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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Ayrson Heráclito Novato Ferreira
Além dos baihunos: tensões nas artes baianas e poéticas visuais à margem
Doutorado em Comunicação e Semiótica
São Paulo
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC/SP
Ayrson Heráclito Novato Ferreira
Além dos baihunos: tensões nas artes baianas e poéticas visuais à margem
Doutorado em Comunicação e Semiótica
Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Amálio Pinheiro.
São Paulo
2016
Errata
Nas páginas 12 e 15, onde se lê “ bahiunos” , leia-se baihunos.
Na página 25, falta a nota de roda pé n.01 sobre O Novo Realismo: movimento artístico francês criado em 1960 pelos artistas Yves Klein, Arman,Dufrêne, Hains, Raysse, Restany, Spoerri, Tinguely e Villegle.
Na página 25, nas citações sobre o Manifesto do Rio Negro, onde se lê (KRAJBERG, 1992, p. 14), leia-se (apud MORAIS, 2004, p.125). Cuja a referencia bibliográfica é: MORAIS, F. Frans Krajberg: revolta. Rio de Janeiro: GB Arte, 2004.
Na página 27, falta a citação do artigo de Gilberto Freyre publicado originalmente na revista O Cruzeiro, edição de capa de 17 de novembro de 1962, página 112, com o título “Pensando na Bahia”.
Na página 38, onde se lê “II Bienal da Bahia de 1968” , leia-se “I Bienal da Bahia 1966/1967”.
Na página 40, onde se lê “1968”, leia-se “1966”.
Na página 66, (CRAVO JR, entrevista, 2014).
Na página 82, citação de Lina (BARDI, 1963, p.1).
Na página 88, (PARAÍSO, entrevista, 2014).
Na página 108, (DICINHO, entrevista, 2014).
Na página 118, incluir nas Referências: BARDI. Carta à Celso Furtado em 05/03/ 1963 (datilografada). Arquivo ILBPMB.
Na página 188, incluir nas Referências: CASTRO, E. V. Azouge 10: edição especial 2006-2008 (org. Sergio Cohn, Perdro Cesarino e Renato Rezende). Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008 p. 23 - 36. Disponível em: http://blogs.cultura.gov.br/culturaepensamento/files/2010/10/revista-AZOUGUE-2006-2008.pdf
Na página 120, incluir nas Referências: PEDROSA, Mário. In Catálogo da VI Bienal de São Paulo. São Paulo, 1961.
Na pag. 121, incluir nas Referências: SOELLE, Ebongué. In Catálogo da I Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia, Salvador, 1967.
Na página 122, incluir nas Referências: XAVIER, Lívio. Carta à Lina Bo Bardi. Fortaleza, 2 de Agosto 1964 (datilografada). Arquivo do MAM-Bahia.
Termo de aprovação
São Paulo, ______, de _____________________ de 2016.
Banca examinadora
_____________________________________
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_____________________________________
Guardaremos na eternidade nosso adiado evento Um momento tão esperado não caberia no tempo Assim como o silêncio não cala essa voz que lá dentro nos fala O que não é ao tempo que cabe nada pode fazer que se acabe Haveremos de nos encontrar longe do tempo que viu se partir É o meu coração que me diz que um caminho ainda vai nos levar nós dois. Rogério Duarte
A Dicinho e Esmon Primo. Aos meus pais, Alberto Heráclito Ferreira e Lourdes Cardoso Novato. Aos meus irmãos Beto, Gal, Gil, Geo, Pio, Rosa e Léo. Aos meus sobrinhos Caíque e Omí. A Zita. A Joceval Santos de Jesus. A Tiago Sant’Ana. A José Carlos Lisboa A José Domingos Coni In memoriam Lina Bo, Edinízio, Rogério Duarte, Waly e Gaiaku Luiza.
AGRADECIMENTOS
A Amálio Pinheiro, meu orientador. Pelo seu carinho, amizade e
sabedoria. Ao me acolher nessa etapa importante da minha vida.
A Lucio Agra e Jerusa Pires Ferreira por compartilhar tanto
conhecimento.
A todos os mestiços do grupo de pesquisa Barroco e Mestiçagem.
A PUC de São Paulo e a seu Programa de Comunicação e Semiótica.
A todos os professores que contribuíram para a minha formação, além
da nossa Secretária Cida Bueno.
Agradeço a Universidade do Recôncavo da Bahia e ao Núcleo de
Capacitação dos Docentes da PRPPGG, assim como a todos os meus
colegas do curso de Artes Visuais do Centro de Artes Humanidades e Letras,
pelo incentivo e apoio. Aos meus queridos alunos e alunas, pelo carinho e
amizade.
A CAPES, pela bolsa PRODOUTORAL, que contribuiu para a minha
mobilidade entre Bahia e São Paulo.
Aos meus Voduns e minha família de axé.
A Solange Farkas e Roberto Conduru, pelo incentivo artístico e
intelectual.
Aos queridos amigos que colaboraram carinhosamente neste processo:
Tonico Portela, Edgard Oliva, Beatriz Franco, Fernando Pontes, Marcelo
Nascimento, Luiz de Abreu, Marco Aurélio Damasceno.
A Edward MacRae e Sandro Abade Pimentel, pela confiança e amizade.
A Oriana Duarte e Danillo Barata, que me apresentaram ao programa.
A toda a equipe da 3a Bienal da Bahia 2014, na figura do seu Diretor
Marcello Rezende.
A Sandra Regina Jesus, do Núcleo de Acervo e Pesquisa Museológica
do MAM-BA.
RESUMO Este trabalho tem como universo de pesquisa as tensões políticas e
culturais no campo das artes na Bahia. O eixo principal da investigação é
pontuar a emergência de coleções e artistas mais institucionalizados e, em
consequência disso, sinalizar a resistência de artistas que permaneceram às
margens desse processo. Esta iniciativa esmiúça documentos, entrevistas e
produções artísticas para compreender como se erigiu um cenário artístico na
Bahia a partir da década de 1960, tentando analisar criticamente construções
conceituais sobre a arte baiana. A pesquisa evidencia como projetos de
civilização e utopias pessoais contribuíram na tessitura e modificação de
políticas culturais específicas no estado da Bahia. Nesse sentido, o trabalho
está assentado num ideal que observa o sistema de arte mais
institucionalizado e também a existência de uma cena independente
materializada por artistas que possuem uma produção artística radical,
evidenciando as tensões sociais baianas no período da Ditadura Militar. De
tal modo, esta tese está lastreada nas seguintes questões: 1) os
imbricamentos entre projetos de civilização e políticas culturais; 2) a criação
de estruturas culturais no cenário artístico baiano decorrentes de utopias; 3) o
ato de colecionismo como uma estratégia política para as artes; 4) a
resistência cultural de artistas que produziram numa condição marginal aos
sistemas de arte na Bahia. Portanto, a relevância deste trabalho está na
possibilidade de pensar em reforços e fugas dos circuitos de arte – atentando
para a potência de produtores que, ainda que não sejam reconhecidos dentro
da História da Arte Baiana, trabalharam de forma significativa na construção
de uma visualidade inovadora e iminentemente radical.
Palavras-chave: Arte; Bahia; Políticas; Colecionismo; Arte marginal
ABSTRACT This thesis has as its universe the political and cultural tensions in the field of
art in Bahia. The main axis of this research is to point out to the emergence of
collections and institutionalized artists, and as a result of this vision to
signalize the artists who remained marginal of these process. This initiative
scrutinizes documents, interviews and artistic productions to understand how
the art scene in Bahia was built from the 1960s, trying to critically analyze
conceptual constructions about the art of Bahia. The research reveals how
civilizations projects and personal utopias contributed to the tessitura and
modification of the specific cultural policies in the state of Bahia. In this sense,
the work is settled on an ideal which observes the most institutionalized art
system and also on the existence of an independent scene materialized by
artists who have a radical artistic production, highlighting the social tensions in
Bahia in the period of military dictatorship. So, this thesis is backed by the
following questions: 1) the links between civilization projects and cultural
policies; 2) the creation of cultural structures in the Bahia’s art scene due to
utopias; 3) the collectionism action as a political strategy for the arts; 4) the
cultural resistance of artists who produced a marginal condition to art systems
in Bahia. Therefore, the relevance of this work is the possibility of thinking
about reinforcements and leakages of the art circuit - by attending to the
power of producers, although they are not recognized in the Art History of
Bahia, who worked significantly in building an innovative and imminently
radical visuality.
Keywords: Art; Bahia; policies; collectionism; marginal art
LISTA DE FIGURAS
Fig. 1 - Cartaz do filme registra artista e imagens-chave para a identificação
da obra
Fig. 2: Frame do filme Bahia, por exemplo em que Carybé desenha
Fig. 3 - Frame de Bahia, por exemplo com Dorival Caymmi
Fig. 4 - Hansen Bahia e sua esposa Ilse Hansen trabalhando em painel que
retrata cena cotidiana da Bahia
Fig. 5 - Mestre Didi em seus ateliê entre os seus “orikis visuais”
Fig. 6 - Coreografia de Lia Robatto cinematografada em Bahia, por exemplo
Fig. 7 - Genaro de Carvalho pinta modelo viva em trecho do filme
Fig. 8 - Jonathas Abbott. Pintura de João Lopes Rodrigues, acervo MAB.
Fig. 9 - Retrato de Manuel Querino constante do livro Artistas Bahianos
(indicações biographicas)
Fig. 10 - Carlos Chiacchio s/d autor desconhecido
Fig. 11 - Odorico Tavares, fotografia de J. Mendel, Recife, Paris. S/data
Fig. 12 - Retrato de Lina Bo Bardi, autor não identificado, acervo do MAM-BA.
Fig. 13 - Lina montando a exposição de Mario Cravo Junior no MAMB,
09/02/1960.
Fig. 14 - Exposição Sete Artistas Baianos MAMB, 05/04/1960.
Fig. 15 - Exposição Carrancas do São Francisco, 1961, MAMB.
Fig. 16 - Exposição de Le Corbusier (desenhos - 1963). Foto: A. Guthmann.
Fig. 17 - Exposição Nordeste, fotografia e planta baixa do térreo, MAP 1963.
Arquivo MAM-BA.
Fig. 18 - Exposição Nordeste, fotografia e planta baixa do térreo mais andar
superior, MAP 1963. Arquivo MAM-BA.
Fig. 19 - Sala Hélio Oiticica: Manifestaçao Ambiental n. 2. I Bienal Nacional
de Artes Plásticas da Bahia em, foto Rex Schindler, Salvador 1966.
Fig. 20 - Ligia Clark recebeu o Grande Prêmio Nacional. I Bienal Nacional de
Artes Plásticas da Bahia em, foto Rex Schindler, Salvador 1966
Fig. 21 - Agnaldo dos Santos com uma de suas obras. Salvador 1961
Fig. 22 – Pássaro cantando azul, pintura s/ papel artesanal de Edinízio
Ribeiro Primo
Fig. 23 - Flávio de Carvalho, em 1967, no Museu de Arte Brasileira da FAAP
Fig. 24 - ensaio de foto-performance publicado na Qorpo Estranho, 1976.
Foto de Regina Valter e Gerson Zanini.
Fig. 25 - Capa do álbum Expresso 222, de Gilberto Gil, 1972
Fig. 26 - Fachada da boutique Ao Dromedário Elegante. Foto arquivo de
Regina Boni s/d. São Paulo
Fig. 27 - Editorial de moda para revista Manchete, s/d - Ao Dromedário
Elegante. Dicinho de cachecol e Edinízio de xale.
Fig. 28 - Frutos de mi terra, s/d. Desenho. Hidrocor s/ papel. Dimensões: 38
x 26 cm.
Fig. 29 - Namoro de Negros, guache sobre papel milimetrado, 1974.
Fig. 30 – Cabaças, óleo sobre tela, 1972.
Fig. 31 - Capa do álbum Gal lançado em 1969
Fig. 32 - O Bode escultura 1972 de Dicinho, do época com Lina em São
Paulo.
Fig. 33 - Exposição Animais no Sesc Pompéia em São Paulo,1980.
Fig. 34 - A cabra, escultura pintada de Dicinho.
Fig. 35 - Macaco escultura pintada, 90 x 60 x 20 cm s/d.
Fig. 36 – Dicinho, terceiro da esquerda para direita (cima) posa para editorial
de moda da Arp.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO…………………………………………………………..…………12 NORDESTES E BAHIAS, POR EXEMPLO: PROJETOS DE CIVILIZAÇÃO E IMAGENS EM DISPUTA………………………………………………………….17 O LEITO DO RIO: COLEÇÕES, COLECIONADORES E POLÍTICAS DE LEGITIMAÇÃO DA ARTE NA BAHIA...........................................................41 A TODO VAPOR: POÉTICAS VISUAIS À MARGEM – DICINHO E EDINÍZIO RIBEIRO PRIMO............................................................................................89 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................115 REFERÊNCIAS............................................................................................118 ANEXOS.......................................................................................................123
12
INTRODUÇÃO
As tensões políticas e culturais no campo das artes na Bahia durante a
segunda metade do século XX, especificamente nas décadas de 1960 e 1970,
configuram e institucionalizam uma série de artistas, assistidos
principalmente pela ação dos colecionadores e da prática da coleção.
Todavia, uma outra parte dessa produção se manteve fora do circuito dos
interesse econômicos e estéticos, reservando-se à margem desse processo.
Movidos por uma desejo de adentrar caminhos ainda pouco estudados
em relação à história da arte baiana, propusemos investigar uma produção
artística que permaneceu fora de foco das políticas culturais e, por
consequência, da visibilidade pública. As causas desse fenômeno são
diversas e foram se revelando no decorrer da pesquisa através do trabalho
elaborado com múltiplas fontes documentais, entrevistas, produção artística,
produção teórica, acadêmica e bibliográfica. O título desta tese indica um
olhar para muitas histórias que ainda não foram escritas sobre a totalidade da
cena artística nas décadas de 1960 e 1970. Por isso a provocação para o
além dos ―bahiunos‖ - nominação cunhada por Millôr Fernandes em 1972
para definir os artistas baianos que ―deram certo‖ e foram absorvidos pela
indústria cultural, apesar das práticas de repressão militar, no Rio de Janeiro,
a exemplo de Gal Gosta, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Maria Bethânia. O
eixo desta pesquisa se concentra em projetos artísticos que não negociaram
com os sistemas de poderes vigentes devido a muitas razões, mas,
sobretudo, às incompatibilidades ideológicas e estéticas. Esse grupo de
artistas, também pertencentes ao movimento tropicalista, obtiveram um certo
destaque em um momento inicial, contudo, não conseguiram se manter em
evidência devido a não adaptação às regras reguladoras do sistema
Para a realização desta tese foram necessárias viagens regulares ao
interior da Bahia a fim de reunir obras artísticas inteiramente desconhecidas,
vestígios opacos de presenças em objetos pessoais, correspondências,
pessoas que conviveram com muitos dos sujeitos. Tal empreitada não foi
simples, pois as políticas que visam o apagamento da memória social são
bastante eficientes nos contextos oligárquicos no Estado, nos obrigando a um
árduo trabalho para a localização de peças desse intricado quebra-cabeça de
13
relações. O sentimento de persistência possibilitou encontrar, apesar da
precariedade de conservação e organização documental, alguns valiosos
arquivos particulares. Documentos guardados em caixas de sapato sobre
armários em dormitórios de residências humildes. Pessoas que, sem ao
menos ter conhecimento do valor do tema pesquisado, dispuseram
gentilmente a contribuir com diversos tipos de informação.
No decorrer do processo, verificamos que seria impossível desvelar o
universo dessas produções se não fizéssemos um estudo das tensões de
como se constituiu um sistema que institucionaliza uma parte significativa da
artes na Bahia e em seus contextos regionais.
De tal modo, no primeiro capítulo, realizamos o levantamento de
discussões sobre como projetos de civilização podem contribuir para uma
visão das artes no Nordeste e, mais especificamente, na Bahia. O eixo do
capítulo é perceber como são erigidos discursos em torno das utopias e
imagens regionais, balizando como essas construções conceituais
constituem em cenários de disputa. A proposta nesta parte do texto é
compreender como e de que forma imagens sobre o Nordeste e a Bahia
foram construídas tendo como referenciais conceitos gerados nessas
próprias regiões – rejeitando leituras que estão alocadas em um projeto de
modernismo referenciado pelo Sudeste.
Para esmiuçar esses contextos, tomamos como material histórico o
filme Bahia, por exemplo do cineasta Rex Schindler. Na obra, o diretor elenca
uma série de artistas para comentar sobre a condição de como é ser artista
na Bahia e também as influências e desdobramentos desses trabalhos. Além
disso, Schindler insiste numa possibilidade de cartografar cenas populares na
Bahia com a tentativa de criar uma diversificação do olhar sobre o estado.
Esse capítulo dá subsídio para as ideias que serão perfiladas na parte
seguinte, já que aponta as construções conceituais e utópicas como um
mecanismo de composição de políticas culturais e representações imagéticas
O capítulo é recortado pelos estudos sobre utopias e heterotopias,
cunhados pelo filósofo Michel Foucault, além de dialogar com trechos de
textos fundamentais sobre imagens do Nordeste e outras rotas possíveis na
tessitura de projetos de civilização, a exemplo do Manifesto Regionalista de
Gilberto Freyre e do Manifesto do Rio Negro de Pierry Restany.
14
O segundo capítulo O leito do rio: coleções, colecionadores e políticas
de legitimação da arte na Bahia concentra-se numa revisão histórica
abrangente sobre os distintos contextos que legitimam uma produção oficial
na arte da baiana. A imagem do leito do rio ainda serve de referência para
pensarmos os fluxos da história. Quem se encontra alocados no interior de
seu duto e almeja o privilégio de navegar a favor de suas correntes?
Seguindo em frente experimenta um percurso favorável fluído e sem atritos
sobre seu leito? Esse curso líquido pode ser alterado e muitas vezes
manipulado pelos desejos humanos. Através de contenções, represamentos,
transposições e desvios para novas rotas, que são artificialmente definidas.
Aqui trataremos das produções simbólicas da arte, mas sobretudo do seu
complexo sistema de agenciamento estético que a insere em um patamar de
destaque a partir de determinações sociais. O poder das coleções e das
práticas do colecionismo através de seus autores, os colecionadores, na
criação de normas e padrões a seguir no leito favorável de certas trajetórias.
A análise se inicia na Bahia oitocentista com a ação inaugural do inglês
radicado em Salvador Jonathas Abbott - que forma a mais importante coleção
privada de arte no Estado e que participa da fundação da Sociedade de
Belas Artes, formada por um grupo de importantes nomes da vida baiana,
oriundos da classes média e alta. Sua coleção é formada a partir de inúmeras
viagens para Europa. Tais experiências são registradas no seu diário de
viagem. A formação de tal coleção consolida valores artísticos europeus na
sociedade baiana.
Em seguida, analisamos a fundação de duas importante instituições de
ensino da arte na Bahia: o Liceu de Artes e Ofícios, em 1872, e a Academia
de Belas Artes da Bahia (ABAB), em 1877. A importância desses dois
espaços interferiam na produção e distribuição da arte baiana. O
protagonismo do famoso aluno Manuel Raymundo Querino (1851-1923),
primeiro historiador da arte negro no Brasil e as tensões sociais que
enfrentou devido ser um intelectual negro.
O panorama da arte nas primeiras décadas do Século XX e a
movimentação cultural no pós-guerra são apresentado para introduzir
Odorico Tavares, uma das personalidades mais importantes e influentes
envolvidas com o mundo das artes, da política e da comunicação na Bahia
15
entre 1942 até 1980. O impacto do seu acervo artístico e a sua atividade
midiática no Diários Associados o transforma em um ícone que consolida
valores da arte moderna no Estado.
A presença de Lina Bo Bardi na Bahia é revista a partir de documentos
e bibliografias que revelam as tensões politicas e estéticas ao implementar as
suas concepções pedagógicas, marcadamente sociais em uma cidade ainda
dominada pelas elites oligárquicas locais.
E, por fim, as tensões que envolveram a realização dos projetos das
bienais nacionais de artes plásticas da Bahia em 1966 e 1668. Uma época
onde as práticas repressoras do regime militar se fazia presente na censura e
na perseguição de muitos artistas.
No terceiro capítulo À todo vapor: poéticas visuais à margem – Dicinho
e Edinízio Ribeiro Primo apresentamos a produção de dois artistas que
atestam a nossa tese de construção de uma poética visual que foi produzida
à margem dos grandes sistemas de legitimação da arte baiana. As obras e a
trajetória profissional de Edinízio Ribeiro Primo e Dicinho passaram à largo
dos interesses da pesquisa da arte contemporânea na Bahia. O estudo é
uma tentativa de trazer à tona essa produção que ficaram à margem dos
estudos sobre o movimento tropicalista na Bahia e no Brasil. A produção
artística desses dois protagonistas do movimento contracultural nas artes
visuais baianas foram gestadas na cidade de Jequié no inicio da década de
1960. Na época, a confluência de artistas e intelectuais na região é vista
como um epicentro de formulações estéticas e políticas que irão embasar
grande parte das propostas do movimento tropicalista.
O capítulo também dará voz ao que denominamos além dos bahiunos,
grande parte deles pertencente ao chamado ―Grupo de Jequié‖ que
permaneceram fora do sistema da arte baiana e brasileira. A total inexistência
de bibliografias e a dificuldade de reunir um acervo das obras desses artistas
torna árdua, mas necessária, a iniciativa de investigação para maior
compreensão do complexo fenômeno que caracterizará as expressões
culturais e artísticas em um momento de profunda transformação social no
mundo.
Edinízio Ribeiro Primo teve uma biografia extremamente intensa e
prematura. Sua morte aos 31 anos interromperá uma promissora carreira
16
artística. Sua obra se encontra completamente dispersa e com pouquíssimas
referências, necessitando de um contínuo trabalho de pesquisa.
Dicinho é um dos poucos artistas dessa geração que se encontra vivo.
Ele conseguiu sobreviver a todo um processo de invisibilidade, que acometeu
a outros da sua geração. A partir de diversas visitas ao seu atelier, motivadas
pela emergência de acessar os arquivos da produção cultural baiana das
décadas de 1960 e 1970, no momento em que se realizava as pesquisas
curatoriais para a III Bienal da Bahia em 2014, tivemos um contato decisivo
com o artista reafirmando a importância de sua produção.
17
CAPÍTULO 1 – NORDESTES E BAHIAS, POR EXEMPLO: PROJETOS DE
CIVILIZAÇÃO E IMAGENS EM DISPUTA
Como as utopias moveram iniciativas para pensar um outro projeto de
Nordeste e Bahia dentro do campo das artes? Quais as implicações de
iniciativas e concepções individuais na formação de um cenário artístico
baiano a partir da década de 1940? Os contextos e os bastidores que nos
conduzem sobre as utopias e os projetos de política culturais pensados para
a Bahia a partir das artes são bem complexos. É preciso emergir numa
historiografia e num emaranhado de iniciativas teóricas, políticas e sociais
para começar a puxar a teia de relações que foi tecida em terras baianas. As
utopias eram várias e o ideal de construir um projeto civilizatório novo era
quase inevitável. No entanto, essas utopias eram movidas a partir de ideais e
de meios muitas vezes individuais dentro de um cenário de intensa
instabilidade política. Antes de mais nada é preciso entender como essas
utopias operam e para isso, neste trabalho, seguimos os caminhos deixados
por Michel Foucault na conferência De outros espaços (2013).
A utopia é uma construção imaginária fruto de perspectivas individuais
ou coletivas que erigem um modo de criação de lugares não-reais. Ou seja,
uma utopia está intimamente ligada com processos de concepção de um
lugar a partir de desejos, aspirações e projetos complexos. É uma iniciativa
de ―melhoramento‖ da realidade em que estamos inseridos. No entanto,
essas utopias são incapazes de serem executadas e, por isso, se manifestam
por meio de falhas que são possíveis de serem percebidas fisicamente.
Esses processos de materialização incompleta da utopia, Foucault (2013) vai
denominar heterotopias. As heteropias, então, seriam como vestígios do
objetivo de construção de uma utopia.
A partir de uma concepção foucaultiana, as heterotopias seguem alguns
princípios, que as localiza dentro de uma perspectiva do real. Todas as
culturas produzem heterotopias, ainda que elas possuam lógicas específicas
em termos de forma. As heterotopias de crise são espaços que abrigam
pessoas que estão em desacordo com as normas sociais que vivem,
consistindo em lugares que são explorados para expressar atividades
reprovadas no seio social. Aliados a essas, a heterotopia de desvio são sítios
18
onde são postas pessoas que são transgressivas socialmente, a exemplo de
clínicas psiquiátricas e prisões. Nesses casos, as heterotopias estão a
serviço do ideal utópico de melhoramento social, tirando do convívio pessoas
que burlam esse ideal de civilização idealizado.
Um segundo princípio apontado por Foucault para entender as
heterotopias é que elas funcionam distintamente ao longo do tempo, dada as
circunstâncias socioculturais. As funções das heterotopias podem mudar de
acordo com o contexto da época. Além disso, elas têm a potencialidade da
justaposição - que implica que um mesmo local físico é capaz de possuir
diversas localizações que ocasionalmente são contraditórias. Portanto, as
heterotopias são capazes de conjulgar elementos que são diferentes e
distantes entre si.
Outro princípio apontado por Foucault é como as heterotopias estão
sintonizadas com heterocronias. O tempo, tal qual o conhecemos, é posto à
prova ao serem colocados elementos de tempos diferentes num mesmo lugar.
Por provocar essa dissicrônia entre os elementos, existe aí uma
característica de atemporalidade. Um bom exemplo disso é pensar como
museus confluem e confrontam obras e objetos de diferentes períodos no
mesmo espaço, sendo um lugar de intersecção entre os tempos e os
espaços.
As heterotopias edificam lógicas que lhes permitem isolamento e
penetrabilidade. O acesso a essas heterotopias ocorrem por
compulsoriedade ou por meio de rituais purificadores. Uma espécie de
inclusão exclusiva. Para concluir, Foucault caracteriza as heterotopias como
um lugar que constrói uma simulação/ficção de outro lugar. Ou seja, existem
heterotopias que se manifestam a partir da criação de um espaço ficcional e
regulado.
O legado do pensamento foucaultiano nos serve como ponto inicial para
imaginarmos as iniciativas que começaram a ser erigidas no Nordeste e,
mais especificamente, na Bahia, no campo das artes. A partir dessa mirada,
tentaremos pensar em propostas culturais e artísticas que se construíram
sobre o Nordeste do Brasil movidas por uma utopia de transformação social.
Projetos esses que não estavam ligados tão somente a construções
imagéticas e teóricas, mas também deram corpo à heterotopias. Neste
19
capítulo, especificamente, discorreremos sobre como as ideias sobre o
Nordeste viriam a criar projetos civilizatórios.
Inicialmente, traçaremos um breve trajeto histórico em que, em
diversos momentos e contextos, a questão da formação cultural identitária da
região Nordeste é argumentada como referencial de distinção. Começaremos
elencando algumas concepções da geografia sobre a região Nordeste.
Existem três principais compreensões: uma tradicional, centrada na análise
das paisagens, nos aspectos físicos (clima, vegetação e relevo); outra
moderna, preocupada com a divisão territorial do trabalho, levando em
consideração aspectos socioeconômicos; e a terceira mais atual que enfatiza
a invenção dessa região por um determinado fenômeno sociocultural. Não é
o nosso objetivo aprofundarmos sobre elas, mas sim, compreender de forma
abrangente as razões que levam a formulação desta indagação - que insurge
em um discurso que quer negar, dissimular ou expandir a importância de se
ser ou não uma produção cultural regionalista.
No Manifesto Regionalista, escrito por Gilberto Freyre em 1926, foram
feitas críticas às tendências vanguardistas do Modernismo paulista. O autor
tece um discurso de distinção regional, defendendo a construção de uma
identidade nordestina embasada em valores tradicionalistas. Um Nordeste
profundo, tradicional, fruto da síntese miscigenada das três matrizes étnicas
da constituição do povo brasileiro. Uma política regionalista que preserva e
salvaguarda os bens culturais. O ataque regionalista freyriano ao
Modernismo de Mario de Andrade tinha como objetivo a crítica ao processo
de reelaboração da cultura tradicional sob o ponto de vista moderno. As duas
posturas visavam afirmar um discurso sobre a identidade nacional que
deveria ir de encontro à ideia de cultura colonizada.
Sem dúvida o Manifesto Regionalista irá definir uma visão bastante
peculiar sobre a produção artística do Nordeste. O texto alerta para possíveis
más interpretações, sobre intensões separatistas ou bairristas, anti-
internacionalista, anti-universalista ou antinacionalista. Defende-se um
flexível sistema político estatal, em que as regiões do país seriam superiores
em importância à ideia dos Estados. Freyre, de certa forma, antecipa a
discussão que reivindicava um lugar de fala, para dar voz aos distintos
modos de ser dos brasileiros.
20
[...] Pois são modos de ser - os caracterizados no brasileiro por suas formas regionais de expressão - que pedem estudos ou indagações dentro de um critério de inter-relação que ao mesmo tempo em que amplie, no nosso caso, o que é pernambucano, paraibano, norte-riograndense, piauiense e até maranhense, ou alagoano ou cearense em nordestino, articule o que é nordestino em conjunto com o que é geral e difusamente brasileiro ou vagamente americano.[...] (FREYRE, 1996, p. 48)
Contudo, o pensamento do sociólogo se esbarra na relação complexa
entre tradição e modernidade que será amplamente debatida entre os dois
pólos de pensamento cultural e artísticos no Brasil - o norte versus o sul - nos
anos 1930. Para se defender das críticas recebidas, Freyre esclarece que o
Regionalismo é apenas outra forma de modernismo que concilia a ideia de
futuro com as tradições regionais do País, sem promover uma síntese diluída
das "paisagens brasileiras" que fossem reorganizadas em um novo arquivo
operado pelos artistas a fim de criarem outras invenções não naturalistas e
recontextualizadas em outros arranjos. Freyre reage fortemente a essas
operações de cunho antropofágico, que transformaram as artes e tradições
nacionais em sintaxes para a livre criação na arte moderna. Esse acervo
matricial da cultura brasileira não pode ser compreendido nem operado como
mero elemento formal, desprovido de seus contextos regionais. Freyre luta
contra o que Mário de Andrade chamava de "apagamento dos regionalismos
pela descentralização da inteligência(ANDRADE,1974,p.237). Afinal onde
estava centralizada a inteligência?
O fato de Freyre se considerar um modernista amplia os rumos da
nossa pesquisa que busca investigar outros projeto para o entendimento da
arte e da cultura no Brasil. Descontruindo a ideia de um único projeto que
ainda hoje é citado nos conteúdos de livros didáticos como único e absoluto.
Gilberto se dizia modernista e, de fato, o levantamento que já havia feito confirmava os seus laços com Manuel Bandeira, Prudente de Morais Neto, Rodrigo Melo Franco de Andrade e — sugestivamente — Paulo Prado, Sérgio Buarque e Afonso Arinos. Vale a pena observar, porém, que expressiva parcela da crítica atual costuma classificá-lo exatamente na posição inversa, contrapondo a sua obra, pelo regionalismo e pelo perfil tradicional, aristocrático e conservador que a caracterizaria, às demandas modernizantes do modernismo paulista. (ARAUJO, 1994, p. 19)
No decorrer da pesquisa constatamos que são inúmeras as críticas
que reduzem o projeto Regionalista de Gilberto Freyre a algo absolutamente
21
reacionário e tradicionalista no sentido mais retrógrado. São poucos e
recentes os autores dentro e fora da região Nordeste do Brasil que
consideram o projeto apresentado no Manifesto Regionalista de Freyre como
outro caminho para se pensar o Modernismo no Brasil. As consequências
futuras e seus desdobramentos históricos e sociais quando são levadas a
cabo por um grupo de seguidores, absolutistas e regionalistas extremados,
devem ser criticamente consideradas. Novos olhares e novos discursos
devem ser evidenciados, visto que não podemos resumir as expressões da
arte brasileira a um só caminho.
A historiografia da arte brasileira precisa reconhecer que a existência
da Semana de 1922 e todo o pensamento que consolida o seu projeto, não
pode representar todos os caminhos deste continental país. É necessário dar
visibilidade a outros inúmeros itinerários que tangenciam e margeiam o
discurso hegemônico.
Como desdobramento do projeto regionalista de Freyre, surge em
Pernambuco, em 1950, o projeto Armorialista do paraibano radicado em
Recife Ariano Suassuna. Uma das suas mais evidentes heranças de Freyre é
a visão de pluralismo racial como elemento matricial para se pensar a cultura
brasileira. Distante das abordagens naturalistas da produção dos autores da
geração de 1930, Ariano se distingue ao criar um Nordeste ficcional e mítico,
combinando referências da cultura popular com a tradição ibérica medieval.
Tal operação instaura cânones para um novo projeto de modernismo a partir
do Nordeste. Esse projeto cultural irá informar e alicerçar políticas públicas
implementadas pelas elites governantes do estado de Pernambuco. Neste
contexto, o movimento armorial consolida uma visão hegemônica sobre um
Nordeste tradicional a partir de Pernambuco, legitimando dessa forma o
conceito de nordestinidade e a sua ampla apropriação popular. Esse
percurso reflexivo instaura em Pernambuco um espaço adverso a todas as
práticas artísticas e culturais que não dialogam com tais pressupostos.
Na tese de Durval Muniz de Albuquerque Jr, intitulada A invenção do
Nordeste: e outras artes (2011), o autor propõe, à maneira foucaultiana, uma
genealogia da ―Região Nordeste‖ a partir de diversos discursos que atestam
o seu caráter antimoderno. A tese apresenta discursos regionalistas e que os
22
mesmos só se tornam problemáticos quando vão de encontro a uma não
neutralidade política que orienta a hegemonia nas relações de poder:
Definir a região é pensá-la como um grupo de enunciados e imagens que repetem, com certa regularidade, em diferentes discursos, em diferentes épocas, com diferentes estilos e não pensá-la uma homogeneidade, uma identidade presente na natureza. ( ALBUQUERQUE, 2011, p. 35)
Estamos falando em uma atualidade, recorrente a um sistema de arte,
que reivindica uma inserção em um aguçado processo de universalização. A
imagem do ―Nordeste da Seca‖ já foi tema de uma ambígua tarefa de
desconstrução - enquanto imagem hegemônica - pelos novos rumos da
política nacional que elegeu um presidente da república nordestino.
Encontramo-nos em um momento onde a crítica ao pensamento moderno
ocidental reivindica uma visibilidade para eixos geopolíticos que até então
foram reservados a invisibilidade.
Sem querer traçar uma "sociologia da ausência‖, a produção artística
contemporânea do Nordeste do Brasil ocupa uma pequena parcela de
destaque, quase inexistente, no grande sistema da crítica e do mercado na
região Sudeste do Brasil. Por outro lado não é mais conveniente pensar em
termos esvaziados e genéricos como Arte Brasileira, Arte Pernambucana,
Arte Paraense e muito menos Arte Maranhense. Assistimos o
desenvolvimento de um discurso estratégico que permeia instituições
culturais, curadores, artistas e agenciadores estéticos que descartam a
identificação local de uma produção cultural como algo desnecessário para a
legitimação dentro de um sistema das artes. Nos parece que a ideia de
pertencimento, identificação a uma determinada região do país, que em
outros tempos no Brasil foi o motor de diversos manifestos artísticos,
inferioriza e cunha o rótulo "folclorizante regionalista" sobre a obra e o artista.
Isso nos remete ao pensamento de Boaventura de Sousa Santos, que
nos fala sobre o ―Pensamento Moderno Ocidental das distinções entre o
visível e o invisível e do fenômeno do desaparecimento de outras realidades
sociais fora do ―eixo‖:
Inexistência significa não existir sob qualquer forma de ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considerada como sendo o Outro. (SANTOS, 2010, p.32)
23
Nesse sentido reconhecemos uma grande produção de artistas no
Nordeste que vivem em uma condição de embassamento, reservados em
uma situação de opacidade e invisibilidade. Essa produção artística
ideologicamente não se comporta dentro dos padrões hegemônicos ditados
para os grandes centros.
A partir da não existência do grande mercado faz com que se
desenvolva uma autônoma cultura visual, particular e incomum. É pertinente
afirmar a necessidade de um novo olhar marcado pelas relações de
alteridade sobre esta produção.
Através de uma outra via de abordagem, uma importante obra escrita
em 1996, é publicada em uma versão resumida da tese O Engenho Anti-
moderno: A Invenção do Nordeste e Outras Artes do historiador Durval Muniz
de Albuquerque Júnior, sendo premiada no concurso Nelson Chaves da
Fundação Joaquim Nabuco. Tal obra apresenta uma abordagem desveladora
marcadamente crítica e severamente polêmica. A invenção imagética-
discursiva do Nordeste, entre a visibilidade e a dizibilidade. A obra
desconstrói o discurso regionalista sobre o Nordeste que, em muito, reduz à
paisagem, os temas e as abordagens em uma hegemônica construção de
caráter rural, tradicionalista, artesanal e folclorizado. Para nós a discussão de
Durval é fundamental pois apresenta de forma rigorosa uma leitura dos
mecanismos que elevam uma produção artística a categoria instrumental a
serviço da manutenção de relações de poder. Pensando o Nordeste como
uma (suposta) região que fora (dita) inventada e construída por determinados
grupos sociais internos e externos à ela, apontamos a ocorrência de uma
invenção engendrada e operada pelas mídias durante o século XX e pelos
discursos políticos na produção intelectual e artística, que legislava a não
inclusão dessa região dentro do panorama artístico nacional . ―O Nordeste,
assim como o Brasil, não são recortes naturais, políticos ou econômicos
apenas, mas, principalmente, construções imagéticas-discursivas,
constelações de sentidos (ALBUQUERQUE JR., 1990, p. 307).
Sobre essas construções imagéticas-discursivas, Durval nos apresenta
uma criteriosa revisão. Pontua o surgimento de um novo regionalismo na
década de 1920, diferente do olhar provinciano do século XIX e início do XX.
24
A partir daí, percebemos a consolidação de visões que até hoje nos são
caras. A construção de uma imagem de distinção entre São Paulo, com sua
modernização, e outras áreas do país. Em uma série de artigos de Paulo de
Morais Barros, intitulados "Impressões do Nordeste" e "Impressões de São
Paulo‖, publicados em 1923 afirma-se através de publicações periódicas no
jornal O Estado de S. Paulo, um "regionalismo de superioridade" paulista em
relação ao um "regionalismo de inferioridade" do nordestino.
[...] A estratégia era demonstrar a superioridade de São Paulo e da sua população, formada por elementos europeus. Nesses artigos, São Paulo aparece como um espaço vazio que teria sido preenchido por populações europeias. Assim, a escravidão e os negros parecem não ter aí existido; os índios e os mestiços menos ainda. São Paulo e todos os paulistas seriam europeus [...] ( ALBUQUERQUE JR, 2011, p.57).
O autor também relaciona diversas contradições narrativas de
viajantes pelo Nordeste, que, ao se depararem com os arquivos de imagens
pré-concebidas, muitas das vezes criadas e difundidas pelos regionalistas
nordestinos, tensionam entre o visto e o previsto. Chove-se muito no
Nordeste, existem grandes metrópoles e uma efervescente urbanidade, para
além das imagens paradigmáticas de ―Os Sertões‖ de Euclides da Cunha.
Mário de Andrade, em 1927, exercitando a sua alteridade paulista se
denomina de O Turista Aprendiz, na tentativa de anular o seu olhar sulista em
sua expedição pelo Norte e Nordeste do Brasil. Mário, como aprendiz,
reconhece a pluralidade e complexidade, contrastes e tensões da região, o
que será fundamental para a criação da sua ideia de nação em Macunaíma,
ao pensar a cultura brasileira como um encontro de tempos, espaços,
discursos e signos díspares.
Precisamente 51 anos mais tarde, em 1978, uma nova expedição pelo
Norte-Nordeste do país foi empreendida pelo filósofo francês Pierre Restany,
o escultor Frans Krajberg e o pintor Sepp Baendereck, saindo de São Paulo,
passando por Nova Viçosa e atravessando o Nordeste em direção ao Rio
Negro e alguns de seus afluentes até a fronteira entre a Amazônia brasileira,
Venezuela e Colômbia. Nessa viagem, um projeto ambicioso pelo interior da
floresta resulta em um famoso manifesto defendendo um novo naturalismo: O
Manifesto do Rio Negro. Nesse manifesto o filósofo e crítico de arte criador
25
do Novo Realismo 1, sintetiza a sua ideia de natureza integral, contrapondo
ao realismo:
Amazônia constitui hoje, sobre o nosso planeta, o "último reservatório", refúgio da natureza integral. Que tipo de arte, qual sistema de linguagem pode suscitar uma tal ambiência - excepcional sob todos os pontos de vista, exorbitante em relação ao senso comum? Um naturalismo do tipo essencialista e fundamental, que se opõe ao realismo e à própria continuidade da tradição realista, do espirito realista, além da sucessão de seus estilos e de suas formas. O espirito do realismo em toda a historia da arte não é o espirito da pura constatação, o testemunho da disponibilidade afetiva. O espirito do realismo é a metáfora; o realismo é, na verdade, a metáfora do poder: poder religioso, poder do dinheiro na época da Renascença, em seguida poder politico, realismo burguês, realismo socialista, poder da sociedade de consumo com a pop-art. [...] (KRAJBERG, 1992, p. 14).
O grupo adentra zonas pouco exploradas da Floresta Amazônica
através do Rio Negro. Lá eles instauram um verdadeiro ateliê flutuante de
criação artística e reflexão filosófica profunda sobre as relações entre arte e
natureza. Entre a imensidão do rio, o contato com os índios e exuberante
variedade da fauna e flora da floresta, um novo estado de percepção os
possui. Restany mais tarde sintetiza esta experiência com o "Amazon
Choque" - um brutal e avassalador choque de consciência distante do modus
vivendi Ocidental.
O manifesto se afina aos discursos ambientalistas internacionais da
década de 1970 e reconhece o nascimento de uma nova consciência oriunda
desse último refúgio de natureza integral. Indagam-se, também, sobre como
a beleza da natureza em seu estado original pode contribuir para a arte e
para o aperfeiçoamento das sociedades contemporâneas. Para o grupo, esse
momento de inter-relação entre natureza e arte é fundamental pois
representa um retorno a verdadeira natureza humana:
[...]Esta reestruturação perceptiva refere-se á uma real mudança e a desmaterialização do objeto de arte, sua interpretação idealista, a volta ao sentido oculto das coisas e sua simbologia constituem um conjunto de fenômenos que se inscrevem como um preâmbulo operacional à nossa Segunda Renascença - etapa necessária para uma mutação antropológica final.[...] (KRAJBERG, 1992, p. 14)
Dois bons exemplos para compreender este fenômeno podem ser
verificados na criação de imagens e discursos sobre os estados da Bahia e
1
26
de Pernambuco. Dois signos complexos foram utilizados como estereótipos.
Na Bahia, o signo da baianidade, e em Pernambuco, o signo da
nordestinidade, cunham um visão parcial e muitas vezes manipulada - fruto
de um conjunto de forças e tensões políticas - da contribuição cultural das
regiões para a cena artística brasileira. Pela importância capital de tais
constructos discursivos para o desenvolvimento da nossa reflexão no
presente trabalho iremos analisá-los amiúde.
A regionalização do território do Brasil durante o século XX passou por
diversas divisões. O estado da Bahia até a década de 1970 não pertencia à
região Nordeste. Conforme a divisão regional de 1945, a Bahia era o Leste
Setentrional e o Nordeste era dividido em oriental e ocidental. Nesta
perspectiva, não encontraremos o estado da Bahia no recorte feito por
Gilberto Freyre em seu importante ―Manifesto Regionalista‖ escrito em 1926.
As ideias desse movimento, contidas no documento, esboçam uma
reabilitação de valores regionais e tradicionais desta parte do Brasil.
A mudança da capital da colônia da Bahia para a nova sede
administrativa imperial no Rio de Janeiro no sec. XVIII, atesta o surgimento
de uma nova ordem na economia e na política brasileira. Nas palavras de
Antônio Risério sobre as consequências que também perpassam pelos
processos culturais:
[...] A Bahia vai mergulhar, por bem mais de cem anos, num período de relativo isolamento e solidão, antes que aconteça sua inserção periférica na expansão nordestina do capitalismo brasileiro.[...] (RISÉRIO, 1988, p.145).
O autor atribui a este momento de isolamento a criação desse
complexo cultural que hoje chamamos ―cultura baiana‖. A solidão da ―velha
senhora Bahia‖ é responsável pela sua singular distinção e pelo
desenvolvimento de práticas culturais de sínteses banto-luso-iorubana-tupi.
Sobre as diversas perdas econômicas que distanciava o estado de uma
modernização nacional, a Bahia ficara presa ao seu passado colonial.
Contudo é neste momento de hibernação que se elabora novas dinâmicas.
Nas palavras de Risério:
[...] E curioso é que quanto mais visível ia se tornando o seu tradicionalismo, mais esclarecia, em tudo que fosse Bahia, uma aura mítica. O Brasil passa a chamá-la ―a boa terra‖, epíteto da Bahia provinciana dos tempos recentes.[...] (RISÉRIO. 1988, p. 152)
27
A partir deste contexto podemos compreender como o conceito de
baianidade começou a se esboçar, resultando na criação de estereótipos e
pontos de vistas relativos à Bahia. O seu isolamento, a sua condição pouco
moderna e consequentemente detentora de um patrimônio cultural
absolutamente original que atrairia a atenção de muitos viajantes e
curiosos sobre sua condição matricial da cultura brasileira. Como todo
pensamento e discurso que tende ao hegemônico, não se constitui de forma
imediata segue uma temporalidade estendida, começaremos investigar
possíveis fenômenos que de certa forma contribuíram para a cristalização de
uma imagem externa e interna do Estado.
É interessante pontuar que Gilberto Freyre reinvidica a criação do termo
―baianidade‖, mas o faz pensando de maneira mais complexa, como no
trecho a seguir:
Faz mais de um ano, que não vou à Bahia e tenho pena. Porque que a Bahia me faz falta. A ausência da Bahia me deixa incompleto no meu brasileirismo. Preciso mais de ver a Bahia do que ouvir o Hino Nacional para me sentir ortodoxamente brasileiro. Não é retórica: é pura verdade. É o puro fato. Se há neologismo de que eu me orgulho de ter sido criador, é a expressão ―baianidade‖, que inventei em 1943 para definir uma condição complexamente psicocultural: a do baiano. A do brasileiro da Bahia. A do brasileiro de outra área que mergulha no ethos e no ambiente oleosamente baiano, imerso nesse óleo adquire atitudes, sentimentos, sutilezas de paladar, modos de ver e de agir – ou de não agir - próprios do baiano.
Freyre nesse depoimento assinala que é preciso se voltar à Bahia para
entender o sentimento de pertença de ser brasileiro, ainda que o fato de ser
baiano carregue consigo características muito específicas que outras regiões
do país não possua. Em outras palavras, Freyre considera que para entender
a condição de brasileiro é preciso se voltar para a Bahia.
Muitos dos primeiros signos modernos da baianidade que vigoram até
os dias de hoje ratificam aos olhares pouco atentos a ideia de uma afro-
baianidade como discurso que valoriza os elementos matriciais e
tradicionalistas da nossa cultura. Tais signos foram produzidos e veiculados
na mídia nacional pelas revistas O Cruzeiro e A Cigarra nos anos de 1946 a
1951. Estas publicações, de certa forma, elaboraram conceitos sobre a
cultura do estado e modelam pontos de vista que privilegiam apenas um
28
perspectiva ideológica. Ainda hoje, somos condicionados a pensar em uma
Bahia restrita a esta veiculação midiática. Quantos cartões postais e autores
veiculam uma Bahia sertaneja ou agreste? Somos induzidos a pensar na
cultura baiana como algo único e hegemônico e não exercitamos o nosso
olhar para a sua polivalência e multiplicidades. Constatamos a existência de
muitas Bahias distribuídas sobre uma vastíssima dimensão territorial.
Foram 25 matérias e 373 fotografias de Pierre Verger - em sua grande
maioria legendadas por Odorico Tavares - publicadas em duas mais
importantes empresas de comunicação nacional. Tais publicações tiveram
uma significativa tiragem, disseminando massivamente imagens e pontos de
vista. Sobre os temas abordados encontramos no artigo de Juciara Barbosa:
Todas as reportagens do período demonstram uma conotação eminentemente popular e na maioria dos temas escolhidos estava profundamente ligado ao dia-a-dia do povo simples, abordando seu ambiente de trabalho e lazer, seus afazeres, costumes, crenças e hábitos. (BARBOSA, 2007, p. 34)
Tais imagens criam uma visibilidade da Bahia no Brasil e no mundo,
que elege elementos da cultura como emblemas para definir algumas
características de um conceito que, paulatinamente se constrói: o de
―baianidade‖. Neste estão implícitos as imagens de uma Bahia exótica,
pitoresca e dita pouco moderna.
Soma-se a esta importante divulgação em mídia nacional de um
recorte da cultura baiana (a capital e sua hinterlândia) - produzida à época
por um olhar informado do viajante estrangeiro (Pierre Verger) e traduzida
pelo representante dos Diários Associados em Salvador (Odorico Tavares). A
produção literária de Jorge Amado - que difunde em narrativas envolventes
um modo de vida particular - ajuda a consolidar a noção de uma baianidade
mestiça e refratária à urbanidade moderna. Patrícia de Santana Pinho em
seu artigo a Negritude e baianidade na “terra da felicidade” realça a
importância do escritor na construção de uma imagem sobre a Bahia que até
hoje é propagada e negociada por elites políticas e culturais:
Jorge Amado foi fundamental nessa empreitada de transformar o que era entrave em impulso à formação da nação brasileira. Sua obra é permeada por ―tipos baianos‖, onde afloram heroínas e heróis mestiços e negros sobre uma paisagem mítica, completada por uma presença de mães de santo, capoeiristas, mulatas faceiras,
29
baianas de acarajé, e os mais diversos tipos de artistas. (PINHO, 2004, p. 212).
Importante ressaltar que a obra de Jorge Amado fora traduzida para 49
idiomas e que muitos viajantes vieram para o estado a fim de conhecer in
loco toda a atmosfera da ―Velha Cidade da Bahia‖ narrada pelo autor. Por
outro lado, muitos baianos começam a construir ideais de pertencimento
identitário a partir da obra amadiana.
Outras informações sobre uma ―baianidade‖ dengosa e musical
também foi veiculada pela obra do cantor e compositor Dorival Caymmi. O
artista obteve um grande sucesso internacional no final da década de 1930,
época que a sua música ―O Que é Que a Baiana Tem‖ fora gravada por
Carmem Miranda e apresentada no filme hollywoodiano ―Banana da Terra‖,
distribuído pela Metro-Goldwyn-Mayer do Brasil. Nesse contexto, é
importante ressaltar as relações políticas de Getúlio Vargas com os EUA.
Imagens do Brasil e da Bahia se construíam, atualizando visões pitorescas e
exóticas de um olhar estrangeiro e servido como produto para uma indústria
cultural ávida pelo "tradicional" e ―primitivo".
Carmen Miranda foi içada a simbolo da política de boa vizinhança
entre os EUA e o Brasil. Uma das mais populares e carismáticas artistas
brasileiras, Carmen chegou a ser associada a uma artista da América Latina.
Acabou sendo o símbolo maior da cooperação cultural no continente
americano através da musica e do cinema.
A cultura baiana, nos parece, ficou estrategicamente conhecida nas
mídias pelas imagens de Pierre Verger, pelas histórias narradas por Jorge
Amado e pela sonoridade de Dorival Caymmi. Não seria leviano afirmar que
até hoje em dia muitos olhares que buscam a Bahia estão introjetados por
uma expectativa de reconhecer essas imagens, que foram difundidas nas
obras desses artistas. Paralelo a esse fenômeno, foram publicizados diversos
conceitos veiculados ao modus vivendi baiano: mito do paraíso racial, da
mestiçagem sincrética e da terra da felicidade. A afirmação desses discursos
por uma elite intelectual e a sua veiculação midiática, servia de forma utilitária
à construção e legitimação de uma baianidade, muito bem apropriada pelas
forças políticas dominantes, esvaziando o seu capital cultural e
transformando-os em produtos turísticos.
30
Um registro histórico para pensar nas disputas e nas implicações que
a arte possui nos projetos civilizatórios para a Bahia é o filme Bahia, por
exemplo do diretor Rex Schindler. O filme, datado de 1971, tenta entender a
Bahia a partir da visão de artistas que produziam trabalhos relacionados com
os contextos locais naquele período. Já no início da obra, o diretor nos
informa que o filme ―é dedicado aos artistas que melhor do que ninguém
sabem compreender a Bahia‖.
Fig.1- Cartaz do filme registra artista e imagens-chave para a identificação da
obra
A película traz imagens que tentam diversificam a imagem da Bahia
praieira e relacionada com as culturas matriciais afrobrasileiras, no entanto,
não logra êxito nesse objetivo porque o tom das imagens de arquivo de
quase todo o filme reforça exatamente esse imaginário. A inserção de
registros de boiadeiros, vaqueiros e imagens mais urbanas da capital do
estado, ainda que integrem o filme, não conseguem complexificar a imagem
da baianidade hegemônica.
Além dos recursos cinematográficos que o diretor do filme recorreu,
vemos um desfilar de questões sobre a arte e a Bahia proferidas por um
grupo de artistas ativos no cenário da época. Antes de destrinchar as falas
desses artistas, vale pontuar que boa parte das fontes recorridas para tecer
os comentários no filme faziam parte de um grupo seleto que ocupava os
31
espaços culturais e que tinham, em alguma medida, um alinhamento com as
políticas culturais vigentes na época. O revés, artistas que trabalhavam de
maneira mais independente, também é mostrado – no entanto, com menos
ênfase. Assim, Bahia, por exemplo pode ser tomado para pensar como esses
depoimentos, ainda que introduzam a um clima da arte no estado, representa
apenas uma parte desse ambiente.
O primeiro depoimento do filme é de Carybé – artista argentino radicado
na Bahia e um dos principais divulgadores nas artes do cotidiano e herança
afrobrasileiros para fora do estado. No filme, Carybé justifica que escolheu a
Bahia para pintar devido a sua diferente e abundante a luz. O povo, a
paisagem, o mar – temas recorrentes em suas obras – também foram fatores
primordiais pela sua adoção à Bahia. Conforme depoimento, o artista afirma
que a Bahia tem uma plasticidade que lhe é muito particular e que isso pode
ser inferido pela forma como pintura e música produzidas na Bahia tem
coincidências em seus conteúdos e formas. Carybé defenda a ideia de que
os artistas baianos estariam envoltos numa mística decorrente do espaço que
é composto por arquiteturas, ritmos e luzes especiais.
Quando questionado sobre sua aproximação com o candomblé, o
artista argumenta que os seus contatos iniciais foram com a intenção de
conhecer mais a religiosidade afrobrasileira e depois houve uma ligação mais
litúrgica. Vale lembrar que Carybé é um dos Obás de Xangô, no terreiro Ilê
Axé Opó Afonjá, um título de honra conferido apenas a homens de respeito
que contribuem para a salvaguarda e difusão do candomblé. Apesar de
considerar que há uma contradição entre sua origem geográfica e a cultura
religiosa que encontrou aqui, o artista fala em mudança de pensamentos e
em conflitos permanentes de ideias, que sempre acontecerão, mas que é
possível de conviver. Enquanto fala sobre o assunto, Carybé desenha a
figura de três homens com grande chapéu manipulando um carvão.
32
Fig. 2 - Frame do filme Bahia, por exemplo em que Carybé desenha
Uma das partes mais interessantes da entrevista de Carybé no filme é
quando questionado o motivo de não aderir ao Abstracionismo. ―Vim à Bahia
e nasci na América do Sul. Para mim, o continente menos abstrato possível,
não é um lugar bitolado. Aqui é um pouco anárquico. O abstracionismo é uma
coisa intelectual, super cerebral. Não coincide com nossa vida aqui, com o
que nos rodeia, com o que vemos e comemos‖. Voltaremos a essa discussão
posteriormente.
Carybé ressalta o quanto a cultura negra e suas dimensões religiosa,
plástica e audiovisual foram fatores preponderantes para sua vinda à Bahia.
Segundo ele, essa região é ―um cadinho da América do Sul onde se funde
tudo‖. O artista também reafirma como a mestiçagem atribuiu potência e
singularidade ao povo baiano.
Antes do próximo depoimento, Rex Schindler registra o processo de
composição de uma obra do artista alemão Hansen Bahia, além de utilizar
um arsenal de imagens que retratam as regiões do Abaeté e de Itapuã, locais
que foram consagrados no cancioneiro musical da Bahia, tendo Dorival
Caymmi como uma espécie de arauto, sendo mostrado tocando violão junto a
pescadores nesse trecho da película.
33
Fig.3 - Frame de Bahia, por exemplo com Dorival Caymmi
Outro artista ouvido no filme é o sergipano radicado em Salvador,
Jenner Augusto. Ele começa sua entrevista falando da vinda para a cidade e
da desvalorização da profissão de professora – cargo ocupado por sua mãe.
Jenner é mostrado pintando no bairro de Alagados, uma região periférica de
Salvador, erigida em palafitas sobre no mar. O artista afirma que gosta de
pintar temas que estejam relacionados ao povo e que necessitem de contato
com as pessoas. Conforme relato no filme, Jenner afirma que o espaço ao
redor traz comoção ao pintor.
Genaro de Carvalho, artista baiano e investigador da tapeçaria moderna,
em seu depoimento no filme, propõe um intercâmbio entre as linguagens
artísticas. Para ele, a arte contemporânea dispõe de diversos meios para
realizar uma obra. Assim, relata que se opõe à ortodoxia da tapeçaria. É
possível combinar diversos suportes e construir uma técnica que não seja
pura. Afirma que muitos fatores operam para realização das suas obras, mas
a Bahia influencia através do clima, da cor, das pessoas, das tradições. Traz
inspiração e motivação.
Já o artista Carlos Bastos assinala que vivendo e nascendo na Bahia é
influencia pelo Barroco local. Na película, defende que sua principal
investigação é uma tentativa de dar uma nova roupagem moderna ao
Barroco. ―Sempre o sentimento é pensando no Barroco‖. Para além dessa
investigação, Carlos Bastos também expõe que já pintou cenas do século
34
XIX do porto de Salvador. Retratava o comércio na região da Cidade Baixa
soteropolitana, tentando realizar um instantâneo da época.
Bahia, por exemplo também conta com entrevista ao escritor baiano
Jorge Amado. Ele explica que vive na Bahia porque gosta, preferindo morar
em Salvador do que em qualquer outra cidade brasileira. O motivo disso é
que a capital da Bahia é uma das raras cidade que foram feitas para as
pessoas viverem. Amado analisa que as cidades são campos de trabalho e
de luta, em que o objetivo maior das pessoas é ganhar dinheiro. ―A existência
se transforma numa corrida em busca de dinheiro e posição social‖. Apesar
de ter essa visão de Salvador como um lugar ideal para viver, Jorge afirma
que o local está crescendo muito. Ainda assim, continuava gostando da
cidade porque percebia como a sua vida e obra estava fundidas com o
cotidiano de Salvador. Para ele, a Bahia é tem as raízes do humanismo e é
exatamente nesse local que sua obra e sua visão pessoal estão assentadas.
Quando perguntando sobre a arte baiana, ele afirma que as criações
locais possuem como originalidade o fato de que elas decorrerem do povo.
Jorge defende que a emergência das artes na Bahia se dão a partir de uma
esfera popular, sendo essa a característica mais importa das artes
produzidas no estado.
Assim como Carybé, retratado anteriormente no filme, Jorge Amado
também diz que é um Obá de Xangô. Analisa que a Bahia tem duas
realidades: uma que está vinculada à sua posição de Terceiro Mundo, que
estava falando cada vez mais dentro de uma dimensão sociopolítica global. E
outra é a cultura rica feita nessas terras graças à mestiçagem. A mestiçagem,
para Jorge, é uma solução que a Bahia dá para o mundo – já que póe em
questão o racismo e a superioridade/pureza das raças.
Quando questionado sobre as visões políticas e a questão da
religiosidade, Jorge Amado se coloca como materialista – apontando que
tudo que é místico tem a tendência de limitar de certa maneira. Contudo, se
opõe à qualquer absolutismo dogmático, ratificando que em alguns
momentos a força decorrência de um universo místico pode ser um elemento
revolucionário relevante. Quanto à temática de suas obras, Amado fala que
abordou elementos da vida popular baiana, que é cheia de potencialidades.
Diz que tentou retratar não somente Salvador, mas também a região sul do
35
estado da Bahia, lugar onde nasceu e que tem uma cultura vinculada com as
atividades do campo.
Inscrevendo uma visão para o futuro, o escritor ressalta que é preciso
impedir uma quebra entre o que se fez naquela época, oriundo da criação
popular, e o que se construirá depois. Ressaltando que é preciso
salvaguardar o que havia sido realizado até então para que não houvesse
nenhum tipo de esquecimento.
Outro artista baiano que é ouvido no filme é Mario Cravo. Inicialmente,
ele aponta que o artista representa um dos valores primordiais na sociedade.
A função do artista, na visão dele, é especular as questões sociais através de
uma linguagem básica que é a criação. No entanto, o artistas também vive
problemas e situações de conflito. Defende que o artista necessita dialogar
com a sociedade, as pessoas e o tempo para que seja mais socialmente
integrante.
Cravo indica que o artista não nasce porque foi gerado biologicamente
num lugar, para ele, o nascer é o encontro da arte e da cultura com o lugar
que lhe é caro, que move à criação. Apresenta que o artista é um político
através da sua prática profissional. A palavra política do artista implica numa
ação política do artista. A ação política do artista é através da sua linguagem
específica. O artista baiano apregoa que a arte é uma manifestação
espontânea. Além disso, diz que a ação racional e dirigida faz com que se
perca uma parte da potência criativa. Para finalizar, Cravo reafirma que todos
os povos possuem sua arte política comandada pelo estado e quase sempre
essa arte encomendada pelo estado é de ―quinta categoria‖.
O cineasta baiano Glauber Rocha também é entrevistado na parte final
do filme. Segundo ele, a Bahia tem uma projeção internacional tão grande
quanto o Brasil. Quando se refere ao filme Terra em transe, obra que não foi
gravada em terras baianas, ele diz que ainda assim ele tem seu cinema
vinculado com o cenário da Bahia.
Quando indagado sobre a influência do Barroquismo em sua obra,
Glauber expõe que ele está presente, no entanto, não necessariamente de
forma deliberada, mas está ―impregnado em seu temperamento‖. Para o
cineasta, a musica baiana é de certa forma barroca também, haja vista a sua
36
complexidade. O artista baiano cita uma espécie de musica ―barroco
tropicalista‖.
Glauber Rocha afirma que as linhas de arte geométrica e arte abstrata
em São Paulo e no Rio de Janeiro entendem a arte baiana como uma arte
acadêmica, uma arte do passado, mas não compreendem como que essa
forma de fazer é específica da Bahia, ainda que as artes produzidas no
estado seja uma criação profundamente brasileira, revelando um outro
aspecto da cultura brasileira.
Além desses artistas que deram depoimentos para o filme Bahia, por
exemplo um conjunto de outras pessoas que participavam do universo
artístico do estado foram mostradas no filme. Hansen Bahia, Mestre Didi, Lia
Robatto, Gal Costa, além de cenas da I Bienal da Bahia podem ser vistas no
documentário.
Hansen Bahia foi um artista alemão naturalizado brasileiro que se
radicou na Bahia. Foi professor da Escola de Belas Artes da Universidade
Federal da Bahia. Seu trabalho tinha como principal universo de investigação
as representações das culturas negras, tendo ilustrado obras de Jorge
Amado e o poema Navio negreiro do poeta Castro Alves.
Fig. 4 - Hansen Bahia e sua esposa Ilse Hansen trabalhando em painel que
retrata cena cotidiana da Bahia
37
Mestre Didi era um artista visual e sacerdote do candomblé. É
interessante notar que ele era tomado na época do filme como um artesão
negro. Sua produção, portanto, não estava nos circuitos das artes baianas,
sendo que seu reconhecimento só viria a acontecer pelo mercado de arte
décadas mais tarde. O trabalho de Mestre Didi é uma meticulosa composição
de artefatos rituais relacionados ao candomblé. Uma espécie de inscrição
das mitologias em estruturas e suportes escultóricos. Mestre Didi é um único
artista negro mostrado em Bahia, por exemplo, ainda assim em um insert
sem que seja dado espaço para sua fala.
Fig. 5 - Mestre Didi em seus ateliê entre os seus “orikis visuais”
Além desses, um trecho significativo do filme é dedicado à
apresentação da obra da coereógrafa Lia Robatto. A participação do trabalho
dela no filme se articula como uma maneira de mostrar a dança se
relacionando com o campo das artes visuais. Através de objetos em
interação com coordenações corporais de 4 dançarinas, é composto um balé
visual para as lentes de Rex Schindler. O espaço utilizado pelo grupo de
dança é a praça do Solar Do Unhão, antigo engenho que foi projetado por
Lina Bo Bardi para ter encontros, feiras, festas e performances. Lia Robatto
representa o impacto da dança moderna na Bahia, já que foi assistente e
discípula da coreográfa polonesa Yanka Rudzka, uma das fundadoras da
escola de Dança da UFBA. Rudzka, inclusive, é responsável pela vinda de
Lia Robatto para a Bahia.
38
Fig. 6 - Coreografia de Lia Robatto cinematografada em Bahia, por exemplo
Um pequeno videoclipe com Gal Costa também faz parte do conteúdo
de Bahia, por exemplo. A cantora, uma das integrantes da Tropicália,
apresenta a música Divino, maravilhoso composta por Caetano Veloso e
Gilberto Gil. Gal e Glauber representam um contraponto dentro do filme, haja
vista que possuíam posições mais radicais e de desobediência aos sistemas
políticos daquele período – ainda que ambos tenham logrado em êxito dentro
do mercado artístico brasileiro.
Outras cenas interessante de serem citadas são as atividades da II
Bienal da Bahia de 1968, naquele contexto formada por artista que tinham
como perspectiva uma posição de questionamento não somente às posições
de repressão política mas também aos próprios modos e suportes de fazer
artes visuais na Bahia. Falaremos mais sobre a Bienal da Bahia no capítulo
seguinte.
De maneira geral, Bahia, por exemplo é um rico material que registra o
cenário das artes do estado. No entanto, é necessário analisar a posição que
a maioria dos artistas que são entrevistados defendem em suas falas. Antes
de mais nada, deve ser pontuado como existe uma vinculação dos artistas a
projetos mais institucionais tanto do estado da Bahia quanto do cenário
artístico mais hegemônico.
Artistas como Carybé, Jorge Amado e Dorival Caymmi, por exemplo,
contribuíram muito para a imagem artística da Bahia fora do estado, além de
39
fazerem um reforço da imagem mais aventada de baianidade, como
discutimos anteriormente. Ou seja, o filme reafirma um mercado de arte
naquele momento, apostando em artistas que tinham uma visão específica
sobre a Bahia. A maioria dos artistas exibidos no filme também serão
utilizadas como máquina do governo baiano para a venda externamente da
imagem da Bahia paradisíaca, negra e sensual. Jenner Augusto ilustrou livro
de Jorge Amado, além de retratar o cotidiano de cidades do Recôncavo da
Bahia. Genaro de Carvalho no filme pinta uma modela negra nua em uma
das suas obras.
Fig. 7 - Genaro de Carvalho pinta modelo viva em trecho do filme
Além dessas discussões, é importante pontuar um outro debate
recorrente no filme: a oposição entre arte abstrata e a arte que se produzia
na Bahia. Carybé aponta que o fato da Bahia ter uma potência de imagens
muito grande e diversa, é impossível se produzir algo que tenha uma
característica que obedeça puramente à princípios geométricos e analíticos.
Ou seja, a condição de contrastes na Bahia, impediria que os artistas
passasem ilesos aos contextos culturais da época e isso fosse abstraído da
arte para que fosse produzido uma outra temática mais abstrata. Mario Cravo
também parece defender essa posição ao colocar que a interação social é
um dos princípios do fazer artística. Glauber Rocha ao falar sobre o Barroco
também sinaliza que a visão que se tem da arte baiana ainda é considerada
conservadora no sudeste, exatamente por se opor a esse modelo de arte que
40
se fazia nessa outra região do país. Apesar disso, vale lembrar que os
artistas premiados na Bienal da Bahia, realizada em 1968, são exatamente
Lygia Clark e Helio Oiticica, que produziam obras que impactadas por
referências neo-concretas e geométricas.
Toda essa disputa de construção de conceitos, imagens, utopias e
tentativas de políticas culturais para a região Nordeste e, mais
especificamente, a Bahia comporam cenários que contribuíram para a
criação de estruturas específicas e heterotópicas. Uma maneira de identificar
isso é como esses ideais contribuíram para erigir de uma ―cultura colecionista‖
na Bahia, em que artistas eram elencados para ocupar acervos construídos,
em boa parte, para defender uma forma de observar, preservar e inscrever a
arte em contextos socioculturais e temporais. Há um conjunto de iniciativas
que nos fazem pensar como o avançar das discussões sobre os projetos
civilizatórios para o Nordeste e a Bahia desembocam em políticas culturais -
como a criação de museus e escolas de arte. As nuances das consequências
dessas utopias serão dissecadas mais especificamente no próximo capítulo.
41
CAPÍTULO II – O LEITO DO RIO: COLEÇÕES, COLECIONADORES E
POLÍTICAS DE LEGITIMAÇÃO DA ARTE NA BAHIA
O ato de reunir coisas, preservá-las e não necessariamente exibí-las
publicamente definem a prática do colecionismo. Compreendida como uma
ação presente em diversas culturas do mundo, revelando características
distintas, quer na natureza da coleção, quer nos propósitos dos seus
criadores. A prática de colecionamento pode ser considerada universal. Em
todas as culturas humanas, os indivíduos formam coleções, sejam
particulares, sejam coletivas. (ABREU, 2005, p. 103).
No contexto da arte baiana encontramos, em diferentes épocas,
importantes protagonistas que reunirão diversos acervos de arte. A nossa
intenção é analisar como essas coleções, agem e impactam nas políticas de
arte no contexto social do estado. Para tal empreitada, inicialmente, é
necessário aferir algumas questões teóricas que nos ajudarão a desvelar um
pouco a natureza desse fenômeno.
Coleção, colecionadores e a experiência do colecionismo são
conteúdos que motivaram reflexões de importantes teóricos como Walter
Benjamin, Krzystof Pomian, Philipp Blom e Jean Baudrillard. Esses autores
propõem a análise de tal fenômeno em diferentes perspectivas históricas
investigando a complexidade dos temas a partir de seus pontos de vistas.
No seu ensaio O colecionador, Benjamin compreende este como
alguém que ―[...]reúne as coisas que são afins; consegue, deste modo,
informar a respeito das coisas através de suas afinidades ou de sucessão no
tempo.‖ (BENJAMIN, 2006, p. 245). Seu acervo torna-se uma espécie de
enciclopédia mágica, que em cada peça da coleção abarca um parte do
mundo.
Para Benjamin, o ato de colecionar promove um desligamento do objeto
de suas funções de origem, inserindo-o em um novo ―sistema histórico‖
criado especialmente para comportá-lo: a coleção. Tal deslocamento instaura
em cada item da coleção uma aura sagrada. Onde o olhar do colecionador é
quem define e reconhece a sua escolha e posteriormente a sua aquisição.
Por não ser um escolha arbitrária cada objeto fala por si e mesmo despido da
sua função original, se torna valioso na sua unicidade dentro do novo
42
contexto que o constitui no grupo. Como se cada elemento funcionasse na
criação de uma sintática e que definirá um sistema de significados,
constituindo assim essa espécie de enciclopédia mágica que nos fala o autor.
Para o historiador Pomian Krzysztof, que dirige o comité científico do
Museu da Europa 2 , sediado na cidade de Bruxelas, os objetos de uma
coleção desempenha uma função de ―intermediários entre os espectadores e
um mundo visível de que falam os mitos e as histórias‖ (POMIAN, 1984, p.
67). Ele também concorda com as ideias de Benjamin em relação a
transformação e a perda do valor de uso que o objeto sofre quando é inserido
em uma coleção, afirmando que tal perda do valor de uso é que o legitimaria
o seu status de objeto de coleção. As peças de uma coleção devem ser
mantidas, temporariamente ou definitivamente, fora de qualquer circuito de
agenciamento estético. Sendo assim os objetos perderiam o seu valor e uso
original se transformando em preciosidades cuidadosamente conservadas
para o futuro.
Desde os primórdios da produção de imagens no mundo, o humano tem
projetado o invisível no visível, a partir da capacidade de relacionar-se com o
ausente. Pomian propõe uma divisão no interior do visível, distinguindo
coisas e semióforos. As coisas são objetos úteis que ajudam de forma prática
a vida das pessoas. Pomian define os semióforos como objetos que não têm
utilidade prática, contudo são representações do invisível, não sendo mais
utilizados são apenas apresentados e expostos ao olhar. O valor dos objetos
de uma coleção reside na sua inutilidade enquanto artefato, objetos
descolados da sua função cotidiana mas carregados de significado que
representam o que é invisível ou o que está ausente quando os mesmos são
colocados exposição. Tornam preciosidades, objetos que se sacralizam
quando apresentados em um contexto expositivo.
Philipp Blom destaca que o colecionador, através dos objetos do seu
acervo, deseja a sua imortalidade. Tal desejo revela que seu projeto de vida,
marcado pela importância do seu feito, deva ser legitimado por gerações
futuras ―o colecionador pode continuar a viver depois que sua própria vida
2 Em 1997, o Museu da Europa ainda era um projeto lançado por um pequeno grupo de
historiadores e promotores culturais da sociedade civil. Com a ambição de apresentar aos europeus as raízes da sua civilização comum.
43
termina; e a coleção torna-se um baluarte contra a mortalidade‖ (BLOM, 2003,
p. 177). Ainda segundo o autor
Cada coleção é um teatro da memória, uma dramatização e uma mise-en- scène de passados pessoais e coletivos, de uma infância relembrada e da lembrança após a morte. Ela garante a presença dessas lembranças por meio dos objetos que as evocam. É mais do que uma presença simbólica: é uma transubstanciação. O mundo além do que podemos focar está dentro de nós e através delas, e por intermédio da comunhão com a coleção é possível comungar com ele e se tornar parte dele. (BLOM, 2003, p. 219).
Essa ideia, reflete um importante desejo do colecionador de estabelecer
uma relação com o passado e sua memória, salvaguardando uma série de
objetos, dado a sua importância histórica ou outros sentidos que a coleção
lhe afere.
Através de uma viés sociológico, Jean Baudrillard, em seu texto O
sistema dos objetos, realiza um estudo sobre o comportamento dos
colecionadores e suas coleções. Para o autor as coisas têm duas funções:
serem utilizadas ou serem possuídas. A utilização é uma mediação prática
que não é a posse das coisas. A posse de algo não se relaciona com o
utilização do mesmo, não se possui apenas pela utilização e sim a um objeto
abstraído de sua função e relacionado ao indivíduo. Baudrillard exemplifica
com a utilização de um refrigerador com o fim de refrigeração, e argumenta:
―trata-se de uma mediação prática: não se trata de um objeto, mas de um
refrigerador. Nesta medida não o possuo. A posse jamais é a de um utensílio,
pois este me devolve ao mundo [...]‖ (BAUDRILLARD, 2004, p. 94).
A complexa relação que se constrói entre os seres humanos e as coisas
é problematizada por Baudrillard. O autor nos interroga sobre de que forma
os valores são atribuídos aos objetos e como possuí-los representaria um
sentimento de profunda conquista emocional. Ele classifica as coisas em
duas funções: para serem utilizadas ou serem possuídas. A utilização das
coisas e da posse das mesmas são bastante distintas. Para as coisas se
tornarem objetos de coleção têm que serem privadas de sua utilização,
sacralizadas pela ação do colecionador e a sua posse e aquisição uma
imensa satisfação racional.
A breve discursão apresentada anteriormente oferece subsídios para
aprofundarmos o tema do colecionismo na Bahia como uma prática
recorrente em diferentes momentos históricos e como essa prática produzem
44
impactos na vida e nas políticas culturais no estado. As abordagens sobre o
tema apresentados pelos autores acima citados nos convida a refletir os
diferentes contextos e sentidos da prática do colecionismo na Bahia. Em
nossa experiência local, a partir da formação de coleções baianas,
verificamos o desejo de imortalidades de seus autores, a fim da permanência
de um legado cultural intimamente associado com as suas história de vida,
suas ideologias e políticas frente ao contexto social. A coleção se torna um
mundo, apresentando normas e modelos a serem seguidos a partir de um
ponto de vista do seu autor. Soma-se a isso, a ideia da coleção como meio
de sacralização ou não de valores culturais que devem ser servir como
instrumental nas praticas pedagógicas.
Na experiência baiana, podemos indicar que muitas das coleções -
privadas e públicas - foram criadas com o intuito de colaborar com a
formação e o desenvolvimento de um espaço cultural no Estado. Tal espaço,
no decorrer do final do século XIX até meados do século XX, promove
legitimações de um parte da produção artística assistidas principalmente
pelas experiências de coleções e colecionadores. Todavia uma outra parte
dessa produção se manteve fora do foco dos interesses das ―coleções
oficiais‖ e são esses fenômenos que nos motivaram a uma análise histórica
da arte baiana, a fim de investigar poéticas artísticas que se mantiveram a
margem.
Na Bahia oitocentista, assim como em outros estados do Brasil, é
recorrente o desejo de viajar para a Europa para adquirir acervos de objetos
artísticos do passado, colecioná-los e exibí-los coletivamente. Tais práticas
revelam estratégias pessoais de construção de uma espécie de civilidade
clássica ocidental no chamado Novo Mundo, que deveria ser promovida a fim
de afugentar uma deficiência cultural local.
Na cidade de Salvador, no século XIX, encontramos alguns exemplos
de pessoas da alta sociedade que fundam as primeiras coleções privadas
que darão início aos acervos de importantes museus públicos e privados do
estado. Em 1859, é fundada na cidade de Salvador a Sociedade de Belas
Artes, formada por um grupo de importantes nomes da vida baiana, oriundos
da classes média e alta - professores, artistas, intelectuais e profissionais
liberais amantes da letras e das artes, a fim de promover um
45
desenvolvimento cultura através da prática do colecionismo.
objectivo de despertar o gosto pelas manifestações literárias, elevando moralmente a classe dos artistas e, ainda, dando a oportunidade, oferecendo exposições anuais. Mais tarde, a Sociedade de Belas Artes convidou as pessoas que quisessem vender quadros, esboços, desenhos, gravuras ou outras quaisquer peças de arte, para organização da sua biblioteca (QUIRINO, 1911, p. 105-106)
Tal elite intelectual fundadora da Sociedade era composta pelo Dr.
Jonathas Abbott (presidente da Sociedade e o maior colecionador de arte da
época), o Dr. Antônio José Alves (pai de Castro Alves, também um grande
colecionador), o Dr. João José Barbosa de Oliveira (pai de Rui Barbosa), o
dramaturgo Agrário de Meneses, o poeta Muniz Barreto, o diplomata Gaspar
José Lisboa e o pintor Rodrigues Nunes (OLIVEIRA, 2013).
Tais coleções expressam a singularidades dos objetos como obras de
arte, pertencente ao passado do ―mundo dito civilizado‖, que uma vez
apresentados para um público restrito asseguraria um processo pedagógico
de transformação cultural na cidade. Sendo assim, as possibilidades de
aprendizagem que tais acervos poderiam deflagrar nesses grupos sociais,
que eram formados majoritariamente pela elite econômica e cultural, eram
imprescindíveis para sua formação cultural.
Ensinamentos sobre o que é ser civilizado nos trópicos fomentou o
início de algumas coleções de arte na Bahia. Motivado por um espírito de
uma época que revelou um desenvolvimento internacional do colecionismo
artístico e pela pretensão de uma ascensão social e reconhecimento público,
o imigrante Inglês de origem humilde Jonathas Abbott inaugura a sua prática
de colecionador ao adquirir sua primeira peça na cidade italiana de Palermo
no ano de 1831. Trata-se de uma cópia do pintor Correggio – a Cabeça de
Cristo agonizando, atualmente no acervo do Museu de Arte da Bahia.
Jonathas Abbott constitui a sua famosa coleção como um projeto de
vida, sendo reflexo de suas inquietações. Uma coleção heterogênica que
combina obras europeias com obras da conhecida Escola Baiana de Pintura.
Diretor do Museu de Arte da Bahia de 1933 a 1942, em seguida ingressará
como professor de estética da Universidade do Estado da Bahia e escreve
sobre o conjunto extremamente desigual, de caráter eclético e heterogênico.
como um todo, extremamente desigual, eclética, sem uma unidade de obras, objetos, temáticas, artistas e/ou linguagem poética, pois é
46
composta de obras e artistas provenientes de distintas linguagens pictóricas, cujas temáticas também são extremamente ecléticas – incluindo a representação dos principais artistas da Escola Baiana de Pintura. Contudo, ressaltamos que o ecletismo das coleções no século XIX eram uma especificidade do colecionismo na época. A variedade e a heterogeneidade que regem uma coleção são justificadas pela lógica que o colecionador lhe outorga. Para Abbott, os objetos (fossem obras de arte ou objetos ―quaisquer‖) tinham caráter universal e didático com atuação na consciência presente. (VALLADARES, 1951, p. 6)
Fig. 8 - Jonathas Abbott. Pintura de João Lopes Rodrigues, acervo MAB.
Em seu diário de viagem à Europa escrito entre 1830 e 1832, ele narra
o encontro com a cultura europeia, especialmente com a francesa e italiana.
Sobre Roma, ele narra o impacto como o grande acervo artístico que
combinava tempos históricos diferentes, uma cidade relíquia mas
completamente viva e não cenográfica, diz:
Vi o soberbo castelo de Sant‘Angelo, e passei à basílica de São Pedro. Vista mais nobre não pode haver, as belas fontes, as colunatas de rico e antigo mármore, ágata e pórfiro, o mosaico mais delicado exato, as estátuas colossais de bronze e mármore, o altar de pontífices, tudo imortalizado por gênios também imortais; em suma, é escusado tentar uma descrição quando essa força será pobre... apesar de estar ali por quatro horas esbugalhando o olho, não vi ainda a vigésima parte. [...] Subi o soberbo capitólio e parei diante da estátua equestre de Marco Aurélio, menos para examinar essa soberba relíquia que para refletir que meus pés profanavam terreno sagrado. Quantos heróis endeusados ali receberam os
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seus louros? Quantos monarcas cativos ali aumentaram o triunfo do vencedor! [...] Eu ouço os quatro milhões de romanos enviar aos céus os seus ardentes votos, estou vendo as mães entregarem seus filhos, suas joias para a salvação da pátria; César, Bruto, Régulo e mil outros, eu os vejo e estou convosco no capitólio. Ah! minha alma não cabe no seu cárcere estreito, o coração me bate forte e as lágrimas me impedem de ver o que me rodeia [...]. (GALVÃO, 2007, p. 504)
A impressão da cidade sobre as percepções do jovem inglês é fundante
para definir o seu gosto estético e como diferentes tempos e estilísticas
distintas poderiam confluir para uma unidade. Tal compreensão irá informar
as aquisições da sua coleção marcadamente heterogênica. A viagem para o
―inglês pobre‖, como Gilberto Freyre (2000) o definiu, torna-se primordial para
sua formação e das suas escolhas. Sendo um caminho de possibilidade de
trocas na sua formação cultural, como se refere Norbert Elias ―as pessoas
colecionam para se civilizar‖ (ELIAS, 1995, p. 85). Colecionar é um ato de
civilidade e Abbott não estava só nesse projeto individual que se estende
pelos anos e séculos seguintes. Aliás, as transformações de uma sociedade,
as mudanças educacionais e do bem viver não são produzidas
individualmente, elas se relacionam com outros atos de sujeitos singulares
que se agregam.
A coleção de Abbot é vista por Paulo Knauss como um lugar de contato
entre a arte europeia e a produção da chamada Escola Baiana de Pintura.
Além de funcionar com um espaço de legitimação de valores artísticos que
iram informar e validar o pequeno mercado de arte que se inaugura.
Entre cópias e originais atribuídos a mestres ou a escolas de grandes como Tintoretto, Corregio, Anibal Carraci, Caravagio, Boucher entre outros, juntam-se as obras dos mais destacados artistas da Bahia, que constituíam a maioria do acervo. (KNAUSS, 2001, p. 27)
O acervo de Abbott formada por esse encontro entre arte europeia de
diferentes períodos artísticos e a arte baiana na transição do estilo Barroco
ao Neoclássico representa em seu conjunto a diversidade de mentalidades
em Salvador no sec. XIX. Isso influenciará na construção de um juízo de
gosto marcadamente eclético, referenciado pela cultura visual europeia e
também consagrando a arte dos artistas locais, fomentando um pequeno
mercado e definindo modelos pictóricos a serem seguidos.
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Nesta perspectiva, podemos afirmar que a coleção Abbott, criada em
um período em que não havia nenhum museu em Salvador, desempenha um
protagonismo inaugural, contribuindo para a consolidação de valores
artísticos europeus na sociedade baiana. Servindo dessa maneira, como um
parâmetro para se pensar a arte produzida no Estado. Ou seja, esse
fenômeno pode também nos ajudar a compreender como a Academia de
Belas Artes da Bahia no sec. XIX, e, assim como, a própria construção das
bases do modernismo baiano nas primeiras décadas do sec. XX, serão
subordinados a essa referência externa oriunda de uma duradoura ideologia
colonialista europeia, não apenas lusitana.
Salvador vivia um momento de grandes transformações urbanas com a
chegada da iluminação publica à gás, o telégrafo e grandes investimentos na
área dos transportes e saneamento. Em 1860, a cidade seria reconhecida
como o maior pólo nacional do setor têxtil, caracterizando um grande
desenvolvimento no setor industrial e, consequentemente, a criação de
ferrovias para o escoamento da produção. As transformações no mundo do
trabalho marcam esse momento histórico de uma sociedade que busca se
adequar às exigências de um sistema capitalista. A inauguração do Elevador
Lacerda em 1873 marca uma maior mobilidade urbana com a ligação de
duas regiões: a cidade baixa e cidade alta.
Katia Mattoso, em seu livro Bahia: A Cidade Do Salvador e seu
mercado no século XIX, analisa a estratificação social local por volta de 1800
e reconhece a existência de 4 grupos distintos: o primeiro formado pela ―elite‖,
composta de altos funcionários da admiração real, militares de altas patentes,
alto clero secular e regular, grandes mercadores, grandes proprietários rurais;
o segundo identificado com as camadas médias, diferenciadas por níveis
inferiores (funcionários) ou por níveis de renda (comerciantes e lavradores),
composto de proprietários, profissionais liberais e alguns mestres de ofícios
nobres; o terceiro composto de funcionários subalternos da administração
real, militares, profissionais liberais secundários, oficiais mecânicos,
pequenos comerciantes ambulantes, pescadores, marinheiros do Recôncavo,
condutores de gênero alimentícios e fornecedores de pescados à população;
e quarto grupo onde encontravam os escravos, mendigos e vagabundos
49
(MATTOSO, 1978).
A construção de um livre comércio de circulação de mercadorias na
ordem do liberalismo econômico que se instala no Brasil e na Bahia no
século XIX, será fundamental para o crescimento da prática do colecionismo.
Tal contexto fomenta a criação de instituições artísticas que tinha como
função a formação de artistas ou artesãos, especializados na produção de
objetos artísticos. Essa produção irá responder às necessidades de um
nascente mercado de colecionadores de arte.
Na segunda metade do século XIX, duas importantes instituições de
arte são fundadas na cidade de Salvador: o Liceu de Artes e Ofícios em 1872
e posteriormente a Academia de Belas Artes da Bahia (ABAB) em 18773.
A partir dessa fundação, foram o Liceu de Artes e Ofícios e Academia de Belas Artes que passaram a ditar os padrões estéticos que vigoraram durante longo período na Bahia, especialmente em Salvador. A República, que transformaria a Academia em Escola de Belas Artes, manteria, por muitos anos ainda, os mesmos padrões estéticos (FLEXOR, 2011, p. 4)
O Liceu irá oferecer um formação profissional para uma significativo
números de trabalhadores que buscava uma maior qualificação para sua
inserção no mundo do trabalho em uma época de profundas transformações
sociais. A historiadora Maria das Graças de Andrade Leal, em sua análise
afirma sobre a clientela atingida pelas duas instituições:
[...] a academia fora criada para atender a uma clientela de elite, o que sinalizava a influência de tornar-se uma escola superior, enquanto o Liceu era destinado à atender as classes populares, enquanto escola do povo (LEAL, 1995, p.182)
Em estudos, a pesquisadora Viviane Rummler (2008) comprova através
da leitura de atas que a Academia de Belas Artes da Bahia, desde sua
fundação gratificava algum alunos com abonos de matrículas. Diversas
políticas foram implantadas para a diversificação social na Academia, desde
eventuais prestações de serviços até bolsas de gratuidade para pessoas que
3 Duas dissertações de mestrado merecem destaques: uma sobre o Liceu de Maria das
Graças de Andrade Leal (1996), intitulada: A arte de ter um ofício: Liceu de Artes e Ofícios da Bahia 1872 – 1996, a outra Vivianne Rummler da Silva (2008), intitulada: Pintores fundadores da Academia de Belas Artes da Bahia: João Francisco Lopes Rodrigues (1825-1893) e Miguel Navarro y Cañizares (1834-1913)
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comprovassem pobreza.
As particularidades dessas duas instituições demarcam um momento
inicial da profissionalização de uma cadeia produtiva nas artes que irá
atender a um incipiente mercado local. A Academia de Belas Artes da Bahia,
mesmo oferecendo bolsas e descontos para alguns alunos menos
favorecidos, não omite as tensões dos conflitos sociais vigentes à época. Se
pegarmos a participação na ABAB do famoso aluno negro Manuel Raymundo
Querino (1851-1923), que se transformará em artista, ativista, intelectual,
professor e primeiro historiador da arte baiana, revela as tensões entre as
particularidades das duas instituições.
Fig. 9 - Retrato de Manuel Querino constante do livro Artistas Bahianos (indicações biographicas)
A história de Querino atravessa esse importante momento de
legitimação e institucionalização social das artes na Bahia. Ele ainda jovem,
ingressou no Liceu como aluno fundador do curso de desenho no ano de
1872, sob a tutela do pintor espanhol Miguel Navarro y Cañizares (1834-
1913). O mesmo que em 1877 deixará o Liceu e fundará a Academia de
Belas Artes da Bahia. Querino se transfere com estudante dos cursos de
Desenho e Arquitetura. E em 1882 se forma somente em desenho, pois ficou
impedido de prestar os exames finais em Arquitetura devido a ausência de
professor. Contudo, Maria das Graças de Andrade Leal nos chama atenção
para um dado biográfico fundamental da relação de Manuel Quirino com a
51
ABAB:
[…] Como artista, diplomado desenhista pela Academia de Belas Artes, em 1895 foi preterido ao cargo de Professor da cadeira de Desenho Linear, para a qual fora empossado o antigo colega e professor do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia Agripiniano Barros. Em requerimento à Congregação, Querino manifestou a sua frustração, sentido-se prejudicado. (LEAL, 2012, p.6.)
Com a frustrada tentativa de se tornar professor da Academia de Belas
Artes da Bahia, o professor negro de talento já reconhecido, dedicou-se ao
ensino de desenho industrial no Colégio dos Órfãos de São Joaquim e no
Liceu de Artes e Ofícios, instituições para uma clientela popular. Esse fato
nos revela que nunca foi fácil na Cidade do Salvador do século XIX a
ascensão artística e profissional de negros. Quirino continuou o seu empenho
pelo reconhecimento intelectual e profissional sendo elogiado por sua
participação em 1883 no Congresso Pedagógico do Rio de Janeiro com o
seu revolucionário plano arquitetônico Modelos de casas escolares
adaptadas ao clima do Brasil e posteriormente a publicação de sua obra
seminal Artistas Bahianos; indicações biográficas, em que escreve relatos
biográficos de artistas e operários da época4. O pesquisador baiano Luiz
Alberto Ribeiro Freire analisa diversos aspectos referente ao nosso mais
remoto texto sobre a história da arte do autor, e destaca um dado curioso
texto:
Se considerarmos o elevado grau de engajamento de Querino em prol da raça negra no Brasil, fica sem compreensão as razões porque omitiu a identificação da cor dos artistas, mesmo daqueles seus contemporâneos, que bem podia identificar. Também nos estranha a ausência de relação entre o negro e o mestiço com o trabalho artístico, já que se empenhava em provar para a sociedade brasileira a importância do negro como agente civilizador do Brasil. Tal omissão deve se justificar nas dificuldades de comprovação desses vínculos, ausência de menção documental e parca memória oral. (FREIRE. 2010, p. 532)
Os motivos justificados por Freire para tal omissão devem ser
4
Por isso hoje devemos celebrar a importante projeção histórica no século XX de protagonistas negros na Escola de Belas Artes da Bahia, professores e artistas como Juarez Paraiso, Ieda Maria, Edsoleda dos Santos entre outros.
52
considerados do ponto de vista acadêmicos - suas regras e métodos de
comprovação - contudo acreditamos que tal fato necessite de uma análise
mais aguda em relação ao contexto social à época. Sabemos hoje o quanto
foi conturbado e complexo as articulações entre a questão racial e o fim do
escravismo no Brasil. ―[...] O processo de racialização no Brasil no final do
século XIX, apesar de essencialmente velado, foi fundamental para o
estabelecimento de critérios diferenciados de cidadania e para a construção
de lugares sociais quantitativamente distintos.[...]‖ (ALBUQUERQUE. 2009, P.
242)
Mesmo sendo o nosso primeiro historiador da arte, Querino encontrou
muitas dificuldades para ser legitimado e interferir com suas ideias no
sistema artístico que se constrói na Bahia. Sua obra, devido a parca
documentação escrita e rica de fontes orais, muitas vezes desconsideradas
pelos os historiadores estrangeiros como Carlos Ott, passou durante muito
tempo não sendo reconhecida pela historiografia oficial. Contudo o seu
trabalho de registro de uma importante produção já se declarava como uma
homenagem a classe social a qual pertence (QUERINO, 1911).
A Bahia entre 1912 a 1924, anos que atravessaram os governos de J. J.
Seabra5, floresceu uma campanha ideológica desenvolvimentista, em que
ideias de progresso se refletem em profundas transformações urbanas. Muito
influenciados pelo pensamento do Barão Haussmann – ―o artista demolidor‖
que realizou a reforma urbana em Paris. A historiadora Maria Helena Ochi
Flexor se dedicou a pesquisar os impactos de tal ideologia de modernização
sobre os patrimônio arquitetônico na cidade de Salvador e afirma:
[...] A derrubada da Sé mostra que não havia qualquer preocupação com os monumentos tradicionais - como aliás o próprio Haussmann não a teve - e vários monumentos foram destruídos ou mutilados. Foram cortados os Conventos de São Bento e das Mercês, a igreja do Rosário de João Pereira, e todo o lado de terra da atual avenida Sete de Setembro, a principal obra de Seabra. E foram derrubadas, e mudadas de lugar, a Igreja de São Pedro (velho), da Ajuda, estação do Plano Inclinado, casas da rua Chile e da Misericórdia, edifícios da Praça Castro Alves, incluindo, posteriormente o Teatro São João.[...] (FLEXOR, 1997, s/p)
5 J. J. Seabra foi governador da Bahia em dois períodos: a primeira gestão de 1912-1916; e
a segunda gestão de 1920-1924.
53
Nesse contexto é que nas primeiras décadas do século XX grande parte
da produção e distribuição da arte baiana se relacionava basicamente em
torno da Academia de Belas Artes da Bahia. O seu projeto pedagógico se
destaca em relação a outros estados do Nordeste como nos conta o
pesquisador Gabriel Bechara Filho em sua tese intitulada A construção do
campo artístico na Bahia e Paraíba de 1930-19596.
A arte Baiana, até os anos 40, gravitava em torno da Escola de Belas Artes. Era uma situação semelhante à que ocorria em Porto Alegre, apesar das singularidades próprias de cada região e de sua história. A Bahia conseguira, ainda no século XIX, montar um projeto pedagógico voltado para a arte que nenhum outro estado do Nordeste alcançara até a década de 30 do século XX, quando, finalmente foi criada a Escola de Belas-Artes de Recife, em 1930. (BECHARA. 2007, p. 135)
O autor também salienta que nos anos de 1930 o mercado de arte na
Bahia era muito insipiente. Afirmando que apenas o pintor Presciliano Silva7
havia conquistado uma independência financeira com a venda de suas obras,
os demais artistas tiveram que realizar outras atividades para sobreviverem.
[...] Não havia galerias de arte e a comercialização era feita,
principalmente, pelo contato direto dos artistas com o cliente.
Fazer exposições individuais pressupunha um grande
investimento dos artistas sem garantia de retorno. As tintas
importadas eram caras; muitos trabalhos demorados. Os
artistas também apelaram para casas comerciais que,
eventualmente, cediam uma parede para exposição de
trabalhos artísticos. [...] ( BRECHARA FILHO, 2007, p.146)
A movimentação de um pequeno mercado de arte em Salvador irá
legitimar professores e alunos da Academia de Belas Artes da Bahia além de
despertar o interesse de alguns colecionadores que iram se destacar no
decorrer das primeiras décadas do século XX pelos interesse por obras de
arte e acervos de antiguidades oriundos do fausto colonial.
A partir de 1936 a 1947 é realizado em setembro em Salvador o Salão
da ALA (Ala de Letras e Artes), organizado pelo crítico de arte Carlos
6 Tese defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais na UFBA em 2007.
7 Sobre o refúgio do pintor Presciliano Silva nos interiores das igrejas barrocas na Bahia. Em
1945, cerca de 6.000 pessoas registraram presença para contemplar a silenciosa obra ―Interior de S. Francisco‖ encomendada pelo Banco do Brasil - Nunca o silêncio na arte da Bahia foi tão reverenciado.
54
Chiacchio8 , também criador da revista Arco e Flexa. Afirmou-se como o
evento de maior significação para as artes plásticas, tendo com objetivo dar
visibilidade a uma produção artística que não encontrava apoio dos grandes
patronos e do próprio governo.
Não sendo restrito às artes plásticas, o movimento ALA também incluía
intelectuais e escritores que editaram o jornal ALA que tinha como objetivo
promover arte e cultura em um período pouco propício. Uma crise político-
econômica promovida por diversos fatores: a falência das famílias
oligárquicas, o crescimento massivo da industrial cultural e a falta de uma
política cultural consistente na era do governo Vargas (BRECHARA FILHO,
2007)
Fig. 10 - Carlos Chiacchio s/d autor desconhecido
Os espaços ocupados pelas diversas edições do Salão foram
inicialmente a Escola de Belas Artes e a galeria Conde dos Arcos, situada na
antiga Biblioteca pública, onde hoje se localiza a Prefeitura de Salvador.
Sobre a estilística das obras apresentadas, verificamos um panorama de
artistas localizados entre correntes já consolidadas de referências européias,
indicando limites e restrições às estéticas modernistas, como revela o crítico
em seu artigo no jornal A Tarde de 8 de outubro de 1941: ―A ALA admitia
somente o saudável impressionismo romântico que é a seiva tradicional
8 Carlos Chiacchio (1884-1947) foi um importante agitador cultura de Minas Gerais, que se
transfere em sua juventude para Salvador, se tornando um importante médico local, jornalista, ensaísta, poeta, professor da EBA e Crítico de arte.
55
dessa arte que podemos chamar de escola baiana de pintura‖ (CHIACCHIO,
1941). Com a morte de Carlos Chiacchio em 1947, os salões foram
finalizados abrindo espaço, em 1949, para a realização das edições do Salão
Baiano de Belas Arte, que sinalizam uma transição entre as estéticas de um
academicismo e impressionismo tardio da Escola de Belas Artes para as
inquietações da já profícua produção modernista baiana. Artistas da
conhecida segunda geração de modernistas como Calasans Neto, Juarez
Paraíso e Sante Scaldaferri já participam da mostra desde a sua primeira
edição.
Outros eventos de pequeno porte movimentam a cena artística da
cidade marcando a década de 1940 com discussões em torno das novas
estéticas artísticas. Em espaços como a Biblioteca Pública, Associação
Cultural Brasil Estados Unidos e no Bar Anjo Azul, exposições individuais e
coletivas como a histórica exposição de 1944 organizada pelo artista paulista,
de vertente comunista Manuel Martins9, Jorge Amado e o já colecionador
Odorico Tavares - que colabora com o empréstimo de algumas obras do seu
acervo particular. As obras apresentas eram de artistas como Manuel Martins,
Lasar Segall, Alberto Gomide, Tarsila do Amaral, Volpi, Flávio de Carvalho,
Portinari, Di Cavalcanti, Pancetti, Cícero Dias, entre outros. Um bom
panorama das artes plásticas do modernismo da época, especialmente da
produção paulista. Tal mostra foi muito criticada pela sociedade baiana,
acusada de amadorística na sua montagem como nos informa a
pesquisadora Maria Helena Ochi Flexor:
O ambiente da exposição de Manoel Martins foi montado dentro de uma nova concepção valorizando, inclusive, as características locais. Isto levou o jornal A Tarde a criticar a pobreza do ambiente, desde o pano de juta nacional que forrava as paredes, até à falta de molduras caríssimas que geralmente se vem (FLEXOR, 2011, p. 10)
Tal momento revelaria o protagonismo do jovem jornalista
pernambucano Odorico Tavares, recém chegado à cidade e o seu desejo de
consolidar uma importante coleção de arte na Bahia.
Odorico Tavares (1912 - 1980) foi uma das personalidades mais
9 O artista Manuel Martins a convite de Jorge Amado, inicialmente veio para Salvador para
ilustrar o seu livro Bahia de Todos os Santos. Na ocasião, propôs uma grande exposição coletiva de seus trabalhos e de outros artistas modernos na Biblioteca Pública.
56
importantes e influentes envolvidas com o mundo das artes, da política e da
comunicação na Bahia entre 1942 até 1980. Pernambucano da cidade de
Timbaúba, será popularmente conhecido como ―O Homem de Chatô‖, dado a
sua relação de amizade e de colaboração profissional com Assis
Chateaubriand, o paraibano que se tornara o magnata das comunicações no
Brasil de 1930 à início dos anos 1960, proprietário dos Diários Associados.
Fig. 11 - Odorico Tavares, fotografia de J. Mendel, Recife, Paris. S/data
Bacharel de Direito, formado pela Faculdade de Direito de Recife, inicia
sua carreira como jornalista no Diário de Pernambuco, pertencente a
Chateaubriand e sob a direção de Aníbal Fernandes. A pesquisadora
Jancileide Souza dos Santos (SANTOS. 2013) afirma que a vinda de Odorico
Tavares em 1941 para dirigir a sucursal de Salvador dos Diários Associados
foi proveniente das pressões e perseguições que sofreu em Recife, por se
opor à ditadura de Getúlio Vargas. Contudo, como se sabe, o poder e a
influencia de Chatô, sua polêmica personalidade, não encontrará problemas
para conseguir o que desejava em pleno Estado Novo. As relações de
Chateaubriand com Vargas são extensivamente narradas na sua biografia
57
escrita por Fernando Morais10. Cabe aqui ressaltar que o seu comportamento
aético, o colocava acima do bem e do mal. Na vida pessoal e empresarial,
movia práticas e conquistas construída através de muitas chantagens,
fraudes e relações interesseiras com grandes políticos e representantes das
elites econômicas brasileira. Este paradoxal ―coronel‖ da modernidade
brasileira, ―o Rei do Brasil‖ será uma grande referência para Odorico,
influenciando muito na sua personalidade: o amor pela arte mas também pelo
poder.
Outra influência que devemos destacar na vida de Odorico é do
colecionador de arte pernambucano Abelardo Rodrigues. Abelardo reuniu,
em Recife, um dos mais importantes acervos de Arte Sacra do Brasil e, para
o jovem Odorico que frequentava sua casa e conhecia a sua coleção, foi o
início de uma grande paixão e aprendizagem pela arte. Esse gosto e amor
posteriormente se consolidará definitivamente através de sua convivência
com Assis Chateaubriand.
Em Salvador, Odorico irá se envolver diretamente ou indiretamente com
toda movimentação cultural que florescia no Estado a partir do final de 1940.
O seu gosto pelas artes e artistas construirá uma rede de sociabilidade que o
insere na mais elevada elite cultural local e também nos rumos das mais
avançadas preposições vanguardistas. Em sua coluna diária, não por acaso
denominada Rosa dos Ventos, no jornal Diário de Notícias ele atuava
especialmente na divulgação e promoção especialmente das artes plásticas.
Podemos analisar as ações culturais e políticas de Odorico Tavares em dois
grandes momentos: primeiro, a partir de sua chegada em Salvador, em 1941,
até o golpe militar; e segundo a partir das suas relações com o novo sistema
ditatorial. Sendo que, nesta tese, daremos destaque na primeira fase onde se
constituiu o maior número de peças do acervo.
No primeiro momento, as articulações que Odorico constrói em
Salvador sinalizam a construção de amizades e parcerias profissionais que
terão objetivo de promover a arte e a cultura local. Vários artistas, intelectuais
10 Fernando Morais em Chatô, o rei do Brasil escreveu uma longa biografia sobre Assis
Chateaubriand. Descrevendo detalhadamente a sua personalidade artística e cultural e também as sua articulações politica.
58
e instituições farão parte desse momento em que a promoção da ideia de
modernização e desenvolvimentismo urbano deveria retirar a cidade e o
Estado da condição provinciana. Não seria desmedido, mas esse momento
costuma-se ser chamado dos ―Anos Dourados‖ da Bahia com todas as
transformações ocorridas na cidade, com a implantação da Universidade da
Bahia a partir 1946. Uma lista vasta de personalidades nesse momento será
apoiada pelos veículos dos Diários Associados sob o comando de Odorico: O
reitor Edgard Santos, o arquiteto Diógenes Rebouças, o escritor Jorge
Amado, o fotografo Pierre Verger, Carybé, Mário Cravo Júnior, Dorival
Caymmi, Lina Bo Bardi, o teatrólogo Martins Gonçalves, Clarival Prado
Valadares, Carlos Eduardo da Rocha, Godofredo Filho, o geógrafo Milton
Santos, os políticos Otávio Mangabeira, Juracy Magalhães, Antônio Carlos
Magalhães e os jovens Glauber Rocha e Helena Ignez, entre muitos outros.
Nesse primeiro momento, se destaca as 23 reportagens sobre a Bahia
escritas por Odorico publicadas na Revista Cruzeiro. Sendo 18 delas em
parceria com Pierre Verger. Entre outubro de 1946 a julho de 1951 eles
construíram nessa mídia uma divulgação massiva sobre diferentes aspectos
culturais da Bahia. Sobre os temas dessas matérias que inclui festas
populares, cultura afro-baiana, religiosidade, gastronomia, musica, artes
plásticas, a pesquisadora Juciara Barbosa destaca o trabalho fotográfico de
Pierre Verger na Revista Cruzeiro como um potente veículo de divulgação da
imagem da Bahia:
Verger traduziu em imagens os poetas da literatura de cordel, os frequentadores de terreiros de candomblé, os sambistas, as baianas com seus ricos trajes nas festas, os católicos seguindo as procissões, os trabalhadores das feiras livres e do porto, a sensualidade, e a gestualidade do povo baiano. E só a partir de então vai-se destacar a cidade da Bahia, já descrita por Jorge Amado e cantada por Dorival Caymmi, agora em imagens de Pierre Verger[...] (BARBOSA, p. 39, 2007)
Como citamos no capítulo anterior, Jorge Amado, Dorival Caymmi,
Pierre Verger e, nesse contexto, Odorico Tavares sem dúvidas serão grandes
responsáveis pela criação de uma imagem da Bahia amplamente divulgada
nas grandes mídias no Brasil e que na atualidades informa toda uma
expectativa de turistas ou visitantes que a conhece pela primeira vez. Não é
59
difícil de se encontrar o desejo de conhecer essa Bahia mítica, essa Bahia de
Jorge Amado, essa Bahia de Caymmi e de Verger.
Além de participar dessa construção externa e interna da Bahia através
da grande mídia, Odorico irá também interferir ao registrar a partir das suas
observações em textos publicados na sua coluna Rosa dos Ventos do jornal
o Diário de Noticias e futuramente reunidos em livros.
No livro de Odorico Tavares intitulado Bahia: Imagem da Terra e do
Povo, publicado em 1951, o autor reserva um capítulo sobre ―Os
Colecionadores‖, fazendo uma revisão histórica da prática. Ele nos apresenta
um panorama dos ricos acervos acumulados nas casas grandes e sobrados
pelos senhores de engenho do período colonial no Recôncavo da Bahia e em
Pernambuco. E como à época de seu declínio decorrente da crise econômica
do antigo sistema colonial foram adquiridos por importantes colecionadores
tais como Francisco Marques de Góis Calmon (1874-1932), Antônio
Fernandes Dias, Carlos Costa Pinto (1885-1946) e Alberto Martins Catarino.
O estado de abandono que se encontravam os ―tesouros‖ patrimoniais de
muitas famílias ilustres arruinadas pelas novas ordens econômicas eram
compostos de mobiliário, porcelanas, joias, cristais, pinturas e esculturas
religiosas. Tais mercadorias eram colocadas no mercado pelas próprias
famílias ou por comerciantes entre mascates e antiquários.
Grande parte desses peças foram vendidas para colecionadores de fora
do estado e do país, esfacelando conjuntos de acervos. Devido esse contexto
uma importante discursão promovida por uma elite intelectual da época,
sobre as infindáveis perdas desse patrimônio e sua dispersão, sensibiliza o
então govenador, Góes Calmon sancionar uma lei que procurava deter a
saída das antiguidades baianas.
Odorico em seu texto faz um valioso registro do protagonismo dos
colecionadores na Bahia, mesmo não se referindo ao legado de Jonathas
Abbott, delonga-se sobre a importância da contribuição de Góes Calmon,
que o considerava precursora.
O governador Góis Calmon foi um precursor apaixonado dos colecionadores baianos. Sua cultura, seu bom gosto influíram, enormemente, para prosseguir na coleção que lhe doou seu tio Alexandre Góis. Contam-se episódios dos mais pitorescos de atividades suas para salvar tantas peças de valor desdenhada, abandonada em depósitos de coisas
60
imprestáveis. Saltando, certa vez, de um bonde atrás de um carregador que conduzia balaústre de jacarandá em pedaços. Para o lixo, que lhe mandara o patrão. (TAVARES,1961, p.256 )
A coleção de Góis Calmon e suas ações políticas de preservação do
patrimônio artístico baiano se relacionam diretamente com a própria história
do Museu do Estado da Bahia que foi fundado em 1918.11 Em 1934 o museu
se transfere para o palacete em que vivia o ex-governador e sua família
juntamente com a sua coleção, adquirido pelo estado, o novo prédio oferece
melhores condições para abrigar o acervo permanecendo até o ano de
1959.12
O rico comerciante e exportador de açúcar Carlos Costa Pinto mantinha
o hábito de colecionar objetos da antiga aristocracia açucareira baiana. Um
grande acervo de mobiliário e ourivesaria destacando as famosas joias de
crioulas e suas pencas de balangandãs, porcelanas e centenas de objetos de
prata. Em 1969, é fundado o Museu Carlos Costa Pinto com a coleção
reunida e organizada em um grande casa no corredor da Vitória.
No capítulo sobre os colecionadores baianos escrito por Odorico,
também registra a prática de uma elite de intelectuais, empresários e
comerciante que se dedicam ao colecionismo. Por exemplo, Antônio
Fernandes Dias - comerciante, filho de português que tivera uma formação
educacional em colégios da Europa no inicio do século XX que o fez
despertar o gosto pelas artes e em especial pelas porcelanas orientais. Suas
peças foram adquiridas por outros colecionadores baianos quando sua
transferência para o Rio de Janeiro. Alberto Martins Catarino também é
registrado no texto de Odorico, e segundo ele, em sua residência na rua da
Graça, encontrava-se a mais bem disposta coleção baiana.
Em 1956, a coleção de Odorico é abrigada em Salvador em uma casa
construída e projetada pelo arquiteto Diógenes Rebouças na Rua Cândido
Portinari no morro do Ipiranga em Salvador.13 A casa possuía condições
11
Maiores informações sobre a história do Museu do Estado da Bahia atual MAB se encontra no texto de Athayde (1997). 12
O livro O solar Góes Calmon, escrito por Edivaldo M. Boaventura, narra toda história da casa que atualmente sedia a Academia de Letras da Bahia. 13 No Morro do Ipiranga em Salvador, localização nobre da cidade, encontramos diversas
pequenas ruas com nomes em homenagem a artistas e personalidades que Odorico
61
físicas, com grandes salões e galerias para acolher as numerosas peças da
imaginária do barroco brasileiro, mobiliário do século XVIII e XIX e a
vastíssima coleção de arte moderna. Sobre o nome da rua em que sua casa
foi construída, o próprio Odorico afirma o seu poder político com os gestores
públicos do grupo que apoiava publicado 9 de setembro em 1973 na coluna
Rosas dos Ventos no Diário de Noticias:
[...] Clériston Andrade sancionou com rapidez a lei pela Câmera de Vereadores, dando o nome de Cândido Portinari à rua em que moro. Isso porque eu me mexo com minha colher de angú das artes e, como todo brasileiro que se preza, admiro o pintor. [...] E também por que Portinari gostava dos morros onde os meninos jogam suas peladas e empinam suas arraias [...] Espero que a favela existente aqui perto fique iluminada como ele iluminava a dele. (TAVARES, 1973, p.14 )
Em um outro texto escrito em 1974 em forma de poema, Odorico revela
o quanto foi importante e significativo quando deram o nome da sua rua de
Candido Portinari. O evento contou com a presença do governador do estado
Antônio Carlos Magalhães, do prefeito Clériston Andrade, de artista e
familiares do pintor, Maria e João Cândido, além dos moradores da rua.
A sua coleção reunia inúmeros obras de artistas estrangeiros
geralmente adquiridas em viagens internacionais especialmente para Europa.
Diversas gravuras sobre papel de artistas como Pablo Picasso, Georges
Rouault, Joan Miró, Henri Matisse, Alan Davie, Alfred Manessier, Kami Sugai,
Waichi Tsutaka, Yozo Hamaguchi, desenhos de Modesto Cuixart, e pintura
de Georges Rouault, Mario Sironi, Filippo de Pisis. Grande parte dessas
obras são de estilo abstrato que irão contrapor com as obras de artistas
brasileiros de fama internacional, que marcaram uma grande presença na
coleção de Odorico, como Emiliano Di Cavalcanti e Cândido Portinari. As
mulatas de Di Cavalcanti e os meninos e as paisagem de Brodowski de
Portinari irão fascinar o colecionador. Merece destaque os retratos que Di
Cavalcanti realizou de Odorico e o retrato de Leda Tavares pintado em 1948
por Portinari. Contudo, destacamos a sua amizade e mecenato com o pintor
José Pancetti. Odorico irá adquirir inúmeras obras de diferentes fase do
artista. Entre marinhas, autorretratos, retratos e paisagens. Em 1950, o artista
estimava, como a Rua Cândido Portinari, a Rua José Pancetti e a Rua Carlos Chiacchio. O morro se tornaria o seu monte Parnaso.
62
se transfere para Salvador, incentivado pelo colecionador, onde permanece
até 1957. Pancetti tinha uma grande projeção nacional e internacional
havendo já participado da Bienal de Veneza e tendo obras em acervos de
importantes museus internacionais. A sua estadia na Bahia se desdobra de
forma midiática nos meios em que Odorico operava. A revista O Cruzeiro de
7 de Janeiro de 1956, afirma que Pancetti seria ―o novo Gauguin‖, e em 9 de
fevereiro 1957, na mesma revista, uma nova reportagem escrita e fotografada
por Luis Carlos Barreto e contando também com as emblemáticas fotos em
preto e branco de Pierre Verger na matéria intitulada “Abaeté pousa para
Pancetti”. Esse título revela a extremada pretensão de como a Bahia estava
a serviço do artista. Neste contexto, uma das mais significativas fases na
obra do artista foi realizada aqui em Salvador sobre incentivos e promoção de
Odorico.
Seguem inúmeros outros artistas brasileiros que estão representados
na coleção de Odorico: Aldo Bonadei, Dijanira, Alberto da Veiga Guignard,
Alfredo Volpi, Carlos Scliar, Aldemir Martins, Milton da Costa, Antônio
Bandeira, Poty Lazarotto, Francisco Brennand, Franz Krajcberg, Maria
Leontina, Noemia Mourão, Clóvis Graciliano, Lina Bo Bardi, Lívio Abramo,
Eros Martins Gonçalves, Emeric Marcier, Manabu Mabe, Flávio Shiró,
Wakabayashi, Tomie Ohtake. Entre os baianos Mário Cravo Júnior, Genaro
de Carvalho, Carybé, Hansen Bahia, Floriano Teixeira, Mário Cravo Neto,
José de Dome, Henrique Oswald, José Maria, Hélio Oliveira, Emanoel Araujo,
João Alves, Willys, Cardoso e Silva e muitos outros.
O atual curador da coleção Emanoel Araujo (ARAUJO, 2005) destaca a
presença no acervo de alguns artistas baianos negros de origem popular, que
o colecionador nutria muito carinho e admiração: o xilogravador Hélio Oliveira
neto do famoso Babalorixá Procópio, José Maria, o pintor João Alves, José
de Dome e Cardoso e Silva.
Em 2005, a coleção foi apresentada em uma série de exposições em
São Paulo e Curitiba todas com curadoria de Emanoel Araujo. O recorte
curatorial subdivide o acervo em artistas internacionais, artistas nacionais,
artistas baianos e documentos, cartas, fotografias e poemas apresentando
um vasto panorama da trajetória de vida e colecionismo dos anos 40 a 70.
As repercussões e o impacto da coleção de Odorico sobre a arte e a
63
cena artísticas na Bahia são inegáveis, merecendo ser analisadas mais
profundamente em outras pesquisas. O fato é que seu acervo reflete a sua
história pessoal, profissional e suas ações na política local. A grande maioria
dos artistas e obras que estão representados na coleção foram legitimados
por instituições e pelo pequeno sistema mercadológico local.
Outra questão relevante percebida na nossa pesquisa é a existência de
muitos artistas, representados na sua coleção, que tiveram destaque em
exposições individuais e coletivas organizadas por Lina Bo Bardi no MAMB
entre 1960 a 1964. Isso nos faz pensar em uma hipótese de que o momento
de grande atividade da arquiteta em Salvador poderia ter influenciado as
escolhas do colecionador. Como o acervo foi formado, como as obras foram
adquiridas, em quais situações e contextos históricos? Tal investigação
demandaria um outro e original trabalho, que não é o nosso objetivo nesse
momento, contudo sinalizamos para a relevância de tal caminho para
pesquisas futuras.
A vinda de Lina Bo Bardi para Salvador em 1958 promove uma
importante transformação cultural no Estado. A arquiteta anteriormente já
havia trabalhado no projeto de implantação do MASP, em sua primeira sede
na rua 7 de Abril e participado da direção e edição da revista Habitat
juntamente com Flávio Mota, Pietro Maria Bardi e Geraldo N. Serra. Em sua
passagem pela Bahia, se tornará por um semestre professora da Escola de
Belas Arte, editora do suplemento cultural, dominical do jornal Diários de
Notícias e diretora fundadora do Museu de Arte Moderna da Bahia e do
Museu de Arte Popular.
64
Fig. 12 - Retrato de Lina Bo Bardi, autor não identificado, acervo do MAM-BA.
Em 1958, a arquiteta italiana desloca-se de São Paulo para Salvador
para lecionar no curso de Arquitetura da Escola de Belas Artes da Bahia à
convite dos professores da Universidade da Bahia, inicialmente pelo diretor
da escola Mendonça Filho para proferir duas palestras e posteriormente pelo
arquiteto Diógenes Rebouças 14 . Em 1959 é convidada pelo governador
Juracy Magalhães para fundar o Museu de Arte Moderna da Bahia(1960).
O convite para implantação do primeiro museu de arte moderna no
Nordeste do Brasil, estimula a arquiteta a pensar um modelo de instituição
voltado para o social, através de concepções pedagógicas direcionada para a
idéia de ―nacional-popular‖ formuladas por Antônio Gramsci.
Tal contexto dialoga, de forma indireta e distinta, com a criação
concomitante de outros importantes museus que promovem o modernismo
no Brasil: o Museu de Arte Moderna do Rio Janeiro e o MAM de São Paulo
(1948), ambos inspirados no modelo do Museum of Modern Art (MoMA) de
Nova York.
14 Em entrevista para o pesquisador Pereira (2006: p. 254-264), o arquiteto Paulo Ormindo
de Azevedo que foi aluno dos cursos de Lina na EBA, afirma sobre a vinda de Lina para Bahia, a arquiteta que estava inscrita para o concurso da FAU/USP, contudo ela tinha perdido todos os seus documento quando a sua cidade de Milão foi bombardeada na guerra, e que teria que ter alguma experiência didática para a sua prova de tirocínio. Como ela nunca tinha dado aulas em universidades na Europa, o professor e arquiteto Diógenes Rebouças, amigo de Odorico Tavares, consegue que Lina ministre aulas na EBA junto com ele.
65
O MAM do Rio tem sua ata de fundação escrita em 1948, sob a
presidência do grande empresário Raymundo Ottoni de Castro Maya e a
participação efetiva das colecionadoras Ema e Eva Klabin, mas que de fato
fora aberto em sua sede própria com o seu Bloco de Exposições em 1963. O
MAM carioca em muitos dos seus projetos se espelhava no modelo
americano, a exemplo da criação de sua cinemateca como difusora do
cinema como signo da moderna sociedade de massas, banindo do futuro da
arte e da cultura brasileira qualquer traço de pensamento dos tempos
coloniais.
O MAM de São Paulo fundado em 1948 em sua sede na Rua Sete de
Abril foi inicialmente presidido pelo industrial ítalo-brasileiro Francisco
―Ciccillo‖ Matarazzo Sobrinho e sua esposa a aristocrata Yolanda Pendeado,
produz uma exposição inaugural organizada pelo diretor da época, o crítico
de arte belga Léon Degand. Tal mostra sinaliza o tom da política cultural que
se pretendia implantar ao apresentar, em quase sua totalidade, obras de
artistas europeus abstracionistas.
No outro lado do país, na "Velha Bahia", que na época transita entre a
tradição e a modernidade, outros caminhos são almejados sobre a tutela de
uma jovem arquiteta italiana radical, fortemente influenciada pela teoria
gramsciana, que encontra um espaço propício para se pensar outros
percursos para o moderno no Brasil.
Para podermos compreender melhor esse período de transformações
políticas e ideológicas das artes no pais, é importante apresentar questões
que relacionem alguns dos seu protagonistas. Lina Bo Bardi era casada com
Pietro Maria Bardi - fundador do Museu de Arte de São Paulo (MASP)
juntamente com Assis Chateaubriand - e trabalhou na implantação do museu
em sua primeira sede, até ter sido escolhida como a arquiteta que construirá
sua sede definitiva na avenida paulista em 1968. Chateaubriand, o dono das
Emissoras e Diários Associados15, elegerá o importante casal de italianos,
os Bardis, como um referencial de eficiência, que melhor poderia pensar
15 Assis Chateaubriand implementou uma campanha jornalística desmoralizante contra o
grande empresário italiano radicado em São Paulo o Conde Francisco Matarazzo, fundadores do MAM de São Paulo.
66
modelos de museus que traduzissem as suas concepções de identidade
artística e cultura para o Brasil.
Lina chega à Bahia no final da década de 1950 muito bem recebida
pelo influente representante dos Diários Associados na Bahia o jornalista e
colecionador Odorico Tavares. Eles, como ironicamente assinala Santana
(2012) eram funcionários da ―mesmas empresa‖ unidos pelo comando geral
de Assis Chateaubriand.
Em entrevista ao documentário Cuíca de Santo Amaro (2004), o artista
Mário Cravo Júnior apresenta a sua versão sobre a vinda de Lina para
Bahia:
Lina veio aqui, inclusive, em uma trama política de interesses, aonde os Diários Associados era uma espécie de Super Globo de hoje. A Bahia levou 15 anos com uma única televisão (risos), com três jornais. Odorico mandava! como Chatô mandava. Ai que está o problema! A presença de Lina, os Associados, a força dos Diários Associados e Odorico Tavares. Foi Odorico que interferiu profundamente, no apoio a vinda de Lina para cá, e foi por isso que Lina trouxe, sendo ela esposa do professor Pietro Bardi, o material fantástico.16
O tom de desabafo de Mario Cravo Júnior sobre a vinda de Lina para
Salvador é revelador. O artista, que na época já gozava de destaque e de
muita influência política na Bahia, era amigo e colaborador da arquiteta, pelo
menos no período em que esteve à frente dos museus. Dividiam afinidades
intelectuais e estéticas, sendo membros da comissão de implantação do
MAMB. É inegável o apoio que a arquiteta deu à carreira artística do escultor
especialmente na divulgação das suas obras em importantes exposições
sobretudo em São Paulo.17
Retomamos brevemente agora a passagem de Lina Bardi pela
Universidade da Bahia. Em 1958, inicialmente ela leciona no curso de
Arquitetura, que na época funcionava na EBA. Contratada por um semestre
para dividir as turmas de Teoria e Filosofia da Arquitetura com o arquiteto e
professor Diógenes Rebouças, as suas críticas severas sobre os rumos do
16
Mário Cravo Junior em entrevista publicado em 5 de mar de 2014, no extra do DVD do filme ― Cuica de Santo Amaro‖ disponivel no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=lh7Y5u21XEU - no trecho, 5‘47‖ a 7‘10‖ 17
Com a demissão de Lina dos museus em 1964 pela ditadura militar, a direção do MAMB e MAP é assumido interinamente por Renato Ferraz, cunhado de Mario, deixando em seguida para Mário Cravo Junior dirigir entre 1966 a 1967.
67
desing, e a mercantilização da arte geraram tensões entre os professores
mais tradicionais da escola que não concordavam com suas defesas. O
professor italiano Romano Galeffi e o professor Américo Simas, a partir de
suas influencias na EBA, organizam uma campanha para a não renovação do
seu contrato na instituição, devido a oposição que lhes faziam em relação as
suas concepções sobre arte. (SANTANA, 2011).
No segundo semestre de 1958, ela se aproxima do diretor da escola de
teatro Martim Gonçalves e conquista a amizade de jovens estudantes como
Glauber Rocha, Paulo Gil Soares e Fernando da Rocha Peres que serão seu
grandes admiradores durante esse momento de formação e, posteriormente,
na implantação dos futuros projetos museológicos. Nesse mesmo ano, ela
publicou a página cultural Crônicas de arte, de história, de costumes, de
cultura da vida, que saía aos domingos no jornal Diário de Noticias, sob a
direção de Odorico Tavares. Serão nove publicações entre setembro e
novembro de 1958, contando com a colaboração de artigos de diversos
artistas e intelectuais como o músico Koellreuter, Martim Gonçalves, Gianii
Ratto, Mário Cravo Junior, o fotógrafo Pierre Verger, Sílvio Robato e Ennes
S. Mello (LAURENTIZ, 2000).
Com o fim do seu contrato como professora na EBA no início de 1959,
Lina que já gozava um significativo prestigio local, é convidada pela primeira
dama do estado Lavínia Magalhães, esposa de Juracy Magalhães 18 ,
presidente do conselho criador do MAMB, para ser a primeira diretora da
instituição. Juntamente com uma comissão de implantação do museu
composta por José Valladares, Clarival do Prado Valladares, Walter da
Silveira, Godofredo Jr., Mario Cravo Júnior, Odorico Tavares e Carlos Bastos.
Tendo como conselho consultivo Assis Chateaubriand, Miguel Calmon
Sobrinho, Clemente Mariani, Gileno Amado, Fernando Correia Ribeiro e
Lavínha Magalhães.
Em 5 de agosto de 1959, é registrada na coluna Rosas dos Ventos, do
Diário de Notícias de Odorico Tavares algumas doações de Assis
18 Em 23 de julho de 1959 O Governador Juracy Magalhães sanciona a lei 1.152 que funda
o Museu de Arte Moderna da Bahia, Diário Oficial do Estado da Bahia, de 23 de julho de 1959.
68
Chateaubriand de obras para o acervo do recém criado Museu de Arte
Moderna da Bahia, que ainda não possuía sede própria. Nesse mesmo ano,
em setembro, Martim Gonçalves e Lina realizam a revolucionária exposição
Bahia no Ibirapuera, à convite da organização da V Bienal de São Paulo. Tal
exposição demonstra as profundas trocas e afinidades conceituais entre o
teatrólogo e a arquiteta. Lina em 1961, fala dos papeis que desempenharam
no projeto:
A Exposição Bahia apresentada na V Bienal de São Paulo (e não na segunda, como disse o articulista), e que tanto despertou o interesse dos meios artísticos e sociais do Brasil e do estrangeiro, foi pensada, planejada e realizada pelo diretor da Escola de Teatro da Universidade da Bahia, professor Martim Gonçalves, que procurou revelar, com meios estéticos de uma apresentação ―teatral‖, as raízes populares da cultura baiana, em contraste com as correntes de importação que caracterizam a grande manifestação paulista.(...) Minha colaboração foi especialmente na parte arquitetônica, ligada ao conteúdo da Exposição (...) a descoberta daqueles elementos da cultura baiana, por mim antes desconhecidos, fora resultado da minha aceitação de
dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia. (A TARDE, 1961)
Essa declaração em defesa de Martim Gonçalves em 1961 coincide
com o ano em que o seu amigo foi praticamente expulso da direção da
Escola de Teatro e da Bahia por não aceitar uma solicitação de Odorico
Tavares em televisionar o espetáculo a Ópera dos Três Vinténs, recém
montado no TCA, para a programação de abertura da TV – Itapoan, sem o
pagamento dos cachês dos atores e músicos. A partir de então se instala
uma grande campanha de difamação e rebaixamento do teatrólogo,
comandada pelos Diários e Emissoras Associados culminando com a sua
saída do Estado.19
O projeto do MAMB, atual MAM-BA, para Lina, era marcadamente
pedagógico em sua concepção. O Museu teria duas grandes metas de ação:
1) a constituição e apresentação didática da sua pinacoteca e 2) o
oferecimento de cursos e atividades culturais para a população. Como ainda
não existia uma pinacoteca formada, a ideia de conservação de um acervo
não poderia acontecer (PEREIRA, 2006). O Museu, então, seria pensado
19 Santana (2011) em sua tese resgata uma importante depoimento da atriz: Em Martim
Gonçalves Quem? O Prêmio? Entrevista de Jurema Penna a Márcio Meirelles, na coluna Teatro, A Tarde, em 10 de março de 1984
69
por Lina como um espaço que deveria se chamar ―Centro, Movimento,
Escola‖. A proposta era que o museu articulasse toda produção cultural do
Nordeste do Brasil como um pólo, reconhecendo a importância da cultura
popular para a construção de uma identidade brasileira. Lina publica suas
concepções para o MAMB:
Este nosso não é um Museu, o termo é impróprio: o Museu conserva e nossa pinacoteca ainda não existe. Esse nosso deveria chamar-se Centro, Movimento, Escola e futura coleção, bem programada segundo critérios didáticos e não ocasionais, deveria chamar-se: Exposição Permanente. nesse sentido que adotamos a palavra Museu. (BARDI, 1959, p. 2)
Lina reforma o recém incendiado foyer do Teatro Castro Alves na praça
do Campo Grande em Salvador para instalar a primeira sede do MAMB. O
reduzido acervo inicial era composto por 87 obras doadas pelo Museu de
Arte do Estado. Constando obras de artistas modernistas como Oswaldo
Goeldi, Di Cavalcante, Vicente Rego Monteiro, Quirino da Silva, José Pancett,
Djanira, Buler Marx, Poty, Bonadei, Augusto Rodrigues, Marcelo Grassmann,
Flexor, Aloisio Magalhães. Posteriormente, outras importantes obras do
modernismo brasileiro foram incorporadas ao acervo como o quadro da fase
Antropofágica de Tarsila do Amaral O Touro (Boi na Floresta) através de
doação do Banco da Bahia e Tabacaria Brasil. Progressivamente, a coleção
irá se constituir através de inúmeras doações feitas por Assis Chateaubriand,
Odorico Tavares, Pietro Maria Bardi, entre outros.
O MAMB é inaugurado oficialmente no foyer do Teatro Castro Alves,em
6 de janeiro de 196020. Na exposição inaugural, a arquiteta propõe uma
expografia revolucionária, construindo quatro salas com cortinas e suprimindo
as paredes fixas, apresentando as obras presas sobre hastes de aço do chão
ao teto, onde as pinturas pareciam flutuar no espaço. Na mostra foi montada
uma exposição individual com 31 obras do artista cearense Antônio
Bandeiras, 20 esculturas em bronze de Edgard Degas (bailarinas), oriundas
20 Santana (2011) apresenta que houve uma ação ―inaugural do MAMB‖ em 17 de outubro
de 1959 na Escola de Teatro promovida por Lina já diretora do museu. Uma conferência do artista plástico e cenógrafo francês Felix Labisse com o tema ―Teatro e Cenografia‖. O artista que a época estava no Brasil para participar da Bienal de São Paulo. O evento foi divulgado na coluna Krista, em 17 de outubro de 1959, Diário de Notícias, Bahia; Em Labisse Fará Conferência Inaugural do Mam Hoje, em 17 de outubro de 1959.
70
do acervo do MASP, uma sala dedicada a artistas brasileiros e estrangeiros
com destaque para as três obras de Portinari como O vendedor de
passarinho, São Francisco, e A menina e A flor - pertencentes ao recente
acervo em formação da instituição. Entre os artistas brasileiros também
tiveram suas obras apresentadas Di Cavalcanti, Dijanira, Panceti, Burle Marx,
Augusto Rodrigues e os baianos Genaro de Carvalho e Mario Cravo Jr. A
abertura também contou com uma original e inusitada exposição de Formas
Naturais, que apresentava uma acervo de vegetais e minerais como fonte de
pesquisa para os processos de criação modernistas a partir das relações
entre arte e natureza.
A primeira exposição já define um postura critica e pedagógica que
caracterizaram as outras futuras mostras organizadas pelo MAMB. Como a
própria Lina afirma no folheto de abertura o Museu de Arte Moderna da Bahia
―pertence ao grupo de Museus-Escola‖ 21 , em que o MASP ocupava a
centralidade. Tal postura se reflete na própria concepção de montagem onde
as soluções didáticas que acompanhavam o percurso expositivo incluíam em
cada obra exposta pequenos textos com informações e contextualizações
sobre o momento histórico em que fora produzida. Tais textos apresentavam
sempre no final a sua importância na continuidade histórica, com isso
favorecia a compreensão da Arte Moderna como uma soma do passado.
O Museu de Arte Moderna da Bahia teria como desafio a formação de
um público ampliado para além das elites apreciadoras das artes. O seu
maior foco foi o popular, para tanto o museu deveria funcionar como um
veículo de comunicação direta com as massas, daí a atenção a seu caráter
didático. Lina propõe um fim das categorias hierárquicas entre público e obra
no processo de fruição estética. A espacialização das suas montagens
promove uma aproximação direta das obras com o público. Nessa
perspectiva o conceito de modernidade em Lina também permite que obras
de diferentes períodos, de diferentes status artísticos, estivessem curadas de
forma a promoverem uma leitura horizontalizada. Com isso, Lina promove
para o observador um contato com a obra de forma livre de uma escala de
valoração.
21 O MASP implantou no Brasil, a concepção de museus-escola, semelhante ao programa
do MOMA.
71
Fig. 13 - Lina montando a exposição de Mario Cravo Junior no MAMB, 09/02/1960.
A ação curatorial de Lina frente ao MAMB em estatística foi
qualitativamente e quantitativamente surpreendente. Entre 1960 a 1964
foram cerca de 109 exposições, individuais e coletivas, com uma pluralidade
de artistas e temáticas que afirmava a sua forma de pensar a função da arte
e da cultura no Nordeste. É importante trazer para o corpo da tese, na íntegra,
os dados coletados nos arquivos do MAMB que registram as exposições
realizadas por Lina nos quatro anos da sua direção. Tais informações nunca
foram apresentadas na sua totalidade22 e devem incentivar futuras pesquisas
sobre a presença da arquiteta frente ao MAMB.
No ano de 1960 foram realizadas 26 exposições com destaque para a
artistas brasileiro e internacionais do abstracionismo - Informal, Tachismo e
Gestual. Destacando artistas nipo-brasileiros residentes em São Paulo.
Também fizeram presentes em importantes mostras os artistas da geração
modernistas baiana e os novos talentos locais. Além de apresentar os
grandes mestres da arte moderna europeia pertencente ao acervo do MASP.
22 Exposições realizadas no MAMB durante a direção de Lina até 1960, foram registradas
em um artigo de Glauber Rocha: Exposições Realizadas: Resumo. ROCHA,Glauber.
MAMB não é Museu: é escola e Movimento. Por um arte que não seja desligada do homem,
Jornal da Bahia, 21 de setembro de 1960.
72
Toda essa defesa da estética modernista era intercalada pela valorização da
arte e da cultura popular do Nordeste através do cunho didático-pedagógico
do projeto de museu escola.
06/01/1960 – Antonio Bandeira e Edgar Degas, 15/01/1960 – Mario
Cravo Jr, 09/02/1960 – Flavio Tanaka, 04/03/1960 – Manabu Mabe,
26/04/1960 – Waichi Tsutaka, 15/05/1960 – Ver a Pintura – Didática,
29/03/1960 – Três Pintores (Cezanne, Van Gogh, Renoir), 05/04/1960 – Sete
Artistas Baianos: Calazans, Jacyra, josé Maria, Juarez, H.Oswald, Riolan e
Sante – Nós e o Passado, – Formas Naturais, 26/04/1960 - Aldemir Martins,
17/05/1960 Acervo do MAM - Novas Aquisições – Vários artistas, 31/05/1960
- Georges Mathieu, 20/06/1960 - Genaro de Carvalho, 12/07/1960 - Paolo
Rissone, 14/08/1960 - Montez Magno, 06/09/1960 – Roberto Burle Marx,
11/10/1960 – Fernando Odriozola, 23/10/1960 Exposição – Desenho
Concreto, - Forma como Escultura (Criação do Museu de Arte Popular),
25/10/1960 – Jenner Augusto, 18/11/1960 – Cinco Pintores Argentinos,
06/12/1960 Exposição – Adam Firnekaes /Lançamento de Livro Alemão de
arte, 09/05/1960 – Betty King / Helio Carvalho.
Fig. 14 - Exposição Sete Artistas Baianos MAMB, 05/04/1960.
73
No ano de 1961 foram realizadas 25 exposições com a produção de
artistas judeus, como Olly Reiner e a mostra dos Israelitas, de importantes
artistas populares que na época eram vistos como primitivos, uma grande
visibilidade para a arte da gravura e da fotografia. O museu organizou
juntamente com o a Associação de Fotógrafos Amadores da Bahia o Salão
Nacional de Fotografia expondo 136 obras de diferentes artistas. Nesse ano,
verifica-se uma grande participação de artistas mulheres e de artistas negros.
É importante ressaltar o caráter inaugural do conceito de arte afro brasileira,
pela primeira vez apresentado em uma mostra na Bahia.
18/01/1961 Exposição Didática Arte como Historia, – Riolan Coutinho,
31/01/1961 – Olly Reinheimer, 25/02/1961 Exposição – Artistas Israelitas,
07/03/1961 – Carlos Magano e Tana Magano, 28/03/1961 – Felicia Leirner,
28/03/1961 - João Alves e Agostinho Batista Freitas, 12/04/1961 – Francisco
Brennand, 05/1961 Moderno Teatro Norte Americano, 23/03/1961 - Sante
Scaldaferri, 05/06/1961 - Emanoel Araujo / Sonia Castro, 14/06/1961 - Aldo
Franceschini, Salão Nacional de Arte Fotografia, 03/11/1961 - Ivan Freitas,
13/12/1961 - 55 Cartazes de Artistas Suíços, 05/10/1961 - Exposição arte
Peruana, 16/08/1961 – Ann Kendell, 17/07/1961 – Lula Cardoso Ayres,
29/08/1961 – Agnaldo Manuel dos Santos, 12/09/1961 – Käthe Kollwitz,
02/10/1961 - Rosário Moreno, Alda Maria Armagni, 08/1961 - Mostra de
Escultura Afro Brasileira, Abelardo da Hora, Carrancas do Rio São Francisco.
74
Fig. 15 - Exposição Carrancas do São Francisco, 1961, MAMB.
No ano 1962 serão 25 exposições que apresentam uma forte relação
entre arte e política. O viés social e o engajamento de muitas das mostras,
aprofunda as questões relativas as formas de se pensar a arte o artesanato e
o desenho industrial.
02/1/1962 – Arte da União Soviética, 23/01/1962 Exposição: A cadeira
na Historia, 08/02/1962 - Renato Guttuso, 03/1962 - Daniel e Renee Sasson,
18/03/1962 – Rene Brochard, 10/04/1962 – Leonardo Alencar, 10/04/1962 –
Cândido Portinari, 09/05/1962 – Clara Barreto Melro, 09/05/1962 – Hélio de
Oliveira, 09/05/1962 – Oswaldo Goeldi, 22/05/1962 – Calazans Neto,
10/07/1962 – Mario Cravo Junior, 10/07/1962 – Cândida Jorge dos Santos
(Candoca) , 10/08/1962 - Sérvelo Esmeraldo, 05/09/1962 – Cartazes
Publicitario Ingleses, 25/09/1962 – Marcelo Grassmann, 25/09/1962 – Prêmio
Leirner, 03/10/1962 – Eugenie Smythe, 03/10/1962 Vida e Obra de Van
Gogh, Sara Piñeiro, , 28/10/1962 – Artesanato e desenho Industrial,
06/11/1962 Exposição – Cartográficas, 13/11/1962 – Carybé, Hélio Oliveira.
75
No ano de 1963, Lina se divide entre a organização das exposições do
Museu de Arte Moderna e a reforma do Solar do Unhão, futura sede do
Museu de Arte Popular e a provisória do MAMB. As exposições ainda
realizadas no foyer do TCA seguem na promoção de artistas brasileiros e
internacionais. Com destaque, a exposição de desenhos de Le Corbusier e
para o estabelecimento das parcerias com Lívio Xavier, fundador e diretor do
Museu de Arte da Universidade do Ceará, e com Francisco Brennand do
MCP, Movimento de Cultura Popular de Recife. Em 3 de novembro de 1963 é
inaugurado o MAP no Solar do Unhão.
06/01/1963 - José Guadalupe Pasader, 08/01/1963 – Marysia Portinari,
15/01/1963 – Juarez Paraíso, 05/02/1963 – Mariana Caram, 20/03/1963
Desenhos de Le Corbusier, 05/05/1963 - Fotografias dos Repórteres de “O
Cruzeiro” , 07/05/1963 – Bethy King, 28/05/1963 - Jesuino Ribeiro,
20/06/1963 - Artistas do Ceará (Oito Artistas do MAUC), 06/1963 - Joseph M.
Ruffo, 16/07/1963 - Maria Zélia Calmon / Antonio José Pinheiro, 03/09/1963
- Gravadores Espanhóis, 30/07/1963 - Antonio Rebouças, 20/08/1963 - Ruth
Cardoso, 20/08/1963 - Domenico Calabrone, 19/09/1963 Manoel Araujo –
Mostra de Desenhos em Tecidos, 29/10/1963 - Cartazes do Japão, 10/1963 -
Exposição – Comemorativa do 10º Aniversario da Petrobrás, 10/1963 –
Artistas Pernambucanos, 26/11/1963 - Exposição Coletiva de Artistas
Japoneses
76
Fig. 16 - Exposição de Le Corbusier (desenhos - 1963). Foto: A. Guthmann.
No ano de 1964 Lina é afastada em agosto, mas só é oficializada sua
saída em 03/08/1964 quadro envia sua carta de demissão para o presidente
da Fundação MAMB. Não podemos precisar quantas de fato foram as
mostras realizadas no museu, contudo nos arquivos consultados houve um
destaque para artistas internacionais, para a exposição de Francisco
Liberato: 03/01/1964 - Carlos Coelho Lousada, – Edison Benicio da Luz, -
Floriano Teixeira, 28/01/1964 - Joaquim Pedroso Gomes, 18/02/1964 -
Pintura Contemporânea do México, 11/03/1964 - Artistas Holandeses,
14/04/1964 - Francisco Liberato de Matos, 11/07/1964 - “Gravuras de Yara
Tupynambá”, e ainda em 1964 sem data definida nos registros do MAMB :
Wilton de Souza, Maria de Jesus, Retrato Bahiano, Artista da Áustria/
Canadá/ Holanda.
Ao se deparar com as particularidades culturais de Salvador, suas
tradições e costumes, a arquiteta estabelece uma relação de trocas
contínuas com os saberes locais. As singularidades culturais seriam bases
para conferir ao seu projeto de modernidade no Nordeste um diferencial
baiano. A identidade local encanta e provoca em Lina um desejo de ampliar a
sua função inicial de diretora do MAMB ambicionando construção de três
estruturas que poderiam a partir daí por em prática suas concepções
77
artísticas: O Museu de Arte Moderna, o Museu de Arte Popular e a Escola de
Desenho Industrial, tendo como sua base a herança cultural tradicional-
popular. Com essas abordagem teóricas afastaria o seu projeto das
influências americanas que informam a implantação dos MAMs do Rio de
Janeiro e de São Paulo.
O projeto artístico e sua concepção social do MAMB é construído em
uma época de encontros mais diretos e intensos, foi uma das grandes
agitações e expectativas das metrópoles do Sudeste. A localização
estratégica do Museu no foyer do Teatro Castro Alves convida para uma
grande participação popular na formação de um público raramente antes
registrados em eventos dessa natureza no Estado. Além de formar uma
geração de jovens criadores, artistas, colecionadores que teriam um impacto
nos novos rumos da arte e da cultura nacional.
Contudo, além dessa grande contribuição no MAMB, a arquiteta irá
ambicionar maiores pretensões a partir da implantação do projeto do Museu
de Arte Popular no Solar do Unhão. Um novo modelo de ocupação em
espaços arquitetônicos, integrando edifícios de diversos usos e feitios, a uma
arrojada concepção de intervenção em um patrimônio histórico, será o
espaço para a realização do seu projeto de museu. Entendendo o seu acervo
como um Centro de Documentação para sua tão sua sonhada Universidade
Popular. Em novembro de 1963, é inaugurado o MAP, apresentando duas
mostras simultâneas: uma de objetos populares do Nordeste ou Civilização
Nordeste e outra de artistas do Nordeste.
Lina movida por uma sensibilidade antropológica e uma experiência
estética e política internacional, implanta um projeto de museu avançado em
que os objetos do seu acervos não funcionassem com uma espécie de
semióforos. Isto é, os objetos do acervo não estariam mortos distanciados da
sua utilidade original e sacralizado pela instituição. Eles funcionariam com
uma biblioteca viva, documentos de referências, das artes e dos fazeres
populares do Nordeste. O acervo de objetos era pensado com fontes de
referência, a serem utilizados pelos alunos da sua almejada ―Escola de
Mestres e Projetistas‖, onde saberes populares dialogariam com os saberes
acadêmicos, colocando lado a lado alunos universitários e mestres artesãos,
com trocas de experiências compartilhadas e objetivando a construção de
78
objetos-tipos visando uma série industrial a partir dos conhecimentos da
cultura pré-artesanal.
A primeira etapa de implantação do projeto seria a reunião de um
vasto acervo de objetos populares recolhidos no Nordeste. Tal empreitada só
fora possível graças a colaboração entre outros estados do Nordeste. No
Ceará, contará com o empenho de Lívio Xavier e em Pernambuco com
Francisco Brennand.
Em carta que Lívio Xavier escreveu em 1963 para Lina, ele revela
como foi o processo de aquisição de algumas peças da coleção:
Devo viajar para Crato e Juazeiro e de lá mesmo despacharei para Salvador o que comprar; ao voltar do sul do estado irei a Aracati, Cascavel, Viçosa e Granja, na Zona Norte. São estes os centros mais férteis no material que precisamos.(...) Vou mandar esta semana o material de nosso acervo ( ex-votos, santos populares, etc).
23 (XAVIER, 1963, P.1)
Tais objetos deveriam ser adquiridos em feiras ou espaços de produção
dos mesmos. Assim, os objetos coletados, inseridos em seu contexto original,
conservaria a sua atualidade utilitária. O deslocamento para o contexto do
museu não os transformariam em objetos ou fetiches de exposição. Seriam
apresentado como documentos contemporâneo da sua existência,
visibilizando a sua utilidade em suas soluções construtivas. Os objetos do
passado não deveriam fazer parte da coleção Porque não representariam as
soluções vivas da sua artesania e seu contexto social.
A formação dessa tríade entre os colaboradores da Bahia, Ceará e
Pernambuco formaria um abrangente panorama da produção de objetos
populares do Nordeste atual, distanciando dos conceitos tradicionais de
coleções museais que reúnem em seus acervos objetos do passado. A
coleção do MAP serviria como fontes primárias para pesquisas da sua
idealizada e moderna Escola de Desenho Industrial.
A ideia de Lina era que diante do processo dinâmico do
desenvolvimento tecnológico, de industrialização, o Museu de Arte Popular
cumpriria o papel de ponte entre a ideia de modernização da sociedade em
diálogo com a sua identidade cultural.
23 Carta de Lívio Xavier à Lina Bo Bardi. Fortaleza, 2 de agosto de 1964. (datilografada).
Arquivo do Museu de Arte Moderna da Bahia.
79
Radicalmente original, a concepção de Lina sobre o acervo cultural foi
elaborada a partir da revisão de conceitos sobre o popular: as ideias de povo,
de popular, de folclore, de artesanato. Inicialmente, define a ideia de nação a
partir de uma conceituação e de uma caracterização de povo. Reconhecendo
o caráter dinâmico das tradições populares, seu caráter vivo e não preso a
um passado estático, Lina propõe uma nova abordagem que resultaria na
concepção de povo-nação que definiria a famosa Civilização Nordeste. A
nova cultura, reunindo as massas populares dissolveria a separação entre
cultura moderna e cultura popular. Esta última, até então vista por alguns, na
acepção de Lina, condenada a estagnação pela ideia do folclore.
Lina pretendia retirar a produção popular do reducionismo folclórico e
segue defendendo a sua compreensão sobre o artesanato (que ela não mais
acredita na existência no mundo, devido ao desenvolvimento industrial), o
que ela entende e vê na produção popular nordestina se encaixa no seu
conceito de pré-artesanato, devido as suas condições precárias de produção,
realizadas por pequenas famílias economicamente sobreviventes em estado
de miséria.
Uma das mostra que inaugura o Museu de Arte Popular, sob o título
de Nordeste, para Lina deveria ser chamada a Civilização Nordeste,
composta por um acervo de mais de mil peças produzidas por uma
população pobre e carente, pequenos grupos isolados e que são
sobreviventes naturais, fadados ao desaparecimento, tão logo acontecesse o
mínimo de florescimento econômico no Nordeste. No folder da apresentação
da exposição, Lina escreve:
Esta exposição que inaugura o Museu de Arte Popular do Unhão deveria chamar-se Civilização do Nordeste. Civilização. (...) Civilização é o aspecto prático da cultura, é a vida dos homens em todos os instantes. Esta exposição procura apresentar uma civilização pensada em todos os detalhes, estudada tecnicamente, (mesmo se a palavra técnico define aqui um trabalho primitivo), desde a iluminação às colheres de cozinha, às colchas, às roupas, bules, brinquedos, móveis, armas.
(...) Matéria prima: o lixo.
Lâmpadas queimadas, recortes de tecidos, latas de lubrificantes, caixas velhas e jornais. Cada objeto risca o limite do nada da miséria. Esse limite e a contínua e martelada presença do útil e necessário é que constituem o valor desta produção, sua poética das coisas humanas não-gratuitas, não criadas pela
80
mera fantasia. É neste sentido de moderna realidade que apresentamos criticamente esta exposição. Como exemplo de simplificação direta de formas cheias de eletricidade vital. Formas de desenho artesanal e industrial. Insistimos na identidade objeto artesanal – padrão industrial baseada na produção técnica ligada à realidade dos materiais e não à abstração formal folklórico-coreográfica.(BARDI,1963, p.1)
A exposição foi montada no grande casarão do Solar do Unhão, onde
se encontra a escultórica escadaria instalada por Lina, unindo o pavimento
inferior ao superior. No térreo foram organizadas peças de grande dimensão
com destaque para uma escultura central em madeira de um índio fazendo
referencia ao Caboclo, símbolo cívico e mítico da independência da Bahia
comemorada em 2 de julho. Ao fundo um exército formado por uma série de
dez carrancas do São Francisco - muitas das clássicas peças do Mestre
Biquiba Guarani - davam o tom solene e hierático à organização do espaço.
Em paralelo a um jangada de pescadores, um grupo de pilões alinhados
sobre uma base de madeira e tendo suas ―mãos‖ suspensas por fios
transparentes. O pilão é um utensílio essencial na culinária africana e, nas
religiões afrobrasileiras, está relacionado à divindades de luta e poder como
Nanã, Oxaguian e Xangô. Circundando esses elementos, havia uma coleção
de ex-votos e santos populares exposta em estantes e suportes. Podemos
interpretar que a escolha das peças reforçam a ideia das matrizes
miscigenadas da cultural popular baiana nordestina. O caráter ritualístico da
montagem, nesse primeiro pavimento, ressoa aos versos da poesia popular
na tradição da literatura de cordel que é exposto em um painel ao fundo.
81
Fig. 17 - Exposição Nordeste, fotografia e planta baixa do térreo, MAP 1963. Arquivo MAM-BA.
A impressão que temos ao analisarmos essa parte da exposição é de
que Lina estaria proferindo um manifesto transcendente calcado no
imaginário popular que relaciona a religião, o trabalho e a comunicação como
bases para organização social. Contudo afirmando que todos os objetos são
úteis e cumpre através da sua eficiência a sua função utilitária independente
do seu sentido mítico. Os ex-votos são apresentados como objetos
necessários e não como ―esculturas‖(in SUZUKI 1994, p. 33).
No andar superior, a montagem obedece uma outra lógica, mais
pragmática e menos metafísica, mesmo contando com uma painel de objetos
do candomblé. Uma grande estante organiza de forma a apresentar a
multiplicidade de objetos de uso cotidianos. Expostos de maneira muito
semelhante das barracas de feiras onde são vendidos. Não importava
destacar a individualidade dos mesmo. O importante era a série, a variedade
de tamanhos, cor, materiais e padrões: canecas e bules de lata reciclados,
lamparinas, vasos, potes, panelas, colheres de pau, pratos, cestos,
vassouras e etc. Redes de dormir são penduradas sobre o vão da escada,
82
vestimentas de vaqueiros e celas, um carro de boi e um painel de armas.
Fig. 18 - Exposição Nordeste, fotografia e planta baixa do térreo mais andar superior, MAP 1963. Arquivo MAM-BA.
Grande parte dos objetos reunidos na exposição formaria o arquivo de
referência para o projeto pedagógico da universidade. Em uma
correspondência a Celso Furtado em 05 de março de 1964, Lina esclarece o
seu objetivo com o Museu de Arte popular:
Queremos construir uma Universidade Popular, para
formação de operários profissionais, o Museu de Arte
Popular será somente o Centro de Documentação junto a
biblioteca. Mas o ‗material‘ humano deverá ser ligado à
prática da realidade. 24 (NOME, ANO, p.)
Em março 1964 o presidente João Goulart é destituído do cargo por
setores das Forças Armadas e uma frente da sociedade civil composta pela
extrema-direita, conservadores e também por liberais, instaurando no país
24 Gentile Dr. Celso Furtado – carta datilografada de Lina Bo Bardi 05/03/1963. Material
consultado no ILBPMB.
83
uma longa ditadura em que mecanismos de controle social reestabeleceria a
―ordem‖ banindo do pais tods as ameaças comunistas e subversivas . Do
ponto de vista dos militares, a tomada ―à força‖ do governo, representaria não
um Golpe Militar e sim uma ―revolução‖. Violentas ações coercitivas e todo
tipo de arbitrariedades contra os direitos humanos e liberdade de expressão
fora implementadas.
Como noticiou antecipadamente o jornal Diários de Notícias do dia 07
de agosto de 1964, Lina deixa a Bahia. Contudo, arquiteta só se desligaria
oficialmente em 03/08/1964, quando envia sua carta de demissão para o
presidente da Fundação MAMB Oscar Tarquínio Pontes. Os museus são
unificados sob a administração do Museu de Arte Moderna da Bahia25.
A passagem de Lina e o seu convívio com artistas e intelectuais em
Salvador alicerçou pesquisas e experimentações artísticas no Estado. O seu
legado influenciou diretamente a produção de uma jovem geração de
escritores, artistas plásticos, músicos e cineastas baianos, como Glauber
Rocha e a geração de artistas da Tropicália.
Após sua saída, em 1966 um grupo de artistas jovens oriundos da
Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia, diretamente ligados
ao convívio com Lina, promoveram articulações polóticas a fim de reativar a
cena cultural, em meio à nova ordem política no país implantada pelos
militares. Tal grupo era composto pelos artistas Juarez Paraíso, Riolan
Coutinho e posteriormente por Chico Liberato e Leonardo Alencar26, movidos
pelo desejo de criar uma Bienal de Artes Plásticas na Bahia. E assim fizeram
25 Em uma das últimas entrevista concedidas a pesquisadora Olivia de Oliveira, em 1991
seis meses antes de sua morte, que lhe perguntou sobre o por que de sua saída as pressas de Salvador em 1964, Lina declara: Porque veio toda essa confusão de 1964 e em Salvador tudo era muito reacionário. As pessoas começaram a ter medo de nós e já estava marcada pela cosa così, como de esquerda. Estava, aqui, em São Paulo, e recebi um telegrama de meu secretario, que era cunhado do escultor Mário Cravo, dizendo: ― Madalena ( uma filhote de cachorra vira-lata que havia encontrada na rua e que tinha criado ali, no teatro, no museu) está doente; melhor que não venha até que melhore‖. E disse para mim mesma: ―aconteceu algo ruim lá e eu não posso voltar‖ A cachorra não morreu, depois ficou bem. Assim foi, esperei até o golpe... aquilo não foi um golpe, foi algo completamente diferente. Mas na Bahia, a Marinha era terrível. E abriram um processo contra mim. Me escondi, desapareci. Então eu voltei em junho com a abolição do Ato Institucional, mas me dei conta de que não restava nada, acabaram com tudo e aquilo não voltaria nuca, nunca mais, tudo se acabou. 26 Tal grupo tem sido reconhecidos pela crítica cultural local como integrantes da segunda
geração de artistas modernos da Bahia que tinha como característica uma tendência ao abstracionismo.
84
entre 1966/1967. A primeira Bienal da Bahia teve como presidente de honra
nada menos que Assis Chateaubriand, isso revela o poder de articulação
política e cultural do grupo. O evento, organizado em duas edições, a
primeira em 1966/1967 e a segunda em 1968. A bienal exterioriza o desejo
de seus organizadores em instaurar um evento de âmbito nacional que
pudesse promover um debate sobre a arte brasileira. Isso se distinguiria do
projeto da Bienal de São Paulo e sua abrangência internacional. Uma força
tarefa foi reunida em tornos de importantes nomes da política cultural baiana
brasileira, a fim de realização do projeto. Sobre o patrocínio do Governo do
Estado da Bahia e através da sua superintendência da divisão cultural da
secretaria de educação e cultura tendo como governador Lomanto Júnior e
secretário de educação Alaour Coutinho. Importantes nomes da área cultural
também prestigiaram a bienal, como Jorge Amado, Carlos Eduardo da Rocha,
Clemente Mariani, Dom Clemente Maria da Silva Nigra, Jorge Calmon, Milton
Tavares, Odorico Tavares, Clarival do Prado Valadares, Wilson Rocha,
Carlos Eduardo da Rocha, Mário Schenberg entre outros.
Fig. 19 - Sala Hélio Oiticica: Manifestação Ambiental n. 2. I Bienal Nacional de Artes
Plásticas da Bahia em, foto Rex Schindler, Salvador 1966.
85
A primeira edição da Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia em
1966 contou com um recorte monográfico de salas ―hors concours‖ com os
artistas José Pancetti, Agnaldo dos Santos, Raimundo de Oliveira, Henrique
Oswald, Adam Firnekaes, Alfredo Volpi e Milton da Costa e uma sala sobre a
gravura na Bahia; de salas especiais divididas por regiões brasileiras, com
seleção de artistas convidados. Os representantes da Bahia foram Mario
Cravo Jr, Carybé, Rubem Valentim, Jenner Augusto, Genaro de Carvalho e
Carlos Bastos; de São Paulo Maria Bonomi, Nícolas Vlavianos, Marcelo
Grassman, Míriam Chiaverini e Waldemar Cordeiro; de Pernambuco:
Francisco Brennand; da Guanabara: Ligia Clark, Ivan Serp, Fayga Ostrower,
Hélio Oiticica, Franz Krajcberg; do Rio Grande do Sul: Franciscc Stockinger e
Iberê Camargo.
Fig. 20 - Ligia Clark recebeu o Grande Prêmio Nacional. I Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia em, foto Rex Schindler, Salvador 1966
Além das salas gerais separadas pelas linguagens artísticas: pintura,
desenho, gravura, escultura, artes decorativas27 e dança.
27 É interessante localizar a obra do Mestre Didi nesse recorte de artes decorativas da Bienal,
realizada com a técnica: Tradicional Africana. Quando Agnaldo do Santos é legitimada como um grande escultor da arte brasileira.
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A diversidade das obras apresentadas em seu conjunto revelam um
interesse de apresentar uma produção artística brasileira atual, dentro das
correntes da arte abstrata informal e geométrica e seu diálogo com
produções que atravessam elementos da cultura popular e afrobrasilidade.
De certa forma esse recorte segue as mesmas tendências da seleção
brasileira nas últimas bienais de São Paulo em que o abstracionismo, o
concretismo e o neo-concretismo, os signográficos e neo-dadaistas refletem
o que se produzia na arte brasileira a partir da metade dos anos de 195028.
Destacaria aqui o reconhecimento da obra do artista Agnaldo dos Santo,
falecido em 1962, e premiado como escultor no Primeiro Festival Mundial de
Arte Negra em Dakar em 1966, e reconhecido pelo critico Clarivaldo Prado
Valadares29 em uma monografia sobre o autor. A valorização de Agnaldo do
Santos na Primeira Bienal da Bahia é celebrada no catálogo da mostra com a
publicação de importantes trechos das críticas, nacionais e internacionais,
que inserem a obra entre a produção dos vanguardistas e dos primitivos.
Destacamos aqui um em especial de Ebongué Soelle:
Graças a Agnaldo dos Santos, o Brasil Ganhou o prêmio de Escultura no Primeiro Festival das Artes Negras (...) A honra feita à obra de Agnaldo dos Santos não chamaria especialmente a minha atenção se o destino daquele que iniciou sua vida plantando Mandioca nao me obrigasse. (...) Que a vida deste homem a quem o mundo negro africano acaba de prestar uma homenagem póstuma possa servir de exemplo para todos aqueles que acreditam ter uma mensagem para a humanidade. Ebongué Soelle, Dakar – Manhã, de 8 de abril de 1966.
30 (SOELLE, 1966, p.12)
28 Comentário de Mário Pedrosa sobre a seleção dos artistas brasileiros no catálogo da VI
Bienal de São Paulo 29 VALLADARES, Clarival do Prado. Agnaldo Manoel dos Santos: origem e revelação de um
escultor primitivo. Afro-Ásia, n. 14, p. 22-39, 1983. 30 Publicado no catálogo da I Bienal da Bahia em frances : ―Gráce à Agnaldo dos Santos le
Bresil, a emporté le prix de sculture au Premier Festival Mondial des Arts Négres (...) L'honneur fait à l'ouvre d'Agnaldo dos Santos ne retiendrait pas spécialment mon attention si le destin de celui qui débuta dans la vie comme planteur de manioc, ne m'y obligeait. (...) Puisse la vie de celui à qui le monde nègre-africain vient de presenter les lauriers à titre posthume, servi d'exemple à tous ceux qui croient avoir un message à confier à l'humanité. Ebongué Soelle, Dakar - Matin, 8 abril, 1966‖ ( Tradução para o Português de Xavier Vatim)
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Fig. 21 - Agnaldo dos Santos com uma de suas obras. Salvador 1961
Um espaço singular é criado sobre sua obra ao reconhecê-la como fruto
dos fluxos diaspóricos que unem Brasil e África.
A II Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia foi inaugurada em 20
de dezembro de 1968, no Convento da Lapa, em Salvador, pelo então
governador do estado Luís Viana Filho 31 . A exposição é marcada pela
intervenção militar que encera a suas atividades logo após sua abertura. A
censura do evento reflete o contexto de autoritarismo do Regime Militar,
acirrado pelo Ato Institucional número 5. Foram presos os seus
organizadores Juarez Paraíso, que era o secretário geral, e Luis Henrique
Tavares, diretor do DESC, que apoiava oficialmente a Bienal. Entre oito a dez
obras foram acusadas de subversivas e confiscadas pelos militares. Este
violento ato de censura, de certa forma, marca o inicio de diversas ações
coercitivas em relação a cultura no Brasil.
Em 2014 Juarez Paraiso em uma entrevista cedida para o projeto de
realização da III Bienal da Bahia, organizada 46 anos depois, pelo Governo
31 O jornal Diário de Noticias em 21/12/1968: Em ato presidido pelo governador Luís Viana
Filho foi inaugurado ontem, às 18 horas, no convento da Lapa, a II Bienal Nacional de Artes Plásticas, cujo vencedor foi o pintor paulista Yutaka Toyota, conquistando o prêmio de dez mil cruzeiros novos.
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do Estado da Bahia, através da Secretaria de Cultura do Estado e sobre a
direção do MAM-Ba, nos descreve os momentos de tensões vividos quando
foi preso por trintas dias, onde sofreu com torturas psicológicas:
A Bienal foi um instrumento comunista, financiado pelo Olho de Moscou. (risos) Verdade. Eu tô falando serio, porque as entrevistas que eu tive no Quartel General, com o Major Bendocfer, o tratamento era esse .(...) Eu fui interrogado pelo o major Bendocfer, que sempre procurou de mim uma confissão sobre o caráter politico da Bienal. A Bienal era um instrumento dos comunistas, organizada por comunistas e com a finalidade de converter, né? Ele era inteligente, né? A obra de arte pode ser um instrumento de persuasão politica. Claro que pode. (...) O objetivo maior era que eu confessasse que a Bienal foi feita com o dinheiro do partido Comunista, que foi orientada como uma coisa comunista, que o Secretário de Educação era um Comunista e que um e outro era comunista. Então eu que vou agora dizer quem é ou não comunista? Mas eu dizia ― não é, não é. O objetivo é outro‖. E eles: então você não quer ir pra casa? E eu: Quero, mas não vou inventar coisas. E eles: então você tá defendendo esses homens, né? Pois agora eu vou lhe mostrar. Aí mandou um cara trazer uma coisa gravada que eu era culpado por tudo aquilo, que fui eu que coloquei os quadros subversivos e tal. E que eles tinham me
ordenado a tirar os quadros antes, mas que eu era teimoso e tal.32
Juarez Paraíso, que foi o grande idealizador do projeto, acusado de
subversivo, sofre cerceamento de sua ação cultural na cidade por parte dos
militares. Posteriormente, suas atividades são restritas às aulas na Escola de
Belas Artes.
Neste contexto de repressão a liberdade criativa muitos artistas baianos
migraram para o interior do estado ou para o sudeste do pais. Os jovens
artistas Edinizio Ribeiro Primo, Rogério Duarte e Dicinho partiram com fúria
para o Rio de Janeiro e para São Paulo para participar da construção de um
outro capítulo da historia da arte baiana e brasileira: o tropicalismo. A
produção desses artistas, ainda pouco conhecida, teve um grande impacto
quando foram criadas e posteriormente passaram à largo, à margem dos
sistemas de legitimação da arte. Nosso desejo é revisitar as suas poéticas
em um momento histórico de crise, através das suas potências e evocar a
deliberada liberdade criativa que as constituíram.
32 Entrevista de Juarez Paraíso para os curadores da III Bienal da Bahia, Ayrson Heráclito e
Fernando Oliva, Salvador 2014.
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A TODO VAPOR: POÉTICAS VISUAIS À MARGEM – DICINHO E EDINÍZIO
RIBEIRO PRIMO
Ao som do aço de Joplin e Hendrix, a atmosfera era de uma intensa
inquietude movida por densas e delirantes fumaças alucinógenas, por uma
utopia da liberdade e de insurgências às normas sociais opressoras. A
liberdade que se desejava para a vida era a mesma que movia a filosofia
criadora dos artistas dessa particular NAVILOUCA que viveram o período de
repressão mais feroz no Brasil e mesmo assim semearam o Câncer da Flor
do Mal.
A Tropicália metia os pés nas portas podres do conservadorismo e
reunia uma série de artistas que realizava um clímax anarcovisionário nos
trópicos, mediadas pelo experimentalismo musical e por uma visualidade em
puro transe psicodélico. O corpo era um local de transgressão, através de
happenings, proposições, indumentárias mutantes e de estados alterados de
consciência.
Fig. 22 – Pássaro cantando azul, pintura s/ papel artesanal de Edinízio Ribeiro
Primo
Em uma entrevista concedida para a III Bienal da Bahia, em 2014, o
artista Rogério Duarte fala do Tropicalismo como uma vocação cultural de um
90
país como o Brasil e não como um movimento artístico meramente comercial.
O verdadeiro sentido do movimento é absorver tudo de forma ―super tropical‖,
retomando a ideia da antropofagia de Oswald de Andrade. Em um processo
dinâmico, marcado pelo contato direto com a diversidade cultural - que não
se encerra em nada e afirma o desejo de absorver tudo e invadir o outro
mundo. Contínuo e permanente estado de movimento.
Em uma entrevista, Eduardo Viveiros de Castro fala sobre o livro o
Balanço da bossa de Augusto de Campos e analisa a aliança dos artistas
concretos ao movimento tropicalista
Eu acho que a grande contribuição dos concretos ao debate cultural no Brasil foi a redescoberta que fizeram de Oswald, em parte por via da aliança com o tropicalismo. Essa redescoberta me pareceria talvez até mais importante, no frigir dos ovos, que a teoria da poesia concreta enquanto tal. Mas não é possível separar uma coisa da outra. Afinal, o que os concretos nos legaram foi antes de tudo um paideuma rigoroso mas aberto, que transversalizou completamente os totemismos nacionalistas, colocando a arte brasileira em um campo estético poliglota e multívoco, sem hierarquias prévias ou extrínsecas. O Balanço da bossa... Esse livro do Augusto de Campos foi uma intervenção iluminada. Um divisor de águas, ao perceber na primeira hora que o tropicalismo era a bola da vez. E o Augusto produziu aí uma teoria, que na verdade foi uma redescoberta do Oswald pela ―alta cultura‖, no sentido da ―alta costura‖ dos concretos. Porque havia uma série de conflitos, e de repente o tropicalismo chegou para resolver o problema de alguma maneira, porque ele fez a síntese. Não uma síntese conjuntiva, mas uma ―síntese disjuntiva‖, diria Deleuze: Vicente Celestino e John Cage. E essa é a resposta que a América Latina tem que dar para a alienação cultural, é a única proposta de contra-alienação plausível, a única teoria de libertação e autonomia culturais produzida na América Latina.33 (CASTRO, 2008, p.23-36)
As colocações de Viveiros de Castro sobre o livro de Augusto de
Campos corroboram com o ponto de vista de Rogério Duarte em relação a
Oswald. Contudo, é importante reconhecer que o Tropicalismo foi um
33 Entrevista com Eduardo Viveiros de Castro por Pedro Cesarino e Sergio Cohn. Publicado
originalmente na revista Azougue 10: edição especial 2006-2008 (org. Sergio Cohn, Perdro Cesarino e Renato Rezende). Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2008 p. 23 - 36. Disponível em: http://blogs.cultura.gov.br/culturaepensamento/files/2010/10/revista-AZOUGUE-2006-2008.pdf
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movimento abrangente no sentido de englobar diversas poéticas e que nem
todos os seus integrantes foram aceitos e absorvidos pelo mercado cultural.
Rogério nos fala de algum motivos que geraram uma visibilidade maior
para alguns artistas e não para outros e define os dois lados do movimento.
Em um determinado momento da produção brasileira, por volta de 1968, 1970 por aí, houve um movimento mundial para apagar aquilo. De fora e de dentro, me lembrando da A Flor do Mal que a gente editava... aí veio a revista Rolling Stones oferecer dinheiro para a gente parar a nossa produção. Porque estava vendendo e era um concorrente, entendeu?! Acabou contratando a minha equipe inteira para ir fazer a Rolling Stones e aí a gente teve que fechar por causa de dinheiro a Flor do Mal. A ditadura, um outro fator massacrante e também a pasteurização necessária de uma determinada forma dessa produção que era na área da mísica popular. Então, gerou, eu diria, que a tropicália haviam os baihunos (nominação cunhada por Millôr Fernandes em 1972 para definir os artistas baianos no Rio de Janeiro: Gal, Gil, Caetano e Bethânia). Os baihunos tomaram o poder e tinham uma produtora que era a Garra produções de Guilherme Araújo. Então, eles conseguiram sobreviver à ditadura. Ou seja, conseguiram compor de maneira que viabilizasse suas produções, sua continuidade.
Enquanto que o outro seguimento foi realmente destruído. Torquatro, Hélio, Edinízio Ribeiro, Dicinho, mil caras que estavam ali fazendo coisas também. Não tiveram a mesma possibilidade de continuar a produção. Tudo foi canalizado, pasteurizado, habilmente pinçou-se deste conjunto os elementos necessários para consolidar essa Tropicália oficial. E o todo da produção foi digamos assim esparramado. Hélio foi para New York, eu fui para o interior da Bahia, onde vivi vinte anos de solidão, totalmente marginalizado, até que voltei em 1990. De 70 à 90 eu vivi confinado. Mas eu sempre estive produzindo independente do lugar. (DUARTE, entrevista 2014)
É exatamente esse contexto que habita Edinízio Ribeiro Primo, nascido
em Ibirataia na Bahia, em 1945. Artista plástico e designer, se destacou em
técnicas gráficas como o desenho, a gravura e a criação de cenários e
figurinos para espetáculos teatrais e shows musicais nas décadas de 1960 e
1970. Um dos mestres da visualidade do movimento tropicalista, sua obra,
movida pelo experimentalismo e inovação, se encontra dispersa e pouco
conhecida devido a sua morte prematura aos 31 anos em Búzios, no Rio de
Janeiro, em 1976. O início da sua produção coincide com a transferência de
92
sua família para a cidade baiana de Jequié, onde tem contato direto com
jovens artistas integrantes do ―Grupo de Jequié‖, como define o pesquisador
Narlan Matos:
(...) os artistas plásticos Edinízio Ribeiro e Dicinho, os poetas Jorge e Waly Salomão, juntamente com o grupo musical Bossa Seis, e os talentos multifacetados de Lula Martins, César Zama e Maurício Bastos – todos de Jequié – foram responsáveis diretos pela construção da fase mais underground do tropicalismo, influenciando significativamente as mais variadas linguagens artísticas no cenário pós-moderno a partir da década de 70. (MATOS, 2013, p.170)
Soma-se outros nomes na lista dos citados por Narlan Matos como
Rogerio Duarte, Robinson Roberto, Tuna Espinheira, Bené Sena e etc. Esse
encontro de tantos artistas em Jequié produzirá um cenário artísticO
efervescente na pequena cidade do Sudoeste da Bahia nos anos 1960 e
1970. A produção de poetas, cineasta, músicos e artistas plásticos davam
corpo às inquietações do pensamento tropicalista. Não seria incorreto pensar
que a cidade, na época, era um epicentro das mais vívidas experimentações
artísticas no interior do Estado. São muitos talentos que nasceram ou
habitaram a cidade nessa época. A boca de brasa do poeta Waly Salomão
jocosamente definia o espirito da cidade: ―Se bicha fosse bala e maconha
fosse fuzil, Jequié estava pronta para defender o Brasil‖.
Um dos poucos textos produzidos sobre o artista foi escrito pelo
pesquisador Dermival Ribeiro Rios, intitulada Edinízio Ribeiro: um artista
insubmisso, uma amorosa biografia que reúne informações pessoais e de
sua trajetória artística profissional. A qualidade do texto e a forma poética em
que foi produzido apresenta um importante documento para a pesquisa sobre
sua obra, iremos transcrever alguns trechos:
Jequieense de opção e coração, apesar de nascido na zona rural da cidade de Ibirataia (BA), em terras de cacau do sul da Bahia, em 15 de maio de 1945. Criança ainda, Edinízio já se preocupava com a forma, e realizava trabalhos em argila. Na escola primária, o menino pintava em cadernos seus e dos colegas, em troca de namoricos ou merendas.
Tinha doze anos de idade quando a família se mudou para Jequié, nos idos de 1957, e foi morar no Jequiezinho, numa travessa da ladeira da Balança. Seu Nenzinho, o sisudo e correto Salmon Ribeiro, o pai, preocupado com a educação dos filhos em idade escolar, queria viver numa
93
cidade maior, que oferecesse o curso ginasial e o colegial, ainda distantes da pequena Ibirataia daqueles tempos. Mas já no ano seguinte, em 1959, o pai morre no interior de Minas Gerais, deixando Edinízio órfão, numa família de muitos irmãos e irmãs, maiores e menores que ele.(...) (RIBEIRO,2014, s/p )
Segundo as pesquisas de Dermival Ribeiro Rios, o artista se transfere
para São Paulo com sua família em 1966, onde se aproxima da cena artística
e intelectual da grande metrópole. É reconhecido como um jovem talento pelo
crítico Mário Schemberg e pelo casal Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi, que
oferecem a chancela para sua introdução na cena artística da cidade. Por
intermédio de Mário Schemberg, ingressa como bolsista na Fundação
Armando Álvares Penteado – FAAP, onde se destaca obtendo prêmios e
desenvolvendo trabalhos gráficos como, por exemplo, a criação do catálogo
da importante exposição de Flávio de Carvalho, em 1967, no Museu de Arte
Brasileira da FAAP.
Fig. 23 - Flávio de Carvalho, em 1967, no Museu de Arte Brasileira da FAAP
O autor salienta a importância desse momento na sua trajetória artística
e nas suas definições políticas e existenciais:
(...) EDINÍZIO se torna por algum tempo funcionário público do Museu de Arte Brasileira para catálogos e exposições, e monta ateliê nas imediações da Av. da Consolação, mais propriamente próximo ao Cemitério da Consolação, local onde pratica uma gama variada de serviços: faz cartazes, cria roupas e sacolas… enfim, tudo o que viria compor o visual e a personalidade de artistas e conjuntos da época. Era a fase que se convencionou chamar hippie.
O Brasil vivia um momento fortemente rebelde, em que os artistas se alinhavam às forças democráticas para combater a ditadura
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militar instalada em 1964. Estudantes protestavam em todos os cantos, criadores em geral buscavam com garra encontrar os próprios e libertários caminhos. Tempos duros. Prisões arbitrárias se sucediam por quaisquer motivos e sem motivo algum, bastava que um policial cismasse do cabelo comprido de um, da
aparência hippie de outro. (...)(RIBEIRO,2014, s/p )
A cena cultural e existencial que se constrói em torno do ateliê da rua
da Consolação, no final dos anos 1960, define a sua participação ativa no
movimento do tropicalismo. O atelier se torna o reduto dos artistas baianos
em São Paulo, Caetano, Gil, Gal Costa, assim como os seus amigos do
grupo de Jequié: Dicinho, Jorge e Waly Salomão, Tuna Espinheira, Alba e
Chico Liberato, Lula Martins, Bené Sena, César Zama, entre outros. Arte,
sexo, vida em comunidade, profundas experiências com alteradores de
consciência definem uma geração ultracriativa e libertária. O mundo da
música o fascina e oferece um universo para exercitar suas propostas
estéticas. Os Mutantes, Secos e Molhados e os Novos Baianos estarão na
lista de amigos e colaboradores. Foi cenógrafo de vários shows, como o
primeiro de Gal Costa em São Paulo, Divino maravilhoso, em 1972, fez a
revolucionária capa do LP Expresso 2222, de Gilberto Gil e as capas
dos LPs Drama, de Maria Bethânia, e Índia, de Gal Costa.
Outra experiência fundante na sua trajetória foi a sua vivência com o
Teatro Oficina, liderado por Zé Celso. Envolvido com a construção de
cenários e figurinos, nesse processo chegou a ser preso por 45 dias no
presídio Carandiru, com outros componentes do grupo.
Manteve uma parceria muito produtiva com os irmãos poetas e
ensaístas Haroldo, Augusto de Campos e Júlio Plaza, com os quais trabalhou
no projeto Caixa preta, de música e arte, quando participa da
publicação Qorpo extranho, inserindo um encarte central com o registro
fotográfico da performance intitulada Modo de volar.
Dentro do universo das mostras artísticas, participou de exposições
importantes, entre as quais o III Salão de Arte Contemporânea, em Campinas,
SP, e a I Bienal Nacional de Artes Plásticas, em Salvador, com a
obra Instrumentos de posse, em 1971, realizou sua primeira exposição
individual, no Museu de Arte Brasileira da FAAP.
95
Em 1967, de forma obscura, morre afogado nas águas de Búzios, no
Rio de Janeiro, aos 31 anos, sendo que seu corpo nunca foi encontrado.
Alguns pesquisadores brasileiros da área de arte já começam a se
interessar pela investigação de uma produção artística que passou por um
longo período na invisibilidade por diversos motivos, dentre os quais a falta
de legitimação no sistema comercial, a inexistência de trabalhos críticos e
historiográficos, o desconhecimento e quase apagamento do pensamento e
da produção artística que fora taxada de subversiva pelo regime da ditadura
militar, condenando ao esquecimento essa produção por não ser conveniente
aos sistemas artísticos implantados e controlados por uma elite política.
A iniciativa da 3a Bienal da Bahia, em 2014, pretendia apresentar a obra
do artista em uma mostra ―Monográfica‖, a fim de contribuir para a redução
desse hiato, apresentando uma quantidade significativa de obras recolhidas
em diversos lugares no Brasil. Edinízio define o espírito nocivo e repressivo
da época em que viveu na seguinte reflexão:
Pior do que a mutilação dos pés e das mãos é a mutilação que se tem aí fora – a mutilação de ideias. Aqui se vê claramente que não existe mais arte de protesto. Hoje, as repressões são demonstradas e sentidas sobre o corpo. Quem livrou o corpo está fora de tudo. (PRIMO, apud SOUZA 1976, p. 79)
Em outra declaração, desta vez dada a Percival de Souza, enquanto
estava na condição de preso político no Pavilhão 2 do Carandirú, o artista
define a sua obra de forma ampliada e sem limites estéticos, transcendente,
revelando a profundidade de suas questões filosóficas e existenciais:
Fui do primitivismo autodidata, anterior aos 13 anos, para o expressionismo político de Portinari, até uma integração com as artes em geral. E estou caminhando para as influências do Extremo Oriente (Osawa e a macrobiótica). Uma fase a ser chamada de científica, que é o conhecimento das forças-cores Yin e Yang, que regem a natureza: amarelo, luz solar; magenta, ultravioleta; e azul, espaço e água. (PRIMO apud SOUZA, 1976, p79)
O restrito acervo de obra e documentos levantados na pesquisa
realizada para a 3a Bienal da Bahia foram colhidos entre as cidades de
Jequié, Vitória da Conquista, Ibirataia, Ilhéus e em São Paulo, pertencentes a
amigos e familiares. Composto por 42 itens entre fotografias, impressos,
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capas de disco, registro fílmico de figurino de show, desenhos e pinturas. É
complexo traçar uma análise crítica sobre a obra do artista com tão restrito
acervo. Contudo, é possível tecermos algumas considerações que possam
revelar um pouco da sua trajetória.
As fotografias deste acervo apresentam o artista em seu atelier,
produzindo uma das suas obra; fotografias que registram suas interversões
performáticas na feira livre da cidade de Jequié; um precioso ensaio de foto-
performance publicado na Qorpo Estranho - Revista de Criação
intersemiótica n. 1, editada em 1976 por Júlio Plaza e pelo Régis Bonvicino.
Fig. 24 - ensaio de foto-performance publicado na Qorpo Estranho, 1976. Foto de Regina Valter e Gerson Zanini.
Os 8 desenhos preparatórios da série FRUTOS DE MI TERRA; a série
de 3 estudos de Leões Alados e 1 lagarto feito com esferográfica; 1 esboço
com indicação de cores para uma serigravura de mãos superposta por um
transparente triângulo; 1 estudo de azulejos; 1 estudo para a serigrafia o
Namoro de Negros; 1 estudo para a serigrafia intitulada Gaiolas. 6 pinturas
realizadas em diferentes técnicas e suportes: Galo cantando azul, óleo sobre
bastidor; Cabaças, 1972, óleo sobre tela; Galos de briga, 1971, óleo sobre
tela; o díptico - Homem na guerra e homem na Lua; Mulher grávida, 1966, em
técnica mista sobre compensado; pintura S/ título, 1974 sobre placa de vinil;
uma pintura S/ título da série de Mancha Rorschach sobre entretela; três
capas de discos, capa do Expresso 222 de Gilberto Gil, Capa de Índia de Gal
Costa e Drama de Maria Bethânia; um conjunto de 5 gravuras Galo
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fantástico/, s/d; Flor de bananeira brava, 1975; e 3 litogravuras de natureza.
Registro da performance de Caetano Veloso vestindo figurino Edinízio no
Filme do filme PHONO 73: o canto de um povo.
Fig. 25 - Capa do álbum Expresso 222, de Gilberto Gil, 1972
Um dos seus trabalho mais conhecidos foi a criação da famosa capa do
disco de Gilberto Gil Expresso 2222 em 1972. Uma capa absolutamente
radical em sua concepção pois não se tratava da tradicional capa quadrada
mas sim de um grande circulo que se desdobrava. O produtor do disco
Roberto Menescal revela:
O artista responsável (Edinízio Ribeiro Primo) me mostrou o projeto, redondo, redondo, bacana. ―Tá, agora só vamos ter que reduzir para caber no quadrado da capa padrão.‖ Ele: ―Não, meu projeto é assim mesmo.‖ ―Mas temos as caixas-padrão para armazenar os discos.‖ ―Vocês podem fazer caixas maiores.‖ ―Mas tem as nossas prateleiras, o espaço das lojas.‖ E ele respondendo que tudo podia ser mudado para caber o disco. Demorei a convencê-lo a fazer como saiu, dobrando para ficar quadrado. Mesmo assim, saiu caro. A cada disco vendido, perdíamos o equivalente a R$ 1. Mas era investimento.34 (MENESCAL, apud LICHOTE, 2012, s/p.)
A capa era uma audacioso projeto gráfico, onde dois círculos se uniam
formando um frente verso. A imagem de Gil ainda criança emoldurado pelo
aro de uma tábua de jogo de ifá e sobre ele apenas o numero 2222 e o nome
34 O Globo, 11/11/2012 artigo de Leonardo Lichote sobre os 40 anos do álbum -
relançamento em versão digital.
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do artista com uma tipologia de poesia visual na cor vermelha. No verso da
capa uma composição concêntrica de círculos e quadrados que
desdobravam ao infinito. Nuvens e astros celestes promoviam um efeito
óptico mítico e sideral sobre fotos em transparência dos integrante da banda.
Esta capa revela a necessidade de experimentação do artista inserida
nas mídias de massa. O gosto pela produção em série, através da produção
de gravuras é presente em sua obra incentivada pelo contato do artista com a
poesia concreta. Edinízio reunia uma grande talento e fartura técnica para o
desenho e para as técnica de impressão, seguida de uma liberdade poética
onde combinava elementos da cultura popular nordestina com o repertório
urbano das grandes metrópoles brasileira. As ideias de Lina Bo Bardi em
relação aos rumos da arte brasileira habitavam o seu universo criativo.
Edinízio teve mais contato com a arquiteta em São Paulo do que no seu
período que esteve na Bahia.
Uma outra vertente de sua obra que merece destaque é a criação de
figurinos e cenários. Edinízio e Dicinho foram ativos colaboradores da famosa
boutique Ao Dromedário Elegante da estilista Regina Boni.
Fig. 26 - Fachada da boutique Ao Dromedário Elegante. Foto arquivo de Regina Boni s/d. São Paulo
Edinízio e Dicinho se desdobravam trabalhando na produção de peças
gráficas e também atuando como modelos para editoriais nas revistas. As
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bases para um novo conceito de vestir eram criadas nesse universo de trocas
intensas com os artistas. A revolução deveria ser vestida também, saído das
teorias dos livros e invadindo as ruas. Vestir é ato mágico, como sugeriu
Hélio Oiticica. A moda mutante do Dromedário Elegante refletia no
comportamento da juventude reafirmando a ideia que a roupa é um
prolongamento do corpo sendo uma construção estética e ideológica. Regina
Boni em um depoimento para a publicação do SESC em homenagem à
Tropicália revela:
(...)O tropicalismo é antes mais nada um bicho de sete cabeças, arquetípico, faminto e esplendoroso, que habita as águas profundas deste pequeno universo de todos nós. Um bicho lindo, alegórico, feito de isopor e purpurina, cujo dramático destino é desafiar eternamente. (...) Não eram Roupas, mas uma espécie de organização do delírio, ou melhor, uma declaração de amor e felicidade em estado bruto, como alto teor de pureza.(...) Dromedário acabou em 69. Tínhamos nos dispersado. Caetano e Gil exilados em Londres. Waly sumido, Gal no Rio, Hélio em Nova York ; Torquato morreu, Edinizio desaparece, Rosão e Péricles também se foram para longe. Deixei que morresse por asfixia e não sinto remorsos nem saudades.35 (BONI, 1987,s/p)
Desta época ainda não encontramos nem uma peça original produzida
pelo artista. Temos uma ideia das suas produções através de relatos de
familiares e do próprio Dicinho. Um figurino para Caetano Veloso no PHONO
73, e um importante editorial para revista Manchete.
35 BONI, Regina. Tropicália 20 anos, SESC, 1987
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Fig. 27 - Editorial de moda para revista Manchete, s/d - Ao Dromedário Elegante. Dicinho de cachecol e Edinízio de xale.
A série de desenhos preparatórios para o álbum, não concluído,
FRUTOS DE MI TERRA, foram encontradas em diferentes acervos.
Realizado em diferentes tipos de papel, em lápis e canetas Hidrocor, nas
dimensões A-3, provavelmente realizadas entre 1971 a 1974 para a empresa
de serigrafia Kompass que tinha como diretor de arte o Crítico de Arte Harry
Laus, que em 1974, inaugura a Kompass Cultura Galeria de Arte com uma
exposição coletiva em que Edinízio participa.
A temática dessa série está relacionada ao livro de poemas de André
Gide Les Nourritures Terrestre (lançado em português como Os Frutos da
Terra). Este livro marca profundamente o artista, que se identifica com o
lirismo libertário e sensual do autor, a partir da conexão com as ideias de
Gide, de acordar os sentidos para a matéria, os elementos naturais, a
sensualidade da vida relacionada os ciclos da terra, pelas colheitas, pelos
frutos e por tudo que se relaciona com o carnal, um hino de sensualidade
poética.
A primeira prancha do álbum representa o torço de um homem em
posição frontal, sua cabeça é substituída por uma grande jaca. Um fruto
tropical que fascinava o artista, não apenas pelo seu sabor, como também
pela sua cor e rico padrão visual da sua casca. A imagem nos remete às
101
pinturas metafísicas do René Magritte, em que o autor esconde o rotos de
seus personagens burocráticos com um a figura de uma maçã verde. A
imagem de Edinízio nos convida a pensar em um abordagem mais holística,
um acordar para a natureza tropical que nos constitui. O homem com cabeça
de jaca de Edinízo também nos remete para situações performativas de
hibridações ente natureza e cultura. As outras pranchas elege outras frutas e
leguminosas como: Macaxera/Mandioca/Aipim, Cacau – chocolate, Fruta
pão, Jaca – Cajá, Banana e o Mamão com o passarinho. A organização
espacial da composição combina palavras e imagens ativando sonoridade e
sensações que estimulam novas percepções. Existe uma clara aproximação
da poesia visual e do lirismo indicado pela sua fonte de referência em Gide. A
série nos faz pensar em um álbum de um naturalista contemporâneo,
redescobrindo sensualmente ao acordar de todos os seus sentidos para um
mundo a qual lhe pertence.
Não sabemos se essa pranchas somam para formar uma totalidade da
série. Através de consultas aos proprietários dos desenhos não obtivemos
respostas. Todos os desenhos foram distribuídos entre os irmãos logo após a
sua morte em 1976.
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Fig. 28 - Frutos de mi terra, s/d. Desenho. Hidrocor s/ papel. Dimensões: 38 x 26 cm
Uma outra grande influência na obra de Edinízio é a Poesia Concreta e
o artista Maurits Cornelis Escher. A obra gráfica do artista o fascinava. A
pesquisa por forma modulares e em estado contínuo de transformação
estimulava a sua imaginação. Desdobramentos de padrões geométricos que
se entrecruzavam, promovendo desvios de ordem como em uma alucinação.
É importante destacar aqui que o artista fazia uso regular de alteradores de
consciência, desde as ervas e chás psicoativos até drogas mais fortes como
a heroína. Além disso, como uma grande parcela da sua geração, era adepto
da alimentação macrobiótica e das práticas orientais de meditação e yoga.
Isso pode ser relevante para compreendermos mais o seu processo de
criação. Outro dado que atravessa a sua obra é a questão racial e de gênero.
Edinízio era negro e homossexual e tinha um comportamento combativo em
relação ao preconceito. Não chegou a militar em nenhuma das causas, mas
sua postura frente ao meio social sempre foi ativa, revelando uma
personalidade forte e irada ao sinal de qualquer preconceito.
Em um projeto para serigrafia, Namoro de Negros, o artista cria um
composição com forte teor pop narrativo lembrado uma história em quadrinho.
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Fig. 29 - Namoro de Negros, guache sobre papel milimetrado, 1974.
Com apenas duas cores complementares mais o preto, uma história
de amor é apresentada. Os retratos superiores dos personagem estão unidos
por uma vibração concêntrica de um coração revelando a grande emoção
das partes. Na região central, closes dos olhos e do beijo como o anúncio
preliminar dos torços nus que se seguem. A base da composição é o
entrelaçamento das mãos que remetem a um abraço perfumado de rosas
vermelhas. Essa obra se destaca no repertório temático da produção da
chamada arte afrobrasileira pelo seu caráter profundamente romântico e
sensual. O tema de amor entre negros foi pouco explorado pelos artistas
brasileiros.
Uma pintura sobre tela que gostaria de comentar é o jogo das cabeças
Cabaças, uma obra de 1972. A composição se organiza no encache de
quatro cabaças, onde o centro é formado pelo encontro da parte superior das
mesmas sobre um circulo vermelho. Um arranjo de grande inteligência visual
onde a precisão formal remete as conquistas da arte geométrica brasileira.
Mas não é só o sentido construtivo, a imagem nos remete para um mundo
mítico de um Brasil profundo.
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Fig. 30 - Cabaças, óleo sobre tela, 1972.
A cabaça, esse fruto grande da ávore cabaceira, que após seco é
limpo, se presta com recipiente de líquidos e outro matérias domestico, é
amplamente utilizado no Nordeste do Brasil. Tendo fortes relação com as
culturas indígenas e africanas a cabaça miticamente está associado a um
receptáculo onde se guarda a sabedoria e a própria existência. As cabaças
pintadas por Edinízio revelam seu interior a partir de cortes circulares
apresentando uma engrenagem de signos. Associados às cabeças rementem
ao conhecimento e a memória, que, na obra, reverbera sobre um universo
em azul.
Adilson Costa Carvalho, Dicinho, nasceu em 9 de janeiro 1945 na
cidade de Jequié, ele começou a fazer arte com o seu pai Lourival Carvalho
conhecido como Vavá, que nasceu no dia 5 de janeiro, e, segundo a cabala,
os nascidos nesse período são dotados de uma criatividade impressionante.
O artista nos conta que o pai era um pintor mas uma espécie de inventor
Ele era um inventor. Se precisasse um bule para a minha casa, ele pegava os materiais, soldava e fazia um bule. Então, ele tinha uma praticidade e eu fui vendo aquilo, mas nem se falava em escultura ou pintura. Lá em casa a gente nem tratava disso. Ele fazia isso para poder auxiliar na renda da casa pois éramos uma família muito humilde, pobre. Então, para auxiliar, ele fazia os móveis da casa e aquilo foi me fascinando. (DICINHO, entrevista, 2014)
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Essa habilidade em trabalhar diversos materiais com inventividade irá
marcar o futuro trabalho artístico de Dicinho. As produções de Dicinho e
Edinízio só podem ser compreendidas se foram alocadas dentro de um
contexto de intensa inquietude e invenção . Ambos têm em suas construções
poéticas o apreço pela criação de métodos e procedimentos particulares ao
fazer artístico, instaurando novas faturas com investigação de materiais e
criação de ferramentas – a exemplo das espátulas e tekes feitos com talheres
por Dicinho ou as manchas sobre entretelas inspiradas no método Rorschach
de Edinízio.
Dicinho se revela um exímio artesão ao trabalhar com o couro na
criação de bolsas, sandálias e acessórios. Em 1967, se transfere para
Salvador, montando um atelier no bairro do Pelourinho, junto com um amigo
de Jequié Lula Martins36. Mas, nesse momento, Dicinho também se dedica à
escultura, trabalhando com entalhe em madeira.
Nesse período em Salvador, o artista conhece Edinizio, que já estava
residindo e trabalhando em São Paulo. O encontro marca o início de uma
grande amizade. Edinízio, que já era um artista conhecido pelos jovens
artistas da Tropicália, apresenta-o para o poeta Capinam e, posteriormente,
para sua grande musa: Gal Costa. Esse encontro com a cantora marca a
careira do artista que revela que quando a conheceu ele estava fazendo um
medalhão para uma peça de teatro em Salvador. O adereço constava de dois
lados, sendo que um deles tinha a imagem de Karl Marx e a outo a face de
Tio Patinhas. Gal ficou fascinada pela peça e encomendou outras coisas,
como revela Dicinho:
Quando Gal viu essa coisa, ela disse: eu quero que você faça um cinto para mim. Porque eu trabalhava com o couro. Ela me encomendou um cinto. Aí eu fiz o cinto que era toda uma leitura do mundo que vivíamos, todo desenhado com cenas de jornais, bem assim astronautas... Ela gostou muito do cinto, pois naquela época estávamos passando uma avalanche de querer conhecer tudo, do homem chegando na lua, Pelé era uma ídolo. Então era uma época, muito intensa. E aí, paralelo a essa coisa, a vida que a gente tinha nos obrigava a nos virar com a repressão policial. Eu era meio
36 Lula Martins: Ator, poeta, escultor, diretor, cantor e compositor. Foi protagonista do filme
Meteorango kid- Herói intergaláctico de André Luiz de Oliveira em 1969.
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idealista, pertencia ao partido comunista, e os meus amigos começaram a morrer.37 (DICINHO, entrevista, 2014))
Gal Costa a partir de então elege Dicinho como um grande
colaborador artístico. Futuramente, é convidado para fazer a capa do seu
disco em 1969 assim com acessórios para shows.
Entre 1968 e 1969, Edinízio convida Dicinho para se mudar para São
Paulo a fim de trabalharem juntos em sua casa-ateliê na Consolação. A casa
seria um espaço de encontro onde reuniam muitos artistas e produtores
culturais como Regina Boni, Waly Salomão, Ney Matogrosso, Caetano
Veloso, Gal Costa, Os mutantes, Zé Celso Martinez e muitos outros. A casa
que irá se destacar como um lugar de liberdade e experimentação criativa
também irá abrigar muitos amigos perseguidos pelos militares acusados de
―subversão à ordem‖. Assim, se transformaria em um espaço muito visado
pela polícia e sujeito à diversas revistas. Foram muitas as situações de
tensão que insurgiram sobre os integrantes da casa, mas eles não se
acovardaram.
Fig. 31 - Capa do álbum Gal lançado em 1969
37 Através de textos e informações sobre política enviados por Waly Salomão de Salvador
para os seus amigos de Jequié, no período eles fundam o Partido Comunista da cidade.
107
Em 1969, Gal Costa convida Dicinho para fazer a capa do seu álbum
Gal. O disco traz a famosa faixa Meu nome é Gal , composta por Roberto e
Erasmo Carlos, cuja a letra traz um trecho em recitativo que a cantora fala:
Meu nome é Gal, tenho 24 anos Nasci na Barra Avenida, Bahia Todo dia eu sonho alguém pra mim Acredito em Deus, gosto de baile, cinema Admiro Caetano, Gil, Roberto, Erasmo, Macalé, Paulinho da Viola, Lanny Rogério Sganzerla, Jorge Ben, Rogério Duprat, Waly, Dircinho, Nando, E o pessoal da pesada E se um dia eu tiver alguém com bastante amor pra me dar Não precisa sobrenome Pois é o amor que faz o homem."
O trecho da canção apresenta uma declaração de carinho da cantora
por diversas pessoas que admirava. Dicinho consta na seleta seleção.
A capa que desenvolveu para o disco traz uma imagem intrigante, um
misterioso retrato da cantora pintado com uma cor verde musgo e com a
grande cabeleira que abriga animais, seres metafísicos e monstros. Um
desenho realizado com lápis Caran D‘Ache em um jogo subliminar contra a
censura repressiva, traduzia um leão com olhos esbugalhados, diretamente
ligado ao signo do zodíaco da cantora, convive lado a lado com dedos
arredondados que apertam o espírito etéreo de um ser indefinido.
A obra aponta para a aspereza de um psicodelismo em transe rastafári -
tradutor de uma exuberância criativa mestiça e livre de obstáculos, que
engendra um sotaque visual nômade articulando outras rotas de erupções
estéticas, oriundas de um trânsito entre Jamaica, Suriname, São Luiz do
Maranhão, Canoa Quebrada e Arembepe. Tal imagem nos convida a pensar
em uma visualidade fruto de encontros mestiços, de ―marchetarias instáveis‖
que só podem ser percebidas a partir um exercício pelo víeis decolonial.
Observamos como um desejo internacional hippie enquanto projeto de vida
se reconfigura em um mosaico sob o sol e os sabores tropicais, se
relacionado também às possibilidades de alterações de consciência, às
religiosidades afro-indígenas e orientais.
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Nesse momento Dicinho, é apresentado ao casal Pietro e Lina Bardi
por Eugênio Hirsch, que era capista da José Olympio Editora e havia o
conhecido no Rio. Ele narra como foi inusitado o encontro com o casal na
Casa de Vidro e como a empatia com o casal foi imediata:
quando eu conheci Dona Lina, Eugênio disse eu faço questão que ele dance aqui para vocês verem. Bardi comentou com Ednízio: mas aqui na minha casa, aqui não dar para dançar. Não, não... Eugênio disse: mas eu trouxe ele do Rio só para mostrar esse menino dançando. Ele também é artista plástico. Aí, quando eu dancei, Bardi gostou muito e Dona Lina também.(...) Sr. Bardi pegou o equivalente a 3 mil reais e colocou em meu bolço e disse aqui é para pagar o espetáculo de dança que você me proporcionou.(...) Dona Lina me disse que queria se encontrar comigo para a gente fazer uma exposição. Eu disse que eu nem tinha trabalhos. Ele me disse: não me interessa, vamos fazer. Você sabe como é um santo bater com o seu? Era eu e Dona Lina. Ai eu fiz uma exposição no Museu de Arte de São Paulo chamada A anunciação que era um tributo a James Dean.
Dicinho nos contou detalhes do seu primeiro trabalho com Lina. Ele
propôs para ela a realização de uma performance que contava com uma
dança ritual com um grande bode que berrava muito alto e vomitava. A
proposta não agradou Pietro que achou abusivamente estranha para ser
apresentada no MASP. Lina então propôs a Dicinho realizar o evento no
Circo Piolin, que 1972 estava montado sob o vão livre do Museu, devido
comemorativo aos cinquentenário da Semana de Arte Moderna. Dicinho
adorou a ideia e organizou uma grande performance e uma exposição que se
chamava Anunciação. A mostra causou grande comoção ao público. A partir
do sucesso do evento, a parceria entre os dois foi grande e sempre marcada
de ludicidade. Os seus amigos não compreendiam o por que de uma mulher
tão importante e famosa reservasse para ele tanta atenção.
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Fig. 32 - O Bode escultura 1972 de Dicinho, do época com Lina em São Paulo
Seguiram outras exposições com curadoria ou consultoria de Lina. Não
temos muitas informações sobre as mostras e o currículo de Dicinho não é
organizado com os registros das datas. Ele não se lembra muito bem quando
consultado. Aproximadamente em 1975, ele realiza a exposição Fragmentos
Fragmentos, na Capela do Solar do Unhão no Museu de Arte Moderna da
Bahia. Ao consultar os registros das exposições do museu no período, não
encontramos nenhuma informação sobre o evento. Dicinho nos informa que a
mostra, não oficialmente, inaugurava a capela como espaço expositivo, dai a
falta de registro. A exposição era organizada com a apresentação de várias
cenas sobre o vasto leque das emoções humanas: ira, rancor, mágoa, etc e
que todos os objetos eram construídos com materiais reciclados recolhidos
do lixo, palitos de fósforo, caixas de papelão, latas, entre outros. O evento
culminava com um intensa performance solo de dança iluminada por
candeeiros populares do tipo fifó. O artista realizava um poderoso ritual em
tributo a Janis Joplin, recentemente falecida.
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Fig. 33 - Exposição Animais no Sesc Pompéia em São Paulo,1980
Em São Paulo, no ano de 1980, Lina monta duas exposições do artista:
Animais no Sesc Pompéia e Espaço Aberto no Sesc Vila Nova. As peças
apresentadas eram compostas por esculturas e relevos, de diversos animais
realizada com a sua original Massa Copageti. Tal técnica é uma mistura de
polpa de papel com gesso e cola. A superfície das peças lembram a da
cerâmica. Polidas e regulares serviriam para as suas intervenções de pintura.
A pintura sobre suas esculturas funcionam com um pele, uma camada
profundamente complexa e minuciosamente realizada criando padrões
geométricos repetidos e organizados de forma hipnótica. Em determinados
momentos, nos faz lembrar a pintura corporal dos indígenas brasileiros
combinada em alguns casos com as influências de Fernand Léger sobre a
obra da Tarsila do Amaral.
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Fig. 34 - A cabra, escultura pintada de Dicinho.
As ferramenta para a realização da pintura são todas criada pelo artista.
Desde os pinceis de um único fio até uma série de pequenos carimbos
confeccionados a partir de alumínio reciclado de latas de refrigerantes e
borracha de sandálias.
No texto para o catálogo da exposição Espaço Aberto no Sesc Vila
Nova em 1980, Antonio Risério sintetiza
Dicinho é um criador visual. A expressão ―artista plástico‖
cobre apenas uma pequena faixa do largo espectro da
criação visual, e a verdade é que Dicinho passeia livremente
nos campos do visível. Ele tanto participa de exposições
coletivas e individuais de pintura quanto transa o visual do
show de Gal Costa no Teatro Oficina; tanto cria a capa do
disco de Moraes Moreira quanto desenha para as revistas
Realidade, Planeta e Pop, e os jornais Flor do Mal, Verbo
Encantado e Jornal da Tarde; tanto ministra um curso de arte
na Bahia quanto participa da execução dos figurinos da peça
Na Selva das Cidades, dirigida pelo Zé Celso Martinez, etc.
Além de dançar, é claro. E de construir bichos, espelhos,
camas, frutas, etc, servindo-se das mais variadas técnicas e
linguagens, invariavelmente projetadas em formas orgânicas.
(RISÉRIO, 1980, s/p.)
112
O texto de Risério é bastante eficiente em apresentar as múltiplas
qualidades artísticas de Dicinho. Sendo necessário destacarmos aqui uma
característica na sua obra que a torna singular: a relação entre valores
pictóricos e tridimensionais. O artista promove um perfeito encontro entre a
pintura e a escultura.
A sua obra Macaco nos toma pela impressionante capacidade de articulação
entre essas duas linguagens expressivas. Geralmente, a pintura sobre
escultura é praticada com o objetivo de reforçar a sua volumetria pela o uso
da cor. No caso de Dicinho a obra figurativa tridimensional se justaposição
pela bidimensionalidade de uma superfície pintada com padrões figurativos.
São duas obras que podem existir independentes uma da outra. Mas no seu
processo elas coexistem de forma surpreendente. Há uma convívio que
reúne as duas dimensões visuais, afim de gerar um terceira unitária. Não se
trata de uma decoração meramente estética, percebemos uma
simultaneidade de agência. Ou seja, a pintura age sobre a escultura e a
escultura age sobre a pintura de forma a promover as suas eficácias,
ampliando suas potências. No corpo do macaco, se descortina um mundo
figural, absolutamente tropical. Uma narrativa mítica que fala do seu mundo
natural. Reunindo em seu corpo a exterioridade da floresta onde vive.
Fig. 35 - Macaco escultura pintada, 90 x 60 x 20 cm s/d.
113
Rogério Duarte, ao analisar a obra do amigo, que ele considera ser O
Ágora da Tropicália, também chama atenção para multiplicidade criativa e
fala de seus líquidos caminho que vão: ―(...)desde vanguarda erudita do
modernismo à arte popular. Desde Ismael Neri, Volpi, Tarcila à cerâmica
nordestina de Vitalino e a escultura religiosa afro-brasileira.(...)‖ (DUARTE,
s/d, s/p.)
Pensar os mistérios desses dois artistas conjuntamente é também
estabelecer um reencontro. Reencontro de uma maneira distinta. Primeiro,
pela presença-ausência de Edinízio, desaparecido desde 1976 nas águas de
Búzios, no Rio de Janeiro, e nunca encontrado. E depois pela confluência
face a face dos universos poéticos desses dois artistas, que ainda habitam o
campo de uma invisibilidade cruel e injusta.
Fig. 36 – Dicinho, terceiro da esquerda para direita (cima) posa para editorial de
moda da Arp
Ambos artistas resistem ao tempo. Basta pensar nas obras de Edinízio -
reunidas com a ajuda da família e de amigos e restauradas para participar da
3ª. Bienal da Bahia. Ou encontrar Dicinho que traz ainda hoje nos trabalhos a
obsessão fabulosa e cromática presente em cada ponto gravado
individualmente em suas peças escultóricas.
114
Como sugeriu Dermerval Ribeiro (RIBEIRO, 2014) sobre Edinízio, e que
temos a ousadia de estender aos esses dois personagens da cena
tropicalista deste momento, são artistas insubmissos. Que a mesma nebulosa
criativa que perpassam as constelações artísticas de Edinízio Ribeiro Primo e
Dicinho possa, a todo vapor, nos contaminar.
115
CONSIDERAÇOES FINAIS
Inicialmente, a pesquisa foi pensada como uma grande revisão sobre
alguns discursos a respeito de projetos de civilização que contribuíram para
uma visão da arte nordestina e, mais especificamente, a arte baiana. Essa
tese foi realizada assentada em várias perspectivas e discursos, sobretudo,
os mais ignorados dentro de um sistema acadêmico. Ou seja, demos
preferência por apostar em estratégias que promovem um desmonte crítico a
respeito das verdades absolutas no campo das artes. A partir de diversas
discursões sobre projetos e utopias que tem intenções civilizatórias,
reconhecemos as implicações sociais de falas referentes à construção da
experiência cultural e histórica da arte do Nordeste e como elas foram e são
proferidas a partir de tensões políticas e culturais locais.
Ressaltamos a necessidade de revisitar os discursos sobre os cenários
artísticos e praticarmos um processo desmistificador da própria história da
arte - uma disciplina que, na maioria das vezes, ainda é exercida a partir de
experiência externas às diversidades culturais brasileiras. Aprendemos
também como pensar nossas experiências locais rejeitando leituras
generalistas e reducionistas. A intensão permanente de se interrogar e tentar
lançar um olhar com maior criticidade à história da arte perpassou todo o
nosso processo. O que são os Nordestes? Como são suas civilizações?
Como elas são construídas? O que são as artes produzidas neles? O que se
fala e o que se escreve sobre elas?
Durante a realização da pesquisa, fomos atravessados pelo o convite
feito ao autor desta tese para compor o time de curadores da, já histórica, 3a
Bienal da Bahia. O convite formal feito pelos organizadores foi imediatamente
aceito. Era a chance das pesquisa já iniciadas no início de 2010 sobre arte
baiana e nordestina saltarem da esfera teórica para resoluções curatoriais
práticas. Vivenciamos um contexto muito favorável para se trabalhar temas e
repertórios ainda pouco explorados. Um desafio em vários sentidos, primeiro,
por realizar todo um trabalho de pesquisa sem muita estrutura financeira,
segundo, porque o universo de uma produção fragilizada pelo sua condição
marginal é de difícil organização.
116
Assim, em 2014 o Governo do Estado da Bahia, através da Secretaria
de Cultura e do Museu de Arte Moderna, retoma o projeto da Bienal da Bahia,
interrompido há 46 anos após o seu fechamento em 1968 pelo Regime Militar.
O então governador do Estado Jaques Wagner, a partir de um decreto lei,
institui a realização da 3a Bienal da Bahia. Foi criado um conselho da Bienal
para definir o regulamento e o projeto curatorial do evento.
Os membros do conselho decidiram que a 3a Bienal da Bahia deveria
retomar seu projeto, interrompido pela ditadura militar. O projeto curatorial
teve como tema a seguinte indagação: É Tudo Nordeste? A questão
formulada pela 3a Bienal da Bahia se interroga sobre os processos
constitutivos da experiência cultural e histórica do Nordeste a partir da
perspectiva baiana e seu diálogo com o Brasil e a experiência universal.
O retorno da Bienal indica um trabalho de dever com a memória em
relação às intenções do projeto original, retomando percursos criativos que
foram severamente descartados ou ignorados. O evento ativou muitas ações
investigativas sobre a produção artística da Bahia e do Nordeste das décadas
de 1960 e 1970. Um dos maiores méritos da 3a Bienal foi a realização de um
amplo levantamento de dados sobre essa produção.
É necessário pontuar, portanto, que as políticas culturais e as imagens
sobre a Bahia e o Nordeste continuam em disputa. A 3a Bienal da Bahia,
ainda que trabalhasse de forma institucionalizada, haja vista sua vinculação
com o governo estadual, foi uma experiência que catalisou processos de
discussão sobre as potências políticas que as artes possuem no estado.
Apostou em diversas iniciativas que estavam longe do cânone, como uma
forma de disparar novos processos de produção e reflexão sobre a arte. A 3a
Bienal da Bahia consistiu numa interessante plataforma para refletir como as
formas de agenciamento das artes podem não somente reforçar a ordem
vigente, mas também provocar fissuras em seus processos.
A 3a Bienal da Bahia se articula com os processos deste trabalho na
medida em que traz consigo um acúmulo histórico e poético de diversos
artistas que passaram 46 anos calados pelos regimes didatoriais e também
pelos sistemas de arte. Reconhecemos a importância do trabalho da Bienal,
no sentido de dar espaço a um universo de artistas de grande valor que ainda
permanecem inteiramente desconhecidos e negligenciados pela própria
117
história da arte na Bahia. Assim, esta pesquisa embasou a realização de
projetos expositivos e relacionais de forma monográfica sobre a obra de
artistas trabalhados aqui como Edinízo, Dicinho e Rogério Duarte.
Assim, devemos ressaltar que durante os 100 dias de atividade, a
Bienal foi capaz de reunir artistas de diferentes linguagens e gerações, mas
que tinham como elo o desejo de entender a arte como um propagador de
novos modos de vida e arte – consistindo numa alternativa interessante de
observar e questionar os modos de produção artística e suas políticas
culturais.
Os impactos da Bienal continuam acontecendo, a exemplo da
publicação de diversas teses e dissertações que estão pautadas em
experiências internas e externas de quem construiu ou participou da Bienal.
O fato da organização de exposições com artistas antes não vistos por boa
parte do público contribui também no despertar para novos processos de
investigação sobre essas poéticas. De tal modo, é importante situar as obras
desses artistas não como estruturas fixa e impenetráveis, mas sim, como
materiais que são capazes de gerar novas interpretações sobre esses
processos históricos.
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