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 CATEDRAL VELHA: Uma Experiência em Restauração -NATAL/RN Paulo Tadeu de Souza Albuquerque * Isabel Cristina Rocha Barreto * Silvana Betulia de Moura . 1 -LOCALIZAÇÃO DO EDIFÍCIO A Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação localiza-se no outeiro do sítio onde a cidade foi implantada. Destaca-se na paisagem urbana da atual praça André de Albuquerque , antiga Rua Grande, dos primórdios de Natal. Em torno dela também teria se implantado a Casa de Câmara e Cadeia da Cidade do Natal. Ela mantém a orientação tradicional, cuja frente do edifício está voltada para o poente. A Igreja é monumento tombado pelo Governo estadual com pedido de processo de tombame nto a nível federal junto ao IPHAN, através da 4a CR. O monumento pertence à Arquidiocese de Natal, que o mantém e conserva suas funções religiosas. 2 -HISTÓRICO: O núcleo original da primitiva Igreja, constituindo hoje apenas o espaço da Capela-Mor , foi construído em 1599, por ocasião da fundação da cidade. A celebração da missa de fundação da cidade inaugurou a Capela. O primeiro Vigário, que se tem notícia, foi o Pe. Gaspar Gonçalves da Rocha, que chegou a Capitania do Rio Grande do Norte em, 1606. De acordo com a documentação histórica existente, e confirmada pelas prospecções arqueológicas realizadas, a primitiva Capela de 1599 de Nossa Senhora da Apresentação, serviu de base para a definição do partido de planta para a nova Igreja, que teve a implementação deste partido em 1619, desenvol vi do pelo Capit ão-Mor Ambr ósio Machado de Carvalho, como consta da pedra fundamental local izada na sua fachada poste ri or , encontrada através de prospecções arqueológicas. Este partido de planta se caracteriza por Capela-Mor, ladeada por corredor es laterais que dão acesso à grande Sacristia.

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CATEDRAL VELHA:Uma Experiência em Restauração -NATAL/RN

Paulo Tadeu de Souza Albuquerque *Isabel Cristina Rocha Barreto *Silvana Betulia de Moura

.1 -LOCALIZAÇÃO DO EDIFÍCIO

A Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação localiza-se no outeirodo sítio onde a cidade foi implantada. Destaca-se na paisagem urbana daatual praça André de Albuquerque , antiga Rua Grande, dos primórdios deNatal.

Em torno dela também teria se implantado a Casa de Câmara e Cadeia daCidade do Natal. Ela mantém a orientação tradicional, cuja frente do edifícioestá voltada para o poente.A Igreja é monumento tombado pelo Governo estadual com pedido deprocesso de tombamento a nível federal junto ao IPHAN, através da 4a CR.O monumento pertence à Arquidiocese de Natal, que o mantém e conservasuas funções religiosas.

2 -HISTÓRICO:

O núcleo original da primitiva Igreja, constituindo hoje apenas o espaçoda Capela-Mor, foi construído em 1599, por ocasião da fundação da cidade.A celebração da missa de fundação da cidade inaugurou a Capela.O primeiro Vigário, que se tem notícia, foi o Pe. Gaspar Gonçalves daRocha, que chegou a Capitania do Rio Grande do Norte em, 1606.De acordo com a documentação histórica existente, e confirmada pelasprospecções arqueológicas realizadas, a primitiva Capela de 1599 de NossaSenhora da Apresentação, serviu de base para a definição do partido deplanta para a nova Igreja, que teve a implementação deste partido em 1619,

desenvolvido pelo Capitão-Mor Ambrósio Machado de Carvalho, comoconsta da pedra fundamental localizada na sua fachada posterior,encontrada através de prospecções arqueológicas. Este partido de planta secaracteriza por Capela-Mor, ladeada por corredores laterais que dão acessoà grande Sacristia.

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Tanto os corredores laterais quanto a Sacristia, têm um piso superior quedeveria ter seu espaço definido possivelmente para biblioteca e alojamentoclerical. Compondo o partido de planta em sequência à Capela-Mor, seimplanta uma Nave central seguindo a modulação volumétrica já definidapela Capela-Mor, divididas em duas etapas: a primeira etapa caracteriza-sepor possuir duasCapelas Laterais implantadas em períodos diferentes, mas

 já previstas originalmente e que irão definir o Presbitério, no Transepto dasCapelas Laterais com a Capela-Mor. As Capelas estão amarradas entre sipor um delineamento de altura, caracterizado por um desnivelamento depiso superior aos demais níveis da Nave Mor.Este programa de partido de planta foi sendo definido e implantado, comos espaços já descritos entre 1619 e 1694, como demonstra a pedra desoleira que primitivamente estava localizada na porta principal da fachada

seiscentista,que posteriormente foi transposta em 1783/6, como citaremosmais adiante.Com a invasão e domínio dos holandeses, em 1633, o Templo passa adesenvolver culto Calvinista, situação que perdurou até fevereiro de 1654,quando ocorreu a expulsão dos flamengos da Capitania do Rio Grande.O Pe. Leonardo Tavares de Meio assumiu a freguesia de Natal erecuperou, às suas próprias expensas, os estragos perpetrados pelosinvasores do Templo.A cidade de Natal, em 1909, passou a condição de sede da Diocese,

transformando a Igreja Matriz em Catedral. A Arquidiocese de Natal foicriada em 1952. Em 1988, a Cátedra do Arcebispo foi transferida para anova Catedral da cidade, voltando o velho templo da praça André deAlbuquerque à condição de Igreja Matriz. Dezenas de sacerdotes jápassaram pela Matriz.O primeiro deles foi Pe. Gaspar Gonçalves da Rocha, cujo sucessor nos diasatuais é o Monsenhor Agnelo Dantas Barreto, muito dedicado as obras deconservação da Matriz e o principal interessado na sua restauração.O Monsenhor Agnelo, Vigário Geral da Arquidiocese de Natal, pároco daIgreja de Nossa senhora da Apresentação, preocupado com o precário

estado de conservação do monumento, solicitou projetos e recursos, para arecuperação do Templo, ao Governo do Estado, através da Fundação JoséAugusto. Projetos e recursos destinados à recuperação do imóvel, que jáameaçava ruir parte da cobertura.

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Não atendido em seu pleito, Monsenhor Agnelo, ás expensas daArquidiocese e da comunidade Cristã, contratou a firma UM ConstruçõesLtda, para realizar obras que considerava emergenciais e de conservação.A partir de um programa de necessidades fornecido pelo Monsenhor Agnelo, a empresa UM Construções Ltda, passou a desenvolver asseguintes ações:

Refazer o madeiramento da cobertura;Trocar o piso;Refazer as instalações hidráulicas e elétricas;Recuperar o forro;Concluir as obras da Sacristia; (banheiro)Substituir as esquadrias que se encontravam deterioradas;

Colocação de grades nas janelas e portas lateraisRevestir todas as paredes externas até dois metros de altura com "pedra deParelhas" (pedra de Rachão);Substituir todo piso interno da igreja em ladrilho hidráulico por pedra ardósia;Fazer a pintura geral do Templo;Refazer o revestimento de alvenaria atingido pela salinidade;Trocar o revestimento de cantaria conhecido como "pedra de Parelhas" por "pedra de rachão".

Na implantação dessas ações, evidências arquitetônicas incompatíveiscom a atual leitura da Igreja foram identificadas por profissionais da UM.Estas por sua vez, foram motivos de noticias na imprensa local. Em funçãodestas notícias, e por visita realizada á obra pelos profissionais Paulo Tadeude Souza Albuquerque, Jeanne Nesi e Hélio Oliveira, deu-se a origem a umavisita realizada na Igreja com a participação oficial da Fundação JoséAugusto e do Laboratório de Arqueologia da UFRN -LARQ. Com a vistoriarealizada na Igreja, verificou-se que com o tipo de obra solicitado àConstrutora, não seria possível dar continuidade ao programa proposto pelopároco da Igreja, vistoque, se o mesmo fosse implantado poderia vir a

comprometer as linhas arquitetônicas do monumento. Estando de acordo oMonsenhor Agnelo, e com conhecimento do Arcebispo de Natal, D. Heitor deAraújo Sales, resolveu-se suspender o programa inicial proposto para aobra, já iniciada, para um restauração e conservação.

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Esta nova ação se daria a partir da evidenciação de característicasarquitetânicas, que através do binâmio qualidade e integridade, pudessemser reincorporadas ao monumento e viessem a deixar claro a evolução dopartido de planta, bem como da sua volumetria, trazendo aos dias atuais asprincipais características do templo, dentro da sua evolução histórica.

Foram então realizadas várias reuniões, e como fruto ficou acordado, quea obra teria um acompanhamento técnico pela equipe interdisciplinar compostapela arquiteta Jeanne Nesi e pelo museólogo Hélio de Oliveira,ambos da FJA, e pelo arqueólogo Paulo Tadeu de Souza Albuquerque doLARQ/UFRN.Não era objetivo da equipe a descontinuidade das obras, assim sendo,evitou-se qualquer processo de paralisação. A equipe compreendeu que era

inoportuno tal ato, pois a Igreja encontrava-se parcialmente sem cobertura ea paralisação das obras àquela altura seria uma temeridade, uma ameaça àintegridade do edifício.Com a compreensão e o apoio do arquiteto responsável pela obra,Ubirajara Galvão, do Pároco da Matriz, Monsenhor Agnelo Dantas Barreto edo Arcebispo O. Heitor de Araújo Sales, foi aproveitada a oportunidade pararealizar-se prospecções arqueológicas, que pudessem nortear o resgate daidentidade do prédio, ora tão mutilado por pastiches arquitetônicos dosséculos passado e atual.

3- A REDOCUMENTALIZAÇÃO DO DOCUMENTO

A criação da Capitania do Rio Grande, a fundação da cidade, e apermanência ainda de pé daquele monumento, testemunha de todos osacontecimentos históricos da vida da comunidade natalense, são suficientespara justificar a realização da obra.Apesar da antiguidade do edifício, comprovada pela vasta documentaçãohistórica consultada e corroborada pelas prospecções arqueológicas, aconstrução tinha sofrido no sinal do século passado e início deste, algumas

intervenções que lhe davam uma leitura desconexa e da má qualidadeestilística. A análise dos seus espaços e a avaliação volumétrica, nos

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indicavam ter a Igreja uma linguagem perfeitamente encaixada nospressupostos da arquitetura dos séculos XVI e XVII, que com as primeirasprospecções desenvolvidas sobre as perfilaturas e limitadoresarquitetânicos,tais como cunhais, arcos, cercaduras que vieram ademonstrar serem de arenito, possivelmente retirados dos arrecifes daspraias de Natal, denunciavam a antiguidade da construção. Entretanto asrecentes intervenções modificaram sua leitura, ademais nessas prospecçõespode-se evidenciar as distorções provocadas na leitura do prédio, com orealinhamento do nível das águas dos seus telhados, e a implantação deplatibandas que impediam a caída das águas para suas laterais. Taisintervenções deturpam fortemente a singeleza da sua volumetria original,que foi perfeitamente identificada nas prospecções, através de acréscimos

em materiais construtivos, facilmente identificáveis, como não pertencentesàs suas feições dos séculos XVII, XVIII e primeira metade do século XIX.O interior do templo recebeu no início do século atual dos altarescolaterais de alvenaria, de pseudo gosto neo-gótico, que sobrepunham emutilavam a cantaria do arco cruzeiro, impedindo a sua leitura eprejudicando fortemente a leitura do espaço arquitetônico, bem com dosarcos das capela laterais.O piso de ladrilho hidráulico, envolvia vários níveis de piso em todopavimento térreo, inclusive os alicerces da primitiva capela de 1559 e os

patamares de acesso ao Altar-Mor, encobrindo o primitivo presbitério de1559.Os arcos ogivais rasgados na fachada principal, no início do século atual,além de descaracterizar a feição do Templo, forçaram a elevação do coro,transformando as janelas rasgadas em portas com parapeitos, e oentaipamento de óculo central, deixando sem função a bela cimalha emmovimento, sugerindo a existência do óculo.A platibanda com elementos ecléticos, que arrematava a cobertura emtodas as fachadas, era incompatível com a feição original do templo.O valor histórico da Igreja da Matriz de Nossa Senhora da Apresentação

e a importância que ela representa para toda comunidade natalense, exigiuum tratamento especial e um estudo mais profundo, cujo objetivo era definir as metas que deveriam ser seguidas.

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A cautela levou a equipe a enfrentar uma exaustiva pesquisa histórica novalioso arquivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.Na pesquisa foram consultados documentos primários, que datam de umperíodo compreendido entre 1659 e 1888. Dentre os documentosconsultados destacam-se: cópia da Carta de Data do Padre LeonardoTavares de Mello, o primeiro Vigário da Matriz da Capitania do Rio Grande,inscrita no livro 1° do Registro da Capitania do Rio Grande; Requerimento doPovo desta Capitania e Editais registrados pelos Capitães-Mores do RioGrande, existentes nos Livros de Cartas e Provisões do Senado da Câmarado Natal de 1659 a 1668, 1673 a 1690, 1691 a 1702; Livros de Vereações apartir do não de 1668; Cópia autêntica do Livro 2° das Ordens Reais de1674; Livro de Cartas e Provisões de Fazenda Real de 1783; Livro deMemória de 1792; Ofícios do Palácio do Governo à Comissão encarregada

das obras da Matriz desta capital de 1860;Quadro demonstrativo das Obras Públicas da Província em 1862; Livro deContratos da Secretaria do Governo de 1853 a 1888.

Norteados pela pesquisa histórica, foram realizados serviços deprospecção arqueológica.As prospecções tiveram início com a descoberta de um chafariz naparede da fachada posterior do Templo, entre as duas janelas do pavimentotérreo. Este chafariz penetrava a parede, tendo duas faces: a face interna

como chafariz e a externa como lápide alusiva à sua construção, ondeaparece o nome de Ambrósio Machado de Carvalho que governou aCapitania do Rio Grande entre 1619 a 1621. Ali encontrou-se a primeiragrande revelação –a placa fundamental da Igreja, confeccionada em pedracalcária e fragmentada em centenas de pedaços. Essa revelação foi tambéma primeira confirmação verificada na documentação histórica.

O passo seguinte foi a remoção de rebocos. Operação já iniciada pelosexecutantes da obra, embora sem ter a finalidade de restauração e sim deconservação, o que poderia levar a destruição de evidências muito

importantespara a análise dos resultados. A partir de então, o arqueólogoPaulo Tadeu de Souza Albuquerque e o restaurador Hélio de Oliveirapassaram a orientar os operários na retirada de revestimentos das paredes,seguindo critérios científicos.

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À medida que se faziam as prospecções, permitiu-se a verificação do tipode material do qual eram constituídas as paredes, suas modificações emudanças de períodos construtivos. Tal atitude, revelo-se a melhor maneirade se compreender a edificação, onde se pode notar, pelo que estáaparente, e pelo o que está encoberto pelo reboco, as diversas fases daexecução da obra.Simultaneamente às pesquisas avançavam pelo piso, já removidos pelosexecutantes da obra.Enquanto se revelavam os vestígios da Igreja seiscentista, tanto nasprospecções quanto na pesquisa histórica, a equipe se reunia para avaliar,analisar, decidir e definir as metas, sempre em conjunto.A grande importância da restauração realizada na Igreja Matriz de Nossa

Senhora da Apresentação, reside na presença, nas obras, participando darestauração, de uma equipe interdisciplinar composta de arqueólogos,restauradores e arquitetos, além da participação direta da comunidade. Esteprocedimento está de acordo com as recentes recomendações determinadaspela Carta de Ouro Preto " É preciso que se incorpore o instrumental deanálise de outros profissionais, assim como o conhecimento e motivação dacomunidade enquanto usuária e produtora do patrimônio". Essa posturabastante difundida em outros estados, está sendo aplicada pela primeira vez,em uma restauração no Rio Grande do Norte.

O ritmo da execução, e a dificuldade de se fazer um cronograma físico-financeiro, devido o fato de se tratar de um salvamento, e de uma obra quetenha tido oportunidade de ser planejada, à falta de prospecçõesarqueológicas necessárias, quando do seu início, além da escassez derecursos pois trata-se de uma obra totalmente financiada pela Igreja ecomunidade que dela faz parte, desobrigou a equipe da elaboração doprojeto de restauração, em termos gráficos.Ocorrendo uma descoberta arqueológica que motivasse uma mudança ,na orientação do trabalho, era realizada uma programação e uma análise

segura, e se fosse o caso seria dado um novo rumo aos trabalhos, cujoprincipal objetivo sempre foi a relação entre qualidade e integridade da obra.

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A exigência de um projeto gráfico de restauração do edifício levou aequipe a optar por apresentar uma pretendida intervenção, através dedesenhos sucessivos e determinados, o primeiro por um levantamentoarquitetânico e o segundo com as indicações das mudanças para umarestauração, baseadas na pesquisa histórica, nos estudos realizados à luzde Igrejas congêneres e sobretudo nas prospecções do próprio edifício.Na elaboração do projeto diretriz das obras, a equipe interdisciplinar considerou no que se refere a restauração do imóvel, a busca de um tempoanterior às intervenções do século XX.A determinação desse tempo que se deseja para o edifício, basefundamental para o projeto realizado, está coerente com o que se entende arespeito de restauração. A importância da Igreja Matriz de Nossa Senhora da

Apresentação, uma das poucas do Brasil, erguida no início do século XVII,foi a determinante maior e a meta desejada pelos responsáveis pelo projeto.Baseado nesse princípio optou-se por retirar os elementos quedescaracterizavam a feição original do prédio e impediam a leitura datransposição dos monumentos históricos e da evolução arquitetânica,rigorosamente determinada por um partido de planta original.

4- EVOLUÇÃO ARQUITETÕNICA

A Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação foi construída por etapas, porém, foi rigorosamente respeitado um traço original. Seu núcleo foiCapela-Mor, já edificada em 1559, ano da fundação da cidade, como tantasoutras igrejas no Brasil que se seguiram esse mesmo princípio. No início doséculo XVII foi demonstrada a fachada da primitiva Capela, para aimplantação do Arco-Cruzeiro que faria a ligação da Capela primitiva, agoratransformada em Capela-Mor, com uma nova nave. A Igreja teria, logo emseu primeiro espaço, duas Capelas Laterais que formariam o transepto e o

local para os presbíteros.

Além da Nave, estava previsto a evolução para as laterais da nave, comimplantação de corredores e galerias. A definição dos espaços internos dQsTemplos está presa a um sistema modular, que toma por unidade a própriaCapela-Mor, de planta regular, cujo módulo se repetiu, inicialmente, por duasvezes e meia determinando a Nave. Com essa configuração a Igreja foi

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desenvolvida a partir de 1619 até 1694.Inicialmente prevista a implantação de duas Capelas Laterais, uma antesda invasão holandesa e outra posterior à invasão, na segunda metade doséculo XVII. Com isso configurou-se o Transepto entre a Capela doSantíssimo, no lado da Epístola e a outra do Evangelho.Em 1694, data em que se acha inscrita na soleira transposta para o atualnível da porta principal, a Igreja foi reinaugurada, inclusive com aimplantação de um dos corredores laterais, e uma pequena sineira do ladonorte.Na segunda metade do século XVIII, a fachada da Igreja foi desmontada,a nave ampliada, em mais dois módulos, e sua fachada reimplantada noalinhamento atual.Em seu lado direito foi reconstruída a sineira, esta reencontrada nasprospecções arqueológicas, caracterizada por uma parede auto-montante de

aproximadamente 2.00m. de espessura com duas aberturas em forma dearco que receberia os sinos na altura de um primeiro pavimento. A estasineira se incorporou o corredor lateral e sua sobreposta galeria,permanecendo assim até a segunda metade do século XIX. Com acomplementação do corredor e galeria foi implantado também o Batistério.A partir de 1786 a Igreja sofreu vários acréscimos, que foram somenteconcluídos, com a edificação da Torre em 1862. O templo adquiriu afeiçãode Cruz Latina, característica do partido de planta comum à época comfrontão triangular usando o material do desmonte da primitiva edificação

concluída em 1694.A fachada foi reedificada no alinhamento atual. Com essa ampliação daIgreja, a fachada adquiriu uma nova feição, ganhou um frontispíciorevoluteado, bem ao gosto da época, uma porta principal de acesso ladeadapor portas auxiliares, além de outras três janelas ao nível do primeiro piso,todas elas com marcos de cantarias e arcos abatidos. No lado esquerdo dafachada principal foi construída a nova torre de sinos, em ingênua inspiraçãoNeoclássica.Durante aquelas obras, foi encontrada, soterrada, a placa fundamental daIgreja, confirmando a sua edificação em 1619, na administração do Capitão-

Mor Ambrósio Machado de Carvalho, como nos informa Nestor dos santosLima, em sua obra a "Matriz de Natal".

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Em 1862 foi contratado o mestre-pedreiro Timóteo Gomes da Paz, para aconclusão das obras da Igreja. O mesmo documento informava que oreferido pedreiro vestiu a Torre e frente principal da Matriz desta cidade, emconformidade com o contrato: "faltando o ladrilho do terraço que arremata aTorre, o qual depende do assentamento do mastro para o telégrafo, quetambém foi contratado com o suplicante".Em 1863, demoliram duas ordens de catacumbas no corredor sul,fecharam uma "porta com quatro degraus" que dava acesso independente àcapela do sacramento, converteram em uma janela os dois arcos da sineirae concluíram a Torre, instalando nela a estação do telégrafo.A partir de 1907, o Padre Moisés ferreira do Nascimento (1906- 1910),substituiu o retábulo de madeira que possivelmente teriam substituído altaresanteriores.Naquele período, é provável que a fachada principal da Igreja tenha

adquirido afeição eclética que apresentava até a recente ação derevidenciação de suas principais características arquitetânicas, quereconstitui a sua feição original dos séculos XVII e XVIII e início do séculoXIX.A última intervenção de monta no século XIX é a implementação docorredor lateral esquerdo e sua galeria de tribuna no andar superior dosmesmos. Isso complementou a ligação com a Torre dos sinos, que viriasubstituir as funções da sineira primitiva do século XVIII, originalmente nolado direito. Estas últimas reformas se concluíram nos anos de 1863.

É provável que o processo de mascaramento de elementos arquitetânicosde períodos anteriores inicia-se aqui. Este processo se desenvolveu tambémpor todo fim do século XIX e até a primeira metade do século XX, quando aIgreja teve no final desse processo uma feição confusa, que poderia seconsiderar de eclética, pois não se definia temporal ou espacialmente, nemmesmo dentro do período eclético de fins do século XIX início do século XX.Esse processo de mascaramento denegria por completo as feiçõesarquitetânicas da Catedral, mas não distorcia seu partido de planta eplanoaltimétrico, nem provocaria nenhuma mudança que prejudicasseindefinidamente sua leitura. Dentro desse período a maior interferência

realizada, no âmbito de seu interior, foi a abertura de uma sequência de trêsarcos a nível do térreo, acompanhado de três outros arcos no primeiro

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pavimento, que caracterizaram as tribunas da galeria superior doscorredores laterais.

Da primitiva Capela de 1559, e, posteriormente a Igreja iniciada em 1619,a Capela de Nossa Senhora da Apresentação, por conservar peculiaridadesde forte característica rural, tornou-se monumental como a Igreja, depoiscomo Sé e, finalmente, como Matriz de uma Capitania e de uma cidade. Esteé o grande atributo que a diferença e a coloca em uma escala de valores demuita importância, quando se estuda os vários níveis de evolução departidos de plantas e de volumetria, dentro das construções religiosasbrasileiras, tanto a nível das várias ordens religiosas quanto a nível do clerosecular.

Com a implantação do Transepto. Poucas Igrejas têm as duas CapelasLaterais formando o Transepto para o Presbitério.

5 -CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das evidências arqueológicas e análise das mesmas, foi elaboradoum projeto gráfico, que privilegiou as informações do primitivo partido de

plantas, implantado no século XVII e reinterpretado nos séculos XVIII e XIX.Com isso privilegiou-se as cercaduras de pedra do século XVII, das suasfachadas e interiores, bem como os espaços de cheios e vazios quecompunham a volumetria e a leitura que caracterizam a transposição doséculo XVII e XVIII, como também a construção da torre dos sinos,incorporada ao monumento na segunda metade do século XIX. Foramremovidos todos os elementos de gosto eclético impostos no final do séculoXIX, numa pseudo tentativa de dar unidade ao Templo.A introdução desses elementos, prejudicou a edificação no seu traçomais importante, que é a singeleza de um grande templo de fortes

características peculiares da arquitetura religiosa do início do períodoColonial Brasileiro, dentro de um espaço compreendido como urbano, e hojeliteralmente como centro-mor da principal "urbis" potiguar.

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Tudo poderá ser visto mais facilmente nas plantas e perfis que se erguem aeste documento.Podemos aqui também salientar que por sorte ou por competência da equipeinterdisciplinar, chegou-se a um grau de informação, obtidas nas pesquisasdesenvolvidas no momento, ou seja, verdadeira estratigrafia cromática emsua cantaria, alvenarias e esquadrias, que permitiu com total segurançaidentificar o conjunto de cores que completam os diversos elementosarquitetânicos, tanto de interior quanto de exterior, as suas cores originais.Ademais, seguindo as cartas internacionais que norteiam a restauração econservação de monumentos, determinadas informações com qualidade queforam encontradas, e por não poderem mais se reincorporar, porque foramem épocas anteriores, ou que as existentes hoje já não permitem mais seuuso, foram reincorporadas nos locais exatos onde foram obtidas informações

de sua existência.Tal procedimento foi possível, a partir de tecnologias compatíveis edisponíveis nos dias de hoje. Exemplos disso, são os pisos superiores doscorredores laterais.Com isso em determinados espaços da Igreja, pode-se até recuperar o"mistério da luz", como um dos mais importantes elementos da arquitetura,seja do passado ou do presente.Os demais elementos que compõem a análise e a avaliação do monumento,

tais como os sistemas elétrico, hidráulico, bem como sistema de

iluminação natural e artificial, deverão seguir as normas vigentes,desenvolvidas na arquitetura brasileira e compatíveis com o monumentohistórico.

Estes procedimentos, quando necessários, serão feitos tanto no interior quanto no exterior.

Paulo Tadeu de Souza Albuquerque

Isabel Cristina Rocha BarretoSilvana Betulia de Moura

Natal, outubro/1995.