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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais ATIVIDADE POLÍTICA DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL: AS DEMANDAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA TRANSNACIONALIZADAS POR DOM HELDER CAMARA (1968-1978) Adenilson Ferreira de Souza Belo Horizonte 2010

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais

ATIVIDADE POLÍTICA DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL:

AS DEMANDAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA

TRANSNACIONALIZADAS POR DOM HELDER CAMARA (1968-1978)

Adenilson Ferreira de Souza

Belo Horizonte

2010

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Adenilson Ferreira de Souza

ATIVIDADE POLÍTICA DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL:

AS DEMANDAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA

TRANSNACIONALIZADAS POR DOM HELDER CAMARA (1968-1978)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do grau de

Mestre em Relações Internacionais.

Orientador: Otávio Soares Dulci

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Belo Horizonte

2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Atividade Política da Igreja Católica no Brasil: As Demandas da Sociedade Brasileira

Transnacionalizadas por dom Helder Camara (1968-1978)

Adenilson Ferreira de Souza

Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designada pelo Colegiado do

Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em

Relações Internacionais.

Aprovada em 22 de fevereiro de 2010

Por:

__________________________________________

Prof. Dr. Otávio Soares Dulci (Orientador, PUC-Minas)

__________________________________________

Prof. Dr. João Batista Libanio (FAJE)

__________________________________________

Profª. Dra. Maria Elizabeth Marques (PUC-Minas)

Belo Horizonte

2010

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Aos meus antepassados, e também aos meus pais,

Ailton e Maria Aparecida. Aos meus amigos/as

Paulo Sérgio, Toinho, Gerson, Solange e Elizabeth.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, a inspiração fundamental, a força incessante, a confiança frente os

desafios, a serenidade ante as adversidades; a vida, e tudo o que nela transcorreu. E a todos

aqueles que fizeram (ou fazem) da minha vida o que ela realmente é: eterna gratidão.

Agradeço aos meus pais, Aparecida e Ailton, pela vida e por entregar-me o mundo

em possibilidades. A todos os meus irmãos (José Gomes, Joelson e Ademir) e irmãs (Ângela e

Joelma) pela demonstração de confiança. Aos meus sobrinhos (Cleyton, Maria Eduarda,

Rômulo, Joyce e Carlos Eduardo) pela compreensão de minha ausência no melhor momento

de suas vidas.

Agradeço as amigas Claudivânia, Cinthia, Gleicy, Luciana (Lu), Simone, pelas

inúmeras palavras de encorajamento e pelas verdadeiras intimações a participar de suas vidas.

Agradeço a dom José Maria Pires (dom Pelé) pela longa entrevista, durante a qual

manifestou amor apaixonado pelos seus colegas da CNBB e pelas lutas, por vezes tensas, em

nome dos mais pobres.

Agradeço a João Batista Libanio, profícuo teólogo jesuíta, por sua amizade,

disponibilidade, e por nos permitir, embora agenda estivesse sempre cheia, inúmeras ocasiões

de partilha de vida e de conhecimentos.

Agradeço a Manoel José de Godoy e Cleto Caliman pela gentileza das entrevistas,

concedidas em clima da maior cordialidade.

Agradeço a Maria Helena Ferreira e Lucy Pina Neta, do Centro de Documentação

Dom Helder Camara (CEDOHC- Recife), do Instituto Dom Helder Camara (IDHEC), toda

colaboração em termos de acesso aos “Discursos” de Helder Pessoa Camara.

Agradeço a Aline Bispo Ferreira e Welther Lustosa Fontoura, da Biblioteca da FAJE,

e Roziane do Araújo Michielini, da Biblioteca da PUC-Minas, pela solidariedade,

disponibilidade e colaboração; materializados em gestos de gentileza e de serviços.

Agradeço a Ricardo Grisi Velôso, do Arquivo Eclesiástico da Paraíba, João Pessoa,

que não mediu esforço para a localização de documentos referentes a dom José Maria Pires e

dom Helder Camara, e demais bispos a estes correlacionados.

Agradeço ao Gerson Carvalho e a Solange Ribeiro pela eterna amizade e pelo

exercício contínuo da compreensão, que se traduziram em amplo suporte humano, durante

esses dois anos.

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Agradeço a Germano Cord Neto pela participação, embora pontual, muito efetiva, a

ponto de tornar factível toda essa empreitada.

Agradeço a João Ademar Specht pela amizade. Aqui, estendo o agradecimento a toda

sua equipe pelo provimento de seis (6) meses em bolsa de estudos.

Agradeço, de modo mui particular, ao Programa de Apoio para o Desenvolvimento

de Lideranças Católicas (PROLIC), pela bolsa, que, em última instância, representou

condição sine quo non para o desenvolvimento e a produção da dissertação.

Agradeço a todos os Funcionários da PUC Minas, em nome de Paula Mayrink,

Secretária do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. Em nome dos

Professores, agradeço ao Professor Otávio Soares Dulci, por sua orientação sempre serena,

sábia, confiante, enriquecedora; por todas as informações compartilhadas; por me permitir

desfrutar de sua competência e generosidade e, por fim, por acolher gentilmente todos os

meus esforços.

Resta agradecer ainda aos colegas de mestrado que ousaram empreender essa aventura

de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais

humano - empreitada de dúvidas e medos, angústia e realização, desejos e perspectivas,

sorrisos e lamentos, sustentados pelo apoio mútuo.

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O que mais me preocupa não é nem o grito dos violentos, dos

corruptos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética. O que

mais me preocupa é o silêncio dos bons.

Martin Luther King

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RESUMO

Nosso trabalho consiste em analisar a atividade política da Igreja Católica no Brasil,

particularmente, as demandas da sociedade brasileira transnacionalizadas por dom Helder

Pessoa Camara, através de seus pronunciamentos no exterior, durante a vigência do Ato

Institucional nº5 (1968 a 1978). A Guerra Fria e a Revolução Cubana, com os seus respectivos

desdobramentos, constituem-se em grandes eventos - da política Internacional e da política

regional, respectivamente - a partir dos quais os Governos militares elaboraram conceitos

fundamentais para a política doméstica, tais como: a ideologia da segurança nacional, o

inimigo interno (e externo) e a ameaça comunista. Análise da sociedade brasileira entre os

anos de 1950 e 1964 esclarece o contexto de crise dos Governos com tendências populistas

[que atinge o ápice no governo de João Goulart] e, por conseguinte, aponta as condições

favoráveis ao golpe civil-militar em abril de 1964. O golpe encerra a curta experiência

democrática no país. Nesse contexto, a Igreja Católica no Brasil é impelida a mobilizar-se, por

vezes, em defesa do “subversivo”. Análise da natureza transnacional da Igreja evidencia os

atributos [organização, estrutura, estratégias e autonomia] que possibilitam à Instituição atuar

nas esferas de política doméstica e internacional. Enquanto as diretrizes de política externa

dos Governos militares visavam o crescimento econômico, a Ideologia da Segurança Nacional

impunha à sociedade brasileira restrição de toda ordem. O símbolo de maior expressão desse

estreitamento da arena política doméstica é o AI-5, que, sob o pretexto de combater o avanço

do comunismo no país, promoveu a inserção das demandas da sociedade brasileira na arena

de política internacional, por meios dos pronunciamentos de dom Helder no exterior.

Palavras-chave: Política Internacional, Política Regional, Integração Regional, Segurança

Nacional, Igreja Católica, Governos Militares, AI-5, Demandas Transnacionalizadas, Dom

Helder Pessoa Camara.

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ABSTRACT

The present work consists in analyzing the political activity of the Catholic Church in

Brazil, mainly the demands of the Brazilian society echoed by Dom Elder Camara‟s

international pronouncements, during the Institutional Act n°5 period. Both the Cold War and

the Cuban Revolution, with their respective developments, constitute important events in

terms of regional and international politics that were used by the military governments to

elaborate fundamental concepts of domestic politics such as: national security, internal or

foreign enemy and the communist threat. The analysis of the Brazilian society between 1950

and 1964 highlights the crisis context of populist governments (that reached its apex with

João Goulart), and consequently points out the favorable conditions for the civil/military coup

of April 1964. The coup ended the country‟s short-lived democratic experience. It was in this

context that the Catholic Church in Brazil was impelled to mobilize itself, often to take the

defense of the “subversive”. An analysis of the transnational nature of the Church points out

the attributes that enabled the Institution to act in both the domestic and international spheres

[organization, structure, strategies and autonomy]. While the military governments‟ external

policies aimed at economic development, the ideology of National Safety imposed all kinds of

restrictions upon the Brazilian society. The major symbol of this political narrowing was the

AI-5 that, under the false pretence of fighting the advance of communism in the country,

promoted the demands of the Brazilian society in the international political arena, through

Dom Elder‟s pronouncements abroad.

Key-words: International Politics, Regional Politics, Regional Integration, National Safety,

the Catholic Church, Military Governments, AI-5, Transnational demands, Dom Helder

Pessoa Camara.

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LISTA DE SIGLAS

AC - Ação Católica

ACB - Ação Católica Brasileira

ACO - Ação Católica Operária

ACR - Animação Cristã no Meio Rural

AEC - Associação de Escolas Católicas

AI-5 - Ato Institucional nº 5.

AL - América Latina

ALN - Aliança Libertadora Nacional

AP - Ação Popular

ASIs - Assessorias de Segurança e Informação

BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

CAL - Pontifícia Comissão para a América Latina

CBA - Comitê Brasileiro pela Anistia

CCC - Comando de Caça aos Comunistas

CEBs - Comunidades Eclesiais de Base

CEPLAR - Centro de Planejamento Rural (Paraíba)

CELAM - Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribe

CENIMAR - Centro de Informações da Marinha

CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e Caribe

CIDA - Comitê Interamericano de Desenvolvimento Agrícola

CIEX - Centro de Informações do Exército

CISA - Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica

CODEARA - Companhia de Desenvolvimento do Araguaia

CODI - Centro de Operações de Defesa Interna

CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.

CPOR - Centro de Preparação de Oficiais da Reserva

CPT - Comissão Pastoral da Terra

CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

DSIs - Divisões de Segurança e Informação

DOI - Destacamento de Operações e Informações

DSI - Doutrina Social da Igreja

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DSN - Doutrina da Segurança Nacional

FAG - Federação dos Agricultores (do Rio Grande do Sul ou de Goiás)

FAP- Federação dos Agricultores Paulistas

FMI - Fundo Monetário Internacional

FUNAI - Fundação Nacional de Assistência ao Índio .

GS - Gaudium et Spes

GETAT - Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins

JAC - Juventude Agrária Católica

JEC - Juventude Estudantil Católica

JIC - Juventude Independente Católica

JOC - Juventude Operária Católica

JUC - Juventude Universitária Católica

MEB - Movimento de Educação de Base

MM - Mater et Magistra

OAB - Ordem dos Advogados do Brasil

ONU - Organização das Nações Unidas

OPA - Operação Pan-Americana

OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo

PC do B - Partido Comunista do Brasil

PEB - Política Externa Brasileira

PP - Populorum Progressio

SAR - Serviço de Assistência Rural

SFICI - Serviço Federal de Informações e Contra-Informação

SIPRI - Stockholm International Peace Research Institute

SORPE - Serviço de Orientação Rural de Pernambuco

SNI - Sistema Nacional de Informação

TdL - Teologia da Libertação

UDN - União Democrática Nacional

UNCTAD - Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.

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LISTA DE ENTREVISTAS

1. Dom José Maria Pires (dom Pelé)

Arcebispo Emérito de João Pessoa, Paraíba. Entrevista realizada no dia 17 de novembro de

2008, no Bairro Itapuã, Belo Horizonte.

2. Prof. Dr. João Batista Libanio

Professor do Programa de Pós-Graduação da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia

(FAJE). Entrevista realizada no dia 12 de março de 2009, no Bairro Planalto, Belo Horizonte.

3. Prof. Dr. Manoel José de Godoy

Diretor do Instituto Santo Tomás de Aquino, Bairro Coração Eucarístico, Belo Horizonte.

Entrevista realizada no dia 10 de dezembro de 2009.

4. Prof. Dr. Cleto Caliman

Coordenador do Curso de Teologia do Instituto Dom João Resende Costa, Bairro Coração

Eucarístico, Belo Horizonte. Entrevista realizada no dia 14 de dezembro de 2009.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................16

1. A ARENA POLÍTICA INTERNACIONAL NO PÓS-II GUERRA ..............................26

1.1 O PÓS-II GUERRA: BIPOLARIDADE E CRISE DO COLONIALISMO .....................26

1.2 O EMBATE ENTRE AS SUPERPOTÊNCIAS: A GUERRA FRIA .................................28

1.3 A REVOLUÇÃO CUBANA E A ESTABILIDADE DO CONTINENTE ........................32

1.4 AS DIRETRIZES DA PEB DOS GOVERNOS MILITARES (1964-78)..........................38

2. O CONTEXTO SÓCIO-ECONÔMICO-POLÍTICO-RELIGIOSO NO BRASIL......47

2.1 A MUDANÇA DE ESTRUTURAS SÓCIO-ECONÔMICAS NO BRASIL.....................47

2.2 OS ANTECEDENTES POLÍTICOS DO GOLPE DE 1964 E A HISTÓRICA RELAÇÃO

IGREJA-ESTADO NO BRASIL .......................................................................................51

2.2.1 Os Antecedentes Políticos do Golpe Militar .....................................................51

2.2.2 A Histórica Relação entre Igreja-Estado no Brasil ...........................................55

2.3 A FUNDAÇÃO DA CNBB, DA ACB E DA AP.................................................................60

2.3.1 A Fundação da CNBB e a sua Relação com a ACB.........................................60

2.3.2 A ACB: o Deslocamento da Igreja em Direção à Esquerda Política..................65

2.3.3 A Esquerda Católica: o Movimento de Ação Popular........................................70

2. 4 AS ESTRATÉGIAS PARA A MUDANÇA SOCIAL DA IGREJA...................................74

2.4.1 O Engajamento Formal na Educação.................................................................74

2.4.2 O MEB: Fundação e Relevância Sócio-Política ...............................................76

2.4.3 O Sindicalismo Rural e a Organização Operária ..............................................81

2.4.4 Francisco Julião e as Ligas Camponesas ..........................................................86

2.4.5 A Expressão Social da Igreja ............................................................................90

3. A NATUREZA TRANSNACIONACAL DA IGREJA: INSTÂNCIAS

INTERNACIONAL E REGIONAL, E DESDOBRAMENTOS.........................................94

3.1 A NATUREZA TRANSNACIONAL DA IGREJA............................................................94

3.2 AS INSTÂNCIAS TRANSNACIONAIS DA IGREJA......................................................98

3.2.1 Internacional: os Concílios................................................................................98

3.2.2 Regional: o CELAM .........................................................................................99

3.2.3 Regional: as Conferências Gerais do Episcopado Latinoamericano...............101

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3.3 ATUAÇÃO DA IGREJA NO DESENVOLVIMENTO E NA INTEGRAÇÃO DA

AMÉRICA LATINA ..............................................................................................................104

3.3.1 Atuação da Igreja no Desenvolvimento da América Latina.............................104

3.3.2 Atuação da Igreja na Integração da América Latina........................................106

3.3.3 Atuação da Igreja na América Latina pós-Medellín........................................108

3.3.4 Crítica da Igreja à Teoria da Interdependência ...............................................112

3.4 O SURGIMENTO DE UMA CONSCIÊNCIA DA LIBERTAÇÃO E DE UMA

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO............................................................................................121

3.4.1 Do Conceito de Libertação à Consciência da Liberdade.................................121

3.4.2 Teologia da Libertação: Fazer Teologia na (e para) Nova Igreja.....................123

3.4.3 Desdobramento: CEBs, Igreja Popular e Inclusiva..........................................125

4. A REDUÇÃO DO ESPAÇO POLÍTICO DOMÉSTICO PELO AI-5 E SUAS

CONSEQUÊNCIAS..............................................................................................................128

4.1 O APARATO REPRESSIVO DE APORTE AO AI-5.......................................................128

4.1.1 O SNI, Suas Divisões e Assessorias................................................................128

4.1.2 O Poder Executivo em Ação: as Cassações de Mandatos e a Criminalização da

Política.........................................................................................................132

4.2 A OPOSIÇÃO DA IGREJA AO “REGIME DA LIBERTINAGEM”..............................133

4.2.1 A Formulação do Conceito de “Regime da Libertinagem”.............................133

4.2.2 “A Igreja sai da Sacristia”................................................................................136

4.2.3 Segurança Nacional e Reforma Agrária...........................................................141

4.3 A PERSEGUIÇÃO VIOLENTA À IGREJA....................................................................144

4.3.1 A Perseguição a dom Helder Camara e a seus Colaboradores.........................144

4.3.2 A Perseguição a dom Pedro Casaldáliga e a seus Colaboradores....................147

4.3.3 A Perseguição a dom Adriano Hipólito e a dom Valdir Calheiros...................149

4.3.4 A Perseguição aos Dominicanos e outros Casos..............................................151

4.3.5 A Igreja que se opõe à Igreja............................................................................154

4.4 GUSTAVO CORÇÃO E ALCEU AMOROSO LIMA: UM DUELO À PARTE.............157

4.5 AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL.........................................160

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5. A TRANSNACIONALIZAÇÃO DAS DEMANDAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA

POR MEIO DOS PRONUNCIAMENTOS DE DOM HELDER CAMARA NO

EXTERIOR ..........................................................................................................................166

5.1 A NECESSIDADE DE REFORMAS ESTRUTURAIS...................................................166

5.2 O COMBATE AO COLONIALISMO INTERNO E EXTERNO....................................172

5.3 A INTEGRAÇÃO REGIONAL E O DESENVOLVIMENTO........................................177

5.3.1 A Integração Regional......................................................................................177

5.3.2 O Desenvolvimento Latinoamericano ............................................................179

5.4 ORDEM SOCIAL OU DESORDEM ESTABELECIDA.................................................183

5.5 PROMOÇAO DA JUSTIÇA COMO CONDIÇÃO PARA A PAZ...................................190

5.6 COMBATE À MISÉRIA E À POBREZA........................................................................194

5.7 A “VIOLÊNCIA DOS PACÍFICOS”................................................................................197

5.8 OS DIREITOS HUMANOS E A DEMOCRACIA..........................................................204

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................209

REFERÊNCIAS....................................................................................................................216

7. ANEXO A: ........................................................................................................................238

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INTRODUÇÃO

Nossa pesquisa consiste em analisar a atividade política da Igreja Católica no Brasil,

particularmente, as demandas da sociedade brasileira transnacionalizadas por dom Helder

Pessoa Camara, através de seus pronunciamentos no exterior, durante a vigência do Ato

Institucional nº5 (doravante AI-5), precisamente entre os anos de 1968 e 1978.

No início da década de 1960, a sociedade brasileira enfrenta transição política de

governos populistas para regime militar. O golpe desferido contra o governo constitucional de

João Goulart, em 1964, não representa evento inédito na história política do país. O elemento

novo emerge do conflito entre Igreja-Estado, instituições historicamente caracterizadas por

relação de cooperação. O poder de Estado, em termos de força repressiva, suplanta o processo

em curso de maior participação da sociedade brasileira no governo.

O símbolo de maior expressão desse estreitamento da arena política doméstica é o

AI-5. A promulgação do AI-5 impõe à sociedade brasileira restrições de toda ordem. Em

resposta a essa estratégia político-governamental, alguns movimentos, organizações e

instituições, tais como: movimentos estudantis, OAB e a Igreja, respectivamente, organizam-

se como núcleo duro de crescente oposição ao governo, e resistem à força do regime.

Análise da sociedade brasileira para os anos de 1950, 60 e 70 revela diversas

demandas da mesma para a política doméstica, tais como: reforma agrária, saúde pública,

habitação, educação, urbanização, transporte público, segurança, entre outras. Uma das

principais demandas transnacionalizadas pelos Governos militares, mediante a elaboração e a

implementação de política externa brasileira, traduz-se no desenvolvimento (econômico)

como pressuposto fundamental à segurança nacional, regional e internacional. A Igreja, no

entanto, insere em sua agenda de política internacional desenvolvimento (humano) como

pressuposto da justiça social nacional e mundial.

Os grandes eventos da política internacional e regional, respectivamente, Guerra Fria

(evento estendido no tempo) e Revolução Cubana (evento pontual), com os seus

desdobramentos, consideram-se pressupostos que perpassam toda a nossa análise. A

relevância desses eventos no marco de nossa pesquisa justifica-se pela capacidade de gerar

conceitos que se tornaram fundamentais na política doméstica [tais como: a ideologia da

segurança nacional, o inimigo interno (e externo), a ameaça comunista; o subversivo] durante

as décadas de 1960, de 1970 e mesmo na década de 1980.

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A abordagem teórica da temática, em perspectiva histórico-analítica, requer: analisar

a arena internacional do pós-II Guerra Mundial (Cap. 1); analisar o contexto sócio-

econômico-político-religioso no Brasil de 1950-1964 (Cap. 2); analisar a natureza

transnacional da Igreja e as contribuições de suas organizações regional e internacional (Cap.

3); analisar possível estreitamente do espaço político doméstico promovido pelo AI-5, entre

os anos de 1968-1978 (Cap. 4) e, por fim, analisar as demandas da sociedade brasileira

transnacionalizadas por meio dos pronunciamentos de dom Helder no exterior (Cap. 5).

A opção por não desenvolver a temática em perspectiva cronológica resguarda certo

inconveniente. O leitor pode se confundir na falta de uma sucessão histórica. Contudo, há

nessa escolha o benefício de uma exposição dinâmica que prioriza a relevância dos conteúdos

selecionados.

As hipóteses aduzidas para o desenvolvimento da pesquisa postulam que o AI-5

produz tensões entre as instituições (Igreja e Governo militar) e limita fortemente a atividade

política da Igreja Católica no Brasil. Como consequência, o estreitamente da arena política

doméstica pelo AI-5 teria resultado em maior inserção política da Igreja no cenário

internacional via pronunciamentos de dom Helder Camara. As declarações de dom Helder, no

exterior, teriam produzidos, segundo o próprio Costa e Silva, a necessidade de mobilização

dos governos militares no esforço de preservar boa imagem do país.

Análise coerente da temática que aqui se pretende desenvolver, se nos impõe, em

caráter imediato, a necessidade de apresentar alguns esclarecimentos prévios acerca de

determinados conceitos, expressões, princípios metodológicos, perspectiva de análise, que, se

não bem delimitados, podem eventualmente permitir ambigüidades, ou permitir

extrapolações. Além disso, esforço maior se depreenderá no intuito de evitar, o que não

significa omitir, fazer menção a certos temas que, por ventura, possam ser apenas abordados

tangencialmente, em virtude da natureza e do enquadramento desse trabalho.

A Igreja, cuja atividade constitui-se objeto de nossa análise, é a Igreja

tradicionalmente reconhecida como “Igreja Católica”. Quanto aos Governos militares,

especial atenção volta-se para os que assumem o Executivo durante o período do AI-5, isto é,

Costa e Silva, Emilio G. Médici, Ernesto Geisel. Exceção será concedida ao Governo de

Castelo Branco, quando da análise da Política Externa Brasileira (PEB), visto que seu

governo caracteriza-se pela ruptura (com governo democrático) e transição (para governo

autoritário). Além disso, a Igreja e os Governos militares serão analisados enquanto grupos de

interesses em interação na arena política doméstica, com eventual transbordamento de suas

ações no exterior.

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O termo Igreja (do lat. Ecclesia) é polissêmico. Ele não será tomado aqui em sentido

eclesiológico (“Povo”), antropológico (“Corpo”) ou teológico (“Templo”), mas em

perspectiva do estudo das Organizações Internacionais no campo de Relações Internacionais.

Análise da atividade política da Igreja no Brasil, com eventual incursão também na América

Latina (nossa opção pela expressão América Latina se justifica basicamente pelo interesse em

se manter a uniformidade dos termos ao longo do texto, pois os autores de nossa bibliografia

usam exclusivamente essa expressão, quando o mais indicado, por razões políticas, seria

usarmos o termo América do Sul), situa nossa pesquisa no campo do estudo das

Organizações. Análise das demandas da sociedade brasileira transnacionalizadas por dom

Helder, por meio de seus pronunciamentos no exterior, durante a vigência do AI-5, constitui-

se em elemento responsável pelo enquadramento de nossa pesquisa na área de Relações

Internacionais.

A atividade da Igreja caracteriza-se pela diversidade no tempo e no espaço, definidas,

em geral, pelas circunstâncias históricas e culturais. As categorias tempo-espaço, em si

mesmas, prestam para dizer da dupla dimensão (nacional e internacional) da identidade da

Igreja. Embora origem organizacional da Instituição deva ser remetida às pequenas vilas da

Judeia, a vasta literatura produzida por antropólogos, historiadores, historiadores-teólogos,

cientistas das Religiões, pesquisadores em geral, ajuda a acompanhar seu processo de

expansão. A internacionalização da Igreja afirma-se como fato histórico desde o IVº século.

Após esclarecimento quanto à dimensão transnacional da Igreja, enquanto

organização internacional, convém situar dom Helder no escopo da pesquisa. Dom Helder é,

indiscutivelmente, a figura mais emblemática da Igreja no contexto das perseguições do

regime militar brasileiro. Entretanto, não temos aqui qualquer interesse em “canonizar” dom

Helder, nem deixar que ele se torne superior à nossa análise. A história pessoal ou eclesiástica

de dom Helder não se constitui objeto de nossa pesquisa; e quando da análise das demandas

da sociedade brasileira transnacionalizadas por meio dos seus pronunciamentos no exterior,

seus escritos serão tomados apenas como fonte documental. Além disso, nos convém fazer

ainda o seguinte alerta: os escritos de dom Helder não serão tomados como objeto de “Análise

do Discurso”, abordagem que demandaria outra análise, e outra pretensão de pesquisa.

As demandas da sociedade brasileira, durante a vigência do AI-5, transpõem as

fronteiras do país, particularmente, mediante os “pronunciamentos” de dom Helder Camara

no exterior. Por demandas transnacionalizadas, entendemos as questões que se constituem

desafios cruciais à sociedade brasileira, expostas em arena política internacional. Por

transnacionalização de demandas, entendemos o processo de transposição de fronteiras das

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questões próprias da agenda política doméstica. Nossa opção pelo termo “pronunciamentos”,

e não “discursos”, evidencia o caráter mais abrangente e inclusivo do termo pronunciamentos

para dizer dos escritos e das “comunicações” de dom Helder na arena política internacional.

As demandas da Igreja (em âmbito nacional e internacional) e do Estado brasileiro

(este sob a gestão de governos militares), não encontrarão aqui o espaço da devida análise,

mas, teremos o cuidado de fazer o devido registro. As demandas, foco de nossa análise, são as

representativas da sociedade brasileira, entre os anos de 1968 e 1978. A inserção dessas

demandas no exterior, por representantes dos dois grupos de interesses [Igreja e Governo],

desenvolve-se sob profunda tensão política e, por vezes, mediante estratégias cujo resultado

se verifica por meio de constrangimentos mútuos.

Além das delimitações já apresentadas, faz-se necessário apresentar as variáveis

[Governo, Representação Política, (Des) Ordem Social, Inside / Outside, Soberania,

Segurança, Inimigo Interno e Externo] mais recorrentes em nossa exposição.

Que realidade deve considerar-se abrangida por tais variáveis depende da pluralidade

de perspectivas experimentadas, pois, cada uma destas pode oferecer caráter a corrente de

pensamento e determinar métodos específicos de análise. Por essa razão, lançar-se-á mão de

perspectiva interdisciplinar, no esforço de interrelacionar análise histórica, sociológica, de

Ciência Política e de Relações Internacionais, para o devido aprofundamento dos conceitos

que se nos apresentam como essenciais.

A variável Governo é fundamental em nossa análise. Classicamente, de Aristóteles a

Hegel, não parece encontrar-se diferença rigidamente estabelecida entre Estado e Governo.

Quando muito parecem designar partes inseparáveis de um todo sócio-político. Na análise dos

contratualistas, como Locke e Rousseau, o Governo é meio que assegura a realização das

finalidades do corpo político. Por vezes, o Estado aparece referido nas relações internacionais

como a totalidade da comunidade soberana, e nas relações domésticas como o governo

soberano em relação com os indivíduos, sentido que asseguraremos ao vocábulo na pesquisa.

Entende-se a expressão representação política, no entanto, como sendo “a

possibilidade de controlar o poder político, atribuída a quem não pode exercer pessoalmente o

poder”. Stuart Mill conceituou governo representativo como aquele que “o povo inteiro, ou

pelo menos parte dele, exercite, por intermédio de deputados periodicamente eleitos por ele,

o poder do controle supremo, que deve existir em algum lugar em todas as constituições. O

povo deve ser amo e senhor, sempre que quiser, de todas as atividades do governo” (MILL,

1981, p. 47).

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No que diz respeito à ordem social e política, o pressuposto de Bull é o de que “um

estudo da ordem política mundial deve começar por análise da ordem na vida social, de modo

geral, para em seguida considerar o que ela significa no sistema de estados e na política

mundial”. Por isso, “a ordem que se procura na vida social não é qualquer ordem ou

regularidade nas relações entre indivíduos ou grupos, mas tem a ver com a conformidade da

conduta com as leis científicas, dentro da sociedade” (BULL, 2002, p. 7-8).

A permanente condição dos Estados na defesa de seus próprios interesses na esfera

internacional cria ambiente anárquico na política internacional. A anarquia é fator

predominante na sociedade internacional. Isso não constitui, em hipótese alguma, em

desordem. O que se entende por anarquia não é propriamente o caos, mas sim a ausência de

autoridade suprema e legítima que possa ditar as regras, interpretá-las, implementá-las e punir

quem não as obedece. Em artigo intitulado Cooperation Under the Security Dilemma, Robert

Jervis, afirma que o realismo tem de lidar com um desafio central, qual seja: “que apesar da

inegável existência da anarquia internacional, existe cooperação nas relações internacionais,

inclusive e principalmente na área de segurança” (JERVIS, 1978, p. 208).

As dicotomias ordem / desordem ou antinomias como liberdade / igualdade, entre

outras, encontram lugar central na representação do pensamento político moderno. Não

obstante, Rob Walker (1993) apresenta o conceito de internacional como algo historicamente

construído a partir da metáfora inside / outside. O foco de análise de Walker se volta para a

separação entre as duas esferas da política – a nacional e a internacional – como traço

constitutivo do pensamento político moderno. Isto é, há elementos característicos da política

doméstica que também se encontram na política internacional e vice-versa.

A filosofia política de Michael Foucault inspirou autores como Richard K. Ashley

(1986) e Rob Walker (1993) a problematizar a relação entre o saber teórico das Relações

Internacionais e o exercício do poder por certo tipo de sujeito, julgado competente e racional:

o Estado. As teorias convencionais (realista e neorealista) articulam, discursivamente, as

estratégias de operação do poder nas relações internacionais. Ao criticarem teorias

convencionais, os dois autores avaliam as teorias de Relações Internacionais como discursos

de poder ou modos de interpretação sem os quais o poder não pode ser exercido, e não como

representações de mundo real.

A proposta de Ashley (1988) é desconstruir o discurso tradicional das Relações

Internacionais, tendo como alvo principal o Estado soberano, o sujeito principal do discurso

da anarquia. O objetivo do autor é questionar as dicotomias nas quais as teorias dominantes se

baseiam para construir sua representação da política mundial, por exemplo, ordem/desordem;

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guerra/paz; amigo/inimigo, etc. Essas dicotomias contrapõem pólos opostos cujo sentido só

pode ser interpretado quando ambos estão justapostos. Ao desconstruir esse discurso, Ashley

despe o Estado de sua subjetividade estável, homogênea e unitária. Na verdade, o discurso

dominante transfere, por intermédio da dicotomia anarquia / soberania, as contradições

presentes no interior das sociedades domésticas para a esfera das relações internacionais.

Ao desvendar a estratégia discursiva das representações modernas, os críticos pós-

positivistas procuram mostrar, na teoria de Relações Internacionais, que a representação da

anarquia como esfera de perigo, violência e morte assume papel fundamental na preservação

do valor e do significado do Estado soberano como esfera de preservação da vida, da

propriedade, da autonomia, da identidade e da produção de sentido. Desse modo, toda

representação se refere apenas a outras representações, e não à realidade empírica objetiva à

qual alegam corresponder. As formas de conhecimento modernas “cristalizam” o significado

das representações e produzem verdades que, efetivamente, excluem e subjugam

interpretações, visões de mundo.

O discurso clássico das Relações Internacionais, contudo, sempre privilegiou

ameaças oriundas de outros Estados e minimizou as que provinham de atores não-estatais.

Para Cynthia Weber, “a soberania descreve Estados ou uma comunidade. Geralmente, a

soberania é dada como a autoridade absoluta que Estado exerce sobre determinado território e

a parcela da população correspondente, bem como independência internacional e

reconhecimento por outros Estados soberanos” (WEBER, 1995, p. 1). As críticas de Weber se

voltam contra a pretensão de o conceito de Estado representar comunidade política

homogênea, governada por autoridade legítima e circunscrita num território delimitado.

Ao se delimitar a temática, pretende-se circunscrever o objeto de análise, a saber, a

atividade política da Igreja Católica no Brasil, entre os anos de 1968-1978, particularmente, as

demandas da sociedade brasileira inseridas por dom Helder na arena política internacional.

Ao se definir o espaço de atuação política da Igreja Católica - isto é, analisar a

atividade da Igreja no Brasil e, de modo algum, noutro país -, se quer precisamente

circunscrever geopolítica a partir da qual atores domésticos constroem políticas e atuam

inside e outside. Seria importante, porém, não nos cabe aqui, análise comparativa de métodos,

recursos, instrumentos, estratégias políticas adotadas pela Igreja Católica no Brasil e nos

demais países da América Latina, com semelhança em regime de governo, para o mesmo

período histórico, ou para os contextos sócio-histórico-políticos distintos.

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Quanto ao nosso objetivo geral, assim o definimos:

- Analisar a atividade política da Igreja Católica no Brasil, particularmente, as demandas da

sociedade brasileira transnacionalizadas por dom Helder Camara, através de seus

pronunciamentos no exterior, durante a vigência do AI-5 (1968-1978).

Quanto aos nossos objetivos específicos, classificam-se da seguinte forma:

- Analisar a arena internacional do pós-II Guerra Mundial;

- Analisar o contexto sócio-econômico-político-religioso no Brasil (1950-1964);

- Analisar a natureza transnacional da Igreja e as contribuições de suas organizações;

- Analisar possível estreitamente do espaço político doméstico promovido pelo AI-5;

- Por fim, analisar as demandas da sociedade brasileira transnacionalizadas por dom Helder

no exterior.

Para a realização do fim a que nos propusemos, em sua dimensão global, utilizamos

fontes documentais secundárias (jornais, revistas, livros) de diversos autores e instituições

(Encíclicas, Mensagem de Paz do Papa, Documentos do Conselho Episcopal Latinoamericano

e do Caribe - CELAM, Relatório Rockfeller de 1969, Relatório da Amnesty International de

1970, etc.) e documentos pessoais de dom Helder Pessoa Camara (cartas, palestras e

discursos), de modo que, de posse desse conjunto de informações e de sua posterior

compreensão, estruturamos nossa investigação e procedemos à produção da dissertação, com

especial atenção à participação de dom Helder, com perfil de liderança espontânea na Igreja,

especialmente em sua dimensão política internacional.

A princípio, considerávamos da maior importância visitar dois arquivos, quais sejam:

o Arquivo da CNBB (Brasília) e o Arquivo pessoal de dom Helder (Recife). Em entrevista

realizada em novembro de 2008, dom José Maria Pires sugeriu-nos que visitasse Arquivo

Eclesiástico da Paraíba, sob alegação de serem Olinda-Recife e João Pessoa Arquidioceses

vizinhas e - a julgar pelo trabalho de catalogação dos documentos realizado pelos estagiários

da Universidade Federal da Paraíba -, encontrar documentos, entre eles cartas pastorais e

pessoais, trocadas entre ele e dom Helder.

O material de estudos referente a dom Helder constitui-se em patrimônio do rico

acerco documental do Centro de Documentação Helder Camara (CeDoHC), do Instituto Dom

Helder Camara (IDHeC), em fase de organização e à espera de pesquisa e publicação. Os

documentos de nosso interesse, em ambos os arquivos, foram recolhidos (xérox e fotos) em

dezembro de 2008 e janeiro de 2009. Quanto à documentação de nosso interesse nos arquivos

da CNBB e da Nunciatura, fomos informados de que, se tal documentação existe, é vetado

acesso à mesma em atenção à lei federal de guarda dos documentos sigilosos.

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No que diz respeito à bibliografia geral, as bibliotecas da PUC-Minas, espalhadas

pela grande Belo Horizonte bem como pelo interior do Estado de Minas Gerais, ofereceu-nos

relativo suporte. Não sem razão, a Biblioteca da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia

(FAJE), situada no Bairro Planalto, Belo Horizonte, por possuir rico acervo em documentos

da Igreja, possibilitou-nos acesso a material referente aos documentos papais, às

Constituições e Decretos do Concílio Ecumênico Vaticano II, às Conferências Gerais do

Episcopado Latinoamericano e do Caribe e às Conclusões do CELAM, Documentos da

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), entre outros.

A produção da dissertação, em termos de operacionalização da pesquisa, realizou-se

através: 1) da leitura e análise da documentação produzida por (ou sobre) dom Helder entre os

anos de 1964 e 1980; 2) da leitura, fichamento e interpretação cuidadosa das obras

complementares; 3) da análise das reportagens publicadas na época pelos jornais e revistas

nacionais: Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil, Jornal da Tarde,

Última Hora, Jornal do Commercio, Diário de Pernambuco, A Imprensa; e internacionais:

The Times, The New York Times, Le Monde Diplomatique, La Nación, entre outros (material

fotografado do Arquivo do CeDoCH, em Recife e do Arquivo Eclesiástico da Paraíba, em

João Pessoa); 3) de entrevistas com dom José Maria Pires, João Batista Libanio, Manoel José

Godoy e Cleto Caliman sobre a atividade política da Igreja no Brasil; a relação entre dom

Helder, CNBB e CELAM; as Conclusões do Concílio Vaticano II e as contribuições da CNBB

e do CELAM para a Igreja no Brasil e na América Latina, respectivamente.

Quanto ao desenvolvimento da temática, nosso ponto de partida consiste em analisar

a arena política internacional do pós-II Guerra Mundial. No intuito de atender a tal propósito,

o nosso primeiro capítulo divide-se nas seguintes seções: o embate político-ideológico, mais

do que econômico, entre as duas superpotências; a Revolução Cubana e seus desdobramentos

para o Continente sulamericano; as diretrizes de Política Externa Brasileira (PEB) dos

Governos militares (1968-1978, com digressão sumária até o Governo de João Goulart) e a

crítica à Teoria da Interdependência (Econômica) feita pela Igreja e o ressurgimento da

mesma Teoria no campo de Relações Internacionais nos anos de 1970.

Após análise da arena política internacional do pós-II Guerra, nosso esforço

concentra-se na análise do contexto sócio-econômico-político-religioso no Brasil, para os

anos de 1950 a 1964. O segundo capítulo, nesse caso, divide-se nas seguintes seções: o

esforço de transformação das estruturas sócio-econômica no Brasil; o contexto político-

religioso no Brasil dos anos que precedem ao Golpe de 1964; a histórica relação Igreja-Estado

no Brasil; a fundação da CNBB, a relação desta entidade com a Ação Católica Brasileira

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(ACB), o nascimento da Ação Popular (AP) e o início das transformações no comportamento

da Igreja; a esquerda católica e a institucionalização das estratégias para a mudança social.

O nosso terceiro capítulo pretende analisar a natureza transnacional da Igreja e suas

organizações em âmbito internacional (Concílios) e regional (CELAM). O capítulo subdivide-

se em: a natureza transnacional da Igreja; as instâncias de organização da Igreja em âmbito

internacional (os Concílios) e regional (o CELAM e as Conferências Gerais do Episcopado

Latinoamericano e do Caribe); a atuação da Igreja no Desenvolvimento e na Integração da

América Latina; a atuação política da Igreja na América Latina pós-Medellín e, por último, o

surgimento de uma “Consciência da Libertação” e de uma Teologia da Libertação, com

desdobramentos nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

A redução do espaço político doméstico promovido pelo AI-5 no Brasil, entre os

anos de 1968-1978, constitui-se em objeto de nosso quarto capítulo, cuja subdivisão faz-se a

partir das seguintes seções: o aparato repressivo de aporte ao AI-5; a oposição da Igreja ao

“regime da libertinagem”; a perseguição violenta à Igreja; duelo à parte entre Gustavo Corção

e Alceu Amoroso Lima; e, por fim, as práticas de violações dos Direito Humanos no Brasil.

O estreitamento do espaço político doméstico, promovido pelo AI-5, leva a Igreja a

explorar a arena política internacional como ambiente propício de apresentação de demandas

da sociedade brasileira como equivalentes às grandes questões da sociedade latinoamericana e

mundial. Nosso quinto capítulo traz algumas categorias transnacionais [desenvolvimento,

interdependência, cooperação, integração (regional e internacional), ordem/ desordem] no

decorrer das seguintes seções: a necessidade de reformas estruturais; o combate ao

colonialismo interno e externo; a integração regional e o desenvolvimento; a contestação da

“ordem social” vigente como “desordem estratificada”; a promoção da justiça como condição

para a paz; o combate à miséria e à fome; o movimento de “violência dos pacíficos”; os

Direitos Humanos e a Democracia. O nosso último capítulo apresenta análise de conteúdo e

de significação dos pronunciamentos internacionais de Helder no período de 1968 a 1978.

Além disso, obtêm-se excelente identificação dos temas prevalecentes e da lógica

argumentativa que os sustenta. Assim, o capítulo pode ser tomado independente dos demais,

porém, para a compreensão dos pressupostos recomenda-se a leitura em conjunto dos

capítulos precedentes.

A estrutura da dissertação evidencia o caminho metodológico escolhido para

demonstrar o objeto de pesquisa. Em outras palavras, os quatro primeiros capítulos compõem

o amplo alicerce [em termos de análise da arena política regional e internacional e da

sociedade brasileira em suas dimensões sócio-econômico-político-religioso-cultural] sobre o

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qual a análise das demandas da sociedade brasileira é desenvolvida. Assim sendo, a partir da

análise de conteúdo/significação dos pronunciamentos internacionais de dom Helder Camara,

no período de 1968 a 1978, como matéria substancial do quinto capítulo, obtêm-se a

identificação dos temas prevalecentes e da lógica argumentativa que os sustenta.

A identificação dos temas prevalecentes nos pronunciamentos de Helder na arena

política internacional resulta da “dissecação” de seus manuscritos. Análise atenta de tais

manuscritos possibilitou-nos a elaboração do Anexo A, com a produção de quadro a detalhar

os temas mais recorrentes nos pronunciamentos de dom Helder. Excluem-se aqui os

pronunciamentos feitos no Brasil, suas cartas pessoas e pastorais do período. A lógica

argumentativa, por sua vez, constrói-se a partir da interpretação dos textos pertinentes ao

objeto de pesquisa.

Há, no entanto, correlação estreita entre os escritos, os pronunciamentos e o público

alvo dos mesmos. Inicialmente dom Helder alimenta a esperança de que os meios de

comunicação social mobilizariam as “Minorias Abraâmicas, pessoas sedentas pela promoção

justiça como condição para a paz”, rumo à “mudança de estruturas” mediante “a pressão

moral libertadora”. Ao perceber que se substituíam os governos democráticos nos países

latinoamericanos pelos governos autoritários, com restrições às liberdades, dom Helder

aponta as “grandes Universidades do mundo” como instituições responsáveis pela

organização das “Minorias”. Dom Helder discursou nos grandes centros universitários do

mundo desde um Nordeste de miseráveis. O público alvo dos pronunciamentos de dom

Helder no Exterior eram, predominantemente, os universitários. A justifica por ele

apresentada é simples: “os jovens têm sede de justiça e de reformas sociais”.

Embora a relação Igreja-Estado brasileiro constitua-se tema recorrente de estudos no

campo da Sociologia, da História, da Ciência Política, a Igreja, enquanto organização

internacional, não tem sido devidamente tematizada na literatura de Relações Internacionais.

Assim, a singularidade de nossa pesquisa implica esforço de análise da atividade política da

Igreja como Organização Internacional, com pretensões e em condições de atuar, em virtude

de sua organização, estrutura e estratégias, tanta no espaço político dos Estados quanto na

arena de política internacional.

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1. A ARENA POLÍTICA INTERNACIONAL NO PÓS-II GUERRA

1.1. O PÓS-II GUERRA: BIPOLARIDADE E CRISE DO COLONIALISMO

Após apresentação do objeto de pesquisa, da perspectiva de análise, do método

adotado, das hipóteses aduzidas, da delimitação teórico-conceitual, da identificação dos

grupos de interesses implicados (Igreja e Governo), da exposição dos procedimentos

metodológicos, das condições de pesquisa, do reconhecimento quanto à ousadia em se

pretender abordar tema dessa natureza no campo de Relações Internacionais, o próximo passo

consiste no esforço de “reconstrução” do contexto sócio-econômico-político-religioso no

Brasil, com incursão também na América Latina, para as décadas de 1950 a 1980.

Ainda que recorte histórico da pesquisa aponte para análise dos eventos transcorridos

entre os anos de 1968 e 1978 (isto é, o período de vigência do AI-5), convém que se leve em

consideração no esforço de “reconstrução” do contexto sócio-econômico-político-religioso

brasileiro período de tempo mais amplo, no intuito de correlacionar diversos eventos da

política doméstica (e ou internacional), causas e consequências para mesmo período histórico.

As causas e consequências dos eventos de política doméstica e internacional que se pretende

analisar durante vigência do AI-5 encontram-se, possivelmente, em fatos construídos,

politicamente, em décadas anteriores, com repercussões profundas nas décadas subseqüentes.

Por isso, o interesse em ampliar contexto de análise estendendo-o dos anos 50 aos anos 80.

Embora contexto de análise seja amplo e diversos sejam os eventos históricos do

período, a reflexão se pretende objetiva, porém, sistêmica. A opção por analisar as

informações de forma interrelacionada demonstra que se abre mão de perspectiva cronológica

característica de abordagem comumente identificada como positivista. A sistematização das

informações, no entanto, visa correlacionar “estilos” de governo no Brasil, as estratégias

políticas adotadas, o dinamismo no cenário internacional: esforço de integração ou opção pelo

isolamento, a diversidade de atores internacionais (organizações e instituições transnacionais),

a efervescência de ideias responsáveis pela reabertura do Itamaraty ou pelo fim do monopólio

desta instituição, no que tange a elaboração e implementação de política externa brasileira. O

critério de análise adotado para aprofundamento das diretrizes de política externa dos

governos militares não sugere produção em perspectiva de evolução histórica, mas de ênfase

analítica.

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O fim da Segunda Guerra (1945) caracteriza-se por enorme euforia particularmente

dos povos europeus. Entretanto, entre os anos de 1938-1945, o conflito produz questões, tais

como: Quem foi o grande responsável pela quebra da frágil estabilidade político-econômica

européia? Por que a Liga das Nações não assegurou a paz no “velho continente”? Em suma:

por que havia acontecido tal tragédia? Embora a essas questões tenham sido formuladas

diversas respostas, a partir das quais se pode atribuir razões distintas ao evento, não podem

ser retórica e/ou sumariamente respondidas sob pena de redução ao simplório.

Muitos historiadores responsabilizam Adolf Hitler por ter deflagrado o conflito,

como se a história pudesse ser movida por único homem; por único Estado. Ignoram,

certamente, o caráter anárquico do sistema internacional, no qual os Estados procuram

realizar interesses próprios e garantir soberania deles. Isso não significa eximir da

responsabilidade os tomadores de decisão dos Estados envolvidos, mas atribuir devida

responsabilidade aos que poderiam ter decidido de outro modo, quando decidiram pelo ato

irracional da guerra, pelas atrocidades e genocídios cometidos durante o conflito. A Liga das

Nações, diferentemente da atual Organização das Nações Unidas (ONU), não possuía poder

de enforcement, e se encontrava limitada nos quadros da função de recomendar e aconselhar

os países membros ante implementação de políticas adversas aos interesses dos demais.

A II guerra arrasa a Europa em todas as suas estruturas. Embora nenhuma guerra

resulte de fato com vencedor entre os Estados beligerantes, pode ocorrer de Estado sair menos

fragilizado do conflito que outro. A II guerra desenrola-se no entorno da geopolítica européia.

Assim, os Estados Unidos da América (EUA) assiste ao declínio da Europa enquanto se

prepara para consolidar sua hegemonia. Com o conflito, o nazifascismo havia sido derrotado.

Além disso, percebeu-se, posteriormente, a derrota dos movimentos de esquerda. A indústria

norte-americana consistia agora em principal símbolo do vitorioso responsável por mais da

metade da produção do mundo. A guerra permite aos Estados Unidos recuperar sua economia

e torná-la dominante em nível mundial, graças à semidestruição de seus rivais capitalistas.

O cenário internacional do pós-II Guerra assiste a outras alterações. “Em nível

mundial observa-se a formação de novos regimes socialistas, como resultado da participação

soviética na guerra” (VIZENTINI, 2004, p. 116). Se a guerra permite a expansão qualitativa e

quantitativa do capitalismo norte-americano, o crescimento do socialismo dá-se mais em

termos extensivos. A União Soviética (URSS) ascende à condição de superpotência e,

internacionalmente, seus inimigos tiveram que aceitar existência dela. A partir de então,

percebe-se sistema internacional bipolarizado e sob influência das duas superpotências. Há

autores em Relações Internacionais, à semelhança de Walker (2005; 2006), que defendem a

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existência de áreas não influenciáveis por qualquer uma das superpotências. A URSS afirma-

se internacionalmente, embora temporariamente sem capacidade ofensiva, ao contrário dos

EUA, que dominam os mares, possuem bases e exércitos em todos os continentes em 1945,

bem como a bomba atômica.

A guerra acelera a crise do colonialismo político e, por conseguinte, o processo de

descolonização mediante lutas de libertação nacional. Os movimentos de libertação nacional

ganham força na Ásia, mas, sobretudo, na África. O declínio da Europa como centro da

política mundial e da diplomacia de equilíbrio de poder ocorre concomitantemente com a

formação de sistema bipolar, centrado nas formações sociais capitalistas e socialistas. A

derrota do nazifascismo, da barbárie, do genocídio - como manifestações da irracionalidade

presente na racionalidade da modernidade ocidental -, representa a afirmação da democracia e

das liberdades individuais, sociais e nacionais, em termos de direitos civis e de soberania, esta

sob princípio de autodeterminação dos povos.

1. 2. O EMBATE ENTRE AS SUPERPOTÊNCIAS: A GUERRA FRIA

Os 45 anos desde o lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki

até a completa dissolução da URSS não se constitui período homogêneo. A história desse

período se constrói sob condição internacional peculiar: a Guerra Fria. A II Guerra Mundial

teoricamente chega ao fim, porém, a Europa (especificamente a região da URSS) e os EUA

permanecem sobre regime de guerra particular.

O filosofo Thomas Hobbes, observa que “a guerra consiste não só na batalha, ou no

ato de lutar: mas num período de tempo em que a vontade de disputar pela batalha é

suficientemente conhecida” (HOBBES, 1989, p. 376). Para Clausewitz, estrategista militar

prussiano, “a guerra é a continuação da política por outros meios”. Especificamente,

Clausewitz considera fundamental que a guerra estivesse sempre submetida à política. A

Guerra Fria entre os EUA e a URSS, que domina o cenário internacional na segunda metade

do séc. XX, trava-se quase exclusivamente no campo político.

A estratégia de “Guerra Fria” representa opção por confronto ideológico, mais do que

econômico, entre as duas superpotências que emergem da II Guerra Mundial. Análise das

perspectivas adotadas pelos EUA e pela URSS permite dom Helder Camara afirmar:

Os USA, apoiados no suporte financeiro do Banco Mundial, no suporte

monetário do Fundo Monetário Internacional e no suporte comercial do

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GATT, alimentaram, durante anos, a guerra fria anti-soviética, criaram seus

satélites, reconstruíram a Europa Ocidental e o Japão para consolidar o seu

próprio comércio, atingiram o apogeu, com o dólar como moeda super-forte.

A União Soviética, por sua vez, em 50 anos, firmou-se como Império, com

satélites tratados de maneira ainda mais dramática, entrando na corrida

armamentista e na corrida espacial com os USA, aparecendo por detrás de

todas as guerras para contrabalançar a presença dos USA (CAMARA,

1973m, p. 2).

A peculiaridade da Guerra Fria se mostra, em termos objetivos, na inexistência quase

absoluta de perigo iminente de guerra mundial. O historiador Eric Hobsbawm atribui à

“balança de poder desigual” condição para manutenção da paz entre as superpotências:

Os governos das duas superpotências aceitaram a distribuição global de

forças no fim da II Guerra, que equivalia a equilíbrio de poder desigual. A

URSS controlava parte do globo, ou sobre ela exercia predominante

influência e não tentava ampliá-la com o uso da força militar. Os EUA

exerciam controle e predominância sobre o resto do mundo capitalista, além

do hemisfério norte e oceanos, assumindo o que restava da velha hegemonia

imperial das antigas potências coloniais (HOBSBAWM, 2001, p. 224).

A situação fora da Europa é menos definida, a não ser pelo Japão, onde os EUA

desde o início estabelecem uma ocupação completamente unilateral que exclui não só a

URSS, mas qualquer outro co-beligerante. Após breve período de razoável estabilidade,

sustentado pelas superpotências até meados da década de 70, o sistema internacional e as

unidades que o compunham entram em outro período de extensa crise política e econômica.

Até então, as duas superpotências aceitam a divisão desigual do mundo, fazem todo esforço

para resolver disputas de demarcação sem choque aberto entre suas Forças Armadas e, ao

contrário da ideologia e da retórica da Guerra Fria, trabalham com base na suposição de que a

coexistência pacífica entre elas é possível a longo prazo. Na verdade, na hora da decisão,

ambas confiam na moderação uma da outra.

Assim que a URSS adquire armas nucleares (1949) e bomba de hidrogênio (1953) -

sempre tempos depois dos EUA -, as duas superpotências claramente abandonam a guerra

como instrumento da política. “Ambos usaram ameaça nuclear em algumas ocasiões: os EUA

para acelerar as negociações de paz na Coréia e no Vietnã (1953, 1954), a URSS para forçar a

Grã-Bretanha e a França a retirar-se de Suez em 1956” (HOBSBAWM, 2001, p. 227). Os

britânicos conseguem bombas próprias em 1952, com o objetivo de afrouxar sua dependência

dos EUA; os franceses e os chineses na década de 1960. Nas décadas de 1970 e 1980, outros

países conseguem a capacidade de fazer armas nucleares, notadamente Israel, África do Sul e

provavelmente a Índia, mas essa proliferação nuclear só se torna problema internacional sério

após o fim da ordem bipolar de superpotências em 1989.

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Embora o aspecto mais óbvio da Guerra Fria seja o confronto militar e a frenética

corrida armamentista no Ocidente, não é esse o seu grande impacto. As potências nucleares se

envolvem em três grandes guerras (mas não umas contra as outras). Abalados pela vitória na

China, os EUA e seus aliados (disfarçados como Nações Unidas) intervém na Coréia em 1950

para impedir que o regime comunista do Norte daquele país se estendesse ao Sul. Fizeram o

mesmo, com o mesmo objetivo, no Vietnã (1954). A URSS retira-se do Afeganistão em 1988,

após oito anos nos quais fornece ajuda militar ao governo para combater grupos terroristas

apoiados pelos americanos e abastecidos pelo Paquistão.

Em suma, o material caro e de alta tecnologia da competição das superpotências

revela-se pouco decisivo. A ameaça constante de guerra produz movimentos internacionais de

paz essencialmente dirigidos contra as armas nucleares. O resultado líquido dessa fase de

ameaças e provocações mútuas é a sustentação de sistema internacional relativamente

estabilizado. O Muro de Berlim (1961) fecha a última fronteira indefinida entre Oriente e

Ocidente na Europa. Os EUA aceitam Cuba comunista em sua soleira. As pequenas chamas

da guerra de libertação e de guerrilha acendidas pela Revolução Cubana na América Latina

não se transformam em incêndios.

Em meados da década de 1970, alguns historiadores consideram que o mundo

inaugura a II Guerra Fria. Coincide com grande mudança na economia mundial, o período de

crise que caracterizaria as duas décadas a partir de 1973, e que atinge o clímax no início da

década de 1980. Contudo, de início a mudança no espectro econômico não é muito notada

pelos participantes do jogo das superpotências, a não ser por súbito salto nos preços da

energia promovido pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).

A Guerra do Vietnã (1965-75) divide a opinião pública e desmoraliza os EUA. E, se

Vietnã não bastasse para demonstrar o isolamento dos EUA, a guerra do Yom Kipur de 1973

entre Israel e as forças de Egito e Síria, abastecidas pelos soviéticos, mostra isso de forma

mais evidente. De acordo com Eric Hobsbawm, “quando Israel, duramente pressionado,

apelou aos EUA para mandar suprimentos, os aliados europeus, com a exceção de Portugal, se

recusaram até mesmo a permitir o uso das bases áreas americanas em seu território para esse

fim” (HOBSBAWM, 2001, p. 241-242).

As guerras sempre produzem conseqüências para os Estados mais fracos mesmo

quando não envolvidos diretamente no conflito. A II Guerra Mundial envolve, diretamente,

países pobres na geopolítica dos países beligerantes. A Guerra Fria, posteriormente, também

produz consequências para os países subdesenvolvidos. Análise das guerras permite a dom

Helder Camara concluir:

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A guerra é cada vez mais desumana e imoral. Perdeu, de todo, a aparência de

heroísmo, com lances de corpo a corpo, em que a coragem e a bravura se

revelavam. A guerra mundial põe em risco a sobrevivência humana na face da

terra. A guerra fria alimenta, como as quentes, a corrida armamentista, que

consome dinheiro que daria, se sobra, para arrancar todos os países do

subdesenvolvimento e da miséria (CAMARA, 1969d, p. 3).

A Guerra fria acaba quando uma ou ambas superpotências reconhecem o sinistro

absurdo da corrida nuclear. Os dois líderes, Mikhail Gorbachev e Reagan, empenharam-se em

processo de convencimento de que diziam a verdade quando se referiam a convivência

pacífica. Para fins práticos, a Guerra Fria termina nas duas conferências de cúpula de

Reykjavik (1986) e Washington (1987).

Mas não é o confronto hostil com o capitalismo que solapou o socialismo. Como o

capitalismo não desmoronou, nem pareceu que ia desmoronar, as perspectivas do socialismo

como alternativa global dependiam de sua capacidade de competir com a economia mundial

capitalista, reformada após a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial, e transformada

pela revolução nas comunicações e tecnologia de informação na década de 1970. Foi mais a

combinação entre suas próprias contradições econômicas e a acerada invasão da economia

socialista pela muito mais dinâmica, avançada e dominante economia capitalista mundial.

Os elementos indicadores do confronto entre as superpotências [corrida armamentista

e corrida espacial] apontam para outra perspectiva, a saber, que o dado essencial do período

da Guerra Fria não é a disputa econômica entre a potência capitalista (EUA) e a potência

socialista (URSS). “O problema fundamental não é o confronto entre Leste e Oeste, mas entre

Norte e Sul, entre países ricos e países pobres” (CAMARA, 1976b, p. 3).

A Guerra Fria eliminara inteiramente, ou em parte, todas as rivalidades e conflitos

que moldavam a política mundial antes da II Guerra Mundial. Os impérios da era imperial

desapareceram. Além disso, a Guerra Fria congelara a situação internacional, e, ao fazer isso,

estabilizara estado de coisas essencialmente não fixo e provisório. A Alemanha, dividida,

constituía-se em exemplo mais óbvio. O desenvolvimento das políticas internas de Estados,

claro, não se congelou da mesma forma.

Por fim, a Guerra Fria inegavelmente encheu o mundo de armas num grau que

desafia a crença. Era o resultado natural de quarenta anos de competição constante entre

grandes Estados Industriais para armar-se com vistas a uma guerra que podia estourar a

qualquer momento. O fim da Guerra Fria, no entanto, retirou de repente os esteios que

sustentavam a estrutura internacional. E o que restou foi sistema internacional desordenado. A

ideia de que a velha ordem bipolar podia ser substituída por “nova ordem” baseada na única

superpotência restante (hegemônica ou imperialista) logo se mostrou irrealista.

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1. 3. A REVOLUÇÃO CUBANA E A ESTABILIDADE DO CONTINENTE

O estudo da realidade social latinoamericana, em termos de política regional e

internacional, no período 1960-1980, evidencia complexidade poucas vezes observada em

outras épocas. “É uma América Latina onde a questão da revolução popular aparece com

muita força, onde a solução burguesa representada pelo populismo perde seu fôlego, onde o

controle das camadas populares exigiu participação ativa das Forças Armadas”

(GUAZZELLI, 2004, p. 9). Já ao final da década de 50, a política regional inaugura-se com a

afirmação da Revolução Cubana (1959). As transformações sociais resultantes da vitória dos

guerrilheiros de Sierra Maestra atingiram a um só golpe os interesses dos grupos dominantes

locais e geopolíticos estratégicos do vizinho: os EUA.

Neste panorama, a Revolução Cubana configura-se em séria ameaça à estabilidade

dos Estados populistas e para as oligarquias latinoamericanas. Em outras palavras, a América

Latina, dos anos 60, evidencia o declínio dos governos populares e, consequentemente, as

dificuldades dos chamados Estados oligárquicos em preservarem posições e interesses deles.

Ao longo das décadas de 60 e 70, o continente assiste a progressiva queda dos governos

populistas, substituídos por ditaduras militares. Além disso, à ameaça ao capitalismo

monopolista estadunidense, o imperialismo deste amplia o horizonte da Guerra Fria,

englobando a América Latina na estratégia dele de enfrentamento da ameaça comunista.

A política externa dos países sulamericanos caracteriza-se por profundas

controvérsias na sua relação com os EUA. Dom Helder constata que:

“A América Latina está sendo conduzida para o perigo, com certa

cumplicidade de vossa [dos EUA] política internacional. Em nome do

anticomunismo, surge e se estende a todo o Continente a teoria da segurança

nacional. A América Latina esteve ao lado dos que combateram o Nazismo.

E, no entanto, para combater o Comunismo, a Segurança Nacional está

revivendo e reimplantando o Nazismo (CAMARA, 1976b, p. 5).

O processo revolucionário que desencadeou série de reformas profundas em Cuba

não se pretendia, em princípio, transformação rumo ao socialismo, mas tão somente

movimento antioligárquico, que se tornou antiimperialista e, finalmente, rompendo, com o

próprio capitalismo. A solução cubana repercutiu na maioria dos Estados da região, para os

quais a possibilidade de transformação social não mais dependia de adaptações de modelo de

desenvolvimento capitalista, mas de ruptura com o capitalismo. Neste sentido, houve

importante mudança no comportamento de setores da esquerda latinoamericana, com o

surgimento e expansão de mobilizações que não mais correspondiam às tradicionais.

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Obviamente, os Estados Unidos não permaneceram impassíveis a esses

acontecimentos. Período agudo de Guerra Fria, defrontaram-se subitamente com o que parecia

baluarte adversário em pleno quintal, e as medidas tomadas foram drásticas: rompimento das

relações diplomáticas, bloqueio econômico, sanções militares unilaterais, que chegaram ao

clímax na Crise dos Mísseis, em 1962. A URSS, desde 1961, tornou-se principal parceira

comercial da Ilha, ocupando espaço de mercado deixado pelos Estados Unidos. A pequena

Cuba, embora grande produtora de cítricos, dedicava-se à monocultura da cana-de-açúcar, seu

principal produto de troca com o petróleo soviético. Não obstante, “o primeiro duro golpe

sentido pelo imperialismo foi a nacionalização do truste telefônico; como represália,

desencadeou-se a prática clandestina de incendiar canaviais por parte da aviação norte-

americana (GUAZZELLI, 2004, p. 17).

Além disso, o governo de Fidel Castro promoveu “a nacionalização das importantes

companhias petrolíferas Shell, Exxon e Texaco, além de grande conjunto de bancos e

empresas estrangeiras” (GUAZZELLI: 2004, p. 18). Com a suspensão da compra da cota de

cana-de-açúcar por parte dos Estados Unidos, restou a Cuba, a partir de então, a procura de

novos parceiros econômicos, tratando de estabelecer relações de cooperação e comércio com

nações do bloco socialista, especialmente a União Soviética. Isso colocaria Cuba como um

dos principais focos da Guerra Fria, com desdobramentos extremamente graves das tensões

internacionais.

A crise de relacionamento de Cuba com os Estados Unidos atingiu clímax na Crise

dos Mísseis. Em consequência da situação criada pelo crescente esforço de retomada do

governo da Ilha sob comando revolucionário pelos EUA e pelo estreitamento de relações com

a União Soviética, houve a instalação de mísseis soviéticos na Ilha. A presença de armamento

nuclear inimigo a pouco mais de cem quilômetros da sua costa alarmou as Forças Armadas

norte-americanas, que deflagraram como represália forte esquema de bloqueio naval, com

algumas incursões áreas sobre Cuba. A iminência de choque armado entre as duas

superpotências intensificou atividade diplomática. O esvaziamento da crise consistia

basicamente em acordo entre as superpotências na retirada dos mísseis de Cuba e no

compromisso formal dos EUA em não perpetrarem quaisquer tentativas de invasão da Ilha.

Em janeiro de 1962, ocorreu a reunião da Organização dos Estados Americanos

(OEA), em Punta del Este, tendo sido decretado o bloqueio continental à Revolução Cubana.

Essa foi a primeira ocasião em que ficou demonstrada a importância da situação criada em

Cuba para as demais nações latino-americanas. A forte pressão dos Estados Unidos impôs a

expulsão de Cuba da organização defensiva do continente, o que equivalia a colocá-la na

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posição de virtual inimigo dos demais países americanos. No mês seguinte, na Segunda

Declaração de Havana, “Fidel Castro criticou abertamente a submissão dos governos latino-

americanos aos interesses dos Estados Unidos, acentuando que a aceitação dos termos de

Punta del Este colocava os povos do continente à mercê de eventuais intervenções norte-

americanas” (GUAZZELLI, 2004, p. 20).

O isolamento continental imposto a Cuba não evitou que a questão da revolução na

América Latina fosse retomada nos termos que as elites locais faziam tanta questão de evitar.

O antídoto contra movimento de revolução comunista logo apareceu. Os governos latino-

americanos paulatinamente tornaram-se ditatoriais, militarizados.

Em 1962, os militares peruanos anteciparam-se à posse do populista Haya de la Torre

e ocupam o poder; em 1963, golpe militar derrubou o governo do moderado e confiável Juan

Bosch, na República Dominicana; em 1964, caíram os também populistas João Goulart do

Brasil, e Paz Estenssoro da Bolívia; em 1965, as tropas da OEA, capitaneadas pelos Estados

Unidos, intervieram e impediram uma restauração democrática na República Dominicana; em

1966, as Forças Armadas ocuparam o poder na Argentina; em 1968, novamente os militares

assumiram o governo no Peru; em 1973, chegaria ao fim a experiência socialista chilena com

o sangrento assalto ao poder por Pinochet; também no mesmo ano, deixava o Uruguai de ser a

“Suíça da América Latina”; em 1976, mais uma vez os militares ocupavam o governo

argentino após curto interregno de governantes civis. Se somarmos a estes os países

latinoamericanos onde as antigas oligarquias mantinham-se graças às Forças Armadas,

podemos constatar que “na década de 70 apenas o México, a Colômbia e a Venezuela não

haviam apelado para golpes militares como solução para seus problemas” (GUAZZELLI,

2004, p. 28).

A América Latina parecia duplamente condenada: no plano econômico, é agrícola;

no plano político, o militarismo. Ambas encontram-se imbricadas com a implantação do

capitalismo no continente. A economia agroexportadora respondia aos anseios mundiais por

matérias-primas; os militares significavam a possibilidade dos grupos detentores dessas

matérias-primas organizarem estados nacionais que otimizassem organizações produtoras

capazes de oferecer os artigos primários de acordo com a demanda internacional. Assim, o

tradicional modelo de ditadura latino-americana corresponde ao Estado oligárquico.

No entanto, a maior parte das ditaduras militares que se impuseram a partir dos anos

1960 apresenta pouca coisa em comum com aquelas tradicionais associadas aos Estados

oligárquicos. Elas ocorreram em países industrializados, ou em países nos quais processo de

industrialização estava em curso.

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A questão da intervenção do Estado na economia, menos em termos de regulação e

mais em razão da estabilização monetária, constituía-se ponto-chave de princípio neoliberal.

Isso implicava, em princípio, em privatizações das empresas públicas montadas em anos

anteriores. Além disso, nova ordem prescrevia reverter algumas “ousadias nacionalistas”.

Empresas estrangeiras que tinham sido nacionalizadas foram em geral devolvidas aos

“legítimos donos”, ao mesmo tempo em que se procurava a participação de capitais privados

transnacionais em áreas que haviam sido desenvolvidas com recursos públicos.

No entanto, a repressão foi justamente a face mais visível que mostraram as ditaduras

militares latinoamericanas. A “segurança nacional” garantiu-se pelo uso aberto da violência,

incrementando poder de polícia às Forças Armadas para combate do “inimigo interno”. A

velha Doutrina da Segurança Nacional criada em 1947 nos Estados Unidos para conter o

“perigo vermelho” era transplantada para as nações latinoamericanas.

Além do reaparelhamento bélico, intensificou-se a formação de quadros militares

especializados nas técnicas de contra-insurgência. Além da célebre Escola das Américas,

outras bases militares norte-americanas ofereceram cursos para oficiais dos países latino-

americanos, treinando-os para combater quaisquer formas de insurreição. Desenvolveram-se

sofisticados sistemas de informação que envolviam não somente as Forças Armadas, mas

também as organizações policiais. As organizações repressivas elaboraram complexos

sistemas que incluíam operações de seqüestro das pessoas suspeitas, a prática da tortura para

obtenção das confissões, centros clandestinos de interrogatório e de detenção de presos

políticos, cemitérios clandestinos, etc. O número de mortos e desaparecidos nos países

latinoamericanos como consequência dessa brutal repressão é ainda hoje imperfeitamente

conhecido.

A Argentina iniciou os anos 60 sob a pesada herança da queda do regime populista de

Perón, provocado pelo golpe militar de 1955, ironicamente chamada de “Revolução

Libertadora”. Este golpe foi “a expressão de uma oposição da grande burguesia ao

peronismo” (CASANOVA, 1988, p. 72), fundamentalmente pelo temor à mobilização das

massas trabalhadoras e pela retórica antiimperialista de Perón. Apoiaram a “Revolução” os

setores tradicionais da oligarquia fundiária, o empresariado industrial, setores médios urbanos

– insatisfeitos com a queda no nível de vida e com as arbitrariedades do regime peronista.

Estruturou-se Estado autoritário, com supressão dos partidos políticos, representação

parlamentar e quaisquer atividades que pusessem em risco o regime. Sob o comando do

general Videla, foi instituído o chamado Processo de Reorganização Nacional, em que era

aspecto fundamental a guerra anti-subversiva. De acordo com Isidoro Cheresky e Jacques

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Chonchol, “o regime autoritário apresentou-se como inevitável ou como necessário aos olhos

de setores consideráveis da população” (CHERESKY & CHONCHOL, 1986, p. 26). De fato,

o golpe ocorreu com ausência de oposição civil, como se coletivamente houvesse resignação

quanto à fragilidade das instituições democráticas para o atendimento das demandas sociais

crescentes e o combate à oposição armada.

A volta à democracia, na Argentina, esteve diretamente relacionada com a derrota

militar para a Inglaterra após a ocupação das Ilhas Malvinas, em 1982. Com a desmoralização

das Forças Armadas, os militares puderam administrar sua retirada do governo, pautando

algumas etapas da transição. O processo de transição política em direção ao retorno da

democracia na Argentina é descrito por Cesar Augusto B. Guazelli nos seguintes termos:

Sua opção [dos militares no poder] era por algumas lideranças da direita do

peronismo, que julgavam mais confiáveis. Isso deu a grande bandeira para a

União Cívica Radical: abandonando a sua tradição de partido ligado à

pequena burguesia, os radicais investiram no tema da restauração completa

da democracia, denunciando a existência de vínculos do peronismo com as

Forças Armadas e prometendo exemplar punição aos responsáveis pela

„guerra suja‟. O peronismo perdeu seu papel de partido dos trabalhadores, e

as eleições deram vitória, no final de 1983, ao candidato radical Raúl

Alfonsín. O novo governo herdou a crise econômica e o aparato repressivo da

ditadura (GUAZZELLI, 2004, p. 79).

A Guerra das Malvinas, no entanto, resolveria temas cruciais para as relações

internacionais. Com referência ao Brasil, o conflito atingiria pontos relevantes de sua agenda

diplomática: “a discussão sobre a sua posição como país do bloco ocidental e do Terceiro

Mundo, sua percepção sobre o sistema internacional, sua relação com o contexto contíguo e

com o contexto regional, além de sua relação com os Estados Unidos em particular”

(PINHEIRO, 1986, p. 587).

No caso brasileiro, os militares tomaram o poder de governo institucional em 1964.

Desde então, com incalculável apoio do serviço de inteligência dos Estados Unidos,

“elaboraram-se programas de treinamento para militares, incrementou-se o auxílio técnico e

material para as Forças Armadas e, especialmente, ideologizou-se a contra-insurgência na

Doutrina de Segurança Nacional, que fazia da oposição interna o alvo das Forças Armadas”

(PINHEIRO, 1986, p. 587). Constatou-se a primazia do tema da Segurança Nacional, quer

em perspectiva doméstica (isto é, o subversivo representava risco à ordem, à estabilidade

nacional), quer regional (ou seja, países como a Argentina, de maior poder militar ofensivo

passou a ser visto como potencial ameaça à soberania nacional), acima inclusive dos direitos

liberais e de expressões democráticas.

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Em oposição à investida dos governos militares contra as formas de expressões

democráticas, e, antes mesmo destas, dos direitos fundamentais, posicionaram-se instituições

nacionais e transnacionais, tais como: a OAB e a Igreja Católica, respectivamente. Convém

afirmar que nenhuma delas, através de seus membros, apoiou unânime ou homogeneamente

intervenção militar no sistema de governo do país, e, como resultado, a alteração de regime

democrático para autoritário. Na contramão do AI-5, juristas como Vitor Nunes Leal, Hermes

Lima e Evandro Lins e Silva concediam hábeas corpus às petições de advogados que

defendiam concidadãos detidos equivocadamente sob o signo da segurança nacional. A Igreja,

no entanto, dividiu-se politicamente. Parcela da Igreja considerada “progressista”, cujo

principal representante é a pessoa de dom Helder, passou a tecer duras críticas ao governo,

desde sua política econômica até sua estratégia de segurança.

Nos anos de 70, a situação do Chile revela-se peculiar. A ascensão de governo

socialista disposto a realizar transformações profundas colocou em xeque os interesses da

classe dominante chilena. Além disso, “a nacionalização de grandes setores da produção

significou ameaça concreta ao imperialismo. Paralelamente a movimento popular que se

organizava e reivindicava o aprofundamento da experiência socialista” (GUAZZELLI, 2004,

p. 11). Em países como o Peru, a Bolívia e o Panamá, alguns grupos militares, após

alcançarem o poder, buscaram apoio nas camadas médias e populares, tentando efetuar

reformas sociais em prejuízo dos interesses oligárquicos.

As ditaduras, por sua vez, sem o apoio dos dólares e do big stick norte-americano,

apresentavam dificuldades crescentes na manutenção da ordem social. A própria conformação

nacional dos EUA mostra a adoção destas duas políticas: “assim como a Louisiana e o Alasca

foram adquiridos a peso de ouro, respectivamente, dos franceses e dos russos, os atuais

estados do Texas, do Novo México, do Arizona e da Califórnia foram conquistados

militarmente ao México” (GUAZZELLI, 2004, p. 85). A restauração das democracias

apareceu como solução mágica para todos os problemas, formando-se grandes frentes pela

derrubada das ditaduras militares em quase todas as partes da América Latina. As

redemocratizações, no entanto, caracterizaram-se bem mais pela restauração das instituições,

ditas democráticas, que pela busca de soluções concretas para os graves problemas

enfrentados pelas sociedades latinoamericanas. No final dos anos 70, inaugurou-se a política

dos Direitos Humanos, o que tornava previsível mudança nos regimes de governo da Região.

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1. 4. AS DIRETRIZES DE POLITICA EXTERNA BRASILEIRA DOS GOVERNOS

MILITARES (1964-78)

O nosso ponto de partida consiste na análise do contexto político do Brasil no início

da década de 1960, que, em virtude de diversos fatores, comportou a transição política forjada

pelos militares em 1964. A transição política levada a cabo pelos militares, em parceria com

lideranças civis, em abril de 1964, resultou de conjunto de fatores arrolados e não

solucionados ao longo das décadas de 1940 e 1950 e, por sua vez, promoveu mudanças de

orientação da política doméstica e externa do país. A década que antecedeu ao golpe político-

militar, em particular, reservadas as diferenças existentes em cada governo, revela aspectos

relevantes da política externa brasileira (PEB) desde suas demandas domésticas.

O desenvolvimento econômico e a progressiva afirmação de novo perfil sócio-

político da sociedade brasileira impunham novas demandas à política exterior. As relações

internacionais do Brasil alteram-se a partir da formulação de Política Externa Independente,

do governo João Goulart. Esta política externa “não representava inovação completa, na

medida em que se estruturava como continuidade e aprofundamento da barganha nacionalista

de Vargas e Kubitschek e da política externa dirigida para apoiar o desenvolvimento industrial

[Operação Pan-Americana, OPA]” (VIZENTINI, 2004, p. 123). A OPA reintroduziu o tema

do multilateralismo na PEB, em oposição ao bilateralismo do alinhamento com os EUA.

A interpretação das contradições das políticas, sobretudo econômicas, permite-nos

afirmar que, a transição política forjada pelos militares, em 1964, resultou de antigo projeto

militar de “correção de rumos” das políticas doméstica e externa brasileira, contudo sem

planejamento claro e coerente para o país, produzindo alteração no nível de participação das

“unidades de decisão”, no número de atores domésticos interrelacionados, na diversificação

ideológica dos atores e das questões consideradas centrais no processo de formulação e

implantação da política externa durante o regime militar.

Ao assumir a Presidência da República, em abril de 1964, Castelo Branco e seu

ministro das Relações Exteriores, Vasco Leitão da Cunha, esforçaram-se com denodo para

desarticular os princípios que regiam a Política Externa Independente, tais como “o

nacionalismo, base da industrialização brasileira; o ideário da Operação Pan-Americana e a

autonomia do Brasil em face da divisão bipolar do mundo e da hegemonia norte-americana

sobre a América Latina” (CERVO & BUENO, 2002, p. 368). Nesse contexto, a disposição de

aproximação com os EUA até o nível do “alinhamento automático” tornou-se definidora do

modelo de política exterior do novo governo.

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A instabilidade política característica das últimas décadas que antecederam ao golpe

de 64 - associada a crises econômicas decorrentes de processos inflacionários que assolavam a

economia brasileira -, exigia dos governos, de modo recorrente, mudança na política

doméstica das questões consideradas prioritárias e, na política externa, revisão das demandas

essenciais da agenda internacional do país.

No âmbito da política regional, o país valorizava sua relação com os parceiros de

maior expressão no Hemisfério Sul. Além de diversos acordos assinados com Chile e México,

a cooperação com a Argentina esboçava-se como eixo dominante da PEB para a América

Latina, a qual buscava ainda acercar-se dos grandes países do continente (Chile e México)

com idênticos projetos, além de diplomacia com objetivos e interesses semelhantes.

No plano econômico internacional, o governo de Castelo Branco que sucedeu

governo constitucional, a partir de 1964, esforçou-se por negar os princípios fundamentais da

PEI e, promover, por conseguinte, abertura ao capital estrangeiro. O governo tornou-se

visitador assíduo das principais instituições financeiras estrangeiras para tomada de grandes

empréstimos, os quais resultaram no endividamento crescente e histórico do país.

Em termos de política global, era incoerente, para país como o Brasil, de limitado

poder econômico-militar, balizar sua política externa pelo confronto bipolar, quando o sistema

internacional presenciava sua erosão. Contudo, a bipolaridade serviu internamente, para

engendrar a noção de “inimigo interno” e, consequentemente, transformar as Forças Armadas

em forças policiais, e, externamente, desenvolver as variáveis de “interdependência” e

“segurança coletiva”.

Ao mesmo tempo em que o governo se preocupava em proporcionar a segurança

interna, eliminando a ação subversiva dentro do território nacional, havia também a

necessidade de redefinição da política externa. A conjuntura internacional de bipolaridade na

década de 1960, e mesmo na década de 1970, era interpretada por muitos responsáveis pela

formulação da política externa como sendo pautada pela “Guerra Fria”. Assim sendo, os

temas de “segurança coletiva” e desenvolvimento econômico promoveram reinserção do país

na política internacional.

Segundo Celso Lafer, a postura do governo Castelo Branco sustentava equívoco em

pensar na existência de convergência de interesses entre o Brasil e os EUA. “O objetivo da

atual política exterior americana é a manutenção da segurança americana, ao passo que o

objetivo básico do Brasil é desenvolvimento” (LAFER, 1967, p. 96). A política de

interdependência proposta no governo Castelo Branco evoluiu para política de dependência

em relação aos EUA. Em palavras do próprio presidente:

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Em relação aos Estados Unidos da América, a política externa brasileira

removeu, antes de tudo, a irreconhecível doutrina de nossas posições

ambíguas. Temos a convicção de que o Brasil e a grande nação norte-

americana cruzam seus interesses econômicos e comerciais no plano de

dogma político e de amizade recíproca. As características da atual situação

política do Brasil coincidiam com os anseios de paz do Continente e,

também, com os fundamentos de segurança coletiva, de responsabilidade dos

Estados Unidos (CASTELO BRANCO, 1966, p. 04).

As questões de ordem política têm, pois, implicações sobre as relações comércios

dos dois países. Para Carlos Estevam Martins,

A fragilidade da política externa do governo Castelo Branco repousava, a

partir do conceito de interdependência, exatamente na crença ingênua

depositada na fraternidade americana. Esperávamos que seu comportamento

internacional fosse ditado não pela percepção que eles tinham dos seus

próprios direitos e necessidades, mas pelos deveres e atribuições que lhes

havíamos imputado (MARTINS, 1975, p. 67).

No que se refere à problemática do comércio internacional, o Brasil, “ao aderir às

propostas em gestação pelo conjunto dos países subdesenvolvidos, tinha sido, nas Nações

Unidas, um dos principais atores na defesa da institucionalização de fórum, a exemplo da

OMC, para discussão da correlação entre comércio e desenvolvimento” (OLIVEIRA, 2005, p.

114). A ação do Brasil no continente, apesar de coerente e servil, não obteve dos EUA ou do

Ocidente a contrapartida esperada em termos de ajuda ao desenvolvimento.

A política externa passou a caminhar na direção oposta à da unidade latinoamericana.

O país não perdeu apenas com cisões na região, mas também com distanciamento noutros

continentes. “O espírito de cruzada anti-comunista afastou drasticamente as relações com a

China. O tratamento privilegiado concedido a Portugal limitava liberdade diplomática com os

recém-nascidos países africanos ávidos de reconhecimento” (MARTINS, 1975, p. 66). Como

conseqüência, o esfriamento das relações com os países em desenvolvimento reduziu as

possibilidades do país implementar política externa diversificada, acentuando a falta de

alternativa ao alinhamento automático, que representava política de dependência aos Estados

Unidos.

No tocante ao Itamaraty, sua relativa perda de autonomia e prestígio na condição de

formulador de políticas deveu-se, segundo Letícia Pinheiro, a duas razões essenciais: “à

presença ativa da Presidência da República nos negócios de política externa durante os

primeiros anos de regime militar; e a diferenças de ênfase entre o Itamaraty e o próprio

presidente quanto ao grau de aproximação aos Estados Unidos” (PINHEIRO apud

ALBUQUERQUE, 2000, p 457). Além do estilo atuante de governar do presidente, da sua

forte identificação com a Doutrina de Segurança Nacional deve-se levar igualmente em conta

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a inexistência de agências com suficiente grau de autonomia para se contrapor à sua posição

de decisor central.

Todavia, a política externa de Castelo Branco, desde suas primeiras investidas,

passou a colecionar críticas (conservadorismo político e econômico, restrição das relações

internacionais do país, promoção de estreito alinhamento aos Estados Unidos e estímulo à

evolução da política de interdependência para política de dependência) que a situaram em

posição de defesa e, ao constatarem sua fragilidade e contradições, os formuladores de

política externa dos militares optaram por sua revisão, e, por sua vez, abandono.

A mais urgente tarefa do novo governo, Costa e Silva (1967-69), era a economia. Os

críticos de esquerda, a exemplo de Celso Furtado, “denunciavam Castelo Branco e Campos

por terem adotado as fórmulas ortodoxas do FMI” (SKIDMORE: 1988, p. 141).

Embora fosse a crise de credibilidade que levara à expansão do poder executivo, o

grande beneficiário desta nova situação foi a política econômica. Enquanto o Brasil

mergulhava ainda mais profundamente no autoritarismo, surpreendido por sucessivos atos

institucionais, sua economia reagia bem à estratégia do governo.

Ainda que dando continuidade aos princípios de desenvolvimento e segurança, itens

básicos da “revolução”, Costa e Silva, a partir da constatação do insucesso da política de

interdependência desenvolvida no governo de Castelo Branco, implementou, em seu governo,

a “diplomacia da prosperidade”, enfatizando o caráter estratégico do setor externo para a

consecução de seus objetivos. Para Hermes de Oliveira,

A Diplomacia da Prosperidade baseia-se na convicção de que o

desenvolvimento é responsabilidade nacional a ser exercida, principalmente,

por meio de instrumentos internos. O governo reconhece, contudo, o caráter

estratégico do setor externo, tanto em termos de comércio, como de capitais e

técnicas (OLIVEIRA, 2005, p. 121).

Não é somente por fatores internos que se pode creditar o abandono da

interdependência e relativa retomada dos princípios básicos da PEI. Constata-se, mais uma

vez, a não convergência dos interesses da política externa norteamericana com os interesses

brasileiros, visto que os EUA estavam empenhados na manutenção da segurança internacional

e o Brasil em sua proposta de desenvolvimento.

Conforme Carlos Estevam Martins, “a política externa de Costa e Silva combateu os

privilégios decorrentes da divisão internacional do trabalho, criticando abertamente as

políticas discriminatórias dos países industrializados” (MARTINS, 1975, p. 72). Para ele, a

política implantada por Costa e Silva desconheceu o dualismo entre Ocidente e Oriente, bem

como a existência de fronteiras ideológicas. Para tanto, a diplomacia foi concebida e mantida

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como instrumento do expansionismo econômico.

A redescoberta do subdesenvolvimento como fenômeno estrutural do sistema

capitalista mundial promoveu a substituição dos conceitos de “segurança coletiva” e

“soberania limitada” pelos conceitos de segurança nacional e soberania nacional. A redução

no nível de relevância dado ao tema “Guerra Fria” representa mudança na percepção do

mundo. Na conjuntura internacional constata que bipolaridade – EUA e URSS – comporta

entendimentos políticos e cooperação econômica. A nova política continuava a buscar a

colaboração externa necessária à aceleração do crescimento sócio-econômico.

Quanto ao Itamaraty, aumentaria significativamente sua força enquanto formulador

de políticas. Em síntese, três razões explicam este fato:

Em primeiro lugar, o menor interesse do novo presidente por assuntos de

natureza externa. Em segundo, a particular atuação do chanceler Magalhães

Pinto, cujas aspirações políticas o levavam a adotar postura de considerável

visibilidade na arena nacional. Finalmente, o projeto de fortalecer a presença

brasileira no cenário internacional vis à vis postura menos alinhada aos EUA

e mais próxima aos países do Terceiro Mundo (PINHEIRO, 2000, p 459).

O Itamaraty recuperou em parte seu prestígio ao perceber maior espaço de atuação

enquanto unidade de formulação e decisão. Em virtude da interação respeitosa entre o

Itamaraty e o Executivo, já não se pode mais falar unicamente de um líder predominante

como nos tempos de Castelo Branco, mas antes de disputa de prestígio e poder entre vários

atores autônomos: o Itamaraty, os militares representados no Conselho de Segurança Nacional

e o presidente da República.

O governo de Emílio G. Médici, sobretudo na política doméstica, usufruiu de

esforços empreendidos por seus antecessores, especialmente na política econômica. A

performance econômica em 1969 definiu a tendência para o resto do governo Médici. O

Produto Interno Bruto (PIB) cresceu, contrariando as previsões dos analistas pessimistas, a

taxa superior a 10%, liderado pela indústria, em particular a automobilística. Este é o período

que se convencionou chamar de “milagre brasileiro”, que intensificou a concentração de renda

e dilatou a desigualdade de oportunidades entre ricos e pobres.

A década de 1970 mostrou grandes alterações nos quadros da economia mundial. Os

países desenvolvidos e em desenvolvimento iniciaram a década com níveis de crescimento

recordes em suas respectivas economias. Percebia-se o esforço de crescimento da economia

mundial. Não obstante, passados alguns poucos anos, o sistema econômico internacional

colapsou-se, quando os países produtores de petróleo decidiram pela supervalorização do

produto no mercado internacional.

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O esquema de confronto bipolar da Guerra Fria dos anos 1960 cedeu lugar, nos anos

1970, a esquema político complexo, no qual as considerações de poder passaram a ser muito

mais diversificadas. Para Celso Lafer, “nos desdobramentos dessa ordem de coexistência a

segurança deixou de ser qualificada pelos Estados apenas em termos estritos de guerra e paz,

e passou a englobar outros valores, como bem-estar econômico-social, autonomia política e

prestígio” (LAFER, 1982, p. 152).

Além desses fatores econômicos que conduziram a modificação na relação de forças,

bem como à diminuição da bipolaridade Leste/Oeste, podem ser ainda apontados três outros

fatores que pressionaram a reestruturação da ordem econômica internacional. Segundo o

renomado economista Celso Furtado, esses fatores são:

As alterações nas velhas estruturas coloniais e a conseqüente emergência de

novas nações no cenário Internacional; a importância cada vez maior para o

funcionamento e expansão das economias dos países desenvolvidos dos

recursos não-renováveis e da mão-de-obra dos países em desenvolvimento e,

por fim, a evolução política ocorrida nos países em desenvolvimento

(FURTADO, 1987, p. 143-159).

Assim, pode-se admitir a ocorrência de alterações fundamentais nos países

desenvolvidos ou em desenvolvimento, com importantes projeções para as realizações

internacionais. A histórica decisão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo

(OPEP), em 1973, evidenciou a existência de (nova) situação objetiva, na qual países

considerados periféricos no sistema econômico internacional agigantaram-se por controlar

determinado tipo de matérias-primas.

O caso da OPEP revela-se ilustrativo das modificações que se processavam no

cenário internacional, a partir da estrutura da sociedade de Estados, bem como na crescente

percepção de maior interdependência entre os Estados. Os países em desenvolvimento, e tidos

como periféricos do sistema financeiro internacional, continuam não tendo poder de retaliação

contra os países desenvolvidos, contudo, descobriram-se, desde então, com poder de

barganha.

A política externa do governo Médici (1969-1974) não buscou qualquer tipo de

aproximação com os países chamados terceiro-mundistas. Antes, procurou negociar as bases

de dependência com os Estados Unidos. Segundo Carlos Estevam Martins, “para o governo

Médici nada precisava ser alterado na ordem mundial estabelecida, exceto a posição relativa

que nela o Brasil estava ocupando” (MARTINS, 1975, p. 84). Médici sustentava a ideia de

Brasil Grande Potência.

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Além das questões de ordem política, as de natureza econômica e militar ganharam

relativo destaque. O novo governo esforçou-se por implementar medidas de maior

desenvolvimento econômico e projeção internacional. Para Letícia Pinheiro,

Presencia-se crescente multiplicação de agências federais relacionadas com

questões de comércio e finanças internacionais. No que se refere à área

militar, assiste-se ao fortalecimento da chamada comunidade de informações

e segurança enquanto núcleo influenciador de política externa, basicamente

através do Conselho de Segurança Nacional (CSN), e do Serviço Nacional de

Informação, o SNI (PINHEIRO, 2000, p.461).

Ao final da década de 70, os analistas apresentaram novos conceitos, que

qualificavam melhor a natureza das relações entre Brasil - Estados Unidos. O Brasil via o

mundo dividido entre ricos e pobres, aspirava ao desenvolvimento autônomo e dava rumo

independente a sua política exterior. “Os Estados Unidos viam-no dividido ideologicamente,

não tinham o desenvolvimento brasileiro, latino-americano ou sulista entre seus objetivos

externos e pretendiam cooptar o Brasil a sua meta de contenção do comunismo” (CERVO,

2002, p. 407). O crescimento econômico brasileiro lhes era prejudicial, a menos que fosse

induzido e controlado por seus banqueiros e empresas transnacionais.

Quanto ao Itamaraty, o ministro das Relações Exteriores Gibson Barbosa não chegou

a consolidar padrão relativamente autônomo de formulação de política externa, pois precisou

administrar conflitos com a área econômica e buscar apoio e consentimento na área militar

para implementar as políticas que envolvessem a segurança nacional. “O funcionamento da

arena decisória de política externa durante o governo Médici caracterizou-se por intensa

disputa entre três unidades: a Chancelaria, os militares oficiais e os segmentos econômicos”

(PINHEIRO, 2000, p. 462). Diante de tal espectro, decisões sobre diversos temas

internacionais foram formuladas em ambiente de barganha, postura que produziu, quase

sempre, política de interesse de grupos particulares mais do que política de interesse nacional.

A expectativa de boa parte da sociedade brasileira em relação ao novo governo

centrava-se na esperança de que Ernesto Geisel controlasse o aparato de repressão,

especialmente os torturadores. A cassação de mandatos e a suspensão dos direitos políticos de

parlamentares, bem como a censura, encontravam-se entre as principais ações arbitrárias do

governo anterior, que se tornou alvo de críticas e protestos de artistas e intelectuais. A Igreja

(através da CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) destacavam-se pela

contestação dos contínuos desmentidos do governo sobre a continuação da tortura e das

arbitrariedades das forças de segurança.

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As grandes esperanças do governo centravam-se na economia. De acordo com

Thomas Skidmore,

O II Plano Nacional de Desenvolvimento (1974-1979) fixava taxa de

crescimento em 10% por ano a ser alcançada mediante a mudança de ênfase

sobre os bens de consumo duráveis para a de produtos industriais e bens de

capital. A aceleração do crescimento era para melhorar a distribuição de

renda e exigiria a continuação de altos índices de ingressos de capital, assim

como aumento da poupança doméstica (SKIDMORE, 1988, p. 349).

O governo Geisel tinha quatro alvos principais: “manter o apoio majoritário dos

militares reduzindo ao mesmo tempo o poder da linha dura; controlar os „subversivos‟;

promover o retorno à democracia e, por fim, manter as altas taxas de crescimento”

(SKIDMORE, 1988, p. 319-321). Além disso, preocupava-se também com a distribuição cada

vez mais desigual dos benefícios do crescimento econômico. Medidas para distribuir melhor

os benefícios do “milagre” econômico seriam mais fáceis de adotar se o crescimento

continuasse a taxas altas.

No tocante ao cenário econômico mundial, a crise econômica internacional de 1973,

decorrente da valorização do petróleo, forçou o governo de Geisel a redefinir as funções

secundárias da política externa ao projeto de desenvolvimento: “a diplomacia, convertendo-se

em instrumento mais ágil, buscou a cooperação, a expansão do comércio exterior, o

suprimento de matérias-primas, o acesso a tecnologias avançadas” (CERVO, 2002, p. 385).

A política externa implementada durante o governo Geisel (1974-79) é geralmente

explicada, de acordo com Letícia Pinheiro, “a partir da necessidade de adaptações na inserção

do país no panorama internacional em virtude de suas novas demandas de natureza política e

econômica” (PINHEIRO, 1993, p. 247). Era imperativo para a manutenção do

desenvolvimento econômico do país o redirecionamento de sua política externa.

Ora, da adequação da práxis política externa à realidade internacional, a política

externa desenvolvida pelo governo Geisel passou a ser projetada como “pragmática,

ecumênica e responsável”: “A política exterior brasileira é pragmática porque procura

considerar a realidade internacional tal como ela se apresenta, e é responsável porque é ética.

O pragmatismo não nos obriga a aceitar tudo, leva-nos, isto sim, a fazer esforço para

compreender tudo, o que é diferente” (OLIVEIRA, 2005, p. 149). Assim, o enfoque

pragmático e ecumênico da política externa é, de certa forma, o resultado direto da evolução

da economia, tanto dentro quanto fora de nossas fronteiras (SILVEIRA, 1975, p. 53).

A considerar a nova conjuntura internacional, o pragmatismo ecumênico e

responsável do governo Geisel propunha, na realidade, defender os interesses nacionais

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vinculados ao projeto de desenvolvimento econômico. “A ação diplomática brasileira está

para a projeção, no exterior, dos interesses nacionais. Se, no passado, os interesses prioritários

foram os da consolidação da soberania política, hoje a diplomacia se orienta a apoiar o

desenvolvimento econômico do País” (SILVEIRA, 1974, p. 13). A política externa brasileira

caracterizou-se, então, por esforço contínuo de implementar projeto de inserção internacional

de viés autonomista.

Para Brasília, o mais importante eram as relações econômicas, “especialmente as

restrições ao acesso ao mercado americano e o desinteresse dos Estados Unidos em apoiar

reforma do sistema comercial e financeiro internacional” (SKIDMORE, 1988, p. 376). Não

obstante, não foi a economia que atritou fortemente o relacionamento Brasil-EUA durante o

governo Geisel, mas a tecnologia nuclear e os direitos humanos.

Desde 1945, os Estados Unidos se esforçaram para impedir a proliferação da

tecnologia de armas nucleares. Obviamente, não podiam deter os soviéticos, nem tentaram

impedir os ingleses e os franceses de se tornarem auto-suficientes em todas as fases da

tecnologia nuclear, inclusive a produção de armas. A tecnologia nuclear da Alemanha

Ocidental era avançada, além do que o país procurava avidamente clientes para o seu produto,

o que o tornou a fonte mais lógica para onde o Brasil se voltaria. A controvérsia em torno da

política nuclear produziu alguns benefícios políticos para o governo Geisel. Um deles foi o

apoio dos militares, que há muito se preocupavam com a liderança nuclear da Argentina.

Para Letícia Pinheiro, “o estilo autocrático do governo que caracterizou a

administração Geisel e as modificações introduzidas na estrutura da arena de decisão foram

cruciais para a implementação de mudanças significativas na política externa” (PINHEIRO,

1993, p. 247). Para alguns analistas, os ministérios econômicos, o Conselho de Segurança

Nacional, o Itamaraty e a Presidência da República constituíam-se em diferentes atores

presentes no processo decisório.

Letícia Pinheiro afirma que, durante o governo Geisel, “o que melhor define o padrão

de formulação da política externa é a categoria de foreign policy executive, que designa a

relação de extrema proximidade entre o presidente e seu ministro do Exterior, Azeredo da

Silveira” (PINHEIRO, 2000, p. 463). A política externa do governo Geisel teve, como

resultado básico, a ampliação dos contatos internacionais do Brasil, sendo exatamente esse

processo de ampliação de parcerias internacionais correspondente ao processo de

“universalização” da política externa brasileira.

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2. O CONTEXTO SÓCIO-ECONÔMICO-POLÍTICO-RELIGIOSO NO BRASIL

2.1 O ESFORÇO DE TRANSFORMAÇÃO DAS ESTRUTURAS SÓCIO-ECONÔMICA

NO BRASIL

Analisamos, no capítulo anterior, a arena política internacional do pós-II Guerra

Mundial. Abordagem sistema da temática, no entanto, exigiu aprofundamento do embate

político-ideológico, mais do que econômico, entre as duas superpotências (EUA e URSS); a

Revolução Cubana e seus desdobramentos para o Continente sulamericano e, por último, as

diretrizes de Política Externa Brasileira (PEB) dos Governos militares (1964-1978).

Nosso próximo passo, então, consistirá no esforço de “reconstrução” do contexto

sócio-econômico-político-religioso no Brasil, com eventual incursão também na América

Latina, para os anos de 1950 a 1964. O nosso ponto de partida consiste em aprofundar as

grandes questões sócio-econômicas do Brasil: a questão agrária (dilema resultante do tipo de

ocupação e colonização do país, mas que se tornou agudo no período populista dos anos 1950

e início de 1960); a sindicalização rural e urbana; a instabilidade política e o esforço de

crescimento econômico do país.

Em seguida, descreveremos o processo de fundação da Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil (CNBB), em outubro de 1952, em sua relação com a Ação Católica

Brasileira (ACB); os grupos de pressão política da Igreja e o início das transformações no

comportamento da Igreja no Brasil, em virtude de novos valores protagonizados pela CNBB;

a relação Igreja-Estado em meados do século XX; o apoio de grande parte da instituição ao

golpe militar de 1964; o golpe militar com inevitável alteração no sistema político e no

regime de governo do Brasil; a composição dos grandes blocos ideológicos (“esquerda ou

progressistas”, “direita ou conservadores” e moderados) na CNBB dos anos 1960; os

resultados do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965); a promulgação do AI-5 (1968) e o

aprofundamento do fosso político-relacional entre Igreja e governos militares.

Ao contrário do que afirmou Thomas Bruneau, a longa era Vargas (1930-1945)

caracteriza-se por tempo de instabilidade. Em 1932, eclodiu a revolta constitucionalista. Em

1935, a “marcha” da intentona comunista pelo país. Em 1937, o golpe que resultou na

implementação do Estado Novo. Getúlio Vargas instala regime autoritário, de caráter

moderado, e apóia-se no nacionalismo de Estado forte, de partido de massa, e ameniza a

necessidade da polícia secreta para permanecer no poder, simplesmente porque não é

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seriamente combatido por qualquer grupo importante da sociedade. “Eliminara a ameaça em

potencial dos comunistas, depois usou os fascistas como justificação do seu Estado Novo, e

passa a governar tranquilamente nos oito anos seguintes” (BRUNEAU, 1974, p. 102).

Ao término da guerra e à deposição de Vargas, o Brasil experimenta forte irrupção de

mudanças de toda ordem e em todos os setores da sociedade brasileira. Essas mudanças foram

inúmeras vezes analisadas por brasileiros e estrangeiros (BAER, 1965; FURTADO, 1965;

LOPES, 1967; SKIDMORE, 1967; BRUNEAU, 1974). Este último apresenta esboço do

processo de mudança da sociedade brasileira e indica as implicações dela para a Igreja.

As melhores descrições da política da Primeira República, ou da República Velha

(1891-1930), são aquelas que sublinham o seu caráter descentralizado e flexível. A

característica desse sistema parece ter sido a sua capacidade, de curta duração, de jogar com

vários grupos e, no processo, manter o status quo. Thomas Bruneau descreve a Primeira

República em termos de compromissos, equilíbrio e falta de mobilização:

A política se assentava sobre grupos políticos e econômicos extremamente

descentralizados, que não encorajavam uma mais larga participação do povo,

e o sistema político, no nível nacional, era equilíbrio entre certos Estados

mais poderosos. Durante a maior parte desse período, a estabilidade política

era um dado pacífico e não havia razão para maior mobilização ou para

mudança (BRUNEAU, 1974, p. 101).

Análise da sociedade brasileira no pós II Guerra evidencia o caráter paradoxal das

mudanças. Em muitos setores os passos eram tão largos que o país parecia empurrar rolo

compressor sobre os entraves estruturais do passado. Em outros setores, no entanto, havia a

crise e a regressão. “Política, econômica e socialmente, o Brasil foi tragado numa voragem de

mudança frenética que culminou no golpe militar de 1964” (BRUNEAU, 1974, p. 103). A

crise do final dos anos 1950 era, principalmente, de caráter econômico, político e social.

O país se encontrava diante de alternativas que compreendiam pelo menos duas

diferentes modalidades de desenvolvimento: “a primeira implicava a realização de

transformações profundas na estrutura de produção, de distribuição da renda, da propriedade

da terra”, favorecendo a criação de mercado interno amplo, produzindo acelerado crescimento

do setor industrial da economia. “A segunda proposta era prosseguir com o desenvolvimento

econômico dentro de modelo que permitisse a satisfação dos interesses internacionais -

externos e internos à sociedade brasileira” (LIMA, 1979, p. 27). Essa alternativa pressupunha

o desenvolvimento sem transformação da estrutura econômica e social do país. É o

desenvolvimento econômico “dependente-associado” (SODRÉ, 1964), que o país

implementou depois do golpe de Estado de 1964.

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O sistema de propriedade rural no Brasil era semelhante aos de outros países

subdesenvolvidos da América Latina, se não um pouco pior.

No Nordeste, em 1960, os minifúndios abrangiam 55% das propriedades mas

cobriam apenas 2% das terras, enquanto que os latifúndios perfaziam 2% das

propriedades com 47% das terras. As porcentagens de 1950 e 1960 mostram

uma mudança no volume das propriedades e na distribuição das terras.

Entretanto, as mudanças não são tão significativas quanto parecem à primeira

vista (BRUNEAU, 1974, p. 167).

O sistema historicamente estabelecido e mantido nas zonas rurais baseava-se no

modelo de sociedade patriarcal-paternalista, com uma relação de dependência entre o

empregado (colono) e senhor (proprietário). De modo geral, esse sistema permaneceu intacto,

nas zonas rurais, por toda a década de 1950. “O sistema é caracterizado por completa e difusa

autoridade da parte do senhor e falta da mínima autodeterminação da parte do empregado”

(CAMARGO, 1966, p. 166-167).

Desde o início dos anos 1950, o movimento operário1 tinha iniciado lento processo

de ascensão, elevando quantitativa e qualitativamente o nível de suas reivindicações

econômicas e políticas. Nesse processo de ascensão, mesmo com profundos limites políticos e

organizacionais, o movimento operário brasileiro rompeu, de fato, com a camisa de força que

lhe tinha sido imposta pela ditadura Vargas (1937-45) através de legislação sindical

corporativa, de estilo mussoliniano. Foi criado o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT),

ilegal, mas interlocutor de fato do governo. O esforço de aliança das esquerdas brasileiras

produziu a Frente de Mobilização Popular e a Frente Parlamentar Nacionalista, que

elaboraram bases pragmáticas unitárias: as “reformas de base”. Esta articulada ascensão do

movimento de setores populares pressionava o governo e o parlamento em favor de projeto

social de independência nacional.

Nesse contexto, quando as forças sociais se confrontavam num antagonismo sempre

maior, dois elementos se conjugaram acelerando a radicalização dos conflitos: primeiro, a

participação política dos camponeses2 que, pela primeira vez, se mobilizavam nos Sindicatos

1 O Movimento Operário no Brasil será analisado em contexto de maior expressividade dele, isto é, final dos

anos 1950 e início dos 1960, que corresponde a momento considerado pelos pesquisadores como segundo

período da industrialização brasileira; e será tematizado em sua relação com a Igreja.

2 Os camponeses organizaram-se em sindicatos, apoiados, sobretudo, pela Igreja. O esforço de sindicalização

rural, por parte da Igreja, expressa interesse pela manutenção de sua influência política e de controle do potencial

“revolucionário” dos camponeses. Quando a Igreja pleiteou a libertação política, econômica e cultural do

camponês manifestou interesse de coordenação do processo, no intuito de evitar que tal processo revolucionário

se voltasse contra a Instituição.

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e “Ligas Camponesas”3 pela defesa dos seus interesses (transformação na estrutura da

propriedade da terra e maior participação política) que confluíam nas reivindicações da frente

reformista; segundo, a divisão dos católicos, força social tradicionalmente conservadora, os

católicos compareciam diluídos nas diversas agremiações políticas que constituíam os

instrumentos de dominação política. Um processo, que necessita ser ainda melhor estudado,

provocou o deslocamento de núcleo progressista da hierarquia e dos leigos no sentido de

integrar a frente reformista.

Na segunda metade dos anos 1950 o Brasil experimentou crescimento econômico

extraordinário; poucos países na América Latina podiam se enquadrar na afirmação seguinte:

O grau de desenvolvimento industrial alcançado pelo Brasil torna possível ao

país satisfazer a procura de bens de consumo quase só com bens produzidos

internamente, e permite investimento baseado principalmente no suprimento

interno de bens de capital [...] o nível de atividade doméstica do país não é

mais dependente acima de tudo da quantidade e dos preços dos produtos

exportados (FURTADO apud BRUNEAU, 1974, p. 103).

Na década de 1950, o crescimento real per capita do Brasil era cerca de três vezes o

do resto da América Latina. A base desse crescimento repousava num aumento extraordinário

de produção industrial. Entre 1947 e 1961, a taxa anual média de crescimento econômico foi

de 5,8%, que dava quase 3% per capita. Entre 1957 e 1961, a taxa cresceu para 7% ou seja,

3,9% per capita. Esse crescimento baseava-se no setor industrial. Assim, enquanto a produção

total da indústria, entre 1955 e 1961, cresceu num índice relativamente impressionante de

80%, a indústria do aço cresceu 100%, as indústrias mecânicas, 125%, as indústrias elétricas e

de comunicações, 300%, e o setor de equipamento de transporte saltou para 600%

(FURTADO, 1965, p. 88-89). Em suma, durante a década, a economia do Brasil se

desenvolveu muito rapidamente e principalmente na base da indústria.

Em 1962, entretanto, o ritmo de crescimento decaiu e continuou a diminuir em 1963.

Devido à natureza do próprio processo de industrialização, à política do Presidente

Kubitschek até 1960, à resposta do Presidente Goulart à diminuição no crescimento, entre

outros fatores, a inflação cresceu tremendamente. No começo de 1964 a economia tinha

estagnado, a inflação chegara a média de pelo menos 8% ao mês, as reservas estrangeiras

estavam esgotadas, o investimento caíra, e a economia em geral estava em desordem.

3 Em meados dos anos 1950, as “Ligas Camponesas” constituíram-se provavelmente na primeira forma de

organização política do homem campo pela defesa de seus interesses, a saber: a transformação na estrutura da

propriedade da terra e maior participação política. Embora tenha alcançado expressividade política nacional em

torno de Francisco Julião, a iniciativa da Liga foi inteiramente de grupo de camponeses.

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2.2 OS ANTECEDENTES POLÍTICOS DO GOLPE DE 1964 E A HISTÓRICA RELAÇÃO

IGREJA-ESTADO NO BRASIL

2.2.1 Os Antecedentes Políticos do Golpe Militar

A cronologia dos acontecimentos políticos no período de 1955 a 1964, ainda que

simples, demonstra o caráter paradoxal do sistema político brasileiro. “A ascensão de

Kubistchek, em 1956, marcou início do processo de industrialização inteiramente ajustado aos

interesses do capital internacional” (KOSHIBA & PEREIRA, 1987, p. 346). O governo de

Kubistchek (1956-1960, do PSD) caracterizou-se “pelo rápido crescimento econômico e pela

criatividade que resultou em inovações, como a construção da nova capital federal em Brasília

e a criação da SUDENE, a repartição incumbida de executar a política de desenvolvimento

para o Nordeste brasileiro” (SKIDMORE, 1988, p. 27).

A Kubistchek sucedeu Jânio Quadros (1961, da UDN) que assumiu o cargo

sustentando a promessa de moralizar a política e fazer funcionar a burocracia. Além disso,

professava “intransigência com a corrupção, a preferência pela livre empresa e a ênfase nos

valores do lar e da família. Jânio também prometia erradicar a inflação e racionalizar o papel

do Estado na economia” (SKIDMORE, 1988, p. 28). Jânio assumiu a Presidência em janeiro

de 1961, cercado de enorme prestígio político. Sua campanha (tinha por símbolo uma

vassoura) convencera tanto amigos como inimigos que ele pretendia cumprir o que prometera.

Os militares, especialmente, depositavam nele grande esperança, pois há muito desejavam que

surgisse alguém capaz de desfechar cruzada moral contra o que consideravam políticos sem

princípios e oportunistas.

A magia política do novo presidente não levou muito tempo para ser posta à prova.

Sempre conhecido por suas excentricidades, começou, para surpresa geral, a flertar com a

esquerda. Concedeu a Che Guevara a Ordem do Cruzeiro do Sul, a mais alta condecoração

brasileira conferida a estrangeiros. Por que estaria ele homenageando um guerrilheiro

argentino-cubano? Pouco depois Jânio hesitaria em por em prática programa de estabilização

econômica, ao estilo do FMI, que prometera como remédio para debelar a inflação. Estaria

recuando da austeridade econômica? O presidente também se queixava de que o Congresso

estava obstruindo o seu programa legislativo, embora houvesse até então enviado poucos

projetos de lei.

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As atenções de Jânio para com o governo de Cuba foram o bastante para fazer ferver

a ira de Carlos Lacerda, ainda a voz mais poderosa e estridente da UDN, que dirigiu pesados

insultos ao chefe do governo, também temível polemista. Mas este não quis travar combate

verbal com o seu grande opositor. Ao contrário, para surpresa geral, enviou carta ao

Congresso, em agosto de 1961, renunciando à Presidência. Depois de sete meses deixou a

Presidência e o país. Seu gesto caiu como bomba sobre a nação. Os milhões de brasileiros que

lhe deram o voto ficaram perplexos vendo frustradas suas melhores esperanças. Embora possa

ter pensado que o Congresso o chamaria de volta dando-lhe poderes para governar ao estilo

de um De Gaulle, na França.

Assim Jânio levou à presidência o mesmo político do PTB que a UDN ajudou a

expulsar do seu posto em 1954. Na ocasião, o vice-presidente João Goulart realizava visita à

República Popular da China, fato que desagradou os ministros militares, sob alegação de que

tal aproximação com a China comunista evidenciava simpatia e inclinação político-ideológica

do futuro presidente àquele regime.

Antes que Goulart pudesse voltar, os três ministros militares, tendo à frente o

ministro da Guerra, marechal Odílio Denys, anunciaram que não lhe seria permitido assumir a

presidência. Os ministros militares publicaram manifesto no qual expressavam temor de que

Goulart entregasse cargos-chave nos sindicatos a “agentes do comunismo internacional”. Ora,

os ministros militares presumiram poder impor seu veto ao direito de Goulart à sucessão, mas

tal presunção era infundada. O manifesto estimulou a criação de movimento pela “legalidade”

de âmbito nacional, cujos membros exigiam que os militares respeitassem o direito legal do

vice-presidente à sucessão.

A solução encontrada foi que Goulart assumiria a presidência, mas com poderes

reduzidos. Emenda constitucional aprovada apressadamente transformou o Brasil em

república parlamentar. O poder executivo era efetivamente transferido para o gabinete, que

governaria com o apoio da maioria do Congresso. Goulart aceitou com relutância este

compromisso, mas imediatamente começou a planejar a reconquista dos plenos poderes

presidenciais. Conseguiu em janeiro de 1963, quando plebiscito nacional lhe devolveu o

sistema presidencial.

Ao governo faltava ampla base aliada, e o quadro de instabilidade assegurava pouca

confiança no sistema político. “Vários estadistas sugeriram, ou reclamaram, que o sistema não

estava à altura das necessidades da economia e da sociedade da época; mas as propostas de

solução variavam tanto que não havia possibilidade de compromisso” (BRUNEAU, 1974. p.

106). Cuba era vista como alternativa particularmente atraente e nela muitos grupos políticos

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e movimentos estudantis depositavam as suas esperanças. Entretanto, os militares achavam

essa alternativa menos desejável do que o governo de Goulart, e decidiram tomar o poder.

O golpe de “1964 foi entusiasticamente festejado pela maior parte da mídia

brasileira. Jornais importantes como o Jornal do Brasil, Correio da Manhã, O Globo, Folha

de São Paulo e O Estado de São Paulo pugnavam abertamente pela deposição do governo

Goulart” (SKIDMORE, 1988, p 63). Na esteira desses, seguiram em cadeia revistas, jornais e

TV dos “Diários Associados”. O único jornal importante que combateu o golpe foi o Última

hora, cujo diretor e fundador, Samuel Wainer, teve que fugir”4. A parceria civil-militar que se

formou em vista do golpe contou com apoio do empresariado e dos proprietários rurais.

Os advogados constituíram outra força oposicionista através do seu órgão de classe, a

Ordem dos Advogados do Brasil, cujo Conselho Federal bateu palmas à deposição de João

Goulart. Segundo Thomas Skidmore, “foi uma posição arriscada, dada a irregularidade da

transição de Goulart para Mazzilli, mas no início de 1964 a classe se alarmara tanto com a

ameaça ao constitucionalismo vinda da esquerda que faria vistas grossas para os defeitos

legais da sucessão” (SKIDMORE, 1988, p 63).

A hierarquia da Igreja foi outra fonte de opinião de elite que apoiou a intervenção

militar. Em declaração5 de 26 de maio do corrente ano, a CNBB avalia situação nacional e

constata que: “atendendo à geral e angustiosa expectativa do Povo Brasileiro, que via a

marcha acelerada do comunismo para a conquista do Poder, as Forças Armadas acudiram em

tempo, e evitaram se consumasse a implantação do regime bolchevista em nossa Terra”. Além

disso, expressa profunda gratidão aos militares pelo êxito incruento de revolução armada:

“agradecemos aos Militares que, com grave risco de suas vidas, se levantaram em nome dos

supremos interesses da Nação, e gratos somos a quantos concorreram para libertarem-na do

abismo iminente”. Contudo, coloca-se em defesa dos ativistas da Ação Católica e do

Movimento de Educação de Base: “não aceitamos, nem jamais poderemos aceitar a acusação

injuriosa, generalizada ou gratuita, velada ou explícita, de que Bispos, Sacerdotes e fiéis ou

organizações, como, por exemplo, a Ação Católica e o MEB sejam comunistas ou

comunizantes” (CNBB apud LIMA, 1979, p. 147-148).

4 O comportamento adotado pelos jornais brasileiros em relação ao golpe de 1964 é analisado por STEPAN, A.

The Military in Politics: Changin in Patters in Brazil. 1971, p. 57-121.

5 A declaração dos bispos é reproduzida em LIMA, L. G. S. Evolução política dos católicos e da Igreja no

Brasil, p. 147-149, 1979, a partir de matéria publicada pelo Jornal do Brasil de 03 de junho de 1964, p. 3,

supostamente na íntegra. O contexto histórico que subjaz declaração, em caráter de manifesto, encontra-se em

BRUNEAU, T. C. Catolicismo Brasileiro em época de Transição, 1974, p. 119-123.

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Quanto aos políticos, o golpe de 1964 apanhou muitos de surpresa. Os civis mais

conhecidos envolvidos na conspiração não perderam tempo, contudo, para usar a intervenção

militar em proveito próprio. “Virtualmente toda a UDN e metade do PSD rapidamente

apoiaram o golpe. Muitos membros do PTB e da esquerda do PSD, não obstante,

concentraram-se na discussão da duvidosa legalidade da deposição de Goulart”. Além disso,

os parlamentares desses partidos “denunciaram as cassações de figuras ilustres, como o

nutricionista e especialista em saúde pública Josué de Castro, o economista Celso Furtado e o

reformador do sistema educacional Anísio Teixeira” (SKIDMORE, 1988, p 64). A Revista

Civilização Brasileira tachou as cassações de “terrorismo cultural” e narrou em 60 páginas a

crônica das prisões e intimidações a personalidades das artes, da ciência e da educação.

O governo sofreu, então, com libelo “liderado pelo editor Ênio Silveira6, o

romancista e comentarista político Carlos Heitor Cony, o crítico literário Otto Maria Carpeaux

e o jornalista e político Márcio Moreira Alves” (SKIDOMORE, 1988, p. 65). Os três últimos

escreviam no Correio da Manhã, que apoiara fortemente a deposição de Goulart, mas que se

achava agora desiludido com a atuação do governo militar7. Outro respeitado crítico era Alceu

Amoroso Lima, ensaísta e veterano líder do laicato católico. Cônscio da realidade brasileira, e

percebendo a guinada dos golpistas em direção à direita política, advertiu em abril de 1964

que “a extrema direita era tão antidemocrática quanto a extrema esquerda” (LIMA, 1964, p.

224-232). A esquerda identificava os militares como nada mais do que agentes do

imperialismo e dos privilegiados do Brasil, que lutavam para impedir que o país

empreendesse reformas sociais básicas.

O governo dos Estados Unidos foi outro entusiástico defensor do golpe. “Por

sugestão do embaixador Lincoln Gordon, o presidente Lyndon Johnson enviou mensagem de

congratulações a Ranieri Mazzili horas depois de seu juramento como presidente em

exercício” (SKIDMORE, 1988, p. 66). Johnson se dizia satisfeito em saber que os brasileiros

estavam resolvendo suas dificuldades “no contexto da democracia constitucional”, o que não

era, naturalmente, a plena expressão da verdade. Johnson também afirmou prever a

“intensificação da cooperação no interesse do progresso econômico e da justiça social para

6 Ênio da Silveira era o principal diretor da Editora Civilização Brasileira. A Revista Civilização Brasileira

lançou primeiro número em março de 1965, no qual informava que objetivo básico dela era pôr em relevo os

interesses nacionais do Brasil, “mas não se limitará a nacionalismo sentimentalista e estreito, nem se deixará

envolver pelo projeto geopolítico ou o planejamento estratégico continental que o Departamento de Estado e o

Pentágono promovem e que alguns dos nossos políticos colocam em ação”. Revista Civilização Brasileira: Da

Declaração de Princípios da Revista, n° 1, p. 3-4, 1965.

7 As colunas de CONY publicaram-se em Carlos Heitor Cony, O ato e o fato: crônicas políticas. Rio de

Janeiro:1964, e as de ALVES em Márcio Moreira Alves, A velha classe. Rio de Janeiro: Arte Nova, 1964.

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todos” (PARKER, 1979, p. 85)8.

Durante os seus primeiros meses como presidente, Castelo Branco tentou dissociar o

seu governo dos revolucionários de extrema direita. “Caminharemos para a frente com a

segurança de que o remédio para os malefícios da extrema esquerda não será o nascimento de

direita revolucionária, mas o das reformas que se fizerem necessárias” (CASTELO

BRANCO, 1964, p. 14). O programa econômico e político do novo governo, que incluía

medidas antiinflacionárias e reformistas, estava destinado a provocar vigorosa oposição. Após

consolidar a tomada do poder e centralizar a autoridade no Executivo, Castelo Branco e seus

companheiros revolucionários voltaram-se para o trato das questões econômicas, desde então

o maior dos desafios.

2.2.2 A Histórica Relação entre Igreja-Estado no Brasil

Antes, porém, de analisarmos a crise que se instalou na relação entre as instituições

Igreja-Estado a partir de 1968, convém reconstruirmos, de modo sumário, a histórica relação

entre a Igreja e o Estado brasileiro. Os eventos e dados históricos resultantes da relação

Igreja-Estado serão tomados aqui em perspectiva política, o que nos exime da

responsabilidade com reflexão teológica dos mesmos. Essa perspectiva de análise nos

permitirá evidenciar mudança de comportamento da Igreja em sua relação com o Estado na

década de 1960, particularmente durante a vigência do AI-5.

Os estudos das décadas de 1950 e 1960 revelam continuidade do papel da Igreja na

sociedade brasileira para os períodos colonial e imperial (BRUNEAU, 1974; DELLA CAVA,

1975). Naturalmente, essa continuidade é limitada aos elementos essenciais, tanto da estrutura

da organização eclesiástica como das suas relações com a sociedade civil.

A Igreja da colônia refletia em absoluto a Igreja da metrópole, na qual aquela se

espelhava. Os membros da Igreja, em particular o clero, participavam ativamente da política

colonial, através da instituição do padroado (condição de estreita vinculação entre Estado e

Igreja, por meio da qual a primeira instituição exercia sobre a segunda todo o tipo de controle

8 O envolvimento dos Estados Unidos recebeu a sua mais completa documentação e análise em PARKER, P. R.

Brazil and the Quiet Intervention, 1964. Austin: University of Texas Press, 1979. O autor garimpou documentos

oficiais nas bibliotecas presidenciais Kennedy e Johnson. Importantes documentos da Biblioteca Johnson

publicaram-se em português em CORREIA, M. S. 1964, visto e comentado pela Casa Branca. Porto Alegre: L

& M, 1977. O apoio estadunidense ao novo governo brasileiro situa-se no contexto das relações brasileiro-

americanas após 1964 em WESSON, R. The United States and Brazil Limits of Influence. New York: Praeger,

1981.

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e influência; em contrapartida, assumia todos os custos de expansão e manutenção desta

última) nas terras conquistadas. O Estado detinha todas as possibilidades de impor à Igreja

determinada orientação, sem qualquer consulta prévia e mesmo em divergência com o

papado.

A Igreja tinha que depender dos dízimos e da cooperação do Estado para construir os

seus templos. Muitos pesquisadores da Igreja colonial constataram que o clero regular (das

ordens e congregações religiosas) era superior em número e na qualidade da formação

recebida. Os regulares incluíam os beneditinos, franciscanos, carmelitas, capuchinhos,

oratorianos e jesuítas (BRUNEAU, 1974, p. 40-42). No Brasil, os jesuítas foram aqueles que

realizaram as tarefas (de fundar escolas, catequizar índios, desenvolver novos métodos de

ensino e reformar membros do clero) que tornaram a Igreja de alguma forma importante nos

primeiros tempos.

Alguns historiadores acreditam que o sucesso dos jesuítas representou também a

ruína deles. Para gerir seus trabalhos missionários tiveram que recorrer ao poder político. Essa

estratégia indispõe muita gente da colônia contra eles. Em vista da crescente oposição à

Companhia de Jesus no Brasil, e com a diminuição do apoio político, os jesuítas sofreram

restrições. Contudo, duro golpe contra a Ordem fora desferido por Marquês de Pombal

(Sebastião de Carvalho e Mello) ministro do Rei José I de Portugal, de 1750 a 1777. O

Marquês era considerado estadista moderno para a época, por formar monarquia absoluta em

Portugal, nos moldes da Espanha ou França. Para alcançar o absolutismo, pombal teve

primeiro que tomar, para o Estado, o controle mantido pelos nobres, pelo papado, pela Igreja

nacional e, especialmente, pela Companhia de Jesus. Sob Pombal, a Igreja em todos os níveis

foi mantida inteiramente sob controle e dominada pelo Estado.

Pombal começou sua guerra contra a Igreja suprimindo os jesuítas. Para fazer isso,

“usou série de crimes odiosos implicando neles os jesuítas”. Uma vez condenados, Pombal os

puniu com supressão, expulsão e morte, não apenas em Portugal, mas também no Brasil, em

1759. Depois de 1760, Pombal rompeu as relações com o Vaticano. A partir de então até o

restabelecimento das relações, em 1770, a Igreja em Portugal era de caráter inteiramente

nacional. A partir de 1770, as relações foram reassumidas durante o papado de Clemente

XIV. Pombal conseguiu obter do Papa o reconhecimento de seu controle sobre a Igreja

nacional e a supressão dos jesuítas no mundo inteiro, em 1773. Em termos de relação de

autonomia, Pombal aumentou o controle do Estado sobre a “Igreja nacional” (e nas colônias),

diminuiu claramente o de Roma, e esvaziou a força dos Jesuítas em Portugal. O impacto das

medidas pombalinas na Igreja do Brasil teve longa duração, mas não nos cabe aqui analisá-lo.

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No começo do século XIX a influência da Igreja no Brasil sobre a sociedade e Estado

brasileiros era insignificante. O regime de padroado persiste na relação entre o Estado e a

Igreja mesmo após a independência política do Brasil do governo português e, como

consequência desse desfecho, a instituição de novo regime administrativo: o imperial

(BRUNEAU, 1974, p. 47-56). O catolicismo identifica-se com a religião semi-oficial do

Estado, a quem era subordinado e servil. Assim, a Igreja aliena-se a sistema de dominação,

comprometida com Estado escravocrata. Usava o Estado, as estruturas dele e o apoio da

classe dominante (as oligarquias latifundiárias do país) para adquirir expressão nacional.

A escravidão perdurou legalmente no país, não sem questionamentos, pressões e

ameaças de retaliações de investidores e comerciantes ingleses (desde a lei Eusébio de

Queiros, de 1850), até 1889. Nesse contexto, assistira-se a crise político-religiosa que colocou

parte da hierarquia da Igreja em oposição à política do imperador e do império. A origem da

crise remete-se a esforço de parcela da Igreja no Brasil de distanciamento crescente da

política imperial e seus enclaves e, por conseguinte, de maior aproximação com a Igreja

internacional9. Os benefícios de esforços de melhoria das relações com hierarquia, sobretudo

em Roma, constataram-se com a proclamação da República, em 1889.

Após a separação entre Igreja e Estado, em 1889, a Igreja se dedicou a perseguir,

segundo Luiz Gonzaga de Souza Lima, dois objetivos principais:

Primeiro, conquistar sua autonomia de fato em relação ao Estado,

modernizar, conformar-se aos modelos institucionais de orientação romana.

O segundo, recuperar a condição de religião oficial do Estado, para usar as

suas estruturas e seus recursos. É possível afirmar que a Igreja brasileira

obteve sucesso em ambos os sentidos (LIMA, 1979, p.16).

As relações com Roma passavam a se realizar diretamente, permitindo a

intensificação do processo de modernização e reorganização da Igreja. O distanciamento da

Igreja imposto pelo Estado resultou em restrição de recursos para as obras (pastorais, de

construção ou restauração de templos, de assistência social e educacional) da Igreja.

A separação entre a Igreja e o Estado não implicou nenhuma transformação ao nível

da base social principal da Igreja, que continuou a ser a classe dominante, isto é, as diversas

oligarquias agrárias. O processo de industrialização provocou grandes transformações na

sociedade brasileira, mas não alterou o caráter elitista da instituição.

9 Adotaremos o termo Igreja internacional em substituição ao de Igreja universal, que pode reservar algumas

imprecisões ou ambiguidades, na tentativa de dizer da Igreja Católica (Apostólica) Romana. O termo Igreja

internacional poderá ser entendido ainda, em usos futuros, em relação à Igreja em âmbito nacional. Além disso, o

uso do termo Igreja internacional pretende diferenciar a Igreja Católica da Igreja fundada por Edir Macedo, sob o

nome estendido de Igreja Universal do Reino de Deus, porém, conhecida popularmente por Igreja Universal.

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Como ponto alto do período de intensas lutas sociais, a Revolução de 1930 no Brasil

significou também, ao nível do governo, o compromisso entre as velhas oligarquias, seus

segmentos liberais e a burguesia industrial emergente, com a participação das classes médias

(SODRÉ, 1964; CARONE, 1977; FAUSTO, 1978). Na base das transformações estruturais

destaca-se o ritmo de desenvolvimento da industrialização de substituição de importação da

economia brasileira em relação à crise internacional do capitalismo, bem como intenso

processo de urbanização que caracterizaria o período.

Nesse contexto de maior independência da Igreja em face do Estado, contudo sem

efetivo distanciamento, estabelece nova relação de dependência (ideológica e financeira) com

o exterior, por meio de contribuições de instituições laicas, organizações católicas e Igrejas

estrangeiras. No que diz respeito ao comportamento da Igreja no Brasil caracterizava-se por

estreita identificação com a Igreja européia, principalmente em relação às questões como o

comunismo, socialismo e secularismo.

A Igreja desse período de transição política (do populismo para a democracia), ao

dedicar-se à educação, assistência social e comunicações de massa (jornais, estações de rádio,

revistas, folhetins, etc.), com a maior parte de seus recursos humanos e financeiros

concentrados nos centros urbanos, em atenção às classes médias, usando também de recursos

públicos, continuou a ser a Igreja da velha oligarquia, porque nas zonas rurais não havia

sofrido transformações substanciais na sua base social. Era como se existissem duas Igrejas:

uma voltada para a sociedade rural tradicional fortemente apoiada nas minorias dominantes; e

outra para a sociedade urbana, mais informada, e, exatamente por isso, mais crítica e liberal.

A partir de 1946, com o início da experiência democrática no país surgiram

elementos importantes, que haveriam de influenciar a sociedade brasileira no seu conjunto e,

portanto, também a Igreja. De modo sumário, de acordo com Luiz Gonzaga de Souza Lima,

destacamos: a) o esforço de implementação do “desenvolvimentismo”; b) o populismo, forma

de governo praticada com sucesso pelos grupos dominantes para estabelecer o controle sobre

a organização social e manter o monopólio da atividade política, e a virtual exclusão das

esquerdas da liderança sobre o movimento operário; c) o retorno do catolicismo como religião

semi-oficial do Estado, sem modificações substâncias nas relações até 1964 (LIMA, 1979,

p.18).

A Igreja adaptou-se confortavelmente às transformações sociais em curso, mantendo,

no campo, as oligarquias como base social principal, e estendendo essas bases, nas cidades,

abrindo-se às classes médias. Os interesses políticos da instituição eram tratados diretamente

com o Estado, que representava a coalizão dos grupos dominantes nos quadros do

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subdesenvolvimento nacional e regional e, por conseguinte, da dependência nacional ao

capital estrangeiro. Os leigos se faziam presentes em todos os setores e partidos políticos, e o

catolicismo, embora não fosse mais a religião oficial do Estado, permanecia como a religião

dos grupos dominantes. A defesa dos interesses particulares da Igreja não necessitava de

nenhuma organização política particular.

A participação, nesse modelo de Igreja despótica, centralizadora e monopolizadora

das consciências, além de acrítica em relação à sociedade, era-o também em relação à própria

instituição. João Batista Libanio, teólogo jesuíta, afirma que “o esquema sócio-econômico e

religioso era profundamente dominador. O próprio catolicismo, nas suas diversas formas

históricas, assumiu em relação ao simples fiel expressão de dominação, que lhe dificultava o

acordar da consciência” (LIBANIO, 1976, p. 295). A maioria da sociedade brasileira,

composta por pobres, analfabetos e miseráveis, sofria a religião, haja vista não participar ativa

e criticamente dos programas de ação dela. Era marginalizada também do processo de

distribuição da riqueza, do acesso à cultura, à propriedade e, principalmente, da participação

política.

Nessa forma de “neo-cristandade” (BRUNEAU, 1974; MAINWARING, 1989) a

Igreja define todas as camadas da população como inclusas no seu campo de ação. Com o

catolicismo popular era possível preservar a ilusão de que todos os grupos estavam incluídos;

contudo, por causa do crescimento de outras religiões (evangélicos tradicionais, pentecostais e

neopentecostais, espiritismo, etc.), o monopólio dos grupos na sociedade é patentemente falso

(BRUNEAU, 1974, p. 111).

Em face de suposto avanço do comunismo soviético ou chinês, a Igreja de novo se

apoiou em estratégias políticas para ganhar e exercer influência, em vez de procurá-las através

da evangelização. Há, no mínimo, duas razões para isso: a carência de padres e religiosas para

empreender projeto de evangelização capaz de implementar as conclusões do Concílio

Vaticano II; e usar estratégias políticas para garantir influência no novo governo. Contudo, a

ameaça mais óbvia contra a Igreja situava-se na esfera política: como a Igreja se apoiava nas

estruturas e recursos do Estado para a sua definição de influência, era-lhe totalmente

impossível manter-se à distância do poder de Estado.

O contexto histórico da política brasileira não favoreceu exclusivamente a

organização dos progressistas. Outros setores se integrariam em frente amplamente

majoritária, com posições conservadoras, que daria cobertura a mobilizações políticas de

caráter conservador, nas quais se uniam aos grupos dominantes e outras forças sociais

contrárias às transformações estruturais do país (LIMA, 1979, p. 42).

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A divisão da Igreja nos anos finais da crise político-econômica brasileira daquele

período se manifestava em diversos níveis. Além das divergências existentes no âmbito

nacional, entre bispos conservadores e progressistas e o conjunto destes e a Ação Católica

Brasileira (ACB), as divisões se manifestavam em cada diocese. Naquelas dioceses dirigidas

por bispos conservadores, o trabalho progressista desenvolvido pela ACB era obstaculizado e

muitas vezes proibido. Da mesma forma, nas dioceses mais progressistas, as mobilizações

conservadoras eram desautorizadas e desestimuladas, e muitas vezes proibidas.

Outra importante influência da crise político-econômica brasileira sobre a Igreja foi a

organização de movimentos clericais de extrema-direita que, no rastro das mobilizações

moderadas, tentaram representar amplos setores da instituição nas frentes mais reacionárias,

com inúmeras conexões com o submundo da repressão. É o caso de setores da Congregação

Mariana e do movimento Tradição, Família e Propriedade (TFP), de origem brasileira.

A Igreja tinha que se envolver para assegurar poder. Daí decorre a conclusão de que a

Igreja, eclesiásticos e intelectuais leigos, apoiou o golpe de Estado desferido contra governo

constitucional de João Goulart, em 1 de abril de 1964, sob alegação da necessidade premente

de moralização da atividade política, de organização das estruturas de governo, de modo a

preparar o país para as reformas estruturais e culturais. Ainda nos primeiros anos de governo

militar, parcela da Igreja percebeu seu equívoco em apoiar o golpe e, paulatinamente,

membros influentes da hierarquia passaram a exercer forte oposição ao governo, denunciando

a política econômica e as estratégias de segurança dos sucessivos governos militares.

2.3 A FUNDAÇÃO DA CNBB, DA ACB E DA AP

2.3.1 A Fundação da CNBB e a sua Relação com a ACB

A diferença decisiva entre a Igreja do Brasil e a maioria dos outros países da América

Latina, neste período, está no fato de apenas um ou dois bispos e alguns padres, nesses países,

estarem engajados em programas de mudança social, enquanto que no Brasil esses programas

se tornaram nacionais. As declarações dos bispos eram regionais e nacionais, o Movimento de

Educação de Base (MEB) se tornou de âmbito nacional em 1961, a sindicalização rural em

1962, e a Ação Católica Brasileira (ACB) também era de âmbito nacional.

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A Igreja institucional no Brasil estava desenvolvendo novo papel de apoio aos

elementos de modernização na sociedade em geral. Entretanto, estudando a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional de 1961, percebe-se claramente que não era a Igreja toda que

entrava nesse novo papel, e as disputas internas em torno do MEB, do sindicalismo rural, da

Ação Católica, são sinais de que havia algo menos do que unanimidade na questão da missão

na mudança social. Contudo, alguma coisa fora do comum estava ocorrendo na Igreja do

Brasil, que a colocava à frente de qualquer outra Igreja, salvo a do Chile, e essa atuação sem

precedentes fora desencadeada pela CNBB.

Fundou-se a CNBB, em outubro de 1952, sob esforço de articulação decisivo de

Helder Camara, antes mesmo de ter sido ordenado bispo, e aprovada por Giovanni Montini,

então Pró-Secretário de Estado do Vaticano para as relações internas da Igreja. A ideia e os

planos para organização dela nasceram de diálogo entre os dois, em princípios da década de

1950, e pode-se dizer com segurança que a CNBB estava bem dentro da estrutura e das

prioridades de Roma (cf. BRUNEAU, 1974, p. 196; MAINWARING, 1989, p. 66). A amizade

de dom Helder com Montini, mais tarde Papa Paulo VI, data desse período. Logo depois,

Helder Camara foi nomeado bispo auxiliar do cardeal dom Jaime Camara (nenhuma relação

de parentesco), do Rio, e eleito Secretário Geral da CNBB, função que ocupou por mais de

uma década.

Para Thomas Bruneau, dom Helder tinha dois objetivos ao fundar a Conferência:

Nunca houvera uma coordenação nacional da Igreja, além da que podia ser

efetuada por uma personalidade forte como a de Dom Leme, e a necessidade

dessa coordenação se tornara urgente com a rápida expansão das dioceses,

ocorrida em princípios da década de 50; e achava ele que uma organização

nacional como a CNBB animaria a instituição toda a tomar um interesse ativo

na mudança social. Essas ideias inspiraram a CNBB e, até certo ponto, toda a

Igreja, durante o período anterior a 1964 (BRUNEAU, 1974, 196-197).

Helder Camara representou, nesse período, a força propulsora da organização, mas

não agia sozinho. Na realidade, a CNBB era a Conferência de toda a hierarquia, embora

houvesse algumas pessoas que se destacavam pelo poder da influência. Esses bispos eram os

que estavam mais preocupados com o problema social no período de 1950-1964, de modo que

a organização, reunindo esses bispos que estavam atuando ativamente em programas de

mudança social nas suas dioceses, ampliou a sua ação, difundindo os seus interesses por toda

a instituição. A lista seguinte mostra que a maioria dos bispos dirigentes da CNBB vem do

Nordeste: “Helder Camara (CE); Carlos Carmelo Mota (MG); Carlos Coelho (PB); Luiz

Mousinho (PE); José Delgado (PB); José Távora (PE); Eugênio Sales (RN); Fernando Gomes

(PB) e Manuel Pereira (PE)” (BRUNEAU, 1974, p. 198).

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Dentre os nove bispos, oito são do Nordeste, um do Sudeste, e nenhum do Sul. A

predominância dos bispos do Nordeste é ainda mais significativa se compararmos o seu

coeficiente com a totalidade da hierarquia. Os dados para 1966 mostram total de 178 bispos

nascidos no Brasil. Há mais 65 de naturalidade estrangeira, mas são relativamente pouco

importantes em termos de participação, de política eclesiástica. Nos oito Estados do Nordeste

(excluindo a Bahia que por razões históricas funciona de modo diferente) há total de 35

bispos, ou seja, cerca de 19% da hierarquia nascida no país. Minas Gerais, com 43 bispos,

compreende 24% do total. O Sul, com o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, tem 36

bispos, que perfazem cerca de 20% do total (DEELEN, 1967).

É evidente que a vasta maioria da CNBB e dos bispos preocupados com o problema

social vem do Nordeste, em proporção substancialmente mais alta do que se poderia prever.

Além disso, tem-se a impressão de que a organização deu proeminência nacional a membros

da hierarquia que tradicionalmente estiveram um tanto marginalizados. Os importantes

“estadistas” da Igreja do início do século XX, dom Arcoverde, dom Leme e dom Jaime, como

cardeais do Rio, bem como outros membros estratégicos da hierarquia, eram todos do Sul ou

do Sudeste. Através da CNBB, os bispos do Nordeste se tornaram os mais estratégicos e

proeminentes, tanto no Rio como nacionalmente, mediante as suas declarações, seus

programas e movimentos.

A CNBB compôs a base da nova abordagem de influência da Igreja, composta por

dom Helder e outros bispos do Nordeste da mesma mentalidade, de forma que a Ação

Católica, ao mesmo tempo em que serviu de estímulo para a CNBB, só pode evoluir por causa

dela. Fundada para promover a unidade da Igreja em âmbito nacional, a CNBB proclamava

duplo objetivo: “A. Estudar problemas de interesse da Igreja, particularmente no Brasil; B)

apresentar normas, aprovar e coordenar medidas, que facilitem e promovam a unidade de

orientação e a conveniente atualização pastoral” (CNBB, 1966, p. 8).

Antes que o Concílio Vaticano II expandisse a jurisdição das conferências episcopais

nacionais, a CNBB não gozava de expressão legal. Consulta ao Direito Canônico evidencia a

competência limitada, para não dizer inexistente, de conferência nacional: na base da

hierarquia estão os bispos10

; no ápice está o Papa com os secretariados da Santa Sé; entre

esses dois níveis não há nada. O núncio apostólico é o representante religioso e civil do Papa

10

Os bispos “têm o direito e o dever de governar as dioceses tanto em questões temporais como espirituais, com

poder legislativo, judicial e coercitivo, a ser exercido conforme a lei” (DIREITO CANÔNICO, Cânon, n 335).

Os bispos governam território chamado diocese, e eles são dotados de amplos poderes em virtude da função e

não por delegação.

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63

num país11

.

No Concílio Vaticano II, a autoridade limitada das conferências nacionais aumentou

ligeiramente. No Decreto sobre o ministério pastoral dos bispos, Christus Dominus, n 37, lê-

se o seguinte: “julga este Santo Concílio ser de extrema conveniência que, em todo o mundo,

os bispos da mesma nação ou região se reúnam periodicamente em assembléia, para que, na

comunicação de pareceres e experiências, e da troca de opiniões, resulte santa colaboração de

esforços a serviço do bem comum das Igrejas”.

As conferências nacionais não existem no Direito Canônico, foram apenas

reconhecidas no Concílio e de forma alguma pretendem competir com a autoridade dos

bispos. Essencialmente, a CNBB foi capaz de superar as limitações financeiras e de estrutura,

de independentizar-se da figura de dom Helder, ultrapassar a sua jurisdição limitada e dar

nova orientação à Igreja inteira, porque era realmente uma instituição12

. Em termos de

instituição, em vez de arranjo estrutural limitado, a organização se tornara, carregada de valor,

pelo menos para aqueles que trabalhavam nela, se não para toda a Igreja, reunida em torno da

carismática figura de dom Helder e de outros bispos engajados.

A fim de que a institucionalização, ou a formação da instituição, possa ocorrer, são

necessárias pelo menos quatro condições13

: autonomia, liderança, ideologia e coerência. Para

Bruneau, essas condições são comumente aceitas, e as utiliza para analisar como a CNBB foi

capaz de dar direção à Igreja no Brasil. Apesar da sua jurisdição legal mínima, a CNBB pode

funcionar e se desenvolver porque estava separada das estruturas tradicionais da Igreja, tais

como a diocese, a cúria, a paróquia, as ordens religiosas. Todos os observadores de dom

Helder notaram a sua capacidade carismática de estimular, inovar e inspirar. A organização

não era grande, mas atraia pessoas com objetivos semelhantes ou afins. Era de se esperar que

11

O núncio faz a comunicação entre os bispos e Roma, recomenda as nomeações e transferências, sugere linhas

de conduta ao Vaticano, entra em contato com o governo, mas não é representante nacional da hierarquia.

“Literalmente, não existe isso que se chamaria de Igreja nacional. Ao mesmo tempo, há a autoridade do Papa, de

modo que o fiel se insere numa dupla jurisdição. E, conquanto haja entidades chamadas nações ou países, e a

Santa Sé receba embaixadores e envie legados, simplesmente não há clausula alguma que preveja a organização

de Igrejas nacionais” (BRUNEAU, 1974, p. 200).

12 O estudo das instituições e da institucionalização pertence ao campo histórico da Sociologia e da Teoria das

Organizações. Em nosso estudo adotaremos perspectiva de Bruneau para quem “a melhor interpretação de

institucionalização apreende a ligação que há entre os elementos pessoais e motivacionais e a entidade estrutural,

para a consecução de objetivo que tem significação para os membros dessa entidade. Isto é, uma instituição é

mais do que uma organização impessoal na qual os membros calculam a sua contribuição em face dos

benefícios. Numa instituição, os membros esquecem os cálculos porque uniram os seus objetivos pessoais aos da

entidade, de modo que a instituição passa a ter, para eles, uma significação pessoal” (BRUNEAU, 1974, p. 202).

13 Segundo Bruneau, “Machiavelli, em O Príncipe e Discursos, menciona os três últimos, fincando implícito o

primeiro. Huntington tem os dois últimos; Vallier parece ter três. Eu incluo todos eles” (BRUNEAU, 1974, p.

203).

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houvesse, portanto, coerência. Contudo, no seio da Igreja, havia ausência de coerência.

Muitos dentre os bispos não sabiam o que a CNBB representava; os que sabiam, achavam que

ela era necessária, dadas as exigências do tempo. Mas não havia consenso ou acordo

consciente em torno de seus objetivos. De fato, em 1961, grupo de bispos e leigos

conservadores atacaram a política da CNBB sobre a reforma agrária, e a partir dessa época as

relações de dom Helder com alguns membros da hierarquia (incluindo o cardeal do Rio, dom

Jaime) começaram a se deteriorar.

Alguns elementos indicam a possibilidade de estabelecer relação entre a ACB e a

CNBB,

Embora haja grande distinção, tanto real quanto formal, entre as organizações

leigas e qualquer episcopado, durante esse período, contudo, as duas

organizações eram estrutural e ideologicamente muito semelhantes. A CNBB,

como o Movimento de Natal, de certo modo brotou da Ação Católica, pois

dom Helder Camara, assistente nacional da ACB desde 1947, usou essa

organização para convocar os dois primeiros encontros da hierarquia. Muitos

do grupo da CNBB tinham trabalhado com a ACB na qualidade de

assistentes, e permaneciam em contato com o movimento, mantendo-se em

posições-chaves (BRUNEAU, 1974, p. 199).

A interação entre os militantes da Ação Católica e os bispos da CNBB, de

perspectiva progressista, era recíproca:

Ajudavam-se mutuamente na formulação do novo modelo de influência. A

CNBB financiava a ACB e eram os membros desta organização que, em

grande parte, trabalhavam nos projetos da Igreja. O fato da CNBB existir foi

decisivo para a ACB. Anteriormente, a Ação Católica seguia o modelo

italiano, sob a jurisdição direta dos bispos locais. Agora, a Ação Católica era

nacional, diretamente afiliada à nova Conferência Nacional dos Bispos, de

quem recebia a mandato. Era no plano nacional que se realizavam os

encontros, se estabeleciam as diretrizes, se distribuíam os recursos, etc. E

tudo isso sob a direção do grupo restrito e progressista da CNBB que, ele

mesmo, se beneficiava das perspectivas nacionais (BRUNEAU, 1974, p.

199).

A Ação Católica tinha assim mais autonomia do que jamais tivera antes, podendo

responder às solicitações do meio segundo suas próprias orientações e prioridades. Mais tarde,

quando surgiram os problemas entre a ACB e os bispos, muitos deles vieram perceber a

importância do plano nacional para a ACB. Apesar da aprovação (ou desaprovação) oficial

dos novos objetivos e comportamento da Ação Católica, todos concordavam em que a

perspectiva nacional, sob a direção da CNBB, foi estratégica em permitir – e mesmo encorajar

– a evolução da ACB para uma organização ativa de vanguarda14

.

14

A pesquisa do CERIS confirma a observação de que a ACB desvencilhou-se do contato direto com os bispos

diocesanos locais - de quem esperavam receber assessoria, orientação e encorajamento, porém, por vezes,

ignorada - para ocupar espaço nacional.

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Em suma, a CNBB tornou-se instituição apesar de sua mínima envergadura legal, por

causa da percepção das ameaças, da parte de alguns na hierarquia, e da ignorância de outros.

Permitiu-se, por isso, que o carismático dom Helder Camara exercesse livremente a sua

liderança na criação e formação de órgão autônomo, infundindo-lhe ideologia de mudança

social. As mesmas razões pelas quais a Igreja foi estimulada a reagir, criaram as condições

para a institucionalização da CNBB: a Igreja estava ameaçada por todos os tipos de processos

sociais e políticos que diminuíram a sua influência. Dadas essas condições, “a CNBB se

institucionalizou, permitiu que a ACB evoluísse e se tornasse a vanguarda da Igreja e, de

modo geral, deu a esta nova orientação” (BRUNEAU, 1974, p. 206).

2.3.2 Ação Católica: o Deslocamento da Igreja em Direção à Esquerda Política

A Igreja Católica é una em corpo institucional, embora jamais tenha composto,

ideologicamente, corpo homogêneo, nem sequer no âmbito nacional. A diversidade de

pensamentos que a caracteriza tem sua gênese na origem diversificada de seus membros e nos

distintos níveis culturais de seus quadros, em contato com Institutos ou Centros de Estudos

Filosóficos Teológicos especializados, Faculdades ou Universidades de excelência. Não

obstante, há também os Seminários Diocesanos, em geral, com precária estrutura para

oferecer mesmo os estudos elementares exigidos pela Igreja. Contudo, a direção geral da

Instituição (papa e secretariados dele no Vaticano) insiste em impor diretrizes para todas as

Igrejas locais e, por vezes, a todas as sociedades. Essa atitude expressa ousadia, mas

igualmente, arrogância e desrespeito às diferenças culturais.

No final dos anos 1950 e início da década de 1960, iniciou-se no Brasil o

deslocamento de alguns setores da Igreja (isto é, parcela da hierarquia eclesiástica e dos

leigos), no sentido de aproximação ao movimento dos grupos marginalizados (camponeses e

operários) e das forças sociais que se batiam socialmente em prol de transformações das

estruturas sociais a elas favoráveis. Iniciava-se então a ruptura do núcleo duro da Instituição.

Os setores que se deslocavam, passavam da defesa da estabilidade social, da manutenção do

statu quo, à critica sócio-político-econômica da realidade brasileira bem como da atuação da

própria Igreja. Esse deslocamento se deve sobretudo ao envolvimento sempre mais intenso de

setores do mundo católico nos conflitos sociais que caracterizavam o período.

O grupo progressista do episcopado começara a elaborar nova ideologia desde a

metade da década de 1950. Elemento de fundo da nova orientação, que começava a surgir, era

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considerar como problema grave as injustiças sociais que existiam como reflexo das

contradições estruturais da sociedade. Ao se proporem a apresentar o pensamento social da

Igreja e sua incidência sobre a realidade específica da América Latina, Pierre Bigo e Fernando

Bastos de Ávila, autoquestionavam-se: “Por que a Igreja se interessa pelo social? A resposta é

simples: porque o social é um campo da atividade humana, do ser do homem, e nada do que é

humano é indiferente à Igreja. Ela é „perita em humanidade‟” (BIGO & ÁVILA, 1982, p. 9).

Essa compreensão formulou-se na Igreja nas décadas de 1970 e 1980, e não nas imediatas

décadas precedentes. A partir dessa consideração, se orientaram na direção de comportamento

novo: agir para transformar a sociedade.

Muitos estudiosos, quase todos estrangeiros, veem como causa principal da ação dos

bispos considerados progressistas o desejo de responder às ameaças políticas do comunismo e

ao mesmo tempo eleger demanda (social) que permitisse à Igreja continuar atingindo toda a

sociedade. A Igreja volta-se para os setores mais populares da sociedade brasileira.

É possível que a ação de determinados setores do episcopado tenha sido determinada

pela convicção da necessidade primordial de resolver algumas situações concretas, criadas

pela estrutura da sociedade, e que para serem resolvidas exigiam correções concretas nas

próprias estruturas sociais. A descoberta dessas “situações concretas” não ocorreu por causa

dos índices de miséria de nossa sociedade, nem da imagem degradada que a miséria atribui à

paisagem nacional. Nossa hipótese é que não foi a existência da miséria que estimulou esse

comportamento, mas a ação dos miseráveis, dentro de situação em conflito (LIMA, 1979,

p.32). Desse modo, não seria a velha Igreja a ampliar as suas dimensões, a sua influência, mas

seria o início de transformação que promoveu aparecimento de nova Igreja no país.

Constitui-se fator importante encontrar-se na direção da CNBB grupo de bispos

progressistas, que concordava com e até estimulava a participação dos católicos nos

movimentos e lutas sociais. O conteúdo que caracterizava a ação dos setores progressistas da

hierarquia, na sua tentativa de participar no processo de transformações, estabeleceu-se sob a

influência de duas condições favoráveis: a) as inovações da doutrina social da Igreja, no plano

internacional; b) a existência do “desenvolvimento” como ideologia da aliança dos grupos no

poder. Isto é, as modificações na estrutura social defendidas pelo grupo progressista eram

legitimadas pela doutrina social da Igreja, e não contestavam nenhum princípio eclesiástico.

No plano político, parcela da Igreja no Brasil - através da ação do grupo progressista

-, se orientava para apoiar as forças sociais que trabalhavam no sentido da realização de

transformações sociais. A sua ação, porém, desenvolvia-se no sentido de legitimar o projeto

social dos setores mais progressistas do populismo.

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No contexto de profunda crise do populismo (1960-1964), os grupos dominantes se

dividiam politicamente com o desenvolvimento do processo político brasileiro, em direção a

futuro completamente incerto. A Igreja no Brasil, que em geral se posicionava junto ao

pêndulo no qual se encontram os grupos dominantes, sofria as consequências desse processo.

Segundo Luiz Lima, “por causa dessa circunstância, a Igreja entrou dividida na fase final da

democracia no Brasil. A maioria dos hierarcas iria apoiar o golpe de Estado de primeiro de

abril, e como natural consequência se integrar a nova aliança que nascia entre os setores

dominantes da sociedade brasileira” (LIMA, 1979, p. 34).

A Igreja, centrada em sua oposição ao comunismo, não calculara nem avaliara

devidamente as perspectivas de futuro das Instituições em possível regime de governo

ditatorial. A conclusão precipitada, por parte de alguns membros da hierarquia, de que

formação de novo governo, que haveria de surgir com o golpe de 1964, respeitaria e incluiria

em suas agendas as demandas da Igreja revelaram-se frustrantes. A ação daquela que se

poderia chamar de vanguarda dentro da hierarquia da Igreja, a Ação Católica Brasileira

(ACB) teve imensas conseqüências dentro da instituição, principalmente pelo estímulo e pela

legitimação institucional de várias experiências novas, especialmente nos campos sócio-

político.

A Ação Católica reorganizou-se em 1950, numa base diferente da adotada no tempo

do cardeal Leme (1920). “O novo modelo originou-se do francês, ou do belga (em contraste

como o modelo italiano), que a dividia em setores para penetração do movimento nos

diversos meios sociais”. Assim, “em vez de dividida em quatro - adulto, jovem, masculino,

feminino - se dividiu em adultos e jovens das escolas secundárias (JEC), das universidades

(JUC), das zonas rurais (JAC), classes operárias (JOC), e outros (JIC)” (BRUNEAU, 1974, p.

180). Durante o período em questão (1950-1964), a JUC e a JEC, eram, de longe, as mais

importantes.

As diferenças ideológicas e de prioridades entre o grupo progressista na hierarquia e

o grupo da ACB não tardaram por transformar-se em divergências profundas. Entre os

membros do episcopado, as divergências evoluíram para antagonismos inconciliáveis. “O

grupo progressista dentro da hierarquia conseguia, com o exercício de sua hegemonia, o apoio

da Igreja para programa de reformas em colaboração com o governo e em aliança com os

setores mais progressistas das classes dominantes, com o objetivo de propor soluções para

algumas injustiças sociais consideradas graves” (LIMA, 1979, p. 35). É possível que a Igreja

no seu conjunto desse o seu apoio, mas apenas o grupo mais progressista atuava no sentido da

realização das referidas reformas.

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Não obstante, os grupos de vanguarda da ACB (principalmente, JUC e JEC), ao

contrário, engajaram-se numa perspectiva completamente diversa. Propugnavam em favor de

transformações radicais da estrutura social, que deveriam realizar-se com a ascensão dos

populares ao controle do poder político, para suprimir as causas estruturais das injustiças.

Entre os principais elementos justificadores da mobilização da ACB encontravam-se: “a) os

conflitos sociais provocados pela correlação decorrentes do subdesenvolvimento e da

exploração imperialista no Brasil; b) o início da mobilização dos movimentos sociais (Ligas

Camponesas, Movimento Operário) interessados na resolução dos referidos conflitos”

(LIMA, 1979, p. 36).

Esse engajamento da parte da JUC e da JEC, levou a uma consciência dos vários

problema na sociedade e a um subseqüente desejo de mudar radicalmente as suas estruturas.

Os bispos se tornaram conscientes por causa das várias ameaças à influência da Igreja, que

lhes abriram os olhos para perceber a injustiça, a miséria, etc. A Ação Católica gozava de

liberdade da Igreja por causa dessas ameaças, e por causa da necessidade de as combater

através dos diversos setores do movimento (BRUNEAU, 1974, p. 181). A ACB adotara viés

de luta inequivocamente revolucionário.

A natureza do engajamento político dos católicos determinara-se pela conjuntura de

conflitos de interesses existentes no país naquele momento histórico. Tal conjuntura definira

ainda nível e modo de participação nos conflitos. Entre os mais engajados encontravam-se

setores da ACB, em particular da JUC e JEC, que passaram a assumir papel dirigente nos

movimentos sociais do país. A considerada pequena burguesia, em seu conjunto, não se aliou

ao movimento popular. Aquele grupo (como outros) não se colocou horizontalmente nas

contradições. Ao contrário, dividiu-se verticalmente, e a sua maior parte se mobilizaria contra

as reformas.

O movimento era dirigido por grupo de presbíteros jovens e progressistas, a maioria

dos quais tinha se formado na Europa. Entre as figuras de destaque encontravam-se Pe.

Henrique Cláudio de Lima Vaz, Pe. Luis Sena, Pe. Almery Bezerra, Frei Carlos Josaphat, Frei

Mateus Rocha, e o francês Frei Thomas Cardonnel; eram os presbíteros mais ativos e de

horizontes sócio-político-cultural mais amplos da época no Brasil. Por meio deles, o

movimento tomou contato com as linhas avançadas da teologia européia, principalmente

francesa, associada aos nomes de Lebret, Mounier, Chenu, Lubac, etc. Frei Thomas

Cardonnel, por exemplo, era discípulo de Mounier e ajudou a introduzir o conceito de

“desordem estabelecida”, no Brasil:

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Nunca é demais insistir na necessidade de denunciar a harmonia natural, a

colaboração de classe. Deus não é tão desonesto, tão falso como certa espécie

de paz social que consiste na aquiescência de todos numa injustiça não-

natural. A violência não se encontra apenas nas revoluções. Ela caracteriza

também na manutenção de uma falsa ordem (BRUNEAU, 1974, p. 181-182).

A orientação (o conteúdo) principal dessa participação constitui aquilo que, para o

sociólogo Luiz Lima, chamou de verdadeiro salto qualitativo, por meio da constatação de dois

pontos salientes:

A) a superação da concepção católica centrada no indivíduo e a identificação

de perspectiva de indivíduo inserido na estrutura social; b) uma análise da

estrutura social brasileira, identificando o capitalismo, o subdesenvolvimento

e a dependência como elementos responsáveis pelas contradições da estrutura

sócio-política brasileira, que o movimento da ACB se propunha superar. A

luta contra o capitalismo subdesenvolvido brasileiro foi sempre mais

claramente se transformando na orientação principal dos militantes, e

caracterizaria a participação da ACB no processo político brasileiro (LIMA,

1979, p. 38).

Com o seu engajamento caracterizado por esse conteúdo, na medida em que o

processo histórico brasileiro ia evoluindo, a ACB se distanciava das posições do episcopado e

se aproximava das posições das esquerdas. O episcopado defendia as escolas religiosas

(particulares), enquanto a ACB defendia as escolas públicas, gratuitas e abertas; o episcopado

denunciava o comunismo, enquanto os jovens da ACB, coerentes com a perspectiva que

assumiam, apoiavam e recebiam apoio nas esquerdas políticas e no próprio PCB.

Não se deve confundir o papel e a importância da ACB com a do grupo progressista

do episcopado brasileiro. “A ACB foi aquele setor do espaço social católico que maior

responsabilidade assumiu na participação ativa e transformadora dos católicos nas lutas

daquele período, influenciando e arrastando setores da instituição para apoiarem ou

participarem naquelas lutas” (LIMA, 1979, p. 39). Essa participação ocorria em alianças, por

vezes informais, com as esquerdas. Não condiz com os princípios da ACB que essa

participação, ao nível político, tivesse como objetivo combater o avanço do comunismo.

As divergências entre a vanguarda da ACB e o grupo de bispos progressistas eram

consequentes do conteúdo que representavam e exprimiam em suas respectivas posições.

Existiam outras divergências de caráter institucional15

. Não obstante, à medida que se

desenvolviam as transformações internas na CNBB, com a entidade sob a hegemonia de

bispos e arcebispos mais conservadores, veio a se estabelecer verdadeiro antagonismo entre a

vanguarda da ACB e a Conferência Episcopal. “Os bispos progressistas tentariam ainda

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defender a ACB, mas não conseguiram evitar as limitações que lhe seriam impostas nem as

suas consequências, a ruptura definitiva” (LIMA, 1979, p. 39).

O processo de radicalização da crise político-econômica brasileira (1960-1963)

comprometeu, em ritmo muito veloz, todas as forças sociais e políticas do país e elevou o

nível de tensões na sociedade. A ACB, força social envolvida por essas tensões, operava

organicamente, integrada com as forças de esquerda, ligava-se progressivamente aos setores

mais ativos - movimentos estudantil e operário – e constituía ao mesmo tempo a força

principal do Movimento de Educação de Base (MEB), que agia principalmente na

organização de sindicatos camponeses visando, através da educação, elevar o nível de

consciência política dos populares no campo.

A ACB organizara-se para participar do processo político. Criaram-se níveis

institucionais para coordenar esta participação e elaborar linha comum de ação.

Estabeleceram-se conexões com outras classes sociais, principalmente os trabalhadores do

campo e a classe operária urbana. A ACB coordenava suas atividades com as forças que

atuavam politicamente com os conteúdos que se aproximariam dos defendidos pela ACB (as

esquerdas). Em segundo momento, deslocava quadros para o trabalho de educação e de

organização política junto à classe operária urbana e junto aos camponeses.

Por múltiplas razões, entre as quais se encontra a relação cordial com a hierarquia, ao

lado de questões menos significativas, como facilitar o trabalho orgânico com os não-

católicos, nasceria, em 1962, a organização política Ação Popular (AP), constituída

principalmente pelos setores mais avançados da ACB. Dom Scherer esforçou-se por dissolver

a ACB. A seguir, pelos menos na JEC e na JUC, a regra era a dupla militância, na AP e AC.

2.3.3 A Esquerda Católica: o Movimento de Ação Popular

O movimento Ação Popular (AP) parecia ser inicialmente o canal através do qual se

realizaria a participação dos católicos progressistas na política brasileira. “Essa organização se

achava presente em setores que tradicionalmente sempre tiveram alto nível de participação

política (as classes médias); difundia-se rapidamente em setores que começavam a ter

participação autônoma, os camponeses” (LIMA, 1979, p. 43).

15

José Beozzo analisa as diferenças entre a posição da vanguarda da ACB e o Episcopado em seu conjunto. As

divergências não se referiam exclusivamente ao conteúdo político das posições, mas se estendiam a outros

campos, a exemplo do sócio-educacional.

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A AP, no momento do golpe de Estado, se encontrava em fase de crescimento. O

golpe paralisou o desenvolvimento da AP, e a repressão atingiu evidentemente os seus

quadros. Muitos inquéritos policiais militares foram abertos sobre suas atividades e sua

existência. Submetida ao terror da repressão, suas deficiências organizativas se apresentaram.

O primeiro semestre de 1964 caracterizou-se por profunda desarticulação do movimento.

O desenvolvimento ulterior da AP caracterizou-se pelos seguintes passos: a) a

definição do caráter da Revolução Brasileira como socialista e de libertação; b) escolha de

alternativa da luta armada; c) transformação da AP em uma organização marxista-leninista; d)

sua virtual extinção, com a confluência da maioria dos seus quadros em outras organizações

políticas clandestinas (LIMA, 1979, p. 47).

A cada etapa de seu desenvolvimento a AP ia sofrendo uma redução de suas bases

sociais e mesmo de seus quadros, até se transformar em pequeno grupo de militantes. O

abandono do humanismo cristão como ponto de partida, ao mesmo tempo em que se

abandonavam suas bases sociais, haveria de transformar a AP em organização pequena e

impaciente, que disputava verbalmente com outras organizações clandestinas a hegemonia na

direção da classe operária e da Revolução Brasileira. Isolando-se do espaço social católico e

mantendo com ele esporádicas e raros contatos, o movimento viveu seus últimos anos em

declarado e agressivo anticlericalismo.

A ilegalidade da AP e seu posterior desenvolvimento político significaram o seu fim

como canal de participação política de amplos setores católicos e não-católicos, que tinham

sido atraídos pela sua proposta política. O desenvolvimento da ACB (e particularmente da

AP), entendida como mundo católico engajado que apresenta organização política própria,

que partia do humanismo, que a caracterizava, e chegava a proposta de socialismo, baseado na

participação democrática e pluralista, marcou profundamente, e de diversas maneiras, os

católicos e a Igreja do Brasil.

Os católicos permaneceram organizados em amplos setores da juventude.

Desmobilizada a ACB, existiam nas classes médias outras organizações católicas

(Congregação Mariana, TFP, etc.). Mas “essas componentes católicas organizadas são

precisamente aquelas que ou permaneceram inertes politicamente ou se mobilizaram contra o

movimento popular, tranquilizando-se quando a violência do regime pós-64 dispensava os

seus protestos” (LIMA, 1979, p. 49). Os grupos dominantes não resolviam a questão que a

realidade brasileira colocava, que era a ligação entre a Igreja e as classes dominadas. Essas

componentes em relação aos grupos dominados tinham apenas uma só proposta: desorganizá-

los, reprimi-los, protegendo-os e protegendo-se do comunismo.

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A Igreja se achava isolada do povo, mesmo que esses movimentos tenham saído

vitoriosos em 64. Em anos posteriores (depois de 1968), o trabalho pastoral junto às classes

médias e à burguesia receberia surpreendente impulso, principalmente devido aos Cursilhos

de Cristandade. O isolamento da Igreja, depois da desmobilização da ACB, levaria a situação

na qual setores da hierarquia assumiram, em primeira pessoa, a pastoral popular,

desenvolvendo-a (LIMA, 1979, p. 50). É curioso observar que o sucesso da pastoral de elite

ocorre quando estava em fase de adiantada implantação a pastoral popular. E mesmo tratando-

se de trabalhos feitos por mesma instituição, em diversos grupos sociais, não ocorreu

homogeneização política da pastoral.

Os movimentos de esquerda católica no Brasil constituíram exemplo eminente da

mudança vinda de baixo. Iniciaram-se como grupos patrocinados, efetivamente controlados

pela hierarquia. Porém, diversos movimentos de ACB desenvolveram crescente autonomia

frente à hierarquia e tiveram sérios conflitos com as autoridades da Igreja. “Marginalizada

pelo regime militar e pelos conservadores eclesiásticos, a esquerda católica não obstante

desempenhou papel significativo na transformação da Igreja” (MAINWARING, 1989, p. 92).

A questão que se nos impõe, nesse contexto de mudança no interior da Igreja, pode

ser assim formulada: como ocorreu que movimentos leigos que se iniciaram como

organizações patrocinadas viessem a desenvolver visões tão radicalmente diferentes das dos

bispos? A Igreja no Brasil permitia aos movimentos leigos autonomia considerável. A

hierarquia nunca encorajou a radicalização da JUC, mas alguns padres e bispos influentes

alinharam-se aos jovens católicos radicais e os moderados da hierarquia toleraram o

movimento até o final de 1961. “Os líderes mais dinâmicos da CNBB, dom Helder Camara,

dom Luís Fernandes, dom Cândido Padim e dom José Távora, defendiam sempre a JUC e o

MEB” (MAINWARING, 1989, p. 93). A JUC contava com apoio total dos assessores

clericais que encorajaram o crescente envolvimento na política nacional.

Outra contribuição decisiva da esquerda católica foi modificar o conceito tradicional

de laicato. Nenhuma experiência contribuiu tanto para indicar a competência dos leigos como

a ACB. Nesse sentido, a esquerda católica do início dos anos 1960 preparou o terreno para as

experiências leigas com os setores populares na década de 1970.

A esquerda católica também introduziu nova compreensão da relação entre fé e

política. A nova visão de fé da JUC vinculava a religião à transformação social radical; a AP

representou a primeira síntese conjunta do cristianismo humanista e do socialismo; e o MEB e

Paulo Freire colocaram em prática essa visão com suas pedagogias populares. Essa nova ideia

de fé expressava renovação do pensamento católico no mundo inteiro, culminando com o

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Concílio Vaticano II. Teólogos progressistas europeus (tais como Maritain, Lebret, Congar,

Mounier) eram influentes no início desse processo, mas a esquerda católica fez muito mais do

que introduzir o pensamento social europeu na Igreja brasileira. Ela aplicou ideias européias a

condições brasileiras e desenvolveu nova concepção da missão da Igreja.

A esquerda católica iniciou o desenvolvimento de uma das primeiras teologias latino-

americanas. Foi uma das reflexões de vanguarda sobre a especificidade da fé católica no

Terceiro Mundo. Seu papel de precursora da teologia da libertação foi uma inovação

importante. Os jovens católicos de esquerda não reduziram a fé à ação política, nem

colocaram Marx à frente de Cristo, mas, de fato, acreditaram que a fé exige compromisso de

criar mundo mais justo. A esquerda católica insistia que, como filhos de Deus, todos são

dignos de respeito e do direito à vida digna.

A geração de jovens católicos radicais também afetou a percepção de muitos padres,

agentes de pastoral e bispos sobre a fé. Não é sem razão que muitos bispos progressistas dos

anos 1960 trabalhavam com a ACB. Entre eles se incluem dom Helder Camara, dom José

Maria Pires, dom José Távora, dom Antônio Fragoso, dom Waldir Calheiros, dom Marcelo

Cavalheira, dom Fernando Gomes dos Santos, dom Cândido Padim e dom David Picão

(MAINWARING, 1989, p. 94). Estes reconheceram que sua visão de Igreja fora

profundamente afetada pelo trabalho com a ACB.

O fato da esquerda católica desse período ter ajudado a modificar a Igreja brasileira

evidentemente não significa que ela esteja acima de críticas. Na época, moderados e

conservadores da Igreja viviam exasperados pela recusa dos jovens em aceitar a disciplina

sugerida pela hierarquia. Em retrospectiva, muitos ex-participantes acham que os movimentos

eram excessivamente românticos e que havia uma distância entre o seu discurso

(democrático) e as práticas (menos democráticas).

De qualquer forma, o surgimento de importante esquerda católica no início dos anos

1960 constitui um dos fatores singulares no desenvolvimento da Igreja brasileira e ajuda a

explicar por que ela se tornou mais progressista do que as outras Igrejas latino-americanas.

Porém, esse legado é compartilhado com os bispos progressistas e os agentes pastorais de

base que também estavam empenhados na renovação da Igreja.

O choque da esquerda católica com os bispos tornou-se inevitável em razão das

notáveis diferenças políticas e religiosas, e mesmo porque o poder de influência e decisão da

autoridade formal da Igreja é detido pelos bispos. A esquerda católica constituiu importante

exemplo de movimento [responsável pela renovação institucional] que foi posto à margem da

instituição devido à sua incapacidade de trabalhar com a hierarquia.

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2.4 AS ESTRATÉGIAS PARA A MUDANÇA SOCIAL DA IGREJA

2.4.1 O Engajamento Formal na Educação

O engajamento dos católicos na reforma agrária [nas zonas rurais] e na educação

[nos grandes centros urbanos] se deu porque tais setores começaram a se mobilizar na defesa

de seus interesses e por transformações nas estruturas do país. Foi essa mobilização que

possibilitou a ação da Igreja e que, de certa forma, a solicitou.

Apesar dos altos índices de crescimento econômico depois da II Guerra, o sistema

educacional no Brasil encontrava-se entre os mais atrasados do Continente. Para as décadas

de 1950 e 1960, “mesmo que seja verdadeira a estimativa otimista de 50% de alfabetizados,

ainda é índice baixo comparado com os 90% na Argentina e no Uruguai, os 80% no Chile e os

65%, ou mais, na Colômbia” Se examinarmos mais especificamente a distribuição dos

estudantes por ano, constataremos que: “40% dos brasileiros tinham menos de 18 anos de

idade, o que significa 36 milhões em idade escolar. Desses 36 milhões, apenas 9 milhões

estavam na escola primária, e no máximo 2 milhões estavam na escola secundária e nas

universidades” (BRUNEAU, 1974, p. 120).

Além disso, pode-se constatar que a verba destinada à educação no Brasil era (e

continua) muito baixa. Diversas fontes, salvo pequena discordância numérica, sugerem que:

O Brasil investia 2,6% dos seus $20 bilhões do Produto Nacional Bruto

(PNB) em educação. Compare-se isso com os 4,6% atribuídos pelos EUA

(PNB de $970 bilhões), os 5,7 do Japão (PNB de $46 bilhões) e os 3,4% de

Cuba (PNB de 3,5 bilhões). Ora, visão diferente do mesmo fato nos mostra

que em 1967, o orçamento nacional previa 7,8% para a educação (depois de

emenda à constituição que garantia 12%), enquanto destinava

aproximadamente 18% às Forças Armadas (BRUNEAU, 1974, p. 121).

A educação sempre foi instrumento importante para a Igreja em projeto de expansão

de sua influência. Historicamente, as ordens religiosas tais como os Jesuítas, os Beneditinos,

os franciscanos, receberam o apoio do Estado e tinham o monopólio da educação. Em meados

da década de 1960,

A Igreja foi posta para fora da educação pública com a implantação da

República quando, conforme o art. 72, §6, a educação religiosa foi proibida

nas escolas públicas; e, além disso, no §7, o Estado foi proibido de

subvencionar escolas particulares. A Igreja podia ter as suas próprias escolas,

mas era obrigada a sustentá-las, ou cobrar pela educação oferecida. A

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situação estratégica da Igreja, por causa do fraco engajamento do Estado na

educação, era relativamente melhor no Brasil do que na maior parte da

Europa e na América do Norte (BRUNEAU, 1974, p. 122).

A educação provida pela Igreja forma a elite porque suas escolas eram particulares e

cobravam taxas. Por definição, quem quer que pudesse pagar já era membro da elite e a

educação recebida pelas crianças viria confirmar esse status. A educação, pelo menos no

Brasil, desempenhava papel importante no quadro de formação de influência da Igreja e na

esfera de sustentação do prestígio e poder da mesma. “A Igreja entrou no campo universitário

em 1940 e, por volta de 1962, doze das 37 universidades e 134 das 457 faculdades no Brasil

eram dirigidas pela Igreja” (BRUNEAU, 1974, p. 123).

A Igreja participou politicamente na formulação e na promulgação da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 por três razões principais. Primeiro, a

Constituição de 1946 previa a educação religiosa no currículo da escola pública. Segundo, as

elites políticas não mereciam, da parte da Igreja, a mesma confiança. Terceiro, as mudanças

econômicas e sociais ocorridas após a II Guerra tiveram por consequência a expansão da

classe média com o ônus cada vez maior, para esta, da inflação. O governo construía mais

escolas à medida que os pais era menos capazes de pagar taxas nas instituições particulares, e

a porcentagem de escolas da Igreja foi diminuindo. A combinação desses três fatores compôs

ambiente de extrema insegurança para a Igreja.

A Associação das Escolas Católicas (AEC) esteve envolvida em todas as fases da

formulação da lei de 1961. Essas escolas incluíam as da diocese, as das congregações e

ordens religiosas, e as que estavam sob a direção de leigos católicos. Em 1946, a AEC

afirmava representar 1.400 escolas, e por volta de 1967, esse número tinha saltado para 3.500.

Convém mencionar que a AEC representava as escolas de níveis primário e secundário,

enquanto outra organização, a Associação Brasileira de Educação Superior Católica

(ABESC), desempenha as mesmas funções no nível universitário.

O principal adversário permanente da AEC era grupo mais ou menos estruturado,

conhecido como Grupo Escola Nova, que tinha sido formado em fins da década de 1920 para

promover a educação pública. A maioria dos reformadores educacionais daquele período

[Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho] pertencia a esse grupo. Eles se

opunham diretamente à Igreja em dois pontos: a educação religiosa deveria ser administrada

somente nas escolas religiosas, e os recursos públicos deveriam ser distribuídos primeiro às

escolas públicas.

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Durante o debate em torno da lei de 1961, novo grupo se formou para se opor à

Igreja. Enquanto o Grupo da Escola Nova lutava principalmente através das posições

ocupadas no Ministério e de alguns contatos com políticos, a Campanha em Defesa da Escola

Pública atuava em público através de palestras, cursos e declarações públicas. No contexto

das reformas, a Igreja se colocava de um lado e a Escola Nova mais a Campanha, do outro.

O papel da AEC e de outros setores [CNBB e CRB] da Igreja na formulação e na

promulgação da lei, especialmente nos quatro anos que antecederam a sua aprovação em

1961, mostra que a Instituição pôde de fato mobilizar e exercer considerável pressão política.

Embora se defrontasse com ameaças à sua influência por causa da mudança social e da

oposição política, e estivesse sendo confrontada por inimigos tradicionais no Ministério da

Educação e na Campanha publicitária, a Igreja foi capaz de travar intenso e eficiente embate.

A estratégia da Igreja não foi inteiramente unificada. A Igreja tem certo número de recursos

que pode utilizar quando mobilizada politicamente, mas nem sempre há unanimidade.

As ligações da Igreja com o Estado e com personalidades políticas eram também

conformes princípios tradicionais. A Igreja mantinha ligações estreitas com os políticos de

mentalidade antiga que não estavam particularmente interessados em desenvolvimento ou

inovação. Não nos é possível precisar se era a Igreja quem procurava apoio dos conservadores

na intenção de manter poder de influência sobre a sociedade brasileira por meio da educação

ou se os conservadores a procuravam no intuito de se perpetuarem em sua função de

representante político. A parceria consciente entre ambos talvez seja a aposta mais acertada.

2.4.2 O MEB: Fundação e Relevância Sócio-Política

O Movimento de Educação de Base (MEB) foi o programa mais vasto feito, no

Brasil, no campo da educação de base16

. A Educação de Base, tal como era entendida pelo

MEB, não visava apenas a alfabetização, mas principalmente, a mobilização social, ou

politização, através do conceito de “Conscientização”. Conscientização significava,

basicamente, o despertar da consciência. No Brasil, mas sobretudo Norte, Nordeste, Centro-

Oeste e norte de Minas Gerais, faltava aos indivíduos a consciência de ser humano, da sua

aptidão para aprender e crescer, e das suas possibilidades de promover mudanças. A educação

16

Outros grupos eram o CEPLAR na Paraíba, SEC da Universidade de Recife, em Pernambuco, dirigido por

Paulo Freire. Outros grupos eram o CEPLAR na Paraíba, SEC da Universidade de Recife, em Pernambuco,

dirigido por Paulo Freire.

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de base procurava criar no povo consciência que o torne capaz de começar a controlar o seu

destino. O método promove a alfabetização mediante símbolos e frases por meio dos quais o

indivíduo se torna “consciente” à medida que se alfabetiza. O método não tem a intenção de

politizar, mas em certas situações essa era decorrência lógica.

O MEB era programa nacional nascido da experiência com escolas radiofônicas,

lançada por dom Eugênio Sales em Natal, em 1958. Eugênio Sales visitara dom Salcedo, em

Sutatenza, Colômbia, e de volta ao Rio Grande do Norte, fundou escolas radiofônicas

semelhantes às de Sutatenza (BRUNEAU, 1974, p. 158). Eugênio Sales foi além da

experiência colombiana, porém, encorajando a participação, enquanto o Rádio Sutatenza era

forte em alfabetização e catecismo, e fraca no campo político. As escolas radiofônicas de

Natal foram um sucesso e a CNBB decidiu generalizar o empreendimento.

Por volta de 1960, a CNBB estava coordenando sistema de escolas radiofônicas em

cinco dioceses (Natal, Aracaju, Crato, no Ceará, Bragança, no Pará, e Penedo, em Alagoas).

Naquele ano, o candidato presidencial, Jânio Quadros, visitou Aracaju e ficou impressionado

com as escolas radiofônicas que operavam lá. O bispo de Aracaju, dom Távora, lhe disse que

a CNBB queria expandir o sistema, mas faltava-lhe recursos. Uma vez eleito, Jânio assinou

decreto, pelo qual o governo financiaria as escolas radiofônicas sob a direção da CNBB, por

cinco anos. A partir dessa data o MEB se expandiu rapidamente. Em 1963 estava operando 59

sistemas, usando 25 rádio-transmissores, e atingindo umas 7.353 escolas em 57 dioceses de

15 Estados. Aproximadamente 180.000 pessoas freqüentavam as escolas. Por volta de 1966,

400.000 estudantes tinham completado um ou mais cursos, e 13.771 líderes tinham recebido

diploma (MEB EM CINCO ANOS, 1966, p. 14).

Alguns autores apresentam pequena discordância quanto à fundação do MEB no

Brasil. Para Bruneau, a fundação do MEB remonta à visita de dom Eugênio Sales a dom

Salcedo, em Sutatenza, na Colômbia. Para Scott Mainwaring,

O MEB foi criado em 1961 através de acordo entre o presidente Jânio

Quadros e o bispo progressista de Aracaju, dom José Távora, companheiro de

dom Helder. O Estado fornecia o financiamento e a Igreja executaria

programa de educação básica, principalmente através de escolas radiofônicas

nas regiões menos desenvolvidas do país (MAINWARING, 1989, p. 88).

Scott Mainwaring confunde evento fundador com o momento de expansão do

movimento. O fato do MEB, no entanto, empregar líderes locais, e de estimular a tomada de

consciência dos estudantes, tinha implicações complexas, oficialmente reconhecidas:

É (o MEB) instituição criada pela Igreja do Brasil. É movimento educativo

que o Episcopado brasileiro fez surgir, em determinado momento de nossa

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história, porque encontrou o povo não só desprovido de meios necessários à

sua Salvação na vida da graça, mas até mesmo daqueles meios que lhe

servem para a sua integração na vida social e, consequentemente, para a sua

realização humana. Salvar homens, no Brasil, implica em que se lhes dêem

condições de serem Homens (MEB EM CINCO ANOS,1966, p. 14).

No plano nacional, “o movimento era dirigido por Conselho Diretor Nacional (CDN)

composto por nove bispos. Contudo, do plano nacional até o plano descentralizado local, o

movimento era inteiramente organizado e administrado por leigos” (BRUNEAU, 1974, p.

159). O MEB foi o primeiro trabalho que, “inspirado, orientado e assumido pela hierarquia da

Igreja no Brasil foi entregue aos leigos , na parte de reflexão, planejamento e execução”

(MEB EM CINCO ANOS, 1966, p. 14). A maioria dos leigos que trabalhava com o MEB

vinha dos setores da Ação Católica; onde “buscavam formas concretas de expressar o seu

compromisso religioso e político” (MAINWARING, 1989, p. 88). O MEB representa

alternativa de inclusão de pessoas, particularmente adultos, em projeto equivalente aos setores

jovens da Ação Católica (JUC, JAC, JOC). Implantou-se o MEB em 57 dioceses, mas é

impossível saber quantos bispos avaliavam plenamente o potencial revolucionário do

movimento através do processo de conscientização.

Os programas de educação popular mais significativos em termos de impactos sobre

a Igreja foram o Método Paulo Freire17

e o Movimento de Educação de Base (MEB). Freire e

o MEB foram tão influentes na transformação da Igreja brasileira quanto a JUC e a AP,

embora por razões diferentes. Freire e MEB estavam menos preocupados com formulações

teóricas sobre a fé e mais atentos ao trabalho popular. Ambos, Paulo Freire e MEB, estavam

comprometidos com a transformação da sociedade, mas nenhum deles lidou extensivamente

com considerações teológicas, como fizera a JUC, ou com o socialismo humanista, como

fizera a AP. Sua contribuição para a mudança na Igreja repousava mais no desenvolvimento

de novo tipo de trabalho junto às classes populares.

A diretriz da abordagem do MEB sobre a educação popular era que o povo deve ser o

agente de sua própria história. O povo, e não força externa deve tomar as decisões mais

importantes relacionadas com sua própria vida. O MEB enfatiza a necessidade da participação

17

Paulo Freire, nascido em Recife, em 1921, foi o mais importante dos intelectuais que estimularam novos

métodos de educação popular entre os anos de 1958 e 1964. Para P. Freire, o ponto de partida do processo

educacional era a situação de vida concreta. Por isso, os esforços para alfabetizar deveriam utilizar palavras do

cotidiano do povo, não uma linguagem inacessível, intelectual. Além disso, o método de ensino-aprendizagem

basear-se-ia numa relação de troca de conhecimento, sendo solicitado ao educador compreensão e empatia pela

visão de mundo do povo. Embora P. Freire não acreditasse que a educação popular pudesse resolver os

problemas estruturais da sociedade, ele a valorizava porque criava “espaço” democrático dentro de sociedade

não democrática. P. Freire é um dos teóricos mais respeitados em toda a Igreja latino-americana. Gustavo

Gutiérrez, teórico-fundador da Teologia da Libertação, elogiou o trabalho de Freire como sendo “um dos

esforços mais criadores e fecundos realizados na América Latina” (GUTIÉRREZ, 1975, p. 88).

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popular nas decisões do movimento e criticava as práticas paternalistas. O MEB antecipava as

práticas pedagógicas da Igreja popular ao ressaltar a necessidade de se trabalhar a partir de

problemas concretos. Isso significava começar pelas necessidades imediatas da maneira como

o povo as percebia. O MEB foi a primeira grande tentativa da Igreja de desenvolver práticas

pastorais transformadoras junto aos populares. “Suas práticas inverteram a tradicional

exclusão do povo da tomada de decisão dentro da Igreja e foram precursoras das assembleias

diocesanas que os bispos progressistas iniciaram no final da década de 1960 e início dos anos

de 1970” (MAINWARING, 1989, p. 88).

As tensões dentro da Igreja em torno do significado do MEB, nada eram em

comparação com os problemas que surgiam na sociedade e na política em geral. À atividade

da Igreja interessa a todos os setores da sociedade brasileira, de modo que quando ela tenta

mudar alguns aspectos da sua abordagem de influência, desencadeiam-se reações e, até

mesmo, conflitos. A mudança na Igreja não pode ser restringir a uma questão interna porque a

Igreja está ligada, de maneira extremamente complexa, com todos os outros grupos e

estruturas.

Bruneau, para ilustrar o que acontece quando há mudança, descreve brevemente o

incidente em que esteve envolvido Carlos Lacerda, no Rio, em fevereiro de 1964.

Carlos Lacerda, que tinha sido tão importante para a Igreja na lei de 1961,

tornou-se mais tarde, governador da Guanabara, o Estado em que está

localizado o Rio de Janeiro. Tendo sido informado que textos comunistas

estavam sendo impressos para distribuição imediata, Lacerda autorizou o

confisco de três mil cópias da nova cartilha do MEB, “Viver é Lutar”. O uso

da polícia, por Lacerda, sem avisar antes o MEB através de outros setores da

Igreja, sugere a sua intenção de desmoralizar o movimento. Alguns elementos

do MEB foram obrigados a fazer declarações na polícia, como se fossem

criminosos comuns. Entre eles estavam dom Távora, Presidente do

Movimento, Monsenhor Hilário Pandolfo, Vice-Presidente, e Marina

Bandeira, Secretária. O debate em torno do caso, nos meios de comunicação,

mostra bem o que muitos, na sociedade, pensavam do MEB e da estratégia de

mudança social da Igreja, por ele representada (BRUNEAU, 1974, p. 161).

O importante diário de linha conservadora, do Rio, O Globo, de 28 de fevereiro,

aborda a questão com matéria sob o titulo “Armadilha Psicológica”:

A Cartilha apreendida pela polícia carioca numa oficina da Lapa é mais uma

demonstração das intenções e dos planos dos comunistas e de seus cúmplices

no que diz respeito à comunicação do Brasil. Não seria o primeiro caso, nem

será, infelizmente, o último, que um ou outro padre, e até mesmo um ou outro

bispo, por ingenuidade, por mal-entendido zelo social ou por qualquer outro

motivo, se faz cúmplice involuntário dos comunistas e instrumento de seus

planos de subversão (O GLOBO, 1964, p. 12).

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O fato de conservadores se oporem a programas orientados para a mudança, tais

como o MEB, mesmo quando eram financiados pelo governo, é compreensível, pois se

opunham também ao governo do Presidente Goulart. “O MEB, porém, não era programa de

Goulart, e era mais responsável do que ele na busca de mudança. O que causou reais

dificuldades para o movimento foi a ambiguidade e a falta de apoio dentro da própria Igreja”

(BRUNEAU, 1974, p. 162).

Na noite da “batida” do DOPS, Lacerda tentara contatar o Cardeal do Rio, dom

Jaime. O Cardeal estava doente, mas respondeu, através de seu secretário, que o governador

devia cumprir a lei. Lacerda interpretou isso como sinal de aprovação e prosseguiu como

planejara. No dia 25 de fevereiro, Lacerda declarou: “Dom Jaime Câmara aprovara o gesto da

polícia”. Ao que o Cardeal respondeu que “não tinha nada a ver com a cartilha ordenada pelo

MEB e que não era responsável por tudo o que se faz no primeiro andar do Palácio São

Joaquim”. Dom Távora veio ao Rio e conversou com o Cardeal, mas, dom Jaime, assim

mesmo, no seu programa radiofônico (“A Voz do Pastor”), manifestou-se contra o

movimento. Dom Távora defendeu o MEB em declaração no mesmo dia. Os bispos, disse ele,

“não podiam ser indiferentes nem omissos numa tarefa da mais alta importância, exigida pela

própria Caridade do Evangelho, qual seja a de emprestar sua cooperação ao desenvolvimento

social e cultural do povo e à elevação do nível geral da sociedade” (BRUNEAU, 1974, p. 62).

Com o incidente, e a emergência de opiniões divergentes no seio da própria

hierarquia, tornou-se patente a divisão, tanto na sociedade como na Igreja, em relação à

mudança de orientação social. Os adversários da orientação para a mudança social podiam

assim começar a isolar o grupo que estava por detrás dela. Típica é a declaração do Secretário

de Segurança da Guanabara, Coronel Gustavo Borges: “„Viver é Lutar‟ foi preparada nos

porões do Palácio São Joaquim, pelos bispos cor-de-rosa que cercam D. Helder e sem o

menor conhecimento do Cardeal” [dom Jaime] (BRUNEAU, 1974, p. 162).

Antes do golpe, o MEB já se destacava entre as várias experiências em educação e

cultura populares. Desempenhou papel fundamental na luta camponesa do Nordeste, onde

mais se relacionava com os comunistas do que com as organizações camponesas centristas da

Igreja. A Igreja, através do MEB, engajou-se ativamente na promoção da mudança social.

Após o golpe, os quadros do MEB enfrentaram problemas muito mais sérios: muitos foram

presos, e o seu material didático foi apreendido. Embora os bispos mais intimamente

associados ao MEB, no plano nacional, o defendessem contra as acusações de comunismo, e

embora a CNBB oficialmente declarasse o movimento seguro, alguns bispos locais permitiam

que os militares molestassem e perseguissem os militantes do MEB.

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2.4.3 O Sindicalismo Rural e a Organização Operária

O sindicalismo rural foi o programa mais importante, depois do MEB, patrocinado

pela hierarquia, para promover a mudança social. Os sindicatos da Igreja não eram, na sua

maior parte, “revolucionários”. Embora seja difícil decompor e comparar os objetivos de

todas as Ligas e de todos os Sindicatos da Igreja, havia entre eles muitas semelhanças óbvias.

Por “não revolucionários”, se quer dizer que as técnicas e estratégias eram menos violentas,

menos polarizadas, e de ações menos hipotéticas e, por sua vez, mais previsíveis.

Na realidade, os Sindicatos da Igreja tentavam, na maioria das vezes, forçar a

aplicação de leis já existentes, pois se essas pudessem ser executadas, a maior parte dos

graves problemas dos camponeses poderia ser resolvida. Os sindicatos trabalhavam dentro do

sistema, animando a aplicação das leis. Para obrigar a aplicação da lei, os Sindicatos tinham

que promover a união dos camponeses. Talvez fosse essa a principal função do engajamento

da Igreja na sindicalização: educar, mobilizar e organizar a massa completamente

desorganizada e carente de infraestruturas. Para conseguir esse fim, davam-se cursos,

promoviam-se encontros de líderes, providenciavam-se documentos legais, e assim por

diante; tudo para estimular a unificação. O objetivo geral era, naturalmente, a mudança de

estruturas, mas a partir das bases, em vez de ação revolucionária na cúpula, que deixasse

esquecidas as bases.

Por volta de 1962, a Igreja tinha organizado cerca de 50 Sindicatos, mas nenhum

tinha sido reconhecido pelo governo. Em maio daquele ano, esses Sindicatos promoveram um

encontro em Itabuna, Bahia, intitulado “Primeiro Congresso de Lavradores e Trabalhadores

Rurais do Norte e do Nordeste”, e convidaram o Ministro do Trabalho Franco Montoro,

católico e figura importante do PDC (Partido Democrata Cristão). Mediante certa pressão e

algumas transações, o Ministro concordou em reconhecer uns 22 sindicatos da Igreja. Depois

do reconhecimento inicial, aumentou rapidamente a formação de novos sindicatos. Em 1963,

a Igreja estava competindo, na formação de Sindicatos, com diversos outros grupos, incluindo

o Presidente Goulart, o Governador Miguel Arraes, de Pernambuco, várias afiliações

comunistas. A zona rural se tornou verdadeiro campo de batalha para os grupos que estavam

tentando provocar a revolução, ou conquistar as suas próprias posições no governo. Em todos

os casos, importava a legalidade da situação; era necessário ser reconhecido, e esse

reconhecimento assegurava direitos e, finalmente, o controle de organizações maiores. Os

Sindicatos geravam Federações que, por sua vez, davam lugar à criação de uma

Confederação, e esse era o grande objetivo visado.

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Em agosto de 1963, os sindicatos fizeram eleição para o controle da confederação

recentemente formada, CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura).

Por essa ocasião, havia cinco federações legais (organizações de sindicatos no plano

estadual): as da Igreja no Rio Grande do Norte, Pernambuco e Sergipe; uma dos Círculos

Operários em São Paulo; e uma dirigida por comunistas no Paraná. A Igreja ganhou o controle

da confederação, mas o governo de João Goulart se recusou a aceitar os resultados, alegando

que o Paraná não tinha sido convidado em tempo e que muitas federações estavam ainda em

processo de reconhecimento pelo Ministério do Trabalho e que, portanto, as eleições nessa

oportunidade, não eram representativas. Outra eleição foi planejada para dezembro de 1963, e

o número de federação aumentou rapidamente (BRUNEAU, 1974, p. 178). A essa altura, o

movimento de sindicalização tinha negligenciado inteiramente as bases, concentrados que

estavam todos na disputa do poder no plano nacional.

O objetivo era formar o maior número possível de sindicatos e federações, a fim de

ganhar o controle da CONTAG. Na segunda eleição, em dezembro, a Igreja estava

diretamente representada por seis federações, indiretamente (através do MEB e da Ação

Popular ou alguma outra combinação) por outras oito, os comunistas de várias colorações

tinham dez. Para Thomas Bruneau,

Os representantes da Igreja se encontraram antes das eleições com os grupos

do MEB e da AP, mas não puderam chegar a um acordo sobre a chapa de

candidatos por causa de diferenças pessoais e ideológicas. Os grupos da

Igreja, incluindo SAR, SORPE, FAG, Círculos Operários e alguns do MEB,

acabaram sem nenhum controle na confederação (BRUNEAU, 1974, p. 178).

A partir de então até o golpe, aproximadamente 3 meses, os sindicatos da Igreja

trabalharam nos níveis locais, enquanto os comunistas controlavam em grande parte a

organização nacional. Com o golpe, toda a sindicalização rural ficou estacionada. Muitos dos

sindicatos foram colocados sob intervenção, seus líderes foram removidos, as greves

proibidas, as leis não foram mais executadas, e as condições em geral não mais conduziam à

organização rural. Isso se aplicava aos sindicatos da Igreja, bem como aos comunistas.

A experiência da Igreja na sindicalização rural, sobretudo após o golpe, foi

semelhante à do MEB. “Embora fosse perfeitamente aceitável que a Igreja agisse

politicamente para apoiar o status quo, como historicamente sempre fizera, agir politicamente

para mudá-lo, através da sindicalização rural, era nada menos do que subversão”

(CAMARGO, 1966, p. 143).

O engajamento da Igreja nas zonas rurais passou a ser visto como equivalente aos

dos agitadores comunistas que procuravam promover a revolução violenta:

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Os militantes, membros do clero, sofreram maior perseguição do que os

próprios comunistas. Em primeiro lugar, eram, na maior parte, sinceros e

ingênuos, e, em segundo, eram considerados pelos militares e pelos

proprietários de terra, como heréticos que usavam o nome e o prestígio

tradicional da Igreja para procurar coisas que ficavam bem a um anti-Cristo

(BRUNEAU, 1974, p. 179).

Como aconteceu com o MEB, o período de ação nessa nova linha de influência foi

curto demais para poder ser avaliado com certo grau de certeza. Camargo, em estudo

intitulado “Movimento de Natal”, sugere que “a sindicalização rural teve vários efeitos

importantes na promoção de mudança social”. Observadores estrangeiros têm escrito sobre a

importância da sindicalização em geral nas zonas rurais, e como a Igreja predominou nesse

campo, donde se pode presumir que ação dela foi importante. Os proprietários de terras e os

militares aparentemente consideraram-na eficaz, do contrário não teriam agido tão rápida e

severamente para interrompê-la. Poder-se-ia imaginar que o envolvimento da Igreja em

organizações, questões legais e outras atividades seculares, tenderia a diminuir o elemento

sagrado da religião e a introduzir nela alguns aspectos seculares.

Antes, porém, da Igreja envolver-se decididamente nos sindicatos rurais, há muito

empenhava-se nos sindicatos urbanos. De acordo com Thomas Bruneau,

Os sindicatos urbanos foram 'capturados' num sistema governamental e,

consequentemente, ofereciam menos oportunidades para agitadores

irresponsáveis que pudessem fazer deles uma ameaça para a Igreja. Esse

sistema de sindicalismo urbano tinha sido planejado e ditado por Getúlio

Vargas, durante o período do Estado Novo, e codificado na lei trabalhista de

1943, n° 2.162 (BRUNEAU, 1974, p. 163).

Depois de 1960, a Ação Católica começou a se envolver com o trabalho urbano. A

Ação Católica Operária (ACO) e a Juventude Operária Católica (JOC) começaram a

evangelizar o meio operário. Ambos os movimentos permaneceram limitados, sob forte

influência e orientação da hierarquia, sofreram falta de recursos, “mas fizeram, algumas

vezes, aliança com os comunistas para fazer pressão a favor de algumas mudanças de

estrutura” (ALVES, 1968, p. 133). Imediatamente após o golpe de 1964 experimentaram

período de ativismo sem precedente, mas, em seguida, não resistiram às constantes

“investidas” do governo.

Uma última organização operária da Igreja precisa ser mencionada. A Frente

Nacional do Trabalho (FNT) foi fundada, em 1960, depois de longa e difícil greve contra a

Companhia de Cimento Perus, em São Paulo. Fundado por discípulo de Pe. Lebret, Mário

Carvalho de Jesus, a Frente empreendeu algumas greves de longa duração, na maioria bem

sucedidas (BRUNEAU, 1974, p. 165). O movimento situava-se ao lado da Igreja e ao lado

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dos sindicatos, tentando mudar o sistema de sindicatos, enquanto evangelizava o meio.

O envolvimento da Igreja no campo operário urbano não era nem particularmente

ativo, nem importante. “O sistema trabalhista era de tal maneira controlado pelo governo que

afastava o perigo de ameaças sérias à percepção que a Igreja tinha de sua influência”

(BRUNEAU, 1974, p. 166). Quando, depois de 1960, até mesmo o campo operário urbano se

tornou tanto quanto conturbado, as reações foram limitadas. Embora a hierarquia ajudasse a

Ação Católica (ACO e JOC) e, em grau menor, a FNT, não o fazia de maneira significativa ou

estratégica.

Em contraste, a Igreja se tornou o maior e o mais importante ator no campo do

sindicalismo rural. Bruneau sugeri que “o que foi decisivo nesse envolvimento foi a completa

ausência de qualquer organização antes de 1957 e o subsequente e rápido crescimento das

'ligas camponesas‟, que vieram despertar o cenário rural” (BRUNEAU, 1974, p. 166). A

Igreja encontrava-se convencida de seu amplo poder de influência na zona rural. A população

rural estava inteiramente à parte da sociedade nacional, era analfabeta e firmemente apegada à

forma do catolicismo cultural que reforçava a sua passividade. Quando Francisco Julião

começou, em meados da década de 1950, a organizar e mobilizar os trabalhadores rurais, a

Igreja percebeu que essa área outrora segura de influência poderia simplesmente desaparecer;

ou pior, poderia ser mobilizada em frontal oposição a ela.

A formação de sindicatos rurais era prevista no Brasil desde 1903 (Dec. Lei n° 979,

complementado pelo Dec. Lei n° 637 de 1907). Contudo, como acontece com a maioria das

medidas formais, essa também não refletia a realidade da situação nas zonas rurais, e por volta

de 1960 apenas seis sindicatos tinham se formado. Quanto a essa morosidade no processo de

implementação da lei, diz Márcio M. Alves: “a lei não passa além das paredes da Assembleia

Legislativa, nem ultrapassa as fronteiras das estradas asfaltadas” (ALVES, 1968, p. 69).

Para se avaliar a importância da falta de sindicatos rurais num país

predominantemente rural (64% em 1950, 54% uma década mais tarde), onde a maioria da

população se ocupa de agricultura (57,8% em agricultura, criação de gado e silvicultura em

1950, mas produzindo apenas 27% do produto nacional líquido em 1960), é preciso

compreender os moldes da propriedade e as estruturas do poder rural.

Estudo do Comitê Interamericano de Desenvolvimento Agrícola (CIDA) descreve a

relação entre proprietário e trabalhador nas fazendas:

O que distingue este poder é o seu caráter quase absoluto e vasto. As decisões

do dono do latifúndio são ordens. O latifúndio se assemelha talvez às

organizações rígidas nas quais a alta direção detém o privilégio exclusivo de

tomar decisões sobre todas as questões relativas às atividades dos subalternos

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e nas quais a delegação de poderes ocorre apenas dentro de certos marcos

estreitos – limitados sempre pelo direito de intervir (CIDA, 1966, 147-148).

Antônio Callado, cientista social, exprime bem a natureza geral das relações de poder

no Nordeste:

Se uma agência responsável solicitasse das Nações Unidas uma investigação

sobre as condições de trabalho no Nordeste do Brasil, íamos passar por uma

grande vergonha. As Nações Unidas nos incluiriam entre as zonas do mundo

onde ainda permanece em vigor o trabalho escravo (CALLADO, 1960, p.33).

O Relatório do CIDA descreve ainda estado de apatia dos cidadãos:

Embora em algumas empresas os trabalhadores gozem de um pouco mais de

liberdade e segurança e de um nível de vida ligeiramente mais elevado, o

País, como um todo, considera a existência de uma mão-de-obra barata,

submissa, analfabeta e sem qualquer iniciativa própria, como um fenômeno

natural (CIDA, 1966, p. 326).

A existência desse sistema de propriedade rural e de relações autoritárias de poder

tem implicações que vão além da pobreza e da situação infra-humana dos trabalhadores. Uma

das conclusões do CIDA assegura que:

Alguns observadores estão convencidos que a atual estrutura de posse da

terra e do uso da mão-de-obra rural, resulta de fato na pobreza, na

insegurança, na instabilidade e na desocupação total ou parcial do grosso da

população rural e dos solos e, daí, na produção inadequada e, não obstante, na

grande riqueza de pequeno número de privilegiados proprietários rurais

(CIDA, 1966, p. 602).

Ao menos uma das ideias dos especialistas convergia num determinado ponto, a

saber, que se fazia necessária alguma mudança significativa na estrutural rural antes que o

desenvolvimento nacional viesse a realizar-se. Um grupo de especialista da UNESCO

destinado a estudo do Nordeste chegou à seguinte conclusão:

O problema da posse da terra é o maior obstáculo para o desenvolvimento do

Nordeste. Todos os esforços feitos em prol do desenvolvimento e do

progresso da região serão inúteis, se não for encontrado um meio de adaptar

as condições da posse da terra às demandas da moderna produção agrícola.

Não está em nossa alçada oferecer soluções para resolver este difícil e

complicado problema, essencialmente político e social (PASCATORE &

WEITZ, 1967, p. 43).

O problema da posse da terra e das relações de poder é claramente político. Aqueles

que têm a terra são também os mesmos que fazem e aplicam as leis, controlam a Igreja e

orientam os valores sociais. Se fossem passadas leis agrárias, os proprietários de terra teriam

força para impedir a sua aplicação. O sistema rural mudou num grau mínimo, antes de 1960.

Apesar das mudanças políticas nacionais, da depressão, do crescimento rápido, da

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urbanização, da industrialização, etc., o sistema rural tradicional permaneceu incrivelmente

estático.

Depois de 1960, a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste

(SUDENE) começou a estimular algumas modificações em vários aspectos do sistema, e a

mesma configuração das forças políticas nacionais que levou à SUDENE, deu também lugar à

formação de sindicatos rurais. No sistema rural tradicional não havia, de forma alguma, lugar

para a formação de sindicatos: era execrável para os proprietários e eles simplesmente não

tolerariam tais ameaças à sua autoridade. O que parece ter sido importante para a formação

inicial das organizações rurais “foi a dissolução da sociedade tradicional dentro do contexto

da mudança social geral no Brasil, que criou oportunidades para várias inovações no

momento em que diferentes grupos e líderes procuravam bases para o poder” (BRUNEAU,

1974, p. 170).

2.4.4 Francisco Julião e as Ligas Camponesas

As Ligas Camponesas surgiram perto de Recife, Pernambuco, quando grupo de

lavradores rendeiros decidiu se organizar (CALLADO, 1960, p. 33-37; MORAES, 1970, p.

34-35). O engelho Galiléia estava fechado desde 1940, por causa do baixo preço do açúcar, e

os donos, a família Beltrão, tinham se mudado para a cidade. A terra foi arrendada, mas em

fins da década de 1950, o custo do arrendamento crescera muito, tendo como resultado o

atraso do pagamento da parte de muitos rendeiros.

Ocorreu, então a José Francisco de Souza (“Zezé da Galiléia), a ideia de formar

sociedade e criar fundo para manter em dia os pagamentos. Dessa ideia inicial fundaram

sociedade a que chamaram “Sociedade Agrícola e Pecuária dos Fazendeiros de Pernambuco”,

e o dono ficou satisfeito, pois parecia que as rendas dele estariam mais garantidas. “O filho do

proprietário, no entanto, percebeu real ameaça na organização e chamou a polícia para

expulsá-los” (CALLADO, 1960, p. 34-35).

Os rendeiros decidiram buscar proteção na lei e foram a Recife procurar advogado

para defendê-los. Encontraram lá Francisco Julião18

, membro da Assembleia Estadual. Julião

18

Para uma apresentação mais detalhada de Francisco Julião e análise da organização rural em geral recomenda-

se leitura da obra de LEEDS, A. Brazil in the Myth of Francisco Julião In: MAIER, J. WEATHERHEAD, R.

(edts.) Politics of Change in Latin America. New York, 1964 e GALJART, B. Class and Following in Rural

Brazil. America Latina, v. 7, n 3, 1964.

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percebeu as possibilidades de organizar as zonas rurais. A maioria dos que entrou depois dele,

na organização rural, eram políticos da classe média que procuravam base para o poder. O que

é interessante, é que até mesmo o presidente Goulart usou os sindicatos rurais como base de

poder.

Julião conseguiu se eleger para a Câmara Federal, e as Ligas Camponesas se

espalharam para além de Pernambuco. As ligas eram entidades civis, ou sociedades, com certa

autoridade em relação a salários, negociações. Por volta de 1960, as Ligas estavam

estabelecidas em 26 municípios de Pernambuco, e nos Estados da Paraíba, Piauí, Ceará e

Alagoas. Uma vez lançada, a ideia de organização rural pegou e ameaçou mobilizar os

camponeses do Brasil inteiro. “Dada a imensa reversa de potencial de injustiças, a mera

sugestão de organização rural representava, para as classes privilegiadas, o fantasma da

revolução” (CAMARGO, 1966, p. 141), e desencadearam conflitos, em termos de repressão.

Uma vez formados os grupos rurais, a Igreja reagiu e criou vasta rede de sindicatos

rurais, sob os quais pudesse garantir sua influência e, por conseguinte, promover a mudança

social. O engajamento da Igreja no sindicalismo rural começou em 1959, quando Maria

Julieta Calazans que, já havia uma década, trabalhava para mudar as atrasadas e injustas

estruturas rurais, falou com dom Eugênio Sales, em Natal, sobre a necessidade de tal

movimento. Dom Eugênio deu o seu inteiro apoio à sindicalização, através do seu

movimento, SAR (Serviço de Assistência Rural), uma organização ativa, desde 1949, na

promoção da mudança social, em nível local, no Rio Grande do Norte. Começado em Natal, o

movimento pegou e por volta de 1961 já tinha sido fundado em Pernambuco (inclusive dom

Carlos Coelho e dom Manuel Pereira) promoveram encontro de cerca de 26 bispos e

fundaram o SORPE (Serviço de Orientação Rural de Pernambuco). Desses dois Estados, o

movimento da Igreja se espalhou rapidamente para outras dioceses e outros Estados, enquanto

toda a instituição parecia se unificar e tomar impulso atrás do programa (Cf. BRUNEAU,

1974, p. 172).

No plano nacional, a CNBB publicou declarações justificando o movimento o

fornecendo informação autorizada sobre a sua organização e reconhecimento; o MEB criou

setor especial para a sindicalização, e orientava as escolas locais para preparar os estudantes

para o movimento; em plano regional, os bispos faziam declarações de apoio e

recomendavam aos seus padres que ajudassem na formação e na consolidação dos sindicatos,

e no nível paroquial, que os párocos encorajassem os seus paroquianos a fundar sindicatos e,

às vezes, eles mesmos tomavam a iniciativa.

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Por volta de 1964, havia movimentos de sindicalismo rural, promovidos pela Igreja,

em quase metade dos Estados, incluindo todos os do Nordeste.

Entre esses movimentos se incluem o SAR, no Rio Grande do Norte; O

SORPE, em Pernambuco; CEPLAR, na Paraíba; FAG, no Rio Grande do Sul;

FAG, em Goiás; MEB, no Maranhão; muitos outros em Minas Gerais; FAP,

em São Paulo e variações do MEB e Ação Popular em vários outros Estados.

Bruneau recupera dados numéricos apresentados por Hewitt, para quem em

fins de 1963, havia 280.000 membros de associações camponesas em

Pernambuco, 200.000 dos quais pertenceriam aos sindicatos da Igreja

(BRUNEAU, 1974, p.172).

Todos os observadores da sindicalização rural que se organizava no Brasil, durante

esse período, concordam em apontar a Igreja como peça-chave no movimento. Como essa

atividade se distanciava muito da ação da Igreja no passado, é preciso que se diga alguma

coisa sobre as suas causas: foi essencialmente a percepção de ameaças políticas que levou a

essa estratégia de influência, assim como levou a outras atividades orientadas para a mudança

social. Em muitos lugares, o MEB, pelo menos no início, e segundo avaliações de alguns

bispos, não passava de inócuo programa de escola radiofônica para ensinar catecismo e

algumas noções de higiene. Entretanto, o programa de sindicalização não deixou dúvidas de

que a Igreja estava fazendo inegável ruptura com o passado, nas zonas rurais. Em vez de

apoiar o patrão local que controlava o seu colono, a Igreja agora militava ativamente para

organizar os camponeses, e a exigir dos patrões melhores condições de trabalho e de vida.

Historicamente, a hierarquia da Igreja tinha como certa a sua influência sobre as

massas rurais, embora a instituição raramente exercesse sobre elas as suas prerrogativas e

aceitasse inteiramente o catolicismo primitivo, ou cultural, como digno de reflexão e prática.

Com a formação das Ligas nas zonas rurais, e a sua rápida expansão subseqüente, a influência

da Igreja não gozava de segurança nem sustentação. Antes mesmo das Ligas serem formadas,

nos anos de 1950, muitos líderes católicos (eclesiásticos ou não) vislumbravam o despertar de

força de oposição à influência da Igreja. O problema ganhou urgência com as Ligas, e

especialmente com o sucesso do movimento revolucionário de Cuba, em princípios de 1959.

Para agravar a questão, muitos da Igreja ficaram preocupados com a usurpação que

Julião fez do simbolismo religioso, na mobilização das Ligas. Em que se comparava a si

mesmo com São Francisco, e numa ocasião afirmou: “O Papa João XXIII foi o primeiro Papa

a vir de origem camponesa. A Encíclica que ele acaba de fazer - “Pacim in Terris” - é uma

prova de que o Papa veio aprovar as „Ligas Camponesas‟. Usamos em nossa pregação as

palavras da Bíblia, Sim, porque a Bíblia é um livro revolucionário” (BRUNEAU, 1974, p.

174). A ameaça de Julião representava explicitamente diminuição da influência da Igreja e,

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de fato, ameaçava substituí-la completamente nas zonas rurais. Além disso, se o evento Cuba,

com desdobramentos inesperados, viesse a se repetir, e se instalar também no Brasil, talvez a

eliminasse do país inteiro. Diante de ameaças dessa magnitude, a Igreja não podia deixar de

reagir.

A Igreja optou pela forma sindical. Desse modo (embora o reconhecimento do

Ministério do Trabalho fosse difícil), com autoridade e envergadura organizacional, podia

realizar muito mais para os camponeses. Mesmo a Igreja demonstrava tendência para entregar

a liderança à classe média, e não aos camponeses. É preciso que se diga que vários grupos e

indivíduos se tornaram ativos dentro do programa da Igreja, por diferentes motivos. No

Nordeste, a maioria dos elementos estava ao que parece, honestamente preocupada com

questões de justiça social e mudança de estrutura. Em algumas áreas, os presbíteros formavam

organizações para combater os comunistas, e os militantes leigos tentavam (fazer a revolução)

nas zonas rurais, em face da constatação de que a zona urbana estava muito estritamente

controlada pelo governo.

A Igreja tinha certo número de recursos que podiam ser usados para promover esse

novo mecanismo de influência. A religiosidade básica dos camponeses (para a qual Julião

estava apelando), era importante para atraí-los aos sindicatos da Igreja. O presbítero ainda

tinha prestígio junto ao povo, o que servia de motivação para eles entrarem nos sindicatos em

vez das ligas. E, conquanto não demorasse muito para indispor os proprietários de terra, a

Igreja (como instituição estabelecida, estrutura física, linhas de comunicação, recursos de

coordenação na CNBB) podia enfrentá-los, o que jamais grupo incipiente de camponeses

poderia esperar fazer. Em certo sentido, a Igreja, pelo menos nos primeiros estágios da

mudança social, tem importantes recursos tradicionais que podem ser reorientados para

objetivos novos e radicalmente diferentes, deixando de sustentar o status quo, para atuar

ativamente em favor da mudança de estrutura.

Outras experiências em mudança social poderiam também ser discutidas, tais como o

Movimento de Natal, a Cruzada São Sebastião em promoção de desfavelamento, no Rio de

Janeiro. Não estava sendo criada base religiosa para a mudança; em vez disso, os indivíduos

eram encorajados a participar em novos grupos e movimentos por meio dos quais a Igreja

pudesse continuar a exercer influência. O poder ainda era necessário para exercer influência,

mas agora essa influência tinha orientação intencionalmente progressista, em vez de tendência

retrógrada, conservadora. Uma força predominante que ajudou a Igreja a mudar a sua

orientação, e a cristalizar os conflitos e tensões inerentes nessa mudança foi a Ação Católica

Brasileira (ACB).

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2.4.5 A Expressão Social da Igreja

Analisar a presença da ação da Igreja Católica no Brasil significa, não ignorando o

seu passado de violência, apreender a dinâmica que a faz presente como força social em

diversas conjunturas nacionais. Como integrante do pacto populista, as atividades da Igreja

concentram-se em duas questões específicas: educação e reforma agrária. No primeiro caso, a

sua prática educacional confrontou-se com projeto de reforma do sistema educacional

elaborado pelos representantes do Ministério da Educação e partidário do movimento Escola

Nova. No que diz respeito à questão agrária, a Igreja redefine ajustamento de prática

tradicional alinhados a valores universais e amplia compromissos histórico-sociais em vista

da manutenção de seu poder de influência no meio rural.

A cronologia da ação da Igreja nos permite verificar quão diversificada é a sua

manifestação no meio rural. Tratam-se de pastorais, declarações, manifestos, entrevistas de

bispos e de padres, e de programas e diretrizes de ação. “Para melhor caracterização da

atuação da Igreja, no entanto, é necessário destacar o contexto econômico e político do país.

Este marco nos permite perceber a vinculação dos pronunciamentos com as transformações

ocorridas no campo” (CARVALHO, 1985, p. 70).

As décadas de 1950 e 1960 revelam-se particularmente fecundas em interpretações

sobre o sentido das mudanças observadas na Igreja brasileira. Entre elas encontram-se,

segundo esquema apresentado por Vanilda Paiva, estudos históricos e sociológicos com

amplitude, orientação e níveis de sofisticação diversos (KADT, 1970; BRUNEAU, 1974 e

1979; DELLA CAVA, 1975 e 1978; ALVES, 1979; MAINWARING, 1989) a análises das

ideias dominantes na área católica, com ênfase sobre o peso da ideologia nacionalista e

desenvolvimentista, difundida no país desde os anos 50 (Romano, 1979; PAIVA, 1980), ou na

propriedade científica dos conceitos utilizados nos documentos que orientam sua prática

político-pedagógico-pastoral (VELHO, 1980) e outros que atribuem diferentes significados

às peculiaridades da atualização das funções da instituição (WANDERLEY, 1978; SOUZA,

1979; CARDODO, 1982). Entre as interpretações disponíveis, porém, três são especialmente

sedutoras: aquela que, defendida em geral por cientistas políticos, tende a reduzir a

explicação de sua evolução recente a uma ação defensiva contra o autoritarismo do regime

(WEFFORT, 1977); a que, promovida por militantes católicos, pretende que tal evolução seja

ditada fundamentalmente pela pressão de suas novas bases sociais (SOUZA, 1979;

PALÁCIO, 1979); e a que, pretendendo ser „total‟, atribui suas transformações mais

significativas à crise do capitalismo internacional (RICHARD, 1982). Essas três

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interpretações (PAIVA, 1985, p. 54), isoladamente ou combinadas entre si, permeiam com

maior ou menos força, salvo poucas exceções, a maior parte dos trabalhos sobre a Igreja,

especialmente aqueles que minimizam a questão institucional.

No período que antecedeu ao golpe militar de 1964, a questão agrária estava na

ordem do dia. As mobilizações camponesas, através das Ligas Camponesas e dos então

chamados sindicatos rurais, tinham colocado os trabalhadores do campo, até aquele momento,

rigorosamente, marginalizados da vida política, no centro dos acontecimentos (PALMEIRA,

1985, p. 43). A “agitação” camponesa constituiu-se num dos pretextos mais utilizados pelos

organizadores do golpe para, em nome da ameaça ao princípio da propriedade, aumentar

capital político em apoio ao projeto que pleiteavam implantar para a nação.

A conjuntura política em que surgem as organizações camponesas no Brasil (Ligas e

Sindicatos) teve peso decisivo na configuração do sindicalismo rural. Em primeiro lugar,

essas organizações surgem num período de certa normalidade democrática, de alargamento da

participação popular e de crescente mobilização política dos mais variados setores da

sociedade. A própria entrada em cena do Ministério do Trabalho, apesar de as Ligas estarem

em atuação desde meados dos anos 50 e muitos sindicatos, desde a virada dos 50 e 60, é

relativamente tardia. É só em 1962 que são outorgadas as primeiras cartas sindicais, e por

exigência dos próprios sindicatos, que percebiam a importância do seu reconhecimento

oficial. Por outro lado, enquanto os sindicatos urbanos tinham se desenvolvido sobre oposição

esquerda-Estado, o sindicalismo rural vai brotar sobre oposição esquerda-Igreja, o Estado

colocando-se à distância, de início e, no final do período, tentando entrar no jogo,

favorecendo uma ou outra ou uma e outra das forças em confronto (PALMEIRA, 1985, p. 44-

45).

A participação da Igreja na articulação do movimento golpista de 1964 iria,

paradoxalmente, garantir certo tipo de continuidade ao sindicalismo rural, que contrasta, em

toda a linha, com o que aconteceu com o sindicalismo urbano em 1937 e 1964. Se é verdade

que a repressão contra os líderes sindicais e trabalhadores com militância sindical no campo

foi, possivelmente, mais contundente que a que atingiu o operariado e outros setores urbanos

[...], é preciso não esquecer que as entidades sindicais, tidas como ligadas à Igreja, foram num

certo sentido, poupadas (PALMEIRA, 1985, p. 45).

Não há como negar que o autoritarismo do regime influiu sobre posições assumidas,

seja pela hierarquia em conjunto e sobre bispos individuais, seja por outros membros da Igreja

e que sem o regime militar, sem a perseguição sofrida a partir da segunda metade dos anos 60,

a Igreja possivelmente teria modificado mais lentamente suas posições.

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Sem as transformações por que vêm passando a economia mundial e a

política internacional, bem como aquelas atravessadas pelo país nas últimas

décadas, provocando o surgimento e a confrontação de novas forças sociais

que atravessam a instituição, tais mudanças poderiam não ter ocorrido ou ter

tomado rumo distinto (PAIVA, 1985, p. 55).

As transformações sofridas pela Igreja brasileira correspondem à instalação da Igreja

Moderna no Brasil. Neste país, por motivos ligados à especificidade da conjuntura dos anos

50, a Igreja nacional sofreu o que se poderia chamar de um „agiornamento precoce’, que

possibilitou uma assimilação da doutrina moderna, nos anos 60, com maior velocidade do que

na maioria dos países latino-americanos. A interconexão entre a aparentemente contraditória

evolução ideológica dos setores da Igreja que “foram ao povo” e do conjunto da hierarquia,

como corpo que zela pelos interesses institucionais fundamentais e de longo prazo, encontra

seu paralelo político na articulação entre a Igreja institucional e a “Igreja Popular”. A Igreja

Moderna supõe uma esquerda católica forte que, se por sua vez ao “ir ao povo” provoca

mudanças na ideologia e na prática de seus membros, se apresenta como condição para o

fortalecimento do conjunto da Igreja e para o êxito de sua estratégia de influência, neste final

de século (PAIVA, 1985, p. 61-63).

A Igreja ao manifestar sua preocupação diante da situação brasileira, quer se tornar

porta-voz e advogada dos Direitos da pessoa humana, tarefa que deve ser aceita por todos os

outros interlocutores. A Igreja tem assim projeto para atuar na sociedade e escolherá um dos

seus organismos mais dinâmicos para assumir uma das principais tarefas na sociedade civil: a

Ação Católica. O agente viabilizador desse plano é, sobretudo, aquele já definido em 1945: a

Ação Católica. Contudo, não deve a Igreja simplesmente executar plano de assistência social

isolado da política. Nesse caso, é a manifestação explícita de sua participação na

reestruturação da sociedade brasileira. “Todo nosso pensamento e as nossas energias têm

como objetivo a reforma social cristã. Mas esta não se faz sem uma influência poderosa sobre

a opinião pública” (AÇÃO POPULAR apud LIMA, 1979, p. 133).

A Carta Pastoral de dom Inocêncio Engelke (1951) constitui-se em documento

pioneiro sobre a questão agrária no país e, sobremaneira, expressa o temor de perda de

influência da Igreja como consequência de sua inércia:

Temor de que a Igreja Católica perca, por falta de iniciativa, a sua influência

no meio rural. O êxodo rural, a abertura de estradas, jornais, cinemas, rádio

são meios que permitem a divulgação de „ideias arrojadas e revolucionárias‟,

contribuindo, desta forma, para alterar a „índole conformista e rotineira dos

trabalhadores rurais‟ (CARVALHO, 1985, p. 79).

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Análise da realidade do cidadão brasileiro no campo feita por dom Engelke acentua

ainda a precária situação econômica e social do trabalhador rural. A situação a que é exposto o

camponês constitui-se “o terreno fácil para a ação de agitadores, se agirem com inteligência,

nem vão ter necessidade de inverter coisa alguma. Bastará que comentem a realidade, que

ponham a nu a situação em que vivem ou vegetam os trabalhadores rurais” (ENGELKE apud

CNBB, 1976a, p. 45).

Diante de tal estado, a exclamação-advertência de PIO XI ecoará por toda a Igreja

brasileira: “Não cometemos a loucura de perder, também, o operariado rural. O maior

escândalo do século XIX foi ter a Igreja perdido a massa operária” (ENGELKE apud CNBB,

1976a, p. 44).

Quatro meses após a I Semana Ruralista da Diocese de Campanha, Minas Gerais,

coroada com a Carta Pastoral de dom Inocêncio Engelke, em 1950, os bispos do Rio Grande

do Norte (Natal, Moçoró e Caicó) publicam carta na qual a sociedade é comparada com

organismo vivo, sendo a população rural o seu coração:

Somos um organismo. Imagine-se no corpo humano o coração desprotegido

dos rins, do fígado, do estomago e dos pulmões, desajudado das artérias, das

veias e dos capilares, e poder-se-á ver quão infeliz será povo cuja população

rural, representado seu coração, jaz isolada e coberta de mil necessidades,

desestimulada de mil formas, sangrando pela cidade que não a vê senão para

explorar e aniquilar (CNBB, 1976b, p. 54).

Aliás, a pastoral será norteada pela polarização cidade-campo. “Como sucede na vida

econômica e na vida política, também na vida rural o país é verdadeiro centro de gravidade de

inúmeras existências, tendo que se movimentar muito mais em função da harmônica marcha

progressiva de todos” (CNBB, 1976b, p. 56).

Em síntese, o conflito político-social que se desenvolveu dentro da sociedade

brasileira - que levou à crise final do populismo e que se concluiu com o golpe de Estado de

1964 -, envolveu a Igreja em seus diversos setores. A participação da Igreja (hierarquia e

leigos) contribuiu para a aceleração e radicalização dos conflitos. A divisão dos católicos em

formas institucionais criadas pela Igreja seria consequência da ruptura da aliança populista.

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3. A NATUREZA TRANSNACIONACAL DA IGREJA: ORGANIZAÇÕES

INTERNACIONAL (CONCÍLIOS) E REGIONAL (CELAM) E DESDOBRAMENTOS

POLÍTICOS E RELIGIOSOS

3.1 A NATUREZA TRANSNACIONAL DA IGREJA

O capítulo anterior concentra esforço de “reconstrução” do contexto sócio-

econômico-político-religioso no Brasil, com ligeira incursão também na América Latina, para

os anos de 1950 a 1964. Após aprofundar as principais demandas da sociedade brasileira (a

questão agrária, a sindicalização rural e urbana, instabilidade político-econômica), descreve o

processo de criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em sua relação

com a Ação Católica Brasileira (ACB), com o Movimento de Educação de Base (MEB) e

com a Ação Popular (AP), e a introdução da questão acerca do estado de tensão na relação

Igreja-Estado.

O presente capítulo descreve a natureza transnacional ou internacional19

da Igreja,

apresenta instâncias da Instituição em âmbito internacional (os Concílios) e regional (o

Conselho do Episcopado Latinoamericano e do Caribe – CELAM e as Conferências Gerais do

Episcopado Latinoamericano e do Caribe), em termos de entidades transnacionais; centra

atenção na atuação política da Igreja no desenvolvimento e na integração da América Latina

(AL); e analisa a emergência de uma consciência de libertação e de uma Teologia da

Libertação (TdL) no Continente Sulamericano, profundamente enraizada e identificada com

uma Igreja Popular: as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

Uma instituição transnacional caracteriza-se por - natureza, estrutura, interesses e

fins - formular política internacional, no intuito de satisfazer às suas demandas de manutenção

de seu status quo, (ou de “sobrevivência” nos termos do realismo e neorealismo clássico), do

princípio de autonomia ou de independência e, de igual relevância, da necessidade de

expansão do poder de influência da instituição, como elementos definidores de sua duração

(no tempo) e expansão (no espaço).

Os teóricos das Organizações Internacionais consideram a Igreja - para os períodos

medieval e moderno da história ocidental -, uma das primeiras instituições transnacionais ou

internacionais (por vezes, a depender do contexto histórico, a principal instituição

19

Os dois termos - transnacional ou internacional - pretendem, sempre que referidos à Igreja, descrever uma

mesma realidade: a dimensão da Instituição que extrapola as fronteiras do Estado-Nação.

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transnacional). Para tanto, alegam como fatores fundamentais para sua permanência histórica

a sua estrutura organizacional, governamental, e, sobretudo, a opção de “neutralidade” frente

a conflitos de grandes proporções deflagrados entre Estados, capazes de promoverem

transformações históricas, estruturais e sistêmicas.

Já nos primeiros séculos da “era cristã”, as Igrejas nascentes elaboram mais do que

extraordinárias reflexões filosófico-teológicas para um mundo em ruínas (queda do Império

Romano), mas também diretrizes morais e sociais. As questões mais relevantes (heresia,

apostasia) encaminham-se através dos bispos aos Sínodos20

, e estes devem representar a um

só tempo a Igreja local e Internacional. Não obstante, a Sé Apostólica ou Romana, desde o

séc. V, reivindica para si atributo de autoridade, em vista de suposta unidade da Igreja

espalhada pelo mundo. Em Carta “Institutio”, do papa Bonifácio I, aos bispos da Tessália, lê-

se:

A instituição da nascente Igreja Universal tomou início no múnus honorífico

do bem-aventurado Pedro, no qual está seu governo e ápice. As disposições

do Concílio de Nicéia não testemunham outra coisa, a tal ponto que não

ousou definir nada sobre ele [primado], vendo que era impossível propor algo

acima de seu mérito. Dirigimos direto ao Sínodo [de Corinto] um escrito com

o intuito de fazer compreender a todos os irmãos que não se pode deliberar de

novo sobre um julgamento nosso. De fato, nunca é lícito deliberar outra vez a

respeito do que uma vez foi estabelecido pela Sé Apostólica (DENZINGER,

2007, n 232-233).

Os documentos oficiais mais recentes da Igreja, via de regra, atribuem a natureza

transnacional da Instituição à missão - “de evangelização” - que desenvolve pelo mundo.

Assim, a missão confere à Instituição dimensão de universalidade21

. O Concílio Ecumênico

Vaticano II (1962-1965), em sua Constituição Pastoral Gaudium et Spes (GS), declara que:

Dado que a Igreja não está ligada, por força da sua missão e natureza, a

nenhuma forma particular de cultura ou sistema político, econômico ou

social, pode, graças a esta sua universalidade, constituir um laço muito

estreito entre as diversas comunidades e nações, contanto que nela confiem e

lhe reconheçam a verdadeira liberdade para cumprir esta sua missão

(GAUDIUM ET SPES, 1965, n 42).

20

O grego synodos significa literalmente “caminho conjunto”, ou seja, a ação convergente de várias pessoas para

um mesmo fim. Em sentido genérico equivale a assembleia. Na terminologia da Igreja antiga equivale a

“concílio”, uma assembleia de bispos.

21 A Igreja atribui à missão sua dimensão de universalidade. Alguém poderia atribuir tal universalidade,

apressada e equivocamente, aos bens imóveis da Instituição espalhados pelo mundo. Ora, os bens da Igreja

pertencem à Igreja local (Comunidade, Paróquia, Diocese), e nunca à Igreja em âmbito internacional (Santa Sé

ou Vaticano). Entretanto, outro elemento, antigo e expressivo, capaz de indicar dado visível de

transnacionalização é a autoridade papal, criticada por todos os lados, porém, inquebrantável até o presente.

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Ao analisar a Igreja, enquanto instituição social, Thomas Bruneau evidencia quatro

componentes distintos, porém, interrelacionados: “a mensagem” (que escapa ao controle da

instituição), “a instituição” (comunidade de indivíduos com poder político), a “Igreja

nacional”22

(na qual se celebram os sacramentos e a partir da qual se compromete com a

sociedade) e a “Igreja Universal”23

(da qual é parte a “Igreja nacional”). Essas duas últimas

dimensões se entendem como “relações”. Em palavras do próprio Thomas Bruneau, “as duas

relações são as da Igreja nacional com a Santa Sé, ou centro da Igreja Universal, e com o

Estado, dentro de cujas fronteiras a Igreja está localizada” (Cf. BRUNEAU, 1974, p. 14).

Para Vanilda Paiva - cientista social, em artigo A Igreja Moderna no Brasil -, parte

substancial das análises acerca das transformações ocorridas na economia mundial e na

política internacional entre os anos de 1950 e 1970,

Considera, porém, de maneira insuficiente, o caráter católico, universal, da

Igreja como instituição que reivindica o direito e a liberdade de atuar dentro

de sociedades nacionais, como uma „sociedade civil (transnacional) dentro da

sociedade civil (nacional)‟, desenvolvendo estratégias que lhe permitam

simultaneamente manter sua unidade, nacional e transnacionalmente, e influir

sobre as sociedades nacionais e sobre a política internacional (PAIVA, 1985,

p. 55).

Convém prosseguir no argumento de Vanilda Paiva, para quem ainda há outro

elemento acerca da transnacionalidade da Igreja:

Não se pode esquecer, a esse respeito, que a Igreja é também um Estado -

embora muito singular -, cuja „sociedade civil‟ correspondente não conhece

fronteiras e cuja transnacionalidade supõe uma circulação ampla de seu corpo

de funcionários de maneira a assegurar não apenas uma relativa

homogeneidade ideológica, mas também a facilidade de comunicação em

múltiplos idiomas - fatores fundamentais para a preservação de sua unidade

(PAIVA, 1985, p. 55).

Ora, toda e qualquer instituição, independente de sua natureza e finalidade, avança

no tempo conduzida por um grupo dominante, que num determinado contexto histórico

assume a direção da instituição após exercer predomínio sobre os demais grupos e correntes

de pensamentos. Embora seja a condução da instituição assumida pelo grupo mais atuante,

não significa que este seja o grupo mais inovador, progressista. No caso da Igreja, a direção

22

Thomas Bruneau, como se pode constatar, faz uso da expressão “Igreja nacional”. Com efeito, salvo algumas

raras exceções, tais como: Portugal, no tempo de Marquês de Pombal (séc. XVIII) e Inglaterra (desde Henrique

VIII), não coincide com a realidade falar estritamente em “Igreja nacional”, mas em Igreja em âmbito nacional.

23 A expressão “Igreja Universal” também precisa ser redefinida, pois abriga imprecisão e ambiguidade. A

aplicação da expressão “Igreja Universal” à Igreja Católica em âmbito internacional pode, no mínimo

proporcionar ocasião de confusão, em nível de interpretação, com a “Igreja Universal do Reino de Deus”. Assim,

convém adotar a expressão Igreja Católica em âmbito transnacional ou internacional.

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da instituição (e das suas entidades em âmbito nacional, regional e internacional) intercala-se

entre conservadores, moderados e progressistas, sendo os membros dessa última corrente

político-ideológica os que mais raramente assumem a função de direção (papado, nunciatura,

delegado de alguma Congregação em Roma) ou que menos tempo permanecem no cargo

(Presidência das Conferências Episcopais Nacionais, Presidência de Comissão Regional).

Uma determinada parcela da Igreja promoveu ao longo dos séculos processo de

centralização da Instituição, com graves prejuízos para a diversidade de pensamentos e o

respeito às diferenças culturas. O processo de centralização da Igreja é, no entanto,

contemporâneo à sua transnacionalização. À medida que a Igreja se expande, ela se organiza

administrativamente e o conteúdo dos “discursos”24

que elabora reivindica pretensão

universal.

Os discursos da Igreja para as décadas de 1950, 1960 e 1970 não se restringem a

veicular conteúdo filosófico-teológico que lhe é característico, mas, com igual força e

expressividade, pretendem produzir conteúdo sócio-político, que em determinadas épocas,

afirmara-se como essencialmente crítico dos grupos dominantes, quer na esfera

governamental, quer na sociedade civil; ou ainda discurso de autocrítica. Além disso, os

discursos da Igreja são comumente identificados como mensagem evangélica, que ela produz

e profere, e na qual se encontram todos os aspectos da vida em sociedade.

Os pronunciamentos da Igreja, de acordo com Vanilda Paiva, desconhecem fronteiras

em razão de seu estilo:

O caráter universal do discurso da Igreja exige que ele seja genérico, de

maneira a poder atingir todas as nações e todas as classes sociais. Assim, se a

tradução deste discurso genérico em cada sociedade responde à dinâmica

desta [Igreja Universal], as orientações que o informam recebem o influxo de

acontecimentos e tendências que transcendem o quadro de uma nação ou

sociedade. É preciso, pois, na interpretação dos caminhos trilhados pelas

Igrejas nacionais, não esquecer a sua referência à Igreja Universal e à defesa

dos interesses institucionais fundamentais – os quais podem, na segunda

metade do século XX, ser perfeitamente compatíveis com a resistência ao

autoritarismo e com a aproximação e solidariedade com as camadas

subalternas (PAIVA, 1985, p. 55-56).

Em maio de 1970, na Suécia, em palestra na Universidade de Upsala - “Obrigações

da Scandinávia para com o Mundo”-, dom Helder Camara expressa sua visão

internacionalista, sob certo aspecto assegurado pela instituição que representa:

24

O termo “discursos” pretende expressar o conjunto das variadas formas de comunicação (pronunciamentos,

declarações, conferências, cartas, boletins, jornais, etc.) adotadas pela Igreja como instrumentos de inserção de

suas demandas e de realização de seus próprios interesses nas arenas de política doméstica e internacional.

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Permiti-me, no entanto, a confiança de dizer-vos meu pensamento até o fim.

Não me sinto jamais estrangeiro em país nenhum do mundo. Não me sinto

um intruso, sem direito de abordar problemas íntimos das várias raças, das

várias línguas, das várias culturas... É que, em toda parte, me sinto um

homem no meio dos homens, um irmão, uma consciência humana, um voz

humana (CAMARA, 1970p, p. 01).

No ano seguinte, dom Pedro Casaldáliga, bispo da Prelazia de São Felix do Araguaia,

ao defender-se da acusação de “subversivo”, “comunista” e “estrangeiro” em texto sob o

título “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social”,

exprime dimensão nacional (natural a todo homem) e de internacionalidade da Igreja: “não há

homem estrangeiro na terra dos homens, e a Igreja no mundo é em todo lugar nossa pátria”

(CASALDÁLIGA: 1971, mimeo).

A partir do exposto, pode-se afirmar que a Igreja é - por sua missão, pelo conteúdo

de sua mensagem, pela autoridade papal, mas, sobretudo, por sua organização administrativa,

uma Instituição transnacional. Apenas as instituições transnacionais podem postular

interesses, valores e conhecimentos, em nível de pretensões para as quais reivindicam

direitos. Além disso, podem reivindicar direito de inserção de demandas em suas agendas

internacionais em nome de pessoas, de grupos de pessoas, ou de determinada sociedade.

3.2 INSTÂNCIAS TRANSNACIONAIS DA IGREJA: OS CONCÍLIOS, O CELAM E AS

CONFERÊNCIAS GERAIS DO EPISCOPADO

3.2.1 Internacional: os Concílios

Os Concílios25

constituem-se em instância deliberativa da Igreja, capaz de expressar

a universalidade e a transnacionalidade da Instituição desde o Vaticano, na condição de

Estado, ou da Santa Sé como referência de unidade. Um concílio denomina-se “ecumênico”

(do gr. Oikoumene = mundo habitado) quando celebrado por toda a Igreja, reunindo os bispos

do mundo inteiro, sob a autoridade do Papa. O concílio ecumênico é a forma mais solene com

que o Colégio Episcopal exerce sua plena autoridade sobre toda a Igreja.

25

Os primeiros e mais abrangentes concílios foram: Nicéia (325), Constantinopla I (381), Éfeso (431),

Calcedônia (451), Constantinopla II e III (553 e 681), Nicéia II (787). A característica comum a todos foi o

ecumenismo. Não é permitido olvidar, entre estes concílios, da importância do sínodo de Cartago (418). A lista

completa dos Concílios pode ser encontrada no LEXICON: 2003, p 125, vocábulo Concílio.

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As deliberações dos Concílios podem resultar em Constituições e Decretos a serem

observados pelos membros da Igreja. Não se trata, de nenhum modo, de Constituições e

Decretos a serem impostos sobre determinado povo, cultura, sociedade ou Estado-Nação.

Contudo, seria atitude ingênua desconsiderar o fato de que os desdobramentos dos Concílios

não exerçam influências diretas e concretas, inclusive com possíveis constrangimentos, sobre

alguns povos, culturas, sociedades e Estados-Nação. Ao longo de toda a tradição da Igreja, os

Concílios, como eventos de uma Instituição particular, sempre mobilizaram a Igreja, sem

deixar de criar expectativas na opinião pública internacional.

O Colégio Episcopal (ou Concílio) via de regra se reúne para o aprofundamento de

questões pertinentes à própria Igreja (pastoral, liturgia, ecumenismo, doutrina, etc.), e nunca

sobre sua situação enquanto Estado, nem acerca de sua relação com outros Estados. A

perspectiva ad intra adotada pela Instituição em Concílio não a impede de analisar o mundo

(ad extra). A propósito, é exatamente isso o que procura fazer a Constituição Pastoral

Gaudium et Spes do Concílio Ecumênico Vaticano II: olhar o mundo e ver-se atuando nele.

Aqui, temos uma vez mais a afirmação da internacionalização e da universalidade da Igreja.

3.2.2 Regional: o CELAM

Assim como se faz mister analisar o modo de atuação da Conferência Nacional dos

Bispos do Brasil (CNBB) para uma compreensão de conjunto da sociedade brasileira entre as

décadas de 1950 e 1980 e, particularmente, para uma compreensão da atuação política da

Igreja durante a vigência do AI-5, é de fundamental importância analisar a atuação do

Conselho Episcopal Latinoamericano e do Caribe (CELAM) e das Conferências Gerais do

Episcopado Latinoamericano e do Caribe na política regional.

Dito isso, cabe aqui uma pequena digressão. É de praxe confundir, considerando ser

a mesma coisa, o CELAM e as Conferências Gerais do Episcopado Latinoamericano e do

Caribe. Por isso, faz-se necessário distinguir, segundo Cleto Caliman, teólogo e ex-assessor

da CNBB, “entre as Conferências Gerais do Episcopado Latinoamericano e do Caribe e as

Assembleias do Conselho do Episcopado Latinoamericano - que é o CELAM” (CALIMAN,

2009). Ainda nessa seção, convém apresentar o CELAM, sua estrutura e função. Na seção

seguinte, apresentar uma breve descrição das Conferências Gerais do Episcopado da Região.

Uma Conferência Episcopal Nacional, quando de seu processo de fundação, deve

antes oferecer ao Papa elementos que justificam a criação da entidade para a Igreja naquele

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território (Estado-Nação) e, em seguida, solicitar ao pontífice aprovação de seus estatutos.

Dirigir-se pelas necessidades, demandas e urgências de cada país, é tarefa que corresponde às

Conferências Episcopais Nacionais:

A todas preocupa o problema de uma autêntica promoção humana, em

relação com as exigências da justiça e da paz, da família e demografia, da

educação e da juventude. A todas interessa a tarefa essencial da

evangelização, que atende a renovada pastoral, a uma catequese viva e

orgânica, a uma liturgia frutífera. A todas preocupa uma visão evangélica da

Igreja e suas estruturas, que anime os movimentos apostólicos leigos, a

atualizada e sólida formação do clero (VILELA & PIRÔNIO, 1968, p. 8).

As Conferências Episcopais da América Latina somam o total de vinte e uma (21)

Conferências, o que não significa dizer que todas têm sua representação direta no CELAM. A

entidade é composta por quatro (4) membros de Coordenação (Presidente, Vice-Presidente, e

dois Secretários); por dez (10) Comissões, tendo cada uma delas sua representação na pessoa

de um presidente (10) e seus respectivos secretários (10); dezessete (17) Conselhos

Permanentes. Portanto, na reunião do Conselho, em geral, conta-se com a presença de 53

pessoas.

As Assembleias do CELAM acontecem com maior frequência se comparadas com a

Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe. As reuniões das Comissões

do CELAM podem acontecer com intervalo de tempo ainda menor, pois visam a aprofundar

temas específicos de sua área de interesse e de representação no próprio CELAM. Não

importa a instância (Comissões, CELAM ou Conferências Gerais), a sua liberdade se limita a

sugerir a data, o local, o tema (das Assembleias ou das Conferências Gerais), as presidências

das Comissões, etc., reservando à Santa Sé o legítimo direito de confirmar, alterar ou mesmo

recusar quaisquer das propostas. O poder centralizador da Santa Sé se faz perceptível em

todas as instâncias administrativas da Igreja.

As Comissões do CELAM, em razão do fim para o qual foram criadas, diferem

bastante quanto ao modo de atuação política. A maioria delas centra-se na busca de soluções

para demandas internas da Igreja, tais como liturgia, sacramentos, formação de seus quadros.

A Comissão para a Ação Social, presidida inicialmente por bispos brasileiros, demonstra

maior preocupação com as questões sócio-político-econômicas do Continente sulamericano.

Os temas mais recorrentes nas reuniões dessa Comissão são: Igreja e a integração da América

Latina; as reformas básicas para a transformação das estruturas; os problemas demográficos;

os grandes desafios para o desenvolvimento (tecnologia, qualificação e educação) e o

crescimento da violência no Continente.

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Em suma, o CELAM, criado em 1958, poucos anos após a criação da CNBB, em

1952, demonstra atuação no campo da política regional distinta da CNBB na arena política

nacional. A CNBB, na maioria de seus membros, depois de um breve período de apoio ao

regime militar de 1964, tornou-se a principal entidade institucionalizada de oposição às suas

políticas - econômica, segurança, social. Exceto alguns poucos documentos produzidos pela

Comissão para a Ação Social, durante a presidência de bispos brasileiros, o CELAM não

demonstrou a devida preocupação com as questões que grassavam na sociedade

latinoamericana. O documento mais audacioso do CELAM para o período é Iglesia y Política,

de 1973, e paradoxalmente, assinado pelo secretário do CELAM, o ultraconservador, Alfonso

Lopes Trujillo, que inúmeras acusou a CNBB de politização da Igreja no Brasil e de procurar

fazer o mesmo com a Igreja da Região.

3.2 3 Regional: As Conferências Gerais do Episcopado Latinoamericano e do Caribe

As Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano e do Caribe realizaram-se

cinco vezes até o presente. As duas primeiras (Rio de Janeiro, Brasil, e Medellín, na

Colômbia) encontram-se no quadro de nossa pesquisa. As outras três (Puebla de Los Angeles,

no México; Santo Domingo, na República Dominicana e Aparecida do Norte, no Brasil)

extrapolam o escopo de nosso trabalho.

A cidade do Rio de Janeiro sediou, em julho-agosto de 195526

, a I Conferência Geral

do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, que determinou o surgimento de três outros

organismos essenciais para o desenvolvimento da Igreja na América Latina: 1º) a criação, pelo

papa Pio XII, em abril de 1958, da Pontifícia Comissão para a América Latina (CAL)27

; 2º) o

aparecimento do CELAM, com estatutos próprios aprovados, em 1958, pela Santa Sé, “como

organismo de contato, de serviço e de colaboração, junto aos diversos Episcopados Nacionais

do Continente” (VILELA & PIRÔNIO, 1968, p. 31-32); 3º) o surgimento de outras

26

A I Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe realizou-se no Rio de Janeiro três anos

(3) após a criação da CNBB, em 1952, sob coordenação incansável do então Pe. Helder Camara, que nomeado

bispo, tornou-se primeiro Secretário Geral desta entidade, durante doze anos ininterruptos.

27 Para dom Antônio Samoré, então presidente da CAL, à Comissão compete “estudar os problemas

fundamentais da Igreja na América Latina; acompanhar e estimular as atividades do CELAM e de seu

Secretariado Geral” (SAMORÉ, 1970, p. 26). Para Manoel Godoy, especialista em História da Igreja no Brasil,

no entanto, “a CAL transformou-se, sob a coordenação de bispos conservadores, em espécie de agência cuja

principal função é financiar projetos na linha da assistência social ou para patrocinar eventos outros organizados

pelo CELAM. A origem do capital que a Comissão movimenta encontra-se nas Igrejas enriquecidas dos Estados

Unidos” (GODOY: Entrevista, 10.12.2009).

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Conferências Episcopais Nacionais na América Latina.

A II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe realizou-se em

Medellín, na Colômbia, em 1968, depois de ter sido devidamente preparada pela Assembleia

Extraordinária do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), em Mar del Plata,

Argentina, de 11 a 16 de outubro de 1966. A Assembleia Extraordinário do CELAM reuniu-

se, tendo ante os olhos o tema “A presença ativa da Igreja no desenvolvimento e integração

da América Latina”, como resposta do Episcopado Latino-Americano - através de seus

Delegados - aos apelos do Concílio Vaticano II e do papa Paulo VI às Igrejas do Continente.

O tema da II Conferência -“A Igreja na atual transformação da América Latina à

Luz do Concílio Vaticano II” -, indica a finalidade da presença dos bispos em Medellín:

analisar as mudanças em curso e participar do processo de integração da América Latina,

quando os regimes de governo que se instalam preconizam desenvolvimento e segurança em

detrimento dos direitos humanos e da promoção social. Além disso, “a Assembleia

encarregou-se de aplicar a renovação conciliar à situação concreta da América Latina, visto

ter sido o Concílio Vaticano II um evento para o homem moderno europeu” (GODOY, 2009).

Como “Conclusões de Medellín”, a II Conferência Geral firmou três grandes opções

da Igreja: pelos pobres, por sua libertação integral e pelas Comunidades Eclesiais de Base

(CEBs). O decisivo dessas opções é que implicam uma leitura e uma prática político-pastoral

a partir das classes subalternas. Nesse contexto, os pobres compõem a grande maioria de

nosso continente. Em palavras de Leonardo Boff, “muito antes que fosse propalada por Carter

e pelo trilateralismo, a temática dos direitos humanos constitui o cerne do anúncio pastoral da

Igreja” (BOFF, 1988, p. 76).

A III Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe teve como sede

Puebla de Los Angeles, México, de 27 de janeiro a 13 de fevereiro de 1979. Depois de um

longo e conflitivo processo de preparação de quase dois anos, produziu-se impressionante

documento com mais de 300 páginas. O documento é construído segundo metodologia já

consagrada pela prática das CEBs e pela reflexão teológica do Continente que se inscreve nos

marcos da Teologia da Libertação (TdL): ver analiticamente, julgar teologicamente e agir

pastoralmente. O problema central desse método, que parte sempre da realidade, é como

articular três discursos de natureza diversa: o sócio-analítico, o teológico e o prático-pastoral.

Que isto seja possível, mostrou-o a produção da TdL. Puebla consagra as opções da Igreja

desde Medellín: a opção preferencial pelos pobres, pelas CEBs, pela defesa e promoção da

dignidade da pessoa humana, pela libertação integral do ser humano.

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A IV Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe realizou-se em

Santo Domingo, na República Dominicana, entre os dias 12 e 28 de outubro de 1992, no

pontificado de João Paulo II, o que explica mudança de percepção na direção da Igreja e na

eleição das prioridades da mesma. O papa, em discurso de abertura, assegura que “em

continuidade com as Conferências de Medellín e Puebla, a Igreja reafirma a opção

preferencial pelos pobres” (JOÃO PAULO II, 1992, p. 20). Não obstante ignora processo

histórico de libertação que os oprimidos do Continente têm construído e propõe retorno à

tradição da Igreja, nos moldes de uma teologia europeia, o que implica, como resultado,

impor limites à Teologia da Libertação e às ações das CEBs.

A cidade de Aparecida do Norte, no interior paulista, sediou a V Conferência Geral

do Episcopado Latinoamericano e do Caribe, em setembro-outubro de 2007. Como de praxe,

o papa profere discurso de abertura da Conferência Geral e do CELAM. O papa é Bento XVI,

quando jovem teólogo, defensor de perspectiva teológica aberta, porém, após assumir a

função de Delegado para assuntos de doutrina e fé, demonstrou ser de um conservadorismo

inabalável. O discurso inaugural em si mesmo influencia bastante os rumos dos trabalhos da

Conferência. Como se não bastasse, Bento XVI permaneceu na cidade a participar de eventos

religiosos paralelos à Conferência. O dado de maior relevância encontra-se no número de

conferencistas: um terço dos participantes (aproximadamente 80 pessoas) era de delegados do

Papa. Por fim, o texto final da Conferência fora reproduzido, e distribuído inclusive pela

internet, antes mesmo da apreciação e aprovação do Papa. Quando a Santa Sé permitiu a

publicação, o texto que veio a público apareceu com inúmeros enxertos. O CELAM não se

manifestou, porém alguns membros da CNBB expressaram publicamente sua indignação

pelas alterações e em defesa do texto aprovado na Conferência.

Em suma, as três primeiras Conferências Gerais do Episcopado Latinoamericano e

do Caribe, mas especialmente as de Medellín e de Puebla, foram as mais significativas para a

integração das Igrejas (Conferências Episcopais Nacionais) no Continente Sulamericano bem

como para a integração do CELAM com as principais demandas das sociedades na região.

Essas duas Conferências Gerais foram consideradas, pelos teólogos e intelectuais católicos e

analistas de assuntos das Religiões, como Concílios para o Continente Sulamericano, nas

quais os bispos puderam analisar profundamente a realidade da região, marcada por profundas

transformações sócio-político-econômicas; propor alteração no modo de atuação da Igreja,

fazendo “a opção preferencial pelos pobres”; e elaborar diretrizes e metas para a “libertação

integral” do ser humano na região, em termos de promoção humana, social e cultural.

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3.3 ATUAÇÃO DA IGREJA NO DESENVOLVIMENTO E NA INTEGRAÇÃO DA

AMÉRICA LATINA: UMA CRÍTICA À TEORIA DA INTERDEPENDÊNCIA

3.3.1 Atuação da Igreja no Desenvolvimento da América Latina

A Igreja na América Latina se defronta com transformações, rápidas e profundas.

Não são apenas as transformações sócio-econômicas que caracterizam aquele momento

histórico. É todo um processo de desenvolvimento iniciado nas décadas precedentes, mas que

se reveste de múltiplos aspectos. E sem diminuir a importância de outros aspectos dessa

realidade, o desenvolvimento e a integração de nosso Continente constituem-se os aspectos

decisivos para evolução cultural dos povos latinoamericanos.

O relacionamento da Igreja com o progresso implica “deveres de justiça e caridade”,

e obrigação moral. Como resultado, ante a gravidade dos problemas do desenvolvimento na

América Latina, requer-se maior atenção sobre eles, conforme orientações do Concílio

Vaticano II, a saber, promover formação sólida aos seus quadros e difundir visão teológica da

ordem sócio-econômica.

O Concílio Vaticano II observa que aumentam os laços de dependência entre os

cidadãos, entre os grupos humanos, entre as sociedades, e entre os Estados-Nações. O mesmo

Concílio assegura que:

As instituições internacionais já existentes, universais ou regionais, aparecem

como as primeiras tentativas para lançar os fundamentos internacionais de

toda a comunidade humana, a fim de resolver as questões mais graves de

nossos tempos: a promoção do progresso em todo o mundo e a proscrição da

guerra sob todas as formas (GAUDIUM ET SPES, 1965, n 84).

Os desequilíbrios econômicos e sociais põem em perigo a paz. A Constituição

Pastoral Gaudium et Spes (GS) sobre a Igreja no mundo critica duramente as teorias que

“dificultam as reformas necessárias mas também as que sacrificam os direitos fundamentais

das pessoas particulares e dos grupos à organização coletiva da produção” (GAUDIUM ET

SPES, 1965, n 65). Na visão complexa do desenvolvimento, Paulo VI afirma a necessidade

“de profundas reformas de estruturas e profundas mudanças da sociedade internacional”

(CELAM, 1966, p. 13).

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O fato de a transformação a que assiste o nosso Continente atingir, com seu impacto,

a totalidade do homem, apresenta-se como uma exigência à Igreja. O verdadeiro

desenvolvimento consiste, segundo Medellín, na passagem de condições menos humanas a

condições mais humanas. Encontram-se assim apresentadas:

Menos humanas: as carências materiais dos que são privados do mínimo

vital; as estruturas opressivas, quer provenham dos abusos da posse ou do

poder, da exploração dos trabalhadores ou da injustiça das transações. Mais

humanas: a passagem da miséria à posse do necessário, a vitória sobre os

flagelos sociais, o alargamento dos conhecimentos, a aquisição da cultura

(CELAM, 1968a, p. 42-43).

O ensinamento da Igreja acentua o direito natural e universal, não à propriedade

particular, mas ao destino universal dos bens. A propriedade privada emerge como condição

para realizar o direito natural e universal. Na esteira da Doutrina Social da Igreja, a atuação

concreta e organizada do CELAM e das Conferências Episcopais nacionais deveria corroborar

os seguintes princípios: “a) o direito fundamental de todos ao uso dos bens materiais é

anterior à propriedade privada; b) é preciso corrigir o acúmulo da propriedade em mãos de

poucos; c) o Estado tem faculdade de determinar o limite para os proprietários gerirem

livremente seus bens” (CELAM, 1966, p. 17).

Nos quadros das reformas estruturais exigidas pelas populações latino-americanas

tem fundamental importância a Reforma Agrária. Tanto para as populações como para a vida

econômica de cada país, são tão graves os inconvenientes do latifúndio como os prejuízos da

pequena propriedade. “É necessário, portanto, estabelecer uma política da redistribuição da

terra. Em toda reforma agrária é indispensável a educação de base. Sem dúvida, é mais difícil

formar o agricultor do que dividir a terra” (CELAM, 1966, p. 19). Os Movimentos de

Educação de Base (MEB), o Método de Educação Popular elaborado por Paulo Freire

divergem da concepção do CELAM de atribuir maior dificuldade ao processo de

aprendizagem do homem do campo do que fazer reforma agrária. A história tem demonstrado

o contrário.

A Igreja no Continente define como sua política básica a promoção de autênticas

reformas das atuais estruturas que representam entrave ao progresso da América Latina e

dificultam a incorporação de grandes massas da população num maior nível de prosperidade,

nas instituições políticas, sociais, empresariais, de trabalho e culturais, de tal forma que as

estruturas da sociedade estejam a serviço da pessoa humana proporcionando “o

desenvolvimento do homem todo e de todos os homens” (POPULORUM PROGRESSIO,

1967, n 87).

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3.3.2 Atuação da Igreja na Integração da América Latina

O papa Paulo VI, que coordenou o Concílio, em Assembleia Extraordinária do

CELAM, em Mar del Plata, na Argentina, em 1966, assegura que:

A Igreja pode contribuir para difundir o ideal de integração, despertando nos

cristãos a convicção de que os próprios destinos nacionais somente serão

alcançados dentro da solidariedade internacional, formando uma consciência

supranacional (CELAM, 1966, p. 13).

O olhar da Igreja, representada pelo CELAM, consegue ver, para além de cenário

político internacional caracterizado pela bipolaridade Leste-Oeste, as possibilidades de

contribuição da América Latina para a paz mundial:

A Integração da América Latina é um processo em marcha e de caráter

irreversível. Constitui um instrumento indispensável para o desenvolvimento

harmônico da região e marca etapa fundamental no movimento para a

unificação da família humana. Nas atuais circunstâncias de crises e

consolidação das relações políticas, econômicas e sociais, a integração da

América Latina é uma contribuição essencial para a paz mundial (CELAM,

1966, p. 13).

Nesse caso, faz-se necessário definir política capaz de orientar o processo de

integração regional. Mas será necessário alertar a todos sobre os possíveis riscos, tais como:

“os nacionalismos individualistas que ignoram o bem comum latino-americano; o egoísmo de

grupos e classes que subordinam a seus interesses particulares o desenvolvimento do

continente; os setores e grupos econômicos, que podem exercer uma influência negativa nas

áreas integradas” (CELAM, 1966, p. 14).

A Igreja não pretende apenas oferecer subsídios a outras organizações e instituições.

Ela pretende integrar-se no processo de integração latino-americano através de seus diferentes

níveis: paroquial, diocesano, nacional e internacional. Em palavras dos próprios conciliares, a

Igreja pretende especificamente:

Elaborar uma pastoral de conjunto em nível continental, aproveitando as

numerosas experiências realizadas em nível nacional; apoiar os organismos

que se ocupam da integração latino-americana; difundir, através dos

organismos educacionais da Igreja, a ideia de integração e de

desenvolvimento (GAUDIUM ET SPES, 1965, n 84).

A contribuição da Igreja para o desenvolvimento e integração da América Latina

reside, em particular, no campo da cultura, com especial atenção à educação fundamental ou

básica. “A educação é uma das mais importantes atividades para ajudar o progresso das

culturas. Urge estabelecer uma ação organizada para promover a educação fundamental, junto

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de cada Conferência Episcopal” (CELAM, 1968b, p. 29). De modo decisivo, “criar no

CELAM um organismo de coordenação e assessoramento para as diversas Cáritas Nacionais,

e, por conseguinte, transformá-las em organismos de promoção humana” (CELAM, 1966, p.

29). Ao CELAM faltava articular-se com outras instituições e organizações internacionais

igualmente envolvidas em projetos de promoção humana e cultural.

Para os membros do CELAM, “a América Latina está evidentemente sob o signo da

transformação e do desenvolvimento”. A Igreja “procurou compreender [este] momento

histórico do homem latino-americano; quer assumir plenamente a responsabilidade histórica

que recai sobre ela no momento presente. Não basta refletir, obter maior clareza e falar. É

preciso agir”. Isto indica que “estamos no umbral de nova época da história de nosso

Continente. Época plena de um desejo de emancipação total, de libertação de qualquer

servidão, de maturidade pessoal e integração coletiva” (CELAM, 1968a, p. 41-42).

A Assembleia do CELAM, em Medellín, considerada como o Concílio da América

Latina, levou em consideração três grandes setores de atuação pastoral da Igreja para elaborar

sua análise do processo de transformação do Continente, a saber:

Em primeiro lugar, o setor da promoção humana do homem e dos povos para

os valores da justiça, paz, educação e família. Em segundo lugar, atendeu-se

para a necessidade de uma adaptada evangelização e maturação da fé dos

povos e das elites, através da catequese e liturgia. Finalmente abordamos os

problemas relativos aos membros da Igreja (CELAM, 1968a, p. 43).

Em suma, o processo de desenvolvimento e integração da América Latina, na

perspectiva do CELAM, deve ser estimulado. Haja vista, ninguém pode resolver,

isoladamente, os problemas da sociedade internacional, nem sequer de nossa América. A

Igreja tem consciência das novas exigências que emergem em todos os campos da vida

humana, não omite seu potencial e se mostra disposta a construir parcerias num esforço de

cooperação. A preparação, tanto para a participação política como para a defesa da justiça,

requer o empenho dos bispos e presbíteros da América Latina. Aos leigos, no entanto,

compete “a responsabilidade inadiável da ação social e política, capaz de dar às comunidades

nacionais aquele poder supremo sem o qual se tornam impossíveis as reformas profundas da

estrutura social” (CELAM, 1973, p. 44). De modo que, quem se dedica à política presta um

extraordinário serviço à justiça, condição para a paz.

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3.3.3 Atuação da Igreja na América Latina pós-Medellín

Após a II Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe, em

Medellín, na Colômbia, em 1968, a Igreja demonstra ter mais consciência das questões sociais

e políticas do Continente. No plano internacional, o cenário político continua a caracterizar-

se pela bipolaridade do sistema em Leste-Oeste. A Igreja constata, diferentemente dos

Estados, o mundo dividido entre ricos e pobres, Estados ricos e Estados pobres, espalhados

pela América, África e Ásia. No plano regional, as quedas das democracias recém-nascidas.

No plano doméstico, o golpe impetrado pelo AI-5 ao regime de 1964.

O conceito de política da Igreja, para o período em questão, nos é oferecido pelo

CELAM, para quem

Em sentido amplo e geral, a política pode ser tomada em sua relação com o

bem comum. É o esforço da comunidade social pelo estabelecimento de

formas determinadas de vida social para a realização humana de seus

membros, sem apelar diretamente à conquista ou a manutenção do poder. Em

sentido estrito, a política tem relação direta com a busca, exercício e

distribuição do poder, fator unificante da comunidade social (CELAM, 1973,

p. 11).

A política, em sentido estrito, implica a busca e obtenção de poder. O exercício do

poder é concebido como a mediação social da autoridade política para a realização do homem

na comunidade social. “O bem comum28

remete à justiça, que é também objeto do poder

político, a qual não se limita à repartição de bens devidos, senão que implica o

reconhecimento real de direitos, atitudes, aspirações legítimas, de toda a comunidade, grupos

e pessoas” (CELAM, 1973, p. 12-13).

A política deve estar plenamente orientada para o serviço dos homens29

. Na política

encontram-se entrelaçados tanto os fins e os valores como os meios de alcançá-los. “A ação

política compreende diversas atividades e níveis: votar secretamente, emitir parecer sobre as

diretrizes políticas do Estado, participar ativamente dos partidos políticos, ser líder deles,

aceitar ser membro dos poderes públicos, etc.” (CELAM, 1973, p. 13).

28

O conceito de bem comum não deve, para a Igreja, ser tomado como algo abstrato, mas compreende as

aspirações mais profundas de um povo. O Concílio Vaticano II formula o seguinte conceito: “O bem comum

abarca o conjunto daquelas condições de vida social com as quais os homens, famílias e associações podem

pleitear maior plenitude e facilidade para sua própria perfeição” (GAUDIUM ET SPES, 1965, n 74).

29 A Igreja prefere usar a categoria individualizada de homem, opção que se faz em detrimento da categoria de

cidadão, termo este relacionado com um território soberano determinado, no qual os cidadãos exercem o direito

de cidadania.

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A rigor, a política se concentra no Estado. A Igreja está condicionada pelas

circunstâncias e características dos Estados, os quais ampliam ou reduzem o raio de sua

indispensável liberdade pastoral (CELAM, 1973, p. 13). A concepção da Igreja acerca da

política, em perspectiva de Relações Internacionais, tal como expressa no fragmento,

identifica-se com o realismo clássico, para quem o Estado é ator principal e racional no

sistema internacional (anárquico) e responsável pela ordem, em termos de estabilidade (na

arena política doméstica).

Se “a política, em sentido estrito, tem uma relação tão essencial com o poder”, a

autoridade, o Estado, no qual se concentra, não se pode deixar à margem o mundo do Direito,

mediação também necessária entre os membros da sociedade e que lhes permite constituir-se

em comunidade. É preciso ter presente que “o desenvolvimento integral, a libertação de

nossos povos, não pode provir somente da atividade política” (CELAM, 1973, p. 15-16). A

política é, em última instância, expressão da organização social.

A maior parte da população latino-americana de então fora posta à margem de uma

real participação política e carece mesmo de uma verdadeira consciência política, capaz de se

mobilizar se assim a ocasião o exigir. Na Igreja e nos Estados da América Latina, o fenômeno

da politização assume características diversas.

No caso da Igreja, as entidades e os grupos internos se caracterizam por mobilização

política sem precedentes. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por

exemplo, é considerada por alguns de seus membros, particularmente da ala conservadora,

como entidade profundamente politizada. A Comissão de Ação Social do CELAM, após as

presidências de dom Eugênio de Araújo Sales, dom Aluísio Lorsheider e dom Luciano

Mendes de Almeida, direciona radicalmente sua perspectiva política para uma vertente mais

conservadora com dom Alfonso Lopez Trujillo, depois de acusar a CNBB de politização das

ações da Igreja no Brasil e no Continente Sulamericano.

A Igreja reconhece que, durante a década de 1960, a fisionomia política da América

Latina modificou-se profundamente. “Com efeito, a interação mútua dos Estados não era tão

intensa. Atualmente, em mudança, apresenta-se com evidência uma dinâmica de recíproco

influxo entre os distintos Estados, embora não se possa falar de uma integração política

progressiva” (CELAM, 1973, p. 18). De algum modo, a América Latina, ao interiorizar-se,

começa a diferenciar-se internamente.

No marco da politização se observa o fenômeno de maior organização: os indivíduos

e os grupos (partidos políticos, sindicatos, etc.) se politizam para poder expressar seus

direitos. Contudo, uma libertação integral, dos indivíduos e dos grupos, requer fenômeno

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político frequentemente entendido sob o signo da “polarização” (CELAM, 1973, p. 19). Ora,

o termo polarização nos coloca, sempre que relacionado às demandas da sociedade latino-

americana, diante de uma falsa alternativa: “desenvolvimento” ou “revolução”. O primeiro

termo da disjuntiva, quando desprovido do imperativo das reformas estruturas, serve à

manutenção do “status quo” e da “desordem estabelecida”. O segundo termo, a revolução, por

sua vez, exige mudança do sistema (de capitalista para socialista).

Essa mudança de sistema não agrada os Estados capitalistas nem sequer à Igreja, que

teme a evolução do socialismo soviético ou chinês para um determinado tipo de comunismo.

O sistema alternativo proposto pela Igreja é apresentado por João XXIII sob a categoria de

socialização (MATER ET MAGISTRA, 1961, n 62). A socialização entendida como processo

sócio-cultural de personalização e solidariedade crescentes induz-nos a pensar que todos os

setores da sociedade deverão superar, pela justiça e fraternidade, os antagonismos para

converter-se em agentes do desenvolvimento nacional e continental (CELAM, 1968a, p. 52).

A politização descrita, afeta e interpela a Igreja que vive entre nós o problema

político, da queda das democracias, como expressão do problema social. A polarização afeta

e, por vezes, fragmenta as mesmas Igrejas na América Latina.

Se defendem determinadas posições com tanta radicalidade que geram

desconfiança, prejuízos e retaliações. Há cristãos (inclusive sacerdotes) que

aceitam a hipótese da violência como única via de solução para a situação de

injustiça. Porém, há cristãos que preservam uma consciência tranqüila na

defesa de privilégios, na utilização de poderes paralelos que impedem

reformas necessárias e desqualificam tacitamente os seus adversários. Nem

sempre o diálogo é fácil e possível entre os setores da mesma comunidade

eclesial. A pressão contra a hierarquia se concentra com especial intensidade

no sentido de ela abrir mão de seu “status quo” e desvincular-se do poder

estabelecido (CELAM, 1973, p. 21).

O processo de desvinculação entre Igreja e poder político se manifesta mais

claramente durante as duas últimas décadas do século XX. Não é ainda suficiente, mas tem

sido sem dúvida um feito profundamente válido. Os membros da hierarquia (bispos,

presbíteros e diáconos) fazem notáveis esforços para superar condicionamentos que derivam

de pertença sociológica a determinada classe social, em virtude de seu “status” especial, seja

por origem, cultura ou função.

É no marco da eclesiologia conciliar (Vaticano II) que se pode captar a estreita

relação existente entre a missão da Igreja e a dimensão política. “A missão própria que Cristo

confiou à sua Igreja não é de ordem política, econômica ou social. O fim que o assegurou é de

ordem religiosa. Mas é justamente desta mesma missão religiosa que derivam encargos”

(GAUDIUM ET SPES, 1965, n 42). É a preocupação da Igreja com o bem comum, com a

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dimensão humana do humano, que lhe permite ampliar o termo “política” para colaborar na

realização do homem na sociedade em fecundas relações de interação.

Diante da necessidade de uma mudança global nas estruturas da América Latina,

Medellín considera indispensável a reforma política, pois

O exercício da autoridade política e suas decisões têm como única finalidade

o bem comum. Na América Latina tal exercício e decisões com frequência

aparecem apoiando sistemas que atentam contra o bem comum ou beneficiam

grupos privilegiados. A autoridade deverá assegurar, eficaz e

permanentemente, através de normas jurídicas, os direitos e liberdades

inalienáveis dos cidadãos e o livre funcionamento das estruturas

intermediárias (CELAM, 1968a, p. 53), tais como a família, as

organizações sindicais e os partidos políticos.

Se o desenvolvimento é o novo nome da paz (POPULORUM PROGRESSIO, 1967,

n 87), o subdesenvolvimento latino-americano, com características próprias nos diversos

países, é uma injusta situação promotora de tensões que conspiram contra a paz (CELAM,

1968a, p. 56). As tensões entre classes ou organizações (na política doméstica), as tensões

internacionais (oriundas da dependência de uma nação pobre de um centro de poder

econômico) e as tensões entre os países da América Latina (na política regional), constituem

ameaça contra a paz no Continente.

Na Populorum Progressio, de 1967, Paulo VI admite, em determinados casos, a

violência revolucionária. No ano seguinte, na abertura do Encontro dos Bispos da América

Latina, em Bogotá, distancia-se dessa posição. Então, no encontro dos Bispos, o assessor

brasileiro, depois nomeado bispo, dom Afonso Gregory, introduz essa categoria da “violência

institucionalizada” para contrapô-la à revolucionária.

A violência constitui um dos problemas mais graves da América Latina. “Ninguém se

surpreenderá se reafirmarmos firmemente nossa fé na fecundidade da paz” (CELAM, 1968a,

p. 61). A violência não é nem cristã nem evangélica (PAULO VI, 1968b). O cristão é pacífico

e não tem vergonha disto. Não é simplesmente pacifista, porque é capaz de combater (PAULO

VI, 1968a). Prefere no entanto a paz à guerra (CELAM, 1968a, p 61). Sabe que “as mudanças

bruscas ou violentas das estruturas seriam enganosas, ineficazes em si mesmas e não

conformes à dignidade do povo” (PAULO VI, 1968b).

Se o cristão crê na fecundidade da paz para chegar à justiça, crê também que a justiça

é condição imprescindível da paz. Não deixa de ver que a América Latina encontra-se, em

muitas partes, numa situação de injustiça que pode chamar-se de violência institucionalizada.

Esta situação exige transformações globais, audazes, urgentes e profundamente renovadoras.

“Não nos deve, pois, causar estranheza que nasça na América Latina a tentação da violência.

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Não se há de abusar da paciência de um povo que suporta durante anos uma condição que

dificilmente aceitaria quem tem uma maior consciência dos direitos humanos” (CELAM,

1968a, p 61).

Assim sendo, a Igreja, em Medellín, dirige-se:

Em primeiro lugar aos que têm maior participação na riqueza, na cultura ou

no poder. São também responsáveis pela injustiça todos os que não atuam em

favor da justiça na medida dos meios de que dispõem, e permanecem

passivos por temor aos sacrifícios e riscos pessoais. Finalmente, àqueles que,

diante da gravidade da injustiça e resistência ilegítimas às mudanças, põem

sua segurança na violência (CELAM, 1968a, p. 61).

Diante das tensões que conspiram contra a paz, chegando inclusive a insinuar a

possibilidade da violência, o CELAM não pode se eximir de responsabilidades como:

Criar uma ordem social justa, sem a qual a paz é ilusória; despertar nos

homens e nos povos, principalmente através dos meios de comunicação

social, viva consciência da justiça; defender os direitos dos pobres; denunciar

os abusos e as injustiças consequências das desigualdades excessivas entre

ricos e pobres; urgir para que em muitos de nossos países se detenha e reveja

a atual política armamentista (CELAM, 1968a, p. 62-64).

O processo de desenvolvimento traz consigo abundantes riquezas para algumas

famílias, insegurança para outras, e marginalidade social para as restantes. O rápido

crescimento demográfico engendra vários problemas tanto de ordem sócio-econômica como

de ordem ético-religiosa. É certo que existe um rápido crescimento da população, devido

menos aos nascimentos que ao baixo índice de mortalidade infantil. É certo também, constata

Medellín, “que nossos países sofrem de subpopulação e precisam de aumento demográfico até

mesmo como fator de desenvolvimento” (CELAM, 1968a, p. 68). Atualmente, percebe-se o

equívoco de tal relação, pois é sabido que o desenvolvimento humano e o crescimento

econômico de um determinado Estado-Nação independe do controle estrito da demografia.

3.3.4 Crítica da Igreja à Teoria da Interdependência

Os documentos da Igreja, em particular Pacem in Terris, Mater et Magistra e

Populorum Progressio, descomprometem a Instituição com os sistemas sócio-econômicos

existentes, permitindo-lhes falar a partir de nova posição. A Igreja agora pode reconhecer os

aspectos positivos do socialismo, especialmente no que concerne à justiça social. Em nome

dos direitos humanos, da justiça distributiva, a Igreja explicita, uma vez mais, a

incompatibilidade da lógica da acumulação capitalista com a sua ética da equidade.

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113

A Igreja, como organização supranacional, falando em nome de toda a humanidade e

apoiada sobre valores transcendentes, procura colocar-se num plano somente comparável ao

da Organização das Nações Unidas (ONU) e como seu eventual substituto caso ocorresse o

que ocorreu à Liga das Nações. Em relação à ONU, a Igreja dispõe claramente de algumas

vantagens: maior independência financeira e política em relação aos Estados nacionais e um

corpo doutrinário, cuja legitimidade não depende dos Estados e dos homens, mas se coloca

além deles.

No plano da política internacional, a Igreja critica os Relatórios da Comissão

Trilateral, para quem a cooperação internacional entre os países desenvolvidos consistiria em

fator de maior interdependência, tendo por fim “ordem mundial mais efetiva e humana”

(ASSMANN, 1979, p. 13). Não obstante, as nações subdesenvolvidas representavam forte

ameaça à “cooperação” e, por sua vez, à estabilidade do sistema internacional.

Fundou-se a Comissão Trilateral em 1973 sob direção de David Rockfeller, “com o

objetivo de estabelecer lugar de encontro para os cidadãos mais respeitáveis [banqueiros,

intelectuais e políticos] dos principais países industrializados não comunistas e distribuídos

em três centros: Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão” (ASSMANN, 1979, p, 19), e

formada por mais de 200 personalidades.

A Comissão se destaca pela acentuada seletividade (intelectual, financeira e política)

de seus membros, hermetismo discreto das suas reuniões, genialidade e rapidez na produção

das informações de que necessitava. Com relação aos bancos de dados sobre a América Latina

dos anos 50, 60 e 70, os Estados Unidos, cede da Comissão, em particular a Universidade de

Michigan, possui maior banco de dados sobre a Região. Para Hugo Assmann,

É fácil encontrar exemplos de obras muito documentadas sobre o controle

que o poder econômico – especialmente o de um número reduzido de grandes

corporações transnacionais – exerce sobre o poder do Congresso e da

Administração [nos Estados Unidos]. Porém é pouco frequente encontrar, em

obras desse tipo, um questionamento do sistema capitalista como imperialista

na sua essência (ASSMANN, 1979, p. 7-8).

A informação sobre as intervenções imperialistas - por conseguinte, antidemocráticas

-, e, ainda mais relevante, a postergação de iniciativas ante questões que afetavam três quartos

da humanidade (desemprego, miséria, doenças, etc.) não se materializou nos discursos da

Comissão, nem sequer tangencialmente, em virtude das leis que regiam (e regem) o sistema

capitalista, agora sob novas leis e nova lógica, a saber, do capitalismo transnacional das

grandes corporações. O silêncio da Comissão não impedia, no entanto, pelo contrário, a

emergência de discursos denunciatórios de instituições transnacionais.

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114

O estudo dos Relatórios da Comissão Trilateral30

afirmava-se como fundamental em

razão da qualificação da equipe, que em última instância, os produzia. O estudo do Relatório

feito por dom Helder Camara evidencia aspectos positivos e negativos da perspectiva adotada

pelos técnicos para análise dos dados coletados em todo o mundo.

Os Estados Unidos têm permitido que suas relações especiais, historicamente

mantidas com as demais nações do Hemisfério, se deteriorem, seriamente; os

Estados Unidos têm permitido que vários interesses estreitos, vexames

orçamentários e de balanço de pagamento, levem de enxurrada as nossas

relações internacionais; a ciência e a tecnologia não têm acompanhado o

passo com as comunicações no desenvolvimento das nações do Hemisfério;

temos que trabalhar com os nossos irmãos americanos com o propósito de

que ninguém seja explorado ou degradado para o benefício de outros; os

Estados Unidos não têm nenhuma formulação clara dos objetivos de sua

política em relação ao Hemisfério Ocidental (CAMARA, 1970c, p. 2).

O Relatório Rockfeller, de 1969, também não consegue esconder seus próprios

equívocos. O Relatório concebe investimento privado como sujeição das economias nacionais

aos trusts internacionais. Em termos do Relatório,

Um acelerado desenvolvimento econômico exigirá crescente fluxo de

investimento privado, nacional e estrangeiro. O principal problema é a falta

dos Governos das Repúblicas do Hemisfério de reconhecerem devidamente a

importância do investimento privado (CAMARA, 1970c, p. 3).

À análise dos técnicos a serviço da Comissão Trilateral, dom Helder Camara

apresenta os seguintes questionamentos:

Ainda se pode falar em iniciativa privada, quando trusts, equipados com

modernos dispositivos técnicos, estão habilitados a esmagar, na concorrência,

pequenas e médias empresas, mesmo com tradição, honestidade e clientela?

Se os Estados Unidos adotaram, internamente, uma lei anti-trust e criaram, no

Senado, uma Sub-Comissão para controlar-lhe a aplicação, não será o caso de

os Estados Unidos ajudarem o Hemisfério a livrar-se do mal que eles

combatem na própria Casa? (CAMARA, 1970c, p. 4).

A Trilateral era composta por representantes dos Estados Unidos, da Europa

Ocidental e do Japão. Apesar das diferenças notáveis que proporcionam identidades

específicas a cada um dos centros, existem afinidades que lhes asseguram as bases para certa

unidade ideológica: “a democracia, no vetor político; a defesa das liberdades internamente e

dos direitos humanos externamente, no vetor ético; e a filosofia liberal, no vetor econômico”

(ASSMANN, 1979, p, 20).

30

O Relatório da Comissão Trilateral também pode ser identificado pelo nome de Relatório Rockfeller. O

Relatório da Comissão, de 1969, recebe especial atenção por dom Helder Camara em conferência nos Estados

Unidos, em janeiro de 1970.

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Os trilateralistas passaram a considerar o comunismo soviético ou chinês como

problema de segunda grandeza. “A pretexto de combater o comunismo, muitos adotam

anticomunismo unilateral que interpreta como subversão e comunismo toda e qualquer

tentativa de mudança das estruturas econômico-sociais e político-culturais” (CAMARA,

1970c, p. 5). Quem os preocupava, sobretudo, e, de fato, era o Terceiro Mundo porque este

poderia negar-se a “cooperar”.

Em estudo publicado pela Trialogue (1975, p. 12), Bbigniew Brzezinski, o principal

expoente da Comissão Trilateral, constata-se que:

Hoje em dia, achamos que o plano visível da cena internacional está mais

dominado pelo conflito entre o mundo avançado e o mundo em

desenvolvimento do que pelo conflito entre as democracias trilateralistas e os

Estados comunistas, e que as novas aspirações do Terceiro Mundo, tomadas

em conjunto, representam, no meu entender, uma ameaça maior à natureza do

sistema internacional e, em definitivo, às nossas próprias sociedades ao

negarem-se à cooperação (BRZEZINSKI apud ASSMANN, 1979, p. 11).

No ano seguinte, em 1976, registra-se ampla semelhança interpretativa da cena

política internacional (se quiser, pode-se declarar plágio) o pronunciamento de Jimmy Carter

feito ao Le Monde Diplomatique.

É muito provável que num futuro próximo o problema da paz e da guerra está

mais relacionado com os problemas econômicos e sociais entre o Norte e o

Sul, do que com os problemas de segurança militar entre o Leste e o Oeste,

que dominaram as relações internacionais desde a Segunda Guerra Mundial

(CARTER apud ASSMANN, 1979, p. 11).

Os trilateralistas se viam, pois, diante de dupla Guerra Fria: a continuação de uma

com os russos e a outra contra as nações subdesenvolvidas. Desde então, os conceitos de

“interdependência” e “cooperação” tornaram-se centrais da “nova estratégia global” dos

trilateralistas. Os países em desenvolvimento, ante situação de “dependência” incontestável,

iniciam processo de “politização” de seus problemas técnicos e econômicos, e,

concomitantemente, ameaçam resistir à “cooperação”. Assim, a tarefa de continuar criando

comportamento cooperativo (cooperative behavior) se depara com obstáculos que se terá que

desmontar. Para Richard Cooper, “muitos países ainda não estão preparados ou dispostos a

atuar em estreita colaboração com outros países” (COOPER apud ASSMANN, 1979, p. 13).

Antagonismos políticos tendem a minar a acumulação de ações cooperativas e, com isso,

destroem pré-requisito essencial para management efetivo da interdependência. Na situação

atual de complexidade e incerteza existe a necessidade de „pólos de cooperação‟. Cremos que

a região trilateral pode constituir-se num pólo com essas características (ASSMANN, 1979, p.

13).

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Cabe aos países em desenvolvimento “cooperar”. A explícita declaração que

inaugura a “guerra fria” contra o Terceiro Mundo encontra-se, sem dúvida, em artigo de Fred

Bergsten, Secretário-Assistente do Tesouro para Assuntos Internacionais da Administração

Carter, publicado já em 1973 com o sugestivo título A Ameaça do Terceiro Mundo. Richard

Ullman tem, portanto, razão em qualificar o trilateralismo como “uma frente unida das

sociedades industriais avançadas do Ocidente para contrariar as novas exigências e a ação

militante do Terceiro Mundo” (ULLMAN apud ASSMANN, 1979, p. 15).

A vitória de Carter nas eleições americanas foi interpretada como “ressurgimento

inesperado dos ideais americanos sobre os despojos da agonia nacional causada pela

administração de Nixon e pelo vírus de Watergate” (MICHEO apud ASSMANN: 1979, p,

17). Além disso, esforço com denodo dos membros da Comissão, sobretudo com suporte

estratégico, ajuda a explicar chegada de Carter à Presidência dos Estados Unidos.

Sendo a Comissão uma criação predominantemente americana, é lógico que

investissem ali na captação do governo. Entre os candidatos disponíveis, os membros da

Comissão escolheram Carter. Contudo, não teriam eles apoiado tão substancialmente Carter

se não estivessem seguros de atuação dele, sobretudo em política internacional. Tampouco

esqueceram a tradição americana de que cada Presidente tem um centro acadêmico de

prestígio onde possa se apoiar. Carter se apóia na Bookings Institution, centro dedicado ao

estudo de problemas governamentais.

A partir do exposto, a Comissão Trilateral e a Brookings Institution representam duas

instituições não-partidárias em que se apóia Jimmy Carter. A primeira em matéria econômica;

a segunda em termos acadêmicos. A revista Time, em sua edição de 20.12.1976, afirma:

Há duas semanas apenas, Carter escolheu Cyrus Vance, membro da Comissão

Trilateral, para Secretário de Estado. Nada menos que 16 outros trilateralistas

- a quarta parte dos membros americanos da Comissão -, e pelo menos 10 dos

46 renomados acadêmicos da Brookings Institution, aconselham Carter

durante o período de transição (ASSMANN, 1979, p, 21-22).

No gabinete definitivo, cinco membros da Comissão Trilateral ocuparam postos de

primeira linha: o presidente: Jimmy Carter; o vice-presidente: Walter Mondale; o secretário de

Estado: Cyrus Vance; o secretário do Tesouro: Michael Blumenthal e o conselheiro para a

Segurança Nacional: Zbigniew Brzezinski.

A Comissão reconhece a crise na ordem internacional e sugere que direção coletiva é

fundamental para qualquer tipo de solução. No mais, objetiva minimizar a concorrência

dentro do mundo trilateral e subordinar as políticas territoriais aos seus objetivos econômicos

transnacionais.

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117

O pensamento da Comissão Trilateral gira em torno de número limitado de conceitos,

tais como: “interdependência”, “cooperação” e “subdesenvolvimento”. O conceito central de

todo o pensamento da Trilateral é, sem dúvida, o da interdependência. Toda a argumentação

utilizada parte da interdependência ou conduz a ela. “A interdependência tal qual entendida

pela Comissão não se refere à interdependência de qualquer sistema econômico ou social, mas

daquela resultante de mudança qualitativa da interdependência que rege qualquer sistema

econômico” (ASSMANN, 1979, p. 83).

A ação que promove esta interdependência como processo não se baseia mais sobre

Estados-Nações: “O Estado-Nação, enquanto unidade fundamental na vida organizada do

homem, deixou de ser a principal força criativa: os bancos internacionais e as corporações

multinacionais planejam e atuam em termos que levam muitas vantagens sobre os conceitos

político do Estado-Nação” (BRZEZINSKI: 1970, p. 102). Portanto, a força promotora desta

interdependência não é o Estado-Nação, mas os bancos internacionais e as corporações

multinacionais.

As ameaças de guerra, de colapso ecológico, de pobreza extrema, constituem-se em

ameaças à interdependência. “Apesar de a interdependência ser uma rede que interliga

praticamente todos os Estados, ela continua sendo bastante frágil. A proliferação nuclear e as

mudanças ecológicas indesejáveis são duas ameaças crescentes à solidificação destes

vínculos” (ASSMANN, 1979, p. 89). A prevenção de tais mudanças e de colapsos de ordem

mais geral (e a reparação dos danos) são as tarefas maiores para a comunidade global.

A palavra que emerge com força para enfrentar as ameaças à interdependência é

cooperação (KEOHANE & AXELROD, 1986). Só através da cooperação internacional pode-

se efetuar o que se convencionou chamar o management da interdependência.

A gestão da interdependência vem a ser o problema central da ordem mundial

contemporânea. Os interesses diversos (e específicos) de cada Estado colocam novos desafios

à cooperação e, por sua vez, à estabilidade do sistema internacional. O sentido de

comunidade global, se é que os Estados o tenham construído, fomentará a cooperação,

sobretudo se as mudanças que por ventura vierem a ocorrer na política mundial se efetuarem

sem maiores perturbações.

Não obstante, não pode se confiar muito nesse sentido de comunidade global. Os

Estados, sempre que podem, implementam política de segurança nacional ostensiva. O

inimigo externo pode ser outra unidade do sistema, mas não necessariamente. O inimigo do

Estado, a exemplo da estratégia e de força em violência do terrorismo contemporâneo, pode

não ter, e quase nunca o tem, territorialidade definida, condição que dificulta o embate e o

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118

combate. Se nem todos podem cooperar, convém ao menos que cooperem os mais fortes, os

quais, por sua vez, assumirão a representação dos mais fracos.

De cooperação que se desenvolve entre os mais fortes resultaria série de benefícios

para o resto do mundo. Em primeiro lugar, a cooperação é essencial para o caráter evolutivo

da ordem mundial. Em segundo lugar, efetuaria melhor management dos problemas globais

de importância, tais como de ordem econômica ou ambiental. Em terceiro lugar, caso

houvesse real interesse, promoveria desenvolvimento econômico nas regiões mais pobres do

mundo, com especial atenção para o combate da pobreza mundial.

A sujeição do Estado-Nação à interdependência (irracional) significa aumento da

extrema pobreza e violação sistemática dos direitos humanos liberais (ASSMANN: 1979, p.

94). A submissão a esta interdependência, agravando a pobreza extrema, constitui-se numa

ameaça à estabilidade da comunidade global, a qual, parece manter-se apenas através da

violação sistemática dos direitos humanos.

Não obstante, nos países em desenvolvimento, sob a pressão dos esforços para aliviar

a pobreza, o desejo de autonomia nacional acarreta dificuldades especiais. Ansiosos por

afirmar sua independência em todos os campos, frequentemente estes países tendem a

considerar regulamentações necessárias dentro das relações de interdependência como

interferências em assuntos internos e afronta à soberania deles. Isso constitui verdadeira

ameaça de degenerescência da interdependência.

O que estava em jogo não era a integração, mas sim os condicionamentos dela,

expressos na palavra interdependência. “Os países trilateralistas impunham como sujeito da

integração as companhias multinacionais e a submissão do Estado-Nação aos seus

mecanismos de ação”. O problema do desemprego e da miséria serve de pretexto para

mudança na política de desenvolvimento. “Os países trilateralistas deveriam aumentar

substancialmente o fluxo de recursos visando aliviar a pobreza no mundo, dando peso maior

aos melhoramentos na produção de alimentos, à entrega de serviço de saúde eficiente e à

extinção do analfabetismo” (ASSMANN, 1979, p. 100-101). A industrialização aparece como

a grande culpada, tanto da miséria quanto do desemprego.

A Trilateral torna-se anti-industrialista. “Insinua-se que as atividades não industriais

criam número de emprego maior do que a indústria e que o apoio dos países trilateralistas os

obriga a restringir a industrialização dos países subdesenvolvidos” (ASSMANN, 1979, p.

101). O desemprego é gerado tanto na orientação dos investimentos para a agricultura quanto

na sua canalização para a indústria.

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O tema da interdependência ressurge com inegável força nos estudos de Relações

Internacionais na década de 1970. Robert Keohane e Joseph Nye lançam o livro Power and

Interdependence: World Politics in Transition, de 1977, no qual defendem a tese de que “os

processos transnacionais estavam mudando o caráter do sistema internacional” (KEOHANE

& NYE, 1977, p. 12). Os dois autores constatam que as economias nacionais encontram-se

mais interligadas pelo avanço das comunicações, pela intensificação de transações

financeiras, pelo crescimento no volume do comércio, pela atuação de empresas

multinacionais em diferentes mercados.

Os teóricos liberais, como Norman Angell, acreditavam que “o grau de

interdependência entre as economias européias tornaria uma guerra quase impossível”

(ANGELL, 2002, p. 129). Ainda que foco permaneça voltado para campo econômico, Ernst

Haas também depositava confiança na promessa das organizações internacionais, ao

considerar que “a realidade de economia internacional muito mais complexa, cujas redes

produtivas e de circulação muitas vezes ultrapassavam fronteiras nacionais sem controle dos

Estados” (HAAS, 1964, p. 132).

A característica específica dessa política mundial é a emergência de atores não-

estatais desempenhando papéis mais relevantes que os Estados em decisões sobre

investimentos, tecnologia, telecomunicações, etc. Keohane e Nye acreditam que não é mais

possível estudar relações internacionais olhando apenas para o comportamento dos Estados; é

imprescindível, portanto, incorporar os novos atores nos modelos de análise.

Em Power and Interdependence, os dois autores se propõem a mostrar como a

interdependência, ao contrário de ser um fenômeno neutro, pode ser uma fonte de conflito e

um recurso de poder. Trata-se, na verdade, da primeira tentativa importante de conciliar uma

perspectiva liberal com o realismo. Keohane e Nye afirmam que o realismo não possibilita a

compreensão da política mundial num mundo complexo e interdependente, mas, ao mesmo

tempo, dizem que sua teoria complementa o realismo ao incorporar as mudanças nas formas

em que o poder era exercido.

Entretanto, Waltz desenvolve significado político de interdependência. Para o maior

representante do neorealismo clássico:

O significado político de interdependência varia dependendo se domínio é organizado,

ou se permanece formalmente desorganizado. Pois, desde que um domínio seja

formalmente organizado, as suas unidades são livres para se especializarem, para

perseguirem os seus próprios interesses sem se preocuparem em desenvolver os meios

de manutenção da sua identidade e preservação da sua segurança perante os outros.

São livres para se especializarem porque não têm razão para temer a crescente

interdependência que vem com a especialização. Se aqueles que se especializam mais,

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beneficiam mais, então competir pela especialização prossegue (WALTZ, 2002, p.

145-146).

Na definição de Keohane e Nye, a interdependência deve ser entendida como

“relação entre dois (ou mais) países na qual processos e decisões tomadas em cada um têm

efeitos recíprocos”. O mundo tem se tornado interdependente em economia, em comunicação

e em aspirações humanas. “A interdependência afeta a política mundial e o comportamento

dos Estados, mas ações governamentais também influenciam padrão de interdependência”

(KEOHANE & NYE, 1977, p 3; 5).

Dado o caráter complexo dessa interdependência e da consequente redução em sua

autonomia, os Estados encontram grandes dificuldades para lidar com os novos e crescentes

riscos e oportunidades do novo contexto. Do ponto de vista teórico, a “interdependência

complexa” atingiu o tradicional conceito de “interesse nacional”. Se não podemos considerar

o Estado como ator unitário, já não podemos inferir o interesse nacional do comportamento

do Estado, mas precisamos identificar quais interesses seus representantes estão defendendo

em cada contexto específico.

A existência da interdependência afeta a política internacional e o comportamento

dos Estados, os interesses ampliam-se para além das fronteiras nacionais, colocando questões

cruciais à ordem doméstica e à estabilidade do sistema. Além disso, onde há interdependência,

encontram-se também custosos efeitos de transações. Na perspectiva de Keohane e Nye, as

relações de interdependência sempre implicam em custos para os envolvidos, e, a princípio,

não é possível especificar se os benefícios do relacionamento são maiores do que seus custos;

nada garante que as relações de interdependência possuam benefícios mútuos.

A agenda internacional, sob processo de “interdependência complexa”, é afetada

principalmente pelas alterações na distribuição dos recursos de poder. Enfim, pode-se afirmar

que o poder, e a consequente assimetria por ele produzida, em determinadas circunstâncias se

poderia estabelecer densidade de interesses suficientemente capaz de garantir continuidade a

determinadas políticas. Os bancos e as corporações multinacionais constituem-se em força

promotora desta interdependência.

Ao contrário do que os analistas mais otimistas poderiam pensar, a interdependência

pode ser - e frequentemente o é - fonte de conflitos. A questão que se coloca, então, é a de

buscar meios para administrar tais conflitos de maneira a permitir que os Estados usufruam

dos benefícios de sistema internacional mais integrado.

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3.4 O SURGIMENTO DE UMA CONSCIÊNCIA DA LIBERTAÇÃO E DE UMA

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

3.4.1 Do Conceito de Libertação à Consciência da Liberdade

“Libertação” - entendida como consciência histórica - não é conceito exclusivamente

teológico. A palavra “libertação” pode ser entendida em relação com a “teoria da

dependência”31

, elaborada na América Latina com vistas ao problema do

subdesenvolvimento. “A teoria da dependência determina o uso teológico do conceito de

libertação” (BOFF, 1976, p. 13; SANDER, 1986, p. 12). Na origem da consciência da

libertação encontra-se o fenômeno do subdesenvolvimento.

De acordo com Leonardo Boff, a linguagem da libertação articula nova ótica pela

qual se interpreta a história humana no seu presente e no seu futuro. Pensar e atuar em termos

de libertação em política, em economia, em pedagogia, em religião, etc. implica uma virada

hermenêutica e uma entronização de novo estado de consciência (Cf. BOFF, 1976, p. 13). A

consciência da libertação irrompe na história.

Um dos mais atuantes discípulos de Joseph Lebret, V. Cosmão, assim circunscrevia o

desenvolvimento:

O desenvolvimento não pode ser senão a evolução global de uma sociedade

que se mobiliza a si mesma sob o impacto da civilização científica e técnica e

põe em atividade todo o seu capital de civilização e de cultura para enfrentar

a situação nova na qual se encontra pela evolução histórica (Boff, 1976,

p.16).

A Aliança para o Progresso foi fruto desta teoria, encampada também por outros

organismos internacionais como o BID, CEPAL, FMI e ONU. “Os países subdesenvolvidos

são mantidos subdesenvolvidos pela rede de dependência dos centros de decisão” (BOFF,

1976, p. 17), realidade que “condiciona sua cultura como um todo” (SANDER, 1986, p. 13).

O subdesenvolvimento não é uma fase superável, mas uma situação geral dentro do sistema

político e econômico vigente na América Latina e no mundo ocidental (BOFF, 1976, p. 16).

A experiência sócio-política do subdesenvolvimento como estrutura de dependência

e de dominação do centro sobre a periferia levou à concepção de libertação (BOFF, 1976, p.

31

A “teoria da dependência” resulta de formulação compartilhada atribuída a dois intelectuais da Universidade

de São Paulo (USP). CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e Desenvolvimento na América Latina.

Ensaio de Interpretação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

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19; SANDER, 1986, p. 13). A categoria “libertação” passa a constituir um correlato oposto à

“dependência”. A concepção desenvolvimentista, de perfil excessivamente conservador, é

rejeitada em favor de visão conflitiva do fenômeno do subdesenvolvimento.

A consciência dos mecanismos que mantêm a América Latina no

subdesenvolvimento entendido como dependência e dominação levou a falar-se em

“libertação”. A categoria “libertação” implica recusa global do sistema desenvolvimentista,

em termos capitalistas, em nome de um desenvolvimento construído mediante a exploração

de Povos, Sociedades e Estados menores e fracos. A categoria “libertação”, à diferença da

categoria “desenvolvimento”, postula ruptura consciente com o status quo da dependência. A

consciência da libertação permite perceber a ausência da liberdade ou da autonomia /

independência perdida, e se propõe a recuperá-la.

A “libertação” implica uma ação criadora de liberdade. Os sujeitos dessa libertação

só podem ser os próprios oprimidos. “A libertação importa o sacudimento de todo tipo de

servidão” (BOFF, 1976, p. 19). Paulo Freire concebeu a educação como prática da liberdade e

elaborou uma pedagogia do oprimido. Através da conscientização, resultante de um processo

educativo, o oprimido passa de uma consciência ingênua para uma consciência crítica.

Opressão-libertação é uma estrutura permanente no devir da humanidade. Até que se

efetive a libertação (independência), os indivíduos ou os Estados encontram-se sob condição

de dependência. A estrutura da libertação não existe em si, mas somente em concretizações

históricas diversas (políticas, sociais, etc.), nas quais ela não se exaure, pois mantém uma

abertura permanente - e é exatamente nisso que consiste o processo de libertação - para novas

concretizações.

A análise de conjuntura da realidade sócio-político-econômico-cultural da América

Latina criou uma consciência da ausência da libertação como uma dimensão constitutiva da

realidade latinoamericana crucial para o desenvolvimento humano e o crescimento econômico

da região. A hermenêutica da história política regional, em termos de crescente reivindicação

por libertação e integração, implica simultaneamente um correlato: o processo de opressão e

dominação do homem pelo homem, ou dos Estados pelos Estados, e o processo de libertação

reivindicado por homens e Estados.

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3.4.2 Teologia da Libertação: Fazer Teologia na (e para) Nova Igreja

A Teologia da Libertação empreende, não sem esforço heróico de alguns teólogos32

,

revisão profunda da tradição teológica cristã, de modo crítico e analítico da realidade humana

na América Latina, à luz do Deus libertador. Trata-se de novo jeito de “fazer” teologia para

uma “nova Igreja” que se constrói a partir das exigências de uma profunda libertação que

antecipa mesmo a libertação do Reino de Deus.

Antes de fazer Teologia é preciso fazer libertação. Sem essa pré-condição concreta a

Teologia da Libertação vira mera literatura. Na raiz do método da Teologia da Libertação se

encontra o laço com a prática. É dentro dessa dialética maior de Teoria (da fé) e Práxis (da

caridade) que atua a Teologia da Libertação (BOFF & BOFF, 1985, p. 37-38). A libertação é,

pois, a superação de todas as realidades de violência contra o ser humano.

A elaboração da Teologia da Libertação se processa em três momentos fundamentais:

ver, julgar e agir. “Em Teologia da Libertação fala-se nas três mediações principais: mediação

sócio-analítica, mediação hermenêutica e mediação prática” (BOFF & BOFF, 1985, p. 40). O

conhecimento das demandas do ser humano, não importando a cultura, faz parte (material) do

processo teológico global.

Assim, a Teologia da Libertação consiste em “refletir criticamente à luz da

experiência cristã de fé sobre a práxis dos homens, principalmente dos cristãos, em vista da

libertação integral dos homens” (BOFF, 1976, p. 42). A libertação integral diz da condição do

“homem todo e de todos os homens”. É um processo global-dialético que abrange

simultaneamente as instâncias econômica (da pobreza real), política (das opressões sociais e

das administrações arbitrárias) e religiosa (do pecado).

A defesa da libertação dentro de Continente imerso em situação de opressão não

pode terminar senão em gestos de libertação. A situação de miséria imposta ao povo

sulamericano não é resultado de determinismos, mas de injustiças. O desenlace dessa

realidade se mostra difícil, pois implica a superação de interesses em jogo. Para João Batista

Libanio, “a reflexão sobre o processo de libertação iniciada pela Teologia da Libertação veio

despertar-nos desse sono ingênuo” (LIBANIO, 1976, p. 138).

32

Os teóricos de maior relevância na literatura da teologia da Libertação são: Gustavo Gutiérrez, do Peru;

Leonardo Boff, Joseph Comblin, José Oscar Beozzo, Ivone Gebara, do Brasil; Sergio Torres, Ronaldo

Munõz, do Chile; Enrique Dussel, do México; Jon Sobrino, de El Salvador; Juan Luis Segundo, do

Uruguai.

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A América Latina é, nas décadas de 1960 e 1970, o lugar teológico privilegiado em

virtude dos desafios urgentes que coloca à fé cristã em termos de reflexão e ação. Um dos

maiores teóricos da teologia da libertação, Gustavo Merino Gutiérrez, percebeu que:

“procurar a libertação do subcontinente vai mais além da superação da dependência

econômica, social e política. Consiste, mais profundamente, em ver o devir da humanidade

como processo de emancipação do homem” (GUTIÉRREZ, 1975, p. 121).

Nesse sentido, a teologia da libertação optou por aquele tipo de análise do

subdesenvolvimento, denominador comum de nossos países, como sistema de dependência

dos centros imperiais. Historicamente a América Latina viveu na dependência de sucessivos

centros hegemônicos. A saída dessa situação consiste num processo de ruptura dos laços de

dependência e, por conseguinte, na elaboração e implementação de projeto de libertação

nacional auto-sustentado, de modo a considerar processo de integração regional.

Acresce ainda que na América Latina as forças repressoras detêm o poder e tornaram

quase impossível a possibilidade de emergência de um movimento organizado de libertação.

De acordo com Leonardo Boff, “diante do regime geral de cativeiro, muitos, embora aceitem

a teoria da dependência, propõem uma mudança do sistema por meio de mudanças no

sistema” (BOFF, 1976, p. 34).

Com o estabelecimento de regimes militares em muitos países da América Latina e

diante do totalitarismo da ideologia da Segurança Nacional modificaram-se as tarefas da

teologia da libertação. Para Leonardo Boff, “urge viver e pensar a partir de uma situação de

cativeiro; deve-se elaborar uma verdadeira teologia do cativeiro. Esta não é uma alternativa à

teologia da libertação; é uma nova fase sua, dentro e a partir de regimes repressivos” (BOFF,

1976, p. 39).

Também com relação à Doutrina Social da Igreja (DSI) a Teologia da Libertação

tem uma relação estreita. Na medida em que a DSI oferece as grandes orientações para a ação

social dos cristãos, a Teologia da Libertação procura, de algum modo, integrar essas

orientações em sua síntese e ação. Não se trata de alimentar uma relação de resistência,

concorrência ou discriminação. Os teólogos da Teologia da Libertação se esforçam por

compreender a teologia e a Igreja numa articulação da fé como práxis.

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3.4.3 Desdobramento: as CEBs, Igreja Popular e Inclusiva

A opção pela libertação integral do homem obrigou a Igreja a uma análise-crítica

mais pertinente às causas geradoras do empobrecimento generalizado. A principal causa

reside no sistema capitalista dependente, associado e excludente que se implantou na América

Latina. A Igreja, ou parcela dela, superou a postura meramente desenvolvimentista e

progressista e inseriu-se junto ao povo, e quanto mais se inseria mais entendia que deveria

falar em libertação operada pelo próprio povo. Análise política da compreensão da Igreja

indica que se deveria caminhar rumo a uma sociedade do tipo socialista, de democracia

participativa.

O fato mais importante da eclesiologia dos últimos séculos é o surgimento das CEBs.

O povo, há séculos silenciado na sociedade e na Igreja, toma a palavra. Para Leonardo Boff,

É um ato de poder. É uma primeira libertação, a libertação da palavra cativa.

A importância política de tal acontecimento é incomensurável; o tecido social

rompido começa a ser costurado. Uma flor sem defesa pode ameaçar a relva

selvagem que é a presente ordem antidemocrática e discriminatória (BOFF,

1988, p. 78).

A Igreja que se faz pobre, mais ainda, que permite os pobres se sentirem Igreja a

ponto de constituírem a Igreja dos pobres, com sua cultura de pobres, com sua situação

espoliada (e denunciada), assume a exigência de transformação da sociedade. Emergiu em

todos, eclesiásticos e leigos, o sentido social da solidariedade para com toda uma classe

social, aquela dos trabalhadores explorados, dos desempregados; refletindo-se na criação de

círculos bíblicos, comunidades cristãs e movimentos de promoção e defesa dos direitos dos

pobres.

A Igreja Popular na América Latina surgiu como consequência da renovação eclesial

animada pelo Vaticano II (LIBANIO, 1976; SUESS, 1979; MUNÕZ, 1985; SOBRINO, 1981;

ELLACURÍA, 1983). Os teóricos tomaram a sério o capítulo segundo da Lumen Gentium

acerca do “Povo de Deus”. A Igreja Popular é a Igreja dos pobres; uma Igreja que luta pela

libertação; uma Igreja na base e a partir da base; uma Igreja politizada; aberta para todos e

para as diferenças. O que o povo e os pobres mais almejam é superar a pobreza que os impede

de viver.

O primeiro modelo de Igreja, da cristandade, “abarca todas as ordens da sociedade”

(BRUNEAU, 1974, p. 35) e se constrói ao redor do clero, a quem cabe a hegemonia na

condução da Igreja. O segundo modelo, aquele da Igreja Popular, “se constrói sob a

participação de todos, com a presença forte do povo organizado, novo sujeito histórico

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emergente na sociedade e na Igreja” (BOFF, 1986, p. 59).

A história das CEBs no Brasil nos mostra que na raiz de sua formação encontram-se

agudas contradições sociais, como geradoras de seu surgimento, que passam pelas condições

em que se operam a produção e a reprodução, pela existência de classes subalternas e têm

diretamente a ver com o modo como se ocupou e se ocupa a terra no Brasil (BALDISSERA,

1987, p. 10).

Observa-se que as CEBs não se restringem somente ao aspecto espiritual, mas

evidenciam contradições de natureza política e social. Embora estivessem inscritas no bojo da

dimensão religiosa, organizadas, incentivadas e assessoradas pela Igreja, atuam em campo

mais amplo, de caráter social e político. Como consequência, entende-se que as CEBs

constituem potencial de transformação dentro da sociedade civil.

A gestação e a consolidação das CEBs no Brasil se operam em pleno regime militar,

quando as formas de expressão eram bloqueadas e quando qualquer movimento social estava

impedido de vir a se organizar. Assim, “com o estreitamento da arena política doméstica, a

Igreja expandiu-se em direção às camadas populares e, nesse quadro, as CEBs constituíam-se

as bases a partir das quais a Igreja demonstrou sua força frente às atrocidades do regime

vigente” (GODOY, 2009).

Apoiadas na “opção preferencial pelos pobres” e na teologia da libertação, as CEBS

defendem que os pobres, os oprimidos devem criar e desenvolver suas próprias organizações

para a busca da Justiça, da libertação, da participação e comunhão, como formulam as

“conclusões” das Conferências Gerais do Episcopado Latinoamericano e do Caribe em

Medellín (1968) e Puebla (1979).

Quanto à natureza das CEBs, “não se trata de um movimento dentro da Igreja como

podem ser os cursilhos, o catecumenato cristão, comunhão e libertação ou o movimento

familiar cristão. Com as comunidades se trata de algo mais fundamental: da própria Igreja na

base do povo” (BOFF, 1986, p. 72). Na medida em que a grande Igreja se abre às camadas

populares, estas entram dentro da Igreja, conferindo-lhe uma característica própria.

Constituídas por pequenos grupos de pessoas provindas das camadas populares, as

CEBs elaboram análise de conjuntura da sociedade brasileira, no esforço claro de

conscientizar a todos para transformá-la. A partir do método “ver-julgar-agir”, abordam os

grandes temas, a começar pelos grandes problemas da sociedade global. Assim, as CEBs são

perseguidas.

De acordo com o historiador brasileiro José Honório Rodrigues, em Conciliação e

Reforma no Brasil:

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A minoria dominante – conservadora e liberal – foi sempre alienada,

antiprogressista, antinacional e não contemporânea. A liderança nunca se

reconciliou com o povo. Nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o

que não é. Nunca viu suas virtudes nem admirou seus serviços ao país,

chamou-o de tudo – Jeca-Tatu – negou seus direitos, arrasou sua vida e logo

que o viu crescer lhe negou pouco a pouco sua aprovação, conspirou para

colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continua achando que lhe

pertence (BOFF, 1986, p. 74).

Nas comunidades se fez vastamente a recuperação do sentido nobre de política como

a busca comum do bem de todo o povo. E isto se realiza com a criação de comunidades,

associações e organizações de toda ordem, por tudo aquilo que recria o tecido social e refaz

permanentemente o povo como sujeito de seu destino e corresponsável pela construção de

uma sociedade nacional e internacional harmônica.

A apreensão do processo das relações de poder nas CEBs se faz a partir do

movimento contraditório da Igreja-instituição, na sociedade civil e política, que se apresenta

como espaço onde se exerce a dominação-subordinação; por outro lado, também onde se faz o

exercício da libertação. O importante para o estudo das relações de poder nas CEBs é o

movimento dessa contradição (poder e grupos de interesses), existente também na Igreja. As

mudanças que se processam em termos de exercício do poder, como transformação social,

desenvolvem-se em direção de “nova sociedade”.

A partir do exposto, transparece claramente que o significado das CEBs ultrapassa

seus limites religiosos, embora o risco de descambar na direção de uma célula partidária, com

contornos revolucionários, não fosse inteiramente descartado. Nelas emergem novo sujeito -

sócio-político - com linguagem que reivindica justiça, verdade e libertação.

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4. A REDUÇÃO DO ESPAÇO POLÍTICO DOMÉSTICO PELO AI-5 E SUAS

CONSEQUÊNCIAS

4.1 O APARATO REPRESSIVO DE APORTE AO AI-5

4.1.1 O SNI, Suas Divisões e Assessorias

O presente capítulo analisa o estreitamento da arena política doméstica promovido

pelo Ato Institucional nº5 (AI-5) através de seus aparelhos repressivos institucionalizados, ou

não, com diversos tipos de violência e perseguições orientadas para a Igreja, enquanto

instituição social de oposição à política de segurança do regime, e à sociedade brasileira em

geral. O nosso ponto de partida consiste em apresentar o Serviço Nacional de Informações

(SNI) como instância responsável pela produção de informação que se destinava ao Executivo

por meio do Conselho de Segurança Nacional (CSN). Em seguida, convém analisar a

resistência oferecida pela Igreja à política de segurança dos Governos militares e as

conseqüências oriundas de tal postura, para, enfim, examinar o processo de

transnacionalização de demandas da sociedade brasileira por meio dos pronunciamentos de

dom Helder Camara.

A dialética da violência entre organizações armadas e forças de repressão do Estado

progredia entre os anos de 1968 e 1978, mas com relativa redução de seu ímpeto após 1973.

Embora as organizações revolucionárias exigissem bastante coordenação, as ações das

mesmas careciam de profissionalismo. A luta de guerrilha caracterizava-se sobretudo pelo

sequestro de diplomatas estrangeiros, com a finalidade de trocá-los por presos políticos

pertencentes às organizações clandestinas. As forças de repressão dizimaram as fileiras das

organizações clandestinas pelo uso generalizado da tortura, para obter informações que

pudessem levar à prisão de outros e, por conseguinte, ao desmantelamento das redes de apoio

dos grupos de guerrilha.

O principal aparelho da engrenagem repressiva no país atendia pelo nome de SNI,

que começou a ser montado por Golbery de Couto e Silva em abril de 1964. Assim o SNI fora

definido pelo seu próprio fundador:

O SNI é um órgão nitidamente introvertido, por definição sempre voltado

para dentro, e ao qual não está afeta qualquer atividade de divulgação

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pública, de propaganda ou contrapropaganda, limitando-se a promover a

difusão de informações e, quando for o caso, avaliações e estimativas, apenas

no âmbito governamental e com a adequada salvaguarda do sigilo

(GOLBERY apud GASPARI, 2002a, p.156). Nós éramos meia dúzia de

gatos-pingados (GOLBERY apud GASPARI, 2002a, p.157).

Para Elio Gaspari, “operacionalmente o SNI herdou a estrutura do Serviço Federal de

Informações e Contra-Informação, o SFICI, uma repartição inexpressiva vinculada ao

Conselho de Segurança Nacional, e o arquivo do IPÊS”. Embora não gozasse, inicialmente,

sequer de expressividade organizacional, em pouco tempo reúne “capital político” a ponto de

atrair para si duras críticas, tal como a veiculada no jornal Correio da Manhã, para o qual o

SNI “é um ministério de polícia política, instituição típica do Estado policial e incompatível

com o regime democrático” (GASPARI, 2002a, p. 155).

Os “gatos-pingados” de 1964 se tornaram, com o tempo, efetivo estimado em 82

pessoas, em função do que se denomina de Comunidade de Informações. “Golbery concebeu

um órgão de elite. De um elitismo parecido com o da CIA nos primeiros anos do após-guerra”

(GASPARI, 2002a, p.158). O SNI nasce fazendo em segredo tudo o que a Presidência

precisava que fosse “bem-feito”, inegavelmente bem articulado inclusive no campo político.

Pela estrutura logística, o SNI ficou entre os dez mais bem equipados serviços de informações

do mundo. De acordo com Elio Gaspari,

Seu poder de alavancagem política foi superior ao da CIA, do Intelligence

Service, ou mesmo da KGB. O serviço soviético, em 72 anos de existência,

conseguiu fazer um só secretário-geral do Partido Comunista, Yuri Andropov,

em 1982. Só um ex-chefe da CIA (George Bush) chegou à Presidência dos

Estados Unidos. Em vinte anos, durante os quais o SNI foi chefiado por cinco

generais, dois deles, Emilio Garrastazú Medici e João Batista Figueiredo,

chegaram à Presidência da República (GASPARI, 2002a, p.169-170).

O SNI foi desastroso para o país que o cevou. Transformou-se em tribunal de

instância superior para questões políticas, e, em 1970, foi de sua estrutura que saiu a avaliação

pela qual o general Médici escolheria os governadores dos 21 estados brasileiros. Envolveu-se

na pacificação de conflitos de terras no Nordeste e de comunidades indígenas na Bahia.

Acumulou capital financeiro através de exportações clandestinas de café. Foi “condômino de

arsenais secretos que chegou a pensar em utilizar numa tentativa de invasão de Portugal, em

1975” (GASPARI, 2002a, p.170). Distribuiu canais de televisão e de rádio. Financiou jornais

e revistas falidos. Compartilhou com o Exército da censura de telefones - o pessoal do

Exército gravava e, em troca, recebia as análises. Seus quadros participaram de panfletagens

contra o governo em 1975 e de atos terroristas a partir de 1977. Sua cúpula acobertou os

autores de mais de uma centena de atentados políticos, os quais iam desde a explosão de

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bombas até o incêndio de bancas de jornais que vendiam publicações de esquerda.

Essa comunidade poderia dar a impressão de organicidade, de estar debaixo de uma

doutrina, de compor um Sistema Nacional de Informação. O SNI poderia parecer algo

tenebrosamente eficaz. Não foi nem uma coisa nem outra. Gastou muito dinheiro, mas não

adquiriu nenhuma sofisticação além do primitivo poder de polícia, da arbitrariedade e da

corrupção.

Vinte anos depois de ter criado o SNI e três depois de tê-lo chamado de “monstro”,

Golbery reconhece: “Tentamos criar um serviço de informações, mas entramos pelo cano”

(GOLBERY apud GASPARI, 2002a, p.173). Após desmoralização do órgão pelos escândalos

políticos, criminais e financeiros, Golbery ironiza seus discípulos:

Há determinadas cousas que não se devem fazer. Se num determinado

momento elas são úteis, é razoável que se pense em fazê-las. Eu não critico

toda essa bobageira que essa gente fez porque eram cousas condenáveis em

si. O que eu critico é o fato de eles terem se metido a fazer cousas

condenáveis sem saber fazê-las. Nós não devemos tentar fazer o que não

sabemos (GOLBERY apud GASPARI, 2002a, p.173).

Diretamente vinculadas ao SNI eram as Divisões de Segurança e Informação (DSIs),

que funcionavam em todos os ministérios. Segundo Maria Helena Moreira Alves, as DSIs

encarregavam-se de “controlar o aparato burocrático interno dos ministérios e as áreas

psicossociais específicas de que se ocupam. Desse modo, cada DSI não só tem poder de veto

sobre nomeações de qualquer escalão nos ministérios, como estende suas atribuições a toda a

área de responsabilidade ministerial” (ALVES, 2005, p. 209).

Vinculavam-se também diretamente ao SNI as Assessorias de Segurança e

Informação (ASIs), que operavam em todos os ministérios civis, empresas, órgãos e

autarquias de Estado, assim como em empresas que tinham contrato com o governo federal.

Cada ramo das Forças Armadas tinha sua própria rede de informação33

. Este aparato consiste

de Centros de Informação (CIEX no Exército, CENIMAR na Marinha e CISA na

Areonáutica), que operam interna e externamente, e dos Serviços Secretos (E-2, Exército; M-

2, Marinha e A-2, Aeronauta). A missão específica dos Serviços Secretos é controlar o

“público interno” através dos Departamentos. Os Serviços Secretos da Marinha e do Exército,

em particular, envolveram-se na repressão física direta e mesmo na tortura da população

através do Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), e seu Destacamento de Operações

33

Mais detalhes sobre os órgãos e estruturas do Aparelho repressivo podem ser encontrados, por exemplo, em

BIOCCA, E. Estratégia do terror: a face oculta e repressiva do Brasil. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1974;

FON, A C. Tortura: a história da repressão política no Brasil. São Paulo: Global, 1979; CABRAL, R.; LAPA,

R. (Ed.). Os Desaparecidos políticos: prisões, seqüestros, assassinatos. Rio de Janeiro: Edições Opção, 1979.

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e Informações (DOI).

Até 1967 a responsabilidade pela repressão física cabia ao CENIMAR e às polícias

civis estaduais (através da Secretaria Estadual de Segurança Pública - SESP). A SESP

coordenava as atividades do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS ou DEOPS),

que, por sua vez operava as Divisões Municipais de Polícia (DMs). À medida que cresciam os

grupos de luta armada, o Estado de Segurança Nacional criou outros organismos

especialmente treinados para a obtenção de informação. A primeira organização de repressão

violenta direta foi a Operação Bandeirantes (OBAN). Financiada por industriais brasileiros e

multinacionais, a OBAN operou em 1969 vinculada ao II Exército, baseado em São Paulo.

Com o desenvolvimento da dialética da violência, a OBAN estendeu-se para outros estados,

mas suas principais atividades eram no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Além dos órgãos e organizações mencionados, o Poder Executivo do Estado de

Segurança Nacional utilizou o Departamento de Polícia Federal (DPF), diretamente

subordinado ao Ministério da Justiça. O DPF coordenou a repressão física em épocas de

mobilização nacional pela segurança interna, dedicando-se especialmente à censura e controle

da informação. Toda a burocracia de censura estava ligada ao DPF.

As forças militares e paramilitares constituem outro elemento importante da estrutura

oficial do aparato repressivo. As Polícias Militares foram criadas como força independente em

cada Estado, com unidades de comando autônomas e responsáveis perante o governador. No

Estado de Segurança Nacional as Polícias Militares foram subordinadas ao Exército34

. As

polícias estaduais, embora oficialmente independentes do Exército, são controladas pelo

Secretário de Segurança Pública, nomeado com aprovação do governo federal. Desse modo,

as polícias estaduais também são em grande parte controladas pelo governo federal, e

passaram a fazer parte do serviço idealizado e planejado pelas Forças Armadas, na condição

de instância de sustentação do governo federal e, por conseguinte, do regime militar ditatorial.

34

Até 1969 as polícias militares dos estados não estavam diretamente envolvidas na repressão à dissensão

popular. Em 1969 a Junta Militar baixou decreto (n 667) por meio do qual reestruturava e centralizava no

Exército o controle operacional das polícias militares de todos os estados e alterava seus objetivos, que seriam

agora de manter a “segurança interna” e não mais de policiamento preventivo.

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4.1.2 O Poder Executivo em Ação: as Cassações de Mandatos e a Criminalização da Política

Os Atos Institucionais constituíram-se em instrumentos de auxílio para a governança

e de escape para série de atividades arbitrárias. Os choques entre governo e oposição se deram

quase sempre em torno de casos em que os encarregados dos Inquéritos Policiais Militares

(IPMs) mantinham cidadãos presos, sem culpa formada, por prazos largamente superiores aos

que a lei estabelecia.

Desde sua promulgação em 13 de dezembro de 1968 até sua revogação em 1978, “o

AI-5 serviu como justificação legal para a punição de mais de 1.067 pessoas. Durante o

governo Geisel outros 74 cidadãos foram punidos com base no AI-5”. Entre os processados

estavam burocratas, militares, políticos, professores, advogados, arquitetos, engenheiros e

membros do judiciário. Os Atos Institucionais 1, 2 e 5 puniram com “prisão, suspensão e

outras medidas disciplinares 6.592 membros das Forças Armadas. O AI-5, nos seus dez anos

de vigência, cassou os mandatos de 113 deputados federais e senadores, 190 deputados

estaduais, 38 vereadores e 30 prefeitos” (ALVES, 2005, p. 161-162). Constata-se pelos

expurgos da representação política, que o contexto representativo e político foi neste período

seriamente mutilado.

As cassações e os inquéritos produziam sobre o corpo docente das universidades

brasileiras efeito depurador. Os liberais, que discretamente apoiaram a derrubada de Goulart,

refluíam para a oposição ou, pelo menos, para o silêncio diante da anarquia de IPMs, delações

e arbitrariedades militares. A esse refluxo dos liberais correspondia, quase sempre, avanço dos

aproveitadores associados à extrema direita. Mais avançava o oportunismo, mais retraíam-se

os liberais, mais radicalizavam-se os estudantes, e policiava-se a universidade, fazendo

avançar o obscurantismo.

A criminalização da política nas escolas representou um mau passo dado num país

onde o movimento estudantil, pela sua tradição, tinha um pé na esquerda e outro na elite,

permitindo tráfego histórico de ideias. Assim fora na abolição, assim fora durante a maré

fascista da primeira metade do séc. XX. Assim fora na grande manifestação que tomou as

praças do país em 1961 e obrigou os ministros militares que vetavam a posse de João Goulart

na Presidência da República a recuar em seu golpe.

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4.2 A OPOSIÇÃO DA IGREJA AO “REGIME DA LIBERTINAGEM”

4.2.1 A Formulação do Conceito de “Regime da Libertinagem”

A Igreja é, enquanto organização social, composta por cidadãos de uma determinada

nacionalidade considerados leigos e eclesiásticos com “direitos iguais” de participação dentro

da instituição. Não obstante, durante os quatro primeiros séculos de história da Igreja no

Brasil, os leigos não gozavam de qualquer poder de influência no seio da instituição nem

tinha qualquer peso político específico. Em outras palavras, os leigos sofriam a religião e

também a vida política, pois não lhes era permitido - pelos grupos dominantes-, participar

efetivamente das dimensões política e religiosa.

No século XIX, entre os nomes mais expressivos, embora não possam ser

considerados como militantes católicos como hoje compreendemos o leigo, encontram-se

Joaquim Nabuco e Cândido Mendes. Inequivocamente, dois intelectuais vigorosos de

profunda participação no campo da política e de trânsito fácil nos diversos círculos

eclesiásticos. Atualmente, o leigo significa católico, aquele que tem algum tipo de atuação na

Igreja (militante ou não) ou aquele que, por vezes, desempenha na sociedade determinada

função em nome da Igreja.

É o caso de Alceu Amoroso Lima, o leigo católico que melhor formulou definição do

regime de 1964 no Brasil: “o regime da libertinagem” (CASTRO, 1985, p. 12). A definição

sugere dois elementos importantes: primeiro, que essa percepção do regime nasceu dentro da

Igreja; segundo, que a expressão marcou o encontro ou, mais precisamente, o desencontro da

Igreja com o autoritarismo do regime militar de 64. Essa importância acentua-se quando se

descobre que o leigo que elaborou tal definição tinha o peso de maior líder católico do Brasil

e de toda a América em seu tempo.

No embate entre Igreja e regime militar não nos é possível avaliar se maior grau de

comprometimento adveio dos leigos ou dos eclesiásticos. A declaração mais sensata, se é que

nos seja possível assim expressar, consiste na afirmação de que ambos (leigos e eclesiásticos)

desenvolveram mecanismos de profunda cooperação e atuaram em parceria estratégica, em

especial na arena política doméstica. Se dom Helder Camara figura como o principal

representante da Igreja na arena política internacional entre os anos de 1968 e 1978, a melhor

definição do regime de governo implantado no Brasil em 1964 é de um leigo vigoroso de

nome Alceu Amoroso Lima.

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Com o raciocínio dialético que sempre caracterizou a exposição de seu pensamento,

Alceu Amoroso Lima (Tristão de Ataíde) diz que “libertinagem é a maior inimiga da

liberdade”, como o “fanatismo é o maior inimigo da fé”. Em matéria publicada no Jornal do

Brasil (13.12.1973), sob o título “A libertinagem contra a liberdade”, Alceu mostrou que toda

ditadura é uma libertinagem política:

Sempre que se nega ao povo o direito de participar de seu Governo, ao menos

pelo exercício legítimo e honesto do direito de votar e de votar sem cartas

marcadas previamente quanto ao resultado das eleições, estamos cometendo

um atentado de libertinagem política. Sempre que se abusa do poder,

transformando-o de serviço ao bem comum em simples exercício arbítrio

autoritário, tanto por decretos-leis, expressão de hipertrofia do Poder

Executivo, como por leis impostas ao Poder Legislativo, e se restringem

assim os direitos dos representantes do povo ou dos magistrados, entramos

em pleno exercício da libertinagem política (CASTRO, 1985, p. 13).

Na sequência, Alceu demonstra que o evento transcorrido em 1964 se traduzia em

autêntica libertinagem policial:

Mas sempre que se abusa da força policial e se declara, como acaba de fazer

o próprio Secretário de Segurança do mais poderoso Estado de nossa

Federação [Alceu omite o nome do coronel do Exército, talvez fosse, Erasmo

Dias]: 'Bandido não se recupera, só acarreta problemas, tanto para a

sociedade, como para a Justiça, mais ainda para a Polícia. Os criminosos vão

para as prisões onde têm campo de futebol e são engordados à custa da

sociedade, para depois serem libertados e cometerem novos crimes. Na

minha opinião só a pena de morte, que já existe no direito brasileiro,

resolveria o problema, pois só o controle da natalidade e o aborto podem

acabar com a miséria e evitar novos crimes' - sempre que isso ocorre e tão

eloquentemente o exprime esse secretário de Segurança, entramos na selva

mais espessa da libertinagem policial (CASTRO, 1985, p. 13).

O argumento subsequente diz-se também da libertinagem jurídica:

Sempre que se nega ou se retarda aos próprios pais de um jovem 'subversivo'

assassinado, como aconteceu recentemente com o filho do professor Edgar da

Mata Machado [José Carlos], sequer a entrega do corpo de seu filho, estamos

na mais revoltante libertinagem jurídica (CASTRO, 1985, p. 13).

A seguir expõe a libertinagem social:

Sempre que se substitui a promoção espontânea e livre das camadas

proletárias da população por um paternalismo legislativo de concessões e não

de reconhecimento de direitos imprescritíveis, entramos no domínio da

libertinagem social (CASTRO, 1985, p. 14).

Em seguida, Alceu descreve a libertinagem intelectual:

Sempre que se abusa da alegação de segurança e se restringe ou se nega o

direito de livre informação cívica dos mais graves problemas da

nacionalidade, por uma censura arbitrária da imprensa e se atinge mesmo a

criação artística, como ao censurar as canções de Chico B. de Holanda,

passamos ao domínio da libertinagem intelectual (CASTRO, 1985, p. 14).

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No campo das artes:

Como igualmente quando a pornografia se substitui à verdadeira arte ou se

equipara a liberdade criadora à simples negação de qualquer norma de

composição estética, incidimos igualmente na passagem da liberdade à

libertinagem no plano mais nobre da criatividade humana (CASTRO, 1985,

p. 14).

Chegamos à libertinagem econômica:

Sempre que se confunde o dever da iniciativa nos domínios da vida

econômica e se hipertrofia o liberalismo econômico protegendo-se o capital

mais que o trabalho e importando o capital estrangeiro, à custa de uma mão-

de-obra barata pelo cerceamento do direito de greve ou por uma distribuição

iníqua do produto nacional, entra-se em cheio na libertinagem econômica (CASTRO, 1985, p. 14)

E à libertinagem religiosa:

Sempre que se impede, em nome da ordem pública, o pleno exercício da

missão da Igreja em levar ao povo a consciência, não apenas dos seus

deveres, mas dos seus direitos, limitando-se a vox populi e com isso a vox

Dei, pelo cerceamento da palavra dos próprios bispos como no caso de Dom

Helder Camara ou da recente cassação da Rádio 9 de Julho de São Paulo,

órgão oficial da diocese, estamos pecando por libertinagem religiosa

(CASTRO, 1985, p. 14-15).

Finalmente, a libertinagem universitária e sindical:

Quando se anestesia e se persegue uma mocidade pelos limites impostos ao

pleno exercício dos seus diretórios acadêmicos, como aos trabalhadores o

pleno exercício de seus direitos sindicais, é a vez da prática da libertinagem

universitária e sindical (CASTRO, 1985, p. 15).

Em análise da sociedade brasileira, mais especificamente das diretrizes políticas do

regime militar, Alceu elabora ampla definição do mesmo. Que nos é possível afirmar,

entretanto, acerca do comportamento dos membros da hierarquia? Não é menos vigorosa sua

posição, como se pode aferir do documento Eu ouvi os clamores do meu povo35

, do mesmo

ano de 1973. Embora não tenha sido documento oficial da CNBB, como assegura Marcos de

Castro (1985, p. 15), constitui-se num documento representativo da Igreja do Nordeste,

através de seus quatro Secretariados Regionais.

35

O documento Eu ouvi os clamores do meu povo é comumente identificado pelo codinome Manifesto dos

Bispos do Nordeste e constitui-se análise de conjuntura da sociedade, por meio da qual se pretende informar e

conscientizar a todos das demandas da sociedade brasileira e, oportunamente, denunciar os abusos do governo

pelo uso desproporcional da força e de desrespeito aos direitos humanos e civis.

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4.2.2 “A Igreja sai da Sacristia”

O documento “Eu ouvi os clamores do meu povo”, assinado por 17 bispos do

Nordeste e pelos provinciais dos Franciscanos do Recife, dos Jesuítas do Nordeste e dos

Redentoristas, no Recife, consiste num entrelaçado de questões políticas e econômicas

nacionais polêmicas:

O “milagre brasileiro”, despido, de um lado, da crença popular, da devoção e

da esperança, resulta de outro lado no favorecimento dos não-necessitados,

implicando um castigo aos que foram sacrificados, maldição para aqueles que

não o pediram. No rastro do “milagre” ficou o empobrecimento relativo e

absoluto do povo. No processo de empobrecimento dos que são pobres para

aumentar a fortuna dos ricos, a concentração de renda é a demonstração mais

clara da opressão e da injustiça de que é capaz a estrutura de propriedade

privada dos meios de produção, em que se fundamenta o atual sistema

brasileiro. A ausência de liberdade, a violência da repressão, as injustiças, o

empobrecimento do povo e a alienação dos interesses nacionais ao capital

estrangeiro não podem constituir sinal de que o Brasil tenha encontrado o

caminho de sua afirmação histórica (CAMARA et al., 1973p, p. 20-23).

As posições refletidas nesse documento resultam de desenvolvimento histórico do

pensar e agir da Igreja no pós-II Guerra Mundial. Segundo Marcos de Castro, “é difícil situá-

las no tempo com exatidão. De qualquer modo, as grandes - e não no sentido de tamanho -

encíclicas de João XXIII (Mater et Magistra, de 1961, e Pacem in Terris, de 1963)

representam marco importante para assinalar seu florescimento e expansão” (CASTRO, 1985,

p. 16). É nesse contexto que o leigo, no Brasil, atinge maior estágio de participação na vida da

Igreja e, por conseguinte, assiste-se ao “acordar das consciências” de alguns segmentos da

Igreja para com as demandas da sociedade brasileira, à espera de transnacionalização.

De acordo com Marcos de Castro, “é a denúncia das injustiças, são os esforços de

promoção humana que acompanham o arejamento da Igreja nascido do sopro do Espírito,

através de João XXIII. É a Igreja a se atualizar, a se pôr em dia com os problemas humanos

do tempo presente” (CASTRO, 1985, p. 16). A análise desenvolvida por Marcos de Castro

permite inferir nova forma de atuação de parcela da Igreja nos campos político-social

resultante de uma mudança de mentalidade. Além disso, percebe-se esforço de modernização

das estruturas organizacionais da instituição, de modo a agilizar o processo de implementação

das deliberações. Para usar a expressão do próprio João XXIII, é o aggiornamento na Igreja.

A instituição deu-se conta de que, composta por homens, não podia se colocar alheia

aos problemas humanos. Com efeito, na segunda metade do séc. XX, o problema mais grave a

ser enfrentado pelos governos nacionais e pelas organizações nacionais e transnacionais, é o

da miséria (global), produto da injustiça social nacional, regional e internacional.

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Assim, no Brasil, desde o início da década de 1960 e, sobretudo, após o golpe de

1968, “a Igreja passara de conivente com os poderosos a denunciadora de injustiças. E de

denunciadora das injustiças a encorajadora ou agente, ela própria, da promoção humana”

(CASTRO, 1985, p. 17). Nesse quadro, parcela relevante da Igreja (leigos e eclesiásticos),

não sem temer retaliações, protagonizou novo impulso de ação social com intensidade sem

precedentes na sua história, pelo menos na América Latina, e muito menos ainda na Europa. A

ação social da Igreja, desenvolvida em contexto sócio-político de tensões, implicou opção

deliberada e atuação inéditas no Brasil e no continente americano, cuja mudança de

comportamento passou a incomodar a velha Europa acostumada a elaborar e a exigir a

implementação de suas diretrizes dentro dos Estados-Nações com predominância de cidadãos

católicos, ou onde o poder de influência da Igreja demonstrasse perspectiva de crescimento.

Os eventos de ruptura constituem-se nos motores da História. A ruptura político-

governamental que se constata na história de alguns Estados, quer por revolução quer por

golpe, resulta sempre de processo decisório de atores que procuram conciliar valores e

interesses em condições de entrelaçar os pensamentos políticos divergentes e a convergir os

interesses dissonantes. A primeira governança de Getúlio Vargas (1930) põe fim à República

Velha (1889), viciada pela “política dos Governadores”, segunda a qual o bem dos Estados

representava o bem da União. O Estado Novo de Vargas (1937-1945), de expressão ditatorial,

é substituído por regime democrático. O interregno democrático (1946-1964) é bruscamente

interrompido por golpe de Estado impetrado por atores civis e militares para a confluência e

resolução de seus interesses. Em 1968, o AI-5 representa golpe dos militares da “linha dura”

aos golpistas de 1964. Por fim, em 1985, o país reafirma seu interesse pelo regime

democrático. Assim sendo, a história política do país caracteriza-se por inúmeras rupturas de

governo, embora nenhuma delas tenha se prolongado com desdobramentos que alterassem as

estruturas da sociedade brasileira, de modo sistêmico, e a atingir o Estado com suas

organizações e instituições.

A história da Igreja e dos Estados latino-americanos é marcada por avanços e recuos.

Depois de grandes passos dados pela Igreja em Medellín (1968) e Puebla (1979), os quais se

traduzem, particularmente, em “opção pelos pobres” como elemento central de sua missão

social, em opção pela Teologia da Libertação e Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a

Santa Sé, por excessivo temor de infiltração comunista na Igreja da América Latina, renuncia

a todos os símbolos de libertação, e reafirma a teologia europeia e pastorais espiritualizantes.

Acostumada a explorar os recursos e a influência de poder do Estado, a Igreja em

âmbito nacional, cuja relação com o governo caracteriza-se pela cooperação, salvo raras

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exceções, decide apoiar o golpe, e tal decisão “serve com toda a segurança para mostrar que a

Igreja não teve má vontade em relação ao golpe. Apoio que se pode chamar de oficial, se se

levar em consideração o fato nada desprezível de que partiu da Comissão Central da CNBB”

(CASTRO, 1985, p, 17). Alguns trechos do documento, divulgado em 02 de junho de 1964,

mas publicados pelos jornais no dia seguinte como conclusão da reunião da referida Comissão

entre os dias 17 e 29 de maio, asseguram que:

O Brasil foi, há pouco, cenário de graves acontecimentos, que modificaram

profundamente os rumos da situação nacional. Atendendo à geral e

angustiosa expectativa do Povo brasileiro, que via a marcha acelerada do

comunismo para a conquista do Poder, as Forças Armadas acudiram em

tempo, e evitaram se consumasse a implantação do regime bolchevista em

nossa Terra (CNBB, 1964a, p. 1; LIMA, 1979, p. 147; Castro, 1985, p. 17).

Após análise da situação política doméstica que permite à CNBB concluir por

ameaça do avanço do comunismo no país e pela precisão cirúrgica na ação das Forças

Armadas, a Comissão Central, em nome da CNBB, se expressa agradecida a Deus e aos

militares por seus respectivos métodos e eficiência de intervenção nos rumos da nação, nos

seguintes termos:

Ao rendermos graças a Deus, que atendeu às orações de milhões de

brasileiros e nos livrou do perigo comunista, agradecemos aos Militares que,

com grave risco de suas vidas, se levantaram em nome dos supremos

interesses da Nação, e gratos somos a quantos concorreram para libertarem-

na do abismo iminente (CNBB, 1964a, p. 1; LIMA, 1979, p. 147).

Apesar dessa boa vontade em relação ao golpe, parcela da Igreja considerada

progressista e, em geral, também do círculo dos moderados, passaria a encará-lo com espírito

crítico. Para Marcos de Castro, “é difícil acreditar que esse documento de 1964 tenha sido

aprovado pela mesma Comissão Central da CNBB que fizera publicar, em 1º de maio de

1963, documento firmado em 30 de abril, saudando o aparecimento da Pacem em Terris,

assinada por João XXIII em 11 de abril desse mesmo ano” (CASTRO, 1985, p. 18). Na

referida encíclica o papa João XXIII expressou-se preocupado com a injustiça na distribuição

de riquezas no planeta e com uma participação mais ampla de todos na ordem internacional.

O documento dos bispos brasileiros sobre a Pacem in Terris revela outra linguagem

dos membros da Comissão Central da CNBB um ano antes do golpe. A Comissão, então,

assegurava:

Quisemos meditar sobre essa Encíclica tendo diante de nós a realidade

brasileira. A quantos estudam esta realidade e a quantos sentem as profundas

aspirações do povo, parece evidente que, se de um lado rápidos progressos se

operam em escalas cada vez mais amplas, de outro lado graves entraves a

condicionam nas características ainda marcantes de um país subdesenvolvido,

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no qual o impacto das realidades rural e urbana gera consequências

gravíssimas de despersonalização. Sentimos, de outro lado, que a consciência

dos homens no mundo os encaminha para uma maior participação e

compromisso com uma ordem planetária (CASTRO, 1985, p 18).

Dificilmente alguém acreditaria que a primeira assinatura nesse texto é de dom Jaime

de Barros Câmara, então cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro. Ou que o assina dom Augusto

Álvaro da Silva, arcebispo da Bahia e primaz do Brasil. Ou que também o assina dom Vicente

Scherer, arcebispo de Porto Alegre, conhecido como uma das vozes mais conservadoras da

hierarquia brasileira. Mas fica mais fácil entender as coisas quando se sabe que a essas três

assinaturas juntavam-se as de dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, arcebispo de São

Paulo, de dom José de Medeiros Delgado, arcebispo de São Luis do Maranhão, e sobretudo a

de dom Fernando Gomes dos Santos, arcebispo de Goiânia. Esses seis nomes constituíam a

Comissão Central da CNBB.

Está aí uma das chaves para compreender por que a Igreja, depois do recuo que se

seguiu imediatamente ao golpe, conseguiu se organizar num bloco quase compacto como foco

de resistência ao autoritarismo da ditadura militar. É que no momento difícil, progressistas,

moderados, e mesmo representantes da ala conservadora, souberam se unir contra o perigo

maior que seria a submissão a “regime de libertinagem”.

O reconhecimento devido à Igreja como um dos principais focos de resistência ao

autoritarismo pressupõe afirmar que “a Igreja saiu da sacristia”, apartou-se do pietismo

exacerbado, o que não significa negar valor à vida contemplativa. “Há horas de mergulhar e

há horas de aparecer, disse uma vez monsenhor Montini, arcebispo de Milão (futuro papa

Paulo VI), a dom Hélder Câmara” (CASTRO, 1985, p. 21).

Quebrar o isolamento - esse é o grande sentido de sair da sacristia para a Igreja

Católica no Brasil. Na década de 1960, “sair da sacristia” consistia em alguma coisa a mais do

que pretendia Júlio Maria - que a Igreja se tornasse mestra do povo. O que se queria é que a

Igreja se tornasse mestra do povo e que o povo fosse mestre da Igreja. É com essa disposição

que surgem, no Brasil, as CEBs, com o reconhecimento de “novo modo de ser Igreja”,

indispensável para que a Igreja pudesse vir a se constituir foco de resistência ao autoritarismo.

Outro fator importante para tirar a Igreja da sacristia e incentivá-la a novas formas de

agir foi a própria CNBB, através das sucessivas reafirmações de posição sempre clara ao lado

da opção de luta em favor dos desprotegidos, de destemor diante dos poderosos. Reunidos na

CNBB, os bispos concentravam muito mais “capital político” do que isoladamente. Depois,

desenvolveram através da entidade -“com espírito de corpo”-, atitude de extrema importância

ao longo do processo de resistência da Instituição ao regime militar de 1964.

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É o caso, por exemplo, da Comunicação Pastoral ao Povo de Deus, de 1976, quando

a CNBB vem a público para denunciar “os acontecimentos recentes que atingiram a Igreja no

Brasil comovendo a tantos no país e no exterior. Referimo-nos principalmente ao assassinato

dos sacerdotes Pe. Rodolfo Lunkenbein, Pe. João Bosco Penido Burnier e ao seqüestro do

bispo Dom Adriano Hypolito, da diocese de Nova Iguaçu” (CNBB, 1976c, p. 1-2; LIMA,

1979, p. 240-241). Tais fatos, por sua gravidade, mostravam que a violência se voltava contra

a Igreja de forma cada vez mais intensa.

A CNBB, portanto, daria base política para a Igreja transformar-se, no momento

preciso, em foco de resistência à ditadura. Unidos em sua entidade, os bispos estimulam

participação política por meio de assembleias gerais, regionais e locais, da análise de

conjuntura da sociedade brasileira, da produção de Manifestos, Declarações e Comunicações

ao Povo, de modo a representar, na prática, “a voz daqueles que não tem voz”36

. A expressão é

do cardeal François Marty, arcebispo de Paris, difundida no Brasil, nos anos de regime militar,

por seu grande amigo dom Helder Camara.

A CNBB, a um só tempo, estimulou o sair da Igreja da sacristia e empreendeu

política de resistência da Igreja ao autoritarismo, sobretudo após 1968. A CNBB também

estimulou o processo de promoção do leigo, que, em contrapartida, a desloca de uma Igreja de

festa e devoções do século XIX para uma Igreja de “opção preferencial pelos pobres” da

segunda metade do século XX, período que inclui Medellín e Puebla. A Igreja descobre o

leigo e o promove, a princípio timidamente, através da Ação Católica. O leigo descobre as

virtualidades potenciais da Igreja e a ajuda a desenvolvê-las. É assim que a Igreja parte em

busca de outras liberdades, as várias liberdades do homem.

Os militantes da Ação Popular (AP), oriundos da Ação Católica (AC), sobretudo da

JUC e JEC, após divergências ideológicas com alguns membros da hierarquia, constataram

acertadamente: “a Igreja não faz revolução, a Igreja não substitui os partidos políticos ou as

organizações de vanguarda” (CASTRO, 1985, p.30). E a AP sentiu que chegara a hora de uma

revolução popular no Brasil. Isso não significa obrigatoriamente pegar em armas. Através dos

próprios avanços do governo de João Goulart, talvez fosse possível chegar a isso, embora a

realidade latino-americana não autorizasse grandes otimismos nesse sentido. Mas não se

descarta, também, a possibilidade de uma revolução armada - e o exemplo cubano é muito

recente, com sua liderança carismática atraindo corações e mentes dos jovens engajados.

36

Sobre a opção de “emprestar a sua voz ao sem-voz”: CAMARA, 1968e, p.1; CAMARA, 1972a, p. 4;

CAMARA, 1972h, p. 2; CAMARA, 1973f, p. 1; CAMARA, 1973g, p. 1; CAMARA, 1973n, p. 2; CAMARA,

1974a, p. 1; CAMARA, 1976a, p. 1; CAMARA, 1976b, p. 1; CAMARA, 1977i, p, 3.

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Por vários motivos, entretanto, não se parte para uma revolução armada, e um dos

fundamentais é que não há preparação para isso. Ao contrário, o novo governo, logo após o

golpe, parte para a repressão violenta. Contra os supostos comunistas, contra os católicos,

contra qualquer que fosse o “subversivo”. Assim, Marcos de Castro sumariza ato de violência

do regime:

É histórico hoje o episódio triste do comunista Gregório Bezerra desfilando

só de calção pelas ruas do Recife, com uma corda na boca como se põe freio

em cavalo, levado pelo coronel Darci Vilocq. Gregório não perdeu a

dignidade, do alto dos seus 63 anos. Com sua vida de lutas já tinha um lugar

na história do país. O episódio serviu apenas para que nela entrasse também o

coronel Vilocq. Isso foi nos primeiros dias de abril de 64. No dia 10 do

mesmo mês, portanto, dez dias depois do golpe, foi preso em Brasília o padre

Francisco Laje, famoso em Belo Horizonte por sua atuação ao lado dos

oprimidos. O golpe cedo foi fechando todas as portas, calando todas as vozes,

esmagando todas as resistências. Tudo se fechou. As portas, as janelas, as

frestas ou as frinchas. Aí é que entra a Igreja como resistência possível, a

única. É a exceção, a única fenda que ficou, mesmo depois do AI-5, de 13 de

dezembro de 1968. Por absoluta impossibilidade de ter a ditadura a Igreja sob

seu domínio (CASTRO, 1985, p. 31).

A revolução sistêmica pressupõe substituição imediata daquele que governa, dos

partidos políticos e das organizações que outrora ofereciam condições de governabilidade. O

fato da Igreja não fazer revolução nada a desqualifica na condição de poder, em termos de

influência e prestígio, para uma estratégia de resistência. A Igreja no Brasil dos anos de 1960

vê-se preparada para uma resistência dessa natureza. A Igreja transforma-se, assim, em única

organização institucional com força de resistência, e passa a ser perseguida pelo sistema.

4.2.3 Segurança Nacional e Reforma Agrária

Análise da sociedade brasileira para os anos de 1950, 60 e 70, revela demandas de

reformas estruturais que se lhe impunham: 1) a reforma agrária; 2) a diversificação das áreas

de atendimento pelo sistema de saúde pública; 3) ampliação e modernização do sistema

educacional; 4) expansão do projeto de habitação para os grandes centros urbanos; 5) a

melhoria do sistema de comunicação no país, entre outros. De todas as demandas, a Igreja

adotou a reforma agrária como missão evangélica. Os sucessivos governos militares, no

entanto, demonstraram excessiva preocupação com o tema da segurança nacional, o que não

implicava necessariamente o controle dos aparelhos repressivos.

O real estado de tensão entre Igreja e governos militares durante a vigência do AI-5

atribui-se, sobre maneira, à Igreja em seu caráter de instituição social. “Como agente social

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ela se defronta com o Estado através da visibilidade de seus porta-vozes” (LIBANIO, 1978, p.

30). Ao lado de muitas outras instituições, a Igreja se afirma como instituição nacional e

transnacional organizada sob rígidos princípios religiosos, éticos e políticos. A natureza

transnacional da Igreja Católica emerge de sua internacionalidade, isto é, da relação de

qualquer Igreja local (Diocese) com o seu respectivo centro (Vaticano).

Embora os representantes da Igreja e os governos militares inserissem em suas

agenda de política internacional elementos específicos e fundamentais para as instituições que

representavam, inseriram também demandas que coadunavam com as da sociedade brasileira,

tais como o esforço por estabilidade política e desenvolvimento econômico. A Igreja criticou,

no entanto, opção dos governos (sobretudo Médici) de excessivo zelo da ordem em

detrimento do respeito aos direitos humanos e civis. Além disso, criticou ainda o modelo de

desenvolvimento econômico, pois o mesmo não equacionava com o desenvolvimento

humano.

Entre os dois grupos de interesses (Igreja-Governo) os pontos mais sensíveis de

divergência repousavam sobre os temas da segurança nacional, tal como exposto na Doutrina

de Segurança Nacional, e reforma agrária. A Igreja não se opunha à necessidade de ordem,

até porque sua atividade pastoral depende fundamentalmente dessa condição social. A

oposição da Igreja emergia da violência do poder de Estado em nome de determinado tipo de

segurança nacional, que não condizia com a expectativa de paz da sociedade brasileira. O

aperfeiçoamento das Forças Armadas como força policial desmoralizava as respectivas

corporações. Desde então, a oposição (composta pelos movimentos estudantis, instituições

religiosas, associações jurídicas, profissionais liberais, etc.) tornou-se mais ofensiva com

intensificação das manifestações públicas.

Em julho de 1968, após reunião da CNBB, dom Cândido Padim publica, pelo jornal

Estado de São Paulo, matéria intitulada A Doutrina da Segurança Nacional à Luz da

Doutrina Social da Igreja, na qual expõe a situação do país nos seguintes termos:

A Igreja, no desenvolvimento histórico a que está destinada, vai-se

defrontando com fenômenos sociais e políticos denunciantes, ao mesmo

tempo, de causas que lhe bloquearam sua ação de serviço à Humanidade, no

passado, e que, no presente, podem produzir os mesmos efeitos, dada a

política que rege os fatos sociais. No Brasil vai surgindo o super-homem para

hoje. O super-homem força, julgamento, decisão. Instrumento do poder

econômico. Uma técnica superdesenvolvida a serviço dos dois.

Interdominação. E um método geral para submeter os fracos parece ser

transformá-los em Estados-divindade (Exército) facilmente manobráveis. Os

métodos particulares são os mesmos do nazismo, mais refinados pela

experiência. A finalidade não confessada talvez seja ... o aniquilamento da

Igreja, ainda uma vez, a única capaz de se opor a esse estado de coisas

(LIMA, 1979, p. 150-151).

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Muitos pesquisadores consideram o texto de dom Cândido Padim como o portador

da mais dura crítica da Igreja à Doutrina de Segurança Nacional (DSN) em território

brasileiro. Em palavras do próprio dom Candido Padim, “procurou-se mascarar e camuflar

toda a ação contra a Igreja; criou-se em torno da Igreja ambiente de desconfiança, de ódio, de

difamação; comprimiu-se a liberdade de ação da Igreja; canalizou-se a estatolatria” (PADIM

apud LIMA, 1979, p. 151).

Ao elaborar síntese histórica da evolução político-social brasileira, de 1930 a 1968,

dom Cândido Padim assegura que: “a crise política que o Brasil viveu na década de 1950-60,

que terminou com o movimento militar de 1964, está estreitamente ligada às transformações

estruturais que o advento da industrialização determinou na esfera econômica, política e

social” (PADIM apud LIMA, 1979, p. 151). Não se trata de resistência ingênua ao processo

de industrialização empreendido pelo país, a ignorar seus reais benefícios, mas de crítica ao

modelo de industrialização implantado, segundo princípio do enriquecimento de alguns

poucos com base na exploração de muitos.

Em 1973, a crise internacional do Petróleo agrava a situação dos trabalhadores no

campo. O episcopado nordestino e alguns representantes de Ordens religiosas, preocupados

com as injustiças sociais contra os trabalhadores rurais, divulgam documento do Secretariado

Regional Nordeste II da CNBB, que esperam publicar em nome de toda a CNBB, porém, a

reação contrária de alguns membros conservadores da entidade impede tal intento e o

documento vem a público como Documento de Bispos e Superiores Religiosos do Nordeste,

sob o título Eu ouvi os clamores do meu povo. Encabeça as assinaturas a de dom Helder

Camara. A caça às bruxas começa, então, por ele.

Os militares reagiram ao documento do Regional Nordeste II da CNBB acusando

dom Helder de ir à TV abordar “problemas destituídos de religiosidade, cunho prático ou

piedade” (CASTRO, 1985, p. 33). A reação dos militares ganha corpo nessa declaração do

general Itiberê Gouveia do Amaral, comandante da 10ª Região Militar, com sede em

Fortaleza, mas subordinada ao IV Exército, cujo comando fica no Recife. O documento

apenas demonstra que o regime autoritário, centralizador e avesso à pluralidade de ordem, não

consegue compreender uma “Igreja saída da sacristia”.

A questão agrária, de todos os pontos litigiosos constantes nas agendas dos dois

grupos de interesses (Igreja e Estado) entre os anos de 1950 e 1960, era o mais grave. Em

1966, a ditadura celebra seu segundo aniversário. A Ação Católica, sob forte perseguição

policial, mantém firme contestação à política econômica do governo, segundo a qual se

deveria priorizar o crescimento econômico, sem efetiva preocupação com a defesa dos

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direitos dos trabalhadores. “Em meados desse mesmo ano, três entidades da AC (Ação

Católica Operária, Animação Cristã no Meio Rural e Juventude Agrária Católica), todas

nordestinas, denunciam novas injustiças contra os trabalhadores do campo. Os militares se

irritam. Os bispos apóiam as entidades” (CASTRO, 1985, p. 32).

A Igreja ao mesmo tempo que estimulava a promoção social, em termos de reforma

agrária, defendia o direito de propriedade, uma aparente contradição em sua atividade política

doméstica se o bem comum não precedesse ao direito de propriedade. Quanto ao

comportamento dos governos, quase nada fizeram de reformas efetivas no campo social.

4.3 A PERSEGUIÇÃO VIOLENTA À IGREJA

4.3.1 A Perseguição a dom Helder Camara e a seus Colaboradores

À Igreja, na perseguição, não interessa assumir o papel das organizações populares

nem dos partidos políticos, mas fazer oposição, com força institucionalizada, a todos os atos

de violência do governo e de desrespeito aos direitos humanos e civis. Em geral, o futuro de

uma instituição perseguida pelo poder de Estado é a desestruturação, a perda da legalidade e

de legitimidade e, como consequência, a falência ou fechamento. Um fenômeno, no mínimo,

curioso. Na perseguição, a Igreja se fortalece como instituição, e parte de seu “capital

institucional” lhe é creditado pelos pobres, como ela perseguidos, e pelos vitimados, de algum

modo, em particular pela política de segurança do governo.

O símbolo da perseguição à Igreja no Brasil é dom Helder Camara. O modelo de

perseguição imposto a dom Helder é representativo da perseguição sofrida pela Igreja. A

relação Igreja-Estado torna-se tensa, desde o AI-5, num crescente sem precedente para a

relação de cooperação que caracterizava, desde o período colonial, o relacionamento entre as

duas instituições. Atribui-se o início das tensões ao exato momento de associação de

interesses entre eclesiásticos (membros da hierarquia em geral) e liderança militante leiga, a

partir do momento em que a hierarquia se abre para acolher as potencialidades do leigo na

Igreja como gesto de maior participação e valorização do leigo. A junção dessas duas forças

influentes na sociedade brasileira representa verdadeira ameaça ao status quo governamental.

Além, é claro, de representar ameaça aos interesses de latifundiários e demais homens de

poder.

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Durante os primeiros anos de governo militar, enquanto os aparelhos de repressão

ameaçam, o povo silencia (embora se percebessem algumas vozes discordantes), a Igreja

começa a assumir posição de resistência. Dom Helder se faz ator representativo das demandas

da Igreja e da sociedade brasileira. Em pouco tempo, dom Helder torna-se internacionalmente

conhecido. Assim, eliminá-lo atrairia os olhares críticos da opinião pública internacional

sobre a política nacional do governo. A estratégia adotada consistiu em atingir dom Helder

pela perseguição a seus amigos e colaboradores. As acusações começam a surgir contra o

teólogo belga Joseph Comblin (que publicaria A ideologia da segurança nacional: o poder

militar na América Latina) resultando em sua expulsão do Brasil, em 1972.

A tática da perseguição indireta a dom Helder chega ao ponto extremo de violência e

perversidade em maio de 1969, com o assassinato do Pe. Antônio Henrique Pereira Neto,

responsável pela Pastoral de Juventude da Arquidiocese. No desempenho da função, Pe.

Henrique ligava-se diretamente a dom Helder.

Toda ditadura tem os seus grupos internos de repressão violenta (torturas e

assassinatos oficiais) e um braço armado de grupos extremistas paramilitares para serviços

sujos, ou assim considerados pelos governantes. No Brasil, os grupos extremistas armados

trabalhavam sempre em estreita colaboração com os setores de informação (também

chamados de “inteligência”) regionais ou nacionais.

O Pe. Henrique começou recebendo telefonemas em casa (morava com os pais) de

grupo identificado como Comando de Caça aos Comunistas (CCC). Um dia não voltou para

casa. Só foi encontrado na manhã seguinte, por dom Helder e seu bispo auxiliar dom José

Lamartine Soares, em terreno próximo à Universidade Federal de Pernambuco, no bairro da

Várzea. Foi assassinado aos 28 anos, após um ano de ordenação. O enterro, sob os olhos da

polícia da ditadura e de seus serviços de inteligência, foi uma consagração em matéria de

solidariedade. Milhares de pessoas acompanharam o cortejo fúnebre por cerca de sete

quilômetros, da Igreja do Espinheiro ao Cemitério da Várzea, sem aceitar provocações,

apenas entoando cânticos e orações37

. Na hora de baixar o caixão à sepultura, o mais absoluto

silêncio pedido por dom Helder: “Nada gritará mais do que o nosso silêncio” (CAMARA

apud CASTRO, 1985, p. 35). Com esse gesto, dom Helder pretende ainda evitar qualquer

outra iniciativa violenta da polícia durante o período da completa dispersão dos participantes

do cortejo.

37

As ameaças de morte, o assassinato e o sepultamento de Pe.Antônio Henrique Pereira Neto, bem como a

prisão de Cajá, encontram-se detalhadamente registrados na literatura de Cordel do poeta cearense Antônio

Gonçalves da Silva, de codinome Patativa do Assaré.

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Em 1973, dom Helder teve oito de seus colaboradores mais próximos seqüestrados e

torturados. Quase todos eram animadores efetivos da Operação Esperança, pequeno projeto de

campo no qual uma associação de camponeses compra a terra e os próprios associados nela

trabalham (o dinheiro para a compra foi recebido por dom Helder pelo Prêmio Popular da

Paz, em Oslo, Noruega, quantia equivalente ao Prêmio Nobel da Paz).

Em 1974, a polícia pernambucana prendeu e torturou o pastor e jornalista norte-

americano (colaborador da revista Time, para a qual mandava matérias sobre o Nordeste

brasileiro) Fred Morris, grande amigo de dom Helder. Ora, tratando-se de um colaborador do

Time, a repercussão tinha de ser grande. E foi, para vexame do governo brasileiro.

Em 1975, novas prisões de amigos e colaboradores de dom Helder, verdadeiros

seqüestros, em tudo semelhantes aos casos de 1973. Só que dessa vez os presos não eram

ligados à Operação Esperança, mas ao Movimento de Evangelização, outro trabalho de dom

Helder na Arquidiocese. Dessas prisões diria dom Helder em circular distribuída nas Igrejas

de Olinda e Recife:

A polícia vigiou de modo disfarçado a cada de um dos participantes dos

encontros (depois de infiltrar-se nas reuniões). Carros com placas

particulares, como no tempo dos seqüestros de 1973. É a volta dos raptos, da

utilização dos capuzes, da permanência de policiais nos lares cujos habitantes

seqüestraram, tudo de acordo com o IV Exército. Será que vai voltar o clima

de terror do segundo semestre de 1973? Se há crime, por que não se usar as

intimações oficiais, assinadas pela autoridade competente? Por que não há

identificação real dos que prendem, por que não utilizam eles de veículos

oficiais e não comunicam os locais de detenção? Sou um homem de

esperança. Mas não quero transmitir ao meu povo esperanças enganadoras

(CASTRO, 1985, p. 36).

Em 1977, outro caso de repercussão internacional. Tratava-se da prisão de dois

mendigos, ou de duas personalidades em condições de mendigos. Um deles é o padre

Lawrence Rosebaugh, o outro, o pastor Thomas Capuano, ambos norte-americanos. Para

sentir a vida dos pobres, os dois dormiam nos patamares das Igrejas, debaixo das marquises

dos edifícios ou das pontes do Recife. Comiam restos de comida, como todos os outros

mendigos. E eram grandes amigos de dom Helder. Padre Lawrence dormia na rua, mas às

6h00 da manhã estava na Igreja das Fronteiras para celebrar com dom Helder. Ambos foram

torturados na Delegacia de Roubos e Furtos do Recife, quando nada tinham furtado ou

roubado. Ficaram 60 horas presos e Capuano, que era mais jovem, abalado pela prisão, quis

voltar logo para os EUA. Mas antes de voltar ainda saiu na primeira página dos jornais do

mundo todo, ao lado da primeira dama dos EUA, Rosalynn Carter, que nessa época esteve no

Brasil e, indo ao Recife, fez questão de conhecer os concidadãos maltratados.

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Em 1978, ainda nessa longa lista do cerco aos que cercam dom Helder, houve o caso

da prisão do estudante Cajá, outro amigo do arcebispo que pagou caro por essa amizade com

longa prisão e processo, no qual teve a defendê-lo a assessoria jurídica da Comissão Justiça e

Paz do Recife, órgão oficial da Igreja, ligado diretamente a Roma. A Comissão visava, em

particular, a defesa dos direitos civis.

A prática da violência restringe o espaço de paz. Os iniciadores da violência

(sobretudo os fabricantes de armas) constituem-se em verdadeiros “inimigos da paz”. “Acuso

os verdadeiros autores da violência: todos os que, de direita ou de esquerda, ferem a justiça e

impedem a paz. Minha vocação pessoal é a de peregrino da paz, seguindo o exemplo de Paulo

VI: pessoalmente, prefiro mil vezes ser morto a matar” (CAMARA, 1968b, p. 7).

4.3.2 A Perseguição a dom Pedro Casaldáliga e a seus Colaboradores

As perseguições a dom Pedro Casaldáliga, quase sempre estavam ligadas a

problemas da terra. Análise sobre a realidade brasileira e, em particular, da região amazônica,

encontra em sua obra Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio, dimensão exata

da demanda que pretende evidenciar. Os conflitos são tantos, em tantos Estados (Mato

Grosso, Norte de Goiás e Sul do Pará) que levam a CNBB a criar um órgão específico, a

Comissão Pastoral da Terra (CPT), que tem sede em Goiânia. A simples existência da CPT

mostra a evolução (política) da Igreja no Brasil depois de golpe de 1964.

No caso de dom Pedro Casaldáliga, os conflitos que se ligam a ele começam antes

mesmo de sua chegada ao Brasil. O mais grave deles é o que envolve o padre francês

Francisco Jentel, a CODEARA e os posseiros. CODEARA é a Companhia de

Desenvolvimento do Araguaia, que se estabelece na vila de Santa Teresinha, município de

Luciara, todo ele situado na jurisdição canônica da Prelazia de São Felix do Araguaia.

Estabelece-se com título de propriedade de toda a área, até mesmo da área urbana, incluindo

Cooperativa Agrícola, Igreja, Escola e ambulatório. A terra é vendida como desocupada, como

mata virgem, e a CODEARA inicia o processo de expulsão dos posseiros e trabalhadores

mediante invasão de casas, invasão de terras e prisões. E a Igreja, ali representada pelo Pe.

Jentel, e depois por dom Pedro Casaldáliga, decide por fazer resistência.

As acusações de subversão ao Pe. Jentel e ao líder dos posseiros, Edvald Pereira dos

Reis, foram levadas ao conhecimento das autoridades policiais, ao Exército e ao SNI. Como

consequência, prendem a ambos. O Sr. Pereira dos Reis, em 1970, ficou recolhido durante 72

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dias ao cárcere de Cuiabá sem acusação formada. Pe. Jentel seria preso depois do episódio

mais violento e cruel da resistência: a destruição, pelas máquinas e jagunços da CODEARA,

do ambulatório construído em Santa Teresinha pelos trabalhadores e o padre em mutirão. A

decisão de reconstruir o ambulatório foi considerada provocação pela proprietária “legítima”:

a CODEARA.

Preso em 1972, condenado em 1973 pela Justiça Militar de Mato Grosso a dez anos

de prisão, libertado em 1974, quando o Superior Tribunal Militar revoga a sentença da

Auditoria Militar do Estado do Mato Grosso, Jentel volta para a França, a fim de visitar sua

mãe e refazer-se psicologicamente do duro período de prisão. Em dezembro de 1975, retorna

ao Brasil com desejo de aqui permanecer, mas o bom senso não lhe aconselharia tal coisa. Ao

chegar ao Brasil, foi a Fortaleza visitar dom Aluísio Lorscheider, a grande voz solidária da

CNBB durante o tempo de seu processo e prisão. Foi seqüestrado na rua, em Fortaleza, preso

e torturado pela Polícia Federal cearense. Enviado para o Rio, passa três dias preso

ilegalmente na Marinha; e liberado com a condição de viajar imediatamente a Paris, o que fez

acompanhado pelo cardeal do Rio, dom Eugênio Sales. Desta vez não consegue se refazer:

com a saúde abalada pela tortura, que o atingira até nos órgãos sexuais, morreu pouco depois,

como um dos símbolos da Igreja perseguida pela opção evangélica de lutar ao lado dos que

nada têm, nem o mínimo direito respeitado.

À semelhança dos que rodeavam dom Helder, a violência e a morte sempre cercavam

os que se encontravam próximos a dom Pedro Casaldáliga. O Jesuíta João Bosco Penido

Burnier, por exemplo, morreu em seus braços, ao levar um tiro na cabeça. O tiro foi disparado

por um soldado da delegacia da vila de Ribeirão Bonito, também na área da Prelazia de São

Felix, onde os dois tinham ido protestar contra torturas a três mulheres cujos gritos de dor

transtornavam toda a cidade.

Os meios de comunicação também ficaram sempre contra dom Pedro Casaldáliga -

sabe-se que, de modo geral, eles se unem em defesa de seus tradicionais interesses. Um

Boletim do Centro Ecumênico de Informação (Rio, fevereiro de 1976) dá conta de que dom

Paulo Evaristo Arns, preocupado com o assunto, levara-o ao Papa Paulo VI em audiência

privada. Temos aqui fragmento da resposta do papa ao cardeal: “mexer com dom Pedro

Casaldáliga seria mexer com o próprio papa” (PAULO VI apud CASTRO, 1985, p. 40). A

preocupação de dom Paulo Evaristo Arns e a resposta de Paulo VI são novos dados a

comprovar que a Igreja agiu em bloco quando se tratou de defender sua parcela perseguida no

Brasil.

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No dia 15 de julho de 1976, mais de 60 pessoas, entre fazendeiros, posseiros e

capangas foram à missão salesiana de Merure (Mato Grosso) tomar satisfação com o Pe.

Rodolfo, diretor da missão, sobre os trabalhos de demarcação das terras dos índios bororos,

iniciados dois dias antes, com autorização da FUNAI. Ao chegar na missão,

O grupo foi logo desacatando Pe. Gonçalo e os índios presentes ficaram

inquietos. Pe. Rodolfo chegou dez minutos depois e pediu aos índios que não

aceitassem a provocação, mas recorressem à Justiça. Apesar da

recomendação, os bororos estavam inconformados e o cacique deles,

Lourenço, que pela sua própria condição era o que mais se manifestava,

levou um tiro pelas costas. Começou a confusão e durante o socorro a

Lourenço, que resistiu com vida, foram dados mais três tiros. Pe. Rodolfo,

atingido, morreu em dez minutos depois. O tiroteio se generalizou. Outros

cinco índios e uma índia foram baleados. Os índios também reagiram com

violência e um dos atacantes, Aluísio, morreu atingido por um tiro no rosto e

facadas (CASTRO, 1985, p. 40).

A violência é, de algum modo, expressão de poder. O poder, em perspectiva

foucaultiana, só existe enquanto se exerce. O poder não é algo que se possui, mas que se

exerce. A violência do poder se exerce, via de regra, contra quem não dispõe de poder

semelhante. Em perspectiva realista de relações internacionais, só o poder impõe limites ao

poder. O poder é entendido em termos de força (militar).

4.3.3 A Perseguição a dom Adriano Hipólito e a dom Valdir Calheiros

O bispo de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, dom Adriano Hipólito, foi

seqüestrado no dia 22 de setembro do mesmo ano de 1976, quando deixava a Cúria diocesana

com um sobrinho e a noiva deste num carro. Assim, pode-se resumir o ocorrido:

Fechado por dois carros, teve de parar, e cinco ou seis homens armados de

pistolas saíram dos carros e cercaram os três. A moça conseguiu fugir, mas

dom Adriano e o sobrinho foram levados para um dos carros dos

seqüestradores. O bispo foi algemado, encapuzado, jogado no banco traseiro

do carro e obrigado a se abaixar para não ser visto da rua. Depois de meia

hora, pararam o carro e tiraram toda a roupa do bispo, tentando enfiar-lhe

pela boca o gargalo de uma garrafa cheia de cachaça, o que não conseguiram

diante da reação de dom Adriano. Gritavam que o bispo era um “comunista

traidor” e que eles eram da Aliança Anticomunista Brasileira. E depois,

diziam, seria a vez do bispo de Volta Redonda, dom Valdir Calheiros. Em

seguida, levaram o bispo para um lugar mais afastado, mas mesmo assim ele

podia ouvir os gritos de seu sobrinho. Mancharam dom Adriano todo de tinta

vermelha, numa alusão à sua condição de „comunista‟, e por fim o

abandonaram amarrado numa rua deserta do bairro de Jacarepaguá, já no Rio,

bem longe de Nova Iguaçu. Recolhido por alguns homens que lhe deram

algumas roupas e o levaram à paróquia mais próxima, dom Adriano prestou

depoimento na delegacia da jurisdição e depois foi à Polícia política, DOPS,

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onde lhe informaram que seu sobrinho também tinha sido encontrado e que

seu carro, do qual fora arrancado em Nova Iguaçu, tinha sido explodido no

Rio, significativamente em frente à sede da CNBB, na Glória. Ainda no

DOPS, dom Adriano Hipólito recebeu a visita e solidariedade, em nome do

papa Paulo VI, do núncio apostólico no Brasil (CASTRO, 1985, p. 41).

Não chegou a haver sequestro de dom Valdir Calheiros, talvez em função da

repercussão negativa em cadeia nacional que provocou o sequestro do bispo de Nova Iguaçu e

da reação vigorosa da própria CNBB. Mas não havia nada de estranho em que o bispo de

Volta Redonda também estivesse na mira desses grupos paramilitares que agiam contra a

Igreja durante o período mais violento do autoritarismo. Ora, dom Valdir Calheiros era odiado

pelos militares, sobretudo, os do 1º Batalhão de Infantaria de Barra Mansa, o BIB, com os

quais viveu forte tensão nos anos de 1960 e 1970. Dom Valdir nunca interferiu na rotina do

quartel do BIB. Partindo desse princípio, não admitia a interferência do BIB em sua pastoral e

atividades em geral na diocese. Como resultado, Dom Valdir teve vários de seus amigos e

colaboradores perseguidos, presos e torturados.

Os fatos envolvendo padres, diáconos e lideranças leigas foram muitos e seus

desdobramentos envolveram dom Valdir em dois Inquéritos Policiais Militares (IPMs), desde

logo batizados com “IPM das Torturas” e “IPM da Subversão”. Convocado a depor no

primeiro deles, dom Valdir negou-se por escrito a comparecer, em carta ao coronel Gladstone

Pernassetti Teixeira, encarregado do IPM. A partir de trecho da carta se percebe o

comportamento da Igreja diante da perseguição do regime:

Ciente do modo como procederam durante os interrogatórios para obterem

confissões forçadas de alguns detidos e do próprio Pe. Natanael, não vejo

como possa ser útil qualquer esclarecimento de minha parte a depoimentos

arrancados à força de maus-tratos, como aplicação de choques, até nos

membros sexuais, pancadas em várias partes do corpo, “telefones”, isto é,

pancadas nos ouvidos, socos no estomago, nos rins, despir das roupas,

ameaça de revide caso eles contassem o que sofreram, torturas psicológicas

em quarto sem sol, sem luz, sem água. Que esclarecimentos a dar em

depoimentos dessa natureza? (CALHEIROS apud CASTRO, 1985, p. 44).

Mais ou menos no mesmo momento em que se iniciam as perseguições a dom Valdir

Calheiros, em Volta Redonda, 1969, acontece em São Paulo talvez o choque mais violento

entre a Igreja e os aparelhos repressivos, ou pelo menos o de maior repercussão. Repercussão

imediata, porque, com a morte do líder guerrilheiro Carlos Marighella, o caso ganhou as

manchetes das primeiras páginas de todos os jornais importantes do país. E repercussão

posterior, nos desdobramentos do caso, com a morte de frei Tito, na França. Frei Tito foi um

caso típico de desestruturação humana total em consequência da tortura.

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4.3.4 A Perseguição aos Dominicanos e outros Casos

Os dominicanos se colocaram na mira do regime desde 1964. Uma semana após o

golpe, já foi posto fora de circulação o semanário Brasil Urgente, que circulava em São Paulo

sob a direção do dominicano frei Carlos Josafá. Ainda em 1964, o convento dos dominicanos

de Belo Horizonte, no bairro da Serra, foi invadido por duas vezes pelos policiais. Essa

fixação com o convento de Belo Horizonte se devia ao fato de que ali se formara, vários anos

antes, grupo composto sobretudo por estudantes que fundara o tablóide semanal AP (Ação

Popular), embrião do futuro grupo de mesmo nome.

Na raiz de toda essa movimentação dominicana no Brasil estava o movimento

internacional de “Economia e Humanismo”, obra do dominicano francês Louis Joseph Lebret,

que trabalhara no Brasil e em outros países da América Latina e África. Economista, Lebret

lutou a vida toda por uma economia voltada para o homem, à luz do Evangelho. E era

exatamente isso que perseguiam seus discípulos dominicanos no Brasil, entre os quais é de

justiça destacar Frei Benevenuto de Santa Cruz, tradutor de Suicídio ou Sobrevivência do

Ocidente, o grande clássico do padre Lebret.

O pensamento de Pe. Lebret influenciou a produção de grandes textos da Igreja. De

acordo com Marcos de Castro,

Morto em 1966, Lebret ficará na história da Igreja universal como uma das

mais ricas fontes teóricas a que João XXIII sabidamente recorreu para

construir o grande edifício que foram as suas duas encíclicas, Mater et

Magistra e Pacem in Terris. E se João XXIII foi a grande virada da Igreja no

século XX, os dominicanos foram sem dúvida o grande pulmão dessa virada

no Brasil (CASTRO, 1985, p. 45-46).

Em 1969, a guerrilha urbana atingia seu ponto mais alto nas ruas do Rio de Janeiro e

São Paulo. No Rio, foi sequestrado em setembro o embaixador dos Estados Unidos, Charles

Burke Elbrick. Havia vários grupos – e a guerrilha era fraca sobretudo por causa das muitas

divisões -, mas em São Paulo o grande comandante das ações era Carlos Marighella, o líder

da Aliança Libertadora Nacional (ALN). Com o sequestro do embaixador americano, as

perseguições a guerrilheiros chegaram a seu ponto máximo – e já vinham num crescente

desde o fim de 1968, com “a decretação do AI-5 despejou levas de novos jovens na

resistência clandestina e selou em definitivo a realidade segundo a qual só restava a Igreja

como foco de resistência, entre as entidades organizadas da sociedade no país” (CASTRO,

1985, p. 46).

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Se só restava a Igreja como organização capaz de resistência, acreditavam os

dominicanos (frei Tito, frei Ivo, frei Betto e frei Fernando, este último presbítero) colocar-se

em defesa do irmão perseguido, a exemplo do que fez Jesus. De acordo com os dados que nos

oferece Marcos de Castro,

Para isso armou-se um esquema. Frei Betto, que estava estudando teologia com os

jesuítas em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, funcionaria como ponta-de-lança

avançada para tirar os perseguidos do país, dada sua posição mais próxima das

fronteiras com o Uruguai e a Argentina. O comandante da guerrilha encaminhava o

companheiro em perigo iminente de „cair‟, isto é, ser preso, a frei Fernando, que

trabalhava na Livraria Duas Cidades, no centro de São Paulo, dirigida por frei

Benevenuto da Santa Cruz. Às vezes o contacto era feito diretamente com frei

Fernando na livraria, por telefone, evidentemente um telefonema em código. Mas na

maioria delas através de frei Ivo, que trabalhava em estreito contato com frei

Fernando, ou de frei Tito, que trabalhava junto ao meio universitário (CASTRO, 1985,

p. 47).

A polícia descobriu essa conexão da guerrilha com o braço protetor de guerrilheiros

perseguidos, tão ingenuamente articulada e dissimulada. Sabedora de tudo, a polícia

arquitetou plano para incriminar os dominicanos, através do notório delegado Fleury, chefe

das torturas em São Paulo. Era um plano de vingança contra os dominicanos, em mais uma

prova de ódio à resistência oferecida pela Igreja. Prender os dominicanos era facílimo – eles

não estavam fugindo de nada. Assim, frei Fernando e frei Ivo foram imediatamente

localizados no Rio, onde tinham ido a passeio para o feriado de Finados, no dia 02 de

novembro. O plano dos policiais, para justificar a morte de Marighella, tentava envolver os

dominicanos como delatores do líder guerrilheiro, e, de qualquer forma, envolvê-los em

prática de guerrilha no país.

O que se sabe com segurança, como frei Betto contou em seu Batismo de Sangue –

Os dominicanos e a morte de Carlos Marighella, é que a polícia armou uma farsa e não houve

qualquer participação de frei Fernando e frei Ivo na prisão ou morte de Marighella. Frei Betto

foi preso pouco depois no Rio Grande do Sul, onde estava, e frei Tito foi preso em São Paulo.

Frei Tito suicidou-se pendurado no mais alto galho de uma árvore no bosque de um convento

dominicano francês, em Arbresle, perto de Lyon, onde fora tentar recompor, inutilmente, os

cacos de sua personalidade, de seu psiquismo, calculadamente arrebentados por dentro pelos

carrascos da ditadura. Desde 1984, quando completaram-se dez anos de sua morte, que seu

corpo jaz em Fortaleza, cidade em que nasceu.

Frei Betto, frei Ivo e frei Fernando foram soltos depois de quatro anos de prisão.

Condenados a dez anos pela justiça militar da ditadura, acabaram tendo a pena reduzida a

menos tempo do que o que já tinham passado encarcerados.

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Outra guerrilha – na selva – também valeu como novo pretexto para perseguição do

regime a dominicanos. Foi a guerrilha do Araguaia, onde a repressão chegou ao auge em

1972. A violência, aí, atingiu níveis inimagináveis: chegou-se ao uso de bombas. Os

dominicanos, velhos responsáveis pelas missões da região de Conceição do Araguaia e

Marabá, no Sul do Pará, não tinham qualquer ligação com a guerrilha, nem mesmo do tipo de

salvar perseguidos, como em São Paulo. Mas eram dominicanos. O fato é que a violência da

repressão atingiu gratuitamente os bispos dom Estevão Cardoso de Avelar, de Conceição do

Araguaia, e dom Alano Maria Pena, de Marabá, além das irmãs dominicanas e presbíteros que

trabalhavam na região. Afastaram-se das missões declarando ao povo “estado de Igreja

perseguida”. Dom Estevão ficou tão abalado que o papa Paulo VI resolveu afastá-lo da região,

nomeando-o bispo de Uberlândia, no Triângulo Mineiro.

As ameaças de morte e de expulsão do país de presbíteros, de religiosos e de

religiosas estrangeiros constituem capítulo à parte da perseguição do regime militar à Igreja.

Já mencionamos os casos de expulsão do Pe. Joseph Comblin, belga, principal assessor de

dom Helder para assuntos teológicos, e, do Pe. Jentel, que trabalhava na Prelazia de São Felix

do Araguaia, com dom Pedro Casaldáliga. Dos casos de tentativa de expulsão declarada, os

que tiveram maior repercussão foram o do Pe. Vito Miracapillo, bem-sucedido, e o dos padres

Aristide Camio e François Gouriou, malsucedido em seu desfecho. O Pe. Vito foi expulso do

país sob a alegação de ter se negado a presidir “missa da pátria”, encomendada pelo prefeito

para o dia 07 de setembro de 1980. Os padres franceses Camio e Gouriou foram envolvidos

na acusação de assassinato de um jagunço, no Sul do Pará, após revolta de posseiros contra

jagunços e representantes do Grupo Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins (GETAT).

Acabaram condenados, num inquérito cheio de irregularidades, a quinze anos de prisão

(Aristide Camio) e dez anos (François Gouriou). Mais tarde, essas penas foram reduzidas para

dez e oito anos, respectivamente, assim como foram diminuídas as penas dos treze posseiros

também condenados.

Os atos de violência contra qualquer cidadão da sociedade civil bem como as

tentativas de expulsões provocaram reação solidária da Igreja, como expressão organizada da

entidade: a CNBB. Os citados foram os casos mais notórios. Houve outros de repercussão,

como os do padre-operário francês Pierre-Joseph Wauthier, que trabalhava em Osasco, São

Paulo, e que se deu ainda antes do AI-5, em setembro de 1968. Ou como o do italiano, Pe.

José Pedandola, da paróquia de Tauá, sertão cearense. E outro que não passou de tentativa:

quiseram expulsar também o padre suíço Romano Zufférey. Na ocasião, 1977, Pe. Romano,

trabalhava havia quinze anos na Arquidiocese de Olinda e Recife, durante muitos anos como

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assistente da ACO (Ação Católica Operária). A arquidiocese mobilizou-se imediatamente em

sua defesa e a expulsão acabou abortando.

No exposto acima, afirma-se solidariedade e cooperação entre os bispos, a

constituição de uma entidade (CNBB) como bloco compacto da Igreja e a oposição de

eclesiásticos, religiosos e leigos contra o autoritarismo do regime militar implantado em 1964.

Não obstante, houve dois bispos, da extrema “direita”, que se empenharam fortemente em

reação sobretudo contra os considerados “progressistas”. O primeiro deles é dom Geraldo de

Proença Sigaud, nomeado bispo em 1947, foi arcebispo de Diamantina de 1960 a 1981. O

outro é dom Antônio de Castro Mayer, nomeado Bispo de Campos, norte do Estado do Rio,

em 1948, só deixando o cargo em 1981.

4.3.5 A Igreja que se opõe à Igreja

Os pesquisadores das mais diversas áreas costumam dividir o episcopado, para fins

de análise, em bispos conservadores, moderados e progressistas. Alguns, no entanto, preferem

a simples classificação entre conservadores e progressistas. Os rótulos são sempre ruins

porque com toda a segurança nenhuma pessoa se enquadra inteiramente em qualquer

categoria.

A grande maioria dos bispos brasileiros pode ser considerada, para o período em

questão, moderada. Há sempre o risco de considerar um conservador como moderado ou um

moderado como progressista. Contudo, a julgar pelo comportamento da maioria na CNBB, e a

votação dos documentos de demandas sociais, o risco de equívoco quanto à afirmação de

maioria moderada no corpo da entidade parece ser mínimo.

De modo geral, os mais ativos nas comissões – e sobretudo na Comissão de Redação

ou Secretariados – são os progressistas. Além da capacidade de se envolverem em diversas

frentes, dispõem sempre de assessorias qualificadas para fornecer a ideia básica e os dados

técnicos capazes de sustentarem a estrutura dos documentos. O dinamismo das atividades, a

organização dos espaços e os resultados alcançados pelos progressistas atraem a admiração

dos moderados, além do fato de serem os progressistas mais permeáveis e arrojados do que os

conservadores, em geral pouco dados a concessões.

É notório que num contexto de perseguição, à semelhança do período da ditadura, o

corpo institucional torna-se mais enrijecido; os membros tendem a maior cooperação e

solidariedade, evitando, por conseguinte, a emergência ou a politização de possíveis temas

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polêmicos ou divergentes. Durante os anos de regime militar, o arcebispo de Porto Alegre,

dom Vicente Scherer, notório conservador, votou sempre a favor dos documentos tidos como

mais avançados, numa visão social. É possível que tenha havido alguma exceção, mas em

quase todos os casos dom Vicente votava com a maioria.

De modo que não é errado dizer que dom Sigaud e dom Castro Mayer foram as duas

grandes exceções no espírito de corpo determinante do comportamento entre os bispos no

período do autoritarismo. “A atitude permanente de ambos, entretanto, é facilmente explicável

pela biografia ou pelo currículo de cada um. Os dois estão ligados, desde a fundação da

entidade, à Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP”

(CASTRO, 1985, p. 55)38

, ponta-de-lança da extrema direita da Igreja no Brasil.

O grande pesadelo da TFP em seus primeiros anos de vida foram as reformas de

base, prometidas pelo presidente João Goulart, que gozava de apoio das entidades sindicais

rurais católicas no Nordeste. Antes mesmo de Goulart assumir a Presidência da República, a

TFP clamava por alteração no pleito e, como resultado, mudança nos rumos da política. Com

a renúncia de Jânio, deseja que Goulart não assuma. Ao assumir a Presidência, espera que se

mantenha nos quadros do parlamentarismo. Ao retomar a plenitude do poder presidencial, a

TFP teme que o governo ameace a proteção de seus interesses e demandas, ligados à tradição,

família e propriedade. Entre todos os interesses e demandas, este último talvez fosse o mais

ameaçado pelas promessas de reformas de base.

Por essa razão, a TFP já tinha tomado posição no assunto. Fizera publicar, em 1961,

o livro Reforma Agrária, questão de consciência, reação clara contra a reforma agrária que

começava a se transformar num clamor popular no país, sobretudo em razão da fome no

Nordeste. Os autores do livro são dom Geraldo de Proença Sigaud, arcebispo de Diamantina,

dom Antônio de Castro Mayer, bispo de Campos, Plínio Correia de Oliveira, presidente da

TFP, e o economista Luís Mendonça de Freitas.

Dom Sigaud e dom Castro Mayer participavam, mais ativamente do que qualquer

progressista, de campanha nitidamente política de uma sociedade política. Sem atentar para o

fato de que o elemento de maior condenação dos conservadores aos progressistas é sempre a

alegação de que estes costumam exceder-se na participação política.

38

A TFP não é uma organização da Igreja. Ela resultou da iniciativa de um professor paulista Plínio Correia de

Oliveira, em 1960, após reunir grupo de fanáticos da elite econômico-financeira de São Paulo. Esse grupo incluía

sobrenomes tradicionais, tais como Xavier da Silveira, Furquim de Almeida, Barros Brotero, Luís Nazareno de

Assunção e Adolfo Lindenberg, financiador da repressão através da Operação Bandeirante. O objetivo principal

da organização, com apoio de dom Sigaud, era o combate à reforma agrária.

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Dentro de uma problemática exclusivamente eclesial, dom Antônio de Castro Mayer

foi talvez quem maior mal causou à Igreja no Brasil. Ao sair da administração da diocese de

Campos, deixou ao seu sucessor, dom Carlos Alberto Navarro, uma Igreja cismática, com

grave problema de unidade. “Como se sabe, dom Antônio de Castro Mayer é companheiro

solidário de monsenhor Lefèbvre, o bispo rebelde francês que mantém seminário cismático

em Econe, na Suíça, e foi suspenso a divinis39

pelo Paulo VI em 1976” (CASTRO, 1985, p.

57). Dom Castro Mayer e monsenhor Lefèbvre assinaram documento conjunto dirigido ao

papa, e isso significa que o bispo brasileiro vai às ultimas consequências no seu apoio a

Lefèbvre, que aliás nunca respeitou o decreto papal de suspensão a divinis.

Em diversas ocasiões, o monsenhor Lefèbvre declara publicamente que a crise que se

instalara na Igreja resulta do Concílio Vaticano II. O cardeal de Paris, François Marty, amigo

de dom Helder, responde à manifestação de cegueira e estreiteza de horizonte do monsenhor:

Ante dificuldades reais e uma crise espiritual profunda, crê [monsenhor

Lefèbvre] que o remédio é riscar da história o Concílio Vaticano II. Ainda

mais, condena as decisões conciliares que foram votadas pela quase

unanimidade dos bispos do mundo: éramos perto de 2.400! O concilio

ecumênico foi o primeiro a ser totalmente universal. Foi promulgado pelo

papa. Ninguém pressionou os debates; não houve qualquer conspiração,

qualquer intervenção externa. Fui testemunha disso. Rejeitar o concílio é

atacar os próprios alicerces da Igreja Católica, como o é não se submeter à

autoridade do papa e erigir-se em juiz supremo. Todos nós estamos com

Paulo VI; todos estamos atrás de Paulo VI. Não se dirá que católicos da

França se deixarão arrastar para um cisma, infeliz e inútil. Não estamos mais

no tempo da Cristandade ... Estamos no tempo da missão, da evangelização

(MARTY apud CASTRO, 1985, p. 58).

Se dom Antônio de Castro Mayer permaneceu vinculado à TFP até o fim da vida,

dom Geraldo de Proença Sigaud dela se distanciou em 1970, talvez por se tornar grande

latifundiário. Dom Sigaud é, sem dúvida, inimigo perigoso das posições de luta contra o

autoritarismo. Um inimigo que foge inteiramente aos padrões normais de discordância dentro

da comunidade dos bispos. Adotara a estratégia da delação dos colegas no episcopado em

duas frentes, quais sejam: às autoridade militares (Governo na administração política

doméstica) e ao Vaticano (Governo político-eclesiástico de amplitude internacional).

Em 1965, satisfeito com a vitória da parceria civil-militares de 1964, dom Sigaud

apostara agora em ocasião propícia também para o combate no país do Concílio Vaticano II.

Assim, divulgara a ideia de que os “comunistas querem destruir a Igreja através do Concílio”.

Falando para uma plateia de oficiais do Exército no Rio de Janeiro, quatro meses antes da

39

O decreto papal A Divinis suspende o direito de Ordem Presbiteral e, por conseguinte, o direito legítimo de

presidir missa e ministrar todo e qualquer sacramento na Igreja.

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promulgação do AI-5, dom Sigaud pede a prisão de dom Helder.

Como não tinha dado resultado seu pedido aos militares para que prendessem dom

Helder, resolveu agora ir diretamente ao papa, acusando dois outros bispos. Dessa vez, suas

vítimas eram dom Pedro Casaldáliga (Prelazia de São Felix do Araguaia) e dom Tomás

Balduíno (Goiás Velho). Dom Sigaud acusava os colegas de comunistas. Em 1977, mostra-se

preocupado com o nível de deterioração a que tinham chegado as relações Igreja-Estado no

Brasil, com as posições cada vez mais nítidas dos bispos contra o regime militar. A CNBB já

havia promulgado dois documentos: Comunicação Pastoral ao Povo de Deus (CNBB, 1976c)

e Exigências Cristãs de uma Ordem Política (CNBB, 1977).

Tamanho era o apoio de dom Sigaud aos militares que, falando aos formandos do

Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) de São Paulo, assegurou-lhes:

Quando benzemos as espadas, não benzemos somente elas, mas também as

metralhadoras, os fuzis, os canhões, benzemos os aviões de combate, as

granadas, as baionetas. Por consciência, a Igreja benze as espadas com uma

condição: a de que essas espadas sirvam ao Direito, sejam espadas da Justiça,

as espadas da Liberdade, as espadas da Honra. Nós confiamos em vocês,

confiamos em que defendam nossas tradições. Vocês, militares, que

transformaram uma vez a Cavalaria em uma ordem religiosa, cujos membros

passavam a noite velando as armas, velem agora, velem sempre pela

liberdade (SIGAUD apud CASTRO, 1985, p. 61)

Em razão de sua estreita aproximação com os militares, em particular, os da IV

Divisão do Exército, com sede em Belo Horizonte, e em menor monta pela acusação de

comunistas contra os seus colegas (dom Helder, dom Pedro Casaldáliga e Tomás Balduíno),

recebeu duras críticas de dom Eugênio de Araújo Sales, então primaz do Brasil, na

arquidiocese de Salvador, e o mais absoluto descrédito de Paulo VI.

4.4 GUSTAVO CORÇÃO E ALCEU AMOROSO LIMA: UM DUELO À PARTE

Outros nomes que se confrontaram por causa de suas concepções político-religiosas

são Gustavo Corção e Alceu Amoroso Lima. Cronista extraordinário, de ricas imagens e de

elegância literária, nos últimos anos de vida, Corção se tornou apocalíptico, escatológico. Não

admitia outro caminho para a Salvação que não fosse o seu, o indicado por ele. A Igreja tinha

que ser a que construíra à sua imagem e semelhança. O catolicismo tinha que ser o

catolicismo como o seu: tradicional. Nada de catolicismo social. A conversão de Corção é do

ano da II Guerra, 1939.

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Já em 1947, quando Alceu Amoroso Lima, presidente do Centro Dom Vital, recebe

no Centro o dominicano Joseph Lebret, que trazia a novidade de Economia e Humanismo, um

passo adiante em relação ao humanismo integral de Jacques Maritain. Corção não teve o

mesmo entusiasmo, mas também não rompeu com ninguém. Na década seguinte é que

começaria a destilar amargura em doses difíceis de imaginar. De 1955 em diante, quando dava

uma folguinha a Juscelino Kubitschek e à transferência de Brasília, é para soltar farpas nos

companheiros de Igreja.

Corção começa seu embate contra o frei dominicano Thomas Cardonnel, de fácil

trâmite entre os universitários. Cardonnel logo foi identificado como teórico de um

catolicismo orgânico e lhe foi atribuída frase no jornal dos estudantes - Metropolitano: “Deus

não é mentiroso como certa paz social”. Corção lhe respondera com agressividade rara.

Em 1963 vem o rompimento de Corção com Alceu, espécie de irmão nos primeiros

anos da conversão, que duraria até a morte de Corção, em 06 de julho de 1978.

Trata-se de uma guerra singular, a dividir aqueles que simbolizaram, a partir

de então, como líderes, as duas grandes correntes em que se dividiu o

catolicismo brasileiro: uma voltada para um cristianismo fundamentalmente

enraizado no Evangelho e no amor ao próximo, a de Alceu Amoroso Lima,

outra voltada para um misticismo vazio, quase exclusivamente para o eu

integrado misticamente a Deus, onde não há praticamente lugar para o

próximo, a de Corção. Uma guerra singular porque travada de maneira

radicalmente diferente. Corção usava as armas da contundência, do ataque

pessoal. Alceu sempre usou única arma: a do silêncio (CASTRO, 1985, p.

70).

Durante os catorze anos de período autoritário no Brasil, até a morte de Gustavo

Corção, essa bipolaridade Alceu-Corção dividindo as lideranças católicas leigas foi uma das

grandes marcas da relação Igreja-Regime Militar. Corção defendeu o regime militar até a

morte, Alceu foi, no momento mais rigoroso da censura à imprensa, a única voz de

contestação ao regime, entre os articulistas habituais de prestígio nacional. “Nesse momento,

apenas Alceu tratava em sua coluna do desaparecimento de Rubens Paiva. Só ele tratava do

caso dos dominicanos. Corção, está visto, tratou do caso dos dominicanos para execrá-los”

(CASTRO, 1985, p. 70).

Em São Paulo, Lenildo Tabosa Pessoa, um espécie de Gustavo Corção sem estilo,

sem o mesmo nível de refinamento cultural, colaborava com o Jornal da Tarde quando o

assunto era atacar a Igreja que lutava contra o autoritarismo. Além de toda essa companhia

citada, Nelson Rodrigues, em seu “Diário”, em O Globo e reproduzido no Jornal da Tarde, de

São Paulo, atacava invariavelmente Alceu Amoroso Lima, que nada respondia.

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Segundo Marcos de Castro,

No auge da campanha difamatória de Nelson Rodrigues, Alceu referiu-se a

ele como dramaturgo para elogiá-lo. O nome de Gustavo Corção só sairia de

sua pena depois da morte do antigo amigo e companheiro, num artigo

antológico publicado no Jornal do Brasil de 20 de julho de 1978 a que deu o

título generoso de „A luz através da sombra’. Era uma página sem um travo

de amargura, sem uma palavra de ressentimento, ... uma página perfeitamente

cristã (CASTRO, 1985, p. 71).

As posições de Gustavo Corção eram de absoluta simpatia pela TFP. Ao aproximar-

se do fim da vida, expressou admiração por uma espécie de Igreja-corporação militar e

chegou a dizer que um dos equívocos da “nova Igreja” era o fato de que ela “não gosta de

soldados, não gosta de lutas e não gosta de sangue e também não gosta de odiar o mal”. Ele

nunca tinha sido militante da TFP, mas elogiou o jornalzinho Catolicismo, da Diocese de

Campos, patrocinado pela associação. Em seus últimos anos de vida, um dos temas mais

freqüentes era o ataque pessoal a Paulo VI. O mais provável é que o papa nunca tenha tomado

conhecimento do tom de seus artigos. É que os amigos brasileiros de Paulo VI, como dom

Helder Camara ou dom Paulo Evaristo Arns, nunca foram homens da delação ou da intriga.

Corção amava a Igreja, mas a Igreja do passado, e temia as “novidades” oriundas do Vaticano

II.

Os católicos que faziam qualquer crítica ao papa Pio IX, o papa da Syllabus e do

Vaticano I - um dos papas mais conservadores da história da Igreja - eram católicos, para

Corção, que se afastavam da doutrina e construíam uma nova Igreja. Em contrapartida, ele

podia dizer o que quisesse de Paulo VI. Foi assim com todo assunto que dissesse respeito às

relações Igreja-Estado no período que vai da instauração do autoritarismo, em 1964, e

sobretudo depois do AI-5, até sua morte. Os militares eram os bons porque dominavam com

mão de ferro o Brasil. E, principalmente, porque tratavam com mão de ferro a “Igreja pós-

conciliar”, porque perseguiam os bispos como dom Valdir Calheiros, dom Adriano Hipólito,

dom Pedro Casaldáliga ou dom Helder, bispos que combatiam o autoritarismo.

A Igreja-corporação militar que está naquele sonho de fim de vida faz dos militares

brasileiros de 64 e de 68 verdadeiros heróis para Gustavo Corção. Eles souberam retribuir.

Corção era lido, admirado e comentado nos quartéis brasileiros do regime militar. Sua coluna,

no jornal O Globo, era uma espécie de bíblia para os militares no poder, que com ela

poderiam justificar sua perseguição à Igreja que os contestava.

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4.5 AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

Em 1968, a repressão autoritária ganhou novo fôlego. Marighela relacionava a

“execução do espião da CIA”, Charles Rodney Chandler, como prova de que “estamos em

plena guerra revolucionária”. Os primeiros soldados capturados foram assassinados. O

terrorismo de esquerda tomara a ofensiva tanto na quantidade como na qualidade. Os dois

lados queriam provar que estourara uma revolução no Brasil, mas como ela não existia,

contentavam-se em proclamar a existência do processo a que chamavam de “guerra

revolucionária”. A propósito dizia Marighela: “A questão no Brasil não está no mito de quem

der o primeiro tiro. Aliás, o primeiro tiro já foi dado, pois encontramo-nos em pleno curso da

guerra revolucionária” (MARIGHELA, 1970, p. 60; p. 37). Para a Aliança Libertadora

Nacional (ALN), “a guerrilha não é o braço armado de um partido ou de uma organização,

seja ela qual for. A guerrilha é o próprio comando, político e militar, da Revolução” (REIS

FILHO, 1990, p. 344) 40

.

Quase vinte anos depois, Antonio Delfim Netto decidiu descobrir o véu que encobriu

toda a crise de 1968:

Naquela época do AI-5 havia muita tensão, mas no fundo era tudo teatro.

Havia as passeatas, havia descontentamento militar, mas havia sobretudo

teatro. Era um teatro para levar ao Ato. O Costa e Silva de bobo não tinha

nada. O que se preparava era uma ditadura mesmo. Tudo era feito para levar

àquilo (DELFIM NETTO apud GASPARI: 2002a, p. 339).

O Ato Institucional n° 5 (AI - 5) foi o mais radical de todos, o que mais fundo atingiu

direitos políticos e civis. Em Estado e Oposição no Brasil: 1964-1984, Maria Helena Moreira

Alves apresenta resumo, que aqui reproduzimos, dos poderes atribuídos ao Executivo pelo AI-

5: 1) poder de fechar o Congresso Nacional e as Assembleias Estaduais e Câmaras

Municipais; 2) direito de cassar os mandatos eleitorais de membros dos poderes Legislativo e

Executivo nos níveis federal, estadual e municipal; 3) direito de suspender por dez anos os

direitos políticos dos cidadãos; 4) direito de demitir, remover, aposentar ou por em

disponibilidade funcionários das burocracias federal, estadual e municipal; 5) direito de

demitir ou remover juízes e suspensão das garantias ao Judiciário de vitaliciedade; 6) poder de

decretar estado de sítio sem qualquer dos impedimentos fixados na Constituição de 1967; 7)

direito de confiscar bens, como punição por corrupção; 8) suspensão da garantia de hábeas

corpus em todos os casos de crimes contra a Segurança Nacional; 9) julgamento de crimes

40

Esse trabalho foi posteriormente publicado, numa versão resumida, em forma de livro: REIS FILHO, D. A. A

revolução faltou ao encontro - Os comunistas no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990.

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políticos por tribunais militares; 10) direito de legislar por decreto; 11) proibição de

apreciação pelo Judiciário de recursos impetrados por pessoas acusadas em nome do Ato

Institucional nº 5 (ALVES, 2005, p. 161).

Nas organizações de extrema esquerda o Ato foi avaliado dentro da melhor tradição

do quanto-pior-melhor associada à ideia do quanto-mais-forte-mais-fraco. Da conjugação dos

dois resulta a transcendental invencibilidade da revolução socialista. A ALN de Marighela

concluiu que “a crueldade dos fascistas que detêm o poder favoreceu o clima de guerra

revolucionária, arrastando contra os militares brasileiros e a atual ditadura um número cada

vez maior de inimigos”. O Partido Comunista do Brasil (PC do B) foi igualmente claro: “O

AI-5 não é expressão de força. Revela, bem ao contrário, debilidade da ditadura” (REIS

FILHO, 1990, p. 367; p. 362).

A consequência mais grave do AI-5 foi talvez o caminho que ele abriu para a

utilização descontrolada do aparato repressivo do Estado de Segurança Nacional. A este

respeito foram cruciais as restrições impostas ao Judiciário e a abolição do hábeas corpus

para crimes políticos. Podiam-se efetuar prisões sem acusação formal e sem mandado. O

Estado de Segurança Nacional encontrava-se centralizado. Além disso, o Estado

corporificava-se no Executivo, que se transformou numa espécie de Leviatã hobbesiano.

Quando, em 1969, o presidente Costa e Silva sofreu infarto, os militares não

permitiram que o vice-presidente, Pedro Aleixo, civil da extinta União Democrática Nacional

(UDN), assumisse o governo, de acordo com a lei. Uma Junta Militar assumiu, escolheu

sucessor e reabriu o Congresso para que este referendasse a escolha. Em outubro, tomou

posse na presidência o general Garrastazu Médici.

No governo de Médici, as medidas repressivas atingiram o ápice. “Nova lei de

segurança nacional foi introduzida, incluindo a pena de morte por fuzilamento. A pena de

morte tinha sido abolida após a proclamação da República, e mesmo no Império já não era

aplicada” (REIS FILHO, 1990, p. 162). No início de 1970, foi introduzida a censura prévia

em jornais, livros e outros meios de comunicação. Em resposta à falta de alternativa para a

oposição legal, grupos de esquerda começaram a agir na clandestinidade e adotar táticas

militares de guerrilha urbana e rural.

A máquina da repressão cresceu rapidamente e tornou-se quase autônoma dentro do

governo. Ao lado de órgãos de inteligência nacionais como a Polícia Federal e o SNI,

passaram a atuar livremente na repressão os serviços de inteligência do Exército, da Marinha,

da Aeronáutica e das polícias militares estaduais; e as Delegacias de Ordem Social e Política

dos Estados (DEOPS). Dentro de cada Ministério e de cada empresa estatal foram criados

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órgãos de segurança e informação, em geral dirigidos por militares da reserva. O Exército

criou ainda agências especiais de repressão chamadas Destacamento de Operações e

Informações (DOI) e Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), que ficaram tristemente

conhecidas pelas siglas DOI-CODI (REIS FILHO, 1990, p.163).

A anarquia ataca a ordem militar, corroendo-a e desmoralizando-a. Em seu livro Os

militares na política, Alfred Stepan adverte que “os governos militares são frequentemente

derrubados pela própria instituição militar” (STEPAN, 1971, p. 253). A violência política

percorre um ciclo no regime militar brasileiro. Geisel esforça-se por restabelecer a ordem ao

perceber que, antes de qualquer projeto político, era preciso restabelecer a ordem militar.

Há muito tempo se pedia: “é preciso controlar as forças armadas”. O pedido

resultava de constatação evidente de que o governo havia perdido o controle sobre os órgãos

de repressão. Assistia-se à banalização da violência contra o cidadão, a quem, por natureza, o

governo encontra-se obrigado a oferecer proteção. “O Jornalista Vladimir Herzog, o Vlado,

tornou-se símbolo de todos [os prisioneiros de consciência], ao morrer assassinado, nos

porões do regime, durante uma sessão de tortura, numa cela do DOI-CODI, em outubro de

1975” (KONDER, 1988, p. 47). O jornal Em Tempo publica:

A alegação oficial de que o operário [Manuel Fiel Filho] teria se suicidado,

utilizando o cinto do macacão fornecido pelo próprio Exército, não

convenceu os que ainda se encontravam sob o impacto da morte do jornalista

Vladimir Herzog, também oficialmente apresentada como suicídio (EM

TEMPO, 1978b, p. 3).

De abuso cometido pelos interrogadores sobre o preso, a tortura no Brasil passou,

com o Regime Militar, à condição de “método científico”. Os torturadores não apenas se

vangloriavam de sua sofisticada tecnologia de dor, mas também alardeavam estar em

condições de exportá-la ao sistema repressivo de outros países, conforme a carta-denúncia do

engenheiro Haroldo Borges Rodrigues Lima, 37 anos, datada de 12 de abril de 1977: “As

torturas continuaram sistematicamente. Diziam, com muito orgulho, que sobre o assunto já

não tinham nada a dever a qualquer organização estrangeira. Ao contrário, informaram-me, já

estavam exportando „know-how‟ a respeito” (BRASIL: NUNCA MAIS, 1985, p. 33).

Os documentos analisados pelos pesquisadores do BRASIL: NUNCA MAIS

evidenciam aulas de tortura (a oficiais de diferentes patentes do Exército, Marinha e

Aeronáutica, policiais civis e militares), modos e instrumentos de tortura (o “pau-de-arara”, o

choque elétrico, a máquina “pimentinha”, o “afogamento”, a “cadeira do dragão”, a

“geladeira”, os insetos e animais, a palmatória, o enforcamento, etc.) tortura em crianças,

mulheres e gestantes. (BRASIL: NUNCA MAIS, 1985, p. 29-50). Donde se pode concluir

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que, a tortura é o crime mais cruel e bárbaro contra a pessoa humana.

A complexidade do período militar também se mostra no campo econômico. A partir

de 1968, exatamente o ano em que a repressão se tornou mais intensa, a taxa de crescimento

subiu rapidamente e ultrapassou a do período de Kubitschek, mantendo-se em torno de 10%

até 1976, com máximo de 13,6% em 1973, em pleno governo Médici. Foi a época em que se

falou no “milagre econômico” brasileiro. A partir de 1977, o crescimento começou a cair.

Apesar da queda de crescimento ao final, a coincidência do período de maior repressão com o

de maior crescimento econômico era perturbadora. “O governo Médici exibiu esse aspecto

contraditório: ao mesmo tempo que reprimia ferozmente a oposição, apresentava-se como

fase de euforia econômica perante o resto da população” (CARVALHO, 2003, p. 168).

O crescimento econômico se manteve ao longo dos dois primeiros anos do governo

do presidente Ernesto Geisel. Ao assumir a presidência, em 1974, Geisel deu indicações de

que estava disposto a promover um lento retorno à democracia. O processo de “abertura

política” iniciou-se, então, com diminuição das restrições à propaganda eleitoral, e deu grande

passo em 1978, com a revogação do AI-5, o fim da censura prévia e a volta dos primeiros

exilados políticos.

Elio Gaspari parece ter sua análise do período militar grandemente influenciada pela

proximidade com Ernesto Geisel e Golbery de Couto e Silva. Como resultado, suaviza

eventos e fatos (torturas, desaparecimentos, mortes, etc.) ocorridos durante o governo Geisel,

em nome de suposta “abertura democrática”. Elio Gaspari observa que:

Desde 1968, quando através da vigência do AI-5, o Brasil entrara no mais

longo período ditatorial de sua história, dois presidentes prometeram

restaurar as franquias democráticas. Geisel, o único a não fazer essa

promessa, acabou com a ditadura. Entre 1974, ao assumir o governo, e 1979,

ao deixá-lo, transformou uma Presidência inerte, entregue a colegiado de

superministros, num governo imperial. Converteu uma ditadura amorfa,

sujeita a períodos de anarquia militar, num regime de poder pessoal, e quando

consolidou esse poder – processo que culmina no dia 12 de outubro de 1977

– desmantelou o regime. Quando assumiu, havia uma ditadura sem ditador.

No fim de seu governo, havia um ditador sem ditadura. No dia 31 de

dezembro de 1978, 74 dias antes da conclusão de seu mandato, acabou-se o

Ato Institucional nº5, o instrumento parajurídico que vigorara por dez anos,

por meio do qual o presidente podia fechar o Congresso, cassar mandatos

parlamentares e governar por decretos uma sociedade onde não havia direito

a habeas corpus em casos de crimes contra a segurança nacional. Antes,

acabara com a censura à imprensa e com a tortura de presos políticos, pilares

do regime desde 1968 (GASPARI, 2002a, p. 35-36).

Elio Gaspari produz síntese dos 21 anos do ciclo militar, para quem sucederam-se

períodos de maior ou menor racionalidade no trato das questões políticas:

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Foram duas décadas de avanços e recuos. De 1964 a 1967 o presidente

Castello Branco procurou exercer uma ditadura temporária. De 1967 a 1968 o

marechal Costa e Silva tentou governar dentro de sistema constitucional, e de

1968 a 1974 o país esteve sob regime escancaradamente ditatorial. De 1974 a

1979, debaixo da mesma ditadura, dela começou-se a sair. Em todas as fases

o melhor termômetro da situação do país foi a medida da prática da tortura

pelo Estado (GASPARI, 2002a, p. 129).

Contudo, no transcurso do ano de 1977, o aparelho repressivo dava clara mostra de

que se encontrava fora do controle governamental. O jornal Em Tempo relata a situação que se

instalou no presídio reservado a presos políticos em Pernambuco: “O isolamento de dois de

seus companheiros condenados à prisão perpétua fez os quinze presos da Ilha de Itamaracá

usarem a greve de fome como arma, uma aliada. Conseguiram repercussão internacional por

suas reivindicações” (EM TEMPO, 1977/1978, p. 3).

Em perspectiva de política internacional de Direitos Humanos, Em Tempo publica

matéria sob o título “Amaciando o porrete”, na qual assegura que:

Não está nada fácil para Jimmy Carter manter sua política de Direitos

Humanos na América Latina e ao mesmo tempo evitar suas consequências

naturais - menos lucros para as grandes empresas multinacionais. Apoio

material e também político e ideológico [dos EUA] legitimava a utilização de

quaisquer meios - entre os quais a sistemática violação dos Direitos Humanos

- em nome do „combate ao avanço do comunismo internacional‟. Em duas

palavras: „segurança e desenvolvimento (EM TEMPO, 1977, p. 2).

Em 1978, AI-5 ainda gozava de muita força institucional. Em janeiro, o Centro de

Defesa dos Direitos Humanos da Paraíba denunciava violação de Direitos Humanos e

invocava a Declaração Universal. Alegava ter atendido “quase 10.000 pessoas que tiveram

direitos violados”. O Centro apresentou ao governo e à sociedade brasileira lista protocolada

com dezenas de itens em denúncias, das quais destacamos: “a existência de quase 5.000

brasileiros exilados, e impedidos de voltar ao Brasil; as torturas, os maus-tratos, as condições

desumanas a que são submetidos os detidos, presos e condenados por crimes políticos e

comuns; a existência de 300 presos políticos no Brasil; a violência e as arbitrariedades da

polícia em nosso Estado [Paraíba] e os espancamentos de presos e os assassinatos” (EM

TEMPO, 1978a, p. 11). Quatro meses depois, dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Felix do

Araguaia, declara: “As aberturas democráticas são apenas um verniz. Ou é democracia ou não

é. Ou é transformação das estruturas ou não é. Não podemos esquecer as torturas e o controle

da imprensa” (EM TEMPO, 1978c, p. 3).

De acordo com Elio Gaspari, “o Sacerdote e o Feiticeiro acreditavam no Brasil e

nele mandaram como poucas pessoas o fizeram. Suas trajetórias ensinam como é fácil chegar

a uma ditadura e como é difícil sair dela”. E acrescenta: “Geisel emerge como o único general

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a defender a tortura: „Acho que a tortura em certos casos torna-se necessária, para obter

confissões‟” (GASPARI, 2002a, p. 37). Salvo na Alemanha hitlerista e na União Soviética dos

expurgos de Stalin, todas as ditaduras que sancionaram a tortura negaram sua existência

(GASPARI, 2002b, p. 20)

Com a pretensão de confiscar bens de indivíduos corruptos, o AI-5 pretendeu obter a

simpatia da opinião pública. Esta, como é natural, reprova a corrupção (HERKENHOFF,

2002, p. 79). Mas esse poder discriminatório não foi, de forma alguma, utilizado para

realmente combater a corrupção. Foram atingidos alguns desafetos do regime, enquanto

muitos outros ficaram a salvo. Assim, nega o Art. 18 da Declaração Universal: “Ninguém será

arbitrariamente privado de sua propriedade”.

Entretanto, desde fevereiro de 1978, começam a proliferar, em todo o país, “Comitês

Brasileiros pela Anistia (CBAs) que lançam campanha por Anistia ampla e irrestrita,

defendem os presos políticos que reagem às duras condições carcerárias com repetidas greves

de fome, e ainda sistematizam denúncias sobre torturas, assassinatos e desaparecidos

políticos” (BRASIL: NUNCA MAIS, 1985, p. 67).

Em 13 de dezembro de 1978, o Congresso votou o fim do AI-5, o fim da censura

prévia no rádio e na televisão, e o restabelecimento do hábeas corpus para crimes políticos. O

governo ainda atenuou a Lei de Segurança Nacional e permitiu o regresso de 120 exilados

políticos (CARVALHO, 2003, p. 175). O jornal Em Tempo publica: “Iramaia Benjamim, do

CBA-Rio, voltou da Europa e está convicta que os exilados sem processos políticos devem

voltar para abrir maior espaço democrático na nossa sociedade” (EM TEMPO, 1978d, p. 6).

Em suma, o período de vigência do AI-5 caracterizou-se pela instabilidade política e

restrições das liberdades e direitos civis e políticos, e pelo aprofundamento da desigualdade

social resultante de crescimento econômico baseado na captação de empréstimos externos

orientados para os setores produtivos (industriais) e financeiros (bancos). Além disso, o

regime do AI-5 não se coaduna com a vigência dos Direitos Humanos, como definidos pela

Declaração Universal.

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166

5. A TRANSNACIONALIZAÇÃO DAS DEMANDAS DA SOCIEDADE BRASILEIRA

POR MEIO DOS PRONUNCIAMENTOS DE DOM HELDER CAMARA NO

EXTERIOR.

5.1 A NECESSIDADE DE REFORMAS ESTRUTURAIS

O objetivo do capítulo consiste em identificar e analisar as principais demandas da

sociedade brasileira transnacionalizadas por dom Helder Camara, através de seus

pronunciamentos no exterior, durante a vigência do Ato Institucional nº 5 (AI-5, 1968-1978).

Por demandas transnacionalizadas, entende-se os elementos que se constituem em desafios

cruciais à sociedade brasileira, expostos em arena política internacional. Por

transnacionalização de demandas, entende-se a transposição de fronteiras de demandas

próprias da agenda política doméstica.

Entre as questões de maior relevância para a sociedade brasileira transnacionalizadas

por meio dos pronunciamentos de dom Helder encontram-se: a necessidade de reformas

estruturais; o combate ao colonialismo interno e externo; o desenvolvimento humano e

econômico; a ordem social vigente denunciada como “desordem estabelecida” ou “injustiça

estratificada ou institucionalizada”; a promoção da justiça como condição sine quo non para a

paz; a defesa dos direitos humanos e o “movimento de não-violência” ou da “violência dos

pacíficos”, a ser mobilizado em favor da mudança de estruturas.

A necessidade de reformas estruturais constitui-se, para dom Helder, na principal

demanda da sociedade brasileira, e a ser realizada também na arena política regional e

internacional. Todas as outras demandas decorrem dessa urgência em se mudar estruturas

sociais, econômicas, políticas, culturais e religiosas. A mudança de estruturas não se

reivindica apenas no âmbito da política doméstica, mas amplia-se ao regional, até atingir o

sistema internacional. Trata-se de mudanças que se constroem desde o espaço político local,

no qual se pressupõe maior participação política dos cidadãos.

A propósito das reformas de estruturas em âmbito doméstico, dom Helder Camara,

em discurso na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1969, alude às últimas

medidas do governo [Costa e Silva] supostamente em favor das reformas de base. O cenário

político das possíveis reformas é assim descrito:

O governo sabe que lançou mão de poderes especialíssimos [AI-5] e há de

reconhecer o desgaste perante a opinião pública democrática mundial do mais

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terrível dos controles sobre a Imprensa. As medidas de exceção foram

adotadas, sobretudo, para tornar possíveis as Reformas de base? O governo

deu a entender que sim, ao alegar que o Legislativo lhe negava os

instrumentos indispensáveis à concretização das Reformas. Do lado de quem

conduzir a Reforma Agrária vai ser necessário muito sangue frio, muito

equilíbrio. Firmeza não deverá significar violência. Segurança não deverá ser

sinônimo de arbitrariedade. Pessoalmente, não vejo como possamos

prescindir da Imprensa e do Congresso (CAMARA, 1969c, p. 2; p. 4).

Na Igreja Católica da América Latina, ainda que não de modo homogêneo, assiste-se

a mudança de comportamento no trato das questões sociais. A questão agrária41

, que, durante

os anos 1950, dava a entender restringir-se à problemática de política doméstica, nas décadas

seguintes é inserida na agenda de política regional da Instituição. O postulado da reforma

agrária fora de tal forma politizado que a demanda transpôs as fronteiras do país.

Antes mesmo da II Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe,

em Medellín, na Colômbia, em 1968, o Conselho Episcopal Latinoamericano e do Caribe

(CELAM) advertiu que reformas básicas se faziam necessárias ao processo de socialização42

da produção e das riquezas. Elabora-se o argumento nos seguintes termos:

O processo de socialização, a necessidade de ordenar produção dinâmica e

distribuição justa nesta nova conjuntura, obrigam a rever a fundo a estrutura

de Associação e a do Estado. Nos quadros das reformas estruturais exigidas

pelas populações latinoamericanas tem fundamental importância a Reforma

Agrária. Incumbe também à Igreja esforçar-se para que se realizem

programas de Reforma Agrária autêntica. Tal esforço há de concretizar-se,

entre outras formas, pela formação de pessoal dos que vão receber e utilizar

as terras (por exemplo, através de cooperativas), levando-se em consideração

as condições peculiares de cada país (CELAM, 1966, p, 16-19).

No contexto dos estudos preparatórios para a II Conferência Geral do Episcopado

Latinoamericano e do Caribe, os Presidentes de Comissões publicaram documento sob título

América Latina: Ação e Pastoral Sociais43

, no qual reafirmam a necessidade premente de

reformas estruturais, entre as quais figura a reforma agrária. A reforma agrária, em última

instância, atuaria como instrumento de inserção dos marginalizados rurais na vida sócio-

político-econômica do país. Acerca do impacto das reformas, o documento postula que:

41

A Igreja Católica na América Latina aborda a questão da reforma agrária como condição para o

desenvolvimento integral dos grupos e povos (camponeses e indígenas) do país e da Região. A questão agrária,

como demanda regional, aparece nos documentos a partir de CELAM, 1966, p. 18-19; CELAM, 1968a, p. 52;

CELAM, 1968b, p. 30; CELAM, 1968c, p. 31-34.

42 O conceito de socialização foi formulado por João XXIII, em sua Encíclica, Mater et Magristra, 1961, n 62. A

Igreja, ao perceber as contradições dos sistemas capitalista e socialista, propõe a socialização (dos meios de

produção e das riquezas) como conceito alternativo. Embora a escolha do termo despertasse rumores mesmo

entre católicos, pois se aproximava do termo socialismo, a Igreja não se preocupou em diferenciá-lo deste, nem

de apresentar suas principais características.

43 O documento do CELAM é conhecido também pelo nome de Conclusões do Encontro de Presidentes de

Comissões Episcopais de Ação Social. O encontro realizou-se em Salvador – BA, entre os dias 12-19/05/1968.

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A reforma agrária é precisamente uma das reformas que permitiria aos

“fracos e pobres” participar mais plenamente da vida econômico-social. Por

isso esta concepção contém, ao menos em germe, espírito revolucionário,

pois está orientada não apenas para a melhoria da produção agrícola, mas

para uma distribuição da terra e sobretudo do poder econômico, social e

político em favor das classes camponesas marginalizadas da vida moderna.

(CELAM, 1968c, p. 32)

O imperativo da mudança de estruturas44

(injustas e de opressão) não se constitui

exigência exclusiva dos países subdesenvolvidos. O esforço para a mudança de estruturas não

deve se limitar a mera reformas superficiais das estruturas vigentes. Em palavras do próprio

dom Helder, encontramos o seguinte argumento:

No mundo subdesenvolvido, esta verdade parece uma evidência. Se se olha o

mundo subdesenvolvido, de qualquer ângulo – econômico, científico,

político, social, religioso – chega-se a compreender que uma revisão sumária,

superficial, não bastará, de modo algum. Deve-se ter em vista revisão em

profundidade, mudança profunda e rápida – deve-se chegar a uma revolução

estrutural. É menos fácil compreender que o mundo desenvolvido tenha,

também, necessidade de revolução estrutural (CAMARA: 1968b, p. 2-3). A

revolução, de que o mundo precisa, supõe mudança radical das estruturas

econômicas e políticas, mas não haverá revolução estrutural, sem revolução

cultural (CAMARA, 1968c, p. 6)

A mudança de estruturas nos países subdesenvolvidos supõe, indubitavelmente, a

mudança de estruturas nos países desenvolvidos. A partir daí, o desafio é imperioso:

O difícil começa quando se precisa dizer que esta mudança de estruturas nos

países pobres supõe, exige mudanças de estruturas nos países de abundância.

A impressão é de uma exigência absurda, nascida de pessoas frustradas.

Mudar por que, se as estruturas vigentes conduziram os países ricos à sua

prosperidade atual? Que se pense em ajuda, em colaboração, mesmo larga e

generosa, e a compreensão será fácil. Exigir de ir mais longe, é exorbitar,

criar inutilmente irritações, comprazer-se no insucesso (CAMARA, 1971e,

p. 5).

De acordo com dom Helder, quando se comparam as ajudas recebidas pelos países

subdesenvolvidos45

com as perdas sofridas por eles em consequência da deteriorização dos

44

A necessidade de mudança (ou conversão) das estruturas (injustas ou de opressão) tanto nos países

subdesenvolvidos quanto nos países desenvolvidos encontra-se, entre os inúmeros pronunciamentos, abordada

em: CAMARA, 1968a, p. 4 e 5; CAMARA, 1968c, p. 3, 6 e 7; CAMARA, 1969e, p. 3 e 4; CAMARA, 1970f, p.

5; CAMARA, 1970g, p. 2 e 4; CAMARA, 1971a, p. 7; CAMARA, 1971d, p. 4; CAMARA, 1972d, p. 1;

CAMARA, 1972j, p. 5 e 6; CAMARA, 1973f, p. 4; CAMARA, 1975a, p. 10; CAMARA, 1975j, p. 3 e 5;

CAMARA, 1975r, p. 3; CAMARA, 1976c, p. 2; CARAMA, 1976d, p. 4; CAMARA, 1977a, p. 5; CAMARA,

1977b, p. 3; CAMARA, 1977c, p. 3 e 4; CAMARA, 1977j, p. 1. Para outras referências, consultar ANEXO A.

45 As ajudas dos países ricos ao Terceiro Mundo são consideradas necessárias, porém, insuficientes. Além disso,

constata-se que tais “ajudas são feitas ao preço de injustiças terríveis” ou à custa do agravamento da miséria

imposto pela política internacional do comércio. Sobre as ajudas e as injustiças sustentadas pelos países ricos

contra os países pobres consulta-se ainda, entre outros: CAMARA, 1969b, p. 3; CAMARA, 1969d, p. 3;

CAMARA, 1970g, p. 3; CAMARA, 1971d, p. 3; CAMARA, 1972b, p. 1; CAMARA, 1972c, p. 3; CAMARA,

1972h, p. 2; CAMARA, 1972j, p. 5; CAMARA, 1972l, p. 1; CAMARA, 1973g, p. 4; CAMARA, 1975a, p. 3 e

4; CAMARA, 1976e, p. 4; CAMARA, 1977a, p. 5. Para outras referências, consultar ANEXO A.

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preços de suas matérias-primas compreende-se que, de fato, a injustiça assumiu dimensões

planetárias. O problema então não é de ajuda, mas de justiça. Ora, “como a justiça é o

fundamento indispensável da paz, injustiças internacionais põem em perigo constante e

crescente a paz no mundo” (CAMARA, 1968e, p. 2).

As superpotências, USA e URSS, condicionam a arrancada dos países

subdesenvolvidos rumo ao desenvolvimento a ajuda financeira e a transferência de tecnologia.

Quanto ao posicionamento dos governos latinoamericanos, dom Helder observa que:

“receosos de perder os dólares largamente anunciados e parcamente entregues, há governos

que se contentam em promulgar leis de reformas de base e em criar vários órgãos para aplicá-

las, deixando tudo, no entanto, cuidadosamente no papel” (CAMARA, 1968c, p. 3). A

estratégia sensata dos países pequenos e fracos não deveria girar em torno de supostas ajudas

a receber, mas exercer pressão contra os “gigantes de pés de barro”, exigindo “revisão da

política internacional do comércio”46

(CAMARA, 1970f, p. 5), elaborada pelos países ricos,

responsável por estipular o preço tanto das matérias-primas (dos países pobres) quanto dos

produtos industrializados (dos países ricos). A manutenção desse monopólio perpetua a

injustiça internacional geradora de violência e de guerras.

A mudança das estruturas em âmbito nacional e internacional tem, como resultado

previsível, o resgate da dignidade humana de “mais de 2/3 da humanidade em situação

subumana”47

. Os países ricos baseiam a própria riqueza em injustiças institucionalizadas. “Os

ricos, dos países desenvolvidos, e mesmo os ricos dos países pobres, ignoram

conscientemente a exploração de concidadãos, submetidos à vida de miséria e pobreza”

(CAMARA, 1977d, p. 3). A manutenção do status quo geralmente se sustenta mediante

46

A política internacional do comércio - monopolizada, inicialmente, pelos antigos trusts, e, mais recentemente,

pelas multinacionais ou transnacionais, com cede nos países desenvolvidos -, é responsabilizada por dom Helder

pela prática do Colonialismo externo, enquanto política dos grandes impérios, e pela manutenção de injustiças

entre países e mesmo entre Continentes. Pode-se encontrar referência a essa expressão em: CAMARA, 1970r, p.

2 e 3; CAMARA, 1970s, p. 1 e 4; CAMARA, 1971c, p. 5; CAMARA, 1971d, p. 3 e 4; CAMARA, 1971f, p. 1, 7

e 8; CAMARA, 1971g, p. 3; CAMARA, 1972a, p. 3; CAMARA, 1972b, p. 2; CAMARA, 1972g, p. 4-6;

CAMARA, 1972h, p. 4; CAMARA, 1972m, p. 1; CAMARA, 1973b, p. 1-6; CAMARA, 1973e, p. 4;

CAMARA, 1973h, p. 4; CAMARA, 1973h, p. 5; CAMARA, 1973l, p. 4; CAMARA, 1973m, p. 3; CAMARA,

1974a, p. 4; CAMARA, 1974d, p. 4; CAMARA, 1974e, p. 3; CAMARA, 1974f, p. 2; CAMARA, 1975a, p. 4 e

6; CAMARA, 1975c, p. 4; CAMARA, 1975g, p. 4 e 5; CAMARA, 1976c, p. 2 e 3; CAMARA, 1977d, p. 3;

CAMARA, 1977n, p. 1. Para outras referências, consultar ANEXO A.

47 Sobre a condição de “mais de 2/3 de homens sub-humanizados pela miséria e pela fome”, há inúmeros relatos.

Os mais esclarecedores encontram-se em: CAMARA, 1970i, p. 3; CAMARA, 1970p, p. 2 e 4; CAMARA,

1970s, p. 5 e 7; CAMARA, 1971d, p. 3; CAMARA, 1971f, p. 7; CAMARA, 1972c, p.3; CAMARA, 1972j, p. 2

e 6; CAMARA, 1973b, p. 3; CAMARA, 1973e, p. 6; CAMARA, 1973j, p. 4 e 5; CAMARA, 1974a, p.3-6;

CAMARA, 1974d, p. 3; CAMARA, 1974j, p. 4 e 5; CAMARA, 1975b, p. 2, 3 e 4; CAMARA, 1975e, p. 3;

CAMARA, 1974c, p. 3; CAMARA, 1975f, p. 3; CAMARA, 1975r, p. 2 e 4; CAMARA, 1976e, p. 3; CAMARA,

1977a, p. 3 e 5; CAMARA, 1977c, p. 2; CAMARA, 1978b, p. 4. Para outras referências, consultar ANEXO A.

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política repressiva de governos autoritários e antidemocráticos sob “pretexto de perigo

comunista” (CAMARA, 1972c, p3). A revisão de “conceitos equivocados [tais como:

superprodução ou subconsumo, explosão demográfica, livre comércio], de consequências

desastrosas para mais de 2/3 da humanidade” (CAMARA, 1974a, p. 4), evidenciaria as

injustiças da política internacional do comércio e, no plano doméstico, a má distribuição de

renda dentro dos próprios países.

Os países pequenos ou fracos, sempre que forçam revisão de comportamento dos

países ricos e fortes, inegavelmente, encontram-se sujeitos a sanções ou a retaliações.

Entretanto, quando tais países ousam recorrer aos mesmos métodos de defesa de seus

interesses econômicos, através de novos cartéis, contra o cartel estabelecido pelas potências

são responsabilizados pela ameaça à ordem mundial e à estabilidade do sistema financeiro

mundial.

A atuação da OPEP, em 1973, encerra grandes surpresas pelo seu ineditismo nos

tempos modernos. Nações islâmicas (Argélia, Arábia Saudita, Irã, Líbia, Síria, Iraque, Egito,)

uniram-se a países da América Latina, como a Venezuela, e da África. O ineditismo estava em

“terem conseguido superar tantas diferenças culturais, religiosas, interesses econômicos

particulares” (CAMARA, 1975a, p. 5-9), em vista de questão global: redefinir o preço do

petróleo no mercado internacional. Pela primeira vez, em muitos séculos, o núcleo do poder

econômico se vê seriamente ameaçado. A crise que deveria atingir apenas o sistema

econômico, certamente levou a crise de identidade no Atlântico Norte, convicto de seu direito

de dominar as outras Nações por tempo indeterminado.

O consenso a ser construído pelos Estados-Nações em torno de uma demanda, que

atenda aos interesses de todos os envolvidos, mostra-se deveras difícil. Os acordos de

cooperação bilaterais, em geral, participam da edificação desse cenário. Alguns especialistas

em relações internacionais (Keohane e Nye), em divergência com os teóricos do realismo

clássico, afirmam que Estados tendem a cooperação em diversos setores de sua gestão; e

cooperam mesmo em área sensível como a Segurança Nacional, como demonstração de que é

possível superar os seus interesses egoístas. A experiência da OPEP indica que tal consenso

pode ser construído. Contudo, no plano das iniciativas particulares, “acontece que quando, em

um país qualquer da América Latina, alguém se decide a empreender, de verdade, a mudança

de estruturas, as minorias privilegiadas gritam que se trata de subversão da ordem social e de

comunismo” (CAMARA, 1969b, p. 5).

A mudança das estruturas sócio-econômicas e político-culturais no Brasil e na

América Latina “só poderá ser feita sem violência, se houver clima para uma democrática,

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equilibrada e firme pressão moral libertadora”48

(CAMARA, 1969c, p. 6). A pressão moral

libertadora tal como compreendida por dom Helder goza de força capaz de revolver,

pacificamente, as estruturas de opressão e de injustiças, e tem sua origem na mobilização das

“Minorias Abraâmicas”49

, pessoas espalhadas por todo o mundo, amantes da justiça.

No plano regional, a mudança de estruturas implica novo posicionamento da Igreja

perante as questões sociais e políticas. Então, convém que se pergunte: que parcela de

responsabilidade compete ao povo latinoamericano e, em particular, aos cristãos do

Continente?

Somos a parte cristã do Terceiro Mundo. Que triste testemunho para os

nossos Irmãos não-cristãos do Terceiro Mundo apresentar nosso Continente

Cristão com mais de 2/3 de população em situação sub-humana. O fato é que

nos preocupamos, de tal sorte, com a manutenção da ordem social que nem

percebemos que ela era muito mais desordem estratificada. (CAMARA,

1971f, p. 2-3).

Nesse caso, as disputas internas à própria Igreja precisam ser amenizadas, em prol da

implementação de ação em conjunto:

Se quisermos evitar que o chamado Continente Cristão se entregue à

radicalização e à violência, caia no caos, temos que nos unir – cristãos de

todas as denominações, homens de boa vontade mesmo não-cristãos e até não

religiosos – para tentar chegar a tempo. Se todos clamarmos por reformas

estruturais, pelo fim da escravidão, pelo fim das condições sub-humanas, pela

promoção humana dos miseráveis, os privilegiados e as autoridades não terão

condições de dizer que nos tornamos comunistas e subversivos (CAMARA,

1971f, p. 4).

Na década de 1970, os observadores mais críticos, de dentro ou de fora da Igreja,

perceberam sabiamente (e defenderam pública e corajosamente) mudança de estrutura da

Igreja. O problema é tentar desfazer-se de sobrecarga, de instâncias apodrecidas a substituir,

ou ainda de mudar toda a estrutura. Alegavam continuamente que: “se a Igreja não tiver

coragem de tocar nas próprias estruturas, lhe faltará força moral de criticar estruturas da

48

A expressão “pressão moral libertadora” é usada isolada ou conjuntamente com a expressão “força moral”,

entendidas como instrumento capaz de constranger os países ricos e, por conseguinte, forçar mudança de

estruturas. Encontram-se essas expressões nos seguintes pronunciamentos: CAMARA, 1968a, p. 4; CAMARA,

1970f, p. 6; CAMARA, 1973j, p.7; CAMARA, 1973n, p. 1-7; CAMARA, 1974a, p. 5; CAMARA, 1974d, p. 5;

CAMARA, 1975a, p.10; CAMARA, 1975s, p. 4; CAMARA, 1977d, p. 3.

49 A expressão “Minorias Abraâmicas” é usada por dom Helder Camara para definir pessoas ou pequenos grupos

de pessoas, espalhadas por todo o mundo, porém, carente de organização para empreender força similar à da

bomba atômica contra os promotores de violência, guerras e injustiças, através de movimento de pressão moral

libertadora. A referida expressão aparece ainda em: CAMARA, 1970g, p. 1-2; CAMARA, 1971a, p. 6;

CAMARA, 1971b, p. 5; CAMARA, 1971c, p. 9 e 1º; CAMARA, 1971e, p.6; CAMARA, 1971h, p. 3;

CAMARA, 1972a, p. 5; CAMARA, 1972e, p. 3; CAMARA, 1972f, p. 5 e 6; CAMARA, 1972j, p. 5; CAMARA,

1974f, p. 1; CAMARA, 1975f, p. 5; CAMARA, 1975i, p. 5-7; CAMARA, 1975p, p. 4 e 5; CAMARA, 1975s, p.

4 e 5; CAMARA, 1976b, p. 5; CAMARA, 1976e, p. 4. Para outras referências, consultar ANEXO A.

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sociedade” (CAMARA, 1972f, p. 1-2). Dom Helder acrescenta: “o que é mais grave é que se

tem a impressão de sabotagem ao Concílio Ecumênico Vaticano II, partindo de onde pareceria

absurdo que ela pudesse surgir”50

Não é radicalizando, extremando, rompendo, que iremos conseguir mudar o que deve

ser mudado nas estruturas da Igreja (CAMARA, 1972d, p. 2). A possível mudança de

estrutura poderia partir da “Comunidade de Base51

”, onde todos conhecem a todos. Em

palavras do próprio dom Helder: “as Minorias Abraâmicas sentem, pressentem que o segredo

para a mudança das estruturas da Igreja está em Comunidades de Base, que tentam concretizar

os grandes textos52

e as belas conclusões do Vaticano II” (CAMARA, 1972f, p. 5).

5.2 O COMBATE AO COLONIALISMO INTERNO E EXTERNO

O colonialismo, clássico ou moderno, constitui-se em questão da sociedade brasileira

transnacionalizada por dom Helder, como um dos principais entraves ao desenvolvimento, em

termos de desenvolvimento humano, de crescimento econômico e de evolução cultural.

O fenômeno do colonialismo tal como compreendido por dom Helder existe na

relação entre as regiões do mesmo país, entre países da mesma região e até mesmo entre

continentes. Assim, o colonialismo interno53, como denunciado por dom Helder, expande seus

tentáculos para além das fronteiras do país, em razão do vínculo estabelecido entre as elites

dos diferentes países. O colonialismo é o grande inimigo da liberdade. A princípio, “sem

justiça e liberdade para todos, arranje-se outro nome, mas impossível falar em

desenvolvimento” (CAMARA, 1975i, p. 6).

50

Ao colocar a questão da reforma da Cúria Romana, “pessoas dão a impressão de não entender o espírito do

Vaticano II, de temer o Concílio e, na prática, não raro, sabotá-lo” (CAMARA, 1972f, p. 5).

51 A “Comunidade de Base”, além de ser apontada por dom Helder como possível agente da mudança das

estruturas, também é percebida como “a grande esperança da Igreja”: CAMARA, 1972f, p. 2; CAMARA, 1973c,

p. 5; CAMARA, 1975e, p. CAMARA, 1975l, p. 3; CAMARA, 1975p, p. 4; CAMARA, 1976d, p. 5; CAMARA,

1976e, p. 5 e 6; CAMARA, 1977c, p. 4; CAMARA, 1977e, p. 2; CAMARA, 1977j, p. 3.

52 Os “grandes textos” aqui não são os “livros sagrados” nem os documentos dos “Padres da Igreja”, mas as

Encíclicas “Mater et Magistra” (1961), “Pacem in Terris” (1963) e “Populorum Progressio” (1967).

53 A expressão colonialismo interno geralmente aparece, nos textos de dom Helder, relacionada com a expressão

de colonialismo externo ou neocolonialismo, pois são considerados a partir de problemas conjugados. Entre as

inúmeras referências selecionamos as seguintes: CAMARA, 1968b, p. 2; CAMARA, 1969a, p. 2; CAMARA,

1969d, p, 2; CAMARA, 1969e, p. 1 e 2; CAMARA, 1970a, p. 2; CAMARA, 1970e, p. 1; CAMARA, 1971a, p.

3 CAMARA, 1971e, p. 1; CAMARA, 1972a, 4 e 5; CAMARA, 1972g, p. 5; CAMARA, 1972i, p. 2; CAMARA,

1973e, p. 4; CAMARA, 1973l, p. 2; CAMARA, 1974h, p. 1; CAMARA, 1975d, p. 2; CAMARA, 1975j, p. 2;

CAMARA, 1976d, p.3; CAMARA, 1977a, p. 5; CAMARA, 1977h, p.3. Para outras referências, consultar

ANEXO A.

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173

Em contrapartida, o colonialismo externo, dos trusts internacionais54

e,

posteriormente, das empresas multinacionais, expande seus tentáculos na direção dos países,

em geral, produtores de matérias-primas e consumidores de produtos industrializados. As

multinacionais, em virtude de suas próprias características, colonializam países, regiões,

continentes inteiros.

O colonialismo se estabelece por meio de práticas profundamente enraigadas na

cultura dos povos dominantes e dominados. Aos povos dominantes, a convicção do absoluto e

eterno direito de expansão ou, pelo menos, da manutenção de suas riquezas, não se

importando com o custo da exploração. Aos povos explorados, a sensação de ser esta a ordem

do mundo, em alguns casos, de ser esta a “ordem querida por Deus”. Quando emerge entre os

povos colonizados o anseio de liberdade, a reação imediata dos grupos dominantes

caracteriza-se por combate ideológico ou conflito armado para a manutenção da “ordem”.

O colonialismo, em qualquer de suas vertentes, traduz-se em exploração de pessoas,

grupos, povos, sociedades, países, continentes. O pensamento de dom Helder pode nos

oferecer o escopo do fenômeno:

Há o fenômeno chamado colonialismo interno: em regiões subdesenvolvidas,

em áreas de miséria há privilegiados55

cuja fortuna é mantida à custa da

miséria de milhões (CAMARA, 1968a, p. 2). Latifundiários mantêm

inexplorada a maior parte de suas terras. Permitem que nelas morem e

trabalhem famílias pobres. Mas, para que não adquiram direitos, são

mantidas, cuidadosamente, em casebres infectados e trabalham em regime

patriarcal, sem lei nenhuma que os ampare. Indiscutível situação infra-

humana (CAMARA, 1968d, p. 2).

O colonialismo interno não é fenômeno abordado por dom Helder como problema

estritamente de política doméstica. É problema de fato a ser combatido desde a política

doméstica, porém, o enfrentamento dessa prática não se limita apenas a iniciativas esboçadas

no interior das fronteiras de um determinado Estado. Os trusts internacionais entrelaçam

empresas de diversos ramos por diversos países e, além de darem origem às grandes empresas

transnacionais, promovem o surgimento de problemas igualmente transnacionais. Aos trusts

são atribuídas as mais profundas estruturas de injustiças internacionais.

54

Sobre o processo de implantação, funcionamento e expansão dos trusts internacionais em direção aos países

subdesenvolvidos ainda se pode recorrer, entre outros, aos seguintes discursos: CAMARA, 1970a, p. 4;

CAMARA, 1971d, p. 2; CAMARA, 1971g, p. 3; CAMARA, 1971h, p. 2. CAMARA, 1972a, p. 5; CAMARA,

1972d, p. 4; CAMARA, 1972g, p. 1; CAMARA, 1972j, p. 2; CAMARA, 1973f, p. 2; CAMARA, 1974a, p. 2.

Desde então, o termo “Trusts”, nos discursos de dom Helder, cedeu lugar aos conceitos de empresas

“plurinacionais”, “multinacionais” e “transnacionais”, respectivamente.

55 Atualmente, preferimos o termo “elites” [nacionais ou internacionais] para caracterizar os grupos dominantes

das várias dimensões da sociedade brasileira e/ou mundial. O termo usado por dom Helder, não raramente com

conotação pejorativa, é o de “privilegiados”.

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174

Não há país nenhum no mundo que não tenha suas áreas-problemas; suas zonas

subdesenvolvidas e a presença, a seu modo, da pobreza, da miséria (CAMARA, 1972a, p. 3).

O colonialismo interno é violência instalada (CAMARA, 1969e, p, 1-2). Trata-se de violência

que, talvez, se ignore, mas que, de fato, mantém, em situação infra-humana, uma porção

imensa da população. Mais do que isso, dom Helder compreende a miséria como violência

superior à da guerra. “A miséria e a fome matam mais do que as guerras mais sangrentas. E

faz pior do que matar: a fome deforma fisicamente, cria débeis mentais, dá lugar a um espírito

de subserviência, mendicância e fatalismo” (CAMARA, 1970e, p. 1).

Mas, “se um país do Terceiro Mundo tem a audácia de expropriar, mesmo pagando,

empresas capitalistas” (CAMARA, 1972g, p. 5) se lhe impõem retaliações de diversa ordem.

Quanto à liberdade de imprensa, nas áreas controladas pelos impérios capitalistas, preserva-se

no quadro dos interesses dos grupos dominantes. A liberdade religiosa nos países capitalistas

existe na medida em que a religião, preocupada em manter a ordem social e a autoridade,

defende a situação existente. Se, em consciência, denuncia injustiças e estruturas de opressão,

a religião é tida como perigosa, subversiva e comunista; a religião é convidada a ficar na

sacristia, a limitar-se ao culto, e a fazer evangelização sem intrometer-se em problemas

sociais (Cf. CAMARA, 1972g, p. 5-6).

Nos países ricos, é difícil entender e acreditar que a miséria dos países pobres tenha,

como causa principal, a exploração por parte das superpotências capitalistas. “Os jovens dos

países ricos começam a entender que a riqueza crescente dos seus países se alimenta,

sobretudo, das injustiças da política internacional do comércio, com os países pobres”. Ainda

de acordo com dom Helder, “acabou-se o Colonialismo político, o que torna ainda mais

absurdo e revoltante o remanescente Colonialismo político português. Mas, se terminou o

Colonialismo político, continua o Colonialismo econômico” (CAMARA, 1972g, p. 5).

Ao analisar o contexto sócio-político-econômico latinoamericano, dom Helder

formula resposta para a seguinte indagação: Há, na América Latina, o contexto propício e as

condições favoráveis para algum tipo de resistência radical contra o colonialismo interno

(comum a todos os países da Região) de efeitos e de conseqüências desumanizadoras? O

resultado da análise de conjuntura regional que nos chega é:

As massas latinoamericanas – mal alimentadas, mal vestidas, sem habitação,

sem mínimo de condições de educação e de trabalho, vivendo uma

religiosidade fatalista e mágica – não tinham sequer condições de rebelar-se.

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Encontram-se incapacitadas para uma resposta autêntica56

. Mas, assim como

os Negros norte-americanos foram impelidos à violência, vive-se, na América

Latina, um clima de pré-revolução, consequência da cegueira e do egoísmo

de Governos e Poderosos (CAMARA, 1968a, p. 2).

O estado de inércia das massas populares pode ser estendido a todo o Terceiro

Mundo. A impotência causada pela miséria não se restringe à realidade da América Latina.

Assim, pode-se observar que:

No Terceiro Mundo, as massas, esmagadas pelo colonialismo interno e pelo

neocolonialismo, caíram no fatalismo, na falta de esperança, no medo. Não

são capazes, por enquanto, de entender, de modo total, o dom divino da

liberdade. Acham-se atrofiadas pela miséria e domesticadas pela “cultura do

silêncio”. A liberdade, para elas é ainda desejo vago, informulado. Sem

dúvida, em potencial são verdadeiros homens, mas são homens em cujo seio,

dormem a consciência social e a idéia de liberdade (CAMARA, 1971e, p. 1).

O cristianismo que se propagou na América Latina, desde o início da colonização, no

séc. XIV, é duramente responsabilizado, por dom Helder, pela inércia das massas

marginalizadas no Continente57. Espera-se, no entanto, que o mesmo Cristianismo atue agora

como elemento desencadeador de possíveis reformas de estruturas na Região:

O Cristianismo que difundimos no Continente superestimou a salvaguarda da

ordem estabelecida; insistiu em virtudes como a paciência, a obediência, a

aceitação e a oferta dos sofrimentos (grandes virtudes, sem dúvida, mas que,

isoladas do autêntico contexto cristão, atendeu aos interesses dos donos do

poder). Sentimos que é inadiável que sejamos [nós cristãos] os primeiros a

dar exemplo de libertar-nos das estruturas cuja superação é básica para que

haja, no Continente, desenvolvimento com justiça, isto é, possibilidade de

desenvolvimento autêntico. Quando, na prática, se começa a ver o que

significa livrar-se das estruturas vigentes: abrir mão de privilégios e

vantagens; adotar novo estilo de vida e de pregação; passar a ser incômodo,

mal-julgado, mal-visto ao invés de ser centro de atenções e de prestígio

(CAMARA, 1968a, p. 5).

A insensibilidade das elites dos países pobres perpetua a situação de miséria de

milhares de concidadãos. Embora “os privilegiados” elaborem leis e criem órgãos para

aplicá-las, em tempo oportuno, reagem a qualquer sinal de seus efeitos:

56

As massas da América Latina, e também do Terceiro Mundo, veem-se incapacitadas de qualquer autêntica

resposta em virtude de sua condição de vida, a miséria, que ocupa naturalmente o centro de suas preocupações.

Além disso, pressupõe-se por resposta autêntica capacidade de organização e de mobilização, em termos de

“pressão moral libertadora”, de “violência dos pacíficos”, e jamais em termos de revolução armada, pois dom

Helder se mostra convicto da ineficácia deste recurso.

57 A denúncia da promoção de Cristianismo Passivo aos cristãos com o devido reconhecimento das

consequências de tal opção pode ser encontrada nos seguintes pronunciamentos, entre outros: CAMARA, 1968d,

p. 2 e 4; CAMARA, 1971b, p. 2; CAMARA, 1972c, p. 4; CAMARA, 1973l, p. 3; CAMARA, 1974c, p. 2 e 3;

CAMARA, 1974h, p. 1; CAMARA, 1976d, p. 3, CAMARA, 1977c, p. 5.

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Os privilegiados dos países pobres nem percebem que deixam à margem da

vida econômico-social e político-cultural a maior parte da população do país.

E torna-se impossível qualquer mudança de estrutura. Os privilegiados

aceitam leis de reforma de base e a criação, pelo Governo, de órgãos para

aplicá-las. Só não aceitam que alguém se decida mesmo a levar à prática

qualquer mudança em profundidade. Mudanças, sim, mas prudentes, graduais

(CAMARA, 1970a, p. 2).

As elites locais, nacionais, regionais e continentais reagem naturalmente a qualquer

tentativa de mobilização na direção de mudança de estruturas injustas e, por sua vez, em

defesa da manutenção de seus interesses. Nesse caso, espera-se que:

Quando, em países subdesenvolvidos, surgem movimentos – por mais

democráticos e não-violentos que sejam – dispondo-se a denunciar o

colonialismo interno, a escravidão nacional e a trabalhar pela mudança de

estruturas sócio-econômicas e político-culturais; quando, em países

subdesenvolvidos, surgem movimentos de promoção humana (tentando

ajudar as massas a tornar-se povo), o poderio econômico e os privilegiados

estremecem, pressentindo as consequências deste trabalho a que damos o

nome de conscientização. Somos, então, acusados de subversivos e de

comunistas (CAMARA, 1969e, p. 3).

Ao constatar dramática situação dos pobres nos países sulamericanos, dom Helder

adverte: “não nos cansemos de denunciar que há em nosso Continente o pior dos

Colonialismos: o interno” (CAMARA, 1971b, p. 2). Os Colonialismos (interno ou externo),

através de seus grupos dominantes, resistem a toda e qualquer tentativa de mudança de

estruturas e, por conseguinte, esforçam-se com denodo pela manutenção do status quo. O

combate profundo e irreversível do colonialismo implica em mudança de estruturas, inclusive

com a promulgação de novas leis pelo governo em favor das reformas de base.

O enfrentamento do colonialismo interno e externo conjuga-se com as iniciativas de

mudanças estruturais, mas sobretudo de revisão na política internacional do comércio. Assim,

a superação do colonialismo interno e externo, nesse caso, resulta de transformações de

estruturas de âmbito sistêmico. As medidas de combate ao colonialismo precisam ser de tal

forma abrangentes que atinjam a um só tempo a política doméstica e o sistema político

internacional. A mudança de estruturas realizada em âmbito nacional, de correção de

injustiças entre os concidadãos, precisa ser empreendida também na relação entre os Estados

no sistema internacional.

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177

5.3 A INTEGRAÇÃO REGIONAL E O DESENVOLVIMENTO

5.3.1 A Integração Regional

Os dilemas da integração regional e do desenvolvimento constituem-se em demanda

da sociedade brasileira transnacionalizada por dom Helder, durante a vigência do AI-5. Os

entraves para efetiva integração dos países do Continente sulamericano são compreendidos

por dom Helder como reflexos dos desafios a serem superados na relação entre grupos de

interesses internos a cada país da região (isto é, o colonialismo interno), e do Brasil em

particular, com regiões marcadas por contradições, dificuldades e perspectivas distintas. A

questão do desenvolvimento nacional e regional, no entanto, entende-se como

“desenvolvimento integral e autêntico”58

, e não em termos de mero crescimento econômico.

Integral porque abrangente. Autêntico porque verdadeiro e continuado.

Não compete à Igreja elaborar programa político de governo para o desenvolvimento

de determinado país, região ou continente. Embora não elaborasse projeto específico para o

desenvolvimento e a integração político-econômica dos países sulamericanos, a Igreja

expressa, em diversas ocasiões e por meio de alguns documentos, o interesse em participar do

processo, que, ao término, esperava-se implementar mudanças estruturais profundas e

irreversíveis no Continente. Em palavras do Conselho Episcopal Latinoamericano e do Caribe

(CELAM), verifica-se que:

Aumentam os laços de dependência entre os povos. A integração da América

Latina é um processo em marcha e de caráter irreversível; constitui

instrumento indispensável para o desenvolvimento harmônico da região. A

Igreja pode contribuir [quer comprometer-se] para o ideal de integração. É

necessário elaborar e difundir uma doutrina capaz de orientar o processo da

integração. Como testemunho, integrar a Igreja mesma em seus diferentes

níveis: paroquial, diocesano, nacional e continental. Mais especificamente,

elaborar pastoral de conjunto em nível continental. Por fim, estimular os que

promovem a integração – organizações e instituições (CELAM, 1966, p. 13-

14).

A Igreja latinoamericana, ao menos em documento, não quer apenas manifestar boa

vontade, mas expor seu modo de participação no processo de integração:

58

As expressões “desenvolvimento integral” ou “desenvolvimento integral e autêntico” aparecem ainda nos

seguintes textos: CAMARA, 1968a, p. 4; CAMARA, 1970e, p. 3; CAMARA, 1970t, p. 1; CAMARA, 1971a, p.

2; CAMARA, 1973n, p. 1 e 2; CAMARA, 1975i, p. 1. As referidas expressões aparecem, geralmente,

acompanhadas da ressalva de que tal desenvolvimento não se faça “a preço desumano” ou “à custa de injustiças

terríveis”.

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A Igreja pode desenvolver ação estimulante no processo de integração da

América Latina, especialmente pela instauração de espírito de solidariedade.

Consideram-se como medidas fundamentais: a integração [sócio-econômica]

das populações dentro de cada país; a integração de regiões de países

vizinhos; a promoção de autênticas reformas estruturais; a difusão, através

dos organismos educacionais da Igreja, das idéias de integração e

desenvolvimento; estimular a realização de estudos que mostrem o quadro da

realidade latino-americana; fomentar, pela caridade e solidariedade, maior

aproximação entre os povos e nações e apoiar os organismos que se ocupam

da integração latino-americana (CELAM, 1968c, p. 23-25).

A América Latina deve, em bloco, adotar postura de valorização de suas matérias-

primas. Para tanto, precisa optar por estratégia de cooperação mútua entre os países da região:

Se a América Latina se unisse de verdade, sem ódio a ninguém, mas decidida

a usar a cabeça e a não ser mais idiota; se a América Latina se completasse

como um todo, os países se ajudando mutuamente como irmãos, sem patrões

de fora, nem patrões de dentro, mudaríamos o mapa das operações. Não

faltará quem ria achando que a soma da América Latina seria soma de

miséria. Sem dúvida, temos problemas imensos a enfrentar. Mas no dia em

que decidíssemos que matéria-prima nenhuma partiria daqui sem ao menos

um começo de industrialização, abalaríamos as superpotências, gigantes de

pés de barro. Claro que a política internacional das superpotências faria tudo

para impedir uma verdadeira integração latino-americana, sem imperialismos

externos, nem internos (CAMARA, 1971h, p. 2-3).

Importante é sublinhar que a imposição dos preços sobre matérias-primas é aceita

como normal pelos detentores do poder econômico nos países ricos, quando o cartel atende a

seus interesses. Se a mesma imposição é iniciativa dos países produtores de matérias primas, a

medida é vista com pavor, como ameaça à ordem e à paz no mundo (CAMARA, 1975a, p. 5).

No início da década de 1970, as superpotências (USA e URSS) e as potências médias

ou intermediárias europeias esforçavam-se para cooptar os países de maior influência

regional. A essa estratégia política dom Helder formula o seguinte comentário:

Esperemos que o sentido do ridículo nos salve. Confiemos no bom senso e na

inteligência dos nossos dirigentes. Integração latino-americana todos

desejam. Não faltará quem nos instigue, quem nos provoque e nos leve,

inclusive, a corridas armamentistas, e, se não usarmos a cabeça, a choques e,

quem sabe, a guerras que só serviriam aos grandes (CAMARA, 1971h, p. 2).

Além disso, dom Helder sugere:

Tenho a confiança de sugerir que os Cristãos dos diferentes países

latinoamericanos tentem unir-se entre si e a todos as pessoas de boa vontade

para lutar, de maneira pacífica, mas decidida e corajosa, por uma autêntica

integração latino-americana, sem imperialismos de fora, nem imperialismos

de dentro59

(CAMARA, 1968a, p. 5).

59

A insistência em processo de integração político-econômica dos países latinoamericanos encontra-se ainda em

CAMARA, 1973l, p. 6-7; CAMARA, 1975d, p. 4; CAMARA, 1975q, p. 3.

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179

No que tange à reintegração de Cuba na Organização dos Estados Americanos

(OEA), dom Helder pede que se respeite sua escolha de regime político com base no princípio

de autodeterminação dos povos:

Tentemos organizar e conduzir, com segurança, nos USA e nos Países

latinoamericanos, movimento tendente a reintegrar, na Comunidade

Americana, Cuba, respeitando-lhe a opção política e a autonomia de Nação

soberana. Quanto mais persistirem o bloqueio econômico e a excomunhão

continental, mais fortemente estaremos acuando um Povo que já deu provas

suficientes de heroísmo e capacidade de sofrer; mais estaremos enrijecendo

posições que não levarão a um melhor relacionamento entre os Povos. Não se

pode condenar Nação inteira a viver num gueto (CAMARA, 1969a, p. 4).

A integração político-econômica da América Latina é pensada em termos de

socialização dos recursos naturais e dos benefícios resultantes do processo de industrialização

- em fase de consolidação - e da comercialização dos produtos no mercado regional e

internacional. Assim, o processo de integração não é definido em termos de livre mercado, em

perspectiva do liberalismo radical.

5.3.2 O Desenvolvimento Latinoamericano

Em conferência em Montreux, na Suíça, dom Helder atribui particularmente aos

cristãos a responsabilidade pelos entraves impostos ao processo de execução das reformas

estruturais, consideradas fundamentais para o desenvolvimento - não apenas do Continente,

mas da humanidade -, com consequente supressão das estruturas de injustiças nacionais e

internacionais:

A responsabilidade cristã é de fazer tremer. O hemisfério-norte, o Mundo

desenvolvido, os 20% que têm nas mãos 80% dos recursos da terra são de

origem cristã60

. Que impressão podem ter do Cristianismo nossos irmãos

africanos, asiáticos e as próprias massas latino-americanas, se os cristãos

somos grandemente responsáveis pelo Mundo injusto que está aí...?

(CAMARA, 1970f, p. 1 e 2). Será que não nos sensibiliza o escândalo, de

cristãos estarem usando o perigo comunista como pretexto para defender

privilégios baseados em estruturas injustas? (CAMARA, 1972c, p.03).

60

A referência aos 20% mais ricos, de origem cristã, que controlam 80% dos recursos da terra aparece, sem

qualquer alteração de sentido, em CAMARA, 1970h, p. 2; CAMARA, 1970i, p. 2 e 5; CAMARA, 1970l, p. 2, 3

e 5; CAMARA, 1970r, p. 3; CAMARA, 1971f, p. 6; CAMARA, 1972e, p. 1; CAMARA, 1972f, p. 2,

CAMARA, 1973a, p. 4; CAMARA, 1973e, p. 3-5; CAMARA, 1974h, p. 1; CAMARA, 1975e, p. 3; CAMARA,

1975f, p. 5; CAMARA, 1977h, p. 5. Para outras referências, consultar ANEXO A.

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O mundo desenvolvido é comumente identificado, por dom Helder, com a parcela

cristã ocidental. Por essa razão, aos cristãos compete grande parte na responsabilidade de

mudança das estruturas, bem como no esforço de resistência às mesmas. Entretanto, não se

trata de afirmar a existência de um mundo à parte, de mundo cristão enriquecido, mas de

reconhecer e denunciar que os 20% que controlam 80% das riquezas da terra consideram-se,

ao menos de origem, cristãos.

Além disso, sobre essa parcela enriquecida recai a acusação de perpetuadores das

injustiças e de iniciadores da violência no mundo. A promoção de “Cristianismo Passivo” aos

cristãos alienou-os dos problemas humanos, em todas as suas dimensões. Autocrítica das

ações dos cristãos ao longo de séculos permite dom Helder concluir:

Invoca-se o Cristianismo para uma quase Cruzada contra o comunismo.

Invoca-se o Cristianismo contra a onda de ódio, de radicalização e de terror

que se arma um pouco por toda parte. 20% que mantêm 80% em situação,

não raro, infra-humana, são ou não os iniciadores da violência e os

responsáveis pelas respostas de ódio que começam a rebentar, aqui e ali?

Enquanto se estratificavam injustiças ao longo dos séculos, os cristãos nos

alienávamos bastante dos problemas terrenos, o que facilitou a implantação

da injustiça (CAMARA , 1970f, p. 02).

A acusação a essa parcela cristã chega ao extremo: “nossa civilização cristã faz a

guerra; alimenta o racismo; chega a criar riquezas baseadas na miséria; não tem a coragem de

enfrentar os trusts internacionais, responsáveis por injustiças em escala mundial” (CAMARA,

1970h, p. 02). Na medida em que não aceitarmos fazer o jogo de privilegiados e de políticos,

preparemo-nos para viver as incompreensões e perseguições (CAMARA, 1971f, p. 06).

Em diversos países e em inúmeras ocasiões, dom Helder critica “ideologia” segundo

a qual o subdesenvolvimento dos países pobres relaciona-se com o tipo racial, a indisposição

para o trabalho, o princípio da desonestidade e o crescimento demográfico. O combate a essa

concepção de pensamento se constata pelo argumento:

Nos países desenvolvidos, quando se pensa nos países pobres, a tentação é

imaginar que, no fundo, no fundo, há um problema racial (há os brancos e há

os outros – pretos, amarelos e caboclos – no resto do mundo), agravado pela

falta de coragem de trabalhar, pela desonestidade e, sobretudo, nos últimos

tempos, pela explosão demográfica61

. Mesmo se fossem válidos [estes

conceitos ou preconceitos], não deveriam ser pretexto para esquecer que há

61

O subdesenvolvimento dos países pobres atribuído a questões raciais ou a problemas demográficos é

contestado por dom Helder, e atribuído à política internacional do comércio, nos seguintes pronunciamentos:

CAMARA, 1970f, p.4; CAMARA, 1970g, p. 2; CAMARA, 1970p, p. 3; CAMARA, 1970q, p. 3; CAMARA,

1970s, p. 2 e 3; CAMARA, 1970t, p. 4; CAMARA, 1972b, p. 1; CAMARA, 1972c, p. 3; CAMARA, 1973a, p.

4; CAMARA, 1973g, p. 2; CAMARA, 1973j, p. 4; CAMARA, 1974a, p. 2 e 4; CAMARA, 1974d, p. 2;

CAMARA, 1974f, p. 6; CAMARA, 1975e, p. 3; CAMARA, 1975f, p. 4; CAMARA, 1975g, p. 4; CAMARA,

1975q, p. 2; CAMARA, 1976c, p. 2; CAMARA, 1977b, p. 2. Para outras referências, consultar ANEXO A.

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capitais de impérios onde se decide a política internacional, onde se

estabelecem medidas que levam os países ricos a tornarem-se sempre mais

ricos e os países pobres a tornarem-se sempre mais pobres (CAMARA,

1970f, p. 4).

Assim sendo, é equívoco perigoso pensar em termos de superioridade racial, de

desonestidade e de explosão demográfica. Nesse caso, dom Helder sugere:

É preciso ajudá-los a compreender e a aceitar que a riqueza dos países

desenvolvidos se alimenta da miséria dos países pobres. É preciso desmontar

a inverdade do racismo e fazer ver que se os brancos ficassem sem saúde,

sem alimentação, sem roupa, sem casa e sobretudo sem esperança, perderiam

a coragem e, também eles, pareceriam preguiçosos. É preciso demonstrar que

os desonestos, nos países pobres, são, quase sempre, traidores, corrompidos

pelo dinheiro de fora (CAMARA, 1970g, p. 2; CAMARA, 1970s, p. 2).

O problema demográfico existe, mas está longe de ser o âmago do complexo

problema do desenvolvimento (CAMARA, 1970s, p. 2 e 3; CAMARA, 1970t, p. 4). O

problema do subdesenvolvimento resulta, de fato, da “injusta política internacional do

comércio”. Além disso, “os dois obstáculos para que os países pobres se arranquem do

subdesenvolvimento e da miséria são: o colonialismo interno e o neocolonialismo externo”

(CAMARA, 1970s, p. 3; CAMARA, 1971a, p. 3; CAMARA, 1971d, p. 1).

De acordo com dom Helder, “a finalidade a atingir, em nosso trabalho pelo bem

comum, é o desenvolvimento integral, isto é, o desenvolvimento do homem todo e de todos os

homens” (CAMARA, 1970t, p. 1). E acrescenta:

Em nossos dias, não há apenas indivíduos e grupos pobres, mas países e

continentes, que mergulham no subdesenvolvimento e na miséria. As ajudas

dos países ricos são necessárias, mas não bastam: é preciso atingir o âmago

do problema - as injustiças na política internacional do comércio (CAMARA,

1970t, p. 1; CAMARA, 1971d, p. 3; CAMARA, 1971e, p. 1-5).

Para Raul Prebisch, então Diretor Geral do Instituto Latinoamericano de Planificação

Econômica e Social, das Nações Unidas, “há, na economia latino-americana, consideráveis

forças de expansão, mas que se acham freadas por uma constelação desfavorável de fatores

internos e externos”. Além disso, “é preciso abrir-lhes caminho para que o ritmo de

desenvolvimento se eleve a fim de corrigir, progressivamente, a insuficiência dinâmica da

economia” (PREBISCH apud CAMARA, 1971c, p. 1).

A América Latina precisa empreender arrancada firme e irreversível para o

desenvolvimento. Contudo, qual é o contexto sócio-político internacional? Dom Helder

apresenta-o em síntese:

Sabemos que se costuma falar em Mundo capitalista, liderado por uma

Superpotência, os USA, mas contando também com a organização da

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Comunidade Européia. Sabemos que se costuma falar em um segundo

Mundo, comunista, liderado por uma Superpotência, a URSS, mas contando

com o fenômeno da China Popular, que marcha, rapidamente, para constituir-

se Superpotência. Sabemos, ainda, que se costuma falar em Terceiro Mundo,

o Mundo em desenvolvimento ou subdesenvolvido, abrangendo, em bloco, a

África, a Ásia e a América Latina. (CAMARA, 1971f, p. 1).

Embora todos saibam dessa divisão tripartite do mundo político, com repercussão

nas dimensões social e cultural de muitos países, o alerta de dom Helder aponta para a raiz do

problema:

O que nem todos sabem é que, dentro do Mundo desenvolvido, há grupos,

sempre mais numerosos, sobretudo de jovens, convictos de que se existem

países ricos e países pobres a raiz do problema está nas injustiças da política

internacional do comércio. Esses grupos conscientes dos países de

abundância sabem que, duas vezes, o Mundo subdesenvolvido tentou

dialogar com o Mundo desenvolvido - na Assembléia das Nações Unidas

sobre Comércio e Desenvolvimento62

, em Genebra e em Nova Delhi - sabem

que, os países pobres foram recebidos com frieza e desinteresse, tanto pelos

USA como pela URSS; e sabem que estamos em vésperas de uma terceira

tentativa desse diálogo difícil, a realizar-se, provavelmente, de novo, em

Genebra63

(CAMARA, 1971f, p. 1).

Mas, qual é a responsabilidade a ser assumida pelo Continente Sulamericano no

combate às injustiças internacionais e, por conseguinte, a instituição de paz duradoura no

mundo? Em texto do próprio dom Helder, percebe-se quão relevante é o desafio para a

América Latina:

Dentro do Mundo subdesenvolvido, a América Latina tem responsabilidade

mais grave por três razões principais: seus países já têm século e meio de

independência política, sem independência econômica; a América Latina tem,

praticamente, a mesma língua, de tal modo português e castelhano são

línguas irmãs; e a América Latina tem ainda, praticamente, a mesma religião,

a cristã (CAMARA, 1971f, p. 1).

Quanto ao comportamento das multinacionais que pretendem colaborar com o

desenvolvimento do Continente, observação de dom Helder, embora sujeita a críticas,

sobretudo por sua análise superficial, oferece os seguintes elementos:

As macro-empresas que vieram salvar a América Latina da cubanização, de

fato deixam o Continente ainda mais escravo: com a colaboração preciosa da

62

A III Assembléia das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) passa a ser mencionada

por dom Helder tanto como grande oportunidade de diálogo entre países pobres e países ricos quanto como

ocasião em que, uma vez mais, confirmou-se o egoísmo das superpotências (USA e URSS) como da potência em

expansão (China). Sobre as três Assembléias da UNCTAD, indistintamente, recorre-se a: CAMARA, 1968a, p.

6; CAMARA, 1968b, p. 3; CAMARA, 1968c, p. 2 e 3; CAMARA, 1970a, p. 4; CAMARA, 1970f, p. 1 e 5;

CAMARA, 1970p, p. 5; CAMARA, 1970s, 1 e 6; CAMARA, 1971d, p. 3; CAMARA, 1971f, p. 1; CAMARA,

1971h, p. 2; CAMARA, 1972a, p. 4; CAMARA, 1972b, p. 4; CAMARA, 1973b, p. 3; CAMARA, 1973m, p. 3;

CAMARA, 1974m, p. 2; CAMARA, 1975q, p. 2. Para outras referências, consultar ANEXO A.

63 A terceira assembleia da UNCTAD realizou-se em Santiago, no Chile, em 1972, e não em Genebra.

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CIA, especialista em descobrir e alardear infiltrações comunistas, obtêm o

adiamento das reformas de base; com a colaboração do FMI, obtêm a adoção,

pelos países subdesenvolvidos, de modelos neocapitalistas de

desenvolvimento, e promovem apenas o crescimento econômico de grupos

privilegiados; com a colaboração de Bancos Comerciais, de Bancos de

Investimentos, de Companhias de Seguros e de Fundos Mútuos de

Investimentos, mantêm u‟a falsa mística de desenvolvimento (CAMARA,

1972g, p. 4).

Ao constatar falsa mística de desenvolvimento, dom Helder sugere a substituição do

conceito desenvolvimento pelo de libertação. Paulo VI, na Populorum Progressio, de 1967, já

havia mudado a perspectiva do conceito de desenvolvimento, em termos de crescimento

econômico, para situá-lo “como novo nome da paz” 64

:

“Desenvolvimento! Esta bela expressão despertou tanta esperança no Mundo!

Como é fácil entender os que sentem necessidade de um novo nome, por

exemplo, libertação! – dado que, no início da 2ª década do desenvolvimento,

mais de 2/3 dos países do Terceiro Mundo já se consideram, melancólicos,

em um 4º Mundo, o mundo dos que não têm a menor chance de arrancar-se

da miséria e de partir para o desenvolvimento (CAMARA, 1973f, p. 5-6).

A Igreja, enquanto puder falar, enquanto não for sufocada, clame pelas mudanças de

estruturas desumanas, que estão impedindo o desenvolvimento integral dos nossos povos

(CAMARA, 1969e, p. 4). O desenvolvimento arranca pessoas e povos da miséria, da

violência, da debilidade, das deformações psicofísicas, da morte, das guerras, e é capaz de

lançar os seres humanos em direção ao que poderíamos sustentar como a condição de

dignidade humana.

5.4 ORDEM SOCIAL OU DESORDEM ESTABELECIDA

A “verdadeira ordem social” constitui-se em demanda da sociedade brasileira

transnacionalizada por dom Helder durante vigência do AI-5. Nessa seção, analisa-se o

comportamento da Igreja e dos Governos militares, enquanto grupos de interesses, no esforço

de sustentar conceitos [ordem social, respeito a autoridade, propriedade privada] que

asseguram práticas sociais e a manutenção de privilégios dos grupos dominantes na sociedade

brasileira, tanto na zona rural quanto na urbana.

64

A sugestão para substituir o conceito de “desenvolvimento” pelo de “libertação” ainda se constata em:

CAMARA, 1973g, p. 5; CAMARA, 1974m, p. 3; CAMARA, 1977a, p. 1 e 2. Entretanto, o conceito de

desenvolvimento não é descartado por dom Helder, mas, pelo contrário, se recorre ao mesmo até quando se

deseja criticá-lo.

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Análise sócio-política da sociedade brasileira, das décadas de 1960 e 1970, se nos

impõe a necessidade de formulação do seguinte questionamento: o que se vive no Brasil, e

por extensão também na América Latina e nos demais países subdesenvolvidos, constitui-se

em “ordem social” ou em “desordem estabelecida”65

? Qual é o determinante no modo de

atuação da Igreja? Qual é a postura do governo diante de sociedade caracterizada por

profundas contradições?

O “colonialismo interno” empenha-se incansavelmente na manutenção das estruturas

que garantem privilégios e uma pseudo-ordem social. Qualquer iniciativa em favor da

mudança de estruturas é interpretada pelos grupos dominantes como ameaça à ordem social

ou à estabilidade, em seus aspectos social, político e econômico. A manutenção de estruturas,

que sustenta um determinado tipo de ordem social, por seu turno, gera inúmeras injustiças. A

conscientização da situação de injustiças, resultante de processo de libertação cultural,

questiona a “ordem social” estabelecida.

Para dom Helder, “no caso da América Latina, pouco importa que a hierarquia

latinoamericana, reunida na Colômbia66

, tenha estabelecido a inadiabilidade das reformas de

base e tenha alertado quanto à distorção do conceito de „ordem social‟” (CAMARA, 1969e, p.

3). A Igreja, tradicionalmente, participava desta preocupação com a ordem social e com a

salvaguarda da propriedade privada e do respeito às autoridades constituídas (CAMARA,

1970a, p. 2). Internamente, muitos líderes cristãos se deixam abalar pelo receio de que

mudanças muito rápidas perturbem a “ordem social”, firam o princípio de autoridade,

derrubem a propriedade privada (CAMARA, 1970f, p. 3).

Mas, nos países subdesenvolvidos, implantam-se, com facilidade, regimes de força,

“a pretexto de salvar a ordem social” das investidas da subversão e do comunismo. “A

Imprensa se vê na contingência de noticiar inverdades e distorções, comunicadas,

oficialmente, pelo Serviço de Informações”. A delação é insuflada. “A tortura é utilizada

como método científico para arrancar declarações dos „subversivos‟ ou supostos subversivos”

(CAMARA, 1970e, p. 2).

65

A expressão “desordem estabelecida” geralmente aparece acompanha da expressão “injustiça estratificada”, ou

ainda da expressão “injustiça institucionalizada”, como atestam as citações seguintes: CAMARA, 1968d, p. 4;

CAMARA, 1969e, p. 3 e 4; CAMARA, 1970j, p. 3; CAMARA, 1971f, p. 3; CAMARA, 1972d, p. 2; CAMARA,

1972e, p. 2; CAMARA, 1972f, p. 4; CAMARA, 1972g, p. 5-6; CAMARA, 1972h, p. 2; CAMARA, 1973d, p. 4;

CAMARA, 1973l, p. 5; CAMARA, 1974c, p. 2; CAMARA, 1974h, p. 2; CAMARA, 1975l, p. 5; CAMARA,

1975p, p. 4; CAMARA, 1975r, p. 2; CAMARA, 1976d, p. 6; CAMARA, 1977a, p. 5; CAMARA, 1977h, p. 5.

Para outras referências, consultar ANEXO A.

66 Trata-se da II Conferência Geral do Episcopado Latinoamericano e do Caribe realizada em Medellín, na

Colômbia, em 1968, e pode ser considerada o Vaticano II para o Continente Sulamericano.

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A Imprensa só noticia o que interessa ao regime e é evidente que ela não vai fazer

propaganda da “Pressão Moral Libertadora”67

. Torna-se quase impossível fazer oposição ao

governo, em regime antidemocrático, e eximir-se da acusação de subversivo. Nesse caso, “as

noções de ordem social, econômica e política são caras à paz” (Cf. CAMARA, 1971a, p. 1-5).

Ordem é, para dom Helder, “a disposição das pessoas e das coisas no lugar que lhes cabe”

(CAMARA, 1971a, p. 1). A ordem consiste em condição sócio-política fundamental para se

evitar imersão no mundo da desordem e do caos.

Quanto à ordem social, dom Helder a constata particularmente no mundo do

trabalho, das organizações trabalhistas e sindicais. A ordem do espaço e das pessoas em vista

do bom êxito da produção. Não obstante, pode-se perceber a ordem social numa perspectiva

mais política:

A Igreja Cristã, especialmente a Católica que é a dominante, preocupou-se

tanto em manter a ordem social e a autoridade, que nem percebeu que se

tratava muito mais de uma desordem estabelecida, de uma injustiça

estratificada. E a Igreja insistiu tanto em virtudes passivas, como paciência,

aceitação da vontade de Deus, aceitação dos sofrimentos em união com os de

Cristo, que, na prática, demos razão a Karl Marx, pregando uma religião

como ópio para o Povo (CAMARA, 1971b, p. 2).

Quanto à ordem econômica, dom Helder percebe que o princípio que a rege é o do

liberalismo econômico: “o lucro é o grande motor do progresso econômico e a concorrência,

por sua vez, a lei suprema da economia” (CAMARA, 1971a, p. 03). Os trusts internacionais

compõem-se de grandes empresas que sustentam o capitalismo com sua sede de lucro e sua

febre de concorrência. A esse propósito, diz dom Helder:

É impressionante encontrar, por detrás das todo-poderosas empresas, donas

do níquel, o dólar americano controlando-as à distância. Histórias

semelhantes podem ser contadas a respeito de todos os produtos-chave como

o petróleo, os minérios de ferro, os ingredientes necessários à energia nuclear,

a petroquímica, produtos farmacêuticos, indústria automobilística,

computadores eletrônicos, material bélico (CAMARA, 1971b, p. 03).

Uma solução possível, portanto, uma demonstração de vontade política, consistiria

no combate aos trusts internacionais. Os grandes trusts, poderosos dentro dos países

desenvolvidos, diretamente ou através da política externa dos respectivos governos, atuariam

67

Os meios de comunicação social, em regimes de força, autoritários ou ditatoriais, não se encontram em

condições de impulsionar a marcha da pressão moral libertadora, pois se encontram sob controle dos aparelhos

repressivos do Governo. A opção pela panfletagem incorria no risco da apreensão das máquinas e na prisão,

seguida de tortura, dos envolvidos. A utilização do púlpito poderia resultar na acusação de politização do

Evangelho. A solução aponta para reunião das “minorias”, sedentas por justiça [presentes nas universidades, nas

instituições das mais diversas naturezas e fins, Imprensa, grupos religiosos, sindicatos, associações - de

moradores e esportivas -, clubes sociais, etc.], e espalhadas por todo o mundo.

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nos países subdesenvolvidos, onde encontrariam aliados naturais nas elites locais, que, por

sua vez, controlam, sem esforço, naturalmente, a vida política nacional. Em palavras do

próprio dom Helder,

Os trusts internacionais se aliam, nos países subdesenvolvidos, a empresas

locais que lhes servem de fachada e de testa de ferro. Os trusts conseguem

alianças com o poder político que, neles encontram o indispensável apoio

econômico para suas metas de governo e sua ambição internacional

[exploração das fontes de matérias-primas]. Aliam-se, facilmente, com os

militares, pois só as macro-empresas podem fabricar os modernos e

caríssimos engenhos de guerra do maior interesse para a estratégia militar

(CAMARA, 1971a, p. 4-5).

A defesa da ordem assegura benefícios e garante privilégios a determinados grupos.

A manutenção de ordem injusta sustenta, na verdade, algum tipo de desordem

institucionalizada. Análise de realidade sócio-política da América Latina permite a dom

Helder afirmar:

O fato é que nos preocupamos, de tal sorte, com a manutenção da ordem

social que nem percebemos que ela é muito mais uma desordem estratificada.

Então, é humano e cristão manter a própria riqueza à custa da miséria dos

próprios concidadãos? As massas latinoamericanas, salvo raras exceções,

vivem em situação sub-humana. Os cristãos temos que ter a coragem de

reconhecer que a preocupação em manter a autoridade e a ordem social nos

levou a pregar virtudes que, sendo grandes virtudes como a paciência e a

aceitação dos sacrifícios, na conjuntura do Continente, fizeram o jogo dos

opressores (CAMARA, 1971f, p. 3).

Quando a Igreja se mobiliza na direção das reformas estruturais, ou seja, tenta por

em prática as Conclusões do Vaticano II e de Medellín68

, as elites e, por vezes, Governos do

Continente estranham o modo de atuação da Instituição. Apreciavam a Religião que garantia a

situação de privilégio69. “Consideram intromissão indébita da Igreja, perturbação da ordem,

subversão, jogo do comunismo falar em educação libertadora e em mudança das estruturas de

escravidão”. Julgam que “aquilo que levou séculos se consolidando não pode ser mudado em

dias, em semanas, em meses, e nem mesmo em anos”. Nada de revolução, no sentido de

mudança rápida e profunda, por mais que se pretenda revolução na paz. “Só admitem que se

fala em evolução progressiva, gradual, paciente” (CAMARA, 1971f, p. 3).

68

Do ponto de vista da materialidade dos textos, e não da assimilação do que foi concluído nos dois eventos,

publicaram-se em: DOCUMENTOS DO CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. São Paulo: Paulus, 1997 e

VILELA, A. B.; PIRÔNIO, E. F. (1968). “Conclusões de Medellín”. In: A Igreja na Atual Transformação da

América Latina à Luz do Concílio. DOCUMENTOS DO CELAM. Bogotá / Petrópolis: Vozes, 1970.

69 A necessidade de se abrir mão de privilégios seculares e a análise das consequências para o Cristianismo de

aliança com poder estabelecido tem registro, entre outros, nos pronunciamentos: CAMARA, 1968d, p. 2 e 4;

CAMARA, 1971f, p. 3; CAMARA, 1972d, p. 4; CAMARA, 1973c, p. 2; CAMARA, 1974c, p. 3; CAMARA,

1974j, p. 4; CAMARA, 1975j, p. 2 e 4; CAMARA, 1975l, p. 2; CAMARA, 1977c, p. 5.

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O esforço de manutenção das estruturas (injustas e de exploração) pode gerar no

Continente ambiente propício para o conflito armado e, por conseguinte, conduzir ao caos

social. Porém,

Se quisermos evitar que o chamado Continente Cristão se entregue à

radicalização e à violência, caia no caos, temos que nos unir – cristãos de

todas as denominações, homens de boa vontade mesmo não-cristãos e até não

religiosos – para tentar chegar a tempo. Se ao invés de pequeno grupo, todos

clamarmos pelo fim da escravidão, pelo fim das condições sub-humanas, pela

promoção humana de milhões cuja situação é vergonha para nossa fé, os

privilegiados e as autoridades não terão condições de dizer que todos nos

tornamos comunistas e subversivos (CAMARA, 1971f, p. 4; CAMARA,

1975j, p. 2-3).

Os cristãos da extrema direita que aceitam, sem receios e nem angústia, manter a

ordem social vigente, se tornam alvo das críticas de dom Helder. “Será que não continuamos a

pecar por omissão, admitindo a confusão entre ordem social e desordem estratificada, e

servindo, na prática, de suporte a estruturas de escravidão?”. O horizonte para a avaliação de

suas ações, dom Helder, pelo discernimento, encontra-o no Cristo libertador “não só do

pecado, mas das consequências do pecado” (CAMARA, 1972d, p. 6).

Ao menos no Brasil – mas suponho que, aproximadamente, o mesmo tenha

acontecido e, em parte, ainda esteja acontecendo em toda América Latina – a ordem social

existente, de ordem só tem o nome. “Preocupados em manter a ordem social, nós, bispos e

padres, nem percebíamos que estávamos lidando com uma desordem estratificada, com uma

injustiça institucionalizada” (CAMARA, 1973a, p. 2-3). Os poderosos meios de comunicação

social estão, comumente, em mãos dos Governos ou do poderio econômico. Por essa razão,

“são raros os órgãos de imprensa que têm condições de denunciar torturas feitas, em nome da

Ordem Pública e da Segurança Nacional” (CAMARA, 1973b, p.1).

Quando surgem os movimentos de resistência raptando, assaltando, sabotando, os

Governos em cujas áreas se dão estes raptos, estes assaltos, estas sabotagens, consideram-se

não só direito, mas até no dever de liquidar o terrorismo, salvaguardando a Segurança

Nacional. Os que são presos nestas circunstâncias não são considerados prisioneiros comuns.

“Os Governos atingidos se sentem no direito e na obrigação de arrancar deles, informações

que, talvez, sejam da maior importância para a ordem social e para a segurança do país. E,

sem vacilarem, tais governos perpetram raptos, espionagem, torturas e incentivam delações”

(CAMARA, 1973n, p. 3-4). Que dizer do comportamento da Igreja? “Infelizmente, neste

particular de torturas, a Igreja tem que ter a lealdade de reconhecer que, através da fraqueza

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humana da Inquisição, é triste predecessora”70

(CAMARA, 1973o, p.3).

No que tange às “Religiões que, no passado, tantas vezes se envolveram em

tentações de prestígio e de mando, através da política, enfrentam a tentação de acomodar-se

diante da exigência dos Governos” que, quando muito, admitem a prática do culto, ajudando a

manter a autoridade e a ordem social. As Religiões precisam entender que, “ao lado da

política partidária e da preocupação de prestígio e de mando, existe a política como

preocupação com o bem comum, com a salvaguarda da justiça” (CAMARA, 1974c, 2-3).

A reação dos grupos dominantes contra denúncias de opressão e de exploração é

previsível. Quanto à força mobilizada equivale à toda a força de que dispõem. Então,

Como anunciar a decisão de trabalhar, de maneira pacífica, mas decidida e

corajosa, para animar as massas marginalizadas do nosso continente sem

contar com represálias de quem não admite perder os privilégios? Como

questionar a ordem estabelecida – desordem estratificada, violência

institucionalizada – e espantar-se vendo a reação estalar? Como criar

condições para nossa gente se organizar, adquirir consciência crítica,

pretender participar de decisões, caminhar com os próprios pés e pensar pela

própria cabeça, e não contar com tempestades? (CAMARA, 1975l, p. 2).

Após exposição dos tais questionamentos, breve reflexão antecipa novo

questionamento, que, na verdade, espera-se que seja autoquestionamento de quem faz uso do

poder eclesiástico. Nos termos da citação:

Quando nos acusarem de esquecer e subestimar a Evangelização e de cair de

cheio na política, perguntemos a nós mesmos, se não é política continuar a

defender uma pseudo-ordem social, que mal encobre injustiças terríveis.

Perguntemos a nós mesmos se a própria neutralidade é cabível quando

importa em cerrar ouvidos ao clamor do nosso povo? (CAMARA, 1975l, p.

2). Os privilegiados recusam-se a reconhecer que subversiva é a situação de

miséria que deixa mais de 2/3 do Continente em condição sub-humana

(CAMARA, 1975j, p. 5).

A tensão entre os dois grupos de interesses – Igreja e demais grupos dominantes –

bem como os principais elementos responsáveis por produzirem essa situação foram

resumidos por dom Helder, nos seguintes termos:

Quando se fala em promoção humana das massas que se acham em situação

infra-humana; quando se fala em necessidade e urgência de mudança das

estruturas ecônomico-sociais e político-culturais; ou, mesmo, mais

modestamente, quando se fala em reformas de base, os privilegiados de nosso

Continente, com habilidade, denunciam o perigo de subversão e do

comunismo. Claro que chegam, quase sempre, a obter o apoio dos Governos,

preocupados com a ordem social e com a segurança nacional. Manobrando os

meios de comunicação, controlam a opinião pública (CAMARA, 1970t, p. 2).

70

A declaração foi extraída de discurso feito na Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco. CAMARA,

H. P. (31.05). “Saudação Fraterna aos Parlamentares de Pernambuco e de todo o Brasil”. Recife: mimeo, p. 3,

1973o.

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O nosso Continente constitui-se, segundo dom Helder, em desafio à curiosidade dos

estudiosos da política internacional.

Temos de tudo, no Continente, sem que se possa prever, com segurança, que

experiências serão vitoriosas: 1) temos ditaduras de direita, instaladas a

pretexto de salvar o país do comunismo. Não raro, se trata de ditaduras

militares; 2) temos ditaduras de esquerda: países que se viram forçados, para

escapar da órbita dos USA, a cair na órbita da URSS; 3) temos ditadura

militar de cunho abertamente nacionalista; 4) temos um caso de governo

legal, de cunho socialista, mas de um socialismo que pretende evitar

dependência tanto da URSS, como da China Vermelha; 5) existem, mais de

nome do que de realidade, governos constituídos, democracias no poder (Cf.

CAMARA, 1971c, p. 3-4).

É bem provável que dom Helder pensasse em “nova ordem econômica mundial”

(CAMARA, 1976a, p. 1-6) resultante de profunda transformação nas estruturas do sistema

internacional. Apenas isso justificaria a sua proposta de substituição do conceito de

desenvolvimento pelo conceito de libertação.

Abandonemos, sempre mais, a expressão desenvolvimento, expressão que nos

foi tão cara, que acendeu tanta esperança no mundo, mas gastou-se depressa.

A expressão desenvolvimento se presta a equívocos inevitáveis, porque, no

final da 1ª década do desenvolvimento, os países ricos saíram mais ricos e os

países pobres, mais pobres; além disso, postula levar os países pobres a

saírem da situação de miséria e de pobreza para sociedade de consumo. E

adotemos, sempre mais, uma nova expressão, que seja nossa nova bandeira

de luta pacífica: a libertação. Libertação das estruturas de escravidão!

Libertação dos racismos! Libertação das guerras! Libertação da miséria,

como a pior, a mais hipócrita e mais sangrenta de todas as guerras!

(CAMARA, 1972j, p. 6-7).

É bem verdade que desde o início da década de 1960, coloca-se em evidência na

América Latina nova vertente teológica internacionalmente reconhecida como Teologia da

Libertação (Capítulo III). Em alguns de seus escritos, particularmente nas Circulares

Conciliares, dom Helder reconhece não ser teólogo da libertação, e não o era de fato, em

sentido estrito. Entretanto, nenhum teólogo da libertação excluiria dom Helder do círculo dos

representantes ativos da prática teológica da libertação.

Em suma, da conjugação da ordem social com a estabilidade político-econômica

espera-se a construção de sociedade harmônica, com desenvolvimento humano e crescimento

econômico, resultante de profundas reformas estruturais e de mudança de mentalidades. Tudo

isso se fará numa estreita cooperação entre governos, organizações e instituições

transnacionais. “A ajuda [dos países ricos] é indispensável, urgente, necessária para defender

a justiça como condição de paz” (CAMARA, 1970t, p. 4), mas é em absoluto insuficiente. Por

essa razão, “trabalhar pela justiça é trabalhar pela paz” (CAMARA, 1975j, p.5).

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5.5 PROMOÇAO DA JUSTIÇA COMO CONDIÇÃO PARA A PAZ

A repressão do regime, sobretudo a partir da promulgação do AI-5, institucionalizou

a violência. A violência atrai a violência. A resistência à crescente de violência exige algum

tipo e grau de força para ser reconhecida. O poder exige poder igual ou superior para sua

efetivação. Nessa confrontação de forças e poderes entre governantes e governados

ressignificou-se o conceito de paz, em Estado de exceção.

A noção de paz tal qual formulada e propagada por dom Helder é vinculante dos

conceitos de “desenvolvimento integral e autêntico”, de segurança e de justiça. Apoiado na

Populorum Progressio, de Paulo VI, de 1967, n 87, dom Helder Camara promove a noção de

que “o desenvolvimento é o novo nome da paz”71

. A correlação de maior predominância, em

quase todos os seus pronunciamentos, é a da “justiça como condição para a paz”72

.

Afirmar que o fundamento da justiça, para dom Helder, encontra-se em princípio

religioso - isto é, “amor ao próximo” como expressão do “amor a Deus”, em virtude de sua

participação numa hierarquia religiosa e de compromissos assumidos pautados pela convicção

de fé religiosa -, pode resultar em interpretação equivocada, pois, o que se percebe com maior

freqüência, é a perspectiva antropológica e humanística, segunda a qual a prática da justiça

remete à igualdade de direitos fundamentais entre os homens. O princípio e o fim da justiça é

o homem73

.

Em palestra em Liège, na Bélgica, em 1968, A Pobreza na Abundância, dom Helder

adverte que: “É urgente incluir, na Campanha pelo Desenvolvimento do Terceiro Mundo, um

capítulo essencial sobre condições de um desenvolvimento autêntico, de uma abundância

inteligente e humana”. E acrescenta: “o homem pode organizar a terra sem Deus, mas „sem

71

A expressão “desenvolvimento é o novo nome para a paz” aparece em: CAMARA, 1970d, p. 2; CAMARA,

1970f, p. 6; CAMARA, 1970j, p. 2; CAMARA, 1971g, p. 1; CAMARA, 1972h, p. 1; CAMARA, 1975i, p. 6;

CAMARA, 1977a, p. 4.

72 A afirmação da “justiça como condição para a paz” ou “a justiça como caminho para a paz” encontra-se, entre

outros, nos seguintes discursos: CAMARA, 1968d, p. 1; CAMARA, 1969e, p. 5; CAMARA, 1970a, p. 6;

CAMARA, 1970f, p. 6; CAMARA, 1970g, p. 1; CAMARA, 1970r, p. 3 e 4; CAMARA, 1970s, p. 7; CAMARA,

1971d, p. 4; CAMARA, 1972a, p. 4; CAMARA, 1972e, p. 1 e 2; CAMARA, 1972g, p. 6; CAMARA, 1972o, p.

5; CAMARA, 1973c, p. 4; CAMARA, 1973e, p. 4 e 6; CAMARA, 1973l, p. 4 e 7; CAMARA, 1974d, p. 1;

CAMARA, 1974f, p. 6; CAMARA, 1974h, p. 2; CAMARA, 1975d, p. 5; CAMARA, 1975f, p. 5; CAMARA,

1975g, p. 5; CAMARA, 1975p, p. 4 e 5; CAMARA, 1975r, p. 5; CAMARA, 1975s, p. 5; CAMARA, 1976b, p.

2; CAMARA, 1976c, p. 4; CAMARA, 1976d, p. 6; CAMARA, 1976e, p. 4; CAMARA, 1977a, p. 1; CAMARA,

1977h, p. 5.

73 O Deus cristão não se coloca sob o princípio da necessidade [acreditamos que dom Helder tivesse essa

consciência], não é um Deus carente de algo ou de alguém. Nesse sentido, Deus não ia requerer para si o

princípio da justiça humana. Em outras palavras, Deus não carece da justiça humana.

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Deus‟ só a pode organizar contra o homem. Humanismo exclusivo é humanismo desumano”

(CAMARA, 1968a, p. 4). Não discutiremos essa questão, a saber, do desenvolvimento, em

qualquer de suas vertentes, na dependência de inspiração ou de motivação divina, mas não

ignoramos a existência de muitos pensadores que, mesmo na época de dom Helder,

certamente discordaram de tal perspectiva de pensamento.

De acordo com dom Helder, quando o SIPRI (Stockholm International Peace

Research Institute), ao lado das preocupações com a guerra nuclear e com a guerra

bioquímica, abre espaço para o exame da “paz e segurança para o Terceiro Mundo”,

reconhece, implicitamente, que: “o desenvolvimento sendo o novo nome da paz, o Mundo

subdesenvolvido está sofrendo os efeitos da guerra; é urgente deixar evidente, para muitos, o

que alguns começam a admitir: que o subdesenvolvimento se equipara à guerra bioquímica e

à guerra nuclear” (CAMARA, 1971g, p. 1).

Mas as Religiões poderiam chamar a si o cuidado de utilizar todos os seus recursos

próprios para provar que a “guerra é sempre mais absurda, desumana e imoral; poderiam

“encarregar-se de provar que, se as super-potências [USA e URSS] gastarem com o

desenvolvimento o que estão gastando na guerra fria e na guerra quente, ficará patente que o

homem pode assegurar, a todos, nível de vida compatível com a dignidade humana”. As

Religiões poderiam “unir-se para completar a bela afirmação de que o desenvolvimento é o

novo nome da paz” (CAMARA, 1969a, p. 5). Em 1970, em viagem pelo Canadá, Suíça e

USA, com palestra, provavelmente nos USA, sob o título Lições Vitais da Guerra do Vietnã,

dom Helder assegura que: “as Religiões se preocupam, necessariamente, com a justiça, como

condição para a paz. As Religiões concordam em encarar o desenvolvimento como o novo

nome da paz” (CAMARA, 1970d, p. 2).

Em 1970, durante vigília ecumênica na cidade de Lyon, na França, dom Helder

admite:

É fácil obter acordo quando se fala de ajuda aos países pobres, quando se

mostra a realidade da ascensão da miséria e da fome. Então, os particulares e

até os governos se decidem a abrir a bolsa e, de certo modo, o coração. Mas

quando queremos ir ao coração do problema para denunciar graves e

inaceitáveis injustiças na política internacional do comércio, então, é quase

impossível até ser escutado (CAMARA, 1970j, p. 2). A grande caridade dos

nossos tempos consiste em trabalhar pela justiça (CAMARA, 1971d, p. 3) 74

.

74

A proposição - a grande caridade dos nossos tempos consiste em trabalhar pela justiça - se repete em

CAMARA, 1971f, p. 7; CAMARA, 1973h, p. 5; CAMARA, 1973a, p. 2; CAMARA, 1973l, p. 6; CAMARA,

1974h, p. 3; CAMARA, 1976c, p. 2 e 3; CAMARA, 1977a, p. 3; CAMARA, 1977d, p. 3.

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Em 1972, em Londres, dom Helder admiti facilidade para se chegar a algum acordo

em torno da situação dos países subdesenvolvidos, contudo, reafirma o desafio quando o que

está em questão representa mudança de estruturas:

Quando se fala a uma pessoa rica ou a um país rico, e o problema é colocado

em termos de ajudas, em face de situações de pobreza ou até de miséria, o

entendimento é relativamente fácil. Costuma haver boa vontade e até

generosidade. O entendimento se torna desentendimento, o encontro vira

desencontro, quando se tem a audácia de colocar os temas, em termos de

direitos a reivindicar e de justiça a exigir. As injustiças não existem apenas

entre indivíduos e indivíduos ou entre grupos e grupos, mas entre países e

países, e até entre Continentes, entre Mundos. Sem justiça, jamais teremos

paz autêntica e duradoura (CAMARA, 1972h, p. 01).

As ditaduras latino-americanas prometem desenvolvimento, em contrapartida exigem

estado de exceção. Dom Helder afirma que “nenhum país se arranca da miséria sem pesados

sacrifícios”. O dado inaceitável dessa estratégia de desenvolvimento repousa sobre o fato dos

sacrifícios recaírem sobre os já desfavorecidos. Além disso, “a única maneira de participar dos

benefícios do desenvolvimento implica em participar antes da criatividade e das opções".

Assim,

Sustentar que o desenvolvimento se tornou de tal modo técnico que é utopia

pensar em levar o povo a participar da criatividade e das opções; sustentar

que o desenvolvimento, hoje, exige estados de exceção, governos fortes,

ditaduras, é descrer da criatura humana e não contar com os prodígios da

promoção humana, da educação libertadora, quando elas não são temidas e

combatidas, e, sobretudo, quando elas não são desvirtuadas por movimentos

que parecem movimentos de conscientização, mas começam por temer até o

verbo, profundamente humano, que é conscientizar (CAMARA, 1972a, p. 3).

Espera-se postura ousada de todos os cidadãos, mas em especial dos membros da

hierarquia. O âmbito religioso parece ter se tornado estreito demais ante as demandas sociais,

a inércia do mundo político e a indiferença da área técnica. A recomendação de dom Helder

consiste em mudança radical de comportamento, de envolvimento nas questões de outros

campos em nome da justiça como condição real para a paz:

Percamos, de vez, o medo de parecer abandonar o terreno religioso e de

invadir o terreno político e a área técnica. Percamos, de vez, o medo de

parecer meter-nos em problemas internos de países estrangeiros [problemas

só na aparência são internos]. Reivindiquemos, juntos, o direito e o dever de

defender a criatura humana, a pessoa humana, o bem comum. Se isto é

política não é política partidária, é defesa do homem; é defesa da justiça, sem

a qual a paz não passa de palavra sonora. Quando enfrentaremos a ira dos

poderosos; quando nos decidiremos a perder prestígio e favores; quando

aceitaremos ver torcidas nossas intenções; quando aceitaremos até riscos

maiores para ajudar as Minorias Abraâmicas e denunciar injustiças, em plano

interno e em plano externo? (CAMARA, 1972a, p.4; CAMARA, 1972e, p.2).

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Diante das distorções do capitalismo (lucro é o motor do progresso econômico e a

concorrência lei suprema da economia) e do socialismo (restrições das liberdades, produção

pela força, repressão da manifestação individual, desenvolvimento concentrado e distribuição

desigual dos benefícios) “é legítimo e razoável pensar em um Socialismo em que a plena

socialização de cada um esteja a serviço da plena realização de todos; pensar em Socialismo,

uno em seus grandes objetivos gerais, mas com variantes que atendam às aspirações e à

cultura de cada povo”75

(CAMARA, 1972c, p. 2). A socialização plena, para dom Helder,

passa pela autogestão, vivida por autênticas Cooperativas (CAMARA , 1972e, p. 4).

Ao considerar as distorções tremendas do Socialismo, temos a impressão de que a

única saída é abraçar o Capitalismo. Equívoco, para dom Helder, escolher entre Capitalismo e

Socialismo levando em conta, tão somente, a “teoria do mal menor”.

Mal menor, como, se o Capitalismo salva da mortalidade infantil, mas

condena a uma sub-vida? Mal menor, como, se as ajudas capitalistas para o

desenvolvimento são gota d‟água, comparadas com as despesas de guerra e a

corrida armamentista? Mal menor, como, se o Capitalismo mantém,

permanentemente, a pior das guerras, a da miséria, levando, nos países

pobres, minorias privilegiadas a manter a própria riqueza à custa da situação

infra-humana de milhões de concidadãos, e, levando, em plano internacional,

os países ricos a manter a própria prosperidade à custa de países e

Continentes inteiros, que deixaram de ser Colônias políticas, mas continuam

Colônias econômicas? (CAMARA, 1972d, p. 5).

No centro das preocupações de dom Helder não se encontra o tipo de sistema

econômico, mas se determinado sistema é capaz de assegurar “justiça, como condição para a

paz”. A paz é condição que se constrói nas relações entre pessoas e entre Estados. Se a paz é

socialmente construída, então, faz-se necessário trabalhar pela “justiça como condição para a

paz” (CAMARA, 1975o, p. 1). Somos nós que devemos construir a paz (CAMARA, 1977l, p.

1). A paz, resultante da prática da justiça, encontra-se na dependência da mudança das

estruturas em âmbito nacional (entre as pessoas e entre as instituições e organizações

nacionais) e internacional (entre os Estados e entre as instituições e as organizações

internacionais). A justiça não se limita à dimensão econômica da vida social, porém, a prática

da justiça na dimensão econômica constitui-se pressuposto fundamental a partir da qual a

justiça será pleiteada e/ou assegurada nas demais dimensões da vida humana e no

desenvolvimento das instituições.

75

Possivelmente, dom Helder tinha em mente o conceito de socialização tal como formulado por João XXIII,

em encíclica Mater et Magistra, de 1961, n 62.

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5.6 COMBATE À MISÉRIA E À POBREZA

O combate à miséria e à pobreza constitui-se em mais uma das demandas da

sociedade brasileira transnacionalizadas por dom Helder durante a vigência do AI-5. A

pobreza atinge mais de 2/3 da população nordestina, e quase a mesma proporção da sociedade

brasileira e latinoamericana. A relevância da demanda transnacionalizada pode ser medida

pelo seu risco ao desenvolvimento humano e cultural do Continente.

Os padres conciliares, e, especialmente, os bispos do Terceiro Mundo, durante o

Concílio Vaticano II, “imaginaram, na Igreja, antena sensibilíssima, que captasse todas as

mais graves injustiças do mundo” (CAMARA, 1972h, p. 2). Então, propuseram ao papa Paulo

VI que, como resposta, criasse a Pontifícia Comissão Justiça e Paz, à qual, em tese, deveria

corresponder, em cada país, Comissão Nacional de Justiça e Paz, a serviço de cristãos e não-

cristãos. Ao avaliar a iniciativa dos Conciliares e a decisão de Paulo VI, dom Helder conclui:

Foi tomada de posição corajosa porque, facilmente, poderão ser levantadas

dúvidas e acusações numerosas contra a Igreja e a sua Comissão Justiça e

Paz. Será fácil afirmar que a Igreja está exorbitando, saindo de seu domínio

próprio. Se fosse para trazer apoio, a ação da Igreja seria bem-vinda; para

contestar, logo se exige que a Igreja não saia da Sacristia, cuide do culto e de

pregação que ajude a assegurar a paz social (CAMARA, 1972h, p. 2).

Nesse caso, que lugar deve ocupar a Igreja, que atitude tomar, onde aportar-se, se

seu fundamento (amor a Deus) a lança para fora (amor ao próximo)? Faz-se mister observar o

fim para o qual fora criada:

A Igreja sente-se no direito e no dever de estar no meio dos homens, no

coração dos acontecimentos. Não pretenderá a função de super-governo ou de

super-técnica. Deseja apenas servir e, quando se fizer necessário, emprestar a

voz ao sem-voz. Impossível ficar na Sacristia, impossível parar no amor a

Deus. O amor a Deus nos impele a amar os homens. Amar, não só com

palavras, mas com atos e de verdade. E, como fechar, os olhos, os ouvidos, a

consciência ante injustiças que deixam mais de 2/3 dos homens sub-

humanizados pela miséria e o restante da humanidade correndo o risco de

desumanizar-se pelo excesso de conforto e de egoísmo? (CAMARA, 1972h,

p. 2).

No contexto da Guerra Fria, alegam a Rússia e a China que o “Capitalismo escraviza

os Povos”. Alegam a Rússia e a China, que “desejam ajudar as vítimas da exploração

capitalista, a libertar-se da miséria, da fome, do analfabetismo, da situação infra-humana”.

Rússia e China, sem dúvida, se esforçam por liquidar o analfabetismo e a miséria. Mas

cobram para isto preço insuportável: “impõem, pela força, o respectivo modelo socialista;

ainda se agarram ao materialismo dialético; criam [pelos mais modernos recursos da

publicidade] intolerável clima de suspeição, de medo e de delação” (CAMARA, 1972h, p. 3).

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A prosperidade dos países ricos, nas áreas capitalistas, tem como preço a miséria

crescente do Terceiro Mundo. De acordo com dom Helder,

O Capitalismo explora o anticomunismo para manter situações infra-

humanas; explora a explosão demográfica, para distrair a atenção do âmago

do problema, as gravíssimas injustiças da política internacional do comércio;

apresenta-se como defensor da liberdade, mas a pretexto de combater ao

comunismo, alia-se a ditaduras; a pretexto da defesa da ordem social e da

segurança nacional, não vacila em cometer arbitrariedades e, inclusive,

torturas. O Capitalismo é incapaz de viver sem corrida armamentista e sem

guerras; é responsável pela pior das guerras: a da miséria. (Cf. CAMARA,

1972h, p. 4).

O embate do século XX não se estabelece entre o Leste e o Oeste, mas “entre o Norte

e o Sul, entre os países sempre mais ricos e países sempre mais pobres" (CAMARA, 1972g, p.

7; CAMARA, 1972i, p. 1). Para dom Helder, “não faltam, ainda hoje [1972], ingênuos para

imaginar que, entre Capitalismo e Comunismo, se dará o embate dos embates, a guerra das

guerras” (CAMARA, 1972m, p. 2). A impressão enganosa é a de que “assistimos a um

embate gigantesco entre Socialismo e Capitalismo: o primeiro, o Socialismo querendo

dominar o mundo, esmagando a fé e a liberdade; e o segundo, o Capitalismo, sagrando-se

defensor do mundo livre” (CAMARA, 1972h, p. 2). É interessante observar que o pretexto

dos dois lados é o mesmo: defender a liberdade, mas o que está em jogo é a expansão do

poder.

A Pontifícia Comissão Justiça e Paz, segundo dom Helder, “ajudaria a causa da

verdade, desmoralizando, de vez, a farsa conduzida pelas superpotências”. Além disso, “seria

de enorme efeito moral se a Pontifícia Comissão Justiça e Paz, apoiando-se em especialistas,

livrasse nossas Denominações Cristãs da engrenagem capitalista”; “encorajasse a hierarquia

do Mundo inteiro a livrar, concretamente, a Igreja de dar suporte a estruturas de escravidão, a

pretexto de ajudar a manter a ordem social e a autoridade”; “estimulasse a hierarquia a

enfrentar incompreensões, malentendidos, acusações injustas como preço para estimular,

efetivamente, a educação libertadora e a promoção humana”; “suscitasse, nos vários países,

não Comissões de Justiça e Paz, mas núcleos de Ação Justiça e Paz” 76 (CAMARA, 1972h, p.

5), decididos a tentar concretizar o ensinamento social da Igreja.

76

Dom Helder fundou a Ação Justiça e Paz na arquidiocese de Olinda e Recife segundo o princípio de que a

iniciativa que a motivou [a Pontifícia Comissão Justiça e Paz, criada durante o Concílio Vaticano II] não

ultrapassava os meandros dos princípios. A razão primordial, indiscutivelmente, consistia nas diversas

expressões assumidas pela violência das injustiças, as quais traduziam-se em repressão, perseguição, mortes,

debilidades, miséria, e até em guerras. Então, fazia-se necessária a criação de entidade que levasse os princípios

a fatos. Síntese dos princípios sugeridos em plano internacional pela Ação Justiça e Paz pode ser encontrada em

CAMARA, 1970l, p. 4.

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Quanto ao nascimento e o perfil da Ação Justiça e Paz, dom Helder declara:

A Ação Justiça e Paz nasceu com o nome de “pressão moral libertadora”.

Adotou, a seguir, nome ainda mais largo e belo. Mas continua convicta de

que a mudança de estruturas sócio-econômicas e político-culturais no Brasil e

na América Latina só poderá ser feita sem violência, se houver clima para

uma democrática, equilibrada e firme pressão moral libertadora (CAMARA,

1969c, p. 6). Apresso-me em dizer-lhes que não se trata de partido político,

de movimento de um homem, de um país, de uma língua, de uma religião...

ou a Ação Justiça e Paz se realiza com união dos homens de boa vontade,

para além das raças, das línguas, das religiões, ou se tratará de um fracasso a

mais (CAMARA, 1970g, p. 1).

Quanto ao perfil das pessoas e grupos envolvidos na entidade Ação Justiça e Paz,

dom Helder recomenda que seja o campo de atuação das Minorias Abraâmicas. Entre as

principais funções da Ação Justiça e Paz encontram-se: “tentar desvendar a engrenagem das

multinacionais”; “tentar obter, analisar e divulgar, a serviço da verdade e da justiça, dados

sobre a real situação dos países”; e, por fim, “fazer entender que ainda mais graves que

eventuais torturas, é a violência institucionalizada” (CAMARA, 1972h, p. 5-6)

Além da Ação Justiça e Paz , dom Helder propõe a criação de “Escolas Superiores de

Paz”. À Escola Superior de Paz caberia abordar os seguintes temas: analisar os métodos

adotados pelos países ricos para a fixação dos preços das matérias-primas dos países pobres e

de seus próprios produtos industrializados; à semelhança das indústrias da guerra, suscitar o

surgimento de indústrias de paz; aplicar-se em descobrir medidas de avaliação do

desenvolvimento; atuar como força transparente, desmascarando forças secretas e paralelas

que atuam em nome da segurança nacional e internacional; examinar a possibilidade de

manter multinacionais, não a serviço de grupos sempre mais restritos, mas a serviço da

humanidade (CAMARA, 1975f, p. 4-5; CAMARA, 1977m, p. 2).

Dom Helder não se dirige exclusivamente aos cristãos, mas a todos os implicados

(ou que possam ter seu país implicado) nalgum tipo de injustiça. Os tempos mudaram, por

vezes, estimulados pelo avanço tecnológico. Com efeito, nem todos os povos registram

avanços e, por conseguinte, podem alimentar boas perspectivas: “nos tempos da eletrônica,

dos sintéticos e das viagens espaciais, mais de 2/3 dos países subdesenvolvidos, que

constituíam o chamado Terceiro Mundo, perderam qualquer possibilidade de arrancar-se da

miséria e da fome. Já se fala em um Quarto Mundo, Mundo sem esperança e sem vez de

desenvolvimento” (CAMARA, 1972j, p. 2).

É fácil entender (o que é diferente de aprovar) os jovens que perdem a paciência e

partem para a violência, para o terrorismo. Para dom Helder, “é difícil levá-los a entender que,

mesmo sem apelar para razões mais profundas, em simples termos de eficácia, apelar para a

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violência é esquecer que, do lado dos opressores, estão os fabricantes de armas e de guerras,

os próprios donos das armas”. Após alerta aos jovens, dom Helder recomenda-os fazer aliança

com as Minorias Abraâmicas que “pode e deve guardar o nome que possui; pode e deve

guardar a inspiração religiosa ou simplesmente humanista que a anima; pode e deve guardar

os próprios líderes e os próprios métodos”. O importante não é unificar, mas unir. “O

indispensável é o acordo em torno de alguns objetivos prioritários”. Convém reconhecer que,

“cresce, permanentemente, o número das Minorias Abraâmicas e, a cada instante, se tornam

mais lúcidas e atuantes” (CAMARA, 1972j, p. 3-5).

O problema da fome ainda é relevante em escala mundial. A injustiça, geradora de

fome e de miséria, promove a emergência de grupos promotores de justiça, que resulta de

transformação de estruturas nas instâncias local, estadual, regional, internacional, continental.

“Ou descobrimos meios corajosos e válidos de defender a justiça, sem apelo à violência, ou

ninguém segurará a juventude” (CAMARA, 1972m, p. 1), que se precipitará para a revolta

armada.

5.7 A “VIOLÊNCIA DOS PACÍFICOS”

A “violência dos pacíficos”77

consiste na mobilização da “pressão moral libertadora”.

A estratégia adotada para a “libertação autêntica” do ser humano é a da “violência dos

pacíficos” (CAMARA, 1970l, p. 1). A “violência dos pacíficos” pode ser identificada como

“movimento de não-violência”, ou como “ação de não-violência”, ou ainda como “luta pela

não-violência”.

A lógica da violência na política doméstica evidencia-se de três formas: as injustiças,

fonte de todas as violências; a reação dos submetidos à condição de injustiças e, por fim, a

repressão governamental sob pretexto de garantir a ordem legítima e a segurança, atitude

tomada em favor da manutenção do status quo dos grupos dominantes (CAMARA, 1971g, p.

3-4; Cf. CAMARA, 1972i, p. 3).

77

A expressão “violência dos pacíficos”, por vezes, é substituição pela expressão “movimento de não-violência”,

ou por “ação de não-violência”, ou ainda por “luta pela não-violência”: CAMARA, 1969b, p. 7-8; CAMARA,

1970f, p. 5; CAMARA, 1970g, p. 1 e 5; CAMARA, 1970l, 1 e 4; CAMARA, 1971a, 2; CAMARA, 1972a, p. 7;

CAMARA, 1972b, p. 4 e 5; CAMARA, 1972j, p. 5; CAMARA, 1973a, p. 3; CAMARA, 1973b, p. 5 e 6;

CAMARA, 1973e, p. 7; CAMARA, 1973f, p. 7; CAMARA, 1973g, p. 5; CAMARA, 1973h, p. 3; CAMARA,

1974b, p. 6; CAMARA, 1974d, p. 1 e 5; CAMARA, 1974g, p. 3; CAMARA, 1974j, p. 4; CAMARA, 1975i, p.

5; CAMARA, 1975j, p. 5; CAMARA, 1975r, p. 4; CAMARA, 1976d, p. 5; CAMARA, 1976e, p. 5; CAMARA,

1977b, p. 3; CAMARA, 1977c p. 2; CAMARA, 1977d, p. 3; CAMARA, 1977j, p. 1, 3 e 4.

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198

Há três tipos de guerras contra as quais, segundo dom Helder, precisa-se declarar

guerras. As guerras são classificadas através das expressões: a “guerra contra as injustiças”78

;

a “guerra contras as guerras”79

e, por último, declarar guerra à pior de todas as guerras, que é

a “guerra contra a miséria”80

.

Os fabricantes de armas81

são, na verdade, fabricantes de guerras. Aos senhores das

armas (e das guerras) não os interessa a paz, pois esta não responde às suas expectativas em

rendimentos, lucros. Além disso, os senhores das armas aprofundam as injustiças nos países

pobres, a pretexto de colaborar com o desenvolvimento. Entendem (ou confundem)

desenvolvimento com modernização do aparato de segurança do Estado. A modernização de

um Estado, ainda que pobre, em termos de armamentos, promove na região o que poderíamos

chamar de mini-corrida armamentista.

As multinacionais das armas financiam campanhas eleitorais dos principais

candidatos ao Executivo e ao Legislativo em quase todos os países do mundo. A estratégia

visa elevar ao poder político dos Estados personalidades que, quando eleitas, veem-se

comprometidas com seus acordos, seus negócios e suas vendas. O mercado de armas nos

países ricos encontra-se cada vez mais competitivo. Nesse cenário, resta-os manter seus

rendimentos vendendo seus arsenais, em geral, já sucateado em seus países de origem, mais

ainda úteis à segurança ou às guerras civis nos países pobres.

As multinacionais, substitutas dos velhos trusts, ampliam cada vez mais seus ramos

de produção. Encontram-se de tal forma estruturadas que podem produzir o mais expressivo

símbolo da vida (o leite) e o mais desastroso símbolo das mortes violentas (armas). A

78

A expressão “guerra contra as injustiças” aparece, entre muitos outros, nos seguintes pronunciamentos:

CAMARA, 1971f, p. 7; ; CAMARA, 1973b, p. 1; ; CAMARA, 1975q, p. 2.

79 A expressão “guerra contras as guerras” acompanha-se geralmente da denúncia das consequências trágicas das

guerras bioquímicas e nucleares. Além disso, os pronunciamentos de dom Helder sugerem estudos capazes de

correlacionar os orçamentos de empresas e Estados empenhados na fabricação e/ou venda de armas com o

montagem destinado por tais grupos de interesses para o desenvolvimento humano. Observa-se tudo isso em:

CAMARA, 1973, p. 2 e 3; CAMARA, 1974, p. 6; CAMARA, 1974, p. 2; CAMARA, 1975, p. 2; CAMARA,

1976, p. 2.

80 À expressão “guerra contra a miséria”, por vezes, acrescenta-se a palavra “fome”. Assim, a expressão mais

recorrente é: “guerra contra a miséria e a fome”. As duas formas de escrita das expressões, no entanto, podem ser

encontradas em: CAMARA, 1968c, p. 5; CAMARA, 1969e, p. 1-5; CAMARA, 1970q, p. 3; CAMARA, 1971g,

p. 1; CAMARA, 1972a, p. 2; CAMARA, 1973b, p. 3; CAMARA, 1973e, p. 6; CAMARA, 1973h, p. 4;

CAMARA, 1973i, p. 2, 5 e 6; CAMARA, 1973m, p. 3 e 4; CAMARA, 1973n, p. 4; CAMARA, 1974b, p. 3;

CAMARA, 1974e, p. 2 e 3; CAMARA, 1974f, p. 5 e 6; CAMARA, 1974l, p. 5; CAMARA, 1975f, p. 3;

CAMARA, 1975q, p. 1; CAMARA, 1975r, p. 2.

81 A escolha perversa por fabricar armas e/ou guerras para exportar para os países pobres, que não dispõem, não

raras vezes, sequer do necessário para suas populações, constitui-se algo de crítica de dom Helder em:

CAMARA, 1972a, p.1; CAMARA, 1973g, p. 5; CAMARA, 1974a, p. 5; CAMARA, 1974b, p. 5; CAMARA,

1974d, p. 4; CAMARA, 1974e, p. 3; CAMARA, 1974m, p. 1 e 2; CAMARA, 1974n, p. 8; CAMARA, 1975g, p.

5; CAMARA, 1975q, p. 2.

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199

preocupação de algumas dessas multinacionais, em particular, daquelas que monopolizam o

setor de produção de armas, não recai sobre o desenvolvimento, em termos de

desenvolvimento humano integral, mas prioritariamente em termos de crescimento econômico

mediante lucros. O que configura cenário de injustiças internacionais, e “as injustiças são as

fontes de todas as violências”82

.

Os principais obstáculos que se levantam no caminho da não-violência, de acordo

com dom Helder, são: os fomentadores da violência, o poder de atração da violência e o

ressentimento. As “raízes da violência” encontram-se no individualismo egoísta que se

propaga até que se produz o “egoísmo do sistema”. O egoísmo do sistema se percebe sobre

maneira na “política internacional do comércio”. E mais, “os promotores de violência, no

mundo, são os privilegiados que não têm coragem de abrir mão de privilégios injustos,

criadores de injustiças e escravidões” (CAMARA, 1970q, p. 1).

A “violência dos pacíficos” instiga a curiosidade por seus métodos e, por

conseguinte, imputa a dúvida por sua eficiência. Então, dom Helder assegura que:

Quando perguntam se é possível apontar algum exemplo de país que, sem

violência armada, tenha mudado estruturas, é possível responder que, até

passado recente, a humanidade não dispunha dos meios poderosíssimos de

comunicação social, de que hoje dispõe. Acontece que nos países

subdesenvolvidos, os que se decidem a revolver estruturas, mesmo que se

movimentem rigorosamente dentro de métodos democráticos, perdem o

acesso a esses poderosíssimos meios de comunicação social, quando não

perdem, seus direitos civis. (CAMARA, 1970h, p. 6). Entre os negros, como

esquecer as lições de Martinho Lutero King, mestre universal da não-

violência? Entre os irmãos de linha espanhola, tenho o maior respeito e

admiração por César Chavez (CAMARA, 1973b, p. 6). Gandhi batalhou a

vida toda, pacificamente, pela justiça, como caminho para a paz. Que os

holocaustos [de Gandhi e Martinho Lutero King] acendam em nós confiança

na não-violência, na violência dos pacíficos, na pressão moral libertadora

(CAMARA, 1973l, p. 6-7).

Argumento semelhante é dirigido aos membros da Igreja (eclesiásticos e leigos),

admiradores da “ordem estabelecida”, defensores da autoridade e resistentes às reformas:

Ninguém nos diga que tentar qualquer esforço na linha da libertação humana

é um perigo, porque se descamba, então, para a política. Desvios, perigos,

existem por toda parte. Sem correr risco, ninguém faz nada. Quando nós,

bispos e padres, temendo desvios da luta pacífica pela libertação humana,

ficamos fora desta luta, tomamos, mesmo sem querer e talvez mesmo sem o

saber, o partido da manutenção da pseudo-ordem social que esmaga mais de

dois terços da humanidade (CAMARA, 1974h, p. 1-4).

82

A expressão “as injustiças como fonte de todas as violências” disputa lugar nos pronunciamentos de dom

Helder com as expressões “a injustiça como a matriz de todas as violências” ou “a miséria como fonte de todas

as violências”. Como representativo das três expressões, sugerimos consultar: CAMARA, 1970g, p. 4;

CAMARA, 1970q, p. 4; CAMARA, 1970s, p. 4; CAMARA, 1970t, p. 5; CAMARA, 1971g, p. 3 e 4;

CAMARA, 1975i, p. 4; CAMARA, 1975l, p. 4

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O processo de libertação das injustiças pressupõe “educação libertadora”83

. O

objetivo principal de educação libertadora é, de imediato, a libertação integral do ser humano,

como resultado de processo de conscientização84

de sua condição de indivíduo aparentemente

livre. Em suma, trata-se de promoção humana. Entretanto, no contexto da repressão,

“conscientização, promoção humana, educação libertadora – nomes profundamente humanos,

soam como nomes subversivos, ajudando o comunismo” (CAMARA, 1971e, p. 3).

Em nome do alerta contra o perigo comunista, em nome da segurança nacional é

suspeito de subversão, comunista, todo aquele que reclamar contra injustiças e falar em

direitos. “Esmolas, sim. Ajudas, sim. Mas bater-se por direitos, pretender cumprimento de

obrigações é contra a ordem social, é comunismo”85

(CAMARA, 1972d, p. 4).

A inércia da Igreja e a repressão dos governos antidemocráticos constituem-se em

elementos mais do que suficientes para precipitar os jovens na direção de movimentos

violentos, como a guerrilha. “A violência que leva a assaltos e a guerrilhas é uma reação à

violência que está na raiz de todas as violências” (CAMARA, 1973m, p. 3-4). “O apelo à

violência armada não parece solução: não só se sabe que o ódio não constrói, mas, que do

lado dos opressores, estão os fabricantes de armas e de guerras”86

. A violência gera violência.

“Mas é urgente provar, sobretudo aos jovens, que o Cristianismo nos inspira um amor

exigente” (CAMARA, 1972l, p. 1), capaz de expor o cristão a situações limites.

A principal objeção levantada contra a “não-violência ativa”, contra a violência dos

pacíficos, pelos que só descobrem a violência armada como meio de romper todo este quadro

83

O programa de “educação libertadora” talvez incluísse o Movimento de Educação de Base (MEB), mas o

mesmo não é mencionado explicitamente nos pronunciamentos feitos por dom Helder no exterior: CAMARA,

1971e, p. 3 e 4; CAMARA, 1971f, p. 6; CAMARA, 1972a, p. 3; CAMARA, 1972n, p. 5; CAMARA, 1973g, p.

5; CAMARA, 1976d, p. 5; CAMARA, 1977a, p. 5.

84 O temor da conscientização das massas por parte da Igreja, mas sobretudo por parte dos Estados

latinoamericanos (e dos USA) bem como das elites locais e regionais. As acusações de subversivo e de participar

do jogo comunista completam o temor da conscientização, enquanto recurso de mobilização anti-socialista e

anti-comunista, em defesa da ordem social e da segurança nacional.: CAMARA, 1969b, p. 6; CAMARA, 1969c,

p. 5; CAMARA, 1969d, p. 5; CAMARA, 1969e, p. 3; CAMARA, 1970a, p.2 CAMARA, 1970f, p. 3 e 4;

CAMARA, 1970g, p. 3; CAMARA, 1970t, p. 2; CAMARA, 1971a, p. 3; CAMARA, 1971f, p. 3; CAMARA,

1972f, p. 4; CAMARA, 1972g, p. 5 e 6; CAMARA, 1972n, p. 4; CAMARA, 1975f, p. 4; CAMARA, 1975l, p. 4;

CAMARA, 1975n, p. 1; CAMARA, 1975p, p. 2.

85 A decisão de combater (ou evitar) o comunismo implica em suplantar governos de esquerda ou de tendência

de esquerdista, elevando ao poder “governos fortes”, em especial ditaduras, preferivelmente, de direita. O tema

assim abordado encontra-se em: CAMARA, 1970c, p. 5; CAMARA, 1970g, p. 3; CAMARA, 1972c, p. 4;

CAMARA, 1972g, p. 5, 6 e 7; CAMARA, 1972h, p. 4; CAMARA, 1973n, p. 4 e 5; CAMARA, 1974b, p. 1 e 2;

CAMARA, 1974f, p. 5; CAMARA, 1975j, p. 2-3; CAMARA, 1975p, p. 2; CAMARA, 1976b, p. 5; CAMARA,

1976c, p. 3; CAMARA, 1976d, p. 6; CAMARA, 1976e, p. 2 e 5; CAMARA, 1977c, p.5; CAMARA, 1977h, p.3. 86

Apelar para a violência armada não parece solução sensata, pois não nos é permitido ignorar que, do lado das

elites se colocam os fabricantes de armas e de guerras: CAMARA, 1972b, p. 4; CAMARA, 1972l, p. 1-2;

CAMARA, 1972n, p. 4; CAMARA, 1973f, p. 5; CAMARA, 1973j, p. 5; CAMARA, 1977j, p. 3; CAMARA,

197, p. CAMARA, 197, p. CAMARA, 197, p. CAMARA, 197, p. CAMARA, 197, p.

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de opressão, é que apenas a força pode conter a força. Além disso, “exigem que se aponte um

único exemplo de mudança efetiva de estruturas na base da não-violência”. Alegam que “até

hoje a não-violência não mudou efetivamente estruturas de opressão. Mas acontece o mesmo

com a violência”; “os que só confiam na violência armada acusam a não-violência de medo de

sujar as mãos”. “Temer a violência, combatê-la é fazer o jogo da violência dos opressores”.

“E chegam a proclamar que, hoje, país pobre para arrancar-se das garras do imperialismo

capitalista tem que correr o risco e aliar-se ao imperialismo comunista”. Ao que dom Helder

responde: “recuso-me a aceitar que nossa única alternativa seja mudar de patrões, seja variar

de opressão” (CAMARA, 1975i. p. 5).

A “educação libertadora” consiste em instrumento fundamental de mobilização social

e se propõe a promover mudança de atitudes, mentalidades e, acima de tudo, mudança de

estruturas injustas, e institucionalizadas. Assim, após tratar de superar os entraves à libertação

em âmbito nacional, a educação libertadora pretende libertar sociedades e Estados inteiros de

sua condição de “colônias modernas”, isto é, sociedades e Estados cuja independência política

é refém de sua condição econômica87

.

Na condição de forças essenciais ao processo de libertação e, sem dúvida, de apoio à

“educação libertadora” participam, por seus princípios e métodos, a Comunidade de Base e a

Teologia da Libertação88

. Além disso, recorre-se à mobilização das “Minorias Abraâmicas”

por meio de “pressão moral libertadora”, tendo como pressuposto o “processo de

conscientização das massas”. Como resultado, a Igreja ou qualquer indivíduo, que decidir por

“denunciar injustiças” e “promover mudança de estruturas”, será acusado de “subversivo” e

de fazer o “jogo dos comunistas”.

87

A independência política dos países é apontada como refém de sua condição econômica em: CAMARA,

1972i; p. 2; CAMARA, 1973h, p. 3; CAMARA, 1975a, p. 2 e 3; CAMARA, 1975q, p. 3; CAMARA, 1977j, p.

2.

88 A teologia da libertação é citada como grande esperança para a Igreja e a sociedade latinoamericana. Trata-se

de novo jeito de fazer teologia [a contingência humana abre-se para transcendência do Criador, Santificador e

Redentor, e não a partir de transcendência Deus capaz de esmagar o ser humano em sua impotência] para

alimentar a vida de uma nova Igreja. As grandes linhas da “teologia da libertação” [que concilia reflexão e ação]

encontram-se resumidas em: CAMARA, 1973a, p. 2 e 6; CAMARA, 1973b, p. 1; CAMARA, 1973e, p. 3, 4 e 6;

CAMARA, 1973g, p. 5; CAMARA, 1974h, p. 5; CAMARA, 1975e, p. 1; CAMARA, 1976d, p. 5; CAMARA,

1977a, p. 5.

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202

A união das “Minorias” 89, sedentas por justiça, produzirá “pressão moral libertadora”

equivalente a bomba nuclear:

No dia em que as forças pacíficas se unirem, dentro de cada país, e de cada

Continente, e em escala mundial, estará deflagrada uma energia mais

poderosa que a nuclear (CAMARA, 1973m, p. 6). Se usarmos as armas dos

fabricantes de armas e de guerras, elas nos esmagarão. Precisamos usar armas

que eles não possam usar: pressões morais libertadoras, que se destinam a

libertar os oprimidos, ao mesmo tempo, nos países ricos e nos países pobres.

(CAMARA, 1974i, p. 4).

A opção pela “não-violência” ou pela “violência dos pacíficos” impõe risco,

sobretudo de constrangimento, frustração. Então, dom Helder adverte:

Se não quisermos cair no ridículo com a não-violência, e, o que mais importa,

se quisermos obter mudança pacífica, mas efetiva das estruturas injustas que

esmagam mais de 2/3 da humanidade, precisamos somar forças. Não nos

cansemos de lembrar que não se trata de tomada de poder, nem de busca de

prestígio: mas de servir. Mas há forças preciosas a mobilizar em pressões

morais libertadoras, capazes de assegurar justiça, como caminho para uma

paz verdadeira e duradoura (CAMARA, 1975r, p. 4).

Não é ilusão o apelo à não-violência, o apelo à pressão moral libertadora? Dom

Helder garante que ver claro o rumo a seguir, mas falta ainda o essencial:

Vejo claro o trabalho já realizado pelo Espírito de Deus90

. Mas nos cabe

descobrir a maneira válida de ligar e interligar [de grupo a grupo, de região a

região, de país a país, de continente a continente] estas Minorias (CAMARA,

1975s, p. 4). O Deus dos humildes, com recursos pobres, com instrumentos

pobres, suscitará a união das Minorias que, nos países pobres e nos países

ricos, tem fome de justiça (CAMARA, 1976a, p. 5). A humanidade cansou de

guerras; cansou de racismos; cansou do ódio; cansou de excesso de progresso

que torna a vida irrespirável (CAMARA, 1976a, p. 1).

Além das “Minorias” espalhadas por todo o mundo, dom Helder constata na Igreja

movimento capaz de atuar em prol da mudança de estruturas:

Multiplicam-se, no mundo inteiro, as pequenas Comunidades de Base.

Dentro delas – comunidades de dimensões humanas – o povo descobre-se

gente, que não é apenas ficha, número, objeto. Quando a pseudo-ordem

econômica internacional chegar ao impasse, que já se aproxima e quando,

89

Dom Helder passou a usar os termos “Minorias” ou “Grupos” (de estudantes universitários, de trabalhadores,

de professores, de padres, de bispos, de religiosos, de militares, etc.), a partir de 1970, como alternativos a

Minorias Abraâmicas, para designar pessoas sedentas por justiça. Os referidos termos podem ser encontrados

nos seguintes pronunciamentos: CAMARA, 1970l, p. 4; CAMARA, 1973e, p. 6 e 7; CAMARA, 1973h, p. 3 e 4;

CAMARA, 1973j, p. 6 e 7; CAMARA, 1973l, p. 6-8; CAMARA, 1973m, p. 4; CAMARA, 1973n, p. 7;

CAMARA, 1974b, p. 5 e 6; CAMARA, 1974c, p. 2; CAMARA, 1974d, p. 4 e 5; CAMARA, 1974e, p. 4;

CAMARA, 1974f, p. 4-6; CAMARA, 1977f, p. 2; CAMARA, 1977h, p. 1 e 4; CAMARA, 1977l, p. 3 e 4.

90 Para dom Helder, o Espírito de Deus se encarregou de suscitar em todos os lugares as “Minorias”, geralmente

chamadas de Minorias Abraâmicas, que são as pessoas sedentas por justiça. Não obstante, o trabalho de

mobilização e de organização de tais Minorias nos compete a todos.

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dentro dos diferentes países, o macro-planejamento for revelando todo o seu

sentido inumano, as Comunidades de Base estarão a postos para tentar a

alternativa de projetos de dimensão humana (CAMARA, 1976e, p. 5-6).

Como deve ficar bem claro que é fundamental chegar até a mudança das estruturas

que esmagam mais de 2/3 da humanidade, pergunta-se – e eis um desafio apaixonante para a

não-violência ativa – se a pressão moral libertadora é capaz da façanha de, pacificamente,

revolver estruturas que, dia a dia, se tornam mais pesadas e mais rígidas. Há, no entanto, dois

problemas que devem merecer atenção especial: a política internacional do comércio e a

corrida armamentista.

A violência dos pacíficos será capaz de mudar estruturas de opressão? A convicção

de dom Helder se mostra inabalável:

É preciso partir para a violência dos pacíficos (CAMARA, 1970l, p. 4).

Longe de mim, conclamar-vos às armas. Provai que a violência dos pacíficos

atinge as estruturas e é capaz de estabelecer a verdadeira ordem (CAMAMA,

1970t, p. 6-7). Se a violência dos pacíficos não provar sua validade e não

revolver as estruturas de opressão, quem ganhará será a violência armada e

continuará, ainda por mais tempo, o império da injustiça que oprime a

maioria da humanidade (CAMARA, 1972j. p. 5). Utilizem [estudantes e

professores universitários] o melhor de seu tempo, energia e inteligência, em

descobrir maneiras pacíficas de abrir brechas nas estruturas de escravidão

(CAMARA, 1973g, p. 5).

A quem considera a “não-violência ativa” jogo dos opressores, medo ou temor de

sujar as mãos, dom Helder pergunta: “por que os líderes da não-violência são assassinados

como Gandhi e Martinho Lutero King?”. E acrescenta:

É fácil enfrentar a violência armada. A não-violência incomoda

profundamente. Na medida em que ela se organiza, torna-se invencível.

Chegaremos a desmontar, pacificamente, as estruturas de opressão, através de

trabalho sincronizado entre as Comunidades de Base do Terceiro Mundo e os

Grupos que, nos países industriais, estão decididos a ajudar a construir

mundo mais respirável, mais justo e mais humano (CAMARA, 1977j, p. 3).

Como a arte da paz é muito mais difícil do que a arte da guerra, dom Helder

manifesta intenção de pedir ao papa [Paulo VI] uma Escola Superior de Paz. Uma escola que

nos faça passar da teoria à prática. “Uma Escola Superior de Paz que dê à não-violência toda a

potencialidade que ainda está para ser concretizada. Uma Escola Superior de Paz que ensine a

maneira prática de unir, para construção da Paz, os homens de boa vontade” (CAMARA,

1977l, p.2). E nosso autor conclui: “É a hora exata de provar que é possível e fácil esmagar

uma pessoa, meia dúzia de pessoas, mas que ninguém, nenhum poder humano tem força para

esmagar Comunidades inteiras, unidas, para defender, de modo pacífico, mas decidido e

corajoso, os seus direitos humanos” (CAMARA, 1977j, p. 3).

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5.8 OS DIREITOS HUMANOS E A DEMOCRACIA

A defesa dos direitos humanos91

no Brasil, ao longo de toda a história do país, mas

em particular, durante o período de regime militar, constitui-se em demanda da sociedade

brasileira transnacionalizada por dom Helder mediante pronunciamentos no exterior, entre os

anos de 1968 a 1978, que corresponde ao período do AI-5.

Os escritos de dom Helder, ao menos os discursos elaborados para serem feitos no

exterior, não esboçam longamente a temática dos direitos humanos. A bandeira dos direitos

humanos é pressuposta na exposição das demandas anteriores. Equívoco, talvez,

interpretação minimalista, afirmar se tratar de mera opção lingüística. Dom Helder não adota,

explicitamente, nenhum dos direitos da Carta Magna da ONU, como elemento central de seus

pronunciamentos. Dom Helder elege como a principal das demandas a mudança de

estruturas, da qual decorre a supressão dos colonialismos (interno e externo), a integração

regional e o desenvolvimento, a verdadeira ordem social, a promoção da justiça, o combate à

miséria e à fome, como objetos da ação da “violência dos pacíficos”. Nessa perspectiva, os

direitos humanos decorrem do estabelecimento de estruturas justas.

Quanto à defesa dos direitos humanos, o espaço de maior participação política

permite a observância de tais direitos. Os direitos humanos não se constituem propriedade dos

governos, de modo que não cabem aos governos concedê-los à sociedade como benefícios. Os

direitos humanos justificam-se por si mesmos, pela simples existência do humano, cabendo

aos governos o esforço de assegurá-los, em não podendo assegurá-los, ao menos não fossem

os governantes os principais protagonistas a desrespeitá-los.

Ao analisar a “violência dos sistemas capitalistas e socialistas em relação aos seus

satélites”, em termos de exploração e depurações, dom Helder formula a questão: “como

chamar o mundo subdesenvolvimento de mundo livre, quando, ali a situação é de desrespeito

aos direitos fundamentais do homem, a situação é de violência, vestida de liberdade e de

ajuda?” (CAMARA, 1968c, p. 4).

Em Nova York, no dia 26 de janeiro de 1969, dom Helder faz conferência sob o título

“Os Direitos Humanos e a Libertação do Homem nas Américas” na qual adverte que: “do

respeito aos direitos humanos, depende a libertação do homem, ameaçado de escravidão, tanto

pela miséria como pelo egoísmo” (CAMARA, 1969a, p.1).

91

A defesa dos direitos humanos e denúncia de desrespeitos aos mesmos têm pronunciamentos seguintes como

referência: CAMARA, 1968c, p. 4; CAMARA, 1969a, p.1; CAMARA, 1969b, p. 5-6; CAMARA, 1970a, p. 2;

CAMARA, 1974h, p. 2-3; CAMARA, 1975p, p. 2-4; CAMARA, 1977b, p. 4; CAMARA, 1977d, p. 3.

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205

O Art. 1 da Declaração dos Direitos dos Humanos assegura que: “todos os homens

nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. A correlação entre a situação de milhares de

latinoamericanos e o conteúdo do artigo, permite dom Helder observar:

Talvez não seja fácil a quem nasce em país desenvolvido e ai reside a vida

inteira, entender, plenamente, o alcance do art. 1, dos Direitos do Homem.

Quem reside em país subdesenvolvido, sabe que há milhões de criaturas

humanas que nascem e vegetam em situação infra-humana. Daí, a tarefa

apaixonante de conscientizar que, de modo algum, se confunde com a mera

alfabetização (CAMARA, 1969a, p.1-2).

No art. 3 da Declaração, lê-se: “todo homem tem direito à vida, à liberdade e à

segurança”. A partir desse artigo, dom Helder faz o seguinte comentário:

Enquanto ditaduras de esquerda e de direita proclamam-se acima da lei;

criam clima irrespirável de suspeição, delação e falsas auto-críticas; enquanto

condenações arbitrárias, sumárias e inapeláveis coroam seqüestros, prisões e

torturas, seguidos de exílio, quando não de trucidamentos, continuam

ressoando: „art. 5º, ninguém será submetido à tortura‟; „art. 10º, todo homem

tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de

um Tribunal independente e imparcial‟ (CAMARA, 1975p, p. 2).

A Declaração de Direitos da ONU, em seu art. 4, proclama: “Ninguém será mantido

em escravidão ou servidão”. Se o art. 4 nos permite denunciar todas as formas de escravidão,

então, o colonialismo interno, e todas as pessoas (ou organizações, ou instituições) que

submetem pessoas a regime de trabalho escravo devem ser denunciadas por desrespeito aos

direitos humanos.

O art. 5 declara: “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo

cruel, desumano e degradante”. O desrespeito ao art. 5 da declaração expôs, não a sociedade

brasileira, mas o governo Médici, em 1970, a constrangimento internacional. O relatório anual

da Amnesty International denuncia prática de torturas no Brasil. Em 1977, Jimmy Carter, em

visita ao Brasil, durante o governo Geisel, fez menção a desrespeito aos direitos humanos em

nosso país.

É coerente o reconhecimento de que não foram os sulamericanos os inventores da

tortura, porém, é sensato reconhecer que os encarregados de suas práticas no Continente

esforçaram-se por aperfeiçoá-la:

É verdade que não foram os países subdesenvolvidos que descobriram a

“lavagem de cérebros”. Mas, nas nossas áreas, é uma vergonha ver o que,

facilmente, sucede com os presos – desde os humilíssimos ladrões de

galinhas até os presos políticos. Em nome de processos científicos de obter a

verdade, há requintes de tortura moral e física (CAMARA, 1969a, p. 2).

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A denúncia das práticas de torturas no Brasil, que podem se estender aos demais

países sulamericanos em tempo de ditaduras militares, acompanha-se da descrição de alguns

métodos:

Depois de 40 horas de interrogatório ininterrupto, durante as quais os

interrogantes se sucedem, mas o interrogado é o mesmo; depois de 40hs,

debaixo de refletores que tonteiam e hipnotizam; depois de 40hs,

entremeadas de promessas e de ameaças, de informações mentirosas e de

aguçamento de fome, que valor atribuir às informações arrancadas? E que

dizer das geladeiras e dos choques elétricos esterilizantes? Urge desmoralizar

estes processos de depoimento que, não raro, se acobertam com a presença de

bacharéis em direito e de psicólogos. Urge demonstrar o absurdo das pseudo-

provas, obtidas desta maneira (CAMARA, 1969a, p. 3).

Em seu art. 22, a Carta Magna da ONU declara:

Todo homem, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à

realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo

com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos,

sociais e culturais, indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento

de sua personalidade.

Paradoxalmente, os militares (e os paramilitares) a serviço do governo (com ou sem

o consentimento deste) desrespeitam os direitos humanos e civis no Brasil em nome da

Segurança Nacional, da ordem social. Durante o AI-5, a ordem estabelecida no Brasil, e na

América Latina, favorece determinados grupos de interesses. Resta-nos, então, perguntar:

quando a ONU reconhece como direitos, e não apenas como condição, “direitos econômicos,

sociais e culturais”, a quem ela quer, de fato, assegurar tais direitos? Ante a impossibilidade

de assegurar a todos “direitos econômicos, sociais e culturais”, a lógica seguida pela

Organização, talvez, tenha sido a de assegurar, como direitos, aos que já os têm e usufruem:

aos grupos de interesses e aos Estados fortes no seio da própria ONU.

As elites latinoamericanas reagem ante qualquer tentativa de mudança de estruturas,

mesmo diante daqueles que visam tão somente assegurar direitos humanos aos seus

concidadãos. O receio é o de que tais deslocamentos fujam de seu controle e ponham em risco

seus interesses e privilégios. Dom Helder analisa a situação latinoamericana e formula o

seguinte argumento:

Os privilegiados que, sinceramente, se consideram religiosos, aplaudem os

Direitos Fundamentais do Homem, as Encíclicas sociais da Igreja e

Conclusões como as da Assembléia da Hierarquia Latino-Americana, em

Medellín (Colômbia). Qualquer mudança mais brusca – pensam os

privilegiados, com apoio do Governo, preocupado com a ordem social, e dos

militares, preocupados com a Segurança Nacional – será porta-aberta à

infiltração de agitadores profissionais e se fará o jogo dos comunistas

(CAMARA, 1970a, p. 2).

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A defesa contundente dos direitos humanos, para dom Helder, passa pela mudança de

estruturas:

Se os grupos de não-violência [dentro dos USA], sem nenhuma ingenuidade

diante do Comunismo, conseguirem o desmonte da exploração anticomunista

e o desmonte da ideologia da Segurança Nacional, estarão atingindo

estruturas de opressão, já visíveis a olho nu na América Latina, mas sendo

ameaça grave a todo o Terceiro Mundo (CAMARA, 1976e, p. 5).

A mudança de estruturas nos países subdesenvolvidos supõe mudança de estruturas

nos países ricos. A razão do condicionamento para a mudança de estruturas é simples: os

países ricos sustentam, a todo custo, sistema de exploração dos países pobres, a começar pela

“política internacional do comércio”. Em virtude dessa relação de dependência, dom Helder

recomenda às Forças Armadas e as Universidades dos USA:

Ajudai [Forças Armadas e Universidades] os USA a não levar muito longe o

papel messiânico de supervisor do mundo, de guarda da democracia e dos

direitos fundamentais do homem; ajudai os USA a transformar a Aliança para

o Progresso em Aliança para a Justiça e para a Paz; ajudai os USA a

estimular, ao máximo, mudança de suas próprias estruturas; ajudai os USA a

rever os conceitos de capitalismo e socialismo; ajudai os USA a contribuir,

decisivamente, para a refundição da ONU, de modo a evitar discriminações

entre grandes e pequenas potências; ajudai os USA a dar exemplo de revisão

do poderio militar, evitando, de vez, a impressão de que cabe aos militares a

missão de super-Governo (CAMARA, 1969b, p. 5-6).

A violência constitui-se num atentado contra o “direito à segurança social”. A origem

da violência, salvo raras exceções, relaciona-se com situação de miséria. Há, segundo dom

Helder, três tipos de violência: a violência praticada pelo opressor; a violência da resistência

por parte do oprimido e, por fim, a violência do Estado, que age em nome da ordem social,

mas que atua em lugar do opressor (CAMARA, 1969e, p. 1-4). A miséria resulta

institucionalização do colonialismo interno em cooperação o colonialismo externo das

grandes potências.

Se nalgum momento da história do Brasil, o governo proporcionou ensino público à

altura da dignidade desse direito, o sistema educacional, então, atendeu a poucos e atuou

como elemento de discriminação cultural. Abstraindo-se de certo tipo de saudosismo

equivocado atribuído às décadas de 1920 e 1930, temos o imperativo secular de sistema

educacional disfuncional, sujeito aos interesses econômicos de empresários do setor

educacional e, ao mesmo tempo, capaz de alfabetizar sem conscientizar. As elites nacionais e

os Governos latinoamericanos e dos demais países subdesenvolvidos da África e da Ásia,

sobretudo os administrados por militares, “temem o nome de conscientização” (CAMARA,

1969d, p. 5; CAMARA, 1969e, p. 3). A repressão política aparece como medida de contenção

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da ameaça comunista, que se intensifica no país e no continente em termos de terrorismo,

guerrilha urbana e subversão da ordem social.

O termo “democracia” raramente aparece nos pronunciamentos de dom Helder feitos

no exterior, e quando usado não recebe qualquer destaque. Nenhuma tentativa de definição é

esboçada, ao menos nos discursos do período correspondente ao AI-5. Além disso, não se

verifica nenhum esforço de correlação entre os diversos tipos de regimes, a partir da qual se

pudesse tecer algum comentário acerca da situação da democracia no país e na América

Latina.

Os pronunciamentos de dom Helder no próprio país - durante os poucos anos em que

os militares lhe permitem discursar pelas Universidades brasileiras, antes de o considerarem

morto-vivo -, talvez tenham abordado devidamente o termo “democracia” e seus atributos.

Não obstante, a perspectiva adotada pelos governos brasileiros, e por muitos governos da

América Latina, a saber, de restrição crescente da participação democrática e de supressão das

liberdades e dos direitos políticos e civis, tornou-se alvo das críticas de dom Helder no

exterior.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da atividade política da Igreja no Brasil, com eventual incursão também na

América Latina, durante a vigência do AI-5, exigiu revisitar a literatura produzida acerca da

Guerra Fria (evento estendido no tempo, com desdobramentos na arena política

internacional) e da Revolução Cubana (evento pontual, com desdobramentos na política

regional) como os dois grandes pressupostos no quadro de nossa pesquisa.

Nossa análise evidenciou que, com o fim da II Guerra Mundial, o cenário político

internacional recebeu contornos inteiramente novos: o espaço político da bipolaridade,

monopolizado pelos EUA e pela URSS. O suposto embate travado pelas duas superpotências

no campo econômico resultou mais expressivo no campo político-ideológico. As duas

superpotências aprenderam, desde a constatação de poder recíproco de suas forças destrutivas,

a respeitar as diferenças de interesses e de perspectivas de cada uma delas. A compreensão

dessa realidade criou ambiente de estabilidade em mundo bipolar. Nesse contexto, dom

Helder denunciou “a exploração dos países sob influência das duas superpotências e a corrida

armamentista”, esta a produzir “mini-corrida armamentista nos países subdesenvolvidos” sob

pretexto de desenvolvimento econômico e da modernização das Forças Armadas, em prol da

Segurança Nacional.

A Guerra Fria ofereceu-nos mais do que a simples possibilidade de problematização

de determinados conceitos [o embate entre o capitalismo e o socialismo, o inimigo interno (e

externo), a ameaça comunista; o terrorismo; o subversivo; as ditaduras de direita e de

esquerda, Forças Armadas como força policial], pois promoveu, segundo a interpretação dos

militares, a emergência de “ideologia da segurança nacional e internacional”.

No que tange à Revolução Cubana, o grande centro do mundo capitalista [EUA]

ignorou as pretensões de reformas estruturais reivindicadas pelos revolucionários de Sierra

Maestra. O embargo econômico imposto à Ilha caribenha precipitou assédio da superpotência

socialista [URSS], como única solução capaz de manter proposta de mudança sócio-político-

econômico-cultural em Cuba. Como resultado, os EUA convivem até os nossos com o

Estado-Nação socialista em sua soleira.

A Revolução Cubana demonstra, num curto período de tempo, que a revolução

armada representa solução viável para mudança das estruturas sócio-político-econômico-

cultural. Entretanto, a instalação do socialismo em Cuba aprofundou a crise dos governos

populistas no Continente. No curso de uma década, grupo significativo de Estados-Nações

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sulamericanos, de parca experiência democrática, teve o Poder Executivo usurpado pelas

Forças Armadas em parceria com as elites civis, sob alegação de mobilização anticomunista.

Sob o pretexto de combater o avanço do comunismo nos países pobres, as potências

capitalistas patrocinaram golpes militares nas Américas, na África e na Ásia. A permanência

no poder, das ditaduras de direita ou de esquerda, exigia o aberto uso da força, no intuito de

assegurar a “ordem social”, “propriedade privada” e “segurança nacional”. A “segurança

nacional” deixava de ser uma questão de soberania para se tornar uma questão doméstica, de

combate ao “inimigo interno”, o “subversivo”. Assim, o uso da força (desproporcional) se

justifica por si mesmo. Os “defensores da ordem estabelecida” ignoravam, no entanto, o

princípio segundo o qual “a violência atrai violência”. Nessa perspectiva, dom Helder

desaconselha o recurso à violência armada, pois “do lado dos grupos dominantes estão os

fabricantes de armas e de guerras”, mas respeita os que partem, em consciência, em direção

dessa situação limite como única alternativa para se revolver estruturas institucionalizadas.

Análise da sociedade brasileira, das décadas de 1960 e 1970, evidenciou a

necessidade urgente de mudança de estruturas sócio-político-econômico-cultural e religiosa.

No plano social, o enfrentamento dos latifúndios e, por conseguinte, a promoção da reforma

agrária; no plano político, a estabilidade do país sob sistema democrático, que implicava

redemocratização do país e redefinição do papel das Forças Armadas, com ampliação da

participação popular no exercício da cidadania; no plano econômico, a autonomia para

implementação de projeto de desenvolvimento econômico sob princípios de crescimento

autosustentável; no plano cultural, a necessidade de reforma do sistema educacional público

de modo a torná-lo mais inclusivo, humanizador, respeitoso para com a dignidade dos

cidadãos e útil ao desenvolvimento da Sociedade, do Governo, do Estado e da Nação

brasileiros; no plano religioso, a exigência de modernização das estruturas da Igreja através da

assimilação de novos valores socialmente constituídos, nos campos da ética e da moral.

As diretrizes de política externa dos governos militares apresentaram algumas

alterações [maior ou menor aproximação com os demais países da Região; maior ou menor

aproximação dos EUA; maior ou menor expansão para os demais Continentes], porém,

mantiveram-se inalteradas em seus elementos essenciais [a integração regional e a ampliação

do poder de influência do país na arena política internacional]. Enquanto os militares

consideravam de suma importância observar o embate em perspectiva Leste e Oeste, dom

Helder advertia para embate iminente entre Norte e Sul, isto é, entre países ricos e países

pobres. Consideram-se, em perspectivas diferentes, a bipolaridade do sistema internacional.

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Os movimentos “de esquerda” dentro da Igreja (ACB e Comunidades Eclesiais de

Base), ou os movimentos próximos a ela (MEB e a AP), procuraram implementar projeto de

libertação do ser humano (das estruturas de opressão), mediante o processo, que se esperava

fosse curto, capaz de despertar a consciência do ser humano em “situação de escravidão” para

transformá-lo num ser livre. Por essa razão, durante o AI-5, em particular, o termo

conscientização ameaçava Governos, Igreja, Propriedade Privada e a Ordem Estabelecida. Os

movimentos da Igreja, aqueles mais voltados para as questões sociais, passaram a questionar a

atitude de inércia da Instituição. A opção pela sindicalização do homem do campo deu-se

sobretudo por temor em face da expansão das Ligas Camponesas nos anos de 1950.

A mesma disposição não se constata na Igreja dos demais países do Continente,

preocupadas com a “ordem social” e com o “respeito à autoridade”. A natureza transnacional

da Instituição, por si mesma, não assegura uniformidade de ação. Embora a Igreja da América

Latina, através de suas entidades transnacionais [o CELAM e as Conferências Gerais do

Episcopado Latinoamericano e do Caribe] tenha publicado alguns documentos no esforço de

participar efetivamente do processo de integração e do desenvolvimento político-econômico

do Continente, as propostas da Instituição eram pouco consistentes e exigiam a elaboração de

uma “teologia da integração e do desenvolvimento”. Como proposta de integração, a Igreja

sugere sua forma de organização, que avança num crescente desde a dimensão local

(comunidades, paróquias, dioceses) até o nível internacional (Santa Sé). A proposta reafirma

antiga ideia de Igreja como reflexo da “sociedade perfeita”. Como apoio ao desenvolvimento,

empreendeu a defesa da reforma agrária como condição fundamental para o

“desenvolvimento autêntico e integral”.

O estreitamento da arena política doméstica, promovido pelo AI-5, não teve como

seu principal ator dom Helder, mas possivelmente o deputado federal Márcio Moreira Alves,

autor de discurso crítico à política de segurança nacional do governo [Costa e Silva] proferido

na Câmara dos Deputados, em Brasília, nem sua principal vítima, mas os torturados, os

desaparecidos, os mortos. Ainda assim, durante a vigência do AI-5, particularmente entre os

anos de 1968 e 1973, dom Helder é considerado morto-vivo. A radicalização do regime

militar no Brasil contra dom Helder, não se justifica, exceto por um discurso proferido em

Paris, em 1970 [possivelmente sob o título Quelles que soient les consequences, feito de

forma espontânea], no qual teria denunciado práticas de torturas no país e constante atentado

contra os direitos humanos e civis. Desde então, a violência do regime ganhou força, com

perseguição a dom Helder, a dom Pedro Casaldáliga, a dom Adriano Hipólito, a dom Valdir

Calheiros, entre outros, e aos seus respectivos colaboradores, aos dominicanos e outros.

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Assim, a tradicional cooperação política entre os dois grupos de interesses chega ao

fim com a promulgação do AI-5, com o descolamento da Igreja das estruturas do Estado, de

modo a não encontrar semelhança, em toda a história do Brasil, senão com a Proclamação da

República (1889): o fim do padroado. No contexto do golpe, as personalidades mais

influentes da Igreja (eclesiásticos e intelectuais leigos) apóiam ação conjunta dos civis e

militares que resulta na deposição de Goulart. Anos depois, o AI-5 constitui-se no marco de

mudança, parcela significativa da Igreja aparta-se dos golpistas para assumir postura de

oposição ao governo. A violência ganha novas formas e expressões.

A força política da Igreja emergiu exatamente do distanciamento do Estado que

outrora lhe garantia influência e poder. A Igreja deixava de se postar na soleira do Estado,

opção política não sem custos aos futuros projetos político-pastorais da Instituição. A

atividade política da Instituição, quando em extrema divergência com as políticas dos

governos militares, atraiu crítica de membros da hierarquia [dom Geraldo de Proença Sigaud

e dom Castro Mayer] que se encontravam em estreito diálogo com os militares e com a TFP.

O suposto duelo entre Gustavo Corção e Alceu Amoroso Lima, em sentido estrito não

ocorreu, a julgar pelo silêncio de Alceu ante as provocações de Corção. A batalha digna de

nota deu-se no campo dos direitos humanos por instituições não governamentais nacionais e

internacionais, a exemplo da Igreja, da OAB, da Amnesty International.

O argumento comumente usado pelos representantes dos governos militares no

Brasil de que dom Helder “manchava a imagem do país no exterior”, a interpretação dos

“discursos” proferidos no exterior não nos permite chegar a tal conclusão. É de praxe que

após palestras, conferências, discursos, etc. o público participe com suas indagações. Se as

críticas dirigidas ao governo brasileiro e às elites do país foram feitas em resposta às referidas

indagações, não nos é possível, pelos textos do próprio autor, corroborar queixa dos militares.

Se as críticas foram feitas nesse quadro, a estratégia demonstra atitude inteligente, quando o

AI-5 promove o estreitamento do espaço político nacional e suprime a liberdade de expressão.

Os pronunciamentos de dom Helder, no exterior, não se prestam nem à defesa nem à

crítica do regime democrático. A demanda principal da sociedade brasileira e de todos os

demais países subdesenvolvidos da América Latina, África, Ásia, e mesmo dos pobres dos

países desenvolvidos, consiste na mudança de estruturas capaz de assegurar desenvolvimento

humano, e não apenas crescimento econômico para determinados grupos de interesses, em

geral associados às multinacionais estrangeiras.

Em não se tratando de exposição indevida do país no exterior, em razão das duras

críticas, a radicalização dos governos militares contra dom Helder situa-se, provavelmente, no

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esforço de “conscientização das massas empobrecidas”. Os militares e as elites locais temiam

demasiadamente o termo conscientização, a ser protagonizada por “educação libertadora”, a

exemplo dos programas educacionais de Paulo Freire e do MEB. A equação a ser feita é

simples: a situação de miséria na qual se encontravam submetidos milhares de brasileiros e

sulamericanos representa imenso barril de pólvora, prestes a explodir. A conscientização das

massas de sua própria condição de miséria representava o estopim de possível revolução sem

precedentes no Continente. A consciência desse cenário permite dom Helder afirmar contexto

pré-revolucionário na América Latina, com as condições criadas pelos Colonialismos interno

e externo.

A solução proposta por dom Helder para “mudança de estruturas” resulta de

“educação libertadora”, capaz de promover a “conscientização das massas marginalizadas”,

com o auxílio das “Comunidades Eclesiais de Base” (CEBs) e da “Teologia da Libertação”

(TdL). A “educação libertadora” constitui-se em programa de ação das “Minorias

Abraâmicas”, sedentas por justiça e espalhadas por todo o mundo, a ser desenvolvido segundo

o método da “violência dos pacíficos”, no intuito de gerar e exercer “pressão moral

libertadora”. Se os pronunciamentos de dom Helder na arena política doméstica permitem

interpretar possível movimento seu em direção à resistência armada ao regime militar – e

disso não tenho qualquer informação –, o mesmo não pode ser dito dos pronunciamentos de

dom Helder no Exterior. A “pressão moral libertadora”, resultante da “violência dos

pacíficos”, é de responsabilidade das “Minorias Abraâmicas” . O movimento da “não violenta

ativa” afirma-se como pacífico, mas deveria demonstrar articulação e coragem para enfrentar

os senhores das armas e das guerras. A natureza do movimento diversifica-se com o tempo e

circunstâncias históricas. Inicialmente, espera-se mobilização das Minorias Abraâmicas

através dos “meios de comunicação das massas”. Contudo, com o controle exercido pelos

governos repressivos sobre os referidos meios de comunicação, a mobilização caberia às

universidades.

As demandas da sociedade brasileira transnacionalizadas por dom Helder [a

mudança de estruturas, o combate aos colonialismos, a segurança nacional sem a manutenção

de desordem institucionalizada, a promoção da justiça, o banimento da fome e da miséria]

representaram a internacionalização dos grandes desafios dos Estados, dos Governos e das

Sociedades no século XX, e a serem enfrentados no século XXI, no esforço de assegurar,

senão de forma plena, ao menos de modo parcial, os direitos humanos.

Não nos é possível afirmar, isento de qualquer equívoco, que a Igreja tenha

conseguido capitanear apoio às demandas da sociedade brasileira transnacionalizadas por dom

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Helder na arena política internacional. A Igreja no Brasil se encontrava demasiadamente

voltada para si mesma, a discutir e a encaminhar [método de ação, diretrizes pastorais,

construção de comunidades], questões relevantes para a consolidação da Instituição, mas que

retardou a percepção pela Igreja de que os problemas da sociedade brasileira eram, em sua

maioria, os mesmos dos países subdesenvolvidos em todos os Continentes.

Além disso, a Igreja no Brasil apequenou-se diante da notoriedade adquirida por

dom Helder. A popularidade de dom Helder na arena política internacional, na condição de

“promotor da justiça e da paz”, lhe rendeu sucessivas indicações ao Prêmio Nobel da Paz

(1971, 1972 e 1973) e vários títulos e prêmios a exemplo do Prêmio Popular da Paz

[equivalente financeiro ao Nobel da Paz] recebido na Noruega. A notoriedade que rendeu a

dom Helder títulos e prêmios o “descolou” dos demais colegas da CNBB, de modo a ser

considerado único ator da Igreja na arena política internacional. Os demais bispos iam à

Roma, para discutir com o Papa assuntos internos da Igreja, enquanto dom Helder

intensificava seus contatos com os representantes de Governos, Universidades, Associações e

com os Empresários na Europa e nos EUA.

Se os pronunciamentos de dom Helder eram consoantes com o contexto histórico

internacional, por que não obtiveram os resultados pretendidos? Os resultados dos

pronunciamentos de dom Helder talvez jamais pudessem ser mensuráveis, a não ser que se

efetivasse mudança de estruturas (injustas) em âmbito internacional capaz de arrancar da

miséria os 2/3 da população mundial, considerada a pior de todas as guerras.

À reivindicação de mudança de estruturas, dom Helder não oferece elementos

substitutivos claros e passíveis de adoção pela comunidade internacional e, em última

instância, todas as suas propostas dependiam de adesão pessoal por meio de sensibilidade

generosa. Não faltou a dom Helder, e os textos nos asseguram isso, a real percepção da

profundidade das estruturas capitalistas. Contudo, parece ter escapado a dom Helder

determinado grau de realismo para perceber que, mesmo a ONU, com poder de enforcement,

não conseguiu, e talvez jamais consiga, empreender grandes mudanças no sistema

internacional. Com isso, não queremos afirmar a permanência ad infinitum do sistema

internacional.

Também não afirmamos, com os realistas clássicos, a necessidade de recorrer a poder

de enforcement para se mudar estruturas internacionais, pois cairíamos na histórica

ineficiência das instituições e organizações transnacionais. O símbolo de maior expressão

dessa ineficiência é a própria ONU, que mesmo possuindo a capacidade de constranger,

acumula ainda poder de retaliação, sanção, embargo e de coerção pela força, em termos

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militares. A ONU, criada para garantir paz internacional e estimular o fortalecimento das

democracias, após acumular série de descumprimento de suas orientações, sobretudo em

contexto de declaração de guerras, reduziu-se a organização de assistência humanitária.

Quanto ao Itamaraty, o monopólio da instituição no processo de elaboração e de

implementação de política externa brasileira expressa, entre outros elementos, o

conservadorismo e o corporativismo da Instituição. Nos últimos anos, Assessorias

governamentais e empresariais transnacionalizam suas demandas e seus interesses sem levar

em conta as orientações do Itamaraty. Não se trata de atuação ilegal no cenário internacional,

mas de quebra do monopólio de representação.

A análise dos discursos, cartas e anotações feitas por dom Helder, referentes à

política nacional, não se constituíram em objeto de nossa pesquisa, visto que muitos trabalhos

já foram publicados, muitos estão em andamento, e muitos poderão ser produzidos a depender

da perspectiva adotada. Nosso esforço consistiu na exposição das demandas da sociedade

brasileira transnacionalizadas por dom Helder através da análise dos seus pronunciamentos no

exterior.

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238

7. ANEXO A:

EXPRESSÕES QUE SE REPETEM NOS DISCURSOS DE DOM HELDER CAMARA

COM A INDICAÇÃO DE LOCAL, DATA E PÁGINAS DOS REFERIDOS DISCURSOS.

FRAGMENTO LOCAL DATA PÁGINAS

À Igreja recomenda-se abrir mão

de prestígio e de reconhecimento

para expor-se a situações limites

como a defesa do subversiva em

nome do Evangelho.

Liège – Bélgica

Berlim – Alemanha

Londres – Inglaterra

Lyon – França

Caracas – Venezuela

Munique – Alemanha

Münster – Alemanha

Münster – Alemanha

Tucson / Arizona - USA

Tucson / Arizona – USA

Oslo – Noruega

Oslo – Noruega

Roma – Itália

Milão – Itália

Lima – Peru

Lima – Peru

Leeds – Inglaterra

Bruxelas – Bélgica

Filadélfia – USA

Washington – USA

19.04.1968

16-25.04.1968

13.04.1969

24.05.1970

24.08.1971

20.06.1972

21.06.1972

22.06.1972

24-27.04.1973c

24-27.04.1973d

24.08.1973

10.02.1974

26.09-16.10.1974

19.06.1974b

05.09.1975

06-13.09.1975

21.10.1975

23.10.1975

03.08.1976

01.07.1977

5

4*

3 e 4*

3*

3*

4

2

1

2

4

5

2

2

3 e 4

4

5

4

2

6

5

A grande caridade dos nossos

tempos consiste em trabalhar pela

Justiça

Zurique – Suíça

Caracas – Venezuela

Tucson / Arizona – USA

Oslo – Noruega

Washington – USA

Roma – Itália

Filadélfia – USA

Quebec – Canadá

Woodlands/Texas – USA

16.07.1971

24.08.1971

24-27.04.1973a

24.08.1973

28.08.1973

26.09-16.10.1974

02.08.1976

26.02.1977

02-04.10.1977

3

7

5

2

6

3

2 e 3

3

3

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239

Apresentação de Cristianismo

Passivo aos cristãos e suas

consequências

Berlim – Alemanha

Nashville – USA

Caracas – Venezuela

Munique – Alemanha

Bruxelas – Bélgica

Oslo – Noruega

Roma – Itália

Filadélfia – USA

16-25.04.1968

27.05.1971

24.08.1971

20.06.1972b

19.05.1973

24.08.1973

26.09-16.10.1974

03.08.1976

2 e 4 *

2*

3*

4

4

3

1

3

Ajudas ao Terceiro Mundo são

necessárias, porém, insuficientes,

pois feitas ao preço de injustiças

terríveis (ou à custa do

agravamento da miséria) da

política internacional do comércio

Paris – França

Dakar – África

Massachusets – USA

Manchester – Inglaterra

Salzburg – Áustria

Zurique – Suíça

Forthom – USA

Munique- Alemanha

Leiden – Holanda

Uppsala – Suécia

Grenoble – França

Viena – Áustria

25.04.1968b

05-12.12.1968

27.01.1969

08.04.1969

20.05.1970

16.06.1971

17.01.1972

20.06.1972

24.05.1973

25.05.1973

08.03.1975

04.07.1975

3*

1 e 2

4

3

3

3 e 4

1, 2 e 3

5

4

2

4

2

Assembleias da UNCTAD

(ocasiões de esperança e de

frustrações para os países do

Terceiro Mundo)

Liége – Bélgica

Paris – França

Paris – França

Winnipeg – Canadá

Montreux – Suíça

Uppsala – Suécia

Bonn – Alemanha

Zurique – Suíça

Caracas – Venezuela

Caracas – Venezuela

Kansas – USA

Forthom – USA

Münster - Alemanha

Tucson / Arizona - USA

Estocolmo – Suécia

Rauland – Noruega

Washington – USA

Houston – USA

Turim – Italia

Londres – Inglaterra

19.04.1968

25.04.1968a

25.04.1968b

13.01.1970

29.01.1970

27.05.1970

23.10.1970

16.06.1971

24.08.1971

21-27.11.1971

15.01.1972

17.01.1972

2.06.1972

24-27.04.1973b

26.05.1973

22.08.1973

28.08.1973

03-08.12.1973

20.10.1974

22.10.1975

6

3

2-3

4

1 e 5

5

1 e 6

3

1

2

4

4

3

3

6

3 e 4

3

2 e 3

2

2

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240

Clube de Roma (análise econô-

mica em perspectiva dos países

desenvolvidos e produção de

relatórios)

Toronto – Canadá

Paris – França

Grenoble – França

Bolonha – Itália

Florença – Itália

03.02.1975

07.03.1975

08.03.1975

24.11.1977

28.11.1977

1-3

5

1-3

2

1

Clube de Dakar (análise sócio-

econômica dos países

subdesenvolvidos e produção de

relatórios)

Grenoble – França

Florença - Itália

08.03.1975

28.11.1977

3

2

Colonialismo (Interno e Externo)

e sua aliança natural com

ditaduras de direita e com

organizações que impedem a

emergência de governos de

esquerda

Liège – Bélgica

Paris – França

Berlim – Alemanha

New York – USA

Manchester – Inglaterra

Londres – Inglaterra

Santiago – Chile

Winnipeg – Canadá

Canadá – USA – Suíça

Lyon – França

Bonn – Alemanha

Bonn – Alemanha

Wurzburg – Alemanha

Nashville – USA

Friburg – Suíça

Caracas – Venezuela

Estocolmo – Suécia

Kansas – USA

Freiburg – Alemanha

Londres – Inglaterra

Bruxelas – Bélgica

Bruxelas – Bélgica

Oslo – Noruega

Roma – Itália

Chicago – USA

Toronto – Canadá

Lima – Peru

Ohio – USA

Minneapolis – USA

Leeds – Inglaterra

Londres – Inglaterra

Bruxelas – Bélgica

Filadélfia – USA

Quebec – Canadá

Bolonha – Itália

Vicenza – Itália

19.04.1968

25.04.1968

16-25.04.1968

26.01.1969

08.04.1969

13.04.1969

18.04.1969

13.01.1970

01.1970

24.05.1970

23.10.1970a

23.10.1970b

23.05.1971

27.05.1971

17.07.1971

24.08.1971

11.09.1971

15.01.1972

23.06.1972

26.06.1972

19.05.1973

21.05.1973

24.08.1973

26.09-26.10.1974

29.10.1974

03.02.1975b

06-13.09.1975

16.10.1975

17.10.1975

21.10.1975

22.10.1975

24.10.1975

03.08.1976

26.02.1977

24.11.1977

27.11.1977

2

2

2

2

2

3

3

2

1

4

3

1 e 2

3

2

1 – 3

1, 5 e 7

2

4

2

3 e 4

4

2

4

3 – 5

2

1

2

2

1

3

2

4

1

2

3, 5 e 6

5

Page 241: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

241

Combater (ou evitar) o avanço do

comunismo implantando ditadu-

ras (de direita) em resposta à

“ação subversiva e comunista”

New York – USA

Canadá – USA – Suíça

Salzburg – Áustria

Munique – Alemanha

Freiburg – Alemanha

Londres – Inglaterra

Houston – USA

Zurique – Suíça

Cambridge – USA

Lima – Peru

Leeds – Inglaterra

Indiana – USA

Filadélfia – USA

Filadélfia – USA

Pensilvânia – USA

Washington – USA

Bolonha – Itália

01.1970

01.1970

20.05.1970

20.06.1972

23.06.1972

24.06.1972

03-08.12.1973

09.02.1974

13.06.1974

05.09.1975

21.10.1975

16.05.1976

02.08.1976

03.08.1976

23.11.1976

01.07.1977

24.11.1977

5

2 e 3

3*

4

5, 6 e 7

4

4 e 5

1 e 2

5

2-3

2

5

3

6

2 e 5

5

3

Corrida Armamentista

Manchester – Inglaterra

Bonn – Alemanha

Caracas – Venezuela

Kansas – USA

Fordhom – USA

Uppasala – Suécia

Washington – USA

Cambridge – USA

Roma – Itália

Chicago – USA

Ottawa – Canadá

Grenoble – França

Viena – Áustria

Leeds – Inglaterra

Londres – Inglaterra

Bruxelas – Bélgica

Indiana – USA

Filadélfia – USA

Woodlands / Texas – USA

Atenas – Grécia

Bolonha – Itália

Vicenza – Itália

Florença – Itália

08.04.1969

23.10.1970a

21-27.11.1971

15.01.1972

17.01.1972

25.05.1973

28.08.1973

13.06.1974

26.09-26.10.1974

29.10.1974

01.02.1975

08.03.1975

04.07.1975

21.10.1975

22.10.1975

24.10.1975

16.05.1976

02.08.1976

02-04.10.1977

05,06,07.10.1977

24.11.1977

27.11.1977

28.11.1977

3

4

3

1 e 2

2

2, 3 e 4

2

5

2

8

6

5

2

3

2

2

3

2

3

1

2

4

3

Page 242: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

242

Comissão Trilateral (e a teoria

dos graus de democracia)

Atenas – Grécia

Bolonha – Itália

Florença – Itália

05,06,07.10.1977

24.11.1977

28.11.1977

2

3

3 e 4

Comunidades de Base (CEBs):

instrumentos de mobilização das

“Minorias” e considerada como a

grande esperança da Igreja

Münster – Alemanha

Tucson / Arizona - USA

Toronto – Canadá

Lima – Peru

Leeds – Inglaterra

Filadélfia – USA

Pensilvânia – USA

Toronto – Canadá

Washington – USA

Atenas – Grécia

Vicenza - Itália

22.06.1972

24-27.04.1973c

04.02.1975

06-13.09.1975

21.10.1975

03.08.1976

23.11.1976

27.02.1977

01.07.1977

05,06,07.10.1977

27.11.1977

2

5

3

3

4

5

5 e 6

4

4

2

3

Defesa da Justiça (acusação de

subversivo e comunista)

Milão – Itália

Lima – Peru

Lima – Peru

Minneapolis – USA

Bruxelas – Bélgica

Pensilvânia – USA

07.11.1972

05.09.1975

06-13.09.1975

17.10.1975

23.10.1975

23.11.1976

6

2-5

4

1

4-5

3

Demonstrar (e denunciar) as

estruturas de opressão (ou

criadoras da miséria)

Uppsala – Suécia

Estocolmo – Suécia

Rauland – Noruega

Oslo – Noruega

Washington – USA

Houston – USA

Cambridge – USA

Milão – Itália

Filadélfia – USA

Pensilvânia – USA

Vicenza – Itália

25.05.1973

26.05.1973

22.08.1973

24.08.1973

28.08.1973

03-08.12.1973

13.06.1974

19.06.1974b

03.08.1976

23.11.1976

27.11.1977

5

5 e 6

3-7

4

5 e 6

1 e 3

4

5

5

5

3

Desenvolvimento integral (ou

autêntico), mas não a um preço

desumano

Liége – Bélgica

Canadá – USA – Suíça

Bonn – Alemanha

Houston – USA

Viena – Áustria

19.04.1968

01.1970

23.10.1970b

03-08.12.1973

04.07.1975

4

3

1

1 e 2

1

Page 243: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

243

Substituição do conceito de

Desenvolvimento, já gasto, pela

ideia de Libertação

Bruxelas – Bélgica

Leiden – Holanda

Turim – Itália

Quebec – Canadá

21.05.1973

24.05.1973

20.10.1974

26.02.1977

5 e 6

5

3

1 e 2

Desenvolvimento é o novo nome

da paz

Berlim – Alemanha

Canadá – USA – Suíça

Bonn- Alemanha

Estocolmo – Suécia

Quebec – Canadá

16-25.04.1968

01.1970

23.10.1970a

11.09.1971

26.02.1977

1

2

7

1

4

Direitos Humanos

Paris – França

Paris – França

Estocolmo – Suécia

Roma – Itália

Leeds – Inglaterra

Toronto – Canadá

Woodlands / Texas – USA

25.04.1968a

25.04.1968b

26.05.1973

26.09-26.10.1974

21.10.1975

27.02.1977

2-4.10.1977

4-5

4

3-5

3

4

4

3

Dilapidação dos Recursos Natu-

rais (petróleo, água, alimentos,

etc.) à custa dos miseráveis

Estocolmo - Suécia

Paris – França

Bolonha - Itália

26.05.1973

07.03.1975

24.11.1977

3-6

6

2

Distorções do Socialismo e do

Capitalismo

Munique – Alemanha

Milão – Itália

Bruxelas- Bélgica

20.06.1972

07.11.1972

24.10.1975

5

1-5

3

Escolas Superiores de Paz

Paris – França

Bolonha – Itália

07.03.1975

27.11.1977

4 e 5

2

Educação Libertadora (capaz

de instiga a conscientização e a

promoção humana)

Friburg – Suíça

Leiden – Holanda

Filadélfia – USA

Quebec – Canadá

17.07. 1971

24.05.1973

03.08.1976

26.02.1977

3 e 4

5

5

5

Page 244: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

244

O pseudo-embate entre Leste/

Oeste e verdadeiro confronto

Norte/Sul

Indiana - USA

16.05.1976

4

Fabricar armas (e guerras) para

exportar para países pobres que

não dispõem sequer do necessário

para suas populações

Kansas – USA

Leiden – Holanda

Davos – Suíça

Zurique – Suíça

Oslo – Noruega

Frankfurt – Alemanha

Turim – Itália

Chicago – USA

Grenoble – França

Londres – Inglaterra

15.01.1972

24.05.1973

06.02.1974

09.02.1974

10.02.1974b

11.02.1974

20.10.1974

29.10.1974

08.03.1975

22.10.1975

1

5

5

5

4

3

1 e 2

8

5

2

FAO

Toronto - Canadá

27.02.1977

1, 2 e 3

Força moral (ou pressão moral

libertadora) contra as estruturas

de opressão

Liège – Bélgica

Detroit – USA

Montreux – Suíça

Salzburg – Áustria

Tucson – Arizona - USA

Bruxelas – Bélgica

Rauland – Noruega

Oslo – Noruega

Houston – USA

Davos – Suíça

Zurique – Suíça

Oslo – Noruega

Roma – Itália

Milão – Itália

Ottawa – Canadá

Montreal – Canadá

Bruxelas – Bélgica

Bruxelas – Bélgica

Woodlands / Texas - USA

19.04.1968

01.1970

29.01.1970

20.05.1970

24-27.04.1973c

19.05.1973

22.08.1973

24.08.1973

03-08.12.1973

06.02.1974

06.02.1974

10.02.1974b

26.09-26.10.1974

19.06.1974a

01.02.1975

02.02.1975

23.10.1975

24.10.1975

2-4.10.1977

4

5

5 e 6

5

2

6 e 7

7

6-8

1, 4-7

5

2 – 6

5

5

4

10

4

4

4

3

Page 245: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

245

Guerra contra a Miséria

(equiparada às guerras nuclear e

bioquímica), que mata mais do

que as guerras mais sangrentas

Paris – França

Londres – Inglaterra

Canadá – USA – Suíça

Atlanta – USA

Estocolmo – Suécia

Kansas – USA

Tucson – Arizona - USA

Bruxelas - Bélgica

Uppsala - Suécia

Estocolmo – Suécia

Washington – USA

Houston – USA

Zurique – Suíça

Frankfurt – Alemanha

Cambridge – USA

Turim – Itália

Paris – França

Londres – Inglaterra

Bruxelas – Bélgica

25.04.1968

13.04.1969

01.1970

12.08.1970

11.09.1971

15.01.1972

24-27.04.1973b

19.05.1973

25.05.1973

26.05.1973

28.08.1973

03-08.12.1973

09.02.1974

11.02.1974

13.06.1974

20.10.1974

07.03.1975

22.10.1975

23.10.1975

5

1-5*

1

3

1

2

3

6

4

2, 5 e 6

3 e 4

4

3

2 e 3

5 e 6

5

3

1

2

Guerra contra as Injustiças

(fonte de todas as violências) e a

Repressão de Governos Autori-

tários

Caracas – Venezuela

Tucson – Arizona - USA

Londres – Inglaterra

24.08.1971

24-27.04.1973b

22.10.1975

7

1

2

Guerra contra as Guerras

(denunciar as consequências

trágicas das guerras bioquímica e

nuclear)

Uppsala – Suécia

Davos – Suíça

Oslo – Noruega

Londres – Inglaterra

Pensilvânia – USA

25.05.1973

06.02.1974

10.02.1974b

22.10.1975

23.11.1976

2 e 3

6

2

2

2

Guerra-Fria

Manchester – Inglaterra

Washington – USA

Indiana – USA

08.04.1969

28.08.1973

16.05.1976

3

2

3

Page 246: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

246

Grupos (ou Minorias) defensores

da justiça e construtores de

mundo melhor

Orleans – França

Tucson / Arizona - USA

Uppsala – Suécia

Rauland – Noruega

Oslo – Noruega

Washington – USA

Houston – USA

Zurique – Suíça

Oslo – Noruega

Oslo – Noruega

Frankfurt – Alemanha

Cambridge - USA

Atenas – Grécia

Bolonha – Itália

Vicenza – Itália

25.05.1970

24-27.04.1973b

25.05.1973

22.08.1973

24.08.1973

28.08.1973

03-08.12.1973

09.02.1974

10.02.1974a

10.02.1974b

11.02.1974

13.06.1974

05,06,07.10.1977

24.11.1977

27.11.1977

4

6 e 7

3 e 4

6 e 7

6-8

4

7

5 e 6

2

4 e 5

4

4-6

2

1 e 4

3 e 4

Injustiça (ou miséria), fonte de

todas as violências.

Salzburg – Áustria

Atlanta – USA

Bonn – Alemanha

Bonn – Alemanha

Estocolmo – Suécia

Viena – Áustria

20.05.1970

12.08.1970

23.10.1970a

23.10.1970b

11.09.1971

04.07.1975

4

4

4

5

3 e 4

4

Justiça e Liberdade, em termos

de Direitos

Estocolmo – Suécia

Oslo – Noruega

Zurique – Suíça

Ottawa – Canadá

Viena – Áustria

26.05.1973

24.08.1973

09.02.1974

01.02.1975

04.07.1975

3

2

2

10

6

Segurança Nacional e força de

intervenção

Londres – Inglaterra

Winnipeg – Canadá

Bonn – Alemanha

Tucson / Arizona – USA

Houston – USA

Zurique – Suíça

Minneapolis – USA

Leeds – Inglaterra

Londres – Inglaterra

Indiana – USA

Filadélfia – USA

Pensilvânia – USA

Woodlands / Texas – USA

Atenas – Grécia

Bolonha – Itália

13.04.1969

13.01.1970

23.10.1970

24-27.04.1973

03-08.12.1973

09.02.1974

17.10.1975

21.10.1975

22.10.1975

16.05.1976

03.08.1976

23.11.1976

02-04.10.1977

05,06,07.10.1977

24.11.1977

4*

2*

2

1

1, 3 e 4

1 e 3

3 e 4

3

3

4 e 5

6

2

3

2

3

Page 247: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

247

Justiça como condição (ou

caminho) para a paz

Berlim – Alemanha

Londres – Inglaterra

Detroit – USA

Winnipeg – Canadá

Montreux – Suíça

Salzburg – Áustria

Lyon – França

Orleans –França

Kyoto – Japão

Bonn – Alemanha

Bonn – Alemanha

Zurique – Suíça

Kansas – USA

Münster – Alemanha

Freiburg – Alemanha

Londres – Inglaterra

Milão - Itália

Tucson / Arizona - USA

Bruxelas – Bélgica

Oslo – Noruega

Oslo – Noruega

Cambridge - USA

Roma – Itália

Toronto – Canadá

Paris – França

Grenoble – França

Lima – Peru

Devenport – USA

Leeds – Inglaterra

Bruxelas – Bélgica

Bruxelas – Bélgica

Indiana – USA

Filadélfia – USA

Filadélfia – USA

Pensilvânia – USA

Quebec – Canadá

Bolonha – Itália

16-25.04.1968

13.04.1969

01.1970

13.01.1970

29.01.1970

20.05.1970

24.05.1970

25.05.1970

20.10.1970

23.10.1970a

23.10.1970b

16.06.1971

15.01.1972

21.06.1972

23.06.1972

24.06.1972

07.11.1972

24-27.04.1973a

19.05.1973

24.08.1973

10.02.1974b

13.06.1974

26.09-26.10.1974

03.02.1975

07.03.1975

08.03.1975

05.09.1975

18.10.1975

21.10.1975

23.10.1975

24.10.1975

16.05.1976

02.08.1976

03.08.1976

23.11.1976

26.02.1977

24.11.1977

1

5

6

6

6

1

2 e 5

4

3 e 4*

7*

4

4

4

1 e 2

6

1

5

4

4 e 6

4 e 7

1

6

2

6

5

5

1

3 e 5

4 e 5

5

5

2

4

6

4

1

5

Lucro / Concorrência

Wurzburg – Alemanha

Caracas – Venezuela

Fordhom – USA

Londres – Inglaterra

Bruxelas – Bélgica

Davos – Suíça

23.05.1971

21-27.11.1971

17.01.1972

24.06.1972

21.05.1973

06.02.1974

3

2

3

4

7

2

Page 248: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

248

Política Internacional do

Comércio (promotora de

injustiças, miséria e fome)

Kyoto – Japão

Bonn – Alemanha

Alajuela / Costa Rica

Zurique – Suíça

Caracas – Venezuela

Estocolmo – Suécia

Kansas – USA

Fordhom – USA

Munique – Alemanha

Londres – Inglaterra

Freiburg – Alemanha

Turim – Itália

Tucson / Arizona – USA

Bruxelas – Bélgica

Leiden – Holanda

Uppsala – Suécia

Oslo – Noruega

Washington – USA

Houston – USA

Davos – Suíça

Oslo – Noruega

Frankfurt – Alemanha

Cambridge – USA

Ottawa – Canadá

Toronto – Canadá

Toronto – Canadá

Paris – França

Grenoble – França

Londres – Inglaterra

Bruxelas – Bélgica

Filadélfia – USA

Woodlands / Texas – USA

Florença – Itália

20.10.1970

23.10.1970b

30.05.1971

16.06.1971

24.08.1971

11.09.1971

15.01.1972

17.01.1972

20.06.1972b

24.06.1972

23.06.1972

06.11.1972

24-27.04.1973b

19.05.1973

24.05.1973

25.05.1973

24.08.1973

28.08.1973

03-08.12.1973

06.02.1974

10.02.1974b

11.02.1974

13.06.1974

01.02.1975

03.02.1975

04.02.1975

07.03.1975

08.03.1975

22.10.1975

24.10.1975

02.08.1976

02-04.10.1977

28.11.1977

2 e 3*

1 e 4

5

3 e 4

1, 7 e 8

3

3

2

3

4

4-6

1

1-6

4

4

5

4

3

7

4

4

3

2

4 e 6

4

3 e 4

3 e 4

4 e 5

2

2

2 e 3

3

1

“Prudência” excessiva da Igreja

na defesa da ordem, no respeito

às autoridades e na salvaguarda

da propriedade

Winnipeg – Canadá

Woodlands / Texas – USA

New York – USA

13.01.1970

2-4.10.1977

01.1970

2*

3

8

Page 249: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

249

Mais de 2/3 dos homens sub-

humanizados pela miséria e pela

fome

Manchester – Inglaterra

Bruxelas – Bélgica

Uppsala – Suécia

Bonn – Alemanha

Zurique – Suíça

Caracas – Venezuela

Munique – Alemanha

Londres – Inglaterra

Milão – Itália

Tucson / Arizona - USA

Bruxelas – Bélgica

Roma – Itália

Turim – Itália

Ottawa – Canadá

Montreal – Canadá

Toronto – Canadá

Paris – França

Viena – Áustria

Lima – Peru

Lima – Peru

Ohio – USA

Devenport – USA

Leeds – Inglaterra

Londres – Inglaterra

Bruxelas – Bélgica

Bruxelas – Bélgica

Indiana – USA

Filadélfia – USA

Filadélfia – USA

Pensilvânia – USA

Quebec – Canadá

Toronto – Canadá

Washington – USA

Woodlands / Texas – USA

Atenas – Grécia

Bolonha – Itália

Vicenza – Itália

Florença – Itália

08.04.1969

21.05.1970

27.05.1970

23.10.1970

16.06.1971

24.08.1971

20.06.1972a

24.06.1972

07.11.1972

24-27.04.1973b

19.05.1973

26.09-26.10.1974

20.10.1974

01.02.1975

02.02.1975

04.02.1975

07.03.1975

04.07.1975

05.09.1975

06-13.09.1975

10.10.1975

18.10.1975

21.10.1975

22.10.1975

23.10.1975

24.10.1975

16.05.1976

02.08.1976

03.08.1976

23.11.1976

26.02.1977

27.02.1977

01.07.1977

2-4.10.1977

5,6,7.10.1977

24.11.1977

27.11.1977

10.12.1978

2 e 5

3

2 e 4

5 e 7

3

7

1

2

2

3

6

1, 2 e 3

3

4

2, 3 e 4

3

3

4

2

2 e 4

1 – 4

3

2 e 4

4

2 e 4

1, 3 e 4

4-5

2-3

1 e 4

3 e 4

2, 3 e 5

3

2

1 e 3

1

2 e 4

1

4

Não me sinto estrangeiro em

parte nenhuma do mundo

New York – USA

Uppsala - Suécia

01.1970

27.05.1970

6

1

Page 250: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

250

Manutenção da ordem social e da

autoridade (isto é, desordem

estabelecida ou injustiça estrati-

ficada, ou institucionalizada)

Londres – Inglaterra

Winnipeg – Canadá

Montreux – Suíça

Wurzburg – Alemanha

Nashville – USA

Caracas – Venezuela

Munique – Alemanha

Münster – Alemanha

Freiburg – Alemanha

Londres – Inglaterra

Florença – Itália

Tucson / Arizona - USA

Tucson – Arizona - USA

Tucson – Arizona - USA

Bruxelas – Bélgica

Roma – Itália

Milão – Itália

Lima – Peru

Lima – Peru

Filadélfia – USA

Quebec – Canadá

Bolonha – Itália

Vicenza – Itália

13.04.1969

13.01.1970

29.01.1970

23.05.1971

27.05.1971

24.08.1971

20.06.1972

21.06.1972

23.06.1972

24.06.1972

05.11.1972

24-27.04.1973a

24-27.04.1973b

24-27.04.1973d

19.05.1973

26.09-16.10.1974

19.06.1974b

05.09.1975

06-13.09.1975

03.08.1976

26.02.1977

24.11.1977

27.11.1977

3

2*

3*

5

2*

3, 6 e 7

4 e 6

1

5 e 6

2

2

2 e 3

2

4

4

1 e 3

4 e 5

1 e 2

2

3 e 5

5

5

3

Minorias Abraâmicas

Salzburg – Áustria

Wurzburg – Alemanha

Nashville – USA

Alajuela – Costa Rica

Friburg – Suíça

Caracas – Venezuela

Kansas – USA

Münster – Alemanha

Münster – Alemanha

Florença – Itália

Cambridge – USA

Grenoble – França

Viena – Áustria

Leeds – Inglaterra

Bruxelas – Bélgica

Indiana – USA

Pensilvânia – USA

20.05.1970

23.05.1971

27.05.1971

30.05.1971

17.07.1971

21-27.11.1971

15.01.1972

21.06.1972

22.06.1972

05.11.1972

13.06.1974

08.03.1975

04.07.1975

21.10.1975

24.10.1975

16.05.1976

23.11.1976

1 e 2

6

5

9 e 10

6

3

5

3

5 e 6

5

1

5

5, 6 e 7

4 e 5

4 e 5

5

4

Page 251: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

251

Mudança (ou conversão) das

Estruturas de opressão nos países

pobres e ricos

Liège – Bélgica

Paris – França

Paris – França

Dakar – África

Massachusets – USA

Massachusets – USA

Manchester – Inglaterra

Londres – Inglaterra

Santiago – Chile

Detroit – USA

Canadá – USA e Suíça

Montreux – Suíça

Salzburg – Áustria

Wurzburg – Alemanha

Nashville – USA

Zurique – Suíça

Friburg – Suíça

Fordhom – USA

Münster – Alemanha

Münster – Alemanha

Florença – Itália

Turim – Itália

Tucson – Arizona - USA

Tucson – Arizona – USA

Cambridge – USA

Bruxelas – Bélgica

Chicago – USA

Ottawa – Canadá

Montreal – Canadá

Grenoble – França

Lima – Peru

Bruxelas – Bélgica

Bruxelas – Bélgica

Filadélfia – USA

Filadélfia – USA

Quebec- Canadá

Toronto – Canadá

Washington – USA

Woodlands / Texas – USA

Bolonha – Itália

Vicenza - Itália

19.04.1968

25.04.1968a

25.04.1968b

05-12.12.1968

08.04.1969

27.01.1969

08.04.1969

13.04.1969

18.04.1969

01.1970

01.1970

29.01.1970

20.05.1970

23.05.1971

27.05.1971

16.06.1971

17.07.1971

17.01.1972

21.06.1972

22.06.1972

05.11.1972

06.11.1972

24-27.04.1973a

24-27.04.1973b

13.06.1974

19.05.1973

29.10.1974

01.02.1975

02.02.1975

08.03.1975

05.09.1975

23.10.1975

24.10.1975

02.08.1976

03.08.1976

26.02.1977

27.02.1977

01.07.1977

02-04.10.1977

24.11.1977

27.11.1977

4 e 5

1 e 3

3, 6 e 7*

4 e 5

3 e 5

4

6

3 e 4

2, 3 e 4*

5

4

5*

2 e 4

7

4 e 5

4

4 e 5

1 e 4

1

1

5 e 6

6

3 e 5

2-7

4

4, 6 e 7

9

10

2 e 3

4

3 e 5

3

1, 3 e 4

2

4

5

3

3 e 4

3

4

1

Page 252: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

252

Multinacionais aliadas ao colônia-

lismo interno (complexo de forças

e alianças econômico-militar)

Tucson – Arizona - USA

Bruxelas - Bélgica

Bruxelas – Bélgica

Turim – Itália

Chicago – USA

Toronto – Canadá

Paris – França

Grenoble – França

Viena – Áustria

Lima - Peru

Minneapolis – USA

Bruxelas – Bélgica

Bruxelas – Bélgica

Indiana – USA

Filadélfia – USA

Filadélfia – USA

Pensilvânia – USA

Quebec – USA

Toronto – USA

Washington – USA

Atenas – Grécia

Atenas – Grécia

Bolonha – Itália

Vicenza – Itália

Florença – Itália

24-27.04.1973b

19.05.1973

21.05.1973

20.10.1974

29.10.1974

03.02.1975b

07.03.1975

08.03.1975

04.07.1975

06-13.09.1975

17.10.1975

23.10.1975

24.10.1975

16.05.1976

02.08.1976

03.08.1976

23.11.1976

26.02.1977

27.02.1977

01.07.1977

05,06,07.10.1977a

05,06,07.10.1977b

24.11.1977

27.11.1977

28.11.1977

7

4, 5 e 6

1 – 7

4

8

2 e 3

3 e 4

5 e 6

3 e 4

5

2

2

2

4

3

6

2, 4 e 5

2-5

2 e 3

3

2

1

3

3

3 e 4

Nações Capitalistas e Socialistas

dividem o mundo em zonas de

influência

Bruxelas – Bélgica

Milão – Itália

Ottawa – Canadá

Filadélfia – USA

21.05.1970

07.11.1972

01.02.1975

02.08.1976

2

4

5

3

Não me sinto estrangeiro em

parte nenhuma do mundo

New York – USA

Uppsala - Suécia

01.1970

27.05.1970

6

1

Nova Ordem Econômica

Mundial

Toronto – Canadá

Atenas – Grécia

Bolonha – Itália

27.02.1977

05,06,07.10.1977

24.11.1977

1 e 3

2

2

Page 253: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

253

Questão ambiental: pior das

poluições é a miséria

Bruxelas – Bélgica

Leiden – Holanda

Estocolmo – Suécia

Bruxelas – Bélgica

Viena – Áustria

19.05.1973

24.05.973

26.05.1973

24.10.1975

04.07.1975

6

5

6 e 7

2

4

Secularização (desafio ao celibato

e crise da sacramentalização e do

clericalismo)

Tucson / Arizona - USA

Tucson / Arizona - USA

Bruxelas - Bélgica

24-27.04.1973c

24-27.04.1973d

19.05.1973

2

1-5

2

Sem a participação dos oprimidos

não haverá libertação, em termos

de desenvolvimento integral

Tucson / Arizona - USA

Montreal – Canadá

24-27.04.1973b

02.02.1975

7

2

Sub /Desenvolvimento como

questão racial ou demográfica

Montreux – Suíça

Salzburg – Áustria

Uppsala – Suécia

Atlanta – USA

Bonn – Alemanha

Bonn – Alemanha

Fordhom – USA

Munique – Alemanha

Tucson / Arizona - USA

Leiden – Holanda

Rauland – Noruega

Davos – Suíça

Oslo – Noruega

Cambridge – USA

Toronto – Canadá

Paris – França

Grenoble – França

Londres – Inglaterra

Bruxelas – Bélgica

Filadélfia – USA

Toronto – Canadá

29.01.1970

20.05.1970

27.05.1970

12.08.1970

23.10.1970a

23.10.1970b

17.01.1972

20.06.1972

24-27.04.1973b

24.05.1973

22.08.1973

06.02.1974

10.02.1974b

13.06.1974

04.02.1975

07.03.1975

08.03.1975

22.10.1975

24.10.1975

02.08.1976

27.02.1977

4*

2*

3

3

2 e 3*

4

1*

3

4

2

4

2 e 4

2

6

3

4

4

2

2

2

2

Superpotências por detrás das

guerras entre povos e pequenos

estados

Davos – Suíça

Frankfurt – Alemanha

Minneapolis – USA

Leeds – Inglaterra

06.02.1974

11.02.1974

17.10.1975

21.10.1975

5

3

4

3

Page 254: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

254

Teologia da Libertação

(grande esperança da Igreja)

Tucson / Arizona – USA

Leiden – Holanda

Bruxelas – Bélgica

Roma – Itália

Toronto – Canadá

Filadélfia – USA

Quebec – Canadá

24-27.04.1973a

24.05.1973

19.05.1973

26.09-26.10.1974

04.02.1975

03.08.1976

26.02.1977

2 e 6

5

3, 4 e 6

5

1

5

5

Totalitarismo (dos sistemas

capitalistas ou socialistas) é o

inimigo da liberdade

Indiana – USA

Bolonha – Itália

16.05.1976

24.11.1977

2-5

4

Temor do Socialismo

(mobilização anti-comunista)

Munique – Alemanha

Freiburg – Alemanha

Grenoble – França

Lima – Peru

Leeds – Inglaterra

20.06.1972

23.06.1972

08.03.1975

06-13.09.1975

21.10.1975

4

4

4

4

2

Trabalhar pela Justiça é

trabalhar pela paz

Lima – Peru

Minneapolis – USA

05.09.1975

17.10.1975

5

1

Trusts: aliam aos poderes político,

econômico, tecnológico e militar

New York – USA

Winnipeg – Canadá

Wurzburg – Alemanha

Alajuela / S. José – Costa

Rica

Zurique – Suíça

Estocolmo – Suécia

Caracas – Venezuela

Kansas – USA

Munique – Alemanha

Freiburg – Alemanha

Florença – Itália

Bruxelas – Bélgica

Davos – Suíça

01.1970

13.01.1970

23.05.1971

30.05.1971

16.06.1971

11.09.1971

21-27.11.1971

15.01.1972

20.06.1972

23.06.1972

05.11.1972

21.05.1973

06.02.1974

3 e 4

4*

4 e 5*

2

2 e 3

3

2

5

4

1

2

2

2

Page 255: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS · de edificação do conhecimento em prol da construção de mundo melhor, mais justo e mais humano - empreitada de dúvidas e

255

Violência armada não parece

solução. Apelar para as armas é

esquecer que, do lado dos

opressores, estão os fabricantes de

armas e de guerras.

Montreux – Suíça

Salzburg – Áustria

Fordhom – USA

Bruxelas – Bélgica

Washington – USA

Davos – Suíça

Ottawa – Canadá

Leeds – Inglaterra

Bruxelas – Bélgica

Toronto – Canadá

Vicenza – Itália

29.01.1970

20.05.1970

17.01.1972

19.05.1973

28.08.1973

06.02.1974

01.02.1975

21.10.1975

24.10.1975

27.02.1977

27.11.1977

6*

4 e 5

4

6

4

6

9

3

3 e 4

3

2