Upload
lamdat
View
226
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
PEDAGOGIACURRÍCULO
C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K
Universidade Estadual de Santa Cruz
ReitorProf. Antonio Joaquim da Silva Bastos
Vice-reitoraProfª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro
Pró-reitora de GraduaçãoProfª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa
Diretora do Departamento de Ciências da EducaçãoProfª. Raimunda Alves Moreira Assis
Ministério daEducação
Ficha Catalográfica
C976 Currículo : educação, currículo e avaliação : Pedagogia módulo 4, volume 2 – EAD / Elaboração de conteú- do : Roberto Sidnei Macedo. – [Ilhéus, BA] : EDITUS, [2011]. 114 p. ISBN 798-85-7455-258-3 1. Currículos. 2. Ensino – Currículos. 3. Educação. I. Macedo, Roberto Sidnei. II. Pedagogia : módulo 4, volume 2 -EAD. CDD 375
Coordenação UAB – UESCProfª. Drª. Maridalva de Souza Penteado
Coordenação do Curso de Pedagogia (EAD)Drª. Maria Elizabete Sauza Couto
Elaboração de ConteúdoProf. Dr. Roberto Sidnei Macedo
Instrucional DesignProfª. Msc. Marileide dos Santos de OliveraProfª. Msc. Cibele Cristina Barbosa CostaProfª. Msc. Cláudia Celeste Lima Costa Menezes
RevisãoProfª. Msc. Sylvia Maria Campos Teixeira
Coordenação de DesignProfª. Msc. Julianna Nascimento Torezani
DiagramaçãoJamile A. de Mattos Chagouri OckéJoão Luiz Cardeal Craveiro
Capa Sheylla Tomás Silva
PedagogiaEAD . UAB|UESC
PARA ORIENTAR SEUS ESTUDOS
SAIBA MAIS
Aqui você terá acesso a informações que complementam seus estudos a respeito do tema abordado. São apresentados trechos de textos ou indicações que contribuem para o aprofundamento de seus estudos.
LEITURA RECOMENDADA
Indicação de leituras vinculadas ao conte-údo abordado.
PARA CONHECER
Aqui você será apresentado a autores e fontes de pesquisa a fim de melhor conhe-cê-los.
VOCÊ SABIA?
Esses são boxes que trazem curiosidades a respeito da temática abordada.
UNIDADE ICURRÍCULO: CAMPO DE ATIVIDADES E CONCEITO
1 O CURRÍCULO NO CENáRIO EDUCACIONAL
CONTEMPORâNEO ............................................................. 17
2 DISTINçãO E RESPONSABILIDADE SOCIOEDUCACIONAL .. 19
3 CONCEITO, CAMPO DE ATIVIDADES E IMPLICAçõES
POLÍTICO-PEDAgógICAS ................................................... 21
ATIVIDADES ....................................................................... 27
RESUMINDO ....................................................................... 28
LEITURA COMPLEMENTAR ................................................. 28
FILME RECOMENDADO ........................................................ 28
VÍDEO RECOMENDADO ....................................................... 29
SITE RECOMENDADO .......................................................... 29
REFERÊNCIAS ..................................................................... 29
UNIDADE IIHISTóRIA DO CURRÍCULO
1 OS PRIMóRDIOS ................................................................ 33
2 O CURRÍCULO MODERNO .................................................... 34
3 A CRÍTICA ENTRA NA HISTóRIA DO CURRÍCULO ............... 36
4 RUMO A UMA CRÍTICA AOS ExCESSOS ExPLICATIVOS
DO CURRÍCULO .................................................................. 38
5 O CURRÍCULO NO BRASIL ................................................. 39
ATIVIDADES ....................................................................... 41
RESUMINDO ....................................................................... 42
LEITURAS COMPLEMENTARES ............................................ 43
FILME RECOMENDADO ........................................................ 43
SITES RECOMENDADO ........................................................ 43
REFERÊNCIAS ..................................................................... 44
Sumário
UNIDADE IIIO CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEóRICOS I
1 O CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEóRICOS ....................... 47
2 A DISCIPLINA: FOCO E PROBLEMáTICA ............................. 48
3 A PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR .................................. 49
4 A PERSPECTIVA TRANSDISCIPLINAR ................................. 50
5 AS TEORIAS CRÍTICAS DO CURRÍCULO .............................. 53
ATIVIDADES ...................................................................... 55
RESUMINDO ....................................................................... 56
LEITURA COMPLEMENTAR .................................................. 56
FILME RECOMENDADO ........................................................ 57
SITE RECOMENDADO .......................................................... 57
REFERÊNCIAS ..................................................................... 57
UNIDADE IVO CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEóRICOS II
1 A CRÍTICA DA CRÍTICA ...................................................... 59
2 TENSõES ENTRE CRÍTICOS E PóS-CRÍTICOS ...................... 65
3 A PERSPECTIVA RIzOMáTICA ............................................ 67
4 O FOCO NA vida ............................................................... 68
5 A CONCEPçãO MULTIRREFERENCIAL E INTERCRÍTICA ....... 70
ATIVIDADES ....................................................................... 75
RESUMINDO ....................................................................... 76
LEITURA RECOMENDADA .................................................... 76
FILME RECOMENDADO ........................................................ 77
SITES RRECOMENDADO ...................................................... 77
REFERÊNCIAS .................................................................... 78
UNIDADE VPROPOSTAS CURRICULARES CONTEMPORâNEAS I
1 A NOçãO DE COMPETÊNCIA E A ORgANIzAçãO
CURRICULAR ...................................................................... 83
2 O CURRÍCULO POR PROBLEMA ........................................... 87
3 O CURRÍCULO POR PROjETOS ............................................ 89
4 O CURRÍCULO POR TEMAS gERADORES E POR
PROBLEMATIzAçãO ........................................................... 90
ATIVIDADES ....................................................................... 93
RESUMIMDO ....................................................................... 93
FILME RECOMENDADO ........................................................ 94
REFERÊNCIAS ..................................................................... 95
UNIDADE VIPROPOSTAS CURRICULARES CONTEMPORâNEAS II
1 O CURRÍCULO POR MóDULOS DE APRENDIzADO ............... 97
2 CURRÍCULO EM REDE, HIPERTExTUAL E EDUCAçãO
on-line ............................................................................. 100
3 O CURRÍCULO POR CICLOS DE FORMAçãO ......................... 103
4 A AULA COMO ATOS DE SUjEITOS DO CURRÍCULO E
ACONTECIMENTO MULTIRREFERENCIAL ............................ 106
4.1 Cenário plural ....................................................... 106
4.2 Sala de aula e diversidade .................................... 107
5 CENáRIO PROPOSITIVO ..................................................... 109
6 O qUE é UM CURRÍCULO EDUCATIVO ................................ 109
ATIVIDADES ....................................................................... 111
LEITURA COMPLEMENTAR .................................................. 111
FILME RECOMENDADO ........................................................ 111
SITE RECOMENDADO .......................................................... 112
REFERÊNCIAS .................................................................... 113
O AUTOR
Prof. Dr. Roberto Sidnei
Doutor em Ciências da Educação pelo Departamento de
Ciências da Educação da Universidade de Paris Saint-
Denis, com pós-doutorado em currículo e formação pela
Universidade de Fribourg, Suíça. Atua como professor-
pesquisador na Faculdade de Educação da Universidade
Federal da Bahia, FACED-UFBA. Coordenador do FOR-
MACCE, Grupo de Pesquisa em Currículo e Formação,
suas pesquisas direcionam-se para as práticas curricula-
res e formação de professores, incluindo professores em
serviço.
Tem obras e artigos publicados com estudos ligados aos
campos do currículo, da formação, da etnopesquisa críti-
ca, da etnopesquia-formação e da educação infantil. Faz
parte do Conselho Científico da ANPED, é consultor Ad
Hoc da CAPES-MEC.
Tem inserções internacionais, enquanto pesquisador as-
sociado à Universidade de Québec, Universidade Paris 8 e
Universidade da Ilha da Madeira-Portugal.
Contato: [email protected]
DISCIPLINA
CURRÍCULO
A historicidade do currículo: epistemologia e história. O
conceito do currículo nas diferentes teorias. Currículo
como uma construção histórica na relação com as po-
líticas sociais. A relação escola/sociedade e o currículo.
Currículo, escola, cultura, tecnologia e ideologia. Retros-
pectiva histórica da teoria do currículo no Brasil.
Carga horária: 60 horas
EMENTA
Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo
Este conjunto de textos tem como objetivo principal oferecer a
você, caro aluno, um rol de conhecimentos que visam elucidar
algo que ainda inquieta os educadores: a compreensão do que
seja o currículo como um complexo e poderoso artefato educa-
cional, organizador das formações. O currículo é uma “tradição
inventada” (GOODSON, 1998), que hoje cultiva uma polissemia
formidável, pouco conhecida nos âmbitos da sociedade civil or-
ganizada e interessada nas coisas da educação.
Cultivando o compromisso com o campo propriamente dito do
tema currículo, de uma perspectiva histórico-crítica, as argu-
mentações que se constroem ao longo do texto preservam a
ideia principal de oferecer ao aprendente um debate e a possibi-
lidade de conceituar de forma elucidativa o currículo, nos âmbi-
tos da sua importante função socioeducacional.
Por serem textos de compromisso elucidativo, se exerce aqui,
de forma vigorosa, o pensamento de tradição crítica, cultivando
a defesa de um currículo dialógico e intercrítico. É assim que se
posiciona em favor de um currículo educativo, algo sempre valo-
rado e problematizado, como, aliás, tudo em educação.
A intenção fundante dos textos é proporcionar a quantos se in-
teressem em compreender as questões curriculares atuais, uma
narrativa e um debate aprofundados, e que entrem no mérito do
que seja esse complexo, poderoso e importante organizador de
conhecimentos formativos da educação contemporânea e seus
grandes desafios.
Visa-se a partir dos textos apresentados, que o aluno(a) possa
compreender, refletir e se apropriar de concepções curriculares,
dos seus processos históricos, assim como dos principais apor-
tes teóricos desenvolvidos no campo curricular. Esses elementos
fundamentais dos estudos do currículo possibilitarão a compre-
ensão dos principais modelos propositivos de currículo, suas ba-
ses epistemológicas e pedagógicas, assim como suas potenciali-
dades em termos de utilização concreta nos meios educacionais.
OBJETIVOS
As políticas e práticas curriculares e suas urgentes demandas de
compreensão e interferência, bem como a necessidade de um ar-
gumento competente sobre as ações que acontecem no campo
curricular, não legitimam mais reduções, pulverizações e concep-
ções a-críticas. É urgente, avaliamos, neste contexto da história
das perspectivas e ações curriculares, que os educadores entrem
no mérito do que se configura como currículo e saibam lidar com
suas complexas e interessadas dinâmicas, que hoje definem de
forma potente a qualidade e a natureza das opções formativas e
educacionais. Não temos dúvida, que hoje, pelas vias da sua capa-
cidade de organização da educação, os atos de currículo (MACEDO,
2007) podem contribuir, em muito, para definir destinos individu-
ais e horizontes socioeducacionais.
Enquanto construção social, o currículo se configura na educação
contemporânea, como um dos mais poderosos dispositivos educa-
cionais. Nestes termos, o estudo do currículo passa a ser uma par-
te da teoria formativa que ultrapassa o mero domínio de um tema/
instrumento educacional. É, em realidade, uma maneira de, pela
formação sociopedagógica, compreendermos como a educação do
presente e suas políticas concebem, organizam, implementam,
institucionalizam e avaliam os conhecimentos, configurados por
conteúdos técnicos, éticos, políticos, étnico-culturais e estéticos
eleitos como formativos.
Assim, as questões curriculares devem ser debatidas pela socieda-
de civil organizada, na medida em que um “currículo educativo”,
ideia defendida neste texto, deve estar direcionado para o bem
comum social, pleiteando e aprendendo criticamente com a dife-
rença, envolvendo comunidades interessadas.
Antes mesmos de pensarmos em aplicar modelos curriculares como
remédios universais para as diversas formações, ou verdades ex-
cessivas, pensemos nas pessoas e nas necessidades educativas
dos seus grupos de fato, nos contextos culturais, nas demandas e
problemáticas do mundo do trabalho e da produção, possibilitando
APRESENTAÇÃO
que as práticas curriculares sejam, em realidade, construídas
por processos intercríticos, e os atos de currículo transformados,
em atos de justiça curricular.
As verdades excessivas, os silenciamentos, as exclusões, as ir-
responsabilidades com os conhecimentos e aprendizados social-
mente relevantes, tão presentes na história moderna e contem-
porânea do currículo, precisam dar lugar a uma concepção e ação
curriculares socialmente implicadas na construção de uma cida-
dania construída na participação autêntica de toda a sociedade.
Foi neste sentido que os curriculogistas críticos, sensíveis diante
da forte função socioeducacional do currículo, perguntaram: o
que faz o currículo com as pessoas? Ao fazerem essa pergunta,
começaram uma revolução que, esperamos hoje, ultrapasse os
muros dos interesses meramente burocráticos e acadêmicos e
se transforme num ato político e de trabalho árduo em favor da
radical democratização da educação de qualidade entre nós.
1 O CURRÍCULO NO CENáRIO EDUCACIONAL CONTEM-PORâNEO
Nunca se constatou na história da educação uma tamanha
importância atribuída às políticas e propostas curriculares, diria
mesmo, um tamanho empoderamento do currículo enquanto definidor
dos processos formativos e educacionais e suas concepções. No
Brasil não é diferente. Parâmetros, Parâmetros em ação, Diretrizes
Curriculares, leis específicas sobre conteúdos curriculares, fazem
parte do cenário contemporâneo de decisões educacionais em nosso
país.
17PedagogiaUESC
1U
nida
deUNIDADE I
CURRÍCULO: CAMPO DE ATIVIDADES E CONCEITO
OBjETIVOAo final desta unidade, o aluno deverá situar o campo do
currículo na contemporaneidade, assim como as políticas e
práticas e suas configurações. Promover a elucidação histórica
do conceito de currículo, visando processos de compreensão e
de práticas curriculares fundadas num profundo entendimento
da sua função educacional e formativa.
Se levarmos em conta o contexto de importância que
o currículo assume no mundo, em termos da concepção e da
construção contemporânea das formações, o seu empoderamento
político-pedagógico, assim como a complexidade que emerge dessas
configurações, a explicitação reflexiva do campo curricular e da noção
de currículo, no sentido de distinguir histórica e conceitualmente as
perspectivas e as práticas, se torna uma responsabilidade formativa
social e pedagógica incontestável. Junto com esse compromisso,
faz-se necessário trazer para esse cenário discursivo e elucidativo
o lugar do debate e da diversidade das concepções, sem com isso
aceitar os prejuízos conceituais e político-pedagógicos causados pelas
perspectivas que acolhem posições do tipo: “você deve dominar e
aplicar essa concepção de currículo porque é científica”, ou mesmo,
“não é preciso conceituar algo que é extremamente complexo”.
Diríamos que as práticas curriculares e suas urgentes
demandas de compreensão e interferência político-pedagógica, bem
como a necessidade do argumento competente sobre o instituído e o
instituinte desse campo, não mais legitimam reduções, pulverizações
e concepções a-críticas. É urgente, avaliamos, neste contexto da
história das perspectivas e práticas curriculares, que os educadores
entrem no mérito do que se configura como currículo e saibam lidar
com suas complexas e interessadas dinâmicas de ação, sob pena
de deixarem que os burocratas da educação continuem tomando
de assalto um âmbito das políticas e práticas educacionais que hoje
define, em muito, a qualidade e a natureza das opções formativas,
na medida em que trabalha, fundamentalmente, nas organizações
educacionais, com o conjunto dos conhecimentos e atividades eleitas
como formativas. Este é o campo do currículo, que desejamos refletir
profunda e democraticamente.
Os tecnocratas do currículo, em geral, não sabem e pouco
se sensibilizam por aquilo que podemos denominar de um currículo
educativo, formativo. Ou seja, um currículo em que as intenções
formativas sejam explicitadas e se desenvolva, elucidando e
compromissando-se com uma educação cidadã. “Pensam” sempre na
arquitetura curricular, no seu desenho expresso nas antigas “grades”,
hoje matrizes curriculares, fixadas num documento.
É preciso, portanto, que a sociedade, seus grupos de fato e
os movimentos sociais implicados nos cenários e ações educacionais
tenham a oportunidade de compreender e debater bem o currículo,
num processo de democratização radical da sua discussão conceitual
e da elucidação das práticas e, a partir daí, se apropriem e construam
percepções e ações de descolonização nos âmbitos das propostas
Numa primeira apro-ximação ao conceito de currículo, podemos dizer que o currículo se caracteriza nas or-ganizações educacio-nais como o conjunto de conhecimentos es-colhidos como forma-tivos. A centralidade está, portanto, no conhecimento legiti-mado como formati-vo. Aqui começa sua importância e comple-xidade política e peda-gógica.
18 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito
curriculares correntes.
Esse não é um esforço de fixação de conceitos, de dizer sobre
um conceito correto-incorreto, mas, acima de tudo, um esforço de
explicitação politizada de uma concepção sócio-histórica importante;
uma política de sentido em elucidação, fincada na relevância
socioeducacional do compromisso com o trabalho de responsabilidade
em dizer bem com implicação sobre as políticas e práticas curriculares.
Não temos dúvida de que o currículo, uma significativa opacidade
e dificuldade conceitual para muitos trabalhadores em educação
e a sociedade em geral, ainda se constitui num dos dispositivos
educacionais dos mais autoritários e excludentes, nestes termos seu
conhecimento aprofundado é urgente como um ato democrático.
Quando chegamos às nossas escolas, predominantemente, os
currículos já estão prontos para serem oferecidos como um banquete
a ser consumido, alguns com sabores e adornos extremamente
sofisticados.
Entendemos com isso, que nunca como hoje o trabalho
crítico, diria intercrítico, é tão fecundo para deslocarmos propostas
supostamente democráticas para o campo da radicalização da
construção de novos sujeitos históricos, como partícipes ativos e
crítico-reflexivos da cena curricular-educacional. É essa configuração
que empresta ao currículo uma formidável perspectiva sistêmica
e complexa de um macro-conceito. Ou seja, um conceito de
fecundas características analisadoras do entendimento da educação
contemporânea, ou seja, dotado de uma significativa capacidade de
abraçar as mais diversas dimensões e perspectivas do ato educacional;
sem, entretanto, perder a sua especificidade em termos de conceito,
campo e história específicos.
2 DISTINçãO E RESPONSABILIDADE SOCIOEDUCACIO-NAL
A necessidade de distinguir e de relacionar de forma pertinente,
são lógicas necessárias para que se possa trabalhar em prol da
lucidez sempre necessária nos âmbitos do currículo, da formação e
da atividade político-educacional.
Dizer que “currículo é a vida da escola”, “tudo que acontece
no convívio escolar”, “currículo é também o grau de limpeza dos
corredores da escola”, ou mesmo reduzi-lo ao argumento da
mercadorização da educação, como num escrito de uma prova de
seleção de mestrado onde se dizia: “currículo é o segredo e a alma do
Podemos dizer que o cur-rículo, como um disposi-tivo educacional, é, pre-dominantemente, uma das mais autoritárias invenções da história da pedagogia, em face da sua concepção e imple-mentação até hoje pou-co ou nada democrática.
No caso da formação dos educadores, sa-ber conceituar currí-culo faz parte de uma das atividades impor-tantes para se inserir de forma competen-te nas significativas e tensas discussões sobre as políticas, práticas e opções cur-riculares-formativas discutidas na nossa sociedade contempo-rânea.
19PedagogiaUESC
1U
nida
de
negócio promissor da educação”, é aceitar perspectivas equivocadas,
niilistas ou mercantilistas. Neste cenário de equívocos, vieses não-
elucidativos e reduções, em muitos momentos, currículo é mercado ou
é tudo e nada. O prejuízo ético, político e formativo desses equívocos
são fáceis de ser anunciado.
O cultivo de compreensões como essas, e da aceitação fácil de
inovações apenas comprometidas ou reduzidas a delírios pedagógicos,
só favorecem as elaborações modelizadas de intelectuais delirantes
e descomprometidos com as consequências sociais da educação,
ou dos experts de gabinete, em geral, simpáticos às compreensões
tecnicistas de currículo, porquanto ficam à vontade em trabalhar
e prescrever através de seus modelos pretensamente “aplicáveis”.
Estamos ainda vivendo numa percepção sociopedagógica de currículo
que dá preferência ao modelo e ao sistema pré-montado, em
detrimento das pessoas, de suas demandas formativas, referências
culturais e históricas; em detrimento dos contextos e seus interesses
ligados ao complexo mundo do trabalho e da produção; e em
detrimento, por consequência, do debate de sentidos que deve ser
formulado no coletivo social. Nestes termos, a concepção de currículo
expressa o desejo tecnocrata de uniformidade, de unicidade, como
nos diz o educador português João Formosinho (1991, p. 1) “Currículo
Uniforme – pronto-a-vestir de tamanho único”. Ou mesmo, cai nas
concepções delirantes de quem acha que as coisas da educação não
têm especificidade e que toda fonte de elucidação e debate é válida
para compreender o ato educativo a partir, apenas, da sua própria
lógica ou linguagem.
No caso dos experts de gabinete, a diferença em educação, em
geral, não faz diferença. Tudo é, a priori, passível de homogeneização.
Em geral, o que não pode ser homogeneizado vira resíduo a ser
descartado. Entretanto, da perspectiva da teoria dos sistemas
e da crítica complexa, os resíduos são produtos de sistemas que,
para construir suas coerências, eliminam elementos. Porém esses
elementos não desaparecem. Eles se reagrupam na periferia e, num
certo momento, podem retornar em avalanche e desestabilizar o
sistema (LEFEBVRE apud HESS, 2005, p. 22).
O que nos mobiliza, em larga medida, neste momento, é a
necessidade de os educadores saberem distinguir o campo e o objeto
de estudo do currículo como processos históricos, como processos de
interesse formativo e, ao mesmo tempo, de empoderamento político.
Numa recente discussão sobre o currículo de licenciatura vivido
por nossa faculdade, um representante estudantil se expressou: “Não
sei discutir currículo, não tenho os instrumentos conceituais para
20 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito
tal, só sei que estou implicado e tenho que discutir”. Essa é uma
narrativa emblemática que ilustra bem a inquietação e a possibilidade
de empoderamento que o saber curricular envolve.
Parece-nos importante dizer que uma visão dialógica e não-
formal de currículo, em termos de seu desenho e conteúdo não nos
remete necessariamente para fora da implicação com o campo, o
debate e a reflexão enraizados aí. Ao longo de nossas elaborações
sobre currículo, costumamos implicar a epistemologia, a sociologia, a
antropologia, a política, a psicologia, o romance, a poesia, a fábula,
o cinema, o teatro, o mito, a música, as artes plásticas e outras
narrativas fora da prosa científico-educacional, como possibilidades
de enriquecer/aguçar/ampliar/problematizar a compreensão sobre
as pautas e as práticas curriculares e suas questões, sem com isso
perder de vista de onde falamos, de que falamos e qual o nosso
compromisso explicativo em termos do objeto de reflexão e análise.
3 CONCEITO, CAMPO DE ATIVIDADES E IMPLICAçõES POLÍTICO-PEDAgógICAS
Autorizamo-nos a dizer que o currículo tem um campo
historicamente construído, onde se desenvolve o seu argumento
e o seu jogo de compreensões mediadoras. Há uma especificidade
histórica que caracteriza este campo.
Existem os substantivos cursus (carreira, corrida) e curriculum
que, por ser neutro, tem o plural curricula. Significa “carreira”, em
forma figurada. Daí derivam expressões como cursus forenses,
carreira do foro; cursus honorum, carreira das honras, das dignidades
funcionais públicas, sucessiva e progressivamente ocupadas. O termo
cursus passa a ser utilizado, com variedade semântica a partir dos
séculos XIV e XV, nas línguas como o português, o francês, o inglês e
outras, como linguagem universitária. A palavra curriculum é de uso
mais tardio, nessas línguas. Em 1682, já se utiliza em inglês, a palavra
curricle, com o sentido de “cursinho”. Nesta mesma língua, se utiliza,
a partir de 1824, o termo curriculum com o sentido de um curso de
aperfeiçoamento ou estudos universitários, traduzido também pela
palavra course. Somente no século XX, a palavra curriculum migra da
Europa para os Estados Unidos.
Conforme elabora Beticelli (1999, p. 162), ainda que, a partir
de 1920, já se tenha orientações sobre a problemática do currículo,
é somente a partir da Segunda Guerra Mundial que vão aparecer às
primeiras formulações.
A propósito, o lexema currículo, proveniente do étimo latino curre-re, significa caminho, jornada, trajetória, per-curso a seguir e encer-ra, por isso, duas idéias principais: uma de se-qüência ordenada, outra de noção de totalidade de estudos (PACHECO, 1996, p. 16).
21PedagogiaUESC
1U
nida
de
Cremos ocorrer isto pelas razões arroladas que di-zem respeito ao desenvolvimento da tecnologia, umas das características marcantes da modernidade inaugurada por Galileu, a qual passa por Descartes, madurece com Newton e se expande definitivamente com a era industrial. A partir da era industrial se faz a produção de sentido atual do currículo, fenômeno que se estabelece definitivamente no pós-Segunda Guerra Mundial (BERTICELLI, 1999, p. 163).
Na cultura educacional francesa, a discussão sobre currículo
tardou a se configurar. Segundo considerações de Jean-Claude Forquin
(1966), os teóricos da reprodução, na elaboração da crítica da cultura
escolar, tratam das questões curriculares de forma apenas indireta.
Silva (1999, p. 21), a propósito, nos diz que a emergência
do currículo como campo de estudo está estreitamente ligado a
processos tais como a formação de um corpo de especialistas sobre
currículo, a formação de disciplinas e departamentos universitários,
a institucionalização de setores especializados sobre currículo
na burocracia educacional do estado e o surgimento de revistas
especializadas. Este autor aponta que a própria emergência da
palavra curriculum, como modernamente conhecemos, está ligada à
organização das experiências educativas.
Faz-se necessário ressaltar que é na literatura estadunidense
que o termo surge para designar um campo especializado de estudos.
Foram talvez as condições associadas com a institu-cionalização da educação de massas que permitiram que o campo de estudos do currículo surgisse nos Estados Unidos, como um campo profissional espe-cializado. Estão entre essas condições: a formação de uma burocracia estatal encarregada dos negócios ligados à educação; o estabelecimento da educação como um objeto próprio de estudo científico; a ex-tensão da educação escolarizada em níveis cada vez mais altos de segmentos cada vez maiores da popu-lação; as preocupações com a manutenção de uma identidade nacional, como resultado das sucessivas ondas de imigração; o processo de crescente indus-trialização e urbanização (SILVA, 1999, p. 22).
Kemmis (1998, p. 14), argumenta que o currículo é “um terreno
prático, socialmente construído, historicamente formado, que não se
reduz a problemas de aplicação de saberes especializado desenvolvido
por outras disciplinas, mas que possui um corpo disciplinar próprio”,
no que acrescenta Pacheco (1996, p. 24), dizendo-nos que o
22 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito
conhecimento curricular se constitui “num corpo disciplinar próprio
– aqui designado por ‘Teoria e Desenvolvimento Curricular’ - que se
situa nos âmbitos teórico e prático do conhecimento educativo.”
Inspirado nesse trabalho de compreensão é que nos sentimos
instados a elaborar uma certa noção de currículo via um esforço de
distinção relacional, implicado às nossas opções político-educacionais.
Assim, compreendemos o currículo como uma “tradição
inventada” (GOODSON, 1998), como um artefato socioeducacional
que se configura nas ações de conceber/ selecionar/produzir, organizar,
institucionalizar, implementar/dinamizar saberes, conhecimentos,
atividades, competências e valores, visando uma “dada” formação,
configurada por processos e construções constituídos na relação
com conhecimento eleito como educativo. Enquanto uma construção
social, e articulado de perto com outros processos e procedimentos
pedagógico-educacionais, o currículo, como qualquer artefato
educacional, atualiza-se – os atos de currículo - de forma ideológica
e, neste sentido, veicula “uma” formação ética, política, estética
e cultural, nem sempre explícita (âmbito do currículo oculto),
nem sempre coerente (âmbito dos dilemas, das contradições, das
ambivalências, dos paradoxos) nem sempre absoluta (âmbito
das derivas, das transgressões), nem sempre sólida (âmbito dos
vazamentos, das brechas) . É, nestes termos, que vive cotidianamente
enquanto concepção e prática, a reprodução das ideologias, bem
como permite, de alguma forma, a construção de resistências,
bifurcações e vazamentos. É aqui que o currículo se configura como
um produto das relações e das dinâmicas interativas, vivendo e
instituindo poderes. Neste movimento, cultiva “uma” ética e “uma”
política, ao fazer e realizar opções epistemológicas, pedagógicas,
ao orientar-se por determinados valores. Essas realidades estarão
sempre presentes nas políticas de sentido dos curricula, emanam
das práticas que os constituem e das práticas constituídas por eles;
afinal, o currículo é, para nós, o principal artefato de concepção e
atualização das formações e seus interesses socioeducacionais.
Em geral, o senso comum educacional percebe o currículo como
um documento (a grade) onde se expressa e se organiza a formação,
ou seja, o arranjo, o desenho organizativo dos conhecimentos,
métodos e atividade em disciplinas, matérias ou áreas, competências
etc.; como um artefato burocrático pré-escrito. Não perspectivam o
fato de que o currículo se dinamiza na prática educativa como um
todo e nela assume feições que o conhecimento e a compreensão do
documento por si só não permite elucidar. O fato é que professores
e educadores em geral, nos seus cenários formativos, atualizam,
Dessa forma, uns dos subsídios fundamen-tais para a construção do currículo é o co-nhecimento e os va-lores orientados para uma determinada for-mação. A sistematiza-ção dessa formação por esses componen-tes é o currículo.
23PedagogiaUESC
1U
nida
de
constroem e dão feição ao currículo, cotidianamente, relacionalmente,
tendo como seu principal objetivo a formação e seus processos de
interpretação e veiculação, daí sua inerente complexidade. Há uma
costura, uma forma de tecer a formação, cuja compreensão não é
possibilitada por um documento apenas, a matriz curricular, por mais
que os documentos educacionais, não só a proposta curricular, digam
muito sobre o currículo, sua concepção e prática. É nestes termos que
o currículo se atualiza como um fenômeno complexo. Sabemos que
o currículo se move em sala de aula, nas palestras, nos laboratórios,
nos estudos dos alunos e dos professores, sua vida não se encerra
nas mãos e na cabeça daqueles que concebem a matriz curricular,
que também é um ato de currículo, mas não-absoluto.
Foi procurando desconstruir o caráter hierarquizante e linear
que a perspectiva “dura” de currículo cultiva, que argumentamos
o quanto este artefato concebido como trajetória e itinerário, se
transforma numa forma de poda das possibilidades criativas das
experiências aprendentes que emergem dos “sítios de pertencimento
simbólico” (ZAOUAL, 2003) e suas formas de apropriação. Neste
mesmo argumento, elaboramos a ideia de currículo como itinerância
e errância, onde mostramos a necessidade de se vivenciar também
nas experiências formativas as interações bifurcantes, os devaneios e
as errâncias criativas (MACEDO, 2002).
É assim que compreendemos o currículo, como um complexo
cultural tecido por relações ideologicamente organizadas e orientadas.
Como prática potente de significação, o currículo é, sobretudo,
uma prática que bifurca. Neste sentido, não se pode conceber
o currículo como prática de significação sem realçar seu caráter
generativo, inventivo. Como tal, no seio do currículo, constituindo-o,
os significados, os sentidos trabalhados, a matéria significante, o
subsídio cultural, são sempre e continuamente retrabalhados. “São
traduzidos, transpostos, deslocados, condensados, desdobrados,
redefinidos, sofrem, enfim, um complexo e indeterminado processo
de transformação” (SILVA, 1999, p. 13).
Em termos políticos, faz-se necessário ressaltar, como nos alerta
Silva (1999), que há uma tensão constante entre a necessidade de
delimitar o significado e a rebeldia, também permanente, do processo
de significação. É aqui que o conservadorismo está sempre às turras
com o enfrentamento da tendência do significado ao deslizamento, à
disseminação, ao vazamento, à transgressão e à traição.
É fato que a prática introduz elementos e problemas
significativos sobre e a partir dos quais se faz necessário refletir
em termos coletivos. Faz-se necessário perceber que o currículo
24 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito
indica caminhos, travessias e chegadas, que são constantemente
realimentados e reorientados pela ação dos atores/autores da cena
curricular. Neste mesmo veio, é necessário dizer que tal atitude vai
de encontro a qualquer processo de homogeneização curricular, que
tende a criar certa névoa de generalização, sacrificando a visão das
situações curriculares específicas e suas singularidades. As políticas
e ações curriculares precisam nutrir-se de uma mirada clínica, ou
seja, um olhar focado nos movimentos singulares dos cenários
socioeducacionais.
Neste aspecto, necessário se faz tomar a cultura e o currículo
como relações de poder. Mais precisamente: é necessário entender
que as relações de poder configuram os processos de significação, e
é aqui que o currículo tem um papel político de extremo compromisso
com uma outra ética, com uma outra política que não seja a do
alijamento, tampouco do corporativismo disciplinar.
É assim que as lutas por significado não se resolvem no terreno
epistemológico-formativo apenas, mas em muito no terreno político,
ou seja, no terreno das relações de poder. Luta por significado é
luta por recursos de poder. Um poder que, da nossa perspectiva,
levando em conta a compreensão do que seja o campo do currículo,
requer do educador a capacidade de nocionar bem, de explicitar bem,
para saber lidar. Um compromisso sociopedagógico ineliminável da
formação e dos formadores de educadores.
Neste âmbito, Goodson traz uma discussão significativa,
inspirado nas discussões de Michael Young sobre o currículo como
fato e o currículo como prática.
[...] ao focalizar a definição pré-ativa de currículo es-crito como algo constitutivo na criação de um currí-culo, não estou querendo especificamente promover um conceito exclusivo de ‘currículo como fato’. Todo conceito progressivo de currículo (e de criação de currículo) teria de trabalhar com o currículo realizado na prática como um componente central. Todavia, a crença absoluta nas propriedades de transformação do mundo que o currículo como prática possa ter, é, penso eu, insustentável [...] Uma visão assim é es-timulada pelo atual estágio de subdesenvolvimento do nosso modo de entender o currículo pré-ativo. Entender a criação de um currículo é algo que deve-ria proporcionar mapas ilustrativos das metas e es-truturas prévias que situam a prática contemporânea (GOODSON, 1998, p. 21).
Na lucidez das reflexões de Goodson, encontra-se a preocupação
que fez brotar parte das formulações deste texto, ou seja, a atual
Convencemo-nos, as-sim, de que com-preender as estruturas curriculares instituídas é necessário e impor-tante, mas, é a ação socio-educacional – configuradas em atos de currículo – mesmo em cenários ampliados, que muito nos interes-sa, para não perdermos de vista a pertinência da interferência nest-es âmbitos; para não perdermos de vista a pertinência de colocar no centro das atenções curriculares a atividade que interfere, partindo-se de uma perspec-tiva criativa, e de que, como toda construção social, o currículo vi-vencia a contradição como movimento de possibilidades (politiza-ção do currículo), por mais que a sua história seja configurada por ações marcadamente conservadoras.
25PedagogiaUESC
1U
nida
de
e intensa confusão/dispersão que atinge a compreensão da noção
de currículo e o prejuízo formativo que envolve esse fato, com uma
inquietação marcante entre as pessoas que precisam atuar política e
pedagogicamente com as questões curriculares de fato. São comuns,
por parte de estudantes e/ou educadores em formação, colocações
como: “afinal, me informem sobre a especificidade do currículo, e
como deverei compreender o que seja isso!”; “currículo é política, é
cultura, é poder, é complexo, mas, até agora, não sei dizer bem o que
é realmente”.
É aqui que entrar no mérito do que venha a ser currículo ultrapassa
a pretensa propriedade privada dos especialistas, que preferem uma
atitude definicional reduzida a uma pretensa compreensão puramente
técnica de currículo. É aqui que habita a reivindicação de que todos
os atores sociais têm o direito de compreender sua configuração
conceitual enquanto fenômeno histórico-social e entrar no mérito das
práticas. Há uma perplexidade demonstrada pelos professores, por
exemplo, ao se convencerem de que não sabem nocionar o currículo,
tampouco discutir suas implicações, mesmo reconhecendo-se atores
constitutivos desse importante artefato educacional. Neste sentido,
os movimentos sociais vêm jogando a última pá de cal na ideia de
que o currículo é algo que, por ser muito complexo, não é, portanto,
assunto das pessoas “comuns” e dos segmentos historicamente
alijados dos bens da educação. Um exemplo importante dessa
superação é a apropriação demonstrada na publicação “Negros e
Currículo”, lançada no Congresso de Cientistas Negros em São Luis
do Maranhão, no ano de 2004, onde intelectuais e cientistas advindos
da luta do movimento negro no Brasil ousam e se autorizam a falar
de currículo da perspectiva da formação histórico-cultural do povo
negro, mas, ao mesmo tempo, trazendo o campo curricular para
o centro dos argumentos. Um outro exemplo é a construção, em
parceria ativa com a Faculdade de Educação da UFBA, da concepção
e organização dos currículos de formação de professores indígenas da
Bahia, na qual encontros de trabalho e debates na universidade e nas
aldeias se transformaram em dispositivos mutualistas e intercríticos
(MACEDO; CORTES, 2003) de construção de currículo, tendo como
produto um currículo ligado à história desses povos, suas culturas,
contextos e demandas, dentro de uma realidade social globalizada.
Se, pelos argumentos aqui desenvolvidos, dizer é uma das
maneiras de fazer, e o esforço de dizer bem é uma das maneiras
de exercer poder numa realidade em muito mediada pela linguagem
e seus jogos, pelo conhecimento e sua dinâmica ambivalente e
contraditória, estamos convencidos da necessidade de que os atores
26 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito
educativos e a sociedade organizada passem a falar bem sobre o
currículo e dos currículos obviamente e, neste sentido, exerçam nos
seus âmbitos o poder-com; cerne do currículo percebido e edificado
como concepção e prática intercríticas.
ATIVIDADES
1. Caracterize, a partir da leitura do texto e das discussões
públicas sobre currículo, sua importância no contexto
educacional atual.
2. Reconstrua, a partir de debates com grupos de colegas, a
concepção de currículo assumida pelo texto.
3. Indique o que pode distinguir e caracterizar o currículo, em
meio a outros temas educacionais. Ou seja, de que trata o
currículo como tema e como prática educacional?
4. Por que, partindo da argumentação do texto, o currículo
precisa ser bem conceituado não só pelas organizações e
trabalhadores educacionais, mas, também, pela sociedade
civil como um todo?
5. O que você entendeu quando se sintetiza no texto a ideia de
que o currículo tem a ver com o conhecimento escolhido como
formativo?
ATIVIDADES
27PedagogiaUESC
1U
nida
de
RESUMINDO
O currículo hoje é um dos temas educacionais mais importantes
para as políticas públicas em educação. Na medida em que
fundamentalmente lida com o conhecimento escolhido como formativo,
passa a ter um poder considerável, porquanto o conhecimento define
como devemos ver o mundo, a sociedade e a nós mesmos. Nestes
termos, é fundamental que saibamos compreender bem o que seja
currículo e como o conhecimento e as atividades nele contidos estão
dirigidos para a formação dos diversos segmentos sociais.
Compreendido como a concepção, organização, implementação
e avaliação de conhecimento eleitos como formativos, é preciso que
seja percebido como uma invenção pedagógica onde todos possam
compreender bem sua ação e sua qualidade, afinal, o currículo existe
porque a educação de qualidade via o conhecimento formativamente
organizado é socialmente necessário.
SILVA, T. T. Documentos de identidade. Uma introdução às teorias
do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
FILME RECOMENDADO:
Holland: adorável professor! – com mais de duas horas de duração,
o filme traz a trajetória de um homem que viveu como professor uma
experiência formativa (in)tensa. Com Richard Dreyfuss, que vive o
personagem Holland, um pai, professor, músico, maestro, compositor.
O filme mostra a luta de um compositor que começava
ministrar aulas de música para melhorar o orçamento e depara-se
com o desinteresse dos alunos. Para conquistar a atenção dos alunos,
ele altera profundamente sua relação com o conhecimento e os atos
de currículo, despertando resistência de diretores e colegas, mas
influenciando decisivamente a vida de muitos deles.
Em meio aos apuros da vida familiar e às neuroses cotidianas
em que todos vivemos, inclusive as inseguranças pessoais e lutas
comuns aos seres humanos, o único filho do casal nasce com surdez,
aumentando as dificuldades familiares.
RESUMINDO
LEITURA COMPLEMENTAR
FILME RECOMENDADO
28 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito
A história se passa na década de 1960 e avança até os
anos 2000, mostrando a evolução do tempo, envelhecendo os
personagens, acrescendo a maneira com que a cidade reconhece a
atuação formativa de Holland.
VÍDEO RECOMENDADOEntrevista com Edgar Morin – Programa Roda Viva, “TV E”, agosto
de 2005, distribuição. O autor toca em vários pontos importantes
para discutirmos a questão da formação e do currículo no mundo
contemporâneo, a partir da teoria da complexidade que desenvolve.
SITE RECOMENDADO
http://search.scielo.org/?q=Curriculo&where=ORG (periódicos)
http://cutter.unicamp.br/document/results.php?words=curr%EDculo
REFERÊNCIAS
BERTICELLI, I. “Currículo: Tendências e filosofia”. In: Costa, M. V. O Currículo nos limites do contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A
Editora, 1999, p. 159-176.
FORQUIN, J-C. “As abordagens sociológicas do currículo: orientações
teóricas e perspectivas de pesquisa”. Educação & Realidade. Porto
Alegre, 21(1): 187-198, jan/jun, 1996, p. 54.
FORMOSINHO, J. “Currículo uniforme – pronto-a-vestir em tamanho
único”. In: Machado, F. Gonçalves, M. Currículo e desenvolvimento curricular. Rio Tinto: Edições Asa, p. 262-267.
GOODSON, I. Currículo: teoria e história. Tradução de Attílio
Brunetta. Petrópolis: Vozes, 1998.
VÍDEO RECOMENDADO
REFERÊNCIAS
SITE RECOMENDADO
29PedagogiaUESC
1U
nida
de
HESS, R. Produzir sua obra. O momento da tese. Brasília: Líber
Livro, 2005.
KEMMIS, S. El curriculum: más allá de la teoría de la reproducción.
Madrid: Morata, 1988.
LIMA, I.; ROMÃO, J. Negros e currículo. 2 ed., Florianópolis:
Atilènde Editora, 2002.
MACEDO, R. S. Chrysallís. Currículo e complexidade. A perspectiva
crítico-multirreferencial e o currículo contemporâneo. Salvador:
EDUFBA, 2002.
________. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis: Vozes,
2008.
MACEDO, R. S. CORTES, C. “Terra, vento, folhas, fogo. Por uma
abordagem multirreferencial dos aspectos pedagógicos-curriculares
para formação dos professores indígenas da Bahia.” In: Macedo,
R. S. ; Silva, G. M.; Torres, M. Currículo e docência: tensões
contemporâneas, interfaces pós-formais. Salvador: Editora UNEB,
2003.
PACHECO, J. A. Currículo: teoria e práxis. Porto: Porto Editora, 1996.
SILVA, T. T. Documentos de identidade. Uma introdução às teorias
do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
ZAOUAL, H. globalização e diversidade cultural. Tradução de
Michel Thiollent. São Paulo: Cortez, 2003.
30 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Currículo: campo de atividade e conceito
Suas anotações
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
1 OS PRIMóRDIOS
Preocupados em discutir a perspectiva disciplinar como
orientação curricular, historiadores do currículo argumentam que
já no período clássico grego podemos perceber indicativos dessa
perspectiva. Nesse período, havia uma preocupação evidente em
construir a formação através da organização dos conteúdos por áreas
distintas. Gallo argumenta, enquanto filósofo do currículo que, em
A República e As Leis, Platão concebia a construção do homem da
Grécia Clássica nessa perspectiva.
33PedagogiaUESC
2U
nida
de
UNIDADE II
HISTóRIA DO CURRÍCULO
OBjETIVOExplicitar como o currículo se apresenta como uma invenção
histórica enquanto dispositivo pedagógico, pensado e construído
ao longo do tempo e no seu tempo, trazendo com isso
características específicas, só compreendidas se historicizarmos
o pensamento, as políticas e as práticas curriculares.
Assim procedeu Platão em A República e nas Leis, ao idealizar
o extenso e demorado plano de estudos em que deveria se basear
a formação dos guardiães, fornecendo uma base comum a todos
os cidadãos de ambos os sexos até os 20 anos; sucedendo-se: a
educação infantil, dos três aos cinco anos, composta de jogos, cantos
e fábulas; seguida, entre os sete e os dez anos, pela aprendizagem
das letras – a leitura e a escrita – e pela introdução da aritmética e
a geografia, cujo estudo se prolonga até os 16 anos, acrescido da
poesia e da música. Por fim a dança e a ginástica, que, como educação
do corpo, estão presentes desde o início, são complementadas por
exercícios militares e pelas artes marciais. A esse ciclo – com o qual
se completa a formação geral ou básica da maioria - sucede, para os
se que revelaram mais aptos, uma propedêutica matemática centrada
na aritmética, na geometria do plano e do espaço, na astronomia e na
harmonia (PINHAÇOS DE BIANCHI, 2001, p.146-147, apud GALLO,
2004, p. 39).
Vê-se também, na antiguidade grega e romana, que essa
inspiração vai sofrer uma dupla reorganização: com a denominação
de trivium, organizam-se as áreas da gramática, da retórica e da
filosofia; com a denominação de quadrivium, organizam-se as áreas
da aritmética, da geometria, da astronomia e da música.
Essa perspectiva curricular vai dominar toda a Idade Média,
juntamente com a imposição de um conhecimento mediado
predominantemente pela fé e se prolonga no iluminismo. Convencidos
de que o mundo não poderia ser abarcado na sua totalidade pela
compreensão humana, para os educadores clássicos a saída era
dividir o conhecimento em áreas.
2 O CURRÍCULO MODERNO
O currículo como nós conhecemos e experimentamos
predominantemente, na sua versão moderna, portanto, consolidou-
se na virada do século XIX para o século XX, em torno de um círculo
coerente de saberes, bem como de uma estrutura didática para sua
transmissão, desaguando no conceito de enciclopédia, como uma
certa “educação geral”. Para o professor António Nóvoa, por exemplo,
apesar de todas as inovações que ocorreram ao longo do século XX,
esse círculo e essa estrutura mantiveram-se relativamente estáveis e
se revelam incapazes de responder às novas necessidades educativas.
Goodson (1998) nos diz, ademais, que o termo currículo,
como uma maneira de organizar e controlar os ideários da formação
Vê-se que currículo se define como um plano de estudos, mas não deixa de conter a ins-piração que motivou a perspectiva disciplinar, ou seja, a organização da formação pela distin-ção das áreas de conhe-cimento.
A disciplinarização e sua proliferação vão se constituir na opção da modernidade científica e pedagógica, no que concerne à organização dos currículos escolares e de outras formações institucionalizadas.
34 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | História do Currículo
vai surgir a partir da escola calvinista entre escoceses e holandeses.
É interessante este aspecto histórico do currículo, pelo fato de que,
já nos seus primórdios, o currículo como conhecemos hoje, cultivava
sua função de controle, dado importante para as elaborações dos
teóricos críticos.
No contexto educacional dos Estados Unidos do início do século
passado, os estudiosos do currículo ligados a uma concepção tecnicista
de currículo, queriam ver o currículo ser concebido e praticado tal
qual se organiza a empresa e a fábrica, orientadas pelas ideias da
administração científica da época. Precisar os objetivos e obter,
pelas ações minuciosamente conhecidas e fragmentadas, a eficiência
e a eficácia transformou-se no método eleito e no caminho aceito
científica e academicamente, para se obter a formação relevante para
o contexto americano emergente. O currículo passou a ser gerenciado
como uma mecânica, tamanha era a força das ideias deterministas de
causa e efeito que operavam a concepção da formação e do próprio
currículo como seu mais importante mediador.
As experiências da psicologia experimental da época, pautadas
no valor da eficiência das aprendizagens por procedimentos e processos
condicionantes, forjam a intenção de um certo gerenciamento do aprendizado no seio do currículo, onde o controle dos conteúdos e
objetivos pré-fixados, orientavam toda a organização pedagógica.
Essa hegemonia se consolida, apesar de as ideias fincadas nos
ideários democráticos já fazerem parte do contexto das discussões
estadunidenses sobre a organização das formações.
É assim que a aliança do econômico com o técnico-científico
predomina sobre os ideários de uma educação pautada em princípios
da democracia liberal, concebida naquela época e naquele contexto. O
currículo vai refletir isso até hoje, apesar de as contradições estarem
muito mais presentes no desenvolvimento do próprio campo e das
práticas.
Numa tentativa de dar mais visibilidade ao movimento histórico
do currículo, Pacheco (1996, p. 22) argumenta que Ralph Tyler, o
mais importante dos discípulos de Bobbitt, dando continuidade a
uma conferência realizada em Chicago, em 1947, com o intuito de
delimitar o campo curricular e de abordar teoricamente o ensino,
publica, dois anos depois, conjuntamente com Virgel Herrick, Toward
Improved Curriculum Theory. Quiçá, segundo Pacheco, não retirando
a importância das obras de Bobbitt e Dewey, o grande marco da
especialização curricular, ao salientar a necessidade de uma teoria
sobre currículo.
Importante configuração elucidativa nos traz Terigi (1996,
Inspirados nesta per-spectiva da organiza-ção da formação são os americanos que vão forjar a concepção de currículo como moder-namente conhecemos hoje, dando-lhe a feição de um artefato compro-metido com os ideários científicos e administra-tivos do início do século XX.
35PedagogiaUESC
2U
nida
de
p. 163). Segundo a distinção ternária dessa autora, podemos nos
reportar à origem do currículo a partir de três enfoques, segundo três
autores diferentes:
- se curriculum é a ferramenta pedagógica de massificação
da sociedade industrial, acharemos sua origem nos Estados
Unidos, em meados do século, como a encontra Díaz Barriga,
ou ainda um pouco antes, na década de 1920;
- se é um plano estruturado de estudos, expressamente referido
como curriculum, podemos achá-lo pela primeira vez em
alguma universidade européia, como propõe Hamilton;
- se é qualquer indicação do que se ensina, podemos chegar,
como Narsh, a Platão e, talvez, até antes dele.
3 A CRÍTICA ENTRA NA HISTóRIA DO CURRÍCULO
Quanto às teorias críticas do currículo, corporificadas na
segunda metade do século passado, Tomaz Tadeu da Silva (1999),
na sua relevante e formativa obra introdutória sobre o movimento
teórico do campo do currículo, argumenta que essas teorias efetuam
uma completa inversão nos “fundamentos das teorias tradicionais”
desse campo de reflexão das problemáticas educacionais.
Para Silva, os modelos como o de Ralph Tyler – que percebe
o currículo como um artefato neutro, inocente e desinteressado - não
estavam preocupados em fazer qualquer tipo de questionamento mais
radical aos arranjos educacionais existentes, às formas dominantes
de conhecimento ou, de modo mais geral, à forma social dominante.
É neste contexto que a concepção formalista de currículo, que Tomaz
Tadeu da Silva chama de
Inspirados nesta perspectiva da organização da for-mação são os americanos que vão forjar a concepção de currículo como modernamente conhecemos hoje, dando-lhe a feição de um artefato comprometido com os ideários científicos e administrativos do início do século XX.
“tradicional”, vai tomar o status quo como referência;
privilegiando, acima de tudo, o fazer técnico no âmbito das práticas e
reflexões curriculares.
Outrossim, o que costumamos chamar de teoria crítica em
currículo carrega um movimento que vai desde as reflexões que
vinculam as concepções e os atos de currículo à dinâmica de produção
É aí que o ângulo muda e se reconfigura, e a atenção da teoria crítica volta-se para compre-ender o que o currículo faz com as pessoas e as instituições e não ape-nas como se faz o cur-rículo.
36 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | História do Currículo
da lógica capitalista, passando por uma identificação dessa lógica
capitalista como uma cultura que se reproduz na escola. Os quais o
conceito de hegemonia e resistência dinamiza o entendimento de que
são as ações coletivas que fazem a mediação dos processos de luta
no campo contraditório das relações de poder no currículo.
Nesta perspectiva, a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt,
desenvolvida através de uma visão de oposição clara à cultura
de massa e à tecnificação alienante da sociedade moderna e à
razão iluminista, vai desempenhar também um papel estruturante
significativo na constituição da atitude crítica, principalmente através
do pensamento de Adorno, Horkheimer e Benjamim.
É justamente Henri Giroux, emérito teórico crítico do currículo,
quem primeiro vai refletir essas influências, de forma mais densa,
nos seus trabalhos em currículo, falando de uma “pedagogia das
possibilidades”. Tomando de empréstimo a noção de “esfera pública”
em Habermas, Giroux vai argumentar em favor de um currículo como
“esfera pública democrática”.
Fora do contexto marxista, que toma categorias objetivas de
classe como forma de compreender a dinâmica reprodutivista da
educação pelas relações de produção e culturais surgem os ditos
“reconceptualistas”, nos Estados Unidos - William Pinar, principalmente,
acompanhado de Joel Martins no Brasil - que, utilizando-se da
fenomenologia e dos instrumentos de uma hermenêutica crítica,
passam a denunciar o aspecto burocrático-administrativo do currículo
como meio de controle pelas noções de eficiência e controle.
Os “reconceptualistas” reivindicam, por via das influências
de filósofos como Dilthey, Husserl, Heidegger e Merleau-Ponty,
uma visão de currículo pautada no reconhecimento de que somos
seres de subjetividade e que construímos o conhecimento de forma
intersubjetiva, trazendo para a cena da compreensão do currículo a
importância da linguagem e da intersubjetividade. Neste sentido, o
ator/autor aprendente não deve ser olhado como um “idiota cultural”
(H. Garfinkel), ou seja, um ser sem capacidade de sistematizar
e compreender bem as realidades em que vive, encerrado nas
burocracias que concebem e instituem o currículo.
O intercâmbio entre “reconceptualistas” e neomarxistas, nos
Estados Unidos, passa a ser dificultado pela não possibilidade de
praticarem uma certa visão epistemológica multirreferencial de suas
compreensões. Faz-se necessário dizer que todas as duas correntes,
mesmo que nascidas de pressupostos diferentes, guardem uma
intenção clara de desreificar a burocracia e as formas de relação
estabelecidas pelos atos de currículo nas sociedades capitalistas,
37PedagogiaUESC
2U
nida
de
bem como exercem uma clara atitude de inconformismo com as
consequências desse tipo de organização para os segmentos sociais
não hegemônicos.
É entre os denominados “Novos Sociólogos da Educação” na
Inglaterra que vai se tentar uma articulação entre as teorias de base
sociointeracionista e de inspiração neomarxista. Madam Sarup, Peter
Woods, Nell Keddie, Geoffrey Esland e Basil, Berstein são os principais
nomes. O principal arquiteto dessa corrente, Michael Young, toma
uma orientação mais estruturalista, centrando-se na preocupação em
refletir as conexões entre currículo e poder, entre a organização do
conhecimento e a distribuição do poder. É central para a analítica
de Young a pergunta: por que a algumas disciplinas se atribui mais
prestígio do que a outras? No momento, um dos projetos de Young
tem sido o de construir o que ele denomina de uma “teoria crítica do
aprendizado”, expresso na sua obra “O Currículo do Futuro. ‘ Da nova
sociologia da educação’ a uma teoria crítica do aprendizado (YOUNG,
2000).
4 RUMO A UMA CRÍTICA AOS ExCESSOS ExPLICATIVOS DO CURRÍCULO
Em parte, este é o conjunto de sentidos que antecede e
afeta o forte e plural movimento crítico-multicultural que impacta as
reflexões e ações críticas em currículo hoje.
Em termos contemporâneos, também nos encontramos
discutindo as potencialidades educativas e políticas do que se está
chamando abordagens pós-formais, pós-críticas e pós-estruturalistas
em currículo, as quais, articuladas a uma perspectiva crítica ampliada,
e ligadas às pautas teóricas e agendas propositivas multiculturais e
desconstrucionistas que hoje circulam no mundo, essas visões vão
possibilitar uma maior ampliação participativa no que concerne à
reflexão do campo curricular; desestabilizam a linearidade de análise
e propostas e tentam colocar uma última pá de cal nas perspectivas
hierarquizantes e prometeicas que configuram historicamente as
compreensões e práticas do currículo.
Polêmicas, algumas dessas abordagens são muitas vezes
acusadas de serem por demais textualistas, localistas e a-políticas,
porquanto, em geral, desprezam as análises que valorizam os
processos sociais de totalização que estruturam a sociedade e
configuram o currículo e sua dinâmica. Entretanto há de se afirmar
a pluralidade dessas posições, onde habitam também, por exemplo,
Faz-se necessário pon-tuar que esses autores vão tratar o currículo, acima de tudo, como uma construção social, a partir da influência forte das ideias de Luck-mann e Berger, na obra “A Construção Social da Realidade” (1983). Vão forjar a denominação de “currículo oculto” preocupados que esta-vam em desnaturalizar e problematizar os me-canismos encobertos de poder que no currículo, acabam por influenciar visões de mundo, de so-ciedade, de homem e de educação pelos atos de currículo.
38 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | História do Currículo
abordagens neomarxistas.
5 O CURRÍCULO NO BRASIL
No caso da história do pensamento curricular no Brasil, Lopes
e Macedo (2002, p. 13) explicitam que as primeiras preocupações
com o currículo no Brasil datam dos anos 20.
Apenas na década de 80, com o início da democ-ratização do Brasil e o enfraquecimento da Guerra fria, a hegemonia do referencial funcionalista norte-americano foi abalada. Nesse momento ganharam força no pensamento curricular brasileiro as ver-tentes marxistas. Enquanto dois grupos nacionais – pedagogia histórico-crítica e pedagogia do oprimido – disputavam hegemonia nos discursos educacionais e na capacidade de intervenção política, a influência da produção da língua inglesa se diversificava, inclu-indo autores ligados à Nova Sociologia da Educação inglesa e à tradução de textos de Michael Apple e Henri Giroux. Essa influência não mais se fazia por processos oficiais de transferência, mas sim subsidi-ados pelos trabalhos de pesquisadores brasileiros que passavam a buscar referências no pensamento crítico. Esse processo menos direcionado de integ-ração entre o pensamento curricular brasileiro e a produção internacional permitia o aparecimento de outras influências, tanto da literatura de língua francesa quanto de teóricos do marxismo europeu (LOPES; MACEDO, 2002, p. 13-14).
Conforme Lopes e Macedo (2002, p. 16):
No fim da primeira metade da década de 1980, a tentativa de compreensão da sociedade pós-indus-trial como produtora de bens simbólicos, mais do que bens materiais, começa a alterar as ênfases até então existentes. O pensamento curricular começa a incorporar enfoques pós-modernos e pós-estrut-urais, que convivem com as discussões modernas. A teorização curricular passa a incorporar o pensam-ento de Foucault, Derrida, Deleuze, Guattari e Morin. Esses enfoques constituem uma forte influência na década de 1990, no entanto, não podem ser enten-didas como um direcionamento único do campo. As teorizações de cunho globalizante, seja das vertentes funcionalistas, seja da teorização crítica marxista, vêm se contrapondo a multiplicidade característica da contemporaneidade. Tal multiplicidade não vem se configurando apenas como diferentes tendências
Desde então, até a década de 1980, o cam-po do currículo foi mar-cado pela transferência instrumental de teoriza-ções americanas. Essa transferência centrava-se na assimilação de modelos para a elabo-ração curricular. Era viabilizada por acordos bilaterais entre gover-nos brasileiros e norte-americanos dentro do programa de ajuda à América Latina.
Crítica, cotidiano e pro-cesso são categorias que vão compor os es-tudos do currículo entre nós, num caminhar de superações das pers-pectivas pautadas nas visões reprodutivistas, por muito tempo predo-minantes neste campo. A partir dos anos 1990, o pensamento curricular brasileiro vai optar por uma análise predomi-nantemente sociológica e antropológica, acres-cidas de um interesse marcante em desvelar a função do poder na realidade curricular. O currículo passa a ser considerado um texto político, ético, estético e cultural, vivido na ten-são das relações de in-teresse educativo prota-gonizado pelos diversos grupos sociais.
39PedagogiaUESC
2U
nida
de
e orientações que se inter-relacionam produzindo hí-bridos culturais. Dessa forma, o hibridismo do campo parece ser a grande marca do campo no Brasil na segunda metade da década de 1990.
Dentro do esforço de marcar historicamente o campo
curricular no Brasil, Lopes e Macedo (2002) vão destacar os estudos
do grupo liderado por Antônio Flávio Moreira, na medida em que esse
pesquisador buscou repensar o conceito de transferência, estudando
o desenvolvimento do campo na década de 1990, tanto no que
concerne ao pensamento curricular quanto focalizando o ensino de
currículo em universidades do Rio de Janeiro. Segundo as autoras,
recentemente, o grupo liderado por Moreira tem buscado analisar
como a temática do multiculturalismo tem penetrado na produção
brasileira de currículo, trabalhando fundamentalmente com o conceito
de hibridismo e introduzindo preocupações com a discussão sobre
identidade.
Mesmo reconhecendo que o hibridismo de diferentes tendências
vem garantindo um maior vigor ao campo, Lopes e Macedo observam
uma certa dificuldade na definição do que vem a ser currículo.
Para além da preocupação epistemológica, para nós, essa questão
se transforma numa séria preocupação político-pedagógica, como
argumentamos anteriormente, até porque a dificuldade da definição
vem amplamente por um descompromisso em distinguir bem, como
consequência da aprendizagem aprofundada e relacional.
Entre nós, no âmbito da Linha de pesquisa de Currículo e (In)
formação do Programa de Pós-graduação em educação da FACED/
UFBA, um exemplo do movimento pós-formal, tomando a história
da teoria crítica do currículo como inspiração fundante, é construído
no Grupo de Pesquisa FORMACCE, Grupo de Pesquisa em Currículo,
Complexidade e Formação, onde coordenamos pesquisas, estudos
e formações, com ênfase no estudo do currículo e da formação de
professores. Aqui, constroem-se as perspectivas multirreferencial e
intercrítica em currículo, com uma ênfase teórica e de pesquisa para
o estudo dos atos de currículo, na medida em que entendemos serem
os currículos em ato, plasmados nos seus contextos formativos; nas
suas diversas perspectivas; nos seus movimentos ambivalentes e
contraditórios, que acabam por orientar/forjar as formações imersas
numa certa cultura educacional, em geral vinculada, de alguma
forma, a processos de totalização social.
O conceito de multirreferencialidade é também cultivado no
âmbito dos trabalhos de pesquisa e formação acadêmica dos nossos
colegas da REDEPECTE-FACED/UFBA, Grupo de Pesquisa liderado pela
40 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | História do Currículo
professora Teresinha Fróes Burnham, advindo daí uma preocupação
em articular currículo, tecnologia e trabalho a partir dos complexos
espaços contemporâneos de aprendizagem.
Compreendemos, a partir dessa perspectiva, que é a crítica
multirreferencializada enquanto intercrítica, e sua pertinência
compreensiva, heurística e política, desvinculada do excesso iluminista,
enquanto exercício dialógico e descentrado de re-existência, quem
potencializa a elucidação solidária e a edificação de realidades
curriculares, onde a mutualidade eticamente orientada deve aparecer
como um valor formativo principal na relação com o conhecimento e
as formações a serem desenvolvidas (MACEDO, 2005).
Por concluir, entendemos que esse argumento histórico
elucidativo deságua num presente que nos autoriza a dizer que
os estudos curriculares se constituem num campo de atividades
educacionais, por sua densidade, complexidade e pelo poder que
emana, como configurador sociopedagógico significativo da educação
e das formações, demandando um processo de aprofundamento e
debate equivalente a sua importância política e socioeducacional na
contemporaneidade.
ATIVIDADES
1. Por que o currículo não é um tema educacional novo?
2. Quais as características trabalhadas pelo texto do currículo
moderno?
3. Discuta com seus colegas as características da disciplina como
principal organizadora do currículo moderno.
4. Elenque e discuta com seus colegas as necessidades de
superação da disciplina como única possibilidade de constituição
dos currículos contemporâneos.
5. Caracterize o movimento crítico do currículo e suas principais
características.
ATIVIDADES
41PedagogiaUESC
2U
nida
de
RESUMINDO
Vimos que, desde a Grécia clássica, o tema currículo já
estava presente visto como um plano de estudo. A partir da idade
média percebe-se mais claramente a necessidade de se subdividir
o conhecimento para que a formação fosse dirigida para alguns
segmentos sociais, de acordo com a valorização que a sociedade
construía a respeito desses segmentos.
É também a partir dessa lógica que o currículo chega à
modernidade, como uma apropriação que os americanos fazem da
forma como protestantes europeus organizam o conhecimento nas
escolas, com objetivo de oferecer uma educação calvinista aos jovens.
Vimos que, já nesta descrição histórica, o currículo sofre influências
das crenças e ideologias da sociedade onde se organiza a educação.
Aqui, como na idade média, é a religião que define o currículo.
Mas é no contexto americano do norte que o currículo pedagógico
e cientificamente concebido vai tomar a forma predominante que
hoje conhecemos. Herdando a lógica das disciplinas científicas
forjadas pela ciência moderna e a reconfigurando de acordo com a
organização escolar da época, o currículo será concebido, organizado
e implementado predominantemente com a lógica de funcionamento
da indústria americana. A aprendizagem mediada pelo currículo
teria que ser expressa com eficiência e produtividade de acordo
com o que se ensinava. É assim que a disciplina se impõe como a
maneira mais eficaz de se organizar os conhecimentos curriculares.
Fragmentação e aprofundamento, tomando como referência única os
saberes livrescos dominam a forma como os currículos são concebidos
até hoje.
Entretanto, a partir da metade do século passado, movido
pelas correntes críticas do marxismo, que nos mostram o quanto
os currículos legitimam a divisão injusta da sociedade capitalista
em classes, bem como pelos movimentos sociais em favor de mais
liberdade e autonomia dos cidadãos, tanto na Europa quanto nos
Estados Unidos, atingem os estudos curriculares; forjando, neste
contexto histórico, as teorias críticas do currículo.
Neste momento, não bastava mais se perguntar como se deveria
fazer pedagogicamente um currículo, se perguntava com veemência:
o que é que os currículos fazem com as pessoas? Reconhece-se, neste
momento, o poder agindo no currículo e suas configurações, como
algo fundamental para se compreender e se intervir nele.
A este movimento se agrega outras abordagens críticas,
RESUMINDO
42 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | História do Currículo
ditas pós-críticas. Nesta abordagem, a própria teoria crítica vai ser
reavaliada, principalmente naquilo que expressa como verdades
excessivas, assim como as questões culturais entram no currículo
como questões importantes para se discutir o conhecimento e suas
formas plurais na formação. Percebe-se, a partir daqui, uma forte
tendência para democratização curricular.
LEITURAS COMPLEMENTARES
GOODSON, I. Currículo: teoria e história. Tradução de Attílio
Brunetta. Petrópolis: Vozes, 1998.
LOPES, A. MACEDO, E. “O pensamento curricular no Brasil”. In:
Lopes, A; Macedo; E. (Orgs.). Currículo: debates contemporâneos.
São Paulo: Cortez, 2002, p. 13-54.
FILME RECOMENDADO
Sociedade dos Poetas Mortos – Direção de Peter Weir, o filme
mostra-nos como se realiza uma formação simbolicamente violenta
numa escola americana da metade do século XX. Neste contexto
desenvolve-se no filme a história do professor John Keaten, que tem
como princípio uma educação radicalmente dialógica e a constituição
de atos de currículo para a autonomia. São profundas e comoventes
as contradições e consequências existenciais que o enredo do filme
nos oferece, enquanto possibilidades reflexivas para um currículo por
possibilidades autorizantes. As cenas nos permitem ainda, analisar as
formas de avaliação que emerge das práticas curriculares mostradas.
SITES RECOMENDADOhttp://www.mundoeducacao.com.br/educacao/o-curriculo-na-
educacao-infantil.htm
http://www.espacoacademico.com.br/096/96nery.htm
LEITURA COMPLEMENTAR
FILME RECOMENDADO
SITE RECOMENDADO
43PedagogiaUESC
2U
nida
de
REFERÊNCIAS
BERGER, P. LUCKMANN, T. A construção social da realidade.
Tradução de Sílvia Porto. Petrópolis: Vozes, 1983.
GALLO, S. “A orquídea e a vespa: transversalidade e currículo
rizomático”. In: GONSALVES, E.; PEREIRA, M.; CARVALHO, M.
Currículo e Contemporaneidade: questões emergentes. Campinas:
Alínea, 2004, p. 37-50.
GOODSON, I. Currículo: teoria e história. Tradução de Attílio
Brunetta. Petrópolis: Vozes, 1998.
LOPES, A. MACEDO, E. “O pensamento curricular no Brasil”. In: LOPES,
A.; MACEDO, E. (Orgs.). Currículo: debates contemporâneos. São
Paulo: Cortez, 2002, p. 13-54.
MACEDO, R. S. Atos de currículo. Educação intercrítica como práxis
identitária. 2005.
PACHECO, J. A. Currículo: teoria e práxis. Porto: Porto Editora, 1996.
SILVA, T. T. Documentos de identidade. Uma introdução às teorias
do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
TERIGI, F. “Notas para uma genealogia do curriculum escolar”. In:
Educação & Realidade, Porto Alegre, 21 (1):159-186, Jan.,/jun.,
1996.
YOUNG, M. O Currículo do Futuro. Da “Nova sociologia da educação”
a uma teoria crítica do aprendizado. Tradução de Roberto Leal Ferreira.
Campinas: Papirus, 2000.
REFERÊNCIAS
44 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | História do Currículo
Suas anotações
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
1 O CURRÍCULO E SEUS SENTIDOS TEóRICOS Podemos dizer que é a própria configuração do mundo
contemporâneo, junto a uma nova ética da relação com os saberes,
o conhecimento científico e a formação, que vêm fazendo com
que o estudo e as práticas curriculares se transformem num tenso
e sedutor campo de inovações e debates. Se nesse movimento
temos a oportunidade ímpar de mudar a história extremamente
hierarquizante, excludente, rígida e fragmentária que marcou a ação
pedagógico-curricular, temos, na mesma proporção, um hercúleo
compromisso político, ético e pedagógico de instituirmos percepções,
políticas e práticas capazes de assegurar a responsabilidade
com uma aprendizagem consistente e qualificada, que garanta
competência e formação cidadã conectada aos grandes desafios que
a contemporaneidade se nos apresentam.
UNIDADE III
O CURRÍCULO ESEUS SENTIDOS TEóRICOS
OBjETIVOEsta unidade tem como objetivo proporcionar com densidade
e debate o conhecimento teórico do campo curricular, trazendo
para reflexões mais aprofundadas temas como a disciplina, as
tentativas de sua superação pedagógica: interdisciplinaridade,
transdisciplinaridade, assim como as teorias críticas do currículo
e seus fundamentos.
47PedagogiaUESC
3U
nida
de
2 A DISCIPLINA: FOCO E PROBLEMáTICA
Estamos vivendo um verdadeiro ataque às lógicas disciplinares
que secularmente organizam os curricula. Já está claro o quanto a
perspectiva disciplinar fragmentou o currículo, bem como organizou
nossa maneira de perspectivar o mundo, de forma predominantemente
antinômica, bipolar, portanto. Aprendemos a olhar a realidade
em muito por essa lógica, separamos muitas vezes o inseparável,
porque a disciplina nos ensinou assim. Desta forma, num mundo que
experimenta tamanho processo de escolarização, nunca tivemos tão
expostos às lógicas curriculares, predominantemente fragmentárias.
Essa realidade nos diz da responsabilidade do currículo por aquilo que
pensamos e fazemos nesta conjuntura histórica.
Por mais relacional que sejam as emergências da disciplina
científica e da disciplina curricular, é bom distinguir as dinâmicas das
suas construções. Essas dinâmicas nos pedem compreensões mais
aprofundadas, tanto histórica quanto epistemologicamente. Entre os
estudiosos do currículo já existe uma compreensão de que a disciplina
escolar não é uma tradição monolítica, portanto não é única, tendo
como espelho a disciplina acadêmica ou científica. Segundo Lopes e
Macedo (2002, p. 80) “não se trata de uma ‘tradução’ de um corpo
de conhecimentos para o nível escolar. Ao contrário, a disciplina
escolar é construída social e politicamente, de forma contestada,
fragmentada e em constante mutação.” Esse argumento nos diz de
uma inteligibilidade da lógica disciplinar que tem muito a ver com
o institucional escolar e acadêmico, suas características materiais e
ideológicas.
Por outro lado, não se pode negar uma identificação socialmente
construída entre a disciplina escolar e a disciplina científica, mesmo
que aquela seja ainda hoje identificada, predominantemente, como
uma tecnologia de organização curricular. É bom pontuar, que essa
realidade não pode retirar a análise da lógica e ação disciplinares de
uma vinculação com um contexto mais amplo, onde a distribuição dos
saberes está imbricada à reprodução social e seus interesses tácitos
ou explícitos. Para Macedo e Lopes (2002, p. 83) “A organização
disciplinar do currículo funciona, assim, como um arquétipo (grifo
nosso) da compartimentação do conhecimento na sociedade
moderna”.
Para Veiga-Neto:
As disciplinas modernas ‘ funcionam como códigos
de permissão e interdição’ (Elias, 1989, p. 529) e,
A lógica disciplinar não é fruto apenas da história do campo curricular, é necessário afirmar. A ló-gica da ciência moderna criou a ideia de discipli-na, a escola se apropriou dela e a fez segundo suas culturas pedagógi-cas, assim como temos uma civilização ociden-tal pautada na cosmovi-são disciplinar. Isso nos mostra a dimensão e a complexidade da sua su-peração em termos de lógica da relação com o conhecimento eleito como formativo: ou seja, o currículo.
É assim que Goodson (1997) considera que a fragmentação, propicia-da pela disciplinarização, isola os atores curricu-lares no espaço de cada disciplina, dificultando o debate mais ampliado sobre os objetivos so-ciais do ensino e contri-buindo para a estabili-dade da fragmentação por nós vivenciada como uma maneira predomi-nante de formação.
48 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos I
nesse sentido, funcionam quais uma matriz de fundo.
É justamente aí que se articulam a disciplinaridade
moderna dos saberes com a disciplinaridade moderna
dos corpos... (1999, p. 14).
Conclui-se, assim, que a prática disciplinar e sua força
simbólica constituem-se numa estrutura significativa para dificultar as
iniciativas não-disciplinares. Nesses termos, a nossa hipótese é que
as práticas disciplinares por muito tempo ainda guiarão as concepções
e implementações curriculares. Ou seja, o currículo oculto disciplinar
dirá, durante um tempo significativo, como devemos organizar as
nossas formações, por mais que reconheçamos o importante e
construtivo movimento relacional não-disciplinar que habita hoje
o argumento epistemológico e formativo e, por consequência, as
práticas curriculares.
O que nos parece ainda importante enfrentar, no que concerne
à lógica disciplinar, é a ideia positivista de que a disciplina representa
a própria realidade a ser conhecida por um processo de transmissão
de verdades perenes, ou que a disciplina é a última fronteira do
conhecimento a ser veiculado sobre essa mesma realidade. É preciso
destituir esse poder veiculador da disciplina, para que possamos
multirreferencializar o currículo e torná-lo lugar da solidariedade
epistêmica, face à heterogeneidade irredutível das experiências
curriculares e formativas e a necessidade histórica de constituirmos
múltiplas justiças curriculares, inspirando-nos em Connell, ou seja,
formas de justiça que alcancem todos os segmentos sociais.
3 A PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
Fazendo uma leitura crítica de como a disciplina fragmentou para
“conhecer de forma clara e distinta”, essa perspectiva vem propor a
superação dessa fragmentação, argumentando e criando dispositivos,
onde as disciplinas são chamadas a dialogar, a se interfecundar no
intuito de melhor compreender muitas das realidades, que hoje, pelas
suas complexidades, revelam-se impossíveis de serem explicitadas e
resolvidas por visões pautadas na perspectiva monodisciplinar.
Neste caso, cada disciplina, a partir da sua concepção
epistemológica e pedagógica, oferece a sua contribuição e se abre à
contribuição de outras disciplinas.
Há neste esforço o objetivo de se chegar a uma compreensão
em que a unidade perdida pela hiperespecialização das disciplinas
Assim, a noção-chave da interdisciplinaridade é a interação entre as dis-ciplinas, que pode ir da simples comunicação de ideias até a integração mútua dos conceitos, da terminologia, da meto-dologia, dos procedimen-tos.
49PedagogiaUESC
3U
nida
de
seja recuperada em prol de uma visão que globalize os saberes
e construa unidades de conhecimento, edificadas pelo encontro
interfecundante entre as disciplinas. Os trabalhos da professora Ivani
Fazenda e seu grupo de pesquisa são emblemáticos para se entender
o acolhimento, os limites e a amplitude dessa perspectiva curricular
(FAZENDA, 1991).
Para se chegar a este ideal, vários são os dispositivos didático-
pedagógicos que possibilitam a interação e a interfecundação desejada,
enquanto processo de interconhecimento: o trabalho pedagógico com
projetos, o ensino por problemas e por problematização; por temas
geradores etc. São dinâmicas pedagógicas que fazem as disciplinas
confluírem interativamente.
Para alguns curricologistas mais voltados para uma perspectiva
onde a diferença e não a identidade aparece como fundante na
constituição curricular, a interdisciplinaridade é um ideário pedagógico
que cultiva a utopia de alcançar uma certa unidade perdida,
constituída na esperança de que, na reunião dialógica de várias
disciplinas, se consiga um objetivo formativo unificado. Há que se
pontuar, entretanto, que a polissemia nesta discussão é considerável.
Existem perspectivas interdisciplinares que não vão nesta direção,
visam atingir compreensões mais relacionais, sem, entretanto,
vislumbrarem a constituição de unidades fixas e fundadas numa
pretensa totalização ou unificação dos conhecimentos. Temos que
destacar, que a perspectiva interdisciplinar é uma releitura crítica da
lógica disciplinar que organiza a educação. Com algumas superações,
a interdisplinaridade traz consigo, dialeticamente, a necessidade de
se levar em consideração, ainda, a disciplina.
4 A PERSPECTIVA TRANSDISCIPLINAR
Essa elaboração tem, na realidade, a intenção de colocar a
perspectiva da transdisciplinaridade em um outro lugar, diferente
da necessidade de se alcançar, por coerência uma compreensão
unificante, como algumas análises pretendem colocar. Vejamos
por exemplo, o segundo artigo da “Carta de Transdisciplinaridade”,
redigida por Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu (1994,
p. 2).
Ademais, o que se percebe de forma enfática é que a origem
desse pensamento não emerge de uma epistemologia desvinculada
da necessidade de enfrentarmos os desafios que a modernidade
tardia se nos apresenta. Nestes termos, o que os pensadores da
50 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos I
transdisciplinaridade almejam é o enfrentamento ético-político,
epistemológico e formativo das questões humanas e planetárias que
em larga escala atingem as pessoas, suas sociedades e ecologias, e que
a lógica disciplinar não absorve nem alcança. Violência, intolerância,
destruição do ecossistema, fazem parte dos desafios que clamam por
um olhar transdisciplinar, e que não descarta o multirreferencial no
segundo artigo da “Carta de Transdisciplinaridade”.
Jacques Ardoino (2001, p. 549), o principal pensador do conceito
de multirreferencialidade, inspirado na heterogeneidade irredutível
e na pluralidade como fundante da formação e da educação, fala
de uma “Transdisciplinaridade não homogeneizadora”, ao participar
da rica coletânea coordenada por Edgar Morin com o título de: “A
religação dos Saberes”:
Querer unir os saberes (tema dessa jornada) não acarreta o desenvolvimento de uma transdiscipli-naridade homogeneizadora, mas leva, isso sim, a situá-los com precisão uns em relação aos outros em função de suas alteridades históricas, antropológicas e epistemológicas (sem por isso, excluir suas pos-sibilidades de alteração mútua)... Georges Lerbert retoma, a propósito da transdisciplinaridade, o tema bachelardiano de uma poética da ciência. O conjunto torna assim, para nossa inteligência, uma unidade relativamente autônoma, superior ou não à organiza-ção anterior de que provém (por exemplo, o fenôme-no biológico, o ser vivo, em relação à sua materiali-dade físico-química), mas conservando também em sua memória os traços de sua heterogeneidade con-stitutiva. É este salto qualitativo, e apenas ele, que vai atestar a passagem de um paradigma a outro... A unidade e a diversidade devem então reencontrar-se, conciliadas no seio de uma unitas multiplex.
Ao falar de uma nova transdisciplinaridade Morin (2002, p. 52)
argumenta:Para promover uma nova transdisciplinaridade pre-cisamos de um paradigma que, certamente, permita distinguir, opor, mas que, também, possa fazê-los co-municarem-se entre si, sem operar a redução...que conceba os níveis de emergência da realidade sem reduzi-los às unidades elementares e às leis gerais...Consideremos os três grandes domínios da Física, Biologia e Antropossociologia. Como fazer para que eles se comuniquem? Sugiro que essa comunicação seja feita em circuito. Primeiro movimento: é preciso enraizar a esfera antropossocial na esfera biológica, porque somos seres vivos, animais sexuados, verte-brados, mamíferos, primatas. De modo semelhante, é preciso enraizar a esfera viva na physis, porque,
51PedagogiaUESC
3U
nida
de
se a organização viva é original em relação a toda organização físico-química, ela é também uma orga-nização físico-química, saída do mundo físico e de-pendente dele. Operar o enraizamento não implica operar nenhuma redução: não se trata de reduzir o humano a interações físico-químicas, mas se recon-hecer os níveis de emergência dessas interações... é preciso também, nesse movimento, enraizarmos o conhecimento físico e biológico numa cultura, numa sociedade, numa história, numa humanidade.
Em termos curriculares, da nossa perspectiva, não é necessário
transformar a perspectiva transdisciplinar numa imposição totalizante,
mas reconhecer o seu potencial elucidativo e formativo, na medida
em que essa perspectiva não quer fornecer fórmulas pragmáticas de
um pensamento, mas mobilizar a cooperação e a interfecundação
de saberes para compreender a partir do que é produzido pelas
interações entre eles, sem desprezar as especificidades.
Um currículo transdisciplinar trabalha com as sínteses
possíveis, com as relações possíveis, porque contextuais, históricas
e políticas, sínteses essas requeridas pelas problemáticas humanas e
seus desafios.
A transdisciplinaridade busca, na realidade, aquilo que o
próprio Morin chama de Unitas Multiplex, a unidade na multiplicidade,
não como uma unidade fixa, somatório perfeito, mas algo que como
um complexo contenha a singularidade e se constitua no e com o
plural; com e no movimento, realizando diferentes configurações.
A narrativa que se segue é emblemática do conteúdo
epistemológico, formativo e político que a transdisciplinaridade
moriniana almeja.
Penso no que dizia meu amigo, astrofísico Michel Cassé. Durante um banquete, um famoso enólogo lhe havia perguntado o que um astrofísico via em sua taça de bordeaux. Ele respondeu: ‘Vejo o nasci-mento do universo já que vejo as partículas que se formaram nos primeiros segundos. Vejo o sol ante-rior ao nosso já que os átomos de carbono se for-maram no interior da forja desse sol que explodiu. Depois o carbono chegou nessa espécie de lata de lixo cósmico que foi a origem da terra. Vejo também a formação das macromoléculas. Vejo o nascimento da vida, o desenvolvimento do mundo vegetal, a do-mesticação da vinha nos países mediterrâneos. Vejo o desenvolvimento da técnica moderna que permite hoje controlar de forma eletrônica a temperatura de fermentação nas cubas. Vejo toda a história cósmica e humana nessa taça de vinho. Em resumo, o que ele
Vejamos outra narrativa elucidativa de Edgar Mo-rin (2002, p. 67): “Creio que nesse momento re-ligar e problematizar caminham juntos. Se eu fosse professor, ten-taria religar as questões a partir do ser humano, mostrando-o nos seus aspectos biológicos, psi-cológicos, sociais. Desse modo, poderia acessar as disciplinas, mantendo nelas a marca humana e, assim, atingir a unidade complexa do homem...”
52 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos I
via era a taça de um sublime vinho bordeaux. Sem tentar pensar em tudo isso quando bebemos uma taça de vinho, é necessário religar, assim como reconhecer nosso lugar no universo. Tornamo-nos relativamente estrangeiros nesse universo. Somos diferentes dos animais pela consciência, pela cultura e por nossa vontade de conhecer. Queremos assim, tentar construir uma sociedade um pouco menos in-umana, fundamentada em relações um pouco menos ignóbeis (EDGAR MORIN, 2002, p. 67-68).
5 AS TEORIAS CRÍTICAS DO CURRÍCULO
Ao fazerem a crítica às visões tecnicista e classista de
currículo, veiculadas por Bobbitt e Tyler, os teóricos críticos liderados,
principalmente, por Michael Apple e Henri Giroux, curricologistas
americanos, vão indagar sobre o que é que o currículo faz com as
pessoas, antes mesmo de se interessarem sobre como se faz o
currículo. Essa mudança ideológica faz com que a crítica implemente a
construção de uma outra concepção de currículo, agora desvinculada
de qualquer perspectiva neutral, ou seja, vinculada a ideias de que os
curricula são opções formativas que trazem consigo ideologias e formas
instituintes de poder pautadas na opção de formar para legitimar
e perpetuar as relações de classe estabelecidas pelas sociedades
capitalistas, sem que isso, muitas vezes, esteja explicitado.
Assimilando a ideia de que o currículo reproduz a sociedade,
sua estrutura e dinâmica, seja em níveis classistas, seja em níveis
de outras formas de hierarquização, como as exclusões étnico-
raciais, por exemplo, a crítica curricular denuncia também o processo
de homogeneização veiculado pelo currículo, em favor dos grupos
hegemônicos e suas cosmovisões. Reivindica enfaticamente que as
formações assumam a preparação para uma competência política
capaz de desvelar as injustiças e, via o ato educativo, afirmar
políticas justas, tomando como referência a heterogeneidade da
sociedade. Formação socialmente justa e aprendizagem com e pela
diferença constituem as pautas que sintetizam a proposta curricular
crítica. Aqui a formação é, em muito, a construção de um senso
crítico construído a partir de uma compreensão radical do que seja
histórica e socialmente as ideologias das sociedades capitalistas e
suas políticas de configuração.
Esse conjunto de argumentos tem sua inspiração inaugurada,
podemos dizer, pelos trabalhos de Apple, nos Estados Unidos. Apple
toma como ponto de partida os elementos centrais da crítica marxista
Nesta perspectiva, o cur-rículo passaria a ser uma forma de práxis social orientada para o desvela-mento das desigualdades sociais e a preparação para uma ação intelec-tualmente competente visando a transformação de uma educação forja-da na seleção social e na hierarquização de pesso-as e suas classes sociais.
53PedagogiaUESC
3U
nida
de
da sociedade. A dinâmica da sociedade capitalista gira em torno da
dominação de classe, da dominação dos que detêm o controle da
propriedade dos recursos materiais sobre aqueles que possuem apenas
sua força de trabalho. Para este raciocínio há uma clara conexão
entre a forma como a economia está organizada e a forma como o
currículo está organizado. Em Apple, por outro lado, essa ligação não
é uma ligação de determinação simples e direta. A preocupação em
evitar uma concepção mecanicista e determinista dos vínculos entre
produção e educação segue o seu pensamento desde seus primeiros
escritos. Para esse curricologista, não é suficiente postular um vínculo
entre, de um lado, as estruturas econômicas, de outro, a educação
e o currículo. Esse vínculo é mediado por processos que ocorrem no
campo da educação e do currículo e que são aí ativamente produzidos;
é mediado pela ação humana, enfim.
Nas elaborações críticas de Apple, o importante é se perguntar
por que se elegem determinados conhecimentos como importantes
e outros não. Trata-se de saber: quais interesses orientaram a
seleção desses conhecimentos e a concepção do currículo? Quais são
as relações de poder envolvidas nesse processo que resultou nesse
currículo particular?
Para Apple, as ideologias presentes no que ele chamou de
conhecimento oficial, distribuído pela escola, é o interesse central de
uma teoria crítica do currículo. Para tanto, se apropria de forma densa,
dos argumentos sobre o poder nas relações educativas, assim como
do conceito de hegemonia tal como formulado por Antonio Gramsci,
de onde se pode fazer uma leitura da dinâmica da reprodução social
e da resistência nos cenários curriculares.
Um outro pensamento do campo curricular crítico se configura
a partir das obras de Henri Giroux. Tratando o currículo como política
cultural, inspirado pelos filósofos da Escola de Frankfurt como
Ardorno, Horkheimer e Marcuse, Giroux critica em toda a sua obra
a racionalidade técnica e utilitária curricular, assim como o habitus
positivista do currículo moderno. Reivindica que o campo do currículo
não pode deixar de tentar compreender as práticas curriculares via
uma análise histórica, ética e política. Segundo Silva (1999, p. 53),
“é no conceito de resistência [...] que Giroux vai buscar as bases
para desenvolver uma teorização crítica, mas alternativa, sobre a
pedagogia e o currículo”.
Influenciado de perto pelas ideias de Paulo Freire, a partir
das noções de libertação e ação cultural, Giroux vai atrelar a
pedagogia e o currículo ao campo da cultura, mais precisamente ao
campo de uma política cultural, diria mesmo da cultura politizada,
54 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos I
mostrando que a emergência do currículo se configura num campo
de disputa de significados. Nasce, desse veio argumentativo, a ideia
dos “professores como intelectuais transformadores” e de uma “
pedagogia de possibilidades emancipatórias”.
Necessário pontuar que Apple e Giroux mantêm um diálogo
contemporâneo teórica e politicamente importante com as pautas do
argumento pós-moderno em currículo, naquilo que, aceitando a crítica
das metanarrativas vindas dessa perspectiva, apontam também
as dificuldades de uma análise histórica, ausente nesses aportes
teóricos, e o excessivo textualismo que configura suas interpretações
da realidade.
Nos Estados Unidos, com Peter McLaren, e no Brasil, com
Antônio Flávio Moreira, a perspectiva crítica vai se conjugar com um
aporte multicultural que, sem abrir mão de uma leitura inconformada,
face às injustiças vividas pela educação forjada pelo ideário liberal-
capitalista, demonstra a necessidade de uma análise cultural do
currículo, na medida em que entendem com Giroux, por exemplo,
que a luta por significados é uma luta por recursos no campo político-
educacional.
ATIVIDADES 1. Para você qual é o papel das teorias do currículo e sua
importância?
2. Por que a disciplina se constituiu um elemento teórico
importante para teoria do currículo?
3. Como você caracterizaria a teoria crítica explicitada neste
primeiro bloco?
4. Qual a sua principal contribuição à teoria do currículo?
5. Construa, num debate com seus colegas, em grupo, uma
crítica ao currículo do seu atual curso. Após este debate, um
relator do grupo publicizará para todas as elaborações grupais,
abrindo um debate geral sobre todas as contribuições.
Tanto Apple como Gi-roux são estudiosos do currículo que, através de uma leitura crítica da história do currículo, in-serida nas contradições da sociedade capitalista e suas ideologias, pro-põem outra realidade curricular pautada nas justiças curriculares, como elabora Connell (1996), e nas constru-ções pedagógicas de inspiração crítico-eman-cipatórias.
ATIVIDADES
55PedagogiaUESC
3U
nida
de
RESUMINDONa medida em que a teoria crítica do currículo identificou no
conhecimento um poder considerável, vinculado às ações ideológicas
de quem o concebe, seja através dos interesses de classe social e
das culturas a que fazem parte, a disciplina também se tornou alvo
dessas críticas, ao se mostrar o quanto um currículo concebido de
forma disciplinar dificulta uma visão mais abrangente, mais conectiva
e ideologicamente mais profundo dos conteúdos educacionais e
as atividades ligadas a ele. Surgem, neste contexto, as propostas
interdisciplinares, transdisciplinares e multirreferenciais, motivadas
por esta crítica, bem como por entender que a disciplina, em si e por
si, como organizadora do currículo, não consegue proporcionar as
compreensões demandas por um mundo cada vez mais globalizado
e seus problemas fundados na diversidade das suas características.
Neste veio, descobre-se que, se o currículo não trabalhar com a
heterogeneidade articulada a uma educação em prol do bem comum
socialmente referenciado, estará fadado ao fracasso. Neste caso,
disciplinas terão que se articular, se conjugar, inclusive com saberes
não-disciplinares, nos diz a abordagem multirreferencial. É por este
argumento que se entende que nenhum saber por si só é capaz de
compreender uma realidade na sua complexidade.
LEITURAS COMPLEMENTARESAPPLE, M. Ideologia e currículo. Tradução de Maria Cristina
Monteiro. São Paulo: Brasiliense, 1982.
__________, Educação e poder. Tradução de Maria Cristina
Monteiro. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
MACEDO, R. S. Currículo, diversidade e equidade: luzes para uma
educação intercrítica. Brasília: Liber Livro; Salvador: EDUFBA, 2007.
_________, R. S. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis:
Vozes, 2009.
RESUMINDO
LEITURA COMPLEMENTAR
56 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos I
FILMES RECOMENDADOSA Casa dos Espíritos – com direção de Bille August, é baseado
no romance de Isabele Allende. A formação aparece aqui como
um fenômeno que se atualiza em personagens singulares, mas
marcados por uma época histórica caracterizada por saberes
conservadores violência social e corrupção, vividas no Chile dos anos
1920 aos anos 1970, anos em que a América Latina mergulha num
profundo e violento obscurantismo político e o presidente Salvador
Allende é deposto por um golpe militar. Ao lado disso, percebe-
se a construção socioexistencial através de saberes e de uma
formação pela contradição, pela transgressão, pela transcendência
e emancipação de personagens que cultivam a utopia de um mundo
social e existencialmente melhor, através de um “currículo” vivido no
movimento global da vida.
SITEShttp://www.curriculosemfronteiras.org/
http://www.globalcurriculum.net/pt/curriculo/
REFERÊNCIASMACEDO, R. S. Chrysallis. Currículo e Complexidade: a perspectiva
crítico-multirreferencial e o currículo contemporâneo. Salvador:
EDUFBA, 2005.
__________, Currículo: campo, conceito e pesquisa. 4. ed.
Petrópolis: Vozes, 2011.
__________, Compreender/mediar a formação: o fundante da
educação. Brasília: Liber Livro, 2010.
FILME RECOMENDADO
REFERÊNCIAS
SITE RECOMENDADO
57PedagogiaUESC
3U
nida
de
Suas anotações
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
1 A CRÍTICA DA CRÍTICA
No seio do que se está denominando, no campo do currículo,
de teorias pós-críticas, encontra-se o multiculturalismo como um
movimento que toma a diferença como sua característica fundante.
É fato que o movimento multicultural tem várias matizes.
Vai desde um multiculturalismo, onde não se prioriza a análise das
forças que imprimem legitimações e oficialidades culturais, tomando
a cultura como algo fora da dinâmica política das relações de poder,
como algumas correntes americanas que se inspiram na visão liberal
ou humanista, até perspectivas que, ao politizarem o debate sobre a
diversidade cultural, preferem não desatrelar a análise da emergência
dessa diversidade das dinâmicas das relações de poder. É assim que
entram no campo curricular, argumentando a favor do estudo e das
práticas curriculares, nas quais a cultura aparece como um movimento
UNIDADE IV
O CURRÍCULO ESEUS SENTIDOS TEóRICOS II
OBjETIVOApresentar de forma fundamentada o movimento das teorias
críticas em direção a sua própria crítica. Discute e aprofunda as
abordagens pós-modernas, pós-estruturalistas e pós-coloniais
do currículo. Ademais, explicitar as ideias de um currículo
multirreferencial e intercrítico, assim como o currículo como
forma de vida.
59PedagogiaUESC
4U
nida
de
de relações, levando em consideração a luta por significados como
algo presente e determinante do tipo de educação “distribuída” é
legitimada. Percebem que a referência do multiculturalismo liberal a
uma humanidade comum deve ser rejeitada por fazer apelo a uma
essência, a um elemento transcendente, a uma característica fora da
sociedade e da história (SILVA, 1999, p. 86).
Vale salientar, que a perspectiva crítica do multiculturalismo
cultiva duas vertentes: uma concepção denominada de pós-
estruturalista e outra que poderia ser chamada de “materialista”. Na
visão pós-estruturalista, o fundante é a análise da diferença enquanto
expressão do ser-no-mundo, do ser-com-o-outro. Neste sentido, a
diferença é sempre uma relação. Minha diferença existe na medida
em que o outro existe; assim, não se pode ver a diferença como
coisa absoluta, é um conceito eminentemente relacional, portanto.
Ademais, a diferença, nesta perspectiva se configura a partir de
relações de poder.
São as relações de poder que fazem com que a ‘dife-rença’ adquira um sinal, que o ‘diferente’ seja avali-ado negativamente relativamente ao ‘não-diferente’. Inversamente, se há sinal, se um dos termos da dife-rença é avaliado positivamente (o ‘não-diferente’) e o outro, negativamente (o ‘diferente’), é porque há poder (SILVA, 1999, p. 87).
Como esta abordagem coloca o discurso no âmbito da produção
da própria realidade cultural e suas dinâmicas de relação de poder,
é acusada de um excessivo textualismo, na medida em que põe o
discurso no centro da produção da diferença.
Na perspectiva multicultural crítica, implicada com uma visão
materialista e inspirada no marxismo, os determinantes econômico-
estruturais são vistos como mediadores potentes da produção da
diferença e da desigualdade social, e por consequência das relações
culturais.
Para os multiculturalistas críticos, em termos curriculares, é
preciso perceber que o currículo pode estar legitimando através da
seleção dos seus conteúdos, atividades e valores, determinadas visões
de mundo e de cultural, em detrimento de outras. Historicamente,
isso é fácil de perceber entre nós, quando se constata uma verdadeira
negação perversa das histórias do negro, do índio, das mulheres,
das pessoas advindas de culturas não-oficiais. Muitas vezes, são
identificados por uma história secundária, sub-valorizada, ou uma
cultura “menor”, meros protagonistas epifenomenais do processo
histórico e cultural da sociedade. Podemos identificar na obra de Peter
60 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
McLaren uma significativa e valorosa contribuição a essa perspectiva.
Para Silva (1999, p. 88),
[...] um currículo inspirado nessa concepção não se limitaria, pois, a ensinar a tolerância e o respeito, por mais desejável que isso possa parecer, mas in-sistiria, em vez disso, numa análise dos processos pelos quais as diferenças são produzidas através das relações de assimetria e desigualdade.
Nesta perspectiva a diferença aparece sempre colocada em
questão, portanto constantemente tensionada. O desafio de se
implementar uma formação, onde o fundante seja a diferença, não
impede nem descarta o ideário de uma educação igualitária em
termos daquilo que Robert Connell chama de “justiça curricular”. Aliás,
esse é um dos grandes desafios das políticas e práticas do campo
educacional: implementar uma educação que possibilite as pessoas
ascender a uma cidadania plena de direitos e condições de dignidade
social, sem homogeneizar ou pasteurizar suas singularidades. Para
nós, é possível uma educação que construa o acesso à dignidade
social, que viabilize as condições para essa dignidade, via um currículo
que trabalhe a partir de e com a diversidade.
Não temos dúvidas de que o currículo moderno é recheado de
grandes narrativas teóricas, ou mesmo, que o currículo, em geral,
é uma metanarrativa com marcantes características de um artefato
educacional não-problematizado. É neste veio que o argumento
pós-moderno entra no campo curricular de forma significativa. Estamos longe de vivenciar um currículo problematizado desde a sua
origem. Em geral, o currículo é a expressão de uma imposição de
especialistas, burocratas ou acadêmicos, que terminam por impor
modelos e concepções, com uma grande má vontade de radicalizar
democraticamente a experiência da concepção, da organização e da
implementação dos curricula. É aqui que a perspectiva pós-moderna
acha a sua brecha interpretativa e crítico-propositiva em termos das
políticas e práticas curriculares.
Em realidade, o pós-modernismo é um conjunto de perspectivas
que abrange os campos estético, político e epistemológico que começa
nos meados do século XX, e tem sua configuração no questionamento
dos princípios e pressupostos do pensamento social e político
estabelecidos a partir do iluminismo. Trata-se de um movimento
antiessencialista.
Nessa esteira de argumentos, o pós-modernismo analisa
pautas educacionais como o currículo, a pedagogia, a didática como
Na visão pós-moderna, existem heranças da mo-dernidade que não mais respondem aos desafios que a contemporanei-dade nos oferece. Anti-iluminista, o movimento pós-moderno destitui os essencialismos presentes nas interpretações da mo-dernidade, expressos, por exemplo, a partir do con-ceito de razão, de ciência, de racionalidade, de pro-gresso e até mesmo de democracia.
61PedagogiaUESC
4U
nida
de
saberes fincados solidamente na perspectiva moderna. É nestes
termos que desenvolve uma desconfiança potente em relação às
pretensões totalizantes, generalizantes do conhecimento. A base
generalizante do conhecimento moderno fê-lo edificar-se enquanto
“grandes narrativas”, “narrativas mestras”, pautadas na vontade
de controle e com o objetivo de se chegar a uma sociedade pura e
perfeita, sonho do iluminismo, dizem os pós-modernos. É assim que
a própria noção de progresso é questionada na medida em que se
torna algo inevitável.
Essa tendência do pensamento moderno trabalhar com
categorias essenciais, ou seja, não submetidas às alterações e às
contradições históricas e culturais, leva o movimento pós-moderno
a criticar as “fundações” do pensamento moderno. É assim que se
torna também uma perspectiva antifundacional. Sua crítica ao sujeito
autônomo, centrado e soberano é virulenta, assim como à teoria
crítica, que fala em nome de uma atitude educacional emancipadora,
libertadora. O pós-modernismo desconfia dessa emergência
prometeica da teoria crítica no campo educacional.
Para o pensamento pós-moderno o currículo, enquanto
uma invenção moderna, baseado em certezas estáveis, com
características lineares, seqüencial, estática, binária, onde se valoriza
fundamentalmente a estabilidade e a ordem das coisas e das pessoas,
é um exemplo emblemático de um artefato moderno. Diz-se, portanto,
que o movimento pós-moderno vem desestabilizar a teoria crítica,
propondo a inauguração de uma pedagogia pós-crítica.
Nesse contexto, parece haver uma incompatibilidade entre o currículo existente e o pós-moderno. O cur-rículo existente é a própria encarnação das caracter-ísticas modernas. Ele é linear, seqüencial, estático. Sua epistemologia é realista e objetivista. Ele dis-ciplinar é segmentado. O currículo existente está baseado numa separação rígida entre ‘alta’ cultura e ‘baixa’ cultura, entre conhecimento científico e con-hecimento cotidiano. Ele segue fielmente o script das grandes narrativas da ciência, do trabalho capital-ista e do estado-nação. No centro do currículo exis-tente está o sujeito racional, centrado e autônomo da modernidade (SILVA, 1999, p. 115).
Uma discussão fecunda e ampliada sobre a emergência do
discurso pós-moderno no âmbito do campo curricular é encontrada
nos trabalhos de Moreira (1997) e Silva (1993).
Neste movimento de crítica da crítica do currículo o pensamento pós-estruturalista vai falar também do currículo. Para Silva, por exemplo,
Nestes termos, é a pró-pria teoria crítica em currículo que é posta em questão. Acontece aqui, a crítica da crítica em termos curriculares. Uma espécie de revisão da teoria crítica.
62 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
não se pode falar propriamente de uma teoria pós-estruturalista do
currículo, “mas há certamente uma ‘ atitude’ pós-estruturalista em
muitas das perspectivas atuais sobre currículo” (1999, p. 112). Esse
autor nos diz que, Cleo Cherryholmes, estudioso pós-crítico norte
americano, foi um dos primeiros a desenvolver de forma explícita uma
perspectiva pós-estruturalista na área dos estudos sobre currículo,
acompanhado das elaborações de Thomas Popkewitz teórico dos
estudos culturais, inspiradas no filósofo francês Michel Foucault.
O que caracteriza de forma marcante as análises pós-
estruturalistas é a ideia de que o significado é socialmente construído
e vive de forma ineliminável, a incerteza e a opacidade. O significado,
portanto, não é pré-existente, mas culturalmente edificado, bem
como se dinamiza nas relações de poder ao qual está implicado ou
implica. Afirma-se, assim, que o significado é socialmente definido.
Foucault e Derrida são chamados a inspirar a ideia da inseparabilidade
da conexão poder e saber. Assim, onde há saber, há poder, inspiração
foucaultiana.
Avesso aos binarismos, esse movimento questiona e desconfia
justamente dos binarismos de que é feito o currículo: branco/preto;
masculino/feminino; velho/novo; teoria/prática; heterossexual/
homossexual; mente/corpo; objetividade/subjetividade etc.
Poderíamos dizer que o pós-estruturalismo é uma perspectiva
nitidamente desreificadora do currículo que temos, tanto em termos
de forma quanto de conteúdo. Numa outra construção pautada na
rebeldia face ao processo de colonização opressor que subjuga as
culturas não-europeias, a teoria pós-colonial lança seu olhar para
currículo, reivindicando a inclusão das formas culturais que refletem
a experiência de segmentos cujas identidades culturais e sociais são
marginalizados pela identidade ocidental hegemônica. Para o pós-
colonialismo há um “cânon ocidental” que atravessa os curricula e
que acabam por legitimar a história dominante dos europeus.
Em realidade, a análise pós-colonial quer nos mostrar que os
processos de dominação são processos fundamentados em alianças
com o capitalismo, com a lógica judaica cristã, com a cultura europeia
branca e com o aparato técnico-militarista que o norte fabricou
com interesses imperialistas. A colonização se dá por essa aliança,
na qual o outro aparece representado como um ser que necessita
de “civilização”, “privado de cultura”, ou tem uma cultura inferior.
Marginalizado cultural, o outro “não-civilizado” precisa ser incluído.
Esse projeto teve, desde o início, uma importante função educacional
e pedagógica. Uma discussão sobre a questão da inclusão no
cenário educacional brasileiro a partir dessa perspectiva seria muito
No que concerne às práticas curriculares, o que será questionado é a sua relação com a verdade. Enquanto um arauto das verdades pré-digeridas, o currí-culo vai ser abalado, as-sim como a escola das certezas pretensamente absolutas, na medida em que o movimento pós-estruturalista não apenas questiona as verdades, mas o lidar com a própria verda-de. Nestes termos, quer questionar o processo pelo qual algo se tornou verdade. Ou seja, como foi produzida uma de-terminada verdade.
É assim que a análise pós-colonial se junta ao pós-modernismo e ao pós-estruturalismo, para questionar a dinâ-mica de poder e as for-mas de conhecimento que colocaram o sujeito imperial europeu na po-sição atual de privilégio.
63PedagogiaUESC
4U
nida
de
importante para se problematizar o ranço etnocêntrico da política de
sentido que orienta as ideias e ações neste âmbito.
É importante salientar que a teoria pós-colonial evita formas
de análise que perspectivam o processo de dominação cultural como
uma via de mão única. Interpreta essa dinâmica como uma complexa
relação de poder onde se vislumbram transformações mútuas, sem
com isso deixar de mostrar as relações assimétricas de opressão daí
advindas. Traduções, mestiçagens, reexistências, são construções
forjadas por sujeitos em relação, culturas em relação, realidades que,
obviamente, não retiram do cenário analítico pós-colonial as questões
políticas e éticas. Muito pelo contrário, as relações culturais só são
vistas a partir de uma politização do cultural.
Analisar o currículo sob as tensões da pluralidade cultural; fazê-
lo viver ética e politicamente os processos interculturais inerentes a
qualquer experiência educativa; mobilizá-lo para se tornar um artefato
aprendente em termos socioculturais, parece-nos ser decisões que
podem apontar na direção de um processo de descolonização de suas
formas e conteúdos inerentes à concepção moderna de currículo,
que há muito se atualiza via um processo excludente e recheado de
etnocentrismos eurocêntricos. Neste sentido, o olhar pós-colonial é
um fecundo analisador.
Atravessando as ditas teorias pós-críticas em currículo, temos
a contribuição dos estudos culturais. Na obra denominada “Introdução
aos Estudos Culturais”, Mattelart e Neveu (2004, p. 35) dizem que os
“estudos culturais”, antes um conjunto de pesquisas dispersas entre o
mundo universitário marginal e a nova esquerda britânica, conhecerá,
a partir de 1980, uma considerável densidade e expansão. Segundo
esses autores, os trabalhos produzidos, que depois receberão o
rótulo de estudos culturais, começam a se estender para pensarem
as questões de gênero, de etnicidade, o conjunto de práticas de
consumo etc. Cita-se, por exemplo, os estudos de Marc Augé como
estudos que podem ser caracterizados por esse viés de pesquisa.
Com Augé, vamos ter acesso à pesquisa de uma “antropologia dos
mundos contemporâneos” que se aventura no metrô, nos parques de
diversão, nos aeroportos, nos “não-lugares”.
Para Mattelart e Neveu, os “estudos culturais” serão levados
pela dinâmica de seu sucesso, que se traduzem, em particular, por
uma inflação de revistas, livros, manuais, pela criação em um número
crescente de países de departamentos de estudos culturais. Esses
estudos conhecerão novas inflexões, que se traduzem na incessante
expansão de território, o qual passa a englobar objetos até então
tratados por diversas ciências sociais e humanas: consumo, moda,
64 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
identidades sexuais, museus, turismo, literatura.
Os defensores mais clássicos dessas pesquisas reivindicam
o estatuto de uma “antidisciplina”. O termo marca a recusa de
divisões disciplinares, de especializações, a vontade de combinar as
contribuições e os questionamentos advindos de saberes cruzados, a
convicção de que a maioria dos desafios do mundo contemporâneo
ganha ao ser questionado pelo prisma do cultural.
Essa desconstrução de uma herança de pesquisa abre caminho para o último objetivo: compreender as metamorfoses da noção de cultura na última metade do século XX, questionar tanto os modos em que a cultura funciona na época da globalização como os riscos de uma visão da sociedade reduzida a um ca-leidoscópio de fluxos culturais que leve a esquecer que nossas sociedades também são regidas por rela-ções econômicas, políticas, uma armadura social que não se reduz nem às séries de televisão de grande sucesso, nem ao impacto dos reality shows (MATTE-LART; NEVEU, 2004, p. 17).
Tendo Raymond Williams como um dos pesquisadores mais
importantes no cenário britânico dos “estudos culturais”, o que vamos
verificar é uma orientação para que a cultura seja vista como um
campo relativamente autônomo da vida social, sem perder de vista
que a cultura é um campo de produção de significados, no qual os
diferentes grupos sociais, situados em posições diferenciadas de
poder, lutam pela imposição de seus significados a sociedade mais
ampla. “É neste sentido um campo contestado de significação”
(SILVA, 1999, p. 134).
Além dos autores já evidenciados nessa nossa discussão, são
significativos, nesse campo dos estudos culturais relacionados ao
currículo, os trabalhos de Sandra Corazza (2002) e Marisa Vorraber
Costa (2002).
2 TENSõES ENTRE CRÍTICOS E PóS-CRÍTICOS
Ao avaliarem que a teoria crítica, nascida das tensões
modernas, ainda constitui uma potência significativa para explicitar
e instrumentalizar o pensamento politicamente responsável diante
da presente configuração social, política, econômica e educacional,
Michael Apple e Dennis Carlson (2000) dialogam com vigor, mas sem
qualquer arrogância acadêmica, com as pautas do pensamento pós-
moderno. Ao se implicarem num diálogo tenso e elucidativo, tomando
É assim que a análise pós-colonial se junta ao pós-modernismo e ao pós-estruturalismo, para questionar a dinâ-mica de poder e as for-mas de conhecimento que colocaram o sujeito imperial europeu na po-sição atual de privilégio.
65PedagogiaUESC
4U
nida
de
como objeto de análise as elaborações pós-modernas sobre a incerteza,
os autores argumentam que, até certo ponto, todos os tempos são
incertos, pois o desenvolvimento cultural nunca permanece imóvel.
Para Apple e Carlson, inspirados nas posições gramscianas, há
que ressaltar que as perspectivas pós-modernas e pós-estruturalistas
acabam por cultivar dualidades entre o velho e o novo, que dificultam
perceber tanto continuidades quanto descontinuidades no interior das
categorias “moderno” e “pós-moderno”.
Precisamos ter em mente que as múltiplas tradições críticas em educação têm raízes na cultura moderna tanto quanto as têm os modelos econômicos con-servadores de educação. Em vez de abandoná-las por as considerar ultrapassadas, essas tradições pre-cisam ser relidas, em consistências com os novos in-sigths teóricos e à luz dos correntes desenvolvimen-tos culturais [...] Em segundo lugar, alguns discursos pós-modernistas posicionam-se em oposição a toda análise estruturalista ou materialista, e como resul-tado tendem a ver a realidade social e o processo de ensino como mais abertos do que realmente são a uma reescritura discursiva (APPLE; CARLSON, 2000, p. 13).
Reconhecendo que todos esses movimentos multifacetados
que estão desestabilizando os modos estabelecidos de conduzir a
pesquisa em educação e a compreensão das questões de currículo,
os autores percebem potenciais democráticos e progressistas nesses
movimentos, mas, ao mesmo tempo, reivindicam uma conceituação
radical daquilo que queremos dizer, por exemplo, com os termos
“público” e “interesse público”.
O que nos parece significativo nessas tensões é percebermos
que, mais do que nunca, o currículo deve ser desconfigurado,
rasurado, na medida em que a desfocalização da aprendizagem, hoje,
nos remete para outros cenários, outros atores/autores curriculares,
outras experiências que, de longe, não correspondem às formas
convencionais de implementar o aprendizado e a formação.
Criticando o excessivo textualismo e abstracionismo das
elaborações teóricas pós-modernas e pós-estruturalistas, Apple
e Carlson continuam apelando para a noção de uma política de
redistribuição e de reconhecimento, como saídas para aquilo que
imaginam ser as antinomias insulares que basilaram as interpretações
curriculares modernas.
Por outro lado, para Apple e Carlson, assim como as
teorias neomarxistas correram o risco de tornarem-se a voz da
66 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
academia masculina, branca, as teorias pós-modernas podem ser,
paradoxalmente, facilmente capturadas pela intenção da nova classe
média de engajar-se em uma política de mobilidade e de status no
interior da academia [...] (APPLE; CARLSON, 2000, p.16).
3 A PERSPECTIVA RIzOMáTICA
Entre nós, é com o filósofo do currículo Sílvio Gallo (2004)
que vamos ver elaborada a perspectiva de um currículo rizomático.
Fazendo críticas ao modelo disciplinar e unificante; que, até o
momento, permanece como orientação hegemônica para se conceber
o currículo, Gallo nos mostra como a concepção, nascida com René
Descartes, da Árvore dos Saberes, nos remete para uma visão de
unicidade do conhecimento. A imagem cartesiana nos leva a perceber
a árvore através de três subdivisões: as raízes representariam o mito
como conhecimento originário; o tronco representaria a filosofia,
dando consistência e sustentação para totalidade; os galhos, por sua
vez representariam as disciplinas científicas subdivididas em diversos
ramos. A busca de uma visão da inteireza estaria na imagem da
árvore.
Identificando a visão interdisciplinar e transdisciplinar como
visões que se apropriam da imagem da árvore, a perspectiva
rizomática quer destituir qualquer expectativa totalizante. Percebe
nestas visões propositivas do currículo o desejo de se chegar a uma
realidade única.
Neste veio, Gallo faz sua crítica pontual às ideias de Edgar
Morin:
Em termos de currículo não há religação dos saberes a ser perseguida, pois não há como religar o que nunca esteve ligado. Ao contrário, o que precisamos buscar são formas de diálogo na diferença, diálogo na multiplicidade, sem a intenção de reduzir os dife-rentes ao mesmo, ao uno (GALLO, 2004, p. 43).
Mas a crítica da perspectiva rizomática é propositiva em
relação ao currículo. Ou seja, ela propõe um currículo rizomático. Na
sua crítica à disciplina, esta visão cria uma imagem onde a disciplina,
identificada na árvore dos saberes, produz fragmentação e busca
uma unidade perdida.
Com o rizoma as coisas se passam de maneira dis-tinta. Sua imagem remete para uma miríade de
Tomando os filósofos Nietzsche, Deleuze e Guattari como inspira-ções fundantes, a pers-pectiva rizomática vai afirmar que a realidade é multiplicidade, é di-ferença. O que há são múltiplas realidades in-terconectadas. “A uni-dade é uma fábula cria-da por nossas ilusões”, afirma Gallo (2004, p. 41).
67PedagogiaUESC
4U
nida
de
linhas que se engalfinham, como num novelo de lã emaranhado pela brincadeira do gato. Ou talvez essa não seja a melhor imagem; um rizoma é promiscui-dade, é mistura, mestiçagem, é mixagem de reinos, produção de singularidades sem implicar o apelo à identidade. Se pensarmos o currículo como rizoma e não como árvore, as disciplinas já não seriam ga-vetas que não se comunicam, mas tenderiam a soar como linhas que se misturam, teia de possibilidades, multiplicidade de nós, de conexões, de interconexões [...] a imagem do rizoma por sua vez, implica um currículo como sistema aberto e múltiplo, isto é, não um currículo, mas muitos currículos. Não um mapa, mas muitos mapas. Não um percurso, mas inúmeros percursos. E sempre com pontos de partida e pontos de chegada distintos. O que não inviabiliza encon-tros, mas, ao contrário, os possibilita, os promove, os estimula (GALLO, 2004, p. 45-46).
Para este autor o currículo como rizoma, é um desmonte de
qualquer simulacro de unidade que nos é imposto. Mas o que seria
um rizoma para Deleuze e Guattari?
Um rizoma como haste subterrânea distingue-se absolutamente das raízes e radículas. Os bulbos, os tubérculos são rizomas... Até os animais o são, com todas as suas funções de habitat, de provisão, de deslocamento, de evasão e de ruptura... Há rizoma quando os ratos deslizam uns sobre os outros. Há o melhor e o pior no rizoma: a batata e a grama, a erva daninha. Animal e planta, a grama é o capim-pé-de-galinha (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 15).
É assim que, na perspectiva ou na imagem do rizoma, institui-
se a vivência do caos, na qual controle, hierarquia e planos prévios
não têm lugar, a proposição é aventurar-se na multiplicidade dos
saberes. Não importa controlar o processo de aprendizagem, até
porque, desta visão de currículo, só sabe o que aprendeu e como
aprendeu quem vivencia o aprendizado.
Diz-nos Gallo: “Façamos rizomas com nossos alunos,
estimulemos que eles façam rizoma entre si. Instituamos a
promiscuidade e a mestiçagem na sala de aula. Pedagogia mestiça,
pedagogia promíscua, pedagogia do caos” (2004, p. 48).
Parece-nos não importar, tampouco imaginar o enquadre dessa
perspectiva nas expectativas correntes de currículo que acostumamos
a vivenciar. O que parece importante são as luzes lançadas por essa
imagem na direção da possibilidade de desconstrução da concepção
“dura” de currículo.
Neste ponto argumen-tativo, a imagem do currículo como rizoma nos convida a realizar a construção de transver-salidades, ou seja, uma circulação de saberes que se realiza de ma-neira livre, como uma errância infinita.
68 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
4 O FOCO NA vida
O currículo contemporâneo vai encontrar na nova biologia
inspirações para uma humanização radical das suas concepções e
ações.
Neste cenário político-epistemológico, preocupando-se com
a formação humana em larga medida, aparecem, inspirando as
possibilidades curriculares, as ideias dos biólogos chilenos Humberto
Maturana e Francisco Varela. Onde estariam suas contribuições?
Na obra “Currículo e Contemporaneidade: Questões
Emergentes” (GONÇALVES; PEREIRA; CARVALHO, 2004, p. 51-58),
podemos vislumbrar como o conceito de autopoiese forjados por
Maturna e Varela inspiram uma concepção original de currículo. Nesta
obra, a Professora Maria Zuleide da Costa Pereira procura mostrar a
pertinência e a relevância do pensamento desses dois biólogos latino-
americanos para o campo e as práticas curriculares. Esclarece-nos
que o currículo no seu processo de construção do conhecimento, não
resulta apenas de experiências trazidas de fora para dentro do espaço
escolar.
O Currículo, portanto, é o resultado da incorporação das interações da vida dos sujeitos que se manifes-tam dentro e fora do espaço escolar [...] O currículo é a expressão da vida. Vida plena e indissociável, que resulta da unicidade dos processos vitais e dos processos cognitivos. Essa unicidade pensada dentro da proposta de auto-organização dos sistemas vivos de Maturana e Varela (2001) percebe a organização autopoética como característica essencial para que a vida se produza. Sendo assim o currículo volta-do para a vida traduz-se num espaço de produção de conhecimento que se caracteriza não pela forma ordenadora com que se potencializa, mas por uma dinâmica caótica que há muito vem sendo eviden-ciada (PEREIRA, 2004, p. 54).
As ideias de Pereira se articulam com as elaborações
epistemológicas de Hugo Assmann, quando esse autor nos
recomenda substituir a pedagogia das certezas por uma “pedagogia
plástica e sinuosa” (1996, p. 146) que incentive certezas operacionais
imprescindíveis, capacite para modelizações da realidade, mas
preserve também as incertezas sobre os rumos, para que estes sejam
descobertos e não estejam pré-definidos.
Essa perspectiva vai valorizar o conhecimento como produto de
um ser articulado, onde cognição e corpo, cognição e vida imbriquem-
se. Mediando essa concepção está o conceito de enaction, cunhado
O currículo é um espaço vivo de construção de conhecimento, resul-tante do pensamento, das experiências dos sujeitos e das suas in-terações de natureza histórica, social e bioló-gica.
69PedagogiaUESC
4U
nida
de
por Francisco Varela. É nestes termos que, para Pereira, um currículo
enactante edifica-se na experiência instigante e que não se exime de
se aproximar e trabalhar com a vida dos aprendentes e os sentidos
que estes atribuem à própria vida.
Nesse sentido, quando proponho pensar os currículos de forma autopoética, estou querendo dizer que eles se autoproduzem. A construção do conhecimento, o qual se apresenta de forma circular, é produzida no interior dos currículos. Estes, dotados de “clausura operacional”, ao serem atingidos por mudanças, são capazes, no seu interior, de gerar outras modifica-ções [...] compreendo o currículo como expressão da vida, num primeiro momento, ele é um artefato que congrega no seu interior um conhecimento re-sultante das diversas formas biossocioculturais de como os sujeitos se organizam [...] Num segundo momento, esse conhecimento existente é influen-ciado e, conseqüentemente alterado pelos acopla-mentos estruturais experienciais – interações que permitem a geração de novos fenômenos (Maturana; Varela 2001, p. 16), oriundos dos sujeitos com seu entorno (PEREIRA, 2004, p. 56).
Avaliamos que a contribuição aqui desenvolvida vai ao
encontro da vivificação das experiências curriculares, à medida que
não mais admite o currículo como um mero reprodutor dos ditames
externos, ou atendente de demandas, visto como uma trajetória a
ser seguida. Os críticos do campo curricular já reconhecem, há algum
tempo, o caráter autopoético da experiência curricular; mesmo assim,
consideramos que as inspirações trazidas pelas elaborações teóricas
de Maturana e Varela, para o âmbito das concepções e práticas
curriculares, nos ajudam a lançar mais luzes para essa compreensão
auto-eco-organizativa do currículo. Há que se admitir que o cultivo
da autonomia, da errância, da autorização, da autoria solidária e da
mutualidade criativa é raríssimo enquanto orientação da experiência
curricular. Diríamos mesmo, que ainda se constitui em uma ameaça
às práticas predominantes em termos de concepção, organização e
implementação dos curricula.
5 A CONCEPçãO MULTIRREFERENCIAL E INTERCRÍTICA
Necessário enfatizar, em termos político e explicitativos, que a
proposta curricular multirreferencial existe, porque acabamos de nos
convencer de que as múltiplas justiças são necessárias em termos
70 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
socioculturais e curriculares.
Segundo Anísio Teixeira, se tivéssemos tido no século XVI um
McLuhan, talvez não nos iludíssemos com a época das certezas lineares
e unidimensionais com que nos aturdiu o século XIX e chegássemos
preparados para a época das incertezas multidimensionais do nosso
tempo. Esta é uma das elaborações de afinada pertinência histórica
concebida por Anísio e que projeta em muito, em termos formativos,
a problemática da pluralidade em termos formativos.
Em outro contexto, não menos inquieto com a construção
do compromisso democrático com a educação, ao cunhar a noção
de multirreferencialidade no seio das inquietações espistemológicas
do pluralista e crítico Departamento de Ciências da Educação da
Universidade de Paris Saint-Denis, Jacques Ardoino quer atribuir às
referências como produções culturais constituídas nos processos de
diferenciação/identidade, um status legítimo enquanto intelegibilidades
não encapsuladas na rigidez prescritiva da lógica disciplinar ou
conjuntista-identitária da modernidade. É assim que para Ardoino,
descontinuidade, heterogeneidade, turbulências de escalas, vazios
criativos e conflitos, fazem parte de um mesmo processo.
Assim, no âmbito desse argumento, se estabelece uma
crítica radical à própria lógica disciplinar, enquanto uma lógica que
historicamente se edificou nos currículos, sob a compreensão de que
representa a última fronteira do real ou mesmo a realidade em si
enquanto continuidade. Em geral, é assim que a escola a apresenta
e trabalha.
A virada multirreferencial, enquanto uma das perspectivas não-
formalista de compreensão da realidade, ao instituir as referências
como sua perspectiva reitora, desloca de vez o centro lógico do
conhecer fincado na disciplina.
Nos seus recentes diálogos com Edgar Morin, no número 39
da Revista Pratique de Formation, Ardoino demonstra o quanto a
noção de multirreferencialidade está contida de forma pertinente na
inteligência da complexidade, o que nos faz perceber como os dois
pensadores da complexidade humana concordam sobre o potencial
edificador desta noção, enquanto um dispositivo epistemológico
e político significativo para o campo da relação plural com os
saberes. Aliás, Morin é convencido neste diálogo de que a noção
de multirreferencialidade em Ardoino é muito mais pertinente para
um olhar complexo da realidade do que a noção que cultiva: a de
multidimensionalidade (MORIN, 2000).
Do nosso lugar, entendemos que trabalhar os saberes
como referências constituídas na dialógica da diferenciação, na
Em Ardoino, o enfoque multirreferencial não cria, através do en-trecruzamento dos ol-hares críticos, uma zona mista, espécie de interseção de múltiplos campos disciplinares. Constitui, sobretudo, a invenção temporal, con-tínua, de um question-amento mútuo de cada uma das disciplinares convocadas pelas out-ras. É a singularidade do olhar, e das lingua-gens com os quais con-hecemos as realidades que constitui a multir-referencialidade.
71PedagogiaUESC
4U
nida
de
referencialização/desreferencialização, sem nenhuma pretensão
unificante, nos permite pleitear de forma muito mais fecunda e
coerente a intercriticidade nos âmbitos dos atos de currículo. Até
porque, sempre, dentro da perspectiva educativa, o importante é
a compreensão política do outro na sua complexidade. Acrescento,
a propósito, que a complexidade é multirreferencial porque é
heterogênea. Falamos aqui de uma heterogeneidade dialógica,
o coração mesmo da inteligência da complexidade. Para Jacques
Ardoino, por exemplo, o cerne da multirreferencialidade está no
trabalho com a linguagem; acrescentamos, um trabalho com a
linguagem de compreensão crítica, ou melhor, com uma linguagem
de compreensão intercrítica. Neste sentido, a narrativa, o contar,
aliás, toda e qualquer expressão da existência humana se constitui
numa referência.
Tal perspectiva vai nos propor uma concepção e uma prática
curricular nas quais as referências sejam tratadas como irredutíveis;
a disciplina, e sua crítica são referências importantes; os mundos
que interessam às formações se apresentem como textos-referência
explicitativos, como, por exemplo, as diversas culturas comunitárias,
o mundo do trabalho e da produção, os processos políticos que
organizam a educação, as existências que se atualizam no próprio
processo formativo, as diversas linguagens da expressão humana,
como componentes de uma heterogeneidade também irredutível,
mas articulável, conjugável, mestiçável. Tal abertura nos leva até o
que denominei de uma “articulação crítica dos saberes” (MACEDO,
2002), na qual os processos de totalização compreensiva dos
fenômenos e situações estejam implicados à própria lógica da
duração, da temporalidade, da negatricidade e da alteração, cernes
da complexidade a ser acolhida e enfrentada nos âmbitos da formação
humana.
Essa disponibilidade ao mesmo tempo epistemológica e
curricular desestabiliza o conforto das certezas acadêmicas, à medida
que as diferentes referências não disciplinares aparecem desafiando
um saber pretensamente estável e autossuficiente. O currículo aqui
é literalmente colocado no âmago do mundo. Um currículo mundano
que, ao propor uma formação pedagógica, ética e politicamente
comprometido com a dignidade humana, atrai e acolhe as impurezas
do mundo para o debate, até porque é para o mundo e sua “natural”
heterogeneidade que as pessoas se formam, e não para continuar a
deificar saberes no conforto dos âmbitos de algumas verdades e de
algumas mentiras do pequeno e específico mundo acadêmico.
A concepção de referência cultivada pela abordagem
72 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
multirreferencial é explicitada por René Barbier (1997, p. 161),
ligando-a aos saberes na pluralidade das suas emergências, seja do
ponto de vista organizacional, simbólico, institucional, ideológico,
quanto libidinal, sacral etc.
No que concerne à pesquisa de inspiração multirreferencial,
Burnham e Fagundes argumentam que:
Em suas tentativas de articulação das diferentes referências, o pesquisador assume sempre uma posição; não aborda seu objeto de pesquisa a partir de uma justaposição de abordagens, em um relativ-ismo cultural no qual tudo é igual a tudo, mas situa-se teoricamente e articula, de forma singular, dife-rentes teorias (1994, p. 48).
Com essa compreensão citam Giust-Desprairies:
O posicionamento ético do pesquisador parece-nos a condição necessária para chegar além de uma ‘inter-disciplinaridade aditiva e fusionante’, aos verdadeiros obstáculos epistemológicos da multirreferencialidade ligados à complexidade dos fenômenos e à sua difícil apreensão na confrontação com o objeto de pesquisa (GIUST-DESPRAIRIES, apud BURNHAM; FAGUNDES, 1994, p. 51).
Vale a pena ressaltar que, no âmago da Linha de Currículo
do PPGE/FACED-UFBA, teses e dissertações importantes vêm
sendo defendidas, nas quais a abordagem multirreferncial aparece
orientando as pesquisas, tanto em termos teóricos quanto em
termos metodológicos. Neste veio, seu potencial político, heurístico
e pedagógico-curricular vem se ampliando de maneira significativa.
Destacam-se as teses em currículo de Fagundes, (2003), Sá, (2004),
Tourinho, (2003) e Santos (2005). Para nós, o inacabamento relacional
cultivado pela perspectiva multirreferencial, como uma intercrítica,
passa a inspirar a dialogia que se instaura na relação com os saberes
e as experiências formativas em toda a sua diversidade (MACEDO,
2005a).
Realçando a compreensão como ato de vida e a interpretação
partilhada como um exercício fundamental para não se praticar a
alteração ideologicamente sistematizada como assimilação e descarte,
entendemos que um cenário curricular constituído sob uma inspiração
multirreferencial e intercrítica inova política e pedagogicamente, na
medida em que se institui e se organiza pelo conjunto de relações
abertamente disponibilizadas à tensão dialógica como forma de
política cultural para construção da formação.
73PedagogiaUESC
4U
nida
de
É fato que o biólogo e epistemólogo francês Henri Atlan, ao
propor o conceito de intercrítica, concebe-o de forma a resistir às
afetações e hibridizações possíveis entre a cultura científica e outras
culturas não-científicas, a partir de uma clara preocupação com as
analogias e com determinados ecletismos. Atlan propõe a diferença
como fundante e irredutível, mesmo que, na relação, a alteração em
uma das partes possa acontecer.
Constatando que a nossa razão discursiva funciona sempre
privilegiando a identidade de não-contradição, Atlan vai colocar em
realce muito mais as relações entre diferenças do que as analogias.
Neste sentido nos diz:
A preocupação que os depositários de uma tradição possam ter em aceitar e reconhecer os valores das outras deve impedi-los de tentar negar ou dominar estas outras pela força, continuando a avançar res-olutamente no seu próprio caminho. Neste sentido, e apenas neste sentido, certas tradições talvez possam pretender ser mais ‘universais’ do que outras; mas não em nome de universais teóricos da razão ou da revelação, cujos discursos apenas falam linguagens particulares... Esta atitude contrasta com a atitude adotada por um público apreciador de grandes sín-teses unificadoras, e também de ‘astrologias cientí-ficas’ e de outros fads and fallacies... (ATLAN, 1994, p. 38).
Da perspectiva do teórico, a intercrítica resultaria numa crítica
que não seria simultânea, mas alternativa e recíproca. Partindo da
premissa de que “o real não é verdadeiro, contenta-se apenas em
ser”, o autor tenta nos convencer que a única universalidade de
valores possível é aquela que se constrói passo a passo, através do
embate, da coexistência, e do diálogo, e a única garantia para isso é
a boa vontade, sem complacência em relação ao outro, ao estranho
e ao estrangeiro.
Para Atlan:
Pode-se sempre criticar o método crítico, do lugar em que nos colocamos, mas é fácil constatar que é impossível colocar-se num ponto de vista absoluto. Isto é, não pode haver um ponto de vista que es-cape ao método crítico. E a maneira mais eficaz de se dar conta disso consiste justamente em criticar as pretensões de unicidade absoluta de um método co-locando-se do ponto de vista do outro método [...].Muito bem, hoje - porque se descobre que a verdade científica sozinha é insuficiente para resolver os nos-sos problemas de vida, e que as ciências e as técnicas
Assim, para Atlan, em havendo várias raciona-lidades, múltiplas ma-neiras de se ter razão, legítimas, ainda que di-versas, é preciso não se buscar mais a verdade última, única.
74 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
colocam um número cada vez maior de problemas éticos e sociais sem fornecer os meios de resolvê-los -, revaloriza-se a tese de Protágoras. Com efeito, a virtude pode ser ensinada com uma pedagogia es-pecífica que se ‘cola’ necessariamente ao ensino da verdade científica. Isso não significa que não haja nenhuma relação entre o ensino da virtude e o das ciências, mas são relações intercríticas, e não dedu-tivas [...] (1994, p.73-76).
Para uma etnoeducação crítica (MACEDO, 2005b), essas
elaborações de Henri Atlan permitem alcançar uma perspectiva
fecunda para evitarmos, pelos processos interculturais vividos no
currículo, a colonização via a destruição das tradições das pessoas
que, historicamente, foram impedidas de afirmar ou mesmo de
reconquistar ou conquistar seus recursos político-culturais. Essas
pessoas têm, na escola, um locus de pasteurização dos seus saberes,
de seus pertencimentos e, portanto, das referências com as quais
compreendem o mundo, a vida, e, com isso, aprendem.
ATIVIDADES
Em que a crítica da crítica contribui para teoria crítica em currículo?
1. O que mais caracteriza a crítica pós-moderna em currículo?
2. Caracterize a partir do argumento do texto as perspectivas
pós-estruturalista e pós-colonialista, tomando currículo como
problemática a ser discutida.
3. Como se caracterizam em termos curriculares as visões
risomática e centrada na vida?
4. Qual a importância para você, a partir do texto, de um currículo
multirreferencial e intercrítico?
ATIVIDADES
75PedagogiaUESC
4U
nida
de
RESUMO
O movimento pós-crítico no campo do currículo vem contribuir
para ampliar os pontos que uma teoria crítica pode construir com o
objetivo de compreender nossa relação com o conhecimento e as
culturas que o produzem. Nestes termos vai fazer a crítica da própria
teoria crítica. A abordagem pós-moderna, por exemplo, nos fala da
necessidade de desconfiarmos das verdades acadêmicas e científicas,
vistas como completas e estáveis, de um conhecimento que se
quer, portanto, histórica e culturalmente onipresente, perfeitamente
generalizável. Enquanto pós-estruturalistas nos alertam para um
mundo em que os conhecimentos são, em realidade, textos, formas de
interpretação entre várias, com as quais o currículo deveria aprender
a lidar. Já os pós-colonialistas só admitem a perspectiva cultural
assumida no currículo numa dinâmica onde o cultural é construído
através de relações que se estabelecem no interior da própria cultura
e entre culturas. Funda-se a ideia de um currículo multi e intercultural.
Para o curriculogistas que estudam o currículo como um ato
de vida, centrado, portanto, no bios, o currículo tem um caráter auto-
organizativo que deveríamos prestar a atenção para lidar com sua
organização e implementação.
Já para a perspectiva rizomática, a partida é que nada deveria ser
visto em currículo em termos de inter, trans. A diferença pura das
itinerâncias dos aprendentes deveria ser pleiteada de forma que as
pessoas nas suas diferenças fizessem seus percursos no currículo
sem entradas e saídas fixas.
No que concerne à perspectiva multirreferencial e intercrítica, é
a incompletude das verdades a serem conjugadas e a heterogeneidade
das realidades humanas que interessa, para se compreender e
construir currículos, no plural mesmo.
LEITURAS RECOMENDADAS
GIROUX, H. Os professores como intelectuais. Rumo a uma
pedagogia crítica da aprendizagem. Tradução de Daniel Buena. Porto
Alegre: Artmed, 1997.
RESUMINDO
LEITURA COMPLEMENTAR
76 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
___________, Pedagogia radical. Subsídios. Tradução de Dagmar
Zibas. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1983.
MCLAREN, P. Multiculturalismo revolucionário. Pedagogia do
dissenso para o novo milênio. Tradução de Mário Morais e Roberto
Costa. Porto Alegre: Artmed, 1997.
MOREIRA, A. F. “Currículo, utopia e pós-modernidade”. In: Moreira,
A. F. (Org.). Currículo: questões atuais. Campinas: Papirus, 1997,
p. 9-28.
FILME RECOMENDADOA Festa de Babete – filme dinamarquês, baseado no romance
de Isak Binesen. A culinária é o dispositivo de transformação que
a personagem principal usa, através de suas criativos e refinados
saberes e habilidades, com o intuito de transformar uma comunidade
rigidamente religiosa, conservadora e melancólica, através de
experiências formativas estéticas, onde o desejo e o prazer são
reapropriados pela beleza e a felicidade produzidos pela arte do
saber cozinhar. Babete é uma refugiada francesa que, impactada com
o modo de vida da comunidade, usa sua experiência e habilidade
culinárias para transformar de alguma maneira a visão de mundo e
comunitária onde vive.
SITES RRECOMENDADOhttp:////www.curriculosemfronteiras.org/
http://www.globalcurriculum.net/pt/curriculo/
FILME RECOMENDADO
SITE RECOMENDADO
77PedagogiaUESC
4U
nida
de
REFERÊNCIAS
ARDOINO, J. “A Complexidade” In: MORIN, E. A Religação dos saberes. O desafio do século XXI. Tradução de Flávia Nascimento.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p. 548-558.
ASSMANN, H. Metáforas novas para reencantar a educação:
epistemologia e didática. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1996.
APPLE, M. Ideologia e currículo. Tradução de Maria Cristina
Monteiro. São Paulo: Brasiliense, 1982.
__________, Educação e poder. Tradução de Maria Cristina
Monteiro. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
.
APPLE, M.; CARLSON, D. “Teoria educacional crítica em tempos
incertos”. In: HYPÓLITO, A.; GANDIN, L. (Orgs.). Educação em tempos incertos. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 11-57.
ATLAN, H. Com razão ou sem ela. Intercrítica da ciência e do mito.
Tradução de Fátima Gaspar; Fernando Gaspar, Lisboa: Instituto
Piaget, 1994.
BARBIER, R. L’ Approche transversale. L’écoute sensible en sciences
humaines. Paris: Económica/Antropos, 1997, p. 357.
CONNEL, R. “Pobreza e educação”. In: GENTILI, P. (Org.). Pedagogia da exclusão. Crítica ao neoliberalismo em educação. Tradução de
Vânia Thurler; Tomaz Tadeu da Silva. Petrópolis: Vozes, 1996, p 11-
42.
CORAZA, S. M. “Diferença pura de um pós-currículo” In: LOPES,
A.; MACEDO, E. (Orgs.). Currículo: Debates contemporâneos. São
Paulo: Cortez, 2002, p. 103-114.
COSTA, M. V. “Poder, discurso e política cultural: Contribuições dos
estudos culturais ao campo do currículo”. In: LOPES, A.; MACEDO,
E. Currículo. Debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002, p.
133-149.
REFERÊNCIAS
78 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs. Vol. 1. São Paulo: Editora 34,
1995.
FAGUNDES, N. BURNHAM T. “Transdisciplinaridade,
multirreferencialidade e currículo”. IN: Revista da FACED, n. 05,
2001, p. 39-55.
___________, “Em busca de uma universidade outra: A inclusão
de ‘novos’ espaços de aprendizagem na formação de profissionais de
saúde”. Tese de Doutorado. PPPGE/FACED-UFBA, 2003, 229 p.
FAZENDA, I. (Org.). Práticas interdisciplinares na escola. São
Paulo: Cortez, 1993.
GALLO, S. “A Orquídea e a vespa: transversalidade e currículo
rizomático” In: GONSLAVES, E.; PEREIRA, M. Z.; CARVALHO, M. E.
Currículo e contemporaneidade: questões emergentes. São Paulo:
Alínea, 2004, p. 37-50.
GOODSON, I. A Construção social do currículo. Tradução de Álvaro
Campelo. Lisboa: EDUCA, 1997.
GIROUX, H. Os professores como intelectuais. Rumo a uma
pedagogia crítica da aprendizagem. Tradução de Daniel Buena. Porto
Alegre: Artmed, 1997.
___________, Pedagogia radical. Subsídios. Tradução de Dagmar
Zibas. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1983.
MCLAREN, P. Multiculturalismo revolucionário. Pedagogia do
dissenso para o novo milênio. Tradução de Mário Morais e Roberto
Costa. Porto Alegre: Artmed, 1997.
____________, Multiculturalismo crítico. Tradução de Bebel
Orofino Schaefer. São Paulo, Cortez, 1986.
MOREIRA, A. F. “Currículo, utopia e pós-modernidade”. In: MOREIRA,
A. F. (Org.). Currículo: questões atuais. Campinas: Papirus, 1997,
p. 9-28.
MORIN, E. “A articulação dos saberes”. In: ALMEIDA, M. C.; CARVALHO,
E. A.. Edgar Morin. Educação e complexidade: Os sete saberes e
79PedagogiaUESC
4U
nida
de
outros ensaios. Tradução de Edgard de Assis Carvalho São Paulo:
Cortez, 2002.
MATTELART, A.; NEVEU, E. Introdução aos estudos culturais.
Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2004.
MATURMA, H; VARELA, F. A árvore do conhecimento: as bases
biológicas da compreensão humana. Tradução de Jonas Pereira dos
Santos. São Paulo: Palas Athenas, 2001.
MACEDO, E.; LOPES, A. “A estabilidade do currículo disciplinar: o
caso das ciências”. In: LOPES, A.; MACEDO, E. (Org.). Disciplina e integração curricular: História e políticas. Rio de Janeiro, DP&A
Editora, 2002, p. 73-94.
PEREIRA, M. Z. “Currículo e autopoíese: a produção do conhecimento.
In: GONSLAVES, E.; PEREIRA, M. Z.; CARVALHO, M. E. Currículo e contemporaneidade: questões emergentes. São Paulo: Alínea,
2004, p. 51-58.
PINEAU, G. “Les histoires de vie comme arts formateurs de
l’existence”. Trabalho apresentado no II Congresso Internacional sobre Pesquisa Auto-biográfica. Salvador-BA, setembro de 2006.
SÁ, M. R. G. Hermenêutica de um currículo: O curso de pedagogia
da FACED/UFBA. Tese de Doutorado. PPGE/FACED-UFBA, 2004.
SANTOS, E. de O. Educação online. Cibercultura e pesquisa-formação
na prática docente. Tese de Doutorado, PPGE/FACED-UFBA, 2005.
SILVA, T. T. Documentos de identidade. Uma introdução à teoria
do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
___________, (Org.). Teoria educacional crítica em tempos pós-modernos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
TOURINHO, M. A. O ensino de história: Inventos e contratempos.
Tese de Doutorado. PPGE/FACED-UFBA, 2003.
VEIGA-NETO, A. Espaços que produzem. Porto Alegre: UFRGS/
PPGEdu, 1999, mimeo.
80 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | O Currículo e seus sentidos teóricos II
Suas anotações
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
1 A NOçãO DE COMPETÊNCIA E A ORgANIzAçãO CUR-RICULAR
Dados históricos nos mostram que a noção de competência
como norteadora de processos de formação não é recente. Superando a
orientação condutista, o seu retorno acontece, também, num contexto
de crítica a certa burocratização da formação e, por consequência, do
currículo. Tal burocratização criaria uma série de entraves para se
forjar currículos sensíveis e conectados às realidades que envolvem/
desafiam os sujeitos coletivos em formação.
UNIDADE V
PROPOSIçõES CURRICULARES CONTEMPORâNEAS I
OBjETIVONesta unidade apresenta-se de forma fundamentada e crítica
os diversos modelos curriculares que a contemporaneidade
nos oferece como possibilidade de implantação pedagógica e
formacional. Há uma preocupação evidente de se evitar que
possamos tomá-los como modelos que se bastam em si, mas
como possibilidades modelizadas de currículo que podem ser
articulados com outras perspectivas curriculares pertinentes.
83PedagogiaUESC
5U
nida
de
É fato que, neste veio, algumas apreensões do conceito de
competência vão cair numa perspectiva tecnicista de formação
orientada tão somente por objetivos instrucionais, ou mesmo,
confunde competência com habilidade, desconecta conhecimentos,
habilidades e valores, perdendo, por consequência, a possibilidade
relacional do conceito e suas mediações pedagógicas. Para não se
falar da recaída neotecnicista de algumas normas de certificação,
quando transformam as competências ali listadas num conjunto
de prescrições sem qualquer compromisso com os contextos de
formação, suas singularidades e dinâmicas sociopolíticas.
Tomando esse veio de raciocínio e falando de um lugar teórico,
político, epistemológico e pedagógico opcionado, face à pluralidade
com que a noção de competência se edifica, podemos dizer que
a concepção de currículo por competências podem ter nos seus
fundamentos a desconstrução de alguns prejuízos epistemológicos
e formativos. Podemos verificar, nos argumentos que tomam as
competências como uma ampliada e dialética possibilidade formativa,
uma crítica às fragmentações encontradas nos currículos pautados
na disciplinarização, assim como no que concerne aos processos
reducionistas nos quais, muitas vezes, essa mesma disciplinarização
reduz a formação a aspectos insulares do conhecimento sistematizado.
Ademais, a proposta da formação por competências critica as
formações que privilegiam o abstracionismo acadêmico, que esquece
que se aprende para se inserir de forma competente e cidadã na
sociedade do presente e enfrentar seus desafios.
Essa reivindicação formativa vai ao encontro também da
desconstrução das naturalizações ou coisificações dos saberes
formativos, na medida em que as referências que advêm dos
mundos não-disciplinares acabam por colocar o saber acadêmico sob
constante tensão, no que concerne ao valor das suas verdades. Como
as competências apontam para a atualização das aprendizagens em
contexto, conhecimentos, habilidades e valores são transformados
em saberes em uso, estando sujeitos às ressignificações a partir do
mundo não-acadêmico da atividade humana.
Da nossa perspectiva, esse caminho de superação desses
prejuízos epistemológicos e formativos que um currículo por
competências construiria, não pode prescindir da vinculação histórica,
ética e política, sob pena de cair-se numa reedição do ensino por
objetivos instrucionais, reduzidos à reprodução de conhecimentos
pré-digeridos e autoritariamente enquadrados. Nestes termos, a
nossa perspectiva entende que cabe fecundar a noção de competência
como mediadora da organização curricular com o veio crítico das
Ao apontar para uma formação que se arti-cula com o mundo do trabalho, da produção e das pautas concretas da vida em sociedade, a proposta da forma-ção por competências aqui pleiteada objetiva a superação das visões apartadas que nos leva-ram a construir currícu-los pautados nas sepa-rações fragmentárias e nas compreensões não-comunicantes.
84 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas I
teorias curriculares, retirando-a da captura neotecnicista que, em
muitos momentos, contaminam essa noção mediadora das formações
contemporâneas.
Diz-se que a pedagogia das competências é, na sociedade
contemporânea, a pedagogia da sociedade pós-industrial. Entretanto
é preciso refletir epistemológica, ética, política e pedagogicamente
sobre esses sentidos que configuram o processo de formação e o
currículo, até porque, a centralidade cognitiva desse conceito pode
facilmente colocá-lo numa reedição psicologizante da gestão do
aprendizado nos cenários curriculares.
A partir dessa perspectiva, algumas atitudes didático-
pedagógicas podem ser apontadas como pertinentes para o trabalho
formativo via um currículo por competências:
• valorização da transposição didática;
• globalização dos saberes;
• o uso de ideias-chave ou noções-núcleo como orientação
dos módulos de aprendizagem;
• aprendizagem para e pelas situações e cenários de trabalho;
• tradução dos conteúdos em objetivos flexíveis;
• envolvimento dos alunos em projetos de trabalho;
• avaliação como observação processual; avaliação formativa;
• “transferência” de conhecimentos, habilidades e valores;
• necessidade de planejar problemas e encontrar estratégias
para resolvê-los, no caso do uso da perspectiva pedagógica
da aprendizagem por problemas;
• Interesse pelos processos de aprendizagem dos alunos;
• avaliação centrada nas evidências de desempenho
demonstrado em situações as mais próximas possíveis
daquelas que os alunos poderão enfrentar na realidade;
realizada em tempo relativizado. Pleitea-se aqui o uso de
indicadores flexíveis, através, predominantemente, de
instrumentos avaliativos de registro.
Vale ressaltar que há nos debates envolvendo a formação
para o trabalho, uma clara tensão ideológica entre aqueles que
aceitam a noção de competência como uma noção mediadora do
currículo e da formação e aqueles que defendem a orientação dessa
formação pautada na perspectiva da qualificação. Sabe-se que essa
perspectiva está vinculada a uma educação pelo conhecimento e
à configuração do mundo do trabalho e sua dinâmica de inserção,
em meio aos processos contraditórios capital-trabalho. Enquanto a
É assim que as compe-tências são conceituadas, como um conjunto de sa-beres e habilidades que os aprendentes incorporam por meio da formação e da experiência, conjugados à capacidade de integrá-los, utilizá-los, transferi-los em diferentes situações. Trata-se, portanto, de uma concepção de currí-culo mediada por uma pe-dagogia ativa e construti-vista, na qual a formação é configurada pelo saber teórico (formalizado) e prático (técnico e metodo-lógico), os quais podemos denominar de saberes em uso.
85PedagogiaUESC
5U
nida
de
perspectiva das competências desloca a atenção para as capacidades
das pessoas em termos sociocognitivos, procurando desenvolver, a
partir da formação, os instrumentos cognitivo-intelectuais capazes
de responder a um mundo da produção profundamente marcado pela
incerteza, pela necessidade de uma atuação flexível e autônoma.
Há um importante debate político aí constituído que precisa ser
explicitado, até porque se pode falar de competências em termos da
organização da formação e do currículo, trazendo para seus âmbitos
as pautas de uma formação ampliada para além do psicológico,
implicando-se o político, o ético e o cultural como organizadores
ativos, rejeitando-se, por consequência, as tendências psicologizantes
e tecnicistas que fizeram parte da sua história.
Um argumento que nos mostra bem essa contradição é
encontrado em Freitas (2002, p. 93):
O pensamento progressista já examinou como o cap-ital escamoteia a formação do trabalhador, na me-dida em que educá-lo é permitir que se torne cidadão consciente das contradições do próprio sistema cap-italista. A questão que se coloca para o capital é: como instruir um pouco mais sem aumentar o grau de conscientização das classes populares?[...] sendo a escola um local de preparação dos fu-turos trabalhadores, ela não pode estar fora de sin-tonia com as novas habilidades exigidas no interior da produção: isto implica maior “participação” e “de-mocracia” no interior da escola. É interessante notar que também no interior da indústria começa a ser experimentado, dentro do novo padrão de explora-ção implantado (tecnologia de grupo, células, círculo de controle de qualidade, planejamento participati-vo, qualidade total, avaliação de competências etc.).
Para Freitas, o que se desenvolve nesse processo é uma
“democratização” do que já está ditado.
As obras de Marise Nogueira Ramos, A pedagogia das
competências: autonomia ou adaptação (2001), bem como
a coletânea organizada por Antônio Tomasi Da qualificação à
competência. Pensando o século XXI (2004), são trabalhos que trazem
de forma pertinente o debate entre as perspectivas da competência
e da qualificação como organizadoras curriculares da formação na
contemporaneidade. Podemos também citar como importante o
trabalho de Philippe Perrenoud (2000), a partir da sua preocupação
em apresentar uma pedagogia que opere mediada pela noção de
competências, direcionando esse aporte, inclusive, para a formação
de professores.
86 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas I
O que é interessante problematizar, é como currículos que
apontam para superação dos prejuízos causados pela lógica disciplinar
abstracionista e reducionista, podem garantir a verticalização
reflexiva dos campos de conhecimento historicamente construídos,
para evitarem um outro prejuízo epistemológico e formativo: a lógica
do descarte e da substituição das tradições em face do fascínio pela
inovação sociopedagógica e curricular, irrefletida, descontextualizada
e sem aprofundamento compreensivo do movimento histórico que
vem configurando essas superações.
2 O CURRÍCULO POR PROBLEMA
A filosofia pedagógica da proposta curricular de aprendizagem
baseada em problemas é o aprendizado centrado no aluno. É baseada,
portanto, no estudo de problemas propostos com a finalidade de fazer
com que o aluno estude determinados conteúdos de forma reflexiva
e tensionada por problemas concretos. O problema identificado é
o mediador principal do aprendizado. Estimula-se, assim, a atitude
proativa dos alunos em busca do conhecimento.
Tomando as definições importantes, relacionadas à organização
do curso, prepara-se um elenco de situações que o aluno deverá
saber. Esse elenco é analisado, situação por situação, para que se
determinem os conhecimentos que o aluno deverá possuir para cada
uma delas. O referido elenco constitui os temas de estudo. Cada tema
será transformado em um problema a ser discutido em um grupo
de apoio, quando se tratar de um tema que diga respeito à esfera
cognitiva.
A aprendizagem baseada em problemas tem o grupo de
apoio como suporte para os estudos, que é composto em geral de
um orientador e de 8 a 10 alunos. Dentre os alunos, um será o
coordenador e outro será o secretário, havendo rodízio de sessão a
sessão, para que todos exerçam essas funções. No grupo, os alunos
são apresentados a um problema pré-elaborado pela comissão de
elaboração de problemas. Essa organização pode assumir formas
mais abertas, mais participativas e menos tutoriais.
Em termos da experiência do grupo de apoio, alguns passos
são sugeridos: leitura do problema; identificação e esclarecimentos
de termos desconhecidos; identificação dos problemas propostos
pelo enunciado; formulação de hipóteses explicitativas para os
problemas identificados no passo anterior (os alunos se utilizam nesta
fase dos conhecimentos de que dispõem sobre o assunto); resumo
A construção do problema consiste em: uma descri-ção do fenômeno para o qual se deseja uma expli-cação no grupo de apoio; ser formulado em termos mais concretos possíveis; ser o mais conciso possí-vel; dirigir o aprendizado para um número limitado de itens; dirigir-se apenas a itens que possam ter al-guma explicação baseada em conhecimento prévio dos alunos; orientar os alunos para estudos inde-pendentes.
87PedagogiaUESC
5U
nida
de
das hipóteses ou questões formuladas; formulação de objetivos
de aprendizado; estudo individual dos assuntos levantados nos
objetivos de aprendizado; retorno ao grupo de apoio para discussão
do problema frente aos novos conhecimentos adquiridos na fase de
estudo anterior (BORDENAVE, J.; PEREIRA, A. 1982).
Uma carga horária é prevista para o estudo de cada problema.
São várias as formas de avaliação possíveis dentro do currículo
baseado em problemas. São previstas avaliações por módulos,
avaliação progressiva dos conhecimentos dos alunos. No que se
refere à avaliação ao final dos módulos, tem por finalidade avaliar
a qualidade do módulo. Um módulo temático deve levar os alunos
a atingirem determinados objetivos de conhecimentos. O núcleo
central do módulo temático são os problemas desenvolvidos para
a abordagem dos temas. Espera-se que um problema deve ensejar
uma boa discussão no grupo de apoio de modo que ao fim desta
discussão os alunos elejam objetivos de aprendizado adequados ao
conhecimento do tema em estudo.
Em termos organizacionais, instituem-se comissões, como
a comissão de currículo, a comissão de avaliação, as comissões
diretoras e a comissão de problemas.
Vale questionar se uma aprendizagem por problema pode
garantir os níveis de aprofundamento em determinados campos do
conhecimento necessários a um processo de qualificação interna a
esses campos. Teria a configuração de um problema a capacidade
de suscitar o “domínio” necessário nestes termos? Não seria mais
pertinente configurar modelos curriculares crítico-multirreferenciais
onde os inacabamentos pudessem ser reconhecidos e articulados, em
vez de tentar-se achar num só modelo uma realização acabada e
totalizante?
O que nos parece importante, neste dispositivo curricular,
é a articulação entre o problema estudado e o processo de
problematização dos fenômenos. Neste sentido, os atos de currículo
caminhariam através de uma práxis pedagógica, que cultivaria a
reflexão ultrapassando a mera atividade intelectual, vinculando-
se a uma aprendizagem acionalista, no qual a compreensão e a
transformação seriam ética, política e esteticamente recomendadas
como perspectivas indissociáveis. Aprender implicando-se numa
prática reflexiva é a orientação fundante de uma formação pautada
na problematização do conhecimento e da realidade social.
88 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas I
3 O CURRÍCULO POR PROjETOS
Como mais um dispositivo que se orienta na perspectiva de
integrar os conhecimentos a partir dos desafios que a realidade
concreta nos apresenta, o currículo por projeto vem sendo praticado
como um modelo curricular inovador e superador da lógica disciplinar-
fragmentária e abstracionista que a tradição curricular cultivou
secularmente.
Há, como em todo dispositivo curricular, passos a serem
organizados para que esse dispositivo se caracterize como tal. É
assim que um currículo por projeto começa com a escolha do tema
que constitui o ponto de partida.
Na descrição realizada por Hernández e Ventura em cada nível de escolaridade, essa escolha adota carac-terísticas diferentes. Os alunos partem das suas ex-periências anteriores, da informação que têm sobre os projetos já realizados ou em processo de elabo-ração por outras classes. Essa informação deve se tornar pública nos espaços formativos. Dessa forma, o tema pode pertencer ao currículo oficial, proceder de uma experiência comum, originar-se de um fato da atualidade, surgir de um problema proposto pela professora ou emergir de uma questão que ficou pendente em outro projeto. O professorado e os alu-nos devem perguntar-se sobre a necessidade, rele-vância, interesse ou oportunidade de trabalhar um ou outro determinado tema. Todos eles analisam, de diferentes perspectivas, o processo de aprendizagem que será necessário levar adiante para construir con-juntamente o projeto (HERNANDEZ; VENTURA 1998, p. 69).
A atividade do docente: escolhido o tema do projeto e
construídas as percepções sensibilizadoras, em termos do que se
quer saber, as perguntas que se deve responder, a atividade docente
especificará qual o motivo reitor do conhecimento, o fio condutor,
o esquema cognocitivo que permitirá que o projeto vá além dos
processos informativos ou instrumentais imediatos e possa ser
aplicado em outro tema ou problema. Esse fio condutor está em
relação com o Projeto Político Pedagógico e o Projeto Institucional
Curricular, no sentido da realização de uma primeira previsão dos
conteúdos (conceituais e procedimentais) e as atividades, tratando
de encontrar algumas fontes de informação que permitam iniciar
e desenvolver o projeto. Segundo Hernández e Ventura (1998), a
pergunta que o docente tenta responder é: o que pretendo que os
Integrar conhecimentos e pensá-los com as realida-des contextualizadas é o cerne da proposta curricu-lar por projetos. Ou seja, possibilitar que o conheci-mento seja experienciado de forma globalizada, re-lacional, e, portanto, com uma compreensão relacio-nal. Nestes termos, é cen-tral o incentivo e o desafio a um constante esforço in-terpretativo construtivista por todas as vias didático-pedagógicas.
89PedagogiaUESC
5U
nida
de
diferentes componentes do grupo aprendam com o projeto? Neste
sentido, inovações, paradoxos, contraste com outras fontes, cenários
educativos e experiências trazidas pelos próprios estudantes são
importantes. O compromisso é com o aprendizado ativo e a criação.
Oficinas interclasses podem ser intercruzadas com o trabalho
individual; um ambiente pedagógico motivador deve ser incentivado
para bem como realçar e valorizar a consciência do sentido da
aprendizagem grupal; procura-se trabalhar bem com a previsão
dos recursos para efetivar a funcionalidade do projeto; trabalha-se
para se conceber e instituir uma avaliação processual, ou seja: de
início, verificar o que os alunos sabem sobre o tema, quais são suas
perguntas, hipóteses e referências de aprendizagem, e, ao longo do
projeto, se estão aprendendo, como estão acompanhando o sentido
do projeto, para finalmente perceber o que aprenderam em relação
às propostas iniciais e se são capazes de estabelecer novas relações.
Investir nas fontes de informações, nas tecnologias mediadoras
e como acessá-las é também do âmbito da organização de um trabalho
pedagógico com projetos.
Dizem-nos Hernández e Ventura (1998) que, partindo da
perspectiva geral, os projetos geram um alto grau de autoconsciência e
de compreensão nos alunos com respeito à sua própria aprendizagem,
ainda que, num determinado período ou momento da formação,
possam estar desenvolvendo projetos de uma forma menos intensa.
Segundo os autores, essa variedade é um elemento de contraste e
dinamiza a discussão.
O que nos parece importante salientar, no veio dos argumentos
das nossas perspectivas curriculares, é que nenhum dispositivo ou
modelo curricular deve ser compreendido ou implementado como
mais uma nova panaceia educacional. A superação dessa expectativa
aplicacionista, junto a uma abertura para avaliar bem a inovação,
já seria um grande avanço para a superação dos nossos hábitos
reprodutivistas e totalizantes em termos pedagógico-curriculares.
4 O CURRÍCULO POR TEMAS gERADORES E POR PRO-BLEMATIzAçãO
Longe de qualquer visão populista do pedagógico, a perspectiva
curricular dos temas geradores, inspirados no pensamento de Paulo
Freire, caminha num claro questionamento: para quê? Assim,
educação e política são indissociáveis como projeto e práticas sociais.
O currículo, sua concepção e implementação vão refletir, mobilizar e
90 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas I
objetivar essa indissociabilidade.
Propostos pelos professores, e detectados pelos grupos, os
temas geradores não se identificam com a simples transmissão do
conhecimento. Entretanto isso não proíbe a narrativa dos professores
como produtos de experiências significativas. Vale ressaltar que
os temas geradores não se identificam também com as atividades
realizadas em torno dos “centros de interesse”, na medida em que,
diferentemente destes, procuram ampliar o horizonte da investigação
e aprendizagem, explorando os fatores culturais e sociais envolvidos,
tanto do ponto de partida quanto no seu desenvolvimento.
Há, no trabalho de integração das áreas do conhecimento
com os temas geradores, a superação da fragmentação e da
justaposição de informações muitas vezes irrelevantes, tão comuns
na composição e implementação dos nossos currículos. A crítica às
formas opressoras seja de classe, seja de qualquer outra natureza
é fundante nesta perspectiva curricular, assim como o incentivo a
uma práxis transformadora das iniquidades sociais dentro e fora dos
cenários educacionais.
É interessante colocar que neste tipo de dispositivo curricular
o professor não deve descartar o imprevisto, na medida em que a
dialogicidade é constitutiva da própria proposta curricular. Sua atitude
de pesquisa deve estar aguçada, porquanto a problematização da
realidade e dos conhecimentos que dinamizam teoricamente os temas
criam constantemente campos de inacabamento e necessidades de
novos estudos e pesquisas. É aqui que o planejamento da atividade
curricular deve incluir um processo pedagógico multirreferencial, na
medida em que são necessárias para esse trabalho múltiplas fontes
de informação, vindas de dentro e de fora da instituição formadora.
Faz-se necessário, portanto, mobilizar múltiplos cenários de
aprendizagem e, na prática, destituir totalmente o ensinaraprender
pautado na hipertrofia da memória. Aqui, o heterogêneo potencializa
o senso crítico e a capacidade de realizar compreensões em meio a
uma realidade humana que nunca foi homogênea, tampouco estável
e justa.
Um tema pode surgir do coletivo social dos alunos e professores.
Um tema gerador não é uma camisa de força. Essa inspiração
pedagógico-curricular parte da premissa de que nossa educação não
é igualitária e justa, e que se faz necessário trabalharmos em todas
as dimensões para a conquista de um ato educativo pautado nas
diversas justiças negadas pelo modelo opressivo do capitalismo e
das sociedades autoritárias; deverão existir cenários formativos que
permitam a errância, a transgressão, a emergência da diferença,
Integrar conhecimentos e pensá-los com as realida-des contextualizadas é o cerne da proposta curricu-lar por projetos. Ou seja, possibilitar que o conheci-mento seja experienciado de forma globalizada, re-lacional, e, portanto, com uma compreensão relacio-nal. Nestes termos, é cen-tral o incentivo e o desafio a um constante esforço in-terpretativo construtivista por todas as vias didático-pedagógicas.
Nutrir a curiosidade, valorizar o conheci-mento científico como construção humana, evitar modelos impos-tos, trabalhar com a contextualização, ga-rantir a criticidade e a criatividade, articular criticamente os temas e os saberes que nele se implicam, historicizar e politizar a relação com o saber são caminhos inerentes à perspectiva pedagógico-curricular dos temas geradores.
91PedagogiaUESC
5U
nida
de
sempre problematizados e enraizados na responsabilidade social
de uma educação para a dignidade humana; uma educação cidadã,
pautada numa moral cidadã, portanto.
Ouçamos Sônia Kramer (1989, p. 63), quando acolhe a
perspectiva do tema gerador como orientação curricular:
Cabe lembrar que uma característica fundamental da proposta é a necessária articulação desses conhe-cimentos com a prática pedagógica, viabilizada ex-atamente pelo tema gerador, verdadeiro fio condu-tor das atividades e, ao mesmo tempo, organizador dos conteúdos. Mas esses conteúdos não se amal-gamam, nem se desfiguram ou são disfarçados pelo tema. Ao contrário, eles se tornam significativos e ficam revestidos de seu real valor e de sua função social, na medida em que são sempre contextualiza-dos, sendo adquiridos para alguma finalidade con-creta e em função de um objetivo elucidado.
Em termos de avaliação, impossível reproduzir, nesta
perspectiva, os padrões correntes de avaliação pautados em
comparações por escalas numéricas e na compulsiva busca dos
erros e acertos para, de forma antinômica, definir e decidir sobre a
aprendizagem do outro.
Nestes termos, Kramer sugere cinco tipos de estratégias
para proceder à avaliação: “análises e discussões periódicas sobre o
trabalho pedagógico; observações e registros sistemáticos; arquivos
contendo planos e materiais referentes aos temas; relatórios dos
alunos; prática da auto avaliação” (KRAMER, 1989, p. 95-96).
Como dispositivo da organização e de orientação dos atos
de currículo, o tema gerador aparece como uma das perspectivas
curriculares das mais significativas, na medida em que epistemológica,
política, ética e pedagogicamente não cai numa simplificada proposição
modelizada de currículo.
92 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas I
ATIVIDADES
1. Qual é a principal crítica efetivada pelo modelo curricular por competência aos currículos modernos?
2. Baseado nos fundamentos e nas propostas concretas de currículos por competências, realize um rascunho com um exemplo de como se constrói uma competência curricular, tendo como componentes globalizados e necessários, o conhecimento, as habilidades e os valores a serem trabalhados.
3. Caracterize e relacione a concepção de currículo por problema e por projeto.
4. Como você caracterizaria o currículo por temas geradores?5. Qual o papel central do pensamento de Paulo Freire nesta
concepção de currículo?
RESUMIMDO
O movimento das necessidades formativas do mundo
educacional contemporâneo, assim como a presença de uma
diversidade de concepções de currículo que surgem desse movimento,
suas características e contradições vão forjar um conjunto de
modelos curriculares extremamente singulares nas suas propostas
organizativas e formativas. A superação do modelo disciplinar está na
base desses modelos denominados de integrativos.
Vê-se, neste contexto, o surgimento da proposta curricular
por competência, que tem como lógica a superação da fragmentação
e do abstracionismo disciplinar pautada na necessidade de integrar
conhecimentos, habilidades e valores, vinculados às realidades das
atividades humanas concretas, principalmente atreladas ao mundo do
trabalho. Neste mesmo veio de superação dos modelos disciplinares,
os modelos por projeto estão fundando no exercício da globalização
dos saberes e na interdisciplinaridade, a partir do trabalho com
temas eleitos como pertinentes. Coerente com esses princípios o
modelo curricular por problema, parte não do conhecimento livresco
ou disciplinar mais de problemas pertinentes para a formação. É o
problema a ser compreendido e superado que mobiliza os saberes.
No caso do currículo por problematização está pautado nos
ideais político-educacionais de Paulo Freire e sua concepção de uma
educação para conscientização e emancipação. O trabalho com os
temas geradores como tema que problematizam a realidade para
melhor compreendê-la é a base pedagógica dessa proposta curricular.
ATIVIDADES
RESUMINDO
93PedagogiaUESC
5U
nida
de
FILME RECOMENDADO
Escritores da Liberdade – dirigido por Richard La Gravenese, num
cenário tenso e de intolerância etnicorracial, uma professora dedica-
se em desenvolver atos de currículo e uma formação pautada na
solidariedade e no reconhecimento da diferença. As marcas dessa
atitude são profundas na sua vida profissional e pessoal e dos seus
alunos.
O Carteiro e o Poeta – tendo como diretor Michael Radford, o filme
narra a amizade do poeta chileno Pablo Neruda com um carteiro. Num
cenário de uma pequena ilha da Itália, onde Neruda vive o exílio, ao
ler as poesias deste, o carteiro vai construindo seus saberes e sua
formação estética onde o amor e a poesia assumem a centralidade
desta experiência formativa.
Documentário sobre Paulo Freire - realizado pela TV Escola,
dirigido por Toni Venturini, está disponível na internet como domínio
público na Biblioteca Digital do MEC. Dividido em três partes, o
vídeo apresenta a biografia de Freire, comentários sobre sua obra e
importância deste educador no contexto nacional e mundial. Neste
documentário temos a oportunidade de perceber os fundamentos do
currículo por temas geradores.
SITE RECOMENDADOhttp://eduquenet.net/educompetencias.htm
http://www.curriculosemfronteiras.org/
http://www.globalcurriculum.net/pt/curriculo/
hyyp://cenpah.blogspot.com/2011/02/curriculo-de-desigualdades.
html
FILME RECOMENDADO
SITE RECOMENDADO
94 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas I
REFERÊNCIASHERNÁNDEZ, F. VENTURA, M. A Organização do currículo por projetos de trabalho. O conhecimento é um caleidoscópio. Tradução
de Jussara Rodrigues. Porto Alegre: Artmed, 1998.
KRAMER, S. Com a pré-escola nas mãos. Uma alternativa curricular
para a educação infantil. São Paulo: Ática, 1989.
LAVE, J.; WENGLER, E. Situeted learning: Legitimate peripheral
participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
LIMA, E. S. Ciclos de Formação. Uma reorganização do tempo escolar. São Paulo: Editora Sobradinho, 2002.
MACEDO, R. S. A etnopesquisa crítica e multirreferencial nas ciências humanas e na educação. Salvador: EDUFBA, 2000.
________, Chrysallís. Currículo e complexidade. A perspectiva
crítico-multirreferencial e o currículo contemporâneo. Salvador:
EDUFBA, 2002.
________, Atos de currículo. Educação intercrítica como práxis
identitária. 2005.
________, Etnopesquisa Crítica, Etnopesquisa-formação.
Coleção Pesquisa n. 15, Brasília: Líber Livro, 2006.
PERRENOUD, Ph. 10 novas competências para ensinar. Tradução
de Patrícia Reuillard. Porto Alegre: Artmed, 2000.
RAMOS, M. A pedagogia das competências: autonomia ou
adaptação? São Paulo: Cortez, 2002.
REFERÊNCIAS
95PedagogiaUESC
5U
nida
de
Suas anotações
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
1 O CURRÍCULO POR MóDULOS DE APRENDIzADO
A preocupação com a fragmentação das formações, bem
como com a construção, no âmbito dos currículos, de um itinerário
formativo onde o aluno possa construir com considerável autonomia
seu percurso de aprendizagens; a edificação de uma flexibilidade
quanto à terminalidade desse percurso, levam autores como Michael
Young a propor a modularização como uma das alternativas possíveis
para se superar os currículos lineares e de itinerário de formação
rígido. Acrescenta a esta possibilidade de organização curricular a
abordagem por resultados. Como explicita, no início do sexto capítulo
UNIDADE VI
PROPOSIçõES CURRICULARES CONTEMPORâNEAS II
OBjETIVONesta unidade, continuidade da anterior, ampliamos o estudo
sobre os modelos curriculares contemporâneos, focando
agora nos currículos por módulos de aprendizagem, em rede,
hipertextual e online, bem como no currículo por ciclo de
formação. Apresenta-se ademais, a ideia da aula como atos de
sujeitos do currículo e o pensamento fundante que atravessa
todos os textos que é a possibilidade de se conceber e se
construir um currículo educativo.
97PedagogiaUESC
6U
nida
de
do seu livro, o Currículo do Futuro:
Neste capítulo quero examinar os laços entre duas estratégias curriculares correlacionadas, a aborda-gem de resultados... e a modularização como modo de organizar um currículo flexível em pequenos blo-cos de aprendizado, que podem ser combinados uns com os outros de diversas maneiras (YOUNG, 2000, p. 119).
Mesmo analisando a questão curricular da modularização a
partir do contexto da escolarização na Inglaterra, o autor nos oferece
reflexões fecundas para pensarmos alternativas de construção
curricular que favoreça a vivência de aprendizagens relacionais, ou
seja, aprendizagens que se articulem com temas transversais de modo
a se dinamizar num movimento em espiral, onde temas, proposições,
problemáticas, conceitos fundantes da experiência formativa, sejam
vivenciados perpassando toda a formação e sendo perpassado pelos
conhecimentos específicos dessa mesma formação.
Vê-se, no argumento que se desenvolve no texto, que Michael
Young (2000) está preocupado, acima de tudo, com o aprendizado
no âmago da dinâmica curricular, pois são vários os momentos em
que cita a “elevação do desempenho” como uma meta importante na
vivência formativa do currículo modularizado. Vejamos a elaboração
do próprio autor: “[...] a avaliação ao final de cada módulo significava
que ela poderia se relacionar mais diretamente com as experiências de
aprendizado dos estudantes e, assim, ser mais conclusiva na elevação
do desempenho do que as formas convencionais de avaliação final”
(Idem, p. 129).
Relacionando a modularização do currículo com a abordagem
por resultados, o autor explicita, que tanto a modularização como
a abordagem por resultados podem afirmar ser perspectivas
curriculares centradas no aluno, embora de um ponto de vista um
tanto quanto diferente. É assim que a abordagem por resultados
começa descrevendo o que o aluno pode esperar alcançar, definindo os
critérios de reconhecimento do aprendizado já realizado, ao passo que
a modularização concentra-se nos estudantes como administradores
de seu próprio aprendizado, que precisam de retornos explicitadores
a fim de criar a base para melhoria das suas próprias estratégias de
aprendizado, como responsáveis pelas decisões e como selecionadores
de programas de aprendizado.
Para Young (2000), a capacidade de tomar decisões em relação
ao aprendizado não pode ser separada do nível de aprendizado
alcançado, é ela própria algo que tem de ser aprendido, reconhecido
98 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II
na ideia de “aprender a aprender.” No mesmo veio de raciocínio, o
autor nos fala que a modularização por si só não é capaz de assegurar
um bom desempenho. Neste sentido, estratégias pedagógicas
pertinentes terão que ser usadas para se chegar a uma “elevação
do desempenho”. É aqui que a valorização do professor aparece de
forma explícita para Young:
Renunciar a algumas de suas práticas tradicionais equivalerá a depositar mais, e não menos, respon-sabilidade nos professores. A contraposição entre a centralidade do professor e a centralidade do aluno, em especial no contexto de uma abordagem base-ada em resultados, que dá tanta atenção à avaliação, pode facilmente distrair a atenção dos desenvolvi-mentos de uma pedagogia centrada no aluno [...] minha crítica a um currículo centrado no aluno con-centrou-se nas limitações das abordagens que dão excessiva ênfase ao papel ativo dos alunos; argu-mentei que elas desdenham a necessidade de novos papéis para professores... (Idem, p. 130).
Esta preocupação do autor vai ao encontro do fato de que uma
abordagem de formação predominantemente focada no aprendizado
por ensaio e erro não parece ser uma base para elevar os níveis de
desempenho ou para preparar os jovens para um mundo do trabalho no
geral é provável que cada vez mais empregos exijam conhecimentos
e habilidades conceituais que não podem ser aprendidos apenas no
trabalho.
Outra preocupação do autor é quanto ao conteúdo na
organização curricular por módulos. Neste ponto, afirma que a
capacidade de “aplicar” o conhecimento é tão importante quanto o
próprio conhecimento, e que o conhecimento que fica na fronteira
entre as matérias pode, às vezes, ser mais importante do que o
próprio conhecimento das matérias. Assim, um currículo organizado
por módulos pode oferecer essas possibilidades, permitindo diferentes
combinações de conhecimentos disciplinares e de aplicações que
podem ser definidas por resultados.
Para Young (2000), porém, o desenvolvimento do conhecimento
e das habilidades gerais, exige a especificação dos conteúdos, dos
contextos e dos processos (por exemplo, experiência industrial e
trabalho em equipe) e, portanto, exigiria um currículo que fosse além
de um banco modular nacional e além dos resultados de aprendizado
que estivesse ligado a módulos individuais.
De acordo com Lave e Wengler, “o conceito de conectividade
começa reconhecendo que o aprendizado tem uma finalidade e é
Michael Young (2000) conclui a sua análise conclamando para que se realize a organização curricular por módulo, pautada nos princípios da modularização co-nectiva, nos resultados conectivos, vinculando-os à ideia de currículo do futuro. Neste sen-tido, é necessária uma nova abordagem de or-ganização do currículo que ligue os módulos e os resultados às aspira-ções e necessidades dos alunos e aos objetivos e propósitos do sistema como um todo. No cen-tro dessa perspectiva está um completo en-volvimento dos alunos, na medida em que o aprendizado se dá por intermédio das relações que se estabelecem.
99PedagogiaUESC
6U
nida
de
um processo social que tem lugar explícita ou implicitamente numa
comunidade de prática com outros alunos” (1994, p. 56).
O que se percebe nesses argumentos é que, para o nosso
sociólogo do currículo, a conectividade na organização do currículo
por módulos não se refere a um modelo determinado de currículo,
mas, sim, à maneira como os objetivos curriculares de uma formação
são expressos em todas as suas atividades e à maneira como essas
atividades são reunidas para articular e apoiar os objetivos de cada
um dos alunos. Ressalta, assim, a interdependência entre todo o
currículo de uma escola e os elementos que a compõem: programas
disciplinares e profissionalizantes, apoio ao aluno, orientação etc., e
como argumenta conclusivamente Young (2000, p. 134), “nas suas
relações com desenvolvimentos mais amplos dentro da sociedade.”
2 CURRÍCULO EM REDE, HIPERTExTUAL E EDUCAçãO on-line
A chegada das tecnologias da informação e da comunicação
nos cenários educacionais obriga, de alguma forma, o campo do
currículo e as práticas curriculares a entrarem no mérito das possíveis
mediações estruturantes que essas tecnologias podem implementar,
e mesmo, na natureza do contexto cultural e sociopolítico que
produzem: a cibercultura.
Potencializadoras de novas/outras maneiras de se estruturar
o currículo, as chamadas TICs, representam hoje um desafio que
vão além do tecnológico quando são transferidas para educação
ou produzidas neste cenário social. Incitam problemáticas éticas,
políticas, epistemológicas e pedagógico-curriculares. Como com
qualquer contexto técnico, é necessário refletir as ambivalências que
crivam o seu uso socioeducacional. Até porque, avanço técnico não
significa necessariamente avanço social, tampouco educacional.
É fato, nesse mesmo contexto, que essas tecnologias
apontam para soluções interessantes e potencialidades significativas
quando se pensa na democratização da educação e na diversidade
de configurações e modos de relação com o conhecimento, numa
realidade sociotécnica que nos desafia, vinda principalmente do
mundo do trabalho, da produção, da cultura, e mesmo das novas
configurações da (in)formação e da comunicação propriamente ditas.
Para não dizer, do “oferecimento” aos educadores de possibilidades
inovadores e relevantes jeitos de se lidar com o aprendizado, em
várias e simultâneas linguagens conectadas, que acabam por ampliar
100 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II
a compreensão da realidade que vivemos, pautada e muito, num
mundo digitalizado, veloz e cada vez mais enraizado em um misto
de redes virtuais e presenciais. Potencializa-se uma interatividade de
ampla conectividade, o que alarga os níveis de contato e, portanto,
de possibilidades (in)formativas.
Diante de tanta proximidade com a diferença, a aprendizagem
com o outro é enriquecida de forma significativa. É aqui que
curriculogistas como Santos nos demanda a construção de um
currículo em rede:
Diante do paradoxo entre a natureza do ciberespaço, rede, e as produções lineares encontradas no mesmo, torna-se urgente discutir outras dimensões de comu-nicação para que novas ações sejam materializadas, sobretudo no campo do currículo e da educação. Um currículo em rede precisa ser instituído. A rede tem centros instáveis, configurados por compromissos técnicos, estéticos e políticos. Seus elementos circu-lam e se deslocam de acordo com as necessidades e problematizações dos sujeitos. Dessa forma, tanto professores quanto estudantes pode ser autores e co-autores de mensagens abertas e contextualizadas pela diferença das suas singularidades [...] O que importa nessa complexa rede de relações é a garan-tia da produção de sentido, da autoria dos sujeitos coletivos...O currículo em rede exige a comunicação interativa onde saber e fazer transcendam as separa-ções burocráticas que compartimentalizam a autoria , quem elabora, quem ministra, quem tira as dúvi-das e quem administra o processo da aprendizagem (2005, p. 25).
É necessário pontuar, entretanto, que o trabalho pedagógico
curricular com a metáfora da rede não implica apenas no trabalho
com os dispositivos digitais. A rede é um potencial humano, hoje
diferencialmente realçado pelas TICs.
É no trabalho com redes de saberes desenvolvido pela
pesquisadora Nilda Alves, que vamos verificar a ideia de que a tessitura
do conhecimento em rede aprofunda a discussão inicial das esferas de
formação. É assim que a noção de conhecimento em rede introduz um
novo referencial, a prática social, na qual o conhecimento praticado é
tecido por contatos múltiplos. O conhecimento cotidiano é tecido por
meio de táticas de uso do já existente, seguindo o caminho de certa
improvisação (ALVES, 1998). Em contexto, múltiplas subjetividades
se encontram e sujeitos cotidianos tecem seus conhecimentos a partir
das diversas redes que pertencem. Essas inspirações são, em muito,
pautadas nas obras de Boaventura de Souza Santos, Henri Lefèbvre
Como consequência da forma interfaceada des-ses dispositivos, os atos de currículo emergiriam: disponibilizando possi-bilidades de múltiplas experimentações, de múltiplas expressões; disponibilizando uma montagem de conexões em rede que permite múltiplas ocorrências; formulando situações; arquitetando percursos; mobilizando a experi-ência do conhecimento; construindo uma rede e não uma rota; ofere-cendo ocasião de engen-dramentos, de agencia-mentos; estimulando a intervenção dos alunos como co-autores da construção do conheci-mento e da comunicação (SANTOS, 2005, p. 31).
101PedagogiaUESC
6U
nida
de
e Michel de Certeau.
Dessa forma Ramal nos fala: “Rede: eis a metáfora e a
inspiração possível de um novo diagrama curricular. A rede que
captura, e que ampara, que distribui e abastece, canaliza e entrelaça,
transmite e comunica, interliga e acolhe” (RAMAL, 2002, p. 186).
Temos, por outro lado, que tomar cuidado com o discurso que
enaltece um currículo em rede, afirmando a ausência de hierarquia,
é como se o poder não fizesse parte das relações com o saber.
Cuidemos dessas simplificações que acabam por ofuscar a concretude
das relações que se estabelecem nas práticas curriculares com o
conhecimento e a formação.
Inspirando-nos em Santos (2005, p. 126), a rede possibilita
dialogar num cenário polifônico ampliado. Múltiplas linguagens
confluem para uma formação que disponibiliza a pluralidade de forma
rápida e em tempo real. Santos (2005, p. 134), quando enfatiza a
multivocalidade, nos diz que o hipertexto precisa contemplar uma
pluralidade de pontos de vista acerca dos temas abordados. Conclui
a autora: “Quanto mais diversidade e referências diferentes mais
possibilidades terá o participante da formação de construir seu próprio
ponto de vista” (SANTOS 2005, p. 138)
A tese de doutorado dessa autora é uma pesquisa-formação
que mostra um exemplo prático de uma formação em pesquisa de
educadores, usando um currículo hipertextual, a partir da criação
de um AVA – ambiente virtual de aprendizagem – concebido como
dispositivo formativo.
A formação e, portanto, o currículo – seu principal organizador
- são preocupações que devem ancorar as disponibilidades e
dispositivos tecnológicos e inovações pedagógicas sempre lembrando
que a técnica nos meios educacionais está orientada por perspectivas
ideológicas, mesmo que implicitamente.
Por concluir, nos parece importante vislumbrar a necessidade de
não mais cairmos na tentação da excessiva e impositiva modelização,
tão cara aos meios educacionais e acadêmicos, sempre movidos
pelas práticas da busca de soluções pedagógicas isoladas. A saída
educacional é a lembrança fundante de que a educação é uma prática
social, comprometida com a dignidade da formação e, deve, por
esses princípios, filtrar política e eticamente as proposições, modelos
de inovação e avanços técnicos.
As tecnologias não são meras ferramentas transpar-entes; elas não se deixam usar de qualquer modo: são em última análise a materialização da raciona-lidade de uma certa cultura e de um ‘modelo global
Quanto a um currículo vi-vido como um hipertexto, potencializado pela ciber-cultura, configura-se como uma significativa abertura para uma formação mul-tirreferencializada na me-dida em que o hipertexto é concebido como uma inter-relação de vários textos ou narrativas.
102 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II
de organização do poder’. É possível, contudo, uma reconfiguração, uma reapropriação, se não como es-tratégia, pelo menos como tática (MARTIN-BARBE-RO, 1997, p. 256).
Questionamos proposições curriculares que se apresentam
como vias únicas. Desconfiamos sempre das vias únicas não-dialógicas,
na medida que os cenários educacionais foram e sempre serão plurais,
heterogêneos, temporais e, portanto, produzem problemas vários.
Michel Serres vem nos dizendo que nós humanos produzimos a
diferença. Nestes termos, a perspectiva multirreferencial nos sinaliza
para uma orientação curricular capaz de fazer face ao que mais
assombra os sistemas educacionais e os atos de currículo: o trabalho
pedagógico diferenciado com as diferenças, visando uma educação
de condições e oportunidades iguais. A rejeição das vias únicas não
significa que algumas vias não deixem de representar escolhas que
se apresentam como mais relevantes em determinados momentos
históricos, como, por exemplo, a luta inspirada de alguns sistemas
de ideias que se orientam por, pelas e para as justiças curriculares.
A cibercultura deve ser, portanto, mais um conjunto de
referências, com as quais as práticas curriculares devem contar
para realizar a sua mais árdua e importante tarefa, a de organizar e
implementar a formação do Ser-cidadão.
Por todos os ângulos, devemos evitar nos meios educacionais
os Prometeus técnicos, acadêmicos ou de qualquer natureza. Eles
nunca cumprem o que prometem, aliás, nunca cumprirão, pois as
reduções que cultivam são parcialidades em si.
3 O CURRÍCULO POR CICLOS DE FORMAçãO
Partimos da premissa de que o tempo que, predominantemente,
organiza a formação na escola é um tempo de significado autoritário
e reduzido a uma certa reprodução cronológica. É um tempo que
joga contra a singularidade, a itinerância-errância do aprender e a
inventividade, por consequência. Não é um tempo que possibilita
o processo de autonomização de quem aprende e forma-se. É um
tempo-controle que intensifica a burocratização do aprendizado e
facilita a alienação no desejo do outro instituído, ou melhor, do Estado-
controlador. Essa temporalidade dificulta a emergência dos tempos
heterogêneos, vividos, negociados, portanto do trabalho democrático
e responsabilizado com os tempos humanos e institucionais. Nega-
se de forma policialesca o direito ao tempo para o devaneio, como
103PedagogiaUESC
6U
nida
de
nos provoca Bachelard. Trivializa-se e rotinariza-se o tempo, fabrica-
se o tédio da repetição e planta-se o beijo da morte no tempo que
se necessita para nutrir/oxigenar a aprendizagem do exercício da
construção de espíritos improgramáveis.
É complexificar a temporalidade demonstrando seu caráter
irreversível e reiterativo. O que se percebe nesta perspectiva é uma
temporalidade marcadamente mais rica, múltipla. Podemos falar
de uma politemporalidade onde se vinculam repetição, progresso
e degradação. O pensamento complexo afronta a complexidade do
tempo; entendemos que não existe apenas o tempo de duas flechas,
mas também o tempo que pode ser simultaneamente irreversível e
reiterativo (MACEDO, 2002).
Os tempos subjetivos costumam estar inscritos de forma
rígida no tempo das instituições. É tomando a complexidade dessa
temporalidade que Assmann (2000) propõe que o tempo institucional
deveria estar sempre a serviço de um clima institucional que estimule
a sincronização entre tempos cronológicos e tempos vivenciados.
Segundo Assmann, a criação de condições de aprendizagem requer
que temporalidade institucional seja colocada em função da produção
de tempo vivo, ou seja, a serviço de um tempo que se revele fecundo
para a construção do conhecimento e para alentar a sensação do
aluno/as e docentes de que eles efetivamente se encontram inscritos
num tempo pedagógico. A preocupação do autor vai ao encontro do
fato de que a dimensão temporal do processo de aprendizagem não
se refere apenas ao tempo cronológico, mas a uma pluralidade de
tempos que, literalmente, estão em jogo no cotidiano da vivência
curricular. Sabendo-se que a vida não se desprende do tempo,
compreendemos que o tempo humano está inscrito na duração. Ele
existe mediante o devir e não é redutível a fragmentos separáveis.
Para Borba, as pedagogias normativas instituem um tempo que
causa impacto, angústia e inquietude nos professores e alunos. No
entanto, a transposição pedagógica, e diversas pesquisas comprovam
isso, não se dá no mesmo tempo para cada aluno. Há o aluno que,
uma vez ensinada a matéria, a apreende na hora; há o aluno que a
apreende uma semana depois e há o aluno que só depois exclama:
Ah! o que o professor queria dizer era isso! (BORBA, 2004).
O que Borba quer ressaltar é que o ato complexo de aprender
passa pela compreensão da temporalidade e nela a historicidade de
cada um. Borba se pauta nas elaborações de Ardoino e Castoriadis na
medida em que esses autores entendem que a alteração, finalidade de
toda educação, é um processo de mudança que ocorre dentro de uma
duração. “A alteração (grifo nosso) é um processo de mudança, de
O currículo e a aula, como atos de currícu-lo, precisam incorpo-rar intercriticamente os tempos culturais que se atualizam nesses cená-rios, como referências que orientam e confi-guram o aprendizado, bem como precisam começar a repensar o automatismo, a linea-rização e a rigidez com que pleiteiam os tem-pos humanos e o tra-balho pedagógico com eles nas instituições de formação.
104 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II
criação – no tempo – do que ainda não é no processo de hominização-
formação, estamos sempre num movimento mutante dentro da
temporalidade”, conclui Borba (2004, p.51). É assim que o indivíduo,
em formação, forma-se com tudo aquilo que sua historicidade/
temporalidade traz de importante para orientá-lo e referenciá-lo. É
assim que entra e convive com os outros numa sala de aula.
Por que e para que o currículo faz desses tempos diversos
algo de pouca importância? Parece-nos uma questão desveladora em
termos socioculturais e políticos, porquanto aponta para uma porção
autoritária e alienante do currículo expresso e oculto.
É nestes termos que, em nome das errâncias criativas
necessárias a uma digna qualificação via os processos formativos, a
aula, como ato de currículo, poderia construir uma experiência temporal
rica, não carcerária, onde responsabilização e autonomização não se
colocassem como coisas incomunicáveis, mas presenças dialógicas
necessárias nas construções instituídas e instituintes dos tempos do
ensinaraprender.
No seio dessa perspectiva é que surgem as propostas dos
currículos por ciclo de aprendizagem e formação. Para Lima (2002 p.
9), o ciclo de formação é uma concepção que rompe com os modelos
internalizados de aprendizagem:
É uma concepção que está ligada a um projeto de educação que valoriza a formação global humana e que está fortemente corroborada, hoje, pela pesqui-sa em neurociência. [...] Educação por ciclos de formação é uma orga-nização do tempo escolar de forma a se adequar melhor às características biológicas e culturais do desenvolvimento de todos os alunos. Não significa, portanto, ‘dar mais tempo aos fracos’, mas, antes disso, é dar o tempo adequado a todos.A ideia de ciclo confere ao aprender o que ele é: um trabalho com conteúdos do assim chamado conheci-mento formal, simultaneamente ao desenvolvimento de sistemas expressivos e simbólicos, à formação (aquisição, transformação e reformulação) de for-mas de atividade humana que levam à construção do conhecimento e à possibilidade de, realmente, se trabalhar em nível da transformação das funções psicológicas superiores, que se dá pela introdução e pelo processo de construção de significação de novos instrumentos culturais (LIMA, 2002 p. 9-10).
Tomando o currículo instituído, este, predominantemente, é
concebido de forma cronológica, levando em conta os dias do ano.
Há uma quantidade de dias a ser cumprida e, nesta quantidade,
105PedagogiaUESC
6U
nida
de
enquadra-se uma quantidade de conteúdos. É o calendário que
organiza temporalmente currículo. No caso dos ciclos de formação,
estes levam em conta a característica biológica e cultural dos
seres humanos aprenderem no tempo. Esses tempos/períodos são
variáveis, como é heterogênea as formas biológicas e culturais dos
humanos aprenderem.
Em termos operacionais podemos verificar como as várias
experiências de formação por ciclos se organizam, onde os tempos
de aprendizagem mais longos, flexíveis, articulados e orientados
pelas características culturais dos alunos e seus contextos é a
experiência mais encontrada. Não deve haver um modelo, mas uma
decisão curricular que, pautada em inspirações exitosas com os ciclos
(já existem várias no mundo e em municípios brasileiros), permita
que a comunidade educativa implicada defina como seus ciclos de
formação irão se organizar para gestão do aprendizado em todas as
suas expressões.
A perspectiva do ciclo de formação é contrária à padronização
e à homogeneização de conhecimentos. Nestes termos os professores
precisariam atender aos ritmos, estilos e tempos diferentes de
aprendizagem e, também, às experiências dos alunos, não como
desvios, mas como facetas de uma realidade que merece ser conhecida,
considerada e analisada no coletivo, para o estabelecimento de
relações com o conhecimento e com a própria escola. Assim, esse
processo estruturante de aprendizagem enfatiza a associação entre o
conteúdo escolar, a idade de formação e as vivências próprias de cada
idade (DALBEN, 2006, p. 75-76).
No que concerne à avaliação na experiência da aprendizagem
nos ciclos de formação, Perrenoud (2004, p. 24) nos fala da necessidade
de propor a cada aluno a itinerância mais fecunda para ele, de modo
a otimizar o uso do tempo. A avaliação, portanto, tem um único e
grande compromisso: a formação. A avaliação passa a ter, dessa
forma, uma perspectiva sistêmica, não isolada, vinculada ao sujeito
humano aprendente, sem desprezar suas implicações institucionais.
4 A AULA COMO ATOS DE SUjEITOS DO CURRÍCULO E ACONTECIMENTO MULTIRREFERENCIAL
4.1 Cenário plural
A aula, como um cenário socialmente importante para a
As ideias de Lima estão pautadas principalmen-te nos trabalhos de Henri Wallon e no seu já conhe-cido Plano para a edu-cação francesa, o “Plano Langevin-Wallon”. Para Wallon não é um tempo cronológico instituído que deve nortear um currícu-lo e uma formação, mas a cultura e a história bio-lógica e cultural onde o desenvolvimento psicos-social do ser em aprendi-zagem se realiza.
Esse ensaio foi original-mente apresentado no XIII ENDIPE, Recife, 2006.
106 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II
formação, configura um microcosmo complexo, onde acontece grande
parte dos determinantes da qualidade dos processos e produtos
educacionais da sociedade contemporânea.
Se o fenômeno da aprendizagem é conceituado como um
fenômeno que se realiza nas relações que estabelecemos com os
saberes, o conhecimento e as pessoas, na sala de aula essa constatação
se transforma numa realidade extremamente significativa. É na
qualidade das relações estabelecidas na aula com os conhecimentos,
os professores e os alunos que podemos fazer desse cenário um lugar
qualificador dos processos de formação.
Sabemos que a edificação de princípios educativos norteadores
do ensino não esgotam a análise da complexidade do espaço sala
de aula. Entretanto eles trazem contribuições muito importantes
para que esse cenário se constitua num lugar privilegiado de uma
educação de qualidade e conectado com os desafios formativos do
mundo contemporâneo, que descobre ainda com dificuldades, que é
a riqueza da heterogeneidade humana que deve também redesenhar
um novo humanismo como processo civilizatório via a educação, por
exemplo.
Inspirando-nos em Bruner (2003), compreendemos que uma
educação culturalmente plural e mutualista, intercultural, portanto
consiste em que a aula seja repensada na direção de uma comunidade
de discentes recíprocos. Tais comunidades não reduzem o papel do
professor nem sua especificidade. O professor recebe, através da
mediação que exercita em relação ao conhecimento, a função de
narrar experiências, de encorajar e provocar os alunos a partilharem
a autonomia.
Assim como o narrador onisciente desapareceu da ficção
moderna, também o professor onisciente desaparecerá da escola
do futuro. Mesmo que sejamos a única espécie que “ensina
propositadamente” e “fora do contexto de uso”, tal não significa que
tenhamos de transformar este passo evolutivo em amuleto (BRUNER,
1996, p. 43).
4.2 Sala de aula e diversidade
Uma das situações mais comuns a ser encontrada no trato
com a sala de aula é a diversidade com que nossos cenários de
aprendizagem são constituídos. Em qualquer situação educativa,
o corpo discente é composto de alunos advindos de famílias com
situações financeiras diferenciadas, com múltiplas opções religiosas,
A aula é um contexto vivo situado numa cultura mais ampla. Diríamos que a sala de aula constrói e vive um conjunto de sentidos irrigados por veias cultu-rais advindas de diversas nascentes sociais. Isso vai implicar na construção de culturas escolares que operem como comunida-des mútuas de alunos, na contribuição de todos para o processo educativo. É assim que as escolas pas-sariam a ser um lugar da práxis formativa via o mu-tualismo cultural.
107PedagogiaUESC
6U
nida
de
com expectativas socioculturais diferentes, com hábitos inerentes à
sua educação inicial etc.
Isso vem caracterizar algo que a escola, os currículos e os
professores sabem relativamente, mas nunca se prepararam para
confluir de forma sistemática e interativa suas atitudes pedagógicas
visando conseguir um ensino de qualidade na diversidade. Ou seja,
que os conteúdos trabalhados em sala de aula sejam articulados por
um processo dialógico cada vez mais interativo com as realidades
vividas pelos alunos e seus anseios formativos.
Homogeneizar o ensino sempre foi o objetivo da escola única,
com viés de massificação, imaginando que a diferença que nossos
alunos trazem para sala de aula não faz diferença, são, portanto
pouco importantes. Em realidade, a invenção da escola única como
um ato de solidariedade social, não soube articular seus ideários com
o desenvolvimento de dispositivos pedagógicos que acolhessem e
trabalhassem com a diferença.
A própria forma com que o jovem visualiza o mundo - em
geral, diferentemente dos adultos, na medida em que vive sua
especificidade existencial - até como cultiva suas culturas juvenis,
dependendo dos seus gostos e de suas influências regionais, até
mesmo as expectativas que nutrem (formativa, econômica, política,
sexual etc.), nos obriga a imaginar um ensino-aprendizagem fincado
no princípio de que nós aprendemos trazendo para sala de aula nossas
diferenças individuais e sócio-culturais que, pelo trabalho pedagógico
do professor, devem ser articuladas criticamente com os saberes e
tecnologias necessários à sua formação, apresentados pelo currículo
instituído.
Ao entrar numa sala de aula, o aluno não deixa suas
referências individuais e socioculturais nos seus nascedouros ou
nos corredores da escola, ele traz consigo sua bagagem de valores
e crenças, com os quais vai se desenvolvendo, se modificando, se
aperfeiçoando. Cabe ao professor, na edificação da sua aula, dialogar autenticamente com essas diferenças, criar meios de mobilizá-las para
implementar o aprendizado, no qual o princípio didático fundamental
é se aproximar o máximo possível das cosmovisões dos alunos, não
para aceitá-las passivamente, mas trabalhar ativamente com elas,
com todos os recursos que a educação contemporânea pode fornecer
para educarmos na diversidade. Afinal, a riqueza humana é a sua
diversidade e a educação, principalmente, não pode desprezá-la, mas
potencializá-la, ética e politicamente, cada vez mais, através dos seus
recursos pedagógicos comunicantes e relacionais.
Ademais, como nos recomenda Bruner (1996), é preciso
Podemos verificar o quan-to o mundo cultural da ju-ventude pode nos ajudar a lançar mão de recursos didáticos para irmos ao encontro das suas dife-renças, respeitando-as, convivendo com elas e aprendendo com elas, na medida em que possibili-tem uma formação pau-tada em práticas morais dignificantes.
108 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II
instaurar nos cenários educativos a emergência da narrativa como
constituição de seres que falam e argumentam, que constroem pontos
de vista, “definem situações” como concebem os interacionistas
simbólicos, como seres conceituais, enfim. Para o autor é através,
sobretudo, das nossas narrativas que “construímos uma versão de
nós mesmos no mundo” (1996, p. 14), e é através da sua narrativa
que a cultura oferece modelos de identidade e de ação aos seus
membros.
5 CENáRIO PROPOSITIVO
Parece-nos importante considerar, no cenário da enxurrada
de inovações pedagógico-curriculares com as quais convivemos nos
meios educacionais, que perspectivas e dispositivos curriculares não
devem ser considerados uma solução de via única, como estamos
insistindo em explicitar em vários momentos destes textos.
Avaliamos como significativo conviver com as amplas
possibilidades de perspectivas e dispositivos curriculares, filtrando-
as criticamente, até porque podemos melhor nos preparar para a
diversidade que se intensifica em termos de demandas da organização
da formação. O problema é que nos acostumamos a buscar
a-criticamente o novo pronto para aplicarmos. Essa disposição, quase
fórmula, uma verdadeira gramática do senso comum educacional,
uma bula sem interpretação, não mais se sustenta. Há saturação,
descrédito, diríamos mesmo resistência, por alguns setores politizados
da educação – e esse segmento se amplia sobremaneira – diante
das soluções fáceis e aligeiradas que chegam aos meios educacionais
como remédios pedagógicos universais e salvacionistas.
Um currículo de dignidade social e formativa necessita de
novos sujeitos do conhecimento, históricos e democráticos, que
filtrem política e pedagogicamente aquilo que a ciência e a tecnologia
se nos oferece como subsídio para a formação, como interpretações
abstratas e mirabolantes, invenções eficazes, soluções fantásticas,
realizações rápidas e perfeitamente generalizáveis. Que esses
novos sujeitos históricos mudem intercriticamente essa percepção,
conformado em simplificações modelizadas, é o que pretendemos,
como um argumento ideológico fundante dessas nossas elaborações.
6 O qUE é UM CURRÍCULO EDUCATIVO
109PedagogiaUESC
6U
nida
de
Um currículo educativo é algo que da nossa perspectiva,
vai ao encontro de uma formação que se configure não apenas em
termos de implicações didático-pedagógicas eficazes, mas de algo
que aponte para uma significativa preocupação com os compromissos
sociais, portanto ético-políticos, que devem permear o currículo, sua
concepção e prática. Entendemos que a perspectiva aqui cultivada,
de uma educação que se amplia para além da instrução, vai significar
uma confluência com nossas inspirações a respeito de um currículo
mutualista que deve responsabilizar-se em educar. Não basta, assim,
transmitir os conteúdos curriculares previstos. É falar também de um
lugar opcionado e de uma perspectiva de formação e de sociedade
que têm a justiça e o bem comum sociais como norteadores políticos
e éticos inelimináveis; como um esforço contínuo de construção de
cidadania repensada por novos/outros sujeitos democráticos, novos/
outros sujeitos históricos, caracterizados pela vontade de interferência
irrestrita nas coisas da educação para dignidade cidadã. Está no
campo de uma luta que tem face, cor e jeito, até porque não existe o
educativo como construção pedagógica e social neutras, imparciais.
O educativo é sempre opcionado e referenciado, aí está o campo da
luta político-curricular contemporânea.
Esses princípios e atitudes devem inspirar um currículo
de rigorosa responsabilidade democrática com o aprendizado da
formação e mediador de plurais e justas possibilidades formativas,
para que tenha dignidade socioeducativa.
Maior interatividade, autonomia e flexibilidade ao pleitear o
sujeito que aprende, são as bases dos modelos curriculares por módulo,
online e por ciclos de formação. No primeiro os módulos acabam por
criar uma flexibilização pautada na capacidade do formando fazer a
gestão da sua própria formação. No currículo online, as tecnologias da
informação e da comunicação permitem o trabalho de aprendizagem
do formando a partir de uma intensa interatividade em tempo
real da aprendizagem, assim como a disponibilidade de interfaces
tecnológicas caracterizadas pela capacidade integrativa, propositiva
e estruturante dessas tecnologias. No caso do currículo por ciclos
de formação, o que se pretende é pleitear a diversidade dos tempos
de aprendizagem e educacionais, na medida em que dependendo de
cada contexto o tempo é vivido e organizado de forma diferente,
bem como em face da constatação e da compreensão de que os
seres humanos não aprendem num tempo igual. As temporalidades
humanas e sua pluralidade passam ser aqui a preocupação central.
No caminho das preocupa-ções que atravessam este texto, entendemos que, para efetivarmos esse projeto solidarista e politi-camente implicado de um currículo educativo, faz-se necessário, nos preparar-mos para entrar no mérito da concepção e organiza-ção das formações e isso significa compreender his-tórica, epistemológica, po-lítica, ética, cultural e pe-dagogicamente o que seja o currículo, ampliando sua concepção para além da organização de conheci-mentos e atividades para se ensinar e se aprender de forma eficaz; ou para além de um mero media-dor de experiências espe-taculares e fugazes, mui-tas vezes irresponsáveis, em relação aos saberes e os conhecimentos social-mente relevantes.
110 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II
ATIVIDADES
1. Quais as principais características de um currículo por módulos
de aprendizagem?
2. Quais os fundamentos e como se praticaria um currículo em
rede, um currículo hipertextual e um currículo online?
3. O que justifica um currículo por ciclo de formação? Comente
uma experiência concreta, entrevistando educadores que
experimentaram esse modelo, bem como analise uma proposta
concreta.
4. Estabeleça, a partir do texto, relações entre a aula e o currículo.
5. Como você compreendeu a ideia de atos de currículo, levando
em conta o contexto das práticas curriculares?
LEITURAS COMPLEMENTARESMACEDO, R. S. Currículo: campo, conceito e pesquisa. Petrópolis:
Vozes, 2008.
LIMA, E. S. Ciclos de Formação. Uma reorganização do tempo
escolar. São Paulo: Editora Sobradinho, 2002.
FILMES RECOMENDADOS
quase Deuses – dirigido por Joseph Sargent, o filme se desenrola a
partir de cenário dos anos 1930 nos Estados Unidos, tomando como
base a história real de Viven Thomas, negro, ajudante de laboratório e
cirurgia, que sonhava um dia ser um médico e Alfred Blabock, branco,
médico, conceituado titular de uma cadeira de cirurgia cardíaca.
Viven, a partir da experiência constituída, se forma e se revela ao
lado de Blabock, extremamente habilidoso e criativo na condução
das cirurgias realizadas pela dupla, em situações as mais sensíveis
ATIVIDADES
LEITURA COMPLEMENTAR
FILME RECOMENDADO
111PedagogiaUESC
6U
nida
de
e decisivas desta prática médica. Por outro lado, a sua condição de
negro e pobre, o coloca sempre em situação de não reconhecimento
e anonimato, diferente de Blabock, que mesmo percebendo as
injustiças, percebia a condição de Viven de forma naturalizada. Trata-
se de um filme denso de possibilidades reflexivas sobre processos
curriculares e de formação pela experiência, sobre mecanismos
institucionais pelos quais a experiência é desperdiçada, o mundo do
trabalho é desprivilegiado, e como ao lado disso, funcionam formas
de preconceito e alijamentos, muitas vezes em opacidade, como
demonstram as várias maneiras em que nossos currículos ocultos
atuam e naturalizam/coisificam a formação.
A onda – com direção de Dennis Gansel, o filme narra como um
professor, ao realizar simulações com seus alunos, como uma forma
de atualizar o currículo escolar, expressa como o facismo cria e executa
seus dispositivos e ações. Sem princípios explicitativos, orientações
éticas e políticas capazes de barrar seus comportamentos, os alunos
começam a propagar o poder da ideologia facista e o professor
não mais consegue barrá-los. Trata-se de um contexto curricular
e formativo onde podemos encontrar aquilo que Hanna Arendt
denunciara levando em conta o contexto da Alemanha dos anos 1940,
ou seja, “a despolitização da sociedade alemã” no que concerne aos
princípios mais profundos da Bildung (formação).
Documentário “Pro Dia Nascer Feliz” – realizado por João
Jardim, trata-se de um documentário inteligente e sensível sobre as
contradições da situação educacional brasileira.
SITE RECOMENDADOjDjFMSDVhttp://www.curriculosemfronteiras.org/
http://www.globalcurriculum.net/pt/curriculo/
SITE RECOMENDADO
112 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II
REFERÊNCIAS
ALVES, N. Trajetórias em redes na formação de professores. Rio de Janeiro: DP&A, 1998.
ASSMANN, H. Reencantar e educação. Rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes, 2000.
ATLAN, H. Com razão ou sem ela. Intercrítica da ciência e do mito. Tradução de Fátima Gaspar e Fernando Gaspar, Lisboa: Instituto Piaget, 1994.
________, “Viver e conhecer”. In: Revista Cronos, Vol. 2, número 2, jul/dez., 2001, p. 63-76.
________, Idéias Contemporâneas: entrevistas do Le Monde. Tradução de Maria Lúcia Blumer, São Paulo: Ática, 1984, p. 17-25.
BORBA, S. “A Linguagem do Tempo nas Situações Educativas”. In: Educação e Linguagem, número 9, 2004, p. 45-54.
BRUNER, J. Cultura da Educação. Tradução de Abílio Queirós. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.
MORIN, E. Cultura de massas no século xx. Necrose. Tradução de Agenor Soares Santos. São Paulo: Forense, 1999.
NÓVOA, A.“Currículo e Docência: a pessoa, a partilha , a prudência”. In: GONSLAVES, E.; PEREIRA, M.; CARVALHO, M. Currículo e Contemporaneidade: questões emergentes. São Paulo: Alínea, 2004, p. 18-29.
BORDENAVE, J.; PEREIRA, A. Estratégias de ensino-aprendizagem. Petrópolis: Vozes, 1982.
DALBEN, A. I. L. “Ciclos de formação na Escola Plural: a experiência do município de Belo Horizonte”. In: MALAVAZI, M.; BERTAGNA, R.; FREITAS, L. C. Avaliação: desafio dos novos tempos. Campinas: Editora Komedi, p. 67-85.
FREITAS, L. C. “Neotecnicismo e formação do educador”. In: ALVES, N. (Org.). Formação de professores: Pensar e fazer. São Paulo: Cortez, 2002, p. 89-102.
REFERÊNCIAS
113PedagogiaUESC
6U
nida
de
GIROUX, H. MCLAREN, P. “Por uma pedagogia crítica da representação”. In: SILVA, T. T. da, A. F. Moreira (Orgs.). Territórios contestados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
LAVE, J.; WENGLER, E. Situeted learning: Legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
LIMA, E. S. Ciclos de Formação. Uma reorganização do tempo escolar. São Paulo: Editora Sobradinho, 2002.
MACEDO, R. S. A etnopesquisa crítica e multirreferencial nas ciências humanas e na educação. Salvador: EDUFBA, 2000.
_____________, Chrysallís. Currículo e complexidade. A perspectiva crítico-multirreferencial e o currículo contemporâneo. Salvador: EDUFBA, 2002.
_____________, Atos de currículo. Educação intercrítica como práxis identitária. (no prelo).
_____________, Etnopesquisa Crítica, Etnopesquisa-formação. Coleção Pesquisa n. 15, Brasília: Líber Livro, 2006.
MARTIN-BARBERO, J. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.
_______________, Os ciclos de aprendizagem. Um caminho para combater o fracasso escolar. Tradução de Patrícia Reuillard. Porto Alegre: Artmed, 2004.
RAMAL, A. C. Educação na cibercultura. Hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002.
SANTOS, E. de O. “Educação online: cibercultura e pesquisa-formação na prática docente”. Tese de Doutorado. PPGE-FACED/UFBA, 2005, 293 p.
YOUNG, M. O currículo do futuro. Da nova sociologia da educação a uma teoria crítica do aprendizado. Tradução de Roberto Leal Ferreira.
Campinas: Papirus, 2000.
114 Módulo 4 I Volume 2 EAD
Currículo | Propostas curriculares contemporâneas II
Suas anotações
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................
...........................................................................................................................................................