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Para uma economia política da planificação da educação

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Page 1: Para uma economia política da planificação da educação
Page 2: Para uma economia política da planificação da educação

Director: Henri Dieuzeide

Chefe da redacção : Zaghloul Morsy

Adjunto: Alexandra Draxler

Perspectivas publica-se também:

e m Árabe : Mustaqbal al-Tarbiya (Unesco Publications Centre, I Talaat Harb Street, Tahir Square, Le Caire, Egypte)

e m Espanhol ; Perspectivas, revista trimestral de educación (Santularia S. A . de Ediciones, calle Elfo 32, Madrid-27, Espagne)

e m Francês : Perspectives, revue trimestrielle de l'éducation (Unesco)

e m Inglês : Prospects, quarterly review of education (Unesco)

© Unesco, 1978

© para a tradução portuguesa, Livros Horizonte, Lda., 1978

Tradução realizada sob a responsabilidade de Livros Horizonte

Livros Horizonte R u a das Chagas, 17, l."-Dto. — Lisboa — Portugal

Impresso em Portugal

Page 3: Para uma economia política da planificação da educação

revista trimestral de educação Unesco

Vol. VIH INT.0 3 1978

lumario Para uma economia política da planificação da educação Hans N. Weüer 261

Investigações didácticas e aplicação dos seus resultados na prática na U R S S M. N. Skatkine e V. V. Kraevski 280

Posições / Controvérsias

Crise económica, universidades e estudantes na Europa ocidental Thomas Forstenzer 293

Elementos para u m dossier: Desenvolvimento e educação na América Latina

De que tipo de desenvolvimento, de que educação se trata ? Vicente Lema e Angel D. Márquez 304

O projecto «Desenvolvimiento e educação na América Latina e nas Caraíbas» Germán W. Rama 311 Educação, estrutura social e tipos de desenvolvimento Germán W. Rama 316

Modelos de educação no desenvolvimento histórico da América Latina Gregorio Weinberg 333

Expansão da educação e estratificação social na América Latina (1960^970) Carlos Filgueira 346 Para uma abordagem realista da educação em meio rural Abner Prada 360

Reflexões sobre a planificação da educação na América Latina Norberto Fernández Lamarra e Inès Aguerronda 368

Tendências e casos

O ensino primário universal nos países em desenvolvimiento: análise estatística Birger Fredriksen 378 Teoria e prática da educação estética na U R S S B. T. Likhatchev 391

Notas e comunicações

Revista de publicações 401

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Sumário do próximo número

O desarmamento e a educação piara a paz Betty Reardon

O problema da integração dos serviços educativos e comunitários Helen D. Fessas-Emmanouü

Posições / Controvérsias

Socialização ou sociabilidade na criança? Lucien Morin e Blaise Bálmer

Elementos para u m dossier: Educar para u m meio ambiente melhor

Meio ambiente e desenvolvimento: conceitos chaves de uma nova educação Ignacy Sachs

De Estocolmo a Tbilissi: evolução da educação ambiental Peter J. Fensham

Terceiro Mundo e educação ambiental Leopoldo Chiappo

A educação ambiental: aspectos teóricos e práticos Daniel Vidart

Interdisciplinaridade em educação ambiental Antonio Moroni

U m modelo de ensino para a educação ambiental William B. Stapp

Educação ambiental e formação profissional Vladimir Sergueevitch Romanov

Princípios para a cooperação internacional em educação ambiental Victor 0. Ibikunle Johnson

Tendências e casos

A educação nos quatro Estados das Caraíbas Lawrence D. Carrington

O professor do céu Vijaya Mulay

Notas e comunicações

Os artigos assinados exprimem a opinião dos seus autores e não necessariamente a da Unesco ou da Redacção.

Podem ser reproduzidos, sob reserva da autorização do redactor-chefe.

A redacção gostaria de receber para publicação contribuições ou cartas contendo opiniões fundamentadas, favoráveis ou não, sobre qualquer artigo publicado e m Perspectivas ou sobre os temas abordadosi

Toda a correspondência deve ser dirigida ao redactor-chefe, Perspec­tivas, Unesco, 7, Place de Fontenoy, 757ûi0\, Paris, France.

A s denominações usadas e m Perspectivas e a apresentação dos dados que figuram na revista não implicam qualquer tomada de posição da parte do Secretariado da Unesco quanto ao estatuto jurídico dos países, territorios, cidades ou zonas, ou das suas autoridades, n e m quanto ao traçado das suas fronteiras ou limites.

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Hans N . Weiler

Para u m a economia política

da planificação da educação1

Ainda não há muito tempo, podíamos falar da planificação da educação com confiança, baseando-nos na ideia geralmente admitida do que ela é e do que deveria ser. A confiança e esta opinião aceite parecem ter desaparecido para dar lugar a uma dúvida profunda quanto à utilidade e à oportunidade desta planificação, pelo menos sdb a forma que conhecemos. Per­corremos u m longo caminho, passando da euforia do fim dos anos cinquenta e dos primeiros anos sessenta até esta espécie de cepticismo que exprime Levin, em 1977, quando afirma que «a planificação da educação é necessariamente uma manifesta­ção de optimismo» 2.

O objecto do presente estudo consiste em mostrar que, no conjunto, esta passagem da confiança à dúvida e do acordo à contestação é o resultado de uma experiência internacional cuja importância é considerável. A recordação desta experiência esclarecer-nos-á não só sobre a necessidade e a possibilidade de conceber uma noção de certo modo diferente da planificação da educação, mas também sobre o papel que esta planificação desempenha no processo de legitimação das decisões políticas em matéria de ensino.

Julgamos útil, em primeiro lugar, voltar u m pouco atrás para ver como nasceu a planificação da educação e como se pre­cisaram algumas das suas principais características, à medida que se procurava elaborar estratégias mais eficazes para o de­senvolvimento dos sistemas de ensino. Este exame conduzir--nos-á a um certo número de afirmações respeitantes por u m lado, aos problemas suscitados actualmente pela planificação da educação e, por outro lado, à sua evolução provável ou de­sejável. Tentaremos mostrar que esta actualização da plani­ficação da educação origina consequências profundas para a formação do pessoal docente. Mais ainda, veremos como uma nova concepção da planificação terá como efeito modificar as relações entre o ensino e a política. Assim, este exame terminará com algumas reflexões sobre a planificação e a legitimação da política da educação.

Hans N . Weiler (Republica Federal da Alemanha). Professor de educação e de ciências políticas. Director do Comité Internacional para o Desenvolvimento da Educação na Universidade de Stanford. Antigo director do Instituto Internacional de Planificação da Educação.

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Hans N . Weiler

A Planificação da educação: algumas observações sobre a historia de u m conceito

A. ADOPÇÃO DO CONCEITO

A história da planificação da educação ainda não foi escrita. Já é tempo de alguém se encarregar de o fazer, e de o fazer com espírito crítico. E m primeiro lugar, seria necessário re­cordar sistematicamente os diferentes aspectos de u m a evolução que, durante vinte ou vinte e cinco anos, absorveu u m a boa parte das reflexões e dos esforços consagrados à educação e m nume­rosos países. M a s , sobretudo, seria muito útil proceder a u m a análise crítica relativamente aprofundada deste processo, e m particular do ponto de vista dos factores que contribuíram para divulgar a ideia de que a educação deve e pode ser planificada e para a transpor para projecções precisas, antecipações, opções e modelos de acção destinados a orientar as decisões políticas que se lhe referem. Tenho a impressão de que esta análise, convenientemente orientada, já seria capaz de nos informar abundantemente não só sobre a planificação da educação, m a ® tamlbém sobre a dinâmica dos processos de decisão que podem ser seguidos, nesta matéria, e m diferentes situações socio­económicas e políticas.

Seria despropositado dedicarmo-nos, aqui, a u m estudo his­tórico deste género. Contudo, não é supérfluo recordar algumas das condições e m que a planificação nasceu e se integrou no esforço de desenvolvimento escolar que, nos anos cinquenta e sessenta, caracterizou muitos países. Seria difícil generalizar a partir de u m a variedade considerável de situações nacionais, m a s estas apresentam todas u m número suficiente de traços comuns para mostrar que é necessário ter e m conta algumas das hipóteses apresentadas durante os primeiros desenvolvi­mentos, se pretendemos efectuar u m julgamento realista sobre o estado da planificação da educação e sobre as perspectivas de futuro.

A s considerações que conduziram os países a adoptar u m a ou outra forma de planificação sistemática da educação foram muito diversas, desde a vontade autêntica de racionalizar mais o processo de decisão até às reacções mais ou menos automá­ticas suscitadas pela ideia de que u m a certa forma de plani­ficação era u m a condição prévia de toda a assistência externa a favor do desenvolvimento do ensino. A fronteira entre estas duas espécies de motivações não coincide exactamente com a que separa os países ricos dos países pobres ; no entanto, é evidente que os países e m desenvolvimento estavam mais expostos às pressões que podiam exercer sobre eles muitos organismos que dispensam auxílio multilateral e bilateral, reclamando a criação de serviços de planificação encarregados de prever os fundos necessários para o título de ajuda externa (e, certamente, de controlar a sua utilização).

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Para uma economia política da planificação da educação

Nos países em que o desenvolvimento do sistema de ensino não dependia tanto da assistência estrangeira, foi outra com­binação de factores que conduziu à adopção de uma certa forma de planificação da educação. Já há algum tempo que os países socialistas da Europa de Leste consideravam a planificação, em todos os domínios da actividade social e humana, como o meio mais apropriado de exprimir e exercer as responsabili­dades do Estado em relação ao bem estar futuro da sociedade. Partindo da existência de uma política de pleno emprego e do princípio ideológico de uma relação entre a educação e o mundo do trabalho, a planificação da educação tornou-se u m dos meios normalmente utilizados no arsenal da planificação para fazer coincidir, tão intimamente quanto possível, os recursos humanos com as existências da produção.

E m relação aos países socialistas e aos países em desen­volvimento, verifica-se que a Europa Ocidental e a América do Norte tiveram sempre, não obstante algumas excepções no­táveis, uma atitude muito mais moderada perante a noção de planificação em geral, e da planificação da educação e m par­ticular. Exceptuando a França, uma forte tradição estatal en­controu expressão no importante papel atribuído ao Comis­sariado para o plano e para os países da Europa meridional, onde foi realizado u m esforço de desenvolvimento graças ao Projecto Regional Mediterrânico da O C D E , a planificação da edu­cação tem sido feita sem entusiasmo, ao sabor do acaso e de modo singularmente ineficaz. Como exemplo, observemos a evolução do ensino secundário e superior nos últimos dez anos na Repú­blica Federal da Alemanha, onde conduziu à aplicação de u m numerus clausus limitando o acesso aos estudos universitários, último meio utilizado para enfrentar u m desequilíbrio dramático entre a produção do ensino secundário e a capacidade de absor­ção da® Universidades.

Fossem quais fossem, em determinados países, as razões ou os móbiles particulares que conduziram à adopção de uma pla­nificação sistemática da educação, verifíca-se, geralmente, que esta assentava num certo número de hipóteses respeitantes não só à natureza do processo de planificação, mas também ao con­texto em que se deveria processar. Sem pretender ser com­pletos, podemos citar e examinar brevemente algumas destas hipóteses. Mostraremos, em seguida, que muitos problemas hoje enfrentados pela planificação da educação resultam, em parte, das crescentes dúvidas inspiradas pela validade de al­gumas delas.

HIPÓTESES RESPEITANTES A NATUREZA E A EIFICACIA DA PLANIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO

A maior parte das concepções que presidiram à elaboração de planos de ensino partiram da noção de capital humano, isto é, do papel que a educação deve desempenhar para contribuir

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para o desenvolvimento económico respondendo as necessidades de imão-de-obra do mercado do emprego. Planificar a educação, era maximizar a contribuição que esta podia fornecer ao cresci­mento económico do país, assegurando-lhe, de preferência, com u m a rentabilidade tão forte quanto possível, disponibilidades suficientes de trabalhadores utilizáveis. A noção de planificação da educação e a sua prática inseriam-se, pois, n u m a relação de causalidade onde os progressos da educação deviam, afinal, contribuir para u m a maior prosperidade económica, pelo menos para a colectividade e —se possível— para o indivíduo. N o processo real de planificação da educação, a produção de m ã o --de-obra tornou-se u m tema de preocupação tal que todas as outras funções do ensino ficaram eclipsadas no estudo dos parâmetros (que as relegou para a rubrica «funções de con­sumo» e excluiu de toda a planificação «séria»).

Praticamente, os planos estabelecidos e m matéria de edu­cação íbasearam-se, na maior parte, n u m a série de avaliações mais ou menos seguras e mais ou menos realistas das necessi­dades de mão<le-obra, na convicção de que era necessário fazer coincidir, tão intimamente quanto possível, a produção afectiva do sistema de ensino com estas necessidades. Os meios aplica­dos para atingir este objectivo foram extremamente variados, m a s a base teórica deu provas de u m a estabilidade notável, tanto no tempo como entre os países.

U m a segunda hipótese dizia respeito à soma de conheci­mentos e m que devia basear-se a planificação da educação. N a maior parte dos casos, os esforços assentavam na hipótese im­plícita de que os dados de partida relativos à presente situação e os que se referiam aos objectivos fixados para o futuro eram suficientemente dignos de fé para servir de base às operações de planificação. N o que respeita ao presente, os planificadores supunham que era possível partir razoavelmente dos indicado­res numéricos globais respeitantes aos grupos etários, ao nú­mero de alunos, ao pessoal docente, às instalações materiais, à estrutura das despesas, etc. T a m b é m admitiam, e m geral, que as informações relativas aos objectivos quantitativos a atin­gir durante determinado período forneciam indicações suficien­temente precisas sobre a realidade futura: consideravam, por exemplo, que se dispunha de dados suficientemente fiáveis sobre as necessidades de mão^de-obra dos cinco próximos anos para estabelecer os objectivos da planificação da educação.

C o m o qualquer outro tipo de planificação, e quase por de­finição, esta parte da ideia de que o futuro é previsível, ou, pelo menos, susceptível de estimativas razoáveis e exactas; mas , a planificação da educação exige, além disso, que o futuro possa ser influenciado e manipulado. Pretende ser u m instru­mento capaz não só de prever o futuro, m a s tamfbém de o moldar e m função das principais orientações políticas do país. Partindo da hipótese de que a educação é «planificável», con-

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sidera-se que o sistema de ensino se submeterá às intenções do plano e evoluirá em consequência. Por outras palavras, pensa-se não que os planos expõem uma evolução provável, mas que determinam a evolução desejável, acrescentando assim ao seu carácter de previsão o de instrumento de organização social.

A hipótese que transforma a educação num dos motores do desenvolvimento e, em especial, do desenvolvimento econó­mico, considerando que a sua evolução é não só previsível como manipulável encontra-se diversamente representada no pano­rama variável que a planificação da educação oferece há vinte anos em numerosos países do mundo. Quase todas as iniciativas tomadas nesta matéria devem, porém, qualquer coisa a estas premissas, mesmo quando a sua aplicação recorre a meios muito variados.

Críticas dirigidas à planificação da educação

Por diversas razões, a planificação da educação tem sido, nos últimos tempos, abjecto de vivas críticas. Alguns consideram, muito simplesmente, que ela não revelou a eficácia necessária para resolver os problemas suscitados pelo desenvolvimento e a expansão da educação. Outros baseiam as suas dúvidas em apreensões mais profundas quanto à própria ideia de planificar o futuro de uma sociedade em geral, enquanto outros ainda pensam que certas hipóteses e características em que se funda­menta a noção «clássica» de planificação da educação foram adulteradas a ponto de ser necessário recomeçar de novo. Os remédios propostos são tão variados como as críticas; vão do abandono puro e simples de qualquer forma de planificação da educação a u m certo número de sugestões destinadas a m e ­lhorar as suas qualidades teóricas e práticas. O exame destas críticas revela-se útil se pretendemos conferir u m novo conteúdo à planificação da educação.

TENDENCIA CONiSfBRIVAíDORA

A planificação da educação tem tendência para reproduzir, em maior escala, o sistema educativo existente. Mesmo nos casos em que obteve u m certo sucesso de ordem técnica, con­tribuiu essencialmente para definir u m modo de desenvolvi­mento capaz de assegurar o prolongamento mais ou menos linear de uma situação presente. Foram muito raros os casos em que a planificação da educação se esforçou por introduzir modificações profundas de estrutura no sistema, e foram mais raras ainda aquelas em que o conseguiu, quer se trate de re­distribuir as possibilidades de acesso à educação ou de reo­rientar as características qualitativas do processo educativo. Ê evidente que a associação, na maior parte das vezes íntima, entre a ordem política e económica estabelecida e a planificação da educação transfere de uma para a outra os interesses adqui-

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ridos graças ao statu quo, dando assim origem a u m processo de planificação no qual a solução compatível com a preservação e o prolongamento de u m a situação existente surge mais ou menos conscientemente como a opção mais perigosa. Esta ten­dência conservadora da planificação e dos planificadores da educação suscitou críticas particularmente vivas e m certos casos e m que se desencadearam vigorosas campanhas a favor de reformas da educação e, de u m modo mais geral, da socie­dade. Esta tendência contrasta nitidamente com u m a grande parte dos argumentos avançados sobre a contribuição que a planificação da educação deveria fornecer à reforma do ensino.

CARACTER HIERÁRQUICO

N a maior parte das vezes, a planificação da educação é u m processo que se desenvolve de cima para baixo: os planos são concebidos e a sua aplicação é decidida ao mais elevado nível. O s graus subalternos são minimamente empenhados neste pro­cesso, limitando-se o seu papel, na maior parte das vezes, a contribuir com alguns dados estatísticos sobre a situação pre­sente e com algumas indicações globais sobre o crescimento desejado pela subdivisão administrativa (província, Estado, etc.). N o conjunto, não podemos afirmar que a planificação da educação, nas suas principais manifestações, conduza à par­ticipação de instituições e de pessoas estranhas à hierarquia administrativa, como professores, pais, alunos, colectividades locais, etc. N a maior parte dos países, o processo de planificação apresentasse como u m assunto que depende estritamente da administração e desenvolve-se de acordo com critérios e regras de funcionamento característicos da função pública.

ATITUDE E M RELAÇÃO AO CRESCIMENTO

Nascida n u m a época e m que a expansão dos sistemas de ensino constituía u m a preocupação política essencial, e m particular, m a s não exclusivamente, nos países e m desenvolvimento, a pla­nificação da educação foi dominada por u m interesse relativa­mente vivo pelos problemas do crescimento. A s taxas, os m o ­delos e as condições da expansão figuraram constantemente, e bem destacados, na ordem do dia, as conferências regionais consagradas ao desenvolvimento da educação e m África, na Ãsia e na América Latina, com a assistência das comissões eco­nómicas das Nações Unidas e da U N E S C O no início dos anos sessenta (Adis Abeba, Karachi, Santiago, etc.) constituem exemplos particularmente instrutivos desta tendência.

Atendendo à extrema escassez das possibilidades de acesso ao ensino escolar que eram (e ainda são) oferecidas à popu­lação dos países e m desenvolvimento, as preocupações assim manifestadas são bastante compreensíveis. N o entanto, na evo­lução global da planificação da educação, como instrumento de u m a política, este interesse constante expresso pelo cres-

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cimento conduziu ao desprezo de dois outros aspectos, não menos importantes, da educação: a) a repartição das possibilidades de acesso ao ensino entre as diferentes subdivisões regionais ou sociais da população, b) a reorientação e a reorganização dos sistemas educativos, tanto do ponto de vista da estrutura como do conteúdo.

Ê significativo que, na recente conferência dos ministros africanos da educação, realizada e m Lagos (Janeiro de 1976), o problema do equilíbrio das oportunidades e o da reforma tenham despertado mais atenção do que o problema da expansão global ( U N E S C O , 1977), testemunhando assim u m a inversão das prioridades políticas que a planificação da educação, ainda profundamente influenciada pelos conceitos globais e mais apoiada no crescimento, parece ter dificuldade e m sancionar 3.

F AI/TA DE INTERESSE FEL.A RE1AL1IZAÇÃO

A partir do momento e m que a planificação da educação foi objecto de atenção sistemática, o termo assumiu sentidos di­versos. E m geral, o sentido gravita e m torno da concepção dos planos e daí se deduziram estratégias, métodos e técnicas variadas para determinar precisamente a concepção que deveria reger os planos de desenvolvimento do ensino. N a maior parte das vezes, a tarefa considerava-se realizada logo que se esta­belecia o plano, na convicção de que este saberia resistir às tempestades da realidade.

A triste e inquietante verdade é outra: u m a boa parte dos planos de educação nunca ultrapassou a fase do manuscrito ou da publicação. Outra parte conseguiu abrir caminho até à fase da realização, m a s viu-se desfigurada pelas alterações e diluições sofridas de passagem e que transfomaram o sis­tema de ensino e m qualquer coisa de muito diferente do que pretendiam os planificadores.

C o m o é evidente, a manifesta incapacidade de tantos planos para se concretizarem na realidade deve-se a u m conjunto complexo de factores. U m dos mais importantes é a tendên­cia, entre numerosos planificadores ou serviços de planificação, para não dedicar a suficiente atenção aos problemas da apli­cação e às condições susceptíveis de facilitar ou, pelo contrário, de perturbar a aplicação das disposições previstas pelo plano. D o m e s m o modo , atribuiu-se à avaliação dos esforços de pla­nificação muito menos interesse do que ela reclamava, pri­vando assim os planos de ensino das vantagens que lhes pro­porcionaria u m contrôle constante e atento do processo de planificação e dos obstáculos encontrados.

PERSPECTIVAS LOOTAiDAS

A história da planificação da educação mostra a que ponto as suas origens e a sua evolução estiveram ligadas a considerações de desenvolvimento económico, particularmente através da no-

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ção de capital humano. Gomo é óbvio, estas ligações permitiram que a planificação da educação se dotasse de u m sistema rela­tivamente coerente e de u m conjunto de métodos e de técnicas suficientemente cómodo, mas impuseram igualmente limites estreitos à perspectiva na qual o planificador da educação ten­tava enquadrar a sua actividade. Preocupado, na maior parte das vezes, em maximizar a contribuição que a educação pode fornecer à formação de uma mão-de-obra qualificada e, pela mesma razão, ao crescimento económico (abstraindo, de m o ­mento, o problema de saber em que medida esta esperança é realista), o planificador teve tendência para esquecer outras funções que a educação pode desempenhar e que não são ne­cessariamente, nem exclusivamente, de natureza económica. Al­gumas considerações, por exemplo sobre o papel da educação na protecção e melhoramento da saúde, na conservação e no reforço das tradições culturais e artísticas, no despertar da opinião para as diversas ameaças que pesam sobre o ambiente, etc., desempenharam um papel nitidamente secundário na de­terminação dos objectivos e das estratégias da planificação da educação. Mesmo quando estes problemas apresentavam u m interesse económico evidente (como sucede com a ecologia), esta polarização quase total sobre a noção de capital humano impediu-a de fazer uma ideia mais concreta e mais completa de uma realidade em que a interdependência dos interesses económicos, da estrutura social e do podar político, teria con­duzido a u m quadro teórico mais apropriado da planificação da educação.

SIMPIilIPICAÇAO EXCESSUVA DA® KEIiAÇOES DE CAUSALIDADE

Contudo, a crítica de fundo mais importante que se pode dirigir à planificação da educação refere-se ao modelo subjacente mais ou menos explícito e m que assenta o processo da causalidade do desenvolvimento. Como já indicámos, a planificação da edu­cação, tal como é concebida actualmente, baseia-se num duplo postulado: a) as modificações introduzidas na educação ori­ginarão transformações no resto do sistema social e, mais par­ticularmente, u m melhoramento nas condições económicas, que contribuem para o bem-estar social e individual; b) o sistema educativo reage com mais ou menos fidelidade as intenções, às especificações e às previsões que comportam os planos de ensino.

Estes dois postulados constituem simplificações abusivas e perigosas de uma realidade que é muito mais complexa e que os planificadores da educação ainda não compreenderam total­mente. N o que se refere às relações entre a educação e o desenvolvimento económico, u m maior realismo coduziria ao re­conhecimento, por um lado, da supremacia dos factores econó­micos nestas relações e, por outro lado, da natureza contingente

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da influência que a educação pode exercer. A distribuição das riquezas económicas e o poder que dai resulta no domínio da politica determinam, e m grande parte, as possibilidades e os limites do desenvolvimento da educação. É difícil imaginar — e mais ainda observar —situações e m que a política da educação contrariasse a estrutura estabelecida dos interesses económicos e políticos: na relação que une a educação e a economia, é a segunda, geralmente, a variável dependente, mais do que va­riável explicativa.

A despeito da natureza fundamental desta relação, a edu­cação continua a ser capaz de exercer u m a certa influência sobre os processos gerais de desenvolvimento da sociedade. M e s m o quando, por exemplo, ela não está à altura, só por si, de ins­taurar a justiça n u m a sociedade, de resto pouco igualitária, e m especial no plano económico, pode contribuir com u m a política de desenvolvimento global capaz de tomar tão equitativo, quanto possível, a repartição da riqueza económica e do poder político. Esta contribuição só é possível se compreendermos a dinâmica geral da política de desenvolvimento na sociedade e se esta compreensão conduzir à identificação, entre as diversas polí­ticas da educação, as que são aplicáveis e viáveis.

Para u m a ordenação da planificação da educação

A s imperfeições que comporta a planificação da educação, na sua forma actual, são graves, m a s não destroem o princípio, isto é, o valor de u m esforço metódico que pretende prever e planificar o futuro dos sistemas de educação. Obrigam-nos, porém, a reconsiderar seriamente algumas das hipóteses e das perspectivas características deste exercício e a tentar conferir--lhe, pelo menos a título provisório, u m perfil que se adapte melhor à situação. Propomo-nos traçar o esboço deste perfil na presente secção. Embora as observações apresentadas sejam o fruto de u m a longa experiência e de u m a paciente reflexão, constituem sobretudo u m a base de discussão, u m a contribuição para o processo gradual de ordenação da planificação da educa­ção. C o m o as críticas apontadas na secção precedente represen­tam o principal ponto de partida desta tentativa, retomaremos os temas evocados, não sem ter, u m a vez mais, sublinhado que se trata apenas de aspectos diferentes do dilema que o planifi­cador da educação enfrenta constantemente.

PLANIFICAÇÃO E REFORMA

Tendo e m conta a força de inércia política e institucional que transforma a planificação da educação mais n u m instrumento de conservação do que de transformação, será tão difícil mudar a orientação do processo de planificação como modificar a ati­tude e as perspectivas dos planificadores e m proveito de u m a

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transformação e de u m a reforma do ensino. N o entanto, tendo e m conta o vigor dos movimento que, e m muitos países, actuam e m prol das reformas, muitas razões militam e m defesa de u m a mobilização da planificação no m e s m o sentido.

Elm princípio, a planificação e os planificadores deveriam desempenhar o papel de catalizadores no desenvolvimento e na reforma da educação; por outras palavras, deveriam estar preparados para distinguir as tendências, novas ou não, que se manifestam a favor das reformas no conjunto da sociedade e a descobrir os meios susceptíveis de permitir que a educação acompanhe estas tendências. Se existe u m poderoso movimento favorável a u m a repartição mais equitativa da riqueza e do bem-estar na sociedade, ou se este movimento começa apenas a salientar-se, o planificador atento saberá aproveitar a ocasião para utilizar e reforçar este entusiasmo elaborando planos que estimulem a igualdade perante a educação, quer se trate de possibilidades de acesso ou de sucesso.

Esta abertura de epírito exige do planificador u m sentido muito profundo das possibilidades de reforma e de transfor­mação da sociedade. Este sentido só poderá ser adquirido à custa de investigações intensas e graças a u m a aptidão excep­cional para comunicar com o® diferentes estratos que consti­tuem a realidade de u m a sociedade. Tendo e m conta a extrema dificuldade experimentada para comunicar c o m a realidade a partir de u m a estrutura administrativa fortemente hierar­quizada, u m a das principais condições a satisfazer para orientar mais a planificação para as reformas consistirá e m «desburo­cratizar» os organismos de planificação obrigando-os a adoptar processos mais simples, apelando para a participação de todos para determinar objectivos de planificação e estratégias de aplicação.

Por outras palavras, a investigação de u m tipo de plani­ficação da educação mais nitidamente apoiado nas reformas comporta u m elemento cognitivo (uma melhor compreensão das forças favoráveis ou hostis à transformação no conjunto da sociedade) e u m elemento estrutural (uma abertura do pro­cesso de planificação a possibilidades de comunicação que per­mitam avaliar, de m o d o mais realista e mais seguro do que se poderia fazer a partir das estruturas burocráticas, as possi­bilidades e o potencial de reforma da sociedade). É evidente que estes dois elementos estão intimamente ligados, m a s de­pendem também, e e m larga medida, do desejo que os planifi­cadores sintam de acabar com as maneiras de pensar e com as estruturas a que estão habituados.

A PLANIFICAÇÃO DA EDUCAÇÃO COMO PROCESSO

N a sua estrutura, o quadro actual da planificação da educação encontra-«©, como acabamos de ver, extremamente centralizado e hierarquizado, o que contribui para tornar muito delicado o

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recurso a este meio para reformar o sistema educativo. Além disso, a planificação da educação apresenta-se como u m a acti­vidade específica, comportando fronteiras muito nítidas tanto no tempo como no espaço: e m determinado momento, deter­minado serviço administrativo empreende u m trabalho sobre u m plano de ensino e termina-o, algum tempo depois, quando o plano se encontra estabelecido.

Poderíamos, pelo contrário, considerar a planificação como u m processo, isto é, u m a actividade permanente, sem limites precisos no tempo e decorrendo de u m a estrutura adminis­trativa muito mais difusa. Este tipo de processo permitiria estabelecer relações muito mais profundas e mais contínuas com a realidade susceptível de ser influenciada pela planificação, isto é, com os pais, os alunos, os professores, as colectividades, etc., e levaria o planificador a tomar consciência, sob u m forma mais concreta e mais segura, das necessidades da sociedade que os seus planos se propõem servir. D o ponto de vista estru­tural, significaria que o processo de planificação deveria estar muito mais amplamente disperso pelo conjunto do sistema, que a planificação deveria apelar para u m pessoal encarregado de «articular» no plano local («planificadores de pé descalço», como já lhes chamaram), e que seria necessário, e m primeiro lugar, u m esforço para abrir, e deixar abertas, todas as vias de comunicação entre os diferentes níveis da planificação.

Inútil dizer que os resultados, de u m processo de planifi­cação assim concebido, serão provavelmente muito menos or­denados e muito menos nítidos do que habitualmente se espera de métodos de planificação mais clássicos. D e facto, é provável que u m modelo de carácter conflitual e mais centralizado se adapte melhor a este processo realista de participação do que os modelos de tipo consensual que tivemos tendência e m utilizar para descrever o processo burocrático de decisão. Talvez seja igualmente necessário prever u m a importante função de arbitra­g e m para que certos conflitos conduzam a u m conjunto realista de propostas de acção política. Tudo isto seria válido se atingís­semos u m processo de planificação não só mais adaptado à rea­lidade, m a s também mais acessível para os que são mais abran­gidos, voluntariamente ou não, pelas suas consequências.

PLAÍNIFTOAÇAO E IGUALDADE PERAiNTE A EIDUCAÇAO

Alargar a educação não significa necessariamente que se re­partam mais equitativamente as possibilidades de acesso e de sucesso, e já vimos que, na política da educação, a repartição das possibilidades de acesso adquire cada vez mais importância e m relação ao crescimento. Simultaneamente, será necessário reconhecer que as desigualdades sociais são imputáveis a certos tipos de repartição das riquezas económicas mais ou menos admitidos politicamente, e que os sistemas educativos tendem a reforçar e a reproduzir fielmente o esquema.

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Hans N . Weiler

E justo, portanto, que nos esforcemos por eliminar certas desigualdades actuais de acesso à educação, orientando neste sentido a planificação, considerando, e m particular, a aplicação de medidas compensatórias, m a s é necessário reconhecer que a educação só poderia desempenhar u m papel muito limitado no nivelamento geral das condições sociais e económicas que caracterizam u m a sociedade. Para reforçar este papel, o pla­nificador deverá procurar compreender melhor a natureza e as causas das desigualdades no domínio da educação. Esta com­preensão faz parte do diagnóstico, elemento da planificação da educação que tem sido particularmente desprezado, e de­veria fornecer u m a resposta parcial ao problema de saber por que é que, em determinado país, certos grupos e certas regiões são mais desfavorecidos do que outros e m matéria de educação. Quais são os factores que contribuem para a desigualdade dos serviços educativos fornecidos (qualidade dos professores, das instalações, etc. ? E m que medida esta desigualdade conduz a u m a desigualdade correspondente nos resultados obtidos? Trata-se, evidentemente, de outiro aspecto da planificação praticamente ignorado na abordagem clássica, m a s que exige u m esforço ex­cepcional de investigação se .pretendemos identificar, por u m lado, os obstáculos que se opõem à existência de u m sistema educativo mais equitativo e, por outro lado, às condições e m que a educação pode começar a contribuir modestamente para o estabelecimento de u m a maior justiça na repartição dos serviços educativos e das oportunidades de sucesso que oferecem.

PLANIFICAÇÃO B APLICAÇÃO

N u m a secção ulterior deste estudo, falaremos mais pormeno­rizadamente de u m papel particular que a planificação da educação desempenha há muito n u m número de casos sur­preendente. Trata-se daquilo a que se pode chamar a função de álibi ou de legitimação indirecta, o estabelecimento de u m plano (seja qual for, por vezes, a sua natureza), constituindo aparentemente u m fim e m si m e s m o .

Nesta situação, não existe nunca a preocupação da reali­zação, pois o plano foi concebido não para ser aplicado, m a s simplesmente para testemunhar da realidade da planificação. A s negociações a que dá origem a ajuda externa à educação serviram muitas vezes de argumento para estas demonstrações, m a s não foi apenas no contexto da assistência internacional que os planos de ensino serviram de fachada a iniciativas que não têm qualquer relação com eles.

O s casos deste género merecem ser examinados atentamente, mas , de momento, deixá-los-emos de lado e prosseguiremos a nossa exposição, partindo da hipótese de que os planos são elaborados para ser aplicados. O que nos preocupa, como indi­cámos na secção precedente, são as dificuldades experimentadas para que o plano transponha o limiar que separa a concepção

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Para u m a economia política da planificação da educação

da realização. E m geral, os países encontram-se muito melhor armados para conceber planos do que para os realizar, e m es­pecial nos casos e m que, como sucede na maior parte dos países do Terceiro Mundo, a realização depende dos recursos externos. Quando assim é, a dificuldade talvez mais grave que enfrenta a execução de planos, de resto b e m concebidos, prenderse com a necessidade de procurar recursos externos. O s países que têm necessidade deste recursos sentem quase sempre grandes dificuldades e m as obter com amplitude suficiente para as uti­lizar de acordo com o plano. N a maior parte das vezes, con-cedem-se recursos para certas actividades, m a s não para outras, ameaçando, assim, no seu princípio, a integração de u m plano coerente de desenvolvimento da educação.

Por outras palavras, o laço, que une a concepção dos planos de desenvolvimento e de reforma do ensino à sua realização, só se reforçará se o país interessado adquirir a capacidade de dispor dos recursos exigidos pela aplicação destes planos. E n ­quanto a aplicação for obrigada a submeter-se não só ao pro­grama previsto pelo plano inicial, m a s também a todas as con­dições requeridas pelas origem externa dos recursos, não poderá integrar-se n u m a política coerente.

PAIRA U M A FMfcSPEOTIVA MAIS AMPLiA DAS FUNÇÕES DA EDUCAÇÃO

Já indicámos e, de certo modo, criticámos, as estreitas relações que unem a planificação da educação e as necessidades do mer­cado do emprego. C o m o é evidente, compreendesse que os planos de ensino tenham sido concebidos principalmente para responder à necessidade de prever os recursos de que poderá dispor a eco­nomia do trabalho, m a s esta relação demonstrou u m carácter tão exclusivo que a planificação acabou por adoptar u m a con­cepção demasiado estreita das funções da educação.

A este respeito, podemos imaginar com interesse u m a situa­ção hipotética, evidentemente ditada pelas necessidades da ex­posição, na qual os planificadores da educação e os ergono-mistas nunca se encontram, sendo a planificação da educação concebida essencialmente como u m meio de prever e de maxi­mizar a contribuição da educação, por exemplo, para a conversão e o melhoramento da saúde. É evidente que este género de objectivo teria conduzido a planificação da educação à adopção de u m a óptica completamente diferente:

Assente na investigação de objectivos diferentes, a sua prin­cipal preocupação teria consistido e m atingir o maior nú­mero possível de indivíduos para lhes transmitir mensagens simples e compreensíveis sobre a higiene, a saúde e a nutri­ção, e e m dispor de u m pequeno centro de formação profis­sional integrado no sistema para formar especialistas a diferentes níveis de competência;

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Quanto às necessidades da planificação, os critérios de repar­tição teriam salientado as regiões ou os grupos cujos hábitos de nutrição são particularmente deficientes ou que sofrem de epidemias ou de doenças contagiosas;

A população atingida pela planificação teria sido definida de m o d o muito mais amplo, e teria incluído tanto os adultos como as crianças e m idade pré-eseolar;

O sucesso da planificação da educação teria sido medido pelos melhoramentos quantificáveis introduzidos na saúde e na nutrição, e não pela satisfação das necessidades e m m ã o -•de-obra;

A planificação da educação teria manifestado, à partida, u m a maior preocupação quanto ao conteúdo do ensino, exigindo que a sua mensagem reflectisse as exigências da população e m matérie de saúde, tendo e m conta u m ambiente dado ; etc.

C o m o é evidente, trata-se de especulações gratuitas, sem grande relação com a realidade, m a s que mostram a que ponto a nossa concepção da planificação da educação assenta exclusivamente na hipótese de que, no que se lhe refere, a principal função do ensino consiste e m satisfazer as necssidades de mão-de-obra do mercado do trabalho, hipótese que, como acabamos de ver, se torna cada vez mais problemática, tanto por razões de método como de substância.

PARIA U M A «HUMILDADE ESCUAREOrDA» DA PIJAJNIFICAÇAO DA EDUCAÇÃO

N o fim da lista das reservas que elaborámos na secção prece­dente, criticámos a planificação da educação por dar provas de demasiada ingenuidade e por carecer de espírito crítico e m relação a certas hipóteses de base respeitantes às relações entre a educação e o desenvolvimento, por u m lado, entre a planifi­cação e a educação, por outro. A breve 'história da planificação foi aparentemente dotada de esperanças exageradas : esperava-se demasiado da educação para salvação do desenvolvimento e demasiado da planificação para salvação da educação. Seja qual for a influência que a educação possa exercer sobre o desen­volvimento e a planificação sobre o futuro da educação, ela far-se-á sentir mais intensamente se estas diversas relações —e seus limites— forem avaliadas com mais realismo. É ne­cessário, portanto, defender a instauração, entre os teóricos, e a inculca, nos meios políticos e serviços de planificação, u m a «humildade esclarecida» e m relação às possibilidades da pla­nificação da educação. A luz deverá resultar de u m a melhor compreensão da dinâmica inerente à economia política do de­senvolvimento e da maneira como esta dinâmica circunscreve, dita e limita o papel da educação, planificada ou não, no processo de desenvolvimento. A repartição da riqueza económica, do poder político e das situações sociais tornasse, na sua realidade, u m dos principais elementos de apreciação e m que se baseia

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Para u m a economia /política da planificação da educação

a (planificação da educação e que exigem u m esforço de inves­tigação constante para se manterem actualizados.

U m a vez identificado o contexto político da planificação da educação, será fácil adoptar ópticas diferentes. D e acordo com este contexto, a planificação da educação pode desempenhar papéis diversos no processo de mutação: n u m extremo, pode ser u m dos principais instrumentos da conservação do statu quo, reflectindo, assim, a atitude conservadora geral do poder político. N u m contexto político diferente, pode tornar-se u m dos meios de reforma progressiva da ordem estabelecida. Fi­nalmente, os sistemas políticos baseados nas transformações radicais e profundas considerá-la-ão, provavelmente, u m ins­trumento útil para atingir os seus objectivos. É evidente que estas diferentes concepções do papel que pode desempenhar a planificação da educação darão origem a diversas hipóteses e à adopção de estratégias e de métodos variados.

Constituirá u m a prova de realismo, no esforço de planifi­cação, a atribuição de maior importância às influências e aos elementos exteriores no desenvolvimento e na reforma da edu­cação. Já falámos da dificuldade que origina, para o estabele­cimento de u m a planificação coerente, o estado de dependência e m que numerosos países subdesenvolvidos se encontram e m relação aos recursos externos, devido à variedade dos critérios, das justificações e das condições que acompanham a sua con­cessão. É evidente que o aspecto mais importante deste problema se deve à necessidade de reconsiderar e de reformular a atitude adoptada pelos países entre si e, e m especial, pelos países ricos e m relação aos países pobres. N o entanto, é necessário que os planificadores da educação estejam conscientes da existência destas imposições, primeiramente para reduzir os seus efeitos e, e m seguida, para obter formas de planificação de carácter mais endógeno. A este respeito, é consolador verificar que muitos países e m desenvolvimento se esforçam deliberadamente por não depender de conselheiros e de peritos estrangeiros. O que persiste, muitas vezes, é a presença menos evidente de outros elementos, sob a forma de empresas estrangeiras de edição de manuais ou de fornecimento de material educativo (de equipa­mento e de lógica), modelos de programas de estudos, etc. N a planificação da educação, a noção de auto-suficiência está ainda longe de se concretizar, m a s a vontade de o conseguir é evi-i dente.

Algumas consequências para a formação

Podemos tratar rapidamente deste problema, pois já apresen­támos u m certo número de observações que dizem directamente respeito ao lugar que a formação do pessoal deveria ocupar na planificação da educação. N a verdade, as principais críticas que lhe apontámos, dada a maneira como é praticada actual-

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Hans N . Weiler

mente, significam que é indispensável modificar a concepção e a prática das actividades de formação. Contudo, para as re­sumir, retomaremos algumas observações ".

PANIFICAÇÃO E ENVESTTGAÇAO

Nas secções precedentes, insistimos particularmente sobre a necessidade de ampliar e modificar os conhecimentos utilizados na planificação da educação. Estes conhecimentos referem-se tanto ao domínio propriamente educativo (melhor compreensão, e maás documentada, das situações e tendências existentes) como aos domínios externos da educação, pois estes apresentam u m a importância particularmente crítica por a planificação da edu­cação «depender» de condições conjunturais.

A formação de planificadores capazes de resolver estas duas ordens de problemas exige duas actividades distintas. Por u m lado, eles deverão compreender a que ponto o desenvolvimento de u m sistema de ensino é função do estado geral da sociedade, mostrando-lhe que a sua evolução e as reformas a introduzir estão limitadas pelo que a dinâmica da estrutura social, o poder político e a situação económica autorizam. Por outro lado, é necessário fornecer-lhes os meios de analisar estas forças, o seu vigor e as suas relações mútuas, ou pelo menos, de com­preender e de julgar com espírito crítico as análises feitas por outros a pedido dos planificadores. Para tal, seria necessário, e m particular, estabelecer u m a apreciação dos métodos de in­vestigação aplicados nas principais disciplinas, familiariazar-se com os diferentes paradigmas e as diferentes ideologias que caracterizam a investigação, e estudar alguns casos típicos — no b o m e no m a u sentido do termo — de investigações sobre o desenvolvimento.

FIJAINTBUCACAO E COMUNICAÇÃO

Se julgamos correctamente a falta de transparência e de comu­nicação de u m a grande parte da planificação actual de educação, u m a das tarefas mais importantes que amanhã se imporão aos planificadores será a de reforçar o seu desejo e a sua capacidade de comunicação. Partindo de u m modelo conflitual de planifi­cação baseado na participação, tal como apontámos mais acima, os planificadores assumirão funções críticas de ligação de acordo com modos de comunicação e de interacção muito mais dispersos e complexos. Talvez o papel mais importante a desempenhar consista e m canalizar para o topo informações vindas da base do sistema, e e m exprimir as necessidades, os interesses e as aspirações dos indivíduos e dos grupos abrangidos pelas con­sequências do processo de planificação.

C o m o habituar as pessoas a comunicar? C o m o é evidente, a condição indispensável é a existência de u m desejo e de u m a vontade de se empenhar n u m a troca de comunicações, m a s esta vontade só será obtida à custa de u m esforço paciente e

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Para u m a economia política da planificação da educação

constante de ressocialização empreendido junto de funcioná­rios geralmente muito pouco comunicativos. N o entanto, este processo poderia ser facilitado, ao m e s m o tempo que se refor­çaria a capacidade de comunicação e de interacção, se a for­mação dos planificadores da educação comportasse mais acti­vidades por pequenos grupos, exercícios de interacção e outros métodos referentes ao comportamento mútuo dos indivíduos e dos grupos.

PLAINIFICAÇAO E POLITIOA

Torna-se agora bastante evidente que, para nós, a planificação da educação deve significar, sobretudo, que se reconhece a na­tureza essencialmente política deste processo. Estamos muito longe, da concepção do planificador-técnico, m e s m o se a nossa definição deste especialista lhe atribui ainda u m conjunto apre­ciável de qualificações técnicas. Para atender, nas suas activi­dades, à natureza política da planificação da educação, o pla­nificador deverá compreender não só os processos políticos de que ela depende, como também o papel que deverá desempe­nhar. Se, como indicámos, a planificação da educação pode, segundo o contexto político e m que se processa, basear-se na manutenção do statu quo ou, pelo contrário, orientar-se para modificações radicais das estruturas sociais existentes, seria estranho que os que se encontram no cerne da planificação da educação pudessem ficar indiferentes e «neutros». O planifi­cador deve, portanto, pretender tornar-se u m « h o m e m político» n u m ambiente altamente técnico ; o programa de formação capaz de o preparar para esta tarefa ainda não foi inventado, m a s poderíamoSj pelo menos, tentar que, nos programas aplicados, os estagiários «desaprendam» alguns hábitos e atitudes tecno­cráticas que acompanham a concepção clássica e apolítica da planificação da educação.

Planificação e legitimação

O que é que este exame da planificação da educação tem a ver com o problema da legitimação, tal como se apresenta a pro­pósito da educação? A este respeito, os problemas da planifi­cação e o da legitimação são praticamente os mesmos ; plani­ficar a aplicação de u m a política e assegurar a sua legitimidade são duas atitudes independentes. Se pretendemos modificar a noção e o alcance da planificação da educação, e m que é que as transformações afectam o processo e os critérios através dos quais se legitima a política educativa?

O género de planificação da educação a quem dirigimos a maior parte das nossas críticas ilustra u m a das relações esta­belecidas entre a planificação e a legitimação: para legitimar totalmente, ou e m parte, a política da educação, afirma-se que ela resulta de u m a planificação cuidadosa e sistemática. Nesta

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Hans N . Weiler

perspectiva, as decisões são, pois, consideradas mais legítimas desde que se baseiem na planificação; assim, esta torna-se, pelo menos implicitamente, u m meio de legitimar as decisões tomadas e m matéria de educação.

Temos tendência para pensar que não é esta a maneira cor­recta de tratar o problema da legitimação e que a questão está a ser escamoteada: se a planificação é u m meio de legitimar as decisões tomadas, quem pode, por sua vez, legitimar a pla­nificação? Ë verdade que existem teóricos que, no contexto mais amplo do debate consagrado à legitimação — especialmente entre os sociólogos alemãesB durante os dez últimos anos — se declararam a favor da «legitimação ¡peio processo» 6. N o en­tanto, tudo leva a crer que u m a concepção tão formalista da legitimação tende a congelar irrevogavelmente o processo de decisão, tanto na educação como e m outros sectores, e a en­cerrá-lo no statu quo político e económico.

Parece, pois, que, tratando-se de educação, a investigação das fontes de legitimação deve ultrapassar a qualidade do pro­cesso de planificação. Considerando os factos globalmente, po­demos, evidentemente, reduzir o problema da legitimação da educação ao da legitimação da política geral ou da existência do governo, considerando que as decisões tomadas no domínio da educação, pelo menos as que decorrem de organismos pú­blicos e de representantes do governo, são legítimos e m virtude do próprio poder dos governantes, que este poder resulta de eleições populares, do carisma exercido por u m a personagem purificada, ou de u m a tomada de contrôle militar.

N o entanto, este recurso ao processo geral de legitimação política talvez devesse ser completado por u m raciocínio que permitisse fornecer u m a justificação precisa para as decisões e políticas que se referem mais particularmente à educação. Pensamos que este raciocínio poderia partir da hipótese, ex­posta mais acima, segundo a qual seria possível aplicar u m modelo conflitual de participação ao processo de planificação da educação. Se este modelo pudesse exprimir amplamente as necessidades, as aspirações e os interesses de todos aqueles que estão ligados à educação, e transformar a planificação n u m meio de transpor esta expressão para diferentes opções de ordem política, disporíamos, pelo menos, de u m modelo de le­gitimação característico da educação, que viria completar o processo mais amplo de justificação política. É óbvio que este carácter de complementaridade entre legitimação específica e justificação geral só poderá existir se os dois modelos coinci­direm nas suas grandes linhas: seria ingénuo pensar que u m processo de legitimação da educação, baseado n u m modelo conflitual de participação na planificação, poderia funcionar se o conjunto do sistema político se justificasse a partir de u m modelo de carácter essencialmente consensual e hierárquico.

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Para uma economia política da planificação da educação

Samuel Bowles aplicou a u m estudo recente u m subtítulo («os planificadores da educação entre a espada e a parede») 7

que confirma o cepticismo de Levin, para quem a planificação de educação é uma manifestação de optimismo. Tendo em conta o estado actual desta planificação e os postulados que a guiam há cerca de vinte anos, estes dois autores têm igualmente razão. Mas, os países continuarão, por diversas considerações, a desen­volver esforços mais ou menos sistemáticos para prever, pro­jectar e, é necessário que se diga, planificar o futuro do seu sistema educativo. Não sabemos e m que medida poderão ultra­passar u m simples «exercício de optimismo». Dependerá da capacidade dos planificadores ( e dos que os aconselham e os formam), assim como do seu interesse em aceitar que a plani­ficação da educação comporte u m mandato político e em re­conhecer as condições, os limites e as consequências políticas da sua actividade. E m resumo, será necessário aprofundar a economia política da educação, a fim de passar da humildade esclarecida para uma teoria crítica da planificação da educação.

Notas

1. 'Este estudo foi redigido por u m a conferência nacional sobre «A crise da legitimação da educação» organizada pelo Centro de Estudos Administrativos da Universidade de Nova Inglaterra, Armindal«, IN. S. W . Austrália (26 de Novembro-1 de Dezembro de 1977),. Repro­duzimo-lo com a autorização dos organizadores.

2, Hemry L E V I N , The limita of educational planning, Paris, U P E , 1977, (Estudo inédito).

5. U N E S C O , L'éducation en Afrique à la lumière de la Conférence de Lagos, (,1976), Paris, Unesco, 1977.

*•• INSTITUT I N T E R N A T I O N A L D E PLANIFICATION D E L ' É D U C A T I O N . L'évo­lution des besoins de formation dans le domaine de l'administration et de la planification de l'éducation, Paris, LTPE, 1977.

5« Jürgen H A B E R M A S , Legitimationsprobleme in Spätkapitalismus, Franc­fort, Suhrkamp, 1973. (Edição inglesa: The legitimation crisis, Beacon Press, 1975).

-; Niklas L U H M A N N , Theorie des Geselschaft oder Sozialtechno­logie, Francfort, Suhrkamp, 1971.

6. ¡Niklas L U H M A N N , Legitimation durch Verfahren, Neuwield, Luchter-hand (1969).

7. Samuel B O W L E S , Class conflict, uneven development, and schooling: educatmal planners at bay, 1977. (Estudo inédito).

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M . N . Skatkine e V . V . Kraevski

Investigações didácticas e aplicação dos seus resultados na prática na URSS

Trataremos aqui não da pedagogia no seu conjunto, m a s uni­camente da didáctica, que constitui o seu ramo mais impor­tante e que elabora a teoria da educação e do ensino. A didáctica não estuda os métodos de ensino característicos de cada m a ­téria, m a s as leis gerais do ensino, indepentemente do conteúdo das diferentes disciplinas. A didáctica explora largamente nas suas investigações os dados da psicologia geral, da psicopeda-gogia e da psicologia genética, m a s não se reduz a estas espe­cialidades. T e m por objecto não as características e os pro­cessos psíquicos, que decorrem da psicologia, m a s a actividade de ensino e a aprendizagem, na sua interdependência, e as leis do próprio processo do ensino.

Os progressos científico e técnico e o progresso social im­põem exigências cada vez mais elevadas ao ensino geral dis­pensado às jovens gerações. Estas exigências são formuladas nos documentos oficiais do partido e do governo que definem as tarefas de todos os estabelecimentos de ensino, e m particular das escolas de ensino gérai, e indicam os principais aspectos do conjunto da actividade pedagógica e educativa que se trata de aperfeiçoar.

O s problemas complexos da educação e do ensino não podem ser resolvidos sem base científica. A didáctica elabora os prin­cípios teóricos indispensáveis à resolução efectiva dos proble­mas de conteúdo, de métodos e de organização do ensino.

Deter-nos-emos e m algumas grandes orientações da inves­tigação didáctica aplicada á estes problemas.

Conteúdo do ensino

Durante os últimos anos, realizou-se u m importante trabalho na U R S S para melhorar o conteúdo do ensino escolar. O s pla­nos e programas de estudos, os manuais e os auxiliares peda­gógicos foram renovados.

Definir correctamente o conteúdo do ensino é u m a tarefa que deu origem ao confronto de diferentes tendências e à ex-

M . ¡N. Skatktoe, membro correspondente da Academia das Ciências Pedagógicas. V . V . Kraevskd, candidato de Ciências Pedagógicas.

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Investigações didácticas e aplicação dos seus resultados na prática

pressão de diferentes pontos de vista. Actualmente, a aplica­ção, na prática, de novos programas confirmou a permanência do objectivo essencial da escola soviética: assegurar o desen­volvimento harmonioso e completo da nova geração. A ideia subjacente de desenvolvimento harmonioso e completo permitiu evitar u m desequilíbrio da educação, o desenvolvimento de cer­tas matérias e m detrimento de outras e a redução da impor­tância atribuída às ciências humanas.

Contudo, a reforma do conteúdo do ensino não está ter­minada; prossegue, tanto no plano científico como no plano prático. O s esforços referem-se, sobretudo, a u m dos objec­tivos essenciais, que consiste e m incluir mais completamente e de maneira mais orgânica nos programas as aquisições con­temporâneas da ciência, da técnica e da cultura, isto é, e m elevar o nível teórico das disciplinas escolares. Para elevar este nível interessa, e m particular, aplicar os conhecimentos teó­ricos assimilados ao estudo dos capítulos sucessivos do pro­grama correspondente e estabelecer u m a coordenação entre disciplinas próximas. É indispensável, portanto, definir para cada programa as ideias directoras e m torno das quais se ar­ticula o seu conteúdo.

Estes princípios exerceram u m a influência determinante sobre a estrutura e extensão do conteúdo de quase todas as matérias. Além disso, atendeu-se à .grande importância que reveste, para iniciação dos alunos nas grandes ideias cientí­fica®, o método dedutivo na apresentação da matéria estudada, por permitir que a criança adquira, desde o início, o 'hábito de pensar de acordo com as categorias científicas.

Este princípio permite enriquecer consideravelmente a m a ­téria estudada e aprofundar os conhecimentos graças ao domí­nio dos conceitos fundamentais. Foi aplicado n u m a série de cur­sos. Contudo, ainda não foi possível superar totalmente o excesso de matéria n e m eliminar todos os elementos ultrapassados e secundários; é nesta direcção que prosseguem os esforços.

O eminente educador K . D . Ouchinski mostrou que a ex­periência histórica da humanidade representada pelo sistema daá ciências que constituem o conteúdo fundamental do ensino deve ser novamente estudada e adaptada aos objectivos deste ensino. A tarefa de «elaboração pedagógica» continua na ordem do dia. Assim, é importante, do ponto de vista didáctico, esta­belecer u m a correspondência entre o saber actual e a matéria ensinada, e definir modos de elaboração das diferentes disci­plinas escolares. Este problema tem sido objecto, nos últimos anos, de investigações aprofundadas. O s trabalhos mostraram que o nível teórico dos conhecimentos assimilados pelos alunos pode e deve elevar-se sensivelmente e que é possível organizar o ensino de tal m o d o que até os alunos mais novos possam assimilar noções abstractas e formular rudimentos de pensa­mento teórico.

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M . N . Skatkine e V . V . Kraevski

Devemos citar os nomes de L . V . Zankov, D . B . Elkonine, V . V . Davydov, que, por vias diversas, foram conduzidos à preconização da intensificarão da actividade cognitiva dos alunos e da redução da duração do ensino primário de quatro para três anos. Actualmente, a duração do ensino primário é, de facto, de três anos e m todas as escolas da U R S S . Davydov, n u m livro intitulado Vidy obobscenija v dbucenii (Aspectos da Generalização do Ensmo), salienta a ideia de que é neces­sário reorientar todo o sistema de ensino a fim de que as crianças possam passar de u m a reflexão empírica para u m pensamento científico e teórico. Este trabalho de investigação prossegue actualmente.

N o s últimos anos, os pedagogos soviéticos preocuparam-se particularmente e m determinar os meios e as modalidades a aplicar para elevar o ensino politécnico a u m nível que responda às condições actuais e às necessidades do desenvolvimento so­cial, político e económico da nossa sociedade.

O ensino politécnico destina-se, como elemento do ensino geral, a familiarizar os alunos com as bases científicas da pro­dução moderna, a transmitir-lhes técnicas gerais de trabalho, facilmente adaptáveis a novas situações, a desenvolver a sua aptidão para resolver activamente problemas de produção de ordem técnica, tecnológica, organizacional e económica. Deste modo, o ensino politécnico contribui largamente para o desen­volvimento harmonioso e completo dos alunos e para a resolução de importantes problemas sociais, como a supressão das notáveis diferenças entre trabalho físico e trabalho intelectual e a trans­formação do trabalho, considerado como fardo, e m fonte de alegria e inspiração.

O s pedagogos soviéticos efectuaram numerosas investiga­ções para atribuir u m fundamento científico ao conteúdo do ensino politécnico. Analisaram a actividade dos operários das profissões que se pretendia desenvolver e elaboraram, nesta base, o modelo ideal de indivíduo que recebeu u m a formação politécnica; este modelo serve de guia para a elaboração do conteúdo do ensino politécnico nos estabelecimentos do ensino geral. O s modernos processos de produção baseiam-se e m toda a parte e universalmente e m cinco grupos de princípios decor­rentes respectivamente da mecânica, da electrotécnica, da au­tomática, de organização e da economia. O ensino politécnico na escola exeree-se sobre os conhecimentos relativos a estes princípios e sobre as aptidões e hábitos correspondentes. C o m ­preende o estudo dos fundamentos das disciplinas científicas, a iniciação da vida profissional, diversas actividades extra-esco­lares e u m trabalho socialmente útil realizado pelos alunos.

A o estudar as bases das ciências exactas e naturais, os alunos adquirem conhecimentos sobre as leis da natureza e os princípios da sua aplicação à produção. O m e s m o sucede com leis e princípios sociais que os alunos aprendem a conhecer

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Investigações didácticas e aplicação dos seus resultados na prática

estudando as bases das ciências sociais (História, Estudos So­ciais, Geografia Económica).

A o estudar os fundamentos das ciências, os alunos adquirem igualmente certas habilidades técnicas indispensáveis à imensa maioria dos trabalhadores da produção: técnicas de medida, de cálculo, de desenho; aprendem igualmente a resolver dife­rentes problemas colocados pela aplicação das leis científicas à produção.

O conteúdo do ensino politécnico não se limita, porém, ao que acaba de ser dito. Muitas leis da própria técnica e as leis mais particulares da organização e da economia da produção não podem ser ligadas aos fundamentos das ciências sem perder a sua lógica e a sua especificidade. Estas tarefas decorrem já das partes teóricas da iniciação à vida profissional.

N o trabalho produtivo, os alunos são directamente integra­dos no sistema das relações organizacionais e económicas e adquirem não só conhecimentos sobre a organização e a eco­nomia da produção, como também u m a experiência das relações de produção. A o participar na resolução dos problemas de organização e dos problemas económicos, n u m a actividade de racionalização, de gabinete de estudos e de invenção que esteja à sua altura, e na emulação socialista, adquirem u m espírito colectivista e aprendem a assumir u m a atitude criadora e m relação ao trabalho.

Processos e métodos de ensino

O s pedagogos soviéticos, nos últimos anos, têm dedicado u m a grande importância às investigações sobre os métodos activos e sua aplicação na prática escolar.

Para melhorar o valor científico do ensino, interessa fami­liarizar os alunos com os métodos da ciência que lhes são acessí­veis. O s alunos encontram-se, assim, e m melhores condições de aprofundar determinados ramos de saber, de reconstituir u m pensamento científico, de apreender cientificamente a rea­lidade, e de adquirir u m espírito verdadeiramente científico. Ê este o objectivo dos métodos heurísticos, cuja natureza, im­portância e lugar no processo científico foram objecto de u m a série de investigações (M. N . Skatkine, I. I. Lerner, M . I. Makhmoutov, A . M . Matyouchkine e outros).

A atenção prestada aos métodos heurísticos não é fortuita. A revolução científica e técnica modifica o carácter do trabalho produtivo. O s processos uniformes e monótonos, que são os mais fatigantes para o h o m e m , são transferidos para instala­ções automáticas. Enquanto as forças humanas são utilizadas na realização de funções mais complexas, de maior responsa­bilidade, como a regulação, a direcção o contrôle, a concer­tação, a racionalização, etc. O cumprimento destas funções exige não só vastos conhecimentos gerais, politécnicos e espe-

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M . N . Skatkine e V . V . Kraevski

cializados, m a s igualmente capacidades bem desenvolvidas, e m particular a aptidão para u m a reflexão criativa pessoal. A apli­cação da ciência à produção conduzirá u m número cada vez maior de simples trabalhadores a ocupar-se da investigação e da aplicação da ciência ao trabalho.

O pontencial criador do aluno não pode desenvolverle se este não for chamado a participar directamente n u m a activi­dade criativa. N e n h u m discurso sobre a actividade criativa de outros, nenhuma demonstração pode ensinar a criação. Por muito bem assegurada que se encontre, a transmissão de u m saber pelo método explicativo e ilustrativo não garante o desenvolvimento do pensamento criador n e m a autonomia cognitiva dos alunos.

Para que os alunos participem n u m actividade criadora, é necessário u m sistema de tarefas cognitivas baseadas na in­vestigação. Os trabalhos mencionados anteriormente determi­naram o progresso da elaboração das bases didácticas da for­mação de u m a autonomia cognitiva. Formularam os princípios da elaboração de u m sistema de tarefas cognitivas e criaram métodos para ensinar os alunos a executá-las. Estes princípios foram aplicados a u m certo número de disciplinas: História, Literatura, Russo e Geografia Económica, o que constituiu u m a etapa na via da elaboração de u m sistema de tarefas cognitivas para cada matéria.

A aprendizagem pela descoberta, ou heurística, efectua-se segundo três métodos: a exposição dos conhecimentos sob a forma de problemas, a acção baseada na descoberta e a in­vestigação propriamente dita. Estes três métodos têm e m c o m u m o ensino baseado na resolução de problemas, m a s dis-tinguem-se pelo grau de autonomia da actividade heurística dos alunos. É na investigação propriamente dita que esta auto­nomia se revela maior: a actividade cognitiva dos alunos, pelo seu próprio carácter, aproxima-se do trabalho de investigação dos cientistas.

N a acção baseada na descoberta, a autonomia dos alunos é menor: efectuam apenas investigações parciais com u m auxí­lio importante do professor.

N a exposição sob a forma de problemas, é o professor que dirige, fornecendo aos alunos u m modelo de reflexão fundada na demonstração, e os alunos limitam-se a seguir o curso do seu raciocínio, o movimento do pensamento orientado para a resolução do problema.

N ã o obstante o grande valor pedagógico da aprendizagem que fornece aos aluno® conhecimentos b e m assimilados e de­senvolve a sua autonomia cognitiva, os pedagogos soviéticos não a universalizam e não a opõem ao® meios tradicionais de ensino (método explicativo e ilustrativo, método reprodutivo). Todos os métodos são indispensáveis para atingir os seus objec­tivos didácticos próprios e não podem ser substituídos por ou­tros. Trata-se de os combinar harmoniosamente.

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Investigações didácticas e aplicação dos seus resultados na ¡prática

O estudo do problema da formação de u m pensamento cria­dor está estreitamente ligado ao estudo do© aspectos didácticos dos problemas, capitais para a nossa pedagogia e para o nosso ensino, da formação de uma concepção comunista do mundo nos alunos. A formação de uma concepção do mundo é, eviden­temente, u m processo complexo e variado que decorre de todos os ramos da pedagogia, em particular da didáctica.

É na formação de uma concepção do mundo que a unidade do ensino e da educação encontra a sua expressão mais nítida. Durante este processo, os alunos, sob a direcção do professor, integram constantemente na sua experiência ideias que expri­m e m uma concepção do mundo em termos cada vez mais gerais, à medida que examinam esta experiência à luz de novas gene­ralizações. O processo de formação de uma concepção do mundo é determinado não só pela acção do professor, mas também pela actividade do aluno. O processo de formação de qualquer concepção do mundo não pode considerasse terminada enquanto os alunos não aplicarem estas ideias aos fenómenos reais aces­síveis à sua consciência.

A elaboração de uma concepção comunista do mundo no aluno assume u m carácter criador porque está indissoluvel­mente ligada à formação da personalidade. A o estudar os meios de conduzir os alunos à participação numa actividade criadora, a didáctica aborda objectivamente, pela própria lógica do m o ­vimento do pensamento científico, o problema da formação de uma concepção comunista do mundo. Surge, então, a neces­sidade de aprofundar problemas como a determinação do con­junto dos conhecimentos relativos à concepção do mundo que deve dispensar o ensino secundário, os critérios e os meios de diagnóstico da maneira como se forma a concepção do mundo nos alunos, as etapas da sua formação no processo do ensino, as modalidades optimais segundo as quais se formam os ele­mentos essenciais da estrutura de uma concepção do mundo no processo de ensino, etc.

U m dos grandes sectores da actividade pedagógica, o dos meios materiais de ensino, experimenta actualmente grandes transformações. Se, durante séculos, a transmissão dos conhe­cimentos apelou quase exclusivamente para a palavra do pro­fessor, para os manuais escolares e para uma gama bastante limitada de auxiliares visuais, tornou-se possível, nos nossos dias, utilizar meios técnicos (cinema, rádio, televisão) para transmitir uma informação mais concentrada.

Não se trata unicamente de alargar os limites da apresen­tação visual dos fenómenos concretos. Com a elevação do nível teórico do ensino, o papel das representações simbólicas au­menta: aparecem fórmulas e gráficos diversos diante dos alunos, soib uma forma dinâmica, não só no quadro, como tamíbém num écran de cinema ou de televisão. Tudo isto permite fornecer

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M . N . Skatkine e V . V . Kraevski

mais rapidamente aos alunos, sob u m a forma concentrada, u m a grande quantidade de informações científicas.

Ooloca-se, então, u m a série de problemas de ordem didác­tica: avaliação da eficácia pedagógica destas técnicas no pro­cesso de ensino, equipamento escolar necessário ao estudo de certos assuntos, de certos capítulos ou partes de programa, etc.

O carácter global da utilização dos meios técnicos merece u m a atenção particular. Até m e s m o a mais ampla utilização destes meios pode não fornecer os resultados esperados se estes meios forem utilizados sem sistema, caso a caso. E m primeiro lugar, devem constituir u m sistema e m si m e s m o ; e m seguida, devem fazer parte integrante do sistema de ensino no seu con­junto. O sistema global representa o conjunto dos meios de ensino interdependentes que, de acordo com os imperativos pe­dagógicos e científicos, permite o sucesso das tarefas edu­cativas. C o m o é evidente, este sistema não pode substituir o professor, destina-se a ajudá-lo. O s elementos encontram-se reunidos n u m m e s m o conteúdo e n u m m e s m o método de apli­cação ao conjunto do programa.

Forneceremos apenas u m exemplo do que constitui o valor de determinado meio técnico e m relação aos problemas e às condições didácticas do ensino.

N u m trabalho sobre a aplicação da televisão ao ensino da história, u m investigador partiu da hipótese segundo a quai a utilização directa, durante o curso, de emissões dramáticas televisivas contribui sempre para enriquecer representações históricas e para estimular a actividade cognitiva dos alunos, permitindo compreender e assimilar melhor o programa. Veri-ficou-ise, porém, que estas reconstituições históricas sob a forma «dramática» nem sempre fornecem bons resultados. Só atingem o seu objectivo quando pressupõem u m conhecimento profundo de outros factos históricos. O nosso investigador foi, portanto, obrigado a examinar o problema da elaboração de u m sistema de emissões televisivas de tipos diferentes e da sua utilização e m combinação com os métodos tradicionais de ensino da 'história.

O s problemas colocados pela criação de jogos de material didáctico visual e a utilização simultânea de vários meios téc­nicos de ensino são estudados pelos investigadores do Instituto de investigações sobre o equipamento escolar e os meios téc­nicos de ensino na Academia das Ciências Pedagógicas.

Para que os alunos assimilem mais activamente os conhe­cimentos que lhes são transmitidos, apela-se tanto quanto pos­sível para os trabalhos individuais e para elementos de ensino programado. Reconhecendo o valor pedagógico do ensino pro­gramado, os pedagogos soviéticos não defendem as tentativas que procuram transformar todo o ensino e m ensino programado e substituir todos os outros métodos de ensino por este. N ã o se trata de opor m a s de associar o ensino programado às formas tradicionais de organização do processo escolar.

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Investigações didácticas e aplicação dos seus resultados na prática

Formas de organização do ensino

Nas suas previsões sobre a evolução do ensino, muitos educa­dores estrangeiros preconizam a individualização completa do ensino como ideal a atingir. Além disso, o ensino programado e a utilização de ordenadores suscitam grandes esperanças. O s alunos, trabalhando individualmente, seriam obrigados a progredir ao seu próprio ritmo, e m independência total e m re­lação aos outros alunos e esta individualização tão profunda tornaria inútil o trabalho colectivo que seria abolido, assim como todo o sistema de cursos divididos e m classes; idealmente, seria necessário substituir a classe colectiva pelo ensino individual.

Ninguém contesta a necessidade de u m a abordagem indi­vidual para cada aluno. A s objecções surgem quando se coloca a questão da seguinte maneira: o ensino individual deve subs­tituir inteiramente o curso dispensado na aula ou será necessá­rio organizar o trabalho dos alunos associando harmoniosa­mente a actividade individual e o trabalho por pequenos grupos e por classes?

A esta questão, a nossa resposta consiste e m afirmar que o sistema escolar tradicional resistiu à prova do tempo não só por razões económicas, m a s também por razões pedagógicas. C o m o mostraram as investigações dos educadores soviéticos, este sistema possui todo u m conjunto de virtudes pedagógicas : clareza de organização e boa ordenação do processo de ensino, influência ideológica e afectiva da personalidade do professor sobre o grupo dos alunos, emulação original dos espíritos na aquisição colectiva dos conhecimentos; facilita, além disso, a formação de relações colectivas durante u m trabalho c o m u m e contactos entre os alunos. Tudo isto mostra a necessidade de ser prudente e m relação ao sistema tradicional da lição dis­pensada na aula.

Contudo, não é possível ignorar os defeitos deste sistema. U m deles é o alinhamento pelo aluno «médio». Duas categorias de alunos sentem-no particularmente: os fracos, que não con­seguem acompanhar os progressos gerais da classe e se tornam atrasados e repetentes, e os fortes que são obrigados a «des­lizar» sem utilizar todas as suas capacidades. Actualmente, os pedagogos colaboram intimamente com os professores com o fim de eliminar estas insuficiências. Estudam diversas combi­nações de instrução individual, e m grupo ou e m classe, para os diferentes níveis de ensino. Além disso, dedicam u m a atenção particular à investigação de formas de actividade escolar co-lectiiva: ajuda mútua e controle recíproco.

Outra tarefa cuja realização contribui para a eficácia do ensino é a instauração de u m a ligação mais estreita entre as ocupações escolares e extra-escolares. Neste aspecto, devemos sublinhar a actualidade de certas questões, como a relação entre a informação transmitida durante as lições e a que os alunos

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M . N . Skatkine e V , V . Kraevski

recebem cada vez mais de outras fontes: livros, revistas, ci­nema, televisão.

A s matérias facultativas inscritas no programa das escolar do nosso país durante os últimos anos oferecem grandes possir bilidades de individualização do ensino. A introdução nos horá­rios dos estabelecimentos de ensino geral de cursos destinados a aprofundar o estudo teórico e prático de certas matérias escolhidas pelos alunos situa-se na perspectiva da universali­zação do ensino secundário. N ã o duvidamos de que u m núcleo c o m u m de conhecimentos, obrigatório para todos, seja indis­pensável para a cultura geral da nova geração. Contudo, a es­cola secundária deve igualmente lançar as toases da formação do futuro especialista. Os ensinos facultativos estabelecem «pon­tes» entre a formação geral e a especialização futura dos jovens.

A s matérias facultativas assumem igualmente u m a impor­tância particular no desenvolvimento das aptidões, dos gostos e das capacidades das crianças e dos jovens. A possibilidade de optar desperta nos alunos u m a atracção que foi escolhida por eles e gera a necessidade e a faculdade de completar e alargar os seus conhecimentos, por sua própria iniciativa, Este aspecto das matérias de opção representa u m meio importante de preparar os alunos para se instruírem por si mesmos quando tiverem terminado os estudos e para utilizarem racionalmente os tempos livres para desenvolverem harmoniosamente as suas forças espirituais e físicas, e desempenharem u m a actividade criadora no plano científico, técnico ou artístico. A experiência já adquirida neste domínio mostra que os cursos facultativos que fornecem melhores resultados são os que mais se aproxi­m a m do tipo seminário. O trabalho pessoal e m classe e e m casa com ajuda de u m livro desempenha u m papel importante no sistema geral das actividades facultativas. Estas atribuem u m a grande importância aos trabalhos práticos e m laboratório, pois ajudam os alunos a enriquecer os seus conhecimentos pelo m é ­todo experimental. O desenvolvimento destas actividades fa­cultativas exige u m a análise científica mais desenvolvida e ca­rece de aperfeiçoamento.

A investigação de novas formas de organização racional dos estudos no plano teórico e prático foi objecto, durante os últimos anos, de trabalhos particularmente intensivos, tendo e m vista a necessidade de desenvolver nos alunos u m pensamento criador e u m a actividade cognitiva pessoal. A determinação de novos objectivos do ensino conduz naturalmente à concepção das for­m a s de organização do trabalho escolar que permitem atingir estes objectivos. O s fins de cada curso devem corresponder às exigências gerais do processo escolar. A maneira como estes cursos são organizados deve, por sua vez, corresponder aos objectivos e particularidades do conteúdo do ensino e seus m é ­todos.

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Investigações didácticas e aplicação dos seus resultados na prática

O processo de aprendizagem que se constitui no passado consistia, para o professor, e m comunicar u m saber e e m veri­ficar a sua assimilação, limitando-se os alunos a fixar e repro­duzir os conhecimentos que lhes eram transmitidos ou que se encontravam expostos nos manuais. A própria organização deste processo ficou marcada por este facto: a ¡maior parte das li­ções dividem-se habitualmente e m quatro partes: verificação oral dos conhecimentos, exposição da nova lição, reforço, deveres a efectuar e m casa. Esta estrutura estava em con­tradição com a necessidade de adaptar o processo de apren­dizagem às novas exigências da vida real. O s professores pro­gressistas substituíram o esquema tradicional da lição por formas mais maleáveis de organização. A partir do momento e m que o objectivo dos estudos consiste e m adquirir o saber como instrumento de conhecimento e de acção, e m assimilar métodos científicos e processos aplacáveis à resolução de pro­blemas e capacidades e técnicas de investigação, a universali­zação de u m a estrutura, seja ela qual for, torna-se inaceitável.

Por u m lado, as lições não podem ter u m a estrutura informe ou aleatória. Devem poder ser organizadas com precisão, de acordo com a lógica, as transições entre as partes devem ser orientadas com cuidado e a sua estrutura deve estar e m relação com os objectivos didácticos e com as leis do processo de aprendizagem. M a s , estas partes não são o interrogatório tra­dicional, o estudo de noções novas, o reforço, etc., n u m a ordem determinada, mas etapas que conduzem ao fim da lição, isto é, à assimilação do seu conteúdo. Além disso, o conteúdo destas etapas, a sua dimensão e a sua ordem não são imutáveis e de­pendem da matéria ensinada, dos objectivos didácticos, das leis do processo de assimilação, da composição da classe e do método de ensino.

Por exemplo, as investigações de M . I. Makhmoutov m o s ­traram que a estrutura de u m a lição baseada no método heu­rístico se compõe dos seguintes elementos: a) actualização dos conhecimentos, das aptidões e dos 'hábitos assimilados anteriormente; &) criação de situações problemáticas e expo­sição dos problemas; c) trabalho intelectual de investigação e resolução do problema (formulação e demonstração da hi­pótese) ; d) verificação da resolução do problema e repetição (se for necessário) da demonstração.

A reforma do ensino e m geral e da sua organização está ligada à optimização do processo de aprendizagem.

A s investigações sobre a optimização do processo de apren­dizagem, orientadas durante vários anos por Y . K . Babansky, do laboratório do Instituto de Investigações Sobre o Ensino, e m Rostov, forneceram grandes contributos para a ciência pe­dagógica. Nestes trabalhos, a optimização do processo de apren­dizagem designa u m conjunto de medidas que permitem atingir resultados maximais com u m a despesa mínima de tempo e de

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M . N . Skatkine e V . V . Kraevski

esforço para o professor e o aluno. A ideia central e funda­mental deste sistema afirmava que se tratava de dirigir o pro­cesso de aprendizagem de tal maneira que as acções pedagógicas correspondessem o melhor possível às possibilidades escolares dos alunos e contribuíssem para o seu desenvolvimento ulterior.

A acção pedagógica não é instantânea, passa por u m a série de graus e de etapas. A partir do mecanismo da acção peda­gógica, Babansky define as acções didácticas como influências planificadas, organizadas, reguladas e controladas exercidas pelos educadores sobre os alunos para atingir certos resultados no seu ensino. O ciclo de acção didáctica compreende, pois, os seguintes elementos : planificação, tendo e m conta as particula­ridades do grupo concreto constituído pela classe e pelos alunos considerados individualmente; organização; regulação e cor­recção; controle e avaliação dos resultados. Basta subestimar u m destes elementos para que a acção não atinja os resultados optimais. O que, na prática, significa, por exemplo, que as acções didácticas devem ser planificadas cuidadosamente a todos os níveis, desde a escola, no seu conjunto, às diversas lições e actividades extra-escolares. Graças a u m sistema de medidas destinado a optimizar o ensino, o processo de direcção da activi­dade escolar pelo professor transforma-se n u m processo de auto­nomização do aluno que passa pelas etapas seguintes, planifi­cação autónoma do trabalho, auto-organização, auto-regulação e auto-contrôle dos resultados.

Paralelamente à unidade das acções exercidas sobre a activi­dade, a consciência e a comunicação dos alunos, é indispensável assegurar igualmente a unidade do conteúdo e dos objectivos do processo de aprendizagem, que se realiza na unidade de exe­cução das tarefas de ensino, de educação e de desenvolvimento pela combinação optimal dos princípios, das formas e dos méto­dos pedagógicos. Por outro lado, é muito importante considerar a unidade dialéctica e a contradição dos diferentes princípios e métodos de ensino. Por exemplo, se, apesar de científico, o ensino não se mostrar acessível aos alunos, os resultados não serão optimais.

A aplicação exclusiva do princípio do estudo sistemático e progressivo poderia remeter-nos para u m tipo de ensino que, entre outras consequências, tivesse originado, noutra altura, a estrutura rígida que já apontámos. N o quadro de u m a dada acti­vidade escolar, a aplicação optimal dos princípios e dos métodos define-se do seguinte m o d o : a) pelas finalidades e objectivos concretos do ensino; b) pelas características do próprio conteúdo da matéria ensinada; c) pelas características ão auditório e das suas possibilidades de aprendizagem ; d) pelas condições e m que são atingidos os objectivos prescritos.

Esta concepção foi elaborada e experimentada no decurso de u m vasto ensaio piloto orientado por professores da região de Rostov. Exercerá, certamente, u m a grande influência sobre

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Investigações didácticas e aplicação dos seus resultados na prática

a teoria e a prática da elaboração racional e optimal das acti­vidades escolares.

N o resumo que aqui apresentamos sobre os problemas da didáctica, é difícil não focar u m domínio importante do conhe­cimento científico que assegura u m a influência essencial sobre a eficácia das investigações pedagógicas e, sendo assim, sobre a resolução dos problemas já mencionados: trata-se dos proble­mas de metodologia da pedagogia e dos métodos de investigação pedagógica. O trabalho efectuado neste domínio, nos últimos anos, contribui para elevar o nível das investigações didácticas, assim como a sua eficácia, condição essencial para a realização das tarefas que actualmente se oferecem à ciência e à prática pedagógica.

Aplicação dos resultados das investigações na prática escolar

«Saber para prever, prever para agir» é o significado profundo de toda a ciência e, e m particular, da pedagogia. Os resultados da pedagogia são aplicados na prática. O modo de aplicação depende do carácter da investigação.

A s investigações metodológicas não conduzem directamente à ptática: elaboram meios lógicos e metodológicos que encon­tram a sua aplicação nas investigações teóricas fundamentais e naa investigações pedagógicas aplicadas cuja eficácia au­mentam.

O s resultados das investigações teóricas fundamentais tam­bém não são susceptíveis de aplicações directas: servem de base às investigações aplicadas e à elaboração de documentos norma­tivos (planos de estudos, programas, manuais). Assim, as inves­tigações fundamentais de L . V . Zankov, V . V . Davydov, D . B . Eäkonine, anteriormente mencionadas, estiveram na origem da passagem do ensino primário para o ensino secundário universal e da elaboração dos novos programas e manuais dos três primei­ros anos de estudos.

A s investigações aplicadas conduzem a conclusões e reco­mendações concretas que podem ser aplicadas ao ensino e à educação. M a s , são os estudos pormenorizados do processo edu­cativo que fornecem os elementos de aplicação mais concretos, auxiliando directamente os professores no seu trabalho quoti­diano com os alunos.

A passagem difícil da teoria para a prática encontra-se bem demonstrada n u m a obra recente de O . Nilson, director do Ins­tituto de Pedagogia do Ministério da Educação da R S S da Estónia: Teorija i praktika samostojatel' noj ráboty (Teoria e Prática do Trabalho Individual). Baseando-se nos resultados de investigações didácticas e psicológicas fundamentais, o ins­tituto empreendeu u m estudo de conjunto sobre o trabalho indi­vidual dos alunos. A s investigações conduziram à elaboração e

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M . N . Skatkine e V . V . Kraevski

à verificação experimental de cadernos diários referentes a 45 cursos, reproduzidos nas quantidades necessárias e comuni­cados a cada professor. O sistema de trabalho individual dos alunos pôde, assim, ser posto e m prática e m todas as escolas da república.

O presente artigo fornece u m breve resumo de u m a série de problemas cuja resolução condiciona, e m grande parte, o sucesso do desenvolvimento futuro do ensino secundário soviético. Este resumo dá-nos u m a ideia da complexidade e da multiplicidade dos problemas que a pedagogia enfrenta. Muito se tem feito, m a s resta ainda u m longo trabalho a realizar.

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Posições / Controvérsias

Crise económica, universidades

e estudantes na Europa ocidental Thomas Forstenzer

N o espaço de u m decénio, a situação e as particularidades dos estudantes da Europa Ocidental e da América do Norte evoluí­ram de modo espectacular e, para algumas pessoas, inquietante. Se Herbert Marcuse, Henri Lefèvre e outros classificaram a uni­versidade dos anos sessenta de «grande rejeição» da sociedade de consumo ou de «espaço livre» no qual as contradições do capitalismo avançado das grandes sociedades podiam ser expos­tas e combatidas, podemos afirmar, actualmente, que a Univer­sidade dos anos setenta é o centro da «grande confusão», senão da «grande desilusão», e que constitui u m espaço que parece ter sido facilmente recuperado e dominado pela éUte anterior­mente ameaçada.

Embora tenhamos assistido, recentemente, a uma recrudes­cência do activismo estudantil em certos meios da Europa oci­dental, os temas escolhidos e as formas de mobilização utilizadas reflectem frequentemente uma confusão e u m desespero des­conhecidos há dez anos. A reforma profunda da sociedade, o apoio aos movimentos de libertação do Terceiro Mundo, a aliança entre os estudantes e a classe operária, deram lugar, por vezes de forma espectacular, à defesa mesquinha das aspirações e privilégios sociais apenas dos estudantes. E m toda a Europa ocidental e na América do Norte, u m interesse aparentemente apolítico pelos problemas do ambiente eclipsou os temas mais gerais e mais profundos que caracterizavam os movimentos estudantis dos anos sessenta e do início do decénio em curso, como a sociedade, a economia e a política,

A própria Universidade, que conhecia, há alguns anos ape­nas, tuna reforma e uma expansão notáveis, apresenta-se actual­mente como alvo preferido das compressões orçamentais, que têm por efeito reduzir o leque dos cursos oferecidos e o acesso ao ensino superior dos alunos que possuem as aptidões exigi­das. As principais vantagens adquiridas durante os anos ses­senta, na maior parte das vezes sob efeito directo do protesto e da confrontação: a democratização do acesso à universi­dade, a participação crescente dos estudantes na gestão da

Thomas Forstenzer (Estados Unidos da América). Historiador, professor assistente de História Politica Contemporânea Europeia Com/parada na Universidade de Rutgers.

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Thomas Forstenzier

Universidade, o estabelecimento de ¡programas de estudos mais «pertinentes» e mais assentes nos problemas sociais, foram redu­zidos, ou simplesmente suprimidos, sem desencadear u m a verda­deira mobilização por parte dos estudantes.

Facto interessante, este retrato talvez demasiado sombrio da Universidade dos anos setenta deve ser colocado sobre o pano de fundo do considerável desenvolvimento dos partidos tradi­cionais da classe operária e dos movimentos progressistas e m certas nações europeias, onde o espírito militante e o carisma da nova esquerda deram lugar a u m a «antiga» esquerda muitas vezes profundamente renovada e reformada. A s críticas diri­gidas a certos modelos de desenvolvimento socialistas, certos programas e slogans como a «autogestão» e a democracia pelos trabalhadores e, sobretudo, o desejo de obter reformas políticas e sociais fundamentais e imediatas, constituem outros tantos traços característicos do esquerdismo — espécie de movimento de esquerda extraparlamentar ou nova esquerda do decénio pas­sado— que se encontram actualmente reflectidos nas forças políticas históricas e tradicionais da esquerda: os partidos comu­nistas e socialistas, que representam, efectivamente, as camadas operárias da sociedade, pretensão que os movimentos estudantis dos anos sessenta nunca poderiam ter. Se 1968 evoca u m a con­testação espectacular, embora efémera, 1978 pode perfeitamente marcar u m a revolução mais calma, mais concreta e mais pro­funda da sociedade e da cultura europeias. É aos historiadores que compete exprimir u m julgamento definitivo a este respeito, m a s parece-me evidente que os movimentos dos jovens dos anos sessenta, por utópicos e efémeros que tenham sido, contribuíram para a aquisição de u m a nova vitalidade das formações tradicio­nais da esquerda e m muitos países da Europa Ocidental ; 1968 e 1978 limitam o m e s m o processo histórico geral na evolução das estruturas da sociedade da Europa ocidental. O activismo estu­dantil, que parece curiosamente «ausente» da Universidade nos anos setenta, reencontra-se hoje, e m grande parte, nas organi­zações de jovens e de estudantes dos partidos socialistas e comu­nistas de vários países. U m a boa parte do fermento intelectual que agitava os campus universitários há dez anos abandonou a Universidade e os movimentos nela apoiados passando para os gabinetes dos partidos políticos destes mesmo® países,

M a s , é verdade que a Universidade e m si, bem como nume­rosos estudantes, e m nada recordam, aparentemente, os anos sessenta. Não obstante os importantes grupos de estudantes, m e s m o nos países da Europa ocidental, onde foi grande, nestes últimos anos, o desenvolvimento da esquerda, o decénio e m curso é marcado pela calma e a tranquilidade. Nos outros países, e m que o período situado entre os anos sessenta e setenta não assis tiu a u m a transformação política tão importante, o apohtismo e o silêncio da geração actual de estudantes constituem u m fenó­meno ainda mais surpreendente. Ora, os temas semelhantes aos

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Crise económica, universidades e estudantes na Europa ocidental

que mobilizaram a solidariedade e o protesto da massa estu­dantil há dez anos não faltam no mundo contemporâneo. N o entanto, a Africa Austral parece actualmente muito mais afas­tada dos campus universitários da Europa ocidental e da A m é ­rica do Norte do que o Sudeste Asiático parecia há alguns anos atrás. A s políticas internas e externas de certas oligarquias e numerosas sociedades transnacionais não são hoje menos claras e menos discutíveis do que anteriormente. Contudo, a Universi­dade, os professores e os estudantes parecem ter-se retirado do combate. M e s m o nos países e m que a Universidade foi objecto da dominação dos meios de negócios e da política das forças conservadoras, o movimento de protesto e de resistência dos estudantes e dos professores assinalou-se pela timidez ou pela ausência.

O que mobiliza os partidos políticos da esquerda tradicional e m muitos países, e o que desmobilizou e despolitizou a Univer­sidade e m quase todos os países da Europa ocidental e da A m é ­rica do Norte, foi u m único e m e s m o factor evidente e objectivo : a crise económica crónica destes últimos anos. Caracterizada pela concomitância e o paralelismo do aumento' do desemprego e da subida de preços, a crise originou a adopção pelos poderes públicos de u m a política de austeridade orçamental, u m a forte redução dos créditos concedidos ao ensino superior, assim como u m a grave diminuição das perspectivas de carreira para os jovens diplomados da Universidade. A s profissões intelectuais, e m particular no sector público, foram frequentemente as pri­meiras e as mais duramente atingidas. Muitas vezes conside­rada u m luxo social e, depois dos anos sessenta como foco de agitação política, a Universidade foi objecto de tratamento par­ticularmente severo.

Alguns dirigentes do mundo político e económico pretende­ram e pretendem ainda que : 1. A Universidade prepare para carreiras que não oferecem

actualmente possibilidades de emprego : ensino, investigação e administração nas grandes empresas públicas ou privadas ;

2. O alargamento das possibilidades de acesso ao ensino supe­rior obtido nos anos sessenta fez baixar o nível dos diplomas e lançou no mercado do trabalho u m a enorme quantidade de indivíduos insuficientemente qualificados e demasiado nume­rosos para obterem emprego, m e s m o quando respondiam às condições exigidas pelos empresários que ofereciam os cargos ;

3. A Universidade serve apenas para proporcionar mais espe­ranças, baixando a produtividade social potencial dos estu­dantes da classe operária e da pequena burguesia que con­seguiram ingressar na Universidade graças às reformas dos anos sessenta.

Fundamentalmente, o argumento avançado por u m grande número de responsáveis pela política do ensino é simples e atraente. Admite-se que o ensino superior prepara para certas

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Thomas Forstender

carreiras, e a redução das possibilidades de emprego nestas car­reiras traduz a redução dos créditos concedidos ao ensino supe­rior. Por outras palavras, a Universidade é considerada exclusi­vamente como u m a instituição de formação profissional cujo funcionamento se encontra directamente ligado às flutuações da economia e da procura de trabalhadores intelectuais. Além disso, a crise económica é geralmente apresentada pelo mundo dos negócios e pelo Estado como u m fenómeno natural, estreita­mente ligado aos tremores de terra ou aos maremotos, que deve seguir o seu curso «natural» : austeridade para os serviços pú­blicos e, e m particular, para o ensino superior.

O raciocínio efectuado por certos responsáveis políticos, e m especial a respeito do ensino superior, é, na verdade, contradi­tório. E m minha opinião, é possível demonstrar que a tão apre­goada crise económica serviu de pretexto às políticas do ensino que pretendem prevenir ou reduzir a ameaça de u m novo acti­vismo estudantil nos anos setenta, para reforçar ou estabelecer o consenso social que existia antes de Maio de 1968 (pelo menos no seio dos grupos sociais relativamente privilegiados que têm acesso à Universidade), e para fornecer ao sistema económico actual u m a mão-de-obra possuindo as qualificações requeridas para desempenhar tarefas técnicas e administrativas m a s des­provida de qualquer formação «não necessária» e m disciplinas que podem incitar à contestação, como a Sociologia, a História, a Economia Política, a Filosofia e a Literatura. E m suma, a for­mação profisssional deve substituir a educação que deveria, no melhor sentido do termo, permitir que o cidadão critique a sociedade.

Deplorando a «pletora» de membros das profissões liberais intelectuais possuindo u m a formação universitária, alguns res­ponsáveis pela política do ensino (muitos governos e directores de sociedade e, b e m entendido, certas fundações privadas influen­tes) empreenderam, no ensino pós-secundário, a reforma mais ambiciosa deste século. A proliferação espectacular dos «esta­belecimentos de ensino propedêutico», dos «centros de ensino técnico», dos Institutos Universitários de Tecnologia (IUT) e dos seus diversos equivalentes no conjunto do mundo capitalista, mostra que a economia necessita constantemente de pessoas qualificadas. Certas élites políticas e económicas preferiam, no entanto, assegurar a formação desta mão-de-obra, a fim de evitar o contacto com a atmosfera viciada e o conteúdo perigoso do ensino universitário. Embora denunciem a superlotação e a exagerada «popularização» da Universidade, processos de redu­ção dos investimentos e de abaixamento do nível a que presidi­ram, muitos destes responsáveis acabam por desnaturar o con­teúdo e a vocação do ensino superior, criando u m sistema para­lelo de instituições que proporciona unicamente u m a formação profissional susceptível de preparar para carreiras de técnicos e de quadros médios.

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O objectivo desta estratégia é evidente: restituir à Univer­sidade o seu papel de instituição que assegura a educação da élite e, portanto, a sua reprodução, proporcionando uma educa­ção pretensamente «superior» à classe operaria e à pequena burguesia. Tal como o poder de compra dos operários e dos empregados foi reduzido pela inflação, enquanto os lucros dos sectores chaves da economia aumentaram, trata-se de reduzir o nível das aspirações (e da tomada de consciência política) dos alunos de origem modesta, oferecendo-lhes uma forma de edu­cação pos-escolar de qualidade média, que lhes facultará o acesso a empregos modestos — bem entendido medianamente remunerados — sem grandes possibilidades de promoção a ver­dadeiros postos de direcção.

Esta política, com os imensos investimentos iniciais que requer para a construção de uma rede de escolas inteiramente nova, confirma as fortes pressões sociais que os agentes de deci­são são obrigados a ter em conta, mas que muitas pessoas espe­ram canalizar segundo as modalidades que parecem não per­turbar o statu quo. E m primeiro lugar, na Europa ocidental e na América do Norte, o número de alunos desejosos de efectuar estudos universitários não cessa de aumentar, a despeito da crise económica e da falta de empregos para diplomados, o que não constitui nenhum segredo. A educação, e ainda bem que assim é, representa u m valor cultural fortemente arreigado nas nossas sociedades; não constitui apenas uma forma de promoção social. O saber é considerado u m ¡bem em si. Melhora a vida individual e colectiva. Ajuda a compreender, e talvez a dominar, o mundo que nos rodeia. Permite participar consciente e plenamente na vida da sociedade e reduzir os mitos e a mentira às suas verda­deiras proporções. E m segundo lugar, a própria lógica da econo­mia industrial moderna exige pessoas altamente qualificadas a todos os níveis da produção e da gestão. Não deve privar-se cada vez mais a economia de trabalhadores com formação supe­rior, quer se trate de operários ou de empregados, sem originar uma baixa de produtividade inaceitável. É por a mão-de-obra que tenha realizado estudos superiores produzir mais, embora se possa mostrar mais exigente, que são muitos os que, na classe dirigente e no mundo dos negócios, prefeririam uma mão--de-obra deste nível, que assegurasse simultaneamente uma pro­dutividade maximal e apresentasse aspirações e u m carácter militante tão reduzidos quanto possível. Para algumas destas elites, uma das utilizações políticas da crise económica consistiu em criar este ensino pós-escolar e em atrair os alunos na pers­pectiva de encontrarem emprego depois dos estudos.

Assistimos igualmente a ataques mais directamente dirigidos à própria Universidade. Aumentando as propinas de escolari­dade e as despesas de subsistência dos estudantes, reintrodu­zindo o numerus clausus e recorrendo a outros métodos desti­nados a entravar o livre acesso à Universidade, alguns governos

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e círculos privados criaram as condições da sua «purga tran­quila». Esta purga traduz-se não só pela eliminação flagrante dos grupos sociais e étnicos que se inscreveram recentemente nas novas Universidades e que agora se apercebem que os meios de prosseguir as reformas já não existem, m a s também pelo ataque a certas funções e liberdades positivas da própria Uni­versidade. Reduzindo bruscamente a procura de professores a todos os níveis e de especialistas e m quase todos os serviços sociais e públicos, alguns planificadores conseguiram dissuadir os jovens de prosseguir estudos mais gerais, mais humanistas e menos «práticos» preparando para carreiras da função publica (ensino e outras) e atraí-los para estudos mais técnicos permi­tindo adquirir conhecimentos mais ou menos directamente utili­záveis pelo sector privado. B e m entendido, este fenómeno acom­panha o esforço realizado a favor dos centros de ensino técnico, totalmente estranhos à Universidade.

N a própria Universidade, este fenómeno encontra-se na ori­gem de u m a rivalidade feroz entre os estudantes de todas as disciplinas, estando e m jogo os diplomas, as menções, e até m e s m o a sobrevivência académica. O s pedidos de admissão nas faculdades de Medicina, de Direito e de Administração (cujos diplomas abrem a via a empregos relativamente bem remune­rados) ultrapassam, de longe, o número de postos disponíveis. U m a vez entrados nestas faculdades, os estudantes são subme­tidos a u m processo de «segregação» que os leva a viver n u m receio constante quanto ao seu futuro profissional e os insurge uns contra os outros para obtenção, no fim dos estudos, de postos cujo número é arbitrário e artificialmente limitado. Nin­guém pode pretender, por exemplo, que a Europa ocidental ou a América do Norte disponham de u m número suficiente de médicos ou de «serviços de saúde» e, no entanto, os estudantes de Medicina são obrigados, por vezes, a rivalizar constantemente para obter os «melhores» estabelecimentos de internato e os «melhores» postos.

Seria igualmente falso, penso, afirmar que estas mesmas regiões podem ser satisfeitas com o número ou a qualidade actuais dos professores do ensino primário, do secundário e da Universidade. N o entanto, os políticos quase nos convenceram da existência de u m a pletora de professores impossível de reab­sorver. Apontam a redução das taxas de natalidade e outros factores «naturais» (como a crise económica), m a s não mencio­n a m a sobrecarga das classes nos ensinos primário e secundário, que é u m a causa de ineficácia, nem os sistemas que oferecem u m número maximal de professores e de locais e equipamentos dispendiosos às crianças das classes privilegiadas, enquanto as despesas correspondentes são reduzidas ao mínimo para as crianças pobres ou de origem modesta. N ã o apresentam nunca a diminuição da aptidão para a leitura e dos conhecimentos mate­máticos que se verificam e m certos países, e m quase todos os

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alunos do secundário, como u m argumento a favor do aumento do número de professores. Ê evidente que não : uns fornecem a explicação de que a televisão baixou o quociente intelectual da colectividade, enquanto outros, o que m e inquieta, recorrem às estatísticas para «provar» que as minorias étnicas se encontram biologicamente votadas a u m quociente intelectual inferior.

O desespero e a confusão encontram-se patentes nas facul­dades e disciplinas que formam tradicionalmente os professores, os investigadores e os funcionários polivalentes. Atendendo às reduzidas possibilidades de emprego, é preciso ser incrivelmente ousado, confiante ou destemido para realizar estudos de letras, ou até de muitas ciências fundamentais. Só os melhores elemen­tos encontrarão trabalho no ramo escolhido, e este trabalho corre o risco de ser a tempo parcial ou mal remunerado. Além disso, é nestas disciplinas que a «purga tranquila» é mais evi­dente. A o bloquear ou reduzir os efectivos de professores e/ou de investigadores, ¡alguns governos e conselhos de administração de empresas privadas conseguiram eliminar os dissidentes conhe­cidos — geralmente os jovens — do sector do ensino despedindo por «razoes económicas» os que já se encontravam empregados. Trata-se de u m fenómeno particularmente interessante, pois muitos jovens professores actualmente e m exercício, tomaram parte activa, quando eram estudantes, nos movimentos dos anos sessenta. Pelo menos u m governo da Europa ocidental afirmou explicitamente que considerava este passado de activista político como razão suficiente para recusar a u m candidato o acesso a u m posto no ensino ou na função pública.

Entre os estudantes, o clima é sobretudo de passividade e de receio. Quando deixaram transvazar a sua raiva, a violência da sua sublevação acompanhou muitas vezes a confusão dos objec­tivos políticos. A contracultura ingénua que constitui a política dos happenings reclama-se dos anos sessenta, m a s é o deses­pero do decénio seguinte que representa o seu motivo domi­nante. A nostalgia, que permite evitar o presente, tornou-se o m o d o cultural dominante dos campus da América do Norte e da Europa ocidental, que conheço bem. A música dos anos cin­quenta, o calão e as drogas dos anos sessenta estão bem paten­tes, mas a maioria dos estudantes não parece ocupada e m inven­tar formas culturais adaptadas à crise actual. É interessante notar que os anos trinta, que foram igualmente u m período de crise económica e de luta social, foram esquecidas, excepto para aqueles que continuam a militar nas fileiras da esquerda.

N a verdade, a crise revelou a posição ambivalente dos estu­dantes como grupo social e a ambiguidade da Universidade como instituição social. Grande força política nos anos sessenta (pe­ríodo de prosperidade e de abertura aparentes), os estudantes puderam actuar e m nome de povos longínquos e de ideais ainda mais distantes. Actualmente, parecem incapazes de defender os seus interesses educativos e económicos mais dementares. Mui-

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tos deles hesitam ein participar activamente na defesa da causa abraçada pelos partidos comunistas e socialistas que exigem uma reforma fundamental da sociedade. Muitos deles preten­dem cessar toda a actividade política e viver fechados em si mesmos, pelo menos até ao momento em que não já não lhes seja possível evitar a realidade dos exames, do desemprego ou do subemprego.

As razões deste comportamento, que é particularmente curioso se o compararmos ao que passou nos anos sessenta, são simultaneamente muito simples e extremamente complexas. A simplicidade decorre das origens burguesas e pequeno-burgue-sas, assim como das aspirações da maior parte dos estudantes. Estes factores impedem-nos, como é evidente, de participar directamente na acção das formações da classe operária, e, com maioria de razão, na dos movimentos que se reclamam de um marxismo absolutamente ortodoxo. A origem social dos estudan­tes de hoje ajuda a compreender as hesitações, a confusão e a passividade de que dão provas numa crise económica que salienta vivamente as ¡linhas que marcam as diferenças de classe.

A complexidade da situação deve-se ao facto de, no passado, os estudantes, ou importantes minorias de estudantes, terem conseguido transpor estas linhas por ocasião de uma crise económica e política semelhante: durante a grande depressão, a resistência contra o fascismo, o pós-guerra e, novamente, nos anos sessenta, mas desta vez como detractores das formações tradicionais da esquerda. Por que não o fazem actualmente? E por que não são tão numerosos actualmente e não obtêm resultados tão espectaculares? A resposta, creio, reside nas cir­cunstâncias particulares da época actual e nas defesas ideoló­gicas erigidas após os acontecimentos dos anos sessenta.

Longe de serem espectadores idealistas e compreensivos da crise económica, os estudantes são, hoje, directamente atingidos pelo desemprego. A o contrário do que sucedeu nos anos trinta, muitos governos, por razões diversas, não fazem nada para enfrentar a crise oferecendo outros empregos aos desemprega­dos, e, em particular, aos jovens, ou prolongando os estudos superiores de modo a absorver os desempregados em potência. Com origens e aspirações de empregos burgueses, os estudantes são subitamente tratados como empregados proletários ou, o que é pior, como membros instruídos do exército de reserva dos desempregados. Experimentam u m certo rancor em relação aos mais velhos, que possuem trabalho, e desconfiam muito parti­cularmente dos sindicatos que defendem a segurança do em­prego dos seus membros, o que parece ter o efeito de fechar o mercado do trabalho aos jovens. Como são, muitas vezes, quali­ficados e competentes, a sua primeira experiência de adultos responsáveis consiste em descobrir que são economicamente inú­teis, e que a instituição em que trabalharam tão duramente para obter diplomas e distinções académicas não lhes foi — economi-

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Crise económica, universidades e estudantes na Europa ocidental

camente falando — de nenhuma utilidade. A Universidade, e o sistema educativo no seu conjunto, já nem sequer consegue empregar os seus mais brilhantes diplomados, devido à redução dos créditos e ao bloqueamento dos efectivos.

A comunidade dos estudantes foi atingida por esta necessi­dade «de fazer melhor que o tipo do lado», para obter u m a pos­sibilidade de emprego. Constituindo u m dos grupos sociais víti­m a s do desemprego e do subemprego crónico, os estudantes foram marginalizados, e talvez se tenham marginalizado a si próprios, devido à sua juventude, que os coloca n u m a posição económica desfavorável e m relação à dos mais velhos de todas as classes sociais.

Capazes de manipular, nos anos sessenta, teorias e ideias com brilhantismo e u m a certa pertinência, os estudantes experimen­tam hoje mais dificuldades perante as duras realidades da época actual. N a passividade de que dão provas na maior parte das vezes e na confusão que apresenta a sua mobilização como cate­goria social distinta, todos têm a sua parte de responsabilidades. A do sistema educativo, e da Universidade e m particular, é imensa. O s estudantes que frequentam a Universidade são rapi­damente afastados das contingências da vida — e, e m especial, de todo o contacto com o trabalho manual. Dizem-lhes que vive­rão, u m a vez terminados os estudos, n u m universo diferente do da maior parte dos seus semelhantes, o que é, para eles, u m direito e u m privilégio. Pior ainda, a Universidade, reflexo da ideologia dominante, pretendeu, durante muito tempo, que o seu principal valor residia na função económica que desempenhava ao fornecer pessoal qualificado aos sectores privado e público. Quando a falta de trabalho conduziu a u m a redução dos créditos, só timidamente pôde protestar.

A Universidade encontra-se, como é óbvio, submetida às forças políticas, económicas e ideológicas da sociedade, o que constitui u m testemunho fiel não só da separação entre o tra­balho intelectual e o trabalho manual característico do nosso sistema económico, como também da parcelização da® tarefas particulares nas nossas sociedades. O m e u papel consiste, quase exclusivamente, e m educar os jovens e não e m oferecer u m a educação permanente a todos os grupos etários e categorias sociais. A própria educação surge como u m a espécie de forma­ção pré-profissional, que permite adquirir conhecimentos espe­cializados ou gerais «comerciáveis». Até m e s m o a liberdade de investigação e de comunicação que deve reinar na Universidade é raramente tolerada quando conduz à acção social e política. Isolada — pelo seu papel, pelo seu estatuto, pela sua tradição e ideologia sociais — da vida prática e produtiva da sociedade, a Universidade tornou-se u m a instituição do Estado, ou do capi­tal privado, especializada na selecção e na formação das élites. Foi assim que contribuiu para a execução das políticas sociais motivadas pela ¡crise económica e destinadas a reduzir o acesso ao

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ensino superior, a recusar a aplicação ou o prosseguimento das reformas obtidas nos anos sessenta, a refrear as aspirações sociais dos estudantes da classe operária e da pequena burgue­sia, e a proceder à «purga tranquila» do sistema educativo.

Constituindo para o mercado do traibalho a mais prestigiosa fábrica de saber, a Universidade demonstra, em relação à crise económica, uma atitude muito semelhante à de qualquer empresa de produção e revela muitas vezes uma precisão muito maior do que uma administração pública prosseguindo uma determi­nada política. Confere ao estudante o sentimento de que a sua educação de tipo clássico e a sua inteligência são necessaria­mente superiores ao que se aprende no trabalho ou na vida. Ameaçados pelas compressões orçamentais e pelo desemprego, os estudantes reconhecem que constituem unidades económicas individuais disputando, numa rivalidade darwiniana, os 'bons diplomas e os títulos académicos, assim como alguns empre­gos que se mantêm disponíveis, o que se traduz por uma ati­tude de demissão e por u m sentimento de rancor. De demissão, porque os jovens, possuindo uma formação universitária pro­curam, sem a encontrar, uma situação em relação com os seus gostos e diplomas; de rancor, porque nem a Universidade nem a sociedade no seu conjunto parecem dispostas a resolver os problemas práticos dos diplomados que não encontram trabalho, e porque os outros, lançados mais cedo para o mercado do tra­balho, parecem retirar-lhes todas as possibilidades de encontrar u m emprego útil e interessante. Devido ao desemprego, o estu­dante permanece, como se fosse ainda adolescente, dependente da família e economicamente inútil, a despeito da soma de tra­balho e de vontade de que deu provas durante os estudos.

Os problemas do desemprego dos intelectuais e do ensino superior não poderão ser resolvidos separadamente ou de m a ­neira fragmentária. Contudo, devem sê-lo rapidamente se pre­tendemos que as nossas sociedades atinjam os seus objectivos de progresso democrático e de reforma social. Só uma Universi­dade democrática e dinâmica pode proporcionar às massas uma educação que lhes permita adquirir uma compreensão prática e completa destes grandes objectivos sociais. Só uma Universidade reformada pode pretender abater as barreiras entre o trabalho manual e o trabalho intelectual e assegurar uma educação ipermanente e superior ao conjunto da sociedade. Mas, como a Universidade continua a ser o reflexo da sociedade e como os estudantes continuam a ser formados por ela, só a reforma da sociedade poderá conduzir à reforma do ensino.

O perigo que apresenta a conservação deste estado de coisas — com o desespero e o rancor que suscita nos jovens que reali­zaram estudos — constitui uma dinâmica política doentia desen­cadeada pelo sentimento que os jovens possuem de serem social­mente desenraizados, inúteis, desqualificados e de não saberem bem em que situação se encontram : política do medo e da raiva.

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Elementos para u m dossier

Desenvolvimento e educação

na América Latina

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Vicente Lema e Angel D . Marquez

D e que tipo de desenvolvimento,

de que educação se trata?

Etapas do processo de cooperação internacional na região

As actimidades de cooperação técnica de­senvolvidas pelos países da América La­tina e das Caraíbas trazem a marca das doutrinas da educação elaboradas nas diferentes reuniões realizadas nesta re­gião. A partir do Seminário Regional da Educação, realizado em Caracas em 19^8, forjou-se progressivamente uma dou­trina americana sobre vários aspectos da educação e adaptada à realidade e às necessidades do continente.

Seria demasiado longo expor pormeno­rizadamente os acontecimentos que mar­caram a lenta elaboração dos princípios políticos de que deveriam depender as tentativas de solução dos problemas de educação considerados prioritários. Con­vém citar, porém, um certo número de manifestações: as quatro reuniões rea­lizadas em Lima, em AbriU e Maio de 1956 e, particularmente, a II Reunião Inter-Americana dos Ministros da Edu­cação, a Conferência sobre a Educação e o Desenvolvimento Económico e Social (Santiago do Chile, Março de 1962), a Conferência dos Ministros da Educação

Vicente Lema (Bolívia) e Angel D . Márquez (Argentina). Secção América Latina e Caraí­bas, Divisão dos Programas Operacionais, Sec­tor da Educação ( UNESCO)-

Encarregados da Planificação Econó­mica (Buenos Aires, Junino de 1966), a Conferência dos Ministros da Educação e dos Ministros Encarregados da Aplica­ção da Ciência e da Técnica ao Desenvol­vimento (Venezuela, Dezembro de 1971) e a reunião realizada para avaliar as recomendações da Conferência da Vene­zuela (Panamá, Fevereiro de 1976).

Os estudos ae base preparados péla UNESCO e por outras organizações inter­nacionais participantes empenharam-se, em todas estas reuniões, em evidenciar os problemas de educação mais agudos que afectam a região e as principais ten­dências a prever para o ensino num lapso de tempo determinado. Os relatórios finais das reuniões traçaram as grandes linhas das doutrinas e das opções polí­ticas a seguir para resolver os problemas em questão.

Além disso, algumas obras publicadas pela U N E S C O , cuja redacção foi, em geral, confiada ao Gabinete Regional da Edu­cação, analisaram criticamente os pro­gressos e salientaram as principais de­ficiências e inadequações do sistema educativo: La situación educativa en América Latina (1960) e Evolución y situación actual de la educación en A m é ­rica Latina (1976), em especial, apresen­taram um amplo panorama da educação, tal como existia no momento em que foram puMicadas estas obras — o nível primário foi particularmente focado num

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D e que tijpo de desenvolvimento, de que educação se trata?

caso e a totalidade do sistema educativo no outro.

Se bem que os problemas educativos tenham sido examinados em quase todas as reuniões na perspectiva do desenvol­vimento, äeäicaram-se varios encontros mais especialmente ao estudo das rela­ções entre a educação e o desenvolvi-mento económico e social.

Os organismos iMernacionais que fi­nanciaram os numerosos projectos edu­cativos aplicados na região, em parti­cular a UNESCO como agente de execução destes projectos, esforçaram-se por de­senvolver as suas actividades nas direc­ções traçadas pelos seminários, confe­renciase outras reuniões. Assim, as acti­vidades empreendidas graças aos fundos da UNESCO inspiraramse nos grandes princípios resultantes destes encontros, que se inseriam logicamente no quadro mais vasto das resoluções adoptadas por diferentes conferências internacionais e pelas conferências gerais da U N E S C O . Po­demos, pois, afirmar que a cooperação técnica oferecida pela U N E S C O se apoiou num sólido conhecimento prévio da si­tuação, das realidades particulares a ter em conta e dos problemas precisos a re­solver.

Podemos distinguir várias etapas no processo de reflexão que se empenhou progressivamente na problemática da educação durante os últimos trinta anos e nas acções práticas que daí resultaram. Como todas as tentativas de retalhar a história, as distinções feitas entre estas etapas podem parecer de certo modo arbitrárias. No entanto, este processo é útil por permitir articular de modo coe­rente os elementos da exposição.

A primeira etapa foi marcada péla de­finição de certos elementos conceptuais de base « péla preparação das infor­mações necessárias para enfrentar os problemas mais urgentes: extensão e melhoramento da instrução primária, alfabetização, formação de pessoal do­cente, etc. Foi a eta/pa das realizações

destinadas a swperar eficazmente situa­ções críticas e dificuldades práticas de tal extensão que não era possível con­siderar nenhuma base teórica de en­vergadura suficiente para os resolver. Convém reconhecer que a maior parte das medidas de ordem educativa aplica­das durante esta etapa foram concebi­das numa perspectiva «.pedagógica-», no sentido em que se basearam numa visão predominantemente escolar e, por con­seguinte, parcial e fragmentária da rea­lidade.

Com o Estágio de estudos imterameri-canos sobre a planificação da educação, elaborado pela Organização dos Esta­dos Americanos (OEA) e pela U N E S C O

(Washington, Junho de 1958), iniciou-se uma segunda fase onde se procurou ultrapassar as concepções educativas limitadas e fragmentárias para colocar a educação entre os esforços de planifi­cação. O plano foi concebido como meio de associar a solução dos problemas edu­cativos à dos problemas sociais, cultu­rais, políticos e económicos.

Contudo, só a partir da Conferência sobre a Educação e o Desenvolvimento Económico e Social (Santiago, 1962), se procurou examinar, aprofundando-as e sistematizando-as melhor, as relações en­tre os aspectos económicos e sociais e a educação, estudar os elementos da situa­ção económico-social e demográfica que, na América Latina, exercem a maior in­fluência sobre a educação, assim como as exigências que eles lhe impõem, pre­cisar o papel que cabe aos sistemas edu­cativos no desenvolvimento económico e social, formular certas normas nas quais se poderiam inspirar os países para ela­borar e executar projectos educativos cuja finalidade estaria de acordo com os planos de desenvolvimento económico e social.

A Conferência dos Ministros da Edu­cação e dos Ministros Encarregados da Planificação Económica (Buenos Aires, 1966) foi um dos pontos culminantes

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Vicente L e m a e Angel D . Márquez

desta etapa. Tendo reconhecido que «a planificação da educação ainda não se encontra suficientemente integrada no quadro da politica geral de desenvolvi­mento económico e social nem nos pla­nos gerais em que esta política se ins­creve», a conferência formulou éwersas recomendações destinadas a aprofundar a análise metodológica, e «em especial os critérios que servirão para integrar os problemas de recursos humanos nos planos gerais».

A despeito das intenções, afirmadas durante as diferentes reuniões, de ligar o desenvolvimento educativo ao desen­volvimento económico e social, devemos reconhecer que os progressos quanti­tativos e, em certos casos, qualitativos realizados pelos sistemas de ensino da região foram muitas vezes realizados in­dependentemente do processo de desen­volvimento económico e social.

Em certos casos, verificase não só que a política escolar, com o seu carácter sectorial, não forneceu qualquer contri­buto para a solução dos problemas ge­rais de desenvolvimento, como ainda pro­vocou a emergência de novos problemas e criou certos desequilibrios estruturais.

A décima quinta sessão da Comissão Económica para a América Latina (CEPAL, Quito, 1973) salienta a neces­sidade de rever certas concepções do de­senvolvimento e de acentuar os seus objectivos sociais. O documento conhe­cido pela designação de Evaluación de Quito insistia muito particularmente nos objectivos sociais do desenvolvimiento, nos aspectos qualitativos e no carácter global das estratégias consideradas para os atingir.

Foi neste mesmo espírito que a U N E S C O reconheceu, na obra já citada, publicada em 1976, que a necessidade de uma ava­liação retrospectiva dos esforços de desenvolvimento anteriores se impunha desde o início dos anos setenta. Não obs­tante estes esforços, afirmava, os pro­blemas fundamentais de ordem econó­

mica e social persistiam e até se tinham intensificado em certos casos, exigindo uma revisão em profundidade da concep­ção, até então admitida, do desenvolvi­mento e a das políticas e estratégias apli­cadas na prática.

Esta tomada de consciência da necessi­dade de rever o conceito de desenvolvi­mento, de acentuar os objectivos sociais, de sublinhar o carácter global das estra­tégias a seguir para os atingir, de har­monizar, enfim, os métodos de trabalho, obrigou a repensar o papel da educação no processo de desenvolvimento.

Assim se desenham os elementos que estiveram na origem do que se poderia considerar a terceira etapa do processo de reflexão latino-americano e da coope­ração internacional no domínio educa­tivo. A Conferência da Venezuela (1976) e o lançamento do Projecto sobre o De­senvolvimento da Educação na América Latina e nas Caraíbas (no fim de 1975) constituem pontos de referência no de­senrolar desta terceira etapa que a Amé­rica Latina atravessa presentemente. Trata-se de uma etapa que beneficia de uma vasta experiência mas que põe em jogo uma enorme responsabilidade. A fase das declarações puramente teóricas está ultrapassada e os resultados são pouco lisonjeiros. É à etapa actual que incumbe a responsabilidade de corrigir certos erros do passado e de conceber as estratégias globais que conduzirão aos tipos de educação e de desenvolvimento a que aspira a população da região, con-siderando-os necessários e reclamando legitimamente os seus benefícios.

Política da educação e perspectiva dos «recursos humanos»

Durante a segunda etapa mencionada an­teriormente, em que se estabeleceu de maneira mais sistemática a ligação entre a educação e o desenvolvimento, a pers­pectiva dos «recursos humanos» preva­leceu, de certo modo. Adoptou-se uma

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De que tipo de desenvolvimento, de que educação se trata?

atitude economista que conduziu a con­siderar o ensino como um simples meio de formar recursos humanos tendo em vista o desenvolvimento,, isto é, como um factor de produção. Como é evidente, esta perspectiva não foi concebida na América Latina nem aplicada exclusiva­mente nesta região. Desde que, em 1960, teóricos norte-americanos como Schultz, Becker, Mincer ou Dennison lançaram as bases de uma nova ciência económica, a economia que sé chamou dos «recursos humanos», e desde que outros investiga­dores criaram totalmente uma «econo­mia da educação», os educadores, os pe­dagogos e os profissionais da ciência da educação esforçaram-se, sem grande su­cesso, de resto, por travar este movi­mento e assistiram ao que estamos ten­tados a designar por «economifioação da educação», isto é, à perda ou ao des­conhecimento da dimensão humana do ensino, à sua tecnocratização, numa pa­lavra, à sita desumanização.

Esta visão tecnocrática das relações entre o desenvolvimento e a educação, e outras correntes da economia da edu­cação que centraram as suas preocupa­ções na contribuição do ensino para o crescimento económico (relação entre a educação e o PNB) foram progressiva­mente ultrapassadas. Tornou-se necessá­rio admitir que as ligações entre a edu­cação e a economia não são simples nem lineares, como uma certa ingenuidade intelectual fizera primeiramente supor. Finalmente, tomou-se consciência da complexidade das relações entre a edu­cação e o desenvolvimento económico e social. Compreendeu-se nitidamente a ne­cessidade de aprofundar o estudo temá­tico da influência da educação sobre a mão-de-óbra, sobre a estratificação e a mobilidade sociais, sobre a distribuição do rendimento, sobre a participação no consumo e no bem-estar social, etc. Mas compreendeu-se também que, se o nível da produção tinha aumentado na região e se outros indicadores económicos reve­

lavam grandes progressos, as diferenças entre os países hegemónicos ou do cen­tro e os países em desenvolvimento ou periféricos não cessavam de se acentuar, enquanto no interior dos países, os gru­pos menos favorecidos continuavam a encontrarse numa situação extrema­mente desfavorecida em relação as mi­norias que monopolizam o poder econó­mico e dispõem de recursos mais eleva­dos. Após esta verificação de actuali­dade surgiram certas dúvidas quanto aos pontos essenciais. O director do PNUD para a América Latina e as Ca­raíbas, G. Valdês, reduziu-as recente­mente a duas questões: em proveito de quem, em benefício de quê se deve pro­cessar o desenvolvimento?

A realidade mostra, segundo Valdês, que o benefício vai, em grande parte, para aqueles que, graças à educação, aos conhecimentos práticos e às condições financeiras, tecnológicas ou comerciais, se implantam nos centros dinâmicos das metrópoles mundiais, onde exercem acti­vidades que não contribuem para o pro'-gresso dos sectores maioritários. Esta realidade não é admissível e convém, portanto, procurar transformá-la.

A resposta à segunda questão é com­plexa, pois depende do tipo de sociedade e de civilização que desejamos construir. Que tipo de desenvolvimento procuram a humanidade e, em particular, a região latino-americana, que tipo de sociedade, de homem e, portanto, que tipo de edu­cação e de cultura, são as questões que, na região, preocupam os intelectuais, os políticos e os dirigentes da educação.

Os organismos internacionais empe­nhados em esforços de cooperação a favor do desenvolvimento vêem-se obrigados a aprofundar estes problemas e a encon­trar respostas que possam conferir um novo sentido à sua acção, de maneira a torná-la mais eficaz, mais justa e mais conforme aos grandes princípios huma­nos que presidiram à sua criação.

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Vicente L e m a e Angel D . Márquez

Objectivos do projecto Desenvolvimento e educação

Os organismos internacionais chegaram à conclusão de que se tornava indispen­sável repensar toda a problemática do desenvolvimento e das suas relações com a educação, ultrapassando as perspecti­vas de tipo estreitamente economista e considerando o problema sob todas as suas facetas e dimensões, se pretendemos oferecer uma cooperação financeira e técnica que corresponda aos desejos da população e cujo impacto apresenta o nível de eficácia esperado.

Em alguns países da região, os esfor­ços realizados pelos serviços de planifi­cação sectorial da educação, pelo Gabi­nete Regional da Educação da U N E S C O , assim como pela CEPAL e outros orga­nismos nacionais e regionais para tentar elucidar os problemas do desenvolvi­mento e da educação, embora louváveis, revelaram-se insuficientes. O estudo sis­temático de uma problemática tão vasta e tão complexa não podia ser considerado como mais uma tarefa, entre tantas ou­tras, e exigia a formação de um grupo ad hoc, intimamente ligado a agrupa­mentos de investigadores nacionais ou a organismos que, nos diferentes países, empreendessem a análise em profundi­dade das situações particulares e especí­ficas. Foi assim que nasceu a ideia de um projecto especialmente consagrado ao estudo do desenvolvimento e da edu­cação.

Este projecto devia estimular uma re­flexão sistemática sobre as relações da educação e da sociedade, explorando di­versas opções possíveis da política de desenvolvimento, nas quais a educação seria considerada com outras dimensões sociais. O projecto deveria igualmente servir de base ao diálogo entre os res­ponsáveis pela política de desenvolvi­mento, tanto a nível técnico como à escala governamental. Deveria permitir

identificar o papel da educação no pro­cesso de desenvolvimento, considerando não só as funções intrínsecas da educa­ção, mas também a situação particular que esta ocupa no seio da realidade lati­no-americana, onde constitui uma fonte de transformações culturais e de atitu­des racionais, uma vez que prepara o homem para a sua condição individual e para o seu carácter de produtor, e ainda para o seu comportamento de cidadão.

O espírito do projecto consistia em promover promover a reflexão sobre as relações entre a educação e a sociedade, em analisar as tendências actuais da educação para progredir sem desenvolvi­mento social simultâneo, e em confrontá--las com uma planificação teórica con­cebida numa perspectiva unificada do processo de desenvolvimento. Esta pla­nificação, que respeitaria as condições particulares dos países, deveria englobar os diversos tipos de desenvolvimento em matéria de educação e de sociedade.

Foi para concretizar estas aspirações e pôr em prática estas ideias que se ela­borou o Projecto Regional sobre o De­senvolvimento e a Educação na América Latina e nas Caraíbas. Entre os objecti­vos imediatos atribuídos a este projecto, alguns apresentam uma importância es­pecial:

Estudar as possibilidades ulteriores de desenvolvimento da educação segundo as formas que poderia assumir o de­senvolvimento económico, social e cul­tural dos países e do conjunto da re­gião no último quarto do século actual.

Fornecer elementos de apreciação sobre eventuais transformações a introduzir na cooperação internacional no domí­nio do desenvolvimento social e edu­cativo, indicando os sectores prioritá­rios e as modalidades de acção.

Lançar as bases de uma planificação so­cial que harmonizasse as disposições respeitantes à educação e as que se­riam tomadas nos outros sectores so­ciais.

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De que tipo de desenvolvimento, de que educação se trata ?

O simples enunciado destes objectivos comprova a extensão da tarefa e da responsabilidade que implica.

Não consideramos oportuno expor aqui as estratégias utilizadas para atin­gir os objectivos do projecto, Assinale­mos, porém, que se eliminaram, numa primeira fase, as análises globais, uma vez que estas se revelaram — tal como as recomendações gerais — de uma eficácia muito relativa, preferindo dedicar uma atenção particular aos estudos de casos ou ao exame de problemas considerados prioritários na estratégia do desenvolvi­mento nacional dos países abrangidos pelo projecto. Este recorre ao auxílio de grupos técnico-governamentais e a equi­pas universitárias para a realização dos estudos de casos. Após esta dupla inter-vervenção, várias dezenas de técnicos e de sociólogos empreenderam um traba­lho de reflexão consagrado aos proble­mas do desenvolvimento e da educação na região, resultado concreto da coope­ração horizontal instaurada entre os paí­ses da região e entre os seus centros pe­dagógicos.

O projecto preconiza várias espécies de análises e, em particular, o estudo dos problemas e das exigências da educação e da sociedade rural; o exame das situa­ções e dos tipos de desenvolvimento e de educação; inquéritos sobre o mercado do emprego; a planificação da educação e dos aspectos financeiros que incidem sobre o seu desenvolvimento e sobre as estratégias de planificação; estudos de ordem histórica e análise das estruturas socioeconómicas que servem de quadro à educação.

Na base das reflexões e conclusões oferecidas pelos estudos de casos, o pro­jecto prosseguirá num futuro próximo, por meio de análises de conjunto desti­nadas a fornecer os elementos de apre­ciação que permitirão, eventualmente, introduzir modificações na cooperação internacional, em matéria de desenvol­vimento social e educativo.

Perspectivas e projecções

Esperamos que, num futuro próximo, estudos globais proponham linhas de conduta e opções que permitam aos orga­nismos de cooperação internacional e re­gional planificar as suas actividades com mais precisão, facilitando a sua integra­ção na acção educativa com as actwiâa-des de desenvolvimento de outros secto­res sociais. Numa palavra, trata-se de poder enfrentar de maneira mais siste­mática e mais racional os problemas do desenvolvimento e de definir com mais clareza o papel da educação no conjunto das actividades que interessa empreen­der, sob uma forma integrada, a partir de todos os outros sectores sociais.

Estes estudos seriam de grande utili­dade tanto para os organismos interna­cionais e regionais, como para os gover­nos da região que, consoante as suas opções políticas, económicas e sociais, poderiam utilizar as informações e as opções oferecidas, a fim de atingir me­lhor os objectivos de desenvolvimento fixados.

Como é evidente, procurámos mostrar que a acção dos organismos internacio­nais não tem sido, até agora, nem fruto do improviso, nem resultado de decisões arbitrárias ou ditadas pelas circunstân­cias, mas o contributo a fornecer pelo projecto deveria permitir transpor uma nova etapa e dar um passo em frente numa acção internacional mais racional e mais científica, da qual é necessário sublinhar o profundo significado e a extrema importância.

No intervalo relativamente curto do seu desenvolvimento, o projecto já atin­giu resultados positivos: abriu a via à coordenação das actividades de organis­mos diversos, como o PNTJD, a CEP AL e a U N E S C O e de um grande número de países da região, em torno de um pro­grama de trabalho que responde aos interesses considerados comuns, com o fim de atingir objectivos igualmente

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Vicente L e m a e Angel D . Márquez

comuns; permitiu constituir uma rede re­gional de grupos técnicos e governa­mentais e de equipas universitárias que reflectem sobre os problemas do desen­volvimento e da educação, e a/profundar o exame dos temas que interessam mais particularmente um país ou um grupo de países; forneceu a ocasião de elaborar uma série de estudos de casos que pro­jectam uma nova luz sobre problemas ou situações que, até agora, não tinham suscitado análises pormenorizadas nem estudos particulares na óptica do desen­volvimento e da educação.

A difusão dos estudos de casos abre a possibilidade de uma ampla troca de opiniões críticas; favorece o estudo com­parado de uma problemática que, em muitos aspectos, está longe de se Umitar à região e pode interessar aos observa­dores de outras partes do mundo, per-mitindo-lhe, assim, estabelecer analogias e diferenças no que respeita a certos as­pectos precisos ou a situações comuns em matéria de educação.

De salientar que o projecto relativo ao desenvolvimento e à educação beneficia de um financiamento relativamente mo­desto e que a totalidade do pessoal que participa nas suas actividades, tanto no núcleo central como na rede regional, é natural dos países da região. O projecto pode representar para outras regiões do

mundo um modelo ou um exemplo de grande interesse. Trata-se de um objec­tivo que, embora não se encontre expli­citamente formulado no projecto, nem por isso tem menos valor.

As conclusões a que possa chegar e as opções que possa oferecer só serão váli­das, como é evidente, para a região. Em outros contextos, outras realidades his­tóricas, económicas, culturais e sociais, não será possível aplicá-las automatica­mente e serão necessárias reflexões e análises indispensáveis. Mas, o projecto continuará a ser um modelo de coope­ração entre organismos internacionais e regionais e todos os países de uma re­gião para a procura em comum de solu­ções para os problemas da educação e do desenvolvimento, para a definição de uma estratégia de acção, para a elabora­ção de uma metodologia de trabalho apli­cável a outras latitudes. Sobretudo, criou-se um espírito de colaboração in­ternacional que resume a intenção de resolver os problemas de desenvolvi­mento num sentido de justiça e de igual­dade entre os povos e os homens, que de­corre, portanto, dos princípios de uma nova ordem económica mundial, e gra­ças à qual temos o direito de alimentar esperanças de progresso real, de aßrma-ção e de identidade cultural dos povos e da humanização do seu desenvolvi­mento.

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Page 55: Para uma economia política da planificação da educação

Germán W . Rama

O projecto «Desenvolvimento

e educação na América Latina

e nas Caraíbas»

A s novas características que surgiram nas relações entre o desenvolvimento e a educação na América Latina constituem a base da reflexão académica e política de que saiu o projecto «Desenvolvimento e Educação na América Latina e nas Ca­raíbas».

N a Conferência dos Ministro® da Edu­cação e dos Ministros Encarregados da Aplicação da Ciência e da Tecnologia ao Desenvolvimento na América Latina e na Região das Caraíbas, organizada pela UNESCO (Venezuela, 1971), e nas Confe­rências da Comissão Económica para a América Latina que se realizaram e m Quito (1973) e e m Port of Spain (1975), os governos dos países desta parte do mundo manifestaram a sua preocupação a respeito das relações que existem entre a educação e o desenvolvimento e pensa­ram que «é necessário melhorar o con­ceito de desenvolvimento ultrapassando as considerações fragmentárias de cresci­mento económico e de desenvolvimento humano.. . e que é necessário integrar os factores sociais, económicos e políticos» *.

Germán W. Rama (Uruguai). Universitário. Funcionário da Comissão Económica para a América Latina (CEPAL). Coordenador ao pro­jecto «Desenvolvimento e Educação na América Latina». Autor de Grupos sociales y enseñanza secundaria; E ! sistema universitario en Colom­bia; Educación media y estructura social en America ¡Latina.

'Pela sua parte, o Programa das N a ­ções Unidas para o Desenvolvimento ( P N U D ) , procedendo, com os governos

e m questão, a u m a avaliação das suas experiências de assistência técnica na América Latina, fixou como objectivo o estabelecimento de critérios que respon­d a m às inúmeras exigências de u m sector e m constante expansão; procurou igual­mente a maneira como estes critérios poderiam aplicar-se as diferentes possi­bilidades de u m desenvolvimento viável e desejável para a região.

Estas preocupações conduziram à con­vergência dos esforços da UNESCO, da C E P A L e do P N U D sobre o projecto regional apoiado por treze governos da América Latina e iniciado e m Abril de 1976.

O ponto de partida deste projecto cons­tituiu a verificação das importantes transformações estruturais que esta parte do mundo conheceu durante o último quarto de século e que podem re-sumir-se do seguinte m o d o : a população sofreu taxas de crescimento muito ele­vadas, urbanizou-se, e o contributo dos diferentes sectores da população para a produção alterou^se. N o entanto, o de­senvolvimento da industrialização reve-lou-se insuficiente para imprimir o seu dinamismo à totalidade da economia e, e m particular, para .assegurar emprego à população activa: além disso, as trans­formações que intervieram não provo-

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Germán W . R a m a

caram u m a alteração significativa da distribuição, muito concentrada, dos ren­dimentos.

Durante este período, ampios sectores da população acederam à alfabetização, e a educação, até então reservada às éUtes, tornou-se património de u m a pro­porção considerável da população e m idade escolar. A extensão das modifica­ções gerou situações novas, m a s nem sempre permitiu assegurar u m a maior igualdade de oportunidades, e n e m todos os esforços educativos se traduzem ne­cessariamente por u m a melhoria das con­dições do desenvolvimento.

N o estado de transição e m que se en­contra a América Latina, caracterizado pela desarticulação económica e social, entram e m jogo muitas forças para esta­belecer u m a relação polar de concentra-ção-marginalização, enquanto o objectivo declarado da educação é a integração social. Procura consegui-lo? E conse­guirá? Quais são os obstáculos? C o m o poderá realizar esta integração? Os objectivos do projecto giram e m torno destas questões e de muitas outras, se­melhantes.

Considerou-se que o objectivo a longo termo mais importante era «estimular a reflexão sobre as relações que existem entre a educação e a sociedade, estabe­lecendo unia comparação entre as ten­dências. .. actualmente predominantes e m matéria de expansão da educação e u m a concepção sintética do processo de de­senvolvimento, de acordo com as condi­ções particulares de cada país, a qual in­clui os diversos tipos de desenvolvimento e m matéria de educação e de sociedade, o que contribuiria para estabelecer os fundamentos das políticas educativas nos países desta região do mundo».. .

Para atingir estes objectivos, o pro­jecto prevê u m a série de estudos con­sagrados a temas particulares insuficien­temente conhecidos, que requerem u m trabalho considerável de investigação es­pecializada. A primeira etapa terminará

com u m diagnóstico geral sobre as rela­ções entre desenvolvimento e educação na América Latina, baseado n u m método de análise que teve início com a realiza­ção de estudos de casos ou de problemas particulares agrupados, em seguida, em domínios temáticos.

Deste modo, foi possível reencontrar a diversidade subregional e a complexidade dos problemas debatidos; com efeito, a redução de fenómenos complexos a u m a das suas manifestações ¡pode explicar os numerosos exemplos de políticas cujos resultados não corresponderam às expec­tativas.

Considerando a necessidade de arti­cular os bons resultados em termos de conhecimento, de reflexão e de modifica­ções de políticas, concebeu-se u m a estra­tégia capaz de promover simultanea­mente actividades de conhecimento e actividades de apoio a grupos técnicos governamentais, a fim de que estes pos­sam realizar os estudos considerados mais importantes, de acordo com a sua visão particular da sociedade nacional respectiva.

Neste sentido, foram concluídos acor­dos de cooperação com os governos da Colômbia, da Costa Rica, da Guiana, do Equador, da Guatemala, das Honduras, do Panamá e do Peru; além disso, en-contra-se e m preparação u m acordo com a Bolívia. E m todos estes países foram estabelecidas ligações com os Ministé­rios da Educação, da Planificação, com os Institutos de Desenvolvimento Agrá­rio e com as Universidades, a fim de se constituírem grupos técnicos susceptí­veis, com a ajuda do pessoal do projecto, de realizar os trabalhos de investigação e de análise. Esta opção implica, e m pri­meiro lugar, que se determine a quali­dade dos recursos humanos existentes no país, e, e m seguida, que se considere a assistência técnica como u m a forma de cooperação horizontal ligada a u m centro internacional de integração e de consulta.

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Page 57: Para uma economia política da planificação da educação

O projecto «Desenvolvimento e educação na América Latina e nas Caraíbas»

Paralelamente à realização destes tra­balhos, pensou-se que seria necessário u m esforço académico de extensão seme­lhante; para tal, mobilizaram-se os re­cursos intelectuais existentes na região e reuniram^se os conhecimentos sobre educação e desenvolvimento que eram o fruto dos estudos dos centros de investi­gação de cada país.

É devido a estes dois aspectos do e m ­preendimento que várias dezenas de téc­nicos e de investigadores trabalham e reflectem actualmente sobre este tema; encontraram-se no primeiro seminário consagrado ao projecto, que se realizou e m Quito, e apresentaram os resultados das suas investigações, a fim de os con­frontar e de os submeter a análise.

Durante os dois primeiros anos, os es­tudos orientaram-se por quatro eixos de análises diferentes. O primeiro, e o que se situa ao nível mais elevado de gene­ralidade e de abstracção, diz respeito aos tipos de desenvolvimento que existem na região. Neste aspecto, procurou-se, e m primeiro lugar, traçar ami esquema con­ceptual que cobrisse a diversidade dos tipos coexistentes. E m segundo lugar, efectuou-se u m a análise histórica das principais modalidades segundo as quais parecem ter-se realizado os diferentes tipos de desenvolvimento no domínio da educação. Outros trabalhos de carácter mais empírico vieram completar esta análise; por u m lado, realizouise u m es­tudo baseado nos recenseamentos de 1960-1970, que permitte apreciar as transformações sofridas pelo perfil edu­cativo e sua correlação com as variáveis referentes ao emprego e à estratificação social no conjunto da região2 ; por outro lado, procedeu-se a estudos monográficos que permitiram conhecer e m pormenor alguns traços particulares de certos tipos de desenvolvimento como os da Costa Rica, do Paraguai, dos países de língua inglesa da região das Caraíbas, do Equa­dor e do Peru. Nestes dois últimos países, devemos fixar tanto a rapidez

da transformação no domínio educativo como a presença de dois factores chaves — u m económico e outro político — que conferiram u m impulso ao processo de mobilização social e educativas.

É evidente que os países escolhidos não representam a totalidade dos tipos de de­senvolvimento que existem na região; os casos e m que a educação se encontra condicionada pela crise da modernização foram excluídos, assim como aqueles e m que os recursos humanos desempenham u m papel predominante. N o entanto, tendo e m conta as limitações de tempo e as limitações operacionais do projecto, o programa de investigações será com­pletado por u m a análise geral destes tipos de desenvolvimento, baseada nas investigações existentes e e m novas fon­tes estatísticas.

Os problemas colocados pela educação nas zonas rurais constituem o segundo eixo temático. Atendendo à sua impor­tância na América Latina, eelecciona-ram-se, no âmbito do projecto, três tipos de situações problemáticas altamente sig­nificativas que, como tal, deveriam per­mitir atingir u m a aproximação válida para o conjunto. A primeira situação diz respeito às sociedades bilingues de ori­gem indígena, onde surgem com mais acuidade os problemas de discriminação étnica e de heterogeneidade cultural. Para este efeito, realizaram-se três estu­dos de diferentes alcances: o primeiro reférete às estratégias e às modalidades de ensino bilingue na Guatemala; o se­gundo, às situações de discriminação étnica e ao papel das políticas educativas na sua erradicação, propostas no ex­tremo Sul da América Latina; o terceiro, actualmente e m projecto, será dedicado à análise do papel da educação n u m pro­cesso de desenvolvimento rural global (Bolívia).

Outro aspecto dos problemas da edu­cação e m meio rural diz respeito aos pro­cessos de reforma agrária e aos casos de estrutura de produção onde a proprie-

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Germán W . Rama

dade familiar média ocupa u m lugar pre­dominante. O interesse destes exemplos consiste em permitir observar o papel da educação quando as estruturas socioeco­nómicas deixam de ser u m obstáculo ao seu desenvolvimento, ou quando a educa­ção actua no quadro de u m processo de mobilização social em meio rural. O es­tudo consagrado ao Peru constitui um exemplo que oferece ainda a particulari­dade de analisar u m caso em que a m o ­bilização social surge numa população social e linguisticamente marginal. Ou­tro exemplo é o do estudo realizado nas Honduras — e m coordenação com o pro­jecto da UNESCO «Rede de inovações edu­cativas para o desenvolvimento»—que salienta a importância das organizações sindicais e cooperativas na concepção de formas educativas novas que respondem às exigências do processo de reforma agrária; finalmente, o último exemplo estudado é o da educação rural na zona de cultura do café na Colômbia, onde se analisa a maneira como determinado tipo de exploração cria as condições para u m desenvolvimento da educação supe­rior à média nas regiões rurais.

Por outro lado, u m terceiro tipo de orientação é o que se liga à educação rural institucionalizada. Neste caso, con­trariamente ao® estudos habitualmente realizados na perspectiva de uma pla­nificação de conjunto, o problema foi orientado a partir da relação entre o edu­cador e a comunidade rural imediata. O ¡presente dossier compreende uma análise que diz respeito às comunidades rurais atrasadas4 ; outro trabalho, actualmente em preparação, analisa este problema no quadro das zonas rurais modernas.

O terceiro eixo temático das investiga­ções examina as relações entre a educa­ção e o mercado de trabalho. Também neste caso, importa escolher u m sector que, tanto pelo seu significado empírico como teórico, permita o progresso do es­tado actual dos conhecimentos. Entre os três grandes sectores do mercado do

trabalho que se incluem numa categoria específica — o Estado, a indústria e o emprego marginal — foi escolhido o se­gundo, com base no facto da industriali­zação ter sido o fenómeno mais notável da transformação económica da América Latina. Estudaram-se duas situações muito diferentes que, de certo modo, re­presentam casos típicos no seio dos pro­cessos de industrialização em curso na América Latina: u m caracteriza-se por uma heterogeneidade elevada da produ­ção e por u m grande desenvolvimento da educação e o outro por uma industriali­zação recente e u m desenvolvimento re­duzido da educação (El Salvador). A partir destes resultados, pensou-ise no estudo de algumas políticas educativas perante os pedidos de emprego da indús­tria e reconsideranvse os estudos e os factos respeitantes às relações entre a educação, o emprego e os rendimentos. Neste sentido, estão em curso três tra­balhos diferentes; u m é consagrado ao papel do ensino técnico e baseia-se no caso do Panamá; o outro, centrado nas relações entre o emprego, a educação e os rendimentos, é realizado de acordo com os dados que resultam dos inquéri­tos sobre as famílias efectuados na Ar­gentina; o terceiro procura redefinir as relações entre a educação e o emprego, procedendo a uma revisão das teses clás­sicas da teoria do capital humano e, nesta base, tenta oferecer u m novo qua­dro teórico para interpretar estas rela­ções.

'Finalmente, o quarto eixo das investi­gações prendesse com a análise dos pro­cessos de formulação e de execução das políticas e dos planos de educação. A este nível estudou-se o papel desempenhado ¡pela planificação da educação na A m é ­rica Latina5 ; além disso, está em pro­jecto o estudo da particularidade dos processos inovadores no domínio da edu­cação, as suas origens, a dinâmica do seu desenvolvimento e os obstáculos que en­travam a sua decisão. De modo comple-

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O projecto «Desenvolvimento e educação na América Latina e nas Caraíbas»

mentar, realizou-se u m a investigação so­bre os problemas do financiamento da educação e m relação com as oscilações características dos ciclos económicos.

N a fase actual do projecto, o centro de interesse das investigações passou das condições externas que servem de quadro à educação, para os aspectos internos da dinâmica dos sistemas educativos, sem desprezar, porém, as conclusões e a sis­tematização dos trabalhos iniciados na primeira fase. Esta importância atribuída à perspectiva interna refere-se tanto às formas de reprodução dos condiciona­mentos externos no domínio específico da educação, como às modalidades — valo­res, dinâmica institucional, etc. — que caracterizam a actividade educativa e m si m e s m a . A s direcções da investigação nesta nova fase baseiam-se, de facto, na organização da educação e nos seus prin­cipais actores. Por u m lado, procura fa-zer-se u m balanço do papel desempe­nhado e das dificuldades encontradas pelo ensino escolar a todos os níveis (pri­mário, secundário e superior) e pelo en­sino não escolar (tanto na perspectiva do ensino não escolar como no domínio do conjunto da cultura popular). Anali-sa-se, por outro lado, o papel dos acto­res de base do processo educativo, espe­cialmente o do pessoal docente que, de u m a ou outra maneira, condiciona tudo o resto.

O conjunto dos trabalhos das duas eta­pas mencionadas conduzirá a u m diag­nóstico geral dos problemas do desen­volvimento e da educação na América Latina, cujas componentes principais se­rão constituídas pelos estudos de base.

N a sucessão das etapas — formulação das hipóteses, estudos baseados essen­cialmente nos principais aspectos do de­senvolvimento social, estudos das dimen­sões do sistema educativo e diagnóstico geral — a intenção consiste e m nunca perder de vista a diversidade das situa­ções que existem nesta parte do mundo e a especificidade de cada u m a delas.

A metodologia utilizada permitirá abordar de maneira mais precisa as ba­ses das políticas de desenvolvimento edu­cativo, graças ao conhecimento das si­tuações nacionais ou sub-regionais, e também porque grupos de peritos gover­namentais especialistas e m problemas do ensino ou e m problemas técnicos se asso­ciaram ao estudo daquelas; estes grupos poderão propor para a educação dife­rentes vias que sejam compatíveis com as representações do desenvolvimento futuro das suas próprias sociedades e com os projectos de sociedade que de­fendem.

Notas

1. Evaluación de Quito, QESPAL, IS." sessão, re­solução 320 (XV) , parágrafo 18.

2. Sobre estes diferentes aspectos ver, ¡mais adiante, os artigos de G . W . R a m a , G . Wein­berg e C . Filgueira.

3. A abundância da matéria deste dossier e o reduzido espaço disponível, obrigaim-nos a adiar para números ulteriores a publicação de certas monografias evocadas pelo autor

4. Ver o artigo de Abrter ¡Prada-5. Veir, mats adiante, o artigo de N . F . La­

mar ra e I. Aguerrondo.

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Page 60: Para uma economia política da planificação da educação

Germán W . Rama

Educação estrutura social

e tipos de desenvolvimento

U m a característica c o m u m a todos os os países da América Latina é o facto do acesso aos diferentes níveis do ensino ser menos difícil do que a participação no poder ou a obtenção de rendimentos mais elevados. Se é inegável que, e m certos países, a evolução se processa no sentido de u m a maior participação da população na vida política, o conjunto da região manifesta todos os sintomas da crise que atravessa a concepção democrática de governo, com u m a predominância de for­m a s políticas diversas, oscilando entre u m autoritarismo sem falhas e a adopção de medidas repressivas contrariando cer­tos direitos cívicos. Assim, podemos afir­m a r que, nesta região, os progressos da educação se realizaram paralelamente ao reforço progressivo das restrições e ex­clusões de toda a espécie aplicadas e m matéria de participação política.

C o m o os processos políticos não são autónomos, ressentem-se de todas as os­cilações e alternativas do sistema econó­mico capitalista. U m a vez transposta a etapa essencial das importações, a inter­nacionalização dos mercados nacionais e a presença de sociedades multinacionais obrigaram os Estados a redefinir os laços que unem as economias centrais e as eco­nomias latino-americanas e as relações existentes entre os grupos sociais inter­nos1.

Este novo m o d o de desenvolvimento — que já foi classificado de dependente

e associado — deu origem, e m certas eco­nomias nacionais, a u m a dinâmica capi­talista criadora de recursos e de esperan­ças. Atribuíram-lhe e m toda a parte, e com razão, u m carácter de concentração e de exclusão: com efeito, não obstante as transformações sofridas pela reparti­ção dos rendimentos entre as diversas camadas sociais e apesar do acesso de u m a certa classe média superior aos be­nefícios do desenvolvimento, metade da população não retira quaisquer frutos do crescimento económico2.

A perspectiva regional não deve en­cobrir a diversidade das situações na­cionais. N a verdade, a maior ou menor concentração do rendimento está intima­mente ligada ao grau de participação na vida política das diferentes sociedades.

Por outras palavras, o tipo de concen­tração do rendimento que Jorge Gracia-rena classifica de elitista, tradicional ou moderno, ou mesocrático — não é u m a consequência do grau de desenvolvi­mento do capitalismo, m a s u m a variá­vel política inerente ao regime; com efeito, estruturas económicas semelhan­tes acompanham-se de esquemas de dis­tribuição diferentes, o que prova que «...a diferença reside na configuração e na dinâmica do regime político, facto­res que explicam a passagem de u m tipo de concentração dos rendimentos para outro», e que a concentração depende «.. .dos graus de autoritarismo e das pos-

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Educação, estrutura social e tipos de desenvolvimento

sibilidades de negociação que coexistem n u m determinado regime político» 3.

Ê da relação das forças sociais que se exercem sobre o poder que resultam as modalidades de acesso à educação e a forma de distribuição dos recursos. Estes dois domínios revelam igualmente as con­cessões estratégicas fragmentárias con­sentidas para evitar as reivindicações globais, os meios que o poder utiliza para se legitimar e os valores que compõem a imagem de marca da sociedade...

A s funções sociais que a educação exerce e m diversos graus, consoante o tipo de sociedade, podem ser sintetizadas da seguinte maneira: a) transmissão da cultura da sociedade e da sua classe do­minante; b) conservação do sistema e formação de inovadores; c) funções po­líticas (obtenção de apoio para o sis­tema de governo e m vigor e recruta­mento de quadros políticos) ; funções relativas às classes sociais (conservação e selecção de candidatos para os diferen­tes postos, segundo critérios de aceitação ou de rejeição da mobilidade social) ; fun­ções económicas (ligadas essencialmente ao recrutamento da mão-de-obra, cuja quantidade e qualidade são função das exigências do sistema económico).

U m modelo de desenvolvimento orien­tado para certos objectivos pode def inir--se e m função do tipo de estrutura social e m vigor, segundo a natureza das rela­ções de força existentes entre grupos so­ciais e classes sociais, e de acordo com as estratégias e m confronto. D o m e s m o modo, partindo das orientações gerais deste modelo, exercer-se-ão pressões so­bre a educação, valorizando algumas das suas funções e relegando as outras para papéis mais ou menos secundários.

A incorporação crescente das massas no sistema educativo confere u m a impor­tância vital às relações entre a educação e o sistema social. A s funções anterior­mente exercidas pela família, a comuni­dade imediata ou as relações de trabalho são agora assumidas pelo ensino...

Os modelos de desenvolvimento educa­tivo descritos neste artigo não abrangem a totalidade das possibilidades teóricas; assim, ignora-se o modelo socialista, que pertence a u m tipo de estrutura social qualitativamente diferente do sistema capitalista. A sua apresentação tem por objecto facilitar a investigação de u m método de análise que conceptualize o conteúdo da educação no quadro de cada estrutura social e que procure defini-lo como tipo de desenvolvimento.

Pensou-se (ver quado I) que estes m o ­delos— modelo tradicional, modelo de modernização social, de participação cul­tural, modelo tecnocrático e/ou de for­mação de recursos humanos, modelo de congelamento político — eram definidos por u m a função social essencial e m torno da qual se organizam e fixam os objecti­vos do sistema educativo.

N a verdade, parte-se da ideia de que a multifuncionalidade dos sistemas edu­cativos se organiza e m tomo de u m a fun­ção dominante, que constitui o objectivo primordial da estrutura do poder, quanto à relação com o próprio sistema educa­tivo, obedece a regras administrativas e a prioridades que desempenham o papel de parâmetros das diferentes actividades educativas.

A função essencial do modelo tradicio­nal consiste e m conservar o sistema so­cial ; embora esta função faça parte, por definição, de todo o processo educativo, o seu papel e o seu alcance levam-mo a apagar todas as outras (formação de recursos humanos, desenvolvimento da cultura, mobilização social) neste caso particular, e m que se trata de sociedades estagnadas, cujo dinamismo é tão fraco que tendem a reproduzir-se sem altera­ções. Assim, o modelo tradicional limi­tasse a reproduzir os valores da classe dominante, sem se preocupar absoluta­mente nada com o desenvolvimento cien­tífico e com a formação de recursos téc­nicos.

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Pelo contrário, o modelo dito de m o ­dernização social caracteriza-se essen­cialmente pela mobilização. Trata-se de integrar as massas n u m novo tipo de consenso e m que os valores fundamen­tais são legitimidade do poder, resultante da sua aceitação pela sociedade, e a crença nos benefícios da mobilidade so­cial. Esta tomada de consciência pre­valece sobre a formação efectiva de re­cursos humanos; do mesmo modo, a transformação do sistema de ensino n u m tribunal imparcial de selecção so­cial assume mais importância do que o rendimento quantitativo do sistema ou a pureza dos conhecimentos transmiti­dos.

O grau de autonomia do sistema edu­cativo varia consoante o tipo das funções que desempenha. N o modelo de partici­pação cultural, o ensino goza de u m a ¡grande independência: pode fixar os seus próprios objectivos e manter a lógica de­corrente das suas estruturas internas. A sociedade utiliza os seus critérios para avaliar o valor da cultura e recupera-os para definir a hierarquia social; simul­taneamente, como a legitimidade do re­gime não é contestada, o pluralismo ideo­lógico— que é inseparável da dinâmica da cultura — não se limita à prática do ensino e não constitui u m tema de preo­cupação para os grupos dominantes.

Pelo contrário, no modelo de conge­lamento político, onde a função domi­nante é o controle político da educação, impõem-se limites estreitos ao ensino, que só tem sentido na medida e m que transmite às novas gerações valores que o dogma apresenta como irrefutáveis. A cultura e o saber não representam valo­res e m si, constituem meios de organizar a sociedade que se pretende estabelecer.

Alguns aspectos deste modelo educa­tivo não são diferentes dos que caracte­rizam os regimes comunistas, pois, nos dois casos, trata-se de aplicar projectos de sociedade reflectindo u m a ideologia exclusiva.

Modelo tradicional

C o m o o quadro indica, a sociedade cor­respondente a este modelo é essencial­mente rural: aí se encontram grandes domínios e enclaves destinados à produ­ção para mercados externos ao lado de pequenas propriedades rurais cuja fun­ção principal consiste e m assegurar a reprodução da mão-de-obra. Trata-se de u m a sociedade desarticulada, dificilmente assimilável a u m a nação, se entendermos por este termo u m processo de mobiliza­ção social e de assimilação cultural e política. Neste tipo de ¡sociedade, «...a concentração do rendimento depende es­sencialmente da acumulação da proprie­dade, e sobretudo da propriedade rural»4. Segundo M a x Weber, o Estado é u m a organização dotada da força necessária para manter este tipo de concentração, exercida pela classe dominante ou pelo exército sob formas de dominação onde se reúnem o tradicionalismo, o patrimo-nialismo e o sultanato °.

«O sector dominante, afirmam Giorgio ALberti e Julio Cotler, controla directa­mente e sem equívoco os valores, e, por conseguinte, a educação da sociedade. Impõe igualmente u m aparelho norma­tivo que legitima o seu estatuto, apelando para u m a simbologia muitas vezes rica e m conotações mágico-religiosas, de tal modo que os seus próprios valores aca­b a m por impregnar mais ou menos a cul­tura dos dominados» 6.

O nível de instrução é muito baixo e a maioria da população é mantida n u m es­tado de analfabetismo total ou funcional, pois a produção de tipo ¡agrícola não exige recursos humanos dotados de qua­lificações escolares.

Por outro lado, verifica-se u m a cliva­gem do grau de instrução entre as re­giões urbanas e as zonas rurais, pois as instituições destinadas às crianças do campo não dispensam ensino completo; além disso, o ensino secundário é muito limitado e m relação ao conjunto do

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grupo etário que engloba e ó seu objec­tivo consiste ein formar funcionários e quadros médios ; finalmente, o ensino su­perior só forma para as profissões tra­dicionais mais elevadas e o seu papel é determinado simultaneamente pelo pres­tígio superior de que gozam as pessoas formadas no estrangeiro e pela depen­dência imposta aos quadros técnicos pe­los grupos ou pelos indivíduos que detêm o poder real. A mutação tecnológica da indústria, introduzida pelas sociedades multinacionais nos sectores em que rei­nava o artesanato, provoca o emprego de uma mão-de-obra de formação geral, mas as actividades de montagem que exi­gem uma mão-de-obra numerosa não asseguram empregos aos técnicos supe­riores.

Três níveis educativos correspondem à estratificação social característica deste modelo : a) u m sector à parte, marginal, ligado a uma elevada taxa de analfabe­tismo è constituído por uma população rural que, em certos casos, é indígena; b) uma escolaridade curta destinada às categorias inferiores da população ur­bana e semiurbana; c) u m ensino m é ­dio e superior que se exerce sotb pressão das classes médias urbanas, desejosas de receber uma formação análoga à dos grupos dominantes; tendo em conta que esta educação é fundamentalmente desti­nada à preparação de elites políticas e que o tipo de poder em vigor não permite a inserção de novos grupos, estas cate­gorias médias formam anti-élites que di­ficilmente encontram apoio entre as mas­sas e que oscilam entre a revolta e a emigração.

Modelo de modernização social

Manifestamos .preferência por este m o ­delo, especialmente no que se refere ao desenvolvimento temático correspon­dente, pois, na América Latina, as con­dições e as etapas da modernização so­cial prevaleceram sobre as outras opções.

Convém evocar os fenómenos de mobi­lidade social que abrangem quase exclu­sivamente as classes médias, assim como outras manifestações de processos po­pulistas que reaparecem regularmente. O carácter transitório de muitas sociedades latino-americanas, a sua aptidão cons­tante para absorver os conflitos e tam­bém a sua inaptidão constante para ofe­recer soluções estáveis aos pedidos de participação e de desenvolvimento, con­feriram ao ensino u m papel privilegiado na assimilação destes pedidos e uma rela­tiva autonomia perante as exigências do sistema económico.

A justaposição dos termos «moderni­zação» e «social» reflecte u m tipo pre­ciso de transformação estrutural que, a partir de u m certo grau de expansão económica muito diferente da maturidade do capitalismo, dá origem a toda uma série de fenómenos — urbanização, ex­tensão das classes médias, reforço do proletariado não obstante a persistência de uma população marginal, processo de mobilidade social, etc. — que afectam uma grande quantidade de pessoas inte­gradas no sistema.

Mas, a modernização, em vez de cons­tituir a transição entre uma sociedade de partida — a sociedade tradicional — e uma sociedade de chegada — a socie­dade desenvolvida, concebida de maneira etnocêntrica como a reprodução das so­ciedades desenvolvidas actuais — ambas estáticas e definidas segundo u m sistema evolutivo idealista, reflecte a estrutura social ambivalente que caracteriza, em muitos países da América Latina, u m de­senvolvimento dependente das relações externas7.

Como o sistema económico é incapaz de dinamizar e de integrar a totalidade da economia, vemos reaparecer os fenó­menos de fragmentação e a falta de arti­culação das classes sociais, perante o pa­radigma proposto pelo desenvolvimento europeu, num processo permanente de mobilização social que, não podendo in-

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serir-se de modo coerente na estrutura económica, se manifesta por pedidos de participação a outros níveis (urbano, educativo, etc.).

Perante este tipo de mobilização, vá­rias possibilidades se oferecem ao poder: absorver o movimento pelo crescimento económico e a repartição do rendimento, ou rejeitá-lo por meios repressivos, ou ainda, finalmente, incorporá-lo parcial­mente transformando-o n u m outro tipo de processo.

A s três fórmulas foram adoptadas e m diversas ocasiões na região, m a s a pre­dominância actual da segunda não deve levar-nos a esquecer que a terceira foi muito frequentemente aplicada no pas­sado, como o poderia ser de novo se, no futuro, as novas formas de concentra­ção capitalista conseguissem estimular a integração profunda das economias e provocar u m a dinâmica de transforma­ção social devida a u m a extensão das es­truturas.

O modelo de modernização social é ca­paz de dominar as pressões que se exer­cem a favor da transformação estrutu­ral, mantendo as relações de classes e as relações de força; absorvendo estas pressões, transforma a mobilização social e m aspirações a u m a mobilidade e a u m a progressão individuais asseguradas pela educação. Assim se definem regras es­tritas que determinam e m que medida é possível a participação de novos gru­pos.

U m desenvolvimento intenso da edu­cação pode transformar as pressões so­ciais e m aspirações, devidamente insti­tucionalizadas, à mobilidade social, pois destina-se a legitimar o sistema de domi­nação, apresentando-o como aberto a u m a transformação do poder; permite integrar grupos eventualmente mobiliza­dos contra o sistema, favorece a mobili­dade necessária à renovação das elites atraindo eventuais animadores de movi­mentos apostos ao statu quo, suscita es­peranças de mobilidade entre as gerações

e confere ao ensino o papel de tribunal aparentemente neutro onde se decide a selecção dos candidatos às diferentes po­sições da escala social.

A dinâmica da sociedade mobilizada implica u m passo e m frente perante o desenvolvimento constante do sistema educativo. Assim, à medida que cada etapa da modernização incorpora novos grupos na acção educativa, a difusão de u m ensino cada vez mais completo entre sectores de população cada vez mais a m ­plos cria u m processo permanente de desvalorização da educação: a classe su­perior e a camada mais elevada da classe média deslocam-se para os níveis cultu­rais mais elevados, condicionando, assim, a hierarquia das funções no mercado do emprego e desvalorizando automatica­mente os níveis atingidos pelos grupos situados precisamente abaixo, e assim sucessivamente.

Nos países e m que prevalece este m o ­delo, podemos distinguir várias etapas de expansão da educação: a) u m a etapa de incorporação das classes médias resi­duais criadas durante a transição social que acompanhou a expansão da econo­mia para o exterior; b) u m a etapa de incorporação das novas classes médias provenientes da diferenciação social imputável ao desenvolvimento do sec­tor produtivo moderno e dos serviços; c) u m a etapa de incorporação de tipo «populista» e m período de urbaniza­ção destinada a substituir as importa­ções.

A primeira etapa, que Gregorio Wein­berg analisa de maneira mais pormeno­rizada neste m e s m o número, está ligada ao processo de integração nacional e de consolidação do sistema político. A ins­trução primária desempenha aqui o pa­pel de u m a estratégia massiva para as classes médias, e o acesso que lhes pro­porciona ao ensino secundário confere--lhes a possibilidade de integração no grupo dominante resultante da fusão da antiga oligarquia com a burgue-

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sia, adquirindo conhecimentos suficien­tes para constituir a burocracia política da nova ordem.

N a segunda etapa, «...as classes m e ­dias agem e m aliança estreita com os meios populares urbanos» e constituem « . . . u m factor de dinamização e de acele­ração do desenvolvimento» 8, favorecendo u m a situação nova e m que predominam valores como o nacionalismo e o esta­tismo.

A expansão e a diferenciação da estru­tura económica dão origem a processos de mobilidade social, graças a u m alar­gamento das estruturas de que benefi­ciam os grupos mais móveis, na sua maioria imigrantes vindos de outros paí­ses. Devido à sua integração ou asso­ciação com a aliança do poder, estes aproveitam-se de u m a série de medidas tomadas no domínio do ensino, entre as quais figuram a gratuitidade, o estabele­cimento de escolas de ciclo completo nas cidades, o desenvolvimento do ensino m é ­dio (era especial a formação de professo­res) e a criação ou a expansão de cursos universitários técnicos e administrativos que lhes permitem transformar-se e m elites modernas, participando no poder tradicional.

O modelo educativo que aqui indica­m o s origina, entre outros fenómenos, u m a política de redistribuição do rendi­mento nacional (em particular em be­nefício das classes médias), servindo, assim, de quadro à neutralização das di­ferenças sociais mais evidentes, enquanto a articulação do ensino n u m sistema único assegura a mobilidade para novas classes médias, mais elevadas, rapida­mente integradas neste quadro 9.

A etapa educativa de carácter popu­lista reúne as contradições do sistema social correspondente; os resultados obti­dos salientam duas orientações de sen­tido oposto.

Por u m lado, observa-se u m a melho­ria da escolarização e da produção ao nível primário, a extensão acelerada do

ensino médio — que, e m certos países, consegue absorver mais de 50 % do grupo etário correspondente — u m au­mento explosivo dos efectivos inscritos no ensino superior (até 25 % do grupo etário dos 20 aos 24 anos), u m a redução dos níveis escolares que facilita a promo­ção das categorias de origem sociocul-tural modesta, com u m aumento sensível das despesas de ensino.

Por outro lado, procura-se travar os efeitos de democratização, que não eli­minou totalmente o problema suscitado por certas camadas sociais desprovidas de qualquer formação de base. Assim, embora o sistema se desenvolva, a sua concepção elitista e piramidal persiste e não oferece, n e m pelo conteúdo n e m pela forma de transmissão cultural, a possibi­lidade de transformações que apelem para a cultura dos novos grupos incor­porados no sistema; do m e s m o modo, nada se faz para adaptar os métodos pedagógicos ao novo perfil do estudante. A s normas educativas (aparentemente) inspiradas na igualdade e na neutralidade sociais, graças às quais as camadas supe­riores da classe média beneficiam de toda u m a série de medidas, formam u m quadro jurídico donde se encontram ex­cluídos os grupos socioculturais inferio­res. Pretendendo realizar u m a política populista, os meios utilizados agem e m sentido contrário: concessão de recursos aos níveis superiores do ensino, e m de­trimento dos níveis inferiores, estratifi­cação dos recursos materiais e humanos nos centros de ensino e m função da ori­gem social dos estudantes, prioridade para o baccálaucréat geral, canalização dos grupos sociais inferiores para estu­dos universitários curtos, criação de cursos universitários superiores (justifi­cados teoricamente por motivos de ordem universitária, m a s cujo nível deixa su­por que a sua função real consiste e m assegurar a hierarquia dos grupos que acedem ao ensino superior) ; finalmente, fragmentação da educação pela criação

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Educação, estrutura social e tipos de desenvolvimento

de circuitos de ensino privado que vão da educação pré-escolar — acessível ape­nas às classes superiores — ao ensino universitário.

C o m o seu ciclo ascendente, este m o ­delo de modernização implica u m a aliança entre as classes médias e o proletariado; mas , quando o desenvolvimento se esta­biliza e entra e m crise sob o efeito da política populista, as classes médias alar­gadas cindem-se e m função de rendimen­tos e de aspirações claramente diferen­ciados; os sectores melhor estabelecidos entre estas classes identif icam-se às clas­ses superiores (num processo de dimen­sões múltiplas igualmente comprovado pela estratificação do sistema educativo) <e barram aos novos grupos a via que eles próprios tinham percorrido para se ele­var.

à expansão escolar da etapa populista correspondem transformações aceleradas na composição sectorial do mercado do emprego, fenómeno que Carlos Filgueira analisa mais adiante: as categorias pro­fissionais e semiprofissionais, embora conhecendo a maior expansão, não conse­guem elevarle para além do domínio educativo. Assim se explica que u m a proporção crescente de pessoas instruí­das seja conduzida a ocupar postos de empregados e de vendedores, cujo nível só é mantido devido à ausência de acti­vidade manual, enquanto pessoas dota­das de instrução secundária ocupam pos­tos subalternos e exercem ofícios m a ­nuais do sector terciário.

Se observarmos a questão do ponto de vista da polarização entre profissões m a ­nuais e não manuais, a educação surge associada a u m tipo de mobilidade ascen­dente; mas , se considerarmos a estratifi­cação interna dos não-manuais tal como é reflectida pela distribuição dos rendi­mentos, o ensino, no caso das massas re­centemente incorporadas, parece servir unicamente para simbolizar a transfor­mação de estatuto, privilégio que corre o risco de ser progressivamente recusado

àqueles que realizaram apenas alguns anos de estudos secundários.

O Estado procura resolver o dilema colocado pela ampla difusão da educação geral, por u m lado, e pelos limites do mercado do trabalho, por outro, criando artificialmente empregos, processo que favorece a subutilização crescente das competências e a obstrução incessante­mente prosseguida dos serviços, e m es­pecial dos serviços sociais. N o que se re­fere à subutilização das competências, que se observa igualmente no sector pri­vado e, e m especial, nos empregos de in­termediários, ela origina contradições en­tre a capacidade cultural e o emprego, favorecendo assim tanto a participação na vida política como a adopção de di­versas atitudes críticas e m relação ao sis­tema, assim como o aumento de u m a massa de intelectuais de u m volume tal que a sua assimilação se torna difícil para os mecanismos do poder. Simulta­neamente, a proliferação dos serviços complica as condições de acumulação e de concentração do capitalismo «depen­dente». O s dois fenómenos estão ligados à crise das sociedades modernizadas da América Latina e às tentativas dos que preconizam u m regresso às etapas ante­riores à modernização social.

Modelo de participação cultural

Este modelo exige certas condições eco­nómicas, entre as quais figura a existên­cia de u m sector gerador de excedentes, produzindo para o mercado externo m a s exercendo poucos efeitos directos sobre o conjunto da economia e necessitando de u m a mão-de-obra reduzida; de resto, es­tes excedentes devem ser recolhidos e distribuídos pelo Estado. Neste caso, o crescimento económico é compreendido, e m geral, como u m dado, e não como o produto de opções, de esforços e de con­flitos diversos. Estes parecem ser ine­rentes aos mecanismos de distribuição e

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decorrer essencialmente do Estado e da hierarquia política, que os regulam se­gundo principios democráticos; preten-de-se igualmente ultrapassar o sistema de classes graças à mobilidade social e à protecção oferecida pelo Estado.

O quadro social é fundamentalmente político e a sociedade é apresentada, e representada, como sendo regida pelas classes dominantes.

Além disso, este tipo de ©rescimento económico e a função capital atribuída a certas categorias de assalariados, na m e ­dida e m que recebem salários elevados, explicam que o acesso às vantagens financeiras seja mais fácil do que e m outras sociedades.

Finalmente, o desenvolvimento assu­miu a forma de u m a mutação e não de u m processo, de tal m o d o que a estru­tura anterior não pode adaptar-se às transformações e muito menos impor os seus critérios de prestígio. N u m a expan­são deste tipo, a cultura surge como o b e m mais difícil de adquirir e desem­penha eficazmente as funções de bar­reira e de nível que distinguem u m poder exercido por classes dirigentes: barreira, porque, entre todos os meios que permitem a elevação social, o seu processo é o mais lento, e nível, porque tende a reunir as diversas cúpulas —económicas, políticas e cultu­rais— n u m único agregado: a classe dirigente.

N e m todos os grupos sociais têm acesso à educação; n e m todos, portanto, terminam o ciclo elementar ou médio, m a s não parecem resultar daí conflitos sociais, o que se deve ao facto de existir u m a oferta institucional relativamente importante; além disso, o ensino não é considerado o único meio de ascensão social, e m particular pelos grupos infe­riores, que encontram outras possibili­dades no mercado do emprego e nas di­versas profissões independentes.

O ensino secundário e superior apre­senta u m carácter muito mais humanista

do que técnico ou científico, e as ciências sociais e as letras abrangem u m a grande proporção de estudantes, o que nos leva a pensar que a educação é considerada simultaneamente u m bem de consumo e u m a via de acesso a u m mercado do e m ­prego onde o Estado — mais por razões de ordem social do que por necessidade técnica — absorve importantes contin­gentes de população.

A capacidade de integração originada pelo consumo e pela mobilidade é tão grande que o sistema não se sente amea­çado pelas ideologias que o contestam, e a expressão de u m a consciência crítica é a manifestação habitual de u m ensino universitário encarregado de fornecer os quadros dirigentes e de formar os inte­lectuais da sociedade. A radicalização dos estudantes pode ser considerada como u m a etapa da socialização política, u m a vez que os riscos de comunicação com a classe operária e o subproletariado são reduzidos; está ligada à própria natureza da experiência universitária, que se en­contra e m condições de se organizar se­gundo as suas próprias necessidades, pois n e m as exigências do sistema económico n e m as do sistema político são decisivas. Assim, a lógica interna desta experiência incita-o a defender a supremacia da cul­tura e a manter os ritos. Para tal, é ne­cessária u m a certa diferenciação cultu­ral, isto é, u m certo volume de críticas expressas por especialistas que rivalizam para exercer funções docentes, definidas segundo valores científicos. D o m e s m o modo, a diferenciação cultural é indis­pensável e m relação ao mundo que ro­deia a Universidade. «Para retomar a imagem do padre e do profeta utilizada por Weber, poderíamos afirmar que a instituição universitária corre o risco de se ritualizar se não enfrentar a crítica de u m profetismo externo que conteste constantemente a sua rigidez e a auto--satisfação que proporcionam o ensino magistral e a repetição dos conhecimen­tos.» 10

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Educação, estrutura social e tipos de desenvolvimento

Modelo tecnocrático e/ou de recursos humanos

Quatro características definem este m o ­delo: 1. Tanto a quantidade como a qualidade

dos serviços educativos dependem das necessidades e m recursos humanos dos diversos sectores da economia;

2. O ensino subdivide-se segundo a na­tureza da oferta e a qualidade dos conhecimentos; por outras palavras, não se trata de u m sistema educativo único e, a exemplo do mercado do emprego, responde não a condições ideais m a s a considerações fragmen­tárias (no que diz respeito ao acesso, às remunerações, etc.), que são de­terminadas por factores de discrimi­nação social dependentes da estru­tura do poder11.

3. O ensino não é neutro ; também não é u m simples reflexo da sociedade, mas desempenha u m papel activo na con­servação das distâncias entre as clas­ses sociais;

4. Devido à sede de cultura, de mobili­dade social e de qualificações, a pro­cura social de educação cria u m mer­cado social que oferece perspectivas independentes do sistema económico; no entanto, é estrangulada pelo po­der, que se encarrega de determinar, para cada grupo, o acesso ao nível de instrução que lhe corresponde.

Eiste modelo educativo existe e m socie­dades e m que a população rural é muito importante e a taxa de crescimento de­mográfico urbano excepcional ; os graves problemas de marginalidade social resul­tam essencialmente das possibilidades li­mitadas de inserção no mercado do tra­balho.

N o que se refere ao crescimento eco­nómico, podemos afirmar que é conside­rável, e m particular no sector industrial onde é estimulado pela tripla acção das sociedades multinacionais, das empresas públicas e do sector privado nacional,

que enfrentam, com característiccas dife­rentes, o mercado interno e os mercados de exportação. Contudo, n e m pelo seu contributo para o produto nacional, n e m pelas características da sua tecnologia, este crescimento industrial é capaz de criar u m volume suficiente de empregos; como encontra o seu complemento nos países que lhe fornecem os bens de pro­dução que necessita, consegue constituir u m mercado nacional não coerente, m a s de aspecto desarticulado, retirando as suas características dos sistemas econó­micos primitivos, intermediários ou muito avançados12.

Esta desarticulação da estrutura eco­nómica reflecte-se no sistema educativo. Categorias sociais (essencialmente ru­rais) " , cujas qualificações não são indis­pensáveis à actividade produtiva e que representam até 25 % da população, são mantidas à margem do sistema e con­tinuam condenadas ao analfabetismo, de tal m o d o que a sua situação e m nada se modifica, como mostra a análise efec­tuada por Carlos Filgueira para o período compreendido entre os dois últimos re­censeamentos. U m ensino primário curto é dispensado às camadas sociais rurais e urbanas que procuram integrar-se na economia capitalista ou que residem e m regiões cujo desenvolvimento económico é rápido. Finalmente, se a oferta dos ser­viços de ensino primário completo e a possibilidade de terminar os estudos a este nível aumentam nos centros urbanos, é unicamente na medida e m que estes constituem pólos do desenvolvimento eco­nómico.

Embora permita que os operários ad­quiram u m a certa habilidade para de­sempenhar as suas funções, esta adap­tação forçada à estrutura económica priva a classe operária da possibilidade de receber u m a formação escolar siste­mática e transforma-os e m simples agen­tes de produção; por outro lado, permite compensar os défices educativos de base e responde às exigências do sector pro-

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dutivo que, deste modo, se encontra em condições de formular o pedido de mão--de-obra e de adoptar as disposições ditadas pelos imperativos do processo tecnológico: recrutamento massivo, for­mação, especialização, etc.

Quanto ao ensino de nível médio, existe u m tronco de ensino geral pré-universi-tário muito restrito no que se refere a ofertas; escolas normais de nível escolar muito baixo, geralmente estabelecidas em pequenas cidades ou em regiões pouco desenvolvidas (símbolos do fraco pres­tígio e das módicas remunerações atri­buídas aos professores) só proporcionam o acesso, no melhor dos casos, às facul­dades de pedagogia, cujos programas de estudos são notoriamente inferiores aos das vias técnicas e científicas; final­mente, u m ensino técnico, muito limitado do ponto de vista da cultura geral, des­tinado a contramestres e operarios qua­lificados representantes da «aristocracia operária», identificando-se com a «única ordem pensável» de organização social " . De notar que, em diversos países, algu­mas ordens religiosas desempehnam u m papel muito particular neste ensino.

Como a procura de serviços de ensino emana de grupos sociais urbanos inte­grados no sector moderno produtivo ou no dos serviços, o controle da procura social é mais complexo do que no caso em que a população é rural ou urbana mão integrada. Assim, novas formas de ensino médio procuram satisfazer esta procura abstendo se de a canalizar para estudos superiores, evitando assim au­mentar a concorrência para os postos privilegiados do mercado do emprego. As comprehensive schools e as diversas formas adoptadas entre o ensino geral e o ensino técnico pretendem satisfazer e canalizar este pedido, mas os resultados são duvidosos na medida em que os alu­nos a que se dirigem representam já uma categoria social seleccionada que não se contenta com a situação média que lhe propõem.

Por fim, o ensino superior encontra-se estratificado sob três formas diferentes. E m primeiro lugar, os estudos são curtos ou longos, desiguais pelo prestígio social ou pelas possibilidades que oferecem de acesso ao poder. E m segundo lugar, as unidades apresentam características va­riáveis do ponto de vista do equipamento, da qualidade do ensino e do prestígio so­cial: ao nível superior encontra-se u m certo tipo de estabelecimentos privados e certas universidades nacionais encar­regadas de recrutar élites15, enquanto ao nível inferior se situam universidades provinciais e privadas organizadas em estabelecimentos de ensino a tempo par­cial para a pequena classe média.

O terceiro tipo de estratificação inclui u m complemento significativo : os estudos universitários superiores são obrigatórios para os candidatos a postos importantes. Tal como a especialização dispensada nos estabelecimentos de nível universitário no estrangeiro, estes cursos são pratica­mente reservados aos grupos que se si­tuam no topo da escala social, que de­fendem, assim, a sua posição privilegiada revelando conhecimentos que nem sempre são tão elevados como eles pretendem, nem tão necessários para exercer as fun­ções superiores que reservam para si mesmos.

N a realidade, o sistema educativo cor­responde à repartição do rendimento e às características do poder. O decil mais rico da população —que aufere entre 40 e 50 % dos rendimentos — beneficia das verdadeiras vantagens da educação. O sistema educativo existe apenas para esta fracção da sociedade; as restantes têm direito a fragmentos de ensino, a aprendizagens variadas e a diversos graus de qualificações. Além disso, na modesta proporção do produto interno bruto con­cedido ao ensino, a parte do ensino pri­mário é extremamente reduzida e inferior às médias observadas na América La­tina; no ensino superior, pelo contrário, as despesas de funcionamento são muito

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elevadas e ultrapassam de longe as m é ­dias correspondentes.

Quanto ao emprego, verifica-se que a fragmentação do ensino cria canais que ligam a estratificação social de origem à estratificação do mercado do trabalho através de instituições apropriadas: foi assim que a maior parte dos estudantes das Universidades de nível médio e su­perior abordaram o ciclo (primário e m escolas privadas de acesso muito difícil para a maioria da população.

A nível universitário, vemos desenhar--se com nitidez u m sutraiodelo de recur­sos humanos e u m submodelo tecnocrá­tico, e é a Universidade que reflecte com mais nitidez o tipo de organização do poder.

N a s sociedades e m que o Estado se encontra enfeudado às classes dominan­tes tradicionais, conservando a malea­bilidade suficiente para realizar novos ciclos de desenvolvimento, integrar as classes burguesas mais modernas e es­tabelecer ligações directas c o m o capital estrangeiro, os papéis políticos que ca­racterizam estas funções são quase ex­clusivamente assumidos pelos membros das minorias tradicionais.

Nestas condições, não há lugar para u m a tecnoburocracia e as Universidades de élite conservam o privilégio de socia­lizar e de formar politicamente as soub--élites de acordo com os esquemas que lhes convêm : tradicional e religioso, laico, ou técnico e moderno, inspirando-se e m modelos de empresas nacionais ou mul­tinacionais.

Inversamente, quando o Estado adopta u m a atitude de idependência face às classes tradicionais para criar novos es­quemas de crescimento estrutural, vemos surgir u m a tecnocracia civil e militar — ou burguesa de Estado, como já foi defi­nida perante a expansão que provocou no sector industrial e o tipo de controle que instituiu no aparelho público de pro­dução— tecnocracia que, com o apoio das sociedades multinacionais e das bur­

guesias locais internacionalizadas, conduz o processo de maneira autoritária1B.

A s relações entre este tipo de poder e as Universidades assumiram outra forma. O poder considerou inútil e pe­rigoso a formação de dirigentes políticos; como o tipo de desenvolvimento não admite discussão, desenvolveu-se u m es­forço no sentido de minimiza¡r todos os aspectos das ciências sociais e políticas susceptíveis de fornecer instrumentos para a análise da sociedade e, eventual­mente, para pôr e m causa o poder. Con­tudo, u m a vez que o objectivo prioritário era o crescimento e o «salto» da tecno­logia e da gestão, consolidou-se o con­teúdo ideológico dos estudos, a fim de formar técnicos capazes de gerir modelos e instituições não submetidos a julga­mentos de valor.

Modelo de congelamento político

Este modelo traduz a crise de certas sociedades que esgotaram as suas pos­sibilidades de modernização social. E m princípio, todas tinham enfrentado pri­meiramente problemas de acumulaçõo imputáveis a pedidos de participação canalizados sobretudo para o consumo. Depois da chamada crise da oligarquia, os sistemas políticos caracterizaram-se por alianças e acordos concluídos entre diversos grupos sociais desprovidos da necessária estabilidade. Só com a inter­venção das noções de equilíbrio do poder e de Estado árbitro se poderá explicar este período.

U m a vez enfraquecida a classe domi­nante, a autonomia do Estado torna-se considerável; formam-se, então, frequen­temente, alianças entre as classes médias e populares e certos grupos da nova bur­guesia, com exclusão, por vezes, dos que dominavam a economia.

A crise do poder adquiriu, e m certos casos, o carácter de u m bloqueamento provocado pela equivalência das forças, com a estagnação que daí resulta; e m

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outros casos, pelo contrario, as catego­rías sociais opostas participaram em in­tensos conflitos, antes de se ter definido u m novo tipo de desenvolvimento.

A fracção triunfante impôs u m conge­lamento político; desmobilizou a socie­dade utilizando meios altamente coerci­vos, cedeu aos militares a direcção do Estado, suprimiu não só o sistema como toda a ordem politica, a fim de eliminar os centros de poder social que rivaliza­v a m com o Estado, e estabeleceu u m a ligação estreita entre este e os grupos que dominavam a economia.

N o entanto, a prioridade imediata deste modelo não é o crescimento eco­nómico m a s a reestruturação das rela­ções sociais m e s m o quando, para o al­cançar, se torna necessária a estagnação de certas actividades socioeconómicas du­rante u m período indeterminado. O pro­blema capital é o controle dos grupos anteriormente mobilizados, o que obriga a anular os diversos modos de partici­pação, incluindo a participação que exige u m certo nível de rendimentos. U m a vez restabelecida u m a distribuição de tipo elitista, os outros aspectos do modelo económico variam consoante a situação particular de cada país, a despeito das semelhanças da linguagem económica e política.

Pará os modelos deste tipo, a estrutura educativa do modelo de modernização social deve ser modificada na sua tota­lidade, u m a vez que as suas caracte­rísticas são inadaptadas, sob muitos aspectos, à vida política e, e m muitos pontos, disfuncionais e m relação à acti­vidade social.

D e qualquer modo , o problema é essen­cialmente ideológico. N o modelo anterior, a transmissão dos valores inspirava-se no pluralismo social; assim, podemos afir­m a r que os meios intelectuais médios — com a diversidade ideológica que os ca­racteriza — desempenharam u m papel de primeira grandeza na orientação dos va­lores admitidos no ensino.

É necessário recordar que, durante os períodos imediatamente anteriores à cria­ção deste modelo, u m a intensa politização dos professores, dos alunos do secundário e dos estudantes das Universidades tinha acompanhado o movimento de autonomia do ensino. Nestas condições, a Universi­dade tinha desempenhado u m papel ac­tivo no diálogo político centralizando as críticas e m relação ao sistema ou pro­pondo novos modelos de desenvolvimento; por vezes, tinha igualmente afirmado a sua vocação de contra-poder " .

N u m modelo de centralização do .po­der e de ideologia exclusiva, o ensino, que se dirige, de u m a ou outra maneira, a todas as classes sociais, adquire o carác­ter de agente de controle social dos novos valores, para nada dizer sobre o seu papel ideológico. Assim, não surpreende que, não obstante a transferência directa da educação para a autoridade militar e m certos países, tenham sido empreendidas acções imediatas para atingir estes ob­jectivos. Entre as medidas de carácter repressivo, convém citar a supressão da independência universitária e da liber­dade de ensino; a exclusão do corpo do­cente de indivíduos considerados adver­sários ideológicos; a interdição, por vezes, de ensinar e m qualquer tipo de estabele­cimento, incluindo o ensino privado, e a expulsão dos estudantes militantes ou dos estudantes capazes de assumir a chefia de novos grupos contrários ao sistema. Entre as medidas de reformulação dos objectivos, convém evocar as restrições impostas aos domínios do conhecimento considerados ideológicos: as ciências so­ciais e, e m particular, a sociologia e a filosofia, ao nível médio e ao nível uni­versitário; a modificação do conteúdo de certas disciplinas, da História, por exem­plo, onde se despreza a análise da reali­dade social imediata e m benefício do estudo dos períodos de autoritarismo, o que origina u m a intensa exaltação do nacionalismo.

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Educação, estrutura social e tipos de desenvolvimento

A s componentes desta reformulação são variadas, pois os regimes e m questão não aplicam de m o d o coerente e inte­grado u m novo esquema ideológico. N a linguagem oficial, a maioria deseja a restauração de u m a democracia cuja prática exija a eliminação do inimigo e u m período de restrições que permita construir u m novo ti(po de sociedade, baseada e m princípios cuja formulação teórica carece de nitidez.

Nestas condições, as ideias e os valores admitidos no ensino são definidos segundo u m a linha de demarcação que separa o que é «nacional» do que é «antinacional». A segunda destas duas categorias pode atingir proporções consideráveis quando se aceita que o materialismo se alimenta do racionalismo e do liberalismo e que só o espiritualismo pode servir de base à educação.

 linha de demarcação vem juntarle o carácter total do projecto de recons­trução nacional. Quando este é assumido intensamente, o contrôle de todas as ex­pressões culturais origina a eliminação dos diversos centros não oficiais, pro­vocando, assim, u m fenómeno de anemia que Gregorio Weinberg classificou de «avaria na cultura»; a situação compli-ca-se por o totalitarismo ideológico não permitir associar ao sistema as éMes culturais: com excepção dos grupúsiculos intimamente ligados a esta ideologia, os seus aspectos antiliberais e anti-raciona-listas afastam até m e s m o os meios con­servadores, que optam ¡pelo silêncio.

V e m o s surgir aqui u m a característica central do modelo de congelamentto po­lítico: como nenhuma forma de mobili­zação social é estimulada, o papel activo do professor vê^se consideravelmente re­duzido.

12 no ensino universitário que se ex­primem as orientações ideológicas e as opções económicas e sociais. U m a vez que os países e m questão foram, e m dada altura, os que registaram as mais ele­vadas taxas de escolarização no ensino

superior, a formação ultrapassou a es­trita relação de oferta e de procura de empregos técnicos superiores.

Assim, u m a fracção considerável da população universitária — que é difícil, tendo e m conta o seu volume, integrar no sistema —encontra-se n u m estado de disponibilidade social; e m geral, ela pa­rece insatisfeita com os postos que ocupa e decepcionada, tanto ,por si m e s m a como pelos valores que associam a educação e a mobilidade social, isto é, estes mesmos valores que, paradoxalmente, a condu­ziram à crítica do sistema social abolido e a ligar-se aos meios operário© e popu­lares.

U m a repartição estrita, u m sistema de exames de entrada e o pagamento de propinas de inscrição constituem obri­gações no modelo de congelamento po­lítico. E m geral, estas medidas desti-nam-se, segundo a linguagem oficial, a aumentar a eficácia do ensino, a facilitar o ajustamento com u m mercado do tra­balho reestruturado, ou a assegurar o respeito pelo princípio de igualdade da distribuição, pois a concessão de recursos ao ensino superior só pode fazer-se e m detrimento do ensino de base.

N a lógica deste modelo, a educação deve estar ao serviço de u m programa de diferenciação e de estratificação dos grupos sociais. Enquanto a concentração do rendimento elimina ou restringe o quadro mesocrático que unia as diversas classes sociais, a supressão da ordem política democrática conduz a u m a di­cotomia precisa entre os que dirigem e os que obedecem. Deste modo , a hierar­quia transforma-se n u m quadro social onde os protagonistas são definidos pelo seu papel produtivo ou reprodutivo e não como seres sociais.

O ensino deveria adaptar-se a este quadro isolando os diversos grupos so­ciais no que se refere ao acesso à edu­cação e ao prosseguimento dos estudos. N o entanto, os valores integrados na consciência colectiva exerceram u m a

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grande influencia para manter e m cer­tos países, com ligeiras modificações, a estrutura anterior e a sua abertura ins­titucional, de tal m o d o que as limitações são imputáveis às novas condições socio­económicas (necessidade de começar a trabalhar mais cedo, etc.).

E m outros países, propôs-se explicita­mente u m a nova formulação da educação, a fim de adaptar o ensino à rigidez da estratificação social. C o m o as desigual­dades da participação na vida socioeco­nómica e a disparidade que daí resulta nas colocações provocaram diferenças de competência intelectual, foi proposto que se retirem do ensino de base normal os alunos deficientes — que representariam 50 % da .população — dispensando-lhes u m ensino especial baseado nos trabalhos manuais para os preparar para o exer­cício imediato de u m a profissão. O en­sino médio compreenderia o ensino m a ­nual e técnico (sem acesso ao superior) e o ensino geral, dividindo-se este, con­soante os resultados obtidos, e m dois troncos, u m que cc-nduziria a empregos subalternos não manuais, e outro a es­tudos superiores. O ensino superior, por sua vez, repartir-se-ia por u m ciclo curto, u m a formação .pedagógica e u m ciclo longo, sendo este o único a permitir o acesso ao ensino do quarto grau.

E m resumo, a aplicação destas pro­postas reflectiria a correlação funcional que uniria a educação ao projecto de reestruturação da sociedade e m grupos distintos, onde a mobilidade social de­veria percorrer vias determinadas e bem limitadas, m e s m o no que se refere à m o ­bilidade entre gerações. Este programa é implicitamente dominado pela ideia da origem genética da inteligência e pela noção da correlação entre esta e a estra­tificação das origens sociais.

Finalmente, é necessário ter e m conta a importância que ocupa a educação na estrutura social que se procura estabe­lecer. A formação da élite política já não compete à Universidade, é feita entre

os militares e, no caso dos civis, tem lugar por cooptação. T a m b é m a forma­ção de técnicos para os serviços sociais do Estado se reduz à imagem dos ser­viços a que se destinam ; a diminuição das despesas sociais, incluindo as do ensino (que sofrem a maior baixa), condiciona as remunerações dos técnicos e do pes­soal da formação média na medida em que o serviço do Estado deixa de ser o domínio privilegiado das pessoas cul­tivadas. E m certos casos, reduzem^se os efectivos da função pública; noutros, efectuasse u m a redistribuição e m detri­mento dos sectores económicos e sociais do Estado e e m benefício dos serviços encarregados da coerção, que recrutam a grande maioria do pessoal entre as pessoas com pouca instrução. Finalmente, a política de contratação económica, ao reduzir o emprego global, afecta o con­sumo de bens no mercado interno, daí resultando u m a restrição sensível das possibilidades de emprego para as pes­soas de formação secundária ou supe­rior.

A s políticas deste género são acom­panhadas de u m a redução da influência que a superstrutura social pode ter so­bre o sistema produtivo, de u m a mora­tória das actividades políticas, e de u m a concentração dos rendimentos que, nos países de tipo mesocrático, implica u m a forte redução das remunerações recebi­das por u m amplo leque de grupos sociais médios. Assim, tendo por clientela prin­cipal os meios médios e operários inte­grados no sistema, a educação sofre a sorte que a estratégia do modelo de con­gelamento político reserva à democracia e aos projectos de mobilidade social.

Procurámos, no presente artigo, rela­cionar a análise da educação, por u m lado, com a estrutura social e, por outro, com os diversos processos de mutação. A primeira destas duas dimensões diz respeito aos aspectos estáticos, à estru-

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Educação, estrutura social e tipos de desenvolvimento

tura económica e à articulação dos gru­pos sociais. A segunda salienta o papel do Estado, da ideologia e dos projectos de sociedade dos grupos rivais. A m b a s se encontram no tipo de desenvolvimento, que procura ultrapassar o® limites da análise estrutural no que respeita à ex­plicação das mutações sociais e evita apresentá-las e m termos idealistas ou conjunturais.

A o propor cinco modelos de desen­volvimento educativo, caracterizados por u m a função dominante que liga os as­pectos sociais exteriores ao sistema de ensino, sublinha-se a importância cres­cente que este assume no sistema global e o carácter assimétrico das relações entre a educação e o tipo nacional de desenvolvimento.

O que não significa, porém, que se desconheça a especificidade da educação, que se integra com os seus valores e nor­m a s próprias, organiza à sua volta im­portantes grupos sociais e dispõe de u m a certa latitude para manter ou reconstruir os seus ritos pedagógicos, não obstante a extensão das modificações que carac­terizam o tipo de desenvolvimento da sociedade.

O s modelos já definidos não corres­pondem a nenhuma situação nacional; nos casos concretos, a acção social ori­gina ajustamentos que modificam e con-trariaim a orientação do sistema de ensino característico de cada modelo.

O presente artigo possui u m carácter conceptual e pretendia unicamente for­mular u m conjunto de hipóteses. Outras investigações proporão, à luz de bases empíricas apropriadas, outras soluções para assegurar a articulação de educação e de sociedade. D e qualquer modo, é im­portante restabelecer u m a abordagem unificada que permita simultaneamente ultrapassar o isolamento da educação e as análises mecanistas consagradas à na­tureza e ao papel do ensino na mutação social.

Notas

1. Ver Fernando Henrique C A R D O S O , Estado y sociedad en América Latina, Buenos Aires, Nueva Visión, 1973; do m e s m o au­tor, Autoritarismo e democratização, Rio de Janeiro, Pas e terra, 19T5; e «La ori­ginalidad de la copia: !La C E F A L y la idea de desarrollo» em Revista de la CE-PAL, segundo semestre de 1977.

2. Ver Aníbal P I N T O , «¡Notas sobre estilos de desarrollo en América Latina», e m Revista de la CEP AL, primeiro semestre de 1976; Alejandro F O X L E Y (dir. publ^), Distribu­ción del ingreso, México, Fondo de Cultura Económico, 1974.

3. Jorge G R A C I A R E N A , «Tipos de concentra­ción del ingreso y estilos políticos», e m Revista de la CEPAL, seguindo semestre de 1976, pp. 228-229.

4. Jorge G R A C I A R E N A , op. cit., p. 229.

5. M a x W E B E R , Economía y sociedad, tomo i, cap. m : «Los tipos de dominación», México, Fondo de Cultura Económica, 1944.

6. Giorgio A L B E R T I e Julio C O L T E R , Aspectos sociales de la educación en el Perú, p. 15, Lima, l)972v

7. (Não nos é possível efectuar aqui u m a aná­lise teórica deste problema. Ver u m a opi­nião expressa na obra de Joseph A . K A H L S , The measurement of modernism, Texas University Press, 196& N o 'que diz respeito à América Latina, e m particular, podemos citar os estudos de Gino G E R M A N I , Socio­logia de la modernización,, Buenos Aires, Paidós, 1971; e de Fernando Henrüque C A R D O S O e ESnzo F A L E T T O , Dependencia y desarrollo en América Latina, Siglo X X I , México, ¡1969.

8. Jorge G R A C I A R E N A , Poder y clases sociales en el desarrollo de América Latina, p. 151, Buenos Aires, 1967,

9. Entre as numerosas obras que se referem a esta etapa, podemos citar; Juan Carlos T E D E S C O , «Modernización y democratiza­ción en la universidad argentina. U n pa­norama histórico», e m Modernización y democratización en la universidad latino­americana, editado pela Corporación de Promoción Universitaria, Santiago, Chile, 1971; Juan O D D O N E e Blanca P A R Í S , La universidad uruguaya del militarismo a la crisis (1885-1958), Montevideu, Universidad de la República, 1971; Torcuato & . Di T E L L A , «Raíces de la controversia educa­cional argentina» e m Torcuato S. Di T E L L A e Tullo H A L F E R Í N D O N G H I , LOS fragmentos del poder. De la oligarquia a la poliarquía argentina, Buenos Aires, Jorge Alvarez, 1969,

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Germán W . R A M A , El sistema universitario en Colombia, p. 190, Bogotá, Universidad Nacional de Colombia, 1970. Martin C A R N O Y , Education and employment programme. Income distribution and em­ployment programme. World Employment Programme Research, Genebra, Bureau In­ternational du Travail, 1975. (Working pa­per WEP2- , lS /WP6/WEFI2-23 /WP22) , O capitalismo «dependente» — ou a acumu­lação capitalista nas sociedades «dependen­tes» — apresenta características multo complexas que não podem aqui ser resu­midas. O leitor encontrará uma exposição sobre a mâo-viabilldade do desenvolvimento capitalista na America Latina e m Ruiz Mauro M A R I N I , «Dialéctica de la depen­dencia, la economia exportadora», artigo da revista Sociedad y desarrollo, ¡n." 1, San­tiago, Chile, Janeiro-Marco de 1972. Alain T O U R A I N E , Les sociétés dependentes. Paris, Duculot, 1976, faz o ponto das opiniões em confronto, sublinhando o papel do listado.

Ver Ernesto GuHL e outros, «¡La educación rural en Caldas», CTDA, e «Educación y tenencia de la tierra» em Gonzalo C A T A N O (dir. publ.), Educación y sociedad en Co­lombia, Bogotá, Universidad Pedagógica Nacional, 1973, Ver as reflexões de Claude Grignon sobre o papel deste grupo social em L'ordre des choses. Les fonctions sociales de l'enseigne­ment technique, Paris, Les ¡Editions de Mi­nuit, Paris, 1971. Germán W . R A M A , «Educación universitaria y mobiiidad social. Reclutamiento de élites en Colombia», e m Revista latinoamericana de sociología, 70/2, Buenos Aires, Julho de 1970. Ver Fernando Henrique C A R D O S O , Autori­tarismo e democratização (op. cit.). Ver a observação deste processo a escala nacional em Tomás Amadeo V A S C O N I e Ines Cristina R E C A , «Universidad y poder: 19®6--1972», em Revista latinoamericana de cien­cias sociales, n.° 4, Santiago, Chile, Dezem­bro de 1972.

13..

14.

15,

16.,

17.

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Gregorio Weinberg

Modelos de educação no desenvolvimento histórico da América Latina

Nestes últimos anos, o conceito de edu­cação enriqueceu-se consideravelmente e o seu estudo adquiriu novas dimensões. Desprezando os aspectos estritamente quantitativos da questão, consideramos do maior interesse o estudo do papel predominante que é necessário atribuir aos diversos conceitos de desenvolvi­mento, de planificação e, mais recente­mente, de modelos ou tipos de desenvol­vimento. Podemos, então, por u m lado, repensar tanto o significado como o al­cance do processo educativo e, por outro lado, estabelecer novas relações, fazer previsões e analisar as consequências imediatas ou a longo prazo. Neste quadro alargado, dispomos de novos instrumen­tos conceptuais para u m estudo mais preciso de tudo o que implica o conceito de educação, sentindo-nos incitados a re­novar, eventualmente, a prática pedagó­gica e didáctica.

Sobre os conceitos de modelo ou de tipo de desenvolvimento a utilizar indistinta­mente como quadro para tentar compre­ender melhor alguns dos momentos sig-

Gregorio Weinberg (Argentina). Especialista em História da Educação e da Cultura Latmo-Ame-ricana. Consultor junto da OEPAL de 1967 a 1977. Autor de numerosas obras, entre as quais: Consideraciones criticas sobre educación y cam­bios socioculturales; The enllghtanent and some aspects of culture and education in Spanish America; EU pensamiento de Sarmiento sobre educación y desarrollo.

nif icativos do desenvolvimento histórico da América Latina, existe já urna abun­dante bibliografia%. Tendo e m conta o carácter deste estudo, preferimos con­siderar conhecidos os elementos que con­dicionaram os momentos apontados, para nos dedicarmos mais à interdependência entre os factores, e sublinharemos apenas certas semelhanças ou diferenças entre os processos observados, as grandes in­fluências ideológicas, as particularidades que adquirem ao encarnarem a realidade e as limitações que esta impõe.

Embora estas noções de modelo ou de tipo de desenvolvimento permitam com­preender melhor os processos e também, como é óbvio, as contradições que lhes são inerentes, devemos igualmente aten­der a certos traços específicos que decor­rem da sua aplicação. D o mesmo modo, para o estudo de u m tema tão vasto como o da educação, também não é possível ignorar a falta de sincronismo ou o des­fasamento que pode existir entre os di­versos planos a examinar (isto é, os das ideias, da legislação e da realidade em matéria de educação) ; trata-se, c o m efeito, de u m factor de distorsão fre­quentemente desprezado.

Sem pretender que exista sempre uma correspondência entre o tipo ou modelo adoptado e o sistema de ensino em vigor, podemos, após u m estudo histórico su­mário da evolução na América Latina, chegar a algumas conclusões que auto-

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Gregorio Weinberg

rizam a reflexão sobre u m grande nú­mero das dimensões do problema e dos seus factores determinantes.

Grande número de elementos permitem, pois, reexaminar experiências recentes ou processos históricos cujo sucesso ou fra­casso se tornam mais compreensíveis se forem colocados no contexto que ofere­cem estes conceitos de modelo ou de tipo. O que significa que apresentam u m grande interesse como doutrinas e como utensílios; com efeito, permitem não só fornecer u m a definição mais precisa do que cada época entende por «educação», dos valores que lhe atribui e dos resul­tados que espera dos seus postulados teó­ricos e dos seus investimentos e m homens e e m recursos, como tamibém descrever e analisar novos aspectos do fenómeno da educação, ou, pelo menos, factores ainda não compreendidos.

O século das luzes

S e m voltar muito atrás no tempo e limi-tando-nos apenas a algumas etapas da evolução histórica da América Latina, e m particular às que se mantêm impor­tantes nos nossos dias, assim como a certas causas desta evolução, examinemos o significado que teve o século das luzes como etapa que antecedeu a Indepen­dência.

O que caracteriza o modelo do século das luzes é o desejo de modernismo: secularização da vida e m geral, com certas repercussões sobre a sociedade e sobre a administração, diversificação da produção e modernização cultural e edu­cativa, m e s m o quando nos preocupamos unicamente com a educação da classe dirigente. A s influências espanhola, fran­cesa e italiana enraizam-se, com atraso, no novo mundo, traço aparentemente durável, u m a vez que ¡pode ser observado praticamente até aos nossos dias sempre que existe influência ideológica.

A o longo do período colonial, a Espa­nha impôs u m a política educativa que era

funcional para a metrópole —porque o era para o modelo de u m a potência impe­rial— mas que se revelava prejudicial, tendo e m conta as necessidades futuras da América.

O tradicionalismo autoritário que então reinava explica alguns dos princípios apli­cados («a cultura adquire^se à força», «a criança encontra-se corrompida pelo pecado original», etc.) que o pensamento moderno e, mais tarde, o século das luzes, procuraram eliminar com tanto esforço. D e u m modo geral, podemos afirmar que, e m matéria de educação e de cultura, as linhas directoras eram traçadas na Pe­nínsula; assim, veriifica-se que as Leyes de índias (Leis das índias) não m e n ­cionam a educação elementar, embora se interessem pelos outros níveis de educa­ção. A s variações, devidas aos diversos critérios de aplicação, não pareciam muito significativas.

E m Espanha, o movimento renovador apelou para a educação como para u m instrumento que considerava apropriado para superar eficazmente as lacunas exis­tentes tanto no domínio da actividade económica como no das relações sociais. O século das luzes, para o qual a edu­cação era u m elemento chave, contribuiu para minar o tradicionalismo rígido, aba­lar o princípio da autoridade e, afinal, instaurar regras, valores e actividades novas e m substituição das que existiam. Notemos que, e m Espanha e nas colónias espanholas, o trabalho manual continuou a ser considerado legalmente degradante e servil até 1783. E m suma, os espíritos esclarecidos estavam convencidos da ne­cessidade e de possibilidade do progresso, compreendido como u m impulso que con­duz à difusão e à secularização de ideias como as de felicidade e de liberdade, sem desprezar, b e m entendido, a de utilidade. Nesta óptica, a educação desempenha u m papel considerável.

Ä medida que as ideias novas se vão difundindo, apercebemo-nos do carácter pouco funcional das que a metrópole

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Modelos de educação no desenvolvimento histórico da América Latina

pretendia impor, situação confirmada pelo atraso do sistema de ensino e pelo facto de não corresponder às necessida­des dos novos tempos e às que surgiram recentemente. O espírito crítico actua como u m factor de desintegração e atin­girá novas gerações crioulas. Convém ainda acrescentar as graves consequên­cias da expulsão da Companhia de Jesus. Por u m lado, foi o resultado da própria dinâmica do processo de secularização do Estado e da tendência natural para a homogeneização das suas estruturas po­líticas, administrativas e judiciárias onde esta ordem assumia u m a importância especial. Mas , por outro lado, desapare­ceu também u m bastião da ordem estabe­lecida que exercia u m a influência con­siderável sobre camadas numerosas e poderosas da classe dirigente. O s Jesuí­tas ocupavam u m lugar preponderante no sistema de ensino e, quando foram afastados, a sua substituição deu origem a u m a diminuição sensível dos níveis atin­gidos e da qualidade dos métodos apli­cados; além disso, os objectivos torna-ram-ise mais imprecisos. Mais ainda, o exílio forçado de certos padres —dos quais muitos eram crioulos profunda­mente arreigados ao país— contribuiu para aumentar o número dos que criti­cavam o regime colonial, quando não eram seus inimigos. Sob outro ponto de vista, poderíamos afirmar que a exclusão da Ordem dos Jesuítas constitui u m dos primeiros exemplos do êxodo das compe­tências por motivos políticos. Além disso, a Coroa não se encontrava e m condições de fornecer o pessoal qualificado neces­sário para desempenhar as funções desta ordem, que possuía u m a experiência se­cular e que contava entre os seus objec­tivos principais a formação de u m a classe dirigente.

Numerosas são as informações que possuímos para mostrar as condições deficientes e m que se processava o en­sino primário. Testemunhos como o do arcebispo da Guatemala, Pedro Cortes y

Larraz, ou os que Simón Rodríguez for­neceu por diversas vezes n u m a série de escritos publicados ao longo de diversos decénios.

A s universidades mantiveram^se sem vida durante o século xvin devido à ní­tida preponderância das ideias tradicio­nais, de tal modo que o ensino perdeu progressivamente o sentido e afastou de si os instrumentos conceptuais que lhe teriam permitido compreender a reali­dade. Assim, se as novas necessidades que deram origem ao modelo e m vias de adopção puderam ser parcialmente satis­feitas graças ao desenvolvimento de ou­tras ideias e outras técnicas, foi para além do quadro universitário e várias dezenas de anos antes de surgirem trans­formações profundas no seio das univer­sidades. A s novidades científicas, econó­micas e culturais procuraram u m clima mais propício e m instituições menos rígi­das, isto é, mais permeáveis às inovações e às inquietações, instituições onde o peso da rotina e da inércia não se fazia sentir tão intensamente.

N a América foram as sociedades eco­nómicas de amigos del pons (sociedades económicas de amigos do país) e os con­sulados que desempenharam o papel de centros de difusão destas ideias, ou, melhor ainda, destes modelos, u m pouco teóricos à partida, que, progressivamente, adquiriram forma na realidade; então, deixavam muitas vezes de ser constru­ções mais ou menos racionais eivadas de boas intenções e de humanitarismo, para se transformarem e m propostas a médio ou a longo prazo. A s primeiras iniciati­vas, e também os primeiros sucessos, situam-se por volta dos anos 1790-1810.

Ë assim que Ildefonso Leal, historia­dor da educação na Venezuela, assinala que «o Consulado real indicou os meios de construir estradas, portos e canais, e ofereceu prémios a quem redigisse os melhores relatórios sobre a cultura do tabaco, do algodão, do indigueiro, da cana do açúcar e do cacau, expondo com

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clareza e evidência e de ¡maneira completa e circunstanciada, os factos e as combi­nações que orientam a cultura, a pro­dução, o fabrico, o consumo e a gestão destas plantas preciosas, assim como tudo o que é necessário para organizar u m a exploração agrícola» 2. A milhares de léguas, e m Buenos Aires, Manuel Bel-gráno, secretario do Consulado, toma, na m e s m a época, urna série de iniciativas destinadas a «melhorar a situação do pais e a aumentar as suas riquezas e o bem-estar da população». Preocuparse com tudo, desde as estradas, portos e faróis, estudos agronómicos e escolas comerciais, até à agricultura, à ciencia náutica, à difusão de pequenos tratados traduzidos para espanhol e contendo in­dicações sobre novos métodos aperfei­çoados de trabalho agrícola, os adubos, os valados, o repovoamento das matas, a rotação das culturas... Além disso, re­clamou «escolas gratuitas para onde os infelizes (camponeses) pudessem enviar os filhos sem pagar nada pela sua ins­trução...».

O pequeno número de transformações ocorridas nos estabelecimentos de ensino superior —criação de novas disciplinas, e m particular Direito e Medicina, que adquirem importância e m detrimento da orientação teológica, ou inscrição de m a ­térias novas nos programas desactuali­zados, como a Física Recreativa em vez da Física Filosófica — assim como a au­sência de construção de novos estabele­cimentos de ensino confirmam que a re­novação se produzia por outras vias.

Muitos elementos poderiam confirmar que se realizaram transformações nas mentalidades e nos factos após a adopção do novo estilo que inspira e torna colo­ridas muitas actividades ou iniciativas, e m especial a criação de estabelecimentos de ensino voltados essencialmente para a prática e enriquecidos pela chegada de novos alunos vindos de camadas sociais mais diversificadas. Encontramo-nos e m presença de u m a nova ideologia, que dis­

põe de instrumentos recentes, entre os quais u m — a difusão do livro— é ex­cepcionalmente importante. A etapa se­guinte será a da predominância desta ideologia e m busca de actores dotados de força suficiente e de capacidade para se apoderarem do processo de transforma­ção que se preparava; estes novos pro­tagonistas serão os inspiradores e os chefes da independência.

A emancipação

Durante o período de emancipação e os anos que se lhe seguiram, a maioria dos patees sofreu profundas alterações devido às deslocações das grandes massas de população a seguir à guerra, a u m e m ­pobrecimento sensível causado pela di­minuição das actividades produtoras e pelo desperdício dos recursos originado pelo conflito, e a u m clima de instabili­dade e de incerteza resultante dos altos e baixos da luta. Embora se mantenha a tradição borbónica, que atribuía ao Estado u m a importância crescente e m matéria de educação, n e m por isso a si­tuação precária do Tesouro público e a desorganização administrativa se agra­varam.

N o seio da nova classe dirigente que se constituia, continuavam, porém, a pre­dominar as ideias do século das luzes, cujo modelo se enriqueceu com algumas inovações muito significativas, e m par­ticular devido à adjunção de u m a nova ideia política que fazia vibrar os espí­ritos e que se traduzia essencialmente por u m a alteração de ideal; já não se pretendia ser u m «sujeito fiel» m a s u m «cidadão activo». Embora a atitude adop­tada e m certos momentos nos possa parecer ingénua, ela corresponde aos no­vos princípios considerados. Assim, de­senvolvesse u m esforço no sentido de estimular a participação de toda a popu­lação no processo de ensino; imprimem--se obras de espírito político avançado, se bem que de valor pedagógico discutí-

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vel, como a versão realizada por Mariano Moreno do Contrato Sooial ou Principios do Direito Político, de Jean-Jacques Rousseau, ou de pequenos tratados sobre os direitos e deveres dos cidadãos, com o fim de formar eficazmente as novas gerações; procurou-se eliminar das esco­las os castigos corporais; incentivaram-®e as iniciativas que pretendiam ocupar-se da educação das mulheres e dos Indios, etc. Trata-se de u m estilo renovado que se baseia em ideias de Igualdade, de Li­berdade e de Justiça, tal como as com­preendiam os diferentes grupos, amplo leque que vai desde os chamados Jaco­binos até aos moderados: o tema da educação e da cultura encontrava se na ordem do dia.

A incorporação das dimensões políti­cas, com os seus efeitos mobilizadores, transforma o novo modelo, que se torna qualitativamente diferente devido à ex­tensão dos problemas que engloba e à profundidade que se propõe atingir.

N o que se refere à proibição dos castigos corporais nas escolas, extrema­mente divulgados e admitidos como m é ­todo disciplinar, é interessante recordar que se insere numa série de medidas com objectivos análogos e correspondendo ao estilo que então tomavam os aconteci­mentos— medidas como a abolição da inquisição e dos trabalhos forçados dos índios, que eram convergentes.

A carência de recursos humanos e eco­nómicos constituiu u m dos maiores obs­táculos a enfrentar pelos novos grupos dirigentes para realizar o seu projecto; os testemunhos sobre o grau de qualifi­cação dos professores e os meios de que se encontravam dotadas as escolas são surpreendentes. Esta situação explica, em certa medida, o excelente acolhimento que as autoridades dos sectores influen­tes da sociedade nos diversos países re­servaram, em toda a América Latina, ao que se designa por monitorial system ou ensino mútuo ou, mais correntemente, a escola de Lancaster, cuja difusão rá­

pida e intensa tanto no Velho Mundo como no Novo Mundo prova que corres­pondia a uma necessidade. Também não podemos atribuir ao acaso a atitude fran­camente favorável de Artigas, Rivadavia, O'Higgins, San Martin ou Bolivar, que se preocuparam, todos eles, em superar as carências apontadas.

Assim, o modelo democrático inicial será confrontado com tuna realidade in-submissa, a anarquia, que exigirá uma reacção autoritária tendo e m vista a construção e a consolidação do Estado, que detém o monopólio da força.

Liberais e conservadores

De u m extremo ao outro da América La­tina, os decénios que se seguiram aos m o ­vimentos de independência foram marca­dos pelas vicissitudes das lutas armadas travadas para consolidar a emancipação e, em outros casos, pelas destruições pro­vocadas pelas guerras civis.

O periodo que intervém entre o ciclo da independência e o estabelecimento de laços entre a economia latino-americana e os mercados internacionais caracteriza--se pela concessão de prioridade à cria­ção do Estado, que deve, no mínimo, assentar no monopólio da força e numa estrutura administrativa elementar, acompanhando-se tudo isto da exclusão das massas populares da esfera das deci­sões políticas; estes fenómenos explicam, em certa medida, a reduzida prioridade concedida à educação.

Mas depressa começam a surgir sin­tomas que indicam uma redefinição das forças. Assim, os grupos conservadores outrora ligados ao Estado, à sua admi­nistração e à sua burocracia e essencial­mente ligados a uma economia e a uma sociedade baseadas nas grandes proprie­dades rurais e nas plantações esforçam--se por recuperar as suas posições. D o outro lado, encontram-se os liberais re­novadores, com programas opostos. Pa­rece ousado afirmar, generalizando, que

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alguns destes grupos predominavam ni­tidamente sobre os outros, pois o seu poder era aproximadamente igual. Além disso, e por diversas razões, as correntes liberais e conservadoras adquiriram, no Novo Mundo , características e u m con­teúdo diferentes dos que possuíam na Europa.

Tanto os liberais como os conservado­res afirmarão deter os meios e a chave do restabelecimento da ordem constituída e, no fundo, é precisamente aí que se situa o problema. Julgamos necessário sublinhar que a sua oposição n e m sempre foi tão nítida como as aparências pre­tendiam mostrar. O antagonismo surge claramente se considerarmos a sua posi­ção e m relação à Igreja ou ao movimento de secularização, m a s é muito menos evidente quando se trata de outros pro­blemas. N o entanto, as diferenças de ati­tude perante o Estado são importantes. Os liberais representam u m momento negativo no processo de consolidação do Estado, pois recusaram quase sempre o papel que lhe era tradicionalmente atri­buído; por vezes, certos grupos adopta­v a m u m a atitude radicalmente oposta a este papel.

Esta atitude é difícil de explicar, tanto mais que não existiam grupos e m con­dições de desenvolver as actividades que, segundo os liberais, não competiam ao Estado, como, por exemplo, a participa­ção no desenvolvimento económico. Estes limites teóricos impostos à função do Estado tiveram consequências sérias e m diversos domínios; foram particularmente graves no plano da educação, pois o en­sino obrigatório afigurou-se-lhes, e m cer­tos momentos, e m contradição com o prin­cípio proclamado da liberdade de ensino. Além disso, a crítica ao Estado era for­mulada de u m ponto de vista europeu que não lhes permitia compreender a rea­lidade política e institucional da América Latina, que tinha atingido u m a fase muito diferente do seu desenvolvimento; mais ainda : e m sua opinião, o Estado guardava

«um certo ar» da época colonial. Não existia, como é evidente, u m a classe bur­guesa como a do capitalismo avançado então visível na Europa.

Por seu lado, os conservadores, que reclamavam a ordem, favoreceram o en­durecimento do Estado, o que explica, e m parte, que tenham, por vezes, che­gado a defender o proteccionismo ou que tenham considerado indispensável a con­servação de exércitos regulares e orga­nizados; contudo, como atribuíam u m papel à Igreja e m matéria de educação, recusavam ao Estado qualquer função neste domínio, ou reduziam-na ao mínimo.

D e acrescentar ainda que, ¡mesmo quando a população da América era pre­dominantemente rural, nenhum destes dois grupos fez algo de importante pela educação dos habitantes dos campos, o que parece bastante lógico se tivermos e m conta, por u m lado, o carácter emi­nentemente urbano dos liberais e, por outro, a manifesta falta de interesse dos conservadores pela elevação do nível cul­tural dos camponeses, que eram, na sua maior parte, trabalhadores agrícolas e grandes massas indígenas n e m sempre integradas na economia monetária. Este vazio nas políticas seguidas e m matéria de educação pelas suas correntes con­tribuiu para o atraso da incorporação destes sectores rurais n u m a economia e n u m a sociedade mais modernas e, bem entendido, da sua entrada na vida po­lítica.

S e m pretender caracterizá-los por u m a fórmula simplista, poderíamos afir­m a r que, nessa época, os liberais, devido aos interesses que representavam e à sua filiação ideológica, se pronunciavam pelas reformas e pela secularização e adopta­vam, portanto, u m a posição que os con­duzia a u m confronto com o poder polí­tico e económico que a Igreja ainda detinha e que tendia para a redução da influência do clero sobre a educação. Os conservadores, pelo contrário, defendiam que a Igreja era u m factor importante

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para a manutenção ou o restabelecimento da ordem. M a s , mais do que as suas carac­terísticas gerais, parece interessante observar o modo como estas correntes se inserem na realidade e a procuram modificar e m função do seu projecto ou do seu modelo. "É difícil fornecer u m a imagem global deste processo dada a sua complexidadee a diversidade das carac­terísticas que ele adquire em cada país, pois as respostas procuradas para a for­mação das élites dirigentes da nova so­ciedade foram muito variadas. Assim, no México, os liberais rejeitam a possibi­lidade de formar as éUtes na Universi­dade, que consideram u m a instituição ainda com aspectos colonialistas; por outro lado, e m Buenos Aires, está sendo realizado u m projecto que, não obstante a sua curta existência, nem por isso deixa de ser significativo.

Na via da educação popular

E m toda a América Latina, e sobretudo a partir dos anos que se seguiram ao período da Reforma do México e da Or­ganização da Argentina, intensificaram--se os esforços destinados a atrair u m número crescente de pessoas, o que era generosamente apelidado de civilização. N e n h u m a das tentativas anteriores tinha atingido os resultados previstos, devido especialmente à precaridade das econo­mias e ao seu fraco grau de integração nas economias centrais, às guerras civis, à desorganização administrativa, à penú­ria do Tesouro Público, e também aos problemas causados por u m a geografia frequentemente desfavorável e u m a popu­lação de predominância rural (com zonas de esmagadora maioria indígena). Para assegurar a integração dos países, seria necessário superar o isolamento, a misé­ria e a divisão linguística e criar insti­tuições e legislações modernas e estáveis. Para tal, sempre na opinião de certas per­sonalidades influentes desta geração, se­

riam necessárias políticas a longo termo da educação, com investimentos suficien­temente importantes para formar pro­fessores, construir edifícios, etc. A conso­lidação dos Estados nacionais parecia irrealizável sem previamente canalizar os esforços neste sentido.

Para além da experiência acumulada pela geração precedente, caracterizada pelas sucessivas derrotas que não tinham permitido concretizar esta política da educação, vinham juntar-se à tomada de consciência das necessidades crescentes diagnósticos lúcidos por parte dos novos leaders, alguns dos quais apresentavam ideias que conservam u m a actualidade surpreendente. Entre os percursores, con­vém atribuir, por exemplo, u m a impor­tância especial ao mexicano Benito Juá­rez que, desde 1848, mostrara possuir u m a visão penetrante da situação da edu­cação no Estado de Oaxaca, a qual viria a enriquecer-se ao longo dos anos e das vicissitudes políticas.

Domingo Faustino Sarmiento, defen­sor da educação popular, actua, por ©eu lado, na outra extremidade do continente. Vários aspectos da sua acção merecem ser estudados, m e s m o sumariamente.

A s ideias sobre a educação que D o ­mingo Faustino Sarmiento tentou impor no sieu país encontravam-se indissoluvel­mente ligadas a u m a concepção que im­plicava igualmente u m a política de imi­gração e de colonização; ele pretendia que a Argentina se transformasse n u m país de criação de gado e de agricultura, o que implicava alterações não só nas estruturas de produção, como também do regime de propriedade, a fim de que pudesse constituir-se u m a classe média agrícola. Ora, u m dos elementos essen­ciais para realizar este projecto era a educação que deveria, a partir daí, per­mitir, ao nível primário, a formação de pessoas que pudessem ser produtoras e, simultaneamente, tomar parte neste pro­cesso de transformação. A educação apre­sentava, pois, u m a função tanto política

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como económica e social. Ë evidente que esta proposta era demasiado avançada para a realidade e pretendia a criação de u m a sociedade nova c o m componentes diferentes nas suas próprias bases e com a presença de u m a pluralidade de grupos sociais participantes. Notemos que o seu interesse pelo nível primário se justifi­cava, u m a vez que, nessa época, podia considerar-se que a educação elementar e a educação popular eram aproximada­mente equivalentes. A alfabetização real fez-se certamente a u m ritmo menos rá­pido do que o previsto. Devido ao facto dos trabalhadores rurais não terem obtido a propriedade e de lhes ter sido recusado o exercício de direitos políticos e a prática efectiva do direito de voto, o factor da educação não chegou a cons­tituir, neste aspecto, u m a variável indu­tora de transformação, como decorria do modelo inicial de Sarmiento, embora se tenha tornado n u m a variável moder-nizadora. M a s estas ideias sobre a edu­cação desempenharam u m papel funda­mental no momento da adopção da Lei n.° 1420, que inspiraram e que teve efei­tos nacionalizadores sobre a imigração e contribuiu para a integração do país.

Esta política permitiu satisfazer rapi­damente as necessidades de u m impor­tante sector da população e m idade esco­lar e, portanto, realizar, e m grande parte, o objectivo que pretende tornar o ensino primário universal. O ensino primário continuou, pois, a ser o centro de gravi­dade do sistema, considerando-se o ensino do segundo grau apenas como u m a etapa conducente à Universidade, que deveria permitir a formação da classe dirigente e dos especialistas que o desenvolvimento exige.

Foi com o uruguaio José Pedro Varela que culminou, provavelmente, esta cor­rente de pensamento e de acção cuja preocupação principal residia na educa­ção popular, considerada como u m meio de transformar a sociedade latino-ame­ricana. Discípulo, sob muitos aspectos,

de Domingo Faustino Sarmiento e, como este, admirador daquilo a que chamaram o modelo de desenvolvimento da América do Norte, José Pedro Varela tinha u m a ideologia toda impregnada de raciona­lismo espiritualista que se transformou progressivamente n u m franco positivismo que passaria a exercer u m a influência decisiva sobre toda a vida cultural e edu­cativa do país.

Para não multiplicar as referências aos escritos de Varela, talvez seja suficiente citar algumas das suas ideias sobre a educação, ligadas a outros aspectos da situação nacional: « A instrução é o único dos serviços confiados à administração pública que não consome o capital nele investido, pois incorpora-o sob u m a nova forma no capital representado pelos indi­víduos que instrui.» Através de u m racio­cínio rigoroso, sublinha que «é necessá­rio u m duplo esforço para destruir as causas fundamentais da crise política: por u m lado, a ignorância nos campos e nas camadas inferiores da sociedade e, por outro, o erro cujo berço é a Uni­versidade e que arrasta atrás de si as classes esclarecidas — que intervêm di­rectamente nos assuntos públicos»; re­corda ainda que «o erro não se refere particularmente à Universidade da Repú­blica, encontradoHse e m todas as Univer­sidades privilegiadas» 3.

A data da morte de José Pedro Varela parece u m símbolo, pois coincide com o fim de u m a época e com o início de outra, caracterizada pela febre do progresso e suas contradições implícitas e coloridas do ponto de vista ideológico pelo positi­vismo que enfraquecerá rapidamente os princípios liberais de que se aproximava. U m a frase, repetida de u m extremo ao outro do continente com ligeiras varian­tes, «a educação é a locomotiva do pro­gresso», associa três conceitos (educação, locomotiva, progresso) muito focados du­rante os dois últimos decénios do século.

E m resumo, Domingo Faustino Sar­miento e José Pedro Varela reclamavam

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u m a organização social que permitisse superar o atraso económico e cultural (sobretudo o da população rural que, embora continuando a constituir u m a maioria esmagadora, se mantinha margi­nalizada) assim como a instabilidade polí­tica; eram, por conseguinte, partidários de u m a ordem baseada na educação e na participação, isto é, de algo de muito diferente da ordem que o positivismo ten­tou impor. Mas , estes visionários não puderam apoiar-se nas forças sociais in­dispensáveis à defesa do seu programa de transformação, e permaneceram, de certo modo, no vazio; contudo, os seus planos adquirirão sentido e conhecerão u m início de realização quando os novos grupos urbanos os adoptarem, especial­mente com o aparecimento das classes médias.

O liberalismo deixou de acreditar na Universidade de origem colonial que con­siderava u m a instituição identificada com os valores tradicionais e que perpetuava as normas de prestígio; assim, as gran­des reformas projectadas e m matéria de educação são não «elitistas», m a s anti--universitárias. O que se compreende se nos lembrarmos de que a Universidade (devido à origem social dos estudantes, às matérias ensinadas e às funções pro­fissionais e culturais dos seus diplomas), que continuava a ter u m carácter mino­ritário, ou francamente oligárquico, não podia compreender, e ainda menos expri­mir, os interesses e as aspirações dos novos grupos cujo modelo de desenvol­vimento não assentava, muito longe disso, no ensino superior, m a s exigia u m a vasta cultura de massa sob u m duplo aspecto político e utilitário.

A etapa positivista

Depois da Revolução Industrial, a pro­dução de bens manufacturados aumentou e começou a exigir matérias-primas e elementos de base; no Velho Mundo, os hábitos de vida e de consumo modifica-

vam^se. Esta situação revelou consequên­cias insuspeitadas para os países da América Latina, que se integraram pro­gressivamente no mercado mundial, na medida e m que as suas capacidades ex­portadoras o permitiam, tanto na qua­lidade de produtores como na de con­sumidores, sem recorrer necessariamente à industrialização, como levianamente se pensou, pois as relações internacionais tomaram outro rumo, gerando desigual­dades e atrasos.

O impulso inicial originou a acumula­ção de excedentes, que n e m sempre foram investidos de maneira económica ou pro­dutiva e, como as classes sociais e os estímulos necessários à realização destes investimentos já não existiam, os fundos foram muitas vezes desperdiçados no consumo de bens luxuosos. Pelo menos n u m certo sentido, e para certos sectores, o progresso /parece significar maior con­forto e maior consumo de produtos cada vez mais requintados. Encarado sob ou­tro aspecto, o progresso implica igual­mente u m a modificação profunda da re­partição geográfica da .produção e do emprego — e m zonas, que os novos meios de transporte tornam acessíveis, instalam--se novas actividades que v ê m acrescen-tar-se às já existentes —o que modifica o equilíbrio dificilmente atingido e, con­sequentemente, o peso relativo dos dife­rentes sectores da produção. Além disso, o Estado organizado favorece as ligações com os capitais estrangeiros e facuita--Ihes o acesso ao seu mercado, o que cria tipos de relações originais entre os países desenvolvidos e os que não o são. Para satisfazer as exigências da época, a A m é ­rica tinha necessidade de ordem política e de liberdade económica, as quais, unia vez obtidas, lhes trariam, como por m a ­gia, o progresso. O positivismo oferecia a chave. C o m o a paz era u m a necessi­dade, a receita era muito simples : termi­nar com os confrontos, que se tinham tomado crónicos, entre conservadores e liberais, acabar com as revoluções. Todos

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estes elementos conduziam à aceitação de u m a filosofia da ordem capaz de orien­tar os nossos países para o progresso «seguindo a via da tranquilidade». O posi­tivismo foi, n u m certo sentido, a resposta para estes desejos e estas inquietações; onde se difundiram, as suas ideias sur­tiram efeitos decisivos, m a s e m nenhum outro local tanto como no México, onde os adeptos do positivismo viriam a ocupar alguns dos postos chaves do governo.

Para resumir as propostas do positi­vismo e m matéria de educação, podería­m o s assinalar o seu desejo de racionalizar a sociedade pela introdução do método científico e dos seus esforços para criar u m consenso a favor do modelo que pre­conizavam, o que significava que o cres­cimento económico permitiria atingir o bem-estar colectivo.

O liberalismo tinha-se tornado conser­vador e a ordem prevalecera sobre a liberdade, sempre, bem entendido, e m nome do progresso.

Gabino Barreda, u m dos artífices da educação durante a primeira etapa do positivismo, preocupado por ver que a liberdade se transformava e m anarquia, escreve: « E m geral, representa-se a li­berdade como a faculdade de fazer ou de desejar seja o que for, sem submissão à lei ou sem orientação de qualquer força; se esta liberdade existisse, seria tão imo­ral como absurda, pois tornaria impos­sível toda a disciplina e, por conseguinte, toda a ordem. E m vez de ser incompa­tível com a ordem, a liberdade consiste, e m todos os fenómenos, tanto orgânicos como inorgânicos, e m se submeter plena e inteiramente às leis que os determi­nam.» *

A concepção «moderna» da proprie­dade, que pretendia impor o regime de Porfirio Díaz conduziu-o, naturalmente, a u m a política que contribuiu para ace­lerar a desintegração das comunidades indígenas : com efeito, a pretexto de lhes permitir tornarem-se proprietários, foram despojados de terras que ainda se encon­

travam e m seu poder. N u m plano dife­rente, mas sob o efeito directo desta concepção, a extensão do espanhol e o estímulo do estudo das línguas estran­geiras, e m particular do inglês, levaram ao abandono das línguas indígenas. Ora, este problema do ensino das línguas como factor político assume u m a importância excepcional se nos referirmos ao modelo de Porfirio Díaz, onde se enquadra total­mente com as outras dimensões do pro­cesso.

A educação elementar continuava a ser esmagadoramente reservada à população urbana e a população rural era despre­zada, ou abandonada, na prática; esta situação conduziu, e m 1900, a u m a taxa de analfabetismo de 54 %, reduzida, dez anos mais tarde, a 50 %.

A Revolução mexicana de 1910 abri­ria outras perspectivas, tanto no que se refere aos problemas da terra como aos da escola rural e do ensino da língua e estes problemas, como muitos outros, políticos, sociais, económicos ou culturais, assumiriam u m novo sentido à luz de u m «modelo» novo. Mas , este tema ultra­passa os limites do presente estudo.

A ascensão das classes médias

Quase todos os autores modernos que estudaram a evolução histórica da Argen­tina concordam na sua divisão e m etapas que interessa distinguir m e s m o quando a compreensão do processo se torna, assim, mais difícil ; Gino Germani5, por exemplo, define no Estado a que cha­m o u «democracia representativa de par­ticipação limitada» duas fases, sendo a primeira a da organização nacional (1853-1880) e a segunda a dos gover­nos conservadores liberais ou oligarquia (1880-1916). Esta divisão e m períodos contribui para clarificar as diversas ati­tudes de duas gerações separadas por muitos traços distintivos, u m a vez que a chamada geração de 1880 agravou muitas inconsequências e limitações da

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geração precedente. Para ilustrar estas diferenças, .basta recordar o papel atri­buido ao Estado no desenvolvimento do país pela primeira destas duas gerações, e o modo ¡como a segunda privilegiou a iniciativa privada. Foi durante os dois últimos decénios do século passado que se consolidou nitidamente o modelo de crescimento em direcção ao exterior.

A ideia mestra do livro de Juan Carlos Tedesco9 «consiste em afirmar que os grupos dirigentes atribuíram à educação uma função política e não uma função económica; na medida em que as trans­formações económicas introduzidas du­rante este período não obrigaram à for­mação da mão-de-obra local, a estrutura do sistema de educação só foi modifi­cada em pontos susceptíveis de despertar o interesse político e em função deste interesse. O que é original, no caso ar­gentino, é que as forças que se enfren­taram politicamente, concordaram, uma vez atingido o poder, em manter o ensino à margem das orientações produtivas». Assim, prossegue Tedesco, a educação procurou, nessa época, realizar uma ¡me­lhor adaptação a u m modelo que podería­mos caracterizar dizendo que procurava, por u m lado, a difusão da instrução e das normas para atingir u m consenso e, por outro lado, a formação de uma classe dirigente e de administradores.

E m resumo, as classes dirigentes ela­boraram u m modelo de desenvolvimento ao serviço do qual estava o serviço de educação; daí a congruência que se veri­fica neste sistema, uma vez que foi con­solidado e que os resultados foram obti­dos. É u m facto que, com o tempo, o sistema favoreceu essencialmente as clas­ses médias que não estavam ligadas nem à produção primária nem à produção secundária, mas que beneficiavam do desenvolvimento crescente do® sectores terciários (burocracia, serviços, profis­sões liberais, etc.). Por seu lado, as classes médias também não se encon­travam à altura de propor outro modelo

e, implicitamente, adoptavam o do cres­cimento para o exterior, que lhes conferia u m sentimento de segurança e, o que talvez seja ainda mais importante, de progresso, palavra que, como vimos, gozava de enorme prestígio. Todos estes factores explicam, de certo modo, o opti­mismo da época — que nos parece, ac­tualmente, ingénuo. N o entanto, à m e ­dida que os grupos dirigentes tradicionais se debateram com crises, endureceram, e acabaram por considerar a classe média como rival potencial. E m contrapartida, esta foi tomando progressivamente cons­ciência de si mesma e deu provas ide u m espirito democrático mais profundo. Con­tudo, como via na educação u m meio de se elevar socialmente e de adquirir pres­tígio, a classe média esforçounse, além disso, por aproveitar todas as possibili­dades que lhe oferecia o sistema, ou até de as exagerar, para aceder à Universi­dade, que continuava a ser o bastião dos grupos tradicionais. Este processo con-cretizou-se no plano do ensino superior pela Reforma Universitária de Cordoba (1918) e o movimento propagou-se, de maneira mais ou menos profunda e rá­pida, em quase toda a América Latina. As suas principais reivindicações eram a autonomia universitária, a participação dos professores e dos estudantes na ges­tão das Universidades, a liberdade dos professores, a organização de concursos periódicos para a nomeação do pessoal docente — além de u m sistema designado por «ensino livre» que permitia o fun­cionamento de cursos paralelos — a libe­ralização do acesso à Universidade, a m o ­dernização da pedagogia, a extensão' do ensino universitário, etc. Tudo isto im­plicava uma profunda redefinição do pa­pel da Universidade: na verdade, as suas funções não se limitavam à formação de profissionais e ao estímulo da investiga­ção científica, e afirmava-se que ela de­veria contribuir para a democratização efectiva da sociedade7. É o índice da irrupção das novas camadas da sociedade

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que exigiam a democratização da vida política graças ao direito de voto e recla­m a v a m u m a maior participação na vida educativa e cultural, mas , devemos insis­tir, respeitando sempre o modelo de cres­cimento para o exterior.

D o ponto de vista ideológico, a influên­cia do .positivismo sobre a Argentina foi profunda; além disso, é suficientemente conhecida graças a u m a série de obras8

que fazem justiça, na maioria dos casos, à heterogeneidade e à interpenetração das diversas escolas e tendências. Depois dos percursores do positivismo — D o ­mingo Faustino Sarmiento, Juan Bau­tista Alberti . . . — surgiu, como recorda Francisco Romero 9 , u m a corrente ique, e m seguida, «enveredou por u m pragma­tismo cómodo e oportunista que deu ori­gem a algumas das piores tendências da nossa vida colectiva». Foi esta corrente que conduziu ao conformismo perante os sucessos da modernização que se efec­tuava sob a divisa «Paz e Administra­ção» sem atender às graves contradições que começavam visivelmente a surgir. Contudo, outra corrente, aquela que se designou por Escola de Paraná, exerceu u m a influência enorme e benéfica, e m particular sobre o desenvolvimento das escolas normais que progressivamente se foram transformando e m centros de re­novação e onde se distinguiram persona­lidades como Pedro Scalabrini, que foi o primeiro a expor as teorias de Comte na Argentina. J. Alfredo Ferreira, talvez o representante mais conhecido e mais ilustre do positivismo de Comte, e muitos outros ainda, que se dedicaram mais aos problemas pedagógicos do que à articula­ção destas questões com o modelo geral. U m a terceira corrente era representada pela Escola de Spencer, que deixou mar­cas e m vastos meios universitários.

N a realidade, o que havia de mais in­teressante no estudo do positivismo ar­gentino era o facto de ser possível retra­çar, e m toda a sua prolixidade e extensão, as diversas correntes de influência até

ao encontro com novas correntes que as enriqueceram, e m certos momento, e que, e m outros, as conduziram ao impasse, sem esquecer a influência que o positi­vismo manifestou sobre o desenvolvi­mento de diferentes disciplinas (História, Psicologia, Filosofia, Pedagogia, etc.) ou sobre o espírito de instituições tão im­portantes como a Universidade de L a Plata.

Algumas reflexões para concluir

A o longo do século XIX verificou-se que, na América Latina, a realidade e as ideias e m matéria de educação assumiram ca­racterísticas muito diferentes, consoante os países e as circunstâncias; muitos destes traços persistem ainda, transfor­mados e m tradições ou e m factores de inércia institucional ou legal; daí resulta o interesse do seu estudo.

M a s , não parece possível compreender bem estes processos sem os incluirmos nos modelos ou estilos de desenvolvimento que admitem implicitamente, e nas ideo­logias que lhes estão subjacentes. D a sua análise, poderíamos deduzir característi­cas significativas, das quais algumas per­duraram. Assim, muitas ideias não pu­deram ser realizadas por não terem sido retomadas, por não terem sido apoiadas por forças sociais com suficiente vigor para vender os obstáculos que se opu­n h a m à sua aplicação. U m a vez trans­plantados, modelos prestigiosos, que ti­n h a m dado provas da sua eficácia e m outras regiões, falharam por não terem sido devidamente repensados e confron­tados com a nova realidade ou porque não tinham sido reparadas a tempo certas falhas de sincronismo, o que muitas ve­zes contribuiu para tornar mais difíceis ou para retardar as alterações previstas.

N u m a população predominantemente rural, as propostas mais generosas tor-naram-se frequentemente contraditórias ao conduzirem, na prática, a u m a situa­ção e m que os sectores urbanos foram

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Modelos de educação no desenvolvimento histórico da América Latina

os destinatarios efectivos dos melhora­mentos considerados, tendo a educação contribuído para aprofundar as contra­dições, e m vez de as reduzir ou superar; assim, adiava^se a homogeneização das estruturas socais.

Devido à rigidez dos sistemas, as ino­vações foram introduzidas ou, e m certos momentos, programadas quase exclusiva­mente para além deles ou, quando sur­gem limitações ou dificuldades de dou­trina para repensar sistemas e m função de u m modelo diferente, preferiu-se ne­gá-las.

Assim, tudo parece indicar que, para superar u m a grande parte das inadapta­ções, contradições e inadequações actuais do sistema de educação ou das relações entre este sistema e a sociedade, será necessário empreender estudos que per­mitam elaborar modelos satisfatórios no plano teórico e viáveis no plano prático— desafio que já Simón Rodríguez lançava vigorosamente, há mais de u m século, quando escrevia: «Não inventar, é enve­redar por caminho errado...»

Notas

1. Aníbal P I N T O , «Notas sobre los estilos de desarrollo en América Latina», pp. 97-128; Marshall W O L F E , «Enfoques del desarrollo: De quien y hacia qué», pp. 129-172; Jorge

G R A C I A R E N A , «Poder y estilos de desarrollo. U n a perspectiva heterodoxa», pp. 173-193, e m : Revista de la CEP AL, primeiro semestre de 1976, Santiago do Chile.

2i Docwmentos para la historia de la educa­ción en Venezuela, p. xxxn, estudo prelimi­nar e compilação de Ildefonso Leal, Caracas, Biblioteca de la Academia Nacional die la Historia, 1968.

3. José Pedro V A R E L A , La educación del pueblo, Montevideu, 1874 e La legislación escolar, Motevideu, 1876, obras reeditadas conjun­tamente sob o título de Obras Pedagógicas, e m Biblioteca Artigas, da colecção Clássicos Uruguayos, Montevideu, il964. A s citações sao tiradas de La Legislación escolar, pp, 90, lili, 114.

4. Citado e m Abelardo V I L L E G A S , La filosofia en la historia política de México, pp. 127 e seguintes, México, Ed. Formaca, 19166.

5. Gimo G E R M A N I , Política y sociedad en una época de transición, Buenos Aires, Faidós, 1962.

6. Juan Carlos T E D E S C O , Educación y sociedad en la Argentina (1880-1900), Buenos Aires, Ed. Panedaie, il970.

7. A obra fundamental da abundante biblio­grafia sobre esta questão •& La Reforma universitaria (1918-19^0), compiliação e no­tas de Gabriel del Mazo, Edición del Centro de Estudiantes de Ingenieria, La Plata (Ar­gentina), 19411, 3 vola.

8. Principalmente, Rlcaurte S O L E R , El positi­vismo argentino, Panamá, Imprenta Nacio­nal, 1959.

9. Francisco R O M E R O , «'Indicaciones sobre la marcha del pensamiento filosófico en la Argentina», Sobre la Filoso fia en América, p. 24, Buenos Aires, Ed. Raigal, 1992.

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Page 90: Para uma economia política da planificação da educação

Carlos Filgueira

Expansão da educação

e estratificação social

na América Latina (1960-1970)

N a América Latina, a expansão da edu­cação atinge taxas extraordinariamente elevadas, tanto e m relação a outras re­giões do mundo, como a qualquer ante­cedente histórico conhecido. E m poucas dezenas de anos, esta parte do mundo transpôs u m processo que se prolongou por mais de u m século e m muitos países desenvolvidos1.

N o presente artigo, fixámos dois ob­jectivos: determinar a extensão da ex­pansão e suas características, tanto ao nível das diferentes situações nacionais como e m cada u m a das camadas sociais que a compõem; apresentar os elementos conceptuais que permitem traçar o qua­dro teórico no qual se podem articular os dados empíricos observados.

Durante a elaboração deste quadro teó­rico, distinguiremos duas abordagens: tpor u m lado, u m a atitude crítica e m relação a teses que nos apresentam a expansão da educação, baseando^se exclusiva ou essen­cialmente nas exigências do aparelho de produção, relacionando a expansão e m questão com os progressos da distribui­ção do rendimento; por outro lado, u m a tentativa de apresentação de u m esquema

Carlos Fügueira (Uruguai). Director dk> Centro de Informaciones y Estudios del Uruguay. Ac­tualmente é consultor junto da Comissão Eco­nómica para a América Latina (CEPAL) para problemas de estratificação social. Autor de numerosos artigos.

explicativo de carácter estrutural: os factos serão analisados e m relação a va­riáveis determinadas, isto é, à estrutura social, a do poder e a do Estado.

O s dados utilizados neste estudo pro­vêm de recenseamentos por sondagem efectuados e m 1960 e 1970 e recapitula­dos na colectânea O M U E C E (Programa Operación Muestra de Censos) do Centro Latino-Americano de Demografía (CE-- L A - D E ) . Salientámos três problemas centrais e m torno dos quais se articula a informação disponível : a situação e as tendências da expansão e m relação aos diferentes níveis de ensino, as desigual­dades de repartição do ensino e a ligação entre a estrutura profissional e o grau de instrução.

O s níveis de ensino e as suas tendências

N o decorrer do decénio estudado, a região considerada no seu conjunto sofreu u m a taxa de expansão escolar de 11 %, e m média. Esta taxa resulta unicamente dos valores registados para cinco categorias ou graus de instrução: nenhuma instru­ção, instrução primária elementar, ins­trução primária superior, formação se­cundária e formação universitária.

Trata-se de u m a taxa elevada se tiver­m o s e m conta o efeito de inércia impu­tável à população de idade avançada, cujo grau de instrução permanece inalterável.

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Expansão da educação e estratificação social na América Latina

N a verdade, os 11 % devem-se à evolução dos grupos etários mais jovens. N o en­tanto, este indicador, de resto muito ele­mentar, não permite descobrir as trans­formações que surgem no interior de cada categoria.

Ê mais interessante observar como se desenvolve cada u m dos graus de instru­ção. A taxa de crescimento — o u de diminuição— medida nos anos sessenta sobre a base 100, fornece os seguintes resultados:

Nenhuma instrução, —15,0 Primária elementar, —10,5 Primária superior, 27,8 Secundária, 56,0 Universitária, 73,2

Estes dados mostram que a expansão escolar média dos países da América Latina é muito desigual segundo o nível de instrução considerado. Ã medida que o nível aumenta, eleva-se também o cres­cimento relativo. N o caso extremo do ensino superior, a média da região revela que o aumento é de mais de 70 % e m relação aos números de 1960. Se consi­derarmos o outro extremo, a redução relativa de analfabetismo —ou, preci­sando melhor, a diminuição do número de indivíduos sem instrução — limitou-se a apenas 15 % e m relação ao número de partida.

Estes dados reflectem igualmente duas características do processo: por u m lado, a rapidez do desenvolvimento ao nível se­cundário e superior ; por outro lado, apro­funda alteração sofrida ¡pela estrutura escolar da região. A média assim cal­culada para o conjunto da América La­tina encobre, porém, u m a grande hetero­geneidade das situações (ver o quadro I).

Distinguiremos quatro grandes grupos de países:

1. Os países eim que se cristalizaram situações criadas há vários decénios e que abordaram prematuramente o seu processo de desenvolvimento escolar ; é o caso da Argentina, e provavelmente, do

Uruguai, onde é visível u m crescimento moderado dos níveis de instrução médios e superiores. Este crescimento implica a existência, n u m a importante fracção da população, de características e de aspi­rações próprias dos grupos mais instruí­dos: procura de empregos de tipo admi­nistrativo, procura de bens materiais de consumo, participação no rendimento na­cional, etc.

Trata-se de pressões que se exercem principalmente no contexto urbano e m que são geradas as tensões e resolvidos os conflitos que daí decorrem. Além disso, estão na origem de certos problemas de ordem profissional: reduzida procura de empregos não manuais entre as camadas médias e superiores da população, sub­emprego, discordância entre a profissão exercida e os estudos realizados, emigra­ção dos quadros, desvalorização dos es­tudos. N o plano político, u m a vez que se trata de grupos de forte motivação ideo­lógica, as aspirações tendem a suscitar ou a reforçar movimentos de protesto que têm u m a grande capacidade de mobi­lização e fazem pressão sobre o Estado.

Têm-se desenvolvido estruturas pode­rosas desde que os regimes esgotaram, mais ou menos totalmente, os meios outrora utilizados para satisfazer estas exigências. D e facto, os países desta cate­goria parecem caracterizar-se por pro­cessos no decorrer dos quais a deterio­ração dos meios materiais e políticos se operou e m períodos prolongados, en­quanto o sistema educativo continuava a alastrar progressivamente.

E m particular, o processo prematuro de escolarização a que aludimos reflecte indirectamente u m aspecto muito impor­tante das novas reivindicações e aspira­ções. N o caso das sociedades e m que, desde os primeiros decénios do século, a educação atingiu u m nível elevado, verifica-se que o crescimento da escola­rização primária e da alfabetização exer­ceu os seus efeitos ainda antes da região se abrir realmente à vida internacional

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Carlos Filgueira

Q U A D R O I Nivela de instrução em 15 países da América Latina. População com idade superior a 15 anos, 1960-1970.

Níveis de instrução

Sem Primária Primária Secundaria Univer-instrução elementar « superior sitarla e instrução pré-escolar

Argentina ¡>

Brasil c

Chile &

Colômbia

Costa Rica

República Dominicana

El Salvador

Equador

Guatemala ã

Honduras

México

Panamá

Paraguai

Peru

Uruguai

1960 1970 1960 1970 1960 1970 1960 1970 1960 1970 1960 1970 1960 1970 1960 1970

1960 1970 1960 1970 1960 1970 1960 1970 1960 1970 1960 1970 1960 1970

8,9 1,1

42,8 43,5 16,1 10,1 27,1

16,9 12,0 35,5 35,0 56,7 45,7 33,0 27,0

(63,3) 2,5

55,9 57,0 42,4 39,2 31,7 27,3 20,0 19,1 15,4«

27,1 13,0 7,7

25,7 18,2 28,9 27,9 20,7 18,7 36,0

34,1 24,8 38,5 23,8 22,5 23,3 28,0 20,3

17,8 20,3 26,4 25,4 30,0 27,9 18,4 16,4 41,4 41,8«

24,6 23,3 25,9

47,1 55,6 19,8 18,8 36,3 44,7 22,8

34,9 40ul 21,9 33,0 14,0 20,3 28,3 34,2

11,3 14,8 12,0 23,0 23,1 28,0 34,4 37,7 28,2 31,0«

22,9 43,5 34,8

15,0 20,7 7,5 8,5

25,0 23,6 13,2

11,0 20,3 3,2 6,8 5,7 8,8 9,3

16,5

4,4 6,9 4,2 8,4 6,6

10,1 17,6 22,1 7,8

10,5«

20,5 17,7 20,7

3,3 4,4 0,9 1.3 1,7 2,9 1,1

2,8 2,8 0,7 1,2 0,4 0,9 1,4 2,0

0,7 1,1 0,4 0,8 1,1 2,3 2,1 3,7 3,5 1,3«

4,9 2,3

10,8

o. D o 1." ao 3.° ano de instrução primária.

b. BJntre os dois recenseamentos, a Argentina modificou a denominação dos anos de escola primá­ria, embora mantenha a duração deste ciclo. Assim, os seis anos de estudos de 1960 passaram a ser sete em 1970. Durante o mesmo período, o Chile prolongou de seis para sete anos a dura­ção do primário,

c. Recenseamento da população, 1970.

d. A indicação que figura entre parênteses refere-se à percentagem das pessoas classificadas na rubrica «Nível de instrução não declarado».

c. Recenseamento nacional da população e da habitação, 1972,

/ . Recenseamento da população e da habitação para o ano de 1975.

Fonte de informação: C X M U B C E .

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Expansão da educação e estratificação social na América Latina

e às mutações estimuladas pela moder­nização.

2. Os países que conhecem uni processo de transição rápida. Este grupo é consti­tuído pelo Chile, a Costa Rica e o Panamá. E m matéria de educação, a sua situação não é exactamente semelhante se consi­derarmos que os dois primeiros países atingiram u m nível superior ao do Pa­namá; contudo, todos eles revelam uma grande semelhança em certos traços do seu crescimento : forte expansão ao nível de instrução médio e superior, muito mais acentuado do que no primeiro grupo de países; redução importante da cate­goria sem qualquer instrução, registando estes países as taxas de diminuição mais espectaculares do decénio considerado (Chile, 37 % ; Costa Rica, 28 % ; Panamá, 26 % ) ; aumento moderado da escolari­zação primária completa.

Nestes três países, a proporção da população rural é muito maior do que nos países do primeiro grupo; em dois deles as disparidades entre as cidades e os campos são igualmente consideráveis. Por u m lado, é verdade que estes países se aproximam rapidamente do limite da es­colarização superior e média, como na Argentina, empenhando-se em eliminar rapidamente o analfabetismo rural. Assim, embora se trate de sociedades cuja taxa de natalidade é muito mais elevada do que nos países do primeiro grupo, estes países conseguiram, durante o decénio em questão, reduzir para u m quarto a categoria dos indivíduos sem instrução nas zonas rurais.

Ê aparentemente característico destes países observaras© pressões semelhantes às que exercem as pessoas com u m grau de instrução elevado nos países mais avançados, enquanto numerosos efecti­vos são incorporados no sistema de edu­cação. N o entanto, para apreciar melhor a situação, é necessário considerar que este melhoramento rápido da educação se acompanha de outros problemas que

contribuem para amplificar a procura. Como já vimos, não é indiferente que este processo de expansão se tenha produzido nos anos sessenta ou nos anos trinta. Assim, tudo depende do facto de ter ou não coincidido com um processo de urba­nização acelerada, ou de se ter inscrito num mecanismo de abertura rápida aos estímulos exteriores, ou até da presença de modelos de referência internacionais.

Temos o direito de pensar que este grupo de países enfrenta os problemas colocados pelas novas aspirações tanto entre a população rural como entre a po­pulação urbana. Trata-se dos estratos inferiores da sociedade no primeiro caso, enquanto no sector urbano se encontram todos os níveis.

Verifica-se não só que se exerce uma pressão activa sobre o sistema educativo ao nível médio e ao nível superior (que devem absorver as novas aspirações vin­das dos níveis imediatamente inferiores), como também que a alfabetização das zonas rurais contribui para a migração para aglomerados urbanos, onde os seus efeitos se vêm sobrepor à influência de pequenos núcleos urbanos recentemente alfabetizados, daqui resultando pressões e aspirações até agora desconhecidas.

É possível que a própria dinâmica do sistema consiga absorver o seu próprio crescimento durante u m período relati­vamente longo; contudo, é provável que estes países experimentem, muito breve­mente, tensões estruturais decorrentes da extraordinária expansão da educação, que acabamos de citar.

Enquanto a educação puder conservar a sua importância simbólica na participa­ção no mundo moderno, e enquanto con­seguir enfrentar a procura em matéria de emprego, podemos pensar que evitará, deste modo, os desequilíbrios entre as aspirações suscitadas e os meios de as satisfazer. N o entanto, a experiência de países mais avançados mostra que existe u m limite, ou u m limiar, a partir do qual as tensões ligadas ao sistema educativo

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Carlos Filgueira

não (podem manter-se afastadas das ou­tras entidades institucionais.

C o m o é evidente, este limiar não é ina­movível; depende, e m larga medida, dos meios de que dispõem os detentores do poder, assim como das possibilidades de combinar estes meios. Neste sentido, te­mos todo o direito de pensar que o cami­nho percorrido pelos países mais avan­çados não é necessariamente aquele que seguirão os países que atravessam actual­mente u m processo de transição rápido. Existe u m número suficiente de combi­nações e de recursos para que cada caso encontre a sua solução particular.

3. O terceiro grupo é constituído pelos países de transição lenta. Não obstante as suas importantes diferenças, podemos incluir neste grupo a Guatemala, El Sal­vador e, provalmente, as Honduras e a Nicarágua, que dispõem de dados de re­censeamento para os anos 1960-1970. A s modificações da pirâmide da educação dizem respeito aos níveis mais baixos, e os números de crescimento mais elevados registam -se ao nível primário superior: 31 na Guatemala; 45 e m El Salvador. N o entanto, o traço mais saliente refere--se ao alcance do sistema educativo. C o m o já observámos, metade da população des­tes países escapa ao processo educativo, a despeito dos esforços envidados e, du­rante o decénio considerado, só foi pos­sível reduzir de cerca de 10 % o grupo desprovido de qualquer instrução. Quando pensamos no enorme crescimento demo­gráfico destes países, podemos imaginar as dificuldades suplementares encontra­das todos os anos, quando se trata de integrar novos contingentes nos ciclos escolares.

Neste grupo de países, o aumento dos efectivos ao nível médio e universitário é superior ao dos países mais avançados, m a s inferior ao do grupo constituído pelo Chile, a Costa Rica e o Panamá. N o en­tanto, esta progressão não tem qualquer efeito sobre o número de pessoas de for­

mação superior, cuja proporção inicial era muito baixa. Assim, e m El Salvador, o crescimento de 13 % registado ao nível superior significa que pouco mais de 0,5 % da população foi integrada neste nível durante o decénio. Observasse u m fenómeno semelhante para a instrução de nível médio, onde o crescimento dos efec­tivos, de 57 e 54 %, respectivamente, cor­responde a u m aumento de 2 ,5% e de 3,1 % na pirâmide dos níveis de instrução.

Esta categoria de países parece, no entanto, possuir grandes possibilidades de crescimento no nível médio, quando os comparamos aos outros, embora não possam esperar atingir, nos próximos decénios, o grau de saturação dos países que fazem parte dos grupos 1 e 2.

A estratificação da educação tende a modificar-se não só nas camadas mais baixas, como também e m toda a socie­dade — tanto nas capitais como nas zonas urbanas ou rurais. Neste sentido, a ho­mogeneidade do processo é u m fenómeno que distingue este grupo dos outros, de tal modo que não podemos falar de cli­vagem exclusivamente rural.

Neste tipo de sociedade, as consequên­cias da proliferação dos efectivos nos níveis de instrução mais baixos talvez não criem desequilíbrios semelhantes aos que encontramos nos outros grupos, de­vido à existência de factores próprios para atenuar os seus efeitos: relativa lentidão nas transformações, processo que se desenvolve, em grande parte, e m contextos já submetidos a estímulos m o ­dernos (urbanos e metropolitanos) ; natu­reza e conteúdo do ensino (estudos in­completos, taxas de desistência elevadas, atrasos escolares consideráveis, etc.).

Finalmente, no que se refere ao ensino médio e superior, o crescimento obser­vado leva-nos a pensar que a nova situa­ção não conduzirá a exigências e aspira­ções tais que não possam ser satisfeitas pelo mercado do trabalho, não obstante a fraqueza do dinamismo económico des­tes países.

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Expansão da educação e estratificação social na América Latina

4. Encontram-se neste grupo países cuja situação é difícil de classificar. N a rea­lidade, como não se trata de u m grupo homogéneo, parece ser preferível conside­rar cada caso separadamente. A s infor­mações disponíveis permitem analisar os casos do México, do Peru e do Brasil.

Quanto ao México, as alterações veri­ficadas no sistema educativo foram par­ticularmente rápidas nos níveis mais bai­xos e nos mais elevados. Trata-se de modificações da pirâmide da educação que dizem essencialmente respeito ao analfabetismo nas zonas rurais, enquanto, na capital — segundo as informações dis­poníveis— abrangem a instrução média e superior.

Tratando-se de u m país de população rural muito elevada, a rapidez das modi­ficações sofridas pelos campos pode cons­tituir u m a fonte de problemas graves, se a compararmos com outras dimensões da estratificação social.

O caso de Peru parece apresentar características análogas. Neste país, a diminuição do analfabetismo — a mais importante do período 1960-1970 — des­creve u m a curva semelhante à do México. Embora nos faltem dados comparativos para o ano de 1960, os elemento® de in­formação recolhidos sobre o analfabe­tismo e sobre a extensão do crescimento da escolarização levam-nos a pensar que o Peru se encontra n u m a situação abso­lutamente idêntica à do México no que se refere à mobilidade aos níveis mais baixos do sistema educativo.

O Brasil, por seu lado, atravessa u m processo descontínuo e, de u m certo ponto de vista, revela u m a regressão, não obs­tante o desenvolvimento da instrução na região. Seria conveniente efectuar u m a analise minuciosa do nível de instrução deste país, a fim de completar os dados re­colhidos sobre o analfabetismo; contudo, o carácter excepcional deste processo e a acentuada diferença que apresenta e m relação a outros países estudados não carece de demonstrações.

Para estabelecer a síntese das consi­derações precedentes, é possível, dada a heterogeneidade verificada, tirar duas conclusões que se prendem c o m o nosso ponto de partida.

A primeira decorre da relação que une o desenvolvimento da educação descrito anteriormente e o crescimento do produto bruto por habitante. N ã o existem linhas directoras nítidas nesta matéria e não é possível distinguir u m a tendência posi­tiva nesta relação. Pelo contrário, o com­portamento destas duas variáveis parece aleatório e, por vezes, e m contradição, com a hipótese da manpower approach, isto é, da educação considerada na óptica da mão-de-obra a formar. U m dinamismo económico precário coincide, por vezes, com u m a expansão considerável da edu­cação.

E m segundo lugar, a expansão escolar e as variações dos níveis de instrução ge­ram aspirações e exigências que incitam a u m a maior participação no produto nacional e a tuna melhor repartição dos rendimentos. Neste sentido, como pre­tende a teoria do capital humano, seria de esperar que se observasse u m a relação positiva: maior expansão da educação, acompanhando u m a melhor distribuição dos rendimentos. Para tal, seria neces­sário supor a existência, ao nível do Es ­tado e do aparelho político, de mecanis­m o s capazes de transformar as pressões e as reivindicações e m políticas de redis­tribuição. N o entanto, de acordo com a recente experiência dos Estados de tipo burocrático e autoritário, ninguém pode, razoavelmente, avançar esta suposição.

A desigualdade e m matéria de educação

C o m o pretendeu mostrar a análise prece­dente sobre a expansão da educação, o problema caracteriza-se pelo cresci­mento ao nível secundário e superior, sem que estejam plenamente satisfeitas as necessidades do primário, de tal modo

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Carlos Filgueira

que as desigualdades observadas na re­gião e m materia de educação não foram, de modo nenhum, resolvidas.

D e acordo com as informações de que dispomos, podemos afirmar que a expan­são da educação sofrida por esta região, embora considerável, só foi acompanhada por u m a forte redução das desigualdades nos países e m que o processo foi acele­rado. Nesses países, como o Uruguai e a Argentina, as desigualdades revelaram-se diminutas desde o início do período es­tudado.

Excluindo o caso e m que, por diferen­tes razões, as desigualdades se reduziram de modo significativo, as diferenças rela­tivas que separam os indivíduos no seio do sistema educativo tendem a manter-se. O conjunto do sistema tem tendência para se deslocar verticalmente, m a s as diferenças internas que acompanham este movimento nem por isso eliminam as desigualdades.

Esta particularidade dos sistemas edu­cativos mostra que é conveniente adoptar u m a perspectiva dinâmica quando se ana­lisa a estratificação da educação, u m a vez que o sistema se redefine constan­temente através de u m movimento geral ascendente e da consolidação ou redução das desigualdades, n u m grau cada vez mais acentuado.

N o s países e m que o nível de instrução se eleva de maneira acelerada —entre oe quais o Chile fornece o melhor exemplo de redução das desigualdades no decénio considerado — a situação leva-nos a pen­sar que, e m princípio, se trata de u m duplo processo de aumento da escolari­zação e de homogeneização dos custos institucionais de cada u m dos ciclos.

É permitido supor que, nestes países, as pressões e as exigências manifestadas tendo e m vista u m a melhor escolarização contribuíram, de certo modo, para a ela­boração das orientações e da política dos governos e m matéria de educação. Deste modo, facilitaram a absorção de impor­tantes grupos de população a todos os

níveis escolares. A s despesas consagradas ao ensino secundário e, mais ainda, ao ensino superior, experimentam u m a redu­ção significativa que, e m certos casos, se aproxima de 50 %. Por outras pala­vras, com determinado montante for-mam-se actualmente dois alunos em vez de u m — o que exige u m a forte redução dos recursos disponíveis por aluno e m cada u m dos ciclos. Esta situação ilustra a permeabilidade e a facilidade de expan­são que caracterizam a educação e m rela­ção à rigidez da ordem económica.

Educação e estrutura profissional

Nesta secção, examinaremos as relações do sistema educativo com o mundo pro­fissional, assim como o seu papel na es­trutura de produção.

A s grandes linhas do crescimento do sistema educativo para os principais estratos podem resumir-se do seguinte m o d o :

OS ESTRATOS PKOFHSSTCKNtAaLS INFERIORES DO SECTOR SECUNDARIO

Encontram-se entre aqueles cujo cresci­mento médio é mais fraco. Alguns índices identificáveis explicam este fenómeno. N u m primeiro grupo de países (dos quais o Chile constitui u m exemplo típico), o desenvolvimento escolar manifesta-se por u m a redução considerável do número de pessoas sem instrução ou possuindo u m a instrução primária elementar, por u m a diminuição moderada dos efectivos com instrução primária superior, e por u m aumento dos efectivos saídos do ensino secundário. A Costa Rica também apre­senta estas característcas, embora u m a categoria se encontre e m regressão ; pelo contrário, este país, manifesta u m a grande estabilidade das rubricas «sem instrução» e «instrução primária supe­rior». Dois outros países apresentam os mesmos caracteres, embora com algumas

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Expansão da educação e estratificação social na América Latina

variantes: o Paraguai e o México. No pri­meiro, verificasse, juntamente com um forte crescimento do nivel secundário, u m aumento dos efectivos ao nível pri­mário superior.

N u m outro grupo de países, o cresci­mento assume a forma de u m grande aumento ao nível primário superior e de uma redução moderada dos efectivos sem instrução. A República Dominicana cons­titui u m caso particular, dado que o nível profissional baixa com o crescimento dos efectivos desprovidos de instrução.

O caso da Argentina não pode entrar em linha de conta devido a problemas de recenseamento; contudo, se conside­rássemos homogéneas as distorsões pro­vocadas pela modificação dos critérios de recenseamento, os resultados obtidos na Argentina reflectiriam uma situação ainda mais extrema do que a do Chile. A elevação do nível de instrução obser­vada nos estratos inferiores do sector in­dustrial urbano parece encobrir modifi­cações de menor importância; em certos países avançados, nota-se a presença cada vez mais frequente de um grupo reduzido de operários instruídos que receberam uma formação secundária — provavel­mente técnica; nos países menos avança­dos, vemos que o crescimento se cristaliza ao nível da instrução primária completa.

O (ESTRATO DOS OPERÁRIOS AGRIOOtUAiS

N o Chile, na Costa Rica e no Paraguai os progressos concentram-se a níveis de instrução mais elevados (primário supe­rior). Nestes países, a transição rápida manifesta-se por uma viva redução do grupo sem instrução, e por uma diminui­ção moderada dos efectivos ao nível pri­mário elementar. Tudo parece indicar que, para este estrato, a situação se aproxima rapidamente da da Argentina e do Uruguai. Além disso, os países me­nos avançados — a Guatemala e El Sal­vador— conhecem uma redução pouco acentuada (cujo coeficiente se estabelece

a 0,86 e 0,88, respectivamente) da cate­goria sem instrução juntamente com u m crescimento, também moderado, da ins­trução primária elementar e uma pro­gressão bem mais nítida da formação superior (coeficientes ide 1,82 e 2,26, res­pectivamente) . De qualquer modo, este crescimento intenso diz respeito apenas a pequenos sectores do estrato e m ques­tão. Quanto ao comportamento do M é ­xico, ele é particular: não se observa nenhuma redução da categoria sem ins­trução; a instrução primária elementar aumenta (coeficiente de 2,42, o que cons­titui o melhor resultado entre todos os países considerados), enquanto se redu­zem os efectivos no ensino primário superior. Aparentemente, o considerável esforço educativo realizado neste país durante o decénio considerado permitiu unicamente elevar os níveis mais baixos da instrução elementar.

E m resumo, podemos afirmar que, nos países estudados, as características es­colares do estrato inferior das profissões agrícolas conhecem geralmente u m pro­cesso de intensa transformação que abrange tanto os países mais avançados, onde o desenvolvimento da instrução pri­mária completa atinge 50 % (coeficientes de 1,51 na Costa Rica; 1,54 no Paraguai), como os países mais atrasados, onde este nível duplica entre u m número mais redu­zido de pessoas pertencentes ao estrato em questão, mas onde a escolarização constitui a regra entre vastos sectores da população.

O ESTRATO DAS ACTIVIDADES DE SERVIÇO (SECTOR TERCIARIO INFERJIOR)

Neste estrato, o comportamento dos paí­ses é semelhante ao do precedente, com uma deslocação em direcção a níveis de instrução mais elevados. Aqui, o Chile e o Panamá são os países em que o desen­volvimento da educação atinge os mais altos níveis. As categorias sem instrução, instrução primária elementar e superior

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Carlos Filgueira

vêem os seus efectivos diminuir regular­mente, enquanto a instrução secundária aumenta de maneira importante no Chile (perto de 50 %) e mais moderadamente no Panamá.

Por seu lado, a Costa Rica, o Paraguai, a República Dominicana e o México se­guem u m a evolução semelhante à dos países precedentes, excepto no que se refere à instrução primária superior que, nestes quatro países, aumenta modera­damente (coeficientes de 1,30 ; 1,21 ; 1,16 e 1,19 respectivamente).

Contudo, a expansão do ensino médio é muito mais importante na Costa Rica, na República Dominicana e no México (2,28; 1,85 e 1,97 respectivamente) do que no Chile e no Panamá.

Finalmente, os países mais atrasados, El Salvador e Guatemala, só registam u m a baixa na categoria sem instrução. N a instrução primária elementar, o nível mantém-se praticamente estável (1,04 e 1,07) ; na instrução primária superior eleva-se de maneira significativa (1,40 e 1,40), enquanto aumenta consideravel­mente (2,53 e 1,88) no ensino secundário. C o m o sucede com outros estratos, este aumento abrange u m a percentagem muito reduzida da população.

Neste estrato, na maioria dos países, o traço dominante é a influência exercida pelo ensino secundário sobre o desenvol­vimento da educação. Embora os países mais avançados sejam os que experimen­tam transformações internas mais pro­nunciadas na composição do seu sistema educativo, a importância da expansão ao nível secundário surge como u m processo rápido e generalizado que abrange toda a região.

E m todos os países — c o m excepção do Paraguai— são os ofícios manuais dos serviços do sector terciário que regis­tam u m a taxa de expansão escolar mais elevada (ou u m a das mais elevadas).

A partir das considerações que prece­dem e atendendo ao forte desenvolvi­mento do ensino a estes níveis, podemos

avançar que este estrato engloba as acti­vidades que absorvem a imaior proporção de mão-de-obra instruída que não teve acesso aos níveis profissionais correspon­dentes ao seu grau de formação. Esta característica parece ter consequências mais graves nos países em que o processo de expansão do ensino secundário está mais avançado. O Chile e o Panamá são precisamente os países e m que a absorção da mão-de-obra de nível médio nos estra­tos profissionais superiores parece reve-lair-ae muito difícil. A Costa Rica — único país que experimenta u m forte desen­volvimento da instrução nos sete estratos profissionais — testemunha, porém, u m a taxa de crescimento superior à média da América Latina ao nível secundário. Por outro lado, embora os países mais atrasados não consigam formar u m a pro­porção semelhante de mão-de-obra, a este nível, contam, no estrato e m ques­tão, com u m grupo reduzido de pessoas de formação superior que tende a aumen­tar muito rapidamente.

EMPREGADOS, VElNiDEDORES, PESSOAL SUBALTERNO

O estrato que corresponde às pessoas que exercem u m a actividade comercial por conta própria, assim como aos empre­gados, vendedores e pessoal subalterno da indústria, do comércio e dos serviços, constitui certamente u m dos grupos pro­fissionais mais heterogéneos, e a sua análise apresenta problemas suplemen­tares difíceis de resolver sem u m a ven­tilação mais profunda. É precisamente neste estrato — muitas vezes considerado o mais baixo entre as profissões não m a ­nuais— que se encontra o maior desen­volvimento da educação.

Três países — a Costa Rica, o Panamá e, recentemente, o Chile— assistiram à modificação da estrutura dos níveis de instrução neste estrato, com u m a nítida diminuição da instrução primária supe­rior e u m aumento da formação universi­tária. Excepto na Costa Rica, onde tende

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Page 99: Para uma economia política da planificação da educação

Expansão da educação e estratificação social na América Latina

a desenvolver-se,o ensino secundário m a n -tém-se relativamente estável no Chile e no Panamá. Contudo, a curva de cresci­mento destes três países é suficiente­mente homogénea para justificar o seu agrupamento. Neste caso, trata-se de países de transição rápidia, onde o ensino superior desempenha u m papel decisivo para o nível de instrução do estrato e m causa. Neste sentido, o Chile e a Costa Rica registam as taxas de crescimento mais elevadas do ensino superior. N e ­n h u m outro estrato profissional conhece este melhoramento. Por outro lado, o Panamá parece revelar coeficientes de absorção mais equilibrados aos níveis de instrução superiores.

Existe u m número importante — e cres­cente—de pessoas que receberam u m a formação universitária e que não conse­guem aceder às profissões mais eleva­das — e esta situação agrava-se constan­temente nos países mais avançados.

E m segundo lugar, encontra-se u m grupo constituído pelos países miai® atra­sados, onde o processo é determinado pela estabilidade aos níveis de instrução pri­mário superior e médio, enquanto só o ensino superior se desenvolve. A Guate­mala vive esta situação ; e m certa medida, é também o caso de El Salvador, embora este país não registe nenhum progresso nos três níveis e m questão; quanto à República Dominicana, encontra-se apa­rentemente a meio caminho entre este grupo e o grupo precedente.

Finalmente, o Paraguai constitui u m caso particular, na medida e m que ai apenas o ensino médio progride ; por seu lado, o México apresenta a situação in­versa, u m a vez que só o ensino médio regista u m a baixa2.

C o m o podemos avaliar, o comporta­mento deste estrato revela u m a estru­tura semelhante à dos estratos estudados precedentemente no que se refere ao de­senvolvimento da instrução, embora as diferenças se produzam a u m nível mais elevado (ensino médio superior).

O ESTRATO DAS ACTIVIDADES PROFISSIONAIS E SEMIPROFISSIONAIS

N ã o apresenta u m a curva de crescimento muito acentuada; e m certos países, veri-fica-se u m aumento notável do ensino médio, talvez devido a actividades semi-profissionais ou a especializações técnicas de carácter pré-universitário. Este pro­cesso é nítido e já foi assinalado no caso da Costa Rica, onde a média do ensino tinha descido para o coeficiente 0,8 devido a u m a importante modificação interna da estrutura da população escolar ao nível médio e superior (o ensino médio passou para o coeficiente 2,60 e o ensino superior (para 0,35). O Paraguai segue a m e s m a via e produz-se u m fenómeno semelhante na República Dominicana, embora e m menor grau. Quanto ao com­portamento da Guatemala, do México e do Panamá, diferencia-se dos outros por u m nítido crescimento ao nível superior, sem qualquer recuo ao nível secundário.

O Chile partilha da situação destes dois grupos com u m aumento moderado ao nível secundário e ao nível superior.

Ë provável que, e m numerosos países, a diminuição registada ao nível superior seja imputável a transformações sofridas pela estrutura interna das profissões, assim como ao aparecimento de novas categorias profissionais de nível interme­diário (incluídas na rubrica semiprofis-sional). Pelo contrário, o segundo grupo de países parece seguir u m modo de cres­cimento clássico, com u m a proliferação aos níveis de instrução correspondendo às profissões liberais.

ESTRATO DOS EMPREGADOS E DO PESSOAL DE DIRECÇÃO

Abrange os sectores secundário, terciário e agrícola-mineiro. Neste caso, a evolu­ção não apresenta u m a curva muito ní­tida. Atendendo à grande heterogenei­dade das situações que lhe são próprias, a análise das informações disponíveis não fornece elementos sobre os quais nos pos-

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Carlos Filgueira

Q U A D R O 2 Estratos médios e superiores, ensino médio e superior, grau de instrução médio e superior nos estratos médios e superiores (em percentagens, 1960-1970) •

Países

Argentina Brasil Costa Rica Chile República

Dominicana El Salvador Equador Guatemala Honduras México Nicarágua Panamá Paraguai Uruguai

a. Dados brutos não Fonte de vnj' armação,

Estratos médios e superiores

31,4 14,5 21,5 19,6

11,0 10,9 12,2 9,0 9,6

19,9 — 16,4 11,8 30,7

corrigidos e m

; OMUECEy

I960

Ensino médio e superior

18,7 8,1

13,0 24,6

9,3 6,0 9,3 5,0 4,7 8,3

— 22,1 10,7 31,7

caso de falta

Estratos com grau de instrução

13,5 6,0

10,3 13,6

5,6 4,4 5,4 4,3 3,7 6,1

— 11,5

6,5 24,3

Estratos médios e superiores

32,2 — 22,9 25,2

11,9 11,7 — 10,9 — 22,4 15,7 21,8 13,8 —

de informações.

1970

Ensino médio e superior

26,5 — 20,9 30,3

13,8 8,0

— 7,4

— 13,0 10,1 27,3 15,8 —

Estratos com grau de instrução

20,0 — 14,3 19,0

6,9 5,2

— 5,4

— 8,5 6,8

15,8 8,8

samos apoiar com toda. a segurança. Nes­tas condições, nenhuma análise séria é possível sem u m estudo efectuado se­gundo o nivel e a hierarquia das activi­dades — m a s trata-se de u m a tarefa que escapa às nossas possibilidades.

E m último lugar, devemos acrescentar que o número de pessoas que receberam instrução superior ao emprego que ocupam é particularmente elevado nas actividades maia altas da estratificação social, isto é, nos estratos médios e superiores.

O quadro retirado do estudo da estra­tificação social é neste aspecto, extrema­mente 'eloquente: mostra que a extraor­dinária expansão dos níveis de instrução médio e superior não pode ser absorvida pelas profissões que lhes deveriam cor­responder.

C o m o podemos ver pela leitura do qua­dro 2, >a percentagem das pessoas muito instruídas que se encontraim fora dos

estratos médios e superiores tende a au­mentar e m quase todos os países ; a este respeito, o Chile e o Panamá apresentam casos extremos: quase 50 % das pessoas e m questão não acedem às profissões de nível médio e superior. Este comporta­mento é ainda mais acentuado entre os grupos etários mais jovens. A s tendências manifestadas pela expan­são da educação durante o período estu­dado assumem u m a tal extensão1 que é possível afirmar que a educação se trans­formou no principal sector de mobilidade social da região.

A estrutura de produção não permitiu u m aumento equivalente dos rendimen­tos; do m e s m o modo, a despeito das profundas transformações sofridas pela composição dos diferentes sectores, EL GS~ trutura profissional não conheceu u m desenvolvimento tão importante como o processo educativo.

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Page 101: Para uma economia política da planificação da educação

Expansão da educação e estratificação social na América Latina

Contudo, o processo e m questão não foi contínuo e m todos as níveis do ensino ; como observámos na análise das tendên­cias da evolução, a escolarização expe­rimenta u m crescimento relativo redu­zido e, por vezes, até desprezível ao nível primário, enquanto a sua expansão é con­siderável no ensino médio e superior.

Este modo de expansão particular di­fere nitidamente do quie já apontámos a propósito dos países desenvolvidos, onde o processo iniciado a nível secundário e superior foi precedido de u m a escolari­zação praticamente total no ensino pri­mário 3.

E m primeiro lugar, as suas consequên­cias manifestam^se na desigualdade que a estratificação escolar sublinha e que não consegue reduzir de modo significa­tivo as taxas de concentração. C o m algu­mas excepções, os valores do índice de Gdni não diminuíram de modo apreciável entre 1960 e 1970, devido sobretudo ao crescimento limitado do ensino primário e à persistência do analfabetismo.

Além disso, o processo de expansão da educação tende a criar uma. mão-de--obra de formação média e superior que não pode ser absorvida satisfatoriamente pelas profissões que correspondem a estes níveis de qualificações.

Assim, alguns estratos profissionais de nível elevado — c o m o , por exemplo, as actividades que se fundamentaim nos ser­viços pessoais — começam a demonstrar meios de crescimento acelerados que já se estendem ao nível secundário. O m e s m o podemos dizer das actividades auxiliares e do pessoal subalterno da indústria, do comércio e dos serviços, assim como das actividades comerciais independentes, que registam u m forte aumento dos efectivos de formação média e superior.

Se admitirmos a existência de u m a relação directa entre as exigências do sector da produção e a redefinição do perfil escolar dos professores, resta-nos demonstrar que esta expansão corres­ponde às necessidades da estrutura de

produção. Contudo, é difícil justificar o aparecimento, devido ao desenvolvimiento tecnológico ou económico, de u m a m a o --de-obra de formação secundária para ocupar empregos de serviços domésticos, guardas, agentes de limpeza, porteiros, etc., ou ainda de u m ipessoal de formação superior para serviços de escritório, dac­tilógrafos, carteiros, cobradores, «te.

N o primeiro grupo de profissões (sec­tor terciário subalterno), os efectivos de formação média e superior aumentam a u m ritmo acelerado, e a tendência in­dica que a situação se aproxima da que vivem actualmente o Chile e o Panamá (21 e 17%).

Entre os que exercem actividades não manuais de nível inferior (comerciantes independentes, auxiliares, suplentes e pes­soal subalterno), a proporção dos efecti­vos de formação média e superior é igualmente elevada nos países que cons­tituem os casos extremos: 72 % para a Argentina e 54 % para o Chile — en­quanto os efectivos de formação superior atingem u m a proporção superior a 13 % no Panamá e a 8 % no Chile e na Ar­gentina.

Se, para completar estas considerações acrescentássemos certos dados sobre os efectivos escolares, veríamos, sem neces­sitar de informações suplementares, que a escolarização dos grupos etários mais jovens terá efeitos exponenciais sobre o nível das qualificações profissionais no próximo decénio. Thomas Frejka assi­nala que, na América Latina, o aumento dos efectivos do ensino secundário deu origem a que, no espaço de cinco anos (1960-1965), quadruplicasse o cresci­mento da população escolar e m potência, do ciclo médio; no que se refere ao ensino superior, a relação ê quase de 3 para 1 4 .

Nestas condições, não devemos atribuir demasiada importância às necessidades da estrutura de produção considerada como geradora de progresso na educa­ção. A expansão decorre de factores que

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Page 102: Para uma economia política da planificação da educação

Carlos Fogueira

se devem mais à estrutura social —os factores de produção, e m particular — do que ao simples jogo da oferta e da procura de mão-de-obra qualificada.

A educação parece eomportar-se de modo semelhante ao que F . Hirsch desig­nou por positional goods, isto é, os bens cujo usufruto individual depende inteira­mente do grau de disponibilidade geral ou, por outras palavras, da medida e m que os bens e m questão cabem ao con­junto dia sociedade5.

A comparação com outros bens mate­riais é suficientemente eloquente. O pra­zer ou o lucro que decorrem da utilização de u m automóvel dependerão, por exem­plo, do grau de emprego e de difusão dos serviços do veículo.

A determinado nível, certos bens dei­x a m de oferecer vantagens e torna-se necessário procurar outros meios, a fim de conservar os privilégios que deixaram de fornecer. Assim se desencadeia u m movimento ascendente permanente e m que o momento t + 1 exige u m esforço de investimento maior (despesas, tempo, etc.) se quisermos manter as vantagens do momento i.

Verifica-se u m fenómeno muito seme­lhante com o interesting aggregation paradox assinalado por Raymond Bou-don, para quem a soma das racionalida­des individuais — c o m o , por exemplo, o prosseguimento de certos objectivos a fim de atingir determinados alvos — culmina n u m processo que contraria totalmente os resultados procurados6. Quando u m in­divíduo aspira a u m nível de instrução muito elevado, pode esperar adquirir pos­sibilidades suplementares de subir na escala social (profissão, rendimentos, etc.) ; no entanto, quando a procura de níveis superiores de instrução se genera­liza ou se manifesta no conjunto da população ou e m importantes grupos da sociedade, os efeitos encontranuse neu­tralizados e é necessário redobrar os esforços para ultrapassar os níveis de instrução anteriores.

Ê esta a causa da progressão constante do sistema educativo, considerado como u m conjunto cuja dinâmica dependa, e m fraca medida, das necessidades directas do ensino ou das exigências impostas pelo desenvolvimento da tecnologia ou do cres­cimento económico.

O equilíbrio entre a educação e a estru­tura profissional é precário e, no interior da estrutura de produção, é sempre per­ceptível u m movimento educativo ascen­dente. C o m o dispomos de u m a mão-de--obra sempre mais qualificada, a política do emprego (pública ou privada) tem tendência para exigir mais qualificações do que antigamente, para certos ofícios, de tal modo que assistimos ao apare­cimento progressivo de u m a grande he­terogeneidade do grau de instrução no exercício de u m a m e s m a profissão ou actividade; assim, à medida e m que se apresentam novos contingentes, a m ã o --de-obra é seleccionada entre disponibi­lidades cujo nível de formação é cada vez mais elevado.

N u m a análise recente do processo de industrialização e de educação na Argen­tina, Juan Carlos Tedesco sublinhou a extraordinária heterogeneidade dos ní­veis de instrução nas diversas profissões e, e m contrapartida, a heterogeneidade profissional das pessoas com o m e s m o ní­vel de instrução7.

Neste processo, a educação tem cada vez menos importância como meio de atingir u m a posição mais elevada. Por outras palavras, é necessário efectuar in­vestimentos suplementares e m matéria de educação para ocupar aos quais, antiga­mente, se tinha acesso através de u m in­vestimento normal.

Outras consequências, cujas manifes­tações se verificam no domínio social e político, decorrem da frustração origi­nada por aspirações não realizadas; daí resultam inúmeras reacções de vária or­dem e, em especial, atitudes e compor­tamentos extremos, como se observam no seio de movimentos sociais e políticos con-

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Page 103: Para uma economia política da planificação da educação

Expansão da educação e estratificação social na América Latina

trários à ordem estabelecida. Tornare ainda necessário acrescentar reacções de ordem individual: perturbações da per­sonalidade, anomia, isolamento (insula­tion), emigração do pessoal qualificado.

D e qualquer modo, u m a vez admitidos estes traços da dinâmica da expansão escolar, resta-nos explicar e m que con­dições a educação poderá continuar a progredir indefinidamente ou a desenvol-ver-se sob a forma explosiva que carac­terizou a América Latina.

E m nossa opinião, se não adoptarmos, sob este aspecto, u m a perspectiva de es­tratificação social, será difícil obter res­postas satisfatórias. A educação apresen-ta-se como u m a aquisição — instrumental ou não — socialmente procurada entre u m conjunto de bens ou de valores — rendimentos, profissões, etc. — que cons­tituem as dimensões fundamentais da es­tratificação social. Se o acesso aos valores sociais, a sua posse e o seu controle são determinados, a estrutura do poder da sociedade está e m condições de se pro­pagar e de distribuir estes bens por graus variáveis. M a s , até agora, esta expansão não se revelou igual para as diversas instituições; assim, a educação, que vê reduzir-se a relação entre custos e bene­fícios, surge como u m dos subsistemas estratificados cuja expansão poderia fa-zer-se com a maior facilidade. Por outro lado, é mais difícil progredir na estru­tura de produção cujas dimensões são mais rígidas.

Além disso, a rigidez é inegavelmente mador na estrutura profissional do que no domínio do ensino e só admite desvios limitados e m relação ao nível de desen­volvimento económico da sociedade. Fi­nalmente, digamos que o sector dos «ren­dimentos» se apresenta como aquele cuja expansão é mais difícil de assegurar, devido às modificações que implica na estrutura de produção.

A s observações precedentes levaim-nos a concluir que u m a estrutura social que apresente estas características tende a valorizar o principal vector de mobilidade social.

M a s , facto mais importante ainda, as diferenças de grau de expansão das es­truturas sociais conduzem a outro para­doxo aparente: o crescimento da educa­ção (e sobretudo do seu conteúdo aos diversos níveis) acaba por depender da estrutura de produção. N o entanto, este fenómeno explica-se não pela necessidade crescente de melhores qualificações da mão-de-obra, como nos leva a supor o critério da manpower approach, m a s pela rigidez da estrutura económica, que trans­forma o sistema educativo na única via — ou, pelo menos na via mais acessível — capaz de orientar as perspectivas de m o ­bilidade social.

Notas

1. Thomas F R E J K A , Análisis de la situación Educacional en América Latina, Santiago do Chile, C E L A D E » 1974. (Série A , n.-> 122).

2. N o ensino superior, o Paraguai vive proble­mas comparáveis, devido a u m a represen­tação excessiva deste nível nas sondagens da O M U E C E (I960). O México, por seu lado, revela as tendências já assinaladas. Aparentemente, o seu processo particular de urbanização e os movimentos de migração interna entre o campo e as cidades tendem a assegurar a pesistência descontinua dos níveis mais baixos.

3. Germián W . R A M A , «Educación media y es­tructura social en América Latina», Revista latinoamericana de ciencias sociales, n." 3, Santiago, Chile, 1972.

4. Thomas F R E J K A , op. cit. 5. F . H I R S C H , Social limits to growth, C a m ­

bridge, Harvard University Press, 1976. St Raymond BOUDON, Education, opportunity

and social inequality, Nova Iorque, John Wiley and Sons, 1973.

7. Juan Carlos T E D E S C O , Industrialización y educación en la Argentina, Buenos Aires, D E A U C / I , Unesco, C E P A I * P U N D , 1977.

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Page 104: Para uma economia política da planificação da educação

Abner Prada

Para uma abordagem realista

da educação em meio rural

A diversidade das situações socioeconó­micas presentes na América Latina cons­titui u m obstáculo a todo o plano de educação que pretenda englobar o meio rural. Até agora, a aplicação de uma es­tratégia única ao conjunto das zonas ru­rais foi feita à custa das mais deserdadas. Nestas, os grupos de população que dis­põem da maior massa de bens de con­sumo sob todas as suas formas, são os que mais beneficiam das ¡possibilidades de educação. Daí resulta que, em vez de assegurarr a igualdade de oportunidades, o sistema de educação contribui para au­mentar o fosso entre o pequeno grupo dos que podem progredir e a multidão dos que continuam à margem.

A .população destas zonas deserdadas eleva-se a 65 milhões de habitantes, apro­ximadamente. Se representássemos, so­bre u m ¡mapa da América Latina, as zonas geográficas em que o nível de vida é aceitável, elas apresentar-se-iam como pequenas ilhas no meio de u m verdadeiro oceano de territórios submersos pela po­breza. A educação foi organizada para u m tipo de vida que não existe.

Abner Prada (Uruguai). Possui uma grande experiência da educação em meio rural como professor e como inspector geral do ensino ru­ral. B perito da Unesco em matéria de educação rural e de educação dos adultos na América Latma, desde 1967.

Este artigo focará essencialmente os problemas das zonas de economia de sub­sistência. Nestas zonas, a satisfação das necessidades fundamentais é a principal e a mais imperiosa das tarefas: con­siste em assegurar a alimentação e em tomar u m mínimo de precauções para atenuar os rigores da vida neste meio. O sistema de educação deve fornecer uma resposta que permita enfrentar esta si­tuação: deve definir os conhecimentos e as competências que permitam reagir eficazmente perante uma conjuntura tão premente.

As economias de subsistência caracte-rizam-se pelos seguintes traços: íntima relação entre o trabalho e o núcleo fa­miliar (toda a família se ocupa das se­menteiras, das colheitas, dos animais) ; impossibilidade de adoptar a tecnologia moderna, por falta de meios de investi­mento; excedente considerável de mão--de-obra, que leva os jovens e os adultos a abandonar temporariamente o lar para procurar trabalho em outros locai® (quer se trate de colheitas ou de trabalhos oca­sionais) ; elevada proporção de habitan­tes, e partàcularmente de jovens, que emi­gram para as cidades. Permanecer num meio rural significa, para eles, permane­cer junto da família, em geral numa situa­ção de subemprego, ou trabalhar como assalariado em explorações agrícolas que oferecem pouca estabilidade e reduzidas possibilidades de promoção profissional.

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Page 105: Para uma economia política da planificação da educação

Para u m a abordagem realista da educação eim meio rural

Importância de uma educação geral de base

A tomada de consciência do carácter so­cial da actividade educativa conduz à planificação da educação e m meio rural, atendendo a todos os grupos etários e ao conjunto dos problemas que se colo­cam a este respeito. Neste sentido, a ava­liação das necessidades fundamentais a satisfazer e m matéria de educação ultra­passa o quadro da instituição escolar e exige u m exame mais atento da estrutura e dos meios utilizados. Por outras pala­vras, a noção de educação de base deve ser interpretada de modo a englobar as crianças e os adultos e a associar inti­mamente o ensino escolar às actividades extra- escolares e ao mundo do trabalho.

N a realidade, não parece possível m e ­lhorar sensivelmente a situação do seg­mento de população considerado e m «idade escolar» sem u m a estratégia que vise o progresso geral da educação. A este respeito, o Colégio permanente de peri­tos para avaliação dos projectos experi­mentais de alfabetização da U N E S C O sublinhou que a alfabetização funcional se destina a proporcionar aos analfabetos u m domínio suficiente dos mecanismo da leitura, da escrita e do cálculo, assim como os conhecimentos fundamentais que lhes conferem a possibilidade de orientar os seus negócios com mais eficácia e de aumentar a sua produtividade e compe­tência profissional. O que implica u m processo contínuo, global, permanente, que não corresponde a nenhum período preciso da existência, embora possa re­vestir u m carácter mais intenso durante a chamada «idade escolar».

A educação de base como função e responsabilidade da colectividade

Toda a estratégia destinada a confiar à colectividade rural a responsabilidade da educação de base deve ser acompa­nhada de u m esforço de promoção que

consiste essencialmente ein: facilitar a interpenetração da educação como facto social; identificar os tipos de educadores e os tipos de actividades educativas; de­terminar as necessidades de formação, e m diversos domínios, para diversos in­divíduos e grupos; proceder de tal modo que todos os indivíduos se sintam simul­taneamente educadores e estudantes e se comportem como tal; contribuir para a eliminação da imagem paternalista da educação e dos serviços educativos; de­terminar, finalmente, os recursos locais, as forças culturais da colectividade.

A escola surgirá, então, como u m a ins­tituição de apoio aó processo educativo e o professor como u m colaborador da colectividade para certos aspectos deste processo. A escola deixará de ser a única instituição responsável e o único meio de educação das crianças. A escola é a. pró­pria colectividade, o lar familiar, o local de trabalho, o local de lazer.

O (projecto que consiste e m confiar à colectividade a responsabilidade da edu­cação de base dos seus membros é, a este respeito, a inovação mais importante a propor e m matéria de desenvolvimento rural. U m a vez apreendido todo o signi­ficado desta inovação, os adultos sentir--se-ão envolvidos por u m processo de educação permanente; do mesano modo, reflectindo sobre as necessidades neste domínio, descobrirão as suas próprias la­cunas e, à medida que iprocurem preen­chê-las, o processo educativo desenrolar--se-á funcionalmente.

Nos últimos anos, a orientação a im­primir à escola rural tem sido objecto de discussão na América Latina. Para alguns, a educação é una e indivisível, o m e s m o sucedendo com a sua vocação geral; para outros, a educação e m meio rural deve apelar necessariamente para estruturas, programas e metodologia adaptadas à especificidade deste meio. Atendendo à importância capital que o imundo rural e a produção agrícola assu­m e m nos países e m desenvolvimento, os

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Page 106: Para uma economia política da planificação da educação

Abner Prada

defensores da especificidade da educação rural deveriam passar à ofensiva, salien­tando os grandes problemas que o sector agrícola deverá resolver n u m futuro 'pró­ximo e cuja solução exige a «ruralização» do conjunto do ensino.

O problema consiste e m localizar o esforço educativo, associando-o intima­mente ao meio rural (assegurando, por assim dizer, a sua inserção mesológica), sendo o meio ambiente considerado como u m conjunto de interacções entre a natu­reza e os processos biológicos. É o que certos documentos designam por meto­dologia ecológica e que, dada a univer­salidade da concepção, convém considerar como aplicável ao conjunto do sistema de educação.

N u m contexto e m que a divisão do trabalho não tem qualquer significado, o risco de ver a educação técnico-agrícola tornar-se u m fim e m si é muito maior do que nos meios profissionais, onde a actividade de cada trabalhador é definida e classificada com precisão. Podemos afir­mar que é a família rural que trabalha a terra, semeia, cultiva, colhe, transporta e vende os produtos. Todos os seus m e m ­bros desempenham, pois, u m papel neste processo, que vai desde o nascimento de u m animal até à sua utilização ou à sua venda.

N a vida urbana é possível estabelecer u m a separação mais ou menos nítida en­tre a actividade profissional e as outras ocupações quotidianas, mas o meio ru­ral raramente oferece esta possibilidade. O operário urbano pode, em certas horas, despir o seu fato de trabalho e dedicar-se a u m a actividade diferente. Para os m e m ­bros da família urbana, o trabalho pode ser independente da vida social, cultural ou recreativa.

N o meio rural, pelo contrário, toda a família mantém a atenção bem fixa na vida das culturas e dos animais. Pequena, média ou grande, a exploração agrícola não é u m a oficina n e m u m escritório

que, e m certos dias, pode fechar as suas portas.

É imperativo que u m a educação de base elementar, geral e contínua seja integrada nesta realidade do trabalho agrícola. U m a concepção desta extensão exige, como é evidente, decisões políticas. Não é raro que projectos, experiências e programas de educação e m meio rural de­v a m ser abandonados por se ter desva­necido a vontade política que os lançara. U m movimento massivo de educação das colectividades rurais deve destinar-se si­multaneamente a elevar o nível de vida do camponês e da família e a assegurar--Ihes a igualdade de oportunidades e m relação ao resto da população.

U m a estrutura diferente da educação

A este respeito, convém notar que podem ser introduzidas algumas modificações na estrutura e nos modos operatórios pra­ticados para identificar melhor o apoio a obter no plano regional. Trata-se de saber se a pequena escola, mal repartida, que constituiu, até agora, o principal e, por vezes, o único serviço assegurado pelo Estado nas localidades pequenas, pode transformar-se n u m centro de ani­mação rural e de recursos educativos. Nas suas grandes linhas, este centro de­veria preencher as seguintes funções:

Reagrupar os serviços de que beneficia a colectividade;

Satisfazer as necessidades da população escolar com técnicas próprias das es­colas unitárias;

Pôr à disposição dos adultos todos os recursos educativos e promover u m tipo de organização que permita, e m primeiro lugar, generalizar a educação de base;

Funcionar como sede dos organismos de base;

Organizar e assegurar a assistência téc­nica agrícola;

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Para uma abordagem realista da educação em meio rural

Auxiliar as mães na educação dos filhos e em matéria de economia doméstica rural;

Ajudar os jovens a organizarem-se de modo autónomo para satisfazer as suas ¡próprias necessidades;

Constituir uma despensa colectiva que permita a preparação das refeições destinadas à cantina das crianças;

Instalar uma pequena oficina rural para as necessidades da colectividade;

Centralizar a recepção dos programas de radiodifusão e, eventualmente, dos pro­gramas culturais da televisão;

Favorecer a iniciativa de cooperativas de compra e venda de produtos;

E m resumo, tratar-se-ia de reunir todos os recursos disponíveis e de oferecer uma ampla gama de possibilidades no domínio da educação.

Prioridade aos jovens e às mulheres

Nos meios rurais, passasse directamente da condição de criança para a de adulto, do jogo para as obrigações e as respon­sabilidades. O difícil período da adoles­cência é uma etapa obscura, plena de exigências e de frustrações para u m jo­vem do campo, obrigado a desempenhar prematuramente o seu papel de adulto. Apenas uma ínfima percentagem de jo­vens saídos da escola rural se encontram à altura de orientar a sua vida, quer se trate de prosseguir estudos secundarios ou de iniciar uma aprendizagem ao lado dos pais na parcela de terreno familiar. Elm geral, estes adolescentes empregam--se temporariamente em explorações da região ou emigram para cidades ou al­deias onde uma vida dura os espera. As condições em que alguns decidem per­manecer no meio rural são, em geral, menos favoráveis ainda do que as que poderiam encontrar se emigrassem.

O imenso potencial de energia e de boa vontade que se perde nestes países por falta de empregos para a juventude só

pode comparar-se ao desperdício de ter­ras inutilizadas. Importa tomar medidas realistas para satisfazer as necessidades da população juvenil e estimular a sua participação na vida económica, social e política, criando organizações autónomas da qual assumam a direcção com toda a responsabilidade.

O papel que a mulher desempenha nestas regiões da América Latina de eco­nomia de subsistência assume uma im­portância singular. Como os homens emi­gram durante uma boa parte do ano para outras regiões, para ganharem o que, em geral, constitui o grosso dos rendimentos da população, a mulher deve resolver, durante este período, todos os problemas quotidianos, e acaba por se tomar o chefe da família. N a ausência do homem, é obrigada a ocupar-se das culturas e do gado, a alimentar e educar as crianças e, muitas vezes, a assegurar a defesa dos reduzidos bens familiares.

As mulheres participam, e m geral, em todas as fases da produção da parcela familiar e, por vezes, também na dos vizinhos; mas, existem sectores da acti­vidade produtiva, como a conservação dós jardins, os cuidados dispensados aos animais e os trabalhos de artesanato, que são quase inteiramente da sua incum­bência. Também em matéria de educação pré-escolar a participação das mulheres é decisiva. Nas zonas rurais, não pode empreender-se nenhuma acção sem ter em conta o papel educador da mãe. A ideia de criar estabelecimentos a este nível em zonas em que a população se encontra isolada e dispersa é totalmente impraticável. Ë sobre o lar rural, onde a mulher serve de educadora, que devem exercesse os esforços de orientação, a fim de o transformar numa creche e num jardim infantil.

A mulher será, portanto, estudante e educadora por antonomásia e o lar rural será o meio educativo natural nas regiões em que predomina a pequena proprie­dade.

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Page 108: Para uma economia política da planificação da educação

Abner Prada

Participação efectiva das colectivdades rurais

É difícil, por vezes, quando se organizam centros de animação rural e de recursos educativos, assegurar a participação efec­tiva da colectividade. Esta participação exige a divisão do poder no sistema social e, como é evidente, u m a intervenção efec­tiva no processo de decisão.

D e início, tratar-se-á de u m simples estímulo a dar a iniciativas colectivas, e m função de objectivos comuns e de so­luções adoptadas pelo grupo. Deste modo, o processo de participação conduzirá a conferir autoridade ao grupo, destruindo, assim, a imagem tradicional do chefe de fila e os riscos que implica.

A colectividade rural é frequentemente formada por pessoas que, graças ao ca­minho percorrido, se encontram à altura de fazer valer as suas opções. Neste m o ­mento, o que se torna necessário é que o próprio grupo percorra este caminho para fazer valer as opções ditadas pelas suas próprias necessidades.

É necessário partir do princípio de que u m a «intereducação» implica a acção co­lectiva. A noção tradicional de educador deverá, portanto, ser substituída por u m conceito mais amplo, ligado às necessida­des da colectividade.

E m primeiro lugar, o professor deverá familiarizar-se com técnicas simples que lhe permitam ensinar simultaneamente a todos os níveis da escolaridade primária, de tal modo que todas as escolas rurais se encontrem e m condições de assegurar todo o ciclo da escolarização.

D o m e s m o modo , existe u m trabalho de animação educativa da colectividade que poderia incumbir ao professor m a s que, de preferência, deveria ser objecto de u m a colaboração entre aquele e u m animador da educação rural, que poderia ocupar-se de várias colectividades, e m ­bora fosse desejável que se estabelecesse n u m a delas e fizesse equipa com o pro­fessor.

O animador da colectividade rural ocu-par-se-ia mais particularmente daquilo a que geralmente chamamos actividades extra-escolares, que só podem ser pro­movidas através de u m contacto directo e permanente com o lar familiar.

É , porém, indispensável poder contar com u m a estrutura regional que forneça apoio e contribua para as acções empreen­didas, na prática, pelas colectividades rurais.

Esta estrutura regional deveria desem­penhar funções de coordenação entre to­dos os recursos capazes de contribuir para o programa ; de formação e de aper­feiçoamento do pessoal; de orientação e de assistência técnica imediata e à dis­tância; de produção de material para toda a região.

E m qualquer dos casos, será necessá­rio assegurar a presença de organismos e de serviços como as delegações regionais dos Ministérios da Educação, da Agri­cultura, da Saúde e do Gabinete Nacional de Planificação, que seriam encarregados da coordenação dos recursos e da pro­moção das instituições públicas, por u m lado, e das Universidades, institutos tec­nológicos, escolas normais e agrícolas, estações experimentais e centros de in­vestigação agronómica, que assegurariam a formação e o aperfeiçoamento do pes­soal, a orientação e a assistência técnica à distância e se encarregariam da pro­dução do material educativo, por outro lado.

O educador do meio rural e a sua formação

É tradicionalmente u m professor da es­cola normal que está encarregado de dis­pensar o ensino primário nos meios ru­rais. A formação e a qualificação deste tipo de educador suscitam probleanas cuja solução está longe de ter sido encontrada. C o m efeito, não se trata apenas de esta­belecer u m programa de formação e de apelar para os professores segundo u m

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Page 109: Para uma economia política da planificação da educação

Para u m a abordagem realista da educação e m meio rural

horário mais ou menos carregado. A s dificuldades encontradas devem-se, ema parte, à vida e ao trabalho e m meio rural, aos salários e subsídios pagos, às pers­pectivas de promoção profissional e, fi­nalmente, às pressões exercidas pelas associações corporativas cujas conquistas sindicais contrariam, por vezes, os inte­resses das colectividades. A promoção profissional rápida só é possível graças a cursos realizados e m centros urbanos.

Todos estes factores provocam u m a grande instabilidade e u m a deserção con­tínua entre os professores do ensino pri­mário.

D o m e s m o modo, é difícil responder a certas questões. U m diplomado pela es­cola normal conhece o seu ofício de pro­fessor de u m a escola rural? Já exerceu o ensino a vários níveis? Foi preparado para a realidade económica e social de u m a colectividade rural?

O s institutos de formação devem for­necer ao meio rural educadores capazes de conceber o trabalho educativo como u m a actividade integrada na vida quoti­diana. Para tal, é nesta via que devem basear os seus programas de estudos.

Perante estas questões e estas neces­sidades, talvez fosse desejável recorrer, para as operações mais directas e mais simples a efectuar na prática e, e m geral, e m pequenas localidades, a u m pessoal de formação elementar (talvez originário da própria localidade), que beneficiasse, contudo, de u m a assistência técnica e es­tivesse submetido a u m a vigilância per­manente. Deveria tratar-se de u m a es­pécie de monitor polivalente, com u m conhecimento geral dos aspectos parti­culares da vida rural. Se esta pessoa possuísse o mínimo de conhecimentos in­dispensáveis para se elevar acima do nível geral da colectividade, a sua intervenção poderia ser estimulante.

A s escolas normais e as escolas agrí­colas são, actualmente, os principais es­tabelecimentos que formam os educadores destinados ao meio rural. Para se inte­

grar n u m movimento que estimule a edu­cação no seio das colectividades rurais, estas escolas deverão inovar no plano metodológico para que a população par­ticipe massivamente no processo de «in-tereducação».

Para que estas inovações se integrem efectivamente nos processos educativos, não bastará apresentá-los, explicá-los e esquematizá-los nos anfiteatros. Importa que os futuros educadores recebam ¡uma formação inspirada na própria metodo­logia que deverão utilizar no local de tra­balho.

Nas suas grandes linhas, as técnicas e os processos a fixar para esta formação caracterizam-se assim: Todos os meios de autonaprendizagem

próprios para favorecer o processo de autoformação devem ser utilizados nas aulas pelos .professores, animadores das actividades circum-escolares e outros educadores do meio rural. Devem co­meçar .por saber aprender para pode­rem ensinar aos outros o m o d o como se aprende.

É necessário activar a identificação do meio ambiente: o h o m e m e m relação c o m a natureza que o rodeia. Trata-sse de ensinar a observar os factos natu­rais e os factos sociais, a descobrir as suas causas e efeitos e a estudar os problemas que a utilização, a conser­vação e a renovação dos recursos co­locam às colectividades.

O seminário operacional, que segue as grandes linhas fixadas no Programa Mundial de Alfabetização lançado pela U N E S C O , oferece u m método de for­mação que favorece o contacto com as colectividades rurais, a colaboração de todos os participantes mo processo edu­cativo e a formação do pessoal e m ­pregado.

Os participantes no seminário operacional realizam trabalhos concretos a partir da análise da situação real, segundo u m pro­grama que é constantemente revisto e readaptado. São, assim, obrigados a vi-

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Abner Prada

ver intensamente durante algum tempo — urna semana, por exemplo — u m pro­cesso que associa intimamente a acção à elaboração teórica. O objectivo preten­dido consiste e m provocar u m a alteração na concepção da função dos educadores, dos administradores e dos membros da colectividade e também nos métodos tra­dicionalmente empregues para programa­ção e execução dos trabalhos.

N a prática, os participantes pautam e m pequenos grupos à procura da realidade colectiva. Devem efectuar observações, adquirir conhecimentos e recolher infor­mações sobre o meio ambiente, os re­cursos naturais, a actividade de produção, as condições de vida, a organização co­munitária, os serviços disponíveis e o nível de instrução.

N ã o se trata de efectuar u m inquérito ou u m relatório completo e minucioso, m a s de estabelecer u m contacto c o m as famílias no seu meio de vida e de tra­balho. A s informações recolhidas são, e m seguida, classificadas e comparadas e discutidas e m reuniões gerais nas quais participam todos os membros da colecti­vidade.

A s principais fases de u m seminário operacional são as seguintes: estudo da realidade do meio e da situação da edu­cação sob os seus diferentes aspectos; avaliação do processo; estabelecimento de u m programa integrado para o futuro imediato; avaliação do seminário. For­mulação de conclusões e de recomenda­ções.

A metodologia destes seminários deve adaptar-se sempre à realidade regional.

Participação do educador na vida quotidiana da colectividade

É e m função destes objectivos fixados pela colectividade que o professor deve orientar a sua acção e o programa da sua escola. Tentar criar a unidade de (pro­gramação no anfiteatro e só mais tarde

estabelecer contacto c o m o mundo a m ­biente, traduz-se, à partida, por u m di­vórcio entre a escola e a colectividade, impondo u m programa concebido à dis­tância ou, quando muito, no gabinete do professor. A inovação deve consistir e m associar directa e constantemente o pro­fessor às actividades que permitem atin­gir u m objectivo comunitário.

A participação do educador nas acti­vidades da vida quotidiana deveria ajudar os protagonistas do processo educativo a adquirir a percepção de tudo o que os rodeia.

Por que é que o saco do adubo traz a marca N20, Pio, K10? Que significa: Peso bruto 250 gr? Que quer dizer: Con­teúdo 75 cl, inscrito n u m a garrafa? Qual a importância das instruções contidas n u m pacote de sementes, n u m a caixa de fungicida, n u m frasco de insecticida onde figura a palavra antídoto?

Trata-se de centrar o processo educa­tivo nos problemas reais, lutando contra a apresentação arbitrária e artificial de u m conteúdo geralmente afastado dos in­teresses e das necessidades da colecti­vidade.

Para ligar os aspectos escolares e ex­tra-escolares, institucionais e livres da educação, e reforçar, assim, a unidade do processo educativo, é ao professor e à escola que compete ir junto das famí­lias, assegurando^se de que toda a popu­lação participa no processo educativo. É indispensável, portanto, que consultem os agricultores, as donas de casa, as au­toridades, os funcionários, e que pro­cedam de m o d o que grupos de todos os níveis efectuem visitas organizadas a lo­cais de trabalho e lares familiares, com o objectivo expresso de facilitar a troca de conhecimentos e de estimular novas formas de acção, integradas na vida da colectividade.

Realizam-se as sementeiras, as colhei­tas ou qualquer outro trabalho nos cam­pos: por que não pedir aos adultos infor­mações sobre o custo líquido, os créditos,

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Para u m a abordagem realista da educação eim meio rural

o lucro, o mercado, as técnicas e o m a ­terial utilizado? Por que não substituir os métodos tradicionais por relações e m que participem conjuntamente pais e filhos?

N ã o falta material didáctico na vida que rodeia a escola. Basta procurá-lo com espírito de curiosidade e com u m a ati­tude de humildade. A título de exemplo, u m a visita a u m a pequena forja revelou--se plena de ensinamentos. O resultado mais importante decorreu da observação de u m a técnica empregada para ajustar U m a jante de ferro a u m a roda de car­rinho de m ã o . O ferreiro dissera: «Corto u m ¡pedaço de ferro três vezes maior do

que o diâmetro da roda. Formo u m anel; a frio, não encaixa; mas , a quente, au­menta, pode colocar-se; ao arrefecer, ajusta-se.» Os alunos puderam, pela pri­meira vez, compreender de maneeira viva o que significa o coeficiente 3,1416.

A informação difundida pela estação de rádio que todos ouvem será devida­mente entendida? Os auditores formam u m a ideia dos acontecimentos, das perso­nagens e dos locais descritos?

Para favorecer a observação, a inves­tigação e a análise dos factos, imipõe-se u m espírito de curiosidade perante a vida. O professor deve ser o primeiro a re­velá-lo.

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Page 112: Para uma economia política da planificação da educação

Norberto Fernández Lamarra e Inès Aguerrondo

Reflexões sobre

a planificação da educação

na América Latina

O s modelos da planficação

Habitualmente, os autores que estudam a planificação da educação na América Latina, quando consideram a tarefa reali­zada, verificam que os resultados preten­didos não foram atingidos1. Contudo, este raciocínio refere-se a aspectos específicos do desenvolvimento da educação que não permitem obter u m a ideia de conjunto do processo. Gostaríamos, no presente ar­tigo, de expor algumas considerações teó­ricas sobre a planificação da educação a partir de u m a concepção global da pla­nificação e de propor u m sistema de in­terpretação que permita compreender o que se passou na América Latina durante os últimos vinte anos de planificação e isolar os problemas que se colocam ac­tualmente.

Norberto Fernandes Lamarra (Argentina). An­tigo director da Planificação da Educação no Ministério da Educação e no Conselho Nacvonal de Desenvolvimento da Argentina; antigo pro­fessor de organização e de administração escolar e de politica da educação nas Universidades de Buenos Aires e de ha Plata. Actualmente, é perito da Unesco para o projecto «Desenvolvi­mento e educação na América Latina e na re­gião das Caraibas-».

Inès Aguerrondo (Argentina). Socióloga, é, ac­tualmente, chefe de investigação na Direcção da Planificação da Educação no Ministério argen­tino da educação e consultora do projecto «De­senvolvimento e educação na América Latina e na região da Caraíbas'».

A PLANIFICAÇÃO NO PROCESSO DE GOVERNO

E m primeiro lugar, interessa recordar as relações que existem entre as três com­ponentes do processo de governo: a po­lítica, a administração e a planificação. Todo o esforço para dominar ou trans­formar a realidade — m e s m o no domínio da educação — apresenta aspectos polí­ticos, administrativos e de planificação intimamente interdependentes : estes as­pectos não devem ser considerados isola­damente, m a s como dimensões de u m m e s m o processo global de domínio ou de transformação da realidade — isto é, do processo de governo, segundo a expressão que será utilizada neste artigo.

Ainda há poucas dezenas de anos, o processo de governo admitia unicamente componentes políticas e administrativas, mas a introdução de u m a nova raciona­lidade pela planificação originou novas necessidades: recolha de u m a grande quantidade de dados (estatísticos, socio­lógicos, económicos, pedagógicos, etc.), elaboração dos meios de análise destes dados, definição de soluções estruturadas e coerentes, e previsão das consequências de cada decisão. Assim, a nova raciona­lidade instaurada pela planificação per­mite que o país utilize da melhor maneira os seus recursos humanos, materiais e financeiros, e torna possível o prosse­guimento dos diferentes objectivos de

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Reflexões sobre a planificação da educação na América Latina

governo, particularmente do objectivo educativo, coordenado nesta nova pers­pectiva com outrros objectivos de desen­volvimento =.

Seguindo a nossa análise, a dimensão política seria profundamente ideológica, a dimensão planificadora fundamental­mente reflexiva e a dimensão administra­tiva essencialmente operacional. Embora se reconheça que existe u m a ligação entre a política e a planificação, são geral­mente considerados processos distintos, ocasionalmente associados e m certos sec­tores. Contudo, o facto da política recor­rer constantemente à planificação, m e s m o para problemas puramente técnicos, m o s ­tra bem que os dois aspectos estão in­dissoluvelmente ligados no processo de governo 3. A determinação dos objectivos do plano, a sua hierarquização e a for­mulação das estratégias constituem fun­ções de carácter nitidamente (político, m a s que são absolutamente necessárias à pla­nificação e que lhe são indiscutivelmente inerentes.

Finalmente, para que a planificação possa estabelecer a ligação entre o polí­tico e o administrativo, é necessário aten­der à estrutura administrativa para a qual se planifica. Por outras palavras, a programação e os planos operacionais devem adaptar-se à realidade adminis­trativa do país. Reciprocamente, a es­trutura administrativa deve reconhecer o papel da planificação e agir e m co­laboração com ela. Nestas condições, compreender-se-á que toda a reforma deve exercer-se simultaneamente sobre as duas dimensões do processo.

AS DIFERENTES FASE© DA PliAiNIFECAÇAO

Se examinarmos as actividades de plani­ficação da educação desenvolvidas nos países da América Latina, podemos dis­tinguir várias fases que correspondem à evolução seguida pelos países mais de­senvolvidos. Designaremos a primeira fase por «planificação reactiva» 4, na m e ­

dida e m que surgiu como reacção aos problemas urgentes do sector. Neste tipo de planificação, a abordagem é sempre unilateral : e m cada caso, o ponto de par­tida é u m a dada situação crítica, e m fun­ção da qual se estabelece u m a g a m a de prioridades para a planificação da edu­cação. Todas as abordagens que são habitualmente consideradas como típicas da planificação da América Latina — re­cursos humanos, programas de ensino, sistema administrativo, procura social, etc. — correspondem a esta fase reactiva da planificação.

N o entanto, certos países da América Latina renunciaram à abordagem reac­tiva, iniciando, assim, u m a nova fase que poderia intitular-se «planificação progra­mática». Esta planificação, que adopta u m a perspectiva mais ampla do problema da educação, não privilegia os aspectos quantitativos — como sucede frequente­mente como outras ábordajgens — m a s esforça-se por englobar todas estas di­mensões n u m a planificação integral. Cha-ma-se programática porque se refere apenas a aspectos específicos, m a s pro­põe u m a série de soluções cujo sector ou nível do sistema educativo ao con­junto do sistema.

Existe u m a terceira fase, que pode­ríamos intitular de «planificação dinâ­mica» (roUing planning) e que, até agora, só abrangeu países de outras regiões. Apesar de marcar u m progresso notável e m relação à planificação reactiva, a planificação programática tem os seus li­mites : c o m efeito, embora rejeite u m sis­tema de educação rígido para criar u m novo sistema, mais adaptado à evolução da sociedade e às carências educativas, esquece que a evolução constante e rá­pida dos processos sociais e económicos da nossa época tornará este sistema ca­duco dentro de poucos anos. O s países escandinavos, por exemplo, abordaram u m a fase de planificação da educação na qual as transformações introduzidas na estrutura do ensino, no seu conteúdo,

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Norberto Fernández Lamarra e Inès Aguerrondo

nos seus métodos e nas suas vias de acesso através das reformas dos últimos dez anos darão lugar a u m a planificação dinâmica que assegurará u m a autocorrec-ção constante, gerada e dirigida por for­ças de transformação actuando mo seio do sistema educativo, isto é, por interac­ção entre a investigação e a planificação da educação °.

E necessário, portanto, rever a noção de planificação, que definiremos como mecanismo contribuindo para a renova­ção interna do processo educativo. Esta definição implica determinadas alterações nos comportamentos individuais, na m a ­neira de considerar as tarefas e, de m o d o mais radical, na concepção geral da edu­cação e do seu papel na sociedade. Ê este o fim do processo, que passa pela fase reactiva e pela fase programática, nas quais devem ser incorporados progressi­vamente elementos como a participação e a investigação, que caracterizam a fase dinâmica para a qual se tende.

FUNÇÕES ESPECIFICAS DA PLANIFICAÇÃO

A função mais geral é a elaboração de planos, actividade habitualmente conce­bida como puramente técnica, opondo-se a técnica, neste contexto, à ideologia, à política e ao compromisso. Por outras pa­lavras, separou-se a planificação do pro­cesso de governo, considerando-a não como u m a dimensão deste processo, m a s como u m a justaposição de tarefas pre­cisas dela decorrentes. Portanto, se é entre o sector político e o sector adminis­trativo que se situam todas as tarefas tradicionalmente consideradas como téc­nicas (elaboração e formulação de planos, realização de estudos e de investigações, elaboração de diagnósticos e de progra­mas , etc.), a planificação deve incluir outras actividades essenciais para asse­gurar a ligação entre estes dois sectores.

A planificação desempenha igualmente a função de informar o público sobre os problemas da educação, isto é, a de criar

u m a necessidade social de transformação, dando a conhecer certos problemas que é conveniente enfrentar. Assim, a planifi­cação contribuiu, na América Laitina, para u m a tomada de consciência genera­lizada das carências do sistema educativo. C o m o consequência dos trabalhos dos planificadores, muitos problemas — dimi­nuição dos efectivos, reprovações, ab­sentismo, disparidades regionais, etc. — surgiram no discurso político e foram revelados à opinião pública, o que deu u m a larga publicidade às carências e as necessidades do sistema educativo.

U m a terceira função da planificação é a de se constituir e m laboratório de ideias. É verdade que a planificação par­ticipa no processo de governo definindo as medidas a tomar para aplicar as po­líticas estabelecidas, m a s nem por isso deixa de possuir u m a certa m a r g e m para satisfazer as carências e desempenhar u m papel de informação de retorno e m relação às outras duas dimensões. Assim, perante o crescimento quantitativo e qua­litativo do sector da educação, teria sido necessário lançar as bases de sistemas de educação diferentes, pesar a utilidade real dos serviços educativos fornecidos a cada u m dos sectores da sociedade e, finalmente, projectar a longo termo tendo e m conta as tendências existentes e as suas repercussões sociais.

Assinalemos, por fim, que, para atingir estes objectivos, convém completar a es­trutura institucional até agora encarre­gada da planificação c o m outras estru­turas que permitam a realização das tarefas consideradas. A planificação é, nesta perspectiva, u m a função da socie­dade, e necessita, para se realizar, de mecanismos que respondam às duais ca­racterísticas que definem esta nova óp­tica: a participação e a investigação.

PLANIFICAÇÃO' E PARTICIPAÇÃO

A participação e a investigação produ­zem e alimentam a dinâmica interna da função planificadora. U m verdadeiro pro-

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Reflexões sobre a planificação da educação na América Latina

cesso de governo deve procurar conferir à comunidade nacional u m papel deter­minante na interpretação e orientação do seu próprio desenvolvimento. Só u m pro­cesso desta natureza —emanando verda­deiramente da base, e não imposto de cima — permitirá u m a modificação do comportamento da .população. Além disso, é necessário ver que a modificação dos comportamentos e a participação se con­dicionam reciprocamente: à medida que se produzem alterações nos comporta­mentos, torna-se possível u m a maior par­ticipação, o que dá origem a u m a evolu­ção das aspirações dos indivíduos. Assim, podemos afirmar que a participação po­deria itornar-se u m dos instrumentos mais eficazes da educação permanente8.

Marshall Wolfe, descrevendo as prin­cipais modalidades da participação, os seus limites e as suas regras, declara: «... o facto de tantas formas institucio­nais de participação terem permanecido letra morta durante tanto Itempo, arras­tando consigo u m cortejo de decepções, de receios e de frustrações, constitui u m obstáculo a todo o novo esforço criador. Os planificadores interersados pela par­ticipação, e as próprias massas, possuem boas razões para se mostrar desconfia­dos. N ã o devemos alimentar muitas es­peranças quanto à criação de critérios radicalmente novos. Elm todos os países, a sociedade deverá recorrer a u m a g a m a de instituições e de técnicas conhecidas, esperando que funcionem melhor do que até agora».'7

Interessa diferenciar o papel que pode desempenhar a participação e m função do contexto e m que se efectua. N a s socie­dades e m que os objectivos de planifica­ção não põem e m causa os valores do sistema vigente — isto é, e m que os re­sultados pretendidos se inscrevem na li­nha do que existe — a participação tem u m valor burocrático, e o seu objectivo consiste e m vencer as resistências às m e ­didas propostas. A s experiências deste género sublinham o papel da participação

nos aspectos operacionais do processo de planificação, isto é, nos aspectos mais próximos da dimensão administrativa e mais afastados dos objectivos fixados pela dimensão política. M a s , quando os resultados pretendidos pelo plano exigem u m a transformação das relações sociais existentes, transformando a participação n u m objectivo socialmente desejável, a participação deixa de ser u m mecanismo administrativo para se tornar u m m e ­canismo político, e permite orientar a acção sobre as necessidades específicas da comunidade e o tipo de educação re­querido.

D o m e s m o modo, nas sociedades e m que existe u m amplo consenso político e social e objectivos democráticos, a par­ticipação pode servir para conciliar pro­gressivamente os interesses divergentes. Assim, «... a experiência sueca aponta a elaboração das reformas como u m a das dimensões da democratização», assoeian-do-J'he representantes dos mais diversos sectores da sociedade (políticos, profis­sionais, estudantes, cientistas, etc.) 8.

E m definitivo, o processo de planifi­cação exige a participação tanto da admi­nistração encarregada da educação como do grande público. Deverá verifiear-se, a todos os níveis, a integração do pessoal administrative e do público, para que se obtenha u m grau de microplanificaição que permita formular projectos especí­ficos. Para atingir este objectivo, será ne­cessário renunciar aos métodos sofisti­cados habituais, para empregar métodos de planificação, de investigação social e de tratamento da informação mais simples, mais concretos e mais especí­ficos.

PDAiNIFIOAÇAO E INVESTIGAÇÃO

Toda a planificação exige vários tipos de investigação, adaptáveis a cada nimia das suas funções. A elaboração dos planos exige, pois, u m contributo permanente da investigação. Tanto para o ¡diagnóstico como para a formulação de objectivos,

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Norberto Fernández Lamarra e Inès Aguerrondo

tanto para a programação como para a avaliação, convém utilizar os critérios próprios da actividade científica, enrique-eidos pela experiência adquirida nas ta­refas concretas e m meio social e e m meio educativo. O objectivo do diagnóstico con­siste e m isolar os problemas e e m conhe­cer a situação e m que se baseará a pla­nificação; portanto, não só a lógica como a metodologia são primordiais nesta fase. Contudo, para que o diagnóstico seja útil ao processo de planificação, é necessário acrescentar aos critérios quantitativos outros critérios que permitam compreen­der os problemas e determinar as suas causas principais.

D o m e s m o modo, a formulação das políticas e dos objectivos exige aim con­tributo da investigação, tanto no que se refere à apresentação das diversas opções e das suas bases, como no que respeita à avaliação dos eventuais ef eitos e via­bilidade das conclusões propostas. E m geral, os objectivos foram fixados na base de u m a informação empírica muito insuficiente ou de acordo com indica­dores globais, sem que os factores deter­minantes sejam suficientemente conhe­cidos.

U m a vez executado, o processão de planificação deve transpor u m a última etapa: a avaliação. C o m o o diagnóstico, a avaliação responde mais a u m a neces­sidade de conhecimento do que a u m a necessidade de acção: é nesses casos que a investigação se apresenta mais inti­mamente ligada à planificação. A plani­ficação pode ser definida como u m a aná­lise destinada a compreender o que se passou durante a execução e, após con­fronto com os objectivos, a medir os eventuais desvios e a determinar as suas causas.

N o plano daquilo a que chamámos «la­boratório de ideias», a planificação na América Latina é manifestamente defi­ciente. Excepto no início e durante pe­ríodos geralmente curtos e m certos paí­ses, a planificação nunca desempenhou

u m papel dinâmico na formulação de ideias e concepções novas sobre a edu­cação e seu papel na sociedade, nem na renovação dias políticas e estratégias da educação, n e m na definição das novas formas de organização e dos conteúdos do ensino escolar e extra-escolar, etc. M a s , a investigação pode contribuir para o processo de planificação dos recursos necessários às soluções de substituição e m vista. A ausência de medidas concre­tas — u m a constante na grande maioria dos .planos elaborados na região —é, sem dúvida, e m grande parte, imputável ao facto da investigação e experimenta­ção não Iterem qualquer influência sobre a estrutura geral do sistema de educação. U m a série de experiências pilotos, acom­panhadas por controles específicos, per­mitiriam eliminar as proposta® teóricas ou resultantes de u m a experiência edu­cativa incompleta, que, e m geral, se re­velam irrealizáveis. Conviria igualmente generalizar as novias formas de acção que já existem na prática da educação, to­mando as medidas necessárias para que sejam discutidas e difundidas no conjunto do sistema.

Para ser eficaz, a planificação do en­sino deve incluir elementos que a dina­mizem e cuja natureza permita elevar o nível de criatividade da sociedade. O es­forço de inovação não é mais do que a procura das possibilidades de transfor­mação. A avaliação destas possibilidades é muito importante, pois as que se re­velam válidas poderão ser utilizadas na fase da programação, fornecer ideias de projectos e revelar as dificuldades que apresentam a sua aplicação e a sua gene­ralização.

O processo de planificação

Este balanço, estabelecido a partir de no­ções definidas anteriormente, é apenas aproximativo, atendendo à sua concisão e à complexidade das realidades da região onde a situação geral e os progressos

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Reflexões sobre a planificação da educação na América Latina

da planificação variam de pais para país. Este balanço aproximativo é contudo in­dispensável para avaliar, m e s m o grossei­ramente, o que se tem feito na matéria, assim como os principais problemas a enfrentar e as perspectivas que pode ofe­recer a aplicação de u m a planificação dinâmica da educação.

ETAPAS DO PROCESSO

Atendendo à importância e ao alcance do processo de planificação na América Latina, é possível distinguir várias eta­pas. A primeira vai do aparecimento da planificação até ao início dos anos ses­senta, a segunda ocupa a última metade deste decénio e a terceira estemde-se, se­gundo os países, do fim dos anos sessenta ao início dos anos setenta ou do início dos anos setenta até à época actual.

Durante a primeira etapa, foram cria­dos, e m diversos países da região, pe­quenos gabinetes de planificação da edu­cação ocupando u m lugar pouco elevado na hierarquia dos serviços ministeriais. O pessoal empregado possuía essencial­mente u m a formação pedagógica, comple­tada, e m raros casos, por u m a formação e m matéria de planificação. Estes pio­neiros eram impregnados de u m a ideia--força que os levava a considerar a pla­nificação como a solução para o problema da transformação social e que os apoiou contra as resistências e objecções opositas pelo pessoal administrativo e docente. N o conjunto, podemos afirmar que a extrema rigidez e os numerosos erros que mar­caram esta época se encontravam nos dois campos.

Embora se tivesse insistido no facto da planificação dever ser «integral», não foi possível definir este termo no plano dos conceitos nem dos métodos. A noção de planificação «integral» surgiu como reacção à de reforma parcial do sistema de educação, muito e m voga durante os decénios precedentes. Durante esta etapa, e m que muito poucos planos se concre­tizaram, efectuaram-se análises dos sis­

temas educativos, m a s sem que estas fossem transformadas e m verdadeiros diagnósticos. E m todo o caso, constituí­ram os primeiros esforços de avaliação quantitativa da situação da educação e m cada país, e originaram u m a reorga­nização total das estatísticas neste do­mínio.

Paralelamente a estes primeiros es­forços, outras medidas foram tomadas no início dos anos sessenta no seio dos organismos de planificação nacional: tratava-se, afinal, de umas quantas pá­ginas sobre educação, acrescentadas aos primeiros planos de desenvolvimento. A ideia subjacente a estas medidas afir­mava que a educação constituía u m ele­mento residual dos planos, fundamental­mente destinados a resolver os problemas económicos. Foi neste contexto que sur­giram estudos que fixavam os objectivos educativos e m função das necessidades, acompanhando, assim, a ideologia da época — o desenvolvimento para o de­senvolvimento— que considerava a fun­ção técnico-instrumental da educação u m a variável.

Durante a segunda etapa, a planifi­cação da educação prosseguiu parale­lamente nos ministérios da educação e nos organismos de planificação nacio­nal. Salientaram-se os métodos de ori­gem económica — recursos humanos, m o ­delos econométricos, taxas de rendimento, etc. — desprezando os métodos mais es­pecificamente pedagógicos. E m geral, a integração da planificação da educação e da planificação geral progrediu.

Durante esta etajpa, efectuaram-se im­portantes trabalhos de diagnóstico e os primeiros planos de educação foram ela­borados no quadro dos planos de desen­volvimento, ou independentemente. O s esforços de formação para a planificação, essencialmente empreendidos por organis­m o s internacionais, multiplicaram-se e to­dos os países se dotaram de u m número importante de técnicos especializados. In-cluíram-se nas equipas de planificação

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Norberto Fernández Lamarra e Inès Aguerrondo

especialistas de outras disciplinas, espe­cialmente economistas, sociólogos e téc­nicos de estatística.

Durante a terceira etapa, que vai desde o fim dos anos sessenta ou do início dos anos setenta até aos nossos dias, a si­tuação é muito menos homogénea do anteriormente. E m certos países, a .pla­nificação adquire u m a importância real: acontece, e m geral, quando a planificação surge ligada a projectos de transforma­ção que se inserem n u m quadro político e ideológico relativamente bem definido e quando a acentuação das reformas edu­cativas integrais vem apoiar os esforços destinados a hierarquizar a programação. U m pouco mais tarde surgiram os pro­jectos de descentralização e a política da carta escolar, tentativas de regionaliza­ção que só parcialmente resultaram, nos países e m que a planificação integrada n u m contexto político garantia, e m parte, a sua viabilidade. Muitos destes projectos foram abandonados por não iterem sido elaborados dentro de u m sistema de pla­nificação que teria permitido ultrapassar os limites dos mecanismos até então utili­zados.

Tendo e m conta a definição dada ante­riormente das diferentes etapas da plani­ficação da educação, podemos afirmar que, na América Latina, só a etapa da planificação reactiva foi efectivamente percorrida, e que só e m certos países e e m certas circunstâncias as actividades de planificação programática foram con­duzidas a ¡bom termo. Não se realizou n e m tentou nenhuma experiência de pla­nificação dinâmica. Assim, os países que ainda não saíram da fase reactiva, da qual, provavelmente já nada têm a bene­ficiar, e também os que se esforçam por instaurar u m a planificação programática deveriam tomar medidas permitindo a incorporação progressiva dos mecanismos — m e s m o incompletos — de investigação e de participação, a fim de relançar o processo de planificação e de favorecer a transição para as fases seguintes.

OS PRODUTOS DA PLAÍNIÍTOAÇÃO DA EDUCAÇÃO

Os produtos da planificação da educação na região latino-americana são múltiplos. D e início, não se tratava de planos pro­priamente ditos, m a s de documentos de conteúdo diverso, cuja característica c o m u m residia no facto de procurarem estudar os problemas da educação de u m a maneira mais objectiva e mais pre­cisa do que até então se fizera.

Entre estes primeiros produtos, dois tipos de documentos são fundamentais: por u m lado, os estudos e diagnósticos, por outro, os capítulos dos planos gerais de desenvolvimento respeitantes à edu­cação. Mais tarde, surgirão os planos de educação sectoriais. Os estudos e diag­nósticos permitiram precisar as análises: permitiram igualmente fazer tábua rasa dos falsos problemas considerados impor­tantes até então e salientar os que eram verdadeiramente vitais. Quanto aos capí­tulos sobre a educação, foram acrescen­tados aos primeiros planos de desenvolvi­mento de tal m o d o que nenhum sector do governo fosse esquecido, m a s não constituiam, de m o d o nenhum, u m ele­mento do plano de conjunto. Os aspectos sociais (saúde, habitação, educação) não só não se encontravam integrados nos aspectos económicos, como também não estavam integrados entre si. N o fim dos anos sessenta, assistimos, finalmente, ao aparecimento dos documentos que, e m certa medida, mereceram o nome de pla­nos. Reconhecem-se neles os principais elementos que definem u m plano: diag­nóstico, objectivos, políticas e finalidades, programas, subprogramas e projectos.

O s planos estabelecidos na região apre­sentam as características próprias da planificação reactiva: carácter global e geral das análises, heterogeneidade do seu conteúdo, diversidade e ausência de integração dos aspectos considerados, dis­tinção nítida entre o quantitativo e o qualitativo e, finalmente, ausência de u m conjunto coerente de propostas de trans-

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Reflexões sobre a planificação da educação na América Latina

formações educativas inscrevendo-se n u m quadro político definido.

N a maior parte dos casos, o plano con­tém, e m primeiro lugar, u m diagnóstico e, e m seguida, u m a apresentação dos ob­jectivos e das políticas, e, finalmente, o enunciado dos programas. Raramente se encontram informações mató pormenori­zadas: nos casos e m que é dedicado u m capítulo ao financiamento, o modo de cálculo dos custos não é, e m geral, pre­cisado. Assim, as despesas previstas ul­trapassam frequentemente as possibilida-dse reais de investimiento.

O problema colocado pelo carácter de­masiado global das análises reencontra-se tanto nos diagnósticos, políticas e finali­dades como nos programas, o que torna frequentemente impossível a execução de projectos e de medidas específicas, u m a vez que os planos são estabelecidos e m função de u m a situação média que não corresponde a nada de real.

Muitos planos são assinalados por u m a falta de coesão interna: por vezes, os problemas apontados no diagnóstico não são considerados nos objectivos e nas po­líticas, ou são esquecidos a nível dos pro­gramas. Por oultro lado, é frequente que os objectivos de u m plano nos remetam para problemas que não são tratados pelo diagnóstico. Outra forma de incoerência gritante deve-se ao facto dos aspectos normativos e operacionais serem apre­sentados de modo desordenado, não in­tegrado, o que retira aos programas a sua qualidade de instrumento de orien­tação, tornando-os impraticáveis.

Quase todos os planos focam questões e problemas múltiplos e u m a grande va­riedade de medidas destinadas a resol­vê-los. Esta multiplicidade de propostas não integradas não constitui u m a boa base de plano, pois não permite estabele­cer u m a ordem de prioridades, nem defi­nir as grandes linhas de acção.

E m certos países surge claramente a vontade de atender a elementos que não sejam estritamente educativos, mas , e m

geral, estes elementos justapõeirirse aos elementos educativos, e m vez de se inte­grarem. Por exemplo, verificanse que as informações sobre a mão-de-obra, a po­pulação, o crescimento económico, etc., são apresentadas de modo fragmentado e m capítulos isolados e não se ligam, ao conteúdo específico do plano de educação. Muitas vezes, a abordagem é qualitativa, embora fosse necessário u m tratamento baseado n u m a informação quantitativa correctamente explorada (marginalidade, recursos humanos do sistema, dispari­dades sociais e regionais, etc.) ; inversa­mente, a abordagem é, por vezes, fun­damentalmente quantitativa, imipondo-se igualmente u m a análise de tipo qualita­tivo (rendimento escolar, produtividade do sistema, etc.).

O exame dos planos e m que assenta o presente estudo — isto é, de u m a grande parte dos planos estabelecidos na região durante os últimos vinte anos — realça u m melhoramento técnico progressivo na sua formulação: elaboram-se alguns pla­nos a longo termo indicando os resultados pretendidos para o sector, planos estra­tégicos contendo cada vez mais progra­m a s e projectos, assim como planos ope­racionais que serviram para preencher certas lacunas no sistema de planificação. Este melhoramento técnico não permitiu, porém, na maior parte dos casos, ultra­passar os limites da fase reactiva de pla­nificação, n e m superar os problemas de aplicação dos planos de que falámos an­teriormente.

RELAÇÕES COM A ADMMESITRlAÇAO DA EDUCAÇÃO. E COM OS SERVIÇOS DE INVHSTDGAÇAO PEDAGÓGICA

Segundo os especialistas, as relações pla-nifioação-administração foram caracteri­zadas pela indiferença, ou até hostilidade, resultante da desconfiança que exisltia e m ambas as partes. O s planificadores revelaram frequentemente uima concepção errónea da sua tarefa, e encarregaraimrse de funções que ultrapassavam a sua com-

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Norberto Fernández Lamarra e Inès Aguerrondo

petência e decorriam especificamente da administração. Por outro lado, isolaram habitualmente a estrutura político-admi­nistrativa do processo de elaboração de planos e não souberam utilizar as capa­cidades do pessoal administativo, o que teria tornado muitos planos mais viáveis e menos gerais.

Por seu lado, os administradores con­tribuíram para agravar esta situação limitando-se a reproduzir os modelos administrativos tradicionais, onde a pla­nificação não tinha lugar. O facto dos especialistas da planificação ocuparem postos relativamente elevados na estru­tura burocrática suscitou u m a grande hostilidade entre os administradores, que criticavam, entre outras coisas, a sua falta de experiência administrativa, a sua juventude, o facto dos seus critérios serem diferentes dos critérios habituais e de não terem a m e s m a concepção sobre o que seria necessário fazer no sector.

Enquanto surgia u m a nova racionali­dade, diferente da que resulta da expe­riência, n e m uns n e m outros compreen­deram que era necessário associar as novas ópticas introduzidas pelos plani­ficadores— que permitiam rejuvenescer o sistema de educação e adaptá-lo às necessidades actuais da sociedade lati­no-americana— com a experiência dos administradores —que ¡teria, provavel­mente, oferecido mecanismos práticos e viáveis para a realização das transfor­mações propostas.

Contudo, e m certos países e graças a certas experiências, esta situação tem-se modificado progressivamente nos últimos anos. Assim, e m vários casos, os antigos sistemas administrativos burocráticos fo­ram enriquecidos pela aplicação de cri­térios de programação mais racionais: e se, e m certos casos, a fase das inten­ções não foi ultrapassada, e m outros já teve início a aplicação prática. É igual­mente necessário sublinhar certas trans­formações na gestão do orçamento: o sistema orçamental por programas per­

mite, actualmente, organizar as despesas e racionalizar a utilização dos recursos e m função das prioridades fixadas. Con­tudo, nos casos e m que o sistema de planificação é pouco eficaz, esta reforma orçamental continua a ser puramente formal e não origina qualquer melhora­mento ma gestão administrativa e orça­mental da educação. Para que este m e ­lhoramento seja possível, é necessário que a programação orçamental se integre na planificação da educação no seu con­junto, e que os planificadores apresentem os seus planos decalcados e m programas e e m projectos concretos.

O estabelecimento da planificação da educação permitiu analisar de maneira mais racional os problemas do sector, na base de informações mais precisas e entrando n u m contexto interdisciplinar. D e qualquer modo , a influência efectiva da planificação sobre o elevamento do ní­vel da educação variou consoante os paí­ses e as circunstâncias, tendo e m conta que esta influência parece depender do significado político que os igovernos atri­buem à planificação.

A planificação, por outro lado, per­mitiu que especialistas de outras disci­plinas participassem na administração da educação. Esta contribuição tem sido, de resto, muito limitada, pois certas disci­plinas verdadeiramente importantes para a educação — as ciências política®, a psi­cologia social e a antropologia, por exem­plo— mamtiveram-se sempre à margem. Quanto à economia, fornece apenas con­tributos pontuais, sem relação com a teo­ria geral do desenvolvimento. Outras dis­ciplinas, como a sociologia, desprezaram o estudo de problemas importantes como o do corpo docente. Podemos, pois, afir­m a r que estas disciplinas, e m vez de con­tribuir para u m a concepção interdisci­plinar da educação, forneceram apenas pontos de vista isolados da planificação. N o entanto, constituiu-se, assim, u m a massa crítica de especialistas prontos para intervir no momento exacto e, sem-

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Reflexões sobre a planificação da educação na América Latina

pre que foi possível utilizá-los, elabora-ram-se projectos importantes.

N a América Latina, a investigação ¡pe­dagógica apresenta poucas ligações com a planificação, tendo e m conta que as actividades de investigação são limitadas e que a planificação não tira qualquer partido das que existem. M e s m o quando o país atingiu u m relativo nível de desen­volvimento (e dispõe, por exemplo, de centros oficiais e privados, e de pessoal especializado mais numeroso) as aboirda-gens metodológicas utilizadas e os proble­m a s abordados apresentam limites eviden­tes. É indispensável, portanto, elaborar métodos de abordagem e estratégias de investigação destinados a apoiar o proces­so alargado de planificação considerado10.

A ausência de ligação entre a investi­gação e a planificação na região deve-se igualmente ao facto dos temas de inves­tigação não serem determinados e m fun­ção das prioridades definidas no processo de planificação, m a s sim e m função de outros critérios. A inovação pedagógica também não foi estimulada n e m orien­tada, dado que constitui mais u m a excep­ção do que u m a política sistemática. A s inovações diversas (quer se refiram aos programas ou à metodologia, à organi­zação escolar ou ao pessoal, etc.), resul­tantes da iniciativa de indivíduos ou de grupos da comunidade, de professores ou de técnicos de espírito dinâmico, sal-dam-se frequentemente por u m fracasso, por a estrutura geralmente rígida do sis­tema de educação constituir u m obstá­culo ao seu desenvolvimento, ou porque se desnaturam ao desenvolverem-se, u m a vez que não foram previstas as condições indispensáveis à sua aplicação.

N a América Latina, os dois elementos dinamizadores do processo de planifica­ção, a saber, a investigação e a planifi­cação, são ainda, por assim dizer, embrio­nários. O modelo dinâmico de planificação necessita destes elementos para realizar u m a política sistemática de inovação, e é tão indispensável estimular as inova­

ções na base dos sistemas de educação como segui-las e avaliá-las a fim de reti­rar o melhor partido possível como factor de transformação.

Notas 1. S E C R E T A R I A D O D A O C D E , « A Planificação

do Ensino e Suas Relações com a Politica» (Doe, de base n.° 5), e m : O C D E , Politiques d'enseignement pour la décennie 1970/1980, Rapport général, Paris, 0.97Í11; G A B I N E T E R E ­GIONAL DE EDUCAÇÃO DA UNESCO PARA A AMÉRICA LATINA E REGIÃO DAS CARAÍBAS, Algunas observaciones sobre la planifica­ción de la educación en América Latina, Santiago do Chile, Abril de 1974 (polico-piado); O E A — M I N I S T É R I O D A E D U C A Ç Ã O DO C H D L E , Seminario de planeamiento de la educación en América Latina, Santiago do Chile, Lo Borrachea, 1974;.

2. G- C- RUSCOE, Planification de l'éducation: les conditions de réussite, p. 21, Paris, U P E / U N E S C O , il97a

3. Edgardo B O E N I N G E R K . , Processos sociales, planificación y politicas publicas, ILíPES, Seminario sobre Estado y Planificación, Bo­gotá, 10.-12 de Junho de 1976. (Policoplado).

4. O C D E , Politiques d'enseignement pour la décennie 1970-1980, Rapport général, Paris, 1971.

5i O C D E , Conférence sur les politiques de l'éducation, Paris, 1969; O O D E , Examens des politiques nationales d'éducation: Suède, Paris, 1969 ; O C D E , Examens des politiques nationales d'éducation: Norvège, Paris, 1976

6. Norberto Fernández L A M A R R A , Estrategias y perspectivas de una metodología de pla­nificación de la educación en relación con la dinámica de población, Santiago do Chile, Gabinete Regional die Educação para a América Latina e Região das Caraíbas Outubro de 19T5.

7. Marshal W O L F E , «Para otro desarrollo: re­quisitos y proposiciones», Revista de la OEPAL, n.° k, Santiago do Chile, OEPlAL, segundo semestre de 1977.

8. Seven M O R B E R O , The problematics of dé­mocratisation in formulating educational reform: the experience of Sweden, Paris, U N E S C O , Setembro de 1977. Poücopiado. (ED.77/Conf. 628, Réf. 2) .

9. William J. P L A T T , Planification de l'éduca­tion: notes sur les besoins nouveaux en ma­tière de recherche, Paris, EEPE/UNEISCO, 1971.

10, Inès A G U E R R O N D O , «Democratizar a Inves­tigação», Revue suédoise des enseignants, Estocolmo, Abril de 1S77.

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Page 122: Para uma economia política da planificação da educação

Tendencias e casos

O ensino primário universal nos países e m desenvolvimento: análise estatística Birger Fredriksen

A organização do ensino primário univer­sal ocupou u m lugar de primeiro plano entre as numerosas prioridades do de­senvolvimento definidas no domínio da educação no decorrer dos dois últimos decénios. O objecto do presente artigo consiste, em primeiro lugar, em precisar resumidamente quais foram os progres­sos realizados neste sentido durante o período de 1960-1975, e, e m seguida, sublinhar algumas consequências a espe­rar das tendências verificadas, caso estas subsistam até 1985. O facto de ter come­çado por apontar aspectos quantitativos do desenvolvimento da educação não sig­nifica, como é evidente, que estes sejam os únicos interessantes. O aumento da população escolarizada durante o período de 1960-1975 acompanhou-«e, de facto, em quase todos os países, de modificações globais ou parciais da estrutura dos sis­temas educativos, assim como do con­teúdo do ensino dispensado e a necessi­dade de reformas foi sentida a todos os níveis de ensino e em todos os países, fosse qual fosse o seu grau de desenvol­vimento económico *. Cont/udo, as tendên­cias e projecções quantitativas consti­tuem uma parte essencial da massa de informação necessária para clarificar a opção entre os modelos de desenvolvi­mento e para enquadrar a progressão na direcção dos objectivos fixados.

Birger Fredriksen (Noruega). Gabinete die es­tatística, UNESCO.

Evolução dos efectivos do ensino primário de 1960 a 1975

O quadro I mostra a evolução dos efec­tivos do ensino primário entre 1960 e 1975 no conjunto das regiões desenvol­vidas (RD), no conjunto das regiões pouco desenvolvidas (RiPD), assim como em Africa, na América Latina e na Ãsia Meridional. A composição das regiões está indicada na parte inferior do qua­dro. Todos estes números são conhecidos, excluindo os da República Popular da China, da República Socialista do Viet­name e da República Popular Democrá­tica da Coreia.

Este quadro ilustra a expansão dos efectivos registada nos países em desen­volvimento durante este período de quinze anos. A coluna 8 mostra que o número de alunos das escolas primárias aumen­tou 128 % em Africa, 107 % na América Latina e 98 % na Ãsia Meridional, contra apenas 6 % nas regiões desenvolvidas. Examinando o aumento dos efectivos em cada u m dos períodos quinquenais con­siderados no quadro, vemos que foi de 44 milhões na R P D durante o período de 1960-1965, de 38 milhões entre 1965 e 1970, e de 40 milhões entre 1970 e 1975. Observa-se ainda que o abrandamento do crescimento dos efectivos entre 1965 e 1970 se produziu principalmente na Asia Meridional, enquanto o aumento du­rante o período de 1970-1975 resultou, em larga medida, de u m forte crescimento dos efectivos em Africa.

378

Page 123: Para uma economia política da planificação da educação

Tendencias e casos

Q U A D R O I Evolução dos efectivos do ensino primário. Alunos dos dois sexos (1960-1975)

Regrião

R D « KFD" Africa América Latina Ásia Meridionals

Números d« alanos inscritos (miLhões)

1960

1

127 116

19 28 69

1965

2

137 160

27 36 96

1970

3

142 198 34 47

116

1975

4

134 238 44 57

136

Taxas médias anuais de crescimento

1960-65

5

1,6 6,6 6,5 5,6 6,9

1965-70

6

0,6 4,4 4,9 5,4 3,9

1970-75

1

—1,1 3,8 5,5 3,9 3,3

Aumento em percentagem

1960-75

8

6 106 128 107 98

o. O agrupamento dos países e m R D e R P D está de acordo com o da Divisão da população das Nações Unidas e é estabelecido consoante os níveis de fecundidade. Segundo este critério, nove regiões: o Japão, as quatro regiões europeias, a U R S S , a América do Norte, a America do Sul temperada ^Argentina, Chile e Uruguai), assim como a Austrália, e a Nova Zelândia, fazem parte das regiões desenvolvidas (RD)>. Todos os outros países estão incluídos nas regiões pouco desenvolvidas (RPD).,

b. A Asta Meridional compreende todos os países asiáticos com excepção da República Popular da China, da Republica Socialista do Vietoaiwe, da República Popular Democrática da Coreia, do Japão, da República da Coreia, da Mongólia e de Hong-Kong, Os três primeirors países não puderam ser tomados e m consideração por falta de dados relativos aos seus efectivos escolares. Os números dos quatro últimos países estão incluídos nos totais das R P D e das RDt

Observando, em seguida, as colunas 5, 6 e 7 do quadro I, verificamos que as taxas médias anuais de crescimento dimi­nuíram em todas as regiões os três pe­ríodos quinquenais, excepto em Africa durante o período de 1970-1975. Ais taxas de crescimento mais fracas na América Latina depois de 1970 devem-se, em grande parte, ao facto de vários países desta região terem atingido, ou se en­contrarem prestes a atingir, em 1970, o objectivo do ensino primário universal. É evidente que, quando todas as crianças em idade de frequentar o ensino primário se encontram escolarizadas, o aumento dos efectivos acompanha de perto o do grupo etário correspondente da popula­ção. Além disso, as taxas relativamente elevadas observadas em Africa explicaim--se, em parte, pelo facto de muitos países desta região possuírem na origem, em 1960, efectivos muito reduzidos. Contudo, é interessante notar que, se o aumento dos efectivos em África e na Ãsia Meri­dional revelou uma nítida tendência para

se manter estacionário entre 1965 e 1970 em relação ao período quinquenal prece­

dente, recuperou vigorosamente em África entre 1970 e 1975, enquanto continuava a diminuir na Ãsia Meridional. Atendendo a que 60 % do conjunto dos alunos ins­critos nas escolas primárias das R P D , em 1965, se encontravam na Asia Meri­dional, este enfraquecimento teve reper­cussões sensíveis sobre a progressão eim direcção ao ensino primário universal nas R P D entre 1965 e 1975. Este problema será examinado mais pormenorizada­mente na secção seguinte.

Progressos realizados quanto ao objectivo do ensino primário universal durante o período de 1960-1975

Entre 1960 e 1975, a maior parte dos paí­ses em desenvolvimento transformaram o ensino primário universal num dos objectivos prioritários em matéria de desenvolvimento nacional. A U N E S C O estimulou esta atitude reunindo várias

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Page 124: Para uma economia política da planificação da educação

Tendências e casos

conferências regionais que recomendaram objectivos quantitativos para a expansão do ensino primário. Assim, o ano de 1980 foi designado como aquele em que todas as crianças em idade de frequentar a es­cola primária estariam escolarizadas na Asia (Carachi, 1960). O ano de 1980 foi igualmente fixado como horizonte pelos Estados Africanos (Adis Abeba, 1961) e pelos Estados Arabes (Tripoli, 1966), enquanto a conferência de Santiago, em 1962, convidava os países da América Latina a atingir este objectivo em 1970. Apresentaremos nesta secção taxas de escolarização que fornecem uma ideia da medida em que o aumento dos efec­tivos indicado pelo quadro I traduz uma progressão dos países em direcção a estes objectivos. Estas taxas, porém, exigem uma interpretação prudente e convém, para começar, precisar resumidamente os seus limites.

As estimativas do tipo das que prece­dem baseiam-se, em geral, na taxa bruta de escolarização no ensino primário. Para obter esta taxa, divide-se o número de alunos inscritos a este nível pelo número de crianças em idade de frequentar a escola primária. Obtemos, assim, uma indicação aproximada da capacidade de assistência das escolas primárias de u m país, em relação à população em idade escolar correspondente. Tendo em conta que a taxa de escolarização é exagerada pela inclusão dos repetentes e dos atra­sados, e que dissimula as taxas elevadas de desistências comuns à maior parte dos países em desenvolvimento, a indicação obtida só pode ser aproximativa.

Existem dois métodos possíveis para calcular as taxas de escolarização por região, isto é, por grupo de países. A pri­meira consiste em calcular as taxas de escolarização não ajustadas, ou seja, as taxas que não atendem ao facto da idade de ingresso no ensino primário e a dura­ção deste variarem consoante os países, e em escolher, para o grupo, a estrutura mais frequente entre os países conside­

rados. É o método mais frequentemente utilizado para calcular as taxas de esco­larização por região e por continente. Este tipo de taxa é o que indica o qua­dro 2, onde a população em idade de frequentar a escola primária foi consi­derada a que se inclui entre os 6 e os 11 anos, uma vez que, na maior parte dos países em desenvolvimento, o ensino primário se prolonga por seis anos e tem início, correntemente, aos 6 anos. Pode­mos interpretar estas taxas como indica­dores da capacidade das escolas primá­rias da região, na base de u m sistema que conta com seis anos de ensino pri­mário.

A vantagem das taxas de escolariza­ção não ajustadas reside no facto de for­necerem indicações de capacidades entre regiões. O seu defeito consiste em des­prezar o facto de, para atingirem a esco­larização universal, certas regiões não terem necessidade de uma capacidade tão elevada como outras, por a duração do ensino primário ser menor nestes países. Assim, embora a duração mais corrente nos países em desenvolvimento seja de seis anos, a duração «média» é mais curta na Ásia Meridional do que em Africa, onde é, por sua vez, mais curta do que na América Latina. Esta situação deve-se ao facto de, em alguns dos países mais povoados da Ãsia Meridional (como a índia, o Bangladesh, o Paquistão), o ensino primário ser de cinco anos, en­quanto se prolonga por oito em certos países mais povoados da América Latina (como o Brasil, a Bolívia, o Chile). Estas disparidades são tidas em consideração no cálculo das taxas de escolarização ajustadas por região, isto é, taxas ajus­tadas segundo a duração do ensino pri­mário e a idade de entrada neste ensino em cada país da região. A figura I apre­senta este tipo de taxa. Assim, nas con­siderações que se seguem, empregaremos taxas não ajustadas (quadro 2) e taxas ajustadas (figura I), pois ambas forne­cem informações sobre aspectos diferen-

380

Page 125: Para uma economia política da planificação da educação

Tendências e casos

tes do desenvolvimento do ensino primá­rio entre 1960 e 1975.

Sendo assim, observemos o quadro 2, que indica as taxas de escolarização não ajustadas para as regiões que figuraim no quadro I, bem como para os 29 países classificados pelas Nações Unidas como «os países menos desenvolvidos» (PMD) e para os 7 países do Sahel.

QUADRO 2 Taxa de escolarização no ensino primário: alunos dos dois sexos (¡percentagens) *

Região

RD» R P D " Africa América Latina Ásia Meridional 29 P M D " Países do Shael d

I960

114 57 45 81 55 26 12

1965

118 66 54 90 64 32 22

1970

120 71 59

102 66 39 24

1975

120 76 69

111 69 46 27

Estes números representam as taxas de es­colarização não ajustadas que se obtêm divi­dindo os efectivos totais do ensino primário pela população com idades compreendidas entre os 6 e os 11 anos. Ver a definição e m nota no quadro I. Estes '29 países são os seguintes: Afeganis­tão, Burundi', Bangladesh, Bemim, Butão, Botswana, Império Gentroafrioano, Etiópia, Gambia, Guiné, Haiti, Alto Volta, República Democrática Popular do Laos, Lesoto, M a ­lawi, Maldivas, Mali, Nepal, ¡Nígter, Uganda, Ruanda, Samoa-Ocidentais, Siklm, Somalia, Sudão, República Unida da Tanzânia, Chade, República Árabe do lémen, República D e m o ­crática Popular do Kmeia, Trata-se dos seguintes países: Gambia, Alto Volta, Mali, Mauritânia, Níger, Senegal e Chade,

Este quadro mostra que os aumentos das taxas de escolarização, embora apre­ciáveis em todas as regiões em desenvol­vimento durante o período de 1960-1975, foram muito mais modestas do que os aumentos correspondentes dos efectivos do ensino primário indicados no quadro I. A razão reside no facto da população das R P D em idade de frequentar a escola primária ter aumentado cerca de 55 %

durante este período de quinze anos. Eiste número deve ser comparado com o au­mento de 1 % nas R D . Neste caso, os efectivos escolares atingidos nas R P D , em 1975, apontam para uma taxa de escolarização de 117 %, isto é, para uma capacidade das escolas primárias que ex­cede largamente a que teria bastado para acolher todas as crianças destes países com idades compreendidas entre os 6 e os 11 anos. Ora, devido ao aumento rápido da população, a capacidade efec­tivamente atingida em 1975 correspondeu apenas a três quartos da importância numérica deste grupo etário.

O quadro 2 salienta ainda as enormes diferenças entre as taxas de escolariza­ção das diversas regiões em desenvolvi­mento, tanto em ordem de grandeza como do ponto de vista da evolução no tempo. A Africa, cuja taxa, durante os anos sessenta, era muito inferior às da Ãsia Meridional e da América Latina, tinha atingido aquela em 1975. A América La­tina apresentou sempre uma taxa muito mais elevada do que as outras duas re­giões, e a capacidade das suas escolas primárias excedia, em 1975, a que era necessária para acolher todas as crianças da região com idades compreendidas entre os 6 e os 11 anos. N o que se refere aos 29 P M D , observamos que, não obstante .um rápido aumento dos efectivos durante o período considerado, menos de metade das crianças dos 6 aos 11 anos estavam inscritas no ensino pri­mário, em 1975. Quanto aos 7 países do Sahel, a taxa não ultrapassava 27 % .

O agravamento das disparidades entre certas regiões em desenvolvimento cons­titui u m aspecto inquietante da expansão do ensino primário durante este período. Assim, em 1960, a taxa de escolarização da América Latina excedia em 26 pon­tos, em percentagem, a da Ãsia Meri­dional e em 36 pontos a da África. E m 1975, estas diferenças tinham passado para 42 pontos nos dois casos. E m 1960, a taxa média para a África era superior

381

Page 126: Para uma economia política da planificação da educação

Tendencias e casos

em 19 pontos à dos 29 P M D . E m 1975, a diferença atingia 23 pontos. Do mesmo modo, a diferença entre a taxa média de escolarização dos 29 P M D e a dos 7 paí­ses do Sanei passou de 14 pontos, em 1960, para 19, em 1975.

As taxas de escolarização indicadas no quadro 2 encobrem grandes diferenças em desenvolvimento, tanto no que se refere ao grau de escolarização como à duração do ensino primário. Como a aná­lise pormenorizada da evolução país por país ocuparia muito espaço, fornecemos, na figura I, uma classificação sumária de 104 países em desenvolvimento se­gundo as taxas de escolarização atingi­das em 1975. Interessa notar que, para atender às diferenças existentes entre os países na estrutura do ensino, a figura I foi estabelecida com base em taxas de escolarização ajustadas. Assim, para cal­cular esta taxa num país em que o ensino primário se prolonga por cinco anos, o grupo etário considerado foi o dos 5 aos 9 anos, enquanto outros grupos etários

foram utilizados para países onde a estru­tura de ensino é diferente. Sobre o eixo horizontal do gráfico aponta-se a taxa de escolarização atingida, e sobre o eixo vertical a percentagem de população das R P D em idade de frequentar a escola primária que habita nos países que atin­giram determinada taxa. O número ins­crito no interior de cada barra vertical indica o número de países que atingiram esta taxa. O gráfico lê-se do seguinte modo : em 1975, uma proporção de 16 % da população das R P D em idade de fre­quentar a escola primária habitava 35 países em que a capacidade das escolas primárias excedia a que era necessária para acolher todas as crianças deste grupo etário; uma proporção de 14 % da população das R P D em idade de fre­quentar a escola primária habitava em 15 países cuja capacidade de escolari­zação se situava entre 90 e 99 % do efectivo deste grupo etário na sua popu­lação, e assim sucessivamente. Observa­mos que 14 países, incluindo 6 % da

40%

o *?

SS " " E

30% vmm

20% Jlfí ¡§B

mêêêm

10-19 20-29 30-39 100e acima

FlG-

jBaaiiija^^^^Miag«i^i«igipiiii 40-49 | 50-59 | Ü0-69 ¡ 7 0 - 7 9 j 80-89 J 90-99

Taxa de escolarização no ensino primário (o número interior de cada barra vertical Indica o número de países do grupo correspondente). ï. Classificação dos países segundo a taxa de escolarização actual, e percentagem da popula­

ção em idade escolar das R P D (1975).

382

Page 127: Para uma economia política da planificação da educação

Tendências e casos

população das R P D em idade de fre­quentar o ensino primário, apresentavam taxas de escolarização inferiores a 40 %, enquanto 70 países, incluindo 80 % do efectivo deste grupo etário, tinham taxas superiores a 70 %. E m resumo, podemos afirmar que, em 1975, 50 países em de­senvolvimento, representando 30 % da população das R P D em idade de frequen­tar a escola primária tinham atingido, ou estavam prestes a atingir, o ensino primário universal (isto é, apresentavam taxas de escolarização superiores a 90 % ) .

Podemos agora calcular as taxas ajus­tadas do tipo indicado na figura I para as principais regiões em desenvolvimento. Para 1975, obtemos 79 % para as R P D , 60 % para a Africa, 78 % para a Ãsia Meridional e 97 % para a América La­tina. A comparação destes números com as taxas não ajustadas do quadro 2 revela algumas diferenças interessantes. Assim, a taxa ajustada da Ãsia Meri­dional é muito mais elevada do que a taxa não ajustada, pois 68 % da popu­lação em idade de frequentar a escola primária nesta região habitam os países em que o ensino primário se estende ape­nas por cinco anos. Por outro lado, na América Latina, a taxa ajustada é muito mais fraca do que a taxa não ajustada (97 % contra 111 % ) , uma vez que 40 % da população desta região em idade de frequentar a escola .primária habitam em países onde o ensino* primário dura oito anos. Quando à Africa, a taxa ajus­tada é ligeiramente inferior à taxa não ajustada, dado que 20 % da população africana em idade de frequentar a escola primária habita em países onde o ensino primário se estende por sete anos. Obser­vamos que a Africa e a Ãsia Meridional tinham a mesma taxa não ajustada em 1975, ou seja 69 %, mas que, se aten­dermos às diferenças de duração média do ensino primário entre as duas regiões, as taxas são muito diferentes (66 % para a Africa e 78 % para a Ãsia Meri­dional) .

Resumindo, se atendermos às diferen­ças de duração, a América Latina apre­sentava, em 1975, uma capacidade sufi-ficiente para acolher aproximadamente todas as crianças em idade de frequentar a escola primária. A capacidade da Ãsia Meridional era de cerca de 78 %, e a da Africa apenas de 66 % da população deste continente em idade de frequentar o ensino primário.

Para terminar esta secção, voltemos aos objectivos regionais de escolarização apontados no início. Infelizmente, as ta­xas de escolarização utilizadas para fixar estes objectivos diferem consoante as re­giões e nem sempre são comparáveis às que foram utilizadas neste artigo. Limi­taremos, pois, a nossa estimativa aos ob­jectivos expressos no Plano de Carachi2

para o desenvolvimento do ensino primá­rio na Ãsia. Os objectivos foram definidos em função de u m ciclo primário de sete anos, e o grupo etário dos 6 aos 12 anos foi escolhido como o grupo a que se apli­cava o ensino primário. Reclassificando, nesta estrutura, os dados aqui apresen­tados, obtemos, para a região asiática tal como é definida pelo Plano de Carachi, as taxas de escolarização registadas, vi­sadas e projectadas, relativas ao ensino primário, para os anos de 1970, 1975 e 1980:

1970 1975 1980

Taxa registada 66,3 68,6 71,8 * Taxa visada 72,0 81,0 90,0

* Projecção

Verificamos que a taxa visada para 1970 estava longe de ser atingida em 1075 e deveria sê-lo em 1980 se a evolução dos efectivos se efectuasse segundo as ten­dências já registadas.

Eficácia interna do ensino primário nas regiões pouco desenvolvidas

O quadro 2 mostra que, na R P D , 76 % das crianças dos 6 aos 11 anos estavam inscritas no ensino primário em 1975. Contudo, as taxas de escolarização não

383

Page 128: Para uma economia política da planificação da educação

Tendências e casos

nos esclarecem muito quanto ao valor real do ensino dispensado. A eficácia de u m sistema educativo deve medir-se do ponto de vista da quantidade e da quali­dade dos alunos que o complettam, e não unicamente do ponto de vista da quanti­dade de alunos que entram neste sistema, ou seja, por simples contagem de indiví­duos inscritos.

Os numerosos objectivos dos sistemas escolares são difíceis de definir em ter­mos significativos e mensuráveis, mas, no que se refere ao ensino primário, podemos afirmar que um dos principais objectivos, e talvez o objectivo principal para os pri­meiros anos, é a alfabetização dos alunos. Para tal, não basta que os alunos entrem para a escola; devem frequentá-la du­rante u m número suficiente de anos.

N o que se refere à primeira destas con­dições, não dispomos de estatísticas sobre o número de crianças que entram todos os anos para a primeira classe em todos os países em desenvolvimento, pois mui­tos destes países ainda não recolhem da­dos que nos permitam repartir o efectivo total do primeiro ano por inscritos pela pela primeira vez e repetentes. Podemos, contudo, obter uma indicação da capaci­dade de admissão no ensino primário cal­culando a relação entre o efectivo total do primeiro ano e a população com 6 anos de idade, isto é, o grupo considerado em idade de admissão. O quadro 3 fornece as relações assim obtidas.

Q U A D R O 3 Relação entre o efectivo do primeiro ano e a população com 6 anos de idade

1966 1970 1974

R P D Africa América Latina Asia Meridional

1,14 0,71 1,76 1,12

1,13 0,77 1,77 1,09

1,15 0,85 1,74 1,09

Este quadro mostra que, para o con­junto das R P D , o número de alunos do primeiro ano foi superior à população

com 6 anos de idade durante os três anos considerados. Podemos, portanto, afirmar que a capacidade de admissão do primeiro ano do ensino primário nas R P D teria sido suficiente para acolher todas as crianças em idade de admissão se não existissem repetentes nem atrasados. O quadro mostra igualmente grandes di­ferenças entre as três regiões em desen­volvimento. A capacidade de admissão de África aumentou consideravelmente entre 1965 e 1974, ano em que representava 85 % da população do continente com 6 anos de idade. Quanto à América Latina e à Ásia Meridional, a relação estabilizou--se, aparentemente, durante este período, mantendo-se, contudo, superior à unidade nas duas regiões, devido à inscrição, no primeiro ano, de repetentes e de novos alunos que não pertenciam ao grupo etá­rio de admissão oficial. Notemos o ele­vado valor da relação na América Latina. Contudo, segundo as fontes oficiais, cerca de 20 a 25 % dos alunos inscritos no pri­meiro ano, nesta região, são repetentes, o que nos leva a pensar que este número elevado se deve principalmente ao número de alunos atrasados3.

O elevado nível das novas admissões revelado pelo quadro 3 leva-nos a pergun­tar por que é que as taxas de escolariza­ção que figuram no quadro 2 não serão mais elevadas. A resposta é fornecida pelas importantes taxas de desistência comuns aos países em desenvolvimento. Para ilustrar a gravidade deste problema, a figura 2 acompanha, ao longo dos cinco primeiros anos, em 1970, a progressão dos efectivos admitidos no primeiro ano. Vemos que apenas cerca de 70 % destes alunos atingiram o segundo ano, 61 % o terceiro ano, 54 % o quarto ano e 45 % o quinto ano. Por outras palavras, 30 % dos alunos inscritos no primeiro ano nas R P D , em 1970, desistiram antes de entrar no segundo ano e cerca de 55 % antes de entrar no quinto ano. Deste modo, se considerarmos que quatro anos de escola primária representam o nível de educação

384

Page 129: Para uma economia política da planificação da educação

Tendencias e casos

e i| <

100 100

HPPSSSpBf

TKÍBÍ wm&mã ? ill! 54 m.

RPD Africa

aareagägä41

América Latina

¿41

Asia Meridional

F I G . 2. Percentagem dos alunos inscritos no primeiro ano e m 1970 que atingem respectivamente o 2.°, 3.°, 4.0 e 5.° anos. Alunos dos dois sexos.

necessário ser e permanecer alf abetizado, apenas cerca de metade das crianças que entraram no ensino primário, em 1970, atingiram este nível. A taxa de desistên­cia mais elevada verificava-se na América Latina e a mais baixa em África.

Dada a fraca taxa de retenção indi­cada, poderemos perguntar até que ponto, a despeito do rápido crescimento dos seus efectivos nos últimos quinze anos, os sis­temas educativos de certas R P D foram capazes de enfrentar verdadeiramente o problema da redução do analfabetismo. Sentimo-nos igualmente tentados a pôr em causa o significado de uma taxa de escolarização elevada se uma grande pro­porção de crianças abandona a escola ainda antes de saber 1er e escrever.

Os repetentes constituem outra forma de desperdício escolar. Repetir uma classe pode ser útil para u m aluno cujos resul­tados são considerados inferiores ao mí­nimo exigido, mas os repetentes utilizam recursos que poderiam ter sido postos à disposição de crianças que ainda não en­

traram para a escola. Além disso, os re­petentes aumentam o custo da educação por aluno. A extensão deste fenómeno nas R P D é indicada por estimativas se­gundo as quais os repetentes representa­vam, em 1970, cerca de 15 % dos efecti­vos totais do ensino primário na América Latina, 16 % em Africa e 18 % na Ãsia Meridional. Por outras palavras, o nú­mero de crianças em idade de frequentar as escolas primárias admitidas nestes es­tabelecimentos teria podido ser superior em 15 ou 20 % nas R P D , nesse ano, se não existissem repetentes.

Projecções até 1985

Examinámos até agora as tendências da educação durante o período de 1960-1975. As projecções a seguir apresentadas fo­ram estabelecidas no quadro do Pro­grama de projecções e m matéria de edu­cação do Gabinete de Estatísticas da U N E S C O . O seu objectivo consiste não em mostrar como vão evoluir os efectivos

385

Page 130: Para uma economia política da planificação da educação

Tendencias e casos

no futuro, mas em chamar a atenção so­bre o que se poderia passar se as ten­dências observadas a partir de 1960 pros­seguissem nas suas grandes linhas até 1985 *. Embora condicionadas, estas pre­visões apresentam o mérito de constituir, pela primeira vez, um estudo sistemático das incidências, em quase todos os países do mundo, da eventual persistência das tendências passadas.

A figura 3 mostra que, se as tendências persistissem, a capacidade de admissão nas escolas primárias das R P D corres­ponderia a cerca de 84 % da população destas regiões com idade compreendida entre 6 e 11 anos, em 1985. As dispari­dades entre as taxas de escolarização das diferentes regiões continuariam a ser im­portantes e, por vezes, agravar-se-iam. Assim, a diferença entire as taxas de escolarização da América Latina e da Ãsia Meridional, que era de 42 pontos, em percentagem, em 1975 (ver quadro 2), passaria para 46 pontos em 1985. A taxa de África, que era igual à da Ãsia Meri­

dional em 1975, excedê-la-ia em 7 pontos, em percentagem, em 1985. Os 29 P M D teriam, em 1985, uma capacidade de admissão nas escolas primárias corres­pondente a 52 % da sua população com idades entre os 6 e os 11 anos, e os 7 países do Sanei uma capacidade de ape­nas 36 %.

Se, em vez das taxas não ajustadas da figura 3, calcularmos as taxas de es­colarização ajustadas à duração do en­sino primário em cada região (ver o que escrevemos na secção «Progressos reali­zados quanto ao objectivo... 1960-1975»), obtemos 86 % para as R P D , 79 % para a Africa, 107 % para a América Latina e 83 % para a Ãsia Meridional. Como no caso de 1975, se atendermos às diferen­ças de duração do ensino primário entre as regiões, a Ãsia Meridional teria uma capacidade de escolarização primária mais forte do que a indicada pela sua taxa não ajustada (83 em vez de 75 % ), enquanto na América Latina a capaci­dade seria muito mais fraca (107 em vez

121%

84% 82%;

75%

52%

36%

ftBÉ

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Países do Sahell29 P M D Asia I Africa Meridional

RPD RD América Latina

F I G . 3. Projecção das taxas de escolarização não ajustadas no ensino primário, por região (1985).

386

Page 131: Para uma economia política da planificação da educação

Tendências e casos

de 121 % ) . As razões destas diferenças são idênticas às apresentadas na secção intitulada «Progressos realizados quanto ao objectivo... 1960-1975».

Consideraremos agora a evolução da situação consoante os ¡países. A figura 4 fornece-nos, para 1985, indicações com­paráveis às da figura I para 1975 5. Mos-tra-nos que, se as tendências dos efec­tivos continuassem como no passado, 55 países em desenvolvimento (ou seja, cerca de metade dos países considerados), com­portando cerca de 29 % da população das R P D em idade de frequentar a escola primária, teriam, em 1985, a capacidade necessária para acolher todas as crianças deste grupo etário. Outros sete países, com cerca de 9 % da população, apre­sentariam taxas de escolarização com­preendidas entre 90 e 100 %. Podemos, pois, afirmar que 62 países em desen­volvimento, contendo cerca de 38 % da população das R P D e m idade de fre­quentar a escola primária, teriam atin­

gido, ou estariam prestes a atingir, em 1985, o objectivo do ensino primário uni­versal. Além disso, existiriam 72 países, contando com cerca de 74 % da popula­ção em idade escolar das R P D , cujas taxas de escolarização seriam superiores a 80 % em 1985. Por outro lado, haveria ainda 12 países (5 % da população) e m que a capacidade das escolas primárias não seria suficiente para receber metade da população em idade de as frequentar. Quatro países, contendo 2 % da popula­ção das R P D em idade de frequentar o ensino primário, apresentariam taxas de escolarização inferiores a 30%. Final­mente, é interessante notar que os 19 países com taxas de escolarização infe­riores a 60 % em 1985 incluem 14 dos 29 P M D e a totalidade dos 7 países do Sanei. O que nos fornece uma indicação quanto aos países que estariam quali­ficados para beneficiar, prioritariamente, de uma ajuda internacional no domínio da educação durante os anos oitenta.

40-49 Taxa de escolarização no ensino primário (o número no interior da cada barra vertical indica o número de paises do grupo correspondente)

100e acima

F I G - 4 . Classificação dos países segundo a taxa de escolarização projectada, e percentagem da população e m idade escolar das R P D (1985).

387

Page 132: Para uma economia política da planificação da educação

Tendências e casos

Pressão da demografia sobre a educação

O aumento relativamente modesto das taxas de escolarização projectadas para 1985 não significa que os efectivos cres­cerão nas mesmas modestas proporções. Assim, à taxa de escolarização projectada para as R P D corresponderia u m aumento dos efectivos das escolas primárias de cerca de 104 milhões de alunos, ou seja 43 % entre 1975 e 1985, contra u m au­mento de cerca de 79 milhões (49 %) entre 1965 e 1975. O aumento comparável para as R D seria de meio milhão de alu­nos, ou seja 0,4 %, durante o período de 1975-1985. A razão desta diferença reside, mais uma vez, na elevada taxa de cres­cimento demográfico nas R P D . Cerca de três quartos do aumento dos efectivos projectados para estas regiões entre 1975 e 1985 seriam necessários simplesmente para absorver o aumento projectado da sua população e m idade de frequentar o ensino primário.

Para salientar ainda mais a importân­cia do factor demográfico mas R P D , exa­minaremos o efeito de diferentes taxas de crescimento demográfico sobre a pro­cura em matéria de educação. Para tal, utilizaremos as variantes «fraca», «mé­dia» e «forte» das projecções de popula­

ção das Nações Unidas. Para alargar suficientemente o nosso campo de obser­vação a nossa análise exereer-se-á, desta vez, sobre o período de 1975-2000. As três primeiras colunas do quadro 4 indicam o aumento em percentagem da população dos 6 aos 11 anos projectado entre 1975 e o ano 2000 para cada uma das três variantes. Segundo a variante «média», as R P D deveriam aumentar os seus efec­tivos do ensino primário em cerca de 73 %, apenas para seguir o ritmo de crescimento da população. Este número deve ser comparado ao das R D , que é de cerca de 9 %. Observamos que o aumento necessário para a variante «forte» é apro­ximadamente o dobro do da variante «fraca». Observamos ainda uma grande diferença entre regiões em desenvolvi­mento e, em particular, a taxa de cresci­mento relativamente elevado necessário para a Africa, que, segundo a variante «média», deveria duplicar os seus efec­tivos do ensino primário durante este período de vinte e cinco anos para acom­panhar o ritmo de crescimento da popu­lação do continente em idade de frequen­tar a escola primária.

O quadro 4 informa-nos sobre o cres­cimento necessário do número de alunos das escolas primárias entre 1975 e 2000 para realizar o ensino universal a este

QUADRO 4 Pressão demográfica sobre a educação de 1975 a 2000 segundo as variantes «fraca», «média» e «forte» dias projecções de população estabelecidas pelas Nações Unidas.

Região

R D R P D Africa América Latina Asia Meridional

Percentagem de crescimento da população dos 6 aos entre 1975

Variante fraca

— 3 50 80 47 42

e 2000

Variante média

9 73

107 75 63

11 anos

Variante forte

26 95

123 103 85

Percentagem de crescimento dos efectivos entre 1975 e para atingir

Variante fraca

— 11 118 190 47

124

o ensino no

Variante média

0 152 232 74

158

2000 ano 2000

Variante forte

16 183 25» 103 193

388

Page 133: Para uma economia política da planificação da educação

Tendências e casos

nível até ao fim deste período. Por como­didade de interpretação dos números in­dicados, a expressão «ensino primário universal» é definida como a inscrição do número total de crianças entre os 6 e os 11 anos, mais 10 % deste número, para ter em conta os repetentes. Os nossos cálculos mostram que, segundo a variante «média», as R P D deveriam aumentar os seus efectivos de cerca de 152 % para atingir este objectivo, enquanto as R D o poderiam atingir mantendo simples­mente a sua capacidade de escolarização ao nível de 1975. Observamos ainda gran­des diferenças entre as três variantes, assim como entre as regiões. O aumento necessário para atingir o ensino primário generalizado em Africa é particularmente surpreendente. Finalmente, observamos que as números indicados para a A m é ­rica Latina nas três primeiras colunas são iguais aos das três últimas colunas. Esta situação deve-se ao facto desta re­gião já ter, em 1975, uma taxa de esco­larização de 111 % e, por conseguinte, uma capacidade suficiente para atingir o objectivo indicado. O aumento de ca­pacidade requerido na América Latina entre 1975 e o ano 2000 seria, portanto, uma pura função do crescimento da população.

A rapidez do crescimento demográfico nas R P D apresenta também como conse­quência a característica «jovem» da com­posição por idade da sua população, o que significa que assistir todas as crianças em idade de frequentar a escala primária produz o efeito de obrigar a população activa a suportar u m «¿ardo» (expresso em número de alunos por 1000 membros da população activa) que é muito mais pesado nas R P D do que nas R D . E m 1975, as R P D já tinha 338 alunos do primá­rio para 1000 membros da população activa contra 258 nas R D . As projecções de efectivos correspondentes à figura 3 significariam que o «fardo» da escola pri­mária nas R P D passaria para 382 por 1000 membros da população activa, em

1985, enquanto, nas R D , diminuiria para 234 alunos.

E m conclusão, a aptidão dos países em desenvolvimento para assumir o ensino primário universal continuará a depen­der, em larga medida, dos factores demo­gráficos. Por muito urgentes que sejam as soluções a introduzir nos problemas suscitados pelo crescimento da população no futuro do mundo, a educação no plano mundial deverá ser adaptada ainda mais rapidamente às consequências deste cres­cimento, uma vez que a maior parte das crianças que constituirão os efectivos projectados para 1985 já nasceram. Nada poderá ser realizado sem uma combina­ção de esforços ainda mais enérgicos e intervenções mais audaciosas nos méto­dos conservadores dos sistema® educa­tivos.

Algumas observações para concluir

Devido a uma política vigorosa conduzida em prol da educação, a maior parte dos países em desenvolvimento tinha atrás de si, em 1975, u m período de quinze anos caracterizado por um aumento dos efecti­vos escolares sem precedente na história. Embora os objectivos, bastante ambicio­sos, fixados para os efectivos das dife­rentes regiões no início dos anos sessenta não tivessem sido atingidos, realizaram--se progressos consideráveis, e os países em desenvolvimento podem mostrar-se orgulhosos dos resultados obtidos.

O quadro apresenta, porém, pelo menos duas sombras negras. E m primeiro lugar, não obstante a progressão das taxas de escolarização, o número de crianças não escolarizadas aumentou. O que se deve essencialmente ao facto da população em idade de frequentar a escola primária ter aumentado a u m ritmo desconhecido no passado, e também à persistência do problema da elevada frequência das de­sistências. E m segundo lugar, u m número crescente de países em desenvolvimento enfrenta o agravamento do desemprego

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Tendências e casos

que espera os jovens, coin ou sem di­ploma, ao saírem da escola. Embora eiste último aspecto não tenha sido tratado no presente artigo, ninguém duvida de que deve ser dedicada u m a profunda aten­ção ao desequilíbrio existente em nume­rosos países entre as competências neces­sárias e o ensino dispensado, assim como ao desfasamento entre as esperanças dos jovens que procuram empregar-se ao saírem da escola com ou sem diploma e as possibilidades de emprego que pode oferecer a economia. Podemos, pois, afir­mar, muito justamente, que, eim muitos países e m desenvolvimento, o problema central da planificação dos recursos e m mão-de-obra, outrora caracterizado essen­cialmente pela penúria, se tornou, e m menos de vinte anos, n u m problema de excedente. Importa que esta transforma­ção das condições do mercado do trabalho não dissuada os países e m desenvolvi­mento de prosseguir os seus esforços com o objectivo de instaurar o ensino primá­rio para todos.

A persistência das tendências observa­das na evolução dos efectivos entre 1960 e 1975 conferiria às R P D , em 1985, u m a capacidade escolar suficiente para assis­tir cerca de 86 % da sua população e m idade de frequentar o ensino primário. Contudo, até m e s m o os enormes esforços necessários para obter este resultado po­deriam não fornecer u m a margem sufi­ciente, tendo e m conta o aumento da população, para reduzir o número de analfabetos no Terceiro Mundo. Para mencionar apenas u m a das consequên­cias possíveis, diremos que, se as tendên­cias actuais e m matéria de admissão e de eficácia interna devessem prosseguir, não seria possível esperar que mais de metade das mulheres das R P D e m idade de pro­criar estivessem alfabetizadas até ao iní­cio do século xxi.

C o m o é evidente, 'as políticas nacionais e internacionais sobre o plano da educa­ção, assim como o montante da ajuda internacional disponível neste domínio,

exercerão u m a influência determinante sobre a réplica que será dada ao desafio representado pelos problemas apontados por este artigo. A formulação da polí­tica da educação deverá ser cada vez mais considerada como parte integrante do es­forço global de desenvolvimento de u m a nação.

Notas

1. Pode ver-se uni exame deste aspecto da evo­lução recente em matéria de educação e m : J. T H O M A S , Les grands problèmes de l'édu­cation dans le monde: Essai d'analyse et de synthèse, Genebra, RIE, Paris, Les Presses de l'Unesco, 1975. (Estudos e inquéritos de educação comparada.)

2. Ver Les besoins de l'Asie en matière d'ensei­gnement primaire: Plan pour l'organisation de l'enseignement primaire obligatoire dans la région, Paris, Unesco, 1661. (Estudos e documentos de educação, n.° 41. )i

3. Alguns estudos tornam evidente que nume­rosos países da América L/atina apresentam números de repetentes muito inferiores à rea­lidade e que, por conseguinte, a proporção dos novos alunos entre os inscritos no pri­meiro ano é muito miais fraca do que geral­mente se indica. Ver, por exemplo: E - S C H I E -FELBEIN, «Repeating: Ain overlooked problem of Ijatin American education», Comparative education review, vol. ,19, a." 3, Outubro de 1&T5; Conclusion about repetition, dropout and national achivement examination results in basic education. (Analytical Working Do­

cument n.° 2), AID, Março de 1977, 4. O modelo utilizado, assim como a série com­

pleta das projecções, enconbra-se publicado em Trends and projections of enrolment by level of education and by age (CSR-E-211, Unesco, Office of Statistics, Paris, 1977). Este documento inclui as tendências e pro­jecções para as diferentes regl&es.

5. Convêm recordar que a figura se refere aos 104 países em desenvolvimento que contavaim com mais de 250 OCO habitantes em 1975, com excepção da República Popular da China, da República Popular Democrática da Coreia e da República Socialista do Viet­name.

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Tendências e casos

Teoria e prática

da educação estética na U R S S B . T . Likhatchev

O artigo 27 da nova Constituição convida à preservação e ao desenvolvimento dos valores culturais da sociedade, pondo-os à disposição dos soviéticos para que eleveim o seu nível cultural. Ora, a ele­vação do nível cultural depende, e m grande parte, da solidei da formação geral das crianças, da medida e m que aprendem a desenvolver u m a vida cultu­ral profunda e a tirar partido da riqueza das relações culturais entre os homens. Preservar e desenvolver os valores cultu­rais significa amar a literatura e a arte, compreender as obras de arte, apreciar as criações artísticas e saber discernir o que existe de falso n u m a obra, o que é alheio à ideologia e à moral soviéticas. Para tal, é importante incutir nas crian­ças o gosto artístico próprio do h o m e m da sociedade socialista e baseado na esté­tica do realismo socialista.

O m e s m o artigo 27 menciona que de­vem estknular-se, por todos os meios, o desenvolvimento das actividades artís­ticas profissionais e populares. Trata-se da organização dos tempos livres. A s acti­vidades artísticas profissionais iniciam o h o m e m nos problemas da vida social e individual, enquanto a arte popular, além da sua função de embelezamento dos laze­res, desperta e m calda ser u m artista e u m criador. É por esta razão que, na etapa actual do socialismo, a educação estética, como meio essencial de iniciação das crianças e dos adultos nos valores

B. T. IÂkhatchev (URSS). Professor. Director do Instituto de Investigações Sobre a Educação Artística da Academia das Ciências Pedagógicas.

culturais, foi erigida pelo Estado e m prin­cípio político.

A escola soviética contribui por todas as formas para a realização do desenvol­vimento multilateral da personalidade. Pela primeira vez na história da instru­ção pública, f oram-lhe atribuídos os meios de levar a b o m termo as tarefas ligadas ao pleno desenvolvimento intelectual e fí­sico da juventude, combinado c o m a sua preparação para a vida social e profis­sional.

Desde a criação da escola soviética que a educação estética tem sido considerada como u m dos principais instrumentos para despertar as crianças para u m a abordagem criadora da vida. O s «Prin­cípios fundamentais da escola única do trabalho», definidos, e m 1918, pela Comis­são de Estado para a Instrução e assi­nados por A . V . Lounatcharsky, preci­sam: «... por formação estética, devemos entender o desenvolvimento sistemático dos órgãos dos sentidos e das faculdades criadoras, o que alarga o campo do bem--estar proporcionado pela beleza e pelos actos que a criam. A educação pelo tra­balho e a formação científica, privadas deste elemento, não possuiriam alma...»1

Eminentes figuras da vida pública e da pedagogia soviéticas—N. K . Kroupskaïa, A . V . Lounatcharsky, A . S. Makarenko, S. T . Chatsky — consideravam a educa­ção estética não como u m a esfera dis­tinta da instrução das crianças, m a s como u m processo indissoluvelmente li­gado à educação ideológica e política, à educação pelo trabalho, à formação moral e ao desenvolvimento físico da jovem geração.

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Actualmente, a educação estética dis­pensada nas escolas soviéticas é conce­bida como u m processo multiforme. Atri­bui importância não só às actividades artísticas propriamente ditas, m a s tam­b é m à realidade circundante: beleza do trabalho, da natureza, das relações no seio do colectivo de trabalho, beleza da criação profissional e da criação artística. Esta educação deve, entre outras tarefas, desenvolver e m todas as crianças inte­resses culturais, desejo de actividade cria­dora e de participação na edificação de u m a vida baseada nos ideais do comu­nismo. Neste aspecto, é indispensável dis­tinguir polo menos três características fundamentais da educação estética.

A primeira é o seu papel crescente como elemento que contribui para a formação, nas crianças e adolescentes, de u m a con­cepção saudável do mundo e para lhes conferir a firmeza ideológica pretendida. Esta função está essencialmente ligada à acção educativa da arte. O realismo socialista na arte procura desenvolver nos jovens os ideais comunistas e incita--os à luta pela causa da classe operária e de todos os trabalhadores, contra a ideologia e a moral burguesas. A reali­dade, interpretada artisticamente e apre­endida e m função da concepção do mundo do artista que a representa na obra de arte, forma no h o m e m — leitor, especta­dor, auditor— u m a atitude ideológica, moral e estética que corresponde a esta concepção do mundo. Tratándole dos objectivos e das tarefas da educação artística e estética, não basta pensar uni­camente e m desenvolver nas crianças a capacidade de sentir, compreender e criar a beleza: é sempre necessário clarificar a própria noção de beleza, pois a 'beleza, que está intimamente ligada às concep­ções de classe, m a s que traz dentro de si elementos de valores estéticos eternos, está longe de ser unívoca para o conjunto dos membros de u m a sociedade. Segundo

a estética do realismo socialista, a verda­deira beleza é função da ligação indisso­lúvel que une o artista à vida do povo, do seu espírito de partido na apreciação da realidade e da sua aptidão para re­flectir de maneira altamente artística a vida real na sua evolução revolucionária. «O único critério de apreciação do valor social de qualquer obra foi e continua a ser, como é evidente, o seu impacto ideológico», afirmou L . I. Brejnev no X X V Congresso do P C U S 2.

Os escritores e artistas soviéticos são muito exigentes na obra que destinam à juventude. Pouco depois do X X V Con­gresso do P C U S reuniram-se congressos e plenários das uniões criadoras, que agrupam os representantes das diversas formas da arte soviética para estabelecer u m balanço completo das suas experiên­cias e propor vias de desenvolvimiento da arte soviética à luz das tarefas fixadas pelo partido. U m dos principais temas da discussão foi a caracterização das obras de arte destinadas à jovem geração.

Os artistas soviéticos e a escola parti­cipam no m e s m o esforço de educação. «A 'literatura e a pedagogia — declarou, no VI Congresso dos escritores, M . I. Kon-dakov, vicepresidente da Academia das Ciências Pedagógicas — encontram-se li­gadas, na hora actual, por u m a tarefa complexa e da maior importância, à in­vestigação profunda idos meios que per­mitem aperfeiçoar a educação dos nossos contemporâneos. Assim, não é por acaso que o resultado dos nossos esforços de­pende, e m larga medida, das reacções suscitadas na escola pelos processos ex­plorados pela literatura e pelas reacções da literatura aos processos de formação do indivíduo na escola» (Outchitélskaïa Gazeta, de 24 de Junho de 1976).

A abordagem científica dos problemas ligados à formação da concepção do mundo nas crianças durante a sua edu­cação estética consiste e m seleccionar, para esta educação, obras de arte de elevado conteúdo ideológico, despertando

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a atenção da criança e fornecendo-lhe as melhores condições ide percepção e de assimilação da essência ideológica e artís­tica destas obras. Importa que todas as crianças aprendam a penetrar na simbo­logia de cada obra de arte, saibam com­preender o que o artista pretendeu trans­mitir, tenham a impressão de participar nos factos representados. O processo de percepção primária da obra de arte é apenas o início do contacto com as ima­gens, os heróis e as ideias que ela apre­senta. O contacto com a arte é sempre u m fenómeno progressivo. E , quanto mais a obra de arte se aproximar da realidade e conseguir transmita- toda a sua profun­didade, mais estará ao serviço do que a vida comporta de novo e de progressista ; o artista exerce, então, u m domínio mais forte sobre os nossos pensamentos e sen­timentos, e o processo da nossa comu­nicação com a obra de arte torna-se imais completo e durável; finalmente, quanto maior for a actividade criadora das pró­prias crianças, mais eficaz será o pro­cesso de formação da sua concepção do mundo.

A segunda característica da educação estética na escola soviética reside no facto da sociedade socialista esperar que ela forneça u m contributo substancial para a ¡cultura geral do povo e para o desevolvimento harmonioso de cada indi­víduo. O aumento do bem-estar material do povo acompanha a elevação do seu nível cultural. Ê u m processo correlativo.

A revolução científica e técnica tornou necessária a reforma do ensino escolar. Houve modificações na estrutura da es­cola, nas partes relativas das diversas disciplinas do programa e no próprio con­teúdo destas disciplinas. O programa de estudos tipo reflecte o desejo dos peda­gogos soviéticos, que pretendem combi­nar harmoniosamente as matérias das ciências humanas e as das ciências exac­tas e naturais. N o grupo das ciências

humanas, podemos distinguir três disci­plinas mais particularmente ligadas ao domínio da estética: a literatura, as artes plásticas e a música. Estas disciplinas, para retomar os termos de V . G . Bie-linsky, formam «o h o m e m no h o m e m » para o transformar n<uim membro digno e activo da sociedade, n u m construtor do comunismo. A iniciação sistemática dos alunos na arte ajuda a formar o seu gosto artístico, as suas noções de esté­tica e o seu raciocínio e m geral.

A s disciplinas do domínio da estética caracterizam-se por u m certo número de traços fundamentais. Nas aulas de lite­ratura e de arte, os alunos t o m a m conhe­cimento das obras de arte mais notáveis, profundamente marcadas pelas grandes ideias do humanísimo progressista. A se­lecção das obras de arte estudadas na escola assenta no princípio da fidelidade ao espírito de partido, nas qualidades ideológicas e artísticas destas obras, e no carácter de actualidade do seu con­teúdo para a cultura soviética moderna e para a formação intelectual dos alunos. A o referir-se a estas obras, o professor ajuda os alunos a alargar os seus hori­zontes de pensamento, f ornece-lhes a pos­sibilidade de penetrar no mundo dos sen­timentos elevados e de experimentar o prazer da comunicação com as grandes obras da humanidade e com o universo do belo.

A s lições de formação estética permi­tem que a actividade criadora pessoal dos alunos se desenvolva. O professor ajuda os alunos a adquirir os automa­tismos e as aptidões graças às quais se poderão exprimir através de represen­tações. Ensina-lhes igualmente a desco­brir a vida, enriquece as suas impressões vividas, ajuda-os a generalizar as suas observações através de uima imagem, a veicular u m a ideia, a traduzir os seus sentimentos de maneira concreta. O pro­fessor deve realizar tudo o que acabamos de apontar não só quando se trata da criação imediata das crianças sob forma

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Tendências e casos

de imagens, m a s também nas aulas de artes plásticas, e ainda quando se trata da arte da interpretação, principalmente nas aulas de música e literatura, o que exige das crianças u m a grande dispo­nibilidade de espírito e muita imaginação e sensibilidade.

A principal disciplina de formação esté­tica é a Literatura. N a s escolas russas, o essencial do curso de literatura é natu­ralmente constituído pela literatura russa e soviética. M a s , para completar a for­mação geral dos alunos e também para assegurar a sua educação internaciona­lista, o programa ocupasse também das grandes obras dos vários povos da U R S S e da literatura universal. Nas repúblicas federadas e autónomas, as regiões autó­nomas e os departamentos nacionais, é também a literatura nacional que se en­contra no cerne do programa. A activi­dade pessoal dos alunos assume a forma de u m a leitura expressiva de poesia e de prosa e de exposições orais ou de com­posições escritas sobre as leituras efec­tuadas e sobre os autores.

O ensino da música tem por objectivo geral a formação do sentido estético e moral dos alunos, da sua sensibididade musical; desenvolve o amor pela música e incita-os a adoptar u m a abordagem activa e criadora desta forma de arte. A escola soviética pretende proporcionar às crianças os rudimentos da educação musical: ensina-lhes a cantar correcta e expressivamente, a desenvolver os seus dons musicais, a adquirir conhecimentos de base sobre a música e familiariza-os sob u m a forma acessível com a obra dos maiores compositores soviéticos e estran­geiros. A s obras apresentadas aos alunos são escolhidas e m função do seu valor ideológico e artístico, da sua expressivi­dade e da atracção que podem exercer sobre as crianças. Permitem compreender a música como instrumento de conheci­mento da realidade, como espelho da vida e dos sentimentos humanos. O programa de canto e de audição musical compreende

obras populares e de compositores russos pré-revolucionários, soviéticos e estran­geiros. Por meio da audição de gravações, as crianças travam conhecimento com os grandes intérpretes e 'aprendem a apre­ciar a sua capacidade de execução.

A s aulas de música na escola atribuem grande importância ao canto coral, forma mais acessível da actividade musical de massa. O professor ensina os alunos a exprimir, na sua execução, os sentimentos e as ideias presentes na obra, o que é du­plamente importante, tanto do ponto de vista do despertar da emoção estética nas crianças como do desenvolvimento da voz, tendo e m conta que as reacções emocio­nais estimulam todo o aparelho vocal. O canto e a audição musical permitem que as crianças adquiram progressiva­mente noções de teoria musical e conhe­cimentos sobre o conteúdo e o carácter das obras, que aprendam a conhecer os meios de expressão musical, o género e a execução da obra estudada, os diféren­teos tipos de orquestras e de instrumentos, os coros e os vários registos de voz.

A razão de ser de todas as formas de instrução musical é a formação do ou­vido. O professor desenvolve sob todos os aspectos o ouvido musical dos alunos (al­tura, harmonia, ritmo, timbre). É o prin­cípio tonal que se encontra na base do desenvolvimento do ouvido e da prática da decifração da notação musical. O m é ­todo de decifração pessoal adquire-se por afinamento do sentido tonal e pelo es­tudo desenvolvido da tonalidade.

A s artes plásticas como disciplina de ensino têm por tarefa favorecer o desen­volvimento multilateral das crianças e, mais precisamente, desenvolver as apti­dões artísticas e criadoras, formar o sentido estético e artístico, despertar o interesse pelas artes plásticas, e f ornecer--Ihes os rudimentos das artes plásticas que lhes permitirão exprimir a realidade através de formas e de quadros.

O programa prevê quatro espécies de cursos: desenho da natureza; desenho

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Tendências e casos

temático; desenho decorativo; conferên­cias.

O desenho da natureza desempenha u m grande papel na formação de capaci­dades e de automatismos em matéria de figuração realista. Os automatismos ad­quiridos no desenho da natureza são uti­lizados pelos alunos em desenho temático e em desenho decorativo, os quais exigem memória e imaginação. Estas actividades são importantes para o desenvolvimento do espírito criativo e da aptidão para pensar por imagens.

A familiarização com as grandes obras da arte plástica faz-se de duas maneiras. As aulas práticas constituem uma oca­sião de apresentar obras que servem para explicar os meios expressivos do desenho, da pintura e das artes decorativas. N o decurso de conferências especiais sobre u m tema ou uma obra de um grande ar­tista, os alunos travam conhecimento com as melhores produções da arte russa pré--revolucionária, soviética e estrangeira. Aprendem, assim, a captar toda a ri­queza das obras apresentadas, a com­parar e a generalizar as suas impressões e a emitir opiniões sobre o gosto.

Além das três disciplinas especializadas que indicámos, a arte é ensinada nas au­las de história universal e de história dos povos da U R S S . Podemos avaliar a im­portância atribuída à arte através da proporção dos textos dos manuais de história que lhe são consagrados: 5.° ano de estudos, História da Antiguidade — cerca de u m quarto (29 % ) ; 6.° ano, His­tória da Idade Média — cerca de u m quinto (18,5 %) ; 7.° ano, História dos povos da U R S S — um pouco mais de u m quinto (22 % ) . Esta proporção é li­geiramente reduzida nas classes termi­nais.

A História é uma disciplina que se ocupa muito da arte, em geral, e sob as suas principais formas. As crianças ad­quirem u m conjunto de conhecimentos que abrangem as etapas mais notáveis da História da Arte desde o seu apareci­

mento até às suas manifestações actuais mais gritantes. As aulas de História fa-miliarizam-nas com os maiores criadores das mais belas obras de cada época his­tórica, e não só com os do seu próprio povo e dos outros povos da U R S S , mas também com os maiores expoentes do património artístico da humanidade, do antigo Egipto, da Grécia e de Roma, da índia e da China, dos indígenas da A m é ­rica e do Oriente Ãrabe, da Europa M e ­dieval, e também com a arte nova dos povos da Europa, da Ásia, da América e dos países africanos em desenvolvi­mento. O volume global dos textos rela­tivos à cultura e à arte nos manuais de História de todas as classes, a partir do 4.° ano de estudos, constitui, aproximada­mente, a décima parte do total (11,4 %).

N o material relativo à cultura artística incluído nos cursos de História, cabe u m lugar importante as artes plásticas. E m primeiro lugar porque os quadros e as obras de arquitectura se conservaram melhor; encontram-se, assim, no cerne da História Antiga. E m segundo lugar, muitas criações desta forma de arte cons­tituem a única fonte que serve para estabelecer a verdade 'histórica, e são, portanto, utilizadas como documentos históricos. Afinal, de todas as disciplinas do 'programa escolar, a História é a que concede mais importância às artes plás­ticas.

Os alunos têm a possibilidade de expe­rimentar todas as artes principais. Os que manifestam interesse ou aptidões para determinadas formas de arte têm à sua disposição diversas modalidades de for­mação e de educação. Algumas encon­tram-se representadas na própria escola e assumem a forma de actividades extra­curriculares com os concertos, as expo­sições, os clubes, incluindo os de dança, as sociedades e círculos de amadores de arte, os clubes internacionais, as confe­rências, etc. Estas actividades são orga­nizadas em função da idade dos alunos, mas participam todos os grupos etários,

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Tendências e casos

desde as primeiras classes até às termi­nais.

O s cursos facultativos constituem u m a forma importante dos estudos. São orga­nizados nas últimas classes, a partir do 7.° ano de estudos, e m função dos inte­resses manifestados pelos alunos. Exis­tem actualmente dois tipos de cursos fa­cultativos que influenciam directamente a formação artística e a percepção esté­tica dos alunos. E m primeiro lugar, os cursos de aprofundamento e de alarga­mento dos conhecimentos e das aptidões dos alunos n u m a determinada disciplina : a Literatura, as Artes Plásticas ou a Música. Podemos acrescentar os cursos facultativos sobre a arte cinematográfica e o teatro. O segundo tipo é o dos cursos ditos «sintéticos», que reúnem todas as formas de arte. O seu princípio está li­gado à explicação da natureza da arte, ou à história da arte. C o m o exemplo de cursos sintéticos associando as diversas formas de arte n u m a tentativa de expli­cação da sua essência estética, podemos citar o que trata dos «Fundamentos da estética e da crítica de arte». Outro exem­plo é fornecido pelo curso intitulado «His­tória da cultura artística universal».

A acção educativa da arte não se exerce apenas no quadro das disciplinas rela­tivas à formação estética e do sistema dos cursos facultativos. A s formas de educação estética e m classe e fora das horas de classe são completadas por for­m a s extra-escolares. O desenvolvimento harmonioso e multilateral dos jovens ci­dadãos é assegurado pelo conjunto dos meios oficiais aplicados para educar e instruir a jovem geração, desde o período pré-escolar ; e estes meios decorrem essen­cialmente da educação estética. A s for­m a s extra-escolares de educação estética constituem u m sistema complexo que agrupa as escolas especializadas para crianças dotadas n u m dos domínios da arte, os palácios e dos pioneiros e as emissões especiais de rádio e de televisão para crianças e adolescentes, os

jornais, as editoras para crianças, os teatros e cinemas para crianças e certas actividades das associações de artistas criadores.

Alguns exemplos. A escola de ensino geral faz a iniciação musical como do­mínio da arte. A música constitui matéria obrigatória. O país possui u m a rede de escolas de música para crianças parti­cularmente dotadas. Recebendo u m a ins­trução geral n u m a escola c o m u m , os alu­nos destas escolas especiais adquirem u m a formação musical aprofundada e aprendem a tocar u m instrumento. E m Moscovo, por exemplo, contam-se, para 1200 escolas de ensino geral, 69 escolas de música frequentadas por 504 094 alu­nos. A m e s m a situação pode ser obser­vada aproximadamente e m todo o país. Para as crianças particularmente dotadas existem escolas com dez anos de estudos que dispensam u m a formação musical especializada ou outra formação artística (artes plásticas, coreografia) paralela­mente à instrução geral.

Outro exemplo. E m cada cidade ou capital de distrito, existe u m palácio e casas de pioneiros. Estes estabelecimen­tos incluem oficinas de música, de coreo­grafia e de teatro, beim como, na maior parte dos casos, oficinas de artes plásti­cas e de cinema. O conjunto de cantos e danças do Palácio Loktiev de pioneiros de Moscovo fornece-nos u m a ideia das actividades dos colectivos de crianças ar­tistas amadoras dos palácios de pioneiros. Este conjunto inclui u m coro, u m a or­questra e u m grupo de ballet; conta com 1500 membros de idades diferentes e pro­venientes de todos os bairros da cidade. É u m dos mais importantes conjuntos musicais de crianças da União Soviética.

Mais u m exemplo. Todas as associações de artistas criadores —escritores, pinto­res, compositores, cineastas, sociedade de arte dramática — possuem u m a comissão especializada sobre a educação estética das crianças e dos adolescentes. A co­missão da União dos compositores or-

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Tendencias e casos

ganiza concertos para as crianças e adolescentes apelando para os melhores conjuntos musicais, ipara prestigiosos in­térpretes e para musicólogos altamente qualificados. A União dos artistas pinto­res organiza exposições temáticas itine­rantes, e m especial para as crianças, tais como «Os pintores e as crianças», «Pai­sagens da Patria», « A terra e os homens», «O tema do trabalho nas artes plásticas», etc.

Certas formas de actividade extra--escolar são da responsabilidade c o m u m dos organismos de instrução ¡pública, do Komosöl e das associações de artistas criadores. Citemos algumas: a Semana Nacional do Livro para crianças ; as fes­tas da canção, originárias das Repúblicas do Báltico e transformadas e m u m dos aspectos da educação musical e m toda a União Soviética; as exposições de dese­nhos infantis, que deram origem, na Ar ­ménia, ao primeiro museu soviético do desenho infantil e, ultimamente, a u m segundo museu deste tipo na Geórgia; os concursos e festivais de crianças ar­tistas, à escala de todo o país. Recente­mente, surgiu u m a festa da literatura na R F S F R ; realizou-se pela primeira vez e m 1973 e foi consagrada à obra de Pouch­kine. Tornou-se, e m seguida, anual e, e m 1975, foi dedicada a Lermontov. E m 1976, a festa foi organizada e m torno do tema «Consideremos o exemplo dos comunistas». Citemos, para terminar, a Semana do Teatro Infantil, que acaba de ser criada como forma particular de edu­cação estética, m a s que já conquistou estima e popularidade.

A terceira característica da educação es­tética na escola soviética deve ser rela­cionada com o seu papel crescente no desenvolvimento da criatividade do indi­víduo. Esta característica é determinada por processos ligados à revolução cien­tífica e técnica, o que aumentou forte­

mente a procura de potencial criador humano. A produção e a vida social con­temporâneas ordenam que o h o m e m se encontre sempre apto para dar provas não só de eficácia, m a s também de ima­ginação na execução das tarefas que lhe são confiadas e para aperfeiçoar inces­santemente os métodos de trabalho e as acções tecnológicas. Respondendo às ne­cessidades do progresso científico e téc­nico, a pedagogia efectua investigações intensivas para acelerar o desenvolvi­mento das faculdades intelectuais do indivíduo durante o processo de aquisi­ção dos conhecimentos, das aptidões e dos automatismos. Dedicasse muita atenção aos exercícios práticos e m laboratório e à criação de situações que introduzam, no processo de ensino, investigações a efectuar e problemas a resolver. A este respeito, devemos sublinhar que o desen­volvimento de processos psíquicos como a imaginação, a atenção, a memória e a reflexão é particularmente favorecido pelas actividades artísticas criativas.

O estudo da literatura como arte da palavra e a aquisição do hábito da leitura desenvolvem a aptidão para a percepção afectiva e estética do conteúdo conceptual e artístico das obras, graças ao conheci­mento dos princípios fundamentais da arte literária. O s melhores professores soviéticos de língua e de literatura des­cobrem nos alunos pensadores, poetas, narradores capazes de compreender o pensamento filosófico e os sentimentos do escritor, de distinguir cores e sons inacessíveis ao espírito, ao coração, à vista e ao ouvido não preparados. Ensi-nam-lhes igualmente a conceber os fac­tos, os acontecimentos e a vida n u m a perspectiva mais ampla, o que só é pos­sível graças a u m estudo literário e m que todas as etapas contribuem c o m novos conhecimentos, desenvolvem o espírito de observação, a atenção ao verbo poético e à imaginação, suscitando assim u m a espécie de conivência e de simpatia com o autor.

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Tendências e casos

O s cursos sistemáticos de música e de dança pretendem promover no h o m e m não só o ouvido, a voz, o domínio dos m o ­vimentos (oporte), como também a aten­ção, a memória, a reflexão, a imaginação e a intuição. Tudo o que acabamos de dizer assume u m a grande importância no desenvolvimento da criatividade, geral e especializada, e reforça nitidamente as faculdades volitivas do indivíduo: o es­pírito de disciplina e o sentido das res­ponsabilidades, assim como as aptidões universais como o sentido do ritmo, da medida, da forma, do tempo e da har­monia.

A s artes plásticas não são menos ricas e m possibilidades de desenvolvimento. A sua especificidade reside no facto de constituírem não só u m domínio do conhe­cimento ou u m meio de expressão, m a s também u m a maneira de considerar a realidade. Participam da maneira mais directa na configuração do ambiente hu­m a n o : paisagem, arquitectura, disposição interior e decoração dos edifícios, máqui­nas, vestuário, tudo o que está ligado ao trabalho e à vida quotidiana do h o m e m . Ê por esta razão que u m dos elementos importantes da formação estética das crianças por meio das artes plásticas é a organização do seu ambiente, a deco­ração interior e exterior da escola e o ordenamento racional: pintura, equipa­mento e ornamentação do local onde a criança estuda e passa as horas de re­creio. A aptidão para se basear e m cri­térios artísticos para julgar os factos e apreciar correctamente as suas próprias criações e as dos outros e m função dos ideais sociais e de u m a correlação harmo­niosa entre a forma e o conteúdo é u m a das faculdades desenvolvidas pelas acti­vidades artísticas deste tipo. Os estudos de arte plástica desenvolvem a capaci­dade de ver, observar, estabelecer dife­renciações, analisar e classificar os fenó­menos do mundo real, ordenar o fluxo das informações visuais. Ensinam a enun­ciar sob formas visualmente definidas

as condições de realização das tarefas de criação. Desenvolvem o sentido esté­tico e a capacidade de apreender o belo na realidade concreta e na arte.

Além do seu papel de desenvolvimento de todas as faculdades, a arte possui u m a função específica e que lhe é própria. Trata-se da formação do pensamento ar­tístico, isto é, da reflexão sob a forma de repreesntações artísticas. Esta forma de reflexão só é desenvolvida no processo de criação artística e pelo contacto per­manente com a arte. Esta actividade de criação e este contacto com a arte for­m a m o consumidor de arte avisado, capaz de distinguir as particularidades artísticas de cada obra, e desenvolvem o pensamento artístico que é u m a condi­ção importante do processo científico e técnico ulterior. É directamente utilizável na construção de novas máquinas, de novos aviões e de novas instalações téc­nicas. Faz parte integrante do pensa­mento científico e técnico. A pedagogia fornece u m a ajuda substancial para a so­lução dos problemas da educação esté­tica na escola soviética.

N a U R S S , o desenvolvimento da peda­gogia no domínio da educação estética foi determinado, depois da Revolução de Outubro, pelos novos e imensos impera­tivos da reorganização de todo o sistema de instrução pública do país. Nas suas exposições, A . V . Lounatcharsky e N . K . Kroupskaïa insistiram sobre o papel da arte na formação do h o m e m completo e sobre a organização da vida na escola, e apontaram a ligação existente entre a arte e os processos de trabalho.

Kroupskaïa e Lounatcharsky reuniram à sua volta u m grande número de artis­tas pedagogos. Entre eles, A . V . Bakou-chinsky merece u m a referência especial. Foi sob a sua direcção que se empreendeu o estudo sistemático do desenho infantil, bem como investigações experimentais. Enquanto anteriormente as actividades plásticas das crianças eralrn consideradas u m fenómeno isolado, sendo, na maior

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Tendências e caaos

parte das vezes, estudadas sem ligação com os elementos pedagógicos, a acumu­lação de observações interessantes solbre a formação artística das crianças permi­tiu formular u m a tese que ainda se en­contra e m vigor, a da necessidade de tomar e m consideração as particularida­des dos diferentes grupos etários. O s fac­tos recolhidos conduziram igualmente à rejeição da hipótese errónea respeitante ao desenvolvimento espontâneo da cria­ção artística nas crianças. A s investiga­ções dos cientistas coneentraram-se, en­tão, sobre o estudo do desenvolvimento da criatividade infantil devidamente orientada n u m contexto pedagógico apro­priado.

Os princípios de complementaridade e de interdisciplinaridade desenvolveram-se e aperfeiçoaram-se no ensino da® artes desde os primeiros dias da escola sovié­tica. Durante o período inicial, foram formulados por Lounateharsky, que os considerava u m meio de combinar har­moniosamente a aprendizagem das ciên­cias e das artes: «Ninguém deve ser ignorante. Todos devem possuir os rudi­mentos de todas as ciências e de todas as artes».s

Nos anos vinte e trinta, a sociologia concreta assumiu u m a importância con­siderável nos planos de investigação. A s preferências artísticas dos alunos eram muitas vezes isoladas dos outros inte­resses demonstrados, e do conjunto da sua personalidade. Este m o d o de abor­dagem não permitia, como é evidente, compreender a função da arte na for­mação da personalidade. N o entanto, foram precisamente as investigações de­senvolvidas nessa época que permiltiram determinar o objecto de estudo funda­mental ou seja, as preferências artísticas das crianças.

A criação, depois da guerra, do .grande centro de investigações científicas que é a Academia das Ciências Pedagógicas da R S P S R (1946) e do seu Instituto de In­vestigações sobre a Educação Artística,

iniciou u m a nova etapa nas investigações teóricas indispensáveis para os progres­sos da educação estética na escola.

Inicialmente, esta etapa foi marcada pela análise dos resultados recolhidos pela pedagogia e pela escola soviéticas durante os anos vinte e trinta, o que deveria repercutir-.se e m quase todas as investigações científicas. Foi nos anos cinquenta e sessenta que, finalmente, se encontraram reunidas as condições objec­tivas para a criação de u m a nova disci­plina científica independente : a teoria da educação estética.

Desde aí, intensas investigações cien­tíficas acompanham o desenvolvimento e a promoção da arte. Pulblicou-se toda u m a Série de trabalhos sobre as questões fundamentais da teoria e da prática da educação estética (A. Bourov, V . Vans-lov, V . Razoumny, V . Skaterstchikov, etc.). Realizam-se tentativas de análise do sistema de educação estética e m vigor no nosso país (N. Kiastchenko) c o m o m e s m o objectivo de elaboração de u m a metodologia que permita resolver estes problemas. O s psicólogos e os psicofisio-logistas começaram a interessar-se muito mais pelo problema do «homem e a arte» (N. Volkov, V . Zintchenko, E . Nazaikins-ky, O . Nikiforov, P . Simonov, P . Yakob-son, etc.). Desenvolvem-se igualmente investigações intensas sobre psicologia social.

A s investigações experimentais na es­cola desenvolvem-se e estabelecem-se e m bases científicas mais sólidas. São parti­cularmente intensas nas Repúblicas do Báltico e Transcaucasianas, na Ucrânia, na Bielorússia e, no que ss refere à R S P S R , e m Moscovo, Leninegrado, K a ­zan e Novossibirsk. O compositor D . B . Kabalevsky dirige u m a experiência colec­tiva destinada a estabelecer u m novo programa de ensino da música. Prépa­rante e experimentam-se, e m certas es­colas, outros programas de arte, e m par­ticular o programa de artes plásticas, o programa do curso facultativo «Cultura

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Tendências e casos

artística universal» sob a direcção de D . B . Kabalevsky, etc.

A elaboração e a aplicação da teoria e dos métodos da educação estética foram grandemente facilitadas pela decisão do Colégio do Ministério da Educação da U R S S , e m Dezembro de 1970, ordenando u m a revisão radical da educação estética na escola. Instaurou u m sistema único de educação estética, no qual o trabalho realizado nas aulas e fora das horas de escola e as actividades extra-escolares são harmonizados e prevê-se a elaboração de novos programas de formação artís­tica, durante os dez anos de estudos.

O Instituto de Investigações sobre a Educação Artística da Academia das Ciências Pedagógicas é o centro das in­vestigações sobre os problemas da edu­cação estética, tendo e m vista a elabora­ção de u m sistema coerente de educação estética. A generalização dos resultados das investigações anteriores, das aquisi­ções da ciência da educação estética e da prática das melhores escolas e dos melho­res professores permitiu realizar u m a série de estudos fundamentais. («A edu­cação estética dos alunos»; « A arte e a educação militar e patriótica dos alunos», «O teatro e o adolescente», etc.)

Pela primeira vez na história da peda­gogia foi criado u m sistema de cursos facultativos e de círculos de arte desti­nados aos alunos das instituições extra--escolares e das escolas do ensino geral («Fundamentos da cultura teatral» e «Fundamentos da arte cinematográfica», destinados aos alunos do 7.° ao 10.° ano) e foram publicadas diversas obras meto­dológicas.

Actualmente, a investigação orianta-se principalmente para a solução dos pro­blemas de actualidade suscitados pela necessidade de definir o novo conteúdo do ensino da literatura, das artes plás­ticas e da música. Desde 1970 que se realiza u m a experiência nacional de ela­boração de programas de artes plásticas e de música, e m que participam cerca de

cinquenta escolas de sete repúblicas fede­radas.

O trabalho de experimentação e a ge­neralização da experiência dos pedagogos de vanguarda permitiu estabelecer va­riantes de programas de ensino do 1.° ao 10.° ano de estudos, à razão de duas horas por semana, e do 1.° ao 6." à razão de u m a hora por semana, assim como programas tipos para as escolas das repú­blicas federadas.

«O estudo das preferências artísticas dos alunos» constituiu o primeiro inqué­rito de sociologia concreta da educação artística de grande extensão, efectuando--se por grupos etários, sobre a atitude dos alunos dos dez anos de estudos e m relação às formas de arte mais popula­res (literatura, cinema, música, teatro, artes plásticas). Permitiu analisar o efeito produzido sobre as preferências artísticas do aluno pelas principais com­ponentes do meio social (família, escola, instituições culturais, mctss media), ba-seando-se no estudo de escolas de diver­sas regiões do país (Moscovo, Pedago-gika, 1974).

Assim, a pedagogia desempenhou u m papel considerável no desenvolvimento da educação estética ministrada nas escolas soviéticas. A s investigações conduzidas pelos pedagogos têm por objectivo não só elevar as crianças a u m nível cultural que lhes permita compreender a verda­deira arte e adquirir u m sentido artístico profundo, como também desenvolver, graças a u m a arte realista e autentica­mente revolucionária, u m a concepção marxista4eninista do m u n d o e u m a abor­dagem comunista da vida.

Notas

1. A Revolução, o arte, as crianças, p. 102, Mos­covo, Prosvechtchenie, 1966<

2. Documentos e resoluções, X X V Congresso do P C U S , p. 1)00, Moscovo, A P N , 19TC<

3. A Revolução, a arte, as crianças — Materiais e documentos, p. 85, Moscovo, 1966.

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Notas e comunicações

Revista de publicações

O desenvolvimento do sistema de educação na República Democrática Alemã à luz de documentos

Parte I: 1945-1955. Documentos escolhidos por Gottfried Ulhig. Volk und Wissen Volkseigener Verlag, Berlim, 197Q- 557 pp. ('A parte I corresponde ao toimo VI da série «Monumenta paediagogica» ).

Parte II: 1956-1967/68. E m dois meios tomos. Documentos escolhidos por Karl-Heinz Guerather e m colaboração com Christine Lost. Volk und Wissen Volkseigener Verlag, Berlim, 1969, 857 pp. (A parte II correspond« aos tomos VII/1 e V H / 2 da série «Monumenta paedagogica» ).

Parte III: 1968-1972/73. E m dois meios tomos. Documtentos escolhidos por Karl-Heinz Guenther e Christine Dost. Volk und Wissen Volkseigener Ver­lag, Berlim, 1974. 855 pp. (A parte H I correspond« aos tomos XVI/ I da série «Monumenta paedagogica»).

Os cinco tomos da série «Monumenta paedago­gica» já editados sobre a história do sistema educativo na República Democrática Alemã são extremamente preciosos, pois reflectem o desen­volvimento do sistema educativo n u m país socialista desde a sua origem até aos nossos dias. Os cinco tomos reúnem todos os documen­tos de base no dominio da educação que foram adoptados entre 1945 e 1973 e que marcam a historia do sistema educativo na República De­mocrática Alemã. Os compiladores escolheram--nos e prepararam-nos especialmente com o fim de serem publicados. Estes documentos relatam a complexidade das condições iniciais do sistema de educação no actual território da República Democrática Alemã depois do esmagamento do fascismo hitleriano, em 1945, e mostram como foi possível, na base de transformações funda­mentais das relações de propriedade e de poder na sociedade e da abolição de todo o privilégio em matéria de educação, garantir progressiva­mente a todos os indivíduos condições de desen­volvimento da sua personalidade.

O estudo dos documentos apresentados per­mite que o leitor compreenda as causas que per­mitiram atingir o notável desenvolvimento do sistema educativo nacional na República D e m o ­crática Alemã e obter, num período historica­mente curto e não obstante dificuldades de toda

a ordem, sucessos que lhe valeram a estima internacional.

Os documentos demonstram a estreita corre­lação e as interacções entre a educação e a Sociedade. A educação não é u m fenómeno abs­tracto e intemporal; está ligada, sob as miais variadas formas, à situação social existente, e m especial às relações de propriedade, de poder e de classe na sociedade. Os documentos salien­tam que a educação é sempre chamada a desem­penhar u m a função social. Como é evidente, deve contribuir para proteger e consolidar as relações sociais existentes. Os seus objectivos, o seu conteúdo, os seus métodos e as suas for­mas de organização são determinados por in­tenções sociais. Os novos problemas sociais têm sempre incitado os responsáveis a rever as con­cepções de educação e de instrução e a adaptá--las, em caso de necessidade, às exigências da vida social.

N o entanto, não existe u m a relação de auto­matismo entre os desenvolvimentos sociais e as transformações que se lhes seguem no plano da educação e da formação. O ensino e a edu­cação são, por assim dizer, o reflexo destes desenvolvimentos sociais. Desempenham sempre u m a função activa no processo de desenvolvi­mento social, urn papel de estímulo na formação do indivíduo como força decisiva de produção

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Notas e comunicações

e preparam a jovem geração para o domínio das exigências da sociedade futura. Os aproxi­madamente quatrocentos documentos recolhidos nos cinco tomos da série reflectem estas inter­acções dialécticas entre educação e sociedade. E particularmente evidente e m documentos tão importantes como a Lei sobre a democratização da escola alemã de 1945 (ver Parte I, pp. 207 e seguintes), a Lei sobre o desenvolvimento socialista do sistema escolar na República De-ocrática Alemã de 1959 (ver Parte II, p. 315

e seguintes) e de 1965 (Parte II, pp. 569 e seguintes).

Os numerosos textos relativos a alterações de objectivos, de conteúdos, de métodos e de for­mas de organização da educação e do ensino mostram que novas exigências sociais sempre estiveram na origem da sua preparação, da sua elaboração, da sua fixação na legislação (sob formas muito diversas) e da sua aplicação. Os objectivos e conteúdos de educação que não têm cessado de evoluir reflectem as múltiplas inter­acções entre a educação e a sociedade (ver, por exemplo, Parte, I, pp. 216 e seguintes, pp. 398 e seguintes; Parte II, pp. 260 e seguintes; Parte III, pp. 53 e seguintes, pp. 358 e seguin­tes, pp. 366 e seguintes, pp. 518 e seguintes e pp. 543 e seguintes). Exprimem-se igualmente nas transformações introduzidas nos horários de trabalho durante as diferentes etapas. A parte correspondente às ciências exactas e naturais, às ciências sociais (língua materna, história e educação cívica), à educação estética, cultural e física é reflexo das necessidades sociais (ver, por exemplo, Parte I, pp. 397, 517, 520; Parte II, pp. 31, 62, 113 e seguintes; pp. 240 e seguin­tes, pp. 260 e seguintes, pp. 781 e seguintes; Parte III, pp. 267 e seguintes).

Estas necessidades surgem tambétn e m textos que se referem unicamente às transformações em apenas uma disciplina de ensino, o que se torna mais nítido nas disciplinas cujos objec­tivos, conteúdos, métodos e formas de organi­zação são determinados por novas transforma­ções sociais — a saber, o ensino da história e da educação cívica (ver, por exemplo, Parte I, pp. 398 e seguintes; Parte III, pp. 577 e seguin­tes) — ou que devem acompanhar o progresso científico e técnico (por exemplo, a introdução do ensino politécnico; ver, a este respeito, Parte II, pp. 32 e seguintes, pp. 175 e seguin­tes, pp. 204 e seguintes, pp. 240 e seguintes, pp. 260 e seguintes; Parte III, pp. 53 e se­guintes).

A interpenetração da educação e da sociedade transparece igualmente nos documentos respei­tantes à promoção da instrução facultativa ou à satisfação de talentos e de interesses parti­culares (ver, por exemplo, Parte III, pp. 124 e seguintes, pp. 241 e seguintes, pp. 524 e se­guintes, pp. 530 e seguintes) ou que se referem

a transformações na formação inicial e contínua dos professores (ver, por exemplo, Parte I, pp. 214, 375 e seguintes; Parte II, pp. 344 e ssguintes, pp. 456 e seguintes, pp. 559 e seguin­tes, pp. 630 e seguintes; Parte IH, pp. 1117 e seguintes, pp. 158 e seguintes, pp. 206, 618 e seguintes).

Toda uma série de iniciativas em matéria de política educativa e de decretos visando u m a maior integração da organização das crianças e da organização da juventude no processo de educação e de formação (ver, por exemplo, Parte I, pp. 241 e seguintes, pp. 277 e seguintes, pp. 307, 356 e seguintes, pp. 403, 414 e seguin­tes; Parte III, pp. 405 e seguintes, pp. 466 e seguintes) revelam uma tendência mais ou menos marcada para transformar a educação e a formação da jovem geração num dever de todos os cidadãos. Estes documentos revelam que u m número sempre crescente de trabalhado­res foi sistematicamente mobilizado no interesse do trabalho educativo e apoia hoje activamente, e cada vez mais, os professores e educadores no seu trabalho (ver, por exemplo, Parte I, pp. 192 e seguintes, pp. 393 e seguintes, pp. 525 e se­guintes; Parte II, pp. 323 e seguintes; Parte III, pp. 293 e seguintes).

Os textos sobre o sistema escolar que foram incluídos na colecção dos cinco tomos limitam, portanto, de moído muito nítido, a estreita cor­relação entre a sociedade e a educação. Provam que, por u m lado, toda a transformação dos objectivos, conteúdos, métodos e formas de or­ganização da educação e da formação é deter­minada pelas exigências sociais e que, por outro lado, a educação e a formação exercem u m a função activa destinada a estabilizar o sistema.

Os compiladores dos cinco tomos de documen­tos sobre o sistema escolar na República D e m o ­crática Alemã procuraram, em primeiro lugar, reunir u m a colecção relativamente completa das leis, decretos, disposições de aplicação, etc., que se relacionam com a criação da «escola de ensino geral e politécnico de dez classesx Muitos documentos reflectem o processo de desenvolvi­mento da escola de ensino geral e politécnico a partir da antiga escola primária de oito clas­ses — que, e m geral, era, no campo, u m a escola primária com u m a única classe — até à escola de ensino geral e politécnico que é, desde o início dos anos setenta, obrigatória para todas as crianças. N o entanto, os documentos não salientam unicamente a extensão quantitativa da escolaridade obrigatória de 8 para 10 anos, mas também as múltiplas transformações qua­litativas no que se refere à matéria ensinada e ao nível de instrução. Mostram que todos os esforços desenvolvidos com o objectivo de dis­pensar às crianças, e m 10 anos, u m ensino geral e politécnico pretenderam, e pretendem sempre, proporcionar a todos u m a educação geral muito

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Notas e comunicações

elevada, u m a educação de base muito ampla e, apoiando-se nos últimos conhecimentos e m m a ­téria de ciências naturais e exactas e de ciên­cias sociais, u m a educação que facilite aos alunos, depois da escola de ensino geral e poli­técnico, o acesso aos estabelecimentos die estudos superiores da República. Embora os documentos recolhidos digam respeito essencialmente à es­cola de ensino geral e politécnico de dez anos, ê necessário sublinhar que esta escolha engloba todos os textos de base dos diversos domínios parciais do sistema unificado de ensino socia­lista, ou seja, a educação pré-escolar, as escolas profissionais, as escolas técnicas superiores, as escolas superiores e as universidades. Embora o sistema unificado de ensino socialista só tenha sido planificado e aplicado a partir de 1963/64 e erigido em lei no início de 1965, os documentos reunidos revelam sem equívoco que, mesmo antes da introdução do novo sistema todas as disciplinas do sistema educativo tinham sido continuamente desenvolvidas com o objectivo de as coordenar sistematicamente depois de aper­feiçoadas e de as integrar nuim sistema unificado de ensino.

A colecção apresenta os documentos mais importantes no domínio da educação pré-escolar recordando (ver Parte I, pp. 220, 271 e seguin­tes, pp. 375 e seguintes, pp. 409 e seguintes, pp. 430 e seguintes; Parte II, pp. 576 e seguin­tes, pp 785 e seguintes; Parte III, pp. 624 e seguintes) os esforços envidados pela Repú­blica Democrática Alemã para assegurar aos seus cidadãos mais jovens u m a educação uni­versal, assim como os melhores cuidados, m é ­dicos e outros. O aumento do número de esta­belecimentos pré-escolares e a modernização dos estabelecimentos já existentes constituem u m meio muito importante para garantir o desenvolvimento, a emancipação das mulheres e a sua igualdade de direitos. Actualmente, todas as crianças entre os 3 e os 6 anos podem frequentar — desde que os pais o desejem — u m estabelecimento pré-escolar.

A série «Monumenta paedagogica» compre­ende igualmente u m grande número de do­cumentos sobre o plano da formação profis­sional (ver Parte I, pp. 207 e seguintes; pp. 234 e seguintes; Parte II, pp. 42 e seguintes, pp. 543 e seguintes, pp. 588 e seguintes, pp. 841 e se­guintes; Parte III, pp. 40 e seguintes, pp. 183 e seguintes, pp. 597 e seguintes). Os esforços e as medidas tendo e m vista a formação pro­fissional dos jovens têm procurado sempre permitir — c o m excepção dos que frequentam estabelecimentos que permitem o acesso às universidades e às escolas superiores— apren­der, depois de terminar a escola primária de oito classes ou a escolia de ensino geral e politécnico de dez classes, u m ofício, o que, actualmente, se encontra totalmente assegurado.

A colecção inclui igualmente os mais impor­tantes documentos relativos às escolas técnicas superiores, universidades e escolas superiores (ver Parte I, pp. 209, 474 e seguintes; Parte n , pp. 456 e seguintes, pp. 544 e seguintes, pp. 592 e seguintes; Parte III, pp. 117 e seguintes, pp. 131 e seguintes). Estes documentos mos­tram como foi possível eliminar os privilégios educativos e garantir a todos, por lei, o direito à educação.

Os documentos que compõem esta colecção e que se referem aos vários domínios parciais do sistema de educação mostram que os esta­belecimentos pré-escolares, a escola de ensino geral e politécnica de dez classes, as escolas profissionais, as escolas técnicas superiores, as universidades e as escalas superiores fazem todas parte integrante de u m sistema unificado de ensino. Este sistema foi preparado, nas suas grandes linhas, pela lei sobre a democratização da escola alemã, e m 1946 (ver Parte I, pp. 207 e seguintes), embora só tenha encontrado a sua expressão explícita na Lei sobre o sistema uni­ficado de ensino socialista de 1965. Esta lei define a concepção estratégica e m matéria de educação para u m período historicamente mais longo.

A estrutura da colecção dos documentos é cronológica. Os documentos escolhidos para os cinco tomos são classificados segundo a data da sua publicação, da sua aprovação ou da sua promulgação. Os respectivos índices remetem para a fonte a partir da qual o documento esm questão foi reproduzido na colecção. A Parte III (segundo meio-tomo) fornece u m apanhado geral de todos os documentos (ver Parte m , pp. 791 e seguintes). Além disso, contém u m reportório de todos os textos do sistema esco­lar da República de 1945 a 1972/73 (ver Parte M E , pp. 818 e seguintes). Este repor­tório facilita a consulta dos diversos tomos e permite encontrar rapidamente todas as fontes relativas a U m problema determinado (por exemplo, conteúdo da educação, formação dos professores, ensino das línguas estrangeiras). O quinto tomo da colecção comporta igual­mente u m a estatística muito importante sobre o desenvolvimento do sistema escolar (ver Parte II, pp. 724 e seguintes) que o Dr. Roland Schmidt preparou na base de numerosos dados muitas vezes dificilmente acessíveis.

Os três primeiros tomos são precedidos por u m a apresentação pormenorizada da «História da Escola na República Democrática Alemã en­tre 1945 e 1968» (ver Parte I, pp. 25 a 152), de Karl-Heinz Guenther e Gottfried Uhlig.

U m inconveniente, porérni: os diferentes do­cumentos são apresentados de maneira relati­vamente isolada do processo de desenvolvimento social que conduziu ao seu nascimento e no qual tinham u m papel determinado a desempenhar.

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Notas e comunicações

Assim, o utilizador destas obras vê-se obrigado a recorrer aos documentos fundamentais rela­tivos à história do sistema educativo nacional na República Democrática Alemã actualmente disponíveis, Só eles permitirão compreender o peso, o significado e os limites dos diversos textos i.

Rudi S C H U L Z Academia das Ciências Pedagógicas

República Democrática Alemã

O leitor poderá recorrer às seguintes obras. G. UHXJG, Der Begvnn der Antifaschistisch-demo-cratischen Schulreform 1945/46 (0 Inicio da Re­

forma Escolar Antifascista-Democrática 1945/46), Akademie-Verlag', Berlim, 1965; Zur Entwicklung des Volksbildungswesens auf dem Gebiet der Deu­tschen Demokratischen Republik 1946-1949 (O De­senvolvimento do Sistema de Educação Nacional sobre o Território da RepúWica Democrática Ale­mã, 1946-1949), redigido por um colectivo de auto­res sob a responsabilidade de K. H . Guenth'er e G. Uhlig1, Volk und Wissen Volkseigener Verlag, Berlim, 1968; Zur Entwicklung des Volksbildungs­wesens in der Deutschen Demokratischen Repu­blik in den Jahren 1949-1956 (O Desenvolvimento do Sistema de Educação Nacional na Republica Democrática Alemã entre 1949 e 1956), redigido por um colectivo de autores sob a responsabilidade de G. Uhlig, Volk und Wissen Volkseigener Verlag, Berlim, 1974.

Os paradoxos do petróleo e da educação vistos por alguns educadores venezuelanos

J. F . R E Y E S B A E N A , Dependencia, desarrollo y educación, Caracas, U O V , 1972, 260 pp. L«. A . B I G O T T , El educador neocolonizado, Caracas, Editorial la Enseñanza Viva, 1975, SO pp. R . G . CASTRO, Educación y recursos humanos en Venezuela: un aporte al estudio de los recursos humanos de nivel superior, Caracas, U C V , 1976, 241 pp.

F. C H A C Ó N , Liderazgo docente en acción, Caracas, s. di. (19i77), 211 pp.

L A B O R A T Ó R I O E D U C A T I V O , Segunda hipótesis para un estudio del sistema escolar en Venezuela, Caracas, Cuadernos die educación, 1977, 97 pp. L . B . P R I E T O F I G U E R O A , El Estado y la educación en America Latina, Ca­racas, Monte Avila, 1977, 303 pp.

A . R O S E N B L A T , Le educación: la grande urgencia. Caracas, Monte Avila, 1975, (nova edição aumentada), 200 pp.

N , de V E L Á Z Q U E Z e outros, Orientaciones valorativas en el contenido de les libros de texto escolares (resultados cuantitativos), Caracas, C E N D E S / U O V , documento de trabajo n.° 20, 1975, 295 pp.

Para compreender e prestar justiça ao recente esforço de investigadores e responsáveis vene­zuelanos para avaliar de maneira crítica a si­tuação educativa ido seu país, convém, pensamos, atender à singularidade da evolução da Vene­zuela nas duas últimas gerações. E m primeiro lugar, e embora partilhe, sem dúvida, algumas das características culturais do seus vizinhos, a Venezuela deve libentar-se do cómodo rótulo de «país latiBo-iamierdcanio», que remete mais para analogias superficiais do que para com­parações úteis. N a verdade, se pretendemos comparar a situação actual da Venezuela com outras situações contemporâneas, não é em outro país latino-americano que devemos pen­sar, mas no exemplo inédito dos países produto­res de petróleo, não só porque a Venezuela é u m dos grandes produtores mundiais de petróleo

ou porque foi o país que tomou a iniciativa da criação da O P E P , mas porque a exploração e a exportação deste produto singular marcaram profundamente as estruturas deste país e in­fluenciaram directamente a evolução da proble­mática educativa.

Desenvolver um sistema educativo para quê?

O «modelo petrolífero» caracteriza-se, em pri­meiro lugar, por paradoxos na procura de for­mação.

A importância e a progressão constante de meios financeiros excepcionais permitiram que a Venezuela se libertasse, numa única geração, — de 1930 a 1960 aproximadamente — da sua

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Notas e comunicações

condicição tradicional de marginalidade na pe­riferia «terceiro-mundista» para assegurar a sua integração no mercado mundial e uma abertura caída vez maior aos contactos internacionais; que, numa segunda geração — de I960 até aos nossos dias — interrompesse o ritmo vegetativo do seu crescimento económico e a lentidão da sua expansão escolar graças a u m aumento substancial das despesas e dos investimentos do Estado. Este crescimento excepcional tra-duziu-se por u m aumento, único no mundo, das ofertas e m educação escolar e extra-escolar. Mas, actualmente, conduz a u m a situação preo­cupante de inflação generalizada. C o m efeito, se os rendimentos petrolíferos favoreceram a implantação de uma vasta infra-estrutura na­cional, desencadearam, sobretudo, u m a procura incontrolável, pensamos, de bens de consumo. Não é surpreendente, por exemplo, que a in­dústria petrolífera, motor financeiro e modelo tecnológico deste crescimento fabuloso, tenha sido a que menos contribuiu directamente para a expansão do mercado do emprego ? E , não obstante o enorme desejo dos sucessivos go­vernos de «semear petróleo», isto é, de suscitar, a partir da indústria petrolífera, u m desenvol­vimento industrial diversificado, a progressão das ofertas de empregos continua a ser a preo­cupação máxima dos responsáveis e a inquie­tação quotidiana das novas gerações que entram na vida activa.

Foi para este primeiro paradoxo que R . G . Castro chamou a atenção na sua tese signifi­cativamente intitulada: Educación y recursos humanos. Este professor da Universidade Cen­tral da Venezuela (UVC) , ao tomar ¡parte activa na planificação desta instituição de ensino su­perior, deseja contribuir para o melhoramento da relação entre a formação inicial e contínua dos quadros superiores — essencialmente univer­sitários, na verdade — e para a sua utilização posterior pelo mercado do emprego. Pois, que fazer dos milhares de diplomados, de reciclados, de bolseiros cujo nível de aspiração e cujas pretensões foram elevados graças à expansão de u m ensino superior cujo ritmo de crescimento acompanha o dos Estados Unidos da América, medido pelo número de estudantes por habi­tante, tanto mais que o mercado do emprego venezuelano não tem a elasticidade, nem so­bretudo as possibilidades actuais de expansão do grande vizinho do Norte ? Para não falar do desemprego dos jovens ou do subemprego oculto por u m a política do emprego que utiliza o cres­cimento dos serviços e, sobretudo, o empola­mento de u m funcionalismo pletórico para criar empregos e m detrimento da produtividade.

O trabalho de R . G . Castro ilustra bem tanto a preocupação dos investigadores que pretendem sair do impasse, como u m a orientação domi­nante entre os jovens investigadores venezue­

lanos para considerar o sistema educativo como u m subsistema. Para tal, começa por analisar o leque das ofertas de formação, em particular as do ensino superior. Verifica que, embora o número absoluto de diplomados universitários aumente regularmente, estes se repartem e m função de u m modelo obsoleto do desenvolvi­mento do mercado do emprego dos quadros. Assim, menos de 2 % receberam ou receberão títulos no domínio dias ciências exactas até T980i. Ou, para considerar outro exemplo elucidativo, no grupo dos engenheiros, os engenheiros de minas e de hidrocarbonetos continuam a ser elementos raros, o que é surpreendente n u m momento histórico e m que a nacionalização da indústria petrolífera se tornou u m dos objecti­vos governamentais prioritários. Outra caracte­rística desta oferta, que preocupa o autor, é a excessiva importância atribuída à transmissão dos conhecimentos à custa da iniciação e da prática da investigação na formação universi­tária inicial. Esta orientação é tanto 'mais in­quietante quanto é certo que a formação pós--liceneiatura — ao nível da especialização ou do doutoramente — não foi ainda sistematicamente desenvolvida. Não só se revela de qualidade muito diversa, consoante as dificuldades, como se apresenta duplamente concentrada. E m pri­meiro lugar, espacialmente, na capital; depois, cientificamente, u m a vez que a medicina en­globa quase metade dos programas de aperfei­çoamento e de especialização. O autor, reconhe­cendo as possibilidades oferecidas pela nova lei sobre o ensino superior para melhorar a coorde­nação e a planificação do conjunto do sistema do ensino superior, manifesta as suas preocupa­ções sobre a «explosão da universidade», e m proveito de u m agregado de mais de 40 insti­tuições dispersas entre a província e a capital, entre o sector público e o sector privado, entre estabelecimentos de nível e de exigência extre­mamente diversos.

O seu cepticismo é ainda reforçado pelo des­conhecimento e m que nos encontramos sobre os factores que condicionam o aumento pro­fundo e cada vez mais acelerado do pedido de formação. Depois de ter exposto as dificuldades a encontrar na aplicação do modelo economé­trico de Tinbergen-Correa-Bos, R . G . Castro mostra que, até agora, os inquéritos sobre os recursos humanos na Venezuela foram dema­siado globais para poderem ser utilizados. Foi assim que concluiu pela urgente necessidade de u m a política de recursos humanos que não só desenvolveria os instrumentos de u m conheci­mento dos stocks, como permitiria iguatanente prever a evolução de oferta e da procura, ac­tuando sobre a política de rendimentos. Exige, pois, logicamente, u m a intervenção directa e vigorosa do Estado numa planificação autori­tária.

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Os paradoxos de uma modernização dependente

A s conclusões de R . G . Castro serão realistas quando verificamos, com o colectivo de investi­gadores atgrupados no Laboratório educativo, que «a metodologia aplicada no V Plano da Nação (1976-7980) no seu sector educativo não parte de u m ¡diagnóstico da nossa realidade» e que os objectivos de u m desenvolvimento autó­nomo e auto-suficiente não serão atingidos «en­quanto persistirmos e m subestimar a capacidade das equipas de investigação venezuelanas con­tratando sistematicamente os serviços de uni­versidades e de grupos estrangeiros para estudar os nossos principais problemas com a finalidade de estabelecer politicas e de tomar decisões fundamentais para o país» (Ve Plan de la Na­ción: análisis critico del sector educativo, pp. 91 >e 93). iNão faltará para «resolver o problema fundamental desta 'empresa nacional' que é a educação, uim projecto nacional» como o m e s m o grupo procura mostrar no seu estudo sobre as características e o funcionamento do sistema escolar na Venezuela (Segunda hipótesis para un estudo dei sistema escolar en Venezuela, pp. 162 e seguintes)?

Ora, como prova u m a investigação de L . A . Bigott sobre a imagem e o modelo de consciência que 627 professores possuem sobre a realidade nacional, esta ausência de projecto nacional não diz respeito apenas aos que estão encarregados de tomar decisões, m a s ao conjunto do corpo docente. O educador neocolonizado não só se encontra subinformado, como toda a sua for­mação profissional o conduz a u m pedagogismo que «esquece a história do seu país neocoloni­zado» e que reduz a problemática da formação dos recursos humanos a questões técnicas, tecno­lógicas e didácticas.

N a verdade, esta crítica descobre u m a se­gunda característica do «modelo petrolífero», ou seja, a sua abertura incondicionada à impor­tação das soluções mais modernas inventadas no entrangelro. C o m o sucede com a indústria petrolífera, cuja tecnologia e organização do trabalho se encontram constantemente na van­guarda, não existem técnicas, métodos, solu­ções... ou peritos tão caros que não possam ser pagos. C o m o sublinha J. P . Reys Baena n u m a aérie de artigos recolhidos e m Depen­dencia, desarrollo y educación, esta invasão não só suscita reacções de rejeição, como só bene­ficia os privilegiados dos centros urbanos pre­parados e dispostos para a assimilar. Esta m o ­dernização cria u m subdesenvolvimento regional e torna ainda mais agudas as tensões sociais geradas por u m a urbanização fulminante que concentra a população privilegiada e m grandes centros com prejuízo para a parte meridional

do país, que continua por colonizar, ou das re­giões periféricas, que perdem o seus recursos humanos.

Os limites de um Estado todo-poderoso

U m a terceira característica do «modelo petro­lífero» é o peso e a amplidão do aparelho die Estado que conseguiu, pelo contrôle progressivo da utilização dos rendimentos do petróleo, tor-nar-se o principal empresário e empreendedor do país. O que se traduz, por u m lado, pela capa­cidade de realizar projectos gigantescos como a edificação da nova cidade industrial de Ciudad Guyana, verdadeiro laboratório pedagógico; o desenvolvimento do parassisteina de formação profissional do I N C E ou o programa de dezenas de milhares de bolsas de estudo no estrangeiro do Plan Gran Mariscai de Ayacucho; a multi­plicação das instituições de ensino superior; e, por outro lado, por umi desenvolvimento dos serviços administrativos do Ministério da Edu­cação e u m reforço considerável do controle burocrático. Esta relação paradoxal, entre a ommipresença de u m Estado que intorVélm inces­santemente com meios materiais poderosos mias cuja acção inovadora e modernizadora é cons­tantemente refreada, manifesta-se claramente a diferentes níveis.

Assim, não obstante u m notável desenvolvi­mento da cobertura dos serviços educativos que semeiam estabelecimentos por todo o território, esta desconcentração dos meios só minimamente contribuiu para a redução das disparidades re­gionais e não conseguiu eliminar as desigual­dades, excepto nos grandes centros urbanos onde ainda é possível a imobilidade vertical. Este resultado paradoxal deve-se provavelmente à obstinação de u m a administração centralizada e rígida que pretende aplicar as mesmas direc­tivas, as mesmas normas, as mesmas regras e m todo u m território que as migrações internas, as concentrrações de povoamento e os ritmos diferentes de crescimento económico tornam cada vez mais heterogéneo.

Torna-se, pois, ainda mais interessante co­nhecer a opinião de u m dos directores gerais do ministério sobre esta problemática da regiona­lização. F . Chacón, e m Liãerazgo docente en acción, procura, com efeito, tirar lições da evo­lução da política de regionalização defendida entre 1971 e 1976 e sobre o problema escal­dante da educação e m meio rural.

F . Chacón mostra, com efeito, que os Gabi­netes Regionais de Educação ( O R E ) , ulterior­mente transformados e m Gabinetes de Zonas de Educação (OZE) , foram as iniciativas mais significativas do ministério durante este período. M a s , a partir da sua experiência pessoal, des­cobre rapidamente os problemas que não foram

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Notas e comunicações

resolvidos nem claramente colocados. Assim, existe u m a contradição evidente entre a vocação regional global destes gabinetes e o facto de nunca terem tido competência sobre o ensino superior ou da sua influência sobre as outras instituições parassimétricas— como o I N C E , por exemplo — se encontrar reduzida à de u m a coordenação graças a boas relações públicas. Por outro lado, estes gabinetes foram criados e, e m parte, implantados, antes de formar ou de reciclar o pessoal indispensável ao seu fun­cionamento. N a verdade, esta política, dita de regionalização, parece ter sido sobretudo u m a política de desconcentração que repartiu sobre o território u m a administração pletórica sem rever realmente as regras do jogo. Ela traduz muito mais a preocupação de u m a administra­ção demasiado concentrada e m Caracas para atingir directamente as regiões mais afastadas e periféricas do que u m a abertura à possibili­dade de negociar as características do sistema e de pensar e m inovações para outro modelo com outras colaborações.

Se não é possível u m a verdadeira regionali­zação, não ê apenas por o Estado venezuelano dispor, graças ao petrróleo, de poderosos recur­sos financeiros, m a s também porque o maior partido político — a Acção Democrática — de­fendeu sempre a tese do Estado educador (Es­tado docente), princípio máximo dia sua política e m matéria de educação. Promulgada pela pri­meira vez e m 1948, reafirmada depois da dita­dura militar e m 1958, esta tese nunca foi posta e m causa, fosse qual fosse, de resto, a relação de forças políticas, como mostra L . B . Prieto e m El Estado y la educación em America La­tina, onde, sob este tema, compila as suas inter­venções de pedagogo, de ministro e de político, e m mais de quarenta anos de lutas. Para ele, a democratização implica necessariamente a passagem de «uma educação de castas para u m a educação de massa» e é por isso que «seria inconcebível que o Estado abandonasse ao ca­pricho das actividades particulares a orientação e a formação das consciências dos cidadãos» (p. 31). O que significa, por u m lado, a pro­moção de u m a educação laica contra u m a edu­cação privada confessional e, por outro, a afir­mação dia função primordial do Estado para garantir a igualdade de acesso e impor ofertas de educação uniformes a toda a população. Se este princípio permitiu que o Estado transfor­masse a escola laica n u m a escola pública, po­pular e gratuita, não é certo que tenha conse­guido democratizar as possibilidades de sucesso, nem favorecer u m a educação propícia ao de­senvolvimento nacional. Assim, é inquietante que, enquanto a nova lei sobre a educação não for proclamada — está e m discussão há cinco anos — o quadro legal que define os objectivos da educação continue a ser o que foi elaborado

há vinte anos. Perante a agitação da sociedade venezuelana, perante a emergência de novos valores e de novos comportamentos particular­mente sensíveis na nova geração, é preocupante que o sistema educativo tenha respondido so­bretudo com crescimento quantiativo e c o m u m considerável reforço do aparelho burocrático.

Criatividade pedagógica e análise crítica

Esta dificuldade do Estado e m promover u m a nova ordem educativa, para não falar de u m projecto nacional viável, não gera, contudo, o imobilismo. Multo pelo contrário, pois basta consultar os títulos dos relatórios dos ministros da educação para verificar que, desde 1971, e seja qual for a sua orientação política, estão conscientes da existência de u m mal-estar e exigem transformações. Quer se trate do pro­jecto do «desenvolvimento educativo» defendido por H . H . Carabafio e m Nuevos aportes a la reforma educativa (Caracas, 197J.), retomado, e m seguida, pelo seu sucessor E . Perez Olivares e m Mas aportes a la reforma educativa (Ca­racas, 1971) ou do projecto revolucionário de L . M . Peñalver e m La revolución educativa (Ca­racas, 1976), viemos que toldos procuraram; ex-ceder-se e introduzir inovações parciais, por intermédio da actualização dos manuais e do material didáctico, da regionalização e da re­forma administrativa, da diversificação do en­sino secundário « da «profissionalização» dos seus último anos, dia criação de u m a universi­dade nacional aberta, sem esquecer as que já citámos neste relatório. Contudo, a energia da produção ideológica, a acumulação die projectos parciais, a multiplicação de «gadgets» pedagó­gicos não obstam para ocultar a incapacidade política de elaborar u m projecto global e coe­rente de reforma. Daí u m a irritação da opinião pública que se reflecte e m comentarios cada vez mais acerbos nos mass media ou na radi­calização da crítica dos Intelectuais, c o m o tes­temunha a reedição de u m livro, La educación: la grande urgencia de u m universitário até agora considerado moderado, A . Rosenblat.

Ora, estes ataques contra o Estado, contra os partidos, contra os responsáveis pelo aparelho ministerial permitem igualmente esquecer que os especialistas, os investigadores e, de u m modo geral, os peritos universitários se m o s ­traram muito passivos nesta evolução. N u m a situação tão complexa e inédita como a vene­zuelana, a qualidade dos diagnósticos, a precisão da informação, a fiabilidade dos dados estatís­ticos, as avaliações críticas e objectivas das experiências são condições sine qua non para estabelecer u m balanço contiipleto da situação. Não é Inquienitante que u m a empresa como a do I N C E nunca tenha despertado a atenção de

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u m Investigador universitário e não tenha sus­citado nenhuma tese venezuelana? Que o labo­ratório pedagógico da região piloto de Guyana só tenha sido, até agora, utilizado por investi­gadores norte-americanos da Universidade de Harvard? Não poderíamos ter e m conta que a falta de conhecimentos objectivos sobre a reali­dade educativa decorre igualmente do desinte­resse de investigadores que, durante muito tempo, não consideravam este domínio «inte­ressante» ou que se contentavam com análises infra - sistémicas pouco significativas? Como prova, apontamos o programa de investigação da instituição mais conhecida e mais afamada da Venezuela: o Centro de Estudos do Desen­volvimento (CEBDES) da U C V de Caracas. Fundado e m 1961 por J. Ahumada, reorganizado em 1973 e actualmente dirigido pelo professor Traviesco, o C E B D E S empreendeu, por sua ini­ciativa ou a pedido das autoridades, numerosos estudos sobre os diferentes aspectos da reali­dade nacional. Ora, se considerarmos os anos de 1972 a 1976, só existiam, entre os cinquenta e u m projectos em realização, sete que diziam directamente respeito ao sistema educativo, dos quais quatro só tinham sido iniciados em 1976.

Entre estes encontra-se u m projecto finan­ciado pelo Conselho da Investigação Científica (CONICIT). O seu objectivo consiste em con­frontar os objectivos do desenvolvimento edu­cativo, tal como são definidos pelas autoridades, pelos partidos políticos, etc., com os valores que orientam a prática e a experiência educativa quotidiana ao nível primário. Este projecto en­contra-se subdividido e m subprojectos dos quais u m é consagrado, sob a direcção de N . de Ve­lazquez, ás «Orientações dos valores no con­teúdo dos manuais escolares». N a verdade, os manuais estudados referem-se apenas aos da história nacional, da geografia nacional, e aos da moral e da instrução cívica. Esta escolha elimina todos os manuais utilizados no ensino da língua materna, ou seja, cerca de u m terço. Tendo e m conta a publicação dos resultados brutos, não podemos deixar de admirar a preo­cupação metodológica destes investigadores, a seriedade e a minúcia das suas análises taxo­nómicas e a riqueza dos resultados obtidos. O que confirma a nossa opinião de que a pre­paração e a formação dos investigadores na Venezuela podem ser muito satisfatórias. Con­

tudo, não podemos deixar de nos interrogar sobre a utilização que os investigadores farão, em seguida, dos resultados. Afirmam, no seu projecto inicial, pretender contribuir para a actualização dos conteúdos dos programas do ensino primário, mas não fornecem nenhuma indicação quanto à integração dos seus projec­tos de investigação no processo administrativo concreto de actualização. Como procederão para atingir os autores destes manuais? Para os convencer da utilidade das suas análises ? Para os iniciar numta gíria tanto mais esotérica quanto o quadro científico de referência é ex­clusivamente norte-americano, como mostra a bibliografia utilizada?

Não existirá uma singular contradição entre o modelo científico interiorizado por estes inves­tigadores e o discurso ideológico do C E N D E S que denuncia, há anos, a dependência científica e a alienação dos investigadores?

Diagnosticar o presente nia sua globalidade, prever o futuro atendendo às tendências indu­zidas pelo passado constituem exigências que a nova geração de investigadores na Venezuela se esforçam por respeitar nos seus contributos para u m a reforma planificada do «sistema» edu­cativo nacional. N o entanto, perguntamos se a este esforço metodológico de lucidez crítica não deveria corresponder outro esforço, igual­mente importante, para estabelecer as condições de u m diálogo entre os administradores e os responsáveis pelo aparelho educativo, os pro­fessores e os investigadores que se mantêm, na maior parte das vezes, encerrados nos seus ghettos universitários? O futuro de uma con­tribuição eficaz dos investigadores não depen­derá da sua incapacidade de se integrarem e de animarem equipas compostas por investiga­dores e utentes, como o Laboratório Educativo ? O que nos remete, mais uma vez, para u m a verdadeira regionalização que inclui a descen­tralização das decisões e a participação dos responsáveis por iniciativas e dos utentes, para u m a redistribuição do poder, portanto.

Pierre FuRTER Instituto de Estudos do Desenvolvimento,

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação,

Universidade de Genebra (Suíça).

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O s dossiers de

A parte central de cada número de Perspectivas constitui

o Dossier. U m a série de especialistas enquadrados e m

horizontes ideológicos e 'culturais muito variados trata de

diversos aspectos teóricos e práticos de u m tema de alcance

e aictuaJlidade internacionais.

Pelo seu volume — 60 a 70 páginas — , pelo tratamento

dos temas — juntando o estudo dos casos à análise teórica — o

Dossier é u m a secção homogénea, muito nitidamente

diferenciada das quatro outras que compõem cada número.

Desde 1972 que têm sido os seguintes os temas assim

tratados:

Vol. II, 1972

Vol. Ill, 1973

Vol. IV, 1974

Vol. V , 1975

Vol. VI, 1976

Vol. VII, 1977

L'architecture et l'espace scolaire (esgotado) Lire aujourd'hui (esgotado) L'éducation des adultes (esgotado) L'éducation pour l'environnement (esgotado)

r la rénovation de l'éducation (esgotado) L'éducation pour le développement rural (esgotado)

secondaire, la formation et l'emploi (esgotado) ' »»* : i i_j„\

«Apprendre à être» : poui ia lamvauuu uc ï ouuwni L'éducation pour le développement rural (esgotado) L'enseignement secondaire, la formation et l'e—•J~;

L'université européenne en mutation (esgotado)

Technologie et enseignement général (esgotado) L'aide internationale pour le développement de l'éducation, I (esgotado) O ù en est l'éducation des travailleurs migrants? (esgotado) Pratique de l'innovation en éducation (esgotado)

L'éducation dans les vingt-cinq pays les moins développés (esgotado) L'enseignant dans la société (esgotado) L'éducation au féminin Aspects de l'éducation en Chine

A Viragem da Alfabetização Técnicas para o desenvolvimento Escolarização em língua materna multilingue O auxílio para a educação e a nova ordem internacional

Aspectos da Administração da Educação Fins e meios de u m a educação contínua Aprender a trabalhar: escola e produção Problemas e promessas da educação pré-escolar

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PERSPECTIVAS Já publicada nas línguas francesa, inglesa, espanhola e árabe, Perspectivas estará a

partir de agora também ao alcance de todos os leitores de língua portuguesa. Ela irá constituir decerto u m importante ©lo de comunicação entre os países de expressão lusíada e a corrente universal voteuda aos problemas do desenvolvimento da educação*

Perspectivas, revista de publicação trimestral editada pela Unesco, pretende estimular a renovação da educação, proporcionando oportunidade para u m intercâmbio de experiências com vista a facultar u m mais perfeito esclarecimento face às diversas opções e a fomentar as ini­ciativas de cooperação internacional.

Os pedidos de assinatura devem ser endere­çados para

L I V R O S H O R I Z O N T E Rua das Chagas, 17, L'-'Dto. . Telef. 36 69 17

1200 L I S B O A

P E R S P E C T I V A S — Revista Trimestral de Educação

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