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7/17/2019 Poemas de Castilho http://slidepdf.com/reader/full/poemas-de-castilho 1/38 Poesias António Feliciano de Castilho B D Biblioteca Digital Colecção CLÁSSICOS DA LITERATURA PORTUGUESA

Poemas de Castilho

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Poemas de castilho

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PoesiasAntónio Feliciano de Castilho

BD

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Dit oso, J úlia , di toso,

quem livre de inquieta çã o

come os frutos q ue semeia,

e dorm e no seu torr ã o;

qu e desconhece da s cort es

intr iga , esperan ça e receios,

que julga a ca bar -se o mundo,

onde a ca bam seus passeios.

P enúria e r iqueza ignora ,

dois escolhos da virt ude,

e t i ra do seu tra ba lho

bens, pra zer, vigor, sa úde.

De igua is rodea do vive,

e só tem por s uperiorseu Cria dor no outr o mundo,

na par óquia o seu pa stor.

As ar a s ja ma is incensa

de Astr eia , Minerva ou Ma rt e,

ma s B aco e Pomona e Ceres

lhe r iem de toda a part e .

Poesias António Feliciano de Castilho2pág.

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Convitepara a Felicidade

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Mais a perta do não vive

n a a v it a ca b a n a h erda da ,qu e o rico em sa lões de estuq ue,de a l ta , soberba fa cha da .

E m vez de ja rdins estéreis,faz consistir seu pra zerem lhe à port a verdeja rema s couves qu e fez na scer.

D orme em colmo um sono int eiro,enqua nt o, em doira do lei to,o nobre se volve, e geme,de a fliçã o ra la do o peito.

Ao la do lhe dorme a esposa ,fiel, inocente e bela;o f ilhinho, ima gem sua ,dorme em paz a o seio dela .

S e ela lh e diz: – eu te ador o,

eu t e amar ei toda a vi da! –de ser verda de o que escutanem um moment o duvida .

Sa be que a fé, que a vir tude ,vir tude pura , i l ibada ,dons ma is belos que a beleza,são numes da sua a mada .

E la n ã o vive no meioda corru pta mocidad e,que a dorna , envenena , empesta ,da s cort es a socieda de.

Nã o quer bri lha r nos passeios,nem de mil adora doresva i disputa r nos tea trosos suspiros e os louvores.

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P a ssa a noite a o pé do esposo,

entre os f i lhos passa o dia ,o tra ba lho a ocupa sempre:ser infiel poderia ?

Da sua f amí l ia é toda ,nela concent ra a a feição,que a s dama s à in t r iga , à s f esta s ,a o jogo, a os enfeites d ã o.

Quer-se orna r nos sa nt os dia s?Não se assenta ao t ouca dorem vez de jóia s bri lha nt esprocura singela flor.

P a ra a rra nja r seus ca belos ,nem corre a o crista l da font e;nã o ca rece de out ro espelho,t em seu consorte defronte.

Ele lhe ensina a ma neirapor q ue lhe fica m melhor;ele lhe diz em qu e sítio,e como lhe a justa a flor.

Se lhe a gra da , es tá contente ;e va i de inocência cheiaentra r com ele nas fes tas ,na s fes ta s s imples da a ldeia .

Ah, J úlia ! Que sort e a de am bos!Sem longas filosofias,sa bem melhor do qu e os sá biosdesfruta r serenos dia s .

Os princípios, os sist ema s,sonhos de estéri l va idad e,ja ma is tornar a m di tosaa mesquinha huma nidade.

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Se existe o bem sobre a t erra ,

se queres, J úlia , este bem,uma a ldeia . . . uma caba na . ..t ernur a .. . inocência.. . Ah, vem!

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Dest erra teus vã os ciúmes,

feste jo a q uan ta s sã o bela sma s sempre a ra inha delasés tu, Armâ nia cruel .

De teu sembla nte a s l indezasa doro noutros semblan tes:

sã o meus passos inconst a nt es,é meu cora ção fiel.

Nã o to n ego, com Arm iafa lo à s vezes em segredo;

nã o to nego, este a rvoredoviu-me com L ília br incar :

P orém com L ília só brinco,por t er nos brincos teus m odos;de Arm ia os segredos todosos teus me fazem lembra r.

..........................................S e a Is mene pedi cabelo,

foi só por t a mbém ser louro;fui rico do t eu tesouro,sem o obter da tua mã o.

Poesias António Feliciano de Castilho6pág.

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Defensa de umInconstante

(Cançoneta)

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Amo em G ertr úria o teu riso,

a mo os teus olhos em J ónia ,preso na s car ta s de Aóniatua escri ta e discriçã o.

U m só cora ção me coube,e tu és a f lor da s belas!Nem mesmo entre os bra ços delaste fora inf iel ja ma is.

P or dis tra cçã o tenho às outra svezes mil teu nome da do;e a t é hoje inda a teu ladonã o t ive enga nos igua is!

Meu pensa mento a morosoé qua l Fovónio ent re a s f lores,que , a mi l sussurra ndo amores ,elege a r osa entre mil ;

P or t odo um jar dim vagueia ,mas guarda a a fe ição saudosa ;passa , e lembra -nos da rosa ,da rosa ingénua e gent i l .

Quant o ma is julgas , ingra ta ,perder a t ua conquis ta ,t a n to ma is se aumenta a l is t ados teus tr iunfos sem par.

De meu cora çã o te queixa sserem sem conto a s ra inha s!Sã o escra vas , que não t inha s ,que vã o teu car ro puxar.

Dez Aná lias t e aba ndono,J ónias du a s, seis Temires,e após esta s qua nta s viresde semblan te enca nt a dor.

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Armâ nia , sobre á ureas r oda s ,

por tua s r iva is t i rada ,sobe, de mirt o coroa da ,a o Ca pitól io de am or!

Lá , sobre as a ra s do nume,jura um prémio a os meus a rdores.Quant o a ma rá t eus favoresquem t a nt o os desdéns te a mou!

D epois, sofre que a me sempre

em teu sexo a todos gra toos pedaços de um retr a toque a na tureza q uebrou.

Poesias António Feliciano de Castilho8

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J á t enho treze a nos ,

que os f iz por J a neiro:

Ma drinha , casa i-me com

P edro G ai te i ro.

J á sou mulherz inha ,

já tr a go sombreiro,

já bai lo ao domingo

com a s ma is no terreiro.

J á não sou Ani ta ,

como era primeiro;

sou a Senhora Ana ,

que mora no outeiro.

Nos serões já can to,

na s feira s já feiro,já nã o me dá beijos

qua lquer passa geiro.

Quando levo as pa ta s ,

e as d eito ao ribeiro,

olho tudo à r oda,

de cima do out eiro.

Poesias António Feliciano de Castilho9pág.

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Os treze anos(Cantilena)

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E só se nã o vejo

ninguém pelo arneiro,me banho com a s pa ta sa o pé do salgueiro.

Miro-me na s á gua s,rostinho t rigueiro,que ma ta de amoresa mui to vaqueiro.

Mir o-me, olhos pr etose um riso fagueiro,que diz a cant igaque sã o ca tiveiro.

Em tudo, madr inha ,já por derra deirome vejo mui out rada que era primeiro.

O meu gibão lar go,de a rm inho e cordeiro,já o dei à n etado Brá s caba neiro ,

D iz en do-lh e: «Tomagibã o, domingueiro,de i lhoses de prat a ,de a rm inho e cordeiro.

A mim já me aper ta ,e a t i t e é laceiro;tu brinca s com a s outra s ,e eu d a nço em t err eiro».

J á sou mulherz inha ,já tr a go sombreiro,já tenho tr eze a nos,que os f iz por J a neiro.

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J á não sou Ani ta ,

sou a Ana do out eiro;Madr inha , casa i-mecom P edro G a iteiro.

Nã o quero o sa rgento,qu e é muit o guerr eiro,de bar bas mui fera se olhar sobranceiro.

O mineiro é velho;nã o qu ero o mineiro:Mais va lem t reze a nosqu e todo o dinh eiro.

Tã o-pouco me a gr a dodo pobre m oleiro,que vive na azenhacomo um prisioneiro.

Ma rido pretendode humor galhofeiro,que vive por festa s,que brilhe em terreiro.

Que em ele assoman docom o t a mborileiro,logo se a lvorot eo lugar inteiro.

Que todos a corra mpor vê-lo primeiro,e todas perguntemse a inda é solteiro.

E eu sempre com ele,romeira e romeiro,vivendo de boda s,ba i lando ao pa ndeiro.

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Ai, vida de gostos!

Ai, céu v erda deiro!Ai, páscoa florida ,que dura a no in te iro!

Da pa r te , Madr inha ,de Deus vos requeiro:Casai-me hoje mesmo comP edro G ai te i ro.

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I

Amigo, estou t ã o poetaqu e em versos consumo o dia.Toma ra a char um remédioque me cura sse a m an ia .

Se q ueres gelar o estr o,i sso es tá na tua mão :Lê a s odes de Fil intoe os sonetos do G a rção.

I I

B revemente sa i à luzobra de um génio dist into:U ma versão portuguesa

da Oper a Omn ia de Filinto.

I I I

Amigo, tive est a noitenegro, horr ível pesa delo;a inda a o lembra r-me delese me ar repia o cabelo.

Poesias António Feliciano de Castilho13pág.

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Epigramas

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D eus te livre, e livre a t odos,

de sentir o que inda sint o:P ois nã o sonhei que me l iamtr ês pá ginas do Fil int o?

I V

Exclamou certo avarentoa um q ue se ia enforcar :«– Feliz h omem, q ue t rês d ia s

P ôde comer sem g a st a r! ».

V

André P into anda r nã o pode,ma nda médico cha ma r.Ch ega o médico.. . Receita . . .E André P into põe-se a a nda r!

Poesias António Feliciano de Castilho14

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D o cavern oso a lbergue, ao sol veda do,

sa i , de relance ao menos,

ó a lva n infa , sol itá r ia e meiga ,

da f r ia e clara fonte !

Quã o bela deves ser, se a na tur eza,

ó náia de escondida,a urna ar gêntea em tua s mã os conf ia

de tã o formosas á guas !

Ou pela a berta rocha a o menos lança ,

a furt o, os negros olhos;

e por ent re o molha do e verde mus go

tr a nsluza o níveo rosto.

Vê com que esmero e pompa a na tur eza

a dorna o teu re t i ro.Olha estas gra ndes árvores , que a pena s

sent em do vent o os sopros.

Olha a ma nsa bac ia , onde se espra ia

tua á gua t ransparen te.

Fa rto musgo a a ta via , e musgo em torno

gra tos assentos forma .

Poesias António Feliciano de Castilho15pág.

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A fonte fria do Buçaco(Ode)

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Olha, vê que nem E uros te pertur bam

o teu crista l sereno,nem ga do, nem past or, nem a ve ou fera ,nem folha d esprendida .

Com que rumor a s água s , em sa indodo seu nã o fundo ta nqu e,descem, sal t a ndo em fugit ivo arr oio,pelo t eu monte a ba ixo.

Ca sta s sombra s, pa cíf ico retirot ã o velho como os montes,¿Sa beis qu e existe um deus com a sa s de ouroque os corações inflama?

Nã o. J a ma is ent re vós ternos suspirosque am or a rra nca aos pei tos ,nunca ma viosas queixas se escuta ra mde cora ções escra vos.

Aqu i só reina a pa z; vivem com elaas aus te ras v ir tudes:É destes cumes soli tá rios, tr istes,que o mundo se despreza.

J a ma is humana dextra em vossos t roncosgra vou terna legenda :Oh! Quem goza do pra nto ma tut inoda a urora , em ta is lugares?

¿Quem é que ao pôr-do-sol daqui contemploo cora do horizonte?¿Pa ra quem solta o rouxinol em Maioseus noct urn os gorjeios?

¿Quem se a proveita do luar, que devea s horrorosas sombra sromper aqui e a l i na s ta rda s hora sDa noite sossegada ?.. .

Poesias António Feliciano de Castilho16

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Ninguém. – ¿P orq ue junt a ste estes enca nt os,

pródiga na t ureza?Aqui n ã o vem G lícera , ou C loe, ou D a fnet ouca r-se junt o à fonte.

Nunca a s g ra ças gen t i s aqu i vaga ra m;nunca t a lvez um va t ese a proveitou d os má gicos delíriosque gera m ta is lugar es.

Tu vives, pois, q uieta em t eu ret iro,ra ra vez procura da ,ó a lva n infa , sol itá r ia e meiga ,da f r ia e clara fonte .

Tenha s sempre, na s húmida s ca verna s,de águas a lma abundânc ia :O ard ente J unho, o túrbido J a neiroigual t e veja m sempre.

E q uan do, gasta a r íg ida cadeiadonde o univers o pende,já sem ord em, sem leis, o velho mundocair solto em peda ços,

En tã o, an tes que o ca os a s dispersasrelíquias engolfad ono horror medonho da segunda noitehouver, sa lva -te, ó ninfa ,

Com teus vassalos, invisíveis génios;t ra nsporta num momento,inteiro, este lugar sobre algum m ont edo a ventura do Elísio.

P or ora , dorme em paz, meia encosta dasobre a urna a rgent ina .Aqui n inguém teu sono descansa dovirá interromper-te.

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Só na a l ta n oi te a lguma vez , já q uand o

a lto silêncio impera ,a corda rá s a o ba que de a lgum troncodos a nos ca rcomido,

Que fa rt o de ver séculos, e curv ojá por mil t empesta des,desar ra igado enfim cair no meioda ma t a que te cerca .

Poesias António Feliciano de Castilho18

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E u t ive um condiscípulo a ma nt íssimo,que era um san to rapaz e na da cábu la ,tr a nsmonta no, por nome Ant ã o Veríssimo,e , como eu, estuda va para rá bula .Tinha por vi l a herda da vida a grícola ,e r indo-se ass inava na ma tr ícula .

Sa pato engraxad inho e meia f inasubs t i tu iu à t a manca cos tumada ;à vést ia de burel capa e ba t ina ,gorro a o grosso chapéu, Pa scoais à enxa da ,a senhoria a o tu , à broa o t r igo…e um viver novo ao seu viver a nt igo.

S e o hábit o per s i fizesse o monge,sem precisar disposições internas,se pa ra um coxo em pouco tempo ir longelhe ba sta sse o cuidar q ue t inha perna s ,

sem dúvida seria Antã o Veríssimoestudant e , e estuda nte chapa díss imo.

Como lavra ndo desbancava a mi l,supôs que estud a r leis e sega r ervaseria o mesmo, nã o sa bendo o n i l 

i nvi ta d i ces, faci esve M i ner va,

e um cân on do Genuens e (qu e diz muit o!):– Nã o tent es o qu e excede o teu best unt o.

Poesias António Feliciano de Castilho19pág.

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Eu, Antão Veríssimoe a mosca

(Parábola)

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Os termos de Pa scoa l e Ca va lá r io

gast a va a procura r o dia in te iro ,no má rt ir, descosido dicioná rio;e à noite decora va a o ca ndeeiro.Ir à aula , a lmoçar , jan ta r, cearsó t inha va go; o mais era estuda r .

Dizem que quem por fi a m at a caça ;julgo provérbio de ca beça t osca .Vam os à h is tória : um dia , na vidraça ,viu o nosso doutor a ssua da mosca

esvoa ça r, zunir, an da r ma rra ndo,passagem pelo vidro procurando.

P ôs de parte um momento a le i menta l ,e, com os olhos no insect o, excla ma a ssim:«¿Oh q ue t eimoso e estú pido a nim a l!Em bora te imes, te ima rá s sem f im:P or entre t i e o sol nã o vês qu e estáum vidro, que passagem t e não dá?

Segue o exemplo da s ma is, que a nda m com gostoa d a nçar sobre a quele a çucareiro;do am igo que a l i dorme chucha o rosto,depois esmói a a nda r no tr a vesseiro.E u, que dormir f ingia , e nã o dormia,da ta l oferta em troco ass im diz ia :

Dest e à mosca um conselho prudent íssimo;tã o bons os dês tu sempre em sendo rábula !Ma s és q ua l frei Tomá s, Ant ã o Veríssimo,ou como o homem da tr a nca na par á bola .

Dez vidros furar ia esse animal ,a ntes que entenda s uma lei menta l .

E nt re t i e a ciência há vidros ba ços;nem t u, nem cem de t i os romperia m:Vende o ca ndeeiro, a loba e os calh a ma ços,torna-te à s te rra s que ba ta t a s cr i am.É melhor ser um fa rto lavra dordo que um mirra do e estúpido doutor.

Poesias António Feliciano de Castilho20

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Ma nda a o inferno os livros sibilinos,

vem pa ra a ca ma conversa r comigo:D o H orá cio eu fala rei, tu de pepinos,depois eu de Vergílio, e tu de t rigo.Tire da s leis com q ue da r o uso a os queixosqu em pode; e cada qu a l gire em seus eixos.»

Nesta fábula h is tórica se in t imao que ninguém ignora, e nã o se observa:A ta l sentença velha , obra mui primaD o «na da fa ças , se o nã o qu er M iner va ».

Is to é, qu e um génio qu e na sceu de encolha snã o vá meter-se a r edactor de folha s;

Que um mestr e sapa teiro, a freguesa do,nã o vá ser na t ra gédia a ctor primeiro ,que em tra nsport es de príncipe ultra ja dora lhará como mestre sa pa te iro;quem na sceu pa ra chufas e cha la çanem epopeia s, nem tra gédias fa ça ;

Que a quele que nasceu para ladrã oseja la drã o de estr a da e não juiz ,procura dor, letra do ou escrivã o;que um bode se não meta a ser derviz,Nem um burro a a ca démico; nem… nem…E xemplos disto núm ero não têm.

Poesias António Feliciano de Castilho21

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Dorme, dorme, minha n eta ,

senão nã o sou tua a miga ;

dorme q ue eu t e emba lo o berço,

e te can to uma cant iga .

Va i a bela Dona Ausenda

cam inho de Pa lest ina ,

leva tr a je de romeiro,

com o seu bordã o e escla vina .

Dona Ausenda , Dona Ausenda ,

em sa bendo que és fugida,

tua mã e ca i rá mor ta ,

e tua s i rmãs sem vida .

P ouco import a a Dona Ausenda

quem na Espanha morra ou v iva ;va i em busca de sua a lma,

que em P a lest ina é ca t iva .

De lá lhe viera m ca rta s ,

e uma carta lhe diz ia :

«Teu a mi go, D ona Ausen da

chora de noite e de dia .

Poesias António Feliciano de Castilho22pág.

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O Acalentar da Neta(Xácara)

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As cadeias nã o lhe pesa m,

pesas-lhe t u, porque cismaqu e há -de morrer sem ma is ver-te,nem v er-t e qu er n a Mouris ma ».

Dorme, dorme, minha n eta ,e tu, fuso, fia , f ia :Eu cant o à minha ca ndeia ,a o pé da Virgem Mar ia .

Vendeu jóias e arrecadas,comprou bordã o e escla vina ,e t ra jada de romeirojá demanda a P a les t ina .

Va i pedind o pelas porta s,por sóis e chuva s caminha ;t ra ba lhos não a quebran t am,com eles va i mais a sinha .

U ma ta rde , era sol posto ,qua ndo avis tou uma ermida ,era de Nossa Senhora ,mã e dos homens se apelida .

Dorme, dorme, minha neta ,e tu, fuso, f ia , f ia :Eu cant o à minha ca ndeia ,mercê da Virgem Mar ia .

Os socos descalça à port a ,e ajoelha com fé viva ,pedindo-lhe rest itu asua a lma que ja z ca t iva .

Os olhos da Virgem Sa nt aderam mostra s de a f l ig ida :Er gueu-se um vento na serraque toda t remeu a ermida .

Poesias António Feliciano de Castilho23

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Coita da de Dona Ausenda ,

ma is t r is te sa i do que vinha :Cer rou-se-lhe logo a n oite;¡E ela nos bosques sòzinha !

Queria a nda r, e não pôde,

que o gran de escuro a tolhia ;necessitava encostar-se,t inha medo, e nã o dormia.

Numa ra iz pousa a face,o corpo em folha s r eclina ,com sua s penas conversa ,coi ta da da peregrina !

P erdi a t erra e o pa lác io,perdi a mã e que lá t inha ,perco-me a gora a m im mesmae o que procura ndo vinha .

D. G ira ldo, D. Gira ldo,só a fé nã o é perdida ,pois tu sa bes que eu te a doro,e eu sei como sou q uerida .

P eço ao meu a njo da gua rda ,se hei-de aqui ficar perdida,qu e vá leva r-te por sonhosesta minha despedida .

Assim dizia a formosaDona Ausenda de Molina,e ao dizer anj o da guarda 

lembrou-lhe a irmã pequenina .

Dorme, dorme, minha n eta ,e tu, fuso, fia , f ia :Eu cant o à minha ca ndeia ,e sou da Virgem Mar ia .

Poesias António Feliciano de Castilho24

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En tã o dos olhos cansa dos

lhe borbotou a dor viva,e ouviu folhas a bana das ,e viu uma luz esquiva .

Logo para a quela pa rte ,

porq ue o pavor a conquista ,em joelhos, com m ã os post a s,de rela nce estende a vista .

E viu uma sombra gra nde,que mui deva gar caminha ;qu is reza r, benzeu-se err a do,nã o deu com a sa lve-ra inha .

Dorme, dorme, minha n eta ,e tu, fuso, fia , f ia :Eu cant o à minha ca ndeia ,guar da -me a Virgem Ma ria .

O andar do fan t a sma branconenhum ruído fa z ia ;par ou, e pôs nela os olhos,mas e ram t e rra , não vi a .

E st endeu-lhe os bra ços longos,e com uma voz, como brisa ,lhe diz: «E u sou D . G ira ldo,que em mim já se nã o divisa .

Tu bus cava s o cat ivo,eu procuro a peregrina ,tua a lma q uer Deus que este jacom o meu corpo em P a lestina .

Os nossos a njos da gua rdaderam palavr a sem língua ,que à meia-noite a qui mesmof inda ria a nossa míngua .

Poesias António Feliciano de Castilho25

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Deus, à a lma envia um corpo,

e ao corpo uma a lma envia . . .»J á es ta s f ina i s pa l avra sDona Ausenda nã o ouvia .

Dorme, dorme, minha n eta ,e tu, fuso, f ia , f ia ;que eu ca nt o a o pé da ca ndeia ,que a cendo à Virgem Mar ia .

Tinha da do a meia -noite,

e Dona Ausenda ca íra :Ai ! J az morta a Dona Ausenda ,que t an ta s penas sen t i ra !

¿Quem há -de enterr a r seu corponessa noite desabrida,ou quem a os pés da S enhoraa i rá sepulta r na e rmida?

E a a lma de D. G i ra ldo,

que tã o sol itá r ia f ica ,nã o terá padre que rezeo que por a lma s se aplica !

Mas nunca m a is na f lorestanenhuma coisa foi vista :Os que o sí t io têm buscadonunca lhe a cha ra m a pis ta .

Dorme, dorme, minha neta ,e tu, fuso, fia , f ia :Eu cant o à minha ca ndeia ,e rezo à Virgem Mar ia .… … … … … … … … … … …

Poesias António Feliciano de Castilho26

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CANTO I

Todo por dent ro e fora ilumina do

o Ca stelo feudal pernoita em festa ,

na ma rgem negra do espaçoso la go.

In da corcéis, de nít idos ja ezes,

contr a o va sto clarã o t rota m rinchandodos longes do ar redor; já muit os pa scem

a os grossos tr oncos presos. Voam velas

de toda a pa r te demanda ndo a pra i a ;

e dos toldos a s lâm pada s pendentes

mostram senhores, cavaleiros, damas,

em q ue o oiro reluz por ent re a s cores.

P ela s f ra nca s janelas se difundem

na a lvoroça da noite os sons que alegramos góticos salões.

A fi l ha do Cond e Or l an do, a form osíssim a I nês,

festej ava os seus vin te anos. Estava noi va de

Ad olfo, tr ovador e cava l ei r o, que cant a l ouvores à

sua am ada. En tr a, nos vastos sal ões, mi ster i oso

cavalei r o, enver gando negra armadu r a.

Poesias António Feliciano de Castilho27pág.

de 38

A Noite do Castelo(Poema romântico em

quatro cantos)

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Como Adolfo can ta va , o repost eiro

de um cant o se ergue; a vista -se na port ao ca va leiro incógnit o, suspenso.

U ns o observa m sorrind o, outr os curiosos.

A viseira , inda ba ixa , es tra nha m todos ;

seu nome, ou de onde vem, ningu ém conhece.

A esta t ura soberba , o sa io negro,

o morrião, a negra cor da s pluma s,

nenhum se a corda de os ja ma is ter visto.

Não sa úda a n inguém; entra , e se encosta

à primeira coluna , de onde f i tana da ma e trovad or o aspecto imóvel.

P or cima d a ca beça , esguia t ocha

luz lhe verte a goireira . Ou fosse a ca so,

ou mistério de Cima , a pena s o ombro

tocou de leve o mármore, soltou-se

com a flórea coroa , ao ca pitel cingida ,

o festã o da coluna , e debruçado

ma is de meio com a s tr émulas folha gens.desce a lamber, ondeando, o pavimento.

U m murm urinho, um movimento inq uieto,

rein a m pela a ssem bleia . – «Ta lvez seja

um mora dor da s pra ias estra ngeira s ,

que ignora os usos; ou será promessa

qu e fez, de ir-se encobert o at é vinga r-se

ou vingar sua da ma ; ou, porventura ,

é esse algum senhor da vizinhan ça ,

a q uem por brin co ma sca ra r-se a prouve».Ta is em pra ça a pinhada a s conjectura s

fervem vária s , à hora em que rut i la

comet a de ígneo san gue em céu profundo.

Pr ossegue an imad a a festa , depois do al ti vo e

enamor ado can to do fel i z barão. B r i nd am os

convi vas pel a fel i cid ad e do gra ci oso par.

Poesias António Feliciano de Castilho28

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P a ra a gera l saúde já c i rcula

encan ecido vinho, em fundos va sos.Ninguém s e escusa a o brind e. Ao cava leiro

chegou a su a vez: – «S ó bebo sa ng ue»–

disse, enjeita ndo a t a ça ; e ma is não disse.

E sta voz, que só próximos lhe ouvira m,

pa receu vir d os íntimos do peit o,

sepulcra l no soído e em t om profeta ,

ma s penosa, ma s débil , semelha nt e

a o da brisa a utumna l murmúrio esca sso

na fo lha m orta que tapiza a s ca mpas.Se ao f an ta sma de um bárba ro a ssass ino

desse Deus que fa lasse , ass im fa lara .

Rompem o bail e, anu ncia do pel o alaúde de um

menestr el , I nês e Ad olfo. Tum u l tu am os nobres

pel as vastas sal as. Sub i tament e, ouvem -se os

dobr es dos sin os do castel o, tocand o a fi na dos.

Um f r i o glacia l per passa pel a mul t i dão

estar r eci da . Procur am , com a vi sta, o Cavalei r oN egr o. Desapa r ecer a. Cor r em à tor r e e à capela.

– «S e a lguém du vida ,

pode ir vê-lo, como eu vi claramente

(a lâmpada do a l ta r es tá bem viva) :

U m guerreiro está curvo sobre a cova ,

com o capa cete (e, por s ina l, doira do,

que luz como uma estrela) a cava r fundo;

par a quem, nã o sei eu. No meu relance

nã o vi lá ma is ninguém, nem sei ma is na da ».

Tal o rel ato fei to por um apavorado pajem .

Abandonam os convi vas o Castel o. O Cond e

Or l an do, só no deser to castel o, procur a saber do

fâmul o se a fi gur a d o caval ei r o, por el e ent r evi sta,

se assemel har a à de seu sobr i nho Henr i que,

morto em combate her ói co, na Ter r a San ta.

Poesias António Feliciano de Castilho29

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CANTO II

Acalma-se o pavor d os nobres e da s dam as que

vagueavam pel os im ensos j ar d i n s do castel o.

Adolfo a uda z, o t emerá rio Adolfo,

encomendada a os ma is de Inês a gua rda ,

t inha -se ido, sem luz, sem compan heiro,

cont ra a capela gótica , rondá -la ,

e profunda r o a rca no. Ao pert o, ao longe,

t udo corr eu, sondou; sossego é tu do;nã o se escuta a lma viva ; o templo, a t orre,

tá ci tos dormem; ja z fecha da a porta ,

negro o recinto, a a lâm pada sem lume.

Volta port a nt o; e à tur ba que o rodeia

a boa nova dá , tã o fero em vozes,

tã o seguro de si, que esta s cert ezas

embebidas os â nimos a faga m;

mormente a Inês , que, mais a foi ta agora ,

pelo bra ço fiel do esposo invicto,já sofre no arvoredo extraviar-se.

Segue o enam orad o par pelas ál eas do bosque.

Adolf o, desvai r ad o pel a pa i xão, supl i ca um bei j o à

sua amada. Sur ge, sùbi tamen te, o Cava l ei r o

N egr o. Enquan to I nês cai desmai ad a, tr ava-se

cru en to combat e en tr e os dois. At r aídos pelo

t i l i nt ar das arm as, acor r em de toda a par te,

batend o o bosque. Encont r am , por f i m , Adolf omor i bundo. I nês desapar ecer a.

Descobr em -na mai s além . Recol hem -na ao Castelo.

M entem -lhe, dizend o ter par t i do Adolfo para j un to

de seu pai qu e se encon tr ar i a às por ta s da mor te.

I ncrédu l a e apavorad a, a t r i bu i I nês as desgraças

r ecent es a ter quebr ado a ju r a d e amor fei ta a

seu pr im ei r o noivo, a H enr iqu e.

Poesias António Feliciano de Castilho30

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– «O q ue h á cá dent ro...

Nã o to sei eu pint a r. Amei Henr ique,com a a bundâ ncia , o êxta se, o delírio

de um virgem cora ção, imenso e ard ente,que há muito sonha um a njo, acorda , e o a cha .Nele encontr ei, confesso, igua is extr emos.

Filhos de irmã os, e qua se irmã os na idad e, naeducação, em hábitos, em gostos,jurá mos mut ua mente am or e terno,sem restr ições, sem clá usulas ; jurám os

a té viver lea is um do outr o às cinza s.

............................................................

Ao part i r para a guerra , no am a rgosodo últ imo abra ço, em lágr ima s regand oeu seu peit o de ferro ele o meu s eio,

renová mos solene o a nt igo voto.Vês est e relicá rio, o compan heirodo cora ção ma terno em t oda a vida ,

e por ela a o morr er a mim lega do, e doce escudo

meu veda do aos olhos?P ois sobre ele, um e outro os lá bios pondo,

tornám os a f i rmar in te ira , in te ira ,por vezes tr ês a sa crossan to jura .O Céu, a terra , o inferno, em testemun ha se em vinga dores deprecám os; fez-se

voto (a i de mim!) que de ent re nós o morto,tr a ído em seu a mor, perseguiriano mundo e eternida de o vivo ingrat o.

P a rt iu. Ficou va zio este ca stelo,e eu sem tin o, sem luz, só corpo erra nt e,cuja mente vaga va estra nhos c limas.

Expr ime I nês o si ngu l ar sent im ent o de amar

sim ul tâneament e H enr i que e Ad olfo. Ent r etan to,

l evan ta -se medonho temporal . Soam tr ês horas.

Ei s que se ouvem gri tos afl i t i vos. Um a bar ca

temerár i a d er a sobr e os r ochedos, e af undava -se.

Poesias António Feliciano de Castilho31

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C ANTO I II

Apar ece H en r i que à sua an ti ga noiva .

Expr oba-l he a t r ai ção de se ter apai xonado por

Adolf o, e de o ter esqueci do.

«Inês! . . . Foi na minha a lma a tua ideiaa ma ior do U niverso; obter-te esposajulgava -o de entr e os bens o bem su premo.Vi meus a nos em flor, meu br a ço em ócio;é nulo herda do lustr e onde outr os fa l t a m;honra de meus avós não supre à m inha .C orei, e d isse em mim : «Fu gir-lhe ous emos;e, par a a merecer, corra -se à s a rm a s».Sede de glória tua a rremessou-me,com t eu nome na boca, e a lan ça em punho,no primeiro combat e a o mais a cesodo revolt o briga r; voei ceifan doentre sea ra s de inimigos ferros.Quebrada a lança , o meu ca va lo em t erra ,part ida a espada , um número sem contome cercou, me prendeu, lava do em sa ngue;ia por minhas mã os t r onca r meus dias . . .Lembr ou-me In ês, vivi. Meus pés roja ra mdespreza dos gri lhões; dormi na terra ;comi o pã o da dor; sofri o insult o.De um bá rba ro senhor torna do escra vo,perdi o último bem do ca t iveiro:o prazer de fa lar , em terra estra nha ,a própria l íngua a sócios no infort únio.

Resis t i . U ma espera nça , nã o a esperançada P á t r i a , mas de Inês, me seguravano ma r da horrenda vida â ncora extrema .Via -te a cada pas so e em cada objecto:Er a uma rosa? As rosas lhe são gra ta s .Ma r a o longe? Era o la go do ca stelo.Na vira çã o do oca so, a voz t e ouvia ;na lua, os nossos olhos se encont ra va m.S e em longo, denso véu, sum ido o rost o,

Poesias António Feliciano de Castilho32

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i am a irosas Turcas , a sa uda de

lhes presta va o teu nome e teus encant os.Tu, só, m e povoa va s o U niv ers o».

L eonor, a ser va fi el de I nês, defende-a d as

acusações de H enr i qu e. Rela ta-l he as buscas

i nf r ut ífer as. O l ut o de sua ama quando l he

tr ouxer am a n ova d e el e ter per eci do na Ter r a

Santa.

CANTO IV

Vaguei a H enr i que, last i m ando o seu desti no.

H esit a ent r e os votos de vi ngança e o seu am or

por I nês. Volt a ao quar to d a castelã. Esta, porque

i gnora ai nd a a m orte de Ad ol fo, pr opõe-lh e

abandonar o Mun do, recolh end o à cl au sur a d e um

conven to. Concord a H en r i que com a del i ber ação,

e am bos se encam i nh am par a os aposen tos do

Cond e Or lan do, a f i m de lh e comun i car em a suar esolução. Este não se encon t r a já no cast elo,

ma s sim no templo.

Cl am a I nês vi ngança cont r a o assassi no de

Ad olfo, que j az num fér etr o, i l um i na do por

tochei r as. Tr esloucado, H en r i que at r avessa o

pei to da sua amada com aguçado punha l .

O Conde Or lan do abandona par a sempr e o

castel o com t oda a fam ul agem .

... S ilêncio,solidão e terror vã o de ora a va nt eser da ponte , em vão ba ixa , e aberta s porta súnicas invisíveis sent inela s.Do cã o noctur no o a tr oa dor la t idonã o i rá ma is nas sa la s espaçosasa corda r um só eco. Esse relógio,que inda num era a s hora s da viagem,va i deixa r l ivre o tempo, que a dormeça

Poesias António Feliciano de Castilho33

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sobre o a l to cume da s ma rmóreas pompas,

que o peso estr a ga dor lhe irã o sent indo.Da a nt iga , i lustre , ext in ta dinast iaa residência in t e ira se aba ndonaa os pá ssaros da noi te , às planta s brava s ..............................................................................

O q ue foi cert o,foi que todo esse outono, e todo o inverno,se via divaga r , na s hora s morta s ,uma luz no cast elo. O conde e os servos

tremendo a o lhava m da f ronte ira r iba ;da s a ldeia s do monte os morad oresderam a mesma fé . Correu boa t oque era a sombra de Inês ou que era Henrique ,vivo ou m ort o, q ue uivava no ca stelo.Conta va-se também que uns a is soa vamna ga leria e templo...........................................................................

Poesias António Feliciano de Castilho34

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– «S oltemos est a ba rca . Ao lago, a migos,

a o la go, e breve». Assim dizia o ba rd o,do man to escuro sacudindo a chuva .Os pescadores, no rochedo imóveis,o escuta va m, sorrin do. O pego escuro

começa va a bra mir, tr oando os ventos.Negro era o céu, e próxima a borra sca .

– «Ao que ousa r d a r à vela !». E nist o à a reiama nt o, bolsa , a rrojou; e a pós insta nt es,com ma is afoita mã o, retra to de oirode formosura estr a nha . – «Ao lago, a migo,

a o lago!»– Afast a -me da terra .Abre a vela a os tu fões. O rest o... à s ort e».

– «Vê! Quã o sinist ro o sol tr a ns luz n o aca so!Do sul a escuridã o! O horror da s vaga s!Ca nt or, nã o se resiste a igua is torment a s».– «Velho, dá s ním io apr eço a o ar da vida .

Morrer a qui , a lém, a gora ou logo.. .Que importa ? É sempre um sonho esta existência ,um sonho horrível que se esva i na morte.

Tu, que dos an os teus colhest e à fa rt aflor e frut o, hoje o resto de teus a nos,espinhos só, com ta nt o a mor afa ga s?

Poesias António Feliciano de Castilho35pág.

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Os Ciúmes do Bardo(Poema romântico)

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No mundo envelhecer, e am a r o mund o!. . .

D elírios vã os, delírios vãos dos homens!»«Ma s, B a rd o, e a ter na esposa e os filhos tenr os?

Virem por m im, a dora m-me, sou d eles».Nos lábios do ma ncebo, a ta is pa lavr a s,luziu fuga z, irónico sorriso.

Após silêncio curto alevantou-se,e a brindo todo o pan o aos ventos bra vos:

– «P odes na da r, qua ndo o baixel se afun de,

volver à pra ia , à esposa , a os filhos. Tomao t imã o, volve o leme, evita a s rocha s:Morte, que odeias t a nt o, a l i referve,

em vaga s doidas , hórrida , espuma ndodo relâ mpa go etéreo à luz medonha .

E, enqu an to o frágil bar qui nh o vai segui nd o ao

vi olen to sabor d a tempestade, o Bar do l am en ta -se,

 ju r a t i r ar vi ngança daquela que o at r aiçoar a.

«Mulher, qua nt o eu t e am ei, qua nt o hás perdido,nã o sabias t u , nem o eu sa bia !

Veio a voz do teu crime r evela r-mo:era a mor, qua l meu ódio, am or sem t ermo.

Sim, nesta hora solene inda o confesso,

qua l mil vezes mo ouviste inda mo ouvira s,e houvera , em r epetir -to, a cerbo gosto:meus primeiros, meus únicos a mores,

tu , t u foste , só tu ; muda da a essência ,pensa mento, querer, memória , vida,tud o em m im foi paixã o, ternura , incêndio.

Menor quinhã o que o teu nesta a lma t inhaeu mesmo, o mundo int eiro, o D eus qu e o rege.Vê se eu te a mei ou nã o! G ua rda -os na mente;

merecem plena fé ta is votos de hoje;gua rda -os na mente, e morrerei vingado.D eus, Deus, a ceito o cálix do infort únio,

Poesias António Feliciano de Castilho36

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bem que am a rgoso e tra nsbordan do o encheste.

Ca stiga meus sacrí legos a fectos:dei à perversa am or que te bast ar a ,

ultrajei-te. Mas ela! Ela oprimir-me!Que lh e fiz eu, sen ã o am á -la , e mu it o?».

Cont i nu a, como num d elír i o, acusand o a

i ngr at i dão da que o houvera desprezad o:

l ança impr opér i os, insul tos, bl asfém ias...

«Anciã o, coroa m-t e as cã s; essa a gr ina ldade que orna o tempo a s ví t imas da morte .Vão meus a nos crescentes, ima tur os,

e eu morr o a o meio-dia da existência.E tu cá f ica s, nos serões de inverno,do pobre bar do o fim na rra ndo a os f i lhos.

Cedo ba t a essa hora , a os mais tã o negra .E nchi em curta idad e e insta nt es poucos

longa vida d e amor, ma is longa em pena s.

Quem soubera dos túmulos o a rcano!

Se a lém desta , outra vida nos a guard a(e agua rda ; igual pa ixão morrer n ã o pode!),se, livres dest e invólucro t errest re,de puros a res habita nt es puros,

pode a justa vingança inda a brasa r-nos ,e o qu e o vivo sofreu pu ni-lo o mort o,juro vir cada noite , às mesma s horas,

fan ta sma nebuloso, envolto em nuvens,paira r da infame pelo céu tur va do.Se uma janela abrir, ver-me-á fronteiro,

encosta do sobre a ha rpa va porosa,mudo, choroso. Se va ga r na selva ,sobre a relva serei . Se a vir sòzinha ,

a joelha re i, e as mã os a levant an doperdã o pa ra a inf iel a os Céus suplico.Mas , se ou t rem a a companha , a a f aga , a a mima ,

Poesias António Feliciano de Castilho37

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se lhe diz: «Vãs im a gens nã o te a ssust em,

nu vens s ã o, vêm com o vent o, o vent o as leva !»,se lhe fa la de am or, se ousa um suspiro,a i deles! a i !............................................................................

Aqu i, tr emendo, o velhoia do bar do interromper os sonhos.O ba rd o o press ent iu. – «C a la -t e, e dorme»– lhe disse. «É ta rd e; tud o ja z em calm a ;t odo o céu va i já limpo; eu velo a ba rca ;tu ferra a vela , e dorme com descanso.Adeus». Rein a o silêncio. Ouv e-se a pena sda proa na ca verna o ancião dormindo..........................................................................

No out ro dia , a o sol fora , os pescad oresvira m volver o lenho a ventur eiro.U m só vem dentro. Em que rochedo ou pra iaficou o jovem ba rd o? O velho o ignor a

Ninguém o sabe; o lago o sabe, e é mudo.

Alguns d ia s depois, entr e uns penedos,se encontr ou a boiar, já pa st o aos corvos,um corpo mort o. S e o can tor esse era ,ningu ém pôde a firmá -lo. Alguns o crera m,ma s nem feições nem vestes lhe resta va m.Se há prova , jaz no péla go do fundo.

Poesias António Feliciano de Castilho38