenvolvimento
para o Nordeste brasileiro” (SKIDMORE, 1988, p. 27).
A Kubistchek sucedeu Jânio Quadros (1961, da UDN) que assumiu o cargo
sustentando a promessa de moralizar a política e fazer funcionar a burocracia. Além disso,
professava “intransigência com a corrupção, a preferência pela livre empresa e a ênfase nos
valores do lar e da família. Jânio também prometia erradicar a inflação e racionalizar o papel
do Estado na economia” (SKIDMORE, 1988, p. 28). Jânio assumiu a Presidência em janeiro
de 1961, cercado de enorme prestígio político. Sua campanha (tinha por símbolo uma
vassoura) convencera tanto amigos como inimigos que ele pretendia cumprir o que prometera.
Os militares, especialmente, depositavam nele grande esperança, pois há muito desejavam que
surgisse alguém capaz de desfechar cruzada moral contra o que consideravam políticos sem
princípios e oportunistas.
A magia política do novo presidente não levou muito tempo para ser posta à prova.
Sempre conhecido por suas excentricidades, começou, para surpresa geral, a flertar com a
esquerda. Concedeu a Che Guevara a Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais alta condecoração
brasileira conferida a estrangeiros. Por que estaria ele homenageando um guerrilheiro
argentino-cubano? Pouco depois Jânio hesitaria em por em prática programa de estabilização
econômica, ao estilo do FMI, que prometera como remédio para debelar a inflação. Estaria
recuando da austeridade econômica? O presidente também se queixava de que o Congresso
estava obstruindo o seu programa legislativo, embora houvesse até então enviado poucos
projetos de lei.
52
As atenções de Jânio para com o governo de Cuba foram o bastante para fazer ferver
a ira de Carlos Lacerda, ainda a voz mais poderosa e estridente da UDN, que dirigiu pesados
insultos ao chefe do governo, também temível polemista. Mas este não quis travar combate
verbal com o seu grande opositor. Ao contrário, para surpresa geral, enviou carta ao
Congresso, em agosto de 1961, renunciando à Presidência. Depois de sete meses deixou a
Presidência e o país. Seu gesto caiu como bomba sobre a nação. Os milhões de brasileiros que
lhe deram o voto ficaram perplexos vendo frustradas suas melhores esperanças. Embora possa
ter pensado que o Congresso o chamaria de volta dando-lhe poderes para governar ao estilo
de um De Gaulle, na França.
Assim Jânio levou à presidência o mesmo político do PTB que a UDN ajudou a
expulsar do seu posto em 1954. Na ocasião, o vice-presidente João Goulart realizava visita à
República Popular da China, fato que desagradou os ministros militares, sob alegação de que
tal aproximação com a China comunista evidenciava simpatia e inclinação político-ideológica
do futuro presidente àquele regime.
Antes que Goulart pudesse voltar, os três ministros militares, tendo à frente o
ministro da Guerra, marechal Odílio Denys, anunciaram que não lhe seria permitido assumir a
presidência. Os ministros militares publicaram manifesto no qual expressavam temor de que
Goulart entregasse cargos-chave nos sindicatos a “agentes do comunismo internacional”. Ora,
os ministros militares presumiram poder impor seu veto ao direito de Goulart à sucessão, mas
tal presunção era infundada. O manifesto estimulou a criação de movimento pela “legalidade”
de âmbito nacional, cujos membros exigiam que os militares respeitassem o direito legal do
vice-presidente à sucessão.
A solução encontrada foi que Goulart assumiria a presidência, mas com poderes
reduzidos. Emenda constitucional aprovada apressadamente transformou o Brasil em
república parlamentar. O poder executivo era efetivamente transferido para o gabinete, que
governaria com o apoio da maioria do Congresso. Goulart aceitou com relutância este
compromisso, mas imediatamente começou a planejar a reconquista dos plenos poderes
presidenciais. Conseguiu em janeiro de 1963, quando plebiscito nacional lhe devolveu o
sistema presidencial.
Ao governo faltava ampla base aliada, e o quadro de instabilidade assegurava pouca
confiança no sistema político. “Vários estadistas sugeriram, ou reclamaram, que o sistema não
estava à altura das necessidades da economia e da sociedade da época; mas as propostas de
solução variavam tanto que não havia possibilidade de compromisso” (BRUNEAU, 1974. p.
106). Cuba era vista como alternativa particularmente atraente e nela muitos grupos políticos
53
e movimentos estudantis depositavam as suas esperanças. Entretanto, os militares achavam
essa alternativa menos desejável do que o governo de Goulart, e decidiram tomar o poder.
O golpe de “1964 foi entusiasticamente festejado pela maior parte da mídia
brasileira. Jornais importantes como o Jornal do Brasil, Correio da Manhã, O Globo, Folha
de São Paulo e O Estado de São Paulo pugnavam abertamente pela deposição do governo
Goulart” (SKIDMORE, 1988, p 63). Na esteira desses, seguiram em cadeia revistas, jornais e
TV dos “Diários Associados”. O único jornal importante que combateu o golpe foi o Última
hora, cujo diretor e fundador, Samuel Wainer, teve que fugir”4. A parceria civil-militar que se
formou em vista do golpe contou com apoio do empresariado e dos proprietários rurais.
Os advogados constituíram outra força oposicionista através do seu órgão de classe, a
Ordem dos Advogados do Brasil, cujo Conselho Federal bateu palmas à deposição de João
Goulart. Segundo Thomas Skidmore, “foi uma posição arriscada, dada a irregularidade da
transição de Goulart para Mazzilli, mas no início de 1964 a classe se alarmara tanto com a
ameaça ao constitucionalismo vinda da esquerda que faria vistas grossas para os defeitos
legais da sucessão” (SKIDMORE, 1988, p 63).
A hierarquia da Igreja foi outra fonte de opinião de elite que apoiou a intervenção
militar. Em declaração5 de 26 de maio do corrente ano, a CNBB avalia situação nacional e
constata que: “atendendo à geral e angustiosa expectativa do Povo Brasileiro, que via a
marcha acelerada do comunismo para a conquista do Poder, as Forças Armadas acudiram em
tempo, e evitaram se consumasse a implantação do regime bolchevista em nossa Terra”. Além
disso, expressa profunda gratidão aos militares pelo êxito incruento de revolução armada:
“agradecemos aos Militares que, com grave risco de suas vidas, se levantaram em nome dos
supremos interesses da Nação, e gratos somos a quantos concorreram para libertarem-na do
abismo iminente”. Contudo, coloca-se em defesa dos ativistas da Ação Católica e do
Movimento de Educação de Base: “não aceitamos, nem jamais poderemos aceitar a acusação
injuriosa, generalizada ou gratuita, velada ou explícita, de que Bispos, Sacerdotes e fiéis ou
organizações, como, por exemplo, a Ação Católica e o MEB sejam comunistas ou
comunizantes” (CNBB apud LIMA, 1979, p. 147-148).
4 O comportamento adotado pelos jornais brasileiros em relação ao golpe de 1964 é analisado por STEPAN, A.
The Military in Politics: Changin in Patters in Brazil. 1971, p. 57-121.
5 A declaração dos bispos é reproduzida em LIMA, L. G. S. Evolução política dos católicos e da Igreja no
Brasil, p. 147-149, 1979, a partir de matéria publicada pelo Jornal do Brasil de 03 de junho de 1964, p. 3,
supostamente na íntegra. O contexto histórico que subjaz declaração, em caráter de manifesto, encontra-se em
BRUNEAU, T. C. Catolicismo Brasileiro em época de Transição, 1974, p. 119-123.
54
Quanto aos políticos, o golpe de 1964 apanhou muitos de surpresa. Os civis mais
conhecidos envolvidos na conspiração não perderam tempo, contudo, para usar a intervenção
militar em proveito próprio. “Virtualmente toda a UDN e metade do PSD rapidamente
apoiaram o golpe. Muitos membros do PTB e da esquerda do PSD, não obstante,
concentraram-se na discussão da duvidosa legalidade da deposição de Goulart”. Além disso,
os parlamentares desses partidos “denunciaram as cassações de figuras ilustres, como o
nutricionista e especialista em saúde pública Josué de Castro, o economista Celso Furtado e o
reformador do sistema educacional Anísio Teixeira” (SKIDMORE, 1988, p 64). A Revista
Civilização Brasileira tachou as cassações de “terrorismo cultural” e narrou em 60 páginas a
crônica das prisões e intimidações a personalidades das artes, da ciência e da educação.
O governo sofreu, então, com libelo “liderado pelo editor Ênio Silveira6, o
romancista e comentarista político Carlos Heitor Cony, o crítico literário Otto Maria Carpeaux
e o jornalista e político Márcio Moreira Alves” (SKIDOMORE, 1988, p. 65). Os três últimos
escreviam no Correio da Manhã, que apoiara fortemente a deposição de Goulart, mas que se
achava agora desiludido com a atuação do governo militar7. Outro respeitado crítico era Alceu
Amoroso Lima, ensaísta e veterano líder do laicato católico. Cônscio da realidade brasileira, e
percebendo a guinada dos golpistas em direção à direita política, advertiu em abril de 1964
que “a extrema direita era tão antidemocrática quanto a extrema esquerda” (LIMA, 1964, p.
224-232). A esquerda identificava os militares como nada mais do que agentes do
imperialismo e dos privilegiados do Brasil, que lutavam para impedir que o país
empreendesse reformas sociais básicas.
O governo dos Estados Unidos foi outro entusiástico defensor do golpe. “Por
sugestão do embaixador Lincoln Gordon, o presidente Lyndon Johnson enviou mensagem de
congratulações a Ranieri Mazzili horas depois de seu juramento como presidente em
exercício” (SKIDMORE, 1988, p. 66). Johnson se dizia satisfeito em saber que os brasileiros
estavam resolvendo suas dificuldades “no contexto da democracia constitucional”, o que não
era, naturalmente, a plena expressão da verdade. Johnson também afirmou prever a
“intensificação da cooperação no interesse do progresso econômico e da justiça social para
6 Ênio da Silveira era o principal diretor da Editora Civilização Brasileira. A Revista Civilização Brasileira
lançou primeiro número em março de 1965, no qual informava que objetivo básico dela era pôr em relevo os
interesses nacionais do Brasil, “mas não se limitará a nacionalismo sentimentalista e estreito, nem se deixará
envolver pelo projeto geopolítico ou o planejamento estratégico continental que o Departamento de Estado e o
Pentágono promovem e que alguns dos nossos políticos colocam em ação”. Revista Civilização Brasileira: Da
Declaração de Princípios da Revista, n° 1, p. 3-4, 1965.
7 As colunas de CONY publicaram-se em Carlos Heitor Cony, O ato e o fato: crônicas políticas. Rio de
Janeiro:1964, e as de ALVES em Márcio Moreira Alves, A velha classe. Rio de Janeiro: Arte Nova, 1964.
55
todos” (PARKER, 1979, p. 85)8.
Durante os seus primeiros meses como presidente, Castelo Branco tentou dissociar o
seu governo dos revolucionários de extrema direita. “Caminharemos para a frente com a
segurança de que o remédio para os malefícios da extrema esquerda não será o nascimento de
direita revolucionária, mas o das reformas que se fizerem necessárias” (CASTELO
BRANCO, 1964, p. 14). O programa econômico e político do novo governo, que incluía
medidas antiinflacionárias e reformistas, estava destinado a provocar vigorosa oposição. Após
consolidar a tomada do poder e centralizar a autoridade no Executivo, Castelo Branco e seus
companheiros revolucionários voltaram-se para o trato das questões econômicas, desde então
o maior dos desafios.
2.2.2 A Histórica Relação entre Igreja-Estado no Brasil
Antes, porém, de analisarmos a crise que se instalou na relação entre as instituições
Igreja-Estado a partir de 1968, convém reconstruirmos, de modo sumário, a histórica relação
entre a Igreja e o Estado brasileiro. Os eventos e dados históricos resultantes da relação
Igreja-Estado serão tomados aqui em perspectiva política, o que nos exime da
responsabilidade com reflexão teológica dos mesmos. Essa perspectiva de análise nos
permitirá evidenciar mudança de comportamento da Igreja em sua relação com o Estado na
década de 1960, particularmente durante a vigência do AI-5.
Os estudos das décadas de 1950 e 1960 revelam continuidade do papel da Igreja na
sociedade brasileira para os períodos colonial e imperial (BRUNEAU, 1974; DELLA CAVA,
1975). Naturalmente, essa continuidade é limitada aos elementos essenciais, tanto da estrutura
da organização eclesiástica como das suas relações com a sociedade civil.
A Igreja da colônia refletia em absoluto a Igreja da metrópole, na qual aquela se
espelhava. Os membros da Igreja, em particular o clero, participavam ativamente da política
colonial, através da instituição do padroado (condição de estreita vinculação entre Estado e
Igreja, por meio da qual a primeira instituição exercia sobre a segunda todo o tipo de controle
8 O envolvimento dos Estados Unidos recebeu a sua mais completa documentação e análise em PARKER, P. R.
Brazil and the Quiet Intervention, 1964. Austin: University of Texas Press, 1979. O autor garimpou documentos
oficiais nas bibliotecas presidenciais Kennedy e Johnson. Importantes documentos da Biblioteca Johnson
publicaram-se em português em CORREIA, M. S. 1964, visto e comentado pela Casa Branca. Porto Alegre: L
& M, 1977. O apoio estadunidense ao novo governo brasileiro situa-se no contexto das relações brasileiro-
americanas após 1964 em WESSON, R. The United States and Brazil Limits of Influence. New York: Praeger,
1981.
56
e influência; em contrapartida, assumia todos os custos de expansão e manutenção desta
última) nas terras conquistadas. O Estado detinha todas as possibilidades de impor à Igreja
determinada orientação, sem qualquer consulta prévia e mesmo em divergência com o
papado.
A Igreja tinha que depender dos dízimos e da cooperação do Estado para construir os
seus templos. Muitos pesquisadores da Igreja colonial constataram que o clero regular (das
ordens e congregações religiosas) era superior em número e na qualidade da formação
recebida. Os regulares incluíam os beneditinos, franciscanos, carmelitas, capuchinhos,
oratorianos e jesuítas (BRUNEAU, 1974, p. 40-42). No Brasil, os jesuítas foram aqueles que
realizaram as tarefas (de fundar escolas, catequizar índios, desenvolver novos métodos de
ensino e reformar membros do clero) que tornaram a Igreja de alguma forma importante nos
primeiros tempos.
Alguns historiadores acreditam que o sucesso dos jesuítas representou também a
ruína deles. Para gerir seus trabalhos missionários tiveram que recorrer ao poder político. Essa
estratégia indispõe muita gente da colônia contra eles. Em vista da crescente oposição à
Companhia de Jesus no Brasil, e com a diminuição do apoio político, os jesuítas sofreram
restrições. Contudo, duro golpe contra a Ordem fora desferido por Marquês de Pombal
(Sebastião de Carvalho e Mello) ministro do Rei José I de Portugal, de 1750 a 1777. O
Marquês era considerado estadista moderno para a época, por formar monarquia absoluta em
Portugal, nos moldes da Espanha ou França. Para alcançar o absolutismo, pombal teve
primeiro que tomar, para o Estado, o controle mantido pelos nobres, pelo papado, pela Igreja
nacional e, especialmente, pela Companhia de Jesus. Sob Pombal, a Igreja em todos os níveis
foi mantida inteiramente sob controle e dominada pelo Estado.
Pombal começou sua guerra contra a Igreja suprimindo os jesuítas. Para fazer isso,
“usou série de crimes odiosos implicando neles os jesuítas”. Uma vez condenados, Pombal os
puniu com supressão, expulsão e morte, não apenas em Portugal, mas também no Brasil, em
1759. Depois de 1760, Pombal rompeu as relações com o Vaticano. A partir de então até o
restabelecimento das relações, em 1770, a Igreja em Portugal era de caráter inteiramente
nacional. A partir de 1770, as relações foram reassumidas durante o papado de Clemente
XIV. Pombal conseguiu obter do Papa o reconhecimento de seu controle sobre a Igreja
nacional e a supressão dos jesuítas no mundo inteiro, em 1773. Em termos de relação de
autonomia, Pombal aumentou o controle do Estado sobre a “Igreja nacional” (e nas colônias),
diminuiu claramente o de Roma, e esvaziou a força dos Jesuítas em Portugal. O impacto das
medidas pombalinas na Igreja do Brasil teve longa duração, mas não nos cabe aqui analisá-lo.
57
No começo do século XIX a influência da Igreja no Brasil sobre a sociedade e Estado
brasileiros era insignificante. O regime de padroado persiste na relação entre o Estado e a
Igreja mesmo após a independência política do Brasil do governo português e, como
consequência desse desfecho, a instituição de novo regime administrativo: o imperial
(BRUNEAU, 1974, p. 47-56). O catolicismo identifica-se com a religião semi-oficial do
Estado, a quem era subordinado e servil. Assim, a Igreja aliena-se a sistema de dominação,
comprometida com Estado escravocrata. Usava o Estado, as estruturas dele e o apoio da
classe dominante (as oligarquias latifundiárias do país) para adquirir expressão nacional.
A escravidão perdurou legalmente no país, não sem questionamentos, pressões e
ameaças de retaliações de investidores e comerciantes ingleses (desde a lei Eusébio de
Queiros, de 1850), até 1889. Nesse contexto, assistira-se a crise político-religiosa que colocou
parte da hierarquia da Igreja em oposição à política do imperador e do império. A origem da
crise remete-se a esforço de parcela da Igreja no Brasil de distanciamento crescente da
política imperial e seus enclaves e, por conseguinte, de maior aproximação com a Igreja
internacional9. Os benefícios de esforços de melhoria das relações com hierarquia, sobretudo
em Roma, constataram-se com a proclamação da República, em 1889.
Após a separação entre Igreja e Estado, em 1889, a Igreja se dedicou a perseguir,
segundo Luiz Gonzaga de Souza Lima, dois objetivos principais:
Primeiro, conquistar sua autonomia de fato em relação ao Estado,
modernizar, conformar-se aos modelos institucionais de orientação romana.
O segundo, recuperar a condição de religião oficial do Estado, para usar as
suas estruturas e seus recursos. É possível afirmar que a Igreja brasileira
obteve sucesso em ambos os sentidos (LIMA, 1979, p.16).
As relações com Roma passavam a se realizar diretamente, permitindo a
intensificação do processo de modernização e reorganização da Igreja. O distanciamento da
Igreja imposto pelo Estado resultou em restrição de recursos para as obras (pastorais, de
construção ou restauração de templos, de assistência social e educacional) da Igreja.
A separação entre a Igreja e o Estado não implicou nenhuma transformação ao nível
da base social principal da Igreja, que continuou a ser a classe dominante, isto é, as diversas
oligarquias agrárias. O processo de industrialização provocou grandes transformações na
sociedade brasileira, mas não alterou o caráter elitista da instituição.
9 Adotaremos o termo Igreja internacional em substituição ao de Igreja universal, que pode reservar algumas
imprecisões ou ambiguidades, na tentativa de dizer da Igreja Católica (Apostólica) Romana. O termo Igreja
internacional poderá ser entendido ainda, em usos futuros, em relação à Igreja em âmbito nacional. Além disso, o
uso do termo Igreja internacional pretende diferenciar a Igreja Católica da Igreja fundada por Edir Macedo, sob o
nome estendido de Igreja Universal do Reino de Deus, porém, conhecida popularmente por Igreja Universal.
58
Como ponto alto do período de intensas lutas sociais, a Revolução de 1930 no Brasil
significou também, ao nível do governo, o compromisso entre as velhas oligarquias, seus
segmentos liberais e a burguesia industrial emergente, com a participação das classes médias
(SODRÉ, 1964; CARONE, 1977; FAUSTO, 1978). Na base das transformações estruturais
destaca-se o ritmo de desenvolvimento da industrialização de substituição de importação da
economia brasileira em relação à crise internacional do capitalismo, bem como intenso
processo de urbanização que caracterizaria o período.
Nesse contexto de maior independência da Igreja em face do Estado, contudo sem
efetivo distanciamento, estabelece nova relação de dependência (ideológica e financeira) com
o exterior, por meio de contribuições de instituições laicas, organizações católicas e Igrejas
estrangeiras. No que diz respeito ao comportamento da Igreja no Brasil caracterizava-se por
estreita identificação com a Igreja européia, principalmente em relação às questões como o
comunismo, socialismo e secularismo.
A Igreja desse período de transição política (do populismo para a democracia), ao
dedicar-se à educação, assistência social e comunicações de massa (jornais, estações de rádio,
revistas, folhetins, etc.), com a maior parte de seus recursos humanos e financeiros
concentrados nos centros urbanos, em atenção às classes médias, usando também de recursos
públicos, continuou a ser a Igreja da velha oligarquia, porque nas zonas rurais não havia
sofrido transformações substanciais na sua base social. Era como se existissem duas Igrejas:
uma voltada para a sociedade rural tradicional fortemente apoiada nas minorias dominantes; e
outra para a sociedade urbana, mais informada, e, exatamente por isso, mais crítica e liberal.
A partir de 1946, com o início da experiência democrática no país surgiram
elementos importantes, que haveriam de influenciar a sociedade brasileira no seu conjunto e,
portanto, também a Igreja. De modo sumário, de acordo com Luiz Gonzaga de Souza Lima,
destacamos: a) o esforço de implementação do “desenvolvimentismo”; b) o populismo, forma
de governo praticada com sucesso pelos grupos dominantes para estabelecer o controle sobre
a organização social e manter o monopólio da atividade política, e a virtual exclusão das
esquerdas da liderança sobre o movimento operário; c) o retorno do catolicismo como religião
semi-oficial do Estado, sem modificações substâncias nas relações até 1964 (LIMA, 1979,
p.18).
A Igreja adaptou-se confortavelmente às transformações sociais em curso, mantendo,
no campo, as oligarquias como base social principal, e estendendo essas bases, nas cidades,
abrindo-se às classes médias. Os interesses políticos da instituição eram tratados diretamente
com o Estado, que representava a coalizão dos grupos dominantes nos quadros do
59
subdesenvolvimento nacional e regional e, por conseguinte, da dependência nacional ao
capital estrangeiro. Os leigos se faziam presentes em todos os setores e partidos políticos, e o
catolicismo, embora não fosse mais a religião oficial do Estado, permanecia como a religião
dos grupos dominantes. A defesa dos interesses particulares da Igreja não necessitava de
nenhuma organização política particular.
A participação, nesse modelo de Igreja despótica, centralizadora e monopolizadora
das consciências, além de acrítica em relação à sociedade, era-o também em relação à própria
instituição. João Batista Libanio, teólogo jesuíta, afirma que “o esquema sócio-econômico e
religioso era profundamente dominador. O próprio catolicismo, nas suas diversas formas
históricas, assumiu em relação ao simples fiel expressão de dominação, que lhe dificultava o
acordar da consciência” (LIBANIO, 1976, p. 295). A maioria da sociedade brasileira,
composta por pobres, analfabetos e miseráveis, sofria a religião, haja vista não participar ativa
e criticamente dos programas de ação dela. Era marginalizada também do processo de
distribuição da riqueza, do acesso à cultura, à propriedade e, principalmente, da participação
política.
Nessa forma de “neo-cristandade” (BRUNEAU, 1974; MAINWARING, 1989) a
Igreja define todas as camadas da população como inclusas no seu campo de ação. Com o
catolicismo popular era possível preservar a ilusão de que todos os grupos estavam incluídos;
contudo, por causa do crescimento de outras religiões (evangélicos tradicionais, pentecostais e
neopentecostais, espiritismo, etc.), o monopólio dos grupos na sociedade é patentemente falso
(BRUNEAU, 1974, p. 111).
Em face de suposto avanço do comunismo soviético ou chinês, a Igreja de novo se
apoiou em estratégias políticas para ganhar e exercer influência, em vez de procurá-las através
da evangelização. Há, no mínimo, duas razões para isso: a carência de padres e religiosas para
empreender projeto de evangelização capaz de implementar as conclusões do Concílio
Vaticano II; e usar estratégias políticas para garantir influência no novo governo. Contudo, a
ameaça mais óbvia contra a Igreja situava-se na esfera política: como a Igreja se apoiava nas
estruturas e recursos do Estado para a sua definição de influência, era-lhe totalmente
impossível manter-se à distância do poder de Estado.
O contexto histórico da política brasileira não favoreceu exclusivamente a
organização dos progressistas. Outros setores se integrariam em frente amplamente
majoritária, com posições conservadoras, que daria cobertura a mobilizações políticas de
caráter conservador, nas quais se uniam aos grupos dominantes e outras forças sociais
contrárias às transformações estruturais do país (LIMA, 1979, p. 42).
60
A divisão da Igreja nos anos finais da crise político-econômica brasileira daquele
período se manifestava em diversos níveis. Além das divergências existentes no âmbito
nacional, entre bispos conservadores e progressistas e o conjunto destes e a Ação Católica
Brasileira (ACB), as divisões se manifestavam em cada diocese. Naquelas dioceses dirigidas
por bispos conservadores, o trabalho progressista desenvolvido pela ACB era obstaculizado e
muitas vezes proibido. Da mesma forma, nas dioceses mais progressistas, as mobilizações
conservadoras eram desautorizadas e desestimuladas, e muitas vezes proibidas.
Outra importante influência da crise político-econômica brasileira sobre a Igreja foi a
organização de movimentos clericais de extrema-direita que, no rastro das mobilizações
moderadas, tentaram representar amplos setores da instituição nas frentes mais reacionárias,
com inúmeras conexões com o submundo da repressão. É o caso de setores da Congregação
Mariana e do movimento Tradição, Família e Propriedade (TFP), de origem brasileira.
A Igreja tinha que se envolver para assegurar poder. Daí decorre a conclusão de que a
Igreja, eclesiásticos e intelectuais leigos, apoiou o golpe de Estado desferido contra governo
constitucional de João Goulart, em 1 de abril de 1964, sob alegação da necessidade premente
de moralização da atividade política, de organização das estruturas de governo, de modo a
preparar o país para as reformas estruturais e culturais. Ainda nos primeiros anos de governo
militar, parcela da Igreja percebeu seu equívoco em apoiar o golpe e, paulatinamente,
membros influentes da hierarquia passaram a exercer forte oposição ao governo, denunciando
a política econômica e as estratégias de segurança dos sucessivos governos militares.
2.3 A FUNDAÇÃO DA CNBB, DA ACB E DA AP
2.3.1 A Fundação da CNBB e a sua Relação com a ACB
A diferença decisiva entre a Igreja do Brasil e a maioria dos outros países da América
Latina, neste período, está no fato de apenas um ou dois bispos e alguns padres, nesses países,
estarem engajados em programas de mudança social, enquanto que no Brasil esses programas
se tornaram nacionais. As declarações dos bispos eram regionais e nacionais, o Movimento de
Educação de Base (MEB) se tornou de âmbito nacional em 1961, a sindicalização rural em
1962, e a Ação Católica Brasileira (ACB) também era de âmbito nacional.
61
A Igreja institucional no Brasil estava desenvolvendo novo papel de apoio aos
elementos de modernização na sociedade em geral. Entretanto, estudando a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional de 1961, percebe-se claramente que não era a Igreja toda que
entrava nesse novo papel, e as disputas internas em torno do MEB, do sindicalismo rural, da
Ação Católica, são sinais de que havia algo menos do que unanimidade na questão da missão
na mudança social. Contudo, alguma coisa fora do comum estava ocorrendo na Igreja do
Brasil, que a colocava à frente de qualquer outra Igreja, salvo a do Chile, e essa atuação sem
precedentes fora desencadeada pela CNBB.
Fundou-se a CNBB, em outubro de 1952, sob esforço de articulação decisivo de
Helder Camara, antes mesmo de ter sido ordenado bispo, e aprovada por Giovanni Montini,
então Pró-Secretário de Estado do Vaticano para as relações internas da Igreja. A ideia e os
planos para organização dela nasceram de diálogo entre os dois, em princípios da década de
1950, e pode-se dizer com segurança que a CNBB estava bem dentro da estrutura e das
prioridades de Roma (cf. BRUNEAU, 1974, p. 196; MAINWARING, 1989, p. 66). A amizade
de dom Helder com Montini, mais tarde Papa Paulo VI, data desse período. Logo depois,
Helder Camara foi nomeado bispo auxiliar do cardeal dom Jaime Camara (nenhuma relação
de parentesco), do Rio, e eleito Secretário Geral da CNBB, função que ocupou por mais de
uma década.
Para Thomas Bruneau, dom Helder tinha dois objetivos ao fundar a Conferência:
Nunca houvera uma coordenação nacional da Igreja, além da que podia ser
efetuada por uma personalidade forte como a de Dom Leme, e a necessidade
dessa coordenação se tornara urgente com a rápida expansão das dioceses,
ocorrida em princípios da década de 50; e achava ele que uma organização
nacional como a CNBB animaria a instituição toda a tomar um interesse ativo
na mudança social. Essas ideias inspiraram a CNBB e, até certo ponto, toda a
Igreja, durante o período anterior a 1964 (BRUNEAU, 1974, 196-197).
Helder Camara representou, nesse período, a força propulsora da organização, mas
não agia sozinho. Na realidade, a CNBB era a Conferência de toda a hierarquia, embora
houvesse algumas pessoas que se destacavam pelo poder da influência. Esses bispos eram os
que estavam mais preocupados com o problema social no período de 1950-1964, de modo que
a organização, reunindo esses bispos que estavam atuando ativamente em programas de
mudança social nas suas dioceses, ampliou a sua ação, difundindo os seus interesses por toda
a instituição. A lista seguinte mostra que a maioria dos bispos dirigentes da CNBB vem do
Nordeste: “Helder Camara (CE); Carlos Carmelo Mota (MG); Carlos Coelho (PB); Luiz
Mousinho (PE); José Delgado (PB); José Távora (PE); Eugênio Sales (RN); Fernando Gomes
(PB) e Manuel Pereira (PE)” (BRUNEAU, 1974, p. 198).
62
Dentre os nove bispos, oito são do Nordeste, um do Sudeste, e nenhum do Sul. A
predominância dos bispos do Nordeste é ainda mais significativa se compararmos o seu
coeficiente com a totalidade da hierarquia. Os dados para 1966 mostram total de 178 bispos
nascidos no Brasil. Há mais 65 de naturalidade estrangeira, mas são relativamente pouco
importantes em termos de participação, de política eclesiástica. Nos oito Estados do Nordeste
(excluindo a Bahia que por razões históricas funciona de modo diferente) há total de 35
bispos, ou seja, cerca de 19% da hierarquia nascida no país. Minas Gerais, com 43 bispos,
compreende 24% do total. O Sul, com o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, tem 36
bispos, que perfazem cerca de 20% do total (DEELEN, 1967).
É evidente que a vasta maioria da CNBB e dos bispos preocupados com o problema
social vem do Nordeste, em proporção substancialmente mais alta do que se poderia prever.
Além disso, tem-se a impressão de que a organização deu proeminência nacional a membros
da hierarquia que tradicionalmente estiveram um tanto marginalizados. Os importantes
“estadistas” da Igreja do início do século XX, dom Arcoverde, dom Leme e dom Jaime, como
cardeais do Rio, bem como outros membros estratégicos da hierarquia, eram todos do Sul ou
do Sudeste. Através da CNBB, os bispos do Nordeste se tornaram os mais estratégicos e
proeminentes, tanto no Rio como nacionalmente, mediante as suas declarações, seus
programas e movimentos.
A CNBB compôs a base da nova abordagem de influência da Igreja, composta por
dom Helder e outros bispos do Nordeste da mesma mentalidade, de forma que a Ação
Católica, ao mesmo tempo em que serviu de estímulo para a CNBB, só pode evoluir por causa
dela. Fundada para promover a unidade da Igreja em âmbito nacional, a CNBB proclamava
duplo objetivo: “A. Estudar problemas de interesse da Igreja, particularmente no Brasil; B)
apresentar normas, aprovar e coordenar medidas, que facilitem e promovam a unidade de
orientação e a conveniente atualização pastoral” (CNBB, 1966, p. 8).
Antes que o Concílio Vaticano II expandisse a jurisdição das conferências episcopais
nacionais, a CNBB não gozava de expressão legal. Consulta ao Direito Canônico evidencia a
competência limitada, para não dizer inexistente, de conferência nacional: na base da
hierarquia estão os bispos10
; no ápice está o Papa com os secretariados da Santa Sé; entre
esses dois níveis não há nada. O núncio apostólico é o representante religioso e civil do Papa
10
Os bispos “têm o direito e o dever de governar as dioceses tanto em questões temporais como espirituais, com
poder legislativo, judicial e coercitivo, a ser exercido conforme a lei” (DIREITO CANÔNICO, Cânon, n 335).
Os bispos governam território chamado diocese, e eles são dotados de amplos poderes em virtude da função e
não por delegação.
63
num país11
.
No Concílio Vaticano II, a autoridade limitada das conferências nacionais aumentou
ligeiramente. No Decreto sobre o ministério pastoral dos bispos, Christus Dominus, n 37, lê-
se o seguinte: “julga este Santo Concílio ser de extrema conveniência que, em todo o mundo,
os bispos da mesma nação ou região se reúnam periodicamente em assembléia, para que, na
comunicação de pareceres e experiências, e da troca de opiniões, resulte santa colaboração de
esforços a serviço do bem comum das Igrejas”.
As conferências nacionais não existem no Direito Canônico, foram apenas
reconhecidas no Concílio e de forma alguma pretendem competir com a autoridade dos
bispos. Essencialmente, a CNBB foi capaz de superar as limitações financeiras e de estrutura,
de independentizar-se da figura de dom Helder, ultrapassar a sua jurisdição limitada e dar
nova orientação à Igreja inteira, porque era realmente uma instituição12
. Em termos de
instituição, em vez de arranjo estrutural limitado, a organização se tornara, carregada de valor,
pelo menos para aqueles que trabalhavam nela, se não para toda a Igreja, reunida em torno da
carismática figura de dom Helder e de outros bispos engajados.
A fim de que a institucionalização, ou a formação da instituição, possa ocorrer, são
necessárias pelo menos quatro condições13
: autonomia, liderança, ideologia e coerência. Para
Bruneau, essas condições são comumente aceitas, e as utiliza para analisar como a CNBB foi
capaz de dar direção à Igreja no Brasil. Apesar da sua jurisdição legal mínima, a CNBB pode
funcionar e se desenvolver porque estava separada das estruturas tradicionais da Igreja, tais
como a diocese, a cúria, a paróquia, as ordens religiosas. Todos os observadores de dom
Helder notaram a sua capacidade carismática de estimular, inovar e inspirar. A organização
não era grande, mas atraia pessoas com objetivos semelhantes ou afins. Era de se esperar que
11
O núncio faz a comunicação entre os bispos e Roma, recomenda as nomeações e transferências, sugere linhas
de conduta ao Vaticano, entra em contato com o governo, mas não é representante nacional da hierarquia.
“Literalmente, não existe isso que se chamaria de Igreja nacional. Ao mesmo tempo, há a autoridade do Papa, de
modo que o fiel se insere numa dupla jurisdição. E, conquanto haja entidades chamadas nações ou países, e a
Santa Sé receba embaixadores e envie legados, simplesmente não há clausula alguma que preveja a organização
de Igrejas nacionais” (BRUNEAU, 1974, p. 200).
12 O estudo das instituições e da institucionalização pertence ao campo histórico da Sociologia e da Teoria das
Organizações. Em nosso estudo adotaremos perspectiva de Bruneau para quem “a melhor interpretação de
institucionalização apreende a ligação que há entre os elementos pessoais e motivacionais e a entidade estrutural,
para a consecução de objetivo que tem significação para os membros dessa entidade. Isto é, uma instituição é
mais do que uma organização impessoal na qual os membros calculam a sua contribuição em face dos
benefícios. Numa instituição, os membros esquecem os cálculos porque uniram os seus objetivos pessoais aos da
entidade, de modo que a instituição passa a ter, para eles, uma significação pessoal” (BRUNEAU, 1974, p. 202).
13 Segundo Bruneau, “Machiavelli, em O Príncipe e Discursos, menciona os três últimos, fincando implícito o
primeiro. Huntington tem os dois últimos; Vallier parece ter três. Eu incluo todos eles” (BRUNEAU, 1974, p.
203).
64
houvesse, portanto, coerência. Contudo, no seio da Igreja, havia ausência de coerência.
Muitos dentre os bispos não sabiam o que a CNBB representava; os que sabiam, achavam que
ela era necessária, dadas as exigências do tempo. Mas não havia consenso ou acordo
consciente em torno de seus objetivos. De fato, em 1961, grupo de bispos e leigos
conservadores atacaram a política da CNBB sobre a reforma agrária, e a partir dessa época as
relações de dom Helder com alguns membros da hierarquia (incluindo o cardeal do Rio, dom
Jaime) começaram a se deteriorar.
Alguns elementos indicam a possibilidade de estabelecer relação entre a ACB e a
CNBB,
Embora haja grande distinção, tanto real quanto formal, entre as organizações
leigas e qualquer episcopado, durante esse período, contudo, as duas
organizações eram estrutural e ideologicamente muito semelhantes. A CNBB,
como o Movimento de Natal, de certo modo brotou da Ação Católica, pois
dom Helder Camara, assistente nacional da ACB desde 1947, usou essa
organização para convocar os dois primeiros encontros da hierarquia. Muitos
do grupo da CNBB tinham trabalhado com a ACB na qualidade de
assistentes, e permaneciam em contato com o movimento, mantendo-se em
posições-chaves (BRUNEAU, 1974, p. 199).
A interação entre os militantes da Ação Católica e os bispos da CNBB, de
perspectiva progressista, era recíproca:
Ajudavam-se mutuamente na formulação do novo modelo de influência. A
CNBB financiava a ACB e eram os membros desta organização que, em
grande parte, trabalhavam nos projetos da Igreja. O fato da CNBB existir foi
decisivo para a ACB. Anteriormente, a Ação Católica seguia o modelo
italiano, sob a jurisdição direta dos bispos locais. Agora, a Ação Católica era
nacional, diretamente afiliada à nova Conferência Nacional dos Bispos, de
quem recebia a mandato. Era no plano nacional que se realizavam os
encontros, se estabeleciam as diretrizes, se distribuíam os recursos, etc. E
tudo isso sob a direção do grupo restrito e progressista da CNBB que, ele
mesmo, se beneficiava das perspectivas nacionais (BRUNEAU, 1974, p.
199).
A Ação Católica tinha assim mais autonomia do que jamais tivera antes, podendo
responder às solicitações do meio segundo suas próprias orientações e prioridades. Mais tarde,
quando surgiram os problemas entre a ACB e os bispos, muitos deles vieram perceber a
importância do plano nacional para a ACB. Apesar da aprovação (ou desaprovação) oficial
dos novos objetivos e comportamento da Ação Católica, todos concordavam em que a
perspectiva nacional, sob a direção da CNBB, foi estratégica em permitir – e mesmo encorajar
– a evolução da ACB para uma organização ativa de vanguarda14
.
14
A pesquisa do CERIS confirma a observação de que a ACB desvencilhou-se do contato direto com os bispos
diocesanos locais - de quem esperavam receber assessoria, orientação e encorajamento, porém, por vezes,
ignorada - para ocupar espaço nacional.
65
Em suma, a CNBB tornou-se instituição apesar de sua mínima envergadura legal, por
causa da percepção das ameaças, da parte de alguns na hierarquia, e da ignorância de outros.
Permitiu-se, por isso, que o carismático dom Helder Camara exercesse livremente a sua
liderança na criação e formação de órgão autônomo, infundindo-lhe ideologia de mudança
social. As mesmas razões pelas quais a Igreja foi estimulada a reagir, criaram as condições
para a institucionalização da CNBB: a Igreja estava ameaçada por todos os tipos de processos
sociais e políticos que diminuíram a sua influência. Dadas essas condições, “a CNBB se
institucionalizou, permitiu que a ACB evoluísse e se tornasse a vanguarda da Igreja e, de
modo geral, deu a esta nova orientação” (BRUNEAU, 1974, p. 206).
2.3.2 Ação Católica: o Deslocamento da Igreja em Direção à Esquerda Política
A Igreja Católica é una em corpo institucional, embora jamais tenha composto,
ideologicamente, corpo homogêneo, nem sequer no âmbito nacional. A diversidade de
pensamentos que a caracteriza tem sua gênese na origem diversificada de seus membros e nos
distintos níveis culturais de seus quadros, em contato com Institutos ou Centros de Estudos
Filosóficos Teológicos especializados, Faculdades ou Universidades de excelência. Não
obstante, há também os Seminários Diocesanos, em geral, com precária estrutura para
oferecer mesmo os estudos elementares exigidos pela Igreja. Contudo, a direção geral da
Instituição (papa e secretariados dele no Vaticano) insiste em impor diretrizes para todas as
Igrejas locais e, por vezes, a todas as sociedades. Essa atitude expressa ousadia, mas
igualmente, arrogância e desrespeito às diferenças culturais.
No final dos anos 1950 e início da década de 1960, iniciou-se no Brasil o
deslocamento de alguns setores da Igreja (isto é, parcela da hierarquia eclesiástica e dos
leigos), no sentido de aproximação ao movimento dos grupos marginalizados (camponeses e
operários) e das forças sociais que se batiam socialmente em prol de transformações das
estruturas sociais a elas favoráveis. Iniciava-se então a ruptura do núcleo duro da Instituição.
Os setores que se deslocavam, passavam da defesa da estabilidade social, da manutenção do
statu quo, à critica sócio-político-econômica da realidade brasileira bem como da atuação da
própria Igreja. Esse deslocamento se deve sobretudo ao envolvimento sempre mais intenso de
setores do mundo católico nos conflitos sociais que caracterizavam o período.
O grupo progressista do episcopado começara a elaborar nova ideologia desde a
metade da década de 1950. Elemento de fundo da nova orientação, que começava a surgir, era
66
considerar como problema grave as injustiças sociais que existiam como reflexo das
contradições estruturais da sociedade. Ao se proporem a apresentar o pensamento social da
Igreja e sua incidência sobre a realidade específica da América Latina, Pierre Bigo e Fernando
Bastos de Ávila, autoquestionavam-se: “Por que a Igreja se interessa pelo social? A resposta é
simples: porque o social é um campo da atividade humana, do ser do homem, e nada do que é
humano é indiferente à Igreja. Ela é „perita em humanidade‟” (BIGO & ÁVILA, 1982, p. 9).
Essa compreensão formulou-se na Igreja nas décadas de 1970 e 1980, e não nas imediatas
décadas precedentes. A partir dessa consideração, se orientaram na direção de comportamento
novo: agir para transformar a sociedade.
Muitos estudiosos, quase todos estrangeiros, veem como causa principal da ação dos
bispos considerados progressistas o desejo de responder às ameaças políticas do comunismo e
ao mesmo tempo eleger demanda (social) que permitisse à Igreja continuar atingindo toda a
sociedade. A Igreja volta-se para os setores mais populares da sociedade brasileira.
É possível que a ação de determinados setores do episcopado tenha sido determinada
pela convicção da necessidade primordial de resolver algumas situações concretas, criadas
pela estrutura da sociedade, e que para serem resolvidas exigiam correções concretas nas
próprias estruturas sociais. A descoberta dessas “situações concretas” não ocorreu por causa
dos índices de miséria de nossa sociedade, nem da imagem degradada que a miséria atribui à
paisagem nacional. Nossa hipótese é que não foi a existência da miséria que estimulou esse
comportamento, mas a ação dos miseráveis, dentro de situação em conflito (LIMA, 1979,
p.32). Desse modo, não seria a velha Igreja a ampliar as suas dimensões, a sua influência, mas
seria o início de transformação que promoveu aparecimento de nova Igreja no país.
Constitui-se fator importante encontrar-se na direção da CNBB grupo de bispos
progressistas, que concordava com e até estimulava a participação dos católicos nos
movimentos e lutas sociais. O conteúdo que caracterizava a ação dos setores progressistas da
hierarquia, na sua tentativa de participar no processo de transformações, estabeleceu-se sob a
influência de duas condições favoráveis: a) as inovações da doutrina social da Igreja, no plano
internacional; b) a existência do “desenvolvimento” como ideologia da aliança dos grupos no
poder. Isto é, as modificações na estrutura social defendidas pelo grupo progressista eram
legitimadas pela doutrina social da Igreja, e não contestavam nenhum princípio eclesiástico.
No plano político, parcela da Igreja no Brasil - através da ação do grupo progressista
-, se orientava para apoiar as forças sociais que trabalhavam no sentido da realização de
transformações sociais. A sua ação, porém, desenvolvia-se no sentido de legitimar o projeto
social dos setores mais progressistas do populismo.
67
No contexto de profunda crise do populismo (1960-1964), os grupos dominantes se
dividiam politicamente com o desenvolvimento do processo político brasileiro, em direção a
futuro completamente incerto. A Igreja no Brasil, que em geral se posicionava junto ao
pêndulo no qual se encontram os grupos dominantes, sofria as consequências desse processo.
Segundo Luiz Lima, “por causa dessa circunstância, a Igreja entrou dividida na fase final da
democracia no Brasil. A maioria dos hierarcas iria apoiar o golpe de Estado de primeiro de
abril, e como natural consequência se integrar a nova aliança que nascia entre os setores
dominantes da sociedade brasileira” (LIMA, 1979, p. 34).
A Igreja, centrada em sua oposição ao comunismo, não calculara nem avaliara
devidamente as perspectivas de futuro das Instituições em possível regime de governo
ditatorial. A conclusão precipitada, por parte de alguns membros da hierarquia, de que
formação de novo governo, que haveria de surgir com o golpe de 1964, respeitaria e incluiria
em suas agendas as demandas da Igreja revelaram-se frustrantes. A ação daquela que se
poderia chamar de vanguarda dentro da hierarquia da Igreja, a Ação Católica Brasileira
(ACB) teve imensas conseqüências dentro da instituição, principalmente pelo estímulo e pela
legitimação institucional de várias experiências novas, especialmente nos campos sócio-
político.
A Ação Católica reorganizou-se em 1950, numa base diferente da adotada no tempo
do cardeal Leme (1920). “O novo modelo originou-se do francês, ou do belga (em contraste
como o modelo italiano), que a dividia em setores para penetração do movimento nos
diversos meios sociais”. Assim, “em vez de dividida em quatro - adulto, jovem, masculino,
feminino - se dividiu em adultos e jovens das escolas secundárias (JEC), das universidades
(JUC), das zonas rurais (JAC), classes operárias (JOC), e outros (JIC)” (BRUNEAU, 1974, p.
180). Durante o período em questão (1950-1964), a JUC e a JEC, eram, de longe, as mais
importantes.
As diferenças ideológicas e de prioridades entre o grupo progressista na hierarquia e
o grupo da ACB não tardaram por transformar-se em divergências profundas. Entre os
membros do episcopado, as divergências evoluíram para antagonismos inconciliáveis. “O
grupo progressista dentro da hierarquia conseguia, com o exercício de sua hegemonia, o apoio
da Igreja para programa de reformas em colaboração com o governo e em aliança com os
setores mais progressistas das classes dominantes, com o objetivo de propor soluções para
algumas injustiças sociais consideradas graves” (LIMA, 1979, p. 35). É possível que a Igreja
no seu conjunto desse o seu apoio, mas apenas o grupo mais progressista atuava no sentido da
realização das referidas reformas.
68
Não obstante, os grupos de vanguarda da ACB (principalmente, JUC e JEC), ao
contrário, engajaram-se numa perspectiva completamente diversa. Propugnavam em favor de
transformações radicais da estrutura social, que deveriam realizar-se com a ascensão dos
populares ao controle do poder político, para suprimir as causas estruturais das injustiças.
Entre os principais elementos justificadores da mobilização da ACB encontravam-se: “a) os
conflitos sociais provocados pela correlação decorrentes do subdesenvolvimento e da
exploração imperialista no Brasil; b) o início da mobilização dos movimentos sociais (Ligas
Camponesas, Movimento Operário) interessados na resolução dos referidos conflitos”
(LIMA, 1979, p. 36).
Esse engajamento da parte da JUC e da JEC, levou a uma consciência dos vários
problema na sociedade e a um subseqüente desejo de mudar radicalmente as suas estruturas.
Os bispos se tornaram conscientes por causa das várias ameaças à influência da Igreja, que
lhes abriram os olhos para perceber a injustiça, a miséria, etc. A Ação Católica gozava de
liberdade da Igreja por causa dessas ameaças, e por causa da necessidade de as combater
através dos diversos setores do movimento (BRUNEAU, 1974, p. 181). A ACB adotara viés
de luta inequivocamente revolucionário.
A natureza do engajamento político dos católicos determinara-se pela conjuntura de
conflitos de interesses existentes no país naquele momento histórico. Tal conjuntura definira
ainda nível e modo de participação nos conflitos. Entre os mais engajados encontravam-se
setores da ACB, em particular da JUC e JEC, que passaram a assumir papel dirigente nos
movimentos sociais do país. A considerada pequena burguesia, em seu conjunto, não se aliou
ao movimento popular. Aquele grupo (como outros) não se colocou horizontalmente nas
contradições. Ao contrário, dividiu-se verticalmente, e a sua maior parte se mobilizaria contra
as reformas.
O movimento era dirigido por grupo de presbíteros jovens e progressistas, a maioria
dos quais tinha se formado na Europa. Entre as figuras de destaque encontravam-se Pe.
Henrique Cláudio de Lima Vaz, Pe. Luis Sena, Pe. Almery Bezerra, Frei Carlos Josaphat, Frei
Mateus Rocha, e o francês Frei Thomas Cardonnel; eram os presbíteros mais ativos e de
horizontes sócio-político-cultural mais amplos da época no Brasil. Por meio deles, o
movimento tomou contato com as linhas avançadas da teologia européia, principalmente
francesa, associada aos nomes de Lebret, Mounier, Chenu, Lubac, etc. Frei Thomas
Cardonnel, por exemplo, era discípulo de Mounier e ajudou a introduzir o conceito de
“desordem estabelecida”, no Brasil:
69
Nunca é demais insistir na necessidade de denunciar a harmonia natural, a
colaboração de classe. Deus não é tão desonesto, tão falso como certa espécie
de paz social que consiste na aquiescência de todos numa injustiça não-
natural. A violência não se encontra apenas nas revoluções. Ela caracteriza
também na manutenção de uma falsa ordem (BRUNEAU, 1974, p. 181-182).
A orientação (o conteúdo) principal dessa participação constitui aquilo que, para o
sociólogo Luiz Lima, chamou de verdadeiro salto qualitativo, por meio da constatação de dois
pontos salientes:
A) a superação da concepção católica centrada no indivíduo e a identificação
de perspectiva de indivíduo inserido na estrutura social; b) uma análise da
estrutura social brasileira, identificando o capitalismo, o subdesenvolvimento
e a dependência como elementos responsáveis pelas contradições da estrutura
sócio-política brasileira, que o movimento da ACB se propunha superar. A
luta contra o capitalismo subdesenvolvido brasileiro foi sempre mais
claramente se transformando na orientação principal dos militantes, e
caracterizaria a participação da ACB no processo político brasileiro (LIMA,
1979, p. 38).
Com o seu engajamento caracterizado por esse conteúdo, na medida em que o
processo histórico brasileiro ia evoluindo, a ACB se distanciava das posições do episcopado e
se aproximava das posições das esquerdas. O episcopado defendia as escolas religiosas
(particulares), enquanto a ACB defendia as escolas públicas, gratuitas e abertas; o episcopado
denunciava o comunismo, enquanto os jovens da ACB, coerentes com a perspectiva que
assumiam, apoiavam e recebiam apoio nas esquerdas políticas e no próprio PCB.
Não se deve confundir o papel e a importância da ACB com a do grupo progressista
do episcopado brasileiro. “A ACB foi aquele setor do espaço social católico que maior
responsabilidade assumiu na participação ativa e transformadora dos católicos nas lutas
daquele período, influenciando e arrastando setores da instituição para apoiarem ou
participarem naquelas lutas” (LIMA, 1979, p. 39). Essa participação ocorria em alianças, por
vezes informais, com as esquerdas. Não condiz com os princípios da ACB que essa
participação, ao nível político, tivesse como objetivo combater o avanço do comunismo.
As divergências entre a vanguarda da ACB e o grupo de bispos progressistas eram
consequentes do conteúdo que representavam e exprimiam em suas respectivas posições.
Existiam outras divergências de caráter institucional15
. Não obstante, à medida que se
desenvolviam as transformações internas na CNBB, com a entidade sob a hegemonia de
bispos e arcebispos mais conservadores, veio a se estabelecer verdadeiro antagonismo entre a
vanguarda da ACB e a Conferência Episcopal. “Os bispos progressistas tentariam ainda
70
defender a ACB, mas não conseguiram evitar as limitações que lhe seriam impostas nem as
suas consequências, a ruptura definitiva” (LIMA, 1979, p. 39).
O processo de radicalização da crise político-econômica brasileira (1960-1963)
comprometeu, em ritmo muito veloz, todas as forças sociais e políticas do país e elevou o
nível de tensões na sociedade. A ACB, força social envolvida por essas tensões, operava
organicamente, integrada com as forças de esquerda, ligava-se progressivamente aos setores
mais ativos - movimentos estudantil e operário – e constituía ao mesmo tempo a força
principal do Movimento de Educação de Base (MEB), que agia principalmente na
organização de sindicatos camponeses visando, através da educação, elevar o nível de
consciência política dos populares no campo.
A ACB organizara-se para participar do processo político. Criaram-se níveis
institucionais para coordenar esta participação e elaborar linha comum de ação.
Estabeleceram-se conexões com outras classes sociais, principalmente os trabalhadores do
campo e a classe operária urbana. A ACB coordenava suas atividades com as forças que
atuavam politicamente com os conteúdos que se aproximariam dos defendidos pela ACB (as
esquerdas). Em segundo momento, deslocava quadros para o trabalho de educação e de
organização política junto à classe operária urbana e junto aos camponeses.
Por múltiplas razões, entre as quais se encontra a relação cordial com a hierarquia, ao
lado de questões menos significativas, como facilitar o trabalho orgânico com os não-
católicos, nasceria, em 1962, a organização política Ação Popular (AP), constituída
principalmente pelos setores mais avançados da ACB. Dom Scherer esforçou-se por dissolver
a ACB. A seguir, pelos menos na JEC e na JUC, a regra era a dupla militância, na AP e AC.
2.3.3 A Esquerda Católica: o Movimento de Ação Popular
O movimento Ação Popular (AP) parecia ser inicialmente o canal através do qual se
realizaria a participação dos católicos progressistas na política brasileira. “Essa organização se
achava presente em setores que tradicionalmente sempre tiveram alto nível de participação
política (as classes médias); difundia-se rapidamente em setores que começavam a ter
participação autônoma, os camponeses” (LIMA, 1979, p. 43).
15
José Beozzo analisa as diferenças entre a posição da vanguarda da ACB e o Episcopado em seu conjunto. As
divergências não se referiam exclusivamente ao conteúdo político das posições, mas se estendiam a outros
campos, a exemplo do sócio-educacional.
71
A AP, no momento do golpe de Estado, se encontrava em fase de crescimento. O
golpe paralisou o desenvolvimento da AP, e a repressão atingiu evidentemente os seus
quadros. Muitos inquéritos policiais militares foram abertos sobre suas atividades e sua
existência. Submetida ao terror da repressão, suas deficiências organizativas se apresentaram.
O primeiro semestre de 1964 caracterizou-se por profunda desarticulação do movimento.
O desenvolvimento ulterior da AP caracterizou-se pelos seguintes passos: a) a
definição do caráter da Revolução Brasileira como socialista e de libertação; b) escolha de
alternativa da luta armada; c) transformação da AP em uma organização marxista-leninista; d)
sua virtual extinção, com a confluência da maioria dos seus quadros em outras organizações
políticas clandestinas (LIMA, 1979, p. 47).
A cada etapa de seu desenvolvimento a AP ia sofrendo uma redução de suas bases
sociais e mesmo de seus quadros, até se transformar em pequeno grupo de militantes. O
abandono do humanismo cristão como ponto de partida, ao mesmo tempo em que se
abandonavam suas bases sociais, haveria de transformar a AP em organização pequena e
impaciente, que disputava verbalmente com outras organizações clandestinas a hegemonia na
direção da classe operária e da Revolução Brasileira. Isolando-se do espaço social católico e
mantendo com ele esporádicas e raros contatos, o movimento viveu seus últimos anos em
declarado e agressivo anticlericalismo.
A ilegalidade da AP e seu posterior desenvolvimento político significaram o seu fim
como canal de participação política de amplos setores católicos e não-católicos, que tinham
sido atraídos pela sua proposta política. O desenvolvimento da ACB (e particularmente da
AP), entendida como mundo católico engajado que apresenta organização política própria,
que partia do humanismo, que a caracterizava, e chegava a proposta de socialismo, baseado na
participação democrática e pluralista, marcou profundamente, e de diversas maneiras, os
católicos e a Igreja do Brasil.
Os católicos permaneceram organizados em amplos setores da juventude.
Desmobilizada a ACB, existiam nas classes médias outras organizações católicas
(Congregação Mariana, TFP, etc.). Mas “essas componentes católicas organizadas são
precisamente aquelas que ou permaneceram inertes politicamente ou se mobilizaram contra o
movimento popular, tranquilizando-se quando a violência do regime pós-64 dispensava os
seus protestos” (LIMA, 1979, p. 49). Os grupos dominantes não resolviam a questão que a
realidade brasileira colocava, que era a ligação entre a Igreja e as classes dominadas. Essas
componentes em relação aos grupos dominados tinham apenas uma só proposta: desorganizá-
los, reprimi-los, protegendo-os e protegendo-se do comunismo.
72
A Igreja se achava isolada do povo, mesmo que esses movimentos tenham saído
vitoriosos em 64. Em anos posteriores (depois de 1968), o trabalho pastoral junto às classes
médias e à burguesia receberia surpreendente impulso, principalmente devido aos Cursilhos
de Cristandade. O isolamento da Igreja, depois da desmobilização da ACB, levaria a situação
na qual setores da hierarquia assumiram, em primeira pessoa, a pastoral popular,
desenvolvendo-a (LIMA, 1979, p. 50). É curioso observar que o sucesso da pastoral de elite
ocorre quando estava em fase de adiantada implantação a pastoral popular. E mesmo tratando-
se de trabalhos feitos por mesma instituição, em diversos grupos sociais, não ocorreu
homogeneização política da pastoral.
Os movimentos de esquerda católica no Brasil constituíram exemplo eminente da
mudança vinda de baixo. Iniciaram-se como grupos patrocinados, efetivamente controlados
pela hierarquia. Porém, diversos movimentos de ACB desenvolveram crescente autonomia
frente à hierarquia e tiveram sérios conflitos com as autoridades da Igreja. “Marginalizada
pelo regime militar e pelos conservadores eclesiásticos, a esquerda católica não obstante
desempenhou papel significativo na transformação da Igreja” (MAINWARING, 1989, p. 92).
A questão que se nos impõe, nesse contexto de mudança no interior da Igreja, pode
ser assim formulada: como ocorreu que movimentos leigos que se iniciaram como
organizações patrocinadas viessem a desenvolver visões tão radicalmente diferentes das dos
bispos? A Igreja no Brasil permitia aos movimentos leigos autonomia considerável. A
hierarquia nunca encorajou a radicalização da JUC, mas alguns padres e bispos influentes
alinharam-se aos jovens católicos radicais e os moderados da hierarquia toleraram o
movimento até o final de 1961. “Os líderes mais dinâmicos da CNBB, dom Helder Camara,
dom Luís Fernandes, dom Cândido Padim e dom José Távora, defendiam sempre a JUC e o
MEB” (MAINWARING, 1989, p. 93). A JUC contava com apoio total dos assessores
clericais que encorajaram o crescente envolvimento na política nacional.
Outra contribuição decisiva da esquerda católica foi modificar o conceito tradicional
de laicato. Nenhuma experiência contribuiu tanto para indicar a competência dos leigos como
a ACB. Nesse sentido, a esquerda católica do início dos anos 1960 preparou o terreno para as
experiências leigas com os setores populares na década de 1970.
A esquerda católica também introduziu nova compreensão da relação entre fé e
política. A nova visão de fé da JUC vinculava a religião à transformação social radical; a AP
representou a primeira síntese conjunta do cristianismo humanista e do socialismo; e o MEB e
Paulo Freire colocaram em prática essa visão com suas pedagogias populares. Essa nova ideia
de fé expressava renovação do pensamento católico no mundo inteiro, culminando com o
73
Concílio Vaticano II. Teólogos progressistas europeus (tais como Maritain, Lebret, Congar,
Mounier) eram influentes no início desse processo, mas a esquerda católica fez muito mais do
que introduzir o pensamento social europeu na Igreja brasileira. Ela aplicou ideias européias a
condições brasileiras e desenvolveu nova concepção da missão da Igreja.
A esquerda católica iniciou o desenvolvimento de uma das primeiras teologias latino-
americanas. Foi uma das reflexões de vanguarda sobre a especificidade da fé católica no
Terceiro Mundo. Seu papel de precursora da teologia da libertação foi uma inovação
importante. Os jovens católicos de esquerda não reduziram a fé à ação política, nem
colocaram Marx à frente de Cristo, mas, de fato, acreditaram que a fé exige compromisso de
criar mundo mais justo. A esquerda católica insistia que, como filhos de Deus, todos são
dignos de respeito e do direito à vida digna.
A geração de jovens católicos radicais também afetou a percepção de muitos padres,
agentes de pastoral e bispos sobre a fé. Não é sem razão que muitos bispos progressistas dos
anos 1960 trabalhavam com a ACB. Entre eles se incluem dom Helder Camara, dom José
Maria Pires, dom José Távora, dom Antônio Fragoso, dom Waldir Calheiros, dom Marcelo
Cavalheira, dom Fernando Gomes dos Santos, dom Cândido Padim e dom David Picão
(MAINWARING, 1989, p. 94). Estes reconheceram que sua visão de Igreja fora
profundamente afetada pelo trabalho com a ACB.
O fato da esquerda católica desse período ter ajudado a modificar a Igreja brasileira
evidentemente não significa que ela esteja acima de críticas. Na época, moderados e
conservadores da Igreja viviam exasperados pela recusa dos jovens em aceitar a disciplina
sugerida pela hierarquia. Em retrospectiva, muitos ex-participantes acham que os movimentos
eram excessivamente românticos e que havia uma distância entre o seu discurso
(democrático) e as práticas (menos democráticas).
De qualquer forma, o surgimento de importante esquerda católica no início dos anos
1960 constitui um dos fatores singulares no desenvolvimento da Igreja brasileira e ajuda a
explicar por que ela se tornou mais progressista do que as outras Igrejas latino-americanas.
Porém, esse legado é compartilhado com os bispos progressistas e os agentes pastorais de
base que também estavam empenhados na renovação da Igreja.
O choque da esquerda católica com os bispos tornou-se inevitável em razão das
notáveis diferenças políticas e religiosas, e mesmo porque o poder de influência e decisão da
autoridade formal da Igreja é detido pelos bispos. A esquerda católica constituiu importante
exemplo de movimento [responsável pela renovação institucional] que foi posto à margem da
instituição devido à sua incapacidade de trabalhar com a hierarquia.
74
2.4 AS ESTRATÉGIAS PARA A MUDANÇA SOCIAL DA IGREJA
2.4.1 O Engajamento Formal na Educação
O engajamento dos católicos na reforma agrária [nas zonas rurais] e na educação
[nos grandes centros urbanos] se deu porque tais setores começaram a se mobilizar na defesa
de seus interesses e por transformações nas estruturas do país. Foi essa mobilização que
possibilitou a ação da Igreja e que, de certa forma, a solicitou.
Apesar dos altos índices de crescimento econômico depois da II Guerra, o sistema
educacional no Brasil encontrava-se entre os mais atrasados do Continente. Para as décadas
de 1950 e 1960, “mesmo que seja verdadeira a estimativa otimista de 50% de alfabetizados,
ainda é índice baixo comparado com os 90% na Argentina e no Uruguai, os 80% no Chile e os
65%, ou mais, na Colômbia” Se examinarmos mais especificamente a distribuição dos
estudantes por ano, constataremos que: “40% dos brasileiros tinham menos de 18 anos de
idade, o que significa 36 milhões em idade escolar. Desses 36 milhões, apenas 9 milhões
estavam na escola primária, e no máximo 2 milhões estavam na escola secundária e nas
universidades” (BRUNEAU, 1974, p. 120).
Além disso, pode-se constatar que a verba destinada à educação no Brasil era (e
continua) muito baixa. Diversas fontes, salvo pequena discordância numérica, sugerem que:
O Brasil investia 2,6% dos seus $20 bilhões do Produto Nacional Bruto
(PNB) em educação. Compare-se isso com os 4,6% atribuídos pelos EUA
(PNB de $970 bilhões), os 5,7 do Japão (PNB de $46 bilhões) e os 3,4% de
Cuba (PNB de 3,5 bilhões). Ora, visão diferente do mesmo fato nos mostra
que em 1967, o orçamento nacional previa 7,8% para a educação (depois de
emenda à constituição que garantia 12%), enquanto destinava
aproximadamente 18% às Forças Armadas (BRUNEAU, 1974, p. 121).
A educação sempre foi instrumento importante para a Igreja em projeto de expansão
de sua influência. Historicamente, as ordens religiosas tais como os Jesuítas, os Beneditinos,
os franciscanos, receberam o apoio do Estado e tinham o monopólio da educação. Em meados
da década de 1960,
A Igreja foi posta para fora da educação pública com a implantação da
República quando, conforme o art. 72, §6, a educação religiosa foi proibida
nas escolas públicas; e, além disso, no §7, o Estado foi proibido de
subvencionar escolas particulares. A Igreja podia ter as suas próprias escolas,
mas era obrigada a sustentá-las, ou cobrar pela educação oferecida. A
75
situação estratégica da Igreja, por causa do fraco engajamento do Estado na
educação, era relativamente melhor no Brasil do que na maior parte da
Europa e na América do Norte (BRUNEAU, 1974, p. 122).
A educação provida pela Igreja forma a elite porque suas escolas eram particulares e
cobravam taxas. Por definição, quem quer que pudesse pagar já era membro da elite e a
educação recebida pelas crianças viria confirmar esse status. A educação, pelo menos no
Brasil, desempenhava papel importante no quadro de formação de influência da Igreja e na
esfera de sustentação do prestígio e poder da mesma. “A Igreja entrou no campo universitário
em 1940 e, por volta de 1962, doze das 37 universidades e 134 das 457 faculdades no Brasil
eram dirigidas pela Igreja” (BRUNEAU, 1974, p. 123).
A Igreja participou politicamente na formulação e na promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 por três razões principais. Primeiro, a
Constituição de 1946 previa a educação religiosa no currículo da escola pública. Segundo, as
elites políticas não mereciam, da parte da Igreja, a mesma confiança. Terceiro, as mudanças
econômicas e sociais ocorridas após a II Guerra tiveram por consequência a expansão da
classe média com o ônus cada vez maior, para esta, da inflação. O governo construía mais
escolas à medida que os pais era menos capazes de pagar taxas nas instituições particulares, e
a porcentagem de escolas da Igreja foi diminuindo. A combinação desses três fatores compôs
ambiente de extrema insegurança para a Igreja.
A Associação das Escolas Católicas (AEC) esteve envolvida em todas as fases da
formulação da lei de 1961. Essas escolas incluíam as da diocese, as das congregações e
ordens religiosas, e as que estavam sob a direção de leigos católicos. Em 1946, a AEC
afirmava representar 1.400 escolas, e por volta de 1967, esse número tinha saltado para 3.500.
Convém mencionar que a AEC representava as escolas de níveis primário e secundário,
enquanto outra organização, a Associação Brasileira de Educação Superior Católica
(ABESC), desempenha as mesmas funções no nível universitário.
O principal adversário permanente da AEC era grupo mais ou menos estruturado,
conhecido como Grupo Escola Nova, que tinha sido formado em fins da década de 1920 para
promover a educação pública. A maioria dos reformadores educacionais daquele período
[Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho] pertencia a esse grupo. Eles se
opunham diretamente à Igreja em dois pontos: a educação religiosa deveria ser administrada
somente nas escolas religiosas, e os recursos públicos deveriam ser distribuídos primeiro às
escolas públicas.
76
Durante o debate em torno da lei de 1961, novo grupo se formou para se opor à
Igreja. Enquanto o Grupo da Escola Nova lutava principalmente através das posições
ocupadas no Ministério e de alguns contatos com políticos, a Campanha em Defesa da Escola
Pública atuava em público através de palestras, cursos e declarações públicas. No contexto
das reformas, a Igreja se colocava de um lado e a Escola Nova mais a Campanha, do outro.
O papel da AEC e de outros setores [CNBB e CRB] da Igreja na formulação e na
promulgação da lei, especialmente nos quatro anos que antecederam a sua aprovação em
1961, mostra que a Instituição pôde de fato mobilizar e exercer considerável pressão política.
Embora se defrontasse com ameaças à sua influência por causa da mudança social e da
oposição política, e estivesse sendo confrontada por inimigos tradicionais no Ministério da
Educação e na Campanha publicitária, a Igreja foi capaz de travar intenso e eficiente embate.
A estratégia da Igreja não foi inteiramente unificada. A Igreja tem certo número de recursos
que pode utilizar quando mobilizada politicamente, mas nem sempre há unanimidade.
As ligações da Igreja com o Estado e com personalidades políticas eram também
conformes princípios tradicionais. A Igreja mantinha ligações estreitas com os políticos de
mentalidade antiga que não estavam particularmente interessados em desenvolvimento ou
inovação. Não nos é possível precisar se era a Igreja quem procurava apoio dos conservadores
na intenção de manter poder de influência sobre a sociedade brasileira por meio da educação
ou se os conservadores a procuravam no intuito de se perpetuarem em sua função de
representante político. A parceria consciente entre ambos talvez seja a aposta mais acertada.
2.4.2 O MEB: Fundação e Relevância Sócio-Política
O Movimento de Educação de Base (MEB) foi o programa mais vasto feito, no
Brasil, no campo da educação de base16
. A Educação de Base, tal como era entendida pelo
MEB, não visava apenas a alfabetização, mas principalmente, a mobilização social, ou
politização, através do conceito de “Conscientização”. Conscientização significava,
basicamente, o despertar da consciência. No Brasil, mas sobretudo Norte, Nordeste, Centro-
Oeste e norte de Minas Gerais, faltava aos indivíduos a consciência de ser humano, da sua
aptidão para aprender e crescer, e das suas possibilidades de promover mudanças. A educação
16
Outros grupos eram o CEPLAR na Paraíba, SEC da Universidade de Recife, em Pernambuco, dirigido por
Paulo Freire. Outros grupos eram o CEPLAR na Paraíba, SEC da Universidade de Recife, em Pernambuco,
dirigido por Paulo Freire.
77
de base procurava criar no povo consciência que o torne capaz de começar a controlar o seu
destino. O método promove a alfabetização mediante símbolos e frases por meio dos quais o
indivíduo se torna “consciente” à medida que se alfabetiza. O método não tem a intenção de
politizar, mas em certas situações essa era decorrência lógica.
O MEB era programa nacional nascido da experiência com escolas radiofônicas,
lançada por dom Eugênio Sales em Natal, em 1958. Eugênio Sales visitara dom Salcedo, em
Sutatenza, Colômbia, e de volta ao Rio Grande do Norte, fundou escolas radiofônicas
semelhantes às de Sutatenza (BRUNEAU, 1974, p. 158). Eugênio Sales foi além da
experiência colombiana, porém, encorajando a participação, enquanto o Rádio Sutatenza era
forte em alfabetização e catecismo, e fraca no campo político. As escolas radiofônicas de
Natal foram um sucesso e a CNBB decidiu generalizar o empreendimento.
Por volta de 1960, a CNBB estava coordenando sistema de escolas radiofônicas em
cinco dioceses (Natal, Aracaju, Crato, no Ceará, Bragança, no Pará, e Penedo, em Alagoas).
Naquele ano, o candidato presidencial, Jânio Quadros, visitou Aracaju e ficou impressionado
com as escolas radiofônicas que operavam lá. O bispo de Aracaju, dom Távora, lhe disse que
a CNBB queria expandir o sistema, mas faltava-lhe recursos. Uma vez eleito, Jânio assinou
decreto, pelo qual o governo financiaria as escolas radiofônicas sob a direção da CNBB, por
cinco anos. A partir dessa data o MEB se expandiu rapidamente. Em 1963 estava operando 59
sistemas, usando 25 rádio-transmissores, e atingindo umas 7.353 escolas em 57 dioceses de
15 Estados. Aproximadamente 180.000 pessoas freqüentavam as escolas. Por volta de 1966,
400.000 estudantes tinham completado um ou mais cursos, e 13.771 líderes tinham recebido
diploma (MEB EM CINCO ANOS, 1966, p. 14).
Alguns autores apresentam pequena discordância quanto à fundação do MEB no
Brasil. Para Bruneau, a fundação do MEB remonta à visita de dom Eugênio Sales a dom
Salcedo, em Sutatenza, na Colômbia. Para Scott Mainwaring,
O MEB foi criado em 1961 através de acordo entre o presidente Jânio
Quadros e o bispo progressista de Aracaju, dom José Távora, companheiro de
dom Helder. O Estado fornecia o financiamento e a Igreja executaria
programa de educação básica, principalmente através de escolas radiofônicas
nas regiões menos desenvolvidas do país (MAINWARING, 1989, p. 88).
Scott Mainwaring confunde evento fundador com o momento de expansão do
movimento. O fato do MEB, no entanto, empregar líderes locais, e de estimular a tomada de
consciência dos estudantes, tinha implicações complexas, oficialmente reconhecidas:
É (o MEB) instituição criada pela Igreja do Brasil. É movimento educativo
que o Episcopado brasileiro fez surgir, em determinado momento de nossa
78
história, porque encontrou o povo não só desprovido de meios necessários à
sua Salvação na vida da graça, mas até mesmo daqueles meios que lhe
servem para a sua integração na vida social e, consequentemente, para a sua
realização humana. Salvar homens, no Brasil, implica em que se lhes dêem
condições de serem Homens (MEB EM CINCO ANOS,1966, p. 14).
No plano nacional, “o movimento era dirigido por Conselho Diretor Nacional (CDN)
composto por nove bispos. Contudo, do plano nacional até o plano descentralizado local, o
movimento era inteiramente organizado e administrado por leigos” (BRUNEAU, 1974, p.
159). O MEB foi o primeiro trabalho que, “inspirado, orientado e assumido pela hierarquia da
Igreja no Brasil foi entregue aos leigos , na parte de reflexão, planejamento e execução”
(MEB EM CINCO ANOS, 1966, p. 14). A maioria dos leigos que trabalhava com o MEB
vinha dos setores da Ação Católica; onde “buscavam formas concretas de expressar o seu
compromisso religioso e político” (MAINWARING, 1989, p. 88). O MEB representa
alternativa de inclusão de pessoas, particularmente adultos, em projeto equivalente aos setores
jovens da Ação Católica (JUC, JAC, JOC). Implantou-se o MEB em 57 dioceses, mas é
impossível saber quantos bispos avaliavam plenamente o potencial revolucionário do
movimento através do processo de conscientização.
Os programas de educação popular mais significativos em termos de impactos sobre
a Igreja foram o Método Paulo Freire17
e o Movimento de Educação de Base (MEB). Freire e
o MEB foram tão influentes na transformação da Igreja brasileira quanto a JUC e a AP,
embora por razões diferentes. Freire e MEB estavam menos preocupados com formulações
teóricas sobre a fé e mais atentos ao trabalho popular. Ambos, Paulo Freire e MEB, estavam
comprometidos com a transformação da sociedade, mas nenhum deles lidou extensivamente
com considerações teológicas, como fizera a JUC, ou com o socialismo humanista, como
fizera a AP. Sua contribuição para a mudança na Igreja repousava mais no desenvolvimento
de novo tipo de trabalho junto às classes populares.
A diretriz da abordagem do MEB sobre a educação popular era que o povo deve ser o
agente de sua própria história. O povo, e não força externa deve tomar as decisões mais
importantes relacionadas com sua própria vida. O MEB enfatiza a necessidade da participação
17
Paulo Freire, nascido em Recife, em 1921, foi o mais importante dos intelectuais que estimularam novos
métodos de educação popular entre os anos de 1958 e 1964. Para P. Freire, o ponto de partida do processo
educacional era a situação de vida concreta. Por isso, os esforços para alfabetizar deveriam utilizar palavras do
cotidiano do povo, não uma linguagem inacessível, intelectual. Além disso, o método de ensino-aprendizagem
basear-se-ia numa relação de troca de conhecimento, sendo solicitado ao educador compreensão e empatia pela
visão de mundo do povo. Embora P. Freire não acreditasse que a educação popular pudesse resolver os
problemas estruturais da sociedade, ele a valorizava porque criava “espaço” democrático dentro de sociedade
não democrática. P. Freire é um dos teóricos mais respeitados em toda a Igreja latino-americana. Gustavo
Gutiérrez, teórico-fundador da Teologia da Libertação, elogiou o trabalho de Freire como sendo “um dos
esforços mais criadores e fecundos realizados na América Latina” (GUTIÉRREZ, 1975, p. 88).
79
popular nas decisões do movimento e criticava as práticas paternalistas. O MEB antecipava as
práticas pedagógicas da Igreja popular ao ressaltar a necessidade de se trabalhar a partir de
problemas concretos. Isso significava começar pelas necessidades imediatas da maneira como
o povo as percebia. O MEB foi a primeira grande tentativa da Igreja de desenvolver práticas
pastorais transformadoras junto aos populares. “Suas práticas inverteram a tradicional
exclusão do povo da tomada de decisão dentro da Igreja e foram precursoras das assembleias
diocesanas que os bispos progressistas iniciaram no final da década de 1960 e início dos anos
de 1970” (MAINWARING, 1989, p. 88).
As tensões dentro da Igreja em torno do significado do MEB, nada eram em
comparação com os problemas que surgiam na sociedade e na política em geral. À atividade
da Igreja interessa a todos os setores da sociedade brasileira, de modo que quando ela tenta
mudar alguns aspectos da sua abordagem de influência, desencadeiam-se reações e, até
mesmo, conflitos. A mudança na Igreja não pode ser restringir a uma questão interna porque a
Igreja está ligada, de maneira extremamente complexa, com todos os outros grupos e
estruturas.
Bruneau, para ilustrar o que acontece quando há mudança, descreve brevemente o
incidente em que esteve envolvido Carlos Lacerda, no Rio, em fevereiro de 1964.
Carlos Lacerda, que tinha sido tão importante para a Igreja na lei de 1961,
tornou-se mais tarde, governador da Guanabara, o Estado em que está
localizado o Rio de Janeiro. Tendo sido informado que textos comunistas
estavam sendo impressos para distribuição imediata, Lacerda autorizou o
confisco de três mil cópias da nova cartilha do MEB, “Viver é Lutar”. O uso
da polícia, por Lacerda, sem avisar antes o MEB através de outros setores da
Igreja, sugere a sua intenção de desmoralizar o movimento. Alguns elementos
do MEB foram obrigados a fazer declarações na polícia, como se fossem
criminosos comuns. Entre eles estavam dom Távora, Presidente do
Movimento, Monsenhor Hilário Pandolfo, Vice-Presidente, e Marina
Bandeira, Secretária. O debate em torno do caso, nos meios de comunicação,
mostra bem o que muitos, na sociedade, pensavam do MEB e da estratégia de
mudança social da Igreja, por ele representada (BRUNEAU, 1974, p. 161).
O importante diário de linha conservadora, do Rio, O Globo, de 28 de fevereiro,
aborda a questão com matéria sob o titulo “Armadilha Psicológica”:
A Cartilha apreendida pela polícia carioca numa oficina da Lapa é mais uma
demonstração das intenções e dos planos dos comunistas e de seus cúmplices
no que diz respeito à comunicação do Brasil. Não seria o primeiro caso, nem
será, infelizmente, o último, que um ou outro padre, e até mesmo um ou outro
bispo, por ingenuidade, por mal-entendido zelo social ou por qualquer outro
motivo, se faz cúmplice involuntário dos comunistas e instrumento de seus
planos de subversão (O GLOBO, 1964, p. 12).
80
O fato de conservadores se oporem a programas orientados para a mudança, tais
como o MEB, mesmo quando eram financiados pelo governo, é compreensível, pois se
opunham também ao governo do Presidente Goulart. “O MEB, porém, não era programa de
Goulart, e era mais responsável do que ele na busca de mudança. O que causou reais
dificuldades para o movimento foi a ambiguidade e a falta de apoio dentro da própria Igreja”
(BRUNEAU, 1974, p. 162).
Na noite da “batida” do DOPS, Lacerda tentara contatar o Cardeal do Rio, dom
Jaime. O Cardeal estava doente, mas respondeu, através de seu secretário, que o governador
devia cumprir a lei. Lacerda interpretou isso como sinal de aprovação e prosseguiu como
planejara. No dia 25 de fevereiro, Lacerda declarou: “Dom Jaime Câmara aprovara o gesto da
polícia”. Ao que o Cardeal respondeu que “não tinha nada a ver com a cartilha ordenada pelo
MEB e que não era responsável por tudo o que se faz no primeiro andar do Palácio São
Joaquim”. Dom Távora veio ao Rio e conversou com o Cardeal, mas, dom Jaime, assim
mesmo, no seu programa radiofônico (“A Voz do Pastor”), manifestou-se contra o
movimento. Dom Távora defendeu o MEB em declaração no mesmo dia. Os bispos, disse ele,
“não podiam ser indiferentes nem omissos numa tarefa da mais alta importância, exigida pela
própria Caridade do Evangelho, qual seja a de emprestar sua cooperação ao desenvolvimento
social e cultural do povo e à elevação do nível geral da sociedade” (BRUNEAU, 1974, p. 62).
Com o incidente, e a emergência de opiniões divergentes no seio da própria
hierarquia, tornou-se patente a divisão, tanto na sociedade como na Igreja, em relação à
mudança de orientação social. Os adversários da orientação para a mudança social podiam
assim começar a isolar o grupo que estava por detrás dela. Típica é a declaração do Secretário
de Segurança da Guanabara, Coronel Gustavo Borges: “„Viver é Lutar‟ foi preparada nos
porões do Palácio São Joaquim, pelos bispos cor-de-rosa que cercam D. Helder e sem o
menor conhecimento do Cardeal” [dom Jaime] (BRUNEAU, 1974, p. 162).
Antes do golpe, o MEB já se destacava entre as várias experiências em educação e
cultura populares. Desempenhou papel fundamental na luta camponesa do Nordeste, onde
mais se relacionava com os comunistas do que com as organizações camponesas centristas da
Igreja. A Igreja, através do MEB, engajou-se ativamente na promoção da mudança social.
Após o golpe, os quadros do MEB enfrentaram problemas muito mais sérios: muitos foram
presos, e o seu material didático foi apreendido. Embora os bispos mais intimamente
associados ao MEB, no plano nacional, o defendessem contra as acusações de comunismo, e
embora a CNBB oficialmente declarasse o movimento seguro, alguns bispos locais permitiam
que os militares molestassem e perseguissem os militantes do MEB.
81
2.4.3 O Sindicalismo Rural e a Organização Operária
O sindicalismo rural foi o programa mais importante, depois do MEB, patrocinado
pela hierarquia, para promover a mudança social. Os sindicatos da Igreja não eram, na sua
maior parte, “revolucionários”. Embora seja difícil decompor e comparar os objetivos de
todas as Ligas e de todos os Sindicatos da Igreja, havia entre eles muitas semelhanças óbvias.
Por “não revolucionários”, se quer dizer que as técnicas e estratégias eram menos violentas,
menos polarizadas, e de ações menos hipotéticas e, por sua vez, mais previsíveis.
Na realidade, os Sindicatos da Igreja tentavam, na maioria das vezes, forçar a
aplicação de leis já existentes, pois se essas pudessem ser executadas, a maior parte dos
graves problemas dos camponeses poderia ser resolvida. Os sindicatos trabalhavam dentro do
sistema, animando a aplicação das leis. Para obrigar a aplicação da lei, os Sindicatos tinham
que promover a união dos camponeses. Talvez fosse essa a principal função do engajamento
da Igreja na sindicalização: educar, mobilizar e organizar a massa completamente
desorganizada e carente de infraestruturas. Para conseguir esse fim, davam-se cursos,
promoviam-se encontros de líderes, providenciavam-se documentos legais, e assim por
diante; tudo para estimular a unificação. O objetivo geral era, naturalmente, a mudança de
estruturas, mas a partir das bases, em vez de ação revolucionária na cúpula, que deixasse
esquecidas as bases.
Por volta de 1962, a Igreja tinha organizado cerca de 50 Sindicatos, mas nenhum
tinha sido reconhecido pelo governo. Em maio daquele ano, esses Sindicatos promoveram um
encontro em Itabuna, Bahia, intitulado “Primeiro Congresso de Lavradores e Trabalhadores
Rurais do Norte e do Nordeste”, e convidaram o Ministro do Trabalho Franco Montoro,
católico e figura importante do PDC (Partido Democrata Cristão). Mediante certa pressão e
algumas transações, o Ministro concordou em reconhecer uns 22 sindicatos da Igreja. Depois
do reconhecimento inicial, aumentou rapidamente a formação de novos sindicatos. Em 1963,
a Igreja estava competindo, na formação de Sindicatos, com diversos outros grupos, incluindo
o Presidente Goulart, o Governador Miguel Arraes, de Pernambuco, várias afiliações
comunistas. A zona rural se tornou verdadeiro campo de batalha para os grupos que estavam
tentando provocar a revolução, ou conquistar as suas próprias posições no governo. Em todos
os casos, importava a legalidade da situação; era necessário ser reconhecido, e esse
reconhecimento assegurava direitos e, finalmente, o controle de organizações maiores. Os
Sindicatos geravam Federações que, por sua vez, davam lugar à criação de uma
Confederação, e esse era o grande objetivo visado.
82
Em agosto de 1963, os sindicatos fizeram eleição para o controle da confederação
recentemente formada, CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).
Por essa ocasião, havia cinco federações legais (organizações de sindicatos no plano
estadual): as da Igreja no Rio Grande do Norte, Pernambuco e Sergipe; uma dos Círculos
Operários em São Paulo; e uma dirigida por comunistas no Paraná. A Igreja ganhou o controle
da confederação, mas o governo de João Goulart se recusou a aceitar os resultados, alegando
que o Paraná não tinha sido convidado em tempo e que muitas federações estavam ainda em
processo de reconhecimento pelo Ministério do Trabalho e que, portanto, as eleições nessa
oportunidade, não eram representativas. Outra eleição foi planejada para dezembro de 1963, e
o número de federação aumentou rapidamente (BRUNEAU, 1974, p. 178). A essa altura, o
movimento de sindicalização tinha negligenciado inteiramente as bases, concentrados que
estavam todos na disputa do poder no plano nacional.
O objetivo era formar o maior número possível de sindicatos e federações, a fim de
ganhar o controle da CONTAG. Na segunda eleição, em dezembro, a Igreja estava
diretamente representada por seis federações, indiretamente (através do MEB e da Ação
Popular ou alguma outra combinação) por outras oito, os comunistas de várias colorações
tinham dez. Para Thomas Bruneau,
Os representantes da Igreja se encontraram antes das eleições com os grupos
do MEB e da AP, mas não puderam chegar a um acordo sobre a chapa de
candidatos por causa de diferenças pessoais e ideológicas. Os grupos da
Igreja, incluindo SAR, SORPE, FAG, Círculos Operários e alguns do MEB,
acabaram sem nenhum controle na confederação (BRUNEAU, 1974, p. 178).
A partir de então até o golpe, aproximadamente 3 meses, os sindicatos da Igreja
trabalharam nos níveis locais, enquanto os comunistas controlavam em grande parte a
organização nacional. Com o golpe, toda a sindicalização rural ficou estacionada. Muitos dos
sindicatos foram colocados sob intervenção, seus líderes foram removidos, as greves
proibidas, as leis não foram mais executadas, e as condições em geral não mais conduziam à
organização rural. Isso se aplicava aos sindicatos da Igreja, bem como aos comunistas.
A experiência da Igreja na sindicalização rural, sobretudo após o golpe, foi
semelhante à do MEB. “Embora fosse perfeitamente aceitável que a Igreja agisse
politicamente para apoiar o status quo, como historicamente sempre fizera, agir politicamente
para mudá-lo, através da sindicalização rural, era nada menos do que subversão”
(CAMARGO, 1966, p. 143).
O engajamento da Igreja nas zonas rurais passou a ser visto como equivalente aos
dos agitadores comunistas que procuravam promover a revolução violenta:
83
Os militantes, membros do clero, sofreram maior perseguição do que os
próprios comunistas. Em primeiro lugar, eram, na maior parte, sinceros e
ingênuos, e, em segundo, eram considerados pelos militares e pelos
proprietários de terra, como heréticos que usavam o nome e o prestígio
tradicional da Igreja para procurar coisas que ficavam bem a um anti-Cristo
(BRUNEAU, 1974, p. 179).
Como aconteceu com o MEB, o período de ação nessa nova linha de influência foi
curto demais para poder ser avaliado com certo grau de certeza. Camargo, em estudo
intitulado “Movimento de Natal”, sugere que “a sindicalização rural teve vários efeitos
importantes na promoção de mudança social”. Observadores estrangeiros têm escrito sobre a
importância da sindicalização em geral nas zonas rurais, e como a Igreja predominou nesse
campo, donde se pode presumir que ação dela foi importante. Os proprietários de terras e os
militares aparentemente consideraram-na eficaz, do contrário não teriam agido tão rápida e
severamente para interrompê-la. Poder-se-ia imaginar que o envolvimento da Igreja em
organizações, questões legais e outras atividades seculares, tenderia a diminuir o elemento
sagrado da religião e a introduzir nela alguns aspectos seculares.
Antes, porém, da Igreja envolver-se decididamente nos sindicatos rurais, há muito
empenhava-se nos sindicatos urbanos. De acordo com Thomas Bruneau,
Os sindicatos urbanos foram 'capturados' num sistema governamental e,
consequentemente, ofereciam menos oportunidades para agitadores
irresponsáveis que pudessem fazer deles uma ameaça para a Igreja. Esse
sistema de sindicalismo urbano tinha sido planejado e ditado por Getúlio
Vargas, durante o período do Estado Novo, e codificado na lei trabalhista de
1943, n° 2.162 (BRUNEAU, 1974, p. 163).
Depois de 1960, a Ação Católica começou a se envolver com o trabalho urbano. A
Ação Católica Operária (ACO) e a Juventude Operária Católica (JOC) começaram a
evangelizar o meio operário. Ambos os movimentos permaneceram limitados, sob forte
influência e orientação da hierarquia, sofreram falta de recursos, “mas fizeram, algumas
vezes, aliança com os comunistas para fazer pressão a favor de algumas mudanças de
estrutura” (ALVES, 1968, p. 133). Imediatamente após o golpe de 1964 experimentaram
período de ativismo sem precedente, mas, em seguida, não resistiram às constantes
“investidas” do governo.
Uma última organização operária da Igreja precisa ser mencionada. A Frente
Nacional do Trabalho (FNT) foi fundada, em 1960, depois de longa e difícil greve contra a
Companhia de Cimento Perus, em São Paulo. Fundado por discípulo de Pe. Lebret, Mário
Carvalho de Jesus, a Frente empreendeu algumas greves de longa duração, na maioria bem
sucedidas (BRUNEAU, 1974, p. 165). O movimento situava-se ao lado da Igreja e ao lado
84
dos sindicatos, tentando mudar o sistema de sindicatos, enquanto evangelizava o meio.
O envolvimento da Igreja no campo operário urbano não era nem particularmente
ativo, nem importante. “O sistema trabalhista era de tal maneira controlado pelo governo que
afastava o perigo de ameaças sérias à percepção que a Igreja tinha de sua influência”
(BRUNEAU, 1974, p. 166). Quando, depois de 1960, até mesmo o campo operário urbano se
tornou tanto quanto conturbado, as reações foram limitadas. Embora a hierarquia ajudasse a
Ação Católica (ACO e JOC) e, em grau menor, a FNT, não o fazia de maneira significativa ou
estratégica.
Em contraste, a Igreja se tornou o maior e o mais importante ator no campo do
sindicalismo rural. Bruneau sugeri que “o que foi decisivo nesse envolvimento foi a completa
ausência de qualquer organização antes de 1957 e o subsequente e rápido crescimento das
'ligas camponesas‟, que vieram despertar o cenário rural” (BRUNEAU, 1974, p. 166). A
Igreja encontrava-se convencida de seu amplo poder de influência na zona rural. A população
rural estava inteiramente à parte da sociedade nacional, era analfabeta e firmemente apegada à
forma do catolicismo cultural que reforçava a sua passividade. Quando Francisco Julião
começou, em meados da década de 1950, a organizar e mobilizar os trabalhadores rurais, a
Igreja percebeu que essa área outrora segura de influência poderia simplesmente desaparecer;
ou pior, poderia ser mobilizada em frontal oposição a ela.
A formação de sindicatos rurais era prevista no Brasil desde 1903 (Dec. Lei n° 979,
complementado pelo Dec. Lei n° 637 de 1907). Contudo, como acontece com a maioria das
medidas formais, essa também não refletia a realidade da situação nas zonas rurais, e por volta
de 1960 apenas seis sindicatos tinham se formado. Quanto a essa morosidade no processo de
implementação da lei, diz Márcio M. Alves: “a lei não passa além das paredes da Assembleia
Legislativa, nem ultrapassa as fronteiras das estradas asfaltadas” (ALVES, 1968, p. 69).
Para se avaliar a importância da falta de sindicatos rurais num país
predominantemente rural (64% em 1950, 54% uma década mais tarde), onde a maioria da
população se ocupa de agricultura (57,8% em agricultura, criação de gado e silvicultura em
1950, mas produzindo apenas 27% do produto nacional líquido em 1960), é preciso
compreender os moldes da propriedade e as estruturas do poder rural.
Estudo do Comitê Interamericano de Desenvolvimento Agrícola (CIDA) descreve a
relação entre proprietário e trabalhador nas fazendas:
O que distingue este poder é o seu caráter quase absoluto e vasto. As decisões
do dono do latifúndio são ordens. O latifúndio se assemelha talvez às
organizações rígidas nas quais a alta direção detém o privilégio exclusivo de
tomar decisões sobre todas as questões relativas às atividades dos subalternos
85
e nas quais a delegação de poderes ocorre apenas dentro de certos marcos
estreitos – limitados sempre pelo direito de intervir (CIDA, 1966, 147-148).
Antônio Callado, cientista social, exprime bem a natureza geral das relações de poder
no Nordeste:
Se uma agência responsável solicitasse das Nações Unidas uma investigação
sobre as condições de trabalho no Nordeste do Brasil, íamos passar por uma
grande vergonha. As Nações Unidas nos incluiriam entre as zonas do mundo
onde ainda permanece em vigor o trabalho escravo (CALLADO, 1960, p.33).
O Relatório do CIDA descreve ainda estado de apatia dos cidadãos:
Embora em algumas empresas os trabalhadores gozem de um pouco mais de
liberdade e segurança e de um nível de vida ligeiramente mais elevado, o
País, como um todo, considera a existência de uma mão-de-obra barata,
submissa, analfabeta e sem qualquer iniciativa própria, como um fenômeno
natural (CIDA, 1966, p. 326).
A existência desse sistema de propriedade rural e de relações autoritárias de poder
tem implicações que vão além da pobreza e da situação infra-humana dos trabalhadores. Uma
das conclusões do CIDA assegura que:
Alguns observadores estão convencidos que a atual estrutura de posse da
terra e do uso da mão-de-obra rural, resulta de fato na pobreza, na
insegurança, na instabilidade e na desocupação total ou parcial do grosso da
população rural e dos solos e, daí, na produção inadequada e, não obstante, na
grande riqueza de pequeno número de privilegiados proprietários rurais
(CIDA, 1966, p. 602).
Ao menos uma das ideias dos especialistas convergia num determinado ponto, a
saber, que se fazia necessária alguma mudança significativa na estrutural rural antes que o
desenvolvimento nacional viesse a realizar-se. Um grupo de especialista da UNESCO
destinado a estudo do Nordeste chegou à seguinte conclusão:
O problema da posse da terra é o maior obstáculo para o desenvolvimento do
Nordeste. Todos os esforços feitos em prol do desenvolvimento e do
progresso da região serão inúteis, se não for encontrado um meio de adaptar
as condições da posse da terra às demandas da moderna produção agrícola.
Não está em nossa alçada oferecer soluções para resolver este difícil e
complicado problema, essencialmente político e social (PASCATORE &
WEITZ, 1967, p. 43).
O problema da posse da terra e das relações de poder é claramente político. Aqueles
que têm a terra são também os mesmos que fazem e aplicam as leis, controlam a Igreja e
orientam os valores sociais. Se fossem passadas leis agrárias, os proprietários de terra teriam
força para impedir a sua aplicação. O sistema rural mudou num grau mínimo, antes de 1960.
Apesar das mudanças políticas nacionais, da depressão, do crescimento rápido, da
86
urbanização, da industrialização, etc., o sistema rural tradicional permaneceu incrivelmente
estático.
Depois de 1960, a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE) começou a estimular algumas modificações em vários aspectos do sistema, e a
mesma configuração das forças políticas nacionais que levou à SUDENE, deu também lugar à
formação de sindicatos rurais. No sistema rural tradicional não havia, de forma alguma, lugar
para a formação de sindicatos: era execrável para os proprietários e eles simplesmente não
tolerariam tais ameaças à sua autoridade. O que parece ter sido importante para a formação
inicial das organizações rurais “foi a dissolução da sociedade tradicional dentro do contexto
da mudança social geral no Brasil, que criou oportunidades para várias inovações no
momento em que diferentes grupos e líderes procuravam bases para o poder” (BRUNEAU,
1974, p. 170).
2.4.4 Francisco Julião e as Ligas Camponesas
As Ligas Camponesas surgiram perto de Recife, Pernambuco, quando grupo de
lavradores rendeiros decidiu se organizar (CALLADO, 1960, p. 33-37; MORAES, 1970, p.
34-35). O engelho Galiléia estava fechado desde 1940, por causa do baixo preço do açúcar, e
os donos, a família Beltrão, tinham se mudado para a cidade. A terra foi arrendada, mas em
fins da década de 1950, o custo do arrendamento crescera muito, tendo como resultado o
atraso do pagamento da parte de muitos rendeiros.
Ocorreu, então a José Francisco de Souza (“Zezé da Galiléia), a ideia de formar
sociedade e criar fundo para manter em dia os pagamentos. Dessa ideia inicial fundaram
sociedade a que chamaram “Sociedade Agrícola e Pecuária dos Fazendeiros de Pernambuco”,
e o dono ficou satisfeito, pois parecia que as rendas dele estariam mais garantidas. “O filho do
proprietário, no entanto, percebeu real ameaça na organização e chamou a polícia para
expulsá-los” (CALLADO, 1960, p. 34-35).
Os rendeiros decidiram buscar proteção na lei e foram a Recife procurar advogado
para defendê-los. Encontraram lá Francisco Julião18
, membro da Assembleia Estadual. Julião
18
Para uma apresentação mais detalhada de Francisco Julião e análise da organização rural em geral recomenda-
se leitura da obra de LEEDS, A. Brazil in the Myth of Francisco Julião In: MAIER, J. WEATHERHEAD, R.
(edts.) Politics of Change in Latin America. New York, 1964 e GALJART, B. Class and Following in Rural
Brazil. America Latina, v. 7, n 3, 1964.
87
percebeu as possibilidades de organizar as zonas rurais. A maioria dos que entrou depois dele,
na organização rural, eram políticos da classe média que procuravam base para o poder. O que
é interessante, é que até mesmo o presidente Goulart usou os sindicatos rurais como base de
poder.
Julião conseguiu se eleger para a Câmara Federal, e as Ligas Camponesas se
espalharam para além de Pernambuco. As ligas eram entidades civis, ou sociedades, com certa
autoridade em relação a salários, negociações. Por volta de 1960, as Ligas estavam
estabelecidas em 26 municípios de Pernambuco, e nos Estados da Paraíba, Piauí, Ceará e
Alagoas. Uma vez lançada, a ideia de organização rural pegou e ameaçou mobilizar os
camponeses do Brasil inteiro. “Dada a imensa reversa de potencial de injustiças, a mera
sugestão de organização rural representava, para as classes privilegiadas, o fantasma da
revolução” (CAMARGO, 1966, p. 141), e desencadearam conflitos, em termos de repressão.
Uma vez formados os grupos rurais, a Igreja reagiu e criou vasta rede de sindicatos
rurais, sob os quais pudesse garantir sua influência e, por conseguinte, promover a mudança
social. O engajamento da Igreja no sindicalismo rural começou em 1959, quando Maria
Julieta Calazans que, já havia uma década, trabalhava para mudar as atrasadas e injustas
estruturas rurais, falou com dom Eugênio Sales, em Natal, sobre a necessidade de tal
movimento. Dom Eugênio deu o seu inteiro apoio à sindicalização, através do seu
movimento, SAR (Serviço de Assistência Rural), uma organização ativa, desde 1949, na
promoção da mudança social, em nível local, no Rio Grande do Norte. Começado em Natal, o
movimento pegou e por volta de 1961 já tinha sido fundado em Pernambuco (inclusive dom
Carlos Coelho e dom Manuel Pereira) promoveram encontro de cerca de 26 bispos e
fundaram o SORPE (Serviço de Orientação Rural de Pernambuco). Desses dois Estados, o
movimento da Igreja se espalhou rapidamente para outras dioceses e outros Estados, enquanto
toda a instituição parecia se unificar e tomar impulso atrás do programa (Cf. BRUNEAU,
1974, p. 172).
No plano nacional, a CNBB publicou declarações justificando o movimento o
fornecendo informação autorizada sobre a sua organização e reconhecimento; o MEB criou
setor especial para a sindicalização, e orientava as escolas locais para preparar os estudantes
para o movimento; em plano regional, os bispos faziam declarações de apoio e
recomendavam aos seus padres que ajudassem na formação e na consolidação dos sindicatos,
e no nível paroquial, que os párocos encorajassem os seus paroquianos a fundar sindicatos e,
às vezes, eles mesmos tomavam a iniciativa.
88
Por volta de 1964, havia movimentos de sindicalismo rural, promovidos pela Igreja,
em quase metade dos Estados, incluindo todos os do Nordeste.
Entre esses movimentos se incluem o SAR, no Rio Grande do Norte; O
SORPE, em Pernambuco; CEPLAR, na Paraíba; FAG, no Rio Grande do Sul;
FAG, em Goiás; MEB, no Maranhão; muitos outros em Minas Gerais; FAP,
em São Paulo e variações do MEB e Ação Popular em vários outros Estados.
Bruneau recupera dados numéricos apresentados por Hewitt, para quem em
fins de 1963, havia 280.000 membros de associações camponesas em
Pernambuco, 200.000 dos quais pertenceriam aos sindicatos da Igreja
(BRUNEAU, 1974, p.172).
Todos os observadores da sindicalização rural que se organizava no Brasil, durante
esse período, concordam em apontar a Igreja como peça-chave no movimento. Como essa
atividade se distanciava muito da ação da Igreja no passado, é preciso que se diga alguma
coisa sobre as suas causas: foi essencialmente a percepção de ameaças políticas que levou a
essa estratégia de influência, assim como levou a outras atividades orientadas para a mudança
social. Em muitos lugares, o MEB, pelo menos no início, e segundo avaliações de alguns
bispos, não passava de inócuo programa de escola radiofônica para ensinar catecismo e
algumas noções de higiene. Entretanto, o programa de sindicalização não deixou dúvidas de
que a Igreja estava fazendo inegável ruptura com o passado, nas zonas rurais. Em vez de
apoiar o patrão local que controlava o seu colono, a Igreja agora militava ativamente para
organizar os camponeses, e a exigir dos patrões melhores condições de trabalho e de vida.
Historicamente, a hierarquia da Igreja tinha como certa a sua influência sobre as
massas rurais, embora a instituição raramente exercesse sobre elas as suas prerrogativas e
aceitasse inteiramente o catolicismo primitivo, ou cultural, como digno de reflexão e prática.
Com a formação das Ligas nas zonas rurais, e a sua rápida expansão subseqüente, a influência
da Igreja não gozava de segurança nem sustentação. Antes mesmo das Ligas serem formadas,
nos anos de 1950, muitos líderes católicos (eclesiásticos ou não) vislumbravam o despertar de
força de oposição à influência da Igreja. O problema ganhou urgência com as Ligas, e
especialmente com o sucesso do movimento revolucionário de Cuba, em princípios de 1959.
Para agravar a questão, muitos da Igreja ficaram preocupados com a usurpação que
Julião fez do simbolismo religioso, na mobilização das Ligas. Em que se comparava a si
mesmo com São Francisco, e numa ocasião afirmou: “O Papa João XXIII foi o primeiro Papa
a vir de origem camponesa. A Encíclica que ele acaba de fazer - “Pacim in Terris” - é uma
prova de que o Papa veio aprovar as „Ligas Camponesas‟. Usamos em nossa pregação as
palavras da Bíblia, Sim, porque a Bíblia é um livro revolucionário” (BRUNEAU, 1974, p.
174). A ameaça de Julião representava explicitamente diminuição da influência da Igreja e,
89
de fato, ameaçava substituí-la completamente nas zonas rurais. Além disso, se o evento Cuba,
com desdobramentos inesperados, viesse a se repetir, e se instalar também no Brasil, talvez a
eliminasse do país inteiro. Diante de ameaças dessa magnitude, a Igreja não podia deixar de
reagir.
A Igreja optou pela forma sindical. Desse modo (embora o reconhecimento do
Ministério do Trabalho fosse difícil), com autoridade e envergadura organizacional, podia
realizar muito mais para os camponeses. Mesmo a Igreja demonstrava tendência para entregar
a liderança à classe média, e não aos camponeses. É preciso que se diga que vários grupos e
indivíduos se tornaram ativos dentro do programa da Igreja, por diferentes motivos. No
Nordeste, a maioria dos elementos estava ao que parece, honestamente preocupada com
questões de justiça social e mudança de estrutura. Em algumas áreas, os presbíteros formavam
organizações para combater os comunistas, e os militantes leigos tentavam (fazer a revolução)
nas zonas rurais, em face da constatação de que a zona urbana estava muito estritamente
controlada pelo governo.
A Igreja tinha certo número de recursos que podiam ser usados para promover esse
novo mecanismo de influência. A religiosidade básica dos camponeses (para a qual Julião
estava apelando), era importante para atraí-los aos sindicatos da Igreja. O presbítero ainda
tinha prestígio junto ao povo, o que servia de motivação para eles entrarem nos sindicatos em
vez das ligas. E, conquanto não demorasse muito para indispor os proprietários de terra, a
Igreja (como instituição estabelecida, estrutura física, linhas de comunicação, recursos de
coordenação na CNBB) podia enfrentá-los, o que jamais grupo incipiente de camponeses
poderia esperar fazer. Em certo sentido, a Igreja, pelo menos nos primeiros estágios da
mudança social, tem importantes recursos tradicionais que podem ser reorientados para
objetivos novos e radicalmente diferentes, deixando de sustentar o status quo, para atuar
ativamente em favor da mudança de estrutura.
Outras experiências em mudança social poderiam também ser discutidas, tais como o
Movimento de Natal, a Cruzada São Sebastião em promoção de desfavelamento, no Rio de
Janeiro. Não estava sendo criada base religiosa para a mudança; em vez disso, os indivíduos
eram encorajados a participar em novos grupos e movimentos por meio dos quais a Igreja
pudesse continuar a exercer influência. O poder ainda era necessário para exercer influência,
mas agora essa influência tinha orientação intencionalmente progressista, em vez de tendência
retrógrada, conservadora. Uma força predominante que ajudou a Igreja a mudar a sua
orientação, e a cristalizar os conflitos e tensões inerentes nessa mudança foi a Ação Católica
Brasileira (ACB).
90
2.4.5 A Expressão Social da Igreja
Analisar a presença da ação da Igreja Católica no Brasil significa, não ignorando o
seu passado de violência, apreender a dinâmica que a faz presente como força social em
diversas conjunturas nacionais. Como integrante do pacto populista, as atividades da Igreja
concentram-se em duas questões específicas: educação e reforma agrária. No primeiro caso, a
sua prática educacional confrontou-se com projeto de reforma do sistema educacional
elaborado pelos representantes do Ministério da Educação e partidário do movimento Escola
Nova. No que diz respeito à questão agrária, a Igreja redefine ajustamento de prática
tradicional alinhados a valores universais e amplia compromissos histórico-sociais em vista
da manutenção de seu poder de influência no meio rural.
A cronologia da ação da Igreja nos permite verificar quão diversificada é a sua
manifestação no meio rural. Tratam-se de pastorais, declarações, manifestos, entrevistas de
bispos e de padres, e de programas e diretrizes de ação. “Para melhor caracterização da
atuação da Igreja, no entanto, é necessário destacar o contexto econômico e político do país.
Este marco nos permite perceber a vinculação dos pronunciamentos com as transformações
ocorridas no campo” (CARVALHO, 1985, p. 70).
As décadas de 1950 e 1960 revelam-se particularmente fecundas em interpretações
sobre o sentido das mudanças observadas na Igreja brasileira. Entre elas encontram-se,
segundo esquema apresentado por Vanilda Paiva, estudos históricos e sociológicos com
amplitude, orientação e níveis de sofisticação diversos (KADT, 1970; BRUNEAU, 1974 e
1979; DELLA CAVA, 1975 e 1978; ALVES, 1979; MAINWARING, 1989) a análises das
ideias dominantes na área católica, com ênfase sobre o peso da ideologia nacionalista e
desenvolvimentista, difundida no país desde os anos 50 (Romano, 1979; PAIVA, 1980), ou na
propriedade científica dos conceitos utilizados nos documentos que orientam sua prática
político-pedagógico-pastoral (VELHO, 1980) e outros que atribuem diferentes significados
às peculiaridades da atualização das funções da instituição (WANDERLEY, 1978; SOUZA,
1979; CARDODO, 1982). Entre as interpretações disponíveis, porém, três são especialmente
sedutoras: aquela que, defendida em geral por cientistas políticos, tende a reduzir a
explicação de sua evolução recente a uma ação defensiva contra o autoritarismo do regime
(WEFFORT, 1977); a que, promovida por militantes católicos, pretende que tal evolução seja
ditada fundamentalmente pela pressão de suas novas bases sociais (SOUZA, 1979;
PALÁCIO, 1979); e a que, pretendendo ser „total‟, atribui suas transformações mais
significativas à crise do capitalismo internacional (RICHARD, 1982). Essas três
91
interpretações (PAIVA, 1985, p. 54), isoladamente ou combinadas entre si, permeiam com
maior ou menos força, salvo poucas exceções, a maior parte dos trabalhos sobre a Igreja,
especialmente aqueles que minimizam a questão institucional.
No período que antecedeu ao golpe militar de 1964, a questão agrária estava na
ordem do dia. As mobilizações camponesas, através das Ligas Camponesas e dos então
chamados sindicatos rurais, tinham colocado os trabalhadores do campo, até aquele momento,
rigorosamente, marginalizados da vida política, no centro dos acontecimentos (PALMEIRA,
1985, p. 43). A “agitação” camponesa constituiu-se num dos pretextos mais utilizados pelos
organizadores do golpe para, em nome da ameaça ao princípio da propriedade, aumentar
capital político em apoio ao projeto que pleiteavam implantar para a nação.
A conjuntura política em que surgem as organizações camponesas no Brasil (Ligas e
Sindicatos) teve peso decisivo na configuração do sindicalismo rural. Em primeiro lugar,
essas organizações surgem num período de certa normalidade democrática, de alargamento da
participação popular e de crescente mobilização política dos mais variados setores da
sociedade. A própria entrada em cena do Ministério do Trabalho, apesar de as Ligas estarem
em atuação desde meados dos anos 50 e muitos sindicatos, desde a virada dos 50 e 60, é
relativamente tardia. É só em 1962 que são outorgadas as primeiras cartas sindicais, e por
exigência dos próprios sindicatos, que percebiam a importância do seu reconhecimento
oficial. Por outro lado, enquanto os sindicatos urbanos tinham se desenvolvido sobre oposição
esquerda-Estado, o sindicalismo rural vai brotar sobre oposição esquerda-Igreja, o Estado
colocando-se à distância, de início e, no final do período, tentando entrar no jogo,
favorecendo uma ou outra ou uma e outra das forças em confronto (PALMEIRA, 1985, p. 44-
45).
A participação da Igreja na articulação do movimento golpista de 1964 iria,
paradoxalmente, garantir certo tipo de continuidade ao sindicalismo rural, que contrasta, em
toda a linha, com o que aconteceu com o sindicalismo urbano em 1937 e 1964. Se é verdade
que a repressão contra os líderes sindicais e trabalhadores com militância sindical no campo
foi, possivelmente, mais contundente que a que atingiu o operariado e outros setores urbanos
[...], é preciso não esquecer que as entidades sindicais, tidas como ligadas à Igreja, foram num
certo sentido, poupadas (PALMEIRA, 1985, p. 45).
Não há como negar que o autoritarismo do regime influiu sobre posições assumidas,
seja pela hierarquia em conjunto e sobre bispos individuais, seja por outros membros da Igreja
e que sem o regime militar, sem a perseguição sofrida a partir da segunda metade dos anos 60,
a Igreja possivelmente teria modificado mais lentamente suas posições.
92
Sem as transformações por que vêm passando a economia mundial e a
política internacional, bem como aquelas atravessadas pelo país nas últimas
décadas, provocando o surgimento e a confrontação de novas forças sociais
que atravessam a instituição, tais mudanças poderiam não ter ocorrido ou ter
tomado rumo distinto (PAIVA, 1985, p. 55).
As transformações sofridas pela Igreja brasileira correspondem à instalação da Igreja
Moderna no Brasil. Neste país, por motivos ligados à especificidade da conjuntura dos anos
50, a Igreja nacional sofreu o que se poderia chamar de um „agiornamento precoce’, que
possibilitou uma assimilação da doutrina moderna, nos anos 60, com maior velocidade do que
na maioria dos países latino-americanos. A interconexão entre a aparentemente contraditória
evolução ideológica dos setores da Igreja que “foram ao povo” e do conjunto da hierarquia,
como corpo que zela pelos interesses institucionais fundamentais e de longo prazo, encontra
seu paralelo político na articulação entre a Igreja institucional e a “Igreja Popular”. A Igreja
Moderna supõe uma esquerda católica forte que, se por sua vez ao “ir ao povo” provoca
mudanças na ideologia e na prática de seus membros, se apresenta como condição para o
fortalecimento do conjunto da Igreja e para o êxito de sua estratégia de influência, neste final
de século (PAIVA, 1985, p. 61-63).
A Igreja ao manifestar sua preocupação diante da situação brasileira, quer se tornar
porta-voz e advogada dos Direitos da pessoa humana, tarefa que deve ser aceita por todos os
outros interlocutores. A Igreja tem assim projeto para atuar na sociedade e escolherá um dos
seus organismos mais dinâmicos para assumir uma das principais tarefas na sociedade civil: a
Ação Católica. O agente viabilizador desse plano é, sobretudo, aquele já definido em 1945: a
Ação Católica. Contudo, não deve a Igreja simplesmente executar plano de assistência social
isolado da política. Nesse caso, é a manifestação explícita de sua participação na
reestruturação da sociedade brasileira. “Todo nosso pensamento e as nossas energias têm
como objetivo a reforma social cristã. Mas esta não se faz sem uma influência poderosa sobre
a opinião pública” (AÇÃO POPULAR apud LIMA, 1979, p. 133).
A Carta Pastoral de dom Inocêncio Engelke (1951) constitui-se em documento
pioneiro sobre a questão agrária no país e, sobremaneira, expressa o temor de perda de
influência da Igreja como consequência de sua inércia:
Temor de que a Igreja Católica perca, por falta de iniciativa, a sua influência
no meio rural. O êxodo rural, a abertura de estradas, jornais, cinemas, rádio
são meios que permitem a divulgação de „ideias arrojadas e revolucionárias‟,
contribuindo, desta forma, para alterar a „índole conformista e rotineira dos
trabalhadores rurais‟ (CARVALHO, 1985, p. 79).
93
Análise da realidade do cidadão brasileiro no campo feita por dom Engelke acentua
ainda a precária situação econômica e social do trabalhador rural. A situação a que é exposto o
camponês constitui-se “o terreno fácil para a ação de agitadores, se agirem com inteligência,
nem vão ter necessidade de inverter coisa alguma. Bastará que comentem a realidade, que
ponham a nu a situação em que vivem ou vegetam os trabalhadores rurais” (ENGELKE apud
CNBB, 1976a, p. 45).
Diante de tal estado, a exclamação-advertência de PIO XI ecoará por toda a Igreja
brasileira: “Não cometemos a loucura de perder, também, o operariado rural. O maior
escândalo do século XIX foi ter a Igreja perdido a massa operária” (ENGELKE apud CNBB,
1976a, p. 44).
Quatro meses após a I Semana Ruralista da Diocese de Campanha, Minas Gerais,
coroada com a Carta Pastoral de dom Inocêncio Engelke, em 1950, os bispos do Rio Grande
do Norte (Natal, Moçoró e Caicó) publicam carta na qual a sociedade é comparada com
organismo vivo, sendo a população rural o seu coração:
Somos um organismo. Imagine-se no corpo humano o coração desprotegido
dos rins, do fígado, do estomago e dos pulmões, desajudado das artérias, das
veias e dos capilares, e poder-se-á ver quão infeliz será povo cuja população
rural, representado seu coração, jaz isolada e coberta de mil necessidades,
desestimulada de mil formas, sangrando pela cidade que não a vê senão para
explorar e aniquilar (CNBB, 1976b, p. 54).
Aliás, a pastoral será norteada pela polarização cidade-campo. “Como sucede na vida
econômica e na vida política, também na vida rural o país é verdadeiro centro de gravidade de
inúmeras existências, tendo que se movimentar muito mais em função da harmônica marcha
progressiva de todos” (CNBB, 1976b, p. 56).
Em síntese, o conflito político-social que se desenvolveu dentro da sociedade
brasileira - que levou à crise final do populismo e que se concluiu com o golpe de Estado de
1964 -, envolveu a Igreja em seus diversos setores. A participação da Igreja (hierarquia e
leigos) contribuiu para a aceleração e radicalização dos conflitos. A divisão dos católicos em
formas institucionais criadas pela Igreja seria consequência da ruptura da aliança populista.
94
3. A NATUREZA TRANSNACIONACAL DA IGREJA: ORGANIZAÇÕES
INTERNACIONAL (CONCÍLIOS) E REGIONAL (CELAM) E DESDOBRAMENTOS
POLÍTICOS E RELIGIOSOS
3.1 A NATUREZA TRANSNACIONAL DA IGREJA
O capítulo anterior concentra esforço de “reconstrução” do contexto sócio-
econômico-político-religioso no Brasil, com ligeira incursão também na América Latina, para
os anos de 1950 a 1964. Após aprofundar as principais demandas da sociedade brasileira (a
questão agrária, a sindicalização rural e urbana, instabilidade político-econômica), descreve o
processo de criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em sua relação
com a Ação Católica Brasileira (ACB), com o Movimento de Educação de Base (MEB) e
com a Ação Popular (AP), e a introdução da questão acerca do estado de tensão na relação
Igreja-Estado.
O presente capítulo descreve a natureza transnacional ou internacional19
da Igreja,
apresenta instâncias da Instituição em âmbito internacional (os Concílios) e regional (o
Conselho do Episcopado Latinoamericano e do Caribe – CELAM e as Conferências Gerais do
Episcopado Latinoamericano e do Caribe), em termos de entidades transnacionais; centra
atenção na atuação política da Igreja no desenvolvimento e na integração da América Latina
(AL); e analisa a emergência de uma consciência de libertação e de uma Teologia da
Libertação (TdL) no Continente Sulamericano, profundamente enraizada e identificada com
uma Igreja Popular: as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).
Uma instituição transnacional caracteriza-se por - natureza, estrutura, interesses e
fins - formular política internacional, no intuito de satisfazer às suas demandas de manutenção
de seu status quo, (ou de “sobrevivência” nos termos do realismo e neorealismo clássico), do
princípio de autonomia ou de independência e, de igual relevância, da necessidade de
expansão do poder de influência da instituição, como elementos definidores de sua duração
(no tempo) e expansão (no espaço).
Os teóricos das Organizações Internacionais consideram a Igreja - para os períodos
medieval e moderno da história ocidental -, uma das primeiras instituições transnacionais ou
internacionais (por vezes, a depender do contexto histórico, a principal instituição
19
Os dois termos - transnacional ou internacional - pretendem, sempre que referidos à Igreja, descrever uma
mesma realidade: a dimensão da Instituição que extrapola as fronteiras do Estado-Nação.
95
transnacional). Para tanto, alegam como fatores fundamentais para sua permanência histórica
a sua estrutura organizacional, governamental, e, sobretudo, a opção de “neutralidade” frente
a conflitos de grandes proporções deflagrados entre Estados, capazes de promoverem
transformações históricas, estruturais e sistêmicas.
Já nos primeiros séculos da “era cristã”, as Igrejas nascentes elaboram mais do que
extraordinárias reflexões filosófico-teológicas para um mundo em ruínas (queda do Império
Romano), mas também diretrizes morais e sociais. As questões mais relevantes (heresia,
apostasia) encaminham-se através dos bispos aos Sínodos20
, e estes devem representar a um
só tempo a Igreja local e Internacional. Não obstante, a Sé Apostólica ou Romana, desde o
séc. V, reivindica para si atributo de autoridade, em vista de suposta unidade da Igreja
espalhada pelo mundo. Em Carta “Institutio”, do papa Bonifácio I, aos bispos da Tessália, lê-
se:
A instituição da nascente Igreja Universal tomou início no múnus honorífico
do bem-aventurado Pedro, no qual está seu governo e ápice. As disposições
do Concílio de Nicéia não testemunham outra coisa, a tal ponto que não
ousou definir nada sobre ele [primado], vendo que era impossível propor algo
acima de seu mérito. Dirigimos direto ao Sínodo [de Corinto] um escrito com
o intuito de fazer compreender a todos os irmãos que não se pode deliberar de
novo sobre um julgamento nosso. De fato, nunca é lícito deliberar outra vez a
respeito do que uma vez foi estabelecido pela Sé Apostólica (DENZINGER,
2007, n 232-233).
Os documentos oficiais mais recentes da Igreja, via de regra, atribuem a natureza
transnacional da Instituição à missão - “de evangelização” - que desenvolve pelo mundo.
Assim, a missão confere à Instituição dimensão de universalidade21
. O Concílio Ecumênico
Vaticano II (1962-1965), em sua Constituição Pastoral Gaudium et Spes (GS), declara que:
Dado que a Igreja não está ligada, por força da sua missão e natureza, a
nenhuma forma particular de cultura ou sistema político, econômico ou
social, pode, graças a esta sua universalidade, constituir um laço muito
estreito entre as diversas comunidades e nações, contanto que nela confiem e
lhe reconheçam a verdadeira liberdade para cumprir esta sua missão
(GAUDIUM ET SPES, 1965, n 42).
20
O grego synodos significa literalmente “caminho conjunto”, ou seja, a ação convergente de várias pessoas para
um mesmo fim. Em sentido genérico equivale a assembleia. Na terminologia da Igreja antiga equivale a
“concílio”, uma assembleia de bispos.
21 A Igreja atribui à missão sua dimensão de universalidade. Alguém poderia atribuir tal universalidade,
apressada e equivocamente, aos bens imóveis da Instituição espalhados pelo mundo. Ora, os bens da Igreja
pertencem à Igreja local (Comunidade, Paróquia, Diocese), e nunca à Igreja em âmbito internacional (Santa Sé
ou Vaticano). Entretanto, outro elemento, antigo e expressivo, capaz de indicar dado visível de
transnacionalização é a autoridade papal, criticada por todos os lados, porém, inquebrantável até o presente.
96
Ao analisar a Igreja, enquanto instituição social, Thomas Bruneau evidencia quatro
componentes distintos, porém, interrelacionados: “a mensagem” (que escapa ao controle da
instituição), “a instituição” (comunidade de indivíduos com poder político), a “Igreja
nacional”22
(na qual se celebram os sacramentos e a partir da qual se compromete com a
sociedade) e a “Igreja Universal”23
(da qual é parte a “Igreja nacional”). Essas duas últimas
dimensões se entendem como “relações”. Em palavras do próprio Thomas Bruneau, “as duas
relações são as da Igreja nacional com a Santa Sé, ou centro da Igreja Universal, e com o
Estado, dentro de cujas fronteiras a Igreja está localizada” (Cf. BRUNEAU, 1974, p. 14).
Para Vanilda Paiva - cientista social, em artigo A Igreja Moderna no Brasil -, parte
substancial das análises acerca das transformações ocorridas na economia mundial e na
política internacional entre os anos de 1950 e 1970,
Considera, porém, de maneira insuficiente, o caráter católico, universal, da
Igreja como instituição que reivindica o direito e a liberdade de atuar dentro
de sociedades nacionais, como uma „sociedade civil (transnacional) dentro da
sociedade civil (nacional)‟, desenvolvendo estratégias que lhe permitam
simultaneamente manter sua unidade, nacional e transnacionalmente, e influir
sobre as sociedades nacionais e sobre a política internacional (PAIVA, 1985,
p. 55).
Convém prosseguir no argumento de Vanilda Paiva, para quem ainda há outro
elemento acerca da transnacionalidade da Igreja:
Não se pode esquecer, a esse respeito, que a Igreja é também um Estado -
embora muito singular -, cuja „sociedade civil‟ correspondente não conhece
fronteiras e cuja transnacionalidade supõe uma circulação ampla de seu corpo
de funcionários de maneira a assegurar não apenas uma relativa
homogeneidade ideológica, mas também a facilidade de comunicação em
múltiplos idiomas - fatores fundamentais para a preservação de sua unidade
(PAIVA, 1985, p. 55).
Ora, toda e qualquer instituição, independente de sua natureza e finalidade, avança
no tempo conduzida por um grupo dominante, que num determinado contexto histórico
assume a direção da instituição após exercer predomínio sobre os demais grupos e correntes
de pensamentos. Embora seja a condução da instituição assumida pelo grupo mais atuante,
não significa que este seja o grupo mais inovador, progressista. No caso da Igreja, a direção
22
Thomas Bruneau, como se pode constatar, faz uso da expressão “Igreja nacional”. Com efeito, salvo algumas
raras exceções, tais como: Portugal, no tempo de Marquês de Pombal (séc. XVIII) e Inglaterra (desde Henrique
VIII), não coincide com a realidade falar estritamente em “Igreja nacional”, mas em Igreja em âmbito nacional.
23 A expressão “Igreja Universal” também precisa ser redefinida, pois abriga imprecisão e ambiguidade. A
aplicação da expressão “Igreja Universal” à Igreja Católica em âmbito internacional pode, no mínimo
proporcionar ocasião de confusão, em nível de interpretação, com a “Igreja Universal do Reino de Deus”. Assim,
convém adotar a expressão Igreja Católica em âmbito transnacional ou internacional.
97
da instituição (e das suas entidades em âmbito nacional, regional e internacional) intercala-se
entre conservadores, moderados e progressistas, sendo os membros dessa última corrente
político-ideológica os que mais raramente assumem a função de direção (papado, nunciatura,
delegado de alguma Congregação em Roma) ou que menos tempo permanecem no cargo
(Presidência das Conferências Episcopais Nacionais, Presidência de Comissão Regional).
Uma determinada parcela da Igreja promoveu ao longo dos séculos processo de
centralização da Instituição, com graves prejuízos para a diversidade de pensamentos e o
respeito às diferenças culturas. O processo de centralização da Igreja é, no entanto,
contemporâneo à sua transnacionalização. À medida que a Igreja se expande, ela se organiza
administrativamente e o conteúdo dos “discursos”24
que elabora reivindica pretensão
universal.
Os discursos da Igreja para as décadas de 1950, 1960 e 1970 não se restringem a
veicular conteúdo filosófico-teológico que lhe é característico, mas, com igual força e
expressividade, pretendem produzir conteúdo sócio-político, que em determinadas épocas,
afirmara-se como essencialmente crítico dos grupos dominantes, quer na esfera
governamental, quer na sociedade civil; ou ainda discurso de autocrítica. Além disso, os
discursos da Igreja são comumente identificados como mensagem evangélica, que ela produz
e profere, e na qual se encontram todos os aspectos da vida em sociedade.
Os pronunciamentos da Igreja, de acordo com Vanilda Paiva, desconhecem fronteiras
em razão de seu estilo:
O caráter universal do discurso da Igreja exige que ele seja genérico, de
maneira a poder atingir todas as nações e todas as classes sociais. Assim, se a
tradução deste discurso genérico em cada sociedade responde à dinâmica
desta [Igreja Universal], as orientações que o informam recebem o influxo de
acontecimentos e tendências que transcendem o quadro de uma nação ou
sociedade. É preciso, pois, na interpretação dos caminhos trilhados pelas
Igrejas nacionais, não esquecer a sua referência à Igreja Universal e à defesa
dos interesses institucionais fundamentais – os quais podem, na segunda
metade do século XX, ser perfeitamente compatíveis com a resistência ao
autoritarismo e com a aproximação e solidariedade com as camadas
subalternas (PAIVA, 1985, p. 55-56).
Em maio de 1970, na Suécia, em palestra na Universidade de Upsala - “Obrigações
da Scandinávia para com o Mundo”-, dom Helder Camara expressa sua visão
internacionalista, sob certo aspecto assegurado pela instituição que representa:
24
O termo “discursos” pretende expressar o conjunto das variadas formas de comunicação (pronunciamentos,
declarações, conferências, cartas, boletins, jornais, etc.) adotadas pela Igreja como instrumentos de inserção de
suas demandas e de realização de seus próprios interesses nas arenas de política doméstica e internacional.
98
Permiti-me, no entanto, a confiança de dizer-vos meu pensamento até o fim.
Não me sinto jamais estrangeiro em país nenhum do mundo. Não me sinto
um intruso, sem direito de abordar problemas íntimos das várias raças, das
várias línguas, das várias culturas... É que, em toda parte, me sinto um
homem no meio dos homens, um irmão, uma consciência humana, um voz
humana (CAMARA, 1970p, p. 01).
No ano seguinte, dom Pedro Casaldáliga, bispo da Prelazia de São Felix do Araguaia,
ao defender-se da acusação de “subversivo”, “comunista” e “estrangeiro” em texto sob o
título “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social”,
exprime dimensão nacional (natural a todo homem) e de internacionalidade da Igreja: “não há
homem estrangeiro na terra dos homens, e a Igreja no mundo é em todo lugar nossa pátria”
(CASALDÁLIGA: 1971, mimeo).
A partir do exposto, pode-se afirmar que a Igreja é - por sua missão, pelo conteúdo
de sua mensagem, pela autoridade papal, mas, sobretudo, por sua organização administrativa,
uma Instituição transnacional. Apenas as instituições transnacionais podem postular
interesses, valores e conhecimentos, em nível de pretensões para as quais reivindicam
direitos. Além disso, podem reivindicar direito de inserção de demandas em suas agendas
internacionais em nome de pessoas, de grupos de pessoas, ou de determinada sociedade.
3.2 INSTÂNCIAS TRANSNACIONAIS DA IGREJA: OS CONCÍLIOS, O CELAM E AS
CONFERÊNCIAS GERAIS DO EPISCOPADO
3.2.1 Internacional: os Concílios
Os Concílios25
constituem-se em instância deliberativa da Igreja, capaz de expressar
a universalidade e a transnacionalidade da Instituição desde o Vaticano, na condição de
Estado, ou da Santa Sé como referência de unidade. Um concílio denomina-se “ecumênico”
(do gr. Oikoumene = mundo habitado) quando celebrado por toda a Igreja, reunindo os bispos
do mundo inteiro, sob a autoridade do Papa. O concílio ecumênico é a forma mais solene com
que o Colégio Episcopal exerce sua plena autoridade sobre toda a Igreja.
25
Os primeiros e mais abrangentes concílios foram: Nicéia (325), Constantinopla I (381), Éfeso (431),
Calcedônia (451), Constantinopla II e III (553 e 681), Nicéia II (787). A característica comum a todos foi o
ecumenismo. Não é permitido olvidar, entre estes concílios, da importância do sínodo de Cartago (418). A lista
completa dos Concílios pode ser encontrada no LEXICON: 2003, p 125, vocábulo Concílio.
99
As deliberações dos Concílios podem resultar em Constituições e Decretos a serem
observados pelos membros da Igreja. Não se trata, de nenhum modo, de Constituições e
Decretos a serem impostos sobre determinado povo, cultura, sociedade ou Estado-Nação.
Contudo, seria atitude ingênua desconsiderar o fato de que os desdobramentos dos Concílios
não exerçam influências diretas e concretas, inclusive com possíveis constrangimentos, sobre
alguns povos, culturas, sociedades e Estados-Nação. Ao longo de toda a tradição da Igreja, os
Concílios, como eventos de uma Instituição particular, sempre mobilizaram a Igreja, sem
deixar de criar expectativas na opinião pública internacional.
O Colégio Episcopal (ou Concílio) via de regra se reúne para o aprofundamento de
questões pertinentes à própria Igreja (pastoral, liturgia, ecumenismo, doutrina, etc.), e nunca
sobre sua situação enquanto Estado, nem acerca de sua relação com outros Estados. A
perspectiva ad intra adotada pela Instituição em Concílio não a impede de analisar o mundo
(ad extra). A propósito, é exatamente isso o que procura fazer a Constituição Pastoral
Gaudium et Spes do Concílio Ecumênico Vaticano II: olhar o mundo e ver-se atuando nele.
Aqui, temos uma vez mais a afirmação da internacionalização e da universalidade da Igreja.
3.2.2 Regional: o CELAM
Assim como se faz mister analisar o modo de atuação da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) para uma compreensão de conjunto da sociedade brasileira entre as
décadas de 1950 e 1980 e, particularmente, para uma compreensão da atuação política da
Igreja durante a vigência do AI-5, é de fundamental importância analisar a atuação do
Conselho Episcopal Latinoamericano e do Caribe (CELAM) e das Conferências Gerais do
Episcopado Latinoamericano e do Caribe na política regional.
Dito isso, cabe aqui uma pequena digressão. É de praxe confundir, considerando ser
a mesma coisa, o CELAM e as Conferências Gerais do Episcopado Latinoamericano e do
Caribe. Por isso, faz-se necessário distinguir, segundo Cleto Caliman, teólogo e ex-assessor
da CNBB, “entre as Conferências Gerais do Episcopado Latinoamericano e do Caribe e as
Assembleias do Conselho do Episcopado Latinoamericano - que é o CELAM” (CALIMAN,
2009). Ainda nessa seção, convém apresentar o CELAM, sua estrutura e função. Na seção
seguinte, apresentar uma breve descrição das Conferências Gerais do Episcopado da Região.
Uma Conferência Episcopal Nacional, quando de seu processo de fundação, deve
antes oferecer ao Papa elementos que justificam a criação da entidade para a Igreja naquele
100
território (Estado-Nação) e, em seguida, solicitar ao pontífice aprovação de seus estatutos.
Dirigir-se pelas necessidades, demandas e urgências de cada país, é tarefa que corresponde às
Conferências Episcopais Nacionais:
A todas preocupa o problema de uma autêntica promoção humana, em
relação com as exigências da justiça e da paz, da família e demografia, da
educação e da juventude. A todas interessa a tarefa essencial da
evangelização, que atende a renovada pastoral, a uma catequese viva e
orgânica, a uma liturgia frutífera. A todas preocupa uma visão evangélica da
Igreja e suas estruturas, que anime os movimentos apostólicos leigos, a
atualizada e sólida formação do clero (VILELA & PIRÔNIO, 1968, p. 8).
As Conferências Episcopais da América Latina somam o total de vinte e uma (21)
Conferências, o que não significa dizer que todas têm sua representação direta no CELAM. A
entidade é composta por quatro (4) membros de Coordenação (Presidente, Vice-Presidente, e
dois Secretários); por dez (10) Comissões, tendo cada uma delas sua representação na pessoa
de um presidente (10) e seus respectivos secretários (10); dezessete (17) Conselhos
Permanentes. Portanto, na reunião do Conselho, em geral, conta-se com a presença de 53
pessoas.
As Assembleias do CELAM acontecem com maior frequência se comparadas com a
Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe. As reuniões das Comissões
do CELAM podem acontecer com intervalo de tempo ainda menor, pois visam a aprofundar
temas específicos de sua área de interesse e de representação no próprio CELAM. Não
importa a instância (Comissões, CELAM ou Conferências Gerais), a sua liberdade se limita a
sugerir a data, o local, o tema (das Assembleias ou das Conferências Gerais), as presidências
das Comissões, etc., reservando à Santa Sé o legítimo direito de confirmar, alterar ou mesmo
recusar quaisquer das propostas. O poder centralizador da Santa Sé se faz perceptível em
todas as instâncias administrativas da Igreja.
As Comissões do CELAM, em razão do fim para o qual foram criadas, diferem
bastante quanto ao modo de atuação política. A maioria delas centra-se na busca de soluções
para demandas internas da Igreja, tais como liturgia, sacramentos, formação de seus quadros.
A Comissão para a Ação Social, presidida inicialmente por bispos brasileiros, demonstra
maior preocupação com as questões sócio-político-econômicas do Continente sulamericano.
Os temas mais recorrentes nas reuniões dessa Comissão são: Igreja e a integração da América
Latina; as reformas básicas para a transformação das estruturas; os problemas demográficos;
os grandes desafios para o desenvolvimento (tecnologia, qualificação e educação) e o
crescimento da violência no Continente.
101
Em suma, o CELAM, criado em 1958, poucos anos após a criação da CNBB, em
1952, demonstra atuação no campo da política regional distinta da CNBB na arena política
nacional. A CNBB, na maioria de seus membros, depois de um breve período de apoio ao
regime militar de 1964, tornou-se a principal entidade institucionalizada de oposição às suas
políticas - econômica, segurança, social. Exceto alguns poucos documentos produzidos pela
Comissão para a Ação Social, durante a presidência de bispos brasileiros, o CELAM não
demonstrou a devida preocupação com as questões que grassavam na sociedade
latinoamericana. O documento mais audacioso do CELAM para o período é Iglesia y Política,
de 1973, e paradoxalmente, assinado pelo secretário do CELAM, o ultraconservador, Alfonso
Lopes Trujillo, que inúmeras acusou a CNBB de politização da Igreja no Brasil e de procurar
fazer o mesmo com a Igreja da Região.
3.2 3 Regional: As Conferências Gerais do Episcopado Latinoamericano e do Caribe
As Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano e do Caribe realizaram-se
cinco vezes até o presente. As duas primeiras (Rio de Janeiro, Brasil, e Medellín, na
Colômbia) encontram-se no quadro de nossa pesquisa. As outras três (Puebla de Los Angeles,
no México; Santo Domingo, na República Dominicana e Aparecida do Norte, no Brasil)
extrapolam o escopo de nosso trabalho.
A cidade do Rio de Janeiro sediou, em julho-agosto de 195526
, a I Conferência Geral
do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, que determinou o surgimento de três outros
organismos essenciais para o desenvolvimento da Igreja na América Latina: 1º) a criação, pelo
papa Pio XII, em abril de 1958, da Pontifícia Comissão para a América Latina (CAL)27
; 2º) o
aparecimento do CELAM, com estatutos próprios aprovados, em 1958, pela Santa Sé, “como
organismo de contato, de serviço e de colaboração, junto aos diversos Episcopados Nacionais
do Continente” (VILELA & PIRÔNIO, 1968, p. 31-32); 3º) o surgimento de outras
26
A I Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe realizou-se no Rio de Janeiro três anos
(3) após a criação da CNBB, em 1952, sob coordenação incansável do então Pe. Helder Camara, que nomeado
bispo, tornou-se primeiro Secretário Geral desta entidade, durante doze anos ininterruptos.
27 Para dom Antônio Samoré, então presidente da CAL, à Comissão compete “estudar os problemas
fundamentais da Igreja na América Latina; acompanhar e estimular as atividades do CELAM e de seu
Secretariado Geral” (SAMORÉ, 1970, p. 26). Para Manoel Godoy, especialista em História da Igreja no Brasil,
no entanto, “a CAL transformou-se, sob a coordenação de bispos conservadores, em espécie de agência cuja
principal função é financiar projetos na linha da assistência social ou para patrocinar eventos outros organizados
pelo CELAM. A origem do capital que a Comissão movimenta encontra-se nas Igrejas enriquecidas dos Estados
Unidos” (GODOY: Entrevista, 10.12.2009).
102
Conferências Episcopais Nacionais na América Latina.
A II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe realizou-se em
Medellín, na Colômbia, em 1968, depois de ter sido devidamente preparada pela Assembleia
Extraordinária do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), em Mar del Plata,
Argentina, de 11 a 16 de outubro de 1966. A Assembleia Extraordinário do CELAM reuniu-
se, tendo ante os olhos o tema “A presença ativa da Igreja no desenvolvimento e integração
da América Latina”, como resposta do Episcopado Latino-Americano - através de seus
Delegados - aos apelos do Concílio Vaticano II e do papa Paulo VI às Igrejas do Continente.
O tema da II Conferência -“A Igreja na atual transformação da América Latina à
Luz do Concílio Vaticano II” -, indica a finalidade da presença dos bispos em Medellín:
analisar as mudanças em curso e participar do processo de integração da América Latina,
quando os regimes de governo que se instalam preconizam desenvolvimento e segurança em
detrimento dos direitos humanos e da promoção social. Além disso, “a Assembleia
encarregou-se de aplicar a renovação conciliar à situação concreta da América Latina, visto
ter sido o Concílio Vaticano II um evento para o homem moderno europeu” (GODOY, 2009).
Como “Conclusões de Medellín”, a II Conferência Geral firmou três grandes opções
da Igreja: pelos pobres, por sua libertação integral e pelas Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs). O decisivo dessas opções é que implicam uma leitura e uma prática político-pastoral
a partir das classes subalternas. Nesse contexto, os pobres compõem a grande maioria de
nosso continente. Em palavras de Leonardo Boff, “muito antes que fosse propalada por Carter
e pelo trilateralismo, a temática dos direitos humanos constitui o cerne do anúncio pastoral da
Igreja” (BOFF, 1988, p. 76).
A III Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe teve como sede
Puebla de Los Angeles, México, de 27 de janeiro a 13 de fevereiro de 1979. Depois de um
longo e conflitivo processo de preparação de quase dois anos, produziu-se impressionante
documento com mais de 300 páginas. O documento é construído segundo metodologia já
consagrada pela prática das CEBs e pela reflexão teológica do Continente que se inscreve nos
marcos da Teologia da Libertação (TdL): ver analiticamente, julgar teologicamente e agir
pastoralmente. O problema central desse método, que parte sempre da realidade, é como
articular três discursos de natureza diversa: o sócio-analítico, o teológico e o prático-pastoral.
Que isto seja possível, mostrou-o a produção da TdL. Puebla consagra as opções da Igreja
desde Medellín: a opção preferencial pelos pobres, pelas CEBs, pela defesa e promoção da
dignidade da pessoa humana, pela libertação integral do ser humano.
103
A IV Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe realizou-se em
Santo Domingo, na República Dominicana, entre os dias 12 e 28 de outubro de 1992, no
pontificado de João Paulo II, o que explica mudança de percepção na direção da Igreja e na
eleição das prioridades da mesma. O papa, em discurso de abertura, assegura que “em
continuidade com as Conferências de Medellín e Puebla, a Igreja reafirma a opção
preferencial pelos pobres” (JOÃO PAULO II, 1992, p. 20). Não obstante ignora processo
histórico de libertação que os oprimidos do Continente têm construído e propõe retorno à
tradição da Igreja, nos moldes de uma teologia europeia, o que implica, como resultado,
impor limites à Teologia da Libertação e às ações das CEBs.
A cidade de Aparecida do Norte, no interior paulista, sediou a V Conferência Geral
do Episcopado Latinoamericano e do Caribe, em setembro-outubro de 2007. Como de praxe,
o papa profere discurso de abertura da Conferência Geral e do CELAM. O papa é Bento XVI,
quando jovem teólogo, defensor de perspectiva teológica aberta, porém, após assumir a
função de Delegado para assuntos de doutrina e fé, demonstrou ser de um conservadorismo
inabalável. O discurso inaugural em si mesmo influencia bastante os rumos dos trabalhos da
Conferência. Como se não bastasse, Bento XVI permaneceu na cidade a participar de eventos
religiosos paralelos à Conferência. O dado de maior relevância encontra-se no número de
conferencistas: um terço dos participantes (aproximadamente 80 pessoas) era de delegados do
Papa. Por fim, o texto final da Conferência fora reproduzido, e distribuído inclusive pela
internet, antes mesmo da apreciação e aprovação do Papa. Quando a Santa Sé permitiu a
publicação, o texto que veio a público apareceu com inúmeros enxertos. O CELAM não se
manifestou, porém alguns membros da CNBB expressaram publicamente sua indignação
pelas alterações e em defesa do texto aprovado na Conferência.
Em suma, as três primeiras Conferências Gerais do Episcopado Latinoamericano e
do Caribe, mas especialmente as de Medellín e de Puebla, foram as mais significativas para a
integração das Igrejas (Conferências Episcopais Nacionais) no Continente Sulamericano bem
como para a integração do CELAM com as principais demandas das sociedades na região.
Essas duas Conferências Gerais foram consideradas, pelos teólogos e intelectuais católicos e
analistas de assuntos das Religiões, como Concílios para o Continente Sulamericano, nas
quais os bispos puderam analisar profundamente a realidade da região, marcada por profundas
transformações sócio-político-econômicas; propor alteração no modo de atuação da Igreja,
fazendo “a opção preferencial pelos pobres”; e elaborar diretrizes e metas para a “libertação
integral” do ser humano na região, em termos de promoção humana, social e cultural.
104
3.3 ATUAÇÃO DA IGREJA NO DESENVOLVIMENTO E NA INTEGRAÇÃO DA
AMÉRICA LATINA: UMA CRÍTICA À TEORIA DA INTERDEPENDÊNCIA
3.3.1 Atuação da Igreja no Desenvolvimento da América Latina
A Igreja na América Latina se defronta com transformações, rápidas e profundas.
Não são apenas as transformações sócio-econômicas que caracterizam aquele momento
histórico. É todo um processo de desenvolvimento iniciado nas décadas precedentes, mas que
se reveste de múltiplos aspectos. E sem diminuir a importância de outros aspectos dessa
realidade, o desenvolvimento e a integração de nosso Continente constituem-se os aspectos
decisivos para evolução cultural dos povos latinoamericanos.
O relacionamento da Igreja com o progresso implica “deveres de justiça e caridade”,
e obrigação moral. Como resultado, ante a gravidade dos problemas do desenvolvimento na
América Latina, requer-se maior atenção sobre eles, conforme orientações do Concílio
Vaticano II, a saber, promover formação sólida aos seus quadros e difundir visão teológica da
ordem sócio-econômica.
O Concílio Vaticano II observa que aumentam os laços de dependência entre os
cidadãos, entre os grupos humanos, entre as sociedades, e entre os Estados-Nações. O mesmo
Concílio assegura que:
As instituições internacionais já existentes, universais ou regionais, aparecem
como as primeiras tentativas para lançar os fundamentos internacionais de
toda a comunidade humana, a fim de resolver as questões mais graves de
nossos tempos: a promoção do progresso em todo o mundo e a proscrição da
guerra sob todas as formas (GAUDIUM ET SPES, 1965, n 84).
Os desequilíbrios econômicos e sociais põem em perigo a paz. A Constituição
Pastoral Gaudium et Spes (GS) sobre a Igreja no mundo critica duramente as teorias que
“dificultam as reformas necessárias mas também as que sacrificam os direitos fundamentais
das pessoas particulares e dos grupos à organização coletiva da produção” (GAUDIUM ET
SPES, 1965, n 65). Na visão complexa do desenvolvimento, Paulo VI afirma a necessidade
“de profundas reformas de estruturas e profundas mudanças da sociedade internacional”
(CELAM, 1966, p. 13).
105
O fato de a transformação a que assiste o nosso Continente atingir, com seu impacto,
a totalidade do homem, apresenta-se como uma exigência à Igreja. O verdadeiro
desenvolvimento consiste, segundo Medellín, na passagem de condições menos humanas a
condições mais humanas. Encontram-se assim apresentadas:
Menos humanas: as carências materiais dos que são privados do mínimo
vital; as estruturas opressivas, quer provenham dos abusos da posse ou do
poder, da exploração dos trabalhadores ou da injustiça das transações. Mais
humanas: a passagem da miséria à posse do necessário, a vitória sobre os
flagelos sociais, o alargamento dos conhecimentos, a aquisição da cultura
(CELAM, 1968a, p. 42-43).
O ensinamento da Igreja acentua o direito natural e universal, não à propriedade
particular, mas ao destino universal dos bens. A propriedade privada emerge como condição
para realizar o direito natural e universal. Na esteira da Doutrina Social da Igreja, a atuação
concreta e organizada do CELAM e das Conferências Episcopais nacionais deveria corroborar
os seguintes princípios: “a) o direito fundamental de todos ao uso dos bens materiais é
anterior à propriedade privada; b) é preciso corrigir o acúmulo da propriedade em mãos de
poucos; c) o Estado tem faculdade de determinar o limite para os proprietários gerirem
livremente seus bens” (CELAM, 1966, p. 17).
Nos quadros das reformas estruturais exigidas pelas populações latino-americanas
tem fundamental importância a Reforma Agrária. Tanto para as populações como para a vida
econômica de cada país, são tão graves os inconvenientes do latifúndio como os prejuízos da
pequena propriedade. “É necessário, portanto, estabelecer uma política da redistribuição da
terra. Em toda reforma agrária é indispensável a educação de base. Sem dúvida, é mais difícil
formar o agricultor do que dividir a terra” (CELAM, 1966, p. 19). Os Movimentos de
Educação de Base (MEB), o Método de Educação Popular elaborado por Paulo Freire
divergem da concepção do CELAM de atribuir maior dificuldade ao processo de
aprendizagem do homem do campo do que fazer reforma agrária. A história tem demonstrado
o contrário.
A Igreja no Continente define como sua política básica a promoção de autênticas
reformas das atuais estruturas que representam entrave ao progresso da América Latina e
dificultam a incorporação de grandes massas da população num maior nível de prosperidade,
nas instituições políticas, sociais, empresariais, de trabalho e culturais, de tal forma que as
estruturas da sociedade estejam a serviço da pessoa humana proporcionando “o
desenvolvimento do homem todo e de todos os homens” (POPULORUM PROGRESSIO,
1967, n 87).
106
3.3.2 Atuação da Igreja na Integração da América Latina
O papa Paulo VI, que coordenou o Concílio, em Assembleia Extraordinária do
CELAM, em Mar del Plata, na Argentina, em 1966, assegura que:
A Igreja pode contribuir para difundir o ideal de integração, despertando nos
cristãos a convicção de que os próprios destinos nacionais somente serão
alcançados dentro da solidariedade internacional, formando uma consciência
supranacional (CELAM, 1966, p. 13).
O olhar da Igreja, representada pelo CELAM, consegue ver, para além de cenário
político internacional caracterizado pela bipolaridade Leste-Oeste, as possibilidades de
contribuição da América Latina para a paz mundial:
A Integração da América Latina é um processo em marcha e de caráter
irreversível. Constitui um instrumento indispensável para o desenvolvimento
harmônico da região e marca etapa fundamental no movimento para a
unificação da família humana. Nas atuais circunstâncias de crises e
consolidação das relações políticas, econômicas e sociais, a integração da
América Latina é uma contribuição essencial para a paz mundial (CELAM,
1966, p. 13).
Nesse caso, faz-se necessário definir política capaz de orientar o processo de
integração regional. Mas será necessário alertar a todos sobre os possíveis riscos, tais como:
“os nacionalismos individualistas que ignoram o bem comum latino-americano; o egoísmo de
grupos e classes que subordinam a seus interesses particulares o desenvolvimento do
continente; os setores e grupos econômicos, que podem exercer uma influência negativa nas
áreas integradas” (CELAM, 1966, p. 14).
A Igreja não pretende apenas oferecer subsídios a outras organizações e instituições.
Ela pretende integrar-se no processo de integração latino-americano através de seus diferentes
níveis: paroquial, diocesano, nacional e internacional. Em palavras dos próprios conciliares, a
Igreja pretende especificamente:
Elaborar uma pastoral de conjunto em nível continental, aproveitando as
numerosas experiências realizadas em nível nacional; apoiar os organismos
que se ocupam da integração latino-americana; difundir, através dos
organismos educacionais da Igreja, a ideia de integração e de
desenvolvimento (GAUDIUM ET SPES, 1965, n 84).
A contribuição da Igreja para o desenvolvimento e integração da América Latina
reside, em particular, no campo da cultura, com especial atenção à educação fundamental ou
básica. “A educação é uma das mais importantes atividades para ajudar o progresso das
culturas. Urge estabelecer uma ação organizada para promover a educação fundamental, junto
107
de cada Conferência Episcopal” (CELAM, 1968b, p. 29). De modo decisivo, “criar no
CELAM um organismo de coordenação e assessoramento para as diversas Cáritas Nacionais,
e, por conseguinte, transformá-las em organismos de promoção humana” (CELAM, 1966, p.
29). Ao CELAM faltava articular-se com outras instituições e organizações internacionais
igualmente envolvidas em projetos de promoção humana e cultural.
Para os membros do CELAM, “a América Latina está evidentemente sob o signo da
transformação e do desenvolvimento”. A Igreja “procurou compreender [este] momento
histórico do homem latino-americano; quer assumir plenamente a responsabilidade histórica
que recai sobre ela no momento presente. Não basta refletir, obter maior clareza e falar. É
preciso agir”. Isto indica que “estamos no umbral de nova época da história de nosso
Continente. Época plena de um desejo de emancipação total, de libertação de qualquer
servidão, de maturidade pessoal e integração coletiva” (CELAM, 1968a, p. 41-42).
A Assembleia do CELAM, em Medellín, considerada como o Concílio da América
Latina, levou em consideração três grandes setores de atuação pastoral da Igreja para elaborar
sua análise do processo de transformação do Continente, a saber:
Em primeiro lugar, o setor da promoção humana do homem e dos povos para
os valores da justiça, paz, educação e família. Em segundo lugar, atendeu-se
para a necessidade de uma adaptada evangelização e maturação da fé dos
povos e das elites, através da catequese e liturgia. Finalmente abordamos os
problemas relativos aos membros da Igreja (CELAM, 1968a, p. 43).
Em suma, o processo de desenvolvimento e integração da América Latina, na
perspectiva do CELAM, deve ser estimulado. Haja vista, ninguém pode resolver,
isoladamente, os problemas da sociedade internacional, nem sequer de nossa América. A
Igreja tem consciência das novas exigências que emergem em todos os campos da vida
humana, não omite seu potencial e se mostra disposta a construir parcerias num esforço de
cooperação. A preparação, tanto para a participação política como para a defesa da justiça,
requer o empenho dos bispos e presbíteros da América Latina. Aos leigos, no entanto,
compete “a responsabilidade inadiável da ação social e política, capaz de dar às comunidades
nacionais aquele poder supremo sem o qual se tornam impossíveis as reformas profundas da
estrutura social” (CELAM, 1973, p. 44). De modo que, quem se dedica à política presta um
extraordinário serviço à justiça, condição para a paz.
108
3.3.3 Atuação da Igreja na América Latina pós-Medellín
Após a II Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe, em
Medellín, na Colômbia, em 1968, a Igreja demonstra ter mais consciência das questões sociais
e políticas do Continente. No plano internacional, o cenário político continua a caracterizar-
se pela bipolaridade do sistema em Leste-Oeste. A Igreja constata, diferentemente dos
Estados, o mundo dividido entre ricos e pobres, Estados ricos e Estados pobres, espalhados
pela América, África e Ásia. No plano regional, as quedas das democracias recém-nascidas.
No plano doméstico, o golpe impetrado pelo AI-5 ao regime de 1964.
O conceito de política da Igreja, para o período em questão, nos é oferecido pelo
CELAM, para quem
Em sentido amplo e geral, a política pode ser tomada em sua relação com o
bem comum. É o esforço da comunidade social pelo estabelecimento de
formas determinadas de vida social para a realização humana de seus
membros, sem apelar diretamente à conquista ou a manutenção do poder. Em
sentido estrito, a política tem relação direta com a busca, exercício e
distribuição do poder, fator unificante da comunidade social (CELAM, 1973,
p. 11).
A política, em sentido estrito, implica a busca e obtenção de poder. O exercício do
poder é concebido como a mediação social da autoridade política para a realização do homem
na comunidade social. “O bem comum28
remete à justiça, que é também objeto do poder
político, a qual não se limita à repartição de bens devidos, senão que implica o
reconhecimento real de direitos, atitudes, aspirações legítimas, de toda a comunidade, grupos
e pessoas” (CELAM, 1973, p. 12-13).
A política deve estar plenamente orientada para o serviço dos homens29
. Na política
encontram-se entrelaçados tanto os fins e os valores como os meios de alcançá-los. “A ação
política compreende diversas atividades e níveis: votar secretamente, emitir parecer sobre as
diretrizes políticas do Estado, participar ativamente dos partidos políticos, ser líder deles,
aceitar ser membro dos poderes públicos, etc.” (CELAM, 1973, p. 13).
28
O conceito de bem comum não deve, para a Igreja, ser tomado como algo abstrato, mas compreende as
aspirações mais profundas de um povo. O Concílio Vaticano II formula o seguinte conceito: “O bem comum
abarca o conjunto daquelas condições de vida social com as quais os homens, famílias e associações podem
pleitear maior plenitude e facilidade para sua própria perfeição” (GAUDIUM ET SPES, 1965, n 74).
29 A Igreja prefere usar a categoria individualizada de homem, opção que se faz em detrimento da categoria de
cidadão, termo este relacionado com um território soberano determinado, no qual os cidadãos exercem o direito
de cidadania.
109
A rigor, a política se concentra no Estado. A Igreja está condicionada pelas
circunstâncias e características dos Estados, os quais ampliam ou reduzem o raio de sua
indispensável liberdade pastoral (CELAM, 1973, p. 13). A concepção da Igreja acerca da
política, em perspectiva de Relações Internacionais, tal como expressa no fragmento,
identifica-se com o realismo clássico, para quem o Estado é ator principal e racional no
sistema internacional (anárquico) e responsável pela ordem, em termos de estabilidade (na
arena política doméstica).
Se “a política, em sentido estrito, tem uma relação tão essencial com o poder”, a
autoridade, o Estado, no qual se concentra, não se pode deixar à margem o mundo do Direito,
mediação também necessária entre os membros da sociedade e que lhes permite constituir-se
em comunidade. É preciso ter presente que “o desenvolvimento integral, a libertação de
nossos povos, não pode provir somente da atividade política” (CELAM, 1973, p. 15-16). A
política é, em última instância, expressão da organização social.
A maior parte da população latino-americana de então fora posta à margem de uma
real participação política e carece mesmo de uma verdadeira consciência política, capaz de se
mobilizar se assim a ocasião o exigir. Na Igreja e nos Estados da América Latina, o fenômeno
da politização assume características diversas.
No caso da Igreja, as entidades e os grupos internos se caracterizam por mobilização
política sem precedentes. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por
exemplo, é considerada por alguns de seus membros, particularmente da ala conservadora,
como entidade profundamente politizada. A Comissão de Ação Social do CELAM, após as
presidências de dom Eugênio de Araújo Sales, dom Aluísio Lorsheider e dom Luciano
Mendes de Almeida, direciona radicalmente sua perspectiva política para uma vertente mais
conservadora com dom Alfonso Lopez Trujillo, depois de acusar a CNBB de politização das
ações da Igreja no Brasil e no Continente Sulamericano.
A Igreja reconhece que, durante a década de 1960, a fisionomia política da América
Latina modificou-se profundamente. “Com efeito, a interação mútua dos Estados não era tão
intensa. Atualmente, em mudança, apresenta-se com evidência uma dinâmica de recíproco
influxo entre os distintos Estados, embora não se possa falar de uma integração política
progressiva” (CELAM, 1973, p. 18). De algum modo, a América Latina, ao interiorizar-se,
começa a diferenciar-se internamente.
No marco da politização se observa o fenômeno de maior organização: os indivíduos
e os grupos (partidos políticos, sindicatos, etc.) se politizam para poder expressar seus
direitos. Contudo, uma libertação integral, dos indivíduos e dos grupos, requer fenômeno
110
político frequentemente entendido sob o signo da “polarização” (CELAM, 1973, p. 19). Ora,
o termo polarização nos coloca, sempre que relacionado às demandas da sociedade latino-
americana, diante de uma falsa alternativa: “desenvolvimento” ou “revolução”. O primeiro
termo da disjuntiva, quando desprovido do imperativo das reformas estruturas, serve à
manutenção do “status quo” e da “desordem estabelecida”. O segundo termo, a revolução, por
sua vez, exige mudança do sistema (de capitalista para socialista).
Essa mudança de sistema não agrada os Estados capitalistas nem sequer à Igreja, que
teme a evolução do socialismo soviético ou chinês para um determinado tipo de comunismo.
O sistema alternativo proposto pela Igreja é apresentado por João XXIII sob a categoria de
socialização (MATER ET MAGISTRA, 1961, n 62). A socialização entendida como processo
sócio-cultural de personalização e solidariedade crescentes induz-nos a pensar que todos os
setores da sociedade deverão superar, pela justiça e fraternidade, os antagonismos para
converter-se em agentes do desenvolvimento nacional e continental (CELAM, 1968a, p. 52).
A politização descrita, afeta e interpela a Igreja que vive entre nós o problema
político, da queda das democracias, como expressão do problema social. A polarização afeta
e, por vezes, fragmenta as mesmas Igrejas na América Latina.
Se defendem determinadas posições com tanta radicalidade que geram
desconfiança, prejuízos e retaliações. Há cristãos (inclusive sacerdotes) que
aceitam a hipótese da violência como única via de solução para a situação de
injustiça. Porém, há cristãos que preservam uma consciência tranqüila na
defesa de privilégios, na utilização de poderes paralelos que impedem
reformas necessárias e desqualificam tacitamente os seus adversários. Nem
sempre o diálogo é fácil e possível entre os setores da mesma comunidade
eclesial. A pressão contra a hierarquia se concentra com especial intensidade
no sentido de ela abrir mão de seu “status quo” e desvincular-se do poder
estabelecido (CELAM, 1973, p. 21).
O processo de desvinculação entre Igreja e poder político se manifesta mais
claramente durante as duas últimas décadas do século XX. Não é ainda suficiente, mas tem
sido sem dúvida um feito profundamente válido. Os membros da hierarquia (bispos,
presbíteros e diáconos) fazem notáveis esforços para superar condicionamentos que derivam
de pertença sociológica a determinada classe social, em virtude de seu “status” especial, seja
por origem, cultura ou função.
É no marco da eclesiologia conciliar (Vaticano II) que se pode captar a estreita
relação existente entre a missão da Igreja e a dimensão política. “A missão própria que Cristo
confiou à sua Igreja não é de ordem política, econômica ou social. O fim que o assegurou é de
ordem religiosa. Mas é justamente desta mesma missão religiosa que derivam encargos”
(GAUDIUM ET SPES, 1965, n 42). É a preocupação da Igreja com o bem comum, com a
111
dimensão humana do humano, que lhe permite ampliar o termo “política” para colaborar na
realização do homem na sociedade em fecundas relações de interação.
Diante da necessidade de uma mudança global nas estruturas da América Latina,
Medellín considera indispensável a reforma política, pois
O exercício da autoridade política e suas decisões têm como única finalidade
o bem comum. Na América Latina tal exercício e decisões com frequência
aparecem apoiando sistemas que atentam contra o bem comum ou beneficiam
grupos privilegiados. A autoridade deverá assegurar, eficaz e
permanentemente, através de normas jurídicas, os direitos e liberdades
inalienáveis dos cidadãos e o livre funcionamento das estruturas
intermediárias (CELAM, 1968a, p. 53), tais como a família, as
organizações sindicais e os partidos políticos.
Se o desenvolvimento é o novo nome da paz (POPULORUM PROGRESSIO, 1967,
n 87), o subdesenvolvimento latino-americano, com características próprias nos diversos
países, é uma injusta situação promotora de tensões que conspiram contra a paz (CELAM,
1968a, p. 56). As tensões entre classes ou organizações (na política doméstica), as tensões
internacionais (oriundas da dependência de uma nação pobre de um centro de poder
econômico) e as tensões entre os países da América Latina (na política regional), constituem
ameaça contra a paz no Continente.
Na Populorum Progressio, de 1967, Paulo VI admite, em determinados casos, a
violência revolucionária. No ano seguinte, na abertura do Encontro dos Bispos da América
Latina, em Bogotá, distancia-se dessa posição. Então, no encontro dos Bispos, o assessor
brasileiro, depois nomeado bispo, dom Afonso Gregory, introduz essa categoria da “violência
institucionalizada” para contrapô-la à revolucionária.
A violência constitui um dos problemas mais graves da América Latina. “Ninguém se
surpreenderá se reafirmarmos firmemente nossa fé na fecundidade da paz” (CELAM, 1968a,
p. 61). A violência não é nem cristã nem evangélica (PAULO VI, 1968b). O cristão é pacífico
e não tem vergonha disto. Não é simplesmente pacifista, porque é capaz de combater (PAULO
VI, 1968a). Prefere no entanto a paz à guerra (CELAM, 1968a, p 61). Sabe que “as mudanças
bruscas ou violentas das estruturas seriam enganosas, ineficazes em si mesmas e não
conformes à dignidade do povo” (PAULO VI, 1968b).
Se o cristão crê na fecundidade da paz para chegar à justiça, crê também que a justiça
é condição imprescindível da paz. Não deixa de ver que a América Latina encontra-se, em
muitas partes, numa situação de injustiça que pode chamar-se de violência institucionalizada.
Esta situação exige transformações globais, audazes, urgentes e profundamente renovadoras.
“Não nos deve, pois, causar estranheza que nasça na América Latina a tentação da violência.
112
Não se há de abusar da paciência de um povo que suporta durante anos uma condição que
dificilmente aceitaria quem tem uma maior consciência dos direitos humanos” (CELAM,
1968a, p 61).
Assim sendo, a Igreja, em Medellín, dirige-se:
Em primeiro lugar aos que têm maior participação na riqueza, na cultura ou
no poder. São também responsáveis pela injustiça todos os que não atuam em
favor da justiça na medida dos meios de que dispõem, e permanecem
passivos por temor aos sacrifícios e riscos pessoais. Finalmente, àqueles que,
diante da gravidade da injustiça e resistência ilegítimas às mudanças, põem
sua segurança na violência (CELAM, 1968a, p. 61).
Diante das tensões que conspiram contra a paz, chegando inclusive a insinuar a
possibilidade da violência, o CELAM não pode se eximir de responsabilidades como:
Criar uma ordem social justa, sem a qual a paz é ilusória; despertar nos
homens e nos povos, principalmente através dos meios de comunicação
social, viva consciência da justiça; defender os direitos dos pobres; denunciar
os abusos e as injustiças consequências das desigualdades excessivas entre
ricos e pobres; urgir para que em muitos de nossos países se detenha e reveja
a atual política armamentista (CELAM, 1968a, p. 62-64).
O processo de desenvolvimento traz consigo abundantes riquezas para algumas
famílias, insegurança para outras, e marginalidade social para as restantes. O rápido
crescimento demográfico engendra vários problemas tanto de ordem sócio-econômica como
de ordem ético-religiosa. É certo que existe um rápido crescimento da população, devido
menos aos nascimentos que ao baixo índice de mortalidade infantil. É certo também, constata
Medellín, “que nossos países sofrem de subpopulação e precisam de aumento demográfico até
mesmo como fator de desenvolvimento” (CELAM, 1968a, p. 68). Atualmente, percebe-se o
equívoco de tal relação, pois é sabido que o desenvolvimento humano e o crescimento
econômico de um determinado Estado-Nação independe do controle estrito da demografia.
3.3.4 Crítica da Igreja à Teoria da Interdependência
Os documentos da Igreja, em particular Pacem in Terris, Mater et Magistra e
Populorum Progressio, descomprometem a Instituição com os sistemas sócio-econômicos
existentes, permitindo-lhes falar a partir de nova posição. A Igreja agora pode reconhecer os
aspectos positivos do socialismo, especialmente no que concerne à justiça social. Em nome
dos direitos humanos, da justiça distributiva, a Igreja explicita, uma vez mais, a
incompatibilidade da lógica da acumulação capitalista com a sua ética da equidade.
113
A Igreja, como organização supranacional, falando em nome de toda a humanidade e
apoiada sobre valores transcendentes, procura colocar-se num plano somente comparável ao
da Organização das Nações Unidas (ONU) e como seu eventual substituto caso ocorresse o
que ocorreu à Liga das Nações. Em relação à ONU, a Igreja dispõe claramente de algumas
vantagens: maior independência financeira e política em relação aos Estados nacionais e um
corpo doutrinário, cuja legitimidade não depende dos Estados e dos homens, mas se coloca
além deles.
No plano da política internacional, a Igreja critica os Relatórios da Comissão
Trilateral, para quem a cooperação internacional entre os países desenvolvidos consistiria em
fator de maior interdependência, tendo por fim “ordem mundial mais efetiva e humana”
(ASSMANN, 1979, p. 13). Não obstante, as nações subdesenvolvidas representavam forte
ameaça à “cooperação” e, por sua vez, à estabilidade do sistema internacional.
Fundou-se a Comissão Trilateral em 1973 sob direção de David Rockfeller, “com o
objetivo de estabelecer lugar de encontro para os cidadãos mais respeitáveis [banqueiros,
intelectuais e políticos] dos principais países industrializados não comunistas e distribuídos
em três centros: Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão” (ASSMANN, 1979, p, 19), e
formada por mais de 200 personalidades.
A Comissão se destaca pela acentuada seletividade (intelectual, financeira e política)
de seus membros, hermetismo discreto das suas reuniões, genialidade e rapidez na produção
das informações de que necessitava. Com relação aos bancos de dados sobre a América Latina
dos anos 50, 60 e 70, os Estados Unidos, cede da Comissão, em particular a Universidade de
Michigan, possui maior banco de dados sobre a Região. Para Hugo Assmann,
É fácil encontrar exemplos de obras muito documentadas sobre o controle
que o poder econômico – especialmente o de um número reduzido de grandes
corporações transnacionais – exerce sobre o poder do Congresso e da
Administração [nos Estados Unidos]. Porém é pouco frequente encontrar, em
obras desse tipo, um questionamento do sistema capitalista como imperialista
na sua essência (ASSMANN, 1979, p. 7-8).
A informação sobre as intervenções imperialistas - por conseguinte, antidemocráticas
-, e, ainda mais relevante, a postergação de iniciativas ante questões que afetavam três quartos
da humanidade (desemprego, miséria, doenças, etc.) não se materializou nos discursos da
Comissão, nem sequer tangencialmente, em virtude das leis que regiam (e regem) o sistema
capitalista, agora sob novas leis e nova lógica, a saber, do capitalismo transnacional das
grandes corporações. O silêncio da Comissão não impedia, no entanto, pelo contrário, a
emergência de discursos denunciatórios de instituições transnacionais.
114
O estudo dos Relatórios da Comissão Trilateral30
afirmava-se como fundamental em
razão da qualificação da equipe, que em última instância, os produzia. O estudo do Relatório
feito por dom Helder Camara evidencia aspectos positivos e negativos da perspectiva adotada
pelos técnicos para análise dos dados coletados em todo o mundo.
Os Estados Unidos têm permitido que suas relações especiais, historicamente
mantidas com as demais nações do Hemisfério, se deteriorem, seriamente; os
Estados Unidos têm permitido que vários interesses estreitos, vexames
orçamentários e de balanço de pagamento, levem de enxurrada as nossas
relações internacionais; a ciência e a tecnologia não têm acompanhado o
passo com as comunicações no desenvolvimento das nações do Hemisfério;
temos que trabalhar com os nossos irmãos americanos com o propósito de
que ninguém seja explorado ou degradado para o benefício de outros; os
Estados Unidos não têm nenhuma formulação clara dos objetivos de sua
política em relação ao Hemisfério Ocidental (CAMARA, 1970c, p. 2).
O Relatório Rockfeller, de 1969, também não consegue esconder seus próprios
equívocos. O Relatório concebe investimento privado como sujeição das economias nacionais
aos trusts internacionais. Em termos do Relatório,
Um acelerado desenvolvimento econômico exigirá crescente fluxo de
investimento privado, nacional e estrangeiro. O principal problema é a falta
dos Governos das Repúblicas do Hemisfério de reconhecerem devidamente a
importância do investimento privado (CAMARA, 1970c, p. 3).
À análise dos técnicos a serviço da Comissão Trilateral, dom Helder Camara
apresenta os seguintes questionamentos:
Ainda se pode falar em iniciativa privada, quando trusts, equipados com
modernos dispositivos técnicos, estão habilitados a esmagar, na concorrência,
pequenas e médias empresas, mesmo com tradição, honestidade e clientela?
Se os Estados Unidos adotaram, internamente, uma lei anti-trust e criaram, no
Senado, uma Sub-Comissão para controlar-lhe a aplicação, não será o caso de
os Estados Unidos ajudarem o Hemisfério a livrar-se do mal que eles
combatem na própria Casa? (CAMARA, 1970c, p. 4).
A Trilateral era composta por representantes dos Estados Unidos, da Europa
Ocidental e do Japão. Apesar das diferenças notáveis que proporcionam identidades
específicas a cada um dos centros, existem afinidades que lhes asseguram as bases para certa
unidade ideológica: “a democracia, no vetor político; a defesa das liberdades internamente e
dos direitos humanos externamente, no vetor ético; e a filosofia liberal, no vetor econômico”
(ASSMANN, 1979, p, 20).
30
O Relatório da Comissão Trilateral também pode ser identificado pelo nome de Relatório Rockfeller. O
Relatório da Comissão, de 1969, recebe especial atenção por dom Helder Camara em conferência nos Estados
Unidos, em janeiro de 1970.
115
Os trilateralistas passaram a considerar o comunismo soviético ou chinês como
problema de segunda grandeza. “A pretexto de combater o comunismo, muitos adotam
anticomunismo unilateral que interpreta como subversão e comunismo toda e qualquer
tentativa de mudança das estruturas econômico-sociais e político-culturais” (CAMARA,
1970c, p. 5). Quem os preocupava, sobretudo, e, de fato, era o Terceiro Mundo porque este
poderia negar-se a “cooperar”.
Em estudo publicado pela Trialogue (1975, p. 12), Bbigniew Brzezinski, o principal
expoente da Comissão Trilateral, constata-se que:
Hoje em dia, achamos que o plano visível da cena internacional está mais
dominado pelo conflito entre o mundo avançado e o mundo em
desenvolvimento do que pelo conflito entre as democracias trilateralistas e os
Estados comunistas, e que as novas aspirações do Terceiro Mundo, tomadas
em conjunto, representam, no meu entender, uma ameaça maior à natureza do
sistema internacional e, em definitivo, às nossas próprias sociedades ao
negarem-se à cooperação (BRZEZINSKI apud ASSMANN, 1979, p. 11).
No ano seguinte, em 1976, registra-se ampla semelhança interpretativa da cena
política internacional (se quiser, pode-se declarar plágio) o pronunciamento de Jimmy Carter
feito ao Le Monde Diplomatique.
É muito provável que num futuro próximo o problema da paz e da guerra está
mais relacionado com os problemas econômicos e sociais entre o Norte e o
Sul, do que com os problemas de segurança militar entre o Leste e o Oeste,
que dominaram as relações internacionais desde a Segunda Guerra Mundial
(CARTER apud ASSMANN, 1979, p. 11).
Os trilateralistas se viam, pois, diante de dupla Guerra Fria: a continuação de uma
com os russos e a outra contra as nações subdesenvolvidas. Desde então, os conceitos de
“interdependência” e “cooperação” tornaram-se centrais da “nova estratégia global” dos
trilateralistas. Os países em desenvolvimento, ante situação de “dependência” incontestável,
iniciam processo de “politização” de seus problemas técnicos e econômicos, e,
concomitantemente, ameaçam resistir à “cooperação”. Assim, a tarefa de continuar criando
comportamento cooperativo (cooperative behavior) se depara com obstáculos que se terá que
desmontar. Para Richard Cooper, “muitos países ainda não estão preparados ou dispostos a
atuar em estreita colaboração com outros países” (COOPER apud ASSMANN, 1979, p. 13).
Antagonismos políticos tendem a minar a acumulação de ações cooperativas e, com isso,
destroem pré-requisito essencial para management efetivo da interdependência. Na situação
atual de complexidade e incerteza existe a necessidade de „pólos de cooperação‟. Cremos que
a região trilateral pode constituir-se num pólo com essas características (ASSMANN, 1979, p.
13).
116
Cabe aos países em desenvolvimento “cooperar”. A explícita declaração que
inaugura a “guerra fria” contra o Terceiro Mundo encontra-se, sem dúvida, em artigo de Fred
Bergsten, Secretário-Assistente do Tesouro para Assuntos Internacionais da Administração
Carter, publicado já em 1973 com o sugestivo título A Ameaça do Terceiro Mundo. Richard
Ullman tem, portanto, razão em qualificar o trilateralismo como “uma frente unida das
sociedades industriais avançadas do Ocidente para contrariar as novas exigências e a ação
militante do Terceiro Mundo” (ULLMAN apud ASSMANN, 1979, p. 15).
A vitória de Carter nas eleições americanas foi interpretada como “ressurgimento
inesperado dos ideais americanos sobre os despojos da agonia nacional causada pela
administração de Nixon e pelo vírus de Watergate” (MICHEO apud ASSMANN: 1979, p,
17). Além disso, esforço com denodo dos membros da Comissão, sobretudo com suporte
estratégico, ajuda a explicar chegada de Carter à Presidência dos Estados Unidos.
Sendo a Comissão uma criação predominantemente americana, é lógico que
investissem ali na captação do governo. Entre os candidatos disponíveis, os membros da
Comissão escolheram Carter. Contudo, não teriam eles apoiado tão substancialmente Carter
se não estivessem seguros de atuação dele, sobretudo em política internacional. Tampouco
esqueceram a tradição americana de que cada Presidente tem um centro acadêmico de
prestígio onde possa se apoiar. Carter se apóia na Bookings Institution, centro dedicado ao
estudo de problemas governamentais.
A partir do exposto, a Comissão Trilateral e a Brookings Institution representam duas
instituições não-partidárias em que se apóia Jimmy Carter. A primeira em matéria econômica;
a segunda em termos acadêmicos. A revista Time, em sua edição de 20.12.1976, afirma:
Há duas semanas apenas, Carter escolheu Cyrus Vance, membro da Comissão
Trilateral, para Secretário de Estado. Nada menos que 16 outros trilateralistas
- a quarta parte dos membros americanos da Comissão -, e pelo menos 10 dos
46 renomados acadêmicos da Brookings Institution, aconselham Carter
durante o período de transição (ASSMANN, 1979, p, 21-22).
No gabinete definitivo, cinco membros da Comissão Trilateral ocuparam postos de
primeira linha: o presidente: Jimmy Carter; o vice-presidente: Walter Mondale; o secretário de
Estado: Cyrus Vance; o secretário do Tesouro: Michael Blumenthal e o conselheiro para a
Segurança Nacional: Zbigniew Brzezinski.
A Comissão reconhece a crise na ordem internacional e sugere que direção coletiva é
fundamental para qualquer tipo de solução. No mais, objetiva minimizar a concorrência
dentro do mundo trilateral e subordinar as políticas territoriais aos seus objetivos econômicos
transnacionais.
117
O pensamento da Comissão Trilateral gira em torno de número limitado de conceitos,
tais como: “interdependência”, “cooperação” e “subdesenvolvimento”. O conceito central de
todo o pensamento da Trilateral é, sem dúvida, o da interdependência. Toda a argumentação
utilizada parte da interdependência ou conduz a ela. “A interdependência tal qual entendida
pela Comissão não se refere à interdependência de qualquer sistema econômico ou social, mas
daquela resultante de mudança qualitativa da interdependência que rege qualquer sistema
econômico” (ASSMANN, 1979, p. 83).
A ação que promove esta interdependência como processo não se baseia mais sobre
Estados-Nações: “O Estado-Nação, enquanto unidade fundamental na vida organizada do
homem, deixou de ser a principal força criativa: os bancos internacionais e as corporações
multinacionais planejam e atuam em termos que levam muitas vantagens sobre os conceitos
político do Estado-Nação” (BRZEZINSKI: 1970, p. 102). Portanto, a força promotora desta
interdependência não é o Estado-Nação, mas os bancos internacionais e as corporações
multinacionais.
As ameaças de guerra, de colapso ecológico, de pobreza extrema, constituem-se em
ameaças à interdependência. “Apesar de a interdependência ser uma rede que interliga
praticamente todos os Estados, ela continua sendo bastante frágil. A proliferação nuclear e as
mudanças ecológicas indesejáveis são duas ameaças crescentes à solidificação destes
vínculos” (ASSMANN, 1979, p. 89). A prevenção de tais mudanças e de colapsos de ordem
mais geral (e a reparação dos danos) são as tarefas maiores para a comunidade global.
A palavra que emerge com força para enfrentar as ameaças à interdependência é
cooperação (KEOHANE & AXELROD, 1986). Só através da cooperação internacional pode-
se efetuar o que se convencionou chamar o management da interdependência.
A gestão da interdependência vem a ser o problema central da ordem mundial
contemporânea. Os interesses diversos (e específicos) de cada Estado colocam novos desafios
à cooperação e, por sua vez, à estabilidade do sistema internacional. O sentido de
comunidade global, se é que os Estados o tenham construído, fomentará a cooperação,
sobretudo se as mudanças que por ventura vierem a ocorrer na política mundial se efetuarem
sem maiores perturbações.
Não obstante, não pode se confiar muito nesse sentido de comunidade global. Os
Estados, sempre que podem, implementam política de segurança nacional ostensiva. O
inimigo externo pode ser outra unidade do sistema, mas não necessariamente. O inimigo do
Estado, a exemplo da estratégia e de força em violência do terrorismo contemporâneo, pode
não ter, e quase nunca o tem, territorialidade definida, condição que dificulta o embate e o
118
combate. Se nem todos podem cooperar, convém ao menos que cooperem os mais fortes, os
quais, por sua vez, assumirão a representação dos mais fracos.
De cooperação que se desenvolve entre os mais fortes resultaria série de benefícios
para o resto do mundo. Em primeiro lugar, a cooperação é essencial para o caráter evolutivo
da ordem mundial. Em segundo lugar, efetuaria melhor management dos problemas globais
de importância, tais como de ordem econômica ou ambiental. Em terceiro lugar, caso
houvesse real interesse, promoveria desenvolvimento econômico nas regiões mais pobres do
mundo, com especial atenção para o combate da pobreza mundial.
A sujeição do Estado-Nação à interdependência (irracional) significa aumento da
extrema pobreza e violação sistemática dos direitos humanos liberais (ASSMANN: 1979, p.
94). A submissão a esta interdependência, agravando a pobreza extrema, constitui-se numa
ameaça à estabilidade da comunidade global, a qual, parece manter-se apenas através da
violação sistemática dos direitos humanos.
Não obstante, nos países em desenvolvimento, sob a pressão dos esforços para aliviar
a pobreza, o desejo de autonomia nacional acarreta dificuldades especiais. Ansiosos por
afirmar sua independência em todos os campos, frequentemente estes países tendem a
considerar regulamentações necessárias dentro das relações de interdependência como
interferências em assuntos internos e afronta à soberania deles. Isso constitui verdadeira
ameaça de degenerescência da interdependência.
O que estava em jogo não era a integração, mas sim os condicionamentos dela,
expressos na palavra interdependência. “Os países trilateralistas impunham como sujeito da
integração as companhias multinacionais e a submissão do Estado-Nação aos seus
mecanismos de ação”. O problema do desemprego e da miséria serve de pretexto para
mudança na política de desenvolvimento. “Os países trilateralistas deveriam aumentar
substancialmente o fluxo de recursos visando aliviar a pobreza no mundo, dando peso maior
aos melhoramentos na produção de alimentos, à entrega de serviço de saúde eficiente e à
extinção do analfabetismo” (ASSMANN, 1979, p. 100-101). A industrialização aparece como
a grande culpada, tanto da miséria quanto do desemprego.
A Trilateral torna-se anti-industrialista. “Insinua-se que as atividades não industriais
criam número de emprego maior do que a indústria e que o apoio dos países trilateralistas os
obriga a restringir a industrialização dos países subdesenvolvidos” (ASSMANN, 1979, p.
101). O desemprego é gerado tanto na orientação dos investimentos para a agricultura quanto
na sua canalização para a indústria.
119
O tema da interdependência ressurge com inegável força nos estudos de Relações
Internacionais na década de 1970. Robert Keohane e Joseph Nye lançam o livro Power and
Interdependence: World Politics in Transition, de 1977, no qual defendem a tese de que “os
processos transnacionais estavam mudando o caráter do sistema internacional” (KEOHANE
& NYE, 1977, p. 12). Os dois autores constatam que as economias nacionais encontram-se
mais interligadas pelo avanço das comunicações, pela intensificação de transações
financeiras, pelo crescimento no volume do comércio, pela atuação de empresas
multinacionais em diferentes mercados.
Os teóricos liberais, como Norman Angell, acreditavam que “o grau de
interdependência entre as economias européias tornaria uma guerra quase impossível”
(ANGELL, 2002, p. 129). Ainda que foco permaneça voltado para campo econômico, Ernst
Haas também depositava confiança na promessa das organizações internacionais, ao
considerar que “a realidade de economia internacional muito mais complexa, cujas redes
produtivas e de circulação muitas vezes ultrapassavam fronteiras nacionais sem controle dos
Estados” (HAAS, 1964, p. 132).
A característica específica dessa política mundial é a emergência de atores não-
estatais desempenhando papéis mais relevantes que os Estados em decisões sobre
investimentos, tecnologia, telecomunicações, etc. Keohane e Nye acreditam que não é mais
possível estudar relações internacionais olhando apenas para o comportamento dos Estados; é
imprescindível, portanto, incorporar os novos atores nos modelos de análise.
Em Power and Interdependence, os dois autores se propõem a mostrar como a
interdependência, ao contrário de ser um fenômeno neutro, pode ser uma fonte de conflito e
um recurso de poder. Trata-se, na verdade, da primeira tentativa importante de conciliar uma
perspectiva liberal com o realismo. Keohane e Nye afirmam que o realismo não possibilita a
compreensão da política mundial num mundo complexo e interdependente, mas, ao mesmo
tempo, dizem que sua teoria complementa o realismo ao incorporar as mudanças nas formas
em que o poder era exercido.
Entretanto, Waltz desenvolve significado político de interdependência. Para o maior
representante do neorealismo clássico:
O significado político de interdependência varia dependendo se domínio é organizado,
ou se permanece formalmente desorganizado. Pois, desde que um domínio seja
formalmente organizado, as suas unidades são livres para se especializarem, para
perseguirem os seus próprios interesses sem se preocuparem em desenvolver os meios
de manutenção da sua identidade e preservação da sua segurança perante os outros.
São livres para se especializarem porque não têm razão para temer a crescente
interdependência que vem com a especialização. Se aqueles que se especializam mais,
120
beneficiam mais, então competir pela especialização prossegue (WALTZ, 2002, p.
145-146).
Na definição de Keohane e Nye, a interdependência deve ser entendida como
“relação entre dois (ou mais) países na qual processos e decisões tomadas em cada um têm
efeitos recíprocos”. O mundo tem se tornado interdependente em economia, em comunicação
e em aspirações humanas. “A interdependência afeta a política mundial e o comportamento
dos Estados, mas ações governamentais também influenciam padrão de interdependência”
(KEOHANE & NYE, 1977, p 3; 5).
Dado o caráter complexo dessa interdependência e da consequente redução em sua
autonomia, os Estados encontram grandes dificuldades para lidar com os novos e crescentes
riscos e oportunidades do novo contexto. Do ponto de vista teórico, a “interdependência
complexa” atingiu o tradicional conceito de “interesse nacional”. Se não podemos considerar
o Estado como ator unitário, já não podemos inferir o interesse nacional do comportamento
do Estado, mas precisamos identificar quais interesses seus representantes estão defendendo
em cada contexto específico.
A existência da interdependência afeta a política internacional e o comportamento
dos Estados, os interesses ampliam-se para além das fronteiras nacionais, colocando questões
cruciais à ordem doméstica e à estabilidade do sistema. Além disso, onde há interdependência,
encontram-se também custosos efeitos de transações. Na perspectiva de Keohane e Nye, as
relações de interdependência sempre implicam em custos para os envolvidos, e, a princípio,
não é possível especificar se os benefícios do relacionamento são maiores do que seus custos;
nada garante que as relações de interdependência possuam benefícios mútuos.
A agenda internacional, sob processo de “interdependência complexa”, é afetada
principalmente pelas alterações na distribuição dos recursos de poder. Enfim, pode-se afirmar
que o poder, e a consequente assimetria por ele produzida, em determinadas circunstâncias se
poderia estabelecer densidade de interesses suficientemente capaz de garantir continuidade a
determinadas políticas. Os bancos e as corporações multinacionais constituem-se em força
promotora desta interdependência.
Ao contrário do que os analistas mais otimistas poderiam pensar, a interdependência
pode ser - e frequentemente o é - fonte de conflitos. A questão que se coloca, então, é a de
buscar meios para administrar tais conflitos de maneira a permitir que os Estados usufruam
dos benefícios de sistema internacional mais integrado.
121
3.4 O SURGIMENTO DE UMA CONSCIÊNCIA DA LIBERTAÇÃO E DE UMA
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
3.4.1 Do Conceito de Libertação à Consciência da Liberdade
“Libertação” - entendida como consciência histórica - não é conceito exclusivamente
teológico. A palavra “libertação” pode ser entendida em relação com a “teoria da
dependência”31
, elaborada na América Latina com vistas ao problema do
subdesenvolvimento. “A teoria da dependência determina o uso teológico do conceito de
libertação” (BOFF, 1976, p. 13; SANDER, 1986, p. 12). Na origem da consciência da
libertação encontra-se o fenômeno do subdesenvolvimento.
De acordo com Leonardo Boff, a linguagem da libertação articula nova ótica pela
qual se interpreta a história humana no seu presente e no seu futuro. Pensar e atuar em termos
de libertação em política, em economia, em pedagogia, em religião, etc. implica uma virada
hermenêutica e uma entronização de novo estado de consciência (Cf. BOFF, 1976, p. 13). A
consciência da libertação irrompe na história.
Um dos mais atuantes discípulos de Joseph Lebret, V. Cosmão, assim circunscrevia o
desenvolvimento:
O desenvolvimento não pode ser senão a evolução global de uma sociedade
que se mobiliza a si mesma sob o impacto da civilização científica e técnica e
põe em atividade todo o seu capital de civilização e de cultura para enfrentar
a situação nova na qual se encontra pela evolução histórica (Boff, 1976,
p.16).
A Aliança para o Progresso foi fruto desta teoria, encampada também por outros
organismos internacionais como o BID, CEPAL, FMI e ONU. “Os países subdesenvolvidos
são mantidos subdesenvolvidos pela rede de dependência dos centros de decisão” (BOFF,
1976, p. 17), realidade que “condiciona sua cultura como um todo” (SANDER, 1986, p. 13).
O subdesenvolvimento não é uma fase superável, mas uma situação geral dentro do sistema
político e econômico vigente na América Latina e no mundo ocidental (BOFF, 1976, p. 16).
A experiência sócio-política do subdesenvolvimento como estrutura de dependência
e de dominação do centro sobre a periferia levou à concepção de libertação (BOFF, 1976, p.
31
A “teoria da dependência” resulta de formulação compartilhada atribuída a dois intelectuais da Universidade
de São Paulo (USP). CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e Desenvolvimento na América Latina.
Ensaio de Interpretação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
122
19; SANDER, 1986, p. 13). A categoria “libertação” passa a constituir um correlato oposto à
“dependência”. A concepção desenvolvimentista, de perfil excessivamente conservador, é
rejeitada em favor de visão conflitiva do fenômeno do subdesenvolvimento.
A consciência dos mecanismos que mantêm a América Latina no
subdesenvolvimento entendido como dependência e dominação levou a falar-se em
“libertação”. A categoria “libertação” implica recusa global do sistema desenvolvimentista,
em termos capitalistas, em nome de um desenvolvimento construído mediante a exploração
de Povos, Sociedades e Estados menores e fracos. A categoria “libertação”, à diferença da
categoria “desenvolvimento”, postula ruptura consciente com o status quo da dependência. A
consciência da libertação permite perceber a ausência da liberdade ou da autonomia /
independência perdida, e se propõe a recuperá-la.
A “libertação” implica uma ação criadora de liberdade. Os sujeitos dessa libertação
só podem ser os próprios oprimidos. “A libertação importa o sacudimento de todo tipo de
servidão” (BOFF, 1976, p. 19). Paulo Freire concebeu a educação como prática da liberdade e
elaborou uma pedagogia do oprimido. Através da conscientização, resultante de um processo
educativo, o oprimido passa de uma consciência ingênua para uma consciência crítica.
Opressão-libertação é uma estrutura permanente no devir da humanidade. Até que se
efetive a libertação (independência), os indivíduos ou os Estados encontram-se sob condição
de dependência. A estrutura da libertação não existe em si, mas somente em concretizações
históricas diversas (políticas, sociais, etc.), nas quais ela não se exaure, pois mantém uma
abertura permanente - e é exatamente nisso que consiste o processo de libertação - para novas
concretizações.
A análise de conjuntura da realidade sócio-político-econômico-cultural da América
Latina criou uma consciência da ausência da libertação como uma dimensão constitutiva da
realidade latinoamericana crucial para o desenvolvimento humano e o crescimento econômico
da região. A hermenêutica da história política regional, em termos de crescente reivindicação
por libertação e integração, implica simultaneamente um correlato: o processo de opressão e
dominação do homem pelo homem, ou dos Estados pelos Estados, e o processo de libertação
reivindicado por homens e Estados.
123
3.4.2 Teologia da Libertação: Fazer Teologia na (e para) Nova Igreja
A Teologia da Libertação empreende, não sem esforço heróico de alguns teólogos32
,
revisão profunda da tradição teológica cristã, de modo crítico e analítico da realidade humana
na América Latina, à luz do Deus libertador. Trata-se de novo jeito de “fazer” teologia para
uma “nova Igreja” que se constrói a partir das exigências de uma profunda libertação que
antecipa mesmo a libertação do Reino de Deus.
Antes de fazer Teologia é preciso fazer libertação. Sem essa pré-condição concreta a
Teologia da Libertação vira mera literatura. Na raiz do método da Teologia da Libertação se
encontra o laço com a prática. É dentro dessa dialética maior de Teoria (da fé) e Práxis (da
caridade) que atua a Teologia da Libertação (BOFF & BOFF, 1985, p. 37-38). A libertação é,
pois, a superação de todas as realidades de violência contra o ser humano.
A elaboração da Teologia da Libertação se processa em três momentos fundamentais:
ver, julgar e agir. “Em Teologia da Libertação fala-se nas três mediações principais: mediação
sócio-analítica, mediação hermenêutica e mediação prática” (BOFF & BOFF, 1985, p. 40). O
conhecimento das demandas do ser humano, não importando a cultura, faz parte (material) do
processo teológico global.
Assim, a Teologia da Libertação consiste em “refletir criticamente à luz da
experiência cristã de fé sobre a práxis dos homens, principalmente dos cristãos, em vista da
libertação integral dos homens” (BOFF, 1976, p. 42). A libertação integral diz da condição do
“homem todo e de todos os homens”. É um processo global-dialético que abrange
simultaneamente as instâncias econômica (da pobreza real), política (das opressões sociais e
das administrações arbitrárias) e religiosa (do pecado).
A defesa da libertação dentro de Continente imerso em situação de opressão não
pode terminar senão em gestos de libertação. A situação de miséria imposta ao povo
sulamericano não é resultado de determinismos, mas de injustiças. O desenlace dessa
realidade se mostra difícil, pois implica a superação de interesses em jogo. Para João Batista
Libanio, “a reflexão sobre o processo de libertação iniciada pela Teologia da Libertação veio
despertar-nos desse sono ingênuo” (LIBANIO, 1976, p. 138).
32
Os teóricos de maior relevância na literatura da teologia da Libertação são: Gustavo Gutiérrez, do Peru;
Leonardo Boff, Joseph Comblin, José Oscar Beozzo, Ivone Gebara, do Brasil; Sergio Torres, Ronaldo
Munõz, do Chile; Enrique Dussel, do México; Jon Sobrino, de El Salvador; Juan Luis Segundo, do
Uruguai.
124
A América Latina é, nas décadas de 1960 e 1970, o lugar teológico privilegiado em
virtude dos desafios urgentes que coloca à fé cristã em termos de reflexão e ação. Um dos
maiores teóricos da teologia da libertação, Gustavo Merino Gutiérrez, percebeu que:
“procurar a libertação do subcontinente vai mais além da superação da dependência
econômica, social e política. Consiste, mais profundamente, em ver o devir da humanidade
como processo de emancipação do homem” (GUTIÉRREZ, 1975, p. 121).
Nesse sentido, a teologia da libertação optou por aquele tipo de análise do
subdesenvolvimento, denominador comum de nossos países, como sistema de dependência
dos centros imperiais. Historicamente a América Latina viveu na dependência de sucessivos
centros hegemônicos. A saída dessa situação consiste num processo de ruptura dos laços de
dependência e, por conseguinte, na elaboração e implementação de projeto de libertação
nacional auto-sustentado, de modo a considerar processo de integração regional.
Acresce ainda que na América Latina as forças repressoras detêm o poder e tornaram
quase impossível a possibilidade de emergência de um movimento organizado de libertação.
De acordo com Leonardo Boff, “diante do regime geral de cativeiro, muitos, embora aceitem
a teoria da dependência, propõem uma mudança do sistema por meio de mudanças no
sistema” (BOFF, 1976, p. 34).
Com o estabelecimento de regimes militares em muitos países da América Latina e
diante do totalitarismo da ideologia da Segurança Nacional modificaram-se as tarefas da
teologia da libertação. Para Leonardo Boff, “urge viver e pensar a partir de uma situação de
cativeiro; deve-se elaborar uma verdadeira teologia do cativeiro. Esta não é uma alternativa à
teologia da libertação; é uma nova fase sua, dentro e a partir de regimes repressivos” (BOFF,
1976, p. 39).
Também com relação à Doutrina Social da Igreja (DSI) a Teologia da Libertação
tem uma relação estreita. Na medida em que a DSI oferece as grandes orientações para a ação
social dos cristãos, a Teologia da Libertação procura, de algum modo, integrar essas
orientações em sua síntese e ação. Não se trata de alimentar uma relação de resistência,
concorrência ou discriminação. Os teólogos da Teologia da Libertação se esforçam por
compreender a teologia e a Igreja numa articulação da fé como práxis.
125
3.4.3 Desdobramento: as CEBs, Igreja Popular e Inclusiva
A opção pela libertação integral do homem obrigou a Igreja a uma análise-crítica
mais pertinente às causas geradoras do empobrecimento generalizado. A principal causa
reside no sistema capitalista dependente, associado e excludente que se implantou na América
Latina. A Igreja, ou parcela dela, superou a postura meramente desenvolvimentista e
progressista e inseriu-se junto ao povo, e quanto mais se inseria mais entendia que deveria
falar em libertação operada pelo próprio povo. Análise política da compreensão da Igreja
indica que se deveria caminhar rumo a uma sociedade do tipo socialista, de democracia
participativa.
O fato mais importante da eclesiologia dos últimos séculos é o surgimento das CEBs.
O povo, há séculos silenciado na sociedade e na Igreja, toma a palavra. Para Leonardo Boff,
É um ato de poder. É uma primeira libertação, a libertação da palavra cativa.
A importância política de tal acontecimento é incomensurável; o tecido social
rompido começa a ser costurado. Uma flor sem defesa pode ameaçar a relva
selvagem que é a presente ordem antidemocrática e discriminatória (BOFF,
1988, p. 78).
A Igreja que se faz pobre, mais ainda, que permite os pobres se sentirem Igreja a
ponto de constituírem a Igreja dos pobres, com sua cultura de pobres, com sua situação
espoliada (e denunciada), assume a exigência de transformação da sociedade. Emergiu em
todos, eclesiásticos e leigos, o sentido social da solidariedade para com toda uma classe
social, aquela dos trabalhadores explorados, dos desempregados; refletindo-se na criação de
círculos bíblicos, comunidades cristãs e movimentos de promoção e defesa dos direitos dos
pobres.
A Igreja Popular na América Latina surgiu como consequência da renovação eclesial
animada pelo Vaticano II (LIBANIO, 1976; SUESS, 1979; MUNÕZ, 1985; SOBRINO, 1981;
ELLACURÍA, 1983). Os teóricos tomaram a sério o capítulo segundo da Lumen Gentium
acerca do “Povo de Deus”. A Igreja Popular é a Igreja dos pobres; uma Igreja que luta pela
libertação; uma Igreja na base e a partir da base; uma Igreja politizada; aberta para todos e
para as diferenças. O que o povo e os pobres mais almejam é superar a pobreza que os impede
de viver.
O primeiro modelo de Igreja, da cristandade, “abarca todas as ordens da sociedade”
(BRUNEAU, 1974, p. 35) e se constrói ao redor do clero, a quem cabe a hegemonia na
condução da Igreja. O segundo modelo, aquele da Igreja Popular, “se constrói sob a
participação de todos, com a presença forte do povo organizado, novo sujeito histórico
126
emergente na sociedade e na Igreja” (BOFF, 1986, p. 59).
A história das CEBs no Brasil nos mostra que na raiz de sua formação encontram-se
agudas contradições sociais, como geradoras de seu surgimento, que passam pelas condições
em que se operam a produção e a reprodução, pela existência de classes subalternas e têm
diretamente a ver com o modo como se ocupou e se ocupa a terra no Brasil (BALDISSERA,
1987, p. 10).
Observa-se que as CEBs não se restringem somente ao aspecto espiritual, mas
evidenciam contradições de natureza política e social. Embora estivessem inscritas no bojo da
dimensão religiosa, organizadas, incentivadas e assessoradas pela Igreja, atuam em campo
mais amplo, de caráter social e político. Como consequência, entende-se que as CEBs
constituem potencial de transformação dentro da sociedade civil.
A gestação e a consolidação das CEBs no Brasil se operam em pleno regime militar,
quando as formas de expressão eram bloqueadas e quando qualquer movimento social estava
impedido de vir a se organizar. Assim, “com o estreitamento da arena política doméstica, a
Igreja expandiu-se em direção às camadas populares e, nesse quadro, as CEBs constituíam-se
as bases a partir das quais a Igreja demonstrou sua força frente às atrocidades do regime
vigente” (GODOY, 2009).
Apoiadas na “opção preferencial pelos pobres” e na teologia da libertação, as CEBS
defendem que os pobres, os oprimidos devem criar e desenvolver suas próprias organizações
para a busca da Justiça, da libertação, da participação e comunhão, como formulam as
“conclusões” das Conferências Gerais do Episcopado Latinoamericano e do Caribe em
Medellín (1968) e Puebla (1979).
Quanto à natureza das CEBs, “não se trata de um movimento dentro da Igreja como
podem ser os cursilhos, o catecumenato cristão, comunhão e libertação ou o movimento
familiar cristão. Com as comunidades se trata de algo mais fundamental: da própria Igreja na
base do povo” (BOFF, 1986, p. 72). Na medida em que a grande Igreja se abre às camadas
populares, estas entram dentro da Igreja, conferindo-lhe uma característica própria.
Constituídas por pequenos grupos de pessoas provindas das camadas populares, as
CEBs elaboram análise de conjuntura da sociedade brasileira, no esforço claro de
conscientizar a todos para transformá-la. A partir do método “ver-julgar-agir”, abordam os
grandes temas, a começar pelos grandes problemas da sociedade global. Assim, as CEBs são
perseguidas.
De acordo com o historiador brasileiro José Honório Rodrigues, em Conciliação e
Reforma no Brasil:
127
A minoria dominante – conservadora e liberal – foi sempre alienada,
antiprogressista, antinacional e não contemporânea. A liderança nunca se
reconciliou com o povo. Nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o
que não é. Nunca viu suas virtudes nem admirou seus serviços ao país,
chamou-o de tudo – Jeca-Tatu – negou seus direitos, arrasou sua vida e logo
que o viu crescer lhe negou pouco a pouco sua aprovação, conspirou para
colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continua achando que lhe
pertence (BOFF, 1986, p. 74).
Nas comunidades se fez vastamente a recuperação do sentido nobre de política como
a busca comum do bem de todo o povo. E isto se realiza com a criação de comunidades,
associações e organizações de toda ordem, por tudo aquilo que recria o tecido social e refaz
permanentemente o povo como sujeito de seu destino e corresponsável pela construção de
uma sociedade nacional e internacional harmônica.
A apreensão do processo das relações de poder nas CEBs se faz a partir do
movimento contraditório da Igreja-instituição, na sociedade civil e política, que se apresenta
como espaço onde se exerce a dominação-subordinação; por outro lado, também onde se faz o
exercício da libertação. O importante para o estudo das relações de poder nas CEBs é o
movimento dessa contradição (poder e grupos de interesses), existente também na Igreja. As
mudanças que se processam em termos de exercício do poder, como transformação social,
desenvolvem-se em direção de “nova sociedade”.
A partir do exposto, transparece claramente que o significado das CEBs ultrapassa
seus limites religiosos, embora o risco de descambar na direção de uma célula partidária, com
contornos revolucionários, não fosse inteiramente descartado. Nelas emergem novo sujeito -
sócio-político - com linguagem que reivindica justiça, verdade e libertação.
128
4. A REDUÇÃO DO ESPAÇO POLÍTICO DOMÉSTICO PELO AI-5 E SUAS
CONSEQUÊNCIAS
4.1 O APARATO REPRESSIVO DE APORTE AO AI-5
4.1.1 O SNI, Suas Divisões e Assessorias
O presente capítulo analisa o estreitamento da arena política doméstica promovido
pelo Ato Institucional nº5 (AI-5) através de seus aparelhos repressivos institucionalizados, ou
não, com diversos tipos de violência e perseguições orientadas para a Igreja, enquanto
instituição social de oposição à política de segurança do regime, e à sociedade brasileira em
geral. O nosso ponto de partida consiste em apresentar o Serviço Nacional de Informações
(SNI) como instância responsável pela produção de informação que se destinava ao Executivo
por meio do Conselho de Segurança Nacional (CSN). Em seguida, convém analisar a
resistência oferecida pela Igreja à política de segurança dos Governos militares e as
conseqüências oriundas de tal postura, para, enfim, examinar o processo de
transnacionalização de demandas da sociedade brasileira por meio dos pronunciamentos de
dom Helder Camara.
A dialética da violência entre organizações armadas e forças de repressão do Estado
progredia entre os anos de 1968 e 1978, mas com relativa redução de seu ímpeto após 1973.
Embora as organizações revolucionárias exigissem bastante coordenação, as ações das
mesmas careciam de profissionalismo. A luta de guerrilha caracterizava-se sobretudo pelo
sequestro de diplomatas estrangeiros, com a finalidade de trocá-los por presos políticos
pertencentes às organizações clandestinas. As forças de repressão dizimaram as fileiras das
organizações clandestinas pelo uso generalizado da tortura, para obter informações que
pudessem levar à prisão de outros e, por conseguinte, ao desmantelamento das redes de apoio
dos grupos de guerrilha.
O principal aparelho da engrenagem repressiva no país atendia pelo nome de SNI,
que começou a ser montado por Golbery de Couto e Silva em abril de 1964. Assim o SNI fora
definido pelo seu próprio fundador:
O SNI é um órgão nitidamente introvertido, por definição sempre voltado
para dentro, e ao qual não está afeta qualquer atividade de divulgação
129
pública, de propaganda ou contrapropaganda, limitando-se a promover a
difusão de informações e, quando for o caso, avaliações e estimativas, apenas
no âmbito governamental e com a adequada salvaguarda do sigilo
(GOLBERY apud GASPARI, 2002a, p.156). Nós éramos meia dúzia de
gatos-pingados (GOLBERY apud GASPARI, 2002a, p.157).
Para Elio Gaspari, “operacionalmente o SNI herdou a estrutura do Serviço Federal de
Informações e Contra-Informação, o SFICI, uma repartição inexpressiva vinculada ao
Conselho de Segurança Nacional, e o arquivo do IPÊS”. Embora não gozasse, inicialmente,
sequer de expressividade organizacional, em pouco tempo reúne “capital político” a ponto de
atrair para si duras críticas, tal como a veiculada no jornal Correio da Manhã, para o qual o
SNI “é um ministério de polícia política, instituição típica do Estado policial e incompatível
com o regime democrático” (GASPARI, 2002a, p. 155).
Os “gatos-pingados” de 1964 se tornaram, com o tempo, efetivo estimado em 82
pessoas, em função do que se denomina de Comunidade de Informações. “Golbery concebeu
um órgão de elite. De um elitismo parecido com o da CIA nos primeiros anos do após-guerra”
(GASPARI, 2002a, p.158). O SNI nasce fazendo em segredo tudo o que a Presidência
precisava que fosse “bem-feito”, inegavelmente bem articulado inclusive no campo político.
Pela estrutura logística, o SNI ficou entre os dez mais bem equipados serviços de informações
do mundo. De acordo com Elio Gaspari,
Seu poder de alavancagem política foi superior ao da CIA, do Intelligence
Service, ou mesmo da KGB. O serviço soviético, em 72 anos de existência,
conseguiu fazer um só secretário-geral do Partido Comunista, Yuri Andropov,
em 1982. Só um ex-chefe da CIA (George Bush) chegou à Presidência dos
Estados Unidos. Em vinte anos, durante os quais o SNI foi chefiado por cinco
generais, dois deles, Emilio Garrastazú Medici e João Batista Figueiredo,
chegaram à Presidência da República (GASPARI, 2002a, p.169-170).
O SNI foi desastroso para o país que o cevou. Transformou-se em tribunal de
instância superior para questões políticas, e, em 1970, foi de sua estrutura que saiu a avaliação
pela qual o general Médici escolheria os governadores dos 21 estados brasileiros. Envolveu-se
na pacificação de conflitos de terras no Nordeste e de comunidades indígenas na Bahia.
Acumulou capital financeiro através de exportações clandestinas de café. Foi “condômino de
arsenais secretos que chegou a pensar em utilizar numa tentativa de invasão de Portugal, em
1975” (GASPARI, 2002a, p.170). Distribuiu canais de televisão e de rádio. Financiou jornais
e revistas falidos. Compartilhou com o Exército da censura de telefones - o pessoal do
Exército gravava e, em troca, recebia as análises. Seus quadros participaram de panfletagens
contra o governo em 1975 e de atos terroristas a partir de 1977. Sua cúpula acobertou os
autores de mais de uma centena de atentados políticos, os quais iam desde a explosão de
130
bombas até o incêndio de bancas de jornais que vendiam publicações de esquerda.
Essa comunidade poderia dar a impressão de organicidade, de estar debaixo de uma
doutrina, de compor um Sistema Nacional de Informação. O SNI poderia parecer algo
tenebrosamente eficaz. Não foi nem uma coisa nem outra. Gastou muito dinheiro, mas não
adquiriu nenhuma sofisticação além do primitivo poder de polícia, da arbitrariedade e da
corrupção.
Vinte anos depois de ter criado o SNI e três depois de tê-lo chamado de “monstro”,
Golbery reconhece: “Tentamos criar um serviço de informações, mas entramos pelo cano”
(GOLBERY apud GASPARI, 2002a, p.173). Após desmoralização do órgão pelos escândalos
políticos, criminais e financeiros, Golbery ironiza seus discípulos:
Há determinadas cousas que não se devem fazer. Se num determinado
momento elas são úteis, é razoável que se pense em fazê-las. Eu não critico
toda essa bobageira que essa gente fez porque eram cousas condenáveis em
si. O que eu critico é o fato de eles terem se metido a fazer cousas
condenáveis sem saber fazê-las. Nós não devemos tentar fazer o que não
sabemos (GOLBERY apud GASPARI, 2002a, p.173).
Diretamente vinculadas ao SNI eram as Divisões de Segurança e Informação (DSIs),
que funcionavam em todos os ministérios. Segundo Maria Helena Moreira Alves, as DSIs
encarregavam-se de “controlar o aparato burocrático interno dos ministérios e as áreas
psicossociais específicas de que se ocupam. Desse modo, cada DSI não só tem poder de veto
sobre nomeações de qualquer escalão nos ministérios, como estende suas atribuições a toda a
área de responsabilidade ministerial” (ALVES, 2005, p. 209).
Vinculavam-se também diretamente ao SNI as Assessorias de Segurança e
Informação (ASIs), que operavam em todos os ministérios civis, empresas, órgãos e
autarquias de Estado, assim como em empresas que tinham contrato com o governo federal.
Cada ramo das Forças Armadas tinha sua própria rede de informação33
. Este aparato consiste
de Centros de Informação (CIEX no Exército, CENIMAR na Marinha e CISA na
Areonáutica), que operam interna e externamente, e dos Serviços Secretos (E-2, Exército; M-
2, Marinha e A-2, Aeronauta). A missão específica dos Serviços Secretos é controlar o
“público interno” através dos Departamentos. Os Serviços Secretos da Marinha e do Exército,
em particular, envolveram-se na repressão física direta e mesmo na tortura da população
através do Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), e seu Destacamento de Operações
33
Mais detalhes sobre os órgãos e estruturas do Aparelho repressivo podem ser encontrados, por exemplo, em
BIOCCA, E. Estratégia do terror: a face oculta e repressiva do Brasil. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1974;
FON, A C. Tortura: a história da repressão política no Brasil. São Paulo: Global, 1979; CABRAL, R.; LAPA,
R. (Ed.). Os Desaparecidos políticos: prisões, seqüestros, assassinatos. Rio de Janeiro: Edições Opção, 1979.
131
e Informações (DOI).
Até 1967 a responsabilidade pela repressão física cabia ao CENIMAR e às polícias
civis estaduais (através da Secretaria Estadual de Segurança Pública - SESP). A SESP
coordenava as atividades do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS ou DEOPS),
que, por sua vez operava as Divisões Municipais de Polícia (DMs). À medida que cresciam os
grupos de luta armada, o Estado de Segurança Nacional criou outros organismos
especialmente treinados para a obtenção de informação. A primeira organização de repressão
violenta direta foi a Operação Bandeirantes (OBAN). Financiada por industriais brasileiros e
multinacionais, a OBAN operou em 1969 vinculada ao II Exército, baseado em São Paulo.
Com o desenvolvimento da dialética da violência, a OBAN estendeu-se para outros estados,
mas suas principais atividades eram no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Além dos órgãos e organizações mencionados, o Poder Executivo do Estado de
Segurança Nacional utilizou o Departamento de Polícia Federal (DPF), diretamente
subordinado ao Ministério da Justiça. O DPF coordenou a repressão física em épocas de
mobilização nacional pela segurança interna, dedicando-se especialmente à censura e controle
da informação. Toda a burocracia de censura estava ligada ao DPF.
As forças militares e paramilitares constituem outro elemento importante da estrutura
oficial do aparato repressivo. As Polícias Militares foram criadas como força independente em
cada Estado, com unidades de comando autônomas e responsáveis perante o governador. No
Estado de Segurança Nacional as Polícias Militares foram subordinadas ao Exército34
. As
polícias estaduais, embora oficialmente independentes do Exército, são controladas pelo
Secretário de Segurança Pública, nomeado com aprovação do governo federal. Desse modo,
as polícias estaduais também são em grande parte controladas pelo governo federal, e
passaram a fazer parte do serviço idealizado e planejado pelas Forças Armadas, na condição
de instância de sustentação do governo federal e, por conseguinte, do regime militar ditatorial.
34
Até 1969 as polícias militares dos estados não estavam diretamente envolvidas na repressão à dissensão
popular. Em 1969 a Junta Militar baixou decreto (n 667) por meio do qual reestruturava e centralizava no
Exército o controle operacional das polícias militares de todos os estados e alterava seus objetivos, que seriam
agora de manter a “segurança interna” e não mais de policiamento preventivo.
132
4.1.2 O Poder Executivo em Ação: as Cassações de Mandatos e a Criminalização da Política
Os Atos Institucionais constituíram-se em instrumentos de auxílio para a governança
e de escape para série de atividades arbitrárias. Os choques entre governo e oposição se deram
quase sempre em torno de casos em que os encarregados dos Inquéritos Policiais Militares
(IPMs) mantinham cidadãos presos, sem culpa formada, por prazos largamente superiores aos
que a lei estabelecia.
Desde sua promulgação em 13 de dezembro de 1968 até sua revogação em 1978, “o
AI-5 serviu como justificação legal para a punição de mais de 1.067 pessoas. Durante o
governo Geisel outros 74 cidadãos foram punidos com base no AI-5”. Entre os processados
estavam burocratas, militares, políticos, professores, advogados, arquitetos, engenheiros e
membros do judiciário. Os Atos Institucionais 1, 2 e 5 puniram com “prisão, suspensão e
outras medidas disciplinares 6.592 membros das Forças Armadas. O AI-5, nos seus dez anos
de vigência, cassou os mandatos de 113 deputados federais e senadores, 190 deputados
estaduais, 38 vereadores e 30 prefeitos” (ALVES, 2005, p. 161-162). Constata-se pelos
expurgos da representação política, que o contexto representativo e político foi neste período
seriamente mutilado.
As cassações e os inquéritos produziam sobre o corpo docente das universidades
brasileiras efeito depurador. Os liberais, que discretamente apoiaram a derrubada de Goulart,
refluíam para a oposição ou, pelo menos, para o silêncio diante da anarquia de IPMs, delações
e arbitrariedades militares. A esse refluxo dos liberais correspondia, quase sempre, avanço dos
aproveitadores associados à extrema direita. Mais avançava o oportunismo, mais retraíam-se
os liberais, mais radicalizavam-se os estudantes, e policiava-se a universidade, fazendo
avançar o obscurantismo.
A criminalização da política nas escolas representou um mau passo dado num país
onde o movimento estudantil, pela sua tradição, tinha um pé na esquerda e outro na elite,
permitindo tráfego histórico de ideias. Assim fora na abolição, assim fora durante a maré
fascista da primeira metade do séc. XX. Assim fora na grande manifestação que tomou as
praças do país em 1961 e obrigou os ministros militares que vetavam a posse de João Goulart
na Presidência da República a recuar em seu golpe.
133
4.2 A OPOSIÇÃO DA IGREJA AO “REGIME DA LIBERTINAGEM”
4.2.1 A Formulação do Conceito de “Regime da Libertinagem”
A Igreja é, enquanto organização social, composta por cidadãos de uma determinada
nacionalidade considerados leigos e eclesiásticos com “direitos iguais” de participação dentro
da instituição. Não obstante, durante os quatro primeiros séculos de história da Igreja no
Brasil, os leigos não gozavam de qualquer poder de influência no seio da instituição nem
tinha qualquer peso político específico. Em outras palavras, os leigos sofriam a religião e
também a vida política, pois não lhes era permitido - pelos grupos dominantes-, participar
efetivamente das dimensões política e religiosa.
No século XIX, entre os nomes mais expressivos, embora não possam ser
considerados como militantes católicos como hoje compreendemos o leigo, encontram-se
Joaquim Nabuco e Cândido Mendes. Inequivocamente, dois intelectuais vigorosos de
profunda participação no campo da política e de trânsito fácil nos diversos círculos
eclesiásticos. Atualmente, o leigo significa católico, aquele que tem algum tipo de atuação na
Igreja (militante ou não) ou aquele que, por vezes, desempenha na sociedade determinada
função em nome da Igreja.
É o caso de Alceu Amoroso Lima, o leigo católico que melhor formulou definição do
regime de 1964 no Brasil: “o regime da libertinagem” (CASTRO, 1985, p. 12). A definição
sugere dois elementos importantes: primeiro, que essa percepção do regime nasceu dentro da
Igreja; segundo, que a expressão marcou o encontro ou, mais precisamente, o desencontro da
Igreja com o autoritarismo do regime militar de 64. Essa importância acentua-se quando se
descobre que o leigo que elaborou tal definição tinha o peso de maior líder católico do Brasil
e de toda a América em seu tempo.
No embate entre Igreja e regime militar não nos é possível avaliar se maior grau de
comprometimento adveio dos leigos ou dos eclesiásticos. A declaração mais sensata, se é que
nos seja possível assim expressar, consiste na afirmação de que ambos (leigos e eclesiásticos)
desenvolveram mecanismos de profunda cooperação e atuaram em parceria estratégica, em
especial na arena política doméstica. Se dom Helder Camara figura como o principal
representante da Igreja na arena política internacional entre os anos de 1968 e 1978, a melhor
definição do regime de governo implantado no Brasil em 1964 é de um leigo vigoroso de
nome Alceu Amoroso Lima.
134
Com o raciocínio dialético que sempre caracterizou a exposição de seu pensamento,
Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde) diz que “libertinagem é a maior inimiga da
liberdade”, como o “fanatismo é o maior inimigo da fé”. Em matéria publicada no Jornal do
Brasil (13.12.1973), sob o título “A libertinagem contra a liberdade”, Alceu mostrou que toda
ditadura é uma libertinagem política:
Sempre que se nega ao povo o direito de participar de seu Governo, ao menos
pelo exercício legítimo e honesto do direito de votar e de votar sem cartas
marcadas previamente quanto ao resultado das eleições, estamos cometendo
um atentado de libertinagem política. Sempre que se abusa do poder,
transformando-o de serviço ao bem comum em simples exercício arbítrio
autoritário, tanto por decretos-leis, expressão de hipertrofia do Poder
Executivo, como por leis impostas ao Poder Legislativo, e se restringem
assim os direitos dos representantes do povo ou dos magistrados, entramos
em pleno exercício da libertinagem política (CASTRO, 1985, p. 13).
Na sequência, Alceu demonstra que o evento transcorrido em 1964 se traduzia em
autêntica libertinagem policial:
Mas sempre que se abusa da força policial e se declara, como acaba de fazer
o próprio Secretário de Segurança do mais poderoso Estado de nossa
Federação [Alceu omite o nome do coronel do Exército, talvez fosse, Erasmo
Dias]: 'Bandido não se recupera, só acarreta problemas, tanto para a
sociedade, como para a Justiça, mais ainda para a Polícia. Os criminosos vão
para as prisões onde têm campo de futebol e são engordados à custa da
sociedade, para depois serem libertados e cometerem novos crimes. Na
minha opinião só a pena de morte, que já existe no direito brasileiro,
resolveria o problema, pois só o controle da natalidade e o aborto podem
acabar com a miséria e evitar novos crimes' - sempre que isso ocorre e tão
eloquentemente o exprime esse secretário de Segurança, entramos na selva
mais espessa da libertinagem policial (CASTRO, 1985, p. 13).
O argumento subsequente diz-se também da libertinagem jurídica:
Sempre que se nega ou se retarda aos próprios pais de um jovem 'subversivo'
assassinado, como aconteceu recentemente com o filho do professor Edgar da
Mata Machado [José Carlos], sequer a entrega do corpo de seu filho, estamos
na mais revoltante libertinagem jurídica (CASTRO, 1985, p. 13).
A seguir expõe a libertinagem social:
Sempre que se substitui a promoção espontânea e livre das camadas
proletárias da população por um paternalismo legislativo de concessões e não
de reconhecimento de direitos imprescritíveis, entramos no domínio da
libertinagem social (CASTRO, 1985, p. 14).
Em seguida, Alceu descreve a libertinagem intelectual:
Sempre que se abusa da alegação de segurança e se restringe ou se nega o
direito de livre informação cívica dos mais graves problemas da
nacionalidade, por uma censura arbitrária da imprensa e se atinge mesmo a
criação artística, como ao censurar as canções de Chico B. de Holanda,
passamos ao domínio da libertinagem intelectual (CASTRO, 1985, p. 14).
135
No campo das artes:
Como igualmente quando a pornografia se substitui à verdadeira arte ou se
equipara a liberdade criadora à simples negação de qualquer norma de
composição estética, incidimos igualmente na passagem da liberdade à
libertinagem no plano mais nobre da criatividade humana (CASTRO, 1985,
p. 14).
Chegamos à libertinagem econômica:
Sempre que se confunde o dever da iniciativa nos domínios da vida
econômica e se hipertrofia o liberalismo econômico protegendo-se o capital
mais que o trabalho e importando o capital estrangeiro, à custa de uma mão-
de-obra barata pelo cerceamento do direito de greve ou por uma distribuição
iníqua do produto nacional, entra-se em cheio na libertinagem econômica (CASTRO, 1985, p. 14)
E à libertinagem religiosa:
Sempre que se impede, em nome da ordem pública, o pleno exercício da
missão da Igreja em levar ao povo a consciência, não apenas dos seus
deveres, mas dos seus direitos, limitando-se a vox populi e com isso a vox
Dei, pelo cerceamento da palavra dos próprios bispos como no caso de Dom
Helder Camara ou da recente cassação da Rádio 9 de Julho de São Paulo,
órgão oficial da diocese, estamos pecando por libertinagem religiosa
(CASTRO, 1985, p. 14-15).
Finalmente, a libertinagem universitária e sindical:
Quando se anestesia e se persegue uma mocidade pelos limites impostos ao
pleno exercício dos seus diretórios acadêmicos, como aos trabalhadores o
pleno exercício de seus direitos sindicais, é a vez da prática da libertinagem
universitária e sindical (CASTRO, 1985, p. 15).
Em análise da sociedade brasileira, mais especificamente das diretrizes políticas do
regime militar, Alceu elabora ampla definição do mesmo. Que nos é possível afirmar,
entretanto, acerca do comportamento dos membros da hierarquia? Não é menos vigorosa sua
posição, como se pode aferir do documento Eu ouvi os clamores do meu povo35
, do mesmo
ano de 1973. Embora não tenha sido documento oficial da CNBB, como assegura Marcos de
Castro (1985, p. 15), constitui-se num documento representativo da Igreja do Nordeste,
através de seus quatro Secretariados Regionais.
35
O documento Eu ouvi os clamores do meu povo é comumente identificado pelo codinome Manifesto dos
Bispos do Nordeste e constitui-se análise de conjuntura da sociedade, por meio da qual se pretende informar e
conscientizar a todos das demandas da sociedade brasileira e, oportunamente, denunciar os abusos do governo
pelo uso desproporcional da força e de desrespeito aos direitos humanos e civis.
136
4.2.2 “A Igreja sai da Sacristia”
O documento “Eu ouvi os clamores do meu povo”, assinado por 17 bispos do
Nordeste e pelos provinciais dos Franciscanos do Recife, dos Jesuítas do Nordeste e dos
Redentoristas, no Recife, consiste num entrelaçado de questões políticas e econômicas
nacionais polêmicas:
O “milagre brasileiro”, despido, de um lado, da crença popular, da devoção e
da esperança, resulta de outro lado no favorecimento dos não-necessitados,
implicando um castigo aos que foram sacrificados, maldição para aqueles que
não o pediram. No rastro do “milagre” ficou o empobrecimento relativo e
absoluto do povo. No processo de empobrecimento dos que são pobres para
aumentar a fortuna dos ricos, a concentração de renda é a demonstração mais
clara da opressão e da injustiça de que é capaz a estrutura de propriedade
privada dos meios de produção, em que se fundamenta o atual sistema
brasileiro. A ausência de liberdade, a violência da repressão, as injustiças, o
empobrecimento do povo e a alienação dos interesses nacionais ao capital
estrangeiro não podem constituir sinal de que o Brasil tenha encontrado o
caminho de sua afirmação histórica (CAMARA et al., 1973p, p. 20-23).
As posições refletidas nesse documento resultam de desenvolvimento histórico do
pensar e agir da Igreja no pós-II Guerra Mundial. Segundo Marcos de Castro, “é difícil situá-
las no tempo com exatidão. De qualquer modo, as grandes - e não no sentido de tamanho -
encíclicas de João XXIII (Mater et Magistra, de 1961, e Pacem in Terris, de 1963)
representam marco importante para assinalar seu florescimento e expansão” (CASTRO, 1985,
p. 16). É nesse contexto que o leigo, no Brasil, atinge maior estágio de participação na vida da
Igreja e, por conseguinte, assiste-se ao “acordar das consciências” de alguns segmentos da
Igreja para com as demandas da sociedade brasileira, à espera de transnacionalização.
De acordo com Marcos de Castro, “é a denúncia das injustiças, são os esforços de
promoção humana que acompanham o arejamento da Igreja nascido do sopro do Espírito,
através de João XXIII. É a Igreja a se atualizar, a se pôr em dia com os problemas humanos
do tempo presente” (CASTRO, 1985, p. 16). A análise desenvolvida por Marcos de Castro
permite inferir nova forma de atuação de parcela da Igreja nos campos político-social
resultante de uma mudança de mentalidade. Além disso, percebe-se esforço de modernização
das estruturas organizacionais da instituição, de modo a agilizar o processo de implementação
das deliberações. Para usar a expressão do próprio João XXIII, é o aggiornamento na Igreja.
A instituição deu-se conta de que, composta por homens, não podia se colocar alheia
aos problemas humanos. Com efeito, na segunda metade do séc. XX, o problema mais grave a
ser enfrentado pelos governos nacionais e pelas organizações nacionais e transnacionais, é o
da miséria (global), produto da injustiça social nacional, regional e internacional.
137
Assim, no Brasil, desde o início da década de 1960 e, sobretudo, após o golpe de
1968, “a Igreja passara de conivente com os poderosos a denunciadora de injustiças. E de
denunciadora das injustiças a encorajadora ou agente, ela própria, da promoção humana”
(CASTRO, 1985, p. 17). Nesse quadro, parcela relevante da Igreja (leigos e eclesiásticos),
não sem temer retaliações, protagonizou novo impulso de ação social com intensidade sem
precedentes na sua história, pelo menos na América Latina, e muito menos ainda na Europa. A
ação social da Igreja, desenvolvida em contexto sócio-político de tensões, implicou opção
deliberada e atuação inéditas no Brasil e no continente americano, cuja mudança de
comportamento passou a incomodar a velha Europa acostumada a elaborar e a exigir a
implementação de suas diretrizes dentro dos Estados-Nações com predominância de cidadãos
católicos, ou onde o poder de influência da Igreja demonstrasse perspectiva de crescimento.
Os eventos de ruptura constituem-se nos motores da História. A ruptura político-
governamental que se constata na história de alguns Estados, quer por revolução quer por
golpe, resulta sempre de processo decisório de atores que procuram conciliar valores e
interesses em condições de entrelaçar os pensamentos políticos divergentes e a convergir os
interesses dissonantes. A primeira governança de Getúlio Vargas (1930) põe fim à República
Velha (1889), viciada pela “política dos Governadores”, segunda a qual o bem dos Estados
representava o bem da União. O Estado Novo de Vargas (1937-1945), de expressão ditatorial,
é substituído por regime democrático. O interregno democrático (1946-1964) é bruscamente
interrompido por golpe de Estado impetrado por atores civis e militares para a confluência e
resolução de seus interesses. Em 1968, o AI-5 representa golpe dos militares da “linha dura”
aos golpistas de 1964. Por fim, em 1985, o país reafirma seu interesse pelo regime
democrático. Assim sendo, a história política do país caracteriza-se por inúmeras rupturas de
governo, embora nenhuma delas tenha se prolongado com desdobramentos que alterassem as
estruturas da sociedade brasileira, de modo sistêmico, e a atingir o Estado com suas
organizações e instituições.
A história da Igreja e dos Estados latino-americanos é marcada por avanços e recuos.
Depois de grandes passos dados pela Igreja em Medellín (1968) e Puebla (1979), os quais se
traduzem, particularmente, em “opção pelos pobres” como elemento central de sua missão
social, em opção pela Teologia da Libertação e Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a
Santa Sé, por excessivo temor de infiltração comunista na Igreja da América Latina, renuncia
a todos os símbolos de libertação, e reafirma a teologia europeia e pastorais espiritualizantes.
Acostumada a explorar os recursos e a influência de poder do Estado, a Igreja em
âmbito nacional, cuja relação com o governo caracteriza-se pela cooperação, salvo raras
138
exceções, decide apoiar o golpe, e tal decisão “serve com toda a segurança para mostrar que a
Igreja não teve má vontade em relação ao golpe. Apoio que se pode chamar de oficial, se se
levar em consideração o fato nada desprezível de que partiu da Comissão Central da CNBB”
(CASTRO, 1985, p, 17). Alguns trechos do documento, divulgado em 02 de junho de 1964,
mas publicados pelos jornais no dia seguinte como conclusão da reunião da referida Comissão
entre os dias 17 e 29 de maio, asseguram que:
O Brasil foi, há pouco, cenário de graves acontecimentos, que modificaram
profundamente os rumos da situação nacional. Atendendo à geral e
angustiosa expectativa do Povo brasileiro, que via a marcha acelerada do
comunismo para a conquista do Poder, as Forças Armadas acudiram em
tempo, e evitaram se consumasse a implantação do regime bolchevista em
nossa Terra (CNBB, 1964a, p. 1; LIMA, 1979, p. 147; Castro, 1985, p. 17).
Após análise da situação política doméstica que permite à CNBB concluir por
ameaça do avanço do comunismo no país e pela precisão cirúrgica na ação das Forças
Armadas, a Comissão Central, em nome da CNBB, se expressa agradecida a Deus e aos
militares por seus respectivos métodos e eficiência de intervenção nos rumos da nação, nos
seguintes termos:
Ao rendermos graças a Deus, que atendeu às orações de milhões de
brasileiros e nos livrou do perigo comunista, agradecemos aos Militares que,
com grave risco de suas vidas, se levantaram em nome dos supremos
interesses da Nação, e gratos somos a quantos concorreram para libertarem-
na do abismo iminente (CNBB, 1964a, p. 1; LIMA, 1979, p. 147).
Apesar dessa boa vontade em relação ao golpe, parcela da Igreja considerada
progressista e, em geral, também do círculo dos moderados, passaria a encará-lo com espírito
crítico. Para Marcos de Castro, “é difícil acreditar que esse documento de 1964 tenha sido
aprovado pela mesma Comissão Central da CNBB que fizera publicar, em 1º de maio de
1963, documento firmado em 30 de abril, saudando o aparecimento da Pacem em Terris,
assinada por João XXIII em 11 de abril desse mesmo ano” (CASTRO, 1985, p. 18). Na
referida encíclica o papa João XXIII expressou-se preocupado com a injustiça na distribuição
de riquezas no planeta e com uma participação mais ampla de todos na ordem internacional.
O documento dos bispos brasileiros sobre a Pacem in Terris revela outra linguagem
dos membros da Comissão Central da CNBB um ano antes do golpe. A Comissão, então,
assegurava:
Quisemos meditar sobre essa Encíclica tendo diante de nós a realidade
brasileira. A quantos estudam esta realidade e a quantos sentem as profundas
aspirações do povo, parece evidente que, se de um lado rápidos progressos se
operam em escalas cada vez mais amplas, de outro lado graves entraves a
condicionam nas características ainda marcantes de um país subdesenvolvido,
139
no qual o impacto das realidades rural e urbana gera consequências
gravíssimas de despersonalização. Sentimos, de outro lado, que a consciência
dos homens no mundo os encaminha para uma maior participação e
compromisso com uma ordem planetária (CASTRO, 1985, p 18).
Dificilmente alguém acreditaria que a primeira assinatura nesse texto é de dom Jaime
de Barros Câmara, então cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro. Ou que o assina dom Augusto
Álvaro da Silva, arcebispo da Bahia e primaz do Brasil. Ou que também o assina dom Vicente
Scherer, arcebispo de Porto Alegre, conhecido como uma das vozes mais conservadoras da
hierarquia brasileira. Mas fica mais fácil entender as coisas quando se sabe que a essas três
assinaturas juntavam-se as de dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, arcebispo de São
Paulo, de dom José de Medeiros Delgado, arcebispo de São Luis do Maranhão, e sobretudo a
de dom Fernando Gomes dos Santos, arcebispo de Goiânia. Esses seis nomes constituíam a
Comissão Central da CNBB.
Está aí uma das chaves para compreender por que a Igreja, depois do recuo que se
seguiu imediatamente ao golpe, conseguiu se organizar num bloco quase compacto como foco
de resistência ao autoritarismo da ditadura militar. É que no momento difícil, progressistas,
moderados, e mesmo representantes da ala conservadora, souberam se unir contra o perigo
maior que seria a submissão a “regime de libertinagem”.
O reconhecimento devido à Igreja como um dos principais focos de resistência ao
autoritarismo pressupõe afirmar que “a Igreja saiu da sacristia”, apartou-se do pietismo
exacerbado, o que não significa negar valor à vida contemplativa. “Há horas de mergulhar e
há horas de aparecer, disse uma vez monsenhor Montini, arcebispo de Milão (futuro papa
Paulo VI), a dom Hélder Câmara” (CASTRO, 1985, p. 21).
Quebrar o isolamento - esse é o grande sentido de sair da sacristia para a Igreja
Católica no Brasil. Na década de 1960, “sair da sacristia” consistia em alguma coisa a mais do
que pretendia Júlio Maria - que a Igreja se tornasse mestra do povo. O que se queria é que a
Igreja se tornasse mestra do povo e que o povo fosse mestre da Igreja. É com essa disposição
que surgem, no Brasil, as CEBs, com o reconhecimento de “novo modo de ser Igreja”,
indispensável para que a Igreja pudesse vir a se constituir foco de resistência ao autoritarismo.
Outro fator importante para tirar a Igreja da sacristia e incentivá-la a novas formas de
agir foi a própria CNBB, através das sucessivas reafirmações de posição sempre clara ao lado
da opção de luta em favor dos desprotegidos, de destemor diante dos poderosos. Reunidos na
CNBB, os bispos concentravam muito mais “capital político” do que isoladamente. Depois,
desenvolveram através da entidade -“com espírito de corpo”-, atitude de extrema importância
ao longo do processo de resistência da Instituição ao regime militar de 1964.
140
É o caso, por exemplo, da Comunicação Pastoral ao Povo de Deus, de 1976, quando
a CNBB vem a público para denunciar “os acontecimentos recentes que atingiram a Igreja no
Brasil comovendo a tantos no país e no exterior. Referimo-nos principalmente ao assassinato
dos sacerdotes Pe. Rodolfo Lunkenbein, Pe. João Bosco Penido Burnier e ao seqüestro do
bispo Dom Adriano Hypolito, da diocese de Nova Iguaçu” (CNBB, 1976c, p. 1-2; LIMA,
1979, p. 240-241). Tais fatos, por sua gravidade, mostravam que a violência se voltava contra
a Igreja de forma cada vez mais intensa.
A CNBB, portanto, daria base política para a Igreja transformar-se, no momento
preciso, em foco de resistência à ditadura. Unidos em sua entidade, os bispos estimulam
participação política por meio de assembleias gerais, regionais e locais, da análise de
conjuntura da sociedade brasileira, da produção de Manifestos, Declarações e Comunicações
ao Povo, de modo a representar, na prática, “a voz daqueles que não tem voz”36
. A expressão é
do cardeal François Marty, arcebispo de Paris, difundida no Brasil, nos anos de regime militar,
por seu grande amigo dom Helder Camara.
A CNBB, a um só tempo, estimulou o sair da Igreja da sacristia e empreendeu
política de resistência da Igreja ao autoritarismo, sobretudo após 1968. A CNBB também
estimulou o processo de promoção do leigo, que, em contrapartida, a desloca de uma Igreja de
festa e devoções do século XIX para uma Igreja de “opção preferencial pelos pobres” da
segunda metade do século XX, período que inclui Medellín e Puebla. A Igreja descobre o
leigo e o promove, a princípio timidamente, através da Ação Católica. O leigo descobre as
virtualidades potenciais da Igreja e a ajuda a desenvolvê-las. É assim que a Igreja parte em
busca de outras liberdades, as várias liberdades do homem.
Os militantes da Ação Popular (AP), oriundos da Ação Católica (AC), sobretudo da
JUC e JEC, após divergências ideológicas com alguns membros da hierarquia, constataram
acertadamente: “a Igreja não faz revolução, a Igreja não substitui os partidos políticos ou as
organizações de vanguarda” (CASTRO, 1985, p.30). E a AP sentiu que chegara a hora de uma
revolução popular no Brasil. Isso não significa obrigatoriamente pegar em armas. Através dos
próprios avanços do governo de João Goulart, talvez fosse possível chegar a isso, embora a
realidade latino-americana não autorizasse grandes otimismos nesse sentido. Mas não se
descarta, também, a possibilidade de uma revolução armada - e o exemplo cubano é muito
recente, com sua liderança carismática atraindo corações e mentes dos jovens engajados.
36
Sobre a opção de “emprestar a sua voz ao sem-voz”: CAMARA, 1968e, p.1; CAMARA, 1972a, p. 4;
CAMARA, 1972h, p. 2; CAMARA, 1973f, p. 1; CAMARA, 1973g, p. 1; CAMARA, 1973n, p. 2; CAMARA,
1974a, p. 1; CAMARA, 1976a, p. 1; CAMARA, 1976b, p. 1; CAMARA, 1977i, p, 3.
141
Por vários motivos, entretanto, não se parte para uma revolução armada, e um dos
fundamentais é que não há preparação para isso. Ao contrário, o novo governo, logo após o
golpe, parte para a repressão violenta. Contra os supostos comunistas, contra os católicos,
contra qualquer que fosse o “subversivo”. Assim, Marcos de Castro sumariza ato de violência
do regime:
É histórico hoje o episódio triste do comunista Gregório Bezerra desfilando
só de calção pelas ruas do Recife, com uma corda na boca como se põe freio
em cavalo, levado pelo coronel Darci Vilocq. Gregório não perdeu a
dignidade, do alto dos seus 63 anos. Com sua vida de lutas já tinha um lugar
na história do país. O episódio serviu apenas para que nela entrasse também o
coronel Vilocq. Isso foi nos primeiros dias de abril de 64. No dia 10 do
mesmo mês, portanto, dez dias depois do golpe, foi preso em Brasília o padre
Francisco Laje, famoso em Belo Horizonte por sua atuação ao lado dos
oprimidos. O golpe cedo foi fechando todas as portas, calando todas as vozes,
esmagando todas as resistências. Tudo se fechou. As portas, as janelas, as
frestas ou as frinchas. Aí é que entra a Igreja como resistência possível, a
única. É a exceção, a única fenda que ficou, mesmo depois do AI-5, de 13 de
dezembro de 1968. Por absoluta impossibilidade de ter a ditadura a Igreja sob
seu domínio (CASTRO, 1985, p. 31).
A revolução sistêmica pressupõe substituição imediata daquele que governa, dos
partidos políticos e das organizações que outrora ofereciam condições de governabilidade. O
fato da Igreja não fazer revolução nada a desqualifica na condição de poder, em termos de
influência e prestígio, para uma estratégia de resistência. A Igreja no Brasil dos anos de 1960
vê-se preparada para uma resistência dessa natureza. A Igreja transforma-se, assim, em única
organização institucional com força de resistência, e passa a ser perseguida pelo sistema.
4.2.3 Segurança Nacional e Reforma Agrária
Análise da sociedade brasileira para os anos de 1950, 60 e 70, revela demandas de
reformas estruturais que se lhe impunham: 1) a reforma agrária; 2) a diversificação das áreas
de atendimento pelo sistema de saúde pública; 3) ampliação e modernização do sistema
educacional; 4) expansão do projeto de habitação para os grandes centros urbanos; 5) a
melhoria do sistema de comunicação no país, entre outros. De todas as demandas, a Igreja
adotou a reforma agrária como missão evangélica. Os sucessivos governos militares, no
entanto, demonstraram excessiva preocupação com o tema da segurança nacional, o que não
implicava necessariamente o controle dos aparelhos repressivos.
O real estado de tensão entre Igreja e governos militares durante a vigência do AI-5
atribui-se, sobre maneira, à Igreja em seu caráter de instituição social. “Como agente social
142
ela se defronta com o Estado através da visibilidade de seus porta-vozes” (LIBANIO, 1978, p.
30). Ao lado de muitas outras instituições, a Igreja se afirma como instituição nacional e
transnacional organizada sob rígidos princípios religiosos, éticos e políticos. A natureza
transnacional da Igreja Católica emerge de sua internacionalidade, isto é, da relação de
qualquer Igreja local (Diocese) com o seu respectivo centro (Vaticano).
Embora os representantes da Igreja e os governos militares inserissem em suas
agenda de política internacional elementos específicos e fundamentais para as instituições que
representavam, inseriram também demandas que coadunavam com as da sociedade brasileira,
tais como o esforço por estabilidade política e desenvolvimento econômico. A Igreja criticou,
no entanto, opção dos governos (sobretudo Médici) de excessivo zelo da ordem em
detrimento do respeito aos direitos humanos e civis. Além disso, criticou ainda o modelo de
desenvolvimento econômico, pois o mesmo não equacionava com o desenvolvimento
humano.
Entre os dois grupos de interesses (Igreja-Governo) os pontos mais sensíveis de
divergência repousavam sobre os temas da segurança nacional, tal como exposto na Doutrina
de Segurança Nacional, e reforma agrária. A Igreja não se opunha à necessidade de ordem,
até porque sua atividade pastoral depende fundamentalmente dessa condição social. A
oposição da Igreja emergia da violência do poder de Estado em nome de determinado tipo de
segurança nacional, que não condizia com a expectativa de paz da sociedade brasileira. O
aperfeiçoamento das Forças Armadas como força policial desmoralizava as respectivas
corporações. Desde então, a oposição (composta pelos movimentos estudantis, instituições
religiosas, associações jurídicas, profissionais liberais, etc.) tornou-se mais ofensiva com
intensificação das manifestações públicas.
Em julho de 1968, após reunião da CNBB, dom Cândido Padim publica, pelo jornal
Estado de São Paulo, matéria intitulada A Doutrina da Segurança Nacional à Luz da
Doutrina Social da Igreja, na qual expõe a situação do país nos seguintes termos:
A Igreja, no desenvolvimento histórico a que está destinada, vai-se
defrontando com fenômenos sociais e políticos denunciantes, ao mesmo
tempo, de causas que lhe bloquearam sua ação de serviço à Humanidade, no
passado, e que, no presente, podem produzir os mesmos efeitos, dada a
política que rege os fatos sociais. No Brasil vai surgindo o super-homem para
hoje. O super-homem força, julgamento, decisão. Instrumento do poder
econômico. Uma técnica superdesenvolvida a serviço dos dois.
Interdominação. E um método geral para submeter os fracos parece ser
transformá-los em Estados-divindade (Exército) facilmente manobráveis. Os
métodos particulares são os mesmos do nazismo, mais refinados pela
experiência. A finalidade não confessada talvez seja ... o aniquilamento da
Igreja, ainda uma vez, a única capaz de se opor a esse estado de coisas
(LIMA, 1979, p. 150-151).
143
Muitos pesquisadores consideram o texto de dom Cândido Padim como o portador
da mais dura crítica da Igreja à Doutrina de Segurança Nacional (DSN) em território
brasileiro. Em palavras do próprio dom Candido Padim, “procurou-se mascarar e camuflar
toda a ação contra a Igreja; criou-se em torno da Igreja ambiente de desconfiança, de ódio, de
difamação; comprimiu-se a liberdade de ação da Igreja; canalizou-se a estatolatria” (PADIM
apud LIMA, 1979, p. 151).
Ao elaborar síntese histórica da evolução político-social brasileira, de 1930 a 1968,
dom Cândido Padim assegura que: “a crise política que o Brasil viveu na década de 1950-60,
que terminou com o movimento militar de 1964, está estreitamente ligada às transformações
estruturais que o advento da industrialização determinou na esfera econômica, política e
social” (PADIM apud LIMA, 1979, p. 151). Não se trata de resistência ingênua ao processo
de industrialização empreendido pelo país, a ignorar seus reais benefícios, mas de crítica ao
modelo de industrialização implantado, segundo princípio do enriquecimento de alguns
poucos com base na exploração de muitos.
Em 1973, a crise internacional do Petróleo agrava a situação dos trabalhadores no
campo. O episcopado nordestino e alguns representantes de Ordens religiosas, preocupados
com as injustiças sociais contra os trabalhadores rurais, divulgam documento do Secretariado
Regional Nordeste II da CNBB, que esperam publicar em nome de toda a CNBB, porém, a
reação contrária de alguns membros conservadores da entidade impede tal intento e o
documento vem a público como Documento de Bispos e Superiores Religiosos do Nordeste,
sob o título Eu ouvi os clamores do meu povo. Encabeça as assinaturas a de dom Helder
Camara. A caça às bruxas começa, então, por ele.
Os militares reagiram ao documento do Regional Nordeste II da CNBB acusando
dom Helder de ir à TV abordar “problemas destituídos de religiosidade, cunho prático ou
piedade” (CASTRO, 1985, p. 33). A reação dos militares ganha corpo nessa declaração do
general Itiberê Gouveia do Amaral, comandante da 10ª Região Militar, com sede em
Fortaleza, mas subordinada ao IV Exército, cujo comando fica no Recife. O documento
apenas demonstra que o regime autoritário, centralizador e avesso à pluralidade de ordem, não
consegue compreender uma “Igreja saída da sacristia”.
A questão agrária, de todos os pontos litigiosos constantes nas agendas dos dois
grupos de interesses (Igreja e Estado) entre os anos de 1950 e 1960, era o mais grave. Em
1966, a ditadura celebra seu segundo aniversário. A Ação Católica, sob forte perseguição
policial, mantém firme contestação à política econômica do governo, segundo a qual se
deveria priorizar o crescimento econômico, sem efetiva preocupação com a defesa dos
144
direitos dos trabalhadores. “Em meados desse mesmo ano, três entidades da AC (Ação
Católica Operária, Animação Cristã no Meio Rural e Juventude Agrária Católica), todas
nordestinas, denunciam novas injustiças contra os trabalhadores do campo. Os militares se
irritam. Os bispos apóiam as entidades” (CASTRO, 1985, p. 32).
A Igreja ao mesmo tempo que estimulava a promoção social, em termos de reforma
agrária, defendia o direito de propriedade, uma aparente contradição em sua atividade política
doméstica se o bem comum não precedesse ao direito de propriedade. Quanto ao
comportamento dos governos, quase nada fizeram de reformas efetivas no campo social.
4.3 A PERSEGUIÇÃO VIOLENTA À IGREJA
4.3.1 A Perseguição a dom Helder Camara e a seus Colaboradores
À Igreja, na perseguição, não interessa assumir o papel das organizações populares
nem dos partidos políticos, mas fazer oposição, com força institucionalizada, a todos os atos
de violência do governo e de desrespeito aos direitos humanos e civis. Em geral, o futuro de
uma instituição perseguida pelo poder de Estado é a desestruturação, a perda da legalidade e
de legitimidade e, como consequência, a falência ou fechamento. Um fenômeno, no mínimo,
curioso. Na perseguição, a Igreja se fortalece como instituição, e parte de seu “capital
institucional” lhe é creditado pelos pobres, como ela perseguidos, e pelos vitimados, de algum
modo, em particular pela política de segurança do governo.
O símbolo da perseguição à Igreja no Brasil é dom Helder Camara. O modelo de
perseguição imposto a dom Helder é representativo da perseguição sofrida pela Igreja. A
relação Igreja-Estado torna-se tensa, desde o AI-5, num crescente sem precedente para a
relação de cooperação que caracterizava, desde o período colonial, o relacionamento entre as
duas instituições. Atribui-se o início das tensões ao exato momento de associação de
interesses entre eclesiásticos (membros da hierarquia em geral) e liderança militante leiga, a
partir do momento em que a hierarquia se abre para acolher as potencialidades do leigo na
Igreja como gesto de maior participação e valorização do leigo. A junção dessas duas forças
influentes na sociedade brasileira representa verdadeira ameaça ao status quo governamental.
Além, é claro, de representar ameaça aos interesses de latifundiários e demais homens de
poder.
145
Durante os primeiros anos de governo militar, enquanto os aparelhos de repressão
ameaçam, o povo silencia (embora se percebessem algumas vozes discordantes), a Igreja
começa a assumir posição de resistência. Dom Helder se faz ator representativo das demandas
da Igreja e da sociedade brasileira. Em pouco tempo, dom Helder torna-se internacionalmente
conhecido. Assim, eliminá-lo atrairia os olhares críticos da opinião pública internacional
sobre a política nacional do governo. A estratégia adotada consistiu em atingir dom Helder
pela perseguição a seus amigos e colaboradores. As acusações começam a surgir contra o
teólogo belga Joseph Comblin (que publicaria A ideologia da segurança nacional: o poder
militar na América Latina) resultando em sua expulsão do Brasil, em 1972.
A tática da perseguição indireta a dom Helder chega ao ponto extremo de violência e
perversidade em maio de 1969, com o assassinato do Pe. Antônio Henrique Pereira Neto,
responsável pela Pastoral de Juventude da Arquidiocese. No desempenho da função, Pe.
Henrique ligava-se diretamente a dom Helder.
Toda ditadura tem os seus grupos internos de repressão violenta (torturas e
assassinatos oficiais) e um braço armado de grupos extremistas paramilitares para serviços
sujos, ou assim considerados pelos governantes. No Brasil, os grupos extremistas armados
trabalhavam sempre em estreita colaboração com os setores de informação (também
chamados de “inteligência”) regionais ou nacionais.
O Pe. Henrique começou recebendo telefonemas em casa (morava com os pais) de
grupo identificado como Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Um dia não voltou para
casa. Só foi encontrado na manhã seguinte, por dom Helder e seu bispo auxiliar dom José
Lamartine Soares, em terreno próximo à Universidade Federal de Pernambuco, no bairro da
Várzea. Foi assassinado aos 28 anos, após um ano de ordenação. O enterro, sob os olhos da
polícia da ditadura e de seus serviços de inteligência, foi uma consagração em matéria de
solidariedade. Milhares de pessoas acompanharam o cortejo fúnebre por cerca de sete
quilômetros, da Igreja do Espinheiro ao Cemitério da Várzea, sem aceitar provocações,
apenas entoando cânticos e orações37
. Na hora de baixar o caixão à sepultura, o mais absoluto
silêncio pedido por dom Helder: “Nada gritará mais do que o nosso silêncio” (CAMARA
apud CASTRO, 1985, p. 35). Com esse gesto, dom Helder pretende ainda evitar qualquer
outra iniciativa violenta da polícia durante o período da completa dispersão dos participantes
do cortejo.
37
As ameaças de morte, o assassinato e o sepultamento de Pe.Antônio Henrique Pereira Neto, bem como a
prisão de Cajá, encontram-se detalhadamente registrados na literatura de Cordel do poeta cearense Antônio
Gonçalves da Silva, de codinome Patativa do Assaré.
146
Em 1973, dom Helder teve oito de seus colaboradores mais próximos seqüestrados e
torturados. Quase todos eram animadores efetivos da Operação Esperança, pequeno projeto de
campo no qual uma associação de camponeses compra a terra e os próprios associados nela
trabalham (o dinheiro para a compra foi recebido por dom Helder pelo Prêmio Popular da
Paz, em Oslo, Noruega, quantia equivalente ao Prêmio Nobel da Paz).
Em 1974, a polícia pernambucana prendeu e torturou o pastor e jornalista norte-
americano (colaborador da revista Time, para a qual mandava matérias sobre o Nordeste
brasileiro) Fred Morris, grande amigo de dom Helder. Ora, tratando-se de um colaborador do
Time, a repercussão tinha de ser grande. E foi, para vexame do governo brasileiro.
Em 1975, novas prisões de amigos e colaboradores de dom Helder, verdadeiros
seqüestros, em tudo semelhantes aos casos de 1973. Só que dessa vez os presos não eram
ligados à Operação Esperança, mas ao Movimento de Evangelização, outro trabalho de dom
Helder na Arquidiocese. Dessas prisões diria dom Helder em circular distribuída nas Igrejas
de Olinda e Recife:
A polícia vigiou de modo disfarçado a cada de um dos participantes dos
encontros (depois de infiltrar-se nas reuniões). Carros com placas
particulares, como no tempo dos seqüestros de 1973. É a volta dos raptos, da
utilização dos capuzes, da permanência de policiais nos lares cujos habitantes
seqüestraram, tudo de acordo com o IV Exército. Será que vai voltar o clima
de terror do segundo semestre de 1973? Se há crime, por que não se usar as
intimações oficiais, assinadas pela autoridade competente? Por que não há
identificação real dos que prendem, por que não utilizam eles de veículos
oficiais e não comunicam os locais de detenção? Sou um homem de
esperança. Mas não quero transmitir ao meu povo esperanças enganadoras
(CASTRO, 1985, p. 36).
Em 1977, outro caso de repercussão internacional. Tratava-se da prisão de dois
mendigos, ou de duas personalidades em condições de mendigos. Um deles é o padre
Lawrence Rosebaugh, o outro, o pastor Thomas Capuano, ambos norte-americanos. Para
sentir a vida dos pobres, os dois dormiam nos patamares das Igrejas, debaixo das marquises
dos edifícios ou das pontes do Recife. Comiam restos de comida, como todos os outros
mendigos. E eram grandes amigos de dom Helder. Padre Lawrence dormia na rua, mas às
6h00 da manhã estava na Igreja das Fronteiras para celebrar com dom Helder. Ambos foram
torturados na Delegacia de Roubos e Furtos do Recife, quando nada tinham furtado ou
roubado. Ficaram 60 horas presos e Capuano, que era mais jovem, abalado pela prisão, quis
voltar logo para os EUA. Mas antes de voltar ainda saiu na primeira página dos jornais do
mundo todo, ao lado da primeira dama dos EUA, Rosalynn Carter, que nessa época esteve no
Brasil e, indo ao Recife, fez questão de conhecer os concidadãos maltratados.
147
Em 1978, ainda nessa longa lista do cerco aos que cercam dom Helder, houve o caso
da prisão do estudante Cajá, outro amigo do arcebispo que pagou caro por essa amizade com
longa prisão e processo, no qual teve a defendê-lo a assessoria jurídica da Comissão Justiça e
Paz do Recife, órgão oficial da Igreja, ligado diretamente a Roma. A Comissão visava, em
particular, a defesa dos direitos civis.
A prática da violência restringe o espaço de paz. Os iniciadores da violência
(sobretudo os fabricantes de armas) constituem-se em verdadeiros “inimigos da paz”. “Acuso
os verdadeiros autores da violência: todos os que, de direita ou de esquerda, ferem a justiça e
impedem a paz. Minha vocação pessoal é a de peregrino da paz, seguindo o exemplo de Paulo
VI: pessoalmente, prefiro mil vezes ser morto a matar” (CAMARA, 1968b, p. 7).
4.3.2 A Perseguição a dom Pedro Casaldáliga e a seus Colaboradores
As perseguições a dom Pedro Casaldáliga, quase sempre estavam ligadas a
problemas da terra. Análise sobre a realidade brasileira e, em particular, da região amazônica,
encontra em sua obra Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio, dimensão exata
da demanda que pretende evidenciar. Os conflitos são tantos, em tantos Estados (Mato
Grosso, Norte de Goiás e Sul do Pará) que levam a CNBB a criar um órgão específico, a
Comissão Pastoral da Terra (CPT), que tem sede em Goiânia. A simples existência da CPT
mostra a evolução (política) da Igreja no Brasil depois de golpe de 1964.
No caso de dom Pedro Casaldáliga, os conflitos que se ligam a ele começam antes
mesmo de sua chegada ao Brasil. O mais grave deles é o que envolve o padre francês
Francisco Jentel, a CODEARA e os posseiros. CODEARA é a Companhia de
Desenvolvimento do Araguaia, que se estabelece na vila de Santa Teresinha, município de
Luciara, todo ele situado na jurisdição canônica da Prelazia de São Felix do Araguaia.
Estabelece-se com título de propriedade de toda a área, até mesmo da área urbana, incluindo
Cooperativa Agrícola, Igreja, Escola e ambulatório. A terra é vendida como desocupada, como
mata virgem, e a CODEARA inicia o processo de expulsão dos posseiros e trabalhadores
mediante invasão de casas, invasão de terras e prisões. E a Igreja, ali representada pelo Pe.
Jentel, e depois por dom Pedro Casaldáliga, decide por fazer resistência.
As acusações de subversão ao Pe. Jentel e ao líder dos posseiros, Edvald Pereira dos
Reis, foram levadas ao conhecimento das autoridades policiais, ao Exército e ao SNI. Como
consequência, prendem a ambos. O Sr. Pereira dos Reis, em 1970, ficou recolhido durante 72
148
dias ao cárcere de Cuiabá sem acusação formada. Pe. Jentel seria preso depois do episódio
mais violento e cruel da resistência: a destruição, pelas máquinas e jagunços da CODEARA,
do ambulatório construído em Santa Teresinha pelos trabalhadores e o padre em mutirão. A
decisão de reconstruir o ambulatório foi considerada provocação pela proprietária “legítima”:
a CODEARA.
Preso em 1972, condenado em 1973 pela Justiça Militar de Mato Grosso a dez anos
de prisão, libertado em 1974, quando o Superior Tribunal Militar revoga a sentença da
Auditoria Militar do Estado do Mato Grosso, Jentel volta para a França, a fim de visitar sua
mãe e refazer-se psicologicamente do duro período de prisão. Em dezembro de 1975, retorna
ao Brasil com desejo de aqui permanecer, mas o bom senso não lhe aconselharia tal coisa. Ao
chegar ao Brasil, foi a Fortaleza visitar dom Aluísio Lorscheider, a grande voz solidária da
CNBB durante o tempo de seu processo e prisão. Foi seqüestrado na rua, em Fortaleza, preso
e torturado pela Polícia Federal cearense. Enviado para o Rio, passa três dias preso
ilegalmente na Marinha; e liberado com a condição de viajar imediatamente a Paris, o que fez
acompanhado pelo cardeal do Rio, dom Eugênio Sales. Desta vez não consegue se refazer:
com a saúde abalada pela tortura, que o atingira até nos órgãos sexuais, morreu pouco depois,
como um dos símbolos da Igreja perseguida pela opção evangélica de lutar ao lado dos que
nada têm, nem o mínimo direito respeitado.
À semelhança dos que rodeavam dom Helder, a violência e a morte sempre cercavam
os que se encontravam próximos a dom Pedro Casaldáliga. O Jesuíta João Bosco Penido
Burnier, por exemplo, morreu em seus braços, ao levar um tiro na cabeça. O tiro foi disparado
por um soldado da delegacia da vila de Ribeirão Bonito, também na área da Prelazia de São
Felix, onde os dois tinham ido protestar contra torturas a três mulheres cujos gritos de dor
transtornavam toda a cidade.
Os meios de comunicação também ficaram sempre contra dom Pedro Casaldáliga -
sabe-se que, de modo geral, eles se unem em defesa de seus tradicionais interesses. Um
Boletim do Centro Ecumênico de Informação (Rio, fevereiro de 1976) dá conta de que dom
Paulo Evaristo Arns, preocupado com o assunto, levara-o ao Papa Paulo VI em audiência
privada. Temos aqui fragmento da resposta do papa ao cardeal: “mexer com dom Pedro
Casaldáliga seria mexer com o próprio papa” (PAULO VI apud CASTRO, 1985, p. 40). A
preocupação de dom Paulo Evaristo Arns e a resposta de Paulo VI são novos dados a
comprovar que a Igreja agiu em bloco quando se tratou de defender sua parcela perseguida no
Brasil.
149
No dia 15 de julho de 1976, mais de 60 pessoas, entre fazendeiros, posseiros e
capangas foram à missão salesiana de Merure (Mato Grosso) tomar satisfação com o Pe.
Rodolfo, diretor da missão, sobre os trabalhos de demarcação das terras dos índios bororos,
iniciados dois dias antes, com autorização da FUNAI. Ao chegar na missão,
O grupo foi logo desacatando Pe. Gonçalo e os índios presentes ficaram
inquietos. Pe. Rodolfo chegou dez minutos depois e pediu aos índios que não
aceitassem a provocação, mas recorressem à Justiça. Apesar da
recomendação, os bororos estavam inconformados e o cacique deles,
Lourenço, que pela sua própria condição era o que mais se manifestava,
levou um tiro pelas costas. Começou a confusão e durante o socorro a
Lourenço, que resistiu com vida, foram dados mais três tiros. Pe. Rodolfo,
atingido, morreu em dez minutos depois. O tiroteio se generalizou. Outros
cinco índios e uma índia foram baleados. Os índios também reagiram com
violência e um dos atacantes, Aluísio, morreu atingido por um tiro no rosto e
facadas (CASTRO, 1985, p. 40).
A violência é, de algum modo, expressão de poder. O poder, em perspectiva
foucaultiana, só existe enquanto se exerce. O poder não é algo que se possui, mas que se
exerce. A violência do poder se exerce, via de regra, contra quem não dispõe de poder
semelhante. Em perspectiva realista de relações internacionais, só o poder impõe limites ao
poder. O poder é entendido em termos de força (militar).
4.3.3 A Perseguição a dom Adriano Hipólito e a dom Valdir Calheiros
O bispo de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, dom Adriano Hipólito, foi
seqüestrado no dia 22 de setembro do mesmo ano de 1976, quando deixava a Cúria diocesana
com um sobrinho e a noiva deste num carro. Assim, pode-se resumir o ocorrido:
Fechado por dois carros, teve de parar, e cinco ou seis homens armados de
pistolas saíram dos carros e cercaram os três. A moça conseguiu fugir, mas
dom Adriano e o sobrinho foram levados para um dos carros dos
seqüestradores. O bispo foi algemado, encapuzado, jogado no banco traseiro
do carro e obrigado a se abaixar para não ser visto da rua. Depois de meia
hora, pararam o carro e tiraram toda a roupa do bispo, tentando enfiar-lhe
pela boca o gargalo de uma garrafa cheia de cachaça, o que não conseguiram
diante da reação de dom Adriano. Gritavam que o bispo era um “comunista
traidor” e que eles eram da Aliança Anticomunista Brasileira. E depois,
diziam, seria a vez do bispo de Volta Redonda, dom Valdir Calheiros. Em
seguida, levaram o bispo para um lugar mais afastado, mas mesmo assim ele
podia ouvir os gritos de seu sobrinho. Mancharam dom Adriano todo de tinta
vermelha, numa alusão à sua condição de „comunista‟, e por fim o
abandonaram amarrado numa rua deserta do bairro de Jacarepaguá, já no Rio,
bem longe de Nova Iguaçu. Recolhido por alguns homens que lhe deram
algumas roupas e o levaram à paróquia mais próxima, dom Adriano prestou
depoimento na delegacia da jurisdição e depois foi à Polícia política, DOPS,
150
onde lhe informaram que seu sobrinho também tinha sido encontrado e que
seu carro, do qual fora arrancado em Nova Iguaçu, tinha sido explodido no
Rio, significativamente em frente à sede da CNBB, na Glória. Ainda no
DOPS, dom Adriano Hipólito recebeu a visita e solidariedade, em nome do
papa Paulo VI, do núncio apostólico no Brasil (CASTRO, 1985, p. 41).
Não chegou a haver sequestro de dom Valdir Calheiros, talvez em função da
repercussão negativa em cadeia nacional que provocou o sequestro do bispo de Nova Iguaçu e
da reação vigorosa da própria CNBB. Mas não havia nada de estranho em que o bispo de
Volta Redonda também estivesse na mira desses grupos paramilitares que agiam contra a
Igreja durante o período mais violento do autoritarismo. Ora, dom Valdir Calheiros era odiado
pelos militares, sobretudo, os do 1º Batalhão de Infantaria de Barra Mansa, o BIB, com os
quais viveu forte tensão nos anos de 1960 e 1970. Dom Valdir nunca interferiu na rotina do
quartel do BIB. Partindo desse princípio, não admitia a interferência do BIB em sua pastoral e
atividades em geral na diocese. Como resultado, Dom Valdir teve vários de seus amigos e
colaboradores perseguidos, presos e torturados.
Os fatos envolvendo padres, diáconos e lideranças leigas foram muitos e seus
desdobramentos envolveram dom Valdir em dois Inquéritos Policiais Militares (IPMs), desde
logo batizados com “IPM das Torturas” e “IPM da Subversão”. Convocado a depor no
primeiro deles, dom Valdir negou-se por escrito a comparecer, em carta ao coronel Gladstone
Pernassetti Teixeira, encarregado do IPM. A partir de trecho da carta se percebe o
comportamento da Igreja diante da perseguição do regime:
Ciente do modo como procederam durante os interrogatórios para obterem
confissões forçadas de alguns detidos e do próprio Pe. Natanael, não vejo
como possa ser útil qualquer esclarecimento de minha parte a depoimentos
arrancados à força de maus-tratos, como aplicação de choques, até nos
membros sexuais, pancadas em várias partes do corpo, “telefones”, isto é,
pancadas nos ouvidos, socos no estomago, nos rins, despir das roupas,
ameaça de revide caso eles contassem o que sofreram, torturas psicológicas
em quarto sem sol, sem luz, sem água. Que esclarecimentos a dar em
depoimentos dessa natureza? (CALHEIROS apud CASTRO, 1985, p. 44).
Mais ou menos no mesmo momento em que se iniciam as perseguições a dom Valdir
Calheiros, em Volta Redonda, 1969, acontece em São Paulo talvez o choque mais violento
entre a Igreja e os aparelhos repressivos, ou pelo menos o de maior repercussão. Repercussão
imediata, porque, com a morte do líder guerrilheiro Carlos Marighella, o caso ganhou as
manchetes das primeiras páginas de todos os jornais importantes do país. E repercussão
posterior, nos desdobramentos do caso, com a morte de frei Tito, na França. Frei Tito foi um
caso típico de desestruturação humana total em consequência da tortura.
151
4.3.4 A Perseguição aos Dominicanos e outros Casos
Os dominicanos se colocaram na mira do regime desde 1964. Uma semana após o
golpe, já foi posto fora de circulação o semanário Brasil Urgente, que circulava em São Paulo
sob a direção do dominicano frei Carlos Josafá. Ainda em 1964, o convento dos dominicanos
de Belo Horizonte, no bairro da Serra, foi invadido por duas vezes pelos policiais. Essa
fixação com o convento de Belo Horizonte se devia ao fato de que ali se formara, vários anos
antes, grupo composto sobretudo por estudantes que fundara o tablóide semanal AP (Ação
Popular), embrião do futuro grupo de mesmo nome.
Na raiz de toda essa movimentação dominicana no Brasil estava o movimento
internacional de “Economia e Humanismo”, obra do dominicano francês Louis Joseph Lebret,
que trabalhara no Brasil e em outros países da América Latina e África. Economista, Lebret
lutou a vida toda por uma economia voltada para o homem, à luz do Evangelho. E era
exatamente isso que perseguiam seus discípulos dominicanos no Brasil, entre os quais é de
justiça destacar Frei Benevenuto de Santa Cruz, tradutor de Suicídio ou Sobrevivência do
Ocidente, o grande clássico do padre Lebret.
O pensamento de Pe. Lebret influenciou a produção de grandes textos da Igreja. De
acordo com Marcos de Castro,
Morto em 1966, Lebret ficará na história da Igreja universal como uma das
mais ricas fontes teóricas a que João XXIII sabidamente recorreu para
construir o grande edifício que foram as suas duas encíclicas, Mater et
Magistra e Pacem in Terris. E se João XXIII foi a grande virada da Igreja no
século XX, os dominicanos foram sem dúvida o grande pulmão dessa virada
no Brasil (CASTRO, 1985, p. 45-46).
Em 1969, a guerrilha urbana atingia seu ponto mais alto nas ruas do Rio de Janeiro e
São Paulo. No Rio, foi sequestrado em setembro o embaixador dos Estados Unidos, Charles
Burke Elbrick. Havia vários grupos – e a guerrilha era fraca sobretudo por causa das muitas
divisões -, mas em São Paulo o grande comandante das ações era Carlos Marighella, o líder
da Aliança Libertadora Nacional (ALN). Com o sequestro do embaixador americano, as
perseguições a guerrilheiros chegaram a seu ponto máximo – e já vinham num crescente
desde o fim de 1968, com “a decretação do AI-5 despejou levas de novos jovens na
resistência clandestina e selou em definitivo a realidade segundo a qual só restava a Igreja
como foco de resistência, entre as entidades organizadas da sociedade no país” (CASTRO,
1985, p. 46).
152
Se só restava a Igreja como organização capaz de resistência, acreditavam os
dominicanos (frei Tito, frei Ivo, frei Betto e frei Fernando, este último presbítero) colocar-se
em defesa do irmão perseguido, a exemplo do que fez Jesus. De acordo com os dados que nos
oferece Marcos de Castro,
Para isso armou-se um esquema. Frei Betto, que estava estudando teologia com os
jesuítas em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, funcionaria como ponta-de-lança
avançada para tirar os perseguidos do país, dada sua posição mais próxima das
fronteiras com o Uruguai e a Argentina. O comandante da guerrilha encaminhava o
companheiro em perigo iminente de „cair‟, isto é, ser preso, a frei Fernando, que
trabalhava na Livraria Duas Cidades, no centro de São Paulo, dirigida por frei
Benevenuto da Santa Cruz. Às vezes o contacto era feito diretamente com frei
Fernando na livraria, por telefone, evidentemente um telefonema em código. Mas na
maioria delas através de frei Ivo, que trabalhava em estreito contato com frei
Fernando, ou de frei Tito, que trabalhava junto ao meio universitário (CASTRO, 1985,
p. 47).
A polícia descobriu essa conexão da guerrilha com o braço protetor de guerrilheiros
perseguidos, tão ingenuamente articulada e dissimulada. Sabedora de tudo, a polícia
arquitetou plano para incriminar os dominicanos, através do notório delegado Fleury, chefe
das torturas em São Paulo. Era um plano de vingança contra os dominicanos, em mais uma
prova de ódio à resistência oferecida pela Igreja. Prender os dominicanos era facílimo – eles
não estavam fugindo de nada. Assim, frei Fernando e frei Ivo foram imediatamente
localizados no Rio, onde tinham ido a passeio para o feriado de Finados, no dia 02 de
novembro. O plano dos policiais, para justificar a morte de Marighella, tentava envolver os
dominicanos como delatores do líder guerrilheiro, e, de qualquer forma, envolvê-los em
prática de guerrilha no país.
O que se sabe com segurança, como frei Betto contou em seu Batismo de Sangue –
Os dominicanos e a morte de Carlos Marighella, é que a polícia armou uma farsa e não houve
qualquer participação de frei Fernando e frei Ivo na prisão ou morte de Marighella. Frei Betto
foi preso pouco depois no Rio Grande do Sul, onde estava, e frei Tito foi preso em São Paulo.
Frei Tito suicidou-se pendurado no mais alto galho de uma árvore no bosque de um convento
dominicano francês, em Arbresle, perto de Lyon, onde fora tentar recompor, inutilmente, os
cacos de sua personalidade, de seu psiquismo, calculadamente arrebentados por dentro pelos
carrascos da ditadura. Desde 1984, quando completaram-se dez anos de sua morte, que seu
corpo jaz em Fortaleza, cidade em que nasceu.
Frei Betto, frei Ivo e frei Fernando foram soltos depois de quatro anos de prisão.
Condenados a dez anos pela justiça militar da ditadura, acabaram tendo a pena reduzida a
menos tempo do que o que já tinham passado encarcerados.
153
Outra guerrilha – na selva – também valeu como novo pretexto para perseguição do
regime a dominicanos. Foi a guerrilha do Araguaia, onde a repressão chegou ao auge em
1972. A violência, aí, atingiu níveis inimagináveis: chegou-se ao uso de bombas. Os
dominicanos, velhos responsáveis pelas missões da região de Conceição do Araguaia e
Marabá, no Sul do Pará, não tinham qualquer ligação com a guerrilha, nem mesmo do tipo de
salvar perseguidos, como em São Paulo. Mas eram dominicanos. O fato é que a violência da
repressão atingiu gratuitamente os bispos dom Estevão Cardoso de Avelar, de Conceição do
Araguaia, e dom Alano Maria Pena, de Marabá, além das irmãs dominicanas e presbíteros que
trabalhavam na região. Afastaram-se das missões declarando ao povo “estado de Igreja
perseguida”. Dom Estevão ficou tão abalado que o papa Paulo VI resolveu afastá-lo da região,
nomeando-o bispo de Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
As ameaças de morte e de expulsão do país de presbíteros, de religiosos e de
religiosas estrangeiros constituem capítulo à parte da perseguição do regime militar à Igreja.
Já mencionamos os casos de expulsão do Pe. Joseph Comblin, belga, principal assessor de
dom Helder para assuntos teológicos, e, do Pe. Jentel, que trabalhava na Prelazia de São Felix
do Araguaia, com dom Pedro Casaldáliga. Dos casos de tentativa de expulsão declarada, os
que tiveram maior repercussão foram o do Pe. Vito Miracapillo, bem-sucedido, e o dos padres
Aristide Camio e François Gouriou, malsucedido em seu desfecho. O Pe. Vito foi expulso do
país sob a alegação de ter se negado a presidir “missa da pátria”, encomendada pelo prefeito
para o dia 07 de setembro de 1980. Os padres franceses Camio e Gouriou foram envolvidos
na acusação de assassinato de um jagunço, no Sul do Pará, após revolta de posseiros contra
jagunços e representantes do Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (GETAT).
Acabaram condenados, num inquérito cheio de irregularidades, a quinze anos de prisão
(Aristide Camio) e dez anos (François Gouriou). Mais tarde, essas penas foram reduzidas para
dez e oito anos, respectivamente, assim como foram diminuídas as penas dos treze posseiros
também condenados.
Os atos de violência contra qualquer cidadão da sociedade civil bem como as
tentativas de expulsões provocaram reação solidária da Igreja, como expressão organizada da
entidade: a CNBB. Os citados foram os casos mais notórios. Houve outros de repercussão,
como os do padre-operário francês Pierre-Joseph Wauthier, que trabalhava em Osasco, São
Paulo, e que se deu ainda antes do AI-5, em setembro de 1968. Ou como o do italiano, Pe.
José Pedandola, da paróquia de Tauá, sertão cearense. E outro que não passou de tentativa:
quiseram expulsar também o padre suíço Romano Zufférey. Na ocasião, 1977, Pe. Romano,
trabalhava havia quinze anos na Arquidiocese de Olinda e Recife, durante muitos anos como
154
assistente da ACO (Ação Católica Operária). A arquidiocese mobilizou-se imediatamente em
sua defesa e a expulsão acabou abortando.
No exposto acima, afirma-se solidariedade e cooperação entre os bispos, a
constituição de uma entidade (CNBB) como bloco compacto da Igreja e a oposição de
eclesiásticos, religiosos e leigos contra o autoritarismo do regime militar implantado em 1964.
Não obstante, houve dois bispos, da extrema “direita”, que se empenharam fortemente em
reação sobretudo contra os considerados “progressistas”. O primeiro deles é dom Geraldo de
Proença Sigaud, nomeado bispo em 1947, foi arcebispo de Diamantina de 1960 a 1981. O
outro é dom Antônio de Castro Mayer, nomeado Bispo de Campos, norte do Estado do Rio,
em 1948, só deixando o cargo em 1981.
4.3.5 A Igreja que se opõe à Igreja
Os pesquisadores das mais diversas áreas costumam dividir o episcopado, para fins
de análise, em bispos conservadores, moderados e progressistas. Alguns, no entanto, preferem
a simples classificação entre conservadores e progressistas. Os rótulos são sempre ruins
porque com toda a segurança nenhuma pessoa se enquadra inteiramente em qualquer
categoria.
A grande maioria dos bispos brasileiros pode ser considerada, para o período em
questão, moderada. Há sempre o risco de considerar um conservador como moderado ou um
moderado como progressista. Contudo, a julgar pelo comportamento da maioria na CNBB, e a
votação dos documentos de demandas sociais, o risco de equívoco quanto à afirmação de
maioria moderada no corpo da entidade parece ser mínimo.
De modo geral, os mais ativos nas comissões – e sobretudo na Comissão de Redação
ou Secretariados – são os progressistas. Além da capacidade de se envolverem em diversas
frentes, dispõem sempre de assessorias qualificadas para fornecer a ideia básica e os dados
técnicos capazes de sustentarem a estrutura dos documentos. O dinamismo das atividades, a
organização dos espaços e os resultados alcançados pelos progressistas atraem a admiração
dos moderados, além do fato de serem os progressistas mais permeáveis e arrojados do que os
conservadores, em geral pouco dados a concessões.
É notório que num contexto de perseguição, à semelhança do período da ditadura, o
corpo institucional torna-se mais enrijecido; os membros tendem a maior cooperação e
solidariedade, evitando, por conseguinte, a emergência ou a politização de possíveis temas
155
polêmicos ou divergentes. Durante os anos de regime militar, o arcebispo de Porto Alegre,
dom Vicente Scherer, notório conservador, votou sempre a favor dos documentos tidos como
mais avançados, numa visão social. É possível que tenha havido alguma exceção, mas em
quase todos os casos dom Vicente votava com a maioria.
De modo que não é errado dizer que dom Sigaud e dom Castro Mayer foram as duas
grandes exceções no espírito de corpo determinante do comportamento entre os bispos no
período do autoritarismo. “A atitude permanente de ambos, entretanto, é facilmente explicável
pela biografia ou pelo currículo de cada um. Os dois estão ligados, desde a fundação da
entidade, à Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP”
(CASTRO, 1985, p. 55)38
, ponta-de-lança da extrema direita da Igreja no Brasil.
O grande pesadelo da TFP em seus primeiros anos de vida foram as reformas de
base, prometidas pelo presidente João Goulart, que gozava de apoio das entidades sindicais
rurais católicas no Nordeste. Antes mesmo de Goulart assumir a Presidência da República, a
TFP clamava por alteração no pleito e, como resultado, mudança nos rumos da política. Com
a renúncia de Jânio, deseja que Goulart não assuma. Ao assumir a Presidência, espera que se
mantenha nos quadros do parlamentarismo. Ao retomar a plenitude do poder presidencial, a
TFP teme que o governo ameace a proteção de seus interesses e demandas, ligados à tradição,
família e propriedade. Entre todos os interesses e demandas, este último talvez fosse o mais
ameaçado pelas promessas de reformas de base.
Por essa razão, a TFP já tinha tomado posição no assunto. Fizera publicar, em 1961,
o livro Reforma Agrária, questão de consciência, reação clara contra a reforma agrária que
começava a se transformar num clamor popular no país, sobretudo em razão da fome no
Nordeste. Os autores do livro são dom Geraldo de Proença Sigaud, arcebispo de Diamantina,
dom Antônio de Castro Mayer, bispo de Campos, Plínio Correia de Oliveira, presidente da
TFP, e o economista Luís Mendonça de Freitas.
Dom Sigaud e dom Castro Mayer participavam, mais ativamente do que qualquer
progressista, de campanha nitidamente política de uma sociedade política. Sem atentar para o
fato de que o elemento de maior condenação dos conservadores aos progressistas é sempre a
alegação de que estes costumam exceder-se na participação política.
38
A TFP não é uma organização da Igreja. Ela resultou da iniciativa de um professor paulista Plínio Correia de
Oliveira, em 1960, após reunir grupo de fanáticos da elite econômico-financeira de São Paulo. Esse grupo incluía
sobrenomes tradicionais, tais como Xavier da Silveira, Furquim de Almeida, Barros Brotero, Luís Nazareno de
Assunção e Adolfo Lindenberg, financiador da repressão através da Operação Bandeirante. O objetivo principal
da organização, com apoio de dom Sigaud, era o combate à reforma agrária.
156
Dentro de uma problemática exclusivamente eclesial, dom Antônio de Castro Mayer
foi talvez quem maior mal causou à Igreja no Brasil. Ao sair da administração da diocese de
Campos, deixou ao seu sucessor, dom Carlos Alberto Navarro, uma Igreja cismática, com
grave problema de unidade. “Como se sabe, dom Antônio de Castro Mayer é companheiro
solidário de monsenhor Lefèbvre, o bispo rebelde francês que mantém seminário cismático
em Econe, na Suíça, e foi suspenso a divinis39
pelo Paulo VI em 1976” (CASTRO, 1985, p.
57). Dom Castro Mayer e monsenhor Lefèbvre assinaram documento conjunto dirigido ao
papa, e isso significa que o bispo brasileiro vai às ultimas consequências no seu apoio a
Lefèbvre, que aliás nunca respeitou o decreto papal de suspensão a divinis.
Em diversas ocasiões, o monsenhor Lefèbvre declara publicamente que a crise que se
instalara na Igreja resulta do Concílio Vaticano II. O cardeal de Paris, François Marty, amigo
de dom Helder, responde à manifestação de cegueira e estreiteza de horizonte do monsenhor:
Ante dificuldades reais e uma crise espiritual profunda, crê [monsenhor
Lefèbvre] que o remédio é riscar da história o Concílio Vaticano II. Ainda
mais, condena as decisões conciliares que foram votadas pela quase
unanimidade dos bispos do mundo: éramos perto de 2.400! O concilio
ecumênico foi o primeiro a ser totalmente universal. Foi promulgado pelo
papa. Ninguém pressionou os debates; não houve qualquer conspiração,
qualquer intervenção externa. Fui testemunha disso. Rejeitar o concílio é
atacar os próprios alicerces da Igreja Católica, como o é não se submeter à
autoridade do papa e erigir-se em juiz supremo. Todos nós estamos com
Paulo VI; todos estamos atrás de Paulo VI. Não se dirá que católicos da
França se deixarão arrastar para um cisma, infeliz e inútil. Não estamos mais
no tempo da Cristandade ... Estamos no tempo da missão, da evangelização
(MARTY apud CASTRO, 1985, p. 58).
Se dom Antônio de Castro Mayer permaneceu vinculado à TFP até o fim da vida,
dom Geraldo de Proença Sigaud dela se distanciou em 1970, talvez por se tornar grande
latifundiário. Dom Sigaud é, sem dúvida, inimigo perigoso das posições de luta contra o
autoritarismo. Um inimigo que foge inteiramente aos padrões normais de discordância dentro
da comunidade dos bispos. Adotara a estratégia da delação dos colegas no episcopado em
duas frentes, quais sejam: às autoridade militares (Governo na administração política
doméstica) e ao Vaticano (Governo político-eclesiástico de amplitude internacional).
Em 1965, satisfeito com a vitória da parceria civil-militares de 1964, dom Sigaud
apostara agora em ocasião propícia também para o combate no país do Concílio Vaticano II.
Assim, divulgara a ideia de que os “comunistas querem destruir a Igreja através do Concílio”.
Falando para uma plateia de oficiais do Exército no Rio de Janeiro, quatro meses antes da
39
O decreto papal A Divinis suspende o direito de Ordem Presbiteral e, por conseguinte, o direito legítimo de
presidir missa e ministrar todo e qualquer sacramento na Igreja.
157
promulgação do AI-5, dom Sigaud pede a prisão de dom Helder.
Como não tinha dado resultado seu pedido aos militares para que prendessem dom
Helder, resolveu agora ir diretamente ao papa, acusando dois outros bispos. Dessa vez, suas
vítimas eram dom Pedro Casaldáliga (Prelazia de São Felix do Araguaia) e dom Tomás
Balduíno (Goiás Velho). Dom Sigaud acusava os colegas de comunistas. Em 1977, mostra-se
preocupado com o nível de deterioração a que tinham chegado as relações Igreja-Estado no
Brasil, com as posições cada vez mais nítidas dos bispos contra o regime militar. A CNBB já
havia promulgado dois documentos: Comunicação Pastoral ao Povo de Deus (CNBB, 1976c)
e Exigências Cristãs de uma Ordem Política (CNBB, 1977).
Tamanho era o apoio de dom Sigaud aos militares que, falando aos formandos do
Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) de São Paulo, assegurou-lhes:
Quando benzemos as espadas, não benzemos somente elas, mas também as
metralhadoras, os fuzis, os canhões, benzemos os aviões de combate, as
granadas, as baionetas. Por consciência, a Igreja benze as espadas com uma
condição: a de que essas espadas sirvam ao Direito, sejam espadas da Justiça,
as espadas da Liberdade, as espadas da Honra. Nós confiamos em vocês,
confiamos em que defendam nossas tradições. Vocês, militares, que
transformaram uma vez a Cavalaria em uma ordem religiosa, cujos membros
passavam a noite velando as armas, velem agora, velem sempre pela
liberdade (SIGAUD apud CASTRO, 1985, p. 61)
Em razão de sua estreita aproximação com os militares, em particular, os da IV
Divisão do Exército, com sede em Belo Horizonte, e em menor monta pela acusação de
comunistas contra os seus colegas (dom Helder, dom Pedro Casaldáliga e Tomás Balduíno),
recebeu duras críticas de dom Eugênio de Araújo Sales, então primaz do Brasil, na
arquidiocese de Salvador, e o mais absoluto descrédito de Paulo VI.
4.4 GUSTAVO CORÇÃO E ALCEU AMOROSO LIMA: UM DUELO À PARTE
Outros nomes que se confrontaram por causa de suas concepções político-religiosas
são Gustavo Corção e Alceu Amoroso Lima. Cronista extraordinário, de ricas imagens e de
elegância literária, nos últimos anos de vida, Corção se tornou apocalíptico, escatológico. Não
admitia outro caminho para a Salvação que não fosse o seu, o indicado por ele. A Igreja tinha
que ser a que construíra à sua imagem e semelhança. O catolicismo tinha que ser o
catolicismo como o seu: tradicional. Nada de catolicismo social. A conversão de Corção é do
ano da II Guerra, 1939.
158
Já em 1947, quando Alceu Amoroso Lima, presidente do Centro Dom Vital, recebe
no Centro o dominicano Joseph Lebret, que trazia a novidade de Economia e Humanismo, um
passo adiante em relação ao humanismo integral de Jacques Maritain. Corção não teve o
mesmo entusiasmo, mas também não rompeu com ninguém. Na década seguinte é que
começaria a destilar amargura em doses difíceis de imaginar. De 1955 em diante, quando dava
uma folguinha a Juscelino Kubitschek e à transferência de Brasília, é para soltar farpas nos
companheiros de Igreja.
Corção começa seu embate contra o frei dominicano Thomas Cardonnel, de fácil
trâmite entre os universitários. Cardonnel logo foi identificado como teórico de um
catolicismo orgânico e lhe foi atribuída frase no jornal dos estudantes - Metropolitano: “Deus
não é mentiroso como certa paz social”. Corção lhe respondera com agressividade rara.
Em 1963 vem o rompimento de Corção com Alceu, espécie de irmão nos primeiros
anos da conversão, que duraria até a morte de Corção, em 06 de julho de 1978.
Trata-se de uma guerra singular, a dividir aqueles que simbolizaram, a partir
de então, como líderes, as duas grandes correntes em que se dividiu o
catolicismo brasileiro: uma voltada para um cristianismo fundamentalmente
enraizado no Evangelho e no amor ao próximo, a de Alceu Amoroso Lima,
outra voltada para um misticismo vazio, quase exclusivamente para o eu
integrado misticamente a Deus, onde não há praticamente lugar para o
próximo, a de Corção. Uma guerra singular porque travada de maneira
radicalmente diferente. Corção usava as armas da contundência, do ataque
pessoal. Alceu sempre usou única arma: a do silêncio (CASTRO, 1985, p.
70).
Durante os catorze anos de período autoritário no Brasil, até a morte de Gustavo
Corção, essa bipolaridade Alceu-Corção dividindo as lideranças católicas leigas foi uma das
grandes marcas da relação Igreja-Regime Militar. Corção defendeu o regime militar até a
morte, Alceu foi, no momento mais rigoroso da censura à imprensa, a única voz de
contestação ao regime, entre os articulistas habituais de prestígio nacional. “Nesse momento,
apenas Alceu tratava em sua coluna do desaparecimento de Rubens Paiva. Só ele tratava do
caso dos dominicanos. Corção, está visto, tratou do caso dos dominicanos para execrá-los”
(CASTRO, 1985, p. 70).
Em São Paulo, Lenildo Tabosa Pessoa, um espécie de Gustavo Corção sem estilo,
sem o mesmo nível de refinamento cultural, colaborava com o Jornal da Tarde quando o
assunto era atacar a Igreja que lutava contra o autoritarismo. Além de toda essa companhia
citada, Nelson Rodrigues, em seu “Diário”, em O Globo e reproduzido no Jornal da Tarde, de
São Paulo, atacava invariavelmente Alceu Amoroso Lima, que nada respondia.
159
Segundo Marcos de Castro,
No auge da campanha difamatória de Nelson Rodrigues, Alceu referiu-se a
ele como dramaturgo para elogiá-lo. O nome de Gustavo Corção só sairia de
sua pena depois da morte do antigo amigo e companheiro, num artigo
antológico publicado no Jornal do Brasil de 20 de julho de 1978 a que deu o
título generoso de „A luz através da sombra’. Era uma página sem um travo
de amargura, sem uma palavra de ressentimento, ... uma página perfeitamente
cristã (CASTRO, 1985, p. 71).
As posições de Gustavo Corção eram de absoluta simpatia pela TFP. Ao aproximar-
se do fim da vida, expressou admiração por uma espécie de Igreja-corporação militar e
chegou a dizer que um dos equívocos da “nova Igreja” era o fato de que ela “não gosta de
soldados, não gosta de lutas e não gosta de sangue e também não gosta de odiar o mal”. Ele
nunca tinha sido militante da TFP, mas elogiou o jornalzinho Catolicismo, da Diocese de
Campos, patrocinado pela associação. Em seus últimos anos de vida, um dos temas mais
freqüentes era o ataque pessoal a Paulo VI. O mais provável é que o papa nunca tenha tomado
conhecimento do tom de seus artigos. É que os amigos brasileiros de Paulo VI, como dom
Helder Camara ou dom Paulo Evaristo Arns, nunca foram homens da delação ou da intriga.
Corção amava a Igreja, mas a Igreja do passado, e temia as “novidades” oriundas do Vaticano
II.
Os católicos que faziam qualquer crítica ao papa Pio IX, o papa da Syllabus e do
Vaticano I - um dos papas mais conservadores da história da Igreja - eram católicos, para
Corção, que se afastavam da doutrina e construíam uma nova Igreja. Em contrapartida, ele
podia dizer o que quisesse de Paulo VI. Foi assim com todo assunto que dissesse respeito às
relações Igreja-Estado no período que vai da instauração do autoritarismo, em 1964, e
sobretudo depois do AI-5, até sua morte. Os militares eram os bons porque dominavam com
mão de ferro o Brasil. E, principalmente, porque tratavam com mão de ferro a “Igreja pós-
conciliar”, porque perseguiam os bispos como dom Valdir Calheiros, dom Adriano Hipólito,
dom Pedro Casaldáliga ou dom Helder, bispos que combatiam o autoritarismo.
A Igreja-corporação militar que está naquele sonho de fim de vida faz dos militares
brasileiros de 64 e de 68 verdadeiros heróis para Gustavo Corção. Eles souberam retribuir.
Corção era lido, admirado e comentado nos quartéis brasileiros do regime militar. Sua coluna,
no jornal O Globo, era uma espécie de bíblia para os militares no poder, que com ela
poderiam justificar sua perseguição à Igreja que os contestava.
160
4.5 AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL
Em 1968, a repressão autoritária ganhou novo fôlego. Marighela relacionava a
“execução do espião da CIA”, Charles Rodney Chandler, como prova de que “estamos em
plena guerra revolucionária”. Os primeiros soldados capturados foram assassinados. O
terrorismo de esquerda tomara a ofensiva tanto na quantidade como na qualidade. Os dois
lados queriam provar que estourara uma revolução no Brasil, mas como ela não existia,
contentavam-se em proclamar a existência do processo a que chamavam de “guerra
revolucionária”. A propósito dizia Marighela: “A questão no Brasil não está no mito de quem
der o primeiro tiro. Aliás, o primeiro tiro já foi dado, pois encontramo-nos em pleno curso da
guerra revolucionária” (MARIGHELA, 1970, p. 60; p. 37). Para a Aliança Libertadora
Nacional (ALN), “a guerrilha não é o braço armado de um partido ou de uma organização,
seja ela qual for. A guerrilha é o próprio comando, político e militar, da Revolução” (REIS
FILHO, 1990, p. 344) 40
.
Quase vinte anos depois, Antonio Delfim Netto decidiu descobrir o véu que encobriu
toda a crise de 1968:
Naquela época do AI-5 havia muita tensão, mas no fundo era tudo teatro.
Havia as passeatas, havia descontentamento militar, mas havia sobretudo
teatro. Era um teatro para levar ao Ato. O Costa e Silva de bobo não tinha
nada. O que se preparava era uma ditadura mesmo. Tudo era feito para levar
àquilo (DELFIM NETTO apud GASPARI: 2002a, p. 339).
O Ato Institucional n° 5 (AI - 5) foi o mais radical de todos, o que mais fundo atingiu
direitos políticos e civis. Em Estado e Oposição no Brasil: 1964-1984, Maria Helena Moreira
Alves apresenta resumo, que aqui reproduzimos, dos poderes atribuídos ao Executivo pelo AI-
5: 1) poder de fechar o Congresso Nacional e as Assembleias Estaduais e Câmaras
Municipais; 2) direito de cassar os mandatos eleitorais de membros dos poderes Legislativo e
Executivo nos níveis federal, estadual e municipal; 3) direito de suspender por dez anos os
direitos políticos dos cidadãos; 4) direito de demitir, remover, aposentar ou por em
disponibilidade funcionários das burocracias federal, estadual e municipal; 5) direito de
demitir ou remover juízes e suspensão das garantias ao Judiciário de vitaliciedade; 6) poder de
decretar estado de sítio sem qualquer dos impedimentos fixados na Constituição de 1967; 7)
direito de confiscar bens, como punição por corrupção; 8) suspensão da garantia de hábeas
corpus em todos os casos de crimes contra a Segurança Nacional; 9) julgamento de crimes
40
Esse trabalho foi posteriormente publicado, numa versão resumida, em forma de livro: REIS FILHO, D. A. A
revolução faltou ao encontro - Os comunistas no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990.
161
políticos por tribunais militares; 10) direito de legislar por decreto; 11) proibição de
apreciação pelo Judiciário de recursos impetrados por pessoas acusadas em nome do Ato
Institucional nº 5 (ALVES, 2005, p. 161).
Nas organizações de extrema esquerda o Ato foi avaliado dentro da melhor tradição
do quanto-pior-melhor associada à ideia do quanto-mais-forte-mais-fraco. Da conjugação dos
dois resulta a transcendental invencibilidade da revolução socialista. A ALN de Marighela
concluiu que “a crueldade dos fascistas que detêm o poder favoreceu o clima de guerra
revolucionária, arrastando contra os militares brasileiros e a atual ditadura um número cada
vez maior de inimigos”. O Partido Comunista do Brasil (PC do B) foi igualmente claro: “O
AI-5 não é expressão de força. Revela, bem ao contrário, debilidade da ditadura” (REIS
FILHO, 1990, p. 367; p. 362).
A consequência mais grave do AI-5 foi talvez o caminho que ele abriu para a
utilização descontrolada do aparato repressivo do Estado de Segurança Nacional. A este
respeito foram cruciais as restrições impostas ao Judiciário e a abolição do hábeas corpus
para crimes políticos. Podiam-se efetuar prisões sem acusação formal e sem mandado. O
Estado de Segurança Nacional encontrava-se centralizado. Além disso, o Estado
corporificava-se no Executivo, que se transformou numa espécie de Leviatã hobbesiano.
Quando, em 1969, o presidente Costa e Silva sofreu infarto, os militares não
permitiram que o vice-presidente, Pedro Aleixo, civil da extinta União Democrática Nacional
(UDN), assumisse o governo, de acordo com a lei. Uma Junta Militar assumiu, escolheu
sucessor e reabriu o Congresso para que este referendasse a escolha. Em outubro, tomou
posse na presidência o general Garrastazu Médici.
No governo de Médici, as medidas repressivas atingiram o ápice. “Nova lei de
segurança nacional foi introduzida, incluindo a pena de morte por fuzilamento. A pena de
morte tinha sido abolida após a proclamação da República, e mesmo no Império já não era
aplicada” (REIS FILHO, 1990, p. 162). No início de 1970, foi introduzida a censura prévia
em jornais, livros e outros meios de comunicação. Em resposta à falta de alternativa para a
oposição legal, grupos de esquerda começaram a agir na clandestinidade e adotar táticas
militares de guerrilha urbana e rural.
A máquina da repressão cresceu rapidamente e tornou-se quase autônoma dentro do
governo. Ao lado de órgãos de inteligência nacionais como a Polícia Federal e o SNI,
passaram a atuar livremente na repressão os serviços de inteligência do Exército, da Marinha,
da Aeronáutica e das polícias militares estaduais; e as Delegacias de Ordem Social e Política
dos Estados (DEOPS). Dentro de cada Ministério e de cada empresa estatal foram criados
162
órgãos de segurança e informação, em geral dirigidos por militares da reserva. O Exército
criou ainda agências especiais de repressão chamadas Destacamento de Operações e
Informações (DOI) e Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), que ficaram tristemente
conhecidas pelas siglas DOI-CODI (REIS FILHO, 1990, p.163).
A anarquia ataca a ordem militar, corroendo-a e desmoralizando-a. Em seu livro Os
militares na política, Alfred Stepan adverte que “os governos militares são frequentemente
derrubados pela própria instituição militar” (STEPAN, 1971, p. 253). A violência política
percorre um ciclo no regime militar brasileiro. Geisel esforça-se por restabelecer a ordem ao
perceber que, antes de qualquer projeto político, era preciso restabelecer a ordem militar.
Há muito tempo se pedia: “é preciso controlar as forças armadas”. O pedido
resultava de constatação evidente de que o governo havia perdido o controle sobre os órgãos
de repressão. Assistia-se à banalização da violência contra o cidadão, a quem, por natureza, o
governo encontra-se obrigado a oferecer proteção. “O Jornalista Vladimir Herzog, o Vlado,
tornou-se símbolo de todos [os prisioneiros de consciência], ao morrer assassinado, nos
porões do regime, durante uma sessão de tortura, numa cela do DOI-CODI, em outubro de
1975” (KONDER, 1988, p. 47). O jornal Em Tempo publica:
A alegação oficial de que o operário [Manuel Fiel Filho] teria se suicidado,
utilizando o cinto do macacão fornecido pelo próprio Exército, não
convenceu os que ainda se encontravam sob o impacto da morte do jornalista
Vladimir Herzog, também oficialmente apresentada como suicídio (EM
TEMPO, 1978b, p. 3).
De abuso cometido pelos interrogadores sobre o preso, a tortura no Brasil passou,
com o Regime Militar, à condição de “método científico”. Os torturadores não apenas se
vangloriavam de sua sofisticada tecnologia de dor, mas também alardeavam estar em
condições de exportá-la ao sistema repressivo de outros países, conforme a carta-denúncia do
engenheiro Haroldo Borges Rodrigues Lima, 37 anos, datada de 12 de abril de 1977: “As
torturas continuaram sistematicamente. Diziam, com muito orgulho, que sobre o assunto já
não tinham nada a dever a qualquer organização estrangeira. Ao contrário, informaram-me, já
estavam exportando „know-how‟ a respeito” (BRASIL: NUNCA MAIS, 1985, p. 33).
Os documentos analisados pelos pesquisadores do BRASIL: NUNCA MAIS
evidenciam aulas de tortura (a oficiais de diferentes patentes do Exército, Marinha e
Aeronáutica, policiais civis e militares), modos e instrumentos de tortura (o “pau-de-arara”, o
choque elétrico, a máquina “pimentinha”, o “afogamento”, a “cadeira do dragão”, a
“geladeira”, os insetos e animais, a palmatória, o enforcamento, etc.) tortura em crianças,
mulheres e gestantes. (BRASIL: NUNCA MAIS, 1985, p. 29-50). Donde se pode concluir
163
que, a tortura é o crime mais cruel e bárbaro contra a pessoa humana.
A complexidade do período militar também se mostra no campo econômico. A partir
de 1968, exatamente o ano em que a repressão se tornou mais intensa, a taxa de crescimento
subiu rapidamente e ultrapassou a do período de Kubitschek, mantendo-se em torno de 10%
até 1976, com máximo de 13,6% em 1973, em pleno governo Médici. Foi a época em que se
falou no “milagre econômico” brasileiro. A partir de 1977, o crescimento começou a cair.
Apesar da queda de crescimento ao final, a coincidência do período de maior repressão com o
de maior crescimento econômico era perturbadora. “O governo Médici exibiu esse aspecto
contraditório: ao mesmo tempo que reprimia ferozmente a oposição, apresentava-se como
fase de euforia econômica perante o resto da população” (CARVALHO, 2003, p. 168).
O crescimento econômico se manteve ao longo dos dois primeiros anos do governo
do presidente Ernesto Geisel. Ao assumir a presidência, em 1974, Geisel deu indicações de
que estava disposto a promover um lento retorno à democracia. O processo de “abertura
política” iniciou-se, então, com diminuição das restrições à propaganda eleitoral, e deu grande
passo em 1978, com a revogação do AI-5, o fim da censura prévia e a volta dos primeiros
exilados políticos.
Elio Gaspari parece ter sua análise do período militar grandemente influenciada pela
proximidade com Ernesto Geisel e Golbery de Couto e Silva. Como resultado, suaviza
eventos e fatos (torturas, desaparecimentos, mortes, etc.) ocorridos durante o governo Geisel,
em nome de suposta “abertura democrática”. Elio Gaspari observa que:
Desde 1968, quando através da vigência do AI-5, o Brasil entrara no mais
longo período ditatorial de sua história, dois presidentes prometeram
restaurar as franquias democráticas. Geisel, o único a não fazer essa
promessa, acabou com a ditadura. Entre 1974, ao assumir o governo, e 1979,
ao deixá-lo, transformou uma Presidência inerte, entregue a colegiado de
superministros, num governo imperial. Converteu uma ditadura amorfa,
sujeita a períodos de anarquia militar, num regime de poder pessoal, e quando
consolidou esse poder – processo que culmina no dia 12 de outubro de 1977
– desmantelou o regime. Quando assumiu, havia uma ditadura sem ditador.
No fim de seu governo, havia um ditador sem ditadura. No dia 31 de
dezembro de 1978, 74 dias antes da conclusão de seu mandato, acabou-se o
Ato Institucional nº5, o instrumento parajurídico que vigorara por dez anos,
por meio do qual o presidente podia fechar o Congresso, cassar mandatos
parlamentares e governar por decretos uma sociedade onde não havia direito
a habeas corpus em casos de crimes contra a segurança nacional. Antes,
acabara com a censura à imprensa e com a tortura de presos políticos, pilares
do regime desde 1968 (GASPARI, 2002a, p. 35-36).
Elio Gaspari produz síntese dos 21 anos do ciclo militar, para quem sucederam-se
períodos de maior ou menor racionalidade no trato das questões políticas:
164
Foram duas décadas de avanços e recuos. De 1964 a 1967 o presidente
Castello Branco procurou exercer uma ditadura temporária. De 1967 a 1968 o
marechal Costa e Silva tentou governar dentro de sistema constitucional, e de
1968 a 1974 o país esteve sob regime escancaradamente ditatorial. De 1974 a
1979, debaixo da mesma ditadura, dela começou-se a sair. Em todas as fases
o melhor termômetro da situação do país foi a medida da prática da tortura
pelo Estado (GASPARI, 2002a, p. 129).
Contudo, no transcurso do ano de 1977, o aparelho repressivo dava clara mostra de
que se encontrava fora do controle governamental. O jornal Em Tempo relata a situação que se
instalou no presídio reservado a presos políticos em Pernambuco: “O isolamento de dois de
seus companheiros condenados à prisão perpétua fez os quinze presos da Ilha de Itamaracá
usarem a greve de fome como arma, uma aliada. Conseguiram repercussão internacional por
suas reivindicações” (EM TEMPO, 1977/1978, p. 3).
Em perspectiva de política internacional de Direitos Humanos, Em Tempo publica
matéria sob o título “Amaciando o porrete”, na qual assegura que:
Não está nada fácil para Jimmy Carter manter sua política de Direitos
Humanos na América Latina e ao mesmo tempo evitar suas consequências
naturais - menos lucros para as grandes empresas multinacionais. Apoio
material e também político e ideológico [dos EUA] legitimava a utilização de
quaisquer meios - entre os quais a sistemática violação dos Direitos Humanos
- em nome do „combate ao avanço do comunismo internacional‟. Em duas
palavras: „segurança e desenvolvimento (EM TEMPO, 1977, p. 2).
Em 1978, AI-5 ainda gozava de muita força institucional. Em janeiro, o Centro de
Defesa dos Direitos Humanos da Paraíba denunciava violação de Direitos Humanos e
invocava a Declaração Universal. Alegava ter atendido “quase 10.000 pessoas que tiveram
direitos violados”. O Centro apresentou ao governo e à sociedade brasileira lista protocolada
com dezenas de itens em denúncias, das quais destacamos: “a existência de quase 5.000
brasileiros exilados, e impedidos de voltar ao Brasil; as torturas, os maus-tratos, as condições
desumanas a que são submetidos os detidos, presos e condenados por crimes políticos e
comuns; a existência de 300 presos políticos no Brasil; a violência e as arbitrariedades da
polícia em nosso Estado [Paraíba] e os espancamentos de presos e os assassinatos” (EM
TEMPO, 1978a, p. 11). Quatro meses depois, dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Felix do
Araguaia, declara: “As aberturas democráticas são apenas um verniz. Ou é democracia ou não
é. Ou é transformação das estruturas ou não é. Não podemos esquecer as torturas e o controle
da imprensa” (EM TEMPO, 1978c, p. 3).
De acordo com Elio Gaspari, “o Sacerdote e o Feiticeiro acreditavam no Brasil e
nele mandaram como poucas pessoas o fizeram. Suas trajetórias ensinam como é fácil chegar
a uma ditadura e como é difícil sair dela”. E acrescenta: “Geisel emerge como o único general
165
a defender a tortura: „Acho que a tortura em certos casos torna-se necessária, para obter
confissões‟” (GASPARI, 2002a, p. 37). Salvo na Alemanha hitlerista e na União Soviética dos
expurgos de Stalin, todas as ditaduras que sancionaram a tortura negaram sua existência
(GASPARI, 2002b, p. 20)
Com a pretensão de confiscar bens de indivíduos corruptos, o AI-5 pretendeu obter a
simpatia da opinião pública. Esta, como é natural, reprova a corrupção (HERKENHOFF,
2002, p. 79). Mas esse poder discriminatório não foi, de forma alguma, utilizado para
realmente combater a corrupção. Foram atingidos alguns desafetos do regime, enquanto
muitos outros ficaram a salvo. Assim, nega o Art. 18 da Declaração Universal: “Ninguém será
arbitrariamente privado de sua propriedade”.
Entretanto, desde fevereiro de 1978, começam a proliferar, em todo o país, “Comitês
Brasileiros pela Anistia (CBAs) que lançam campanha por Anistia ampla e irrestrita,
defendem os presos políticos que reagem às duras condições carcerárias com repetidas greves
de fome, e ainda sistematizam denúncias sobre torturas, assassinatos e desaparecidos
políticos” (BRASIL: NUNCA MAIS, 1985, p. 67).
Em 13 de dezembro de 1978, o Congresso votou o fim do AI-5, o fim da censura
prévia no rádio e na televisão, e o restabelecimento do hábeas corpus para crimes políticos. O
governo ainda atenuou a Lei de Segurança Nacional e permitiu o regresso de 120 exilados
políticos (CARVALHO, 2003, p. 175). O jornal Em Tempo publica: “Iramaia Benjamim, do
CBA-Rio, voltou da Europa e está convicta que os exilados sem processos políticos devem
voltar para abrir maior espaço democrático na nossa sociedade” (EM TEMPO, 1978d, p. 6).
Em suma, o período de vigência do AI-5 caracterizou-se pela instabilidade política e
restrições das liberdades e direitos civis e políticos, e pelo aprofundamento da desigualdade
social resultante de crescimento econômico baseado na captação de empréstimos externos
orientados para os setores produtivos (industriais) e financeiros (bancos). Além disso, o
regime do AI-5 não se coaduna com a vigência dos Direitos Humanos, como definidos pela
Declaração Universal.
166
5. A TRANSNACIONALIZAÇÃO DAS DEMANDAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA
POR MEIO DOS PRONUNCIAMENTOS DE DOM HELDER CAMARA NO
EXTERIOR.
5.1 A NECESSIDADE DE REFORMAS ESTRUTURAIS
O objetivo do capítulo consiste em identificar e analisar as principais demandas da
sociedade brasileira transnacionalizadas por dom Helder Camara, através de seus
pronunciamentos no exterior, durante a vigência do Ato Institucional nº 5 (AI-5, 1968-1978).
Por demandas transnacionalizadas, entende-se os elementos que se constituem em desafios
cruciais à sociedade brasileira, expostos em arena política internacional. Por
transnacionalização de demandas, entende-se a transposição de fronteiras de demandas
próprias da agenda política doméstica.
Entre as questões de maior relevância para a sociedade brasileira transnacionalizadas
por meio dos pronunciamentos de dom Helder encontram-se: a necessidade de reformas
estruturais; o combate ao colonialismo interno e externo; o desenvolvimento humano e
econômico; a ordem social vigente denunciada como “desordem estabelecida” ou “injustiça
estratificada ou institucionalizada”; a promoção da justiça como condição sine quo non para a
paz; a defesa dos direitos humanos e o “movimento de não-violência” ou da “violência dos
pacíficos”, a ser mobilizado em favor da mudança de estruturas.
A necessidade de reformas estruturais constitui-se, para dom Helder, na principal
demanda da sociedade brasileira, e a ser realizada também na arena política regional e
internacional. Todas as outras demandas decorrem dessa urgência em se mudar estruturas
sociais, econômicas, políticas, culturais e religiosas. A mudança de estruturas não se
reivindica apenas no âmbito da política doméstica, mas amplia-se ao regional, até atingir o
sistema internacional. Trata-se de mudanças que se constroem desde o espaço político local,
no qual se pressupõe maior participação política dos cidadãos.
A propósito das reformas de estruturas em âmbito doméstico, dom Helder Camara,
em discurso na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1969, alude às últimas
medidas do governo [Costa e Silva] supostamente em favor das reformas de base. O cenário
político das possíveis reformas é assim descrito:
O governo sabe que lançou mão de poderes especialíssimos [AI-5] e há de
reconhecer o desgaste perante a opinião pública democrática mundial do mais
167
terrível dos controles sobre a Imprensa. As medidas de exceção foram
adotadas, sobretudo, para tornar possíveis as Reformas de base? O governo
deu a entender que sim, ao alegar que o Legislativo lhe negava os
instrumentos indispensáveis à concretização das Reformas. Do lado de quem
conduzir a Reforma Agrária vai ser necessário muito sangue frio, muito
equilíbrio. Firmeza não deverá significar violência. Segurança não deverá ser
sinônimo de arbitrariedade. Pessoalmente, não vejo como possamos
prescindir da Imprensa e do Congresso (CAMARA, 1969c, p. 2; p. 4).
Na Igreja Católica da América Latina, ainda que não de modo homogêneo, assiste-se
a mudança de comportamento no trato das questões sociais. A questão agrária41
, que, durante
os anos 1950, dava a entender restringir-se à problemática de política doméstica, nas décadas
seguintes é inserida na agenda de política regional da Instituição. O postulado da reforma
agrária fora de tal forma politizado que a demanda transpôs as fronteiras do país.
Antes mesmo da II Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe,
em Medellín, na Colômbia, em 1968, o Conselho Episcopal Latinoamericano e do Caribe
(CELAM) advertiu que reformas básicas se faziam necessárias ao processo de socialização42
da produção e das riquezas. Elabora-se o argumento nos seguintes termos:
O processo de socialização, a necessidade de ordenar produção dinâmica e
distribuição justa nesta nova conjuntura, obrigam a rever a fundo a estrutura
de Associação e a do Estado. Nos quadros das reformas estruturais exigidas
pelas populações latinoamericanas tem fundamental importância a Reforma
Agrária. Incumbe também à Igreja esforçar-se para que se realizem
programas de Reforma Agrária autêntica. Tal esforço há de concretizar-se,
entre outras formas, pela formação de pessoal dos que vão receber e utilizar
as terras (por exemplo, através de cooperativas), levando-se em consideração
as condições peculiares de cada país (CELAM, 1966, p, 16-19).
No contexto dos estudos preparatórios para a II Conferência Geral do Episcopado
Latinoamericano e do Caribe, os Presidentes de Comissões publicaram documento sob título
América Latina: Ação e Pastoral Sociais43
, no qual reafirmam a necessidade premente de
reformas estruturais, entre as quais figura a reforma agrária. A reforma agrária, em última
instância, atuaria como instrumento de inserção dos marginalizados rurais na vida sócio-
político-econômica do país. Acerca do impacto das reformas, o documento postula que:
41
A Igreja Católica na América Latina aborda a questão da reforma agrária como condição para o
desenvolvimento integral dos grupos e povos (camponeses e indígenas) do país e da Região. A questão agrária,
como demanda regional, aparece nos documentos a partir de CELAM, 1966, p. 18-19; CELAM, 1968a, p. 52;
CELAM, 1968b, p. 30; CELAM, 1968c, p. 31-34.
42 O conceito de socialização foi formulado por João XXIII, em sua Encíclica, Mater et Magristra, 1961, n 62. A
Igreja, ao perceber as contradições dos sistemas capitalista e socialista, propõe a socialização (dos meios de
produção e das riquezas) como conceito alternativo. Embora a escolha do termo despertasse rumores mesmo
entre católicos, pois se aproximava do termo socialismo, a Igreja não se preocupou em diferenciá-lo deste, nem
de apresentar suas principais características.
43 O documento do CELAM é conhecido também pelo nome de Conclusões do Encontro de Presidentes de
Comissões Episcopais de Ação Social. O encontro realizou-se em Salvador – BA, entre os dias 12-19/05/1968.
168
A reforma agrária é precisamente uma das reformas que permitiria aos
“fracos e pobres” participar mais plenamente da vida econômico-social. Por
isso esta concepção contém, ao menos em germe, espírito revolucionário,
pois está orientada não apenas para a melhoria da produção agrícola, mas
para uma distribuição da terra e sobretudo do poder econômico, social e
político em favor das classes camponesas marginalizadas da vida moderna.
(CELAM, 1968c, p. 32)
O imperativo da mudança de estruturas44
(injustas e de opressão) não se constitui
exigência exclusiva dos países subdesenvolvidos. O esforço para a mudança de estruturas não
deve se limitar a mera reformas superficiais das estruturas vigentes. Em palavras do próprio
dom Helder, encontramos o seguinte argumento:
No mundo subdesenvolvido, esta verdade parece uma evidência. Se se olha o
mundo subdesenvolvido, de qualquer ângulo – econômico, científico,
político, social, religioso – chega-se a compreender que uma revisão sumária,
superficial, não bastará, de modo algum. Deve-se ter em vista revisão em
profundidade, mudança profunda e rápida – deve-se chegar a uma revolução
estrutural. É menos fácil compreender que o mundo desenvolvido tenha,
também, necessidade de revolução estrutural (CAMARA: 1968b, p. 2-3). A
revolução, de que o mundo precisa, supõe mudança radical das estruturas
econômicas e políticas, mas não haverá revolução estrutural, sem revolução
cultural (CAMARA, 1968c, p. 6)
A mudança de estruturas nos países subdesenvolvidos supõe, indubitavelmente, a
mudança de estruturas nos países desenvolvidos. A partir daí, o desafio é imperioso:
O difícil começa quando se precisa dizer que esta mudança de estruturas nos
países pobres supõe, exige mudanças de estruturas nos países de abundância.
A impressão é de uma exigência absurda, nascida de pessoas frustradas.
Mudar por que, se as estruturas vigentes conduziram os países ricos à sua
prosperidade atual? Que se pense em ajuda, em colaboração, mesmo larga e
generosa, e a compreensão será fácil. Exigir de ir mais longe, é exorbitar,
criar inutilmente irritações, comprazer-se no insucesso (CAMARA, 1971e,
p. 5).
De acordo com dom Helder, quando se comparam as ajudas recebidas pelos países
subdesenvolvidos45
com as perdas sofridas por eles em consequência da deteriorização dos
44
A necessidade de mudança (ou conversão) das estruturas (injustas ou de opressão) tanto nos países
subdesenvolvidos quanto nos países desenvolvidos encontra-se, entre os inúmeros pronunciamentos, abordada
em: CAMARA, 1968a, p. 4 e 5; CAMARA, 1968c, p. 3, 6 e 7; CAMARA, 1969e, p. 3 e 4; CAMARA, 1970f, p.
5; CAMARA, 1970g, p. 2 e 4; CAMARA, 1971a, p. 7; CAMARA, 1971d, p. 4; CAMARA, 1972d, p. 1;
CAMARA, 1972j, p. 5 e 6; CAMARA, 1973f, p. 4; CAMARA, 1975a, p. 10; CAMARA, 1975j, p. 3 e 5;
CAMARA, 1975r, p. 3; CAMARA, 1976c, p. 2; CARAMA, 1976d, p. 4; CAMARA, 1977a, p. 5; CAMARA,
1977b, p. 3; CAMARA, 1977c, p. 3 e 4; CAMARA, 1977j, p. 1. Para outras referências, consultar ANEXO A.
45 As ajudas dos países ricos ao Terceiro Mundo são consideradas necessárias, porém, insuficientes. Além disso,
constata-se que tais “ajudas são feitas ao preço de injustiças terríveis” ou à custa do agravamento da miséria
imposto pela política internacional do comércio. Sobre as ajudas e as injustiças sustentadas pelos países ricos
contra os países pobres consulta-se ainda, entre outros: CAMARA, 1969b, p. 3; CAMARA, 1969d, p. 3;
CAMARA, 1970g, p. 3; CAMARA, 1971d, p. 3; CAMARA, 1972b, p. 1; CAMARA, 1972c, p. 3; CAMARA,
1972h, p. 2; CAMARA, 1972j, p. 5; CAMARA, 1972l, p. 1; CAMARA, 1973g, p. 4; CAMARA, 1975a, p. 3 e
4; CAMARA, 1976e, p. 4; CAMARA, 1977a, p. 5. Para outras referências, consultar ANEXO A.
169
preços de suas matérias-primas compreende-se que, de fato, a injustiça assumiu dimensões
planetárias. O problema então não é de ajuda, mas de justiça. Ora, “como a justiça é o
fundamento indispensável da paz, injustiças internacionais põem em perigo constante e
crescente a paz no mundo” (CAMARA, 1968e, p. 2).
As superpotências, USA e URSS, condicionam a arrancada dos países
subdesenvolvidos rumo ao desenvolvimento a ajuda financeira e a transferência de tecnologia.
Quanto ao posicionamento dos governos latinoamericanos, dom Helder observa que:
“receosos de perder os dólares largamente anunciados e parcamente entregues, há governos
que se contentam em promulgar leis de reformas de base e em criar vários órgãos para aplicá-
las, deixando tudo, no entanto, cuidadosamente no papel” (CAMARA, 1968c, p. 3). A
estratégia sensata dos países pequenos e fracos não deveria girar em torno de supostas ajudas
a receber, mas exercer pressão contra os “gigantes de pés de barro”, exigindo “revisão da
política internacional do comércio”46
(CAMARA, 1970f, p. 5), elaborada pelos países ricos,
responsável por estipular o preço tanto das matérias-primas (dos países pobres) quanto dos
produtos industrializados (dos países ricos). A manutenção desse monopólio perpetua a
injustiça internacional geradora de violência e de guerras.
A mudança das estruturas em âmbito nacional e internacional tem, como resultado
previsível, o resgate da dignidade humana de “mais de 2/3 da humanidade em situação
subumana”47
. Os países ricos baseiam a própria riqueza em injustiças institucionalizadas. “Os
ricos, dos países desenvolvidos, e mesmo os ricos dos países pobres, ignoram
conscientemente a exploração de concidadãos, submetidos à vida de miséria e pobreza”
(CAMARA, 1977d, p. 3). A manutenção do status quo geralmente se sustenta mediante
46
A política internacional do comércio - monopolizada, inicialmente, pelos antigos trusts, e, mais recentemente,
pelas multinacionais ou transnacionais, com cede nos países desenvolvidos -, é responsabilizada por dom Helder
pela prática do Colonialismo externo, enquanto política dos grandes impérios, e pela manutenção de injustiças
entre países e mesmo entre Continentes. Pode-se encontrar referência a essa expressão em: CAMARA, 1970r, p.
2 e 3; CAMARA, 1970s, p. 1 e 4; CAMARA, 1971c, p. 5; CAMARA, 1971d, p. 3 e 4; CAMARA, 1971f, p. 1, 7
e 8; CAMARA, 1971g, p. 3; CAMARA, 1972a, p. 3; CAMARA, 1972b, p. 2; CAMARA, 1972g, p. 4-6;
CAMARA, 1972h, p. 4; CAMARA, 1972m, p. 1; CAMARA, 1973b, p. 1-6; CAMARA, 1973e, p. 4;
CAMARA, 1973h, p. 4; CAMARA, 1973h, p. 5; CAMARA, 1973l, p. 4; CAMARA, 1973m, p. 3; CAMARA,
1974a, p. 4; CAMARA, 1974d, p. 4; CAMARA, 1974e, p. 3; CAMARA, 1974f, p. 2; CAMARA, 1975a, p. 4 e
6; CAMARA, 1975c, p. 4; CAMARA, 1975g, p. 4 e 5; CAMARA, 1976c, p. 2 e 3; CAMARA, 1977d, p. 3;
CAMARA, 1977n, p. 1. Para outras referências, consultar ANEXO A.
47 Sobre a condição de “mais de 2/3 de homens sub-humanizados pela miséria e pela fome”, há inúmeros relatos.
Os mais esclarecedores encontram-se em: CAMARA, 1970i, p. 3; CAMARA, 1970p, p. 2 e 4; CAMARA,
1970s, p. 5 e 7; CAMARA, 1971d, p. 3; CAMARA, 1971f, p. 7; CAMARA, 1972c, p.3; CAMARA, 1972j, p. 2
e 6; CAMARA, 1973b, p. 3; CAMARA, 1973e, p. 6; CAMARA, 1973j, p. 4 e 5; CAMARA, 1974a, p.3-6;
CAMARA, 1974d, p. 3; CAMARA, 1974j, p. 4 e 5; CAMARA, 1975b, p. 2, 3 e 4; CAMARA, 1975e, p. 3;
CAMARA, 1974c, p. 3; CAMARA, 1975f, p. 3; CAMARA, 1975r, p. 2 e 4; CAMARA, 1976e, p. 3; CAMARA,
1977a, p. 3 e 5; CAMARA, 1977c, p. 2; CAMARA, 1978b, p. 4. Para outras referências, consultar ANEXO A.
170
política repressiva de governos autoritários e antidemocráticos sob “pretexto de perigo
comunista” (CAMARA, 1972c, p3). A revisão de “conceitos equivocados [tais como:
superprodução ou subconsumo, explosão demográfica, livre comércio], de consequências
desastrosas para mais de 2/3 da humanidade” (CAMARA, 1974a, p. 4), evidenciaria as
injustiças da política internacional do comércio e, no plano doméstico, a má distribuição de
renda dentro dos próprios países.
Os países pequenos ou fracos, sempre que forçam revisão de comportamento dos
países ricos e fortes, inegavelmente, encontram-se sujeitos a sanções ou a retaliações.
Entretanto, quando tais países ousam recorrer aos mesmos métodos de defesa de seus
interesses econômicos, através de novos cartéis, contra o cartel estabelecido pelas potências
são responsabilizados pela ameaça à ordem mundial e à estabilidade do sistema financeiro
mundial.
A atuação da OPEP, em 1973, encerra grandes surpresas pelo seu ineditismo nos
tempos modernos. Nações islâmicas (Argélia, Arábia Saudita, Irã, Líbia, Síria, Iraque, Egito,)
uniram-se a países da América Latina, como a Venezuela, e da África. O ineditismo estava em
“terem conseguido superar tantas diferenças culturais, religiosas, interesses econômicos
particulares” (CAMARA, 1975a, p. 5-9), em vista de questão global: redefinir o preço do
petróleo no mercado internacional. Pela primeira vez, em muitos séculos, o núcleo do poder
econômico se vê seriamente ameaçado. A crise que deveria atingir apenas o sistema
econômico, certamente levou a crise de identidade no Atlântico Norte, convicto de seu direito
de dominar as outras Nações por tempo indeterminado.
O consenso a ser construído pelos Estados-Nações em torno de uma demanda, que
atenda aos interesses de todos os envolvidos, mostra-se deveras difícil. Os acordos de
cooperação bilaterais, em geral, participam da edificação desse cenário. Alguns especialistas
em relações internacionais (Keohane e Nye), em divergência com os teóricos do realismo
clássico, afirmam que Estados tendem a cooperação em diversos setores de sua gestão; e
cooperam mesmo em área sensível como a Segurança Nacional, como demonstração de que é
possível superar os seus interesses egoístas. A experiência da OPEP indica que tal consenso
pode ser construído. Contudo, no plano das iniciativas particulares, “acontece que quando, em
um país qualquer da América Latina, alguém se decide a empreender, de verdade, a mudança
de estruturas, as minorias privilegiadas gritam que se trata de subversão da ordem social e de
comunismo” (CAMARA, 1969b, p. 5).
A mudança das estruturas sócio-econômicas e político-culturais no Brasil e na
América Latina “só poderá ser feita sem violência, se houver clima para uma democrática,
171
equilibrada e firme pressão moral libertadora”48
(CAMARA, 1969c, p. 6). A pressão moral
libertadora tal como compreendida por dom Helder goza de força capaz de revolver,
pacificamente, as estruturas de opressão e de injustiças, e tem sua origem na mobilização das
“Minorias Abraâmicas”49
, pessoas espalhadas por todo o mundo, amantes da justiça.
No plano regional, a mudança de estruturas implica novo posicionamento da Igreja
perante as questões sociais e políticas. Então, convém que se pergunte: que parcela de
responsabilidade compete ao povo latinoamericano e, em particular, aos cristãos do
Continente?
Somos a parte cristã do Terceiro Mundo. Que triste testemunho para os
nossos Irmãos não-cristãos do Terceiro Mundo apresentar nosso Continente
Cristão com mais de 2/3 de população em situação sub-humana. O fato é que
nos preocupamos, de tal sorte, com a manutenção da ordem social que nem
percebemos que ela era muito mais desordem estratificada. (CAMARA,
1971f, p. 2-3).
Nesse caso, as disputas internas à própria Igreja precisam ser amenizadas, em prol da
implementação de ação em conjunto:
Se quisermos evitar que o chamado Continente Cristão se entregue à
radicalização e à violência, caia no caos, temos que nos unir – cristãos de
todas as denominações, homens de boa vontade mesmo não-cristãos e até não
religiosos – para tentar chegar a tempo. Se todos clamarmos por reformas
estruturais, pelo fim da escravidão, pelo fim das condições sub-humanas, pela
promoção humana dos miseráveis, os privilegiados e as autoridades não terão
condições de dizer que nos tornamos comunistas e subversivos (CAMARA,
1971f, p. 4).
Na década de 1970, os observadores mais críticos, de dentro ou de fora da Igreja,
perceberam sabiamente (e defenderam pública e corajosamente) mudança de estrutura da
Igreja. O problema é tentar desfazer-se de sobrecarga, de instâncias apodrecidas a substituir,
ou ainda de mudar toda a estrutura. Alegavam continuamente que: “se a Igreja não tiver
coragem de tocar nas próprias estruturas, lhe faltará força moral de criticar estruturas da
48
A expressão “pressão moral libertadora” é usada isolada ou conjuntamente com a expressão “força moral”,
entendidas como instrumento capaz de constranger os países ricos e, por conseguinte, forçar mudança de
estruturas. Encontram-se essas expressões nos seguintes pronunciamentos: CAMARA, 1968a, p. 4; CAMARA,
1970f, p. 6; CAMARA, 1973j, p.7; CAMARA, 1973n, p. 1-7; CAMARA, 1974a, p. 5; CAMARA, 1974d, p. 5;
CAMARA, 1975a, p.10; CAMARA, 1975s, p. 4; CAMARA, 1977d, p. 3.
49 A expressão “Minorias Abraâmicas” é usada por dom Helder Camara para definir pessoas ou pequenos grupos
de pessoas, espalhadas por todo o mundo, porém, carente de organização para empreender força similar à da
bomba atômica contra os promotores de violência, guerras e injustiças, através de movimento de pressão moral
libertadora. A referida expressão aparece ainda em: CAMARA, 1970g, p. 1-2; CAMARA, 1971a, p. 6;
CAMARA, 1971b, p. 5; CAMARA, 1971c, p. 9 e 1º; CAMARA, 1971e, p.6; CAMARA, 1971h, p. 3;
CAMARA, 1972a, p. 5; CAMARA, 1972e, p. 3; CAMARA, 1972f, p. 5 e 6; CAMARA, 1972j, p. 5; CAMARA,
1974f, p. 1; CAMARA, 1975f, p. 5; CAMARA, 1975i, p. 5-7; CAMARA, 1975p, p. 4 e 5; CAMARA, 1975s, p.
4 e 5; CAMARA, 1976b, p. 5; CAMARA, 1976e, p. 4. Para outras referências, consultar ANEXO A.
172
sociedade” (CAMARA, 1972f, p. 1-2). Dom Helder acrescenta: “o que é mais grave é que se
tem a impressão de sabotagem ao Concílio Ecumênico Vaticano II, partindo de onde pareceria
absurdo que ela pudesse surgir”50
Não é radicalizando, extremando, rompendo, que iremos conseguir mudar o que deve
ser mudado nas estruturas da Igreja (CAMARA, 1972d, p. 2). A possível mudança de
estrutura poderia partir da “Comunidade de Base51
”, onde todos conhecem a todos. Em
palavras do próprio dom Helder: “as Minorias Abraâmicas sentem, pressentem que o segredo
para a mudança das estruturas da Igreja está em Comunidades de Base, que tentam concretizar
os grandes textos52
e as belas conclusões do Vaticano II” (CAMARA, 1972f, p. 5).
5.2 O COMBATE AO COLONIALISMO INTERNO E EXTERNO
O colonialismo, clássico ou moderno, constitui-se em questão da sociedade brasileira
transnacionalizada por dom Helder, como um dos principais entraves ao desenvolvimento, em
termos de desenvolvimento humano, de crescimento econômico e de evolução cultural.
O fenômeno do colonialismo tal como compreendido por dom Helder existe na
relação entre as regiões do mesmo país, entre países da mesma região e até mesmo entre
continentes. Assim, o colonialismo interno53, como denunciado por dom Helder, expande seus
tentáculos para além das fronteiras do país, em razão do vínculo estabelecido entre as elites
dos diferentes países. O colonialismo é o grande inimigo da liberdade. A princípio, “sem
justiça e liberdade para todos, arranje-se outro nome, mas impossível falar em
desenvolvimento” (CAMARA, 1975i, p. 6).
50
Ao colocar a questão da reforma da Cúria Romana, “pessoas dão a impressão de não entender o espírito do
Vaticano II, de temer o Concílio e, na prática, não raro, sabotá-lo” (CAMARA, 1972f, p. 5).
51 A “Comunidade de Base”, além de ser apontada por dom Helder como possível agente da mudança das
estruturas, também é percebida como “a grande esperança da Igreja”: CAMARA, 1972f, p. 2; CAMARA, 1973c,
p. 5; CAMARA, 1975e, p. CAMARA, 1975l, p. 3; CAMARA, 1975p, p. 4; CAMARA, 1976d, p. 5; CAMARA,
1976e, p. 5 e 6; CAMARA, 1977c, p. 4; CAMARA, 1977e, p. 2; CAMARA, 1977j, p. 3.
52 Os “grandes textos” aqui não são os “livros sagrados” nem os documentos dos “Padres da Igreja”, mas as
Encíclicas “Mater et Magistra” (1961), “Pacem in Terris” (1963) e “Populorum Progressio” (1967).
53 A expressão colonialismo interno geralmente aparece, nos textos de dom Helder, relacionada com a expressão
de colonialismo externo ou neocolonialismo, pois são considerados a partir de problemas conjugados. Entre as
inúmeras referências selecionamos as seguintes: CAMARA, 1968b, p. 2; CAMARA, 1969a, p. 2; CAMARA,
1969d, p, 2; CAMARA, 1969e, p. 1 e 2; CAMARA, 1970a, p. 2; CAMARA, 1970e, p. 1; CAMARA, 1971a, p.
3 CAMARA, 1971e, p. 1; CAMARA, 1972a, 4 e 5; CAMARA, 1972g, p. 5; CAMARA, 1972i, p. 2; CAMARA,
1973e, p. 4; CAMARA, 1973l, p. 2; CAMARA, 1974h, p. 1; CAMARA, 1975d, p. 2; CAMARA, 1975j, p. 2;
CAMARA, 1976d, p.3; CAMARA, 1977a, p. 5; CAMARA, 1977h, p.3. Para outras referências, consultar
ANEXO A.
173
Em contrapartida, o colonialismo externo, dos trusts internacionais54
e,
posteriormente, das empresas multinacionais, expande seus tentáculos na direção dos países,
em geral, produtores de matérias-primas e consumidores de produtos industrializados. As
multinacionais, em virtude de suas próprias características, colonializam países, regiões,
continentes inteiros.
O colonialismo se estabelece por meio de práticas profundamente enraigadas na
cultura dos povos dominantes e dominados. Aos povos dominantes, a convicção do absoluto e
eterno direito de expansão ou, pelo menos, da manutenção de suas riquezas, não se
importando com o custo da exploração. Aos povos explorados, a sensação de ser esta a ordem
do mundo, em alguns casos, de ser esta a “ordem querida por Deus”. Quando emerge entre os
povos colonizados o anseio de liberdade, a reação imediata dos grupos dominantes
caracteriza-se por combate ideológico ou conflito armado para a manutenção da “ordem”.
O colonialismo, em qualquer de suas vertentes, traduz-se em exploração de pessoas,
grupos, povos, sociedades, países, continentes. O pensamento de dom Helder pode nos
oferecer o escopo do fenômeno:
Há o fenômeno chamado colonialismo interno: em regiões subdesenvolvidas,
em áreas de miséria há privilegiados55
cuja fortuna é mantida à custa da
miséria de milhões (CAMARA, 1968a, p. 2). Latifundiários mantêm
inexplorada a maior parte de suas terras. Permitem que nelas morem e
trabalhem famílias pobres. Mas, para que não adquiram direitos, são
mantidas, cuidadosamente, em casebres infectados e trabalham em regime
patriarcal, sem lei nenhuma que os ampare. Indiscutível situação infra-
humana (CAMARA, 1968d, p. 2).
O colonialismo interno não é fenômeno abordado por dom Helder como problema
estritamente de política doméstica. É problema de fato a ser combatido desde a política
doméstica, porém, o enfrentamento dessa prática não se limita apenas a iniciativas esboçadas
no interior das fronteiras de um determinado Estado. Os trusts internacionais entrelaçam
empresas de diversos ramos por diversos países e, além de darem origem às grandes empresas
transnacionais, promovem o surgimento de problemas igualmente transnacionais. Aos trusts
são atribuídas as mais profundas estruturas de injustiças internacionais.
54
Sobre o processo de implantação, funcionamento e expansão dos trusts internacionais em direção aos países
subdesenvolvidos ainda se pode recorrer, entre outros, aos seguintes discursos: CAMARA, 1970a, p. 4;
CAMARA, 1971d, p. 2; CAMARA, 1971g, p. 3; CAMARA, 1971h, p. 2. CAMARA, 1972a, p. 5; CAMARA,
1972d, p. 4; CAMARA, 1972g, p. 1; CAMARA, 1972j, p. 2; CAMARA, 1973f, p. 2; CAMARA, 1974a, p. 2.
Desde então, o termo “Trusts”, nos discursos de dom Helder, cedeu lugar aos conceitos de empresas
“plurinacionais”, “multinacionais” e “transnacionais”, respectivamente.
55 Atualmente, preferimos o termo “elites” [nacionais ou internacionais] para caracterizar os grupos dominantes
das várias dimensões da sociedade brasileira e/ou mundial. O termo usado por dom Helder, não raramente com
conotação pejorativa, é o de “privilegiados”.
174
Não há país nenhum no mundo que não tenha suas áreas-problemas; suas zonas
subdesenvolvidas e a presença, a seu modo, da pobreza, da miséria (CAMARA, 1972a, p. 3).
O colonialismo interno é violência instalada (CAMARA, 1969e, p, 1-2). Trata-se de violência
que, talvez, se ignore, mas que, de fato, mantém, em situação infra-humana, uma porção
imensa da população. Mais do que isso, dom Helder compreende a miséria como violência
superior à da guerra. “A miséria e a fome matam mais do que as guerras mais sangrentas. E
faz pior do que matar: a fome deforma fisicamente, cria débeis mentais, dá lugar a um espírito
de subserviência, mendicância e fatalismo” (CAMARA, 1970e, p. 1).
Mas, “se um país do Terceiro Mundo tem a audácia de expropriar, mesmo pagando,
empresas capitalistas” (CAMARA, 1972g, p. 5) se lhe impõem retaliações de diversa ordem.
Quanto à liberdade de imprensa, nas áreas controladas pelos impérios capitalistas, preserva-se
no quadro dos interesses dos grupos dominantes. A liberdade religiosa nos países capitalistas
existe na medida em que a religião, preocupada em manter a ordem social e a autoridade,
defende a situação existente. Se, em consciência, denuncia injustiças e estruturas de opressão,
a religião é tida como perigosa, subversiva e comunista; a religião é convidada a ficar na
sacristia, a limitar-se ao culto, e a fazer evangelização sem intrometer-se em problemas
sociais (Cf. CAMARA, 1972g, p. 5-6).
Nos países ricos, é difícil entender e acreditar que a miséria dos países pobres tenha,
como causa principal, a exploração por parte das superpotências capitalistas. “Os jovens dos
países ricos começam a entender que a riqueza crescente dos seus países se alimenta,
sobretudo, das injustiças da política internacional do comércio, com os países pobres”. Ainda
de acordo com dom Helder, “acabou-se o Colonialismo político, o que torna ainda mais
absurdo e revoltante o remanescente Colonialismo político português. Mas, se terminou o
Colonialismo político, continua o Colonialismo econômico” (CAMARA, 1972g, p. 5).
Ao analisar o contexto sócio-político-econômico latinoamericano, dom Helder
formula resposta para a seguinte indagação: Há, na América Latina, o contexto propício e as
condições favoráveis para algum tipo de resistência radical contra o colonialismo interno
(comum a todos os países da Região) de efeitos e de conseqüências desumanizadoras? O
resultado da análise de conjuntura regional que nos chega é:
As massas latinoamericanas – mal alimentadas, mal vestidas, sem habitação,
sem mínimo de condições de educação e de trabalho, vivendo uma
religiosidade fatalista e mágica – não tinham sequer condições de rebelar-se.
175
Encontram-se incapacitadas para uma resposta autêntica56
. Mas, assim como
os Negros norte-americanos foram impelidos à violência, vive-se, na América
Latina, um clima de pré-revolução, consequência da cegueira e do egoísmo
de Governos e Poderosos (CAMARA, 1968a, p. 2).
O estado de inércia das massas populares pode ser estendido a todo o Terceiro
Mundo. A impotência causada pela miséria não se restringe à realidade da América Latina.
Assim, pode-se observar que:
No Terceiro Mundo, as massas, esmagadas pelo colonialismo interno e pelo
neocolonialismo, caíram no fatalismo, na falta de esperança, no medo. Não
são capazes, por enquanto, de entender, de modo total, o dom divino da
liberdade. Acham-se atrofiadas pela miséria e domesticadas pela “cultura do
silêncio”. A liberdade, para elas é ainda desejo vago, informulado. Sem
dúvida, em potencial são verdadeiros homens, mas são homens em cujo seio,
dormem a consciência social e a idéia de liberdade (CAMARA, 1971e, p. 1).
O cristianismo que se propagou na América Latina, desde o início da colonização, no
séc. XIV, é duramente responsabilizado, por dom Helder, pela inércia das massas
marginalizadas no Continente57. Espera-se, no entanto, que o mesmo Cristianismo atue agora
como elemento desencadeador de possíveis reformas de estruturas na Região:
O Cristianismo que difundimos no Continente superestimou a salvaguarda da
ordem estabelecida; insistiu em virtudes como a paciência, a obediência, a
aceitação e a oferta dos sofrimentos (grandes virtudes, sem dúvida, mas que,
isoladas do autêntico contexto cristão, atendeu aos interesses dos donos do
poder). Sentimos que é inadiável que sejamos [nós cristãos] os primeiros a
dar exemplo de libertar-nos das estruturas cuja superação é básica para que
haja, no Continente, desenvolvimento com justiça, isto é, possibilidade de
desenvolvimento autêntico. Quando, na prática, se começa a ver o que
significa livrar-se das estruturas vigentes: abrir mão de privilégios e
vantagens; adotar novo estilo de vida e de pregação; passar a ser incômodo,
mal-julgado, mal-visto ao invés de ser centro de atenções e de prestígio
(CAMARA, 1968a, p. 5).
A insensibilidade das elites dos países pobres perpetua a situação de miséria de
milhares de concidadãos. Embora “os privilegiados” elaborem leis e criem órgãos para
aplicá-las, em tempo oportuno, reagem a qualquer sinal de seus efeitos:
56
As massas da América Latina, e também do Terceiro Mundo, veem-se incapacitadas de qualquer autêntica
resposta em virtude de sua condição de vida, a miséria, que ocupa naturalmente o centro de suas preocupações.
Além disso, pressupõe-se por resposta autêntica capacidade de organização e de mobilização, em termos de
“pressão moral libertadora”, de “violência dos pacíficos”, e jamais em termos de revolução armada, pois dom
Helder se mostra convicto da ineficácia deste recurso.
57 A denúncia da promoção de Cristianismo Passivo aos cristãos com o devido reconhecimento das
consequências de tal opção pode ser encontrada nos seguintes pronunciamentos, entre outros: CAMARA, 1968d,
p. 2 e 4; CAMARA, 1971b, p. 2; CAMARA, 1972c, p. 4; CAMARA, 1973l, p. 3; CAMARA, 1974c, p. 2 e 3;
CAMARA, 1974h, p. 1; CAMARA, 1976d, p. 3, CAMARA, 1977c, p. 5.
176
Os privilegiados dos países pobres nem percebem que deixam à margem da
vida econômico-social e político-cultural a maior parte da população do país.
E torna-se impossível qualquer mudança de estrutura. Os privilegiados
aceitam leis de reforma de base e a criação, pelo Governo, de órgãos para
aplicá-las. Só não aceitam que alguém se decida mesmo a levar à prática
qualquer mudança em profundidade. Mudanças, sim, mas prudentes, graduais
(CAMARA, 1970a, p. 2).
As elites locais, nacionais, regionais e continentais reagem naturalmente a qualquer
tentativa de mobilização na direção de mudança de estruturas injustas e, por sua vez, em
defesa da manutenção de seus interesses. Nesse caso, espera-se que:
Quando, em países subdesenvolvidos, surgem movimentos – por mais
democráticos e não-violentos que sejam – dispondo-se a denunciar o
colonialismo interno, a escravidão nacional e a trabalhar pela mudança de
estruturas sócio-econômicas e político-culturais; quando, em países
subdesenvolvidos, surgem movimentos de promoção humana (tentando
ajudar as massas a tornar-se povo), o poderio econômico e os privilegiados
estremecem, pressentindo as consequências deste trabalho a que damos o
nome de conscientização. Somos, então, acusados de subversivos e de
comunistas (CAMARA, 1969e, p. 3).
Ao constatar dramática situação dos pobres nos países sulamericanos, dom Helder
adverte: “não nos cansemos de denunciar que há em nosso Continente o pior dos
Colonialismos: o interno” (CAMARA, 1971b, p. 2). Os Colonialismos (interno ou externo),
através de seus grupos dominantes, resistem a toda e qualquer tentativa de mudança de
estruturas e, por conseguinte, esforçam-se com denodo pela manutenção do status quo. O
combate profundo e irreversível do colonialismo implica em mudança de estruturas, inclusive
com a promulgação de novas leis pelo governo em favor das reformas de base.
O enfrentamento do colonialismo interno e externo conjuga-se com as iniciativas de
mudanças estruturais, mas sobretudo de revisão na política internacional do comércio. Assim,
a superação do colonialismo interno e externo, nesse caso, resulta de transformações de
estruturas de âmbito sistêmico. As medidas de combate ao colonialismo precisam ser de tal
forma abrangentes que atinjam a um só tempo a política doméstica e o sistema político
internacional. A mudança de estruturas realizada em âmbito nacional, de correção de
injustiças entre os concidadãos, precisa ser empreendida também na relação entre os Estados
no sistema internacional.
177
5.3 A INTEGRAÇÃO REGIONAL E O DESENVOLVIMENTO
5.3.1 A Integração Regional
Os dilemas da integração regional e do desenvolvimento constituem-se em demanda
da sociedade brasileira transnacionalizada por dom Helder, durante a vigência do AI-5. Os
entraves para efetiva integração dos países do Continente sulamericano são compreendidos
por dom Helder como reflexos dos desafios a serem superados na relação entre grupos de
interesses internos a cada país da região (isto é, o colonialismo interno), e do Brasil em
particular, com regiões marcadas por contradições, dificuldades e perspectivas distintas. A
questão do desenvolvimento nacional e regional, no entanto, entende-se como
“desenvolvimento integral e autêntico”58
, e não em termos de mero crescimento econômico.
Integral porque abrangente. Autêntico porque verdadeiro e continuado.
Não compete à Igreja elaborar programa político de governo para o desenvolvimento
de determinado país, região ou continente. Embora não elaborasse projeto específico para o
desenvolvimento e a integração político-econômica dos países sulamericanos, a Igreja
expressa, em diversas ocasiões e por meio de alguns documentos, o interesse em participar do
processo, que, ao término, esperava-se implementar mudanças estruturais profundas e
irreversíveis no Continente. Em palavras do Conselho Episcopal Latinoamericano e do Caribe
(CELAM), verifica-se que:
Aumentam os laços de dependência entre os povos. A integração da América
Latina é um processo em marcha e de caráter irreversível; constitui
instrumento indispensável para o desenvolvimento harmônico da região. A
Igreja pode contribuir [quer comprometer-se] para o ideal de integração. É
necessário elaborar e difundir uma doutrina capaz de orientar o processo da
integração. Como testemunho, integrar a Igreja mesma em seus diferentes
níveis: paroquial, diocesano, nacional e continental. Mais especificamente,
elaborar pastoral de conjunto em nível continental. Por fim, estimular os que
promovem a integração – organizações e instituições (CELAM, 1966, p. 13-
14).
A Igreja latinoamericana, ao menos em documento, não quer apenas manifestar boa
vontade, mas expor seu modo de participação no processo de integração:
58
As expressões “desenvolvimento integral” ou “desenvolvimento integral e autêntico” aparecem ainda nos
seguintes textos: CAMARA, 1968a, p. 4; CAMARA, 1970e, p. 3; CAMARA, 1970t, p. 1; CAMARA, 1971a, p.
2; CAMARA, 1973n, p. 1 e 2; CAMARA, 1975i, p. 1. As referidas expressões aparecem, geralmente,
acompanhadas da ressalva de que tal desenvolvimento não se faça “a preço desumano” ou “à custa de injustiças
terríveis”.
178
A Igreja pode desenvolver ação estimulante no processo de integração da
América Latina, especialmente pela instauração de espírito de solidariedade.
Consideram-se como medidas fundamentais: a integração [sócio-econômica]
das populações dentro de cada país; a integração de regiões de países
vizinhos; a promoção de autênticas reformas estruturais; a difusão, através
dos organismos educacionais da Igreja, das idéias de integração e
desenvolvimento; estimular a realização de estudos que mostrem o quadro da
realidade latino-americana; fomentar, pela caridade e solidariedade, maior
aproximação entre os povos e nações e apoiar os organismos que se ocupam
da integração latino-americana (CELAM, 1968c, p. 23-25).
A América Latina deve, em bloco, adotar postura de valorização de suas matérias-
primas. Para tanto, precisa optar por estratégia de cooperação mútua entre os países da região:
Se a América Latina se unisse de verdade, sem ódio a ninguém, mas decidida
a usar a cabeça e a não ser mais idiota; se a América Latina se completasse
como um todo, os países se ajudando mutuamente como irmãos, sem patrões
de fora, nem patrões de dentro, mudaríamos o mapa das operações. Não
faltará quem ria achando que a soma da América Latina seria soma de
miséria. Sem dúvida, temos problemas imensos a enfrentar. Mas no dia em
que decidíssemos que matéria-prima nenhuma partiria daqui sem ao menos
um começo de industrialização, abalaríamos as superpotências, gigantes de
pés de barro. Claro que a política internacional das superpotências faria tudo
para impedir uma verdadeira integração latino-americana, sem imperialismos
externos, nem internos (CAMARA, 1971h, p. 2-3).
Importante é sublinhar que a imposição dos preços sobre matérias-primas é aceita
como normal pelos detentores do poder econômico nos países ricos, quando o cartel atende a
seus interesses. Se a mesma imposição é iniciativa dos países produtores de matérias primas, a
medida é vista com pavor, como ameaça à ordem e à paz no mundo (CAMARA, 1975a, p. 5).
No início da década de 1970, as superpotências (USA e URSS) e as potências médias
ou intermediárias europeias esforçavam-se para cooptar os países de maior influência
regional. A essa estratégia política dom Helder formula o seguinte comentário:
Esperemos que o sentido do ridículo nos salve. Confiemos no bom senso e na
inteligência dos nossos dirigentes. Integração latino-americana todos
desejam. Não faltará quem nos instigue, quem nos provoque e nos leve,
inclusive, a corridas armamentistas, e, se não usarmos a cabeça, a choques e,
quem sabe, a guerras que só serviriam aos grandes (CAMARA, 1971h, p. 2).
Além disso, dom Helder sugere:
Tenho a confiança de sugerir que os Cristãos dos diferentes países
latinoamericanos tentem unir-se entre si e a todos as pessoas de boa vontade
para lutar, de maneira pacífica, mas decidida e corajosa, por uma autêntica
integração latino-americana, sem imperialismos de fora, nem imperialismos
de dentro59
(CAMARA, 1968a, p. 5).
59
A insistência em processo de integração político-econômica dos países latinoamericanos encontra-se ainda em
CAMARA, 1973l, p. 6-7; CAMARA, 1975d, p. 4; CAMARA, 1975q, p. 3.
179
No que tange à reintegração de Cuba na Organização dos Estados Americanos
(OEA), dom Helder pede que se respeite sua escolha de regime político com base no princípio
de autodeterminação dos povos:
Tentemos organizar e conduzir, com segurança, nos USA e nos Países
latinoamericanos, movimento tendente a reintegrar, na Comunidade
Americana, Cuba, respeitando-lhe a opção política e a autonomia de Nação
soberana. Quanto mais persistirem o bloqueio econômico e a excomunhão
continental, mais fortemente estaremos acuando um Povo que já deu provas
suficientes de heroísmo e capacidade de sofrer; mais estaremos enrijecendo
posições que não levarão a um melhor relacionamento entre os Povos. Não se
pode condenar Nação inteira a viver num gueto (CAMARA, 1969a, p. 4).
A integração político-econômica da América Latina é pensada em termos de
socialização dos recursos naturais e dos benefícios resultantes do processo de industrialização
- em fase de consolidação - e da comercialização dos produtos no mercado regional e
internacional. Assim, o processo de integração não é definido em termos de livre mercado, em
perspectiva do liberalismo radical.
5.3.2 O Desenvolvimento Latinoamericano
Em conferência em Montreux, na Suíça, dom Helder atribui particularmente aos
cristãos a responsabilidade pelos entraves impostos ao processo de execução das reformas
estruturais, consideradas fundamentais para o desenvolvimento - não apenas do Continente,
mas da humanidade -, com consequente supressão das estruturas de injustiças nacionais e
internacionais:
A responsabilidade cristã é de fazer tremer. O hemisfério-norte, o Mundo
desenvolvido, os 20% que têm nas mãos 80% dos recursos da terra são de
origem cristã60
. Que impressão podem ter do Cristianismo nossos irmãos
africanos, asiáticos e as próprias massas latino-americanas, se os cristãos
somos grandemente responsáveis pelo Mundo injusto que está aí...?
(CAMARA, 1970f, p. 1 e 2). Será que não nos sensibiliza o escândalo, de
cristãos estarem usando o perigo comunista como pretexto para defender
privilégios baseados em estruturas injustas? (CAMARA, 1972c, p.03).
60
A referência aos 20% mais ricos, de origem cristã, que controlam 80% dos recursos da terra aparece, sem
qualquer alteração de sentido, em CAMARA, 1970h, p. 2; CAMARA, 1970i, p. 2 e 5; CAMARA, 1970l, p. 2, 3
e 5; CAMARA, 1970r, p. 3; CAMARA, 1971f, p. 6; CAMARA, 1972e, p. 1; CAMARA, 1972f, p. 2,
CAMARA, 1973a, p. 4; CAMARA, 1973e, p. 3-5; CAMARA, 1974h, p. 1; CAMARA, 1975e, p. 3; CAMARA,
1975f, p. 5; CAMARA, 1977h, p. 5. Para outras referências, consultar ANEXO A.
180
O mundo desenvolvido é comumente identificado, por dom Helder, com a parcela
cristã ocidental. Por essa razão, aos cristãos compete grande parte na responsabilidade de
mudança das estruturas, bem como no esforço de resistência às mesmas. Entretanto, não se
trata de afirmar a existência de um mundo à parte, de mundo cristão enriquecido, mas de
reconhecer e denunciar que os 20% que controlam 80% das riquezas da terra consideram-se,
ao menos de origem, cristãos.
Além disso, sobre essa parcela enriquecida recai a acusação de perpetuadores das
injustiças e de iniciadores da violência no mundo. A promoção de “Cristianismo Passivo” aos
cristãos alienou-os dos problemas humanos, em todas as suas dimensões. Autocrítica das
ações dos cristãos ao longo de séculos permite dom Helder concluir:
Invoca-se o Cristianismo para uma quase Cruzada contra o comunismo.
Invoca-se o Cristianismo contra a onda de ódio, de radicalização e de terror
que se arma um pouco por toda parte. 20% que mantêm 80% em situação,
não raro, infra-humana, são ou não os iniciadores da violência e os
responsáveis pelas respostas de ódio que começam a rebentar, aqui e ali?
Enquanto se estratificavam injustiças ao longo dos séculos, os cristãos nos
alienávamos bastante dos problemas terrenos, o que facilitou a implantação
da injustiça (CAMARA , 1970f, p. 02).
A acusação a essa parcela cristã chega ao extremo: “nossa civilização cristã faz a
guerra; alimenta o racismo; chega a criar riquezas baseadas na miséria; não tem a coragem de
enfrentar os trusts internacionais, responsáveis por injustiças em escala mundial” (CAMARA,
1970h, p. 02). Na medida em que não aceitarmos fazer o jogo de privilegiados e de políticos,
preparemo-nos para viver as incompreensões e perseguições (CAMARA, 1971f, p. 06).
Em diversos países e em inúmeras ocasiões, dom Helder critica “ideologia” segundo
a qual o subdesenvolvimento dos países pobres relaciona-se com o tipo racial, a indisposição
para o trabalho, o princípio da desonestidade e o crescimento demográfico. O combate a essa
concepção de pensamento se constata pelo argumento:
Nos países desenvolvidos, quando se pensa nos países pobres, a tentação é
imaginar que, no fundo, no fundo, há um problema racial (há os brancos e há
os outros – pretos, amarelos e caboclos – no resto do mundo), agravado pela
falta de coragem de trabalhar, pela desonestidade e, sobretudo, nos últimos
tempos, pela explosão demográfica61
. Mesmo se fossem válidos [estes
conceitos ou preconceitos], não deveriam ser pretexto para esquecer que há
61
O subdesenvolvimento dos países pobres atribuído a questões raciais ou a problemas demográficos é
contestado por dom Helder, e atribuído à política internacional do comércio, nos seguintes pronunciamentos:
CAMARA, 1970f, p.4; CAMARA, 1970g, p. 2; CAMARA, 1970p, p. 3; CAMARA, 1970q, p. 3; CAMARA,
1970s, p. 2 e 3; CAMARA, 1970t, p. 4; CAMARA, 1972b, p. 1; CAMARA, 1972c, p. 3; CAMARA, 1973a, p.
4; CAMARA, 1973g, p. 2; CAMARA, 1973j, p. 4; CAMARA, 1974a, p. 2 e 4; CAMARA, 1974d, p. 2;
CAMARA, 1974f, p. 6; CAMARA, 1975e, p. 3; CAMARA, 1975f, p. 4; CAMARA, 1975g, p. 4; CAMARA,
1975q, p. 2; CAMARA, 1976c, p. 2; CAMARA, 1977b, p. 2. Para outras referências, consultar ANEXO A.
181
capitais de impérios onde se decide a política internacional, onde se
estabelecem medidas que levam os países ricos a tornarem-se sempre mais
ricos e os países pobres a tornarem-se sempre mais pobres (CAMARA,
1970f, p. 4).
Assim sendo, é equívoco perigoso pensar em termos de superioridade racial, de
desonestidade e de explosão demográfica. Nesse caso, dom Helder sugere:
É preciso ajudá-los a compreender e a aceitar que a riqueza dos países
desenvolvidos se alimenta da miséria dos países pobres. É preciso desmontar
a inverdade do racismo e fazer ver que se os brancos ficassem sem saúde,
sem alimentação, sem roupa, sem casa e sobretudo sem esperança, perderiam
a coragem e, também eles, pareceriam preguiçosos. É preciso demonstrar que
os desonestos, nos países pobres, são, quase sempre, traidores, corrompidos
pelo dinheiro de fora (CAMARA, 1970g, p. 2; CAMARA, 1970s, p. 2).
O problema demográfico existe, mas está longe de ser o âmago do complexo
problema do desenvolvimento (CAMARA, 1970s, p. 2 e 3; CAMARA, 1970t, p. 4). O
problema do subdesenvolvimento resulta, de fato, da “injusta política internacional do
comércio”. Além disso, “os dois obstáculos para que os países pobres se arranquem do
subdesenvolvimento e da miséria são: o colonialismo interno e o neocolonialismo externo”
(CAMARA, 1970s, p. 3; CAMARA, 1971a, p. 3; CAMARA, 1971d, p. 1).
De acordo com dom Helder, “a finalidade a atingir, em nosso trabalho pelo bem
comum, é o desenvolvimento integral, isto é, o desenvolvimento do homem todo e de todos os
homens” (CAMARA, 1970t, p. 1). E acrescenta:
Em nossos dias, não há apenas indivíduos e grupos pobres, mas países e
continentes, que mergulham no subdesenvolvimento e na miséria. As ajudas
dos países ricos são necessárias, mas não bastam: é preciso atingir o âmago
do problema - as injustiças na política internacional do comércio (CAMARA,
1970t, p. 1; CAMARA, 1971d, p. 3; CAMARA, 1971e, p. 1-5).
Para Raul Prebisch, então Diretor Geral do Instituto Latinoamericano de Planificação
Econômica e Social, das Nações Unidas, “há, na economia latino-americana, consideráveis
forças de expansão, mas que se acham freadas por uma constelação desfavorável de fatores
internos e externos”. Além disso, “é preciso abrir-lhes caminho para que o ritmo de
desenvolvimento se eleve a fim de corrigir, progressivamente, a insuficiência dinâmica da
economia” (PREBISCH apud CAMARA, 1971c, p. 1).
A América Latina precisa empreender arrancada firme e irreversível para o
desenvolvimento. Contudo, qual é o contexto sócio-político internacional? Dom Helder
apresenta-o em síntese:
Sabemos que se costuma falar em Mundo capitalista, liderado por uma
Superpotência, os USA, mas contando também com a organização da
182
Comunidade Européia. Sabemos que se costuma falar em um segundo
Mundo, comunista, liderado por uma Superpotência, a URSS, mas contando
com o fenômeno da China Popular, que marcha, rapidamente, para constituir-
se Superpotência. Sabemos, ainda, que se costuma falar em Terceiro Mundo,
o Mundo em desenvolvimento ou subdesenvolvido, abrangendo, em bloco, a
África, a Ásia e a América Latina. (CAMARA, 1971f, p. 1).
Embora todos saibam dessa divisão tripartite do mundo político, com repercussão
nas dimensões social e cultural de muitos países, o alerta de dom Helder aponta para a raiz do
problema:
O que nem todos sabem é que, dentro do Mundo desenvolvido, há grupos,
sempre mais numerosos, sobretudo de jovens, convictos de que se existem
países ricos e países pobres a raiz do problema está nas injustiças da política
internacional do comércio. Esses grupos conscientes dos países de
abundância sabem que, duas vezes, o Mundo subdesenvolvido tentou
dialogar com o Mundo desenvolvido - na Assembléia das Nações Unidas
sobre Comércio e Desenvolvimento62
, em Genebra e em Nova Delhi - sabem
que, os países pobres foram recebidos com frieza e desinteresse, tanto pelos
USA como pela URSS; e sabem que estamos em vésperas de uma terceira
tentativa desse diálogo difícil, a realizar-se, provavelmente, de novo, em
Genebra63
(CAMARA, 1971f, p. 1).
Mas, qual é a responsabilidade a ser assumida pelo Continente Sulamericano no
combate às injustiças internacionais e, por conseguinte, a instituição de paz duradoura no
mundo? Em texto do próprio dom Helder, percebe-se quão relevante é o desafio para a
América Latina:
Dentro do Mundo subdesenvolvido, a América Latina tem responsabilidade
mais grave por três razões principais: seus países já têm século e meio de
independência política, sem independência econômica; a América Latina tem,
praticamente, a mesma língua, de tal modo português e castelhano são
línguas irmãs; e a América Latina tem ainda, praticamente, a mesma religião,
a cristã (CAMARA, 1971f, p. 1).
Quanto ao comportamento das multinacionais que pretendem colaborar com o
desenvolvimento do Continente, observação de dom Helder, embora sujeita a críticas,
sobretudo por sua análise superficial, oferece os seguintes elementos:
As macro-empresas que vieram salvar a América Latina da cubanização, de
fato deixam o Continente ainda mais escravo: com a colaboração preciosa da
62
A III Assembléia das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) passa a ser mencionada
por dom Helder tanto como grande oportunidade de diálogo entre países pobres e países ricos quanto como
ocasião em que, uma vez mais, confirmou-se o egoísmo das superpotências (USA e URSS) como da potência em
expansão (China). Sobre as três Assembléias da UNCTAD, indistintamente, recorre-se a: CAMARA, 1968a, p.
6; CAMARA, 1968b, p. 3; CAMARA, 1968c, p. 2 e 3; CAMARA, 1970a, p. 4; CAMARA, 1970f, p. 1 e 5;
CAMARA, 1970p, p. 5; CAMARA, 1970s, 1 e 6; CAMARA, 1971d, p. 3; CAMARA, 1971f, p. 1; CAMARA,
1971h, p. 2; CAMARA, 1972a, p. 4; CAMARA, 1972b, p. 4; CAMARA, 1973b, p. 3; CAMARA, 1973m, p. 3;
CAMARA, 1974m, p. 2; CAMARA, 1975q, p. 2. Para outras referências, consultar ANEXO A.
63 A terceira assembleia da UNCTAD realizou-se em Santiago, no Chile, em 1972, e não em Genebra.
183
CIA, especialista em descobrir e alardear infiltrações comunistas, obtêm o
adiamento das reformas de base; com a colaboração do FMI, obtêm a adoção,
pelos países subdesenvolvidos, de modelos neocapitalistas de
desenvolvimento, e promovem apenas o crescimento econômico de grupos
privilegiados; com a colaboração de Bancos Comerciais, de Bancos de
Investimentos, de Companhias de Seguros e de Fundos Mútuos de
Investimentos, mantêm u‟a falsa mística de desenvolvimento (CAMARA,
1972g, p. 4).
Ao constatar falsa mística de desenvolvimento, dom Helder sugere a substituição do
conceito desenvolvimento pelo de libertação. Paulo VI, na Populorum Progressio, de 1967, já
havia mudado a perspectiva do conceito de desenvolvimento, em termos de crescimento
econômico, para situá-lo “como novo nome da paz” 64
:
“Desenvolvimento! Esta bela expressão despertou tanta esperança no Mundo!
Como é fácil entender os que sentem necessidade de um novo nome, por
exemplo, libertação! – dado que, no início da 2ª década do desenvolvimento,
mais de 2/3 dos países do Terceiro Mundo já se consideram, melancólicos,
em um 4º Mundo, o mundo dos que não têm a menor chance de arrancar-se
da miséria e de partir para o desenvolvimento (CAMARA, 1973f, p. 5-6).
A Igreja, enquanto puder falar, enquanto não for sufocada, clame pelas mudanças de
estruturas desumanas, que estão impedindo o desenvolvimento integral dos nossos povos
(CAMARA, 1969e, p. 4). O desenvolvimento arranca pessoas e povos da miséria, da
violência, da debilidade, das deformações psicofísicas, da morte, das guerras, e é capaz de
lançar os seres humanos em direção ao que poderíamos sustentar como a condição de
dignidade humana.
5.4 ORDEM SOCIAL OU DESORDEM ESTABELECIDA
A “verdadeira ordem social” constitui-se em demanda da sociedade brasileira
transnacionalizada por dom Helder durante vigência do AI-5. Nessa seção, analisa-se o
comportamento da Igreja e dos Governos militares, enquanto grupos de interesses, no esforço
de sustentar conceitos [ordem social, respeito a autoridade, propriedade privada] que
asseguram práticas sociais e a manutenção de privilégios dos grupos dominantes na sociedade
brasileira, tanto na zona rural quanto na urbana.
64
A sugestão para substituir o conceito de “desenvolvimento” pelo de “libertação” ainda se constata em:
CAMARA, 1973g, p. 5; CAMARA, 1974m, p. 3; CAMARA, 1977a, p. 1 e 2. Entretanto, o conceito de
desenvolvimento não é descartado por dom Helder, mas, pelo contrário, se recorre ao mesmo até quando se
deseja criticá-lo.
184
Análise sócio-política da sociedade brasileira, das décadas de 1960 e 1970, se nos
impõe a necessidade de formulação do seguinte questionamento: o que se vive no Brasil, e
por extensão também na América Latina e nos demais países subdesenvolvidos, constitui-se
em “ordem social” ou em “desordem estabelecida”65
? Qual é o determinante no modo de
atuação da Igreja? Qual é a postura do governo diante de sociedade caracterizada por
profundas contradições?
O “colonialismo interno” empenha-se incansavelmente na manutenção das estruturas
que garantem privilégios e uma pseudo-ordem social. Qualquer iniciativa em favor da
mudança de estruturas é interpretada pelos grupos dominantes como ameaça à ordem social
ou à estabilidade, em seus aspectos social, político e econômico. A manutenção de estruturas,
que sustenta um determinado tipo de ordem social, por seu turno, gera inúmeras injustiças. A
conscientização da situação de injustiças, resultante de processo de libertação cultural,
questiona a “ordem social” estabelecida.
Para dom Helder, “no caso da América Latina, pouco importa que a hierarquia
latinoamericana, reunida na Colômbia66
, tenha estabelecido a inadiabilidade das reformas de
base e tenha alertado quanto à distorção do conceito de „ordem social‟” (CAMARA, 1969e, p.
3). A Igreja, tradicionalmente, participava desta preocupação com a ordem social e com a
salvaguarda da propriedade privada e do respeito às autoridades constituídas (CAMARA,
1970a, p. 2). Internamente, muitos líderes cristãos se deixam abalar pelo receio de que
mudanças muito rápidas perturbem a “ordem social”, firam o princípio de autoridade,
derrubem a propriedade privada (CAMARA, 1970f, p. 3).
Mas, nos países subdesenvolvidos, implantam-se, com facilidade, regimes de força,
“a pretexto de salvar a ordem social” das investidas da subversão e do comunismo. “A
Imprensa se vê na contingência de noticiar inverdades e distorções, comunicadas,
oficialmente, pelo Serviço de Informações”. A delação é insuflada. “A tortura é utilizada
como método científico para arrancar declarações dos „subversivos‟ ou supostos subversivos”
(CAMARA, 1970e, p. 2).
65
A expressão “desordem estabelecida” geralmente aparece acompanha da expressão “injustiça estratificada”, ou
ainda da expressão “injustiça institucionalizada”, como atestam as citações seguintes: CAMARA, 1968d, p. 4;
CAMARA, 1969e, p. 3 e 4; CAMARA, 1970j, p. 3; CAMARA, 1971f, p. 3; CAMARA, 1972d, p. 2; CAMARA,
1972e, p. 2; CAMARA, 1972f, p. 4; CAMARA, 1972g, p. 5-6; CAMARA, 1972h, p. 2; CAMARA, 1973d, p. 4;
CAMARA, 1973l, p. 5; CAMARA, 1974c, p. 2; CAMARA, 1974h, p. 2; CAMARA, 1975l, p. 5; CAMARA,
1975p, p. 4; CAMARA, 1975r, p. 2; CAMARA, 1976d, p. 6; CAMARA, 1977a, p. 5; CAMARA, 1977h, p. 5.
Para outras referências, consultar ANEXO A.
66 Trata-se da II Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe realizada em Medellín, na
Colômbia, em 1968, e pode ser considerada o Vaticano II para o Continente Sulamericano.
185
A Imprensa só noticia o que interessa ao regime e é evidente que ela não vai fazer
propaganda da “Pressão Moral Libertadora”67
. Torna-se quase impossível fazer oposição ao
governo, em regime antidemocrático, e eximir-se da acusação de subversivo. Nesse caso, “as
noções de ordem social, econômica e política são caras à paz” (Cf. CAMARA, 1971a, p. 1-5).
Ordem é, para dom Helder, “a disposição das pessoas e das coisas no lugar que lhes cabe”
(CAMARA, 1971a, p. 1). A ordem consiste em condição sócio-política fundamental para se
evitar imersão no mundo da desordem e do caos.
Quanto à ordem social, dom Helder a constata particularmente no mundo do
trabalho, das organizações trabalhistas e sindicais. A ordem do espaço e das pessoas em vista
do bom êxito da produção. Não obstante, pode-se perceber a ordem social numa perspectiva
mais política:
A Igreja Cristã, especialmente a Católica que é a dominante, preocupou-se
tanto em manter a ordem social e a autoridade, que nem percebeu que se
tratava muito mais de uma desordem estabelecida, de uma injustiça
estratificada. E a Igreja insistiu tanto em virtudes passivas, como paciência,
aceitação da vontade de Deus, aceitação dos sofrimentos em união com os de
Cristo, que, na prática, demos razão a Karl Marx, pregando uma religião
como ópio para o Povo (CAMARA, 1971b, p. 2).
Quanto à ordem econômica, dom Helder percebe que o princípio que a rege é o do
liberalismo econômico: “o lucro é o grande motor do progresso econômico e a concorrência,
por sua vez, a lei suprema da economia” (CAMARA, 1971a, p. 03). Os trusts internacionais
compõem-se de grandes empresas que sustentam o capitalismo com sua sede de lucro e sua
febre de concorrência. A esse propósito, diz dom Helder:
É impressionante encontrar, por detrás das todo-poderosas empresas, donas
do níquel, o dólar americano controlando-as à distância. Histórias
semelhantes podem ser contadas a respeito de todos os produtos-chave como
o petróleo, os minérios de ferro, os ingredientes necessários à energia nuclear,
a petroquímica, produtos farmacêuticos, indústria automobilística,
computadores eletrônicos, material bélico (CAMARA, 1971b, p. 03).
Uma solução possível, portanto, uma demonstração de vontade política, consistiria
no combate aos trusts internacionais. Os grandes trusts, poderosos dentro dos países
desenvolvidos, diretamente ou através da política externa dos respectivos governos, atuariam
67
Os meios de comunicação social, em regimes de força, autoritários ou ditatoriais, não se encontram em
condições de impulsionar a marcha da pressão moral libertadora, pois se encontram sob controle dos aparelhos
repressivos do Governo. A opção pela panfletagem incorria no risco da apreensão das máquinas e na prisão,
seguida de tortura, dos envolvidos. A utilização do púlpito poderia resultar na acusação de politização do
Evangelho. A solução aponta para reunião das “minorias”, sedentas por justiça [presentes nas universidades, nas
instituições das mais diversas naturezas e fins, Imprensa, grupos religiosos, sindicatos, associações - de
moradores e esportivas -, clubes sociais, etc.], e espalhadas por todo o mundo.
186
nos países subdesenvolvidos, onde encontrariam aliados naturais nas elites locais, que, por
sua vez, controlam, sem esforço, naturalmente, a vida política nacional. Em palavras do
próprio dom Helder,
Os trusts internacionais se aliam, nos países subdesenvolvidos, a empresas
locais que lhes servem de fachada e de testa de ferro. Os trusts conseguem
alianças com o poder político que, neles encontram o indispensável apoio
econômico para suas metas de governo e sua ambição internacional
[exploração das fontes de matérias-primas]. Aliam-se, facilmente, com os
militares, pois só as macro-empresas podem fabricar os modernos e
caríssimos engenhos de guerra do maior interesse para a estratégia militar
(CAMARA, 1971a, p. 4-5).
A defesa da ordem assegura benefícios e garante privilégios a determinados grupos.
A manutenção de ordem injusta sustenta, na verdade, algum tipo de desordem
institucionalizada. Análise de realidade sócio-política da América Latina permite a dom
Helder afirmar:
O fato é que nos preocupamos, de tal sorte, com a manutenção da ordem
social que nem percebemos que ela é muito mais uma desordem estratificada.
Então, é humano e cristão manter a própria riqueza à custa da miséria dos
próprios concidadãos? As massas latinoamericanas, salvo raras exceções,
vivem em situação sub-humana. Os cristãos temos que ter a coragem de
reconhecer que a preocupação em manter a autoridade e a ordem social nos
levou a pregar virtudes que, sendo grandes virtudes como a paciência e a
aceitação dos sacrifícios, na conjuntura do Continente, fizeram o jogo dos
opressores (CAMARA, 1971f, p. 3).
Quando a Igreja se mobiliza na direção das reformas estruturais, ou seja, tenta por
em prática as Conclusões do Vaticano II e de Medellín68
, as elites e, por vezes, Governos do
Continente estranham o modo de atuação da Instituição. Apreciavam a Religião que garantia a
situação de privilégio69. “Consideram intromissão indébita da Igreja, perturbação da ordem,
subversão, jogo do comunismo falar em educação libertadora e em mudança das estruturas de
escravidão”. Julgam que “aquilo que levou séculos se consolidando não pode ser mudado em
dias, em semanas, em meses, e nem mesmo em anos”. Nada de revolução, no sentido de
mudança rápida e profunda, por mais que se pretenda revolução na paz. “Só admitem que se
fala em evolução progressiva, gradual, paciente” (CAMARA, 1971f, p. 3).
68
Do ponto de vista da materialidade dos textos, e não da assimilação do que foi concluído nos dois eventos,
publicaram-se em: DOCUMENTOS DO CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. São Paulo: Paulus, 1997 e
VILELA, A. B.; PIRÔNIO, E. F. (1968). “Conclusões de Medellín”. In: A Igreja na Atual Transformação da
América Latina à Luz do Concílio. DOCUMENTOS DO CELAM. Bogotá / Petrópolis: Vozes, 1970.
69 A necessidade de se abrir mão de privilégios seculares e a análise das consequências para o Cristianismo de
aliança com poder estabelecido tem registro, entre outros, nos pronunciamentos: CAMARA, 1968d, p. 2 e 4;
CAMARA, 1971f, p. 3; CAMARA, 1972d, p. 4; CAMARA, 1973c, p. 2; CAMARA, 1974c, p. 3; CAMARA,
1974j, p. 4; CAMARA, 1975j, p. 2 e 4; CAMARA, 1975l, p. 2; CAMARA, 1977c, p. 5.
187
O esforço de manutenção das estruturas (injustas e de exploração) pode gerar no
Continente ambiente propício para o conflito armado e, por conseguinte, conduzir ao caos
social. Porém,
Se quisermos evitar que o chamado Continente Cristão se entregue à
radicalização e à violência, caia no caos, temos que nos unir – cristãos de
todas as denominações, homens de boa vontade mesmo não-cristãos e até não
religiosos – para tentar chegar a tempo. Se ao invés de pequeno grupo, todos
clamarmos pelo fim da escravidão, pelo fim das condições sub-humanas, pela
promoção humana de milhões cuja situação é vergonha para nossa fé, os
privilegiados e as autoridades não terão condições de dizer que todos nos
tornamos comunistas e subversivos (CAMARA, 1971f, p. 4; CAMARA,
1975j, p. 2-3).
Os cristãos da extrema direita que aceitam, sem receios e nem angústia, manter a
ordem social vigente, se tornam alvo das críticas de dom Helder. “Será que não continuamos a
pecar por omissão, admitindo a confusão entre ordem social e desordem estratificada, e
servindo, na prática, de suporte a estruturas de escravidão?”. O horizonte para a avaliação de
suas ações, dom Helder, pelo discernimento, encontra-o no Cristo libertador “não só do
pecado, mas das consequências do pecado” (CAMARA, 1972d, p. 6).
Ao menos no Brasil – mas suponho que, aproximadamente, o mesmo tenha
acontecido e, em parte, ainda esteja acontecendo em toda América Latina – a ordem social
existente, de ordem só tem o nome. “Preocupados em manter a ordem social, nós, bispos e
padres, nem percebíamos que estávamos lidando com uma desordem estratificada, com uma
injustiça institucionalizada” (CAMARA, 1973a, p. 2-3). Os poderosos meios de comunicação
social estão, comumente, em mãos dos Governos ou do poderio econômico. Por essa razão,
“são raros os órgãos de imprensa que têm condições de denunciar torturas feitas, em nome da
Ordem Pública e da Segurança Nacional” (CAMARA, 1973b, p.1).
Quando surgem os movimentos de resistência raptando, assaltando, sabotando, os
Governos em cujas áreas se dão estes raptos, estes assaltos, estas sabotagens, consideram-se
não só direito, mas até no dever de liquidar o terrorismo, salvaguardando a Segurança
Nacional. Os que são presos nestas circunstâncias não são considerados prisioneiros comuns.
“Os Governos atingidos se sentem no direito e na obrigação de arrancar deles, informações
que, talvez, sejam da maior importância para a ordem social e para a segurança do país. E,
sem vacilarem, tais governos perpetram raptos, espionagem, torturas e incentivam delações”
(CAMARA, 1973n, p. 3-4). Que dizer do comportamento da Igreja? “Infelizmente, neste
particular de torturas, a Igreja tem que ter a lealdade de reconhecer que, através da fraqueza
188
humana da Inquisição, é triste predecessora”70
(CAMARA, 1973o, p.3).
No que tange às “Religiões que, no passado, tantas vezes se envolveram em
tentações de prestígio e de mando, através da política, enfrentam a tentação de acomodar-se
diante da exigência dos Governos” que, quando muito, admitem a prática do culto, ajudando a
manter a autoridade e a ordem social. As Religiões precisam entender que, “ao lado da
política partidária e da preocupação de prestígio e de mando, existe a política como
preocupação com o bem comum, com a salvaguarda da justiça” (CAMARA, 1974c, 2-3).
A reação dos grupos dominantes contra denúncias de opressão e de exploração é
previsível. Quanto à força mobilizada equivale à toda a força de que dispõem. Então,
Como anunciar a decisão de trabalhar, de maneira pacífica, mas decidida e
corajosa, para animar as massas marginalizadas do nosso continente sem
contar com represálias de quem não admite perder os privilégios? Como
questionar a ordem estabelecida – desordem estratificada, violência
institucionalizada – e espantar-se vendo a reação estalar? Como criar
condições para nossa gente se organizar, adquirir consciência crítica,
pretender participar de decisões, caminhar com os próprios pés e pensar pela
própria cabeça, e não contar com tempestades? (CAMARA, 1975l, p. 2).
Após exposição dos tais questionamentos, breve reflexão antecipa novo
questionamento, que, na verdade, espera-se que seja autoquestionamento de quem faz uso do
poder eclesiástico. Nos termos da citação:
Quando nos acusarem de esquecer e subestimar a Evangelização e de cair de
cheio na política, perguntemos a nós mesmos, se não é política continuar a
defender uma pseudo-ordem social, que mal encobre injustiças terríveis.
Perguntemos a nós mesmos se a própria neutralidade é cabível quando
importa em cerrar ouvidos ao clamor do nosso povo? (CAMARA, 1975l, p.
2). Os privilegiados recusam-se a reconhecer que subversiva é a situação de
miséria que deixa mais de 2/3 do Continente em condição sub-humana
(CAMARA, 1975j, p. 5).
A tensão entre os dois grupos de interesses – Igreja e demais grupos dominantes –
bem como os principais elementos responsáveis por produzirem essa situação foram
resumidos por dom Helder, nos seguintes termos:
Quando se fala em promoção humana das massas que se acham em situação
infra-humana; quando se fala em necessidade e urgência de mudança das
estruturas ecônomico-sociais e político-culturais; ou, mesmo, mais
modestamente, quando se fala em reformas de base, os privilegiados de nosso
Continente, com habilidade, denunciam o perigo de subversão e do
comunismo. Claro que chegam, quase sempre, a obter o apoio dos Governos,
preocupados com a ordem social e com a segurança nacional. Manobrando os
meios de comunicação, controlam a opinião pública (CAMARA, 1970t, p. 2).
70
A declaração foi extraída de discurso feito na Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco. CAMARA,
H. P. (31.05). “Saudação Fraterna aos Parlamentares de Pernambuco e de todo o Brasil”. Recife: mimeo, p. 3,
1973o.
189
O nosso Continente constitui-se, segundo dom Helder, em desafio à curiosidade dos
estudiosos da política internacional.
Temos de tudo, no Continente, sem que se possa prever, com segurança, que
experiências serão vitoriosas: 1) temos ditaduras de direita, instaladas a
pretexto de salvar o país do comunismo. Não raro, se trata de ditaduras
militares; 2) temos ditaduras de esquerda: países que se viram forçados, para
escapar da órbita dos USA, a cair na órbita da URSS; 3) temos ditadura
militar de cunho abertamente nacionalista; 4) temos um caso de governo
legal, de cunho socialista, mas de um socialismo que pretende evitar
dependência tanto da URSS, como da China Vermelha; 5) existem, mais de
nome do que de realidade, governos constituídos, democracias no poder (Cf.
CAMARA, 1971c, p. 3-4).
É bem provável que dom Helder pensasse em “nova ordem econômica mundial”
(CAMARA, 1976a, p. 1-6) resultante de profunda transformação nas estruturas do sistema
internacional. Apenas isso justificaria a sua proposta de substituição do conceito de
desenvolvimento pelo conceito de libertação.
Abandonemos, sempre mais, a expressão desenvolvimento, expressão que nos
foi tão cara, que acendeu tanta esperança no mundo, mas gastou-se depressa.
A expressão desenvolvimento se presta a equívocos inevitáveis, porque, no
final da 1ª década do desenvolvimento, os países ricos saíram mais ricos e os
países pobres, mais pobres; além disso, postula levar os países pobres a
saírem da situação de miséria e de pobreza para sociedade de consumo. E
adotemos, sempre mais, uma nova expressão, que seja nossa nova bandeira
de luta pacífica: a libertação. Libertação das estruturas de escravidão!
Libertação dos racismos! Libertação das guerras! Libertação da miséria,
como a pior, a mais hipócrita e mais sangrenta de todas as guerras!
(CAMARA, 1972j, p. 6-7).
É bem verdade que desde o início da década de 1960, coloca-se em evidência na
América Latina nova vertente teológica internacionalmente reconhecida como Teologia da
Libertação (Capítulo III). Em alguns de seus escritos, particularmente nas Circulares
Conciliares, dom Helder reconhece não ser teólogo da libertação, e não o era de fato, em
sentido estrito. Entretanto, nenhum teólogo da libertação excluiria dom Helder do círculo dos
representantes ativos da prática teológica da libertação.
Em suma, da conjugação da ordem social com a estabilidade político-econômica
espera-se a construção de sociedade harmônica, com desenvolvimento humano e crescimento
econômico, resultante de profundas reformas estruturais e de mudança de mentalidades. Tudo
isso se fará numa estreita cooperação entre governos, organizações e instituições
transnacionais. “A ajuda [dos países ricos] é indispensável, urgente, necessária para defender
a justiça como condição de paz” (CAMARA, 1970t, p. 4), mas é em absoluto insuficiente. Por
essa razão, “trabalhar pela justiça é trabalhar pela paz” (CAMARA, 1975j, p.5).
190
5.5 PROMOÇAO DA JUSTIÇA COMO CONDIÇÃO PARA A PAZ
A repressão do regime, sobretudo a partir da promulgação do AI-5, institucionalizou
a violência. A violência atrai a violência. A resistência à crescente de violência exige algum
tipo e grau de força para ser reconhecida. O poder exige poder igual ou superior para sua
efetivação. Nessa confrontação de forças e poderes entre governantes e governados
ressignificou-se o conceito de paz, em Estado de exceção.
A noção de paz tal qual formulada e propagada por dom Helder é vinculante dos
conceitos de “desenvolvimento integral e autêntico”, de segurança e de justiça. Apoiado na
Populorum Progressio, de Paulo VI, de 1967, n 87, dom Helder Camara promove a noção de
que “o desenvolvimento é o novo nome da paz”71
. A correlação de maior predominância, em
quase todos os seus pronunciamentos, é a da “justiça como condição para a paz”72
.
Afirmar que o fundamento da justiça, para dom Helder, encontra-se em princípio
religioso - isto é, “amor ao próximo” como expressão do “amor a Deus”, em virtude de sua
participação numa hierarquia religiosa e de compromissos assumidos pautados pela convicção
de fé religiosa -, pode resultar em interpretação equivocada, pois, o que se percebe com maior
freqüência, é a perspectiva antropológica e humanística, segunda a qual a prática da justiça
remete à igualdade de direitos fundamentais entre os homens. O princípio e o fim da justiça é
o homem73
.
Em palestra em Liège, na Bélgica, em 1968, A Pobreza na Abundância, dom Helder
adverte que: “É urgente incluir, na Campanha pelo Desenvolvimento do Terceiro Mundo, um
capítulo essencial sobre condições de um desenvolvimento autêntico, de uma abundância
inteligente e humana”. E acrescenta: “o homem pode organizar a terra sem Deus, mas „sem
71
A expressão “desenvolvimento é o novo nome para a paz” aparece em: CAMARA, 1970d, p. 2; CAMARA,
1970f, p. 6; CAMARA, 1970j, p. 2; CAMARA, 1971g, p. 1; CAMARA, 1972h, p. 1; CAMARA, 1975i, p. 6;
CAMARA, 1977a, p. 4.
72 A afirmação da “justiça como condição para a paz” ou “a justiça como caminho para a paz” encontra-se, entre
outros, nos seguintes discursos: CAMARA, 1968d, p. 1; CAMARA, 1969e, p. 5; CAMARA, 1970a, p. 6;
CAMARA, 1970f, p. 6; CAMARA, 1970g, p. 1; CAMARA, 1970r, p. 3 e 4; CAMARA, 1970s, p. 7; CAMARA,
1971d, p. 4; CAMARA, 1972a, p. 4; CAMARA, 1972e, p. 1 e 2; CAMARA, 1972g, p. 6; CAMARA, 1972o, p.
5; CAMARA, 1973c, p. 4; CAMARA, 1973e, p. 4 e 6; CAMARA, 1973l, p. 4 e 7; CAMARA, 1974d, p. 1;
CAMARA, 1974f, p. 6; CAMARA, 1974h, p. 2; CAMARA, 1975d, p. 5; CAMARA, 1975f, p. 5; CAMARA,
1975g, p. 5; CAMARA, 1975p, p. 4 e 5; CAMARA, 1975r, p. 5; CAMARA, 1975s, p. 5; CAMARA, 1976b, p.
2; CAMARA, 1976c, p. 4; CAMARA, 1976d, p. 6; CAMARA, 1976e, p. 4; CAMARA, 1977a, p. 1; CAMARA,
1977h, p. 5.
73 O Deus cristão não se coloca sob o princípio da necessidade [acreditamos que dom Helder tivesse essa
consciência], não é um Deus carente de algo ou de alguém. Nesse sentido, Deus não ia requerer para si o
princípio da justiça humana. Em outras palavras, Deus não carece da justiça humana.
191
Deus‟ só a pode organizar contra o homem. Humanismo exclusivo é humanismo desumano”
(CAMARA, 1968a, p. 4). Não discutiremos essa questão, a saber, do desenvolvimento, em
qualquer de suas vertentes, na dependência de inspiração ou de motivação divina, mas não
ignoramos a existência de muitos pensadores que, mesmo na época de dom Helder,
certamente discordaram de tal perspectiva de pensamento.
De acordo com dom Helder, quando o SIPRI (Stockholm International Peace
Research Institute), ao lado das preocupações com a guerra nuclear e com a guerra
bioquímica, abre espaço para o exame da “paz e segurança para o Terceiro Mundo”,
reconhece, implicitamente, que: “o desenvolvimento sendo o novo nome da paz, o Mundo
subdesenvolvido está sofrendo os efeitos da guerra; é urgente deixar evidente, para muitos, o
que alguns começam a admitir: que o subdesenvolvimento se equipara à guerra bioquímica e
à guerra nuclear” (CAMARA, 1971g, p. 1).
Mas as Religiões poderiam chamar a si o cuidado de utilizar todos os seus recursos
próprios para provar que a “guerra é sempre mais absurda, desumana e imoral; poderiam
“encarregar-se de provar que, se as super-potências [USA e URSS] gastarem com o
desenvolvimento o que estão gastando na guerra fria e na guerra quente, ficará patente que o
homem pode assegurar, a todos, nível de vida compatível com a dignidade humana”. As
Religiões poderiam “unir-se para completar a bela afirmação de que o desenvolvimento é o
novo nome da paz” (CAMARA, 1969a, p. 5). Em 1970, em viagem pelo Canadá, Suíça e
USA, com palestra, provavelmente nos USA, sob o título Lições Vitais da Guerra do Vietnã,
dom Helder assegura que: “as Religiões se preocupam, necessariamente, com a justiça, como
condição para a paz. As Religiões concordam em encarar o desenvolvimento como o novo
nome da paz” (CAMARA, 1970d, p. 2).
Em 1970, durante vigília ecumênica na cidade de Lyon, na França, dom Helder
admite:
É fácil obter acordo quando se fala de ajuda aos países pobres, quando se
mostra a realidade da ascensão da miséria e da fome. Então, os particulares e
até os governos se decidem a abrir a bolsa e, de certo modo, o coração. Mas
quando queremos ir ao coração do problema para denunciar graves e
inaceitáveis injustiças na política internacional do comércio, então, é quase
impossível até ser escutado (CAMARA, 1970j, p. 2). A grande caridade dos
nossos tempos consiste em trabalhar pela justiça (CAMARA, 1971d, p. 3) 74
.
74
A proposição - a grande caridade dos nossos tempos consiste em trabalhar pela justiça - se repete em
CAMARA, 1971f, p. 7; CAMARA, 1973h, p. 5; CAMARA, 1973a, p. 2; CAMARA, 1973l, p. 6; CAMARA,
1974h, p. 3; CAMARA, 1976c, p. 2 e 3; CAMARA, 1977a, p. 3; CAMARA, 1977d, p. 3.
192
Em 1972, em Londres, dom Helder admiti facilidade para se chegar a algum acordo
em torno da situação dos países subdesenvolvidos, contudo, reafirma o desafio quando o que
está em questão representa mudança de estruturas:
Quando se fala a uma pessoa rica ou a um país rico, e o problema é colocado
em termos de ajudas, em face de situações de pobreza ou até de miséria, o
entendimento é relativamente fácil. Costuma haver boa vontade e até
generosidade. O entendimento se torna desentendimento, o encontro vira
desencontro, quando se tem a audácia de colocar os temas, em termos de
direitos a reivindicar e de justiça a exigir. As injustiças não existem apenas
entre indivíduos e indivíduos ou entre grupos e grupos, mas entre países e
países, e até entre Continentes, entre Mundos. Sem justiça, jamais teremos
paz autêntica e duradoura (CAMARA, 1972h, p. 01).
As ditaduras latino-americanas prometem desenvolvimento, em contrapartida exigem
estado de exceção. Dom Helder afirma que “nenhum país se arranca da miséria sem pesados
sacrifícios”. O dado inaceitável dessa estratégia de desenvolvimento repousa sobre o fato dos
sacrifícios recaírem sobre os já desfavorecidos. Além disso, “a única maneira de participar dos
benefícios do desenvolvimento implica em participar antes da criatividade e das opções".
Assim,
Sustentar que o desenvolvimento se tornou de tal modo técnico que é utopia
pensar em levar o povo a participar da criatividade e das opções; sustentar
que o desenvolvimento, hoje, exige estados de exceção, governos fortes,
ditaduras, é descrer da criatura humana e não contar com os prodígios da
promoção humana, da educação libertadora, quando elas não são temidas e
combatidas, e, sobretudo, quando elas não são desvirtuadas por movimentos
que parecem movimentos de conscientização, mas começam por temer até o
verbo, profundamente humano, que é conscientizar (CAMARA, 1972a, p. 3).
Espera-se postura ousada de todos os cidadãos, mas em especial dos membros da
hierarquia. O âmbito religioso parece ter se tornado estreito demais ante as demandas sociais,
a inércia do mundo político e a indiferença da área técnica. A recomendação de dom Helder
consiste em mudança radical de comportamento, de envolvimento nas questões de outros
campos em nome da justiça como condição real para a paz:
Percamos, de vez, o medo de parecer abandonar o terreno religioso e de
invadir o terreno político e a área técnica. Percamos, de vez, o medo de
parecer meter-nos em problemas internos de países estrangeiros [problemas
só na aparência são internos]. Reivindiquemos, juntos, o direito e o dever de
defender a criatura humana, a pessoa humana, o bem comum. Se isto é
política não é política partidária, é defesa do homem; é defesa da justiça, sem
a qual a paz não passa de palavra sonora. Quando enfrentaremos a ira dos
poderosos; quando nos decidiremos a perder prestígio e favores; quando
aceitaremos ver torcidas nossas intenções; quando aceitaremos até riscos
maiores para ajudar as Minorias Abraâmicas e denunciar injustiças, em plano
interno e em plano externo? (CAMARA, 1972a, p.4; CAMARA, 1972e, p.2).
193
Diante das distorções do capitalismo (lucro é o motor do progresso econômico e a
concorrência lei suprema da economia) e do socialismo (restrições das liberdades, produção
pela força, repressão da manifestação individual, desenvolvimento concentrado e distribuição
desigual dos benefícios) “é legítimo e razoável pensar em um Socialismo em que a plena
socialização de cada um esteja a serviço da plena realização de todos; pensar em Socialismo,
uno em seus grandes objetivos gerais, mas com variantes que atendam às aspirações e à
cultura de cada povo”75
(CAMARA, 1972c, p. 2). A socialização plena, para dom Helder,
passa pela autogestão, vivida por autênticas Cooperativas (CAMARA , 1972e, p. 4).
Ao considerar as distorções tremendas do Socialismo, temos a impressão de que a
única saída é abraçar o Capitalismo. Equívoco, para dom Helder, escolher entre Capitalismo e
Socialismo levando em conta, tão somente, a “teoria do mal menor”.
Mal menor, como, se o Capitalismo salva da mortalidade infantil, mas
condena a uma sub-vida? Mal menor, como, se as ajudas capitalistas para o
desenvolvimento são gota d‟água, comparadas com as despesas de guerra e a
corrida armamentista? Mal menor, como, se o Capitalismo mantém,
permanentemente, a pior das guerras, a da miséria, levando, nos países
pobres, minorias privilegiadas a manter a própria riqueza à custa da situação
infra-humana de milhões de concidadãos, e, levando, em plano internacional,
os países ricos a manter a própria prosperidade à custa de países e
Continentes inteiros, que deixaram de ser Colônias políticas, mas continuam
Colônias econômicas? (CAMARA, 1972d, p. 5).
No centro das preocupações de dom Helder não se encontra o tipo de sistema
econômico, mas se determinado sistema é capaz de assegurar “justiça, como condição para a
paz”. A paz é condição que se constrói nas relações entre pessoas e entre Estados. Se a paz é
socialmente construída, então, faz-se necessário trabalhar pela “justiça como condição para a
paz” (CAMARA, 1975o, p. 1). Somos nós que devemos construir a paz (CAMARA, 1977l, p.
1). A paz, resultante da prática da justiça, encontra-se na dependência da mudança das
estruturas em âmbito nacional (entre as pessoas e entre as instituições e organizações
nacionais) e internacional (entre os Estados e entre as instituições e as organizações
internacionais). A justiça não se limita à dimensão econômica da vida social, porém, a prática
da justiça na dimensão econômica constitui-se pressuposto fundamental a partir da qual a
justiça será pleiteada e/ou assegurada nas demais dimensões da vida humana e no
desenvolvimento das instituições.
75
Possivelmente, dom Helder tinha em mente o conceito de socialização tal como formulado por João XXIII,
em encíclica Mater et Magistra, de 1961, n 62.
194
5.6 COMBATE À MISÉRIA E À POBREZA
O combate à miséria e à pobreza constitui-se em mais uma das demandas da
sociedade brasileira transnacionalizadas por dom Helder durante a vigência do AI-5. A
pobreza atinge mais de 2/3 da população nordestina, e quase a mesma proporção da sociedade
brasileira e latinoamericana. A relevância da demanda transnacionalizada pode ser medida
pelo seu risco ao desenvolvimento humano e cultural do Continente.
Os padres conciliares, e, especialmente, os bispos do Terceiro Mundo, durante o
Concílio Vaticano II, “imaginaram, na Igreja, antena sensibilíssima, que captasse todas as
mais graves injustiças do mundo” (CAMARA, 1972h, p. 2). Então, propuseram ao papa Paulo
VI que, como resposta, criasse a Pontifícia Comissão Justiça e Paz, à qual, em tese, deveria
corresponder, em cada país, Comissão Nacional de Justiça e Paz, a serviço de cristãos e não-
cristãos. Ao avaliar a iniciativa dos Conciliares e a decisão de Paulo VI, dom Helder conclui:
Foi tomada de posição corajosa porque, facilmente, poderão ser levantadas
dúvidas e acusações numerosas contra a Igreja e a sua Comissão Justiça e
Paz. Será fácil afirmar que a Igreja está exorbitando, saindo de seu domínio
próprio. Se fosse para trazer apoio, a ação da Igreja seria bem-vinda; para
contestar, logo se exige que a Igreja não saia da Sacristia, cuide do culto e de
pregação que ajude a assegurar a paz social (CAMARA, 1972h, p. 2).
Nesse caso, que lugar deve ocupar a Igreja, que atitude tomar, onde aportar-se, se
seu fundamento (amor a Deus) a lança para fora (amor ao próximo)? Faz-se mister observar o
fim para o qual fora criada:
A Igreja sente-se no direito e no dever de estar no meio dos homens, no
coração dos acontecimentos. Não pretenderá a função de super-governo ou de
super-técnica. Deseja apenas servir e, quando se fizer necessário, emprestar a
voz ao sem-voz. Impossível ficar na Sacristia, impossível parar no amor a
Deus. O amor a Deus nos impele a amar os homens. Amar, não só com
palavras, mas com atos e de verdade. E, como fechar, os olhos, os ouvidos, a
consciência ante injustiças que deixam mais de 2/3 dos homens sub-
humanizados pela miséria e o restante da humanidade correndo o risco de
desumanizar-se pelo excesso de conforto e de egoísmo? (CAMARA, 1972h,
p. 2).
No contexto da Guerra Fria, alegam a Rússia e a China que o “Capitalismo escraviza
os Povos”. Alegam a Rússia e a China, que “desejam ajudar as vítimas da exploração
capitalista, a libertar-se da miséria, da fome, do analfabetismo, da situação infra-humana”.
Rússia e China, sem dúvida, se esforçam por liquidar o analfabetismo e a miséria. Mas
cobram para isto preço insuportável: “impõem, pela força, o respectivo modelo socialista;
ainda se agarram ao materialismo dialético; criam [pelos mais modernos recursos da
publicidade] intolerável clima de suspeição, de medo e de delação” (CAMARA, 1972h, p. 3).
195
A prosperidade dos países ricos, nas áreas capitalistas, tem como preço a miséria
crescente do Terceiro Mundo. De acordo com dom Helder,
O Capitalismo explora o anticomunismo para manter situações infra-
humanas; explora a explosão demográfica, para distrair a atenção do âmago
do problema, as gravíssimas injustiças da política internacional do comércio;
apresenta-se como defensor da liberdade, mas a pretexto de combater ao
comunismo, alia-se a ditaduras; a pretexto da defesa da ordem social e da
segurança nacional, não vacila em cometer arbitrariedades e, inclusive,
torturas. O Capitalismo é incapaz de viver sem corrida armamentista e sem
guerras; é responsável pela pior das guerras: a da miséria. (Cf. CAMARA,
1972h, p. 4).
O embate do século XX não se estabelece entre o Leste e o Oeste, mas “entre o Norte
e o Sul, entre os países sempre mais ricos e países sempre mais pobres" (CAMARA, 1972g, p.
7; CAMARA, 1972i, p. 1). Para dom Helder, “não faltam, ainda hoje [1972], ingênuos para
imaginar que, entre Capitalismo e Comunismo, se dará o embate dos embates, a guerra das
guerras” (CAMARA, 1972m, p. 2). A impressão enganosa é a de que “assistimos a um
embate gigantesco entre Socialismo e Capitalismo: o primeiro, o Socialismo querendo
dominar o mundo, esmagando a fé e a liberdade; e o segundo, o Capitalismo, sagrando-se
defensor do mundo livre” (CAMARA, 1972h, p. 2). É interessante observar que o pretexto
dos dois lados é o mesmo: defender a liberdade, mas o que está em jogo é a expansão do
poder.
A Pontifícia Comissão Justiça e Paz, segundo dom Helder, “ajudaria a causa da
verdade, desmoralizando, de vez, a farsa conduzida pelas superpotências”. Além disso, “seria
de enorme efeito moral se a Pontifícia Comissão Justiça e Paz, apoiando-se em especialistas,
livrasse nossas Denominações Cristãs da engrenagem capitalista”; “encorajasse a hierarquia
do Mundo inteiro a livrar, concretamente, a Igreja de dar suporte a estruturas de escravidão, a
pretexto de ajudar a manter a ordem social e a autoridade”; “estimulasse a hierarquia a
enfrentar incompreensões, malentendidos, acusações injustas como preço para estimular,
efetivamente, a educação libertadora e a promoção humana”; “suscitasse, nos vários países,
não Comissões de Justiça e Paz, mas núcleos de Ação Justiça e Paz” 76 (CAMARA, 1972h, p.
5), decididos a tentar concretizar o ensinamento social da Igreja.
76
Dom Helder fundou a Ação Justiça e Paz na arquidiocese de Olinda e Recife segundo o princípio de que a
iniciativa que a motivou [a Pontifícia Comissão Justiça e Paz, criada durante o Concílio Vaticano II] não
ultrapassava os meandros dos princípios. A razão primordial, indiscutivelmente, consistia nas diversas
expressões assumidas pela violência das injustiças, as quais traduziam-se em repressão, perseguição, mortes,
debilidades, miséria, e até em guerras. Então, fazia-se necessária a criação de entidade que levasse os princípios
a fatos. Síntese dos princípios sugeridos em plano internacional pela Ação Justiça e Paz pode ser encontrada em
CAMARA, 1970l, p. 4.
196
Quanto ao nascimento e o perfil da Ação Justiça e Paz, dom Helder declara:
A Ação Justiça e Paz nasceu com o nome de “pressão moral libertadora”.
Adotou, a seguir, nome ainda mais largo e belo. Mas continua convicta de
que a mudança de estruturas sócio-econômicas e político-culturais no Brasil e
na América Latina só poderá ser feita sem violência, se houver clima para
uma democrática, equilibrada e firme pressão moral libertadora (CAMARA,
1969c, p. 6). Apresso-me em dizer-lhes que não se trata de partido político,
de movimento de um homem, de um país, de uma língua, de uma religião...
ou a Ação Justiça e Paz se realiza com união dos homens de boa vontade,
para além das raças, das línguas, das religiões, ou se tratará de um fracasso a
mais (CAMARA, 1970g, p. 1).
Quanto ao perfil das pessoas e grupos envolvidos na entidade Ação Justiça e Paz,
dom Helder recomenda que seja o campo de atuação das Minorias Abraâmicas. Entre as
principais funções da Ação Justiça e Paz encontram-se: “tentar desvendar a engrenagem das
multinacionais”; “tentar obter, analisar e divulgar, a serviço da verdade e da justiça, dados
sobre a real situação dos países”; e, por fim, “fazer entender que ainda mais graves que
eventuais torturas, é a violência institucionalizada” (CAMARA, 1972h, p. 5-6)
Além da Ação Justiça e Paz , dom Helder propõe a criação de “Escolas Superiores de
Paz”. À Escola Superior de Paz caberia abordar os seguintes temas: analisar os métodos
adotados pelos países ricos para a fixação dos preços das matérias-primas dos países pobres e
de seus próprios produtos industrializados; à semelhança das indústrias da guerra, suscitar o
surgimento de indústrias de paz; aplicar-se em descobrir medidas de avaliação do
desenvolvimento; atuar como força transparente, desmascarando forças secretas e paralelas
que atuam em nome da segurança nacional e internacional; examinar a possibilidade de
manter multinacionais, não a serviço de grupos sempre mais restritos, mas a serviço da
humanidade (CAMARA, 1975f, p. 4-5; CAMARA, 1977m, p. 2).
Dom Helder não se dirige exclusivamente aos cristãos, mas a todos os implicados
(ou que possam ter seu país implicado) nalgum tipo de injustiça. Os tempos mudaram, por
vezes, estimulados pelo avanço tecnológico. Com efeito, nem todos os povos registram
avanços e, por conseguinte, podem alimentar boas perspectivas: “nos tempos da eletrônica,
dos sintéticos e das viagens espaciais, mais de 2/3 dos países subdesenvolvidos, que
constituíam o chamado Terceiro Mundo, perderam qualquer possibilidade de arrancar-se da
miséria e da fome. Já se fala em um Quarto Mundo, Mundo sem esperança e sem vez de
desenvolvimento” (CAMARA, 1972j, p. 2).
É fácil entender (o que é diferente de aprovar) os jovens que perdem a paciência e
partem para a violência, para o terrorismo. Para dom Helder, “é difícil levá-los a entender que,
mesmo sem apelar para razões mais profundas, em simples termos de eficácia, apelar para a
197
violência é esquecer que, do lado dos opressores, estão os fabricantes de armas e de guerras,
os próprios donos das armas”. Após alerta aos jovens, dom Helder recomenda-os fazer aliança
com as Minorias Abraâmicas que “pode e deve guardar o nome que possui; pode e deve
guardar a inspiração religiosa ou simplesmente humanista que a anima; pode e deve guardar
os próprios líderes e os próprios métodos”. O importante não é unificar, mas unir. “O
indispensável é o acordo em torno de alguns objetivos prioritários”. Convém reconhecer que,
“cresce, permanentemente, o número das Minorias Abraâmicas e, a cada instante, se tornam
mais lúcidas e atuantes” (CAMARA, 1972j, p. 3-5).
O problema da fome ainda é relevante em escala mundial. A injustiça, geradora de
fome e de miséria, promove a emergência de grupos promotores de justiça, que resulta de
transformação de estruturas nas instâncias local, estadual, regional, internacional, continental.
“Ou descobrimos meios corajosos e válidos de defender a justiça, sem apelo à violência, ou
ninguém segurará a juventude” (CAMARA, 1972m, p. 1), que se precipitará para a revolta
armada.
5.7 A “VIOLÊNCIA DOS PACÍFICOS”
A “violência dos pacíficos”77
consiste na mobilização da “pressão moral libertadora”.
A estratégia adotada para a “libertação autêntica” do ser humano é a da “violência dos
pacíficos” (CAMARA, 1970l, p. 1). A “violência dos pacíficos” pode ser identificada como
“movimento de não-violência”, ou como “ação de não-violência”, ou ainda como “luta pela
não-violência”.
A lógica da violência na política doméstica evidencia-se de três formas: as injustiças,
fonte de todas as violências; a reação dos submetidos à condição de injustiças e, por fim, a
repressão governamental sob pretexto de garantir a ordem legítima e a segurança, atitude
tomada em favor da manutenção do status quo dos grupos dominantes (CAMARA, 1971g, p.
3-4; Cf. CAMARA, 1972i, p. 3).
77
A expressão “violência dos pacíficos”, por vezes, é substituição pela expressão “movimento de não-violência”,
ou por “ação de não-violência”, ou ainda por “luta pela não-violência”: CAMARA, 1969b, p. 7-8; CAMARA,
1970f, p. 5; CAMARA, 1970g, p. 1 e 5; CAMARA, 1970l, 1 e 4; CAMARA, 1971a, 2; CAMARA, 1972a, p. 7;
CAMARA, 1972b, p. 4 e 5; CAMARA, 1972j, p. 5; CAMARA, 1973a, p. 3; CAMARA, 1973b, p. 5 e 6;
CAMARA, 1973e, p. 7; CAMARA, 1973f, p. 7; CAMARA, 1973g, p. 5; CAMARA, 1973h, p. 3; CAMARA,
1974b, p. 6; CAMARA, 1974d, p. 1 e 5; CAMARA, 1974g, p. 3; CAMARA, 1974j, p. 4; CAMARA, 1975i, p.
5; CAMARA, 1975j, p. 5; CAMARA, 1975r, p. 4; CAMARA, 1976d, p. 5; CAMARA, 1976e, p. 5; CAMARA,
1977b, p. 3; CAMARA, 1977c p. 2; CAMARA, 1977d, p. 3; CAMARA, 1977j, p. 1, 3 e 4.
198
Há três tipos de guerras contra as quais, segundo dom Helder, precisa-se declarar
guerras. As guerras são classificadas através das expressões: a “guerra contra as injustiças”78
;
a “guerra contras as guerras”79
e, por último, declarar guerra à pior de todas as guerras, que é
a “guerra contra a miséria”80
.
Os fabricantes de armas81
são, na verdade, fabricantes de guerras. Aos senhores das
armas (e das guerras) não os interessa a paz, pois esta não responde às suas expectativas em
rendimentos, lucros. Além disso, os senhores das armas aprofundam as injustiças nos países
pobres, a pretexto de colaborar com o desenvolvimento. Entendem (ou confundem)
desenvolvimento com modernização do aparato de segurança do Estado. A modernização de
um Estado, ainda que pobre, em termos de armamentos, promove na região o que poderíamos
chamar de mini-corrida armamentista.
As multinacionais das armas financiam campanhas eleitorais dos principais
candidatos ao Executivo e ao Legislativo em quase todos os países do mundo. A estratégia
visa elevar ao poder político dos Estados personalidades que, quando eleitas, veem-se
comprometidas com seus acordos, seus negócios e suas vendas. O mercado de armas nos
países ricos encontra-se cada vez mais competitivo. Nesse cenário, resta-os manter seus
rendimentos vendendo seus arsenais, em geral, já sucateado em seus países de origem, mais
ainda úteis à segurança ou às guerras civis nos países pobres.
As multinacionais, substitutas dos velhos trusts, ampliam cada vez mais seus ramos
de produção. Encontram-se de tal forma estruturadas que podem produzir o mais expressivo
símbolo da vida (o leite) e o mais desastroso símbolo das mortes violentas (armas). A
78
A expressão “guerra contra as injustiças” aparece, entre muitos outros, nos seguintes pronunciamentos:
CAMARA, 1971f, p. 7; ; CAMARA, 1973b, p. 1; ; CAMARA, 1975q, p. 2.
79 A expressão “guerra contras as guerras” acompanha-se geralmente da denúncia das consequências trágicas das
guerras bioquímicas e nucleares. Além disso, os pronunciamentos de dom Helder sugerem estudos capazes de
correlacionar os orçamentos de empresas e Estados empenhados na fabricação e/ou venda de armas com o
montagem destinado por tais grupos de interesses para o desenvolvimento humano. Observa-se tudo isso em:
CAMARA, 1973, p. 2 e 3; CAMARA, 1974, p. 6; CAMARA, 1974, p. 2; CAMARA, 1975, p. 2; CAMARA,
1976, p. 2.
80 À expressão “guerra contra a miséria”, por vezes, acrescenta-se a palavra “fome”. Assim, a expressão mais
recorrente é: “guerra contra a miséria e a fome”. As duas formas de escrita das expressões, no entanto, podem ser
encontradas em: CAMARA, 1968c, p. 5; CAMARA, 1969e, p. 1-5; CAMARA, 1970q, p. 3; CAMARA, 1971g,
p. 1; CAMARA, 1972a, p. 2; CAMARA, 1973b, p. 3; CAMARA, 1973e, p. 6; CAMARA, 1973h, p. 4;
CAMARA, 1973i, p. 2, 5 e 6; CAMARA, 1973m, p. 3 e 4; CAMARA, 1973n, p. 4; CAMARA, 1974b, p. 3;
CAMARA, 1974e, p. 2 e 3; CAMARA, 1974f, p. 5 e 6; CAMARA, 1974l, p. 5; CAMARA, 1975f, p. 3;
CAMARA, 1975q, p. 1; CAMARA, 1975r, p. 2.
81 A escolha perversa por fabricar armas e/ou guerras para exportar para os países pobres, que não dispõem, não
raras vezes, sequer do necessário para suas populações, constitui-se algo de crítica de dom Helder em:
CAMARA, 1972a, p.1; CAMARA, 1973g, p. 5; CAMARA, 1974a, p. 5; CAMARA, 1974b, p. 5; CAMARA,
1974d, p. 4; CAMARA, 1974e, p. 3; CAMARA, 1974m, p. 1 e 2; CAMARA, 1974n, p. 8; CAMARA, 1975g, p.
5; CAMARA, 1975q, p. 2.
199
preocupação de algumas dessas multinacionais, em particular, daquelas que monopolizam o
setor de produção de armas, não recai sobre o desenvolvimento, em termos de
desenvolvimento humano integral, mas prioritariamente em termos de crescimento econômico
mediante lucros. O que configura cenário de injustiças internacionais, e “as injustiças são as
fontes de todas as violências”82
.
Os principais obstáculos que se levantam no caminho da não-violência, de acordo
com dom Helder, são: os fomentadores da violência, o poder de atração da violência e o
ressentimento. As “raízes da violência” encontram-se no individualismo egoísta que se
propaga até que se produz o “egoísmo do sistema”. O egoísmo do sistema se percebe sobre
maneira na “política internacional do comércio”. E mais, “os promotores de violência, no
mundo, são os privilegiados que não têm coragem de abrir mão de privilégios injustos,
criadores de injustiças e escravidões” (CAMARA, 1970q, p. 1).
A “violência dos pacíficos” instiga a curiosidade por seus métodos e, por
conseguinte, imputa a dúvida por sua eficiência. Então, dom Helder assegura que:
Quando perguntam se é possível apontar algum exemplo de país que, sem
violência armada, tenha mudado estruturas, é possível responder que, até
passado recente, a humanidade não dispunha dos meios poderosíssimos de
comunicação social, de que hoje dispõe. Acontece que nos países
subdesenvolvidos, os que se decidem a revolver estruturas, mesmo que se
movimentem rigorosamente dentro de métodos democráticos, perdem o
acesso a esses poderosíssimos meios de comunicação social, quando não
perdem, seus direitos civis. (CAMARA, 1970h, p. 6). Entre os negros, como
esquecer as lições de Martinho Lutero King, mestre universal da não-
violência? Entre os irmãos de linha espanhola, tenho o maior respeito e
admiração por César Chavez (CAMARA, 1973b, p. 6). Gandhi batalhou a
vida toda, pacificamente, pela justiça, como caminho para a paz. Que os
holocaustos [de Gandhi e Martinho Lutero King] acendam em nós confiança
na não-violência, na violência dos pacíficos, na pressão moral libertadora
(CAMARA, 1973l, p. 6-7).
Argumento semelhante é dirigido aos membros da Igreja (eclesiásticos e leigos),
admiradores da “ordem estabelecida”, defensores da autoridade e resistentes às reformas:
Ninguém nos diga que tentar qualquer esforço na linha da libertação humana
é um perigo, porque se descamba, então, para a política. Desvios, perigos,
existem por toda parte. Sem correr risco, ninguém faz nada. Quando nós,
bispos e padres, temendo desvios da luta pacífica pela libertação humana,
ficamos fora desta luta, tomamos, mesmo sem querer e talvez mesmo sem o
saber, o partido da manutenção da pseudo-ordem social que esmaga mais de
dois terços da humanidade (CAMARA, 1974h, p. 1-4).
82
A expressão “as injustiças como fonte de todas as violências” disputa lugar nos pronunciamentos de dom
Helder com as expressões “a injustiça como a matriz de todas as violências” ou “a miséria como fonte de todas
as violências”. Como representativo das três expressões, sugerimos consultar: CAMARA, 1970g, p. 4;
CAMARA, 1970q, p. 4; CAMARA, 1970s, p. 4; CAMARA, 1970t, p. 5; CAMARA, 1971g, p. 3 e 4;
CAMARA, 1975i, p. 4; CAMARA, 1975l, p. 4
200
O processo de libertação das injustiças pressupõe “educação libertadora”83
. O
objetivo principal de educação libertadora é, de imediato, a libertação integral do ser humano,
como resultado de processo de conscientização84
de sua condição de indivíduo aparentemente
livre. Em suma, trata-se de promoção humana. Entretanto, no contexto da repressão,
“conscientização, promoção humana, educação libertadora – nomes profundamente humanos,
soam como nomes subversivos, ajudando o comunismo” (CAMARA, 1971e, p. 3).
Em nome do alerta contra o perigo comunista, em nome da segurança nacional é
suspeito de subversão, comunista, todo aquele que reclamar contra injustiças e falar em
direitos. “Esmolas, sim. Ajudas, sim. Mas bater-se por direitos, pretender cumprimento de
obrigações é contra a ordem social, é comunismo”85
(CAMARA, 1972d, p. 4).
A inércia da Igreja e a repressão dos governos antidemocráticos constituem-se em
elementos mais do que suficientes para precipitar os jovens na direção de movimentos
violentos, como a guerrilha. “A violência que leva a assaltos e a guerrilhas é uma reação à
violência que está na raiz de todas as violências” (CAMARA, 1973m, p. 3-4). “O apelo à
violência armada não parece solução: não só se sabe que o ódio não constrói, mas, que do
lado dos opressores, estão os fabricantes de armas e de guerras”86
. A violência gera violência.
“Mas é urgente provar, sobretudo aos jovens, que o Cristianismo nos inspira um amor
exigente” (CAMARA, 1972l, p. 1), capaz de expor o cristão a situações limites.
A principal objeção levantada contra a “não-violência ativa”, contra a violência dos
pacíficos, pelos que só descobrem a violência armada como meio de romper todo este quadro
83
O programa de “educação libertadora” talvez incluísse o Movimento de Educação de Base (MEB), mas o
mesmo não é mencionado explicitamente nos pronunciamentos feitos por dom Helder no exterior: CAMARA,
1971e, p. 3 e 4; CAMARA, 1971f, p. 6; CAMARA, 1972a, p. 3; CAMARA, 1972n, p. 5; CAMARA, 1973g, p.
5; CAMARA, 1976d, p. 5; CAMARA, 1977a, p. 5.
84 O temor da conscientização das massas por parte da Igreja, mas sobretudo por parte dos Estados
latinoamericanos (e dos USA) bem como das elites locais e regionais. As acusações de subversivo e de participar
do jogo comunista completam o temor da conscientização, enquanto recurso de mobilização anti-socialista e
anti-comunista, em defesa da ordem social e da segurança nacional.: CAMARA, 1969b, p. 6; CAMARA, 1969c,
p. 5; CAMARA, 1969d, p. 5; CAMARA, 1969e, p. 3; CAMARA, 1970a, p.2 CAMARA, 1970f, p. 3 e 4;
CAMARA, 1970g, p. 3; CAMARA, 1970t, p. 2; CAMARA, 1971a, p. 3; CAMARA, 1971f, p. 3; CAMARA,
1972f, p. 4; CAMARA, 1972g, p. 5 e 6; CAMARA, 1972n, p. 4; CAMARA, 1975f, p. 4; CAMARA, 1975l, p. 4;
CAMARA, 1975n, p. 1; CAMARA, 1975p, p. 2.
85 A decisão de combater (ou evitar) o comunismo implica em suplantar governos de esquerda ou de tendência
de esquerdista, elevando ao poder “governos fortes”, em especial ditaduras, preferivelmente, de direita. O tema
assim abordado encontra-se em: CAMARA, 1970c, p. 5; CAMARA, 1970g, p. 3; CAMARA, 1972c, p. 4;
CAMARA, 1972g, p. 5, 6 e 7; CAMARA, 1972h, p. 4; CAMARA, 1973n, p. 4 e 5; CAMARA, 1974b, p. 1 e 2;
CAMARA, 1974f, p. 5; CAMARA, 1975j, p. 2-3; CAMARA, 1975p, p. 2; CAMARA, 1976b, p. 5; CAMARA,
1976c, p. 3; CAMARA, 1976d, p. 6; CAMARA, 1976e, p. 2 e 5; CAMARA, 1977c, p.5; CAMARA, 1977h, p.3. 86
Apelar para a violência armada não parece solução sensata, pois não nos é permitido ignorar que, do lado das
elites se colocam os fabricantes de armas e de guerras: CAMARA, 1972b, p. 4; CAMARA, 1972l, p. 1-2;
CAMARA, 1972n, p. 4; CAMARA, 1973f, p. 5; CAMARA, 1973j, p. 5; CAMARA, 1977j, p. 3; CAMARA,
197, p. CAMARA, 197, p. CAMARA, 197, p. CAMARA, 197, p. CAMARA, 197, p.
201
de opressão, é que apenas a força pode conter a força. Além disso, “exigem que se aponte um
único exemplo de mudança efetiva de estruturas na base da não-violência”. Alegam que “até
hoje a não-violência não mudou efetivamente estruturas de opressão. Mas acontece o mesmo
com a violência”; “os que só confiam na violência armada acusam a não-violência de medo de
sujar as mãos”. “Temer a violência, combatê-la é fazer o jogo da violência dos opressores”.
“E chegam a proclamar que, hoje, país pobre para arrancar-se das garras do imperialismo
capitalista tem que correr o risco e aliar-se ao imperialismo comunista”. Ao que dom Helder
responde: “recuso-me a aceitar que nossa única alternativa seja mudar de patrões, seja variar
de opressão” (CAMARA, 1975i. p. 5).
A “educação libertadora” consiste em instrumento fundamental de mobilização social
e se propõe a promover mudança de atitudes, mentalidades e, acima de tudo, mudança de
estruturas injustas, e institucionalizadas. Assim, após tratar de superar os entraves à libertação
em âmbito nacional, a educação libertadora pretende libertar sociedades e Estados inteiros de
sua condição de “colônias modernas”, isto é, sociedades e Estados cuja independência política
é refém de sua condição econômica87
.
Na condição de forças essenciais ao processo de libertação e, sem dúvida, de apoio à
“educação libertadora” participam, por seus princípios e métodos, a Comunidade de Base e a
Teologia da Libertação88
. Além disso, recorre-se à mobilização das “Minorias Abraâmicas”
por meio de “pressão moral libertadora”, tendo como pressuposto o “processo de
conscientização das massas”. Como resultado, a Igreja ou qualquer indivíduo, que decidir por
“denunciar injustiças” e “promover mudança de estruturas”, será acusado de “subversivo” e
de fazer o “jogo dos comunistas”.
87
A independência política dos países é apontada como refém de sua condição econômica em: CAMARA,
1972i; p. 2; CAMARA, 1973h, p. 3; CAMARA, 1975a, p. 2 e 3; CAMARA, 1975q, p. 3; CAMARA, 1977j, p.
2.
88 A teologia da libertação é citada como grande esperança para a Igreja e a sociedade latinoamericana. Trata-se
de novo jeito de fazer teologia [a contingência humana abre-se para transcendência do Criador, Santificador e
Redentor, e não a partir de transcendência Deus capaz de esmagar o ser humano em sua impotência] para
alimentar a vida de uma nova Igreja. As grandes linhas da “teologia da libertação” [que concilia reflexão e ação]
encontram-se resumidas em: CAMARA, 1973a, p. 2 e 6; CAMARA, 1973b, p. 1; CAMARA, 1973e, p. 3, 4 e 6;
CAMARA, 1973g, p. 5; CAMARA, 1974h, p. 5; CAMARA, 1975e, p. 1; CAMARA, 1976d, p. 5; CAMARA,
1977a, p. 5.
202
A união das “Minorias” 89, sedentas por justiça, produzirá “pressão moral libertadora”
equivalente a bomba nuclear:
No dia em que as forças pacíficas se unirem, dentro de cada país, e de cada
Continente, e em escala mundial, estará deflagrada uma energia mais
poderosa que a nuclear (CAMARA, 1973m, p. 6). Se usarmos as armas dos
fabricantes de armas e de guerras, elas nos esmagarão. Precisamos usar armas
que eles não possam usar: pressões morais libertadoras, que se destinam a
libertar os oprimidos, ao mesmo tempo, nos países ricos e nos países pobres.
(CAMARA, 1974i, p. 4).
A opção pela “não-violência” ou pela “violência dos pacíficos” impõe risco,
sobretudo de constrangimento, frustração. Então, dom Helder adverte:
Se não quisermos cair no ridículo com a não-violência, e, o que mais importa,
se quisermos obter mudança pacífica, mas efetiva das estruturas injustas que
esmagam mais de 2/3 da humanidade, precisamos somar forças. Não nos
cansemos de lembrar que não se trata de tomada de poder, nem de busca de
prestígio: mas de servir. Mas há forças preciosas a mobilizar em pressões
morais libertadoras, capazes de assegurar justiça, como caminho para uma
paz verdadeira e duradoura (CAMARA, 1975r, p. 4).
Não é ilusão o apelo à não-violência, o apelo à pressão moral libertadora? Dom
Helder garante que ver claro o rumo a seguir, mas falta ainda o essencial:
Vejo claro o trabalho já realizado pelo Espírito de Deus90
. Mas nos cabe
descobrir a maneira válida de ligar e interligar [de grupo a grupo, de região a
região, de país a país, de continente a continente] estas Minorias (CAMARA,
1975s, p. 4). O Deus dos humildes, com recursos pobres, com instrumentos
pobres, suscitará a união das Minorias que, nos países pobres e nos países
ricos, tem fome de justiça (CAMARA, 1976a, p. 5). A humanidade cansou de
guerras; cansou de racismos; cansou do ódio; cansou de excesso de progresso
que torna a vida irrespirável (CAMARA, 1976a, p. 1).
Além das “Minorias” espalhadas por todo o mundo, dom Helder constata na Igreja
movimento capaz de atuar em prol da mudança de estruturas:
Multiplicam-se, no mundo inteiro, as pequenas Comunidades de Base.
Dentro delas – comunidades de dimensões humanas – o povo descobre-se
gente, que não é apenas ficha, número, objeto. Quando a pseudo-ordem
econômica internacional chegar ao impasse, que já se aproxima e quando,
89
Dom Helder passou a usar os termos “Minorias” ou “Grupos” (de estudantes universitários, de trabalhadores,
de professores, de padres, de bispos, de religiosos, de militares, etc.), a partir de 1970, como alternativos a
Minorias Abraâmicas, para designar pessoas sedentas por justiça. Os referidos termos podem ser encontrados
nos seguintes pronunciamentos: CAMARA, 1970l, p. 4; CAMARA, 1973e, p. 6 e 7; CAMARA, 1973h, p. 3 e 4;
CAMARA, 1973j, p. 6 e 7; CAMARA, 1973l, p. 6-8; CAMARA, 1973m, p. 4; CAMARA, 1973n, p. 7;
CAMARA, 1974b, p. 5 e 6; CAMARA, 1974c, p. 2; CAMARA, 1974d, p. 4 e 5; CAMARA, 1974e, p. 4;
CAMARA, 1974f, p. 4-6; CAMARA, 1977f, p. 2; CAMARA, 1977h, p. 1 e 4; CAMARA, 1977l, p. 3 e 4.
90 Para dom Helder, o Espírito de Deus se encarregou de suscitar em todos os lugares as “Minorias”, geralmente
chamadas de Minorias Abraâmicas, que são as pessoas sedentas por justiça. Não obstante, o trabalho de
mobilização e de organização de tais Minorias nos compete a todos.
203
dentro dos diferentes países, o macro-planejamento for revelando todo o seu
sentido inumano, as Comunidades de Base estarão a postos para tentar a
alternativa de projetos de dimensão humana (CAMARA, 1976e, p. 5-6).
Como deve ficar bem claro que é fundamental chegar até a mudança das estruturas
que esmagam mais de 2/3 da humanidade, pergunta-se – e eis um desafio apaixonante para a
não-violência ativa – se a pressão moral libertadora é capaz da façanha de, pacificamente,
revolver estruturas que, dia a dia, se tornam mais pesadas e mais rígidas. Há, no entanto, dois
problemas que devem merecer atenção especial: a política internacional do comércio e a
corrida armamentista.
A violência dos pacíficos será capaz de mudar estruturas de opressão? A convicção
de dom Helder se mostra inabalável:
É preciso partir para a violência dos pacíficos (CAMARA, 1970l, p. 4).
Longe de mim, conclamar-vos às armas. Provai que a violência dos pacíficos
atinge as estruturas e é capaz de estabelecer a verdadeira ordem (CAMAMA,
1970t, p. 6-7). Se a violência dos pacíficos não provar sua validade e não
revolver as estruturas de opressão, quem ganhará será a violência armada e
continuará, ainda por mais tempo, o império da injustiça que oprime a
maioria da humanidade (CAMARA, 1972j. p. 5). Utilizem [estudantes e
professores universitários] o melhor de seu tempo, energia e inteligência, em
descobrir maneiras pacíficas de abrir brechas nas estruturas de escravidão
(CAMARA, 1973g, p. 5).
A quem considera a “não-violência ativa” jogo dos opressores, medo ou temor de
sujar as mãos, dom Helder pergunta: “por que os líderes da não-violência são assassinados
como Gandhi e Martinho Lutero King?”. E acrescenta:
É fácil enfrentar a violência armada. A não-violência incomoda
profundamente. Na medida em que ela se organiza, torna-se invencível.
Chegaremos a desmontar, pacificamente, as estruturas de opressão, através de
trabalho sincronizado entre as Comunidades de Base do Terceiro Mundo e os
Grupos que, nos países industriais, estão decididos a ajudar a construir
mundo mais respirável, mais justo e mais humano (CAMARA, 1977j, p. 3).
Como a arte da paz é muito mais difícil do que a arte da guerra, dom Helder
manifesta intenção de pedir ao papa [Paulo VI] uma Escola Superior de Paz. Uma escola que
nos faça passar da teoria à prática. “Uma Escola Superior de Paz que dê à não-violência toda a
potencialidade que ainda está para ser concretizada. Uma Escola Superior de Paz que ensine a
maneira prática de unir, para construção da Paz, os homens de boa vontade” (CAMARA,
1977l, p.2). E nosso autor conclui: “É a hora exata de provar que é possível e fácil esmagar
uma pessoa, meia dúzia de pessoas, mas que ninguém, nenhum poder humano tem força para
esmagar Comunidades inteiras, unidas, para defender, de modo pacífico, mas decidido e
corajoso, os seus direitos humanos” (CAMARA, 1977j, p. 3).
204
5.8 OS DIREITOS HUMANOS E A DEMOCRACIA
A defesa dos direitos humanos91
no Brasil, ao longo de toda a história do país, mas
em particular, durante o período de regime militar, constitui-se em demanda da sociedade
brasileira transnacionalizada por dom Helder mediante pronunciamentos no exterior, entre os
anos de 1968 a 1978, que corresponde ao período do AI-5.
Os escritos de dom Helder, ao menos os discursos elaborados para serem feitos no
exterior, não esboçam longamente a temática dos direitos humanos. A bandeira dos direitos
humanos é pressuposta na exposição das demandas anteriores. Equívoco, talvez,
interpretação minimalista, afirmar se tratar de mera opção lingüística. Dom Helder não adota,
explicitamente, nenhum dos direitos da Carta Magna da ONU, como elemento central de seus
pronunciamentos. Dom Helder elege como a principal das demandas a mudança de
estruturas, da qual decorre a supressão dos colonialismos (interno e externo), a integração
regional e o desenvolvimento, a verdadeira ordem social, a promoção da justiça, o combate à
miséria e à fome, como objetos da ação da “violência dos pacíficos”. Nessa perspectiva, os
direitos humanos decorrem do estabelecimento de estruturas justas.
Quanto à defesa dos direitos humanos, o espaço de maior participação política
permite a observância de tais direitos. Os direitos humanos não se constituem propriedade dos
governos, de modo que não cabem aos governos concedê-los à sociedade como benefícios. Os
direitos humanos justificam-se por si mesmos, pela simples existência do humano, cabendo
aos governos o esforço de assegurá-los, em não podendo assegurá-los, ao menos não fossem
os governantes os principais protagonistas a desrespeitá-los.
Ao analisar a “violência dos sistemas capitalistas e socialistas em relação aos seus
satélites”, em termos de exploração e depurações, dom Helder formula a questão: “como
chamar o mundo subdesenvolvimento de mundo livre, quando, ali a situação é de desrespeito
aos direitos fundamentais do homem, a situação é de violência, vestida de liberdade e de
ajuda?” (CAMARA, 1968c, p. 4).
Em Nova York, no dia 26 de janeiro de 1969, dom Helder faz conferência sob o título
“Os Direitos Humanos e a Libertação do Homem nas Américas” na qual adverte que: “do
respeito aos direitos humanos, depende a libertação do homem, ameaçado de escravidão, tanto
pela miséria como pelo egoísmo” (CAMARA, 1969a, p.1).
91
A defesa dos direitos humanos e denúncia de desrespeitos aos mesmos têm pronunciamentos seguintes como
referência: CAMARA, 1968c, p. 4; CAMARA, 1969a, p.1; CAMARA, 1969b, p. 5-6; CAMARA, 1970a, p. 2;
CAMARA, 1974h, p. 2-3; CAMARA, 1975p, p. 2-4; CAMARA, 1977b, p. 4; CAMARA, 1977d, p. 3.
205
O Art. 1 da Declaração dos Direitos dos Humanos assegura que: “todos os homens
nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. A correlação entre a situação de milhares de
latinoamericanos e o conteúdo do artigo, permite dom Helder observar:
Talvez não seja fácil a quem nasce em país desenvolvido e ai reside a vida
inteira, entender, plenamente, o alcance do art. 1, dos Direitos do Homem.
Quem reside em país subdesenvolvido, sabe que há milhões de criaturas
humanas que nascem e vegetam em situação infra-humana. Daí, a tarefa
apaixonante de conscientizar que, de modo algum, se confunde com a mera
alfabetização (CAMARA, 1969a, p.1-2).
No art. 3 da Declaração, lê-se: “todo homem tem direito à vida, à liberdade e à
segurança”. A partir desse artigo, dom Helder faz o seguinte comentário:
Enquanto ditaduras de esquerda e de direita proclamam-se acima da lei;
criam clima irrespirável de suspeição, delação e falsas auto-críticas; enquanto
condenações arbitrárias, sumárias e inapeláveis coroam seqüestros, prisões e
torturas, seguidos de exílio, quando não de trucidamentos, continuam
ressoando: „art. 5º, ninguém será submetido à tortura‟; „art. 10º, todo homem
tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de
um Tribunal independente e imparcial‟ (CAMARA, 1975p, p. 2).
A Declaração de Direitos da ONU, em seu art. 4, proclama: “Ninguém será mantido
em escravidão ou servidão”. Se o art. 4 nos permite denunciar todas as formas de escravidão,
então, o colonialismo interno, e todas as pessoas (ou organizações, ou instituições) que
submetem pessoas a regime de trabalho escravo devem ser denunciadas por desrespeito aos
direitos humanos.
O art. 5 declara: “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo
cruel, desumano e degradante”. O desrespeito ao art. 5 da declaração expôs, não a sociedade
brasileira, mas o governo Médici, em 1970, a constrangimento internacional. O relatório anual
da Amnesty International denuncia prática de torturas no Brasil. Em 1977, Jimmy Carter, em
visita ao Brasil, durante o governo Geisel, fez menção a desrespeito aos direitos humanos em
nosso país.
É coerente o reconhecimento de que não foram os sulamericanos os inventores da
tortura, porém, é sensato reconhecer que os encarregados de suas práticas no Continente
esforçaram-se por aperfeiçoá-la:
É verdade que não foram os países subdesenvolvidos que descobriram a
“lavagem de cérebros”. Mas, nas nossas áreas, é uma vergonha ver o que,
facilmente, sucede com os presos – desde os humilíssimos ladrões de
galinhas até os presos políticos. Em nome de processos científicos de obter a
verdade, há requintes de tortura moral e física (CAMARA, 1969a, p. 2).
206
A denúncia das práticas de torturas no Brasil, que podem se estender aos demais
países sulamericanos em tempo de ditaduras militares, acompanha-se da descrição de alguns
métodos:
Depois de 40 horas de interrogatório ininterrupto, durante as quais os
interrogantes se sucedem, mas o interrogado é o mesmo; depois de 40hs,
debaixo de refletores que tonteiam e hipnotizam; depois de 40hs,
entremeadas de promessas e de ameaças, de informações mentirosas e de
aguçamento de fome, que valor atribuir às informações arrancadas? E que
dizer das geladeiras e dos choques elétricos esterilizantes? Urge desmoralizar
estes processos de depoimento que, não raro, se acobertam com a presença de
bacharéis em direito e de psicólogos. Urge demonstrar o absurdo das pseudo-
provas, obtidas desta maneira (CAMARA, 1969a, p. 3).
Em seu art. 22, a Carta Magna da ONU declara:
Todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à
realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo
com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos,
sociais e culturais, indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento
de sua personalidade.
Paradoxalmente, os militares (e os paramilitares) a serviço do governo (com ou sem
o consentimento deste) desrespeitam os direitos humanos e civis no Brasil em nome da
Segurança Nacional, da ordem social. Durante o AI-5, a ordem estabelecida no Brasil, e na
América Latina, favorece determinados grupos de interesses. Resta-nos, então, perguntar:
quando a ONU reconhece como direitos, e não apenas como condição, “direitos econômicos,
sociais e culturais”, a quem ela quer, de fato, assegurar tais direitos? Ante a impossibilidade
de assegurar a todos “direitos econômicos, sociais e culturais”, a lógica seguida pela
Organização, talvez, tenha sido a de assegurar, como direitos, aos que já os têm e usufruem:
aos grupos de interesses e aos Estados fortes no seio da própria ONU.
As elites latinoamericanas reagem ante qualquer tentativa de mudança de estruturas,
mesmo diante daqueles que visam tão somente assegurar direitos humanos aos seus
concidadãos. O receio é o de que tais deslocamentos fujam de seu controle e ponham em risco
seus interesses e privilégios. Dom Helder analisa a situação latinoamericana e formula o
seguinte argumento:
Os privilegiados que, sinceramente, se consideram religiosos, aplaudem os
Direitos Fundamentais do Homem, as Encíclicas sociais da Igreja e
Conclusões como as da Assembléia da Hierarquia Latino-Americana, em
Medellín (Colômbia). Qualquer mudança mais brusca – pensam os
privilegiados, com apoio do Governo, preocupado com a ordem social, e dos
militares, preocupados com a Segurança Nacional – será porta-aberta à
infiltração de agitadores profissionais e se fará o jogo dos comunistas
(CAMARA, 1970a, p. 2).
207
A defesa contundente dos direitos humanos, para dom Helder, passa pela mudança de
estruturas:
Se os grupos de não-violência [dentro dos USA], sem nenhuma ingenuidade
diante do Comunismo, conseguirem o desmonte da exploração anticomunista
e o desmonte da ideologia da Segurança Nacional, estarão atingindo
estruturas de opressão, já visíveis a olho nu na América Latina, mas sendo
ameaça grave a todo o Terceiro Mundo (CAMARA, 1976e, p. 5).
A mudança de estruturas nos países subdesenvolvidos supõe mudança de estruturas
nos países ricos. A razão do condicionamento para a mudança de estruturas é simples: os
países ricos sustentam, a todo custo, sistema de exploração dos países pobres, a começar pela
“política internacional do comércio”. Em virtude dessa relação de dependência, dom Helder
recomenda às Forças Armadas e as Universidades dos USA:
Ajudai [Forças Armadas e Universidades] os USA a não levar muito longe o
papel messiânico de supervisor do mundo, de guarda da democracia e dos
direitos fundamentais do homem; ajudai os USA a transformar a Aliança para
o Progresso em Aliança para a Justiça e para a Paz; ajudai os USA a
estimular, ao máximo, mudança de suas próprias estruturas; ajudai os USA a
rever os conceitos de capitalismo e socialismo; ajudai os USA a contribuir,
decisivamente, para a refundição da ONU, de modo a evitar discriminações
entre grandes e pequenas potências; ajudai os USA a dar exemplo de revisão
do poderio militar, evitando, de vez, a impressão de que cabe aos militares a
missão de super-Governo (CAMARA, 1969b, p. 5-6).
A violência constitui-se num atentado contra o “direito à segurança social”. A origem
da violência, salvo raras exceções, relaciona-se com situação de miséria. Há, segundo dom
Helder, três tipos de violência: a violência praticada pelo opressor; a violência da resistência
por parte do oprimido e, por fim, a violência do Estado, que age em nome da ordem social,
mas que atua em lugar do opressor (CAMARA, 1969e, p. 1-4). A miséria resulta
institucionalização do colonialismo interno em cooperação o colonialismo externo das
grandes potências.
Se nalgum momento da história do Brasil, o governo proporcionou ensino público à
altura da dignidade desse direito, o sistema educacional, então, atendeu a poucos e atuou
como elemento de discriminação cultural. Abstraindo-se de certo tipo de saudosismo
equivocado atribuído às décadas de 1920 e 1930, temos o imperativo secular de sistema
educacional disfuncional, sujeito aos interesses econômicos de empresários do setor
educacional e, ao mesmo tempo, capaz de alfabetizar sem conscientizar. As elites nacionais e
os Governos latinoamericanos e dos demais países subdesenvolvidos da África e da Ásia,
sobretudo os administrados por militares, “temem o nome de conscientização” (CAMARA,
1969d, p. 5; CAMARA, 1969e, p. 3). A repressão política aparece como medida de contenção
208
da ameaça comunista, que se intensifica no país e no continente em termos de terrorismo,
guerrilha urbana e subversão da ordem social.
O termo “democracia” raramente aparece nos pronunciamentos de dom Helder feitos
no exterior, e quando usado não recebe qualquer destaque. Nenhuma tentativa de definição é
esboçada, ao menos nos discursos do período correspondente ao AI-5. Além disso, não se
verifica nenhum esforço de correlação entre os diversos tipos de regimes, a partir da qual se
pudesse tecer algum comentário acerca da situação da democracia no país e na América
Latina.
Os pronunciamentos de dom Helder no próprio país - durante os poucos anos em que
os militares lhe permitem discursar pelas Universidades brasileiras, antes de o considerarem
morto-vivo -, talvez tenham abordado devidamente o termo “democracia” e seus atributos.
Não obstante, a perspectiva adotada pelos governos brasileiros, e por muitos governos da
América Latina, a saber, de restrição crescente da participação democrática e de supressão das
liberdades e dos direitos políticos e civis, tornou-se alvo das críticas de dom Helder no
exterior.
209
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da atividade política da Igreja no Brasil, com eventual incursão também na
América Latina, durante a vigência do AI-5, exigiu revisitar a literatura produzida acerca da
Guerra Fria (evento estendido no tempo, com desdobramentos na arena política
internacional) e da Revolução Cubana (evento pontual, com desdobramentos na política
regional) como os dois grandes pressupostos no quadro de nossa pesquisa.
Nossa análise evidenciou que, com o fim da II Guerra Mundial, o cenário político
internacional recebeu contornos inteiramente novos: o espaço político da bipolaridade,
monopolizado pelos EUA e pela URSS. O suposto embate travado pelas duas superpotências
no campo econômico resultou mais expressivo no campo político-ideológico. As duas
superpotências aprenderam, desde a constatação de poder recíproco de suas forças destrutivas,
a respeitar as diferenças de interesses e de perspectivas de cada uma delas. A compreensão
dessa realidade criou ambiente de estabilidade em mundo bipolar. Nesse contexto, dom
Helder denunciou “a exploração dos países sob influência das duas superpotências e a corrida
armamentista”, esta a produzir “mini-corrida armamentista nos países subdesenvolvidos” sob
pretexto de desenvolvimento econômico e da modernização das Forças Armadas, em prol da
Segurança Nacional.
A Guerra Fria ofereceu-nos mais do que a simples possibilidade de problematização
de determinados conceitos [o embate entre o capitalismo e o socialismo, o inimigo interno (e
externo), a ameaça comunista; o terrorismo; o subversivo; as ditaduras de direita e de
esquerda, Forças Armadas como força policial], pois promoveu, segundo a interpretação dos
militares, a emergência de “ideologia da segurança nacional e internacional”.
No que tange à Revolução Cubana, o grande centro do mundo capitalista [EUA]
ignorou as pretensões de reformas estruturais reivindicadas pelos revolucionários de Sierra
Maestra. O embargo econômico imposto à Ilha caribenha precipitou assédio da superpotência
socialista [URSS], como única solução capaz de manter proposta de mudança sócio-político-
econômico-cultural em Cuba. Como resultado, os EUA convivem até os nossos com o
Estado-Nação socialista em sua soleira.
A Revolução Cubana demonstra, num curto período de tempo, que a revolução
armada representa solução viável para mudança das estruturas sócio-político-econômico-
cultural. Entretanto, a instalação do socialismo em Cuba aprofundou a crise dos governos
populistas no Continente. No curso de uma década, grupo significativo de Estados-Nações
210
sulamericanos, de parca experiência democrática, teve o Poder Executivo usurpado pelas
Forças Armadas em parceria com as elites civis, sob alegação de mobilização anticomunista.
Sob o pretexto de combater o avanço do comunismo nos países pobres, as potências
capitalistas patrocinaram golpes militares nas Américas, na África e na Ásia. A permanência
no poder, das ditaduras de direita ou de esquerda, exigia o aberto uso da força, no intuito de
assegurar a “ordem social”, “propriedade privada” e “segurança nacional”. A “segurança
nacional” deixava de ser uma questão de soberania para se tornar uma questão doméstica, de
combate ao “inimigo interno”, o “subversivo”. Assim, o uso da força (desproporcional) se
justifica por si mesmo. Os “defensores da ordem estabelecida” ignoravam, no entanto, o
princípio segundo o qual “a violência atrai violência”. Nessa perspectiva, dom Helder
desaconselha o recurso à violência armada, pois “do lado dos grupos dominantes estão os
fabricantes de armas e de guerras”, mas respeita os que partem, em consciência, em direção
dessa situação limite como única alternativa para se revolver estruturas institucionalizadas.
Análise da sociedade brasileira, das décadas de 1960 e 1970, evidenciou a
necessidade urgente de mudança de estruturas sócio-político-econômico-cultural e religiosa.
No plano social, o enfrentamento dos latifúndios e, por conseguinte, a promoção da reforma
agrária; no plano político, a estabilidade do país sob sistema democrático, que implicava
redemocratização do país e redefinição do papel das Forças Armadas, com ampliação da
participação popular no exercício da cidadania; no plano econômico, a autonomia para
implementação de projeto de desenvolvimento econômico sob princípios de crescimento
autosustentável; no plano cultural, a necessidade de reforma do sistema educacional público
de modo a torná-lo mais inclusivo, humanizador, respeitoso para com a dignidade dos
cidadãos e útil ao desenvolvimento da Sociedade, do Governo, do Estado e da Nação
brasileiros; no plano religioso, a exigência de modernização das estruturas da Igreja através da
assimilação de novos valores socialmente constituídos, nos campos da ética e da moral.
As diretrizes de política externa dos governos militares apresentaram algumas
alterações [maior ou menor aproximação com os demais países da Região; maior ou menor
aproximação dos EUA; maior ou menor expansão para os demais Continentes], porém,
mantiveram-se inalteradas em seus elementos essenciais [a integração regional e a ampliação
do poder de influência do país na arena política internacional]. Enquanto os militares
consideravam de suma importância observar o embate em perspectiva Leste e Oeste, dom
Helder advertia para embate iminente entre Norte e Sul, isto é, entre países ricos e países
pobres. Consideram-se, em perspectivas diferentes, a bipolaridade do sistema internacional.
211
Os movimentos “de esquerda” dentro da Igreja (ACB e Comunidades Eclesiais de
Base), ou os movimentos próximos a ela (MEB e a AP), procuraram implementar projeto de
libertação do ser humano (das estruturas de opressão), mediante o processo, que se esperava
fosse curto, capaz de despertar a consciência do ser humano em “situação de escravidão” para
transformá-lo num ser livre. Por essa razão, durante o AI-5, em particular, o termo
conscientização ameaçava Governos, Igreja, Propriedade Privada e a Ordem Estabelecida. Os
movimentos da Igreja, aqueles mais voltados para as questões sociais, passaram a questionar a
atitude de inércia da Instituição. A opção pela sindicalização do homem do campo deu-se
sobretudo por temor em face da expansão das Ligas Camponesas nos anos de 1950.
A mesma disposição não se constata na Igreja dos demais países do Continente,
preocupadas com a “ordem social” e com o “respeito à autoridade”. A natureza transnacional
da Instituição, por si mesma, não assegura uniformidade de ação. Embora a Igreja da América
Latina, através de suas entidades transnacionais [o CELAM e as Conferências Gerais do
Episcopado Latinoamericano e do Caribe] tenha publicado alguns documentos no esforço de
participar efetivamente do processo de integração e do desenvolvimento político-econômico
do Continente, as propostas da Instituição eram pouco consistentes e exigiam a elaboração de
uma “teologia da integração e do desenvolvimento”. Como proposta de integração, a Igreja
sugere sua forma de organização, que avança num crescente desde a dimensão local
(comunidades, paróquias, dioceses) até o nível internacional (Santa Sé). A proposta reafirma
antiga ideia de Igreja como reflexo da “sociedade perfeita”. Como apoio ao desenvolvimento,
empreendeu a defesa da reforma agrária como condição fundamental para o
“desenvolvimento autêntico e integral”.
O estreitamento da arena política doméstica, promovido pelo AI-5, não teve como
seu principal ator dom Helder, mas possivelmente o deputado federal Márcio Moreira Alves,
autor de discurso crítico à política de segurança nacional do governo [Costa e Silva] proferido
na Câmara dos Deputados, em Brasília, nem sua principal vítima, mas os torturados, os
desaparecidos, os mortos. Ainda assim, durante a vigência do AI-5, particularmente entre os
anos de 1968 e 1973, dom Helder é considerado morto-vivo. A radicalização do regime
militar no Brasil contra dom Helder, não se justifica, exceto por um discurso proferido em
Paris, em 1970 [possivelmente sob o título Quelles que soient les consequences, feito de
forma espontânea], no qual teria denunciado práticas de torturas no país e constante atentado
contra os direitos humanos e civis. Desde então, a violência do regime ganhou força, com
perseguição a dom Helder, a dom Pedro Casaldáliga, a dom Adriano Hipólito, a dom Valdir
Calheiros, entre outros, e aos seus respectivos colaboradores, aos dominicanos e outros.
212
Assim, a tradicional cooperação política entre os dois grupos de interesses chega ao
fim com a promulgação do AI-5, com o descolamento da Igreja das estruturas do Estado, de
modo a não encontrar semelhança, em toda a história do Brasil, senão com a Proclamação da
República (1889): o fim do padroado. No contexto do golpe, as personalidades mais
influentes da Igreja (eclesiásticos e intelectuais leigos) apóiam ação conjunta dos civis e
militares que resulta na deposição de Goulart. Anos depois, o AI-5 constitui-se no marco de
mudança, parcela significativa da Igreja aparta-se dos golpistas para assumir postura de
oposição ao governo. A violência ganha novas formas e expressões.
A força política da Igreja emergiu exatamente do distanciamento do Estado que
outrora lhe garantia influência e poder. A Igreja deixava de se postar na soleira do Estado,
opção política não sem custos aos futuros projetos político-pastorais da Instituição. A
atividade política da Instituição, quando em extrema divergência com as políticas dos
governos militares, atraiu crítica de membros da hierarquia [dom Geraldo de Proença Sigaud
e dom Castro Mayer] que se encontravam em estreito diálogo com os militares e com a TFP.
O suposto duelo entre Gustavo Corção e Alceu Amoroso Lima, em sentido estrito não
ocorreu, a julgar pelo silêncio de Alceu ante as provocações de Corção. A batalha digna de
nota deu-se no campo dos direitos humanos por instituições não governamentais nacionais e
internacionais, a exemplo da Igreja, da OAB, da Amnesty International.
O argumento comumente usado pelos representantes dos governos militares no
Brasil de que dom Helder “manchava a imagem do país no exterior”, a interpretação dos
“discursos” proferidos no exterior não nos permite chegar a tal conclusão. É de praxe que
após palestras, conferências, discursos, etc. o público participe com suas indagações. Se as
críticas dirigidas ao governo brasileiro e às elites do país foram feitas em resposta às referidas
indagações, não nos é possível, pelos textos do próprio autor, corroborar queixa dos militares.
Se as críticas foram feitas nesse quadro, a estratégia demonstra atitude inteligente, quando o
AI-5 promove o estreitamento do espaço político nacional e suprime a liberdade de expressão.
Os pronunciamentos de dom Helder, no exterior, não se prestam nem à defesa nem à
crítica do regime democrático. A demanda principal da sociedade brasileira e de todos os
demais países subdesenvolvidos da América Latina, África, Ásia, e mesmo dos pobres dos
países desenvolvidos, consiste na mudança de estruturas capaz de assegurar desenvolvimento
humano, e não apenas crescimento econômico para determinados grupos de interesses, em
geral associados às multinacionais estrangeiras.
Em não se tratando de exposição indevida do país no exterior, em razão das duras
críticas, a radicalização dos governos militares contra dom Helder situa-se, provavelmente, no
213
esforço de “conscientização das massas empobrecidas”. Os militares e as elites locais temiam
demasiadamente o termo conscientização, a ser protagonizada por “educação libertadora”, a
exemplo dos programas educacionais de Paulo Freire e do MEB. A equação a ser feita é
simples: a situação de miséria na qual se encontravam submetidos milhares de brasileiros e
sulamericanos representa imenso barril de pólvora, prestes a explodir. A conscientização das
massas de sua própria condição de miséria representava o estopim de possível revolução sem
precedentes no Continente. A consciência desse cenário permite dom Helder afirmar contexto
pré-revolucionário na América Latina, com as condições criadas pelos Colonialismos interno
e externo.
A solução proposta por dom Helder para “mudança de estruturas” resulta de
“educação libertadora”, capaz de promover a “conscientização das massas marginalizadas”,
com o auxílio das “Comunidades Eclesiais de Base” (CEBs) e da “Teologia da Libertação”
(TdL). A “educação libertadora” constitui-se em programa de ação das “Minorias
Abraâmicas”, sedentas por justiça e espalhadas por todo o mundo, a ser desenvolvido segundo
o método da “violência dos pacíficos”, no intuito de gerar e exercer “pressão moral
libertadora”. Se os pronunciamentos de dom Helder na arena política doméstica permitem
interpretar possível movimento seu em direção à resistência armada ao regime militar – e
disso não tenho qualquer informação –, o mesmo não pode ser dito dos pronunciamentos de
dom Helder no Exterior. A “pressão moral libertadora”, resultante da “violência dos
pacíficos”, é de responsabilidade das “Minorias Abraâmicas” . O movimento da “não violenta
ativa” afirma-se como pacífico, mas deveria demonstrar articulação e coragem para enfrentar
os senhores das armas e das guerras. A natureza do movimento diversifica-se com o tempo e
circunstâncias históricas. Inicialmente, espera-se mobilização das Minorias Abraâmicas
através dos “meios de comunicação das massas”. Contudo, com o controle exercido pelos
governos repressivos sobre os referidos meios de comunicação, a mobilização caberia às
universidades.
As demandas da sociedade brasileira transnacionalizadas por dom Helder [a
mudança de estruturas, o combate aos colonialismos, a segurança nacional sem a manutenção
de desordem institucionalizada, a promoção da justiça, o banimento da fome e da miséria]
representaram a internacionalização dos grandes desafios dos Estados, dos Governos e das
Sociedades no século XX, e a serem enfrentados no século XXI, no esforço de assegurar,
senão de forma plena, ao menos de modo parcial, os direitos humanos.
Não nos é possível afirmar, isento de qualquer equívoco, que a Igreja tenha
conseguido capitanear apoio às demandas da sociedade brasileira transnacionalizadas por dom
214
Helder na arena política internacional. A Igreja no Brasil se encontrava demasiadamente
voltada para si mesma, a discutir e a encaminhar [método de ação, diretrizes pastorais,
construção de comunidades], questões relevantes para a consolidação da Instituição, mas que
retardou a percepção pela Igreja de que os problemas da sociedade brasileira eram, em sua
maioria, os mesmos dos países subdesenvolvidos em todos os Continentes.
Além disso, a Igreja no Brasil apequenou-se diante da notoriedade adquirida por
dom Helder. A popularidade de dom Helder na arena política internacional, na condição de
“promotor da justiça e da paz”, lhe rendeu sucessivas indicações ao Prêmio Nobel da Paz
(1971, 1972 e 1973) e vários títulos e prêmios a exemplo do Prêmio Popular da Paz
[equivalente financeiro ao Nobel da Paz] recebido na Noruega. A notoriedade que rendeu a
dom Helder títulos e prêmios o “descolou” dos demais colegas da CNBB, de modo a ser
considerado único ator da Igreja na arena política internacional. Os demais bispos iam à
Roma, para discutir com o Papa assuntos internos da Igreja, enquanto dom Helder
intensificava seus contatos com os representantes de Governos, Universidades, Associações e
com os Empresários na Europa e nos EUA.
Se os pronunciamentos de dom Helder eram consoantes com o contexto histórico
internacional, por que não obtiveram os resultados pretendidos? Os resultados dos
pronunciamentos de dom Helder talvez jamais pudessem ser mensuráveis, a não ser que se
efetivasse mudança de estruturas (injustas) em âmbito internacional capaz de arrancar da
miséria os 2/3 da população mundial, considerada a pior de todas as guerras.
À reivindicação de mudança de estruturas, dom Helder não oferece elementos
substitutivos claros e passíveis de adoção pela comunidade internacional e, em última
instância, todas as suas propostas dependiam de adesão pessoal por meio de sensibilidade
generosa. Não faltou a dom Helder, e os textos nos asseguram isso, a real percepção da
profundidade das estruturas capitalistas. Contudo, parece ter escapado a dom Helder
determinado grau de realismo para perceber que, mesmo a ONU, com poder de enforcement,
não conseguiu, e talvez jamais consiga, empreender grandes mudanças no sistema
internacional. Com isso, não queremos afirmar a permanência ad infinitum do sistema
internacional.
Também não afirmamos, com os realistas clássicos, a necessidade de recorrer a poder
de enforcement para se mudar estruturas internacionais, pois cairíamos na histórica
ineficiência das instituições e organizações transnacionais. O símbolo de maior expressão
dessa ineficiência é a própria ONU, que mesmo possuindo a capacidade de constranger,
acumula ainda poder de retaliação, sanção, embargo e de coerção pela força, em termos
215
militares. A ONU, criada para garantir paz internacional e estimular o fortalecimento das
democracias, após acumular série de descumprimento de suas orientações, sobretudo em
contexto de declaração de guerras, reduziu-se a organização de assistência humanitária.
Quanto ao Itamaraty, o monopólio da instituição no processo de elaboração e de
implementação de política externa brasileira expressa, entre outros elementos, o
conservadorismo e o corporativismo da Instituição. Nos últimos anos, Assessorias
governamentais e empresariais transnacionalizam suas demandas e seus interesses sem levar
em conta as orientações do Itamaraty. Não se trata de atuação ilegal no cenário internacional,
mas de quebra do monopólio de representação.
A análise dos discursos, cartas e anotações feitas por dom Helder, referentes à
política nacional, não se constituíram em objeto de nossa pesquisa, visto que muitos trabalhos
já foram publicados, muitos estão em andamento, e muitos poderão ser produzidos a depender
da perspectiva adotada. Nosso esforço consistiu na exposição das demandas da sociedade
brasileira transnacionalizadas por dom Helder através da análise dos seus pronunciamentos no
exterior.
216
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238
7. ANEXO A:
EXPRESSÕES QUE SE REPETEM NOS DISCURSOS DE DOM HELDER CAMARA
COM A INDICAÇÃO DE LOCAL, DATA E PÁGINAS DOS REFERIDOS DISCURSOS.
FRAGMENTO LOCAL DATA PÁGINAS
À Igreja recomenda-se abrir mão
de prestígio e de reconhecimento
para expor-se a situações limites
como a defesa do subversiva em
nome do Evangelho.
Liège – Bélgica
Berlim – Alemanha
Londres – Inglaterra
Lyon – França
Caracas – Venezuela
Munique – Alemanha
Münster – Alemanha
Münster – Alemanha
Tucson / Arizona - USA
Tucson / Arizona – USA
Oslo – Noruega
Oslo – Noruega
Roma – Itália
Milão – Itália
Lima – Peru
Lima – Peru
Leeds – Inglaterra
Bruxelas – Bélgica
Filadélfia – USA
Washington – USA
19.04.1968
16-25.04.1968
13.04.1969
24.05.1970
24.08.1971
20.06.1972
21.06.1972
22.06.1972
24-27.04.1973c
24-27.04.1973d
24.08.1973
10.02.1974
26.09-16.10.1974
19.06.1974b
05.09.1975
06-13.09.1975
21.10.1975
23.10.1975
03.08.1976
01.07.1977
5
4*
3 e 4*
3*
3*
4
2
1
2
4
5
2
2
3 e 4
4
5
4
2
6
5
A grande caridade dos nossos
tempos consiste em trabalhar pela
Justiça
Zurique – Suíça
Caracas – Venezuela
Tucson / Arizona – USA
Oslo – Noruega
Washington – USA
Roma – Itália
Filadélfia – USA
Quebec – Canadá
Woodlands/Texas – USA
16.07.1971
24.08.1971
24-27.04.1973a
24.08.1973
28.08.1973
26.09-16.10.1974
02.08.1976
26.02.1977
02-04.10.1977
3
7
5
2
6
3
2 e 3
3
3
239
Apresentação de Cristianismo
Passivo aos cristãos e suas
consequências
Berlim – Alemanha
Nashville – USA
Caracas – Venezuela
Munique – Alemanha
Bruxelas – Bélgica
Oslo – Noruega
Roma – Itália
Filadélfia – USA
16-25.04.1968
27.05.1971
24.08.1971
20.06.1972b
19.05.1973
24.08.1973
26.09-16.10.1974
03.08.1976
2 e 4 *
2*
3*
4
4
3
1
3
Ajudas ao Terceiro Mundo são
necessárias, porém, insuficientes,
pois feitas ao preço de injustiças
terríveis (ou à custa do
agravamento da miséria) da
política internacional do comércio
Paris – França
Dakar – África
Massachusets – USA
Manchester – Inglaterra
Salzburg – Áustria
Zurique – Suíça
Forthom – USA
Munique- Alemanha
Leiden – Holanda
Uppsala – Suécia
Grenoble – França
Viena – Áustria
25.04.1968b
05-12.12.1968
27.01.1969
08.04.1969
20.05.1970
16.06.1971
17.01.1972
20.06.1972
24.05.1973
25.05.1973
08.03.1975
04.07.1975
3*
1 e 2
4
3
3
3 e 4
1, 2 e 3
5
4
2
4
2
Assembleias da UNCTAD
(ocasiões de esperança e de
frustrações para os países do
Terceiro Mundo)
Liége – Bélgica
Paris – França
Paris – França
Winnipeg – Canadá
Montreux – Suíça
Uppsala – Suécia
Bonn – Alemanha
Zurique – Suíça
Caracas – Venezuela
Caracas – Venezuela
Kansas – USA
Forthom – USA
Münster - Alemanha
Tucson / Arizona - USA
Estocolmo – Suécia
Rauland – Noruega
Washington – USA
Houston – USA
Turim – Italia
Londres – Inglaterra
19.04.1968
25.04.1968a
25.04.1968b
13.01.1970
29.01.1970
27.05.1970
23.10.1970
16.06.1971
24.08.1971
21-27.11.1971
15.01.1972
17.01.1972
2.06.1972
24-27.04.1973b
26.05.1973
22.08.1973
28.08.1973
03-08.12.1973
20.10.1974
22.10.1975
6
3
2-3
4
1 e 5
5
1 e 6
3
1
2
4
4
3
3
6
3 e 4
3
2 e 3
2
2
240
Clube de Roma (análise econô-
mica em perspectiva dos países
desenvolvidos e produção de
relatórios)
Toronto – Canadá
Paris – França
Grenoble – França
Bolonha – Itália
Florença – Itália
03.02.1975
07.03.1975
08.03.1975
24.11.1977
28.11.1977
1-3
5
1-3
2
1
Clube de Dakar (análise sócio-
econômica dos países
subdesenvolvidos e produção de
relatórios)
Grenoble – França
Florença - Itália
08.03.1975
28.11.1977
3
2
Colonialismo (Interno e Externo)
e sua aliança natural com
ditaduras de direita e com
organizações que impedem a
emergência de governos de
esquerda
Liège – Bélgica
Paris – França
Berlim – Alemanha
New York – USA
Manchester – Inglaterra
Londres – Inglaterra
Santiago – Chile
Winnipeg – Canadá
Canadá – USA – Suíça
Lyon – França
Bonn – Alemanha
Bonn – Alemanha
Wurzburg – Alemanha
Nashville – USA
Friburg – Suíça
Caracas – Venezuela
Estocolmo – Suécia
Kansas – USA
Freiburg – Alemanha
Londres – Inglaterra
Bruxelas – Bélgica
Bruxelas – Bélgica
Oslo – Noruega
Roma – Itália
Chicago – USA
Toronto – Canadá
Lima – Peru
Ohio – USA
Minneapolis – USA
Leeds – Inglaterra
Londres – Inglaterra
Bruxelas – Bélgica
Filadélfia – USA
Quebec – Canadá
Bolonha – Itália
Vicenza – Itália
19.04.1968
25.04.1968
16-25.04.1968
26.01.1969
08.04.1969
13.04.1969
18.04.1969
13.01.1970
01.1970
24.05.1970
23.10.1970a
23.10.1970b
23.05.1971
27.05.1971
17.07.1971
24.08.1971
11.09.1971
15.01.1972
23.06.1972
26.06.1972
19.05.1973
21.05.1973
24.08.1973
26.09-26.10.1974
29.10.1974
03.02.1975b
06-13.09.1975
16.10.1975
17.10.1975
21.10.1975
22.10.1975
24.10.1975
03.08.1976
26.02.1977
24.11.1977
27.11.1977
2
2
2
2
2
3
3
2
1
4
3
1 e 2
3
2
1 – 3
1, 5 e 7
2
4
2
3 e 4
4
2
4
3 – 5
2
1
2
2
1
3
2
4
1
2
3, 5 e 6
5
241
Combater (ou evitar) o avanço do
comunismo implantando ditadu-
ras (de direita) em resposta à
“ação subversiva e comunista”
New York – USA
Canadá – USA – Suíça
Salzburg – Áustria
Munique – Alemanha
Freiburg – Alemanha
Londres – Inglaterra
Houston – USA
Zurique – Suíça
Cambridge – USA
Lima – Peru
Leeds – Inglaterra
Indiana – USA
Filadélfia – USA
Filadélfia – USA
Pensilvânia – USA
Washington – USA
Bolonha – Itália
01.1970
01.1970
20.05.1970
20.06.1972
23.06.1972
24.06.1972
03-08.12.1973
09.02.1974
13.06.1974
05.09.1975
21.10.1975
16.05.1976
02.08.1976
03.08.1976
23.11.1976
01.07.1977
24.11.1977
5
2 e 3
3*
4
5, 6 e 7
4
4 e 5
1 e 2
5
2-3
2
5
3
6
2 e 5
5
3
Corrida Armamentista
Manchester – Inglaterra
Bonn – Alemanha
Caracas – Venezuela
Kansas – USA
Fordhom – USA
Uppasala – Suécia
Washington – USA
Cambridge – USA
Roma – Itália
Chicago – USA
Ottawa – Canadá
Grenoble – França
Viena – Áustria
Leeds – Inglaterra
Londres – Inglaterra
Bruxelas – Bélgica
Indiana – USA
Filadélfia – USA
Woodlands / Texas – USA
Atenas – Grécia
Bolonha – Itália
Vicenza – Itália
Florença – Itália
08.04.1969
23.10.1970a
21-27.11.1971
15.01.1972
17.01.1972
25.05.1973
28.08.1973
13.06.1974
26.09-26.10.1974
29.10.1974
01.02.1975
08.03.1975
04.07.1975
21.10.1975
22.10.1975
24.10.1975
16.05.1976
02.08.1976
02-04.10.1977
05,06,07.10.1977
24.11.1977
27.11.1977
28.11.1977
3
4
3
1 e 2
2
2, 3 e 4
2
5
2
8
6
5
2
3
2
2
3
2
3
1
2
4
3
242
Comissão Trilateral (e a teoria
dos graus de democracia)
Atenas – Grécia
Bolonha – Itália
Florença – Itália
05,06,07.10.1977
24.11.1977
28.11.1977
2
3
3 e 4
Comunidades de Base (CEBs):
instrumentos de mobilização das
“Minorias” e considerada como a
grande esperança da Igreja
Münster – Alemanha
Tucson / Arizona - USA
Toronto – Canadá
Lima – Peru
Leeds – Inglaterra
Filadélfia – USA
Pensilvânia – USA
Toronto – Canadá
Washington – USA
Atenas – Grécia
Vicenza - Itália
22.06.1972
24-27.04.1973c
04.02.1975
06-13.09.1975
21.10.1975
03.08.1976
23.11.1976
27.02.1977
01.07.1977
05,06,07.10.1977
27.11.1977
2
5
3
3
4
5
5 e 6
4
4
2
3
Defesa da Justiça (acusação de
subversivo e comunista)
Milão – Itália
Lima – Peru
Lima – Peru
Minneapolis – USA
Bruxelas – Bélgica
Pensilvânia – USA
07.11.1972
05.09.1975
06-13.09.1975
17.10.1975
23.10.1975
23.11.1976
6
2-5
4
1
4-5
3
Demonstrar (e denunciar) as
estruturas de opressão (ou
criadoras da miséria)
Uppsala – Suécia
Estocolmo – Suécia
Rauland – Noruega
Oslo – Noruega
Washington – USA
Houston – USA
Cambridge – USA
Milão – Itália
Filadélfia – USA
Pensilvânia – USA
Vicenza – Itália
25.05.1973
26.05.1973
22.08.1973
24.08.1973
28.08.1973
03-08.12.1973
13.06.1974
19.06.1974b
03.08.1976
23.11.1976
27.11.1977
5
5 e 6
3-7
4
5 e 6
1 e 3
4
5
5
5
3
Desenvolvimento integral (ou
autêntico), mas não a um preço
desumano
Liége – Bélgica
Canadá – USA – Suíça
Bonn – Alemanha
Houston – USA
Viena – Áustria
19.04.1968
01.1970
23.10.1970b
03-08.12.1973
04.07.1975
4
3
1
1 e 2
1
243
Substituição do conceito de
Desenvolvimento, já gasto, pela
ideia de Libertação
Bruxelas – Bélgica
Leiden – Holanda
Turim – Itália
Quebec – Canadá
21.05.1973
24.05.1973
20.10.1974
26.02.1977
5 e 6
5
3
1 e 2
Desenvolvimento é o novo nome
da paz
Berlim – Alemanha
Canadá – USA – Suíça
Bonn- Alemanha
Estocolmo – Suécia
Quebec – Canadá
16-25.04.1968
01.1970
23.10.1970a
11.09.1971
26.02.1977
1
2
7
1
4
Direitos Humanos
Paris – França
Paris – França
Estocolmo – Suécia
Roma – Itália
Leeds – Inglaterra
Toronto – Canadá
Woodlands / Texas – USA
25.04.1968a
25.04.1968b
26.05.1973
26.09-26.10.1974
21.10.1975
27.02.1977
2-4.10.1977
4-5
4
3-5
3
4
4
3
Dilapidação dos Recursos Natu-
rais (petróleo, água, alimentos,
etc.) à custa dos miseráveis
Estocolmo - Suécia
Paris – França
Bolonha - Itália
26.05.1973
07.03.1975
24.11.1977
3-6
6
2
Distorções do Socialismo e do
Capitalismo
Munique – Alemanha
Milão – Itália
Bruxelas- Bélgica
20.06.1972
07.11.1972
24.10.1975
5
1-5
3
Escolas Superiores de Paz
Paris – França
Bolonha – Itália
07.03.1975
27.11.1977
4 e 5
2
Educação Libertadora (capaz
de instiga a conscientização e a
promoção humana)
Friburg – Suíça
Leiden – Holanda
Filadélfia – USA
Quebec – Canadá
17.07. 1971
24.05.1973
03.08.1976
26.02.1977
3 e 4
5
5
5
244
O pseudo-embate entre Leste/
Oeste e verdadeiro confronto
Norte/Sul
Indiana - USA
16.05.1976
4
Fabricar armas (e guerras) para
exportar para países pobres que
não dispõem sequer do necessário
para suas populações
Kansas – USA
Leiden – Holanda
Davos – Suíça
Zurique – Suíça
Oslo – Noruega
Frankfurt – Alemanha
Turim – Itália
Chicago – USA
Grenoble – França
Londres – Inglaterra
15.01.1972
24.05.1973
06.02.1974
09.02.1974
10.02.1974b
11.02.1974
20.10.1974
29.10.1974
08.03.1975
22.10.1975
1
5
5
5
4
3
1 e 2
8
5
2
FAO
Toronto - Canadá
27.02.1977
1, 2 e 3
Força moral (ou pressão moral
libertadora) contra as estruturas
de opressão
Liège – Bélgica
Detroit – USA
Montreux – Suíça
Salzburg – Áustria
Tucson – Arizona - USA
Bruxelas – Bélgica
Rauland – Noruega
Oslo – Noruega
Houston – USA
Davos – Suíça
Zurique – Suíça
Oslo – Noruega
Roma – Itália
Milão – Itália
Ottawa – Canadá
Montreal – Canadá
Bruxelas – Bélgica
Bruxelas – Bélgica
Woodlands / Texas - USA
19.04.1968
01.1970
29.01.1970
20.05.1970
24-27.04.1973c
19.05.1973
22.08.1973
24.08.1973
03-08.12.1973
06.02.1974
06.02.1974
10.02.1974b
26.09-26.10.1974
19.06.1974a
01.02.1975
02.02.1975
23.10.1975
24.10.1975
2-4.10.1977
4
5
5 e 6
5
2
6 e 7
7
6-8
1, 4-7
5
2 – 6
5
5
4
10
4
4
4
3
245
Guerra contra a Miséria
(equiparada às guerras nuclear e
bioquímica), que mata mais do
que as guerras mais sangrentas
Paris – França
Londres – Inglaterra
Canadá – USA – Suíça
Atlanta – USA
Estocolmo – Suécia
Kansas – USA
Tucson – Arizona - USA
Bruxelas - Bélgica
Uppsala - Suécia
Estocolmo – Suécia
Washington – USA
Houston – USA
Zurique – Suíça
Frankfurt – Alemanha
Cambridge – USA
Turim – Itália
Paris – França
Londres – Inglaterra
Bruxelas – Bélgica
25.04.1968
13.04.1969
01.1970
12.08.1970
11.09.1971
15.01.1972
24-27.04.1973b
19.05.1973
25.05.1973
26.05.1973
28.08.1973
03-08.12.1973
09.02.1974
11.02.1974
13.06.1974
20.10.1974
07.03.1975
22.10.1975
23.10.1975
5
1-5*
1
3
1
2
3
6
4
2, 5 e 6
3 e 4
4
3
2 e 3
5 e 6
5
3
1
2
Guerra contra as Injustiças
(fonte de todas as violências) e a
Repressão de Governos Autori-
tários
Caracas – Venezuela
Tucson – Arizona - USA
Londres – Inglaterra
24.08.1971
24-27.04.1973b
22.10.1975
7
1
2
Guerra contra as Guerras
(denunciar as consequências
trágicas das guerras bioquímica e
nuclear)
Uppsala – Suécia
Davos – Suíça
Oslo – Noruega
Londres – Inglaterra
Pensilvânia – USA
25.05.1973
06.02.1974
10.02.1974b
22.10.1975
23.11.1976
2 e 3
6
2
2
2
Guerra-Fria
Manchester – Inglaterra
Washington – USA
Indiana – USA
08.04.1969
28.08.1973
16.05.1976
3
2
3
246
Grupos (ou Minorias) defensores
da justiça e construtores de
mundo melhor
Orleans – França
Tucson / Arizona - USA
Uppsala – Suécia
Rauland – Noruega
Oslo – Noruega
Washington – USA
Houston – USA
Zurique – Suíça
Oslo – Noruega
Oslo – Noruega
Frankfurt – Alemanha
Cambridge - USA
Atenas – Grécia
Bolonha – Itália
Vicenza – Itália
25.05.1970
24-27.04.1973b
25.05.1973
22.08.1973
24.08.1973
28.08.1973
03-08.12.1973
09.02.1974
10.02.1974a
10.02.1974b
11.02.1974
13.06.1974
05,06,07.10.1977
24.11.1977
27.11.1977
4
6 e 7
3 e 4
6 e 7
6-8
4
7
5 e 6
2
4 e 5
4
4-6
2
1 e 4
3 e 4
Injustiça (ou miséria), fonte de
todas as violências.
Salzburg – Áustria
Atlanta – USA
Bonn – Alemanha
Bonn – Alemanha
Estocolmo – Suécia
Viena – Áustria
20.05.1970
12.08.1970
23.10.1970a
23.10.1970b
11.09.1971
04.07.1975
4
4
4
5
3 e 4
4
Justiça e Liberdade, em termos
de Direitos
Estocolmo – Suécia
Oslo – Noruega
Zurique – Suíça
Ottawa – Canadá
Viena – Áustria
26.05.1973
24.08.1973
09.02.1974
01.02.1975
04.07.1975
3
2
2
10
6
Segurança Nacional e força de
intervenção
Londres – Inglaterra
Winnipeg – Canadá
Bonn – Alemanha
Tucson / Arizona – USA
Houston – USA
Zurique – Suíça
Minneapolis – USA
Leeds – Inglaterra
Londres – Inglaterra
Indiana – USA
Filadélfia – USA
Pensilvânia – USA
Woodlands / Texas – USA
Atenas – Grécia
Bolonha – Itália
13.04.1969
13.01.1970
23.10.1970
24-27.04.1973
03-08.12.1973
09.02.1974
17.10.1975
21.10.1975
22.10.1975
16.05.1976
03.08.1976
23.11.1976
02-04.10.1977
05,06,07.10.1977
24.11.1977
4*
2*
2
1
1, 3 e 4
1 e 3
3 e 4
3
3
4 e 5
6
2
3
2
3
247
Justiça como condição (ou
caminho) para a paz
Berlim – Alemanha
Londres – Inglaterra
Detroit – USA
Winnipeg – Canadá
Montreux – Suíça
Salzburg – Áustria
Lyon – França
Orleans –França
Kyoto – Japão
Bonn – Alemanha
Bonn – Alemanha
Zurique – Suíça
Kansas – USA
Münster – Alemanha
Freiburg – Alemanha
Londres – Inglaterra
Milão - Itália
Tucson / Arizona - USA
Bruxelas – Bélgica
Oslo – Noruega
Oslo – Noruega
Cambridge - USA
Roma – Itália
Toronto – Canadá
Paris – França
Grenoble – França
Lima – Peru
Devenport – USA
Leeds – Inglaterra
Bruxelas – Bélgica
Bruxelas – Bélgica
Indiana – USA
Filadélfia – USA
Filadélfia – USA
Pensilvânia – USA
Quebec – Canadá
Bolonha – Itália
16-25.04.1968
13.04.1969
01.1970
13.01.1970
29.01.1970
20.05.1970
24.05.1970
25.05.1970
20.10.1970
23.10.1970a
23.10.1970b
16.06.1971
15.01.1972
21.06.1972
23.06.1972
24.06.1972
07.11.1972
24-27.04.1973a
19.05.1973
24.08.1973
10.02.1974b
13.06.1974
26.09-26.10.1974
03.02.1975
07.03.1975
08.03.1975
05.09.1975
18.10.1975
21.10.1975
23.10.1975
24.10.1975
16.05.1976
02.08.1976
03.08.1976
23.11.1976
26.02.1977
24.11.1977
1
5
6
6
6
1
2 e 5
4
3 e 4*
7*
4
4
4
1 e 2
6
1
5
4
4 e 6
4 e 7
1
6
2
6
5
5
1
3 e 5
4 e 5
5
5
2
4
6
4
1
5
Lucro / Concorrência
Wurzburg – Alemanha
Caracas – Venezuela
Fordhom – USA
Londres – Inglaterra
Bruxelas – Bélgica
Davos – Suíça
23.05.1971
21-27.11.1971
17.01.1972
24.06.1972
21.05.1973
06.02.1974
3
2
3
4
7
2
248
Política Internacional do
Comércio (promotora de
injustiças, miséria e fome)
Kyoto – Japão
Bonn – Alemanha
Alajuela / Costa Rica
Zurique – Suíça
Caracas – Venezuela
Estocolmo – Suécia
Kansas – USA
Fordhom – USA
Munique – Alemanha
Londres – Inglaterra
Freiburg – Alemanha
Turim – Itália
Tucson / Arizona – USA
Bruxelas – Bélgica
Leiden – Holanda
Uppsala – Suécia
Oslo – Noruega
Washington – USA
Houston – USA
Davos – Suíça
Oslo – Noruega
Frankfurt – Alemanha
Cambridge – USA
Ottawa – Canadá
Toronto – Canadá
Toronto – Canadá
Paris – França
Grenoble – França
Londres – Inglaterra
Bruxelas – Bélgica
Filadélfia – USA
Woodlands / Texas – USA
Florença – Itália
20.10.1970
23.10.1970b
30.05.1971
16.06.1971
24.08.1971
11.09.1971
15.01.1972
17.01.1972
20.06.1972b
24.06.1972
23.06.1972
06.11.1972
24-27.04.1973b
19.05.1973
24.05.1973
25.05.1973
24.08.1973
28.08.1973
03-08.12.1973
06.02.1974
10.02.1974b
11.02.1974
13.06.1974
01.02.1975
03.02.1975
04.02.1975
07.03.1975
08.03.1975
22.10.1975
24.10.1975
02.08.1976
02-04.10.1977
28.11.1977
2 e 3*
1 e 4
5
3 e 4
1, 7 e 8
3
3
2
3
4
4-6
1
1-6
4
4
5
4
3
7
4
4
3
2
4 e 6
4
3 e 4
3 e 4
4 e 5
2
2
2 e 3
3
1
“Prudência” excessiva da Igreja
na defesa da ordem, no respeito
às autoridades e na salvaguarda
da propriedade
Winnipeg – Canadá
Woodlands / Texas – USA
New York – USA
13.01.1970
2-4.10.1977
01.1970
2*
3
8
249
Mais de 2/3 dos homens sub-
humanizados pela miséria e pela
fome
Manchester – Inglaterra
Bruxelas – Bélgica
Uppsala – Suécia
Bonn – Alemanha
Zurique – Suíça
Caracas – Venezuela
Munique – Alemanha
Londres – Inglaterra
Milão – Itália
Tucson / Arizona - USA
Bruxelas – Bélgica
Roma – Itália
Turim – Itália
Ottawa – Canadá
Montreal – Canadá
Toronto – Canadá
Paris – França
Viena – Áustria
Lima – Peru
Lima – Peru
Ohio – USA
Devenport – USA
Leeds – Inglaterra
Londres – Inglaterra
Bruxelas – Bélgica
Bruxelas – Bélgica
Indiana – USA
Filadélfia – USA
Filadélfia – USA
Pensilvânia – USA
Quebec – Canadá
Toronto – Canadá
Washington – USA
Woodlands / Texas – USA
Atenas – Grécia
Bolonha – Itália
Vicenza – Itália
Florença – Itália
08.04.1969
21.05.1970
27.05.1970
23.10.1970
16.06.1971
24.08.1971
20.06.1972a
24.06.1972
07.11.1972
24-27.04.1973b
19.05.1973
26.09-26.10.1974
20.10.1974
01.02.1975
02.02.1975
04.02.1975
07.03.1975
04.07.1975
05.09.1975
06-13.09.1975
10.10.1975
18.10.1975
21.10.1975
22.10.1975
23.10.1975
24.10.1975
16.05.1976
02.08.1976
03.08.1976
23.11.1976
26.02.1977
27.02.1977
01.07.1977
2-4.10.1977
5,6,7.10.1977
24.11.1977
27.11.1977
10.12.1978
2 e 5
3
2 e 4
5 e 7
3
7
1
2
2
3
6
1, 2 e 3
3
4
2, 3 e 4
3
3
4
2
2 e 4
1 – 4
3
2 e 4
4
2 e 4
1, 3 e 4
4-5
2-3
1 e 4
3 e 4
2, 3 e 5
3
2
1 e 3
1
2 e 4
1
4
Não me sinto estrangeiro em
parte nenhuma do mundo
New York – USA
Uppsala - Suécia
01.1970
27.05.1970
6
1
250
Manutenção da ordem social e da
autoridade (isto é, desordem
estabelecida ou injustiça estrati-
ficada, ou institucionalizada)
Londres – Inglaterra
Winnipeg – Canadá
Montreux – Suíça
Wurzburg – Alemanha
Nashville – USA
Caracas – Venezuela
Munique – Alemanha
Münster – Alemanha
Freiburg – Alemanha
Londres – Inglaterra
Florença – Itália
Tucson / Arizona - USA
Tucson – Arizona - USA
Tucson – Arizona - USA
Bruxelas – Bélgica
Roma – Itália
Milão – Itália
Lima – Peru
Lima – Peru
Filadélfia – USA
Quebec – Canadá
Bolonha – Itália
Vicenza – Itália
13.04.1969
13.01.1970
29.01.1970
23.05.1971
27.05.1971
24.08.1971
20.06.1972
21.06.1972
23.06.1972
24.06.1972
05.11.1972
24-27.04.1973a
24-27.04.1973b
24-27.04.1973d
19.05.1973
26.09-16.10.1974
19.06.1974b
05.09.1975
06-13.09.1975
03.08.1976
26.02.1977
24.11.1977
27.11.1977
3
2*
3*
5
2*
3, 6 e 7
4 e 6
1
5 e 6
2
2
2 e 3
2
4
4
1 e 3
4 e 5
1 e 2
2
3 e 5
5
5
3
Minorias Abraâmicas
Salzburg – Áustria
Wurzburg – Alemanha
Nashville – USA
Alajuela – Costa Rica
Friburg – Suíça
Caracas – Venezuela
Kansas – USA
Münster – Alemanha
Münster – Alemanha
Florença – Itália
Cambridge – USA
Grenoble – França
Viena – Áustria
Leeds – Inglaterra
Bruxelas – Bélgica
Indiana – USA
Pensilvânia – USA
20.05.1970
23.05.1971
27.05.1971
30.05.1971
17.07.1971
21-27.11.1971
15.01.1972
21.06.1972
22.06.1972
05.11.1972
13.06.1974
08.03.1975
04.07.1975
21.10.1975
24.10.1975
16.05.1976
23.11.1976
1 e 2
6
5
9 e 10
6
3
5
3
5 e 6
5
1
5
5, 6 e 7
4 e 5
4 e 5
5
4
251
Mudança (ou conversão) das
Estruturas de opressão nos países
pobres e ricos
Liège – Bélgica
Paris – França
Paris – França
Dakar – África
Massachusets – USA
Massachusets – USA
Manchester – Inglaterra
Londres – Inglaterra
Santiago – Chile
Detroit – USA
Canadá – USA e Suíça
Montreux – Suíça
Salzburg – Áustria
Wurzburg – Alemanha
Nashville – USA
Zurique – Suíça
Friburg – Suíça
Fordhom – USA
Münster – Alemanha
Münster – Alemanha
Florença – Itália
Turim – Itália
Tucson – Arizona - USA
Tucson – Arizona – USA
Cambridge – USA
Bruxelas – Bélgica
Chicago – USA
Ottawa – Canadá
Montreal – Canadá
Grenoble – França
Lima – Peru
Bruxelas – Bélgica
Bruxelas – Bélgica
Filadélfia – USA
Filadélfia – USA
Quebec- Canadá
Toronto – Canadá
Washington – USA
Woodlands / Texas – USA
Bolonha – Itália
Vicenza - Itália
19.04.1968
25.04.1968a
25.04.1968b
05-12.12.1968
08.04.1969
27.01.1969
08.04.1969
13.04.1969
18.04.1969
01.1970
01.1970
29.01.1970
20.05.1970
23.05.1971
27.05.1971
16.06.1971
17.07.1971
17.01.1972
21.06.1972
22.06.1972
05.11.1972
06.11.1972
24-27.04.1973a
24-27.04.1973b
13.06.1974
19.05.1973
29.10.1974
01.02.1975
02.02.1975
08.03.1975
05.09.1975
23.10.1975
24.10.1975
02.08.1976
03.08.1976
26.02.1977
27.02.1977
01.07.1977
02-04.10.1977
24.11.1977
27.11.1977
4 e 5
1 e 3
3, 6 e 7*
4 e 5
3 e 5
4
6
3 e 4
2, 3 e 4*
5
4
5*
2 e 4
7
4 e 5
4
4 e 5
1 e 4
1
1
5 e 6
6
3 e 5
2-7
4
4, 6 e 7
9
10
2 e 3
4
3 e 5
3
1, 3 e 4
2
4
5
3
3 e 4
3
4
1
252
Multinacionais aliadas ao colônia-
lismo interno (complexo de forças
e alianças econômico-militar)
Tucson – Arizona - USA
Bruxelas - Bélgica
Bruxelas – Bélgica
Turim – Itália
Chicago – USA
Toronto – Canadá
Paris – França
Grenoble – França
Viena – Áustria
Lima - Peru
Minneapolis – USA
Bruxelas – Bélgica
Bruxelas – Bélgica
Indiana – USA
Filadélfia – USA
Filadélfia – USA
Pensilvânia – USA
Quebec – USA
Toronto – USA
Washington – USA
Atenas – Grécia
Atenas – Grécia
Bolonha – Itália
Vicenza – Itália
Florença – Itália
24-27.04.1973b
19.05.1973
21.05.1973
20.10.1974
29.10.1974
03.02.1975b
07.03.1975
08.03.1975
04.07.1975
06-13.09.1975
17.10.1975
23.10.1975
24.10.1975
16.05.1976
02.08.1976
03.08.1976
23.11.1976
26.02.1977
27.02.1977
01.07.1977
05,06,07.10.1977a
05,06,07.10.1977b
24.11.1977
27.11.1977
28.11.1977
7
4, 5 e 6
1 – 7
4
8
2 e 3
3 e 4
5 e 6
3 e 4
5
2
2
2
4
3
6
2, 4 e 5
2-5
2 e 3
3
2
1
3
3
3 e 4
Nações Capitalistas e Socialistas
dividem o mundo em zonas de
influência
Bruxelas – Bélgica
Milão – Itália
Ottawa – Canadá
Filadélfia – USA
21.05.1970
07.11.1972
01.02.1975
02.08.1976
2
4
5
3
Não me sinto estrangeiro em
parte nenhuma do mundo
New York – USA
Uppsala - Suécia
01.1970
27.05.1970
6
1
Nova Ordem Econômica
Mundial
Toronto – Canadá
Atenas – Grécia
Bolonha – Itália
27.02.1977
05,06,07.10.1977
24.11.1977
1 e 3
2
2
253
Questão ambiental: pior das
poluições é a miséria
Bruxelas – Bélgica
Leiden – Holanda
Estocolmo – Suécia
Bruxelas – Bélgica
Viena – Áustria
19.05.1973
24.05.973
26.05.1973
24.10.1975
04.07.1975
6
5
6 e 7
2
4
Secularização (desafio ao celibato
e crise da sacramentalização e do
clericalismo)
Tucson / Arizona - USA
Tucson / Arizona - USA
Bruxelas - Bélgica
24-27.04.1973c
24-27.04.1973d
19.05.1973
2
1-5
2
Sem a participação dos oprimidos
não haverá libertação, em termos
de desenvolvimento integral
Tucson / Arizona - USA
Montreal – Canadá
24-27.04.1973b
02.02.1975
7
2
Sub /Desenvolvimento como
questão racial ou demográfica
Montreux – Suíça
Salzburg – Áustria
Uppsala – Suécia
Atlanta – USA
Bonn – Alemanha
Bonn – Alemanha
Fordhom – USA
Munique – Alemanha
Tucson / Arizona - USA
Leiden – Holanda
Rauland – Noruega
Davos – Suíça
Oslo – Noruega
Cambridge – USA
Toronto – Canadá
Paris – França
Grenoble – França
Londres – Inglaterra
Bruxelas – Bélgica
Filadélfia – USA
Toronto – Canadá
29.01.1970
20.05.1970
27.05.1970
12.08.1970
23.10.1970a
23.10.1970b
17.01.1972
20.06.1972
24-27.04.1973b
24.05.1973
22.08.1973
06.02.1974
10.02.1974b
13.06.1974
04.02.1975
07.03.1975
08.03.1975
22.10.1975
24.10.1975
02.08.1976
27.02.1977
4*
2*
3
3
2 e 3*
4
1*
3
4
2
4
2 e 4
2
6
3
4
4
2
2
2
2
Superpotências por detrás das
guerras entre povos e pequenos
estados
Davos – Suíça
Frankfurt – Alemanha
Minneapolis – USA
Leeds – Inglaterra
06.02.1974
11.02.1974
17.10.1975
21.10.1975
5
3
4
3
254
Teologia da Libertação
(grande esperança da Igreja)
Tucson / Arizona – USA
Leiden – Holanda
Bruxelas – Bélgica
Roma – Itália
Toronto – Canadá
Filadélfia – USA
Quebec – Canadá
24-27.04.1973a
24.05.1973
19.05.1973
26.09-26.10.1974
04.02.1975
03.08.1976
26.02.1977
2 e 6
5
3, 4 e 6
5
1
5
5
Totalitarismo (dos sistemas
capitalistas ou socialistas) é o
inimigo da liberdade
Indiana – USA
Bolonha – Itália
16.05.1976
24.11.1977
2-5
4
Temor do Socialismo
(mobilização anti-comunista)
Munique – Alemanha
Freiburg – Alemanha
Grenoble – França
Lima – Peru
Leeds – Inglaterra
20.06.1972
23.06.1972
08.03.1975
06-13.09.1975
21.10.1975
4
4
4
4
2
Trabalhar pela Justiça é
trabalhar pela paz
Lima – Peru
Minneapolis – USA
05.09.1975
17.10.1975
5
1
Trusts: aliam aos poderes político,
econômico, tecnológico e militar
New York – USA
Winnipeg – Canadá
Wurzburg – Alemanha
Alajuela / S. José – Costa
Rica
Zurique – Suíça
Estocolmo – Suécia
Caracas – Venezuela
Kansas – USA
Munique – Alemanha
Freiburg – Alemanha
Florença – Itália
Bruxelas – Bélgica
Davos – Suíça
01.1970
13.01.1970
23.05.1971
30.05.1971
16.06.1971
11.09.1971
21-27.11.1971
15.01.1972
20.06.1972
23.06.1972
05.11.1972
21.05.1973
06.02.1974
3 e 4
4*
4 e 5*
2
2 e 3
3
2
5
4
1
2
2
2
255
Violência armada não parece
solução. Apelar para as armas é
esquecer que, do lado dos
opressores, estão os fabricantes de
armas e de guerras.
Montreux – Suíça
Salzburg – Áustria
Fordhom – USA
Bruxelas – Bélgica
Washington – USA
Davos – Suíça
Ottawa – Canadá
Leeds – Inglaterra
Bruxelas – Bélgica
Toronto – Canadá
Vicenza – Itália
29.01.1970
20.05.1970
17.01.1972
19.05.1973
28.08.1973
06.02.1974
01.02.1975
21.10.1975
24.10.1975
27.02.1977
27.11.1977
6*
4 e 5
4
6
4
6
9
3
3 e 4
3
2