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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS FÍSICAS E MATEMÁTICAS
DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA
HARLLEY BORLIN
RESOLUÇÃO DO PROBLEMA DA DUPLICAÇÃO DO VOLUME DO CUBO UTILIZANDO O ORIGAMI
FLORIANÓPOLIS 2008
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal de Santa Catarina, para obtenção do grau de Licenciado em Matemática.
Orientador: Prof. Dr. Félix Pedro Quispe Gómez
FLORIANÓPOLIS 2008
4
Dedico este trabalho ao meu avô Genuino Borlin (em memória) que de alguma forma me ajudou e está muito feliz com minha conquista onde quer que esteja.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por não me deixar desistir e me dar forças pra seguir em frente.
À minha família: minha mãe Léa, meu pai Sérgio e meu irmão Dayvison, por
me apoiarem em todos os momentos e suportarem minha tristeza em diversas fases
desta caminhada.
À minha namorada Liamara, pelo carinho, apoio e compreensão pela
ausência em alguns momentos.
Ao professor Félix Pedro Quispe Gómez, pela paciência e apoio no decorrer
desta monografia. Além de orientador foi meu amigo e serviu de exemplo de como
devo seguir na carreira docente.
Aos professores Márcio Rodolfo Fernandes e Nereu Estanislau Burin, por
aceitarem o convite para participar da banca examinadora.
A todos os amigos que fiz neste curso, que de alguma forma me ajudaram,
fazendo com que a vinda até a faculdade fosse sinônimo de alegria e diversão, além
de estudos.
A todos que participam da comunidade universitária, que ajudam esta a
crescer cada dia mais.
Obrigado!
6
“A inteligência é uma espécie de paladar que nos
dá a capacidade de saborear idéias”
Susan Sontag
7
RESUMO
Este trabalho visa apresentar um pouco da história da matemática, bem como as tentativas de resolução de um problema da antiguidade, mais conhecido como problema da duplicação do volume de um cubo, ou problema deliano. Ao longo dos anos despertou o interesse de muitos matemáticos em tentar resolvê-lo geometricamente utilizando régua sem escala e compasso. Devido ao seu enunciado simples, pensaram que poderia ser fácil, no entanto constataram que não era tão simples quanto parecia. Conseguiram chegar apenas em aproximações, mas ninguém conseguiu resolvê-lo. Somente 2200 anos depois, com o surgimento da álgebra, o problema foi provado. Anos se passaram e finalmente foi demonstrado que o problema não pode ser resolvido com régua e compasso. Portanto, torna-se curioso que com a arte milenar japonesa de dobrar papel, o origami, conseguiu-se resolver este problema, sendo o objetivo maior deste trabalho, a apresentação, resolução e demonstração deste, utilizando o origami. Palavras-chave: História da Matemática; Problemas da Antiguidade; Matemática e o Origami.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Cubo com aresta m1
Figura 2: Cubo com aresta m2
Figura 3: Évariste Galois (1811-1832)
Figura 4: Construindo um quadrado com o dobro da área do menor de uma unidade
Figura 5: Uma parábola com qualquer lado reto
Figura 6: Duas parábolas com vértices na origem
Figura 7: Intersecção de uma parábola com uma hipérbole
Figura 8: Tsuru
Figura 9: Dobragem Miura
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1 – A ORIGEM DO PROBLEMA DA DUPLICAÇÃO DO VOLUME DO CUBO.............................................................................................................................
11
1.1
UM POUCO DE HISTÓRIA................................................................................. 11
1.1.1 ANAXÁGORAS...................................................................................... 11 1.1.2 ARQUITAS............................................................................................. 13 1.1.3 PLATÃO................................................................................................. 14 1.1.4 PÉRICLES.............................................................................................. 17
1.2
A ORIGEM DO PROBLEMA............................................................................... 19
1.2.1 ÉVARISTE GALOIS............................................................................... 21 CAPÍTULO 2 – ALGUMAS TENTATIVAS DE RESOLVER O PROBLEMA DELIANO.......................................................................................................................
25
2.1 A CONTRIBUIÇÃO DE ARQUITAS (428 a.C. - 347 .C.).................................... 26
2.2 A CONTRIBUIÇÃO DE MENAECMUS (380 a.C. - 320 a.C.)............................. 27
2.3 A DEMONSTRAÇÃO DE QUE O PROBLEMA DELIANO NÃO PODE SER RESOLVIDO COM RÉGUA SEM ESCALA E COMPASSO...............................
29
CAPÍTULO 3 – UTILIZANDO O ORIGAMI PARA RESOLVER O PROBLEMA DA DUPLICAÇÃO DO VOLUME DO CUBO......................................................................
33
3.1 ORIGAMI.............................................................................................................. 33
3.2 RESOLVENDO O PROBLEMA COM UMA FOLHA QUADRADA DE PAPEL...........................................................................................................
36
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................
42
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 43 ANEXO..........................................................................................................................
44
10
INTRODUÇÃO
Prêmio Nobel por duas vezes, Albert Einstein (1879 – 1955) se faz
competente: “Como pode a Matemática, sendo produto do pensamento humano,
independente da experiência, se adaptar tão admiravelmente aos objetos da
realidade?”. Apropriadamente, já se definiu a Matemática como “rainha e serva de
todas as ciências”. E o destaque de sua majestade é o rigor, a lógica e a harmonia.
Rigorosa e lógica deve ter sido a percepção do rei Ptolomeu, que, ao folhear
os Elementos, de Euclides (c.325 – c.265 a.C.), perguntou esperançosamente ao
autor se não havia um caminho mais suave para aprender Geometria. Breve,
Euclides teria respondido: “Não há estrada real para a Geometria”.
Em contrapartida, o renomado escritor argentino Ernesto Sábato descreve a
Geometria como “um mundo de infinita harmonia” e afirma que, quando tinha doze
anos, assistiu à demonstração de um de seus teoremas e sentiu “uma espécie de
vertigem”.
Ao longo da história, a Geometria glorifica três problemas que se tornaram
clássicos: a quadratura do círculo, a duplicação do cubo e a trissecção do ângulo,
extremamente importantes no desenvolvimento da geometria.
A duplicação do cubo é um problema de enunciado muito simples e talvez por
esse motivo tenha despertado o interesse de muitos matemáticos. Mas a primeira
questão que se coloca ao escrever sobre este problema é: como terá surgido o
problema da duplicação do cubo, ou também conhecido como problema deliano?
Vejamos a seguir um pouco da história deste problema.
11
CAPÍTULO 1
A ORIGEM DO PROBLEMA DA DUPLICAÇÃO
DO VOLUME DO CUBO
1.1 UM POUCO DE HISTÓRIA
Vamos primeiramente conhecer um pouco da história da matemática e de
estudiosos importantes que viveram na época em que surgiu o Problema Deliano.
1.1.1 ANAXÁGORAS
Anaxágoras foi um filósofo, biólogo, astrônomo, físico e matemático grego.
Nasceu em 499 a.C., em Clazômenas, na Jônia, colônia grega na Ásia Menor,
Fenícia, 30 km a oeste de Izmir, chamada hoje de Turquia. Ele levou para Atenas a
filosofia jônica de tendência mecânica e onde fundou, sob os auspícios de Péricles,
que era o seu discípulo e protetor, a Primeira Escola de Filosofia da cidade de
Atenas, contribuindo para a expansão do pensamento filosófico e científico que era
desenvolvido nas cidades gregas da ásia.
Anaxágoras tinha um espírito prático e foi um dos responsáveis por mudanças
fundamentais na matemática do século V a.C., por ter elaborado teorias de
incontestável profundidade, por ter exercido grande influência sobre a filosofia grega
posterior a ele e de ter desenvolvido em Atenas as concepções desenvolvidas pelos
pensadores das colônias helênicas. Como Anaxágoras era fiel descendente da
12
escola jônica de Tales, em função de suas opiniões científicas se chocarem com as
concepções religiosas da época.
Por acreditar e dizer que o sol não era uma divindade, mas uma grande pedra
incandescente e que a lua era uma terra habitada sem luz própria, Anaxágoras foi
preso e julgado por ateísmo em 431 a.C. em Atenas e neste período se dedicou
mais à pesquisa matemática. Foi libertado com a ajuda de seu aluno Péricles e foi
morar em Lâmpsaco, na Mísia, até o seu falecimento em 428 a.C. (no ano do
nascimento de Arquitas, um ano antes do de Platão e um ano depois da morte de
Péricles). Nesta cidade fundou uma escola de filosofia que fez com que ele
ganhasse muita estima e fama junto com a população local.
Com as suas idéias, foi publicada uma obra, Sobre a Natureza, que era um
tratado aparentemente pequeno em que tentava conciliar a existência do múltiplo
frente a crítica de Parmênides e sua escola, que havia concebido o ser como
princípio de tudo o que é, identificando o ser como Uno Imutável. Essa obra foi o
primeiro best-seller científico da época. Anaxágoras era mais filósofo do que
matemático e era motivado pelo desejo de saber, descobriu os processos de
respiração dos peixes e das plantas, explicou a inteligência dos homens e parece ter
dado a explicação correta para os eclipses, além de acreditar que a matemática era
composta de átomos.
Sua obra pode ser situada entre a tradição milésia e o pensamento de
Parmênides. Com os filósofos de Mileto, sustentava que a experiência sensorial põe
o ser humano em contato com uma realidade cambiante, cuja constituição última ele
pretendia encontrar. Como Parmênides afirmava que só o ser é e o não-ser não é,
porque ao ser não se pode acrescentar e nem tirar nada, considerando assim que
“nada vem à existência nem é destruído, tudo é resultado da mistura e da divisão”.
13
Defendeu também a idéia de que, junto à matéria, existe um princípio ordenador,
uma inteligência como causa do movimento, por isso, foi chamado de o primeiro
dualista.
Anaxágoras aparece ao lado de Pitágoras no quadro Escola de Atenas de
Rafael, segurando a tableta com o número triangular 1+2+3+4, a sagrada tetractys
dos Pitagóricos.
1.1.2 ARQUITAS
Arquitas foi matemático, astrônomo, filósofo, músico e político grego, nascido
no ano de 428 a.C. em Tarento, cidade colonial grega no sul da Itália, nas costas do
mediterrâneo. Era representante da escola pitagórica e de caráter platônico, foi um
dos principais responsáveis por mudanças fundamentais na matemática do quinto
século antes de Cristo e de transição na era platônica.
Foi discípulo de Filolaus e amigo de Platão, mas foi mais aritmético do que
geômetra e sem a componente religiosa e mística dos pitagóricos como Filolaus.
Arquitas acreditava que o número era o que havia de mais importantena vida e na
matemática, porém previa que no futuro a supremacia seria da geometria. Foi o
primeiro a usar o cubo em geometria e a restringir as matemáticas às disciplinas
técnicas como geometria, aritmética, astronomia e acústica.
Na política, Arquitas nunca foi derrotado e foi eleito governador da cidade
durante sete vezes consecutivas, onde governou como autocrático moderado,
bondoso, justo e adorava crianças, para as quais costumava inventar brinquedos,
como por exemplo, o primeiro brinquedo voador, a pomba, criado em 400 a.C.. Sua
14
ação mais notável na política foi quando fez uma intervenção junto ao tirano Dionísio
para salvar a vida de seu amigo Platão.
Muitas obras hoje perdidas sobre mecânica e geometria, são atribuídas a ele.
Escreveu sobre as utilizações das médias aritméticas e geométricas, sobre métodos
interativos para determinação de raízes quadradas e sobre geometria analítica. Para
resolver o famoso Problema Deliano, que é o problema da duplicação do volume do
cubo, Arquitas utilizou um modelo tridimensional.
Introduziu o estudo da média harmônica na música e escreveu Harmonia, da
qual conhecemos alguns fragmentos. Arquitas sempre achou que a música era mais
importante que a literatura no ensino das crianças, dentro de um núcleo educacional
chamado de quadrivium, formado por quatro disciplinas: aritmética, música,
geometria e astronomia. Influenciou Euclides e seus estudos e idéias são a origem
da matemática ter se tornado matéria básica na educação nos dias de hoje.
Arquitas morreu em 365 a.C., em um naufrágio na costa da Apúlia.
1.1.3 PLATÃO
Platão foi um filósofo e matemático grego nascido no ano de 427 a.C..
Acrdita-se que seu nome verdadeiro tenha sido Arístocles e que Platão era um
apelido que fazia referência à sua característica física, tal como o porte atlético ou os
ombros largos, ou ainda a sua ampla capacidade intelectual de tratar de diferentes
temas.
Foi fundador da Academia Ateniense, onde se reuniam os principais mestres
e pesquisadores da época, entre os quais se destacou o seu discípulo mais
importante, Eudoxo, que apesar de não ter sido um grande criador da matemática,
15
foi um guia e inspirador do desenvolvimento desta ciência e ficou conhecido como o
criador de matemáticos.
Platão foi o criador do platonismo, doutrina caracterizada principalmente pela
teoria das idéias e dos números e pela preocupação com temas éticos com base no
conhecimento das verdades básicas que fazem a realidade visando toda meditação
filosófica ao conhecimento do Bem, o que ele achava ser o essencial para existir a
justiça entre os estados e entre os homens.
Seu pensamento foi assimilado pelo cristianismo primitivo, dominando a
filosofia cristã antiga e medieval, e, junto com seu mestre e amigo Sócrates e o
discípulo Aristóteles, lançou a base sobre a qual se assentaria o início de toda a
filosofia ocidental. Acredita-se que Platão iniciou os seus estudos filosóficos com
Crátilo, seguidor de Heráclito, antes de conhecer Sócrates, do qual se tornou um
quase adorador. Sócrates era um crítico dos maus hábitos e dos governos de
Atenas, o que causou a sua condenação à morte.
Depois que Sócrates morreu, em 399 a.C., acreditando que Atenas havia
perdido a liberdade de pensamento, Platão foi viajar pelo mundo helênico,
dedicando-se ao comércio e ao estudo por vários anos.
Em Cirene estudou Geometria com Teodoro e em Tarento conheceu e tornou-
se amigo do rei-geômetra Arquitas, com quem aprendeu a matemática dos
pitagóricos. Em Mégara foi ao encontro de Euclides, outro discípulo de seu mestre.
Foi a Siracusa, no sul da Itália, a convite de Dionísio I, onde se relacionou com
outros pitagóricos, mas as suas doutrinas acabaram irritando a Dionísio I e este
mandou vendê-lo como escravo no mercado de Egina, onde foi resgatado por um
cirenaico.
16
De volta a Atenas, em 387 a.C., estudou com Teodoro e Taeatetus e iniciou
os seus ensinamentos filosóficos. Inicialmente não escreveu sobre matemática, só
tendo uma visão do assunto após uma visita a seu amigo Arquitas, na Sicília, que
voltaria a visitar mais vezes, tornando-se o seu mais importante discípulo. Após a
morte de Dionísio I, o seu sucessor, Dionísio II, convidou Platão a outra viagem à
Sicília, para pôr em prática suas idéias de reforma política.
Novamente em Atenas em 360 a.C., fundou sua famosa Academia que era
destinada à investigação filosófica, onde dirigiu e ensinou até a sua morte, aos 80
anos. Nessa academia reuniu um grupo de excelentes geômetras, como Têudio de
Magnésia, Âmiclas de Heracléia, Menecmo e Dinostrato de Atenas, Ateneu de
Cízico, Hermótimo de Cólofon e Taeatetus de Atenas. O livro-texto usado na
Academia foi escrito por Têudio, certamente aproveitando parte dos trabalhos feitos
por Hipócrates.
Nessa época, meio século antes de Euclides, já se usava a expressão
Elementos de Geometria. Apesar de muitos avanços, continuavam de pé os Três
Problemas Clássicos (a trissecção do ângulo, a duplicação do cubo e a quadratura
do círculo), além de parte da Teoria das Proporções, envolvendo grandezas
incomensuráveis. A convite de Dionísio II, foi mais uma vez ao sul da Itália, mas teve
que fugir de volta a Atenas acusado de participar de lutas políticas contra o governo,
que terminaria exilado por seus atos arbitrários.
Em sua época a matemática grega passou por drásticas modificações,
surgindo também à álgebra geométrica no lugar da álgebra aritmética surgindo a
homogeneidade das equações, ou seja, a soma de segmentos só com segmentos,
volume só com volume, etc. A ele deve-se também o fato da matemática ter se
tornado uma disciplina essencial para a educação dos homens. Ao quadrivium de
17
Arquitas acrescentou a estereometria, pois achava que até o momento a geometria
dos sólidos não tivera a ênfase necessária
Da sua escola devem-se algumas definições interessantes como o ponto é o
início de uma reta e esta é um comprimento sem largura, a distinção entre números
pares e ímpares e suas operações entre si, etc. Não concordava com o uso de
instrumentos, como régua e compasso, no desenho de figuras, pois tudo deveria ser
definido através de equações. Seus trinta e seis trabalhos divididos em tetralogias
nos chegaram até hoje via o famoso gramático Trisilo.
Morreu no ano de 347 a.C. em Atenas e entre suas principais obras citam-se
Timaeus (sobre sólidos regulares), Repúplica (sobre aritmética), Phaedo (sobre as
últimas horas de Sócrates), Leis (sobre cidadania) e Taeatetus (sobre a obra deste).
Foi um dos filósofos mais influentes de todos os tempos e seus ideais estéticos e
humanistas do Renascimento constituíram uma recuperação do platonismo. Há
elementos platônicos também em pensadores modernos, como Leibniz e Hegel.
1.1.4 PÉRICLES
Péricles nasceu em Atenas em 495 a.C.. Foi um estadista ateniense e
governador de Atenas durante 32 anos (463-431 a.C.). Seu governo marcou o
surgimento da civilização helênica como potência científica da Antiguidade, época
de maior esplendor desta civilização e da consolidação do sistema democrático
ateniense.
Por ser de uma família de elite, influente nas finanças e na política e educado
por filósofos, Péricles tornou-se general, entrou na política e foi eleito o general
superior na Grécia Antiga, derrotando o líder aristocrata Címon, com uma plataforma
18
de reformas democráticas. Isto lhe atribuiu o comando das forças de terra e de mar,
influenciar no controle da fazenda pública e na política interna e externa do estado.
Reelegeu-se anualmente durante mais de 30 anos.
Célebre orador e estrategista, tornou-se o principal artesão da expansão
imperial de Atenas como potência comercial da Grécia. Instalou novas colônias e
ampliou a hegemonia ateniense sobre 400 cidades-estado, através da liga de Delos,
contra os persas. No seu governo, Atenas expandiu, monopolizou o comércio
marítimo e tiranizou seus aliados da confederação de Delos, o que levou ao longo
conflito com Esparta, que culminou com a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.).
Durante o período inicial de seu governo, Péricles enfrentou grandes
dificuldades, principalmente quando a peste começou a dizimar a população
ateniense, reprimiu brutalmente as rebeliões e governou sob forte oposição. Foi a
maior figura política de Atenas e a organização definitiva da democracia ateniense
teve nele seu mais eficaz agente.
Péricles realizou grandes construções em Atenas, como o Partenon, templo
pagão de insuperável perfeição arquitetônica e riqueza escultória, e estimulou as
artes e a cultura. A identidade de sua primeira esposa é desconhecida, porém sabe-
se que dela divorciou-se dez anos após o casamento para viver com a bela e
inteligente Aspásia, de Mileto, 25 anos mais jovem e que teria grande influência
política em seu governo.
Depois de muitos anos no poder, Péricles perdeu a eleição (431 a.C.), quando
a liga de Delos foi derrotada por Esparta, uma forte peste matou um terço da
população ateniense e ele foi responsabilizado por essas desgraças. Reelegeu-se
estratego novamente em 429 a.C., mas morreu pouco depois, vítima da peste que
ainda atingia Atenas. Sua época foi marcada como o século de Péricles.
19
1.2 A ORIGEM DO PROBLEMA
A origem deste problema é um pouco duvidosa, mas segundo BOYER
(1996), acredita-se que Anaxágoras faleceu em 428 a.C., ano em que nasceu
Arquitas, um ano antes do nascimento de Platão e um ano antes da morte de
Péricles. Péricles faleceu em 427 a.C. devido a uma peste que acredita-se que
matou um quarto da população de Atenas.
Existe uma lenda que diz que um grupo, preocupado com a peste que se
espalhava, procurou o oráculo de Apolo (o deus do sol), na cidade de Delos, para
encontrar alguma forma de acabar com a peste. O oráculo informou que para
resolver essa questão e acabar com o mal era necessário que alguém conseguisse
dobrar o volume do cubo que sustentava a estátua do deus Apolo. Os atenienses
resolveram então obedecer e dobraram as dimensões do altar, mas isso não foi o
suficiente para acabar com a peste, uma vez que dobrando as dimensões do cubo
não se obtem um cubo com o dobro do volume, como pode-se verificar abaixo com
os cubos construidos no software Geogebra:
i) Se um cubo possui uma aresta a medindo m1 , seu volume será:
Figura 1: Cubo com aresta m1
333 1,1, mVVaV cubocubocubo
20
ii) Quando este cubo tem a aresta duplicada, ou seja, passa a medir m2 , o seu
volume será:
Figura 2: Cubo com aresta m2
333 8,2, mVVaV cubocubocubo
Assim, os atenienses não obteram o dobro, mas sim octuplicaram o volume
do altar. Segundo Platão, a verdadeira intenção do deus Apolo era a de envergonhar
os gregos por seu total desprezo com a matemática e com a geometria em
particular.
Este problema deu origem ao Problema Deliano, ou Problema da Cidade de
Delos, que diz que dada a aresta de um cubo, deve-se construir apenas com régua
e compasso, onde a régua deve ser utilizada apenas para traçar linhas retas e não
para medir, a aresta de um segundo cubo, tendo o dobro do volume do primeiro.
Mais de 2200 anos depois seria provado (item 2.3 do capítulo 2) que o
problema é impossível de resolver utilizando apenas a régua sem escala e o
compasso. Mesmo assim, a maior parte da matemática grega e muito da
investigação da matemática que veio a seguir tentou conseguir provar o impossível.
A solução (apresentada no capítulo 2) deste problema é trivial com os
recursos da álgebra e o desfecho final deste problema veio com o matemático
francês Évariste Galois (1811-1832).
21
1.2.1 ÉVARISTE GALOIS
Figura 3: Évariste Galois (1811-1832)
Évariste Galois foi à escola no Liceu de Louis-le-Grand quando tinha doze
anos. Nesta escola não encontrou nenhum curso de matemática,que era o seu
maior interesse. Aos dezesseis anos que Galouis fez o seu primeiro curso de
matemática, passando a deixar de lado as outras matérias. O seu conhecimento
pela matemática logo superou o conhecimento do seu professor e passou a estudar
diretamente dos livros escritos pelos gênios de sua época. Com dezessete anos
Galois já havia absorvido os conceitos mais modernos e então publicou seu primeiro
trabalho nos Annales de Gergonne.
Apesar de saber mais matemática do que seria preciso para passar nas
provas do Liceu, as soluções de Galois eram tão sofisticadas e inovadoras que seus
professores não conseguiam julgá-las corretamente e ainda Galois fazia muitos
cálculos de cabeça, sem transcrevê-los, deixando os professores frustrados e
perplexos. Era precipitado, explosivo e quando prestou exame para o colégio com
mais prestígio em seu país, a École Polytechnique, os seus modos rudes e a falta de
explicações na prova oral fizeram com que sua admissão fosse negada. No ano
seguinte tentou novamente ingressar no colégio e mais uma vez seus saltos lógicos
22
na prova oral só confundiram o examinador e, quando Galois sentiu que ia ser
reprovado mais uma vez e frustrado por sua inteligência não estar sendo
reconhecida, perdeu a calma e jogou um apagador no examinador. Depois disso,
Galois nunca mais voltaria a entrar nas famosas salas da Polytechnique.
Apesar disso, Galois continuou confiante no seu talento matemático e
prosseguiu com as suas pesquisas. Seu principal interesse era a busca de soluções
para certas equações, como a equação quadrática e queria muito encontrar uma
regra para resolver as equações de quinto grau, um dos grandes desafios de sua
época. Com dezessete anos, ele fez progressos suficientes para submeter dois
trabalhos de pesquisa à Academia de Ciências.
Depois do suicídio de seu pai, em julho de 1829, Galois juntou seus dois
trabalhos num só e os enviou para o secretário da Academia bem antes do limite do
prazo. O secretário, Joseph Fourier, devia entregá-lo para a avaliação, mas este
morreu algumas semanas antes da data da decisão dos juizes, e apesar de vários
trabalhos terem sido entregues ao comitê, o de Galois não estava entre eles. Este
trabalho não apresentava uma solução para os problemas de quinto grau, mas
oferecia uma visão tão brilhante que muitos matemáticos o consideravam como o
provável vencedor. O trabalho nunca foi encontrado.
Galois achou que o seu trabalho foi perdido propositalmente. No ano seguinte
a Academia rejeitou outro manuscrito seu, dizendo que os argumentos não eram
claros e nem desenvolvidos. Assim, Galois decidiu que havia uma conspiração para
excluí-lo da comunidade matemática e passou a negligenciar suas pesquisas em
favor da luta pela causa republicana e publicou um ataque sarcástico contra o diretor
do seu colégio, École Normale Supérieure, que reslutou na sua expulsão e extinção
na carreira de matemático.
23
Em 04 de dezembro de 1830 o gênio alistou-se na Artilharia da Guarda
Nacional, um ramo de milícia conhecido como “inimigos do povo”, tornando-se um
rebelde profissional, mas antes do fim do mês, essa Artilharia foi extinta e Galois
ficou desamparado e sem lar. Alguns de seus colegas matemáticos começaram a se
preocupar com o seu destino.
Depois disso Évariste Galois foi preso e ficou na cadeia por um mês, acusado
de ameaçar a vida do rei. Foi levado a julgamento e foi absolvido, mas no mês
seguinte foi preso de novo, sentenciado a seis meses de prisão. Na prisão começou
a beber, por influência dos outros. Uma semana depois, um colega que estava ao
seu lado foi atingido por uma bala e Galois ficou convencido que havia um complô
do governo para assassiná-lo.
O medo da persseguição política o aterrorizava. O isolamento dos amigos e
da família e a rejeição de suas idéias matemáticas o mergulharam num estado de
depressão. Bêbado e delirante ele tentou se matar com uma faca, mas seus colegas
republicanos conseguiram dominá-lo e desarmá-lo.
Um mês antes do fim da sentença, irrompeu uma epidemia de cólera em
Paris e os presos foram libertados. Depois disso Galois teve um romance com uma
mulher que já estava comprometida a outro. Quando este descobriu a traição ficou
furioso e como era um dos melhores atiradores da França, desafiou Galois para um
duelo. Galois aceitou, mas como sabia que suas chances eram mínimas escreveu
cartas para os amigos. Trecho da carta:
“...Eu morri vítima de uma infame namoradeira e dos dois idiotas que ela envolveu. Minha vida termina em consequência de uma miserável calúnia. Ah! Por que tenho que morrer por uma coisa tão insignificante e desprezível? Eu peço aos céus que testemunhem que foi apenas pela força e pela coação que eu cedi à provocação que tentei evitar por todos os meios...”
24
E numa tentativa desesperada de conseguir reconhecimento, ele escreveu
durante a noite toda o teorema que, acreditava, que explicaria o enigma da equação
de quinto grau e enviou esta carta pedindo que, caso morresse, aquelas páginas
fossem enviadas aos grandes matemáticos da Europa.
Na manhã seguinte, Galois foi atingido no estômago e ficou agonizando no
chão, vindo a falecer no dia seguinte. Os trabalhos de Galois foram reconhecidos
uma década depois.
Galois tinha formulado um explicação completa de como obter soluções para
equações de quinto grau. Primeiro ele separou-as em dois tipos: as que podiam ser
solucionadas e as que não podiam. Para as que podiam ele deduziu uma fórmula
para encontrar as soluções. Era uma das obras-primas da matemática do século
XIX, criada por um de seus mais trágicos heróis.
A teoria de Galois dá uma clara explicação a problemas de construção com
régua e compasso, como o Problema Deliano, pois explica em detalhes porque é
possível resolver equações de quarto grau, ou menores, utilizando as noções de
números algébricos e transcendentes.
Para Galois, o conjunto dos construtíveis será:
compassoeréguacomesconstrutívoscomprimentelconstrutívéRCR ;
Este conjunto RC possui as seguintes propriedades:
RR
RR
CC
CC
,
1
No capítulo seguinte veremos algumas tentativas ao longo dos anos para
tentar resolver este problema utilizando régua sem escala e compasso.
25
CAPÍTULO 2
ALGUMAS TENTATIVAS DE RESOLVER O PROBLEMA DELIANO
Os geômetras da época já sabiam que para duplicar a área de um quadrado
bastava considerar, para o lado do quadrado com a área desejada, a diagonal do
quadrado original.
Isto quer dizer que se temos um quadrado de lado medindo uma unidade e
queremos um quadrado com o dobro da área deste, basta construir um quadrado de
lado 21 , como na figura abaixo:
Figura 4: Construindo um quadrado com o dobro da área do menor de uma unidade
Assim sendo, para duplicar um quadrado de aresta a basta construir um
quadrado de aresta 2a . É então natural surgir a questão de transpor este problema
para figuras sólidas como o cubo. Com os recursos da álgebra, vejamos porque isto
não acontece:
26
Seja um segmento de reta de comprimento a . O volume de um cubo cuja
aresta seja a é:
3aV aarestadecubo (1)
Queremos obter um segmento de reta de comprimento b , cujo volume de um
cubo de aresta b é:
3bV barestadecubo (2)
Como o objetivo do problema deliano é duplicar o volume do cubo de aresta
a , então segue que:
aarestadecubobarestadecubo VV 2 (3)
Substituindo (1) e (2) em (3) teremos:
333 22a
bab
Assim, o problema se reduz a obter dois segmentos de reta cujos
comprimentos estejam na proporção 1 : 3 2 .
2.1 A CONTRIBUIÇÃO DE ARQUITAS (428 a.C.- 347 a.C.)
Acredita-se que Arquitas tivesse acesso a um tratado mais antigo sobre os
elementos da matemática e que o processo iterativo para obter a raiz quadrada, que
é frequentemente conhecido pelo seu nome, tenha sido utilizado muito antes na
Mesopotâmia. Mas Arquitas também contribuiu com resultados originais.
A sua contribuição mais notável foi uma solução tridimensional do Problema
Deliano, que é descrito mais facilmente na linguagem da geometria analítica.
Seja um cubo a ser duplicado com aresta medindo a . Seja ( a , 0, 0) o centro
de três círculos mutuamente ortogonais de raio a e cada um localizado em um plano
27
perpendicular a um eixo coordenado. Sobre o círculo perpendicular ao eixo Ox é
construído um cone com vértice (0, 0, 0). Sobre o círculo no plano xy é construído
um cilindro circular reto. Seja o círculo no plano xz girado em torno do eixo Oz para
gerar um toro. As equações dessas três superfícies são:
)(4)(,2, 222222222222 yxazyxyxaxzyx
Essas três superfícies se encontram num ponto cuja coordenada x é 3 2a ,
que é a aresta do cubo que foi desejado.
Este resultado impressiona quando levamos em consideração que Arquitas
obteve sua solução sem a ajuda de coordenadas.
Porém esta solução não é obtida com régua sem escala e compasso.
2.2 A CONTRIBUIÇÃO DE MENAECMUS (380 a.C. - 320 a.C.)
Menaecmus foi um matemático da Grécia antiga, atribui-se a ele a descoberta
das curvas elipse, parábola e hipérbole. Sabe-se também que ele ensinou Alexandre
o grande.
Sabe-se que tinha esbarrado nas cônicas numa busca bem-sucedida por
curvas com as propriedades adequadas à duplicação do cubo e em termos de
notação moderna é fácil chegar a solução. Deslocando o plano de secção (Figura 5)
podemos achar uma parábola com qualquer lado reto.
28
Figura 5: Uma parábola com qualquer lado reto
Se quisermos duplicar um cubo de aresta a , basta determinar sobre um cone
retângulo duas parábolas, uma com lado reto a e outra com lado reto 2 a .
Se agora colocarmos as duas parábolas com vértices na origem e eixos
(Figura 6) segundo o dos x e o dos y respectivamente, o ponto de intersecção das
duas curvas, terá coordenadas ),( yx , satisfazendo a proporção continuada:
a
y
y
x
x
a
Figura 6: Duas parábolas com vértices na origem
Isto é, temos: 33 4,2 ayax
29
E portanto a abscissa x é a aresta do cubo procurado.
É provável que Menaecmus soubesse que a duplicação também pode ser
efetuada por meio de uma hipérbole retangular mais uma parábola.
Se a parábola da equação xa
y2
2 e a hipérbole da equação 2ayx são
colocadas sobre o mesmo sistema de coordenadas (Figura 7), o ponto de
intersecção terá coordenadas: 3
3
2,2
ayax .
Figura 7: Intersecção de uma parábola com uma hipérbole
E portanto a abscissa x é o lado do cubo procurado.
Mas, esta solução não é obtida com régua sem escala e compasso.
2.3 A DEMONSTRAÇÃO DE QUE O PROBLEMA DELIANO NÃO PODE SER
RESOLVIDO COM RÉGUA SEM ESCALA E COMPASSO
Segundo COURANT (2000), se um cubo possui uma aresta medindo uma
unidade, o volume deste será a unidade cúbica, ou seja, o volume será 31 .
O Problema Deliano pede que se obtenha a medida da aresta de um cubo
com o dobro deste volume.
30
Seja x a aresta deste cubo desejado. Esta aresta irá satisfazer a equação
cúbica:
333 2202 xxx
O número x não pode ser obtido através de uma construção com régua e
compasso e para verificar isso será realizada uma prova indireta, ou seja, uma prova
por absurdo.
Primeiramente vamos supor que esta construção seja possível. Sabemos que
todos os números construtíveis são algébricos, ou seja, são números reais ou
complexos que satisfazem alguma equação algébrica da forma:
0... 0
1
1
1
1 axaxaxa n
n
n
n 0,1( nan e )Rak
Sabemos também que os números de um corpo racional kF são raízes de
uma equação de grau k2 , com coeficientes racionais.
Assim, o número x estará contido em algum corpo kF e este será encontrado
a partir do corpo racional.
Como 3 2 é um número irracional, este não pode fazer parte de um corpo
racional 0F (corpo racional gerado por um único segmento, que faz com que todos
os números construtíveis sejam algébricos) e portanto x somente poderá estar
incluído em algum corpo kF , onde k será um inteiro positivo.
Supondo que k é o último positivo em que x esteja contido em algum corpo
kF e que qp, e w pertencem a algum corpo 1kF , mas w não pertence, temos que
x pode ser escrito na forma:
wqpx
Se x está no corpo racional kF , temos também que 3x pertence ao mesmo
corpo, pois a operação da multiplicação é fechada em relação aos números
31
racionais. Se 3x pertence ao corpo racional kF temos que 23x também pertence a
este corpo, uma vez que a operação da adição é fechada em relação aos números
racionais.
Se a e b são números racionais que estão no corpo 1kF , temos:
wbax 23
Como temos wqpx , segue que:
wbawwqqpwpqp
wbawwqwpqwqpp
wbawqp
)3(23
233
2)(
3223
3223
3
Portanto:
wqqpbwpqpa 3223 3,23
Se fizermos wqpx' , temos que:
wwqqpwpqp
wwqwpqwqpp
wqpx
)3(23
233
2)(2)'(
3223
3223
33
Como já vimos que 23 23 wpqpa e wqqpb 323 , temos:
wbax
wbawqp
2)'(
2)(
3
3
Se x deveria ser uma raiz de 023x e temos wbax 23 , segue que:
0wba
Isso nos diz que a e b devem ser iguais a zero, pois se não fosse assim,
teríamos que b
aw e portanto w pertenceria ao corpo 1kF , o que contraria a
nossa hipótese, que diz que w não pertence ao corpo 1kF .
Portanto, como temos 0b , segue:
32
00 awba
Como 02)'( 3x e wqpx' , temos que 'x também é uma solução da
equação cúbica 023x . Além disso:
0'' xxxx
Substituindo, temos: 020)()( wqwqpwqp .
Este resultado é verificado, pois para wq2 ser zero, q deveria ser zero. Se
q fosse zero e wqpx , teríamos px , e estes estariam no corpo 1kF , o que
também contraria a hipótese, que diz que x pertence ao corpo kF .
Como demonstramos que wqpx e wqpx' são raízes da equação
cúbica 023x e ainda 'xx , temos uma contradição, visto que existe apenas um
número real x que seja igual à raiz cúbica de 2, as outras raízes cúbicas de 2 sendo
imaginárias (ver em anexo). Como vimos que qp, e w são números reais, temos
x e 'x também números reais, o que é um absurdo.
Deste modo, a hipótese de que a construção do número x com régua sem
escala e compasso é possível leva a um absurdo, o que significa que está errada e
que a solução não está contida em um corpo.
Portanto, duplicar o volume de um cubo, com aresta medindo uma unidade,
utilizando régua não graduada e compasso é impossível. ■
No capítulo seguinte veremos a solução deste problema utilizando o origami.
33
CAPÍTULO 3
UTILIZANDO O ORIGAMI PARA RESOLVER O PROBLEMA DA
DUPLICAÇÃO DO VOLUME DO CUBO
3.1 ORIGAMI
Origami, é a arte japonesa de dobrar o papel. A origem da palavra advém do
japonês ori (dobrar) kami (papel), que ao juntar as duas palavras a pronúncia fica
"origami". Apesar de ser um patrimônio da cultura japonesa, é provável que tenha
começado na China, a qual é considerada "o berço do papel". Geralmente utiliza-se
um pedaço de papel quadrado, cujas dobras são feitas sem poder cortar o papel.
Conforme se foram desenvolvendo métodos mais simples de criar papel, o
papel foi tornando-se menos caro, e o origami, cada vez mais uma arte popular.
Contudo, os japoneses sempre foram muito cuidadosos em não desperdiçar;
guardavam sempre todos os pequenos restos de papel, e usavam nos seus modelos
de origami.
Durante séculos não existiram instruções para criar os modelos de origami,
pois eram transmitidas verbalmente de geração em geração. Esta forma de arte viria
a tornar-se parte da herança cultural dos japoneses. Em 1787 foi publicado um livro
(Hiden Senbazuru Orikata) contendo o primeiro conjunto de instruções de origami
para dobrar um pássaro sagrado do Japão. O origami tornou-se uma forma de arte
muito popular, conforme indica uma impressão em madeira de 1819 intitulada "Um
34
mágico transforma folhas em pássaros", que mostra pássaros a serem criados a
partir de folhas de papel, mais conhecido como Tsuru (Figura 8). Segundo a cultura
japonesa aquele que fizer mil Tsurus teria um pedido realizado.
Figura 8 – Tsuru
Em 1845 foi publicado outro livro (Kan no mado) que incluía uma coleção de
aproximadamente 150 modelos de origami. Este livro introduzia o modelo do sapo,
muito conhecido hoje em dia. Com esta publicação, o origami espalhou-se como
atividade recreativa no Japão.
Não seriam apenas os japoneses que dobravam o papel, mas também os
mouros, no Norte da África, que trouxeram a dobragem do papel para Espanha na
sequência da invasão árabe no século VIII. Os mouros usavam a dobragem de
papel para criar figuras geométricas, pois a religião proibia-os de criar formas de
animais. Da Espanha se espalhou para a América do Sul. Com as rotas comerciais
marítimas, o origami entra na Europa e, mais tarde, nos Estados Unidos.
O conceito moderno do origami não só dobra papéis, mas também ajuda a
dobrar utilidades, soluções e tecnologias ao redor do mundo. Os benefícios nos
campos da Matemática, Ciência e Arte, por exemplo, se estenderam por diversas
universidades sendo objeto de estudo em diferentes locais do planeta. No Japão,
por exemplo, o origami é aplicado na educação desde 1972 e as crianças são
35
iniciadas pelos pais quando ainda pequenas. Um outro bom exemplo está na
Universidade de Nova Jersey nos Estados Unidos onde o origami é utilizado nas
aulas de geometria computacional em 3 dimensões a algum tempo. Origami é
realmente uma arte barata. Atualmente as diversas fontes para pesquisa na internet
e a acessibilidade cada vez maior aos computadores podem trazer esse recurso
para dentro das escolas na mesma velocidade que a rede avança. O Brasil é o
sétimo maior produtor de celulose do planeta e a quantidade de papel presente em
nossa sociedade prova que os meios podem ser encontrados em diversos locais e
de forma bem acessível.
A presença do origami em nossa vida cotidiana é maior do que pensamos.
Hoje o origami tem aplicabilidades que ultrapassam a nossa percepção na correria
do dia-a-dia. O origami está presente nos automóveis onde - por meio de dobras - foi
conseguida uma total eficiência no equipamento de segurança conhecido como “air-
bag”, evitando explosões quando inflados. Nos aviões também, por meio das
maiores envergaduras de asas já obtidas e dispositivos que se “dobram e
desdobram” aumentando a eficiência das aeronaves e economizando espaço.
Um fato curioso foi que a forma mais eficiente para levar objetos grandes e
planos ao espaço, tais como antenas e painéis solares de satélites, de maneira tal
que ocupem pouco espaço durante o transporte, e uma vez no destino final, possam
ser abertos rapidamente e com o mínimo gasto de energia, foi solucionada com o
origami. A solução a este problema foi dada pelo Prof. Koryo Miura, da Universidade
de Tokyo, com a forma mostrada na figura 9. As dobras são interdependentes, e
assim, o movimento ao longo de uma delas produz movimentos ao longo das outras.
Dessa forma, a folha pode ser aberta com pouco esforço apenas puxando-a por
duas esquinas opostas. O mesmo principio pode ser aplicado para dobrar mapas.
36
Figura 9 – Dobragem Miura
Com o origami, foi possível também desenvolver embalagens mais práticas
como as caixas de comida chinesa, caixas de hambúrgueres, sacolas de compra
etc. Até na moda o origami ajudou e ajuda a definir novos conceitos com roupas que
podem ser dobradas e encaixadas para formar novas peças e novos estilos. São
inúmeras as aplicabilidades do origami e isso significa que os países mais
desenvolvidos já visualizaram o quanto é produtivo, utilizar origami em locais onde
se produz conhecimento e desenvolvimento como escolas, universidades e centros
de pesquisa.
3.2 RESOLVENDO O PROBLEMA COM UMA FOLHA QUADRADA DE PAPEL
Segundo LUCERO (2006), a solução a seguir foi feita por Peter Messer.
Partimos de uma folha quadrada de papel de dimensão arbitrária. A solução
consta de duas etapas, na primeira devemos dividir a folha em três partes iguais.
Isso pode ser feito pelos seguintes passos:
37
(1) Marcar o ponto médio na (2) Dobrar e abrir. borda direita.
(3) Dobrar e abrir. (4) Dobrar horizontalmente, de for- ma que a borda superior toque a intersecção das linhas de dobrado
anteriores, e abrir.
(5) Dobrar horizontalmente, de for- (6) As linhas de dobrado horizontais ma que a borda inferior toque a dividem a folha em três partes iguais. linha de dobrado anterior, e abrir.
38
Os passos a seguir determinam 3 2 . As linhas que não são relevantes foram
eliminadas para maior clareza.
(7) Dobrar de forma que o ponto A fi- (8) Resultado final. que sobre a borda direita, e o ponto B sobre a linha horizontal indicada.
DEMONSTRAÇÃO
Primeiro demonstraremos que a seqüência de passos (1)-(6) divide a folha de
papel em 3 partes iguais. O seguinte diagrama reproduz o resultado no passo (6).
Temos colocado um par de eixos cartesianos yex , com origem no canto inferior
esquerdo da folha de papel. O comprimento dos lados da folha é l , indicado abaixo:
O ponto C está à mesma
39
distância das bordas inferior e direita da folha, que chamaremos de s , portanto suas
coordenadas são ),(),( sslyx CC . As coordenadas do ponto D são
)2/,(),( llyx DD . Podemos então dizer que:
)(tgsl
s
x
y
C
C
Igualando as equações, obtemos:
32
2
1 lssls
sl
s
Pelos passos (4) e (5), a distância entre as linhas de dobrado horizontais, e
entre a linha superior e a borda superior da folha, também deve ser 3l .
Agora demonstraremos que a dobra do passo (7) determina 3 2 sobre a borda
direita da folha. Para isso, colocamos novamente um par de eixos cartesianos yex ,
com origem no canto inferior esquerdo da folha de papel (figura na página seguinte).
Os pontos A e B são os indicados no passo (7) anterior, e têm coordenadas
)0,0(),( AA yx e )3/,0(),( lyx BB , respectivamente. Nesse mesmo passo,
realizamos a dobra sobre a linha m , e os pontos A e B passam a ocupar as
posições A e B , respectivamente, de coordenadas )1,(),( '' lyx AA e
)3/2,(),( '' layx BB , onde a designa a abscissa do ponto B . Os pontos A e B ,
sobre a linha de dobrado, são os pontos médios dos segmentos AA e BB ,
respectivamente, e têm coordenadas )2/1,2/(),( "" lyx AA e )2/,2/(),( "" layx BB .
2
1
D
D
x
y
40
Pela geometria da figura, os três ângulos designados por , com vértice
em A , B e B , são iguais. Calculemos o valor de )(tg em cada caso:
llxx
yytg
AA
AA 1
0
01)(
'
' (1)
a
l
a
ll
a
ll
xx
yy
BB
BB 33
2
0
33
2
'
' (2)
11
2
2
2
12
2
1
2
22
""
""
l
al
l
al
l
al
l
al
yy
xx
AB
BA (3)
Igualando as equações (1) e (2) obtemos:
3
31 2la
a
l
l
Similarmente, igualando (1) e (3):
1
1
l
al
l
Substituindo o valor de a nesta última equação e operando, resulta em:
41
3
31
1
31 32
2
lll
l
ll
l
0333333 2332 llllll
Esta equação cúbica pode ser escrita na forma:
02)1( 3l
Portanto, substituindo 1lt , obtemos:
33 202 tt
O que prova a solução do problema deliano. ■
42
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho contribuiu muito para eu conhecer um pouco da história da
matemática e principalmente me ajudou a perceber que a beleza de um problema
matemático não está na resposta, e sim, nos métodos usados para resolvê-lo. No
entanto, a arte do origami nos proporcionou visualizar a resolução de um problema
que há anos ficou sem uma solução geométrica, o que realmente é admirável.
Como podemos observar ao longo deste trabalho, a impossibilidade da
resolução deste problema não é só devido ao uso de uma régua não graduada.
Apesar de não ter sido resolvido com régua sem escala e compasso, a descoberta
de novos objetos matemáticos e a riqueza interna adquirida pelos matemáticos
envolvidos foi de grande importância para o desenvolvimento da geometria futura.
Assim, a busca pelo impossível acarretou num crescimento brilhante da
matemática na população mundial. A popularidade deste problema levou muitos
matemáticos amadores a tentar solucioná-lo. Mesmo quando já se sabia que era
impossível de se resolver com régua e compasso, o Royal Society de Londres,
recebia centena de provas falsas. Isso nos mostra o quanto um desafio perturba
uma pessoa que se sinta atraída por essas questões.
A raiz cúbica de 2 é a solução da equação 023x . Com dobraduras de uma
folha de papel, é possível resolver qualquer equação cúbica 023 dcxbxax , o
que é impossível de ser feito com régua e compasso. Isso permite resolver outros
problemas geométricos de construção que possam ser reduzidos a uma equação
cúbica, como a trissecção de um ângulo, e a construção de um heptágono regular.
43
BIBLIOGRAFIA
BOYER, C. B. História da Matemática. Editora Edgar Blücher Ltda., São Paulo, 1996. Traduzido por Elza F. Gomide do original em inglês: A History of Mathematics, John Wiley & Sons, Nova Iorque, 1991.
COURANT, R. e ROBBINS, H. O que é Matemática? Editora Ciência Moderna Ltda., Rio de Janeiro, 2000. Traduzido por Adalberto da Silva Brito do original em inglês: What is Mathematics?, 1941.
DESTEFFANI, R. P. Origami na educação e na vida. Disponível na internet em: http://www.ferrazorigami.com.br/?q=node/12. Acesso em ago. 2008.
JAHN, A. P e BONGIOVANNI, V. Revisitando os 3 problemas insolúveis da matemática. Revista do Professor de Matemática. N°. 66, Editora Sociedade Brasileira de Matemática, 2008.
LUCERO, J. C. O Problema Deliano. Disponível na internet em: http://www.mat.unb.br/~lucero/origami/Notas_2.pdf. Acesso em jun. 2008.
ORIGAMI NA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E DESIGN. Miura-Ori (a dobra de Miura). Disponível na internet em: http://orig4mi.wordpress.com/2008/06/06/ori-miura-a-dobra-de-miura. Acesso em set. 2008.
SHENG, L. Y. Utilização da Arte do Origami no Ensino de Geometria. Disponível na internet em: www.ime.unicamp.br/erpm2005/anais/c3.pdf. Acesso em ago. 2008.
WIKIPEDIA, A ENCICLOPEDIA LIVRE. Évariste Galois. Disponível na internet em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Galois. Acesso em set. 2008.
WIKIPEDIA, A ENCICLOPEDIA LIVRE. Origami. Disponível na internet em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Origami. Acesso em ago. 2008.
44
ANEXO
45
FÓRMULA DE MOIVRE, UTILIZADA PARA ACHAR RAÍZES CÚBICAS DE 2
IMAGINÁRIAS:
A fórmula descoberta pelo matemático Abraham De Moivre (1667 – 1754):
nisennisen n cos)(cos , é uma das relações mais notáveis e úteis da
matemática elementar, podendo achar raízes cúbicas de 2 imaginárias. Esta fórmula
pode ser ilustrada com um exemplo:
Podemos aplicar a fórmula para 3n e desenvolver o lado esquerdo de
acordo com a fórmula binomial, 32233 33)( vuvvuuvu , obtendo a relação:
)cos3(cos3cos33cos 3223 sensenisenisen .
Uma única igualdade como esta entre dois números complexos equivale a um
par de igualdades entre números reais. Isto porque, quando dois números
complexos são iguais, ambas as partes (real e imaginária) devem ser iguais.
Portanto, podemos escrever:
3223 cos33,cos3cos3cos sensensensen .
Utilizando a relação 1cos 22 sen , temos:
.34)3(
,cos3cos4))(cos1()cos(3)(cos)3cos(
3
323
sensensen
Fórmulas semelhantes, expressando nsen e ncos em termos de potências de sen
e cos respectivamente, podem ser facilmente obtidas para qualquer valor de n .