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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia POLÍTICA CRIMINAL E SISTEMA PRISIONAL: A ATUAÇÃO DOS PSICÓLOGOS NAS PRISÕES PARAIBANAS Rebecka Wanderley Tannuss Natal 2017

POLÍTICA CRIMINAL E SISTEMA PRISIONAL: A ATUAÇÃO … · possível sem vocês. ... A Nara, minha menina astronauta, por me ensinar o que é coragem, ... regime e livramento condicional

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

POLÍTICA CRIMINAL E SISTEMA PRISIONAL: A ATUAÇÃO DOS PSICÓLOGOS

NAS PRISÕES PARAIBANAS

Rebecka Wanderley Tannuss

Natal

2017

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Rebecka Wanderley Tannuss

POLÍTICA CRIMINAL E SISTEMA PRISIONAL: A ATUAÇÃO DOS PSICÓLOGOS

NAS PRISÕES PARAIBANAS

Dissertação de mestrado elaborada sob a orientação da Profª

Drª Isabel Maria Farias Fernandes de Oliveira e apresentada

ao programa de Pós-Graduação em Psicologia da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como

requisito parcial à obtenção do título de mestre.

Natal

2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes -

CCHLA

Tannuss, Rebecka Wanderley.

Política criminal e sistema prisional: a atuação dos

psicólogos nas prisões paraibanas / Rebecka Wanderley Tannuss. -

2017.

189f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande

do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa

de Pós-Graduação em Psicologia, 2017.

Orientador: Prof.ª Dr.ª Isabel Maria Farias Fernandes de

Oliveira.

1. Criminologia Crítica. 2. Política Criminal. 3. Sistema

Prisional. 4. Trabalho do psicólogo. I. Oliveira, Isabel Maria

Farias Fernandes de. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 159.9:343.2(813.3)

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Ciências Humanas Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A dissertação “Política Criminal e Sistema Prisional: A Atuação dos Psicólogos nas Prisões

Paraibanas”, elaborada por Rebecka Wanderley Tannuss, foi considerada APROVADA por

todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em

Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM PSICOLOGIA.

Natal/RN, 22 de agosto de 2017.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Isabel Fernandes de Oliveira (Presidente) _________________________________

Profa. Dra. Candida de Souza (UFRN) ____________________________________________

Prof. Dr. Nelson Gomes de Sant’Ana e Silva Junior (UFPB)____________________________

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Nada é impossível de mudar.

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é

de hábito como coisa natural, pois em tempo de

desordem sangrenta, de confusão organizada, de

arbitrariedade consciente, de humanidade

desumanizada, nada deve parecer natural, nada

deve parecer impossível de mudar.

Berthold Brecht.

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Aos meus pais, Sandra e Yussif, com

todo meu amor e dedicação.

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Agradecimentos

A Deus, por tudo que conquistei.

A mainha e painho, Sandra Wanderley e Yussif Tannuss, e irmão, Yussef, sinônimos de

amor e motivos pelos quais continuo e continuarei lutando sempre. Serei eternamente grata por

tudo que me foi proporcionado, principalmente, por todo amor e dedicação incondicional. Por

me ensinarem que, mesmo diante de todas as lutas diárias, não devemos perder a doçura e nem

desistir diante dos desafios. Por abrirem mão de tanto, sem qualquer questionamento, sempre

acreditando e torcendo pela realização desse mestrado. Que eu possa retribuir com a mesma

força, generosidade e carinho sempre. Essa conquista é nossa e, com toda certeza, não teria sido

possível sem vocês.

Ao meu companheiro Igor, por todo amor, carinho e compreensão durante esses 7 anos

de união. Pela simplicidade e leveza com que me ensina a levar a vida, por conseguir, diante de

todos os sacrifícios, enfrentar com doçura, serenidade e companheirismo todos os momentos

durante essa caminhada juntos. Por ser capaz de transformar a distância e a saudade das partidas

em sorrisos e abraços de chegada. Por nunca deixar de me incentivar, por acreditar e dividir

comigo sua vida e seu amor. Por ser meu porto seguro.

A Isa, por ter me recebido de braços abertos e com tanto carinho como sua orientanda.

Por ter conseguido, em meio a tantos afazeres, se desdobrar e se fazer sempre presente todas as

vezes em que foi preciso. Por ter me orientado, com tanto afeto, respeito e paciência na

construção dessa pesquisa. Por ter acreditado, defendido, construído comigo esse trabalho e ter

sido a melhor orientadora que eu poderia ter.

A Nelson, por ter segurado na minha mão durante a graduação e, com toda generosidade

e paciência do mundo, me guiado nesse percurso acadêmico que venho trilhando, sendo um dos

principais responsáveis pelo meu crescimento. Por ter sido orientador, professor, advogado e

amigo durante essa caminhada. Pelo cuidado, atenção e, principalmente, por todos os

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ensinamentos. Por ter depositado em mim tanta confiança e partilhado comigo, de forma tão

generosa, a coordenação do LAPSUS. Gratidão! Por tudo.

A todos os meus amigos, representados aqui por Carol Sobchacki, que estiveram comigo

durante esses anos, por todo companheirismo, pelas risadas compartilhadas e por toda torcida

durante a construção desse trabalho. Em especial, a Lorenna, Nira, Pedro, Henrique, Igor, Carla,

Filipe, Matheus e Natália.

A Roza, Ítalo, Hirla, Vanessa, Reiron, Pablo, Lucas e Kimy, pela amizade de tantos

anos, que só tem se fortalecido com o tempo. Pelo apoio, pela torcida e por compartilharem

comigo todas as conquistas que alcancei. Sou muito grata por ter amigos tão leais e por dividir

com vocês esse momento.

As minhas flores mais lindas que o mestrado me proporcionou conviver. Allana, Luna,

Mari e Roberta, minha imensa gratidão por todos os sorrisos, lágrimas, angustias e vitórias

compartilhadas. Gratidão às meninas de Natal, por me receberem de braços abertos com tanto

amor e cuidado todas as vezes que precisei e por me fazerem me sentir em casa. Gratidão

também a Roberta, irmã da terra paraibana, por ser minha companheira de estrada e por todas

as sábias palavras que tanto me confortaram durante esses dois anos. Meninas, vocês são

verdadeiros presentes que essa caminhada do mestrado me proporcionou.

A Renata, por me inspirar enquanto mulher e profissional, por ser uma amiga tão

querida. Por todo cuidado, pelas palavras de carinho e, ao mesmo tempo, tão cheias de força

que sempre me impulsionaram, confortaram e tanto me ensinaram. Por tornar as viagens entre

João Pessoa e Natal mais leves, divertidas e tão cheias de amor.

A Nara, minha menina astronauta, por me ensinar o que é coragem, por mostrar que

amor é proteção e, assim, me cuidar com sorrisos. Por estar ao meu lado sempre durante essa

caminhada, me dando força e vibrando com cada conquista minha como se fosse sua. Por ser

poesia na minha vida.

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A Isadora, musa inspiradora de inteligência, beleza e força, pela amizade sincera,

conversas, caronas, risadas e parceria infinita. Por ser minha companheira de viagens, aventuras

e de vida. Por ter me escutado, acolhido e consolado com toda paciência e serenidade nos

momentos em que precisei. Por estar sempre presente e ser luz na minha vida.

A Ellen, minha amiga-irmã, por ser o pedaço mais importante da minha graduação que

permanece comigo e me mostra, diariamente, o verdadeiro significado de amizade e lealdade.

Por estar pronta para me receber e me ouvir todas as vezes em que precisei, por ser segurança

e calmaria em meio a toda correria e desafios da vida. Pela generosidade e por todo

companheirismo.

A Felipe e Ivo, pela amizade sincera e por todo carinho. Por me lembrarem, em cada

encontro, que não estou só e por vibrarem a cada conquista minha.

A todas e todos do LAPSUS, por terem me acolhido e possibilitado meu crescimento

profissional e pessoal. Por me ensinarem que é possível e necessário lutar por um mundo mais

justo. Por tornarem o LAPSUS espaço de formação, de resistência e, principalmente, de

construção de afetos e grandes amizades. Gratidão por construírem comigo essa dissertação.

Ao Grupo de Pesquisa Marxismo e Educação e ao GT de Políticas Sociais pelos

encontros, conhecimentos compartilhados e por terem me recebido com tanto carinho e me

auxiliado durante minha permanência em Natal.

Aos professores e toda a equipe que compõe a Secretaria de Pós-graduação em

Psicologia da UFRN, por todo cuidado, esclarecimentos e tempo dedicado a nós estudantes.

A FAPERN/CAPES, pela concessão da bolsa de estudos que tornou possível a

realização dessa pesquisa.

Por fim, aos psicólogos que participaram da pesquisa e contribuíram imensamente para

a construção dessa dissertação. Todo o meu respeito aos que trabalham no sistema prisional e

que, mesmo com a perversidade do cárcere e de seu funcionamento, conseguem se manter

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firmes na defesa pela garantia de direitos dos presos e seus familiares. Desejo que nunca lhes

falte força, sabedoria e muita resistência.

Foi com muito amor e gratidão que escrevi esse trabalho que também é de vocês.

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Lista de Tabelas

Tabela 1: Perfil dos profissionais – Formação.........................................................................106

Tabela 2: Condições de trabalho..............................................................................................111

Tabela 3: Equipes de Saúde necessárias para instituições que possuem entre 301-700

custodiados..............................................................................................................................121

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Lista de Siglas

CEDH Conselho Estadual de Direitos Humanos

CFP Conselho Federal de Psicologia

CNPCP Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

CRDH Centro de Referência em Direitos Humanos

CREPOP Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas

CRP Conselho Regional de Psicologia

CTC Comissão Técnica de Classificação

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FLACSO Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais

INFOPEN Sistema Integrado de Informações Penitenciárias

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada

LAPSUS Laboratório de Pesquisa e Extensão em Subjetividade e Segurança Pública

LEP Lei de Execuções Penais

NECVU Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana

PNAISP Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de

Liberdade no Sistema Prisional

PNPCP Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária

PNSSP Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário

PRONASCI Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

SEAP Secretaria de Administração Penitenciária

SUS Sistema Único de Saúde

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UFPB Universidade Federal da Paraíba

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

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Resumo

A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar a atuação do psicólogo no sistema

prisional paraibano, bem como, relacioná-la com a política criminal vigente. Para tanto, foram

elencados como objetivos específicos: mapear e caracterizar o trabalho dos psicólogos nas

instituições prisionais paraibanas; investigar as relações existentes entre a política criminal e a

atuação dos psicólogos junto às instituições prisionais. No tocante ao método, foram realizadas

10 entrevistas semiestruturadas e individuais com psicólogos que trabalham nos presídios da

Paraíba. A análise dos dados foi realizada a partir do referencial teórico da Criminologia Crítica,

perspectiva de enfoque materialista e que se propõe a estabelecer uma análise radical dos

mecanismos punitivos e das reais funções do sistema penal. Os resultados obtidos confirmaram

a realidade já esperada: prisões superlotadas; péssimas condições de infraestrutura;

insalubridade; inúmeras violações aos direitos humanos. No que tange aos profissionais, esses

se inserem no sistema prisional paraibano por meio de equipes de saúde, cujo trabalho tem se

voltado, de modo geral, para acompanhamentos individuais, realização de testes rápidos de

saúde e atividades pontuais. Além disso, os psicólogos também têm a prática voltada para a

construção de documentos que subsidiam decisões judiciais relacionadas à progressão de

regime e livramento condicional. As entrevistas apontaram para a prevalência do modelo

clínico de atuação com discursos voltados para culpabilização da família, individualização das

questões que norteiam o cometimento do crime e forte influência das Criminologias Positivista

e Liberal. Notou-se também que a atuação desenvolvida esbarra diretamente nas condições

precárias de trabalho, como a alta demanda, superpopulação carcerária e ausência de

infraestrutura adequada. Por fim, pode-se concluir que a prática do psicólogo dentro das prisões

ainda faz parte de um debate complexo e em construção, com limitações que são potencializadas

pelo ambiente violento e precário. Somando-se a isto, a permanência de práticas que estão muito

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mais se adequando ao modelo tradicional do que ampliando uma análise que se aproxime da

garantia de direitos humanos nos presídios e repense estruturalmente a existência das prisões.

Palavras-chave: Criminologia Crítica; Política Criminal; Sistema Prisional; Trabalho do

psicólogo

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Abstract

This research aims to analyse the psychologist's practice in the prison system in the state of

Paraiba - Brazil, as well as correlate it to the current criminal policy. In order to do so, the

following have been listed as the specific objectives: map and characterise the work of

psychologists in the prison institutions in Paraiba; investigate the existing relations between

the criminal policy and the practice of the psychologists in the prison institutions. As for the

method, ten semistructured and individual interviews were performed with psychologists who

work in the prisons of Paraiba. The analysis of the data was done based on the Critical

Criminology as a theorical framework, which is a perspective that focuses on materialism and

which aims to establish a radical analysis of the punitive mechanisms and of the true functions

of the penal system. The results obtained confirmed the expected reality: overcrowded prisons;

terrible infrastructure conditions; insalubrity; countless violations of human rights. As for the

professionals, they are inserted in the prison system in Paraiba through the health teams, whose

job has been, all in all, to perform individual follow-ups, run quick health tests and do punctual

activities. Besides that, the psychologists also have their practice aimed to the production of

documents that subsidise judicial decisions related to the progression of regime and parole. The

interviews pointed towards a predominance of the clinical practice with speeches that focus on

the culpabilisation of the family, individualisation of the matters that lead to committing a

crime and a strong influence of the Positivist and Liberal Criminologies. It was also observed

that the practice faces obstacles such as precarious working conditions, great demand,

overcrowded prisons and lack of adequate infrastructure. Finally, it can be concluded that the

pratice of the psychologist in the prisons is part of a coplex debate which is still under

development, with limitations which are intensified by the violent and precarious environment.

On top of that, practices keep getting closer and closer to the traditional model rather than

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expanding an analysis that approaches the guarantee of human rights in the prisons and rethinks

the existance of those penal institutions.

Key-words: Critical Criminology; Criminal Policy; Prison System; Psychologist's Practice

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Sumário

Introdução ................................................................................................................................. 18

PARTE I ................................................................................................................................... 25

Capítulo 1: Política Criminal e Segurança Pública .................................................................. 25

Criminologias ....................................................................................................................... 25

As políticas de Segurança Pública no Brasil ........................................................................ 36

Reflexões sobre criminalização da pobreza e seletividade penal à luz da Criminologia

Crítica ................................................................................................................................... 40

Breve histórico da pena de prisão ......................................................................................... 50

A falácia da ressocialização .................................................................................................. 59

Capítulo 2: A Psicologia no Contexto Prisional ....................................................................... 70

Histórico da Psicologia Jurídica no Brasil ............................................................................ 70

Documentos norteadores para a prática do psicólogo no âmbito prisional .......................... 80

As políticas sociais de saúde no sistema penitenciário ......................................................... 89

PARTE II ................................................................................................................................ 101

Capítulo 03: Método ............................................................................................................... 101

Capítulo 4: Apresentação e Discussão dos Resultados .......................................................... 105

Considerações Iniciais ........................................................................................................ 105

Caracterização dos participantes ........................................................................................ 107

Formação profissional ........................................................................................................ 108

Trajetória profissional ......................................................................................................... 112

Condições de trabalho ........................................................................................................ 113

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A prática dos psicólogos nos presídios paraibanos ............................................................ 117

A inserção dos profissionais pela Política de Atenção Integral...........................................118

A Psicologia nas prisões: a produção de “verdades competentes” ..................................... 128

O trabalho do psicólogo mediado pela instituição prisional: as barreiras impostas pela

política carcerária ............................................................................................................... 145

Possibilidades de atuação: resistência e enfrentamento ..................................................... 151

Considerações Finais .............................................................................................................. 155

Referências ............................................................................................................................. 159

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Introdução

A Política Criminal é caracterizada como o conjunto de princípios para a modificação e

reforma da legislação criminal e dos órgãos que se encarregam pela sua aplicação, e abrange

não só as Políticas de Segurança Pública, Judiciária e Penitenciária, mas também o que não é

proposto em lei, como os processos de criminalização permitidos pela sociedade, mantidos

pelas classes dominantes e que muitas vezes não se encontram previstos na legislação (Batista,

2003).

O século XX, com o processo civilizacional e, principalmente, com a nova conjuntura

econômica, influenciou a atuação do Estado que passou a ampliar os sistemas de controle e

investir na segurança individual e coletiva. A ascensão do neoliberalismo1 ampliou seu papel

penal e controlador e, ao passo que o mercado tornou-se instrumento de controle das relações

sociais, o Estado fortaleceu o processo de penalização, assegurando a manutenção das relações

de poder. Nesse cenário, amplia-se um dos instrumentos mais fortes de controle e eliminação

das classes consideradas perigosas, as prisões, que se fortalecem como verdadeiros depósitos

de pobres e negros em resposta às necessidades do atual modelo econômico (Carvalho & Silva,

2011).

Segundo o “Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias”2 (Departamento

Penitenciário Nacional, 2016), o Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo3,

com 622.202 presos para capacidade carcerária de 371.884 vagas, ou seja, um déficit de

250.318 vagas. No geral, os presos possuem entre 18 e 29 anos (55%) e apresentam baixa

escolaridade, apenas 9,5% concluíram o Ensino Médio. Os dados mais alarmantes referem-se

1 Segundo Oliveira (2011, p. 136), o neoliberalismo trata-se de “uma estratégia de dominação da classe burguesa

que desemboca em relações econômicas, sociais e ideológicas”, priorizando a supremacia do mercado em

detrimento dos direitos dos trabalhadores, com propostas de privatização dos bens públicos, a partir da redução do

papel do Estado. 2 Informações referentes ao ano de 2014. 3 Segundo o Conselho Nacional de Justiça (2014), considerando-se os dados referentes às prisões domiciliares, o

Brasil passa a ocupar a terceira posição no ranking de países que mais prendem no mundo, com população

carcerária de 711.463 presos. Considera-se, nesse estudo, apenas as 20 nações mais populosas.

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ao número de pessoas negras presas, 61,67% da população carcerária é negra4, representando

dois em cada três presos. Os dados referentes ao sistema prisional paraibano não diferem do

âmbito nacional. A Paraíba conta com 10.450 presos para capacidade de 7.488 vagas, sendo

77,05% negros e 34% possuem apenas ensino fundamental incompleto.

A partir do Relatório de Visita do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH,

2012), realizado em um dos presídios da Paraíba, nota-se que assim como o quadro nacional,

os presídios paraibanos são marcados pela superlotação, falta de infraestrutura, falta de

higienização das celas, dificuldades para as visitas, falta de assistência médica, etc. Em suma,

o sistema prisional brasileiro e paraibano são o retrato da própria barbárie, marcados por

violências físicas e psicológicas.

Embora registros não oficiais remetam à inserção dos psicólogos no sistema prisional

há mais de 40 anos, foi com a promulgação da Lei de Execuções Penais (LEP, Lei 7.210, 1984),

que instituía a necessidade da realização de exames criminológicos, que o psicólogo começou

a se inserir, apoiado em lei, no cenário prisional (Lago, Amato, Teixeira, Rovinski, & Bandeira,

2009).

Mais recentemente, em 2003, foi criado o Plano Nacional de Saúde no Sistema

Penitenciário (PNSSP) (Ministério da Saúde, 2003) e, em 2014, a Política Nacional de Atenção

Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) (Ministério

da Saúde, 2014), cuja lógica de atenção à saúde está fundamentada nos princípios do Sistema

Único de Saúde (SUS) e tem por objetivo a inclusão da população carcerária no SUS, de forma

a assegurar a eficácia das ações de promoção, prevenção e atenção integral à saúde. A PNAISP

estabelece a criação de equipes de saúde que incluem, dentre os membros das equipes,

psicólogos.

4 Considerou-se o somatório de pretos e pardos.

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Considerando esses dois contextos, tem-se um quadro que de um lado revela um sistema

prisional segregador, preconceituoso e violador e, do outro, algumas ações pontuais que

buscam, pelo menos no discurso, a garantia de direitos, como é o caso da política de saúde.

Complexificando essa relação, a Psicologia, como profissão historicamente distante das

sequelas da Questão Social5 traz para o sistema prisional todos os seus embates acerca do

compromisso social da profissão, dos dilemas em torno da formação profissional, dos modelos

de atuação para o campo das políticas sociais e toda a heterogeneidade que marca essa ciência

e profissão. Ao longo de sua história, a Psicologia se desenvolve em torno da “solução de

problemas de ajustamento” (Lei nº 4119, 1962), com a preocupação de prevenir os “desviados”

que pudessem se opor ao regime da época. É nessa perspectiva de classificação, da ideia de

anormal/normal e da individualização dos sujeitos que o psicólogo se insere no âmbito criminal.

Historicamente, o papel do psicólogo dentro das instituições prisionais esteve,

majoritariamente, voltado para construção de documentos, marcados pela aferição de níveis de

periculosidade e previsão de possíveis reincidências, que pudessem subsidiar decisões judiciais

com relação à remissão ou não das penas (Brito, 2012). Esse debate permanece atual, uma vez

que a LEP (Lei 7.210, 1984), embora sinalize avanços na garantia de direitos, prevê a realização

do exame criminológico, cujo objetivo é subsidiar ao judiciário elementos para avaliação de

possível progressão de regime. Estes documentos são marcados, historicamente, por discursos

preconceituosos e por análises descontextualizadas, acríticas e superficiais.

Mais recentemente e como resultado de todos esses embates, foi construída a Resolução

012/2011, que veda a elaboração de documentos que visem a aferição de periculosidade ou

possibilidade de reincidência, reconhecendo que não cabe a este profissional prever o

cometimento de um crime. Atualmente, a Resolução encontra-se suspensa e sub júdice,

comprometendo a autonomia desses profissionais e indicando a ausência de consenso acerca da

5 Parte-se da concepção de Questão Social como “conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos postos

pela emergência da classe operária no processo de constituição da sociedade capitalista” (Yamamoto, 2003, p. 43).

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atuação do psicólogo no sistema prisional, o que reforça a necessidade de se promover estudos

e debates sobre a temática.

Diante dessas questões, são reconhecidos todos os avanços construídos pela Psicologia,

mas entende-se que há muito a ser feito e que o melhor caminho para a construção de uma

Psicologia mais comprometida com os Direitos Humanos e menos elitista é através da

aproximação com as políticas sociais. No que se refere à prática dos psicólogos dentro das

prisões, essa perspectiva não pode ser diferente. Partindo dessa ideia, esta pesquisa expõe a

necessidade de estudar a atuação dos psicólogos no sistema prisional, verificando as

dificuldades encontradas para exercer a profissão dentro das prisões e, diante dessas

dificuldades, que formas de enfrentamento estão sendo produzidas.

Entende-se que a prisão se construiu como instrumento de controle e adestramento desde

seu surgimento, é inerente a esse dispositivo a violência e o processo de criminalização da

pobreza. Porém, diante das possibilidades existentes e da necessidade de se lutar contra as

violações dentro desse espaço se faz necessário discutir e problematizar a atuação dos

profissionais que ocupam essas instituições, de forma a possibilitar posicionamentos mais

críticos e questionamentos em relação à manutenção da ordem vigente promovida pela prisão

e pelos outros dispositivos de controle.

O interesse em estudar essa temática está relacionado ao meu percurso como

pesquisadora do Laboratório de Pesquisa e Extensão em Subjetividade e Segurança Pública

(LAPSUS). O LAPSUS é um projeto da UFPB vinculado ao Centro de Referência e Direitos

Humanos, composto por estudantes e profissionais da Psicologia, Direito, Serviço Social e

Mídias Digitais, com o objetivo de promover e garantir os Direitos Humanos por meio do apoio

psicossocial aos familiares de presos, da educação em direitos humanos e do monitoramento

das condições do cárcere em João Pessoa. Foi através das atividades neste projeto, durante o

período de graduação, do contato com a realidade prisional e do estudo que pude desenvolver

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no Trabalho de Conclusão de curso, cuja temática abordava as violações sofridas por familiares

de presos nesse cenário, que surgiu o interesse em entender qual o lugar da Psicologia diante

dessas questões e que práticas vêm sendo desenvolvidas por esses profissionais nas unidades

prisionais paraibanas.

O presente estudo, pois, tem como objetivo geral: analisar a atuação do psicólogo no

sistema prisional paraibano, bem como, relacioná-la com a Política Criminal vigente. Para

tanto, foram traçados objetivos específicos que consistem em: (1) mapear e caracterizar o

trabalho dos psicólogos nas instituições prisionais paraibanas e (2) investigar as relações

existentes entre a Política Criminal e a atuação dos psicólogos junto às instituições prisionais.

Esta dissertação encontra-se dividida em duas partes, pela parte I referente à

fundamentação teórica, e parte II referente ao método, resultados e discussão. A

Fundamentação Teórica está dividida em dois capítulos: o Capítulo 1, intitulado “Política

Criminal e Segurança Pública”, divide-se em cinco tópicos: (1) “Criminologias”, o qual situa

que o presente estudo foi construído à luz da Criminologia Crítica, diferenciando essa

perspectiva das outras abordagens criminológicas, entre elas, a Positivista e a Liberal. O

principal objetivo desse tópico é apresentar a Criminologia Crítica e seu entendimento de crime

como um fenômeno que envolve a dimensão política, social e econômica, recusando a lógica

do crime como algo naturalizado; (2) “As políticas de Segurança Pública no Brasil”, que aborda

as principais políticas de segurança pública no Brasil e discorre brevemente acerca da

construção dessas políticas; (3) “Reflexões sobre o processo de criminalização da pobreza e

seletividade penal à luz da Criminologia Crítica”, voltado para questões referentes ao processo

de criminalização da pobreza e a problemática da seletividade penal, apontando para a realidade

das instituições prisionais brasileiras e dos outros instrumentos de controle social. Parte-se do

entendimento que não é possível abordar o sistema prisional sem atentar para esses dispositivos,

tendo em vista o caráter segregador dos presídios brasileiros; (4) “Breve histórico da pena de

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prisão”, no qual discute-se brevemente o histórico da pena de privação de liberdade, apontando

para a função que as prisões desempenham e a sua relação com as necessidades do modo de

produção capitalista, atentando para as mudanças no papel da prisão ao longo dos séculos; E,

finalizando o primeiro capítulo, o tópico 5, intitulado “A falácia da ressocialização ”, faz uma

discussão acerca da proposta de ressocialização no cárcere, os instrumentos utilizados em sua

defesa (como o trabalho e a educação) e a quem ela serve.

O Capítulo 2, intitulado “Psicologia e Sistema Prisional”, divide-se em três tópicos: (1)

“Histórico da Psicologia Jurídica no Brasil: a influência positivista e a construção da figura do

criminoso”, no qual é realizado um breve levantamento histórico da Psicologia Jurídica no

Brasil, discutindo a relação entre a Psicologia e o Direito e sobre qual papel os psicólogos vem

desempenhando dentro desse campo, problematizando a atuação dentro dos presídios; (2)

“Documentos norteadores para a prática do psicólogo no âmbito prisional”, no qual discorre-

se acerca dos principais documentos que regulam a prática dos psicólogos no sistema prisional

brasileiro e as diretrizes ético-profissionais; (3) “As políticas sociais de saúde no sistema

prisional”, no qual são abordadas políticas de saúde no sistema prisional, especialmente a

Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade, que tem

regulamentado a atuação dos psicólogos nas instituições prisionais paraibanas, bem como a

inserção dos psicólogos neste sistema, enquanto profissionais da saúde.

Iniciando a parte II, o Capítulo 3 trata-se do Método, no qual são apresentados o campo

da pesquisa, os participantes, os instrumentos e o método de análise. O Capítulo 4 refere-se à

apresentação e discussão dos resultados coletados, no qual são analisados os dados obtidos a

partir das entrevistas com os psicólogos que trabalham no sistema prisional paraibano,

articulando-os com as temáticas centrais discutidas nos capítulos anteriores, a partir do

referencial teórico da Criminologia Crítica.

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Por fim, é válido ressaltar que esta pesquisa não tem como objetivo a culpabilização dos

profissionais da Psicologia que se encontram inseridos no âmbito prisional, mas sim

compreender a realidade do trabalho nas prisões, como ele vem sendo desenvolvido e atentar

para a complexidade em exercer uma prática dentro de um espaço de ausência de direitos.

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PARTE I

Capítulo 1: Política Criminal e Segurança Pública

Criminologias

“Criminologia é saber e arte de despejar discursos perigosistas” (Eugenio Raul

Zaffaroni).

Nesta seção, pretende-se situar que o presente estudo será realizado à luz da

Criminologia Crítica, diferenciando esta perspectiva das outras abordagens da Criminologia,

entre elas, a Positivista e a Liberal. Serão abordadas, de forma geral, a Ideologia da Defesa

Social, na qual se inserem as perspectivas Liberal e Positivista, e as teorias que buscam o

rompimento com essas perspectivas tradicionais, como a Teoria do Etiquetamento, as Teorias

Conflituais e a Criminologia Crítica. É necessário apontar para a existência de inúmeras

vertentes criminológicas, porém, não é o objetivo do presente trabalho aprofundar o debate

acerca das divergências dessas correntes, mas sim, situar as principais ideias e embates, que

auxiliam na justificativa da utilização da Criminologia Crítica como base para as discussões

presentes nesse estudo.

Dessa forma, o principal objetivo deste tópico é apresentar a Criminologia Crítica de

forma geral e seu entendimento de crime como um fenômeno que envolve a dimensão política,

social e econômica, recusando a lógica do crime como algo naturalizado/biológico. Para tanto,

é necessário um breve resgate para compreender as principais ideias de algumas correntes

criminológicas, atentando para a presença e influência dessas nos estudos e nas práticas atuais.

A Ideologia da Defesa Social

A Ideologia da Defesa Social nasceu junto à revolução burguesa e teve seu conteúdo

disseminado, tanto entre os representantes jurídicos da época, quanto entre cidadãos comuns.

Ela abarca a Escola Liberal e a Escola Positivista, duas correntes do pensamento criminológico

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que, apesar de possuírem diferentes concepções de homem e de sociedade, estão intimamente

ligadas a um modelo em que a ciência jurídica e a concepção geral do homem são inseparáveis

(Ribeiro, 2010). Desse modo, “tal ideologia visava proteger, principalmente, os bens jurídicos

lesados, garantindo o controle da criminalidade em defesa da sociedade mediante a intimidação

(liberal) e a ressocialização (positivista) ” (Silva Junior, 2017, p. 183).

Segundo Baratta (2002), alguns princípios norteiam a Ideologia da Defesa Social: 1) O

princípio da legitimidade, que se refere à legitimação do Estado como instância máxima e única

na punição dos que cometem algum crime. Cabe ao Estado, portanto, toda a responsabilidade e

poder de repressão da criminalidade, sendo esse representado por apenas alguns indivíduos; 2)

O princípio do bem e do mal, que está relacionado à ideia de que a sociedade representa o bem

e qualquer coisa que ameace a ordem e o funcionamento dessa sociedade consiste em um

elemento negativo. O crime, portanto, seria a representação do mal; 3) O princípio da

culpabilidade, que seria a própria reprovação contra aqueles que cometeram algum crime, pois

estes estariam violando os valores e normas da sociedade que, em tese, poderiam ser respeitados

por todos; 4) O princípio da finalidade ou da prevenção, o qual afirma que a pena deve ter,

antes de mais nada, função preventiva, para que o crime não volte a ocorrer; 5) O princípio da

igualdade, referente ao pensamento de que todos os cidadãos são iguais perante a lei, consiste

na ideia de que todos os sujeitos possuem os mesmos direitos e, dessa forma, também os

mesmos deveres, sendo todos julgados, de acordo com a lei, de forma igualitária, independente

da classe que ocupa. Este princípio está relacionado à concepção de que o Estado age de forma

universal, sendo a lei igual para todos; 6) O princípio do interesse social ou delito natural, por

fim, consiste na ideia de que os interesses do direito penal referem-se aos interesses de toda

população, sendo o crime uma violação dos valores e ofensa ao bem-estar de toda a sociedade.

A partir do entendimento dos princípios descritos acima, nota-se a forte influência que

a Ideologia da Defesa Social exerce no aparato-jurídico penal atualmente. Ainda é muito

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presente, dentro do âmbito jurídico, a concepção do crime como representação da violação da

ordem e dos bens essenciais à vida em comunidade, bem como, os discursos que tendem a

mascarar a finalidade real dos mecanismos de controle social, defendendo a ideia falaciosa de

que o Estado tem por objetivo agir igualmente perante as leis e as normas sociais e atuar de

forma equivalente para todas as classes sociais (Ribeiro, 2010).

Criminologia Liberal

A Escola Clássica Liberal, desenvolvida no contexto europeu do século XVIII e início

do século XIX, cujos princípios norteadores foram expostos, tem por objetivo o estudo do crime

compreendido como conceito jurídico, afastando o foco do criminoso e das ideias

patologizantes. Essa perspectiva criminológica, baseada nos pensamentos de Thomas Hobbes,

John Locke e Jean-Jacques Rousseau, tem como principal premissa a defesa da existência de

um contrato social, consensual, no qual toda a sociedade estaria de acordo com os direitos e

deveres de cada cidadão, tendo todos as mesmas possibilidades. Portanto, segundo essa teoria,

todos os cidadãos têm livre arbítrio para decidir se irão ou não cometer um crime, pois o

cometimento do crime estaria associado à uma escolha pessoal (Lopes, 2002).

Dessa forma, a corrente Clássica Liberal aponta que o cometimento do crime seria uma

afronta, uma violação, ao pacto social que tinha natureza igualitária. Ou seja, a lógica da

Criminologia Liberal gira em torno da defesa de que todos na sociedade possuem os mesmos

direitos e deveres, sendo todos iguais perante a lei e sendo esta justa. Consequentemente,

aqueles que viessem a cometer um crime estariam violando o pacto consensual firmado por

todos, por escolha própria. Nessa perspectiva, caberia ao Estado prevenir que o pacto fosse

quebrado, tendo em vista que isso representaria perigo aos bens privados e a punição daqueles

que escolhessem cometer um delito (Lopes, 2002).

As formas violentas de punição cedem espaço para as novas formas de disciplinar,

pautadas na docilização dos sujeitos de forma a enquadra-los no modelo de sociedade proposto,

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uma sociedade civilizada. Passam a tomar o lugar dos suplícios, novas formas de controle

social, tão ou mais perigosas que as antigas, atuando sob o discurso da humanização para

treinar, vigiar, ajustar e, consequentemente, punir melhor os indivíduos. Assistiu-se, portanto,

à intensificação das condições precárias de trabalho, e mascarada pelo discurso da suposta

proteção social e pelo argumento da livre escolha, a criminalização da população pobre (Silva

Jr, 2017).

Não raramente, nos dias atuais, encontra-se, dentro no cenário jurídico e da própria

Psicologia, a utilização desse discurso de culpabilização do indivíduo, desconsiderando as

dimensões socioeconômicas e históricas nas quais todas as pessoas estão inseridas e reduzindo

a violência a uma dimensão individual. É preciso apontar para o perigo que esse pensamento

pode representar dentro do âmbito jurídico e dentro da própria Psicologia, tendo em vista que,

quando trabalha-se com a ideia de um Estado igualitário e de condições igualitárias dentro do

modo de produção capitalista, são desconsideradas as desigualdades socioeconômicas gritantes

- produzidas pelo próprio sistema - e a necessidade de se atentar para o processo de luta de

classes, afastando-se, assim, do processo de emancipação política e humana6.

Criminologia Positivista

As ideias da Criminologia Positivista impulsionaram e complexificaram a doutrina

penal, estando diretamente relacionadas ao fortalecimento da classe burguesa no século XIX,

na qual a perspectiva de que todos os cidadãos eram iguais por natureza passou a perder sentido

e ceder espaço para uma concepção determinista de sociedade e de criminologia. O medo das

revoluções populares e a necessidade de controlar o perigo iminente da ideia de igualdade fez

surgir uma ciência do crime “neutra” e experimental, garantidora das desigualdades entre os

homens e da seleção dos perigosos e anormais (Ribeiro, 2010).

6 A emancipação política é a da burguesia (parcial), da exploração do homem pelo homem, da sociedade de classes

e a emancipação humana é a do proletariado (universal), da superação da exploração do homem pelo homem, ou

seja, a que elimina a sociedade de classes (Souza & Domingues, 2012, p. 69).

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Enfim, esse saber constituiu-se a serviço da colonização, do escravismo e da

incorporação periférica ao processo de acumulação do capital. Ao contrário do

liberalismo das revoluções burguesas, a ciência buscava a expansão e a legitimação do

poder punitivo contra os perigos do proletariado e do lumpen (Batista, 2011, p. 44).

Os principais pensadores dessa corrente, na vertente da Escola Positiva na Itália, foram

Garófalo, Ferri e Lombroso. Este último foi considerado pai da Criminologia Positivista, tendo

sido sua obra mais influente, “L’Uomo Delinquente”, publicada em 1876. Neste livro, Cesare

Lombroso aponta para a compreensão do crime como algo natural, atribuindo características

físicas e psicológicas para descrever o criminoso (Lopes, 2002).

Muitos estupradores têm os lábios grossos, cabelos abundantes e negros, olhos

brilhantes, voz rouca, alento vivaz, freqüentemente semi-impotentes e semi-alienados,

de genitália atrofiada ou hipertrofiada, crânio anômalo, dotados muitas vezes de

cretinice e de raquitismo (Lombroso, 2007, p. 141).

Nesta perspectiva criminológica, o foco deixa de ser o delito compreendido

juridicamente e passa a ser a pessoa do delinquente. Esse novo olhar criminológico rompe com

a compreensão do crime como simples ato de livre vontade do indivíduo, como considera a

Escola Liberal, por entender que essa noção não consegue dar conta da complexidade biológica

e psicológica que são determinantes para o cometimento do crime (Ribeiro, 2010).

A Criminologia Positivista olha para a sociedade como um sistema biológico, o qual

precisa se proteger dos elementos perigosos e anormais, necessitando retirá-los do convívio

social, para garantir a ordem e o progresso econômico. Dessa forma, essa perspectiva não

considera o criminoso como quem escolheu violar o pacto consensual, mas como aquele que,

por fatores determinantes, possui comportamento criminoso e, portanto, necessita de

tratamento/cura - para os recuperáveis - ou neutralização - para os irrecuperáveis. Entre os

fatores que estariam fora dos padrões de normalidade e seriam causadores da delinquência,

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encontram-se: os sociais, como a vadiagem e a própria pobreza; os biológicos, hereditários e

que se referiam à algum defeito psicossomático ou às características comuns entre os

delinquentes (seguindo a proposta de Lombroso) e os psicológicos, que seriam os distúrbios.

[...] o meio social é visto antes de tudo como um gerador de crime. Estamos diante de

uma concepção segundo a qual as diferenças sociais as relações antagônicas entre as

classes, são produtoras, antes de tudo, de um fenômeno negativo, patológico, sobre o

qual é reclamada uma ação reformadora (Rauter, 2003, p. 62).

Cabe salientar que o Positivismo não aponta para uma problematização da miséria e das

desigualdades sociais, mas, pelo contrário, vê a pobreza como característica moral e mental. O

pobre é aquele incapaz de trabalhar, o vadio, cercado de vícios, como o alcoolismo e a

prostituição. Diante disto, a pena, nessa concepção criminológica, possui caráter preventista, de

forma que se fez necessário proteger a sociedade do criminoso anormal, o pobre perigoso, que

pudesse vir a prejudicá-la (Rauter, 2003).

A Criminologia Positivista fornece ao Estado a legitimidade e o caráter de ciência

necessários para justificar suas ações de punição e controle social, funcionando como suporte

para as ações estatais que apontam para as massas como causadoras de danos para a sociedade

e para o próprio Estado. A Ideologia Positivista, especialmente no Brasil, serve para o Estado

como uma proteção científica para suas ações.

Pode-se dizer, portanto, que a Escola Positivista rompe com alguns pensamentos

liberais, mas, mais do que isso, atualiza e sofistica os métodos punitivos e de classificação. O

pensamento positivista busca a legitimação e o fortalecimento destes métodos contra o perigo

que o proletariado e o lúmpen podem oferecer para o progresso da classe burguesa.

Labelling Approach ou Paradigma da Reação Social

Compreender a ruptura com a Ideologia da Defesa Social pelo Labelling Approach, ou

Paradigma da Reação Social, é fundamental para entender as vertentes das teorias críticas da

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criminologia. Esse novo paradigma se fortaleceu a partir das mudanças sociais geradas na

década de 1960, nos Estados Unidos. Porém, apesar do fortalecimento dessa nova forma de

estudar o crime, a presença do pensamento tradicional ainda era majoritária dentro das

instituições do sistema penal (Ribeiro, 2010).

O Paradigma da Reação Social rompe com a perspectiva positivista e propõe o estudo

do crime como uma construção social. Nesse sentido, o sistema penal e as formas de controle

social informais teriam por função a criminalização dos atos cometidos por sujeitos que não

detêm o poder econômico. Dessa forma, essa nova perspectiva criminológica passa a apontar

que alguns atos cometidos não são objetos da ação do Direito Penal. Ou seja, apenas alguns

atos são crimes e apenas algumas pessoas são presas (Ribeiro, 2010).

Essa teoria defende que a noção de crime e criminoso é determinada socialmente a partir

da interação entre instâncias oficiais de controle social e o sujeito autor de alguma conduta.

Além disso, que essas instâncias tendem a definir, rotular ou etiquetar alguns comportamentos

específicos, atribuindo a esses a qualidade de crime. O foco, portanto, é no estudo dos efeitos

do etiquetamento nos indivíduos, não se propondo a aprofundar o debate de quem seriam os

sujeitos dotados de poder (econômico e, consequentemente, político) que são responsáveis pela

construção desses rótulos (Ribeiro, 2010).

Essa ruptura, fundamental para a constituição de uma criminologia crítica, produziu um

chamado para os estudos e pesquisas sobre os sistemas penais. Para compreender a

“criminalidade”, é imprescindível estudar a ação do sistema penal. O status de

delinquente seria produzido pelos efeitos estigmatizantes do sistema penal. Ocorre,

então, uma redefinição radical do objeto da criminologia. O criminoso não é ponto de

partida, é lócus de analise de uma realidade socialmente construída. Baratta pontua que

se a pergunta do positivismo era “quem é o criminoso”, a do rotulacionismo será “quem

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é definido como criminoso?”. O rotulacionismo seria o estudo da “formação da

identidade do desviante” e das agências de controle social (Batista, 2011, p. 75).

Além disso, este paradigma aponta para a importância do estudo das “cifras negativas”,

o qual expõe que o princípio do bem e do mal é equivocado, tendo em vista que alguns crimes

são cometidos pela maior parte da sociedade, mas, mesmo assim, não são considerados crimes

(Ribeiro, 2010).

Embora represente um avanço inegável dentro da concepção de uma criminologia que

possa se afastar da Ideologia da Defesa Social, Baratta (2002) aponta para as limitações do

Labelling Approach. O autor atenta para a insuficiência dessa teoria para uma criminologia

crítica devido à falta de discussões relacionadas às desigualdades de classes. Não avança,

portanto, no debate acerca das relações de poder, que possibilitam a classe burguesa eleger

quais são as condutas lícitas e ilícitas dentro de uma sociedade. Outro ponto discutido por

Baratta (2002) é a tendência subjetivista da teoria, afastando-se das discussões acerca das

questões materiais. Além disso, a ausência de um debate que pudesse expor o direito penal

como participante direto da seletividade penal também impede o aprofundamento na questão

da criminalização da pobreza (Carvalho, 2013).

No geral, o Labelling Approach representou uma forte conquista na ruptura com a

Ideologia da Defesa Social, no entanto, apresenta insuficiências nos debates sobre as lutas de

classe e sobre as relações de poder e de exploração econômica, sendo assim um avanço limitado

aos olhos da Criminologia Crítica (Carvalho, 2013)

Criminologia Crítica

A Criminologia tem como foco de estudo o crime, o criminoso e a vítima, assim como

o controle social do delito. Para tanto, faz uso da sua natureza interdisciplinar e contempla áreas

da Sociologia, Política, Economia e também da Psicologia. A Criminologia na sua forma

tradicional, como já foi visto, possui uma base etiológica e individualizante, considerando que

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a pessoa que comete um delito é um indivíduo de alta periculosidade e, portanto, mais propenso

a cometer outros crimes. Nessa mesma linha, encontram-se os ordenamentos jurídicos que, em

geral, sempre foram utilizados como mecanismos de controle e de ordem, sem qualquer

preocupação com a transformação social (Cruz, 2014).

Enquanto que a Criminologia Positivista difunde os discursos de naturalização do crime,

de sujeitos anormais, perigosos e da delinquência definida biologicamente, e a Criminologia

Liberal reforça as ideias do crime como escolha individual e dependente exclusivamente da

vontade do sujeito. Por outro lado, como forma de resistência, a Criminologia Crítica surge

buscando entender as raízes dos processos de criminalização e o contexto no qual ela ocorre,

propondo, entre outras coisas: a superação da ideia de um Direito igualitário, defendendo que

este atua voltado em prol das classes dominantes e tende a criminalizar apenas comportamentos

de sujeitos das classes sociais mais baixas; e da concepção de crime como algo naturalizado

(Cruz, 2014).

A Criminologia Crítica consolidou-se a partir da década de 70 com a proposta de um

paradigma macrocriminológico e avança nas discussões propostas pelas teorias já citadas,

desconstruindo a ideia de sociedade igualitária, bem como de um Direito imparcial e justo,

oferecendo críticas aos sistemas punitivos, escancarando as contradições existentes entre o que

se propõe em teoria com as prisões e quais seus reais objetivos. Além disso, propõe uma crítica

ao funcionamento do sistema político-econômico e sua relação de dependência com os modelos

punitivos (Carvalho, 2013). Dessa forma, para Baratta (2002) o papel da Criminologia Crítica:

[...] não é realizar as receitas da política criminal, mas problematizar a questão criminal,

o sistema penal, mecanismos de seleção, enfim, uma análise político-econômica da

situação, para avaliar as respostas possíveis à situações sociais postas, formulando uma

construção alternativa dos problemas sociais ligados ao fenômeno da criminalidade

(p.74).

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Essa perspectiva se propõe a estabelecer uma análise radical dos mecanismos e das reais

funções do sistema penal, além de propor a elaboração de uma política criminal alternativa para

as classes subalternas. Compreende-se que a forma como está organizada a sociedade

capitalista, através da exploração feita pelas classes dominantes, torna central a manutenção do

processo de seletividade penal e de definição da criminalidade por parte de quem detém o poder,

a fim de não prejudicar seus interesses econômicos e sociais. Sendo assim, torna-se

imprescindível uma política alternativa, que possa romper com os pressupostos capitalistas, nos

quais também se insere a criminalidade e que atenda aos interesses das classes pobres. Para

Baratta (2002),

A adoção do ponto de vista das classes subalternas para toda a ciência materialista, assim

como também no campo específico da teoria do desvio e da criminalização, é garantia

de uma práxis teórica e política alternativa que colha pela raiz os fenômenos negativos

examinados e incida sobre as causas profundas (p. 199).

Para se pensar em uma política criminal que venha a romper com a política criminal

vigente, Baratta (2002) parte do entendimento da limitação do uso das instituições penais para

lidar com a questão criminal7. Propõe uma política criminal que venha romper com propostas

superficiais e reformistas e passe a pensar a questão criminal a partir de uma transformação

radical. Para a Criminologia Crítica, e para essa nova política criminal que se propõe, é também

imprescindível o debate acerca da função do cárcere na sociedade capitalista, compreendendo

seu fracasso ao longo de sua existência e tendo por objetivo a proposta de uma sociedade sem

prisões. Para tanto, a Criminologia Crítica objetiva a substituição da sociedade como se põe

atualmente por uma sociedade livre e igualitária.

7 Trata-se aqui do conceito de “Questão criminal” em analogia ao conceito de “Questão Social”, que se refere ao

“conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura” (Iamamoto, 1999, p. 27). Entende-

se que a questão criminal consiste no produto do modo de produção e reprodução social perpetrado pelo

capitalismo no âmbito criminal, com finalidade de sustentar a demanda por ordem (Batista, 2011).

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Enquanto as classes detentoras do poder político/econômico se perpetuarem neste

núcleo inatingível de dominação, as parcelas da população marginalizadas na hierarquia

social terão as maiores chances de serem selecionadas para a população criminosa

(Carvalho, 2013, p.72).

A forma como está organizado o sistema penal favorece aos interesses das classes

dominantes, ocorrendo a manutenção da desigualdade social, sendo a Justiça Penal apenas uma

administradora da questão criminal, sem qualquer pretensão de extingui-la. Logo, a

Criminologia Crítica se propõe a estudar os problemas reais da sociedade e se comprometer

com a transformação social, escancarando o caráter seletivo do Direito Penal e o caráter violento

do Estado para lidar com as classes sociais marginalizadas (Carvalho, 2013).

A Criminologia Crítica busca se afastar das teorias positivistas, que se baseiam no

conceito de normalidade para caracterizar os indivíduos e que tem por objetivo estudar o

homem delinquente e não o delito. O objeto de análise, nessa perspectiva, passa a englobar as

relações e os sistemas sociais, as estruturas econômicas e as instituições jurídicas que são

diretamente responsáveis pelo processo de criminalização de pessoas pobres e negras. O foco

da Criminologia Crítica consiste também em apontar para a responsabilidade dos criminólogos,

juristas e também dos saberes psi, na manutenção dessas estruturas.

É nessa nova Criminologia que este trabalho está pautado, buscando propor uma análise

a qual consiga abarcar os contextos históricos, sociais, econômicos e culturais, distanciando-se

do processo de individualização na discussão sobre encarceramento. Para tanto, optou-se por

discutir nos próximos tópicos que compõem o presente capítulo, de modo mais aprofundado,

categorias fundamentais para essa perspectiva criminológica, tais como a seletividade penal, a

criminalização dos pobres, as desigualdades sociais, os interesses de classes mantidos pela

política criminal atual, bem como o processo de encarceramento e seus objetivos no sistema

capitalista (Cruz, 2014). Entende-se que tais categorias são necessárias para a compreensão da

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Criminologia Crítica, referencial teórico adotado para a construção desta dissertação, mas

também, para discutir o trabalho dos psicólogos nas prisões de modo crítico.

As políticas de Segurança Pública no Brasil

“Numa sociedade dividida em classes, o direito penal estará protegendo relações sociais

(ou “interesses”, ou “estados sociais”, ou “valores”) escolhido pela classe dominante,

ainda que aparentem certa universalidade, e contribuindo para reprodução dessas

relações” (Nilo Batista).

Tendo em vista a escolha pela Criminologia Crítica enquanto referencial teórico para as

análises desta pesquisa, serão discutidas em seguida as políticas de segurança pública no Brasil

e como, historicamente, elas foram criadas com a proposta de punição e segregação da

população pobre e negra.

O atual cenário da Segurança Pública no Brasil é marcado por intensas violações de

direitos humanos, abuso policial e pela ineficácia dos órgãos responsáveis, com recorrentes

denúncias de corrupção e práticas ilegais de implantação da lei e da ordem (Barreira, 2004). A

Segurança Pública é caracterizada como um processo sistêmico que engloba a interdependência

institucional e social. Para efetivar-se, são necessárias estruturas do Estado e organizações,

como a polícia, as prisões, o poder judiciário e a participação popular. É um processo que visa,

em teoria, garantir a proteção individual e coletiva, direitos e cidadania para toda a sociedade

(Bengochea, Guimarães, Gomes & Abreu, 2004). No que se refere às Políticas de Segurança

Pública, estas se constituem como medidas instituídas a partir de ferramentas punitivas e

preventivas, com a finalidade de controle social e enfrentamento da criminalidade.

Até o início da década de 1980, as Políticas de Segurança Pública desenvolvidas

possuíam caráter setorial e eram pautadas na centralização do poder, inexistindo qualquer

participação social em suas formulações. A Constituição Federal de 1988 pode ser considerada

um marco no que se refere à garantia dos direitos humanos e, consequentemente, às novas

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legislações formuladas desde sua implantação. A partir dela, a segurança passa a ser pensada

como uma garantia básica da população e um dever do Estado, delimitada nos ordenamentos

jurídicos. Portanto, tornou-se fundamental reformular o antigo sistema e criar novas medidas

de atuação (Sousa Neto, 2007).

Por outro lado, apesar dos avanços, especificamente no que se refere à forma como o

Estado brasileiro lida com as Políticas de Segurança Pública, não houve uma mudança efetiva.

O processo de redemocratização brasileiro não foi suficiente para alterar o Estado penalizador

e o caráter autoritário e repressivo dos órgãos responsáveis pela segurança. Nota-se, portanto,

que regime ditatorial ainda se faz muito presente nas ações dos agentes estatais.

O processo de transição para a democracia, das últimas décadas, enfrentou o desafio de

manter a ordem pública em um contexto afetado pela insegurança urbana e a necessidade

de mudança de atuação dos órgãos de segurança pública, estruturados sob a influência

de resquícios autoritários, mas com a responsabilidade de atuar de acordo com os

princípios democráticos, impostos pela sociedade por meio dos movimentos sociais

(Carvalho & Silva, 2011, p. 61).

Os avanços referentes à garantia dos direitos humanos conquistados com a Constituição

de 1988 e a transição para um modelo democrático estão atravessados por resquícios de

autoritarismo e sérias violações no trato com a segurança e não representaram diretamente

rupturas no campo da Segurança Pública no Brasil. Foi somente uma década depois da

promulgação da “Constituição Cidadã” que a Política de Segurança Pública passou a ser

compreendida como uma ação de garantia de direitos dentro de um Estado, teoricamente,

democrático (Carvalho & Silva, 2011).

Assim, em 2000, foi criado o Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP) (Secretaria

Nacional de Segurança Pública, 2000), que propunha aperfeiçoar a Segurança Pública brasileira

a partir de políticas de segurança, políticas sociais e ações comunitárias, cujo objetivo era

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reduzir e reprimir a criminalidade. O PNSP foi considerado como a primeira política nacional

e democrática, trazendo a ideia de segurança pública como uma política de governo.

Em 2007, foi implantado o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

(Pronasci) (Ministério da Justiça, 2007) que, segundo o Ministério da Justiça, foi um marco nas

políticas públicas relacionadas à segurança no Brasil. O programa inovou ao pensar a segurança

pública como uma questão transversal, entendendo que suas atividades deveriam estar

integradas entre todos os órgãos, visando não apenas a repressão, mas também a prevenção.

Em 2011, com a ideia de que o Pronasci não teria conseguido abarcar questões referentes

às políticas criminais e penitenciárias, foi elaborado o Plano Nacional de Política Criminal e

Penitenciária (PNPCP) (Ministério da Justiça, 2011), proposto pelo Conselho Nacional de

Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). O Plano tem por objetivo estabelecer um novo

modelo de política criminal e penitenciária no Brasil, pautado por medidas como: sistematizar

e institucionalizar a Justiça Restaurativa; criar e implantar uma política de integração dos

egressos do sistema prisional; aperfeiçoar o sistema de penas e medidas alternativas à prisão;

implantar políticas de saúde mental no sistema prisional; garantir a prisão provisória sem

abusos; fortalecer o controle social, negando a ideologia da vingança promovida pela sociedade,

que ajuda a criar mais estereótipos; promover o enfrentamento das “drogas”, pensando em ações

de assistência à saúde; modificar a arquitetura prisional; promover uma gestão qualificada nas

instituições prisionais, etc.

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA,

2007), os gastos no setor da segurança pública, especificamente os referentes aos recursos

transferidos pela União, têm sido destinados para o aparelhamento dos órgãos voltados para o

financiamento de ações de repressão e policiamento ostensivo. Estes índices podem significar

que, na maioria dos estados, as reformas não foram efetivas e as políticas que visavam outras

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possibilidades de atuação e aplicação desses recursos não foram instituídas (Santos, Gontijo &

Amaral, 2015).

Mais recentemente, depois da repercussão dos massacres ocorridos nos presídios de

Manaus (AM), Boa Vista (RR) e Natal (RN), o Governo divulgou o Plano Nacional de

Segurança Pública (Ministério da Justiça e Cidadania, 2017). Entre os principais objetivos

elencados por este Plano estão: 1) Redução de homicídios dolosos, feminicídios e violência

contra a mulher; 2) Racionalização e modernização do sistema penitenciário; 3) Combate

integrado à criminalidade organizada transnacional.

No que se refere especificamente ao campo prisional, as medidas propostas pelo plano

incluem a diminuição de presos provisórios nos presídios e o fortalecimento das medidas

alternativas. Porém, o centro das ações voltadas para o campo penitenciário consiste em

investimentos milionários para a construção de mais presídios (cerca de 200 milhões de reais)

e de mais instrumentos de controle dos presos, como radares e tornozeleiras eletrônicas.

De fato, a questão da segurança pública brasileira, historicamente, tem se efetuado a

partir de tomadas de posições conservadoras, que implicam na compreensão de que o

tratamento deve ser realizado a partir de mais polícia, mais equipamentos militarizados e mais

armamento, com ações direcionadas para as áreas periféricas das cidades. No que tange à

atuação da polícia, especificamente, a partir desse modelo tradicional, a estratégia de

intervenção utilizada tem sido unicamente o uso da força (Santos et al, 2015).

De forma geral, o sistema de segurança pública no Brasil, apesar das construções no

âmbito legal em prol da garantia dos direitos humanos, tem se constituído a partir de ações

paliativas, focalizadas e totalmente imediatistas, sem qualquer resquício de participação

popular. Na prática, as políticas necessitam de mudanças efetivas e urgentes, que possam

romper com o caráter autoritário, promovendo o processo de desmilitarização da polícia8 e

8 Segundo Cruz (2014b, para. 9), “a luta pela desmilitarização das PMs em todo o país é a luta por um novo modelo

de segurança pública e de política criminal, por uma nova cultura policial baseada na garantia dos direitos e da

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maior participação popular. Para tanto, se faz necessária uma promoção de políticas públicas

qualificadas voltadas para a modificação estrutural e cultural.

Reflexões sobre criminalização dos pobres e seletividade penal à luz da Criminologia

Crítica

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Que vai de graça pro presídio

E para debaixo do plástico

Que vai de graça pro subemprego

E pros hospitais psiquiátricos

A carne mais barata do mercado é a carne negra

Que fez e faz história

Segurando esse país no braço

O cabra aqui não se sente revoltado

Porque o revólver já está engatilhado

E o vingador é lento

Mas muito bem intencionado

E esse país

Vai deixando todo mundo preto

E o cabelo esticado

Mas mesmo assim

Ainda guardo o direito

De algum antepassado da cor

Brigar sutilmente por respeito

Brigar bravamente por respeito

Brigar por justiça e por respeito

De algum antepassado da cor

Brigar, brigar, brigar

dignidade humana e na possibilidade de participação direta da sociedade civil nas decisões político-administrativas

que envolvam a área. Significa, igualmente, a necessidade de pensar a conflitualidade social a partir de sua

complexidade, articulada com diversas outras questões que envolvem a violência (acesso à educação, ao lazer, à

saúde, qualidade de vida, etc.), e não responder de forma militarizada às consequências da desigualdade social,

fruto da exploração econômica e das históricas opressões políticas e culturais”.

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A carne mais barata do mercado é a carne negra

(Seu Jorge, Marcelo Yuka E Ulisses Cappelletti)

No Brasil, a condição de pobreza tem sido histórica e equivocadamente relacionada à

delinquência e criminalidade. Não é recente o fato das classes dominantes utilizarem o Estado

e a Justiça Penal como forma de reprimir as chamadas classes perigosas. Alguns exemplos disso

são a criminalização da capoeira, que por muitos anos constituiu-se como crime, e, mais

recentemente, o índice alarmante de vitimização negra. Este índice, em 2012, se encontrava em

146,5%, ou seja, morriam proporcionalmente 146,5% mais negros que brancos, segundo o

Mapa da Violência de 2014 (Waiselfisz, 2013).

No século XVIII a ascensão da burguesia gerou a necessidade do fortalecimento dos

poderes punitivos para conter as massas pobres que lutavam por maiores direitos e igualdade.

Segundo Foucault (2010), o processo de industrialização, por um lado, produziu novos avanços

tecnológicos, mas também trouxe atrelado a eles a criação de novas formas de controle do

tempo e do corpo, nas fábricas e também nas prisões, chamadas de instituições de sequestro.

A partir do final do século XIX, nota-se que não foram poucas as teorias emergentes e

importadas do continente europeu com vistas ao embasamento científico que evidenciasse

periculosidade nas classes populares. O novo processo civilizatório de um país, que tinha

acabado se tornar uma República, marcado por mais de trezentos anos de escravidão e em vias

crescentes de industrialização, percorreu caminhos áridos, tendo como fiéis escudeiros os

aparatos jurídico e científico da época. A massa de imigrantes, párias e miseráveis que passaram

a habitar favelas e cortiços tornou-se alvo das associações indiscriminadas entre pobreza e

periculosidade (Batista, 2003).

Na década de 1990, a ideia de punir com mais força os pequenos delitos para que delitos

maiores não viessem a ocorrer foi responsável por maior investimento policial para a

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perseguição desses pequenos “delinquentes”. Entre os que precisavam de uma punição mais

severa, por representarem uma ameaça, estavam: prostitutas, moradores de rua, revendedores

de drogas, mendigos, etc. (Wacquant, 1999).

A necessidade de punir mais e de punir seletivamente grupos marginalizados baseou-se

na Teoria das Janelas Quebradas, como suporte teórico. A Broken Windows theory foi

idealizada por James Q. Wilson e pelo psicólogo criminologista George Kelling a partir de uma

publicação realizada no Atlantic Monthly, em 1982, cujo estudo tinha por objetivo estabelecer

a relação de causalidade entre a desordem e a criminalidade.

Por mínimas que pareçam, as primeiras condutas desviantes - que, mal se generalizam,

estigmatizam um bairro e nele polarizam outros desvios - são o sinal do fim da paz social

no cotidiano. A espiral do declínio se esboça, a violência se instala, e com ela todas as

formas de delinqüência: agressões, roubos, tráfico de drogas etc. (J. Wilson & T.

Kelling, "A Teoria da vidraça quebrada" citado em Wacquant, 1999, p. 40).

Essa teoria, segundo Wacquant (1999), serviu de “álibi criminológico” para impulsionar

a política de Tolerância Zero, implementada a partir de 1993, por William Bratton, chefe da

polícia de Nova Iorque, que concedeu maior poder de atuação aos policiais, que passaram a

reprimir e prender mais. Essas políticas criminais definiram quem deveria ser criminalizado e

quem deveria ser protegido, a fim de refrear o medo das classes mais altas por meio da

perseguição aos grupos marginalizados em espaços públicos.

Ao passo que o mercado torna-se instrumento de controle das relações sociais, o Estado

fortalece o processo de penalização, assegurando a manutenção das relações de poder (Carvalho

& Silva, 2011). O aumento das políticas penitenciárias, acompanhado das ações de políticas

sociais, é algo inerente aos modelos de Estado ditos democráticos. Os mecanismos punitivos

do Estado estão intrinsicamente ligados à forma como se lida com a Questão Social nas

sociedades capitalistas, como o Brasil, a partir do assistencialismo e de ações paliativas do

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Estado, afastando-se das raízes estruturais que culminam na Questão Social. O Estado responde,

portanto, com políticas que atuam, mesmo que superficialmente, nas classes mais pobres,

cedendo, por necessidade, às pressões dessas classes, de forma a garantir a manutenção da

ordem (Matsumoto, 2015). Por questão social, compreendem-se as:

[...] expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu

ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por

parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da

contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de

intervenção mais além da caridade e repressão (Iamamoto & Carvalho, 1983, p.77).

No Brasil, o desenvolvimento da sociedade capitalista trouxe também a continuidade

das desigualdades sociais, favorecendo o aperfeiçoamento de medidas de concentração social e

racial de renda (Iamamoto, 2000). Esse processo gera, para os pobres, menor acesso aos direitos

e à proteção do Estado, sendo os incluídos aqueles que possuem os privilégios de acesso às

garantias e que devem ser protegidos dos considerados perigosos (Barros, Moreira & Duarte,

2008).

É reconhecida a existência de políticas sociais voltadas para os pobres e o avanço

conquistado no processo de redemocratização, entretanto, entende-se, primeiramente, que essas

políticas não têm sido capazes de alterar estruturalmente a questão da pobreza e da miséria, não

sendo suficientes para frear o Estado Penal. “A população emerge como um problema político,

econômico e científico, como um problema de poder. O que se quer é o estabelecimento de uma

regularidade através de mecanismos globais de controle” (Machado & Lavrador, 2010, p.127).

Tal conjuntura produz efeitos devastadores para as classes mais baixas, pois ao mesmo

tempo em que sofrem com a ineficiência do Estado, têm a violência atribuída a elas. Um

exemplo é a suposta “guerra às drogas” que acontece apenas nas áreas mais pobres e nas favelas,

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fazendo um recorte intenso de classe social nesse processo de repressão (Carvalho & Silva,

2011).

Esse efeito também pode ser exemplificado a partir dos dados do “Mapa da Violência:

Homicídios e Juventude no Brasil (Waiselfisz, 2013)”, divulgado em 2013 pela Faculdade

Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO). O relatório mostra o aumento significativo

da violência, de um verdadeiro genocídio, contra a juventude pobre. Os dados apontam que, em

números absolutos, o Brasil é o país com o maior índice de assassinato do mundo, só em 2012

foram 56 mil pessoas assassinadas, sendo 30 mil jovens, com idades entre 15 e 29 anos, onde

77% eram negros. Mais recentemente, de acordo com o Mapa da Violência divulgado em 2016,

o número de homicídios por armas de fogo no Brasil chega a 42.291, sendo 59,7% das vítimas

jovens e 69,8% negros (Waiselfsz, 2016).

Embora os dados sejam alarmantes, essas mortes são quase sempre naturalizadas, sem

causar comoção à sociedade. Há também o processo de visibilização perversa, que é legitimado

pelos mecanismos institucionais, a partir de procedimentos policiais, os ditos “autos de

resistência” ou “resistência seguida de morte”. Por meio desses mecanismos, inúmeros

inquéritos são arquivados – os quais representam 99,2% dos inquéritos instaurados, segundo

pesquisa realizada pelo Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana

(NECVU), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – pela alegação de que as pessoas

assassinadas estariam em confronto com os agentes de segurança pública. A criminalidade

passa a ser atribuída cada vez mais à pobreza, como algo inerente.

As políticas criminais adotadas por esta forma de exercício do poder punitivo estatal

revelam a preferência em criminalizar as classes desprivilegiadas do sistema capitalista,

especialmente, os considerados à margem das “benesses” desse modo de produção,

dando ênfase à criação de tipos penais que culminam na aplicação desmedida da

privação de liberdade. O que resulta ainda na ‘vitimização dos pobres e miseráveis’, na

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superpopulação carcerária e na desumanidade na execução das penas (Martinez &

Santos, 2009, p. 209).

Logo, a criminalização da pobreza e o fortalecimento do Estado Penal se sustentam,

principalmente, em duas práticas das classes dominantes. A primeira é o uso da mídia para, com

base na espetacularização da violência, fortalecer os estigmas e determinar quem seriam os

responsáveis pelo aumento da violência. O segundo fator é a produção do medo e da

insegurança e, consequentemente, a exigência por ações penalizadoras do Estado que impeçam

e eliminem os que seriam responsáveis pelo crime (Brisola, 2012).

Numa sociedade dividida em classes, o direito penal estará protegendo relações sociais

(ou “interesses”, ou “estados sociais”, ou “valores”) escolhido pela classe dominante,

ainda que aparentem certa universalidade, e contribuindo para reprodução dessas

relações (Batista, 1999 citado por Gonçalves, Araújo & Santana, 2010, p. 413).

Esse processo se dá em dois níveis: a partir da criminalização primária, que se refere à

seletividade da norma penal, e da secundária, que consiste na seletividade do sistema de justiça

criminal.

No que se refere à criminalização primária, enquanto, na teoria, o direito penal deveria

ter por objetivo a punição de atos que infringissem a lei, sem diferenciar características sociais

e raciais de quem cometeu o crime, na prática, o que ocorre é a diferenciação da punição baseada

nos interesses de classes dominantes. Um exemplo disso é a punição mais severa do crime de

roubo do que o crime de sonegação, onde a diferenciação está em quem comete o crime: pobre

rouba e rico sonega.

A criminalização primária, constitui-se, assim, na instrumentalização do controle das

classes subordinadas, ao contemplar os tipões penais e o quantum das penas que lhe são

cominadas, tendo como referencial a manutenção do status quo das classes dominantes.

(Martini, 2007, p. 46)

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A criminalização secundária acontece a partir de ações de atores relacionados ao crime,

como a polícia e a mídia, que tem suas atuações baseadas no estereótipo do “criminoso”, do

“perigoso”, do “bandido” e do “presidiário”, que seriam os negros, homossexuais, mendigos,

as prostitutas, etc. Ou seja, refere-se à ação punitiva exercida em pessoas específicas. Sendo

assim, baseia-se em dois princípios: a seletividade e vulnerabilidade.

O papel da mídia nesse processo é uma das vias mais importantes para manutenção das

estratégias de encarceramento e extermínio das massas pobres. Para tanto, utiliza-se da

divulgação para perpetuação da ideia de que a pobreza é um sinônimo de criminalidade. Para

Budó (2006), o aparato midiático representa um papel fundamental na produção de opiniões e

na hierarquização dos temas, tendo em vista que sua função tem sido, além da divulgação dos

fatos propriamente ditos, de definição de quais destes fatos terão repercussão, quais devem ser

discutidos e quais a população nunca terá conhecimento.

O sensacionalismo e a espetacularização do aparato midiático são elementos centrais

para lidar com a questão criminal, tornando a discussão no campo superficial e de baixo nível

argumentativo. Essa lógica é tomada pelo processo de homogeneização, empobrecendo os

acontecimentos, limitando a forma de pensar e, quase sempre, aderindo aos discursos

maniqueístas, da crença do “bem e do mal”.

Segundo Coimbra (2001), os meios de comunicação em massa, que estão centralizados

nas mãos de uma pequena parcela dominante, têm servido para produzir subjetividades

responsáveis pelo nosso modo de pensar, agir e sentir. Já no que se refere ao campo da

segurança pública, têm sido um equipamento social efetivo no incremento da violência. No

âmbito penal, as notícias sobre os crimes estão voltadas para a fabricação do estereótipo do

criminoso, da definição de quem seria o inimigo e de quem a sociedade precisa se proteger,

sendo a população pobre, jovem e negra o alvo central. A mídia, segundo Batista (2009), tem

produzido cada vez mais subjetividades punitivas. A punição torna-se a saída mais pedida pela

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direita, mas também por grande parte da esquerda, para dar conta da conflitividade social gerada

pelo sistema atual. Assim, são intensificados os sentimentos de medo e insegurança que

culminam no clamor por mais ações punitivas e repressoras, legitimando as ações das agências

do sistema penal.

Os chamados "mal-estares sociais", por exemplo, só passam a ter existência quando são

enunciados/mostrados pela mídia; ou seja, só assim são reconhecidos como sendo

realidades. Champagne (1997) comenta que, além dessa construção midiática sobre os

mal-estares sociais, produz-se também o que é conhecido como "subúrbios

problemáticos", quando se chama a atenção para os "territórios dos pobres",

estigmatizados como sendo locais perigosos e violentos por natureza (Coimbra, 2001,

p. 44).

Segundo Zaffaroni (2007), a construção do estereótipo do inimigo se dá, primeiramente,

a partir da concepção de que a sociedade está dividida em dois grupos: os cidadãos (pessoas) e

os inimigos (não-pessoas). A partir disso, implica-se dizer que alguns indivíduos, por serem

considerados perigosos, tem sua existência reduzida a esta condição, sendo retirado ou negado

seu caráter de pessoa. Admitindo essa lógica, mecanismos têm sido utilizados com propósito

de que alguns indivíduos sejam contidos e afastados. Um exemplo é a utilização da prisão

preventiva - cuja única função é o isolamento daquele que ameace a segurança da sociedade -,

a qual o autor afirma tratar-se de um enjaulamento do sujeito perigoso ou do chamado

comportamento suspeito. Outro exemplo é a ideia de legítima defesa da polícia em

determinados territórios, que implica na autorização para matar nesses lugares, ou seja, nada

mais é do que a legitimação do controle social punitivo. Esse processo de legitimação fica

nitidamente exposto a partir do número de mortes por ações policiais no Brasil, que chegou a

ser 42,16% maior do que o número de mortos pela pena de morte nos vinte países em que esta

é legalizada (Zaccone, 2015).

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Para Rauter (2012), a difusão do medo e da insegurança, o aparato midiático e sua

visibilidade, assim como o clamor pela segurança, compõem a nova forma de gestão das massas

e da vida. Essas estratégias, que não se restringem às instituições prisionais, nem às outras

instituições como o hospital, a fábrica e a escola, mas estão presentes no funcionamento social,

é que tornam possível a existência de crenças como a de que parte da população está fadada ao

crime e, por isso, precisa ser morta em defesa da sociedade. Dessa forma, as prisões só se

mantêm devido à existência dessas disciplinas ou redes de produção de submissão, seja pelas

práticas institucionais, seja pelas práticas discursivas.

Para Baratta (2002), o processo de criminalização também está diretamente relacionado

à classe que o autor do delito pertence e à posição que este se encontra no mercado de trabalho.

Para o criminólogo, esse processo tem maior propensão de acontecer com aqueles que

compõem o subproletariado9 e com os marginalizados sociais. Assim, fica evidente que o

processo de criminalização da pobreza cumpre uma função bem delineada no sistema

capitalista: a de conservação e reprodução social. É esse processo de criminalizar determinados

grupos que permite a manutenção da escala social vertical e garante a proteção para

comportamentos e sujeitos previamente imunizados.

O cárcere, portanto, seria o momento culminante desse processo de criminalização,

nascendo da necessidade de disciplinar a força de trabalho e fazendo parte dos mecanismos de

seleção, que começam antes da própria atuação do Sistema Penal. A prisão, a partir da produção

de marginalizados sociais, cumpre papel fundamental dentro e fora do mercado de trabalho,

seja pela superexploração dos ex-presidiários, seja a partir dos mecanismos de circulação ilegal

do capital, possibilitados pela população criminal, como no funcionamento do tráfico.

O cárcere representa, em suma, a ponta do iceberg que é o sistema penal burguês, o

momento culminante de um processo de seleção que começa ainda antes da intervenção

9 “A fração de classe trabalhadora superempobrecida permanente que representa parcela significativa da população

economicamente ativa” (Fonseca, Souza & Silva, 2007, p. 6).

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do sistema penal, com a discriminação social e escolar, com a intervenção dos institutos

de controle do desvio de menores, da assistência sócia, etc. O cárcere representa,

geralmente, a consolidação definitiva de uma carreira criminosa. (Baratta, 2002, p. 167)

No Brasil, o movimento crescente de encarceramento em massa é fruto da prevalência

do Estado Penal, cujo objetivo é a manutenção da sociedade de classes pela proteção do

patrimônio privado, e implica consequências graves como a violência, a repressão e a

vitimização da classe trabalhadora.

Com o avanço da política neoliberal, os índices de encarceramento no Brasil saltaram

de 90 mil, em 1990, para mais de 622 mil, em 2014, o que representou cerca de 690% de

aumento da população carcerária (Ministério da Justiça, 2016). A estratégia de fortalecer o

Estado Penal como reposta para as questões estruturais e de ausência do Estado Social

representa diretamente maior uso da força policial, mais extermínio da população negra e pobre

e aumento nas taxas de criminalidade.

Neste cenário, as prisões vêm com a finalidade de efetuar o controle dos pobres, sendo,

segundo Rauter (2003), verdadeiras “prisões-depósitos”.

[...] se parecem mais com campos de concentração para pobres, ou com empresas

públicas de depósito industrial dos dejetos sociais, do que com instituições judiciárias

servindo para alguma função penalógica - dissuasão, neutralização ou reinserção. O

sistema penitenciário brasileiro acumula com efeito as taras das piores jaulas do Terceiro

Mundo, mas levadas a uma escala digna do Primeiro Mundo, por sua dimensão e pela

indiferença estudada dos políticos e do público (Wacquant, 1999, p.7).

Com o crime associado à pobreza e com a identificação de classe e cor dos ditos

perigosos feita pela mídia, o controle passa a ser realizado através da eliminação dessas pessoas.

Este controle pode ser dar pelos Grupos de Extermínio, pelas milícias ou pelo próprio

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funcionamento das instituições prisionais brasileiras, com registro de morte de pessoas a cada

dois dias dentro das prisões (Carazzai & Campanha, 2014).

O abismo vigente entre as classes sociais torna-se reproduzido na seletividade penal e

na criminalização da pobreza, fatos que culminam com um delineamento do público prisional.

A ascensão das instituições prisionais, do controle a céu aberto, da transformação das favelas

em verdadeiros campos de concentração e da hiperinflação dentro das prisões são

consequências, segundo Wacquant (1999), do uso desenfreado dessas políticas punitivas. A

prisão vem, portanto, com a função de isolar e neutralizar as classes perigosas, constituindo-se

como uma “fábrica de exclusão” dos chamados “dejetos sociais”.

Breve histórico da pena de prisão

“A prisão é uma instituição de sequestros: sequestra-se não só a liberdade ambulatória

dos homens e mulheres que a ela são submetidos como também a voz, a identidade, a

dignidade, a condição de sujeitos e cidadãos” (Olga Espinoza).

No período compreendido entre os séculos XVI e XVII, a Europa passou por uma

acentuada crise de mão de obra, atrelada à baixa densidade demográfica, devido,

principalmente, à Guerra dos Trinta Anos. Nesse cenário surgiu a necessidade de novas medidas

de controle da pobreza que pudessem suprir a ausência de força de trabalho e a carência

econômica, levando os Estados a engendrar a ideologia do trabalho como imposição aos pobres.

A estratégia estava, ainda, atrelada à preocupação em conter a ociosidade, a qual, além de

moralmente condenada, era frequentemente associada às classes sociais mais baixas (De Giorgi,

2006).

Até o século XVIII, pode-se afirmar que a justiça penal distribuía suas punições, quase

exclusivamente sob a forma de castigos físicos, tortura, amputações e pena de morte. A partir

desse período histórico, com a Revolução Industrial, as transformações sociais e,

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consequentemente, a reforma do Direito Penal, o processo penal e as penas sofreram

significativas alterações, sob o argumento da necessidade de “humanização” das punições. É

com esse discurso humanista, que as violências físicas cederam (formalmente) lugar para

punição em forma de privação de liberdade.

Entretanto, segundo Foucault (2010), o que se instituiu não foi um processo de

humanização das penas, mas sim, o deslocamento do sofrimento que surge juntamente com as

reformas políticas e sociais da época, fazendo com que a punição deixe de ter como foco

principal o corpo e passe a reformar, notadamente, a subjetividade. Nesse cenário, entre os

séculos XVII e XVIII, na Europa, a pobreza deixou de ser alvo de destruição e eliminação

explícita para ser disciplinada e normalizada.

A reclusão começa assim a ser proposta como estratégia para controle das classes

marginais. A sua utilidade, independentemente das camadas da população às quais pode

ser aplicada (pobres, vagabundos, prostitutas, criminosos), consiste no fato de que agora

o corpo é valorizado por encerrar uma potencialidade produtiva, e os sistemas de

controle têm início concentrando-se nas atitudes, na moralidade, na alma dos indivíduos

(De Giorgi, 2006, p.41).

Além da pena deixar de ter como foco a violência física, ela passa a ter como principal

característica a sua quantificação através do tempo. A reparação do dano causado pelo crime

aconteceria, portanto, no determinado período que a pessoa fosse julgada a ficar na prisão

(Oliveira, 2007). De acordo com este modus operandi penal, o castigo seria aplicado pelo

período em que o réu fosse condenado a permanecer na prisão e a função da pena consistiria,

principalmente, em causar sofrimento, tendo caráter meramente retributivo e ficando para

segundo plano, ou inexistindo, a função de reintegração social do preso.

Dessa forma, percebe-se que há uma mudança fundamental nas estratégias de controle.

Na Idade Média, a estratégia defensiva da sociedade frente ao problema da lepra era a exclusão,

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a rejeição do leproso, a expulsão para fora dos muros da cidade e não-aproximação. Já no século

XVII, ao se deflagrar a peste em uma cidade, uma série de mecanismos de controle da

população eram postos em prática, como o trancamento das famílias em suas casas, sob risco

de pena de morte, a vigilância de todos os pontos e movimentos realizados e a hierarquia do

poder de quem fiscalizava os indivíduos e os categorizava, entre doentes, vivos e mortos. Para

Foucault (2010), enquanto a lepra suscitou modelos de exclusão, a peste, vista como desordem,

suscitou esquemas disciplinares.

Ela prescreve a cada um o seu lugar, a cada um seu corpo, a cada um sua doença e sua

morte, a cada um seu bem, por meio de um poder onipresente e onisciente que se

subdivide ele mesmo de maneira regular e ininterrupta até a determinação final do

indivíduo, do que o caracteriza, do que lhe pertence, do que lhe acontece (Foucault,

2010, p. 188).

O autor supracitado aponta ainda que os mecanismos de controle passam a não se

limitarem apenas às penitenciárias, estendendo-se à sociedade como um todo e à sua busca pelo

disciplinamento. De fato, nem sempre são necessárias grades e encarceramento para que essas

relações de controle e a exclusão do que seria anormal ou fora dos padrões estabelecidos

existam, como é o caso das escolas, dos manicômios e das fábricas (Engbruch & Santis, 2012).

Antes de ser utilizada como pena, a prisão tinha caráter temporário, portanto, não

possuía as condições necessárias de infraestrutura para as mudanças que começaram a surgir

com essa nova realidade punitiva. Dessa forma, iniciaram-se uma série de discussões acerca

das modificações que deveriam ocorrer no âmbito penal, surgindo os primeiros projetos do que

viriam a ser as penitenciárias.

O Panóptico, elaborado em 1787 por Jeremy Bentham, constitui-se como um esquema

disciplinar caracterizado pela intensa vigilância dos indivíduos e pelo fortalecimento das

relações de poder. Nesse modelo, o preso “é visto, mas não vê; objeto de uma informação,

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nunca sujeito numa comunicação” (Foucault, 2010, p. 190). Tal estrutura permitia o total

controle sobre os movimentos dos prisioneiros e de seus comportamentos, sem que eles

pudessem saber em que momento estavam sendo observados (Engbruch & Santis, 2012).

Os modelos de encarceramento norte-americanos, da Filadélfia e Auburn, serviram

como grande influência para o surgimento de outros sistemas penais em todo o mundo. O

primeiro, também chamado de modelo pensilvânico, foi adotado em 1790, por William Penn,

e possuía como característica central a reclusão total dos presos. Nesse modelo, a religião

consistia em ferramenta fundamental no controle do cumprimento da pena, sendo a bíblia o

único objeto permitido dentro das celas, que tinha por função fazer com que os presos se

arrependessem do crime cometido.

Já o modelo de Auburn, adotado em 1821, trouxe como principal mudança o uso do

trabalho como forma de regeneração dos presos. Diferente do modelo pensilvânico, os presos,

no modelo de Auburn, conviviam e realizavam atividades juntos, em uma proposta de se

assemelhar ao funcionamento da sociedade. No entanto, tinham que trabalhar em absoluto

silêncio, imposto, na maioria das vezes, de forma violenta pelos guardas que supervisionavam

as atividades. O trabalho no cárcere se constituía como um instrumento de tortura escancarada

nas atividades cansativas e de longa duração (Oliveira, 2007).

O nascimento da prisão se coloca, portanto, na passagem de um regime penal que aponta

para a destruição do corpo do condenado, sobre o qual se reflete o poder, absoluto do

monarca, para uma forma de punição que poupa o corpo a fim de que, na sua

produtividade, se evidencie o poder econômico relativo do capitalista. (De Giorgi, 2006,

p. 40)

Enquanto a maioria dos países europeus adotaram o modelo da Filadélfia, a Irlanda

passou a utilizar o modelo desenvolvido em 1853, por Walter Crofton. Este modelo, chamado

de “o sistema de Crofton”, continha quatro fases que deveriam ser percorridas pelo preso, desde

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seu ingresso na prisão até sua saída. A primeira etapa se caracterizava pelo isolamento do preso,

em média, por oito ou nove meses. A segunda estava relacionada à introdução do trabalho na

rotina dos presos, baseado no modelo de Aurburn. A terceira fase permitia ao preso conversar

e andar por determinadas distâncias nas prisões intermediárias, as quais seriam transferidos. A

última fase se referia à liberdade condicional, com direito de viver em comunidade livre

(Oliveira, 2007).

Apesar dos inúmeros modelos de penitenciárias e das diferentes formas de se propor o

encarceramento, Foucault (2010) destaca a importância de se atentar para esse movimento de

“reforma” do sistema prisional. As propostas reformistas dos modelos prisionais, em todo o

mundo, não se constituem como resposta ao fracasso do funcionamento das instituições

prisionais, pois, muito pelo contrário, essas propostas reformistas são quase que

contemporâneas ao próprio surgimento do cárcere. Entender isso é fundamental para se pensar

que os mecanismos, as experiências e as propostas de “correções” do funcionamento desses

espaços, fazem mais parte da sua estrutura do que demonstram fazer. Não é à toa que tais

mudanças se assemelham mais à uma adequação às novas necessidades capitalistas que surgem

do que proposta de modificação

As prisões no Brasil

A dita “Reforma” prisional na Europa, que impulsionou reflexões acerca da necessidade

de novos modelos penitenciários, teve, no Brasil, particularidades que se adaptaram à

necessidade da sociedade escravista da época (Aguirre, 2009).

As prisões no Brasil no Período Colonial não ocupavam lugar importante dentro dos

mecanismos de controle e punição. A prática do encarceramento estava destinada à detenção

daqueles que aguardavam suas sentenças, enquanto que as punições eram feitas por execuções

públicas, açoites e trabalhos forçados, sendo este último também utilizado no período pós-

colonial (Aguirre, 2009).

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As reformas penais europeias e norte-americanas, que impulsionaram a construção e

modificação de novos modelos penitenciários, geraram alguns debates sobre a necessidade de

modernização e transformação dos modelos latino-americanos. Esses debates, no entanto, não

foram suficientes para que as reformulações se concretizassem, tanto pelo custo que isso

geraria, quanto pela crença que as formas tradicionais de punição seriam bem mais eficazes. No

Brasil, esses impasses políticos e financeiros ficaram evidenciados no processo de construção

da Casa de Correção do Rio de Janeiro, primeira penitenciária da América Latina, a qual

perdurou mais de 15 anos para ser finalizada (Aguirre, 2009).

As novas penitenciárias construídas não conseguiam abarcar toda a população carcerária

e, somando-se a isto, não houve uma melhoria efetiva nas outras instituições carcerárias, que

permaneceram com as mesmas condições indignas do período colonial. Ou seja, permanecia

em maior escala um sistema carcerário que pertencia aos moldes tradicionais (Aguirre, 2009).

A tentativa de mudança penitenciária no Brasil esbarrava nas estruturas sociais e raciais

enraizadas. Diante disto, pode-se afirmar que pensar em Reforma prisional no Brasil consistiu

em reforçar mecanismos de controle e não na ideia de recuperação que estava se colocando em

pauta do que seria uma sociedade moderna. As prisões brasileiras, então, não conseguiram se

adequar à ideia de modernização europeia e passaram a servir de depósitos - sendo que agora

com certo tipo de organização (Aguirre, 2009).

A realidade das prisões do Brasil até o século XIX era ainda mais desestruturada. A

maioria delas dividia prédio com a Câmara Municipal e não possuía nenhuma distinção entre

celas de homens e de mulheres. A partir da Independência do Brasil, em 1822, e a formulação

da primeira Constituição, em 1824, foi estabelecida a primeira lei referente às prisões, a qual

dizia em seu artigo 179 §21, que essas deveriam ser seguras, ter sua higienização garantida e

que os presos deveriam ser separados de acordo com o crime cometido (Oliveira, 2007).

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Em 1830 novas reformulações sobre o sistema punitivo brasileiro aconteceram. A pena

passa a ser introduzida de duas formas: a primeira de caráter simples e a segunda, a pena de

trabalho, que poderia ser perpétua (Engbruch & Santis, 2012). As novas mudanças foram feitas

a partir da criação do Código Criminal do Império (lei de 16 de dezembro de 1830), que não

previa a escolha de nenhum sistema penitenciário específico, mas estabelecia, em seu art. 48,

que as penas de prisão:

[...] serão cumpridas nas prisões públicas, que oferecerem maior comodidade, e

segurança, e na maior proximidade, que for possível, dos lugares dos delitos, devendo

ser designadas pelos Juízes nas sentenças. Quando, porém, for de prisão simples, que

não exceda a seis meses, cumprir-se-á em qualquer prisão, que haja no lugar da

residência do réu, ou em algum outro próximo, devendo fazer-se na sentença a mesma

designação.

Uma série de questionamentos surgiu ao longo dos anos em relação à falta de estrutura

das prisões brasileiras e ao modelo de Aurburn, que tinha sido adotado nas primeiras Casas de

Correção construídas no Rio de Janeiro (1850) e São Paulo (1852). Sendo assim, em 1890, foi

sancionado o Novo Código Criminal, em que passou a ser adotado o sistema baseado no projeto

Irlandês, o qual unia o modelo auburniano e o da Filadélfia (Engbruch & Santis, 2012).

O novo Código aboliu as penas de morte, penas perpétuas, açoite e as galés e previa

quatro tipos de prisão: a prisão celular, a maioria dos crimes previstos no Código tinha

esse tipo de punição (art. 45); reclusão em “fortalezas, praças de guerra ou

estabelecimentos militares” destinada para os crimes políticos contra a recém-formada

República (art. 47 do Código); prisão com trabalho que era “cumprida em penitenciárias

agrícolas, para esse fim destinadas, ou em presídios militares” (art. 48 do Código);

Prisão disciplinar “cumprida em estabelecimentos industriais especiais, onde serão

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recolhidos os menores até á idade de 21 anos” (art. 49), uma inovação do Código foi o

limite de 30 anos para as suas penas (Engbruch & Santis, 2012, p. 150).

A realidade vivida dentro das prisões era muito distante do que estava previsto pelo

Novo Código, marcada pelo não cumprimento das leis e pela falta de vagas dentro das

instituições prisionais. Atualmente, o que se percebe das prisões brasileiras não difere da mesma

problemática iniciada no século XIX. Pelo contrário, há um agravante das condições indignas

dentro das instituições e um desrespeito recorrente ao que está previsto nas leis (Engbruch &

Santis, 2012). O sistema penitenciário atual trata-se apenas da reprodução dos antigos

instrumentos utilizados de combate à criminalidade e de punição dos criminosos (Bayer &

Minagé, 2014).

A Realidade dos presídios paraibanos

A Paraíba possui atualmente 79 instituições prisionais, contando com 10.450 presos,

dos quais 3.905 ainda não foram condenados. Segundo Relatórios apresentados pelo Conselho

Estadual de Direitos Humanos da Paraíba (2009; 2012), a partir de visitas realizadas em

presídios de João Pessoa e Campina Grande, no período de 2009 a 2014, a realidade das prisões

paraibanas é de calamidade. No que se refere à quantidade de presos, os presídios apresentam

superpopulação carcerária, o que não difere do cenário dos presídios do restante do país. As

celas mostram-se incapazes de abarcar a quantidade de presos, tendo infraestrutura precária,

com ausência de camas, esgotos abertos e ratos que passeiam entre os presos, sendo necessário

lembrar que as visitas íntimas ocorrem nestas celas. Além disso, há ainda as celas de isolamento,

nas quais os presos que, segundo funcionários de um presídio do estado, tenham descumprido

alguma ordem, são colocados afastados dos outros presos em, se isso é possível, condições

ainda mais desumanas.

Os relatórios apontam também para as denúncias de maus tratos, presos sem

atendimento médico, alguns necessitando do uso de sondas e outros de cuidados dentários.

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Além disso, os presos se queixam da falta de assistência jurídica e da falta de celeridade na

condução dos processos.

As recomendações feitas ao final dos relatórios discorrem sobre a necessidade de

melhorias nos presídios, apontando para a necessidade de transferir urgentemente os presos e

de interditar um dos presídios da capital, devido às inúmeras violações aos direitos humanos.

As solicitações muitas vezes não são cumpridas e a realidade constatada nos relatórios mais

atuais é igualmente violenta.

Em 2012, o Laboratório de Pesquisa e Extensão em Subjetividade e Segurança Pública

(LAPSUS/UFPB) realizou uma pesquisa junto aos familiares dos presos dos presídios de João

Pessoa. Os dados coletados a partir das 235 entrevistas realizadas confirmam os resultados

produzidos pelo relatório do CEDH (2012): são violações durante as revistas íntimas, momento

em que as familiares precisam tirar suas roupas, agachar várias vezes, muitas vezes têm suas

partes íntimas tocadas; agressões verbais e físicas por partes dos agentes penitenciários; acesso

à saúde precário, sendo muitas vezes necessário que as famílias levem os medicamentos para

seus parentes presos; celas sujas, lotadas, sem ventilação; relatos de comidas estragadas;

dificuldade no acesso à justiça, o que representa diretamente no desconhecimento dos direitos;

presos que ainda não foram julgados; presos que já cumpriram a pena, etc.

Historicamente, torna-se explícita a falácia em torno da prisão como produto da

humanização da justiça penal. Além de evidenciar a dissimetria de classes reproduzida em suas

engrenagens, a instituição prisional tem se apresentado como vil, obsoleta e fracassada, com

vistas aos seus objetivos formais (Bayer & Minagé, 2014). Por outro lado, considerando o que

coloca Foucault (2010), pode-se afirmar que o cárcere cumpre “com distinção” suas metas não

declaradas: a docilização de corpos e subjetividades, associada à produção de ainda mais

delinquência.

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A prisão, essa região mais sombria do aparelho de justiça, é o local onde o poder de

punir, que não ousa mais se exercer com o rosto descoberto, organiza silenciosamente

um campo de objetividade em que o castigo poderá funcionar em plena luz como

terapêutica e a sentença se inscrever entre os discursos do saber. Compreende-se que a

justiça tenha adotado tão facilmente uma prisão que não fora, entretanto, filha de seus

pensamentos. Ela lhe era agradecida por isso. ” (Foucault, 2010, p. 242)

A lógica prisional converte apenados em excedentes, configurando-se como um

verdadeiro depósito de “lixo humano”. Após o sequestro do corpo, da alma e do tempo do

condenado, a mortificação existencial (e por vezes física) delineia-se como o caminho

naturalizado pela justiça penal. Nesse sentido, as lógicas da vingança e da imposição do

sofrimento são postas em funcionamento regular, sob os olhares, quase sempre, míopes do

Estado e da sociedade (Wacquant, 1999).

A falácia da ressocialização

A questão da ressocialização é uma temática muito presente no cenário jurídico e

acadêmico. Mesmo entre aqueles que não defendem a forma como se constituem as prisões no

Brasil, com seu caráter violador, costuma-se pensar a ressocialização como função e objetivo

principal a ser alcançado pelas instituições prisionais. Apesar disso, as produções acadêmicas

ainda são relativamente novas e escassas. Entendendo que essa discussão abrange questões

complexas, se faz necessário, primeiramente, relembrar alguns pontos essenciais nesse debate.

No Brasil, no século XIX, o processo de medicalização foi responsável pelas alianças

entre a Psiquiatria e Criminologia, que passaram a discutir a relação crime e doença a partir da

perspectiva lombrosiana. O processo de fortalecimento do pensamento positivista no Brasil e,

especificamente, na construção da criminologia brasileira se deu através da importação de

teorias europeias e da implantação da medicalização social. Foi com esta última que se

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intensificaram as propostas de se pensar o cárcere não mais como instituições depósitos, mas

como instituições terapêuticas, cuja finalidade deveria negar a ideia de exclusão e punição

(Rauter, 2003).

A proposta era de que as prisões constituíssem espaços organizados e higienizados, que

limitassem a convivência entre os presos. O objetivo central era disciplinarizar o cárcere.

Entendendo a realidade do sistema prisional brasileiro, nota-se que esse processo de

disciplinarização das prisões ocorreu de forma gradual e nunca finalizada. Com isto, o retrato

atual dos presídios no Brasil é repleto de instituições depósitos majoritariamente, ao lado de

alguns espaços em que se opera a tecnologia disciplinar.

O discurso médico passa a andar lado a lado com o discurso jurídico, importando teorias

europeias e avançando nas discussões sobre quem seriam os criminosos. A teoria lombrosiana

ganha espaço no cenário jurídico e na sociedade, pois o criminoso passa a ser o foco e suas

características passam a serem identificadas em seus traços físicos. Ainda na corrente

positivista, as discussões ganham um novo olhar e, dando continuidade aos pensamentos de

Lombroso, os estudos de Ferri passam a ganhar espaço. Para além das causas biológicas, passa-

se a falar das causas sociais, dos hábitos de vida e dos comportamentos perigosos. A sociedade,

segundo Ferri, poderia ser dividida em três classes: a moralmente mais elevada, que nunca viria

a cometer um crime, a classe honesta, possuidora de condições favoráveis; a classe mais baixa,

composta por indivíduos pobres, ausentes de educação que, por consequência seria a classe de

delinquentes; e a classe dos que não são totalmente honestos, mas também não nasceram para

serem delinquentes (Lopes, 2002).

Nesse cenário de discursos terapêuticos, aliados ao pensamento da psicanálise criminal

e da própria pedagogia, o discurso da psiquiatria passa a promover as ideias de recuperação,

reeducação e readaptação dos apenados. A ideia da psiquiatria era de medicalizar a lei. A

tentativa era de passar para a medicina a tutela dos loucos criminosos, com a proposta de

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ampliar os casos de inimputabilidade, defendendo a ideia de que os casos de loucura seriam

muito mais abrangentes do que a lei ou a prisão poderiam dar conta. Como aponta Cristina

Rauter (2003), a psiquiatria, mais do que fazer parecer que propõe a diminuição da ação

judiciária, age fortemente com a proposta de controle social e de repressão, através da defesa

de estratégias bem mais requintadas, aliadas ao discurso médico-científico. São os mesmos

controles, a mesma repressão, mas disfarçados de novas formas de gerir o crime a partir de um

aparato tecnológico da disciplina.

Longe de renunciar o seu público para os “cuidados” da Psiquiatria, a ideia era que o

próprio sistema penal conseguisse dar conta de todos os criminosos, modernizando seus

espaços, importando ideia dos saberes “psi” e fazendo uso dos conceitos médicos no seu

funcionamento. O Judiciário, na disputa de espaço com a Psiquiatria, não cedeu seu poder aos

saberes médicos, mas os incorporou ao seu funcionamento.

Caminhando na contramão da história europeia, a criminologia no Brasil, apesar das

importações teóricas, tem especificidades que apontam para o que parece óbvio: a história não

ocorre de forma linear e, no Brasil, as perspectivas criminológicas não cederam espaço para

que outras perspectivas surgissem, mas fundiram-se e hoje compõem os discursos sociais e

jurídicos (Rauter, 2003).

No século XIX e início do século XX, vimos o fortalecimento das ideias positivistas que

influenciaram diretamente à construção do Código Penal de 1890 e que persistem até os dias

atuais, seja na sociedade, no discurso jurídico ou no meio acadêmico. Já no final do século XX,

considerando a perspectiva da psiquiatria muito branda, o judiciário clamou pelo endurecimento

das leis e das penas, construindo, em 1940, o Novo Código Penal, cuja principal influência tem

base na perspectiva liberal, que, assim como as ideias positivistas, tem grande espaço na

realidade atual do Brasil.

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A Psiquiatria trouxe, nessa aliança com os discursos juristas dos últimos séculos,

inovações voltadas para a defesa de que o criminoso seria o doente, que necessitaria de

tratamento e que a pena seria um benefício ao preso, a qual teria função de tratá-lo, buscando

cura e não a punição. Mais recentemente, com o fortalecimento das ideias liberais entre o

Judiciário, principalmente após a construção do Novo Código e da demanda de não ceder

espaço e perder poder para os saberes médicos, as propostas passam a comportar as ideias do

crime como escolha, da pena como medida justa em resposta ao ato negativo e a tradução do

que seria a proposta terapêutica da prisão passa para o paradigma atual, que seria a

ressocialização.

Nessas idas e vindas da história da criminologia no Brasil, nesse embaraço entre os

discursos liberais e positivistas, os discursos vagueiam entre perspectivas diferentes de controle

social e de forte conservadorismo, sendo cada vez mais fortalecidos na realidade brasileira. Os

discursos não avançam, apenas se reforçam, se atualizam e se mantêm circulando entre: a ideia

do criminoso como sujeito doente, que pode ser identificado por determinados traços, sendo

atualmente o público jovem, negro e pobre que compõe os grupos vistos como perigosos,

podendo alguns serem tratados e outros serem incapazes de alcançar a cura por sua natureza

criminosa; pela ideia de sociedade justa e igualitária, do direito penal imparcial, sendo o crime

uma escolha pessoal; e pelo clamor por penas mais severas. Nessa mistura de discursos

positivistas e liberais, a prisão tem sido, na prática, cenário das maiores violações aos direitos

humanos, palco de torturas intensas e, contraditoriamente, se constituindo, em teoria, como

espaço de possível reeducação ou ressocialização (Rauter, 2003).

No campo da ressocialização, o embaraço dessas duas perspectivas também é intenso.

Embora a ressocialização surja juntamente às ideias da criminologia positivista, da pena como

estratégia de tratamento, no Brasil, essa concepção não está dissociada do pensamento liberal.

A influência da Criminologia Liberal é notada ao se pensar a ressocialização como escolha

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individual do preso e como fruto de seu esforço e merecimento. É necessário compreender que

a proposta de ressocialização é, antes de tudo, uma proposta de individualização da pena,

reduzindo ao preso a escolha de voltar ou não a cometer o crime. Dessa forma, discursos

perigosos são formados, entre eles o de que a prisão consiste em um espaço de possível

tratamento e que pode gerar consequências positivas aos que por ela passam e, por outro lado,

de que aquele que não consegue ser ressocializado, ou não se esforçou, ou não se arrependeu o

suficiente.

Partindo do que foi colocado como ressocialização e seu objetivo no âmbito prisional

brasileiro, alguns pontos precisam ser esclarecidos. O primeiro consiste em pensar na

ressocialização em um país cujo instrumento principal para lidar com a criminalidade é o

cárcere e onde o tratamento aos jovens negros e pobres tem sido ou o genocídio ou o

encarceramento.

No Brasil, alguns fatores peculiares escancaram o caráter falacioso da proposta da

ressocialização. Em 1992 a população carcerária alcançava 74 presos a cada cem mil habitantes.

Em dezembro de 2014, os dados saltaram para quase 300 presos por cem mil habitantes,

representando mais de 405% de crescimento (Karam, 2011). O recrudescimento da população

carcerária no Brasil, nas últimas décadas, representa uma ineficácia das propostas de políticas

de segurança pública em lidar com a violência no país, mas, mais do que isso, significa que as

prisões têm se constituído cada vez mais como principal instrumento para lidar com os

problemas sociais. A prisão vem se fortalecendo como instrumento essencial para promover a

manutenção da escala social vertical da sociedade, cuja função primordial é neutralizar e

exterminar os pobres, mantendo os privilégios da classe burguesa.

É nessa lógica de pensamento, desconsiderando a Questão Social como fenômeno

próprio do modo de produção capitalista, que o direito penal tem sido utilizado como resposta

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à maioria dos problemas sociais no Brasil. “O direito penal torna-se o instrumento estatal

preferencial para a gestão de condutas no espaço público” (Souza & Azevedo, 2015, p. 76).

O segundo ponto a ser esclarecido refere-se ao fato de que mesmo que partíssemos da

perspectiva da ressocialização como objetivo a ser alcançado pela pena privativa de liberdade,

a própria realidade dos presídios brasileiros aponta para a desconstrução da eficácia dessa

proposta e, mais do que isso, aponta para a ineficácia das prisões em proporcionar condições

para que essa suposta ressocialização pudesse vir a se efetivar.

A LEP (Lei 7.210, 1984) assegura em seu art. 83 que “o estabelecimento penal,

conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados

a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva”. Segundo os dados do

Infopen (2016), apesar da garantia em lei, apenas 20% da população carcerária tem acesso ao

trabalho dentro das prisões. Na Paraíba este número é ainda mais crítico, apenas 5%. Outro

ponto estabelecido na lei, em seu art. 32 é que “deverão ser levadas em conta a habilitação, a

condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades oferecidas

pelo mercado”. Na maioria dos casos, os trabalhos exercidos pelos presos dentro dos presídios

consistem em atividades manuais, como costurar bolas, e ausentes de significados, cuja

proposta nada tem a ver com a realidade daqueles sujeitos fora das prisões. Para além disso, a

LEP também assegura a remuneração do trabalho do preso, não podendo ser inferior a três

quartos do salário mínimo (art. 29). No entanto, a realidade aponta que muitas vezes esse

trabalho é sequer remunerado.

A LEP (Lei 7.210, 1984) também aponta para a necessidade da assistência educacional.

Em seu art. 17, discorre que essa assistência “compreenderá a instrução escolar e a formação

profissional do preso e do internado”, além disso, garante para os presos jovens e adultos cursos

supletivos de educação, além de cursos profissionalizantes. O Infopen (2016), sobre o nível de

escolaridade dos presos, aponta que apenas 9,5% chegaram a concluir o Ensino Médio. A

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mesma pesquisa também mostra que apenas 13% da população carcerária participa de alguma

atividade educacional.

Em pesquisa realizada com familiares de presos pelo LAPSUS/UFPB nos presídios

masculinos de João Pessoa – PB em 2012, dos 235 familiares entrevistados, cerca de 88%

afirmaram que seu parente preso não exerce qualquer trabalho dentro dos presídios. Nos casos

de resposta positiva, 11,4%, os trabalhos exercidos consistiam em fazer artesanato, trabalhar na

cozinha ou nos serviços de limpeza. A mesma pesquisa apontou que 84,6% dos presos nunca

fizeram curso profissionalizante dentro dos presídios e apenas 13,6% já participaram de curso

de ensino regular nas instituições.

Os dados apontam para a ineficácia em promover educação e trabalho dentro das

prisões, mesmo sendo direito dos presos, garantido na Lei de Execuções Penais. Somando-se a

isto, apesar da falta de dados oficiais que registrem os números de reincidentes nas prisões

brasileiras, alguns estudos apontam para a taxa de 60% de reincidência. Os dados da pesquisa

do LAPSUS (2012) apontam que quase metade dos familiares afirmaram que seu parente preso

é reincidente.

Na prisão o governo pode dispor da liberdade da pessoa e do tempo do detento; a partir

daí, concebe-se a potência da educação que, não em só um dia, mas na sucessão dos dias

e mesmo dos anos pode regular para o homem o tempo da vigília e do sono, da atividade

e do repouso, o número e a duração das refeições, a qualidade e a ração dos alimentos,

a natureza e o produto do trabalho, o tempo da oração, o uso da palavra e, por assim

dizer, até o do pensamento, aquela educação que, nos simples e curtos trajetos do

refeitório à oficina, da oficina à cela, regula os movimentos do corpo e até nos momentos

de repouso determina o horário, aquela educação, em uma palavra, que se apodera do

homem inteiro, de todas as faculdades físicas e morais que estão nele e do tempo em

que ele mesmo está (Lucas, 1838 apud Foucault, 2010, p. 222).

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Ademais, mais que a influência econômica ou a proposta de formar habilidades úteis, o

trabalho penal constitui uma relação de poder, através de atividades vazias de significados, mas

eficientes em submissão individual e ajustamento ao aparelho de produção. Para Foucault

(2010), o trabalho penal tem função de ocupar o detento com atividades puramente mecânicas,

promovendo hábitos de obediência e assujeitamento, eliminando a ociosidade através de

movimentos regulares. “A prisão não é uma oficina; ela é, ela tem que ser em si mesma uma

máquina de que os detentos-operários são ao mesmo tempo as engrenagens e os produtos; ela

os ‘ocupa’ ” (Foucault, 2010, p. 229).

O terceiro ponto consiste em compreender a prisão como espaço cuja função não é

proporcionar consequências positivas aos que passam por ela. É preciso discutir a função da

instituição que tem sido pensada como instrumento para promover a “reeducação’’ e mudança

no comportamento dos sujeitos presos. O cárcere, como coloca Baratta (2002), tem, antes de

tudo, papel de produzir sujeitos desiguais e passivos dessa relação de desigualdade. O cárcere

representa um dos braços da política criminal burguesa, sendo o momento culminante do

processo de criminalização e consistindo na consolidação efetiva da carreira criminosa dos que

passam a fazer parte de seu funcionamento. Baratta (2002) avança e afirma que, longe de ser

uma resposta justa, a prisão é um aparelho de produção de criminalidade, de produção de uma

população criminosa selecionada, com cor e classe específicos.

As prisões surgem com o nascimento do sistema capitalista e, inicialmente, se

apresentaram com o objetivo de inserir e ajustar a classe proletária ao ritmo de trabalho

industrial que se fortalecia e, para tanto, os camponeses que haviam se deslocado após o término

do sistema feudal, e que formavam uma grande massa de “vadios”, precisavam ser relocados e

ocupados. A pena, portanto, se coloca inicialmente com proposta de disciplinar as massas

desocupadas e ajustá-las através do regime de trabalho imposto nas instituições prisionais.

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Apesar das concepções de “reeducação” e “reabilitação” serem mitos burgueses porque,

como está mais que comprovado, o aprisionamento exerce efeitos contrários a uma

possível inclusão positiva do sujeito à sociedade, elas têm sentido na origem do

capitalismo, quando a nascente burguesia precisou inserir o proletariado no monótono,

rotineiro e mecânico ritmo do trabalho industrial moderno. Com efeito, se os operários

não se submetiam à exploração, se não conseguiam vender sua força de trabalho – fosse

por razões voluntárias ou involuntárias – eles encontrariam no aprisionamento um local

onde a exploração era o destino certo, e, aliás, sem o recebimento de um salário.

Portanto, para os capitalistas, o aproveitamento dos internos no trabalho era ainda mais

lucrativo (Kilduff, 2010, p. 243).

Nos dias atuais, a utilização do trabalho e educação como estratégias de disciplinamento

ainda estão presentes, inclusive nos discursos acadêmicos. Para Baratta (2002) a prisão não

pode ser reconhecida como espaço que proporcione a reeducação, fato que pode ser

comprovado pelo histórico de fracassos reformistas das instituições penais na tentativa de

atribuir o caráter educativo e curativo à pena. A finalidade das prisões seria, então, a

neutralização e extermínio daqueles sujeitos para os quais não há lugar na sociedade que não

seja o cárcere (Kilduff, 2010).

O ponto de vista de como encaro o problema da ressocialização, no contexto da

criminologia crítica, é aquele que constata – de forma realista – o fato de que a prisão

não pode produzir resultados úteis para a ressocialização do sentenciado e que, ao

contrário, impõe condições negativas a esse objetivo. Apesar disso, a busca da

reintegração do sentenciado à sociedade não deve ser abandonada, aliás precisa ser

reinterpretada e reconstruída sobre uma base diferente (Baratta, 1990, p. 142).

Deve-se entender que a proposta de ressocialização é uma proposta de disciplinarização

de sujeitos, que se submetem ao modelo capitalista, e que utiliza o trabalho e a educação como

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forma de controle e adestramento. O que não implica dizer que o trabalho e a educação - não

da forma como tem se constituído - não devam ser pauta na luta por melhorias do cárcere. No

entanto, é necessário pensá-los, assim como a saúde, a partir de uma perspectiva crítica, que

não reduza o sujeito encarcerado a atividades puramente mecânicas e desconectadas de

qualquer proposta emancipatória.

A prisão não consiste em uma instituição de controle da criminalidade, mas sim de

potencialização das violências, fundamental no funcionamento do sistema capitalista e que, por

isso, precisa ser extinta. No entanto, isso não implica o engessamento da luta pela garantia de

direitos humanos dentro desses locais. Entende-se que para as demandas atuais e cotidianas, o

Garantismo Penal consiste em uma saída possível e necessária, no sentido de que:

(...) estabelece critérios de razoabilidade e civilidade à intervenção penal,

deslegitimando toda estrutura punitiva que projete uma ideologia de “defesa social”

sobrepondo-se aos direitos fundamentais. Trata-se de um instrumento de luta

(acadêmica, jurídica, social etc.) contrário à irracionalidade do Estado e aos interesses

privados da barbárie em curso (Silva Junior, p. 136).

No entanto, parte-se do entendimento de que a perspectiva garantista é insuficiente para

pensarmos em possibilidades a longo prazo e, sozinha, limita-se a propostas meramente

reformistas. É pela via do Abolicionismo Penal que é possível discutir práticas e estratégias que

possam romper com o sistema penal como um todo.

Todo este conjunto em aberto de reformas penais em escala planetária reconhece que a

prisão é um fracasso, o sistema penal, injusto, lento, retrógrado. Cada reforma apenas

repõe – e isso deve ser dito – um círculo viciado de justiça penal que não suporta o que

escapa da padronização político-cultural (Passetti, 2004, p. 24).

O desafio aos abolicionistas é, de fato, pensar em propostas de educação e trabalho não

alienantes, atuar nas fissuras, sabendo da urgência e da necessidade de se lutar contra as

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situações atuais e reais de torturas, porque estão postas e não podem esperar; mas, entendendo

também que atuar no cotidiano, minimizando as mazelas, apesar de necessário, trata-se apenas

de técnica de “enxugar gelo”, tendo em vista que o cárcere tem por função a produção constante

de sofrimento.

O abolicionismo penal é uma prática anti-hierárquica que não se limita ao sistema penal.

Trata da demolição de costumes autoritários difundidos na cultura ocidental, ancorados

na autoridade central de comando com o direito de dispor dos corpos (Passetti, 2004, p.

11).

Desse modo, entende-se que o desafio deve ser atuar no presente e possibilitar que não

se perca de vista a superação do modelo de sociedade atual e, consequentemente, a abolição das

prisões.

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Capítulo 2: A Psicologia no Contexto Prisional

“Então precisamos nos perguntar que tipo de Psicologia temos produzido, que tipo de

Psicologia continuaremos produzindo, que tipo de críticas e silêncios faremos diante

disso” (Cecília Coimbra).

Histórico da Psicologia Jurídica no Brasil

O século XIX esteve marcado pela ascensão do sistema capitalista e, consequentemente,

pelas novas formas de produção e de relações de poder. O desenvolvimento desse modo de

produção implicou novas formas de controle do tempo, dos sujeitos e dos espaços que esses

estivessem inseridos para garantir maior produção e, consequentemente, maior lucro. As novas

formas de controle da força de trabalho impulsionaram uma série de mudanças nas relações

sociais, principalmente na organização das relações familiares. A família passou a ser um

espaço que necessitava de organização e controle, para que se pudesse garantir a manutenção

da força de trabalho (Parker, 2014).

O capitalismo, marcado pela exploração dos recursos naturais e do trabalho, modificou

as formas de pensar e impulsionou a busca pelo conhecimento, o qual deveria ser objetivo,

científico e “neutro”. É nesse cenário, em meio às transformações das relações econômicas e

sociais e, na busca por novas formas de conhecimentos que pudessem oferecer suporte para o

controle da força de trabalho, que a Psicologia se construiu (Parker, 2014).

Ao passo que as necessidades do Estado foram ampliadas, a preocupação voltou-se para

os espaços das fábricas e para as formas de controle que pudessem tornar os sujeitos em

trabalhadores úteis e produtivos. Desse modo, a atuação da Psicologia no contexto da família

passou a não dar conta dos que conseguiam escapar do funcionamento do modo de produção

capitalista. Passou a ser necessário lidar com os pobres e “vagabundos” e com aqueles que, de

alguma forma, pudessem atrapalhar o movimento de produção, surgindo a necessidade de

peritos e técnicos para controle social.

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A psicologia é um aparato composto por ideias e práticas que emergiu quando a

reprodução das concepções de individualidade isolada, necessárias à manutenção da

ordem do capital, encontrou na construção de uma ciência parcial um momento

importante para a disseminação da estrutura de comando da burguesia (Lacerda Junior,

2010, p. 20)

Os primeiros estudos produzidos pela Psicologia estiveram voltados para a área

experimental, frequentemente considera-se que seu surgimento estaria associado aos

experimentos de Wundt no laboratório de Leipzig, em 1879. As pesquisas iniciais foram

realizadas com especialistas, pessoas treinadas para a prática da observação e relatos de

experiência, e estavam totalmente distanciadas da realidade. Foi somente quando os

experimentos foram ampliados para o público em geral que eles passaram a ser marcados,

principalmente, pela separação do sujeito dotado do saber – o perito – e aquele que deveria ser

manipulado, mensurado e controlado – o sujeito, objeto da pesquisa. O caráter de neutralidade

e de objetividade eram amplamente defendidos e aliavam-se à crença da construção de teorias

imparciais (Parker, 2014).

No final do século XIX, nota-se o fortalecimento das práticas periciais voltadas para os

crimes cometidos por adultos, nas quais solicitava-se o auxílio de outros saberes – entre eles, o

da Psicologia – para embasar o Direito cientificamente. Desse modo, a primeira aproximação

da Psicologia com o Direito se deu através de práticas de averiguação da veracidade dos

discursos dos sujeitos envolvidos em processos jurídicos, a partir de estudos sobre memória,

associação de ideias, percepção e sentidos, campo que ficou conhecido como Psicologia do

Testemunho. A participação da Psicologia, nesses casos, se deu pela elaboração de documentos

que pudessem fornecer, apoiados em dados empíricos, subsídios para a Justiça (Altoé, 2011).

Nota-se, assim, que a Psicologia nasce como suporte para novas técnicas de controle das

massas e, o campo específico ligado às questões jurídicas, surge como ponto de apoio para

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legitimar as práticas do Judiciário de reprodução de estereótipos e criminalização da pobreza.

De modo que as primeiras práticas do psicólogo no âmbito jurídico eram de cunho pericial e

estavam voltadas para elaboração de pareceres técnico-científicos com objetivo de atender a

demanda do judiciário e fornecer documentos que pudessem fundamentar as decisões dos

juízes.

Nesta relação inicial, as práticas psicológicas, que consistiam majoritariamente na

elaboração de psicodiagnósticos para realização de perícia, estiveram fortemente influenciadas

pelo ideal positivista, a partir da adoção de métodos científicos, utilizados pelas ciências

naturais e agora inseridos no campo das ciências humanas, e pela defesa do caráter universal,

objetivo e neutro de suas produções (Altoé, 2011; Brito, 2005).

A preocupação em torno do diagnóstico centrava-se em traduzir em números a avaliação

feita nos diferentes clientes. “Seu QI é de...”, “apresentou escore…no teste...”, como

previsto pelo Positivismo, que cobrava das Ciências Humanas e Sociais o uso do método

quantitativo, utilizado pelas denominadas Ciências da Natureza, acreditava-se que

aquilo em que era possível apontar objetividade era considerado científico (Brito, 2005,

p.12).

No século XX, seguindo a tradição positivista, era esperado que os psicólogos

produzissem conhecimento baseado em evidências, para que, assim, fossem capazes de predizer

comportamentos e também de controlá-los. Com o intenso desenvolvimento industrial, a

demanda do capitalismo voltou-se para a produção de trabalhadores capazes de lidar com

condições mais sofisticadas de trabalho, e foram essas necessidades que ditaram os trabalhos e

estudos da Psicologia da época. O foco voltou-se para aqueles que não se adaptavam ao que o

capitalismo exigia deles, logo, a necessidade de regular os diferentes, os desajustados, os

anormais (Parker, 2014).

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Dessa forma, a inserção da Psicologia no campo jurídico se deu, principalmente, com

enfoque da psicopatologia, através da realização de testes psicológicos. Desse modo, o

psicólogo foi visto, durante a primeira metade do século XX, como testólogo. A utilização

desses testes servia também às demandas já citadas do capitalismo e estava intrinsicamente

ligada à ampliação de técnicas punitivas (Miranda Junior, 1998).

As práticas iniciais centradas no modelo pericial estavam voltadas para a classificação

e controle dos sujeitos e tinham, em sua maioria, análises descontextualizadas e objetificadas,

servindo apenas como técnica de exame, cujo público principal era das classes sociais mais

pobres, os loucos e os “menores” (Miranda Jr, 1998). A busca por uma neutralidade e

objetividade nesse campo resultou em uma Psicologia Jurídica instrumentalista, distanciada das

dimensões sociais, políticas, econômicas e culturais que perpassam qualquer fenômeno

(Arantes, 2004).

Destaca-se que, não se trata, aqui, de iniciar um debate acerca do uso das Ciências da

Natureza e Matemática na Psicologia, nem de discutir sua validade, mas de sinalizar a

importância de não reduzir as práticas da Psicologia no âmbito jurídico ou qualquer outro à

produção de verdades absolutas e descontextualizadas. Trata-se, portanto, de compreender que

existem coisas que simplesmente não podem ser matematizadas (Arantes, 2004).

As ideias de Lombroso da existência de um criminoso nato e da proposta de que o ato

criminoso faz parte de uma personalidade doente e incurável, trouxeram para o campo das

patologias as causas da criminalidade. Surgiu, com a Escola Positivista, distanciando-se do que

é proposto pela Escola Clássica – cujo foco estava centrado no crime- a concepção na

criminologia de sujeito perigoso. É a partir desta perspectiva criminológica e do mito do sujeito

perigoso que se é colocada a noção de periculosidade como elemento central na construção das

políticas criminais (Figueiró, 2015).

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O conceito de periculosidade surge, portanto, com as Ciências Criminais por volta do

século XIX, e está intrinsicamente ligado às práticas atuais da Psicologia no campo criminal. O

delito passa a ser o elemento revelador e central na constituição do sujeito delinquente,

produzindo a personalidade criminosa. Em 1932, Mira y López, através do Manual de

Psicologia Jurídica, já apontava para o uso da avaliação psicológica e suas ferramentas para

diagnosticar os chamados delinquentes e criminosos, com finalidade de intervir e resolver os

problemas de desajustamento.

No Brasil, foi o Código Penal de 1940 que instaurou legalmente os conceitos de

periculosidade, anormalidade, personalidade, entre outros construídos pelos saberes médico e

jurídico, marcando fortemente o crescimento da demanda em se prever, analisar e controlar

comportamentos “desviantes”. Para Cruz (2014, p. 71), “aqui, criamos o nosso próprio

“criminoso nato” ’, sujeitos bem definidos pela cor e pela classe social, considerados mais

propensos ao crime e nos quais as políticas criminais devem centrar suas práticas, focalizando

neles todas as ações punitivas e disciplinarizadoras com objetivo de manter a ordem social.

A influência positivista nos chegava não apenas através das obras europeias mas,

igualmente, dos congressos internacionais, sendo seus postulados acatados

acriticamente, devido à sua utilidade e ao seu caráter cientifico (logo irrefutável), como

“normas universais” por uma minoria ilustrada. Se aqui os fatos não se adequassem à

teoria... ora, pior para os fatos (Cruz, 2014, p. 73).

A individualização das penas e a ideia de sujeitos de personalidade perigosa ganharam

força, trazendo como consequência a necessidade de procedimentos e técnicas que pudessem

detectar o perfil do criminoso e proporcionar as “melhores” formas de tratamentos penais. A

prisão passa a ser, portanto, cenário de atuação de especialistas com olhares científicos, cuja

principal função seria auxiliar a tomada de decisão para mudança de regime penitenciário

(Rauter, 2003).

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Cabe frisar a importância que esses pareceres e laudos tinham sobre o futuro de cada

preso, pois eram esses documentos que definiam o tratamento e a permanência ou não dessas

pessoas nas unidades prisionais. O aparelho judiciário esperava um retrato fiel do criminoso e

previsões, com caráter científico, do que cada preso poderia vir a fazer, assim como das

possibilidades de reincidência (Rauter, 2003).

Virão laudos que são piores do que devassas a pretexto de anamneses, com diagnósticos

arbitrários e prognósticos fatalistas. A vida do réu e, também, a da vítima são

vasculhadas. O anátema atinge a família por uma conjectura atávica. O labéu ultrapassa

gerações. Remotos e ridículos preconceitos distribuem estigmas. O processo penal, além

de todas as ocupações e preocupações, será atado ao torvelinho dos habituais e

tendenciosos falsários bem pagos, com humilhações e vexames para o acusado e sua

família, para a vítima e sua família, com base em ‘quadrinhos’ e formulários (Lyra, 1977

citado por Carvalho, 2004, p. 147).

Para Rauter (2003), o aparelho judiciário “é a instância que possibilita e assegura as

condições de exploração que um grupo de indivíduos exerce sobre outro na sociedade” (p. 19).

Para tanto, faz uso da violência explícita como a atuação policial e as prisões, e, para além disso,

faz uso de saberes que possam instrumentalizar e validar tais práticas repressivas, dando caráter

de cientificidade.

No Brasil, a relação entre a Psicologia e o Direito é datada desde antes da

regulamentação da própria profissão de psicólogo, que se deu a partir da Lei 4.119 (1962). É

difícil delimitar precisamente a data da inserção dos psicólogos nesse campo, porém, alguns

marcos foram especialmente importantes para que a discussão acerca da atuação dos psicólogos

nessa área possa ser problematizada.

Cabe ressaltar que o fim da ditadura militar e, consequentemente, a maior abertura

política, especialmente no eixo Rio - São Paulo- Belo Horizonte nos anos 80, intensificaram as

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discussões acerca da elaboração da Constituição Brasileira e os debates sobre garantia de

direitos humanos e cidadania. Fruto dessas discussões e de inúmeras mobilizações, trazendo a

perspectiva de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e atentando para a

responsabilidade do Estado, da sociedade civil e da família; e substituindo o Código de Menores

(1979), foi promulgado a Lei n. 8069/90 (ECA). Entre os vários avanços proporcionados pelo

ECA pode-se mencionar a mudança em relação ao tratamento das crianças e dos adolescentes

que cometeram algum ato infracional (Altoé, 2001).

No campo da Psicologia Jurídica, a promulgação do ECA impulsionou mudanças na

prática dos psicólogos no âmbito da Justiça, principalmente nos trabalhos desenvolvidos junto

às Varas da Família e Infância e Juventude, suscitando também questionamentos sobre a

elaboração dos psicodiagnósticos e promovendo debates acerca de novas formas e

possibilidades de atuação.

No que se refere à área acadêmica, destaca-se a prevalência da perspectiva positivista

nos primeiros passos da Psicologia Jurídica dentro das universidades. A pioneira no campo foi

a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) que, em 1980, a partir das demandas dos

psicólogos pela realização de exames para atender os operadores do direito criou o curso de

“Psicodiagnósticos para fins jurídicos”, o qual estava vinculado ao departamento clínico.

Somente seis anos após a criação do curso, a partir da realidade e das discussões que estavam

sendo produzidas no campo da defesa por direitos humanos e pela desvinculação da prática dos

psicólogos à elaboração exclusiva dos psicodiagnósticos, foi realizada uma reformulação,

transferindo-o para o departamento de Psicologia Social e tornando-o em um curso de

especialização em Psicologia Jurídica.

No âmbito prisional, embora registros não oficiais remetam à inserção dos psicólogos

há mais de 40 anos, foi com a promulgação da LEP, em 1984, que instituía a necessidade da

realização de exames criminológicos, que o psicólogo começou a se inserir, apoiado em lei, no

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cenário prisional (Lago et al, 2009). A LEP (1984) aborda a necessidade da Comissão Técnica

de Classificação (CTC), a qual se constitui por um diretor e, no mínimo, por 2 chefes de serviço,

1 psiquiatra, 1 psicólogo e 1 assistente social.

A CTC tem como objetivo elaborar o parecer técnico para orientação jurídica à

progressão e o programa de individualização da pena privativa de liberdade adequado ao

condenado ou preso provisório a partir de exames gerais e criminológicos. Em seu artigo 8º, a

LEP (1984) determina: “O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em

regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos

necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução”. Além

disso, conforme o artigo 176 da lei, poderá o Juiz “ordenar o exame para que se verifique a

cessação da periculosidade”.

O exame criminológico era construído, principalmente, a partir da coleta da história do

sujeito examinado. Fazia-se necessário entender o histórico familiar do preso, mas não como

forma de problematizar as questões sociais e a possível ausência do Estado durante sua vida,

mas sim, para detectar traumas e aspectos familiares e afetivos que pudessem determinar o

cometimento do crime. O exame construía-se, majoritariamente, na produção da relação causa-

efeito, em acontecimentos dados, descontextualizados. Constantemente, a família era o alvo

principal de culpabilização para o sujeito ter cometido o crime. Aqueles que não tinham pais

ou, quando tinham, esses eram alcoólatras, prostitutas ou ausentes, eram, em geral, o perfil de

quem havia entrado para o mundo do crime. A ausência de políticas públicas efetivas, a

condição social e, enfim, todas as dimensões socioeconômicas que perpassam essa discussão,

não eram consideradas na construção do exame criminológico. “Um determinismo cego,

mecânico e simplista é o que caracteriza estes laudos de exame” (Rauter, 2003, p. 90). Em nota

técnica, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) esclarece que:

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O exame criminológico realizado por psicóloga (o) que atua como profissional de

referência e em programas de reintegração social não é compatível com os princípios

éticos e técnicos da profissão. O exame é considerado uma perícia, e este profissional

de referência desenvolve um vínculo com a pessoa atendida, inviabilizando a

imparcialidade / neutralidade para a produção da prova pericial. Outro aspecto

importante a considerar é a ausência de condições para análise contextualizada do

indivíduo que considere os condicionantes históricos e sociais e seus efeitos no

psiquismo (Nota Técnica sobre a suspensão da Resolução CFP 012/2011, 2015, p.5).

Enquanto os psicólogos buscam “neutralidade” e os acontecimentos que possam

determinar o crime, culpabilizando a família ou levando o crime para a dimensão individual e

biológica, a relação do preso com o exame se dá por pura simulação, possuindo todas as

justificativas para se constituir assim. É de conhecimento do preso o que o profissional que o

está indagando quer ouvir: o conformismo, a ausência de emoções, o arrependimento. Não

existe, nessa relação perito-preso, qualquer verdade. O profissional tem o poder de definir o

futuro de quem o responde e, sabendo disso, cabe ao preso saber o que responder, mostrar

arrependimento do ato cometido, confirmar o que consta nos autos e não demonstrar, em

nenhum momento, qualquer resistência ou crítica às diversas violações sofridas, pois “a fala do

detento deve ser a fala dos autos” (Rauter, 2003, p. 101). Não se considera, por exemplo, a

forma como a maioria daquelas pessoas foi presa, a forma como esses autos são produzidos e a

forma como as provas dos casos são recolhidas, mediante, em sua maioria, a prática de torturas

físicas e psicológicas e ausência de defensor.

Ainda mais assustador é pensar que se parte do pressuposto de que o “tratamento”, o

ambiente regenerador dessa personalidade perigosa é a prisão, local que por si só já se configura

como violento, e soma-se a esses fatores o fato de que as prisões hoje são verdadeiros campos

de concentração. A ideia de pena-prisão como possibilidade para qualquer consequência

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positiva é pura falácia, e a função da produção desses documentos é fabricar a ideia da prisão

como eficaz (Rauter, 2003).

A Psicologia brasileira precisa se voltar para a sociedade. Precisa se perceber como uma

intervenção política na sociedade. A história de nossa ciência e de nossa profissão

mostra que sempre estivemos comprometidos com interesses sociais. Sempre fizemos

de nossa ciência e de nossa profissão um instrumento político. No entanto, a revisão

histórica mostra que estivemos comprometidos com os interesses das elites brasileiras.

Queremos, com a perspectiva histórica na Psicologia, reverter esse processo e nos

comprometermos com outros setores da população (Bock, 2004, p.10).

Ainda hoje é nítida a presença de discursos que estigmatizam e estereotipam baseados

na defesa pela suposta cientificidade tão disseminada no século XIX. A prática atual, mesmo

com seus avanços, ainda está marcada por ideias de associação da pobreza com a criminalidade;

de periculosidade; do sujeito perigoso; de família desestruturada; da falta de trabalho como

caracterização de um sujeito preguiçoso com possibilidade de cometimento de um crime. Esses

discursos se atrelam à proposta de ressocializar, tratar, recuperar e quase sempre, a punição, os

mecanismos de controle social e a prisão, são vistos como espaços em que essas ideias podem

se efetivar (Arantes, 2004).

Foucault (2010) discorre sobre a necessidade de se atentar para as verdades produzidas

por esses saberes e como elas estão intrinsicamente ligadas à produção de uma realidade que

ajuda a legitimar práticas de normalização e ajustamento. Portanto, é fundamental

problematizar as práticas e repensar o lugar do psicólogo dentro das instituições prisionais,

pensando também em possiblidades de atuação, na reflexão acerca das políticas públicas e na

análise de condições para que os direitos humanos sejam respeitados. É necessário ressignificar

as demandas impostas e refletir sobre as transformações no campo social para romper com a

lógica estritamente individual. Ademais, pensando no compromisso social, há necessidade de

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ocupar os espaços para além de apenas aumentar o número de psicólogos nesses campos, mas

também em construir respostas a partir das demandas da população, rejeitando teorias e técnicas

desvinculadas das particularidades de cada cultura.

Se entendermos a Psicologia, assim como Política, não em cima desses modelos

hegemônicos pelos quais nos guiamos, mas como produções históricas, como territórios

não separados, mas que se complementam e se atravessam constantemente, poderemos

encarar nossas práticas não como neutras, mas como implicadas no e com o mundo

(Coimbra, 2002, p. 10).

Assim, delimitado o percurso da Psicologia Jurídica no Brasil, destaca-se seu histórico

no comprometimento com as elites brasileiras e sua contribuição na criminalização de pessoas

pobres e negras, além da análise da importância de alguns marcos legais, como o ECA, na

proposta de repensar essas práticas. Isto posto, considerou-se necessário adentrar nos meandros

mais técnicos do trabalho dos psicólogos nesse campo de atuação, especificamente sobre o que

vem sendo produzido e discutido acerca da atuação desses profissionais nas prisões brasileiras.

Documentos norteadores para a prática do psicólogo no âmbito prisional

A prática do psicólogo, especificamente no sistema prisional, vem sendo realizada ao

longo dos anos sem uma formação específica na área e sem se constituir como uma discussão

presente nas universidades. As influências positivistas e liberais nas práticas e estudos desse

campo sempre foram majoritárias. No entanto, nos últimos anos, uma série de questionamentos

sobre a utilização dessas perspectivas, das práticas de mensuração e previsão de

comportamentos foram levantados, provocando discussões sobre o campo e também sobre a

inserção desses profissionais.

Os novos debates sobre o trabalho do psicólogo nos presídios estão longe de serem

consensuais, seja pelas divergências de concepções dentro da Psicologia, seja pelo próprio

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modo como o judiciário entende o papel do psicólogo nos espaços jurídicos/prisionais. Apesar

disso, alguns avanços podem ser identificados nas discussões produzidas ao longo dos últimos

anos. Dessa forma, o objetivo desta seção é identificar alguns dos principais documentos

norteadores produzidos sobre o trabalho do psicólogo no sistema prisional brasileiro e, a partir

desses, discutir os avanços, limites e desafios na prática dos profissionais que atuam nesse

campo.

Foi com o objetivo de suscitar novas formas de se pensar e novos caminhos para a prática

da Psicologia nas instituições prisionais que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) junto ao

Ministério da Justiça, em 2007, propôs as Diretrizes para atuação e formação dos psicólogos do

sistema prisional brasileiro (2007), as quais apontavam que o psicólogo deve visar:

2. Atuar de forma a desconstruir o conceito de que o crime está relacionado unicamente

à patologia ou história individual, ao biográfico, e enfatizar os dispositivos sociais que

promovem a criminalização;

3. Promover dispositivos junto às pessoas presas que estimulem a autonomia e a

expressão de sua individualidade, disponibilizando recursos e meios que possibilitem

sua participação como protagonistas na execução da pena (p. 104).

As Diretrizes propostas pelo CFP (2007) têm como objetivo problematizar a prática da

Psicologia dentro do sistema prisional, buscando uma nova forma de lidar com a criminalidade,

pautada pelos direitos humanos, pela justiça e, principalmente, pela educação, por meio de uma

formação continuada que propicie a reflexão crítica constante do saber/fazer. As Diretrizes

propõem a transdisciplinaridade, a qual busca uma “compreensão crítica dos fenômenos sociais,

econômicos, culturais e políticos do país, fundamentais ao exercício da cidadania e da

profissão” (p. 113).

Além dessas questões, o documento trouxe também a discussão acerca da produção do

exame criminológico. No debate, foi apontada a necessidade da desconstrução do trabalho do

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psicólogo nas previsões de comportamentos e foram elaboradas críticas à permanência da

associação da atuação da Psicologia no campo prisional aos exames e às CTC’s.

Enquanto não for abolido, o psicólogo, na construção dos seus laudos e pareceres, deve

contribuir para a desconstrução de tal exame, questionando conceitos como a

periculosidade e a irresponsabilidade penal, realizando-os numa abordagem

transdisciplinar, como um momento de encontro com o indivíduo, resgatando o saber

teórico e contribuindo para revelar os aspectos envolvidos na prisionalização (CFP,

2007, p. 106).

Com a proposta de dar continuidade às problematizações acerca do lugar do psicólogo

dentro do sistema prisional e do funcionamento das unidades prisionais, o CFP divulgou outro

documento, em 2010, voltado para o debate sobre esse campo de atuação, intitulado Atuação

do psicólogo no sistema prisional (CFP, 2010). Trata-se de um relatório que abarca uma série

de questões sobre a ineficácia do sistema prisional brasileiro, problematizando o clamor da

sociedade e o apelo midiático por medidas punitivas, que, historicamente, não têm conseguido

dar conta da criminalidade no país e, muito pelo contrário, têm por objetivo a criminalização

das classes mais baixas e de jovens negros. Além disso, apontou para a necessidade de

problematizar o dispositivo da prisão enquanto instrumento de extermínio que, embora no

campo legal, aponte para a finalidade de promover a ressocialização e colaborar com

diminuição da violência, na prática tem servido para neutralizar pessoas e produzir

delinquência.

Assim, o relatório consiste em um passo importante na discussão, ao trazer de forma

objetiva o posicionamento acerca das funções reais da prisão, enquanto instrumento produtor

de mais violência, incapaz de educar, e cujas preocupações e funções primordiais são a punição,

o extermínio e a garantia da manutenção do modo de produção vigente. As discussões sobre a

função das prisões dentro da sociedade capitalista e, especificamente, dentro do cenário

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brasileiro, são fundamentais para compreender o lugar do psicólogo nesse espaço, romper com

as práticas positivistas - cujo objeto de estudo reduz o sujeito preso ao crime cometido - e trazer

para debate a função do psicólogo como profissional que vise a desconstrução dos estigmas

produzidos pelo cárcere.

Outros dilemas perpassam a Psicologia no contexto prisional, destacando-se a ausência

de consenso dentro da própria Psicologia no que se refere ao que cabe ao psicólogo nesses

espaços e, também, a sua relação com o Judiciário. Ainda em 2010, o CFP regulamentou através

da Resolução 009/2010 a atuação do psicólogo no âmbito do sistema prisional. Este avanço foi

fruto de uma série de discussões fomentadas em espaços de eventos regionais e nacionais, como

o I Encontro Nacional de Psicólogos do Sistema Prisional; os Congressos Nacionais de

Psicologia, realizados entre 2004 e 2010; o II Seminário Nacional sobre o Sistema Prisional,

realizado no Rio de Janeiro, no qual deflagrou-se a moção contra o exame criminológico; o

Seminário Psicologia em Interface com a Justiça e Direitos Humanos: Um Compromisso com

a Sociedade, promovido em Brasília em 2009.

A Resolução 009/2010 previa a garantia dos Direitos Humanos e a desconstrução da

ideia de patologização e individualização do crime. A resolução foi um marco no que se refere

às novas formas de pensar Psicologia, pois colocava, em seu Art. 3º, como atribuição do

psicólogo, a contribuição “na elaboração e proposição de modelos de atuação que combatam a

culpabilização do indivíduo, a exclusão social e mecanismos coercitivos e punitivos”. O avanço

também aconteceu no sentido de que o psicólogo não mais poderia realizar o exame

criminológico, pedido pela LEP, nem participar de ações que envolvessem caráter punitivo e

disciplinar.

a) Conforme indicado nos Art. 6º e 112º da Lei n° 10.792/2003 (que alterou a Lei n°

7.210/1984), é vedado ao psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar

exame criminológico e participar de ações e/ou decisões que envolvam práticas de

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caráter punitivo e disciplinar, bem como documento escrito oriundo da avaliação

psicológica com fins de subsidiar decisão judicial durante a execução da pena do

sentenciado (Resolução 09, 2010, p. 2)

Apesar do avanço que a referida Resolução trouxe, as divergências acerca do papel do

psicólogo no sistema prisional se intensificaram, fato que motivou a reformulação da

Resolução, tendo em vista que alguns psicólogos se sentiam lesados pelo que estava disposto

no documento. Dessa forma, foi elaborada a Resolução 012/2011, substituta da Resolução

produzida em 2010. Embora não vede a realização do exame criminológico, a nova resolução

normatiza a prática da avaliação psicológica para atender demandas judiciais e veda a produção

de documentos que visem a aferição de periculosidade ou possibilidade de reincidência,

reconhecendo que não cabe ao psicólogo prever o cometimento de um crime.

Sabe-se hoje que o que se convencionou chamar de ‘Exame Criminológico’ que, aliás,

de exame nunca nada teve, por não ser científico, não é ético. A nenhuma categoria

profissional é dado prever o futuro, como ou sem bolas de cristal, com vistas a fornecer

prognóstico de condenado (...) como profissionais da Psicologia, não temos

fundamentação científica que possa prever se a pessoa que está presa cometerá

futuramente outro crime. Ao contrário da bola de cristal, o Exame Criminológico jamais

poderá prever o futuro, pois o que é dito na relação do examinado com o psicólogo se

estabelece neste contato pontual, no aqui e no agora, como uma foto que apreende

naquele instante. Diante disso, é ético opinar sobre a vida futura da pessoa presa a partir

de suposições sobre atos que não aconteceram? (Freitas et al, 2013, p. 27-28)

É nítida a ausência de consenso sobre o que o psicólogo deve ou não fornecer dentro do

cenário prisional. Historicamente a Psicologia sempre esteve no lugar de fornecer elementos

para a tomada de decisão do Judiciário, legitimar suas práticas e atrelar às suas decisões o

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caráter científico, sendo assim, as discussões sobre a atuação dos psicólogos nos presídios não

ficam só dentro da Psicologia.

Foi por meio de uma ação civil pública, movida pelo Ministério Público Federal contra

o Conselho Federal de Psicologia e Conselho Regional de Psicologia da 7ª Região (RS), no dia

10 de abril de 2015, que a Resolução 012/2011 foi suspensa em todo o território brasileiro,

assim como todo e qualquer procedimento ou processo administrativo destinado a apurar

eventual descumprimento dos psicólogos.

Atualmente, a Resolução 012/2011 encontra-se suspensa, comprometendo a autonomia

desses profissionais e indicando a ausência de consenso acerca da atuação do psicólogo no

sistema prisional, o que reforça a necessidade de se promover estudos e debates sobre a

temática. É necessário também promover questionamentos acerca do que tem se esperado do

psicólogo dentro das prisões e o que representa a suspensão de uma Resolução que discorre

sobre a proibição da participação do psicólogo em práticas punitivas.

Segundo Popolo (1996), a relação entre Psicologia e o Direito se dá pela subordinação.

Historicamente, a Psicologia dentro do campo jurídico esteve submetida aos pedidos do campo

do Direito, objetivando atender suas necessidades e contribuindo para o “melhor

funcionamento” do aparato judiciário. Sendo assim, as mudanças nas perspectivas de atuação

do profissional da Psicologia e o rompimento com as ideias de se submeter aos pedidos do

judiciário têm esbarrado nas dificuldades de se estabelecer práticas que fujam do caráter penal

proposto pela Ciência Jurídica.

Ainda com relação aos avanços referentes ao que se é proposto para a prática dos

psicólogos, foi apresentado, em 2012, o documento de Referências Técnicas para a atuação do

Psicólogo no Sistema Prisional (CFP, 2012) pelo Centro de Referência Técnica em Psicologia

e Políticas Públicas (CREPOP) e pelo CFP. O CREPOP foi criado em 2006 e corresponde à um

dispositivo técnico-político de pesquisa do Sistema de Conselho de Psicologia com finalidade

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de promover o fortalecimento da relação entre a Psicologia e os Direitos Humanos e as Políticas

Públicas.

As “Referências Técnicas para a atuação do Psicólogo no Sistema Prisional” divulgadas

pelo CREPOP resultam de uma pesquisa realizada nacionalmente com foco na atuação dos

psicólogos, com objetivo de investigar a realidade dessas práticas. Através da pesquisa, o

CREPOP pôde observar as condições precárias em que os psicólogos brasileiros desenvolvem

suas atuações nas prisões. Estes profissionais enfrentam desde a baixa remuneração,

dificuldades de relação com os agentes penitenciários, demanda por exames criminológicos até

a alta carga horária.

O documento recomenda, portanto, a tomada de uma postura crítica que permita os

profissionais refletirem que tipo de práticas estão exercendo e verificarem se essa prática condiz

com o que é proposto para a garantia de direitos humanos e o que é proposto legalmente para

atuação dos psicólogos. É destacada também a importância dessa atuação não se limitar às

instituições prisionais, mas também trabalhar em rede, buscando unificar-se a outros serviços.

Por fim, é vedada a realização de exames criminológicos, tendo em vista o fato do psicólogo

não ter atribuições periciais.

Em discussão promovida pelo CFP, em 2015, a psicóloga Fátima França10 apontou para

a necessidade de se discutir sobre as condições degradantes de atuação dentro dos presídios. O

cenário que os profissionais desenvolvem suas práticas é marcado pela precariedade dos

ambientes físicos e ausência de materiais adequados. No que se refere à remuneração, por vezes

é inferior ao de agentes sem formação superior e os vínculos de trabalho são extremamente

precarizados. Além disso, outro fator destacado é a impossibilidade do sigilo profissional e a

10 Atualmente é psicóloga do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo, coordenadora do Comitê de Ética da

Secretaria da Administração Penitenciária, docente da Universidade Nove de Julho e Coordenadora do curso de

Especialização em Psicologia Jurídica do Instituto Sedes Sapientiae e membro da Comissão de Política Criminal

da OAB-SP.

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permanente tensão entre, de um lado, os discursos e práticas de segurança pública e defesa

social e, de outro, o que é considerado desejável para o trabalho do psicólogo.

Em 2016, dois documentos importantes foram construídos para ampliar o debate no

campo. O primeiro refere-se ao “Parecer técnico sobre a atuação do psicólogo (a) no âmbito do

sistema prisional” (CFP, 2016), cujo objetivo é afirmar o posicionamento da Psicologia

enquanto ciência e profissão. O Parecer foi elaborado em resposta à suspensão da resolução

12/2011 e critica a interferência do sistema jurídico-legal, ao extrapolar suas funções, atingindo

questões técnicas, éticas e políticas da Psicologia.

E, mais recentemente, em dezembro de 2016, foi publicado um novo documento,

intitulado “O Trabalho da (o) psicóloga (o) no sistema prisional: problematizações, ética e

orientações” (França, Pacheco & Torres, 2016), contribui para a divulgação das condições

degradantes de trabalho nas prisões brasileiras e promove a reflexão acerca de que trabalho está

sendo desenvolvido nesses espaços e em que condições. O objetivo central do documento é a

produção de referências teóricas, técnicas que possam pautar e qualificar a prática do psicólogo

nas instituições prisionais. É também apontada a problemática referente à Resolução nº12/2011,

bem como as questões acerca da produção dos exames criminológicos e do Código de Ética.

São discutidas também propostas de atuação dentro dos espaços prisionais, através da defesa

da garantia dos direitos humanos e do abolicionismo penal como horizonte necessário para

prática psicológica.

Além dessas questões, o referido documento (França et al, 2016) também abarca o

“Parecer Técnico sobre a Escala Hare Pcl-R”, o qual discorre criticamente acerca da utilização

do referido teste na medição dos níveis de periculosidade dos sujeitos encarcerados. Nessa

discussão, apontam-se as incompatibilidades do teste com os princípios éticos, constitucionais

e legais. Destaca-se, do ponto de vista legal, que são considerados como itens de avaliação

comportamentos que não são criminalizáveis na legislação brasileira, como a vadiagem noturna

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e o incesto. O teste também utiliza critérios questionáveis para avaliar a periculosidade dos

sujeitos, que incluem a orientação sexual e que se baseiam no modelo católico-cristão, como

observa Yamada (2016), ficando evidente no item “ausência de remorso ou culpa”, violando

pontos do Código de Ética do psicólogo, como:

II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas

e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente

a realidade política, econômica, social e cultural.

Art. 2º – Ao psicólogo é vedado:

a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão (CFP, 2015).

De forma geral, alguns avanços foram realizados na discussão sobre o trabalho dos

psicólogos no sistema prisional, a partir da construção de documentos, pesquisas na área e de

espaços de diálogo, porém, estes ainda são insuficientes para superar os desafios no campo. Há

muito o que se discutir no âmbito legal, na relação com o Judiciário e na própria Psicologia

sobre o que se espera desses profissionais e há ainda muito no que se avançar na discussão de

uma Psicologia que esteja mais comprometida com a abolição das prisões.

É reconhecido que historicamente a inserção dos psicólogos no sistema prisional tenha

se dado a partir da sua relação com o sistema de justiça e o campo do Direito, de modo que

muitas discussões, avanços e pesquisas, têm sido realizadas dentro dessa temática ampliando o

debate acerca do trabalho do psicólogo nas prisões. Os pontos destacados nesse tópico a partir

da identificação e discussão de alguns dos principais documentos produzidos no campo, como

a questão que envolve a produção do exame criminológico, os laudos, as críticas sobre a relação

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de submissão com o aparato judiciário, entre outros, mostram como a discussão da Psicologia

nesse campo tem estado ligada às questões que envolvem o sistema de justiça.

No entanto, na Paraíba especificamente, o psicólogo está travestido de profissional de

saúde e se insere nos espaços prisionais a partir de uma política de implementação do SUS, que

será abordada de forma mais aprofundada no tópico seguinte. Sendo assim, a Psicologia se

insere no sistema prisional paraibano (e em outros estados brasileiros), nos últimos anos, sob o

discurso da saúde, em equipes que deveriam atuar no interior dos presídios como extensão da

saúde da família. Dessa forma, nota-se que pouco se tem produzido no debate sobre o trabalho

desses profissionais por essa via e pouco se discute especificamente sobre o que significa a

inserção dos psicólogos deixar de ocorrer com finalidade de produzir documentos que visem a

progressão de regime e passem a se deter às equipes cujo objetivo deve ser o de prevenção e

promoção da saúde.

As políticas sociais de saúde no sistema penitenciário

A inserção de psicólogos com as temáticas envolvendo a questão social e o

compromisso social nem sempre estiveram em pauta na Psicologia. Na verdade, os primeiros

estudos e pesquisas da Psicologia estiveram voltados para atender a demanda da elite e tinham

como área prioritária a atuação individual em consultórios clínicos. A Psicologia se construía,

portanto, como uma ciência que visava atender os privilegiados, a classe alta. Somente a partir

do término do período ditatorial, consequentemente, o fortalecimento e a rearticulação dos

movimentos sociais e, aliado a esses fatores, a crise mundial do capitalismo, é que as discussões

sobre a formação e o perfil dos psicólogos puderam se intensificar (Yamamoto, 2013).

Nota-se, nesse cenário, o enfraquecimento do modelo de atuação tradicional do

psicólogo e o aumento dos debates teórico-ideológicos acerca da redefinição de perfil do

profissional da Psicologia. O processo de redemocratização na década de 1980 e a redefinição

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do setor de bem-estar social trouxeram também, para além das discussões, uma ampliação no

campo de atuação a partir da criação de novos espaços de trabalho, que objetivava atender as

demandas sociais Apesar da importância dos debates teórico-ideológicos acerca da

aproximação da Psicologia com o compromisso social, o fortalecimento da inserção de

psicólogos no campo ocorreu, principalmente, devido às questões econômicas que geraram o

aumento de oportunidades de emprego. É no bojo dessas transformações econômicas, sociais e

políticas que a Psicologia passa, a partir do elastecimento do mercado de trabalho, a se inserir

e atuar nas camadas mais baixas da sociedade (Yamamoto, 2013).

A maior inserção da Psicologia no campo das políticas sociais deve-se, entre outros

fatores, à impulsão que essas políticas vêm sofrendo ao longo dos últimos anos, ou seja, uma

intensificação na discussão acerca do compromisso social e das mudanças necessárias para uma

maior aproximação dos psicólogos às classes mais baixas, tendo em vista o caráter elitista que

a Psicologia possui historicamente (Seixas & Yamamoto, 2012).

Ainda que a inserção dos psicólogos nas políticas sociais tenha acontecido, de forma

geral, a partir das mudanças econômicas e da retração do mercado de trabalho, foi possibilitada,

a partir da entrada de profissionais nessas políticas e do aumento do acesso das classes mais

pobres a esses programas, uma maior discussão acerca da necessidade de se debater o

comprometimento com a luta contra as desigualdades sociais dentro da Psicologia. Porém,

destaca-se que o debate acerca de uma atuação comprometida ainda não é homogêneo dentro

da profissão e muito menos tem conseguido dar conta de se repensar estruturalmente as práticas

atuais, especialmente no âmbito prisional.

Ao passo que pode-se destacar avanços relevantes no campo das políticas sociais no

Brasil a partir da década de 1980, no campo prisional o fortalecimento de políticas que visassem

a garantia de direitos e a luta contra as desigualdades sociais não ocorreram com a mesma força,

pelo contrário, notou-se um aumento de medidas punitivas e de encarceramento. Desse modo,

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mesmo que os avanços na discussão acerca de cidadania e garantia dos direitos humanos tenham

ocupado lugar de destaque na sociedade brasileira a partir da ação dos movimentos sociais, no

campo da segurança pública e penitenciária, permanece constantemente reforçada a lógica da

desumanização e da retirada de direitos daqueles vistos como desviantes e desajustados.

Considerando que, embora historicamente a inserção da Psicologia no sistema prisional

tenha ocorrido a partir da vinculação dos profissionais às CTC’s e da produção dos exames

criminológicos, mais recentemente, a entrada dos psicólogos nas unidades prisionais, em

especial nas paraibanas, passa a se dar por meio da vinculação às equipes de saúde. Desse modo,

dentre os direitos negados à população prisional, será destacado no presente tópico o direito à

saúde, tendo em vista que é por meio da defesa de sua promoção que os psicólogos têm se

inserido nas instituições.

O acesso aos serviços de saúde está regulamentado pelos dispositivos legais como a

Constituição Federal (1988), que rege sobre o Sistema Único de Saúde (Lei nº 8.142, 1990) e a

Lei de Execução Penal (Lei 7.210, 1984). No âmbito prisional, a discussão sobre garantias de

acesso à saúde e outros direitos só ganhou força a partir do processo de redemocratização do

país. Ainda que o período não tenha representado uma mudança estrutural e uma consolidação

na democracia brasileira, alguns avanços conquistados pelo fortalecimento dos movimentos

sociais são notoriamente importantes. No que se refere às instituições prisionais, a LEP (1984)

é o primeiro marco fundamental para a promoção de direitos aos presos e garante, em seu art.

14, a assistência à saúde do preso como direito.

Partindo do entendimento da saúde como direito de todos e dever do Estado, e da

necessidade de estabelecer uma medida voltada para as pessoas presas consoante ao SUS,

ampliando as diretrizes de saúde da LEP, foi criado o Plano Nacional de Saúde no Sistema

Penitenciário (Ministério da Saúde, 2003). Para além da ampliação, há diferenças importantes

e que merecem destaque entre a Lei e o Plano citado. Enquanto que na primeira o cerne era no

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tratamento e nas especialidades (medicina, farmácia e odontologia, conforme o art. 14), no

Plano, o foco encontra-se na atenção integral, de modo que se priorizam ações de cunho

preventivo, de promoção e de atenção básica. A transição para a “atenção integral” proposta

pelo PNSSP (Ministério da Saúde, 2003), a qual vai ao encontro com a proposta de “assistência

à saúde” defendida pela LEP, implicou na defesa da relação entre os mecanismos de atenção

básica que devem ser garantidos no interior dos estabelecimentos e da relação com os

mecanismos externos, com as redes que envolvem hospitais, postos de saúde, ambulatórios e

laboratórios que compõem o SUS. Além desses fatores, no que se refere ao trabalho dos

psicólogos, destaca-se que na LEP (1984) o trabalho desses profissionais estava limitado à

perícia e elaboração de exames criminológicos, enquanto que no PNSSP (Ministério da Saúde,

2003) as ações desses profissionais estão previstas na área de saúde a partir do trabalho nas

equipes, embora não haja uma especificação de como se daria o trabalho.

O PNSSP, instituído pela Portaria Interministerial n.º 1.777, de 9 de setembro de 2003,

foi construído com o objetivo de fazer chegar às unidades prisionais ações, serviços e

profissionais de saúde a partir das premissas do SUS, e de garantir o reconhecimento da saúde

como um direito à cidadania. No Brasil, até 2012, 23 estados tinham aderido ao plano, sendo a

Paraíba um deles.

Apesar do PNSSP não tratar exclusivamente da prática dos psicólogos nas prisões,

institui a necessidade de equipes de saúde, nas quais esses profissionais se inserem, sendo o

papel destes promover a saúde psicológica dos presos. Na Paraíba, os psicólogos têm se inserido

a partir das equipes de saúde construídas com base no plano, instaurado no estado através da

Portaria nº 1.163 (2008) publicada no Diário Oficial da União em 12 de Junho de 2008. As

diretrizes do PNSSP adotadas na Paraíba envolvem:

Prestar assistência integral, contínua e de boa qualidade as necessidades de saúde da

população carcerária; Contribuir para o controle e/ou redução dos agravos mais

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frequentes que acometem a população carcerária; Definir e implementar ações e

serviços consoantes com os princípios e diretrizes do SUS; Proporcionar o

estabelecimento de parceiros por meio do desenvolvimento de ações intersetoriais;

Contribuir para a democratização do conhecimento do processo saúde/doença da

organização dos serviços e da produção social da saúde; Provocar o reconhecimento da

saúde como um direito da Cidadania; Estimular o efetivo exercício do controle social

(Portaria nº 1.163, 2008).

Segundo o PNSSP, os presídios com população carcerária de 100 a 500 presos terão 1

equipe e os que estiverem com a população carcerária acima de 500 apenados terão 2 equipes

mínimas. As equipes de saúde são compostas por: psicólogos, assistentes sociais, médicos,

dentistas, auxiliares de dentista, enfermeiros e técnicos em enfermagem e tem a proposta de

trabalhar de modo interdisciplinar. Atualmente, existem 10 equipes de trabalho nas instituições

prisionais na Paraíba, que têm por proposta o controle, a prevenção e a promoção da saúde.

Mais recentemente, em 2014, foi criada, com base no plano, a PNAISP, instituída por

meio da Portaria Interministerial nº 1 (2014) de 2 de janeiro de 2014 a partir da ação conjunta

entre Ministério da Saúde e Ministério da Justiça. A PNAISP foi construída a partir da avaliação

dos dez anos de aplicação do PNSSP, quando se constatou o esgotamento deste modelo por

algumas dificuldades de aplicação. Nasce também, junto à política, a “Equipe de Avaliação e

Acompanhamento das Medidas Terapêuticas Aplicadas à Pessoa com Transtorno Mental em

Conflito com a Lei” (EAP), que tem por objetivo redirecionar os modelos de atenção ao preso

com algum transtorno mental. No Brasil, a PNAISP foi instaurada pela portaria nº 482 (2014),

e na Paraíba, a adesão à política se deu por meio da Portaria nº 675 (2015).

Até 2016, a adesão à PNAISP ocorria por meio da pactuação entre os Estados e o Distrito

Federal com a União. Para tanto, era elaborado um Plano de Ação Estadual para Atenção à

Saúde da Pessoa Privada de Liberdade e, posteriormente, encaminhava-se a documentação ao

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Ministério da saúde. Os locais que ainda estão adequando suas ações e serviços para a

implantação da PNAISP deverão seguir as normas previstas pelo PNSSP, mesmo que estas

tenham sido revogadas.

As equipes de saúde vinculadas à PNAISP devem ter como público alvo as pessoas

privadas de liberdade, seus familiares e também os trabalhadores das instituições prisionais, ou

seja, todos aqueles que, de alguma forma, circulam nas unidades. No que se refere ao âmbito

legal, destaca-se o avanço na discussão sobre o acesso e a garantia de direitos a toda a população

que frequenta esses espaços (Brasil, 2014).

Art. 7º Os beneficiários da PNAISP são as pessoas que se encontram sob custódia do

Estado inseridas no sistema prisional ou em cumprimento de medida de segurança.

§ 1º As pessoas custodiadas nos regimes semiaberto e aberto serão preferencialmente

assistida nos serviços da rede de atenção à saúde.

§ 2º As pessoas submetidas à medida de segurança, na modalidade tratamento

ambulatorial, serão assistidas nos serviços da rede de atenção à saúde.

Art. 8º Os trabalhadores em serviços penais, os familiares e demais pessoas que se

relacionam com as pessoas privadas de liberdade serão envolvidos em ações de

promoção da saúde e de prevenção de agravos no âmbito da PNAISP.

Sendo assim, enquanto que o PNSSP previa o acesso à saúde apenas para a população

penitenciária, limitando-se às pessoas que se encontravam em presídios, penitenciárias,

colônias agrícolas e hospitais de custódia, a PNAISP avança na proposta e discorre sobre a

garantia do direito à saúde para todas as pessoas privadas de liberdade, o que inclui também as

pessoas que estão em regime aberto ou semi-aberto. Além disso, a política também discorre

sobre a necessidade de garantir o acesso à saúde aos profissionais que atuam nas unidades

prisionais e também aos familiares das pessoas privadas de liberdade, ampliando a compreensão

sobre direitos nas prisões.

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Para Ferraz (2015), o avanço da assistência à saúde no sistema prisional tem se dado de

forma lenta e desproporcional, talvez pelo fato de a adesão à PNAISP ser facultativa.

Destaca-se ainda que, diante do sucateamento e deterioração dos espaços prisionais, o

valor do incentivo repassado à saúde no Sistema Prisional é irrisório, não estimulando

a adesão dos Estados e Municípios. A autora analisou o processo de implantação da

Política no Rio Grande do Sul, constatando que embora tenha aumentado o número de

Equipes de Saúde nos estabelecimentos prisionais, a cobertura permanece insuficiente

e o enfoque das ações continua curativo. Entretanto, apesar das dificuldades, vale

considerar que a PNAISP tem promovido o debate acerca da saúde no sistema prisional

em diversos espaços (citado em Freitas, Zermiani, Nievola, Nasser & Ditterich, 2016,

p. 180).

Em pesquisa realizada entre os anos de 2011 e 2013, intitulada “Do Plano à Política:

garantindo o direito à saúde para todas as pessoas do sistema prisional”, a qual culminou na

publicação do livro “Saúde penitenciária no Brasil: plano e política” em 2015, Martinho Silva

(coordenador do projeto) retrata o processo avaliativo e de discussão para a tomada de decisão

que iria proporcionar a transição entre o PNSSP, de 2003, e a PNAISP em 2014.

O autor aponta algumas características limitadoras do Plano, as quais são sugeridas

enquanto elementos que necessitam de mudanças e avanços na implementação da política.

Características que, notadamente a partir do conhecimento acerca da realidade do sistema

prisional brasileiro, persistem mesmo após a instauração da PNAISP. Entre esses elementos,

Silva (2015) atenta para a necessidade de se discutir a garantia de direitos sociais antes e depois

da inserção no sistema prisional, destacando o perfil socioeconômico da população carcerária,

que convive com precariedades no âmbito educacional, do trabalho, da moradia e da própria

saúde antes mesmo do ingresso nas prisões.

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Posto isto, o autor problematiza, a partir de estudo avaliativo do Plano, algumas questões

que consistem enquanto desafios para a Política de Atenção Integral, como o fato de se discutir

garantia e promoção do direito à saúde para a população carcerária em meio a privações de

direitos civis e políticos. Para tanto, Martinho Silva elenca 3 elementos centrais de análise: 1)

o primeiro refere-se à restrição do direito de ir e vir, o qual inclui a procura por serviços de

saúde; 2) o segundo, consiste no agravamento da pena para além da privação da liberdade; 3)e

o terceiro problematiza a pouca disposição em garantir o acesso à saúde aos presos por

considerar que eles não sejam dignos desse direito sob a justificativa de que a segurança das

instituições ficaria exposta mediante a oferta desses direitos (Barsaglini, 2016).

Os resultados da pesquisa citada também apontam outra dificuldade na execução do

plano de saúde nas unidades prisionais. Seguindo a linha pautada no discurso de

“periculosidade” e das noções de crime e criminoso por parte dos agentes penitenciários, há

uma polarização entre esses profissionais e os membros das equipes de saúde, gerando uma

tensão que está relacionada à concepção que os agentes possuem da sua função no cárcere, a

qual pouco tem a ver com o tratamento do preso enquanto sujeito de direitos (Barsaglini, 2016).

Assim como a dificuldade encontrada quando se discute a atuação dos profissionais em

instituições prisionais, a superpopulação carcerária e a insalubridade dos estabelecimentos

penais também consistem em elementos centrais na discussão sobre a execução da política de

atenção integral. Os desdobramentos das condições precárias nas prisões afetam diretamente

nas ações de promoção da saúde, pois além de serem geradoras de doenças, impedem ações de

prevenção. Para tanto, elenca-se a intersetorialidade como principal forma de enfrentamento

dessa realidade.

Destaca-se também o fato de que diversas ações de atenção básica, que deveriam ser

desenvolvidas dentro das instituições, esbarram frequentemente na lógica da segurança das

prisões, onde ações de prevenção em saúde bucal, por exemplo, por meio da distribuição de

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escovas de dentes, pode ser vista, pela gestão do presídio, como potencial instrumento para

violação de normas e da integridade física dos presos.

De modo geral, a criação do PNSSP e da PNAISP consiste em um avanço inegável, já

que na prática significou a inserção de profissionais de diversas áreas em unidades prisionais e,

em nível de Plano, a assistência à 30% da população, o que, segundo estudo avaliativo

representou um resultado positivo para os primeiros anos de execução. Além disso, na dimensão

legal, significou um avanço, em comparação ao que se propunha com a LEP, na discussão sobre

quem são os sujeitos que devem ter o acesso à saúde garantido no âmbito prisional, bem como

no objetivo das ações, ampliando-as para o nível da prevenção (Silva, 2015). No que se refere

aos profissionais da Psicologia, a implementação do Plano e da Política ampliou a prática para

além das Comissões Técnicas de Classificação.

Por outro lado, algumas questões também podem ser levantadas a partir das concepções

adotadas pelo plano e pela política, como o fato do psicólogo se inserir enquanto profissional

da saúde e o que isso representa em sua atuação. Para além do debate supracitado, entende-se

que há questões próprias da Psicologia e do seu histórico nas políticas sociais, questões internas

à profissão, como a atuação que vem sendo desempenhada historicamente e se é possível pensar

em uma prática que promova saúde mental dentro da condição de privação de liberdade.

Aos psicólogos inseridos a partir das políticas de saúde, tem sido requerido um trabalho

que busque romper com os modelos tradicionais, com a ideia dicotômica entre saúde mental e

saúde física, de modo que estes profissionais consigam construir novos saberes a partir do

princípio da integralidade. É esperado que o psicólogo, no SUS, possa desenvolver uma prática

condizente às necessidades da população atendida e trabalhe a partir de uma nova perspectiva

de sujeito, na qual este seja ativo nessa relação. No entanto, algumas dificuldades têm sido

encontradas na efetivação dos princípios que norteiam o SUS, gerando discrepâncias entre o

que é proposto enquanto discussão acerca da questão da saúde e a forma como tem se dado a

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prática dos psicólogos nesse campo. Tais dificuldades estão centradas principalmente na

prevalência do modelo clínico de atuação desses profissionais, além das concepções

tradicionais do processo saúde/doença. (Freire & Pichelli, 2010).

Se a permanência da perspectiva clínica e individualizada na prática dos psicólogos

consiste em uma constante discussão acerca da prevalência de uma atuação tradicional e pouco

crítica da Psicologia em determinados campos, por não conseguirem dar conta, por exemplo,

da realidade do público atendido pelas políticas sociais, além de se constituírem em uma mera

transposição de modelos que não conseguem dar conta das particularidades dessa população

(Costa, 2014); no âmbito prisional, esse cenário se agrava. Tendo em vista que, além da própria

crítica à utilização exagerada do modelo clínico em um ambiente que, minimamente, caberia a

discussão sobre a eficácia desses atendimentos, há ainda o agravante de que nem esse tipo de

prática é possível ser exercida garantindo as condições éticas. Nas prisões, o atendimento

individual é frequentemente quebrado pela ausência de privacidade, porque quando a porta da

sala onde há o atendimento não fica aberta, é frequente a presença de agentes penitenciários no

ambiente durante a escuta.

O ponto de partida refere-se a formação nos cursos de graduação e na prática

profissional dos Psicólogos, que historicamente privilegia a clínica privada e o

atendimento individualizado, evocando em sua prática aspectos de uma lógica

neoliberal e uma transposição do modelo biomédico, que assume paradoxalmente

postura contrária ao modelo psicossocial de assunção da territorialidade, integralidade

e humanização preconizada pelo Sistema Único de Saúde (Lisboa, 2014).

Além da prevalência do modelo clínico de atuação, destaca-se o fato de que estes

profissionais tendem a idealizar o público que irá atender, a partir de uma perspectiva ainda

elitista da Psicologia, afastando-se da realidade e da população que é atendida por essas

políticas, que ocupam as classes mais baixas da sociedade (Freire & Pichelli, 2010).

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Outra questão, que é própria do ambiente prisional, é pensar na política e sua efetivação

voltada à saúde de pessoas que estão em privação em liberdade e a proposta de uma possível

superação dessas dificuldades, tendo conhecimento que, no que se refere às prisões, espaço

criado sem nenhuma finalidade positiva, essa proposta de superação irá cair inevitavelmente no

discurso falacioso. Segundo Canazaro (2010), estudos apontam que a prevalência de doença

mental entre a população do sistema prisional é de 42%, ao passo que na sociedade em geral é

de 15%. Somando-se a este quadro, o descaso com as condições das celas, com extrema

precarização dos ambientes e da comida dos presos, o que tem ocasionado a proliferação de

doenças, como a tuberculose, dermatites, hepatite, DST’s e tantas outras.

Nesse sentido, cabe a problematização acerca da insistência da Psicologia na

manutenção de um modelo de atuação que está totalmente desconectado com a realidade e que

não tem conseguido dar conta sequer de sair do ambiente entre quatro paredes. Cabe também

destacar que, embora as críticas acerca da atuação do psicólogo no SUS sejam pertinentes, no

cárcere há que se atentar para outros fatores que envolvem sua estrutura e natureza.

Embora sejam estabelecidas tais críticas à Psicologia e como, historicamente, ela tem se

colocado diante das políticas sociais e no compromisso com as questões sociais e tendo

consciência de que esses fatores têm sido fundamentais para explicar a dificuldade em se

garantir a efetivação dos princípios do SUS, há que se destacar também que, no âmbito

prisional, a não efetivação desses princípios e os problemas em garantir o que é proposto pelas

políticas específicas de saúde na privação de liberdade se dão, principalmente, por esse ser um

lugar estruturalmente violador e feito para causar sofrimentos. Dessa forma, pensar na atuação

do psicólogo nesses espaços e na efetivação do SUS como se propõe o PNSSP e a PNAISP,

demanda pensar em estratégias que atuem na contramão do cárcere.

Temos que voltar para o que estávamos falando e produzindo enquanto organização

científica na área da saúde, para o campo profissional da(o)psicólogo(a): dizer que

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sermos profissionais da saúde é muito bom e tem aberto muitas portas, mas nos

colocarmos nesse lugar higienista, de um pensamento jurídico/médico, nos coloca

também atados e faz desse compromisso ético político, na verdade, uma mentira

cotidiana (Brambilla, 2016, p. 29).

A inserção de psicólogos nas políticas sociais continua sendo crescente, mas, com base

na condução dessas políticas e na própria função que elas têm desempenhado, com ações

pontuais que não visam atingir a miséria e as desigualdades de forma estrutural, essa inserção

e esse trabalho continuam sendo de extrema precariedade e requerem uma nova proposta de

postura profissional. Embora o debate acerca do compromisso social seja extremamente

importante, é necessário avançarmos para discussões que visem a transformação social, para,

assim, começarmos a caminhar para a possibilidade da construção de um projeto ético-político

dentro da Psicologia (Seixas & Yamamoto, 2012).

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PARTE II

Capítulo 03: Método

A presente pesquisa tem caráter qualitativo, esse tipo de abordagem tem como objetivo

a compreensão dos aspectos da realidade que não podem ser quantificados e permite um maior

aprofundamento investigativo e interpretativo da temática pesquisada. Sendo assim, não há

preocupação em generalizações, representatividade numérica ou relações lineares de causa e

efeito (Gerhardt & Silveira, 2009).

Para alcançar os objetivos da pesquisa, algumas etapas foram percorridas. Inicialmente,

foi realizado o contato com a Secretaria de Administração Penitenciária da Paraíba (SEAP/PB),

via ofício, com objetivo de averiguar informações acerca do número de unidades prisionais no

estado e em quais delas existem psicólogos atuando. As informações cedidas pela SEAP/PB

foram utilizadas na realização do mapeamento dos locais de trabalhos dos psicólogos.

Embora tenha-se ciência da relevância da caracterização dos profissionais das unidades

prisionais onde os profissionais estão inseridos, com informações sobre o tipo de instituição -

feminino ou masculino - e o regime - aberto, semiaberto ou fechado - optou-se por não divulgá-

las a fim de serem preservadas as identidades dos profissionais entrevistados. Além disso,

optou-se também por não divulgar o sexo dos profissionais.

Após a etapa de mapeamento, referente ao público alvo da pesquisa e aos locais de

trabalho, foram solicitados à SEAP/PB os contatos telefônicos dos psicólogos que atuam nos

presídios do estado, assim como a autorização do órgão para a realização das entrevistas com

os profissionais, a qual foi concedida (Anexo A). Antes de iniciar o contato com os psicólogos

paraibanos, foi realizada uma entrevista piloto com uma psicóloga que atuou no sistema

prisional do Rio Grande do Norte, sabendo-se que a realidade do campo é bastante semelhante

nos dois estados.

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Na pesquisa de campo foram entrevistados 10 psicólogos11 que trabalham no sistema

prisional da Paraíba. Primeiramente, foi realizado o contato com os profissionais via ligação

telefônica com objetivo de apresentar a pesquisa e averiguar a disponibilidade em participar.

Era de interesse da pesquisa que as entrevistas não ocorressem dentro das instituições prisionais,

partindo do pressuposto de que o ambiente da prisão se constitui como um local de tensão, o

que poderia dificultar o diálogo. No entanto, optou-se para que o local das entrevistas fosse

feito a partir da escolha do profissional, de modo que o entrevistado se sentisse à vontade para

participar da pesquisa. Dessa forma, os locais das entrevistas variaram de acordo com a escolha

dos entrevistados, sendo algumas das vezes dentro das próprias unidades prisionais. Destaca-se

ainda, que uma das entrevistas ocorreu em uma cela (utilizada apenas durante a noite por presos

do regime semiaberto), a qual era utilizada como espaço de trabalho do profissional

entrevistado.

O instrumento utilizado foi a entrevista individual semiestruturada, cujo roteiro estava

dividido em 5 blocos temáticos: 1) Formação dos psicólogos; 2) Trajetória profissional, 3)

Condições de trabalho; 4) Atividades realizadas nos presídios; 5) Avanços, limites e desafios

para o trabalho (Apêndice C). Nesse tipo de entrevista, há possibilidade de conter algumas

perguntas fechadas, como as que referem-se à identificação dos entrevistados, mas,

majoritariamente, é composta por questões abertas para que haja a possibilidade de que o

entrevistado fale livremente.

A escolha pela utilização da entrevista se deu por considerar que este instrumento seria

o mais adequado para a coleta dos dados com os profissionais que atuam nas prisões, de modo

que os materiais são produzidos diretamente pelos sujeitos envolvidos no processo. Sendo

assim, a entrevista possibilita que os próprios entrevistados possam discorrer sobre o local em

que atuam e sobre as atividades que desempenham, e o diálogo entre entrevistado e

11 Optou-se por não divulgar o total de psicólogos trabalhando no sistema prisional paraibano, a fim de proteger a

identidade dos entrevistados.

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entrevistador permite que haja uma reflexão do próprio participante sobre a realidade e as

experiências vivenciadas no seu cotidiano de trabalho (Minayo, 1993).

O que torna a entrevista instrumento privilegiado de coleta de informações é a

possibilidade de a fala ser reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores,

normas e símbolos (sendo ela mesma um deles) e ao mesmo tempo ter a magia de

transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos determinados, em

condições históricas, sócio–econômicas e culturais específicas (Minayo, 1993, p. 109).

As entrevistas foram registradas em áudio e posteriormente transcritas. Para essa etapa

da pesquisa foram respeitados os cuidados éticos, sendo apresentado o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A), que foi assinado pelos participantes e pela

pesquisadora e impresso em duas vias, bem como o Termo de Autorização para Gravação de

Voz (Apêndice B) para o qual foram seguidos os mesmos procedimentos. A pesquisa foi

submetida ao Comitê de Ética da UFRN e obteve parecer favorável, número 1.456.897 (Anexo

B).

No que se refere à análise dos dados, foram consideradas as etapas propostas por Minayo

(2013). A primeira trata-se da leitura exaustiva do material bibliográfico, a qual possibilitou um

entendimento maior acerca da temática e a construção dos capítulos teóricos. Nessa etapa, foi

realizada a revisão da literatura, aprofundando as temáticas acerca da política criminal, sistema

prisional, direitos humanos, psicologia jurídica e criminologia crítica.

A segunda etapa refere-se à exploração do material, que trata da organização dos dados

coletados, da classificação e da análise do material propriamente dito. Sendo assim, foi

realizado o mapeamento dos dados obtidos, a releitura do material transcrito e a organização

das falas. Em seguida, a partir da leitura exaustiva do material, foram identificados os pontos

relevantes para análise. Por fim, foram analisados os dados obtidos nas entrevistas, a partir da

articulação com as questões problematizadas na fundamentação teórica do trabalho, como o

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processo de criminalização da pobreza, a violação aos direitos humanos, a seletividade penal, a

política criminal e as diretrizes ético-profissionais.

(...) relação entre a fundamentação teórica do objeto a ser pesquisado e o campo que se

pretende explorar. A compreensão desse espaço da pesquisa não se resolve apenas por

meio de um domínio técnico. É preciso que tenhamos uma base teórica para podermos

olhar os dados dentro de um quadro de referências que nos permite ir além do que

simplesmente nos está sendo mostrado (Cruz Neto, 2001, p. 61).

O processo de análise de dados foi realizado a partir do referencial teórico da

Criminologia Crítica, perspectiva de inspiração marxista e que se propõe a estabelecer uma

análise radical dos mecanismos punitivos e das reais funções do sistema penal. Para tanto, foram

considerados os contextos históricos, políticos, sociais e culturais aos quais os sujeitos

entrevistados estão inseridos.

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Capítulo 4: Apresentação e Discussão dos Resultados

Considerações Iniciais

A inserção dos psicólogos nos presídios paraibanos ocorre por meio da vinculação

desses profissionais ao PNSSP e, mais recentemente, por meio da Política Nacional de Atenção

Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade (PNAISP), já mencionados anteriormente.

Mesmo aqueles que atuavam no sistema antes da criação do PNSSP e da PNAISP, passam a se

vincular à política.

Anteriormente à criação do PNSSP e da PNAISP, a LEP (1984), já discorria sobre a

necessidade de garantir a saúde aos presos, além de outros direitos fundamentais: “Art. 11. A

assistência será: I - material; II - à saúde; III -jurídica; IV - educacional; V - social; VI –

religiosa”. Apesar de discorrer sobre tais direitos e regularizar a atuação dos psicólogos no

campo prisional, a LEP vincula a prática do psicólogo exclusivamente à elaboração do exame

criminológico. Sendo assim, é notório o avanço a partir do Plano e da Política no que se refere

à discussão sobre garantir saúde psicológica às pessoas privadas de liberdade, bem como, à

quantidade de profissionais que passam a atuar dentro dos espaços prisionais. Porém, quando a

política de saúde se destaca da LEP, que já previa o direito à saúde, ela pode ser potencializada

e incrementada, no entanto, se nada é alterado com relação ao contexto mais amplo, se as prisões

permanecem na mesma precariedade, assim como as violações aos direitos, essa saúde se

deteriora e a política torna-se muito menos potente.

Entende-se que uma série de questões atravessam a prática do psicólogo nas prisões,

principalmente os aspectos referentes ao funcionamento e à realidade desses espaços, com

condições de trabalho próprias do cárcere e que precisam ser discutidas para além da inserção

dos profissionais a partir da política de saúde. A implantação da PNAISP apresenta inúmeros

ganhos na discussão sobre saúde no sistema prisional, no entanto, não altera a realidade desses

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espaços. Além disso, há questões anteriores à implantação da PNAISP que não foram alteradas

por ela, por serem questões próprias desses locais. Dimensões estruturais que antecedem a

discussão sobre o funcionamento da política e que são específicas da inserção da Psicologia no

sistema prisional.

O trabalho nas prisões é mediado por uma lógica punitiva e cruel, de “exclusão”,

justificada pelo discurso da segurança, marcada por tensões e violações, compondo uma

realidade na qual os psicólogos se inserem e precisam dar conta, o que requer destes

profissionais maneiras específicas de agir, próprias da inserção no cárcere (França et al, 2016).

A ideia não é culpabilizar os profissionais, principalmente conhecendo a realidade das

prisões brasileiras. É preciso compreender a prisão como um local de ausência de direitos e

pensar no significado da privação de liberdade: a limitação de espaços, o afastamento da

família, a impossibilidade de convivência com o meio social e as atividades cotidianas. O

cárcere é um local de morte psicológica, e muitas vezes de morte física, é precário, sujo,

propagador de doenças, superlotado. Apesar dessas características, funciona como deveria

funcionar, feito para dar errado. É neste cenário que os psicólogos se inserem. Não se trata de

uma atuação fácil, nem de estabelecer relações de causa-efeito, trata-se de entender a

complexidade do sistema penal diante das necessidades do sistema capitalista (Karam, 2011).

Dessa forma, embora os psicólogos se vinculem ao sistema prisional a partir da

PNAISP, parte-se da compreensão de que existem dimensões anteriores à política e que são

fundamentais na discussão sobre a complexidade do trabalho do psicólogo nesses espaços.

Sendo assim, algumas considerações serão feitas acerca das atividades desempenhadas pelas

equipes de saúde e do funcionamento da política nos presídios de forma geral, no entanto, o

objetivo central desse capítulo consiste em analisar o trabalho desses profissionais à luz do

contexto do presídio.

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Caracterização dos participantes

Nessa seção serão apresentados os dados sobre o perfil dos profissionais entrevistados

e quais têm sido as formas de inserção no sistema prisional paraibano. Entende-se que a

caracterização e o detalhamento de algumas informações, como a região e o tipo de instituição

prisional em que foi realizada a pesquisa são dados importantes, porém, optou-se por não

divulgá-los, a fim de não permitir a identificação dos entrevistados. Portanto, mesmo com a

possível perda de informações, a escolha foi por manter preservada a identidade dos psicólogos

que contribuíram para a realização deste estudo.

Foram entrevistados 10 profissionais da Psicologia que trabalham nos presídios do

estado da Paraíba. Como já foi abordado, foi em 2008, a partir da implementação do Plano de

Saúde do Sistema Penitenciário na Paraíba, que os psicólogos passaram a se inserir em equipes

de saúde nos presídios do estado. Em 2015, foi implementada a Política de Atenção Integral no

estado, trazendo algumas modificações na proposta do plano, mas não havendo uma mudança

na formação dessas equipes que atuam nos presídios.

Dentre os psicólogos entrevistados, 9 estão inseridos junto à uma equipe de saúde

composta por: médico, dentista, assistente social, auxiliar de dentista, enfermeiro, técnico de

enfermagem e psicólogo. Além da equipe de saúde, os psicólogos relataram que também

trabalham nos presídios: agentes penitenciários, diretores, coordenadores, chefes de disciplina

e, em algumas instituições prisionais, há professores e advogados. Em todos os presídios que

fizeram parte da pesquisa havia apenas uma equipe de saúde atuando.

Apenas 1 dos profissionais entrevistados não se insere junto à uma equipe de saúde, ou

seja, não tem sua atuação vinculada à política. Nesse caso, o psicólogo vincula sua prática à

uma atuação jurídica, sendo membro da Comissão Técnica de Classificação e Triagem (CTC),

criada a partir da LEP e cujo objetivo central é a construção do exame criminológico. Segundo

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o entrevistado, essa comissão é formada pela direção do presídio, dois chefes de disciplina, que

são os agentes penitenciários, um psicólogo, um assistente social e um psiquiatra.

Destaca-se também que, mesmo em menor intensidade, os profissionais inseridos nas

equipes de saúde, quando solicitados por juízes, também podem ter sua atuação voltada para a

prática “jurídica”. Ou seja, produzem documentos que subsidiam as decisões judiciais para

possível progressão de regime do preso.

Formação profissional

Os aspectos referentes à formação profissional dos entrevistados foram organizados na

Tabela 1, a qual contém informações sobre a instituição e a área de formação, assim como

cursos de pós-graduação. Cabe observar que foram contabilizadas mais de uma resposta por

participante. Um maior detalhamento do perfil dos profissionais entrevistados pode ser

visualizado na tabela 1 que segue:

Tabela 1

Perfil dos profissionais - Formação12

N

Área de Formação13 Clínica 10

Hospitalar 1

Instituição de Formação UFPB 4

UEPB 3

UNIPÊ

ESUDA (PE)

2

1

Pós- Graduação

Especialização em Educação

Especialização em Saúde da Família

Especialização em Psicologia da

Educação e Aprendizagem

Especialização em Psicologia Jurídica

Especialização sobre a “temática”14 das

Drogas

Especialização em Gestão em Saúde

Prisional

1

2

1

1

1

1

12 Os anos de formação variam entre 1977 e 2007. 13 Considerou-se mais de uma resposta. 14 Tal qual foi dito pelo entrevistado.

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Especialização em Saúde no Sistema

Prisional

Especialização em Psicologia Escolar

Especialização em Psicologia

Organizacional

Especialização em Psicopedagogia

Especialização em Psicologia Hospitalar

Mestrado em Ciências da Saúde

Mestrado em Psicologia Cristã

1

1

1

1

1

1

1

Não possui Pós-graduação 1

No que se refere às instituições de formação, estas consistem majoritariamente em

universidades públicas, sendo 7 entre 10. No entanto, essa variedade não é percebida no que se

refere ao campo de formação desses profissionais, considerando que todos dos participantes

afirmaram que a Clínica foi sua área de formação no curso de graduação.

Desde sua regulamentação, a ênfase da Psicologia esteve voltada para três grandes áreas:

Clínica, Escolar e Organizacional, sendo a primeira, historicamente, associada ao trabalho

autônomo e tendo como objetivo a realização de tratamento psicológico e solução de problemas

de desajustamento. Mesmo com as mudanças dentro da profissão, da ampliação de outras áreas

de atuação, ainda visualiza-se uma prevalência na área clínica. Isso, possivelmente, se deve ao

fato de que o psicólogo ainda reconhece na clínica o local da “verdadeira” atuação da Psicologia

(Gondim, Bastos & Peixoto, 2010).

Embora o curso de Psicologia tenha caráter generalista, a discussão sobre a atuação dos

psicólogos no contexto prisional demanda um aprofundamento de conhecimentos que não são

possíveis apenas com a graduação, principalmente se essa graduação não aborda a temática,

tornando a formação complementar necessária. Entre os entrevistados, apenas 3 fizeram cursos

de especialização voltados para a área, o que pode representar uma escassez de cursos que

abarquem a temática. Tal escassez pode ser explicada também por uma recenticidade na

discussão do trabalho no contexto da segurança pública e do sistema prisional ou pelas

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dificuldades em propor estratégias de formação independentes, uma vez que a atuação se

conecta diretamente a uma dimensão institucional punitiva.

Alguns profissionais relataram a ausência da discussão sobre o trabalho do psicólogo

nesse campo, o que pode estar ligada ao fato de ser uma área mais recente da Psicologia,

representando a precariedade destes cursos de graduação em oferecerem a discussão sobre esse

campo de atuação.

Quando questionados acerca do referencial teórico adotado em sua prática, os

profissionais responderam: a Psicanálise; a Abordagem Centrada na Pessoa; a Terapia

Cognitivo-Comportamental e Psicoterapia Breve. Outros profissionais afirmaram não utilizar

nenhum referencial teórico e outro não soube dizer quando questionado, tendo, nesse caso,

assimilado referencial teórico à utilização ou não de testes psicológicos ou à realização de

capacitações.

Como assim? (...) É como eu lhe disse, nós fizemos essas capacitações todinhas, mas o

material pra gente trabalhar nunca nos foi fornecido, é complicado. Mas, assim, no caso

se eu quiser qualquer material que eu quiser usar, eu tenho que comprar, com recursos

próprios, mas eu nunca quis não. Porque no caso, a gente passou pela capacitação pra

trabalhar com testes, mas esses testes nunca forma usados, nunca. Porque no caso tinha

que ser assim, até pediram uma relação uma lista pra gente fazer, pra gente mandar, se

mandou, mas nunca chegou não. (PSI07)

Percebe-se que os referenciais teóricos que norteiam as práticas dos psicólogos se

aproximam tradicionalmente da área clínica. Desse modo, ressaltando que o trabalho exercido

majoritariamente dentro das prisões consiste no atendimento clínico e individualizado, destaca-

se que ainda há a crença de que esse tipo de atuação seja sinônimo do que é Psicologia. A

atuação dos psicólogos no âmbito prisional, assim como em todos aqueles em que o público

atendido seja pertencente à uma população pobre, exige saberes que “estão fora do escopo que

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a Psicologia delimitou nos seus campos de saber” (Yamamoto & Oliveira, 2010, p.21), o que

demanda a construção de novos conhecimentos no campo e mudanças na postura que tem

marcado historicamente o trabalho dos psicólogos. Nota-se também uma dificuldade na

utilização de outros campos do conhecimento, não só da Psicologia, mas de outras áreas, que

poderiam ser utilizadas na atuação desses profissionais no campo da segurança pública.

Segundo Bastos e Gomide (2010), o percentual de psicólogos que atuam na área clínica chega

a 60,7%.

Quando questionados se consideram que a formação de graduação e/ou pós-graduação

foi suficiente para subsidiar o trabalho atual e quais as possíveis lacunas que dificultam a

atuação, 5 profissionais apontaram que, quase sempre, precisaram buscar em outros lugares

conhecimentos sobre o campo, devido à falta de disciplinas sobre a temática oferecidas pela

graduação. Ademais, mesmo aqueles que consideraram a formação suficiente, apontaram que

não viram durante o curso nenhuma disciplina relacionada ao sistema prisional e que, apesar da

importância da graduação, o conhecimento construído para o trabalho nos presídios ocorreu a

partir da prática diária ou por meio da busca individual pelo conhecimento na área.

Há uma fragilidade na formação dos psicólogos que se deve não só à escassez de cursos

de especialização sobre o campo prisional, mas, principalmente, à precariedade dos cursos de

graduação em oferecerem disciplinas e discussões voltadas para o campo. Apesar do debate

sobre atuação dos psicólogos nos presídios estar ganhando força nos últimos anos, as queixas,

entre os psicólogos que se formaram há 40 anos e os que se formaram há 10 anos, se

assemelham. Parece fundamental e urgente que os cursos de Psicologia possam promover

discussões mais críticas e formar psicólogos comprometidos socialmente com a garantia dos

direitos humanos e com a luta contra as desigualdades sociais.

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Trajetória profissional

Sobre a trajetória profissional, os psicólogos elencaram como motivos para terem se

inserido nos presídios paraibanos: o desejo de trabalhar em prisões, a afinidade com o campo,

melhoria salarial, flexibilidade de horários, oportunidade de ingressar na equipe de saúde,

indicação, transferência ou por entender que seria um desafio. Os anos de ingresso no sistema

prisional paraibano e no presídio em que trabalham atualmente variaram entre 1978 e 2012.

Os entrevistados, em sua maioria, atuam no sistema prisional há bastante tempo: apenas

3 não trabalharam em outra instituição prisional anteriormente, e os outros 7 chegaram a

trabalhar em todos os presídios da capital e alguns atuaram inclusive como diretores. Sobre a

participação em treinamentos ou capacitações para o trabalho nos presídios, os psicólogos

relataram que participaram de cursos junto à equipe e que esses foram oferecidos pelo

Ministério da Saúde. De acordo com os participantes, os cursos eram voltados para a atuação

das equipes de saúde nas prisões, a partir dos fundamentos do SUS e tratavam da aplicação dos

testes rápidos de saúde, tuberculose, HIV, sífilis, etc.

Quando questionados sobre o PNSSP e a PNAISP, as respostas dividiram-se entre

aqueles que conheciam o plano e a política e puderam discorrer sobre, os que disseram

conhecer, mas não sabiam falar sobre o que é, e aqueles que sequer conheciam, mesmo atuando

a partir do que é estabelecido nesses dois dispositivos.

Conheço. Assim, conhecer não seria o termo, eu sei que existe nos presídios, sei que é

como se é... Pra falar a verdade po, isso é uma balela, não funciona direito, sabe? Tem

todos os profissionais, tem dentista, tem o médico, o assistente social, o psicólogo,

técnico, mas eu acho que não funciona direito não, sabe. (...) Funciona assim, o básico

dos básicos, tem alguém ferido, vem fazer um curativo, tem alguém agitado, vem tomar

um calmante, alguém que.. se tiver material , tá precisando extrair um dente, vai. Essas

coisas assim, é tudo muito precário, no sistema é tudo muito precário. (PSI01)

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Sim. Poderia me explicar um pouco? Eita mulher, pra explicar assim, porque eu tenho

visto muito por cima. Entendeu? Mas você se inseriu a partir desse plano? Sim, a

partir do plano. Mas, contato com a política, com o plano... Não. (PSI02)

Desse modo, percebe-se que o ingresso desses profissionais por meio da política de

saúde não implicou numa discussão acerca do que é trabalhar com atenção básica, além disso,

mostra que tais profissionais sequer sabem o que é esperado por eles a partir do ingresso pelo

SUS, “a ausência de um conhecimento acerca do que seria sua atuação na atenção básica é um

fator adicional na ‘inadequação’ do seu trabalho” (Oliveira, Silva & Yamamoto, 2007, p. 9).

Condições de trabalho

O trabalho dos psicólogos no Brasil, de forma geral, é marcado pela precarização, baixa

remuneração, fragilidade dos vínculos, péssimas condições estruturais e sobrecarga de trabalho.

No campo prisional, alguns desses fatores são potencializados, sendo o trabalho dentro dos

presídios ainda mais desgastante e com uma série de questões próprias. Sendo assim, o objetivo

dessa seção é abordar as condições de trabalho dos psicólogos inseridos nos presídios

paraibanos e como estas condições afetam diretamente a atuação desses profissionais e o

desenvolvimento de suas atividades. A tabela 2 expõe os dados referentes à condição de

trabalho dos profissionais:

Tabela 2

Condições de trabalho

Condições de trabalho N

Vínculo Empregatício Estatutário 5

Contrato 5

Remuneração Entre 2.000 reais e 3.000 reais 3

Entre 3.001 reais e 4.000 reais 6

Acima de 4.000 reais 1

Regime de Trabalho 20h/semanais 9

30h/semanais 1

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A tabela 2 expõe os dados referentes à condição de trabalho dos profissionais. Dos 10

participantes, 5 possuem vínculo por contrato e 5 são funcionários do estado. Nota-se que a

metade dos entrevistados possui contrato temporário, o que expõe a fragilidade dos vínculos,

fator que consiste em uma preocupação para aqueles que estão há mais tempo inseridos no

sistema prisional, apontando que convivem com a insegurança e o receio de demissão. Esse tipo

de vinculação também os impede de atuar de uma forma que divirja do que é esperado pelo

serviço, de modo que, se já é difícil uma prática que questione o modelo de prisão posto, devido

às inúmeras barreiras e ao clima de medo próprio desses locais de trabalho, no caso dos que

possuem uma vinculação mais frágil, tais questionamentos e possibilidades de confronto, de

propostas de alternativas, são enfraquecidas, engessando o trabalho ou fazendo com que ele

ocorra alienadamente.

Outra dificuldade colocada pelos profissionais é a baixa remuneração, os mesmos

apontam para a defasagem do salário.

Como se diz, o salário daqui é uma vergonha, é vergonhoso, eu acho que é o Estado que

pior paga (PSI03)

É irrisório, eu acho que o que eu ganho aqui dá pra botar gasolina no meu carro. (PSI03)

Esse salário aqui não é nada, entendeu? Esse salário é desfasadíssimo (PSI09)

Além disso, apontam para a desvalorização da profissão no campo prisional, no qual

agentes penitenciários, sem formação superior, possuem salário maior do que os psicólogos.

Hoje um agente de segurança ganha mais do que a gente. Não tô, de jeito nenhum,

desvalorizando não o trabalho deles, o risco dele é bem maior do que o da gente, a gente

também corre, mas o deles é bem maior. (PSI03)

Além da alta demanda, os profissionais também denunciam as condições precárias das

estruturas físicas dos presídios. Não é novidade o fato de que os campos de atuação dos

psicólogos no Brasil são marcados pelas condições precárias de trabalho, mas, nas prisões, essas

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condições são ainda mais degradantes. Os psicólogos relataram sobre a ausência de um espaço

próprio e as péssimas condições de infraestrutura. Em alguns locais de trabalho, as atividades

precisam ser realizadas nas próprias celas ou em corredores.

Não tem nada, nem ambiente pra atender. Eu já me propus até a atender no corredor.

(PSI03)

(...) não tem um espaço adequado pra gente realizar os atendimentos, como você tá

vendo, a gente atende numa cela. O ambiente em si, ele já não é tão acolhedor. Aí, aqui

a estrutura por ser muito antiga, a gente não tem como ter só uma sala específica pra

gente fazer os atendimentos, enquanto estrutura, estrutura deixa a desejar. (PSI08)

Quando possuem sala, muitas vezes, essas precisam ser divididas com a equipe ou, na

maioria das vezes, com os assistentes sociais, sendo necessário pedir para que os outros

profissionais se retirem do local quando o atendimento é iniciado.

(...) depois desse concurso do agente penitenciário, a maioria dos agentes era de fora,

teve que fazer alojamento, aí foi tomando a sala, tomando a sala, resultado: terminou a

parte da psicóloga e assistente social junto. (PSI06)

(...) o meu é aquele de lá, que sou eu e a assistente social, certo? Então não pode existir

uma privacidade, não pode. (PSI01)

Só que (...) aí então na área só para a equipe de saúde, a sala do psicólogo é isolada,

botaram o alojamento pra os agentes, aí eu fico dividindo minha sala com a assistente

social. Então na hora que eu vou trabalhar com a pessoal, ela tem que sair. (PSI09)

Em alguns casos, os presídios passaram por algum tipo de reforma ou foram construídos

mais recentemente e os profissionais possuem salas próprias e um ambiente adequado, porém,

a precariedade ainda é extrema no que se refere à estrutura física para os presos. Em

absolutamente todos os presídios, a superlotação se faz presente. Os presos encontram-se

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amontoados nas celas sujas, sem camas suficientes, sendo necessário muitos dormirem no chão

em espaços minúsculos.

Não é muito adequado não, porque assim, no sentido da superlotação, né? Porque um

espaço projetado pra 10 presos, tem 20. (PSI05)

Agora as condições físicas do presídio para os presos é precária demais, é como eu lhe

disse, eles assim, estão amontoados, porque na época, no ano passado tinha X presos,

tava cheio, agora tá com mais de mil, entendeu? Os pavilhões não passaram por

nenhuma reforma, a reforma que passou foi antiga, alguns tem cama pra dormir, tem as

beliches, as beliches que eles fazem de alvenaria mesmo, que já é feito lá mesmo

próprio. E os que não tem onde dormir, dorme no chão, assim, eles chamam na BR,

sabe? Tem beliche do lado e do outro, ai eles chamam assim, tem uns que dormem

dentro do banheiro. Isso é porta de entrada pra tudo que é doença, patologia, tudo, de

tudo que é qualidade nós temos lá. É complicado. (PSI06)

E para os presos já é diferente, não é tão organizado assim, é superlotado... é,

superlotado, super sujo. (PSI09)

Para além da infraestrutura precária, há ainda os relatos da falta de materiais para o

trabalho dos psicólogos, como papel para impressão, a própria impressora, mesas,

equipamentos que possibilitem passar vídeos, sendo necessário, muitas vezes, os próprios

profissionais comprarem os materiais, utilizando do próprio dinheiro para que o trabalho possa

ser realizado ou para que o preso tenha acesso a algum direito. Há também queixas da ausência

de recursos para a compra de testes psicológicos.

(...) quando a ação social consegue, quando não consegue, eu e a assistente social, a

gente dá um jeito, dá dinheiro pra ir embora, vai ficar fazendo o que aqui, vai roubar?

(PSI09)

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Nós não recebemos há 1 ano e meio material de escritório, não tem borracha, uma

entrevista tem que imprimir 21 páginas de papel, frente e verso, eu sou quem compro o

papel, mando imprimir, lá tem impressora, imprime, mando botar mesa, mando botar

tudo pra pessoa trabalhar (PSI09)

As condições de trabalhos dos psicólogos no campo prisional consistem em um desafio

para a atuação desses profissionais. A realidade da alta demanda de trabalho, baixa

remuneração, péssimas condições das áreas em que trabalham, a superlotação das celas, a

insalubridade, entre outros, são cenários recorrentes nesse campo de atuação. Os psicólogos

que trabalham nas instituições prisionais além de precisarem lidar com a precariedade das

condições no seu local de trabalho, convivem com as péssimas condições de sobrevivência da

população que atendem e se relacionam (CFP, 2009).

Segundo Bastos, Gondim e Borges-Andrade (2010), existem 16% de psicólogos que

não atuam na profissão, seja pelo desemprego, seja por estarem trabalhando em outros campos.

A manutenção de vários vínculos é comum entre os profissionais da psicologia, não só no

acúmulo de trabalhos que envolvem a Psicologia, mas também daqueles psicólogos que somam

sua prática às profissões em outros campos. Outro dado relevante é que, mesmo se inserindo de

várias formas no mercado de trabalho, a renda dos profissionais permanece baixa para sua

maioria. A partir do cenário exposto, o que se pode perceber é que há ainda uma vulnerabilidade

enorme para o trabalho do psicólogo e o delineamento dos próximos anos permanece apontando

para a manutenção de trabalhos precarizados e, como consequência, trabalhadores expostos e

fragilizados.

A prática dos psicólogos nos presídios paraibanos

Esta seção é destinada à apresentação e discussão dos resultados referentes à prática

desempenhada pelos psicólogos nos presídios pesquisados. A partir da leitura das entrevistas,

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emergiram questões que pareceram fundamentais para a análise acerca do trabalho

desenvolvido pelos profissionais nos espaços prisionais. Nesse sentido, foram construídos

tópicos que têm como objetivo abarcar não só quais são e como têm se dado as atividades

desenvolvidas pelos psicólogos no campo prisional, mas especialmente, os discursos

produzidos por eles no contexto pesquisado e como esses se relacionam com a Política

Criminal.

Dito isto, optou-se por analisar a prática dos psicólogos nas prisões paraibanas a partir

de 3 dimensões. A primeira refere-se à inserção do psicólogo nas unidades prisionais enquanto

profissional da equipe de saúde. Sendo assim, abordará as atividades que vem sendo

desempenhadas pelos psicólogos a partir do que espera-se deles na política de saúde, bem como,

o funcionamento, limitações e particularidades dessa política.

A segunda é direcionada à discussão sobre os aspectos específicos da Psicologia no

âmbito prisional. Portanto, abarcará questões relacionadas à prevalência da perspectiva clínica

na prática desses profissionais, concepção de sujeito, influência das criminologias positivista e

liberal e como tem se dado a produção de documentos e do exame criminológico nesses

espaços. Optou-se por debater tais temáticas de forma separada, por entender que são questões

próprias da Psicologia, independentes e anteriores à existência das políticas de saúde nas

unidades prisionais.

Por fim, compreendendo que existem questões específicas do funcionamento dos

presídios e que estas influenciam diretamente no trabalho desenvolvido pelos psicólogos nesses

locais, foi elaborado o terceiro tópico. Neste, pretende-se analisar as particularidades das

prisões, o funcionamento, as normas, a hierarquia e como essas questões afetam e influenciam

o trabalho desses profissionais nos presídios.

A inserção dos profissionais pela Política de Atenção Integral

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Os profissionais que se inserem no sistema prisional a partir da PNAISP, passam a fazer

parte de uma equipe de saúde, cuja composição já foi exposta anteriormente. A partir da

pesquisa, observou-se que, de forma geral, a atuação dos psicólogos junto às equipes de saúde

se assemelha em todo o estado paraibano.

No tocante às atividades desempenhadas por esses profissionais a partir da inserção pela

política de saúde, essas têm consistido basicamente na realização do acompanhamento

individual dos presos e algumas ações pontuais junto à equipe, como a realização de testes

rápidos de saúde, divulgação de resultados e algumas palestras. Sobre o trabalho junto às

equipes de saúde, os psicólogos discorrem:

Todo esse trabalho que vai lá pra baixo, trabalho de vacina, vem as campanhas de

vacina, de teste rápido pra HIV, pra hepatites virais, para as sífilis e tudo isso eu

acompanho, né, pra dar um suporte psicológico pra todos eles (PSI01).

A gente faz aconselhamento de teste rápido. (...) Teste rápido é pra HIV, hepatite e

sífilis, então a gente faz o aconselhamento e faz uma entrevista também. Ai depois dessa

entrevista que pode ser feita por mim ou pela assistente social, ela vai pra enfermeira

onde vais ser feito o teste e depois a gente dá o resultado (PSI05).

No que se refere aos atendimentos individuais, os profissionais relataram que, no

primeiro momento, é preenchido um prontuário do preso contendo informações referentes ao

motivo pelo qual foi preso, relação com a família, se faz uso de medicamentos, entre outros

fatores. Nesse mesmo documento são anexadas as informações dos presos durante sua

permanência na prisão, seu comportamento, se possui algum problema de saúde ou se cometeu

alguma falta. Esse prontuário é utilizado pelos profissionais como forma de avaliação do sujeito

preso, a partir das condições individuais e do que ele vivência na prisão.

Para além dos prontuários, os profissionais relatam que fazem o atendimento individual

diariamente. Para tanto, os próprios psicólogos definem quais os presos terão atendimento,

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sendo priorizados, segundo os profissionais, presos com algum tipo de transtorno ou que

estejam com alguma doença devido à demanda. Além da escolha dos presos feita pela equipe,

eles afirmaram que eles próprios podem solicitar o atendimento, que fica sujeito ao desejo do

agente em levá-lo à sala da equipe.

Os profissionais relataram que os atendimentos consistem em escutas que visam

compreender qual a demanda daquele preso e, a partir disso, encaminhá-lo para o médico,

dentista, assistente social ou outro profissional da equipe. Sobre a regularidade dos

atendimentos, alguns profissionais relataram que em caso de necessidade, marcam 4 sessões

com os presos que acontecem semanalmente, ou optam por manter a frequência dos

atendimentos apenas com aqueles que fazem uso de medicação.

Desse modo, o contato principal dos psicólogos com os presos é dado de forma

extremamente superficial e limitada, tendo em vista que a alta demanda, a dependência ao

agente, a ausência de privacidade e a impossibilidade de manter uma regularidade dos

atendimentos são elementos constantes e com os quais os psicólogos não têm criado estratégias

de superação.

Embora, como aponta Seixas (2014), o discurso sobre compromisso social tenha

avançado nos últimos anos entre os psicólogos e, a partir da pesquisa, é possível notar a

existência de profissionais que ensaiam essa discussão, tem-se ainda uma limitação extrema

dentro da atuação desses profissionais nos espaços prisionais em compreender sua prática para

além do atendimento individualizado. Ademais, mesmo entre profissionais que não se limitam

a esse tipo de atividade e que, minimamente, conseguem se desprender do modelo tradicional,

circulando pelas unidades e questionando prática de torturas, ainda percebe-se a permanência

de uma prática tecnicista voltada para ações puramente paliativas.

(...) o que eu utilizo mais do plano aqui, junto a equipe, a parte de testes rápido, que a

gente faz aconselhamento de teste rápido. (PSI02)

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A minha rotina, a minha atividade é a seguinte: a gente tem a programação de outubro

rosa, a gente trabalha com as mulheres dinâmica de grupo, trazendo as pessoas pra fazer

maquiagem. (PSI09)

Compreende-se que a Psicologia não conseguirá resolver todas as demandas do público

prisional, pois estas estão vinculadas às condições de funcionamento do cárcere, precária e

desumana, cuja resolução transcende à Psicologia. No entanto, as demandas que poderiam ser

minimizadas ou resolvidas não têm tido resolução, pois há um déficit na formação e uma

manutenção de uma prática extremamente conservadora, uma vez que os profissionais não

possuem bases teóricas que sejam condizentes à realidade do público atendido e ao local de

atuação e utilizam critérios que estão muito mais ligados à demanda da instituição. Nesse

sentido, é possível perceber que há muito mais um trabalho dos profissionais no sentido de se

adequarem aos interesses da instituição do que que seja efetivamente voltado para o público

privado de liberdade (Carvalho & Silva, 1990).

(....) ainda atuam conforme aquilo que aprenderam na Academia, fundamentados pelo

modelo biomédico hegemônico, alheios, portanto, e, por que não dizer, incapazes de

agir de modo crítico e inovador frente aos problemas de saúde que trazem os princípios

e diretrizes do SUS. Levando-se em consideração tais questões, torna-se difícil pensar

e/ou observar práticas integrativas ou interdisciplinares nesse grupo de profissionais,

uma vez que suas ações ainda se apresentam despreparadas e descontextualizadas da

noção de coletivo que, atualmente, guiam as práticas em saúde (Freire & Pichelli, 2010,

p.850).

Se o trabalho desenvolvido pelos psicólogos na saúde possui diversas questões que

impossibilitam uma atuação coerente aos princípios do SUS, nas prisões, foi possível perceber

que tal prática tem efeitos ainda mais preocupantes. Os dados apontaram para o fato de que as

atividades realizadas pelos psicólogos que trabalham nas prisões paraibanas ainda estão

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voltadas para uma escuta que coloca o sujeito atendido enquanto único responsável por

mudanças.

O planejamento das atividades que serão realizadas varia de acordo com cada

instituição, sendo, de modo geral, uma vez ao mês. Porém, em algumas unidades este

planejamento acontece uma vez ao ano ou sequer é realizado. Sobre o registro das atividades,

esse é feito em prontuários em que toda a equipe tem acesso, além disso, alguns psicólogos

relataram sobre a existência de documentos específicos que servem como prestação de contas

ao SUS e no quais são registrados os atendimentos.

Observou-se que, embora a política de saúde proponha a garantia de inúmeros direitos,

alguns pontos estabelecidos por ela não são condizentes com o retrato atual das prisões

pesquisadas. Assim como outros dispositivos legais, a PNAISP também não é cumprida em sua

totalidade nos espaços prisionais, o que tem gerado limitações na execução dessa política (silva,

2015).

Tal realidade pode ser visualizada a partir do questionamento aos profissionais sobre o

público alvo. Os profissionais entrevistados afirmaram que este é composto apenas pelos presos

e seus familiares, embora apontem que, quando necessário e solicitado, eles também realizam

atendimento com os agentes penitenciários. Mesmo afirmando que o trabalho está voltado para

esse público, alguns profissionais discorreram sobre a impossibilidade de atender toda a

demanda, tendo em vista que em alguns presídios o número de presos é superior a mil.

Todo, precisou eu estou à disposição de todos os funcionários, bem como dos apenados

e da família dos apenados. Agora, você sabe que falando é muito bonito, mas quando

você vem pra prática deixa muito a desejar, porque são mil e poucos presos, né. Cada

preso desse tem uma família e tem os agentes. (PSI01)

Só os apenados e não dá nem de conta porque um presídio que tem mil e tantos presos,

pra um profissional só (PSI03)

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No caso dos agentes penitenciários, os psicólogos se colocam à disposição caso estes

sintam necessidade de buscar algum tipo de auxílio, porém, apontam sobre a dificuldade em

dar conta de um público tão alto e da resistência que esses funcionários têm em entrar em

contato. Considerando que o lugar que o agente penitenciário ocupa não os permite

demonstração de “fragilidades", desse modo, é esperado que a procura por um atendimento

psicológico seja visto por esses profissionais como sinônimo de fraquejar diante das

dificuldades de trabalho, o que também está relacionado ao machismo da profissão e do

ambiente prisional.

Os agentes é assim, a gente oferece, é explicado pra eles que a equipe também está à

disposição pra atendimento deles. É tanto que tem deles que passa pela médica quando

tão com alguma queixa, com a dentista também, por mim, raramente, algum me procura.

Já chegou casos deu observar no cotidiano, da gente ter aquele contato, e por eu perceber

uma mudança no comportamento, ou até o diretor também “oh o meu agente ta assim,

vê se ele aceita conversar com você”. E já houve tentativa nesse sentido, mas não de

uma busca espontânea, né? Mas é mínima a participação, mas eles sabem que eles

podem procurar o atendimento também. (PSI08)

Eu como psicóloga eu atendo família e apenado, se o agente precisar sim, mas os agentes

vão mais pra parte da enfermagem médico. Porque quando ele vem a gente até orienta

pra ele procurar um psicólogo fora, porque como eles tão de plantão, nunca pode sair.

Só quando ele tá muito aperreado, que a gente conversa com eles, tudinho, mas só a

parte assim, de um apoio. (PSI06)

Sobre a regulamentação das equipes necessárias para o trabalho nos presídios, a

PNAISP discorre sobre a quantidade de profissionais e como estas equipes devem ser

compostas para instituições com números entre 301 e 700 presos. O detalhamento desta

informação pode ser vislumbrado na tabela 3 que segue:

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Tabela 3

Equipes de Saúde necessárias para instituições que possuem entre 301-700 custodiados

Tipo de equipe Profissionais

Equipe Atenção

Básica Prisional

Tipo II (EABp II)

1 Médico, 1 Enfermeiro, 1 Técnico ou Auxiliar de Enfermagem, 1

Assistente Social, 1 Psicólogo, 1 profissional de nível superior

(Terapeuta Ocupacional, Fisioterapeuta, Nutricionista ou

Farmacêutico);

Equipe Saúde Bucal

Prisional (ESBp)

1 Cirurgião-dentista, 1 Técnico de Saúde Bucal ou Auxiliar de

Saúde Bucal;

Equipe de Saúde

Mental Prisional

(ESMp)

1 Médico Psiquiatra ou médico especialista em saúde mental, 2

Profissionais de Nível superior (Terapeuta Ocupacional,

Fisioterapeuta, Psicólogo, Assistente Social, Enfermeiro ou

Farmacêutico)

É possível perceber o desacordo entre a realidade e o que é proposto ao compararmos

as equipes presentes nos presídios com o que é solicitado pela PNAISP. Além do

descumprimento referente aos profissionais que estão presentes nas instituições, de acordo com

as normas da Política, nos presídios com mais de 700 custodiados deveria haver um acréscimo

na quantidade de equipes de saúde. No entanto, como já mencionado, em todas as instituições

pesquisadas, havia apenas 1 equipe de saúde atuando.

Outro ponto proposto a partir da entrada das equipes de saúde nos presídios seria

promover a diminuição das fronteiras entre as instituições com as redes de serviços de saúde,

bem como a facilitação e garantia da permanência do vínculo entre as pessoas privadas de

liberdade, seus familiares e a comunidade. Na prática, o que se observou é que a relação entre

as unidades prisionais e as redes de saúde é mínima. Os psicólogos relataram que, em casos

mais graves, é solicitado que o preso seja encaminhado para algum hospital. Quando trata-se

de alguma questão psicológica, é feito o encaminhamento do preso a Penitenciária de

Psiquiatria Forense de João Pessoa, no qual o apenado fica determinado período e depois

retorna ao presídio.

Porque eu não posso aprofundar essa psicoterapia ai nesse meu atendimento se eu ver

que há a necessidade de um atendimento psiquiátrico, ai eu encaminho, eu faço um laudo

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e encaminho para a médica, ai a médica faz um laudo e encaminha para o manicômio

judiciário, que nesse ínterim tem que ter, a gente passa para o diretor e o diretor pede

para o juiz para ele ser encaminhado. (PSI01).

O Manicômio Judiciário trata-se de um dispositivo que muito se assemelha ao cárcere:

uma estrutura de controle, reprodutora do medo e da violência, incapaz de prestar assistência

integral e que não se relaciona aos serviços de atenção à saúde (Correia, Lima & Alves, 2007).

Além de ser utilizado para lidar com os presos que estejam passando por sofrimento

psicológico, ele é também utilizado como mecanismo para lidar com a questão das drogas.

Sendo assim, o que tem acontecido está muito longe de um fortalecimento com as redes de

serviço de saúde ou uma atuação que vise a prevenção e reabilitação dos usuários (colocadas

como ações prioritárias da PNAISP), trata-se da manutenção de uma política de

encarceramento, a qual baseia-se no controle, na vigilância e na disciplina (Correia et. al.,

2014).

Porque tem muitos aqui que têm síndrome de abstinência, então que é necessário ir pra

um atendimento, só que ontem mesmo eu coloquei: necessita de um atendimento

especializado numa clínica para desintoxicação. Mas é impossível isso, eles vão pro

manicômio judiciário, aí você sabe, passa uns dias desintoxicando, aí volta (PSI01).

Os objetivos centrais tanto do Plano quanto da Política de saúde seriam trabalhar no

sentido da prevenção e promoção em saúde, de forma que o SUS pudesse se efetivar dentro

desses espaços. No entanto, notaram-se inúmeras barreiras para a concretização desses

objetivos. O princípio da universalidade do SUS, por exemplo, que defende o acesso aos

serviços de saúde para todas as pessoas de forma indiscriminada, é nitidamente descumprido

no âmbito prisional. Primeiro, devido ao fato de que nem todos os presídios estão sendo

atendidos pela PNAISP e outros que sequer possuem profissionais da saúde atuando, tornando

quase inacessível a garantia de saúde aos sujeitos encarcerados. Além disso, nas unidades em

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que as equipes de saúde estão inseridas, isso não tem representado a garantia de saúde à todos

os apenados, tendo em vista que é necessário traçar critérios de seleção para escolha dos que

serão atendidos, de modo que as equipes de saúde são incapazes de abarcar toda a demanda.

A não efetivação de muitos dos pontos colocados pela PNAISP apontam que a realidade

precária das prisões não se alterará a partir da implementação de uma política de saúde. A alta

demanda, a dependência do desejo da direção e dos agentes em auxiliarem o acesso aos presos,

a estrutura física precária, são apenas alguns dos exemplos de como o trabalho das equipes de

saúde pode ser facilmente impossibilitado de se realizar.

As falas dos entrevistados também apontaram para as inúmeras dificuldades no

desenvolvimento de ações de saúdes, nos presídios, voltadas para o campo da prevenção. As

atividades de cunho preventivo ocorrem por meio do aconselhamento junto aos familiares e de

ações junto aos presos, como palestras ou momentos de conscientização, por exemplo o

“outubro rosa” e o “novembro azul”. De forma majoritária, os psicólogos têm atuado junto à

equipe para lidar com os problemas já existentes, focalizando no tratamento das doenças e em

situações emergenciais.

Se, por um lado, a implementação da política pôde trazer um olhar mais cuidadoso com

a população privada de liberdade, por outro, as falhas de execução e de cumprimento das suas

medidas escancaram as barreiras impostas pelo sistema prisional em modificar suas estruturas.

O cenário recorrente é o do não cumprimento da PNAISP em sua totalidade, havendo uma série

de questões que não estão de acordo com o que é proposto e outras que são limitações impostas

pelos próprios presídios, tornando a Política com pouco alcance e pouco eficaz no que se refere

à proposta de mudanças inovadoras e estruturais ao cenário.

A partir dos dados da pesquisa, tem-se algumas questões: a primeira refere-se ao fato

de que as prisões impõem, a partir do seu funcionamento e da sua proposta enquanto mecanismo

de encarceramento, limites estruturais para efetivação da política de saúde e de qualquer outra

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que vise garantir melhores condições aos presos. A segunda trata das próprias limitações das

políticas em efetivarem o que propõem. Há muito o que se avançar com relação ao trabalho

desenvolvido pelos psicólogos junto às equipes, inclusive em saber qual seu papel e lugar nesse

cenário.

A inserção dos psicólogos por meio das equipes de saúde consiste, para os próprios

profissionais, em uma ampliação do olhar de cuidado com o público atendido, porém, isso não

representou um rompimento com o tipo de prática psicológica que já era desempenhada.

Algumas concepções mais tradicionais da própria Psicologia não se alteraram apenas porque

os psicólogos deixaram de ter como foco a produção de laudos e passaram a atuar junto à equipe

de saúde. Entende-se, portanto, que a atuação dos psicólogos junto às equipes nos presídios

consiste em um ganho, no sentido de uma aproximação dos presos com uma mínima garantia

do direito à saúde, nos casos em que a política consegue se efetivar. Por outro lado, nas

condições em que é que é desenvolvido o trabalho dos psicólogos, as atividades têm consistido,

majoritariamente, em reforçar a atuação clínica e atividades tecnicistas.

Qualquer iniciativa que torne menos dolorosas e danosas à vida na prisão, ainda que ela

seja para guardar o preso, deve ser encarada com seriedade quando for realmente

inspirada no interesse pelos direitos e destino das pessoas detidas e provenha de uma

mudança radical e humanista e não de um reformismo tecnocrático cuja finalidade e

funções são as de legitimar através de quaisquer melhoras o conjunto do sistema

prisional (Baratta, 1990, p. 142).

Parte-se do entendimento que a discussão levantada, acerca do trabalho das equipes de

saúde nos presídios não propõe relativizar a necessidade de garantia de saúde nesses espaços,

tendo em vista que não se pode perder de vista a defesa pelos direitos humanos em todos os

âmbitos, em especial, no campo da saúde prisional; tão pouco propõe realizar uma análise

aprofundada acerca da PNAISP e sua implementação, tendo em vista que necessitaria uma

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discussão mais avançada sobre o papel das políticas sociais no cenário prisional, além de uma

pesquisa que abarcasse a atuação dos outros profissionais. Mas, a partir do cenário exposto, das

limitações e da manutenção de práticas tradicionais, de forma majoritária, torna-se urgente o

debate acerca de como proporcionar o acesso à saúde nos presídios e qual o lugar que o

psicólogo precisa ocupar na defesa pela garantia dos direitos humanos. Tendo em vista que a

atuação desenvolvida, limitada ao atendimento individual tem muito mais servido aos desejos

da instituição carcerária e culpabilizado os sujeitos presos, do que atuado no sentido do

compromisso com as classes sociais atendidas pelas políticas sociais no cenário prisional.

A Psicologia nas prisões: a produção de “verdades competentes”

Historicamente, a atuação dos psicólogos no sistema prisional esteve voltada para a

realização de laudos psicológicos e exames criminológicos. Com a ação vinculada à equipe de

saúde, a produção dos documentos passou a ocupar um espaço bem menor no centro das

atividades realizadas pelos psicólogos paraibanos, o que difere do trabalho desenvolvido na

maior parte do Brasil, que tem como atividade central a produção desses documentos.

Na Paraíba, como já foi abordado, apesar de majoritariamente atuarem a partir da

política de saúde, quando solicitados pelos juízes, os profissionais voltam sua prática para a

elaboração de documentos que subsidiam decisões judiciais de progressão de regime ou

livramento condicional, seja por meio do exame criminológico, seja por meio dos pareceres.

O exame criminológico tem por objetivo atender a demanda do judiciário e avaliar se o

sujeito em privação de liberdade poderá ou não, a partir dos critérios do avaliador, obter a

progressão de regime ou livramento condicional. De acordo com o que é proposto na LEP

(1984), deve ser realizado a partir do acompanhamento do sujeito desde o momento da sua

entrada na unidade prisional até sua saída.

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Os resultados apontam que, nos presídios paraibanos, sua produção tem se limitado ao

momento em que, depois de ter cumprido uma parte da pena, o juiz solicita a possível

progressão de regime ou livramento condicional. Sendo assim, não é realizado qualquer tipo de

acompanhamento contínuo junto aos presos, tornando o exame criminológico produzido pelo

psicólogo junto à CTC pouco ou nada diferente dos laudos que são produzidos pelos psicólogos

das equipes de saúde. No entanto, considerando que, historicamente, o exame criminológico

tem ocupado lugar central nas práticas dos psicólogos no sistema prisional e, recentemente,

fomentado inúmeras discussões acerca da sua desconstrução na Psicologia e no campo jurídico,

cabe aqui estabelecer algumas críticas específicas à sua produção.

A juíza elas as vezes encaminha, principalmente aquele preso que já está no período

de concluir a pena, ai ela solicita da direção uma avaliação psicossocial do apenado.

Ai a gente envia pra ela a resposta da avaliação atual do apenado, o que é que a gente

observou dele naquele momento. (PSI08)

Como já discutido, a elaboração do exame criminológico trata-se de uma prática que

considera que o profissional - podendo ser um assistente social, psiquiatra ou psicólogo - é

dotado de capacidade de prever o cometimento ou não de um crime, cabendo ao avaliador a

previsão de uma possível reincidência, como é apontado na fala de um dos entrevistados: “Sim,

através de testes, a gente pode, de certa forma, prever. ” (PSI05). Tal fala corrobora as análises

de Rauter (2007) ao afirmar que: “ao psicólogo é solicitado fazer previsões de comportamento

através de laudos que instruem a concessão de benefícios e a progressão de regimes, exercendo

uma espécie de futurologia científica sem qualquer respaldo teórico sério” (p. 43). Dessa forma,

foi possível perceber que, apesar dos avanços na discussão sobre o que caberia ou não aos

profissionais da Psicologia na construção do exame criminológico ou de qualquer outro

documento que subsidie decisões judiciais, ainda é presente o ideal do psicólogo enquanto

responsável por realizar previsões sobre possível reincidência.

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Corroborando o pensamento de Rauter (2007) e com as discussões mais críticas

produzidas sobre a temática nos últimos anos, o Conselho Federal de Psicologia elaborou o

“Parecer técnico Sobre a Atuação do (a) Psicólogo (a) no Âmbito do Sistema Prisional”, que

destaca alguns pontos acerca da construção do exame criminológico. É reiterado pelo CFP

(2016) que o exame criminológico viola o princípio da legalidade, pois volta-se para a condição

de progressão de regime através de um parâmetro que não é proposto em lei, mas sim, a partir

da construção de um laudo que pode, inclusive, não obter consenso entre diversos avaliadores.

Com isso, o exame criminológico torna-se, em muitos casos, um instrumento de manutenção

da política de encarceramento baseado na justificativa de defesa social.

Outra questão levantada pelo parecer refere-se à ausência de condições para a realização

de um exame fidedigno, tendo em vista que, na maioria das vezes, o tempo utilizado para a

entrevista, uma ou duas horas, não possibilita que o avaliador possa conhecer a personalidade

do entrevistado. Desta forma, não é possível, nem a partir das técnicas utilizadas e nem com as

condições nas quais acontecem essas entrevistas, discorrer sobre uma provável reincidência. Os

dados obtidos na pesquisa apontam que a forma pela qual são realizadas as entrevistas com os

presos, condiz com os aspectos apontados, tendo em vista que, além de mostrarem as condições

inadequadas, descumprem as condições legais da elaboração desse documento, escancaram seu

caráter superficial e a relação de submissão dos psicólogos às demandas judiciais, tornando sua

prática puramente tecnicista.

Onde a gente chama o apenado, uma ou duas vezes, porque não dá pra chamar mais,

porque o tempo não dá, porque são muitos. E aí você atende, faz de conta que ele tava

equilibrado, que ele... não sei, porque não dá pra eu analisar você de uma vez só, numa

sessão só, eu não tenho uma varinha de condão (PSI03)

Para além dos fatores expostos, ainda é possível apontar para a violação da proteção

contra o direito dos sujeitos em não produzir provas contra si mesmos. Tendo em vista que os

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documentos elaborados podem gerar, a partir da avaliação do que psicólogo considera

moralmente aceito, consequências negativas e servir como justificativa para que a progressão

de regime não seja aprovada.

O exame criminológico desrespeita diversos princípios do Código de Ética Profissional

do (a) Psicólogo (a), podendo se configurar como negligência, haja vista a

desconsideração das condições necessárias para a realização de um serviço de

qualidade. A Psicologia tem um papel social importante e seria uma indução

reducionista ou um erro fazer uma afirmação desprovida de um mínimo de

cientificidade. Isso é mais forte ainda quando se trata de uma análise técnico-pericial

que vai subsidiar decisões judiciais e um dos bens mais caros, a liberdade (França et al,

2016, p.38).

A demanda pela produção do exame criminológico no cenário prisional paraibano insere

os psicólogos em tarefas que têm se reduzido à disciplinarização dos sujeitos, a partir da

emissão de juízos por parte desses profissionais, o que vai de encontro aos princípios éticos que

norteiam a prática da Psicologia. A forma como são realizadas as entrevistas que subsidiam a

construção do exame, sua elaboração e o que se espera dos seus resultados, além de contribuir

para manutenção do ideal do psicólogo enquanto profissional dotado do saber científico que

possibilitaria a previsão da criminalidade, reduz a atuação do psicólogo a uma atividade

puramente mecânica, cuja finalidade tem servido muito mais para atender às necessidades do

aparato judiciário.

Tendo tecido tais comentários acerca do exame, se faz necessário destacar alguns

elementos que não se limitam à sua produção. Foi observada uma série de fragilidades tanto na

elaboração do exame criminológico produzido pelo psicólogo inserido na CTC, como na

construção dos laudos psicológicos pelos profissionais das equipes de saúde. Estas fragilidades

são inerentes à elaboração desses documentos por psicólogos no âmbito prisional, como: a

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ausência de sigilo das informações coletadas, a ausência de confiança entre profissional e

apenado, a forma como as avaliações são produzidas, a veracidade das informações reveladas,

a influência do positivismo, a culpabilização das famílias, etc.

A ausência de sigilo durante as entrevistas para construção desses documentos é um

ponto fundamental nessa discussão, tendo em vista que as informações levantadas a partir do

diálogo com os presos podem vir a gerar consequências negativas para sua vida. Diferente de

outros espaços, no âmbito prisional, as informações cedidas pelos apenados serão anexadas ao

seu processo e não se manterão apenas sob domínio do psicólogo. Somando-se a isto,

frequentemente, as entrevistas e até mesmo o atendimento, são realizados em uma sala com a

presença de um agente penitenciário, excluindo qualquer possibilidade de se estabelecer o sigilo

durante esse processo. Consequentemente, a confiança entre psicólogo e preso torna-se quase

impossível de ser estabelecida.

Então não pode existir uma privacidade, não pode, porque você não atende preso

sozinha, eu não atendo preso sozinha, sem ter um agente, né. (PSI01)

Outro ponto intrinsecamente ligado à ausência do sigilo refere-se à veracidade das

informações reveladas. Sabendo que as informações cedidas serão fundamentais na sua

progressão de regime, como esperar que o apenado, nas condições de aprisionamento que

vivencia, possa se comprometer em falar a verdade? Além disso, considerando que espera-se

do preso uma certa passividade e sinais de arrependimento pelo crime cometido, a verdade

torna-se subordinada ao que o profissional considerar moralmente aceito para que ele possa vir

a se inserir novamente em sociedade.

Sabe-se que, quase sempre, a verdade considerada pelos profissionais é a verdade da

instituição, é aquela contida nos autos, independente de como, historicamente, estes estejam

marcados por intensas violações e tortura. É nítido e esperado que o entrevistado responda as

questões a partir do que ele sabe que é necessário para conseguir a progressão, sendo inevitável

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direcionar suas respostas ao que é considerado adequado para o avaliador. Pode-se dizer,

inclusive, que nesse caso, a mentira é totalmente previsível, tendo em vista que o futuro do

sujeito avaliado está em jogo (Rauter, 2003).

Ao se constituírem unicamente para fins de concessão de benefício de progressão de

regime, os documentos produzidos tornam-se voltados exclusivamente para a suposta defesa

social, de forma que toda a complexidade e multideterminação do fenômeno do crime é

reduzido ao âmbito individual, promovendo a culpabilização dos sujeitos presos e reduzindo à

sua figura todas as causas da criminalidade. Somado a esses fatores, foi ainda revelado que os

psicólogos precisam lidar também com a pressão das solicitações por parte da direção.

Diretor já chegou pra mim ‘olhe doutora, a senhora pode dar parecer favorável a esse

daqui pra mim? Por isso, por isso, porque o advogado...’, eu “olhe, se der eu dou, se

não, dei negado”, “mas doutora”, dei, não vai ser mudado, vai ser esse daqui’ (PSI03)

Quando questionados sobre quais critérios são utilizados na elaboração desses

documentos e como eles são produzidos, os profissionais apontaram que esses giram em torno

do comportamento do preso durante o seu período dentro da unidade prisional, suas

perspectivas de futuro e aspectos relacionados aos valores morais.

Então se eu vou dar um parecer pra reabilitação, eu vou analisar a conduta dele no

mínimo doze meses. Se eu vou analisar pra uma progressão pro semiaberto, por

exemplo, ele tem que ter cumprido um sexto da pena, não ter tido nenhum isolado, se

tiver tido alguma falta, já ter sido reabilitado, como mais ou menos tá conduta dele, a

vida pregressa, quantos artigos ele teve, se realmente os valores morais dele são mais

ou menos adequado aos que a gente chama de, da sociedade, se tão dentro dos

parâmetros, né? A gente avalia isso, faz uma balelinha lá e bota no papel, é isso. (PSI03)

O comportamento dele, que a gente tem um acesso, lá no presidio eles têm no prontuário

do preso, todo o histórico do preso, se ele já se envolveu com algum comportamento

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diferente dentro do ambiente. Porque lá eles às vezes têm alguns conflitos em cela, tem

deles que não consegue conviver, acabam tendo que ficar numa cela separados. Aí todos

esses critérios da instituição que eles nos fornecem e também avaliações que a gente

faz, individual. (PSI08)

Destaca-se também o desconhecimento por parte dos psicólogos acerca da realidade dos

presos. Muitos dos documentos são produzidos a partir de uma noção superficial da pessoa

entrevistada, seja pela impossibilidade a partir da alta demanda, seja porque o acesso aos locais

das celas não é realizado por todos os profissionais, seja porque a produção desses documentos

está limitada ao espaço prisional.

Eu tenho ali na faixa de hoje uns 15 pareceres pra dar, 15, eu não sei se eu vou conseguir

dar todos, durante essa semana ainda tenho que vir, entendeu? (PSI03)

É pedido né, a progressão dele, o advogado pede e vem pra gente fazer essa avaliação,

dar um parecer. Onde a gente chama o apenado, uma ou duas vezes, porque não dá pra

chamar mais, porque o tempo não dá, porque são muitos. E aí você atende, faz de conta

que ele tava equilibrado, que ele... não sei, porque não dá pra eu analisar você de uma

vez só, numa sessão só, eu não tenho uma varinha de condão. Não tem condição de

aplicar teste e também seria muito oneroso pro estado e seria também muito demorado

pra poucos profissionais. Como que eu ia aplicar um Rorscharch, por exemplo? Como

que eu ia...? É muito tempo pra correção. Então assim, nega, a gente faz de conta.

(PSI03)

Comumente, esse processo de elaboração de documentos é marcado por uma

peculiaridade: a figura do psicólogo, quase sempre, utiliza-se das noções de subjetividade e

inconsciente para se dizer capaz de retirar informações sobre o sentenciado, mesmo que ele

sequer as tenha mencionado. Há um desequilíbrio de poder, no qual é atribuído ao profissional

da Psicologia, não só enquanto funcionário do cárcere, mas enquanto sujeito dotado de um saber

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científico, o poder de definir ou prever a delinquência. E, mais do que isso, a Psicologia também

tem feito parte, historicamente, da construção de quem são os sujeitos perigosos.

Embora o trabalho no campo pericial se proponha a defender os ideais de neutralidade

e imparcialidade, a partir das questões e das falas expostas, o que foi possível perceber é que a

realidade encontra-se bem distante das promessas positivistas. Aponta-se também o caráter não

científico na produção desses documentos, além das influências de práticas e pensamentos

punitivistas, que priorizam a culpabilização a partir da história de vida dos sujeitos, em especial

às questões relacionadas à família e orientação sexual (Yamada, 2016).

Mesmo entre aqueles profissionais que não relataram a produção de laudos, pareceres

ou do exame criminológico na sua prática diária, notou-se que o discurso produzido é bastante

semelhante: a concepção de sujeito perigoso e do crime como algo biológico e inerente à

personalidade. No que se refere à aferição da periculosidade, comumente está é atribuída às

questões sociais, como a família, a pobreza, orientação sexual, etc.

O conceito de periculosidade, que surgiu a partir das Ciências Criminais, com Raul

Garofalo, por volta de 1880, parte da concepção de que o ato delituoso é o sintoma da

personalidade do delinquente. A construção do sujeito perigoso, aquele que deve ser temido por

sua “natureza má”, é uma das principais criações do mecanismo prisional. Mas, foi com a

inserção dos saberes psi no contexto da prisão que esse ideal se fortaleceu. Nas falas dos

profissionais entrevistados foi possível notar a força com a qual essa concepção se faz presente,

a partir dos discursos do sujeito criminoso nato e sem possibilidade de recuperação, da

associação preconceituosa entre as questões que envolvem orientação sexual e o envolvimento

com o crime, e do conceito de psicopatia, trazendo para o campo das patologias a explicação

para a criminalidade.

Nós trabalhamos com seres altamente perigosos, nós trabalhamos com psicopatas, né,

nós trabalhamos com pessoas que estão drogadas. (PSI01)

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Você acha que esses psicopatas têm cura? Você como psicóloga? Porque, pra mim não

tem. Não existe cura para psicopata. (...) E tem os psicopatas, tem muitos estupradores

e você quando estuda a história ele é psicopata com transtorno dentro da área sexual.

(PSI01)

Tais concepções estão intrinsicamente relacionadas aos pensamentos da Escola

Positivista de Criminologia, em especial, aos estudos de Ferri, que relacionam a criminalidade

aos determinantes sociais, hábitos de vida e comportamentos perigosos. Nessa perspectiva, foi

percebido, a partir dos discursos dos psicólogos entrevistados, que o positivismo ainda possui

grande influência no pensamento e na prática dos profissionais no campo prisional (Batista,

2011).

Segundo Coimbra (2002, p.10), “esses discursos/práticas ‘competentes’ enunciados

pelos especialistas forjam a todo momento modelos onde estão as ‘verdades’: o bom cidadão,

o bom pai, o bom filho, o bom aluno, etc.”. Para romper com essas perspectivas, como bem

coloca a autora, torna-se necessária uma articulação entre Psicologia e política, compreendendo

que o trabalho do psicólogo não é neutro e possui efeitos poderosos. Ou seja, é urgente a

necessidade do rompimento com o ideal de verdades absolutas, tornando ciente que a prática

desenvolvida no âmbito prisional está implicada em dimensões sociais, econômicas e históricas

que devem ser consideradas em suas complexidades.

Apesar dos psicólogos não terem discorrido sobre a utilização de testes na elaboração

dos documentos, alguns trouxeram em suas falas exemplos daqueles que poderiam ser

utilizados para a realização dos laudos, ou que já foram usados em outros momentos no âmbito

prisional, como o de Rorscharch e a Escala PCL-R.

Embora os psicólogos não utilizem a Escala Hare PCL-R em suas práticas diárias (a

partir das queixas, acredita-se que pela alta demanda e/ou ausência de recursos), discursos

semelhantes ao que é produzido a partir do teste foram identificados em algumas falas dos

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entrevistados. Deste modo, considerou-se importante atentar para esse teste especificamente,

por compreender que os discursos produzidos por ele e pelas concepções que o baseia, são

frequentes e constantemente se afastam das normas éticas da Psicologia, sendo alvo de inúmeras

críticas.

A Escala Hare PCL-R foi criada por Robert Hare e trata-se de uma escala de pontuação

para avaliar a psicopatia em populações masculinas. Seu objetivo é medir o nível de

periculosidade e a possibilidade desses sujeitos se reinserirem na sociedade de maneira segura.

Tal escala é criticada nos documentos do CFP (CFP, 2016b) e por Yamada (2016), tecendo uma

série de questionamentos éticos acerca do referente teste psicológico.

Sim, através de testes, a gente pode, de certa forma, prever. A Escala PCL-R, a que eu

utilizei, de psicopatia, ela é utilizada também pra prever a possibilidade de reincidência.

(PSI05)

O teste apresenta inúmeras dissonâncias entre as características consideradas da

psicopatia, o que é proposto pelo Código de Ética e o compromisso dos profissionais em

garantir e promover os direitos humanos. Entre os questionamentos sobre os itens para aferir a

psicopatia nos sujeitos, o CRP-05 discutiu a improbidade ética do teste por considerar a

orientação sexual como um dos itens de avaliação. Outro ponto de crítica refere-se à

discordância com a legislação criminal brasileira, ao considerar alguns atos que não estão na

legislação como criminalizáveis, sendo esses: a vadiagem noturna, incesto, prostituição, recusa

de se submeter ao bafômetro, etc (Yamada, 2016). Alguns dos critérios utilizados pelo teste

para identificar a psicopatia nos sujeitos, foram mencionados em uma das entrevistas, os quais

referem-se à

Frieza, a mentira patológica, a loquacidade. Por exemplo, a gente tem um caso aqui de

uma apenada que ela começou a traficar, ela era tesoureira do tráfico, e só sei que ela se

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envolveu tanto que matou o chefe e assumiu. Então assim, você vê que uma pessoa

dessas é mais difícil dela se recuperar. (PSI05)

De modo geral, percebe-se, a partir dos dados obtidos, que o trabalho dos psicólogos

nas prisões e as concepções produzidas nesses espaços estão pautadas na perspectiva

criminológica positivista. Isto pode ser percebido no discurso produtor da ideia da

periculosidade como algo natural, assim como no que atribui a alguns fatores sociais a

responsabilidade pela criminalidade, principalmente à pobreza.

A influência da perspectiva positivista no discurso dos psicólogos também pode ser

percebida na concepção de família. Segundo Rauter (2003), há uma lista de famílias que

comumente são encaixadas no rótulo de “famílias desestruturadas” e que, a partir desse

discurso, poderiam gerar um potencial criminoso. São aquelas em que ocorreu a morte ou

abandono do pai; o pai é alcóolatra; a mãe criou os filhos sozinha; o pai é ausente; ou o pai é

presidiário ou ex-presidiário. A associação entre os conflitos familiares e o cometimento de um

crime ainda é comum entre os psicólogos. Observou-se nas falas dos entrevistados que algumas

situações são colocadas como geradoras de carências enquanto, na realidade, poderiam estar

relacionadas a qualquer acontecimento familiar.

Quando você começa a conversar, você vai começar a entender, por que de toda a

história, você vê que as vezes num tem pai nem mãe ou tem mãe num tem pai, desde

cedo que é de rua, num tem uma estrutura familiar, nem psicológica, num tem estrutura

nenhuma. (PSI06)

Porque a maioria deles a família... todos vêm de família desestruturada, pai alcoólatra,

pai separado, mãe problema também com álcool, com drogas. Já nascem nesse meio.

(PSI02)

Ao invés de perceber a construção dessas famílias como estratégias de resistência e até

de sobrevivência, comumente, os discursos dos profissionais se alinham aos valores morais das

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classes dominantes. Sendo assim, a condição de vida fruto da desigualdade social produzida

pelo sistema capitalista, torna-se elemento da construção do perfil do delinquente e do processo

de estigmatização desse público. Ademais, algumas dessas carências tornam-se, na lógica

desses discursos, produtoras de uma “tendência ao crime”.

Só que ai quando a gente vai fazer um levantamento e um histórico de vida, a gente

realmente percebe e identifica um perfil dessas pessoas, de toda uma desestrutura

familiar, as vezes até de crimes cometidos na adolescência, muitos deles que já

estiveram em casas de passagem quando eram adolescentes. De toda uma falta de um

pai, de uma mãe, de terem sido discriminando, por alguma questão, que a gente tem um

índice de homossexuais também no presídio. (PSI08)

Acho que 90% vem de uma família desestruturada, não tem uma base familiar, já

nascem dentro do crime e muitos, falta de oportunidade mesmo e outros é porque eu

digo que já tá no sangue, não tem jeito. (...) porque a maioria deles a família... todos

vêm de família desestruturada, pai alcoólatra, pai separado, mãe problema também com

álcool, com drogas. Já nascem nesse meio. (PSI03)

As diferentes constituições de família são consideradas como causa de problemas e

nunca como apenas uma organização familiar diferente. Inclusive, pode-se notar nas falas que,

quase sempre, os psicólogos têm buscado as causas do crime a partir da construção de um perfil

cujas características tem sido, majoritariamente, as das classes mais pobres.

Além disso, os preconceitos muitas vezes presentes nos mesmos, travestidos de

linguagem científica, estabelecem julgamentos estigmatizantes sobre as vidas daqueles

que cumprem penas no sistema penal e sobre sua família, que acabam por se estender a

características das famílias brasileiras de um modo geral, vistos sob uma ótica

condenatória, apoiada em conceitos mal definidos cientificamente, como o de família

desestruturada, por exemplo (Rauter, 2016, p. 44).

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Quando questionados sobre os possíveis determinantes para o Brasil ter a terceira maior

população carcerária do mundo, os psicólogos atribuíram as causas, entre outros fatores, à

família do preso.

Eu vejo pela questão da falta de oportunidade de muita gente, questão de falta de

emprego, a questão da desigualdade social. Eu acho que se uma grande maioria tivesse

trabalhando, tivesse seu emprego sua renda. Porque muitos entram por questão de

família também no mundo do crime. Muitos entram na questão do crime por causa de

família já, por um tio, um primo, um amigo, questão de companhia também. (PSI04)

Ai, as vezes, a mãe abandonou um filho, abandonou tudo, arranja outro, vai embora, é

essa promiscuidade que existe hoje e dia. jovens ai engravidam, ai tem filhos, filhos,

filhos e filhos, mas quem cuida desses filhos? Ai deixa ai, as vezes com a avo materna,

paterno, os avós já não têm condição, já deixa pra lá, vai pra um tio, vai pra uma vó.

(PSI07)

Ainda no tocante à família, faz-se necessário discorrer sobre sua importância durante o

processo de cumprimento da pena. As familiares, sejam mães, irmãs ou companheiras,

constituem a maioria do público que lota as filas dos presídios semanalmente. Elas exercem o

papel de sustentar o lar, de garantir que não falte nada para o familiar preso dentro dos presídios,

como alimentação, material de higiene e muitas vezes medicamentos, se responsabilizam por

cuidar das questões judiciais e, principalmente, exercem o suporte afetivo (Bassani, 2011).

As familiares carregam consigo o estigma de serem familiar de alguém que está preso,

passam a ter o status de quase-condenadas, deixam de ter suas características próprias, perdem

sua identidade e passam a ser “mulher de bandido”. Esse estigma pode revelar uma série de

questões as quais elas estão vulneráveis e, através da estrutura social, o contato entre a familiar

e o preso faz com que eles sejam vistos pela sociedade como uma só pessoa (Santos & Soares,

2009).

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Além disso, as familiares dos presos são obrigadas a se submeter a situações

extremamente constrangedoras durante as idas ao presídio, como a própria revista íntima

vexatória, que consiste em um procedimento adotado pelos presídios com justificativa de que

seja impedida a entrada de objetos ilegais no local, como armas, celulares ou drogas. Durante

o processo, além de passarem pelo detector de metal, os visitantes são obrigados a tirar a roupa,

agachar várias vezes e abrir suas partes íntimas diante de um espelho (Gombata, 2014).

Sobre esse procedimento, os psicólogos relataram não participar da realização, sendo

esta de função dos agentes penitenciários. No entanto, notou-se a irregularidade em sua

execução, tendo em vista que, segundo a Lei Estadual n. 6.081 (2000), a qual dispõe sobre a

revista íntima nas unidades penais da Paraíba, esta “deverá ser efetuada de forma privada, por

pessoal do mesmo sexo do visitante e com formação na área de saúde” (Art. 6, § 5º).

Sobre a atuação junto aos parentes dos apenados, os psicólogos relataram que muitas

vezes não é possível voltar sua prática para o apoio a esse público, devido à alta demanda já

estabelecida. De modo geral, a atuação desenvolvida está relacionada ao esclarecimento de

informações referentes aos presos, recomendações acerca dos testes de saúde e escuta das

demandas trazidas, como as solicitações para atendimento, queixas de doenças, etc. Alguns

psicólogos também relataram que entram em contato com os familiares para tentar resgatar o

vínculo com os presos e quando é necessária alguma medicação para o apenado, tendo em vista

que muitas vezes são os parentes que se responsabilizam por manter materialmente os apenados,

mesmo que isto seja de responsabilidade do Estado.

Muitas vezes as que me procuram é porque se sentem abandonadas, então a gente tenta

trazer esse vínculo familiar, fazer com que voltem a visitar. Porque isso é muito

importante pra saúde mental das apenadas, então a gente tenta recuperar o vínculo

familiar também. (PSI05)

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O papel ocupado pelos psicólogos, historicamente, tem também sido relacionado à

função de possibilitar ao preso a ressocialização. A ideia construída em torno da questão da

ressocialização é a de que a prisão pode proporcionar algum efeito positivo sobre o encarcerado.

Sendo assim, o psicólogo enquanto funcionário desse estabelecimento seria também um dos

encarregados de fazer o preso alcançar esse objetivo - embora o fracasso nessa proposta seja

inerente à prisão.

Mesmo que nas prisões brasileiras a repressão e a violência aconteçam de forma

escancarada, cabe aos profissionais que ali se inserem, e isso inclui os psicólogos, dar conta de

formas de controle mais sutis. A proposta de agente ressocializador nada mais é do que ocupar

o lugar de garantidor da adequação dos presos ao modelo e reduzir toda a complexidade do

fenômeno da criminalidade ao sujeito encarcerado, garantindo que este se ajuste ao

funcionamento do cárcere.

Sim, aqui não quer dizer que aqui ele seja isso e lá fora ele seja isso também, aqui ele é

isso, porque ele tá sendo obrigado a se comportar, mas quando chegar lá fora ele faz

tudo de novo, porque ele aprendeu, ele saiu daqui doutor, não digo todos, mas a maioria.

(PSI03)

Ao esmagar os presos dentro das normas que são necessárias para a manutenção da

segurança e da disciplina, são suprimidas todas as possibilidades que ele tem de criar novas

maneiras de ser, o máximo que se consegue é a adequação do preso à vida no cárcere. Cabe

aqui a reflexão sobre o significado de pensar em saúde mental em condições de privação de

liberdade e o que significa falar em novas possibilidades de existência pós-penas. Nesse sentido,

Barros e Amaral (2016) propõem que os psicólogos saiam do lugar de responsáveis pela suposta

ressocialização e ocupem as brechas dos discursos oficiais, aproveitando-se para promover

programas que utilizem o trabalho e a educação como motores para a emancipação dos sujeitos.

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Quando questionados sobre as atividades que realizam nos presídios em que trabalham,

os entrevistados mencionaram algumas ações pontuais e o atendimento clínico, o qual ocupa

lugar central no trabalho dos profissionais. Entende-se que esta consiste em uma prática anterior

a existência das equipes de saúde, além de ser uma questão recorrente nas discussões acerca do

trabalho dos psicólogos em outros espaços.

Desse modo, os resultados apontaram para dados preocupantes: 5 dos 9 psicólogos

(considerando que um dos profissionais vincula-se à CTC e à produção do exame

criminológico) tem o atendimento clínico/escuta psicológica como atividade exclusiva da sua

prática. Os outros 4 também realizam o atendimento clínico, mas aliado a outras atividades

como as palestras ou orientações, já mencionados anteriormente.

O que é possível perceber é a transposição do modelo hegemônico da atuação clínica do

psicólogo para o setor público, o que inclui o ambiente prisional e que tem gerado uma prática

inadequada, de pouco alcance e descontextualizada. Há uma predominância de técnicas

psicoterápicas, que muitas vezes são tomadas como a única possibilidade de prática, o que se

deve muito ao fato do psicólogo reconhecer nesse tipo de trabalho a única forma de atuação.

Uma das questões nesse processo de transposição da prática clínica no campo das

políticas sociais, é que, frequentemente, o psicólogo desconsidera ou não consegue ter noção,

da importância de se perceber a diversidade cultural nessa relação. Assim, torna-se comum o

fato dos usuários demonstrarem um afastamento ou resistência no contato com os profissionais,

devido à relação de poder estabelecida e também à distância construída a partir das diferenças

sociais ignoradas. Desse modo, é nítido que a clínica tradicional permanece como a principal

referência para o trabalho do psicólogo, sendo frequente a discussão por novas construções de

novos saberes e modelos de atuação.

Sem dúvida, a referência clínica que traz subjacente o modelo médico de atuação ainda

perpassa de maneira expressiva a formação acadêmica dos psicólogos. Entretanto, tal

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tendência prolonga–se pela vida profissional por razões outras que não só a formação.

A cultura profissional e psicologizante que permeia a prática psicológica conduz à idéia,

tanto para a categoria quanto para o senso comum, de que a psicoterapia seja sinônimo

de atuação psicológica (Oliveira et al, 2004, p. 85).

As consequências de se perceber a área clínica como dominante em relação às demais

contribuem ainda mais para o fortalecimento de uma prática elitista e desconectada com os

contextos social, político e econômico que perpassam qualquer sujeito. Além disso, aponta para

o risco de se realizar uma prática utilizando referenciais em espaços onde não se cabe utilizá-

los e que não vão dar conta de uma realidade extremamente complexa (Gondim et al, 2010).

Em alguns momentos não parece muito claro para esses profissionais a gravidade da

situação em que sobrevivem os presos nessas instituições. Quando questionados sobre as

dificuldades do trabalho do psicólogo nesses ambientes, alguns sequer mencionam as condições

degradantes na quais os presos estão inseridos. A preocupação, de forma majoritária, é na

realização do acompanhamento individual. As queixas giram em torno da superpopulação

carcerária e em como ela dificulta a realização desse atendimento.

Ao passo que existem psicólogos adoecendo por precisarem conviver com as violências

e com as condições precárias das prisões, também existem profissionais que sequer questionam

essa realidade. É preocupante que alguns profissionais estejam aparentemente acostumados

com as inúmeras violações presentes nos presídios a ponto destas estarem naturalizadas e

passarem desapercebidas, e isto pode ser atribuído a diversos fatores. O primeiro pode estar

relacionado ao vínculo desses profissionais com o Estado, que pode estar atrelado ao medo de

se exporem, principalmente por se tratar de um ambiente de tensões constantes.

O segundo fator pode estar associado à ausência de uma reflexão crítica acerca da

função e da existência do cárcere. Assim como para boa parte da sociedade, as prisões ainda

são vistas como mecanismos necessários para o bom funcionamento e para manutenção da tão

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desejada ordem social. A naturalização e passividade diante das gritantes violações também

podem estar atreladas à aceitação de que esses espaços foram feitos para funcionarem dessa

forma (Rauter, 2003).

Além disso, notou-se que as queixas relacionadas à dependência da atuação ao trabalho

e ao desejo dos agentes penitenciários em auxiliar esteve direcionada ao fato de que sem a

colaboração desses agentes, o atendimento individual não pode ser feito. Concluindo que,

mesmo diante de tantas dificuldades da realização do trabalho da Psicologia nesses espaços, os

próprios profissionais têm atrelado essas dificuldades e os problemas da profissão à não

possibilidade de realizar um atendimento clínico. É a atuação clínica que ainda ocupa o centro

das ações dos psicólogos nos presídios paraibanos.

O trabalho do psicólogo mediado pela instituição prisional: as barreiras impostas pela

política carcerária

Seja com o trabalho realizado pelas equipes de saúde, seja com o trabalho de elaboração

dos pareceres para subsidiar decisões para progressão de regime, algumas dificuldades puderam

ser percebidas, que são inerentes às unidades prisionais e seu funcionamento. Há na prisão

estruturas arquitetônica e de poder que “(...) configuram modos de gestão e de funcionamento

específicos, pautados pelo fechamento ao exterior, por extremo rigor normativo, por controle

disciplinar minucioso e pela rigidez hierárquica, distintos de qualquer outra instituição” (Barros

& Amaral, 2016, p. 61).

É fato que a atuação do psicólogo apresenta inúmeros problemas e tem muito o que

avançar, no entanto, mais do que nos outros contextos de atuação, é extremamente difícil pensar

numa prática da Psicologia dentro do cárcere numa perspectiva libertadora. Pensar numa

atuação da Psicologia que seja crítica e se aproxime da defesa abolicionista esbarra diretamente

no que optamos por chamar de política carcerária.

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Foucault (2010) nomeia de “Declaração de Independência carcerária” a reivindicação

das instituições prisionais pela autonomia administrativa, bem como por uma soberania no

poder punitivo, que possibilita a esses espaços o poder inclusive sobre o aparelho judiciário,

tornando o “julgamento penitenciário” o de maior importância (p. 233). É a partir dessa

soberania administrativa e punitiva que o aparelho carcerário une a legalidade da punição, de

um lado, e os mecanismos disciplinares, do outro.

A autonomia concedida às instituições carcerárias possibilita uma série de excessos do

encarceramento, os quais podem ser facilmente percebidos nas práticas violentas dos agentes

penitenciários ou, até mesmo, nos privilégios dos administradores, que os concede um poder

arbitrário e absoluto (Foucault, 2010). Essa é uma realidade constante no Brasil, onde mais do

que a liberdade em exercer o poder punitivo, as prisões possuem, a partir do silenciamento e

descaso do Estado, permissão para que a tortura continue se propagando. Há, ainda, aliada a

essa autonomia institucional, uma aprovação social e midiática que não só permite as

irregularidades, como necessita que estas continuem acontecendo.

E a gente tá presente. E a gente já falou bem assim pra eles (...) você pode até tocar nele

na minha ausência, mas se for na minha vista, pode ter certeza que eu vou tomar os

caminhos cabíveis, viu? Porque se você quer matar um cachorro que tá morto... você tá

aqui pra ajudar. Se você não se identifica com o que está fazendo, sai, deixa, tá

estressado porque dobrou o plantão de um dia, comprou o plantão de outro, isso, isso e

aquilo, querendo ganhar mais, é estressante, é estressante. (PSI09)

A violência é inerente às prisões e se expressa nas condições degradantes e desumanas

possibilitadas pelo Estado. A falta de assistência, de medicamentos, de materiais de higiene e

de alimentação digna são exemplos da ineficácia do Estado em prover condições mínimas para

a sobrevivência dos presos. Desse modo, novas formas de sociabilidade são construídas dentro

da prisão, com regulamentos próprios. Ao passo que a administração carcerária atua de forma

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autônoma aos mecanismos legais extramuros e impõe seu aparato disciplinar, os presos criam

normas próprias como forma de resistência e sobrevivência nas prisões.

A presença dos psicólogos nos presídios é vista, muitas vezes, como um privilégio

concedido aos presos. A lógica das prisões é a de que os mecanismos de segurança e de

manutenção dos apenados sob total controle são os que ocupam local prioritário, sendo a

atuação das equipes de saúde secundária e totalmente dependente dos responsáveis pelo

controle intramuros.

Além disso, destaca-se que o trabalho do psicólogo e das equipes de saúde nas unidades

prisionais tem sido utilizado como forma de conter, o máximo possível, os presos dentro do

interior dos presídios. De modo que possuir uma equipe de saúde implica dizer muitas vezes

que não será necessário que o apenado saia da instituição para um atendimento externo, o qual

poderia gerar, além de gastos ao presídio, problemas com a segurança. Nota-se que, nessa lógica

de funcionamento, além de não conseguirem garantir a saúde, as equipes têm servido como

manobra de manter eficaz o objetivo de contenção dos sujeitos.

O que se valoriza dentro do sistema penitenciário é a área de segurança, que é, assim, é

a pupila da secretaria e o setor jurídico, ne? Porque são duas coisas que incomoda

bastante, porque eles não querem que o preso fuja e o preso não quer ficar lá dentro.

(...). Hoje, hoje, já tem um olhar diferenciado, principalmente pra essa área de saúde,

porque você sabe, um preso ali dentro com problema de saúde, incomoda do que tiver

lá embaixo, do agente à direção, porque pode complicar um plantão, ter que se tirar ele

de madrugada pra uma assistência, ai tão com um olharzinho melhorado pra área de

saúde agora. (PSI06)

Nesse cenário, o trabalho dos psicólogos se configura de forma ambivalente. Se por um

lado, inserem-se como profissionais cujo objetivo é o de promover a saúde psicológica dos

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presos e lutar pela garantia dos seus direitos, por outro, são responsáveis também por

instrumentalizar, junto aos agentes e direção, o cotidiano punitivo (Amaral, 2016).

A rotina dos presídios também inclui procedimentos como o pente fino, que consistem

em inspeções, realizadas pelos agentes e pela direção, com objetivo de retirar objetos proibidos

de dentro do local. Nos dias em que ocorrem, apenas os agentes penitenciários ou membros da

direção do presídio possuem permissão para circular entre os pavilhões, sendo os presos

impedidos de saírem das celas e os psicólogos de circularem. Apesar de considerarem o

procedimento como necessário, os psicólogos relataram sobre a impossibilidade de trabalhar

no presídio durante os dias das vistorias, tornando o dia de trabalho pouco ou nada produtivo,

como pode ser visto na fala da PSI05: “Porque tem certos momentos que a gente vem pra cá e

não pode ter nenhum tipo atendimento. Ou porque tá tendo pente fino na cela, então não pode

tirar”.

Considerando que a maior parte dos psicólogos tem atuado voltando-se para o

atendimento individual dos presos, a realização do pente fino nas unidades traz uma série de

limitações no trabalho desses profissionais, tendo em vista que impossibilita o contato com os

presos no dia do procedimento. Além disso, provoca um clima de tensão entre os apenados, já

que o pente fino, apesar de ser um procedimento de rotina e esperado, muitas vezes provoca

desconfiança entre os próprios presos, suscitando questionamentos sobre a possibilidade de

denúncias por parte dos companheiros de cela.

Muitos já relataram que não veio tal dia, porque quando se existe algum pente fino, que

é como eles chamam, que eles entram na cela pra fazer aquelas, verificar se tem algum

material errado nas celas, eles comentam que ficam depois cogitando, quem poderia ter

sido a pessoa que o repassou, né. Aí aqueles vão pro atendimento, eles são mal vistos

nesse sentido. Saiu do ambiente, pode não ter ido pro atendimento, pode ter ido lá

dedurar. Ai tem muito essa resistência também, porque ai eles têm as regras deles lá

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dentro, a gente não abe até onde vai e que acaba às vezes barrando um pouco até os

tratamentos que eles tão fazendo com a gente. (PSI08)

O trabalho também fica condicionado ao desejo dos agentes e à quantidade de

profissionais disponíveis, para trazer os presos para o contato com os psicólogos. Há uma

hierarquia dentro dos presídios que impõe aos psicólogos e aos outros profissionais das equipes

de saúde uma dependência aos agentes penitenciários e aos membros da direção do presídio.

Sendo assim, mesmo que a equipe esteja organizada e solicite a ida de algum preso para

atendimento, se os agentes não permitirem ou precisarem realizar algum serviço fora do

presídio e não estiverem presentes, o trabalho da equipe não será possível.

Ai tem a questão dos agentes, tem plantão que colabora, tem plantão que não, tem

plantão que fica botando empecilho pra trazer o preso pra atendimento. -Pesquisador: O

agente? - Sim, as vezes nem traz o que a gente pede, fica botando empecilho, ‘não, não

vou trazer’, ai tem dia que tem advogado, tem defensoria pública, defensores públicos,

ai eles têm que se dividir pra todos esses atendimentos, tem equipe de saúde, tem

advogado, tem audiência fora também tem que se deslocar, são dois agentes pra um

preso. (PSI02)

Apesar dos psicólogos relatarem a relação com a equipe e com os outros funcionários

do presídio como algo positivo, ficou exposta a resistência dos agentes penitenciários ao

trabalho das equipes de saúde. Tal resistência pode estar relacionada ao fato de que o acesso

aos direitos, em especial o que se refere ao campo da saúde mental, é visto frequentemente

como um privilégio, não só pela sociedade no geral, mas também pelos trabalhadores inseridos

no ambiente prisional. O que consiste em um fator para reforçar a ideia de que o trabalho dos

psicólogos e das equipes de saúde são de menor prioridade ou descartáveis.

Os agentes de uma forma geral eles não consideram o atendimento psicológico

necessário ou importante pra eles, né. E já ouvi relato de pessoas que disseram que

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escutaram agente dizendo “não, isso é besteira” ou às vezes até uma certa resistência em

tá conduzindo os apenados, porque eles é quem trazem eles e as vezes a gente sente que

existe essa resistência por parte dos profissionais também, porque deveria ser existir o

incentivo e a gente já observa o contrário. (PSI08)

Diante do exposto, os psicólogos ainda relataram o processo de adoecimento pelo qual

estão submetidos devido às péssimas condições de trabalho, o convívio com a violência, o clima

hostil e, principalmente, à impossibilidade de, através da sua prática, promoverem mudanças

na instituição. Os relatos apontam que a dinâmica do presídio provoca sofrimento não só nas

pessoas encarceradas, mas nos funcionários que ali se inserem.

Então como é um ambiente adoecedor, um ambiente que, no meu caso eu me sinto

doente, porque não posso exercer a minha profissão como eu sonho em exercer, porque

é impossível, nós precisávamos aqui de pelo menos duas equipes, né, de dois psicólogos

na área de saúde pra dar um suporte melhor de aconselhamento psicológico, de escuta.

(PSI01)

Até a gente, é tanto problema, é tanta coisa, é tanta coisa na nossa cabeça, que daqui a

pouco você também adoece, você precisa tá conversando com alguém, você precisa

também ser tratado. Como é que eu vou cuidar de uma pessoa, se eu não tô bem? A

quantidade de coisas que acontece, que tem gente que não quer nem trabalhar, porque

não aguenta. (PSI06)

Quando a gente tá tratando um apenado lá que a gente já se apega, você tá sempre

vendo, daqui a pouco o cara morreu, poxa, mas ele tava bonzinho, morreu. (PSI06)

Segundo Lopes (2002), é possível ter uma dimensão da realidade fragilizada da saúde

daqueles que trabalham em ambientes adoecedores como as prisões, se considerarmos o

ambiente e a relação dos trabalhadores como parte da identidade do equilíbrio psíquico.

Acredita-se, portanto, que o processo de adoecimento provocado pelas estruturas prisionais

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atinge de forma mais intensa aqueles que, de alguma forma, atuem na contramão e promovam,

mesmo que de forma fragilizada, a garantia de qualquer direito dentro dos seus espaços.

Foram encontrados nesta pesquisa, profissionais que convivem com condições de

trabalho extremamente precárias, em um ambiente no qual a violência e os sofrimentos são

frequentes e naturalizados. O ambiente de restrição de materiais, as relações de desconfiança, a

hierarquia e o cotidiano prisional, são exemplos das dificuldades do trabalho no cárcere. Além

disso, os trabalhadores estão imersos em uma prática na qual o sentimento de incapacidade de

promover mudanças é constante. Desse modo, apesar das inúmeras críticas ao trabalho do

psicólogo nas prisões, principalmente no que se refere às limitações das atividades

desempenhadas e à ausência de criticidade, é imprescindível destacar a influência dos efeitos

negativos da prisão nos sujeitos que nela se inserem.

No tocante ao trabalho dos psicólogos, o fato da prática desenvolvida ser extremamente

frágil e limitada ao atendimento clínico, faz com que a política carcerária consiga incidir de

forma mais intensa e limitar quase que totalmente o desenvolvimento das atividades em

algumas situações. Desta forma, torna-se imprescindível a discussão acerca dos mecanismos de

enfrentamento e resistência aos efeitos do cárcere, assim como discussões que promovam o

delineamento do papel desses profissionais nas unidades prisionais.

Possibilidades de atuação: resistência e enfrentamento

Ao longo da discussão dos resultados, muitas das dificuldades de atuação nas

instituições prisionais foram apontadas, como as condições precárias de trabalho, o ambiente

violento, a ausência de direitos, o convívio com o sofrimento e com um público alvo

extremamente vulnerável e exposto às situações de violências, a imposição que o próprio

sistema e funcionamento das prisões impõe no trabalho cotidiano. Trata-se de um espaço em

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que as violações são diárias e permanentes e o processo de adoecimento é geral, atingindo não

só os presos, mas seus familiares e os funcionários que ali trabalham.

O trabalho no cárcere não se assemelha a qualquer outro tipo de atuação profissional,

pois as regras da prisão são próprias do seu funcionamento e podem ou não estar de acordo com

as normas extramuros. São regras específicas que ditam o modo de ser e agir e fazem aqueles

que se inserem se adequarem. Isso implica dizer que a atuação da Psicologia nesses espaços,

por mais crítico que seja o trabalho desempenhado, é incapaz de mudar sua estrutura. No

entanto, isso não deve implicar no engessamento da prática dos psicólogos nesse campo (Lopes,

2016).

Compreender a função da prisão e a limitação do trabalho nesses espaços é um dos

pontos fundamentais para uma prática comprometida com a perspectiva abolicionista. Dessa

forma, diante das inúmeras dificuldades em exercer o trabalho em presídios, cabem aos

psicólogos algumas responsabilidades e possibilidades para promoção de uma atuação mais

crítica e que tenha como horizonte a abolição do sistema prisional.

É papel fundamental do psicólogo que se insere nas prisões conhecer seu local de

trabalho e seu público alvo. Como já foi discutido, alguns profissionais inseridos nesse campo,

muitas vezes não conhecem o próprio espaço em que sobrevivem as pessoas com as quais eles

lidam diariamente. No caso das prisões, conhecer sua estrutura, as celas, os locais de isolamento

e estar ciente das condições objetivas de sobrevivência, como a falta de água, luz, energia e

ventilação, é fundamental para compreender como estas condições afetam diretamente aqueles

que vivem com essa gritante precariedade. É essencial que o psicólogo circule pelos espaços e

não seja indiferente ao que se passa no interior do presídio (Rauter, 2016).

Aos psicólogos, é preciso criar mecanismos de resistência que possam atuar no sentido

oposto ao da mortificação – psicológica e física - daqueles sujeitos, é necessário criar saídas

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para que não se tornem cúmplices desse processo, e, a partir daí, pensar que os cabe promover

o processo de rotulação e estigmatização, e sim condições mais dignas de sobrevivência.

Talvez a opção mais radical com que se defronta a psicologia centro-americana hoje

esteja na alternativa entre uma acomodação a um sistema social que pessoalmente nos

tem beneficiado, ou uma confrontação crítica frente a esse sistema. Em termos mais

positivos, a opção reside entre aceitar, ou não, acompanhar as maiorias pobres e

oprimidas em sua luta por constituir-se como povo novo em uma terra nova. Não se trata

de abandonar a psicologia; trata-se de colocar o saber psicológico a serviço da

construção de uma sociedade em que o bem-estar dos menos não se faça sobre o mal

estar dos mais, em que a realização de alguns não requeira a negação dos outros, em que

o interesse de poucos não exija a desumanização de todos (Martín-Baró, 1997, p. 23).

Só é possível pensar em uma atuação mais comprometida com a transformação social

quando compreendemos a quem serve o trabalho da Psicologia nos presídios. Sendo assim, é

também papel dos profissionais pensar para quem são construídas as políticas de segurança

pública, além de se perguntar para que serve o medo construído por essas políticas.

O cotidiano dos presídios e o desgaste, muitas vezes, levam a uma acomodação dos

profissionais, que se acostumam com o mau cheiro do local, com as condições físicas, com a

situação precária e com o sofrimento dos presos, naturalizando as práticas dentro das

instituições. Deste modo, se torna necessária uma prática de questionamentos, que não permita

a acomodação às mazelas institucionais e que questione para quem o trabalho está sendo feito,

deixando de exercer a função de funcionário do cárcere e passando a exercer o papel de

desconstruir ações que violem os direitos humanos (Rauter, 2016).

Acredita-se que elas só serão possíveis se repensarmos nossos modelos de atuação, ou

seja, se redimensionarmos o papel da Psicologia e do psicólogo no campo da assistência

pública à saúde. Para que isso ocorra é preciso “desinstitucionalizar” nossos saberes e

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práticas, nossa formação acadêmica, questionando as formas instituídas que atravessam

nossos cursos e que produzem um saber sobre o outro, tomado como verdade absoluta,

e que nos servem mais como instrumento de poder e controle social. Qualquer

transformação nesse campo necessita, pois, da desconstrução das formas tradicionais de

atuar e dos seus pressupostos básicos, já que impregnados de uma visão naturalista e

privatista do homem (Dimenstein, 1998, p. 77).

Sendo assim, conclui-se propondo que cabe à Psicologia a defesa intransigente pela

garantia dos direitos humanos e o compromisso na luta para que as instituições prisionais sejam

menos nocivas, de modo que possa se pensar em uma prática mais crítica e condizente com a

realidade na qual se inserem os psicólogos e o público atendido, considerando as dimensões

políticas, históricas e sociais que perpassam todos os sujeitos. Aponta-se, portanto, para a

necessidade de aproximação do Abolicionismo Penal, considerando-o enquanto

(...) uma atitude na fronteira que desestabiliza inclusive o saber acadêmico, hoje algo

mais do que necessário, quando o seu discurso vem se tornando cada vez mais

policiador. O abolicionista penal é aquele que começa abolindo o castigo dentro de si.

Inventa uma linguagem, um estilo de vida, em que mesmo não se apartando das utopias

atua no presente de maneira heterotópica. Não deixa para o futuro o que é preciso fazer

agora (Passetti, 2004, p. 11).

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Considerações Finais

A presente dissertação teve como objetivo analisar a prática dos psicólogos no sistema

prisional paraibano. Longe de esgotar esse debate, a proposta consistiu em discutir quais

práticas têm sido desenvolvidas pela Psicologia nesse cenário, como essas têm se relacionado

com a manutenção da política criminal vigente e as possíveis formas de resistência construídas

pelos profissionais para o enfrentamento da ordem posta. Para tanto, foram entrevistados

psicólogos que trabalham nas prisões da Paraíba, a fim de relacionar as falas obtidas com as

discussões propostas na fundamentação teórica, as quais envolvem a criminalização da pobreza,

seletividade penal, ressocialização e direitos humanos, a partir do referencial teórico da

Criminologia Crítica adotado.

Ao longo da construção da pesquisa, constatou-se que os psicólogos têm se inserido nas

unidades prisionais paraibanas por meio de duas vias: a jurídica ou a da saúde. A primeira

refere-se à prática dos psicólogos ligada à CTC, cuja atividade central é a construção do exame

criminológico. Já a segunda refere-se à inserção dos psicólogos a partir da PNAISP. Neste caso,

a atuação dos psicólogos tem englobado atendimentos individuais e ações pontuais junto à

equipe de saúde, como divulgação de resultados de testes rápidos e palestras, além de,

eventualmente quando solicitados por juízes, a produção de documentos que visam subsidiar

decisões para progressão de regime.

Nota-se que, embora as atividades sejam divergentes, de acordo com a via pela qual se

inserem, seja na prática dita jurídica ou na prática da saúde, as concepções giram em torno de

uma perspectiva ainda conservadora da Psicologia. Além disso, os discursos, sejam eles

impressos nos documentos que irão definir o futuro do sujeito preso, sejam nos atendimentos

individuais - sendo nítida a prevalência do modelo clínico de atuação -, ainda partem de uma

concepção voltada para a culpabilização das famílias e para a individualização das questões que

norteiam o cometimento do crime.

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Assim, mais do que uma limitação em definir qual seria o papel do psicólogo dentro das

prisões, a maior questão encontra-se na restrição da prática psicológica, dentro desses espaços,

ao atendimento individual dos presos. Inclusive, as próprias dificuldades colocadas pelos

profissionais, seja a alta demanda, seja a ausência de salas próprias, giram em torno da

impossibilidade de realizar os atendimentos individuais e não da construção de um

posicionamento crítico sobre o funcionamento das prisões e seus efeitos na vida dos sujeitos

em privação de liberdade, de seus familiares e dos próprios profissionais que atuam nesse

ambiente.

A partir da construção da pesquisa, foi possível perceber que a prática do psicólogo

nestas instituições tem sido, majoritariamente, construída com base no pensamento das

criminologias positivista - no discurso da predeterminação biológica para cometimento do

crime, utilizado também no discurso de culpabilização dos familiares de presos - e liberal - na

defesa da ideia de que o crime gira em torno da escolha ou não do preso em cometê-lo, sendo

recorrente o discurso da meritocracia. Apesar de ser possível perceber um ensaio de um discurso

crítico acerca da utilização das prisões como estratégias de controle da criminalidade, nota-se

que isso não implica numa reflexão crítica sobre o lugar do psicólogo dentro das instituições

prisionais.

Ademais, mesmo compreendendo a prisão como um local violador, o trabalho dos

profissionais é guiado por uma prática individualizante e que tem como um dos objetivos

principais auxiliar na proposta de ressocialização, a qual, diante da realidade apresentada e

discutida, configura-se como pura falácia. No entanto, não se percebe nas atividades que são

realizadas nos presídios uma proposta que discuta as questões sociais e econômicas, ou que

discuta estratégias de ressocialização diante das inúmeras violações aos direitos, que compõem

a vida do preso antes mesmo dele adentrar a prisão, e que será potencializada, aliada ao estigma

de ex-presidiário, quando ele sair do presídio.

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O fato é que a prática do psicólogo dentro das prisões ainda faz parte de um debate

complexo e em construção, com limitações que são potencializadas pelo ambiente violento.

Somando-se a isto a permanência de práticas que estão muito mais adequando-se ao modelo do

que ampliando uma análise que se aproxime da garantia dos direitos humanos nos presídios e

repense o sistema prisional.

Nessa acepção, é que notamos aqui a importância e a necessidade de que o trabalho

dos(as) psicólogos(as) nas prisões evolua no sentido de criar margens de manobra,

espaços de singularizações normativas que possibilitem a resistência, a emancipação e

o enfrentamento das dinâmicas segregativas (Barros & Amaral, 2016, p. 63).

Desse modo, considera-se necessário e urgente pensar para além das práticas que estão

postas, e não perder de vista a importância de se debater a emancipação humana e de ser

proporcionada a construção de projetos dentro da Psicologia que possibilitem a denúncia de

processos violação. É preciso refletir mais criticamente sobre a complexidade do local que o

profissional da Psicologia ocupa, compreendendo os limites e as possibilidades de uma atuação

que possam contribuir para a transformação social, mesmo com as inúmeras barreiras.

Sendo assim, aponta-se para a necessidade de outras produções que aproximem a

Psicologia de uma perspectiva mais crítica, principalmente no que se refere à discussão sobre

o aprisionamento, tendo em vista que os discursos produzidos sobre a privação de liberdade

ainda seguem concepções tradicionais e conservadoras; e de outros estudos que possam discutir

a entrada dos psicólogos no âmbito prisional por meio da Política de Atenção Integral à Saúde,

de modo que se possa aprofundar acerca das mudanças efetivas que esse tipo de inserção gerou

na prática desses profissionais, além de aprofundar o debate acerca da inserção dos psicólogos

enquanto profissionais da saúde.

Dito isto, esta pesquisa corrobora Cecília Coimbra na defesa por uma Psicologia que

esteja implicada com a realidade social, econômica e cultural do público que atende, e que possa

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construir práticas que estejam de acordo com essas dimensões, rompendo com o modelo

tradicional, que tende a individualizar questões que não podem ou não deveriam ser

individualizadas.

Aprendemos a caminhar neste mundo guiados por modelos. Estes nos dizem o que fazer

e como fazer, ocultando sempre o para que fazer. (...) Se entendermos a Psicologia,

assim como Política, não em cima desses modelos hegemônicos pelos quais nos

guiamos, mas como produções históricas, como territórios não separados, mas que se

complementam e se atravessam constantemente, poderemos encarar nossas práticas não

como neutras, mas como implicadas no e com o mundo (Coimbra, 2002 p.10).

Por fim, cabe destacar o respeito aos profissionais que contribuíram com essa pesquisa

e que trabalham nos presídios paraibanos, especialmente àqueles que tem se angustiado diante

das tantas violações. É preciso coragem e força para trabalhar em condições tão precárias,

conviver com tamanha violência e, mesmo assim, lutar contra a desnaturalização do sofrimento

das pessoas privadas de liberdade e de seus familiares. Como bem colocou Cristina Rauter,

“que possamos fazer essa máquina prisional emperrar e que possamos ser agentes

transformadores no sentido de propor outros direcionamentos éticos e políticos para a

conflitividade social em nosso país” (2016, p. 52).

Por fim, espera-se que os resultados provenientes da pesquisa possam contribuir com

discussões críticas acerca do papel desses profissionais dentro de instituições prisionais, bem

como possibilitar reflexões acerca de novas formas de resistência nesses espaços, sem que se

perca de vista a luta por um novo modelo societário e, consequentemente, a abolição das

prisões.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A- TERMO DE CONSETIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TCLE

Esclarecimentos

Este é um convite para você participar da pesquisa: Política Criminal e Segurança

Pública: A atuação dos psicólogos no sistema prisional paraibano, que tem como pesquisador

responsável Rebecka Wanderley Tannuss.

Esta pesquisa pretende Analisar a atuação do psicólogo no Sistema Prisional, bem como,

relacioná-la com as políticas Criminal vigente.

O motivo que nos leva a fazer este estudo: espera-se que os resultados provenientes da

pesquisa possam contribuir com discussões críticas acerca do papel do psicólogo dentro de

instituições prisionais, bem como possibilitar reflexões acerca de novas formas de resistência

diante dos modelos prisional e econômico seletivo e opressor vigentes. O estudo pretende

atentar para o processo de criminalização da pobreza e proporcionar debates acerca das novas

possibilidades de atuação e de enfrentamento à ordem vigente.

Caso você decida participar, você deverá responder as perguntas de uma entrevista

semiestruturada que será realizada, em média, entre 60 e 90 minutos. Pretende-se coletar os

dados referentes à sua prática profissional utilizando, caso haja permissão, de um gravador.

Durante a realização deverá responde às perguntas realizadas a previsão de riscos é

mínima, ou seja, o risco que você corre é semelhante àquele sentido num exame físico ou

psicológico de rotina.

Pode acontecer um desconforto ao responder alguma pergunta que será minimizado com

total liberdade para não responde-la e você terá como benefício o retorno desta pesquisa que

será realizada com outros profissionais da área.

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Em caso de algum problema que você possa ter, relacionado com a pesquisa, você terá

direito a assistência gratuita que será prestada pela pesquisadora.

Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas ligando para Rebecka

Wanderley Tannuss, número 83 999100450.

Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer

fase da pesquisa, sem nenhum prejuízo para você.

Os dados que você irá nos fornecer serão confidenciais e serão divulgados apenas em

congressos ou publicações científicas, não havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe

identificar.

Esses dados serão guardados pelo pesquisador responsável por essa pesquisa em local

seguro e por um período de 5 anos.

Se você tiver algum gasto pela sua participação nessa pesquisa, ele será assumido pelo

pesquisador e reembolsado para você.

Se você sofrer algum dano comprovadamente decorrente desta pesquisa, você será indenizado.

Qualquer dúvida sobre a ética dessa pesquisa você deverá ligar para o Comitê de Ética

em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, telefone 3215-3135.

Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com o

pesquisador responsável Rebecka Wanderley Tannuss.

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Consentimento Livre e Esclarecido

Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os dados serão

coletados nessa pesquisa, além de conhecer os riscos, desconfortos e benefícios que ela trará

para mim e ter ficado ciente de todos os meus direitos, concordo em participar da pesquisa

Política Criminal e Segurança Pública: a atuação dos psicólogos no sistema prisional paraibano,

e autorizo a divulgação das informações por mim fornecidas em congressos e/ou publicações

científicas desde que nenhum dado possa me identificar.

Local e data:_________________

_________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

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Declaração do pesquisador responsável

Como pesquisador responsável pelo estudo Política Criminal e Segurança Pública: a

atuação dos psicólogos no sistema prisional paraibano, declaro que assumo a inteira

responsabilidade de cumprir fielmente os procedimentos metodologicamente e direitos que

foram esclarecidos e assegurados ao participante desse estudo, assim como manter sigilo e

confidencialidade sobre a identidade do mesmo.

Declaro ainda estar ciente que na inobservância do compromisso ora assumido estarei

infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de

Saúde – CNS, que regulamenta as pesquisas envolvendo o ser humano.

Local e data:_________________

_____________________________________________

Assinatura do pesquisador responsável

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APÊNDICE B- TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ

TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA GRAVAÇÃO DE VOZ

Eu, _____________________________________________, depois de entender os

riscos e benefícios que a pesquisa intitulada Política Criminal e Segurança Pública: A atuação

dos psicólogos no Sistema Prisional paraibano poderá trazer e, entender especialmente os

métodos que serão usados para a coleta de dados, assim como, estar ciente da necessidade da

gravação de minha entrevista, AUTORIZO, por meio deste termo, os pesquisadores Rebecka

Wanderley Tannuss e Isabel Maria Farias Fernandes de Oliveira a realizar a gravação de minha

entrevista sem custos financeiros a nenhuma parte.

Esta AUTORIZAÇÃO foi concedida mediante o compromisso dos pesquisadores acima

citados em garantir-me os seguintes direitos:

1. poderei ler a transcrição de minha gravação;

2. os dados coletados serão usados exclusivamente para gerar informações para a

pesquisa aqui relatada e outras publicações dela decorrentes, quais sejam: revistas científicas,

congressos e jornais;

3. minha identificação não será revelada em nenhuma das vias de publicação das

informações geradas;

4. qualquer outra forma de utilização dessas informações somente poderá ser feita

mediante minha autorização;

5. os dados coletados serão guardados por 5 anos, sob a responsabilidade do(a)

pesquisador(a) coordenador(a) da pesquisa Rebecka Wanderley Tannuss, e após esse período,

serão destruídos e,

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6. serei livre para interromper minha participação na pesquisa a qualquer momento

e/ou solicitar a posse da gravação e transcrição de minha entrevista.

Local e data: _______________________

_________________________________________

Assinatura do participante da pesquisa

_________________________________________

Assinatura e carimbo do pesquisador responsável

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APÊNDICE C- ROTEIRO DE ENTREVISTA

1) Dados do (a) entrevistado (o)

a. Nome:

b. Idade:

c. Município:

2) Dados do presídio

a. Nome do presídio:

b. Quantidade de presos:

c. Capacidade do presídio:

d. Profissionais que atuam no presídio:

3) Formação profissional

a. Instituição de formação:

b. Ano de Formação:

c. Área de formação:

d. Pós-graduação lato sensu/ stricto sensu (instituição/ área, tema de pesquisa)

e. Quais disciplinas/ temáticas/ experiências (pesquisa, extensão, eventos) que

contribuíram para sua atuação dentro do sistema prisional?

f. Você considera que a sua formação graduada e pós-graduada foi (foram)

suficiente (s) para subsidiar seu trabalho atual? Se não, quais as lacunas na

formação que dificultam seu trabalho atual no presídio?

4) Trajetória profissional

a. Fale um pouco de sua trajetória profissional, até chegar nesse trabalho. Que

outros trabalhos realizou ou realiza?

b. Como ocorreu sua inserção no sistema prisional?

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c. Ano de ingresso:

d. Quais os motivos te levaram a trabalhar nesse presídio?

e. Já trabalhou em outro presídio?

f. Você participou de algum tipo de treinamento ou capacitação para o trabalho

no presídio? Se sim, como foi? Quem ofereceu?

g. Você conhece o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário e a

Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de

Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP)? Poderia me explicar sobre eles?

5) Condições de trabalho

a. Remuneração:

b. Vínculo empregatício:

c. Regime de trabalho:

d. Público-atendido:

e. Estrutura física:

6) Atividades realizadas nos presídios

a. Você poderia me falar, o mais detalhadamente possível sobre sua prática

profissional?

b. Quais instrumentos e técnicas utilizados?

c. Quais referenciais teóricos subsidiam as práticas?

d. Quais atividades são desenvolvidas junto aos presos? Realiza exame

criminológico?

e. Existem atividades junto aos familiares dos apenados? Quais?

f. Como se dá o planejamento das atividades que você executa no presídio?

g. Como se dá o registro dessas atividades?

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h. Seu trabalho se articula com o trabalho de outros profissionais? Se sim, quais

profissionais? Como se dá essa articulação?

7) Avanços, limites e desafios para o trabalho

a. Você encontra limites ou dificuldades no seu trabalho? Poderia falar sobre

eles? Adota alguma estratégia para superá-los?

b. Como você avalia os direcionamentos para o trabalho do psicólogo no

sistema prisional? Mudaria alguma coisa? O quê?

c. O Brasil possui, atualmente, a terceira maior população carcerária do mundo.

Quais os determinantes, para você, do Brasil possuir a terceira maior

população carcerária?

d. O que você pensa do encarceramento como estratégia de ressocialização?

e. Como você avalia o papel das instituições prisionais como a principal medida

para o controle da criminalidade?

f. Nesse modelo, qual é o papel da Psicologia?

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ANEXOS

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ANEXO A – CARTA DE ANUÊNCIA

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ANEXO B – PARECER CONSUBSTANCIADO DO COMITÊ DE ÉTICA DA UFRN

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