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Os conquistadores

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O ano é 1572. O Brasil é uma terra em grande parte inexplorada, cercada de mistérios, mitos e lendas. Terreno fértil para toda a sorte de aventureiros vindos do Velho Mundo em busca de fortuna fácil. Nesse cenário nada auspicioso, de olhares desconfiados, espadas afiadas sempre prontas para serem desembainhadas à menor provocação, traições, escaramuças e ameaças em cada curva do caminho, é que se passa a trama de Os conquistadores. Capitães-gerais cegos de cobiça, um frade jesuíta perdido entre a fé vacilante e a liberdade do Novo Mundo, um jovem indígena imbuído de uma missão enigmática, um velho louco detentor de um terrível segredo, escrivães, mamelucos e degredados dispostos a tudo para obter ouro e poder. Esses são os personagens desta saga épica que convida o leitor a se aventurar pelas trilhas desconhecidas de nosso país em busca de um fabuloso tesouro perdido.

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MARCO MORETTI

OS

CONQUISTADORES

São Paulo, 2015

talentos da literatura brasileira

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Os conquistadoresCopyright © 2015 by Marco Moretti

Copyright © 2015 by Novo Século Editora Ltda.

GERENTE EDITORIAL

Lindsay Gois

EDITORIAL

João Paulo Putini

Nair Ferraz

Rebeca Lacerda

Vitor Donofrio

GERENTE DE AQUISIÇÕES

Renata de Mello do Vale

ASSISTENTE DE AQUISIÇÕES

Acácio Alves

AUXILIAR DE PRODUÇÃO

Luís Pereira

PRODUÇÃO EDITORIAL

SSegóvia Editorial

PREPARAÇÃO

Livia First

DIAGRAMAÇÃO

Abreu’s System

REVISÃO

Tamires Cianci

Fabrícia Carpinelli

CAPA

Dimitry Uziel

novo século editora ltda.

Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11º andar – Conjunto 1111

cep 06455-000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil

Tel.: (11) 3699-7107 | Fax: (11) 3699-7323

www.novoseculo.com.br | [email protected]

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfi co da

Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 10 de janeiro de 2009.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Moreti, Marco

Os conquistadores / Marco Moreti. – Barueri, SP: Novo Século Editora, 2015. –

(Coleção talentos da literatura brasileira)

1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.

15-03829 CDD-869.93

Índices para catálogo sistemático:

1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

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Com todo carinho para minha esposa, Cássia.Sem o apoio dela, eu jamais teria publicado este livro.

E para meu pai, Carlos Moretti,cuja curiosidade me estimulou a ingressar nesta aventura.

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Agradeço a todos os amigos e colegas que me apoiaram na escrita

deste livro, em especial ao Professor Omar Carline Bueno,cujas considerações a respeito do

tesouro dos incas foram muito úteis.

Também merecem lembrança aqueles que,de uma forma ou de outra,

inspiraram-me na realização deste trabalho:José de Alencar, Hernâni Donato e o grande Guimarães Rosa.

MMJaneiro de 2015

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“O caminho do excesso conduz ao palácio da sabedoria.”

William Blake

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Todas as composições musicais citadas neste livro

estão disponíveis no blog do autor: www.diariodomoretti.com.br

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Mapa-múndi de Bartolomeu Velho

Lisboa, 1561 – Fonte: Wikipédia

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Sumário

PARTE ITemas e variações

1. O homem que ri 21

2. O chamado à aventura 27

3. O prisioneiro da liberdade 33

4. Companheiros de infortúnio 38

5. Praia de náufragos 45

6. Sobre princesas e demônios 49

7. Civilização versus barbárie 53

8. A marcha dos lamentosos 59

9. Terra devastada 63

10. Rumores de guerra 67

11. A estratégia latina 71

12. Fragmento de mim mesmo 76

13. No coração da selva 80

Primeiro Interlúdio – Dom Amadeu – Canto I 86

14. Um ladrão entre nós 89

15. Colóquio entre a ? e as ... 95

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16. Divisor de águas 103

17. Húbris, ou a tragédia do orgulho 106

18. O abraço da jiboia 109

19. Refl exões sobre o nada absoluto 117

20. Custos e benefícios 120

21. A longa noite de espera 124

22. Na cova dos leões 127

23. A batalha dos perdidos 131

Segundo Interlúdio – Dom Amadeu – Canto II 144

24. Lambendo as feridas 147

25. As intermitências de uma mente febril 153

26. Alma dilacerada 159

27. Aliados improváveis 162

28. Órfãos da tormenta 167

29. Aquele que traz a peste 171

30. Um profeta desarmado 174

31. Quando duas almas colidem 178

32. Vastos tesouros e mistérios insondáveis 182

33. O segredo perdido dos Incas 186

34. Confi ssões de um religioso em crise 191

35. Tempo de milagres 195

36. A cruz e a sombra 198

37. Um dia é da caça... 201

38. O desconhecido perfeito 204

39. Uma improvável relação 207

40. O lado mais distante de mim 210

41. Artes da sobrevivência 212

42. Estas estrelas são minhas! 215

43. De santos e homens 218

44. Vultos na neblina 222

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45. Espíritos indômitos 227

46. A travessura do macaco 231

47. Monstruosa vaidade 234

48. Ouro dos tolos 238

49. Para além de qualquer temor 242

50. No umbral da grande aventura 247

51. A região onde habitam os dragões 250

PARTE IIAndante tenebroso e adágio

Prólogo 255

1. Batismo de sangue 259

2. Inquietante estranheza 262

3. Pelo vale da morte 265

4. Quando a fl oresta engoliu os homens... 270

5. A madrugada de todos os pesadelos 274

6. A coisa que espreita nas trevas 278

7. Repulsiva perversidade 283

8. Sonhos de dor e sofrimento 286

9. Mosquitos, lama e farrapos humanos 290

10. Entre a cruz e a caldeirinha 294

11. A glória de um patife 297

12. O exército dos mortos 301

13. O carrasco dos justos 304

14. Suspeitos incomuns 308

15. “Freddo e Buio” 312

Terceiro Interlúdio – Dom Amadeu – Canto III 318

16. Navegando no mar interior 321

17. Todos os males do mundo 325

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18. Acidente de percurso 330

19. Sertanistas no cardápio 334

20. Réquiem para um poeta 344

21. Um lobo entre os cordeiros 348

22. Ira 351

23. Lento despertar 355

24. Resgate heroico 359

25. Na hora mais escura... 363

26. Juramentos de vingança 368

27. O longo caminho para a redenção 372

28. De volta ao jardim do Éden 375

29. Uma questão de ponto de vista 379

30. Perseguição implacável 383

31. Viagem ao fundo da Terra 388

32. Dentro da toca do coelho 395

33. Espiando por trás da cortina do mágico 400

34. “A traição será a vossa herança” 405

35. Ousada escapada 410

36. Sozinho no labirinto verde... 414

37. ... E com o minotauro à solta 418

38. Diferenças inconciliáveis 422

39. A nau dos desgraçados 425

40. Bem-vindo à realidade, Francisco Trovão 429

41. Delírio e loucura 432

42. Caem as máscaras 436

43. Uma orelha e dois décimos de orgulho ferido 444

44. A Santa Ceia dos animais 449

45. Queimada! 454

46. Uma sepultura para a eternidade 455

47. Ódio e perdão 461

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48. Nas entranhas de Pacha Mama 465

49. A ratoeira 469

50. Epílogo 473

Notas 475

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Parte I

Temas e variações

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O homem que ri

Local: ao sopé da montanha da Penha, na cadeia do Amolar, extremo

ocidental do Estado de Mato Grosso Sul.

Tempo: hoje pela manhã.

Havia algo misterioso, algo terrivelmente per-

turbador, incomum e amedrontador naquela gruta meio

oculta pelo véu de neblina matutina em meio à mata espessa, e que se

abria diante do menino como a bocarra medonha de um monstro sub-

terrâneo pronto para devorá-lo. Teria sido mera curiosidade, uma dose

de insensatez, o desejo de riqueza fácil ou uma mistura de tudo isso o que

motivou aquele rapaz de apenas doze anos a derrotar seus medos mais

profundos e a penetrar naquele antro munido apenas de coragem e des-

caramento? Pois era um fato reconhecido e pouco alardeado por todos os

que habitavam sua aldeia, um acanhado vilarejo de casebres de pau a

pique desconjuntadamente mantidos em pé a poucos passos dos limites

extremos da fl oresta, sobre a qual se impunham, bem a oeste e muito

acima da mais alta das árvores, quais guardiões arcanos, os cumes neva-

dos dos Andes, que aquele lugar abrigava tesouros ancestrais, uma caver-

na de Aladim abarrotada de objetos preciosos de cuja existência o próprio

tempo se esquecera e a memória dos homens se encarregara de cobrir de

quimeras. Dentre as muitas fantasias coletivas de mentes supersticiosas

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arrastadas para a areia movediça da ignorância, com que os pais procura-

vam destilar nos fi lhos o veneno do medo, a que mais se prestava a deixar

os cabelos da nuca eriçados era a sugestão de que aquela entrada também

conduzia aos recessos do próprio inferno, com todos os horrores dantes-

cos que essa promessa encerra. Contudo, nem isso nem as cores fortes

com que eram pintados os castigos reservados aos pecadores insubmissos

no reino de Lúcifer foram veementes, ou, quem sabe, repugnantes o

bastante para dissuadir o jovem de seu arrojado intento.

É pouco provável que ele teria sido induzido a transpor as sebes de

bambu que cercavam a sua aldeia e atravessado o quilômetro e meio de

matagal cerrado, juncado de grossas raízes de seringueiras e povoado de

sucuris e insetos famintos, somente para saciar a curiosidade que o con-

sumia. Essa sedução pela opulência, se podemos chamar assim a ânsia de

mergulhar no desconhecido, só despertou em sua consciência quando se

encontrava aos pés da imensa abertura, discretamente recolhida à pe-

numbra das folhagens, mas, ainda assim, assustadoramente imponente,

semelhante a um portal para as regiões abissais. Afi nal, como Adão e Eva

dolorosamente descobriram, o proibido é o atalho mais curto e mais rá-

pido para a transgressão. O real motivo de sua ida até ali, a prosaica razão

dessa aventura, possuía quatro patas, tinha pelos castanho-claros pejados

de manchas escuras, rosnava e abanava o rabo impaciente à sua frente,

afocinhando o solo ao mesmo tempo em que latia para que o dono o

seguisse interior adentro.

O menino hesitou por uns bons minutos, reprisando mentalmente, e

rapidamente, as reprimendas dos mais velhos a respeito do que poderia

suceder a ele caso ousasse invadir aquele Orco amaldiçoado. Preferiu não

dar ouvidos aos alertas, ignorar as hipotéticas ameaças que o aguardariam a

cada metro, os inconcebíveis perigos que espreitariam nas sombras. Bestei-

rada, sentenciou em pensamento com um menear de cabeça que traduzia,

ao mesmo tempo, coragem e negligência. O que teria a perder entrando

ali? Tomado por um profundo desprezo pelos conselhos dos anciões e fa-

zendo de si mesmo um conceito mais alto em termos de sabedoria e pru-

dência do que correspondia à realidade, abandonou qualquer esperança ou

resquício de esperança que pudesse ter. Arrancado da imobilidade que o

detinha pelo insistente ladrar do cachorro, deu o primeiro passo adiante,

depositando com cautela o pé descalço no chão de pedra liso e frio.

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Avançou devagar, apoiando-se nas rochas dispostas irregularmente em

torno e que se estendiam como uma trilha incerta para o interior da caver-

na até que a escuridão absoluta o engoliu. Com exceção do arfar do animal

e dos próprios passos abafados, nenhum outro som era audível. Foi somen-

te então que se deu conta do desatino que estava cometendo. À medida que

se sentia cada vez mais sozinho, tendo por guia apenas o seu companheiro

de faro aguçado, as antigas, quase esquecidas, histórias de “sombração” as-

somaram ao espírito. Embora em condições normais de temperatura e

pressão não as levasse muito a sério, agora, sob o efeito intimidador de uma

atmosfera sombria, começava a considerar seriamente a hipótese de que

talvez, e apenas talvez, contivessem algum rastro fugaz de verdade.

O menino ainda estava entretido com esses devaneios quando um

farfalhar de asas ressoou próximo à sua cabeça. Instintivamente, aga-

chou-se e ergueu os braços sobre a nuca para se proteger. Tão ou mais

assustados quanto ele, os morcegos revoaram em direção à claridade do

lado de fora e se perderam no silêncio da selva. Assim que se recuperou

do susto, o garoto voltou a se erguer, ofegante, com o coração batendo

como um tambor no peito franzino. Estremeceu ao imaginar o que teria

acontecido se aquelas criaturas tivessem resolvido avançar para cima

dele, e um rosário de “ses”, tão extenso quanto a distância que separa a

Terra da Lua, principiou a brotar em sua mente fértil. Novamente, foi o

cachorro quem veio resgatá-lo do medo paralisante, pondo-se a rondá-lo

e a debruçar as patas dianteiras em suas pernas.

A menos de cem metros da entrada, a passagem desandava em um

declive suave, que foi se tornando gradualmente íngreme, até que o rapaz

se viu obrigado a buscar apoio nas rochas salientes das laterais para não

escorregar. Por mais de uma vez, a possibilidade de desistir fl utuou como

uma nuvem negra e carregada no horizonte dos pensamentos, imagem

que ele procurou repelir invocando uma bravura que jamais desconfi ara

possuir e uma honra de cuja autenticidade duvidava. Mesmo assim, pre-

feriu confi ar no apelo da determinação, que era, de longe, sua caracterís-

tica mais proeminente, a se dar por vencido no desafi o que se

autoimpusera. Além disso, a promessa de recompensas inconcebíveis,

que superavam em muito os possíveis riscos, e a surra que, com toda a

certeza, lhe estava reservada, brilhavam com fulgor crescente através da

fresta da porta entreaberta de suas fantasias.

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Imperceptível e quase suavemente, foi penetrando pelos subterrâneos

e desembocou em um emaranhado de túneis escavados sob a terra que

formavam um labirinto incessante de curvas e volteios, ora obstruídos

por avalanches de pedras, ora formando passagens tão estreitas que mal

poderiam ser atravessadas por um rato, e cujo destino o garoto só pode-

ria supor. Forçado a se arrastar em certos trechos, e sob a séria ameaça de

ser soterrado vivo, ainda assim encontrou dentro de si a força de vontade

necessária para seguir em frente. Por um momento, deixou escapar a

ideia de como seria empolgante narrar a aventura aos amigos quando

regressasse à aldeia. Obviamente, na hipótese nada remota de que ele

sobreviveria a ela.

A partir de certo ponto, o ar tornou-se úmido e abafado, e o garoto

encontrou difi culdade para respirar. Se não achasse logo uma abertura

que permitisse a entrada de ar fresco, o jovem e seu animal de estimação

morreriam sufocados, e a simples constatação desse fato encheu-o de

ansiedade. Começou a suar profusamente, as pupilas dilataram-se e ele

sentiu náuseas. Para complicar essa já precária situação, foi perseguido

por uma multidão de aracnídeos, que ia de aranhas negras grandes

como a palma da mão de um adulto a escorpiões agressivos e intumes-

cidos de veneno. Mesmo em meio a essas atribulações, em nenhum

instante ele se deixou vencer pelo arrependimento. Até porque, nos ter-

mos pragmáticos em que contemplava a situação, isso não teria serven-

tia alguma. Estava tão desorientado naqueles dutos infi ndáveis que não

poderia, ainda que em um esforço sobre-humano da vontade, reencon-

trar o caminho de volta para a superfície. Angústia era a palavra mais

apropriada para defi nir o que experimentava e, por mais que opusesse

resistência, não conseguia se livrar da sensação de que algo terrível esta-

va prestes a acontecer.

Subitamente, apercebeu-se de que há um bom tempo – incapaz de

dizer quanto exatamente, pois naquela cova a noção da passagem dos

minutos e das horas se esvaíra por completo – não escutava nas proximi-

dades o arfar ou o abanar de rabo do fi el companheiro. Chamou-o, uma

e insistentes vezes enquanto lhe permitiram as reduzidas forças, e fi cou

alarmado quando o animal não atendeu ao apelo. Sobrepujado pelo de-

sespero, cogitou, em ondas crescentes de terror, o que poderia ter ocorri-

do. A queda em uma greta, naquelas condições de isolamento absoluto,

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seria fatal para o cão, provavelmente tão letal quanto a picada de uma

serpente ou coisa pior. Quem poderia afi rmar quais perigos residiam na-

quele breu? Ainda estava entretido com essas refl exões nefandas, travan-

do uma luta hercúlea para não sucumbir ao choro convulsivo quando o

som de um ganido rasgou a cortina de silêncio que o cercava. Chegou

abafado, quase inaudível, oriundo de algum lugar distante à frente.

Tomando por guia esse tênue fi o de Ariadne, esgueirou-se de bruços

pelas trevas dos túneis apertados. Ao fi m de um longo arrastar que pare-

ceu de uma eternidade atroz, vislumbrou um clarão mortiço a uns três

metros. Atraído pela luminosidade como um inseto pela arandela de

uma varanda, o jovem dilatou os grandes olhos pretos amendoados e

avançou com a determinação de um cabrito montês até emergir do bu-

raco estreito em um amplo e abobadado salão. Feliz em ver o dono, o

cachorro pulou sobre o seu colo e lavou o rosto moreno com efusivas

lambidas.

Embora mergulhado na semiescuridão reinante naquelas profunde-

zas, e atapetado de limo por todos os quadrantes, era possível enxergar o

bastante, graças a uma discreta fenda na extremidade superior da arcada

que coava umas poucas réstias de luz, para se distinguir os contornos do

lugar. Dispostas mais ou menos em semicírculo em torno do centro,

viam-se outras duas passagens escavadas nas paredes, mas todas, como

aquela da qual saíra, estavam parcial ou totalmente bloqueadas por pe-

dregulhos de dimensões consideráveis que pareciam pesar meia tonelada

cada. A maneira pela qual essas rochas estavam empilhadas, umas sobre

as outras, sugeria que um desmoronamento de grandes proporções havia

acontecido ali. A geometria rigorosamente simétrica daquele espaço não

permitia dúvidas de que mãos humanas, e não o acaso das forças natu-

rais, é que o teriam composto.

Por um momento, o rapaz cogitou para onde levariam aqueles túneis,

quem os teria aberto, quando e por que e, antes que a sua imaginação

alçasse voos estratosféricos, notou uma forma embrulhada na penumbra

caída no centro do lugar. Com um misto de excitação e temor formando

um bolo indigesto na boca do estômago, engoliu em seco e desceu, pé

ante pé, os degraus escavados na pedra, o eco dos passos reverberando

tetricamente no recinto. Tão absorto estava que mal percebeu o amon-

toado de cordas coloridas e atadas por nós, abandonadas ao chão, nem

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mesmo quando tropeçou em algumas delas. Se prestasse atenção mais

detidamente, veria que objetos semelhantes a esses em comprimento e

arranjo ornavam boa parte da parede ocidental, às suas costas. Também

teria avistado uma dúzia de fi guras em volta, as quais, a um olhar desavi-

sado, poderiam parecer estátuas.

À medida que se aproximava, percebeu que o enigmático objeto era,

na verdade, um corpo, e, pelas dimensões e membros, um corpo huma-

no caído de costas no chão. Não foi a menos de um metro dele que o

menino deparou com o real signifi cado de sua espantosa descoberta. Pela

posição em que se encontrava, de pernas estendidas, braços abertos e os

dedos arqueados como se tivesse morrido em meio a uma contorção

violenta, era razoável supor que se tratava de um homem e que vivera, a

julgar pelo estado extremamente deteriorado dos trajes, quase desfeitos

em pó, muitos anos antes do que o jovem seria capaz de conceber.

Contudo, não foram esses detalhes que catalisaram o pavor que con-

gelou o sangue do rapaz nas veias e o fez emitir um sonoro grito de

horror. Tampouco o aspecto da pele, enegrecida, dura e quebradiça como

a de uma múmia, levou-o àquela crise de medo que, até então, jamais

experimentara. O que realmente lhe causou espanto e sorveu o ar de seus

pulmões foi a expressão do cadáver. Isso porque as órbitas dos olhos, há

muito vazias e escancaradas, encimavam a boca ressequida, rasgada de

um lado ao outro como se o infeliz houvesse morrido com um macabro

e perturbador sorriso.

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