Revista TESSERACT - http://tesseract.sites.uol.com.br Edio 2006 ISSN 1519-2415 PERSFONE (A MULHER ENTRE OS ESPAOS) NOELIZA LIMA (ngroupsy@yahoo.com) ...[...]... chegado o momento da visita ao orculo, o momento em que Demter confronta Zeus. a hora de passar as demandas do privado para o pblico: O tempo em que Persfone vai visitar Demter e, juntas, preparam a colheita...[...]... (Noeliza Lima, versos do poema Tempo Sem Tempo) Este artigo fala da mulher atual, suas buscas e caminhos. Pretende-se apresentar o mito de Persfone como a deusa criativa, sensvel, intuitiva, cuidadora , caractersticas associadas a busca da mulher ps feminista, em seus espaos. Na introduo conta-se o mito de Persfone, para logo mais rev-la na leitura de psicologia do gnero. 'Ligada diretamente fertilidade da terra cultivada, Demter uma antiqussima deusa-me cuja origem deve remontar, no mnimo, ao Neoltico. [...]. Em Homero, ela j aparece diretamente associada ao trigo (Il. 13.322).Para os gregos, ela era filha dos tits Crono e Ria, nascida logo depois de Hstia, e portanto irm de Zeus, Hera, Posdon e Hades. Demter est associada principalmente histria do rapto de Persfone. Certo dia, Hades se apaixonou pela jovem Persfone e, com a conivncia de Zeus raptou-a enquanto brincava com as ninfas e levou-a para seu reino subterrneo. Alertada por um grito da filha, Demter comeou a procur-la por todo o mundo, com um archote aceso em cada mo. Aps vrios dias de busca encontrou Hcate, que ouvira Persfone gritar mas no vira quem a levara; Hlio, porm, que tudo v, revelou a identidade do raptor... Enfurecida Demter recusouse a voltar ao Olimpo sem a filha querida e a exercer suas funes divinas. Assumiu o aspecto de uma velha e ps-se a servio de Cleo, rei de Elusis, que encarregou-a de cuidar do jovem Triptlemo, seu filho. Demter afeioou-se ao menino e tentou torn-lo imortal, colocando-o periodicamente no fogo. Surpreendida porm numa das "sesses de imortalizao" pela assustada Metanira, me do menino, no pde completar o processo. Revelou-se ento aos assustados reis e confiou a Triptlemo a tarefa de espalhar pelo mundo a cultura do trigo. Enquanto isso a terra permanecia estril, pois sem Demter nada do que era plantado crescia. Perturbada a ordem natural, Zeus teve de intervir junto a Hades para libertar Persfone e aplacar a me enfurecida. Persfone, entretanto, j desfrutara da hospitalidade de Hades e comera uma rom o que a associava permanentemente ao reino subterrneo e os deuses envolvidos tiveram de negociar. Persfone tornouse esposa de Hades, e rainha dos mortos; Demter reassumiu suas tarefas divinas; e, a cada primavera, Persfone deixava Hades e se reunia com a me, no Olimpo, para que nessa poca a terra cultivada desse seus frutos. Desde a Antigidade esse mito era visto como uma alegoria: Persfone era o gro semeado, colocado embaixo da terra para se desenvolver e despontar durante a primavera sob a forma de novos frutos... Persfone, em seu reino, exerce o papel de Senhora dos Mistrios da Vida e da Morte. ela quem recebe os mortos no mundo espiritual, formando com Hades uma unio de trabalho, alm de afetiva. uma ligao que alimenta a ambos. Persfone foi uma boa filha. Talvez este relacionamento com a me Demter a tenha preparado

para respeitar outras mulheres. Filha da natureza, caminha tranqilamente no privado e pblico. Faz alianas com outras mulheres. Como exemplo cita-se sua disposio amigvel em ajudar Psych dando-lhe a caixa da Beleza Eterna conforme Afrodite havia pedido. Tambm com os homens se comporta assertivamente. Hrcules em uma de suas tarefas lhe pede ajuda e ela presta seu concurso cedendo-lhe Crbero, o co de guarda dos Infernos. Traando um paralelo com as mulheres de hoje, qual seria o segredo da majestade de Persfone? Como consegue ela se impor e exercer seus direitos de rainha perante Hades? A impresso que o mito traz que seu companheiro no sente receio de ceder seu espao de trabalho. Pode-se aventar a possibilidade de que Hades, conhecedor da necessidade que tem da contribuio de Persfone e de seu valor enquanto pessoa, a deixa em liberdade para exercer sua identidade. Outro fato que Persfone no conheceu homens. Chegou virgem ao casamento, no sentido de experincias psquicas anteriores com o sexo masculino. Sendo filha da natureza, tendo o sentido de semente, ao lhe for dado o cuidado necessrio, floresce. Sobressai nesta reflexo o fato de que se a mulher recebe o cuidado e o trato necessrio, pode reconhecer-se como ser inteiro, e produzir. Assim, torna-se importante a figura do companheiro como: ou propiciador da regresso, ou como propiciador da maturidade (Diel,1999) Persfone e Demter so uma representao s. So a imerso no psquico e no real. Representam a vida criativa, a expresso do ser perante si mesmo e o mundo, a abertura e o fechamento, a permisso e a interdio. No momento em que Persfone est com a me, a natureza se renova. Quando ela est com Hades, a natureza adormece. Estes movimentos tais como ir e vir, afastar-se e aproximar-se, entre outras aparentes oposies, representam aqui a caminhada humana: o retirar-se para planejar e se refazer, e o ato de se atirar no mundo, realizando os projetos elaborados no adormecer das estaes. Levando-se esta anlise para o mundo, percebem-se os grupos de trabalho de mulheres, como espaos de Demter, de reflexo e elaborao de estratgias. Ao mesmo tempo de intensa participao no pblico, que constituem os encontros e reunies extras, onde semeiam a idia da livre expresso feminina, trabalham em suas especialidades, auxiliam outros grupos de cidadania. Estas mulheres simbolizam Persfone, e se exteriorizam tanto no espao privado como no espao pblico. Entretanto a coisa no to bonita quanto parece. A mulher ao sair do privado para o pblico contesta toda uma cultura preconceituosa. Segundo Skinner (1970) qualquer comportamento para se manter necessita ser reforado. Uma vez que a mulher punida ao se expor, em violncia aberta ou sutil, poder aumentar seus danos psicolgicos e/ou fsicos. Toda mulher sente isto, e pode se recusar a ir em frente. Ela estagna. Demter tambm parou em um primeiro momento, ao verificar que no achava a filha. Deprimiu-se, ficou velha e feia. A mulher quando desiste, mesmo por pouco tempo, sente esta morte de alma. A depresso na meia idade assemelha-se bastante a este estado de inanio afetiva. Um paralelo pode ser traado em relao a mulheres em casamentos infelizes, que no satisfazem a sua fome de esprito. Tambm se sentem feias, sem sada. A mulher em sendo programada para o casamento de fantasia, romntico, muitas vezes prendese nesta armadilha. Casos clnicos tambm fornecem tais dados, independente de gnero e sexualidade.

H que se considerar estes fatos quando se organizam grupos de mulheres, seja de instituies ou privados, hetero ou homoafetivos. A autonomia pode no ser o melhor. Leva-se em considerao o desejo da mulher, que parece atvico, ao querer desprender-se - e o fato de que a estagnao da mulher parece levar a somatizaes e doenas. Tais grupos so necessrios e propiciadores de reflexo, autoconhecimento e suporte, tal como Demter que d o dom de gestar e florescer, como Hades, que, pelas sementes de rom, propicia a Persfone a volta ao lar, tal como Persfone em ir e vir se renovando e transformando a trajetria dos que a cercam, impulsionando-se, e aos outros, em direo a verdade e ao amadurecimento. Figuras mticas que, juntas, retratam o processo de crescimento humano, tanto individual como coletivo. E sugerem a possibilidade da ligao do homem e da mulher em sua diversidade.