164
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO LINHA DE PESQUISA: EDUCAÇÃO MATEMÁTICA OBJETIVA(AÇÃO) DA MEDIDA E CONTAGEM DO TEMPO EM PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS E EDUCATIVAS OSVALDO DOS SANTOS BARROS Natal, RN 2010 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

OBJETIVA(AÇÃO) DA MEDIDA E CONTAGEM DO TEMPO EM … · PDF Creator - PDF4Free v2.0 ... interpretação dos movimentos das constelações celestes, em contextos culturais como as

  • Upload
    duongtu

  • View
    223

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    LINHA DE PESQUISA: EDUCAO MATEMTICA

    OBJETIVA(AO) DA MEDIDA E CONTAGEM DO TEMPO EM PRTICAS

    SOCIOCULTURAIS E EDUCATIVAS

    OSVALDO DOS SANTOS BARROS

    Natal, RN

    2010

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • OSVALDO DOS SANTOS BARROS

    OBJETIVA(AO) DA MEDIDA E CONTAGEM DO TEMPO EM PRTICAS

    SOCIOCULTURAIS E EDUCATIVAS

    Tese apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Educao da Universidade

    Federal do Rio Grande do Norte, como requisito

    parcial para a obteno de ttulo de Doutor em

    Educao (rea de EDUCAO

    MATEMTICA).

    Orientador: Prof. Dr. Iran Abreu Mendes

    Natal - RN

    2010

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • Catalogao da Publicao na Fonte.UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

    Barros, Osvaldo dos Santos.Objetiva(ao) da medida e contagem do tempo em prticas

    socioculturais e educativas / Osvaldo dos Santos Barros. Natal,RN, 2010.

    165f.

    Orientador: Prof Dr. Iran Abreu Mendes.Tese (Doutorado em Educao) Universidade federal do Rio

    Grande do Norte. Centro de Cincias Sociais e Aplicadas. Programa dePs-graduao em Educao. Linha de pesquisa: Educao Matemtica.

    1. Educao Tese. 2. Ensino da matemtica Tese. 3. Conceitosgeomtricos Ensino. 4.Etnomatemtica Tese. 5. Etnoastronomia Tese. I. Iran Abreu. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III.Ttulo.

    RN/BS/CCSA CDU: 37.091.33(043.2)

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • OSVALDO DOS SANTOS BARROS

    Objetiva(Ao) da Medida e Contagem do Tempo em Prticas Socioculturais e Educativas

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao emEducao da Universidade Federal do Rio Grande doNorte, como requisito parcial para a obteno de ttulo deDoutor em Educao (rea de EDUCAOMATEMTICA).

    Aprovada em 24 de junho de 2010

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________________________________Prof Dr. IRAN ABREU MENDES

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN

    (Orientador)__________________________________________________________

    Profa. Dra. MARIA JOS FERREIRA DA SILVAPontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    (1 Avaliador Externo)__________________________________________________________

    Profa Dra. ROGRIA GALDENCIO RGOUniversidade Federal da Paraba - UFPB

    (2 Avaliador Externo)

    __________________________________________________________Profa Dra. MARIA DA CONCEIO DE ALMEIDA

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN

    (1 Avaliador Interno)__________________________________________________________

    Prof Dr. JOHN A. FOSSAUniversidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN

    (2 Avaliador Interno)__________________________________________________________

    Prof Dr. JOO CLUDIO BRANDEMBERGUniversidade Federal do Par - UFPA

    (Suplente Externo)__________________________________________________________

    Profa Dra. CLAUDIANNY AMORIM NORONHAUniversidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN

    (Suplente Interno)

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo o respeito, a sensibilidade e a preocupao do Prof. Dr. Iran Abreu

    Mendes, orientador, parceiro e amigo durante todo o trabalho e fora dele, um trabalho e

    amizade que j seguem por mais de uma dcada e meia.

    imperial agradecer aos meus filhos Biel, Augusto e Joo e minha esposa Ins,

    que se permitem serem tragados num tempo e espao tomados pela nossa necessidade

    de produzir Cincia e contribuir com a Educao, sem nos darmos conta de que o nosso

    maior objetivo sermos felizes.

    Agradeo a imensa colaborao de Margarida Knobbn pela reviso desse texto.

    Agradeo a todos aqueles que contriburam com suas palavras, seus olhares e

    seus silncios para a realizao deste trabalho.

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • DEDICATRIA

    Aos meus filhos e minha esposa.

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • RESUMO

    Esta tese descreve a analisa alguns processos estabelecidos e praticados por dois

    grupos socioculturais acerca da objetiva(ao) da medio do tempo, mobilizados de

    algumas prticas scio-histricas como o uso do gnmon, do relgio de Sol e a leitura e

    interpretao dos movimentos das constelaes celestes, em contextos culturais como as

    comunidades indgenas e de pescadores do estado do Par. A finalidade do estudo foi

    descrever a mobilizao de tais prticas scio-histricas na elaborao de matrizes para o

    ensino de conceitos e habilidades geomtricas relacionadas a ngulos, semelhana de

    tringulos, proporcionalidade e simetria na formao de professores de Matemtica. O

    registro de toda a trajetria de investigao das prticas scio-histricas, da ao

    formativa, foi realizado com base nos pressupostos epistemolgicos da Educao

    Etnomatemtica, propostos por Vergani (2000, 2007) e DAmbrosio (1986, 1993, 1996,

    2001, 2004). e nas concepes de Alain Bishop acerca da Enculturao Matemtica. Ao

    final do estudo apresento minhas impresses quanto s contribuies mobilizadas das

    prticas scio-histricas e culturais para a matemtica escolar, no sentido de dar

    significao formao conceitual e didtica dos alunos, principalmente nas implicaes

    da Educao Etnomatemtica proposta por Vergani (2000, 2007) para a formao de

    futuros professores de Matemtica.

    Palavras-Chaves: Medio e contagem do tempo. Ensino da Matemtica. Ensino de

    conceitos geomtricos. Etnomatemtica. Etnoastronomia.

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • ABSTRACT

    This thesis describes and analyzes various processes established and practiced by

    both groups about the socio-cultural objective (action) the measurement and timing,

    mobilized some socio-historical practices as the use of the gnmon of the sundial and

    reading and interpretation of movements celestial constellations in cultural contexts such

    as indigenous communities and fishermen in the state of Par, Brazil. The Purpose of the

    study was to describe and analyze the mobilization of such practices in the socio-historical

    development of matrices for teaching concepts and skills related to geometric angles,

    similar triangles, symmetry and proportionality in the training of mathematics teachers. The

    record of the entire history of investigation into the socio-historical practice, the formative

    action was based on epistemological assumptions of education ethnomathematics

    proposed by Vergani (2000, 2007) and Ubiratan D'Ambrosio (1986, 1993, 1996, 2001,

    2004) and Alain Bishop conceptions about mathematics enculturation. At the end of the

    study I present my views on the practices of contributions called socio-cultural and

    historical for school mathematics, to give meaning to the concept formation and teaching

    of students, especially the implications of Education Ethnomatematics proposed by

    Vergani (2000) for training of future teachers of mathematics.

    Keywords: Measurement and timing. Mathematics Teaching. Teaching geometricconcepts. Ethnomathematics. Ethnoastronomy.

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • RSUM

    Cette thse dcrit et analyse les divers processus mis en place et pratique par deux

    groupes socio-culturel sur l'objectiv(action) de la mesure et comptage du temps, mobiliss

    partir de certaines pratiques socio-historiques comme l'utilisation du gnomon, du cadran

    et de la lecture et l'interprtation des mouvements des constellations clestes dans des

    contextes culturels tels que les communauts indigenes et les pcheurs l'Etat de Para,

    au Brsil. La finalit de ltude a t de dcrire et danalyser la mobilisation de telles

    pratiques scio-historiques dans dans la prparation des matrices pour l'enseignement

    des concepts et des habilets lies aux angles gomtriques, triangles semblables, la

    symtrie et la proportionnalit dans la formation des enseignants de mathmatiques. Le

    registre de toute la trajectoire de l'enqute des pratiques socio-historiques, de l'action

    formative a t sur des prsupposs pistmologiques de l'ducation propose par

    ethnomathmatique Vergani (2000, 2007) et Ubiratan D'Ambrosio (1986, 1993, 1996,

    2001, 2004 ) et aux conceptions dAlain Bishop sur enculturation mathmatique. la fin de

    l'tude je prsente mes impressions quant aux contributions mobilises des pratiques

    socio-culturel et historique pour la mathmatiques scolaire, dans le sens de donner

    signification la formation de conceptuelle et de la didactique des tudiants, en particulier

    les implications de l'ducation Ethnomatematics propose par Vergani (2000) pour

    formation des futurs enseignants de mathmatiques.

    Mots-cls: Mesure et calendrier. Enseignement des mathmatiques. L'enseignement desconcepts gomtriques. Ethnomathmatique. Ethnoastronomie.

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • Lista de Figuras

    Figura1 Trajetria da jornada de dilogos, interpretao e representao das prticasastronmicas e contribuies para a elaborao de matrizes ao ensino deGeometria

    Figura 2 Movimento das mars e sistema Terra-Lua (a)

    Figura 3 - Movimento das mars e sistema Terra-Lua (b)

    Figura 4 - Movimento das mars e sistema Terra-Lua (c)

    Figura 5 - Rplica do gnmon instalado no Planetrio do Par

    Figura 6 Azimute

    Figura 7 Posio do Sol em relao aos hemisfrios (a)

    Figura 8 Quadrante Solar

    Figura 9 Posio do Sol em relao aos hemisfrios (b)

    Figura 10 Clipsidra

    Figura 11 - Relgio de Azeite

    Figura 14 Ampulheta

    Figura 15 - Vela Calibrada

    Figura 16 Grupo de estudantes visitam o Planetrio do Par

    Figura 17 Vigilenga Canoa de pesca movida a vela

    Figura 18 Seu Raimundo mostrando o Relgio Solar

    Figura 19 - Estrutura do Relgio Solar (a)

    Figura 20 - Estrutura do Relgio Solar (b)

    Figura 21 Seu Raimundo mostrando o funcionamento do Relgio Solar

    Figura 22 Perodos do dia indicados pelo Relgio Solar (a)

    Figura 23 Posicionamento do Sol ao meio dia para a latitude 005130, durante os solstciose equincios

    Figura 24 Perodos do dia indicados pelo Relgio Solar (b)

    Figura 25 Perodos do dia indicados pelo Relgio Solar (c)

    Figura 26 Observador como gnmon para saber perodo horrio do dia

    Figura 27 Constelao do Cruzeiro do Sul

    Figura 28 Constelao do Tringulo Austral

    Figura 29 Duas Marias: Alfa e Beta do Centauro

    Figura 30 Trs Marias no cinturo do rion

    Figura 31 Pliades

    Figura 32 Vnus, a Estrela DAlva

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • Figura 33 Seu Almerindo nos recebendo em sua casa

    Figura 34 Constelao do Barquinho

    Figura 35 Da esq. para dir: Chico Rico, Afonso, Emdio e Cavique Lourival

    Figura 36 Plano orbital da Terra Solstcio de vero para o hemisfrio Norte (posio 1) e parao Sul (posio 2)

    Figura 37 Calendrio solar das estaes

    Figura 38 Sol nascente na aldeia Teko-Haw

    Figura 39 Cruzeiro do sul visto das regies prximas linha imaginria do equador

    Figura 40 Cruzeiro do sul visto das regies distantes linha imaginria do equador

    Figura 41 O Cruzeiro do sul como calendrio agrcola

    Figura 42 Constelao da Wiranu (A Ema)

    Figura 43 Constelao da Azim (A Siriema)

    Figura 44 Calendrio das constelaes do lado sul

    Figura 45 Registro da sombra do gnmon ao longo do dia

    Figura 46 Definio dos pontos da bissetriz dos ngulos formadas pela sombra do gnmon

    Figura 47 A bissetriz e as linhas Norte-Sul e leste-Oeste

    Figura 48 Possibilidade de fixao do gnmon em terreno inclinado

    Figura 49 Projeo da sombra do gnmon em terreno inclinado

    Figura 50 Gnmon no plano hotizontal (a)

    Figura 51 Gnmon no plano hotizontal (b)

    Figura 52 Projeo da sombra do gnmon em terreno horizontal

    Lista de Quadros, Grficos e Tabelas

    Quadro 1 Florao e sementes das rvores da Amaznia (a)

    Quadro 2 Florao e sementes das rvores da Amaznia (b)

    Quadro 3 - Estaes do ano para os Temb-Tenetehara

    Quadro 4 Equincios e Solstcios

    Quadro 5 Solstcios e Equincios para os hemisfrios Norte e Sul

    Quadro 6 Estaes segundo os movimentos das constelaes

    Lista de Abreviaturas e siglas

    LABEM - Laboratrio de Estudos da Matemtica

    UEPA - Universidade do Estado do Par

    UFPA - Universidade Federal do Par

    MAL - Meridiano Astronmico do Lugar

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • SUMRIO

    Pequeno Mapa da Objetiva(ao) da medio e contagem do tempo...................15

    I Traando Rumos no Tempo e no Espao.....................................................................19

    1 - O ensino da Matemtica: dilemas.......................................................................22

    2 Soltando as amarras .........................................................................................24

    3 A Navegao......................................................................................................26

    4- Orientao pela Etnoamatemtica......................................................................27

    5 - Meus Questionamentos e Decises..................................................................32

    II Caminhos e Modos de Objetivao do Tempo...........................................................37

    1 Interao sujeito-objeto: caminhos para objetivao.........................................38

    2 A busca pela transcendncia.............................................................................47

    3 Tempo e pensamento: a natureza e os ciclos do mundo...................................48

    4 - Tempo cclico e tempo no-cclico......................................................................50

    5 Parmnides e Herclito: o ser e o tempo...........................................................52

    6 Tempo Fsico ....................................................................................................68

    6.1 Instrumento de aferio da medio e

    contagem do tempo............................................................................59

    7 Tempo Orgnico................................................................................................71

    7.1 Calendrio Ashaninka..........................................................................74

    7.2 Calendrio das frutferas e plantas teis.............................................75

    8 Objetivao do tempo no mbito da cultura .....................................................79

    8.1 Tempo Mitolgico.................................................................................80

    8.2 Tempo Ritualstico................................................................................85

    9 Objetivao do tempo no mbito do trabalho....................................................87

    III Objetivao do Tempo em Prticas Culturais e do Trabalho......................................91

    1 - Astronomia e as prticas educativas no Planetrio............................................93

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 1 - O que um planetrio? ...........................................................................96

    2 Astronomia e Cultura ........................................................................................98

    3 Um planetrio na Amaznia ............................................................................102

    4 - Etnoastronomia no Planetrio...........................................................................105

    5 OS pescadores de Vigia: O gnmon e navegao pela

    estrelas .pelas estrelas ...........................................................................107

    5.1 - Seu Raimundo e o relgio solar..........................................................108

    5.2 O Relgio Solar .................................................................................109

    5.3 - As formaes estrelares.....................................................................114

    5.4 - Seu Almerindo e as constelaes.......................................................118

    6 - Os Temb-Tenetehara: gnmon e calendrio agrcola...................................120

    6. 1 - Os Temb-Tenetehara ......................................................................121

    6. 2 - Patico Temb (Chico Rico)................................................................123

    6.3 - Conversando sobre as estrelas .........................................................123

    6.4 As estaes do ano............................................................................124

    6.5 - Kwarahy O Sol e as estaes do ano .............................................128

    6.6 Os pontos cardeais e as linhas de orientao...................................129

    6.7 - O caminho do Sol................................................................................129

    6.8 As constelaes ...............................................................................131

    6.9- Um mapa celeste das constelaes....................................................133

    6.10 Leituras Matemticas ; recorrncias ............................................137

    IV Objetiva(ao) do tempo em prticas educativas ....................................................141

    1 - Trabalhando com o gnmon em Altamira .......................................................142

    2 - Gnmon no plano inclinado.............................................................................148

    3 - Gnmon no plano horizontal ...........................................................................150

    Lua Azul: Instantes de reflexo final ..............................................................................155

    Referncias Bibliogrficas ..........................................................................................157

    Anexos ...........................................................................................................................162

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • Pequeno Mapa da Objetiva(ao) da medio e

    contagem do Tempo

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 15

    sta tese trata da descrio e anlise de alguns processos

    estabelecidos e praticados por dois grupos socioculturais a respeito

    da objetiva(ao) da medio e contagem do tempo. Nesse sentido,

    mobilizei algumas prticas scio-histricas como o gnmon um instrumento

    de aferio das direes Norte, Sul, Leste e Oeste, bem como do relgio de sol

    e da leitura e interpretao dos movimentos das constelaes celestes, a partir

    de contextos culturais como as comunidades indgenas e de pescadores do

    estado do Par.

    A finalidade principal da investigao descritivo-analtica realizada foi

    mobilizar tais prticas scio-histricas na elaborao de matrizes para o ensino

    de conceitos e habilidades geomtricas relacionadas a ngulos, semelhana de

    tringulos, proporcionalidade e simetria na formao de professores de

    Matemtica1.

    Na composio das matrizes mencionadas no pargrafo anterior, utilizei

    os registros etnogrficos das prticas astronmicas dos pescadores de

    Vigia/PA e dos ndios Temb-Tenetehara, da aldeia Teko-Haw/PA, visando

    compreender como esses grupos elaboram e praticam seus processos de

    objetiva(ao) da medio e contagem do tempo. Assim, foi possvel identificar

    e representar os conhecimentos matemticos que se auto-evidenciam nessas

    prticas, bem como na observao dos movimentos dos astros.

    A partir dos saberes e prticas investigados e representados, mobilizei

    tais prticas para a realizao de uma ao formativa junto a um grupo de

    alunos do curso de Licenciatura em Matemtica do Campus de Altamira (Par),

    da Universidade Federal do Par (UFPA), que se concretizou por meio de uma

    proposta metodolgica para o ensino de conceitos e habilidades geomtricas,

    simetria e proporcionalidade.

    1 Diferencio a cincia Matemtica, a partir da qual os contedos escolares so elaborados, dasprticas de matematizao da realidade, prprias dos grupos culturais aqui estudados, a partir do uso demaiscula e minscula respectivamente. No mesmo sentido, diferencio Astronomia (cincia) e astronomia(prticas culturais).

    E

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 16

    O registro de toda a trajetria de investigao das prticas scio-

    histricas e culturais, da ao formativa realizada, bem como da minha

    formao Matemtica e pedaggica, est conduzida nesta tese sob a forma de

    dois braos de rio que representam os lugares onde trabalhei como educador e

    pesquisador: o Planetrio do Par e a UFPA, a partir dos quais desenvolvi todo

    o processo de pesquisa e formao que desejo apresentar.

    No captulo de abertura,Traando Rumos no Tempo e no Espao,

    fao algumas consideraes sobre o ensino da Matemtica e as possibilidades

    de interao dessa disciplina com as prticas socioculturais, como forma de

    tornar o ensino mais significativo aos alunos. Nesse captulo aponto meus

    questionamentos norteadores do desenvolvimento detse estudo.

    No segundo captulo, Caminhos e Modos de Objetiva(ao) do

    Tempo, trato de diferentes concepes sobre a idia de tempo e como so

    elaborados referencias para a objetiva(ao) da contagem do tempo. Fao

    tambm diferenciaes sobre as naturezas do tempo levantando algumas

    classificaes, como: Tempo Fsico, Tempo Cultural e Tempo Orgnico, para

    evidenciar a adoo de referncias para a contagem do tempo, como um

    processo lgico-matemtico, no sentido de envolver, sistematicamente:

    observao, registro e representao do pensamento.

    No terceiro captulo, denominado Objetiva(ao) do Tempo nas

    Prticas Culturais e do Trabalho, revisito os registros feitos durante os

    perodos de dilogos com os pescadores da cidade de Vigia, no Par e com os

    ndios Temb-Tenetehara, da aldeia Teko-Haw, na fronteira do Par com o

    Maranho.

    Esses dilogos aconteceram a partir do meu trabalho como educador e

    pesquisador do Planetrio do Par. Fao, nesse captulo, uma reviso dos

    referenciais adotados pelos Temb-Tenetehara, na elaborao de calendrios,

    apresentados na minha dissertao de mestrado, e amplio as discusses sobre

    esses referencias, com o registro indito dos referenciais adotados pelos

    pescadores da cidade de Vigia.

    No quarto captulo, intitulado Objetiva(ao) do Tempo na Prticas

    Educativas, registro as atividades realizadas com os alunos do curso de

    Licenciatura em Matemtica da Universidade Federal do Par (UFPA) durante

    o processo de mobilizao das prticas scio-histricas e culturais para a sala

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 17

    de aula de matemtica. Nesse captulo evidencio os estudos feitos sobre o uso

    do gnmon como instrumento de aferio na contagem do tempo.

    Esses dilogos resultaram na representao de proposies para o

    desenvolvimento de noes e habilidades geomtricas em sala de aula, a partir

    das prticas scio-histricas e culturais no mbito do trabalho e o uso de seus

    referenciais astronmicos.

    Por fim, nas minhas consideraes finais, apresento minha

    compreenso quanto s contribuies da interao Matemtica e Prticas

    Socioculturais, como forma de tornar o ensino dessa disciplina mais

    significativo aos alunos, e as implicaes da Educao Etnomatemtica

    proposta por Vergani (2000, 2007) para a formao de futuros professores de

    Matemtica.

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 18

    Captulo 1

    Traando Rumos no Tempo e no Espao

    O tempo

    um rosto bifronte

    um duplo horizonte

    um estranho ser

    O tempo um andrgino anjo

    que ao viver se relembrando

    nos faz esquecer

    Joo de Jesus Paes Loureiro

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 19

    1

    ste estudo tem como objeto a compreenso dos processos de leitura

    dos referenciais astronmicos utilizados na objetiva(ao) da

    medio e contagem do tempo em funo das prticas culturais no

    mbito do trabalho, como matriz orientao de propostas pedaggicas para o

    ensino de conceitos geomtricos (ngulos; simetria, perpendicularidade, etc.) e

    do conceito de proporcionalidade. Seu contedo visa contribuir para uma

    Educao Matemtica significativa aos alunos e que considere a diversidade

    cultural, a identidade dos sujeitos e sua construo de conhecimento. A esse

    respeito, exponho e discuto as prticas pedaggicas vivenciadas como

    educador nas turmas de formao de professores de Matemtica na UFPA,

    entre 2001 e 2003.

    O mtodo de ensino utilizado nesse processo de formao me permitiu

    compreender, sistematizar e utilizar algumas relaes entre a Matemtica e

    determinadas prticas socioculturais tradicionais, no sentido de contribuir para

    o ensino da Matemtica, de modo a dar significado aos contedos disciplinares

    abordados na formao de professores e, consequentemente, na formao dos

    diferentes sujeitos culturais. Esse processo ocorreu em dois momentos: o

    primeiro, na pesquisa etnogrfica das prticas agrcolas dos indgenas e da

    pesca dos ribeirinhos que utilizam conhecimentos sobre os movimentos dos

    astros; e o segundo, nas representaes matemticas dessa etnografia com os

    alunos do curso de Licenciatura em Matemtica da UFPA, na disciplina

    Metodologia do Ensino da Matemtica.

    A escolha dessa temtica resultou da hiptese de que o ensino da

    Matemtica, distanciado das prticas socioculturais, revela-se um processo

    insuficiente na formao dos professores, quanto sensibilidade, percepo

    da Matemtica como produo humana, o que dificulta reconhecer nas prticas

    culturais seus processos de matematizao da realidade. Essa viso, que

    centra o ensino da Matemtica no cumprimento dos mtodos e rigores

    E

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 20

    predominantemente cientficos, no considera as solues de problemas

    encontradas na vivncia dos sujeitos culturais.

    Conhecendo o problema, assim implicado na problemtica como

    professor da rea, parto do desejo de contribuir com a formao de professores

    de Matemtica, para o exerccio de prticas pedaggicas que dinamizam as

    relaes entre a Matemtica e as prticas socioculturais como forma de

    superar a formao tcnica do professor, que orienta para o exerccio de uma

    Matemtica centrada nos seus prprios objetivos, o que diminui ainda mais o

    interesse dos alunos por essa disciplina (BISHOP, 1999).

    Para cumprir com esse propsito de contribuio formao do

    professor de Matemtica, discuto as relaes entre Matemtica e as prticas

    culturais do trabalho no processo de objetiva(ao) do tempo.

    O dilogo entre Matemtica e as prticas culturais do trabalho, ao qual

    me atenho neste estudo, refere-se s experincias resultantes dos dilogos

    com indgenas e ribeirinhos sobre suas leituras e interpretaes dos

    movimentos dos corpos celestes (Sol, Lua, e estrelas), que foram registrados

    durante minhas aes como educador e pesquisador do Planetrio do Par,

    junto aos ndios Temb-Tenetehara da aldeia Teko-Haw, na reserva Temb, no

    alto rio Gurup, fronteira entre os estados do Par e Maranho, e os

    pescadores da cidade de Vigia - PA, sediados prximos foz do rio Amazonas.

    Nos dilogos com os Temb-Tenetehara e os pescadores de Vigia,

    centrei minhas investigaes nos saberes das leituras dos fenmenos

    astronmicos usados como referenciais para o registro da contagem do tempo,

    tendo como foco os estudo do uso do gnmon2 e a identificao das

    constelaes na abbada celeste3.

    O gnmon, neste trabalho, estudado em duas situaes: a primeira,

    com os pescadores de Vigia, como relgio de sol, a segunda, com os ndios

    2 Utilizo neste trabalho, o termo Gnmon para indicar o aparato que formado por uma haste demadeira ou pedra, fixo ortogonalmente ao solo, para fins de determinao dos pontos cardeais e daslinhas de orientao: Equatorial (LesteOeste) e Meridional (Norte-Sul), a partir das quais posicionado oRelgio de Sol.3 Abbada Celeste se refere esfera de Estela, que parcialmente visvel ao observador do cunoturno. Pode ser entendida como a semi-esfera de estrelas visveis a olhos desarmados (sem o uso deinstrumentos ticos). A esfera celeste uma esfera imaginria de raio gigantesco, centrada na Terra.Todos os objectos que podem ser vistos no cu podem ser "vistos" como estando superfcie destaesfera. (HARRIS, 2010).

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 21

    Temb-Tenetehara, como instrumento de aferio das direes Leste-Oeste

    (Linha Equatorial) e Norte-Sul (Linha Meridional). Essa aferio auxilia na

    identificao dos posicionamentos do Sol durante a alvorada e no ocaso, assim

    como na identificao das constelaes e suas posies no cu noturno.

    As constelaes so estudadas, tambm, a partir de um duplo olhar:

    quando so tomadas como referncia para a elaborao de calendrios

    agrcolas, pelos ndios Temb-Tenetehara e a partir da adoo de referenciais

    para os deslocamentos de embarcaes pesqueiras, em alto mar, pelos

    pescadores de Vigia.

    Figura 1 Trajetria da jornada de dilogos, interpretao e representao das prticasastronmicas e contribuies para a elaborao de matrizes ao ensino de Geometria

    Fonte: Google Eart Sistema de Mapeamento Digital por Satlite.

    Dois espaos foram de grande importncia para o desenvolvimento dos

    dilogos que geraram esta pesquisa, foram eles: o Planetrio do Par e a

    UFPA, onde atuei como educador e pesquisador e que agora, vou representar

    como dois braos de rio.

    Naveguei por esses dois braos de rio e aportei para dialogar com os

    ribeirinhos e indgenas sobre suas prticas socioculturais, buscando

    compreender as atitudes intervenientes dos sujeitos na sua realidade e como

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 22

    podemos identificar e analisar as contribuies da Matemtica nesse processo.

    Essas investigaes compreenderam um traado (figura 1) do processo de

    identificao, compreenso e representao dos saberes da astronomia dos

    ribeirinhos e indgenas e suas contribuies elaborao de matrizes para o

    ensino da Geometria.

    Procurei, contudo, no perder de vista as dimenses tica e moral que

    orientam as prticas socioculturais e do significado aos elementos

    matemticos presentes nessas aes.

    Meu interesse por essa temtica se faz a partir da necessidade de

    contribuir com a formao de futuros professores de Matemtica e com sua

    formao continuada, no sentido de incentivar aproximaes entre os

    conhecimentos Matemticos e as prticas socioculturais visando tornar os

    contedos mais significativos aos alunos e motivar o interesse pela

    aprendizagem da Matemtica.

    Dando continuidade introduo, apresento minhas compreenses

    sobre o ensino da Matemtica e os fatores que implicam no desinteresse dos

    alunos por essa disciplina, a fim de levantar meus questionamentos de

    pesquisa e traar a rota de navegao que farei pelo desenvolvimento desse

    estudo.

    1 - O ensino da Matemtica: dilemas

    A Matemtica definida por Davis & Hersh (1995), como a cincia da

    quantidade e do espao que conhecemos em sua forma mais simples como:

    Aritmtica e Geometria. A primeira trata das vrias espcies de regras de

    operao sobre nmeros, estudando as vrias situaes do cotidiano em que

    so utilizadas. A Geometria, por sua vez, trata parcialmente de questes sobre

    medidas do espao, alm de tratar, tambm, de aspectos do espao que

    possuem forte apelo esttico e, sendo ensinada segundo os esquemas

    apresentados por Euclides (300 a.C.), apresenta-se como uma cincia dedutiva

    (DAVIS & HERSH, 1995, p. 25-26).

    Segundo Bishop (1999), a Matemtica uma das disciplinas mais

    trabalhadas na escola, ao mesmo tempo em que uma das menos

    compreendidas. Para o seu estudo so dispensadas as maiores cargas

    horrias se comparadas s demais disciplinas, excluindo-se o estudo da lngua

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 23

    materna4. Essa carga horria , em muitos casos, pouco ou mal aproveitada

    em funo do grande nmero de exerccios de repetio que so aplicados aos

    alunos, voltados mecanizao de suas maneiras de interpretar as relaes

    matemticas presentes em situaes ideais, ou retiradas de um cotidiano

    modificado para a obteno de resultados que evidenciam processos de

    manipulao de algoritmos, sem qualquer importncia s implicaes dessa

    sistemtica sobre a realidade estudada.

    De acordo com Bishop (1999), essa aprendizagem baseada na

    mecanizao das prticas matemticas, moldadas em um restrito grupo de

    situaes, envolvendo valores e condies ideais, tem como nico propsito

    suprir as necessidades internas da prpria Matemtica. Nessa perspectiva, o

    ensino da Matemtica centra-se na aplicao de exerccios, que preparam

    para outras sequncias de exerccios, que por sua vez serviro para os

    seguintes, numa gradual elevao do nvel de dificuldades de resoluo dos

    problemas propostos.

    O encaminhamento de aes estanques no ensino da Matemtica inibe

    o exerccio da criatividade didtica do professor e a espontaneidade do aluno,

    alm de impor atitudes centradas no cumprimento dos contedos, sem deixar

    espaos para debates, trocas de opinio ou mesmo a divergncia de idias,

    visto que os objetivos voltam-se para a aprendizagem de uma Matemtica

    universal, unificada e para todos, ignorando a diversidade e a identidade dos

    sujeitos.

    Essa perspectiva contraria a compreenso de Brower (1975, apud

    FOSSA, 2001) que afirma ser a Matemtica sinttica e a priori. A matemtica

    a priori porque consiste de intuies puras, isto , instituies destitudas de

    todo o contedo sensorial. Mas, a matemtica tambm sinttica porque

    uma construo livre e criativa do esprito humano. Essa liberdade criativa se

    materializa na matematizao da realidade, praticada por diferentes grupos

    culturais geradas nas interaes desses com seu meio natural, social e cultural

    (DAMBROSIO, 1996).

    4 Falo aqui, no s da lngua portuguesa, como lngua materna nacional, mas tambm, no casoda lngua materna que caracteriza as etnias indgenas e que tambm faz parte da formao curriculardessa modalidade de ensino, ultimamente voltada educao bilngue, no sentido de superar umaeducao utilitria, orientada somente para a sobrevivncia, sem tempo nem interesse para a cultura(MLIA, 1979, p. 10).

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 24

    Sem liberdade criativa que impulsiona o sendo de investigao no

    ensino da Matemtica, o aluno passa a ser secundrio no processo de ensino e

    aprendizagem e o rigor do cumprimento dos contedos e dos processos rgidos

    de avaliao, manifestam-se superiores aos objetivos da aprendizagem

    (BISHOP, 1999).

    Ampliam-se, exponencialmente, as opinies que afirmam ser a

    Matemtica uma das disciplinas mais difceis, seja pela sua necessidade de

    exatido e por um suposto distanciamento do mundo real, ou pela crena de

    que esse um conhecimento para alguns poucos que possam ver a beleza e

    harmonia de um algoritmo.

    Em certo sentido, para a maioria das pessoas, normal no saber da

    Matemtica e, conforme Bishop (1999), comum essas pessoas revelarem

    suas dificuldades ou incapacidades matemticas, chegando at a falar em

    fobia, mesmo que reconheam sua inegvel importncia e presena consciente

    e constante nas suas vidas, visto que todos so unnimes em afirmar que h

    Matemtica em tudo na vida. A dificuldade, porm, identificar que

    Matemtica essa, como a operamos e como podemos dela nos utilizar.

    2 Soltando as amarras

    Minha tomada de conscincia das minhas limitaes como educador

    conduziu-me ao desejo de rever atitudes e de buscar alternativas pedaggicas

    que possam contribuir com a superao dos problemas de aprendizagem

    enfrentados pelos alunos no estudo da Matemtica.

    Essa uma mudana muito complexa e que precisa ser construda

    internamente por cada educador, pois, na maioria das vezes, a aprendizagem

    da Matemtica, mesmo para os educadores, deu-se por repetio, e valorizou:

    a exatido dessa cincia e o desempenho daqueles mais destacados. Em

    muitos casos, o ensino da Matemtica a repetio do processo de

    aprendizagem do professor.

    As dificuldades de aprendizagem dos docentes mais tarde sero,

    possivelmente, as mesmas dos seus alunos. Quando a superao desse

    desconforto transforma-se em desafio, o professor vai busca de alternativas.

    Contudo, se essas alternativas no correspondem s suas expectativas de um

    imediato restabelecimento da aprendizagem, o professor retorna ao estgio

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 25

    anterior, no qual se sente confortvel e com resultados satisfatrios, pelo

    menos para alguns.

    Se o primeiro passo na direo das mudanas no for acompanhado da

    conscincia da complexidade dessa tomada de atitude, o professor no

    compreender os avanos que surgem, mesmo que em passos lentos. Essas

    mudanas imprimem a marca de uma nova atitude didtica para o educador, o

    que implica reaprender com as dvidas do outro, valorizar o erro do aluno e

    redimensionar o rigor dos processos de avaliao, gerando uma nova viso da

    Matemtica para seus educandos.

    Para incentivar os alunos do curso de Licenciatura em Matemtica a

    refletirem quanto s suas posturas em relao ao ensino da disciplina,

    proponho uma atividade que visa contribuir com essa tomada de conscincia.

    Proponho um desequilbrio, um desprendimento de suas bases. Esse

    desequilbrio, no objetiva um caminhar cambaleante ou sem rumo, mas uma

    mudana de base, que aqui represento com a concepo do ensino da

    Matemtica.

    Sugiro, ento, uma mudana das bases tcnicas do ensino da

    Matemtica centrada nos rigores dos algoritmos, para a leitura e interpretao

    das relaes entre a Matemtica e as prticas socioculturais.

    Para experimentar esse desequilbrio, proponho o seguinte exerccio

    prtico: de p, com os ps unidos, imveis, lance seu corpo para qualquer

    direo (para frente, para trs, ou para os lados). Isso vai provocar um

    desequilbrio. Para no cair, voc instintivamente ir mover uma das pernas na

    direo em que se lanou, isso far com que voc encontre uma nova base,

    mais estvel e equilibrada que a inicial. Esse o primeiro passo.

    A partir do primeiro passo, voc pode encontrar outras maneiras de se

    desequilibrar e de ousar, sempre com a certeza de poder se equilibrar

    novamente, formando outras bases. Esse exerccio um desafio simples,

    porm, quase que intransponvel queles que temem dar o primeiro passo; o

    que, em dados momentos, significa: quebra de convices, questionamento

    daquilo que nos atribui certeza e liberdade, alm da conscincia sobre nossas

    prprias limitaes e potencialidades.

    Nesse momento em que sou navegante prestes a iniciar uma jornada

    fluvial, meu desafio contar minha histria para contribuir com outros futuros

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 26

    navegantes, que portam novos culos, com novas perspectivas, linguagens e

    tecnologias. Para isso, quero falar das oportunidades surgidas nessa trajetria

    como pesquisador e educador, relatando as mudanas que desequilibraram as

    minhas maneiras de ver o mundo e dialogar com suas dinmicas, buscando

    outros significados para os elementos e propriedades matemticas, nas suas

    relaes com as prticas socioculturais.

    3 A Navegao

    Minhas primeiras remadas como educador se deram no curso de

    licenciatura em Matemtica na Universidade do Estado do Par UEPA5,

    quando, ainda discente, trabalhei como bolsista no Laboratrio de Estudos da

    Matemtica LABEM, onde iniciei estudos sobre as tendncias em Educao

    Matemtica, alm de contribuir com a formao continuada de professores das

    escolas pblicas (Belm-PA), a partir da realizao de cursos e oficinas.

    No LABEM trabalhei com alguns companheiros que contriburam com a

    minha jornada. Entre esses companheiros esto: Profa. Dra. Isabel Lucena que

    coordenava as atividades do LABEM e Prof. Dr. Iran Abreu Mendes, que me

    incentivou nos estudos da Educao Matemtica, sendo posteriormente

    orientador da minha dissertao de mestrado e orientador desta tese.

    Conclu o curso de Licenciatura em Matemtica em janeiro de 1998. No

    ms seguinte, iniciei a especializao em Educao Matemtica, na mesma

    Universidade. Em julho de 1998, o Planetrio do Par iniciou a formao da

    sua equipe multidisciplinar, da qual participei. Trabalhei no planetrio at

    janeiro de 2007, sempre buscando novas possibilidades de relacionar

    Matemtica, Sociedade e Cultura, agora no mbito dos saberes da Astronomia

    conhecidos pelos povos que habitam a Amaznia.

    No Planetrio6 trabalhei com a divulgao da Cincia para estudantes

    das escolas pblicas e privadas, tendo como eixo temtico a Astronomia e a

    Educao Ambiental. Tambm fazia parte das aes do Planetrio: a formao

    continuada de professores e a pesquisa sobre as diferentes maneiras como os

    5 Iniciei no curso de Licenciatura Plena em Matemtica no ano de 1993 na Universidade doEstado do Par - UEPA.6 Para identificar o Planetrio do Par como instituio, vou utilizar letra maiscula inicial, paradiferenci-lo da denominao do aparelho planetrio.

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 27

    povos da Amaznia utilizam os conhecimentos sobre os movimentos dos

    astros, para orientar suas prticas culturais, tema que associei imediatamente

    com os estudos da Etnomatemtica.

    Durante as atividades desenvolvidas na formao de professores pelo

    LABEM e na divulgao da Cincia no Planetrio, uma questo foi recorrente:

    como superar as distncias entre a Matemtica e as prticas culturais?

    Para contribuir com uma nova viso da Matemtica para os alunos e

    com outra atitude didtica para os professores de Matemtica, passei a buscar

    alternativas de aproximao dos conceitos matemticos s prticas

    socioculturais, a partir da interface Matemtica-Astronomia, cujo foco centrou-

    se nas prticas de leitura e interpretao dos movimentos dos corpos celestes

    como referncias elaborao de calendrios.

    Meu interesse pela relao Matemtica-Astronomia iniciou e se ampliou

    nas atividades desenvolvidas no Planetrio com as pesquisas junto aos ndios

    Temb-Tenetehara e os pescadores de Vigia com o propsito de elaborar

    programas de planetrio7 que so exibidos para os visitantes em sesses

    pblicas e escolares.

    Nos estudos da Astronomia dos Temb-Tenetehara, dois temas fizeram

    parte das minhas investigaes: as constelaes indgenas e o uso do Gnmon

    para indicar perodos do dia, as estaes do ano, e as direes (norte, sul,

    leste e oeste) que auxiliam na identificao da posio das constelaes no

    cu noturno.

    Nos dilogos com os pescadores da Vigia, o gnmon foi estudado a

    partir de suas possibilidades como relgio de sol e as constelaes, como

    referncias orientao para a navegao em alto-mar.

    Posteriormente, utilizei esses dilogos como matriz na formao de

    alunos de cursos de licenciatura em Matemtica, na UFPA, com a inteno de

    incentivar uma prtica pedaggica com base na aprendizagem dialgica, tendo

    como foco as relaes entre Matemtica, Sociedade e Cultura, mantendo como

    referncia os estudos da Etnomatemtica que me orientam nessa jornada de

    investigaes e descobertas.

    7 Programas de Planetrio So programas que utilizam recursos de multimdia tendo como temaa Astronomia e a Educao Ambiental (Cf. BARROS, 2004)

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 28

    4- Orientao pela Etnomatemtica

    A Etnomatemtica, conforme DAmbrosio (1993), assimila os radicais:

    etno, matema e tica. Etno hoje aceito como algo muito amplo, referente ao

    contexto cultural, e portanto inclui consideraes como linguagem, jargo,

    cdigos de comportamento, mitos e smbolos; matema uma raiz que vai na

    direo de explicar, de conhecer, de entender; e tica (techne), que a mesma

    raiz de arte ou tcnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos

    contextos culturais.

    So considerados, nessa perspectiva, os artefatos e mentefatos8 que

    so incorporados s prticas socioculturais e revelam a identidade dos sujeitos

    sociais assim como suas relaes com o ambiente.

    Numa primeira tentativa de definio aproximada da Etnomatemtica

    como zona de confluncia entre a Matemtica e a Antropologia cultural

    surgem as primeiras compreenses sobre a Matemtica usada por um grupo

    culturalmente definido, para resolver problemas especficos desse meio

    cultural. (FERREIRA, 1997, p. 15).

    Nessa perspectiva, a materializao da criatividade humana no processo

    de matematizao da realidade, revelou-se uma interessante oportunidade

    para se discutir os diferentes processos de construo do pensamento

    matemtico, assim como da sua difuso em diferentes meios culturais.

    Conforme Ferreira (1997),Para alguns autores, ento, a Etnomatemtica faz parte daMatemtica; para outros, a Etnomatemtica faz parte da Etnologia e hainda outros para os quais a Etnomatemtica faz parte da Educao. precisamente o meu caso a Etnomatemtica passou a ser, para mim,um novo mtodo de ensinar matemtica chameia-a de matemticaMaterna e desse modo, considero o ltimo conceito expresso porDAmbrosio, podemos descrever que a Matemtica se constitui numaparte da Etnomatemtica. Assim, teramos:Atravs do conceito de Etnomatemtica chama-se a ateno para ofato de que a matemtica, com suas tcnicas e verdades, constitui umproduto cultural, salienta-se que cada povo cultura e cada subcultura desenvolve a sua prpria matemtica em certa medida especfica. A matemtica considerada como uma atividade pan-humana, universal. (FERREIRA, 1997, p. 15-16)

    Para compreender as dinmicas de interao sujeito-objeto no meio

    cultural, se faz necessrio um outro olhar e novos processos de reflexo sobre

    8 Os termos: mentefatos e artefatos, so utilizados por DAmbrosio para descrever a produo deresultados materiais e intelectuais, produzidos pelo pensamento matemtico nas diferentes culturas. Ver:DAmbrosio (2001).

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 29

    essas dinmicas. Nesse sentido, Vergani (2009, p.220) afirma que a

    etnomatemtica nasceu decidida a escutar/pensar com a amplido dos olhos e

    falar/operar com a clarividade de uma nova viso. Essa nova viso fui buscar

    nos estudos de Vergani (2007), DAmbrosio (1993, 1996, 2001), Ferreira

    (1997), Almeida (2001) e Bishop (1999).

    Esses autores compem, a partir dos seus estudos, uma base para

    discutir as estruturas do ensino da Matemtica nas perspectivas:

    epstemolgica, curricular e pedaggica. Apontam significativos processos de

    mudana, que movimentam educadores e pesquisadores na busca por

    alternativas metodolgicas, novas perspectivas epstemolgicas e estruturas

    curriculares que possibilitam a incluso de temas relacionados s prticas

    socioculturais nas atividades de ensino e aprendizagem da Matemtica.

    Essas mudanas emergem da necessria valorizao do sujeito humano

    e da sua identidade cultural, um movimento que no exclusivo da

    Matemtica, mas de toda a Cincia e Educao, que buscam compreender o

    homem e a sociedade de maneira global.

    Segundo DAmbrosio,Naturalmente sempre existiram maneiras diferentes de explicar eentender, de lidar e conviver com a realidade. Agora, graas aos meiosde comunicao e transporte, essas diferenas sero notadas commaior evidncia criando necessidade de um comportamento quetranscenda mesmo as novas formas culturais. Eventualmente, o todesejado livre arbtrio, prprio do ser (verbo) humano, poder semanifestar num modelo de transculturalidade que permitir que cadaser (substantivo) humano atinja sua plenitude. (DAMBROSIO, 2004,p.43).

    Para evidenciar as diferenas entre os sujeitos, seus mundos e

    significaes como forma de aprendizagem, DAmbrosio (2004) defende a

    necessidade de adoo de um modelo adequado para se facilitar esse novo

    estgio na evoluo da nossa espcie (...) chamada Educao Multicultural,

    que vem se impondo nos sistemas educacionais de todo o mundo

    (DAMBROSIO, 2004, p. 43).

    Para Bishop (1999) a cultura o denominador comum entre os sujeitos,

    que possibilita trabalhar as diferentes representaes matemticas a partir da

    qual podemos investigar como se deu o desenvolvimento desses saberes no

    mbito dos diferentes espaos culturais. Nesse sentido, Vergani (1995)

    assegura que

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 30

    uma cultura a expresso temporal de um ponto de vista singular eirredutvel sobre o mundo. O homem no vive s do seu pensamentoou das suas capacidades cognitivas, mas tambm dodesenvolvimento da sua sensibilidade, do seu sentido crtico, dassuas faculdades criativas. (VERGANI, 2000, p. 24)

    A esse respeito Vergani afirma ainda que a cultura aquilo que torna o

    todo (social) alegremente maior que a soma das partes (2000, p. 25). Tal

    afirmao conclusiva remete ao que diz a mesma autora, valendo-se do

    pensamento de Dam Sperber: cultura o precipitado da comunicao e da

    cognio numa populao humana (SPERBER, 1996, apud VERGANI, 2009,

    p. 29).

    Com referncia ao ensino da Matemtica, no cumprimento de uma

    educao multicultural, uma proposta que se consolida o programa de ensino

    e de pesquisa denominado por DAmbrosio (2004) como Programa

    Etnomatemtica, que tem como referncias categorias prprias de cada

    cultura reconhecendo que prprio da espcie humana a satisfao de

    pulses de sobrevivncia e transcendncia, absolutamente integrados, com

    uma relao de simbiose (DAMBROSIO, 2004, p.45). A esse respeito afirma,

    ainda queo pensamento abstrato, prprio de cada indivduo uma elaboraode representao da realidade e compartilhado graas comunicao, dando origem ao que chamamos cultura. (...) Avalorizao das prticas culturais como processo de ensino-aprendizagem da Matemtica, no se remete exclusivamente sdescobertas da Matemtica praticadas pelos povos culturalmentediferenciados da cultura ocidental, da qual somos herdeiros de umamaneira de interpretar e representar a realidade, conhecido comocincia Moderna, originada de culturas mediterrneas e substrato daeficincia e fascinante tecnologia moderna, foi logo identificada comoprottipo de uma forma de conhecimento social (DAMBROSIO, 2004,p.45-46).

    Trabalhar numa perspectiva de multiplicidade implica reconhecimento

    dos processos de matematizao como forma de materializao do

    pensamento humano e, por isso, recorrente em diferentes culturas. Assim, os

    processos de contar, medir, comparar distncias e formas (BISHOP,1999)

    passaram a ser registrados e estudados como recurso aprendizagem da

    Matemtica pela compreenso das similitudes presentes na diversidade de

    representaes matemticas prprias de diferentes grupos culturais.

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 31

    Vergani (2000, 2007) ressalta, entretanto, que a natureza hbrida da

    etnomatemtica que levar em conta o seu dilogo entre identidade (mundial)

    e alteridade (local), [ um] terreno onde a Matemtica e a Antropologia se

    intersectam. Assim, assumo a confluncia entre etno (local) como elemento

    complementar composio do mundo da Matemtica (universal); estando

    ambos em permanente interseo.

    Vergani (2000, 2007), de maneira sublime, analisa e representa os

    estudos da Etnomatemtica a partir das fases da lua.Lua Nova: a conscincia de que os diferentes povos do mundosempre se dedicaram a atividades matematizantes (funcionais,simblicas, ritualsticas ou estticas);Quarto Crescente: a conscincia de que as atividadesmatematizantes das diferentes tradies socioculturais no sereduzem a meras prticas numricas, geomtricas ou operativas.Trazem em si uma forte carga de sentimento humano e emergem sobforma de representaes sociais simblicas.Lua Cheia: a conscincia de que a etnomatemtica tem uma missono mundo de hoje que transcende o interconhecimento das alteridadessocioculturais. Cabe-lhe apontar um caminho de transformao crticadas nossas prprias comunidades ocidentais, solidariamente abertas aoutras formas de refletir, de saber, de sentir e de agir.Quarto Minguante: corresponde em tempo futuro, no qual aetnomatemtica se tornar apenas uma simples designao histricaligada a um determinado perodo do percurso humano. (VERGANI,2007, p. 9).

    Knijnik realizou um mapeamento dos estudos elaborados luz dos eixos

    norteadores da Etnomatemtica, que compreende esse programa de pesquisa

    e de ensino, com uma conexo dos conhecimentos com as condies sociais

    onde eles so produzidos, e afirma, tambm, que nesse sentido que

    possvel compreender a relevncia dada ao pensamento etnomatemtico no

    que se refere recuperao das histrias presentes e passadas dos diferentes

    grupos culturais (2004, p. 22).

    Para Knijnik (2004), as produes acadmicas desenvolvidas no campo

    da Etnomatemtica concentram foco em cinco temticas: 1) Etnomatemtica e

    Educao Indgena; 2) Etnomatemtica e Educao do Campo; 3)

    Etnomatemtica e Educao Urbana; 4) Etnomatemtica, Epistemologia e

    Histria da Matemtica; 5) Etnomatemtica e Formao de Professores.

    Meu interesse pelos estudos da Etnomatemtica centra-se, de acordo

    com a anlise de Knijnik (2004), nos dois primeiros campos dessa

    classificao, visto que a partir da compreenso das representaes

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 32

    matemticas recorrentes s prticas de objetiva(ao) do tempo, que procuro

    contribuir com a formao de professores de Matemtica, relacionando os

    contedos matemticos observao dos movimentos aparentes dos corpos

    celestes e o uso do gnmon com os movimentos da sombra projetada.

    Na descrio de Vergani (2000, 2007) para as fases dos trabalhos em

    Etnomatemtica, identifico minhas investigaes sobre as prticas culturais de

    leitura e interpretao da Astronomia dos povos da floresta nas seguintes

    etapas:

    1) Lua Nova: Registro etnogrfico das prticas etnoastronmicas dos

    pescadores de Vigia e dos ndios Temb-Tenetehara;

    2) Quarto Crescente: Utilizao das prticas da Astronomia dos

    pescadores e dos indgenas para discutir as relaes entre

    Matemtica e Cultura, no processo de formao de estudantes do

    curso de licenciatura em Matemtica;

    3) Lua Cheia: Proposies metodolgicas para o ensino de Geometria.

    5 - Meus Questionamentos e Decises

    As oportunidades que surgiram na minha experincia como pesquisador

    e educador me incentivam a rumar pelo ensino da Matemtica, buscando por

    mudanas ontolgicas, visto que no possvel ser o mesmo na partida e no

    retorno.

    Para prosseguir nessa jornada, preciso de algumas decises: o curso da

    navegao; os artefatos e mentefatos a utilizar, os parceiros com quem

    dialogar e os critrios para responder aos meus questionamentos. Esses, por

    sua vez, sero norteadores das minhas investigaes sobre as possibilidades

    de interao Matemtica e Cultura, a partir do registro e anlise das prticas

    socioculturais do trabalho e suas relaes com os saberes dos movimentos

    aparentes dos corpos celestes:

    Minhas questes so: como so elaborados referenciais para a

    construo de calendrios? Como prticas scio-histricas e culturais so

    interpretadas sob a tica da Linguagem Matemtica? Como saberes dos

    movimentos aparentes dos corpos celestes, prprios dos ribeirinhos e

    indgenas, so utilizados na forma de sistema de referncia de objetiva(ao)

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 33

    do tempo? Como podem ser mobilizados na forma de matrizes9 didticas para

    o ensino de conceitos e habilidades geomtricas em cursos de formao de

    professores de Matemtica?

    Esses questionamentos sero respondidos a partir do desenvolvimento

    dos trs captulos desse trabalho. A primeira e a segunda questo sero

    respondidas no Captulo II Caminhos e Modos de Objetiva(ao) das

    Naturezas do Tempo, que trata do processo de construo da ideia de tempo,

    visando sua objetiva(ao), a partir da adoo de referenciais para a

    quantificao do tempo decorrido associado as diferentes prticas

    socioculturais.

    A terceira questo, respondo no Captulo III Objetiva(ao) nas

    Prticas Culturais e do Trabalho, a partir da descrio das prticas de

    observao dos movimentos aparentes dos astros, prprias dos pescadores de

    Vigia e dos ndios Temb-Tenetehara.

    A quarta questo responderei no Captulo IV Objetiva(ao) do Tempo

    em prticas Educativas, como resultado das atividades realizadas com os

    alunos de Matemtica da UFPA, no campus de Altamira/PA.

    Para organizar o desenvolvimento deste estudo e responder aos meus

    questionamentos tomo as seguintes decises:

    1 Minha jornada pela Educao Matemtica, por onde sigo com o

    desejo de contribuir com a superao das dificuldades enfrentadas

    pelos professores de Matemtica quanto s relaes entre os

    contedos escolares e as prticas socioculturais;

    2 Fao uma narrao-reflexiva de parte das interaes resultantes da

    minha jornada como educador e pesquisador no Planetrio do Par e

    na UFPA - meus espaos de dilogos e investigaes no perodo de

    1998 a 2006 - na busca por alternativas interao da Matemtica

    Escolar s prticas socioculturais, a partir da interface Matemtica e

    Astronomia;

    3 Meus companheiros e interlocutores nessa jornada so: os ndios

    Temb-Tenetehara da aldeia Teko-Haw e os pescadores da cidade

    9 Utilizo o termo Matriz para indicar um conjunto de recursos matemticos que envolvem algoritmos,formas, quantidades e outros elementos matemticos utilizados nas atividades de ensino em sala de aula.

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 34

    de Vigia, com quem realizei registros etnogrficos da sua Astronomia;

    os alunos dos cursos de Licenciatura Plena em Matemtica do

    Campus de Altamira, da UFPA, com ao quais exercitei

    representaes matemticas dessas prticas socioculturais;

    5 Adoto como critrio de anlise dos processos de objetiva(ao) do

    tempo s prticas do trabalho, a partir da orientao pelos

    movimentos aparentes dos astros tcnicas prprias dos ribeirinhos e

    indgenas visando a elaborao de matrizes para o ensino de

    Geometria: a) interao sujeito-objeto mediada pela concepo de

    tempo, como processo orientador da adoo de referenciais e

    construo de artefatos, visando a objetiva(ao) do tempo; b)

    elaborao de esquemas para a matematizao do processo de

    orientao temporal e espacial.

    Minha jornada fluvial se d por dois braos de rio: o Planetrio do Par e

    a UFPA., No primeiro brao de rio, o encontro entre Matemtica e Astronomia

    ocorreu a partir das leituras das constelaes e o uso do gnmon por

    pescadores e indgenas, com o objetivo de garantir a realizao de tarefas

    relacionadas ao trabalho, a produo de alimentos e a realizao de rituais.

    Essa fase corresponde, segundo Vergani (2000, 2007), Lua Crescente.

    No segundo brao de rio, apresento e discuto prticas de ensino

    desenvolvidas com os alunos do curso de Licenciatura em Matemtica, no

    Campus de Altamira, da UFPA, relacionando Matemtica Escolar e Astronomia

    dos ribeirinhos e indgenas. Essa etapa, conforme Vergani (2000, 2007),

    corresponde fase de Lua Cheia.

    Para concluir a minha descida pelo rio e analisar as respostas aos meus

    questionamentos, utilizo o termo Lua Azul para descrever a repetio de uma

    fase de Lua Cheia, no mesmo perodo mensal (mesma lunao). Nessa Lua

    Azul, portanto, descrevo minhas reflexes acerca das contribuies que meu

    estudo traz para a compreenso do processo de mobilizao de prticas scio-

    histricas e culturais na (re)organizao de saberes e prticas disciplinares em

    sala de aula, como forma de tornar o ensino da Matemtica mais significativo

    aos alunos, visando concretizar uma proposta metodolgica para o ensino de

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 35

    conceitos e habilidades geomtricas, de simetria e proporcionalidade nessa

    formao de professores.

    Defendo, ento, nesse estudo, que o processo de mobilizao interativa

    envolvendo prticas scio-histricas e culturais e a Matemtica Escolar,

    mesmo no priorizando o rigor dos processos algortmicos e de um ensino

    tcnico da Matemtica, contribui sobremaneira para o desenvolvimento do

    pensamento matemtico dos estudantes e da valorizao de seus modos de

    representar tal pensamento, visto que, os processos de objetiva(ao) no

    mbito das prticas scio-histricas e culturais, compreendem complexos

    esquemas gerados na: percepo do mundo fsico, construo lgico-

    matemtica das relaes sujeito-objeto e significao dessas relaes para o

    meio cultural por processo de abstrao construtiva.

    Antes de encontrar a entrada dos meus braos de rio, vou seguir pelas

    primeiras guas deste estudo, nas quais pretendo compreender como so

    elaborados os referenciais contagem do tempo. Nesse momento, serei

    navegador atento s diferentes vozes que ecoam pelo tempo, revelando: o

    mundo pensado, o mundo vivido e o mundo imaginado que nos do noo da

    mortalidade e dos ciclos da nossa vivncia.

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 36

    Captulo 2

    Caminhos e Modos de

    Objetiva(ao) do Tempo

    Compositor de destinos

    tambor de todos os ritmos

    tempo tempo tempo tempo

    entro num acordo contigo

    tempo tempo tempo tempo

    ...

    Peo-te o prazer legtimo

    e o movimento preciso

    tempo tempo tempo tempo

    quando o tempo for propcio

    tempo tempo tempo tempo

    Caetano Veloso

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 37

    2

    objetiva(ao) do tempo est intimamente ligada s relaes que

    estabelecemos com a natureza e com a cultura, principalmente

    quanto adoo de referenciais para o acompanhamento de sua

    passagem. Nesse sentido, mister conceber que o tempo existe como ideia

    inerente existncia humana e sua construo reflete a identidade dos

    sujeitos, sua histria e ideologia do mundo.

    Pensar o tempo, sua existncia e como ele pode nos auxiliar a refletir

    sobre o homem e sua evoluo sociocultural, portanto, sua ecologia,

    cosmologia e cosmogonia um exerccio que nos acompanha desde que

    tomamos conscincia da nossa mortalidade. O tempo pode ser considerado

    uma das mais intrigantes criaes da mente humana sendo, por vezes,

    impensvel sua no-existncia, o que contribui para a suposio de que ele

    possua uma existncia autnoma, superior prpria humanidade, (DUCAN,

    1999).

    As concepes de tempo, suas diferentes tcnicas de mensurao e

    quantificao, alm da produo de instrumentos para esse fim, possibilitaram

    mltiplos olhares sobre o mundo, que recebeu influncias dessas concepes,

    tcnicas e tecnologias.Muitos de ns temos, intuitivamente, a impresso de que o tempoprossegue para sempre, por conta prpria sem ser em nada afetadopor qualquer outra coisa, de tal modo que, se toda atividade fossesubitamente interrompida, ele ainda seguiria em frente, sem qualquerinterrupo. (...) o que d origem a esse fenmeno a maneira queescolhemos para medir o tempo e relacion-lo com nosso modo devida. O horrio que seguimos na vida civil baseado na rotao daterra, que nos d o nosso dia, como o movimento da terra em torno doSol nos d o nosso ano. No entanto, se vivssemos na Lua,descobriramos que, uma vez que esta gira em torno do seu eixo muitomais lentamente que a terra, o dia no satlite, tal como denominadopela sua rotao, seria de fato igual a um ms. O modo como o diaterrestre dividido em horas, minutos e segundos puramenteconvencional. Assim tambm, a deciso de que um dado dia comeana aurora, ao nascer do sol, ao meio-dia, ao pr do sol ou meia noite uma questo de escolha arbitrria ou de conveno social.(WHITROW, 1993, p. 15-16).

    A

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 38

    Em toda a nossa trajetria humana, os diversos grupos culturais do

    planeta sempre produziram, indistintamente, conhecimento e com suas

    maneiras singulares de manifestar essa produo utilizaram diversos recursos

    para representar sua realidade e organizar suas prticas socioculturais. So os

    esquemas, linguagens e os recursos materiais que guardam valores e

    significados prprios de cada grupo.

    Nesse processo de elaborao de esquemas e de linguagem para

    representar a realidade surgem maneiras especficas de se dizer a natureza

    das coisas e dos homens: os ciclos de vida dos seres, os movimentos

    aparentes dos astros, as mudanas de temperatura, claridade e umidade;

    todas contribuindo com a necessidade de inter[ao] do sujeito com seu meio e

    com seus iguais, gerando significado quilo que produzido como saber. So

    dessas inter[aes] que surge a necessidade de tornar objetivo aquilo que

    ainda no .

    Para abordar o processo de objetiva(ao), remeto-me a alguns

    apontamentos de Sober (2008), Kant (1966, apud FOSSA, 2001) e Piaget

    (1969 apud KAMII, 1995), de modo a tentar compreender e explicar as diversas

    experincias humanas voltadas representao material da medio e

    contagem do tempo considerando essa experincia como resultante da

    interao complementar entre subjetividade e objetividade, ou seja, uma

    tentativa humana de concretizar algo que parece abstrato. Nesse sentido,

    procurei refletir a respeito dos modos como essas interaes puderam conduzir

    a cultura humana ao processo de objetiva(ao) do tempo, possibilitando,

    assim, ao sujeito humano assimilar os intervalos entre os diferentes estados

    das aes objetivas que pudessem materializar o controle dos fenmenos

    naturais ou as aes mentais das pessoas (a durao dos atos de pensar).

    A partir desses aspectos mencionados no pargrafo anterior, me foi

    possvel identificar algumas caractersticas norteadoras desse processo de

    objetiva(ao) no que se refere s interfaces Matemtica-Astronomia,

    representadas pela adoo de referenciais para a elaborao de tcnicas de

    medio e contagem do tempo e construo e uso de instrumentos como o

    gnmon e os calendrios, que muito contriburam com o desenvolvimento de

    diferentes sociedades, em seu movimento de busca pela transcendncia do ser

    [substantivo].

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 39

    1- Interao pensamento-ao: caminho para a objetiva(ao)

    O norte-americano Elliot Sober10(2008), para propor sua Teoria CVJ11

    Crena Verdadeira Justificada - aponta trs tipos de conhecimentos que nos

    interessam nessa discusso: a) conhecimento proposicional, que se refere a

    uma proposio uma coisa que verdadeira ou falsa; b) conhecimento por

    contato, que se segue ao contato pessoal (com pessoa ou lugar); c)

    conhecimento de aptides, que significa dizer que se sabe fazer alguma coisa.

    No sentido do conhecimento proposicional, o objeto do verbo uma

    proposio necessria para que um indivduo elabore compreenso sobre um

    determinado evento ou termo. Tais proposies referem-se a uma

    generalizao que se torna verdadeira ou falsa quando as proposies so

    suficientes e necessrias para considerar a afirmao.

    Tomando como exemplo as proposies a seguir, que levantam como

    generalizao a afirmao de ser a estao sazonal corrente o perodo do

    inverno para a cidade de Natal/RN, temos: P1 na cidade de Natal chove

    todos os dias quando inverno; P2 tem chovido todos os dias na cidade de

    Natal; P3 inverno na cidade de Natal. Nessa composio, as proposies

    P1 e P2 , quando so confirmadas como verdade, tornam P3 uma afirmao

    verdadeira, embora tal generalizao no garanta que se esteja no perodo

    invernal na cidade de Natal.

    Para que as proposies P1 e P2 garantam a veracidade de P3

    necessrio cr-las verdadeiras, da a crena ter um papel fundamental no

    conhecimento proposicional.

    O conhecimento por contato refere-se s experincias vivenciadas pelo

    sujeito com relao estada em um local ou convivncia com uma pessoa.

    Tais experincias podem contribuir para a afirmao de proposies. Caso um

    sujeito tenha contato com a cidade de Natal, no perodo invernal, ou tiver

    10 SOBER, Elliot. O que conhecimento? In: Core Questions in Philosophy (Prentice Hall, 2008),Traduo Paula Mateus Critica: Revista de Filosofia disponvel em: Acessoem nov 2009.11 A teoria CVJ Crena verdadeira Justificada foi criada para afirmar generalizaes. ConformeSober, a teoria diz o que conhecimento para qualquer sujeito S e para qualquer proposio P. Eleparte das seguintes proposies: 1- S acredita em P; 2- P verdadeira; 3- a crena de S em P estjustificada. O conhecimento, ento, aceito como tal, para a afirmao das trs proposies, caso umadelas no seja verdadeira, ento no temos conhecimento. Essa teoria recebeu crticas e foram propostostrs contra-exemplos, um deles foi elaborado por Edmund Gettier (1963). Disponvel em: Acesso em nov. 2009.

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://philosophy.wisc.edu>http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 40

    contato com algum que morou ou mora na cidade de Natal e tenha passado

    um inverno na cidade, poder constatar a veracidade das proposies P1 e P2,

    o que tornaria verdadeira, por crena, a proposio P3 e a generalizao

    levantada anteriormente.

    O conhecimento por contato tambm se refere possibilidade de

    manipulao de equipamentos ou a observao de uma tarefa: suas etapas e

    processos de realizao, como o caso da semeadura de uma plantao de

    feijo, a pescaria com rede, ou a caa de tocaia12 (SHANLEY & MEDINA,

    2004).

    Conforme Sober (2008), o conhecimento de aptides se refere ao que o

    sujeito aprende como atividade prtica, por exemplo, da execuo de um

    trabalho, como o caso da pesca e da agricultura, saberes repassados de uma

    gerao outra, a partir do exemplo.

    Todo conhecimento, para Sober (2008), requer crena e verdade e para

    discutir isso, afirma existirem dois tipos de fatos: objetivos e subjetivos.O conhecimento tem um lado subjectivo e um lado objectivo. Um facto objectivo se a sua verdade no depende de como a mente daspessoas. um facto objectivo que a Serra da Estrela est 2 000metros acima do nvel do mar. Um facto subjectivo se no objectivo. O exemplo mais bvio de um facto subjectivo umadescrio do que acontece na mente de algum.Se uma pessoa acredita ou no que a Serra da Estrela est a 2 000metros acima do nvel do mar uma questo subjectiva, mas se amontanha tem realmente essa propriedade uma questo objectiva. Oconhecimento requer tanto um elemento subjectivo como um elementoobjectivo. Para que S conhea p, p tem de ser verdadeira e o sujeito,S, tem de acreditar que p verdadeira. (SOBER, 2008.

    O carter objetivo de um fato, ento, se refere ao conhecimento da

    estrutura fsica do objeto incluindo movimentos, cor, textura, entre outros.

    Vejamos como exemplo essas trs afirmaes: 1- A Lua est na rbita da

    Terra; 2- A Terra realiza um movimento de rotao; 3 - Os rios que desguam

    no mar tm seu nvel aumentando e diminuindo a cada seis horas pelo

    movimento das mars.

    Objetivamente, cada afirmao compreende a representao de um

    estado observado empiricamente. Quanto ao carter subjetivo que compreende

    as relaes que se estabelecem entre essas trs afirmaes, um sujeito pode

    12 Na caa de tocaia o caador monta um esconderijo para aguardar a caa, em geral, prximo srvores cujos frutos servem de alimento ao animal, por exemplo o Uxi que comido pelo porco do mato.(SHANLEY & MEDINA, 2004).

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 41

    concluir que: a Lua gira em torno da Terra e provoca o movimento de subida e

    descida das mars. Em virtude dessa concluso, acredita-se que os

    pescadores acompanham o surgimento da Lua, com o propsito de programar

    a sada das embarcaes e aproveitar a subida da mar. As viagens so

    programadas de acordo com as fases da Lua.

    Conforme Sober (2008), alm da crena e da verdade, para que algum

    possua conhecimento necessrio o apoio de uma justificativa racional, que

    pode ser na forma de argumento indutivo, dedutivo ou abdutivo, o que refora,

    nessa concepo, que as crenas que so defendidas irracionalmente no so

    casos de conhecimento, mesmo que sejam verdadeiras.

    Para os exemplos apresentados anteriormente, sobre o inverno na

    cidade de Natal, as proposies P1, P2 e P3 precisam de justificativas que se

    fundam no ndice pluviomtrico13 da regio da cidade, num determinado

    perodo tomado como inverno. Caso os ndices estejam acima do padro

    normal possvel afirmar que aquele perodo de inverno, porm, se os

    ndices estiverem abaixo da mdia prevista para esse perodo, a negao ser

    verdadeira e, portanto, ser poca de seca na regio.

    Quanto ao movimento das mars, sua justificao estar na atrao

    gravitacional mtua do sistema Terra-Lua14, que tambm pode ser

    compreendido como um planeta duplo, isto , dois planetas girando em torno

    de um centro comum de gravidade15, mas ao mesmo tempo a Lua o satlite

    natural da Terra. (NEVES & ARGELLO, 1986).

    Esse movimento de planeta duplo, segundo Costa (2009), se d devido

    Terra e seu satlites serem proporcionalmente massivos, o que fora o

    sistema a girar em torno de um ponto denominado baricentro que, no caso do

    sistema Terra-Lua, est localizado exatamente ao longo da linha que conecta o

    13 ndice pluviomtrico uma medida em milmetros, resultado da somatria da quantidade daprecipitao de gua (chuva, neve, granizo) num determinado local durante um dado perodo de tempo. Oinstrumento utilizado para este fim recebe o nome de pluvimetro.14 Simultaneamente Terra e Lua se atraem. A massa de gua da Terra, que se encontra solta noplaneta (mares, oceanos) descolada em direo Lua, formando um grande bolso na direo dosatlite. Na Terra, no lado oposto ao que est voltado para a Lua, forma-se outro bolso. Esses bolsesso as mars altas e entre um bolso e outro, esto as mars baixas. Devido rotao da Terra ser maisrpida que a translao da Lua em torno do nosso planeta, um observador em um ponto, passar, numperodo de 24 horas, por uma mar alta e outra baixa a cada seis horas. Disponvel em:.15COSTA, Jos Roberto V. Sistema Terra Lua. In: Astronomia no Znite: o universo tudo para ns.Disponvel em: - Acesso em: nov. 2009.

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.cdcc.usp.br/.../forcas-de-mares.htm>.http://www.zenite.nu/>-Acessohttp://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 42

    centro de massa da Terra com o centro de massa da Lua. A distncia mdia

    entre esses centros a distncia Terra-Lua, ou seja, 384.405 quilmetros.

    Figura 2 - Movimento das mars e o Sistema Terra-Lua (a)Fonte:

    A distncia do centro da Terra ao baricentro de 4.641 km. Ambos,

    Terra e Lua, giram em torno do baricentro, situado a 1.737 quilmetros abaixo

    da superfcie terrestre (COSTA, 2009).

    Nessas condies, se a parte slida da Terra fosse perfeitamente

    elstica e a parte lquida fosse perfeitamente fluida, as mars seriam efeitos

    instantneos das foras de atrao gravitacionais e as alturas mximas das

    mars ocorreriam sempre na direo do corpo atrativo, no nosso caso, a Lua

    (LOPES, 1996).

    Contudo, no sendo a parte slida perfeitamente elstica e a parte

    lquida perfeitamente fluida, as alturas das mars no esto alinhadas com os

    centros da Terra e da Lua. Como consequncia, os bojos das mars formam

    um pequeno ngulo com o centro da Terra e da Lua, provocando um atraso da

    mar em relao sada da Lua, ou seja, a mar cheia s inicia quando a Lua

    j est prxima ao znite, o ponto mais alto do cu.

    A partir dessa configurao para o Sistema Terra-Lua, que compreende

    conceitos como: movimento, atrao, atrito, entre outros, a justificativa de que a

    Lua a referncia para a sada dos barcos para a pesca, ou que a chuva

    anuncia a sada da Lua, so proposies que no se sustentam como

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.cdcc.usp.br/.../forcas-de-mares.htm>http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 43

    verdades, mesmo que haja crena baseada em observaes empricas, porm

    carentes de fundamentao racional.

    Figura 3 - Movimento das mars e o Sistema Terra-Lua (b)Fonte: Acervo do autor

    Outras interpretaes porm podem ser dadas aos dois exemplos: a

    afirmao do inverno na cidade de Natal e o movimento das mars, como

    justificao crena na verdade de cada evento, como o caso da festa de

    So Jos, que marca o incio do perodo chuvoso para a regio nordeste do

    Brasil.

    As influncias da Lua sobre as estruturas lquidas, como o caso do

    corpo humano com cerca de 70% de matria lquida, se dariam ao ponto de se

    notar um maior nmero de nascimentos de parto normal nos perodo de Lua

    Cheia, ou como melhor perodo para se cortar cabelos, a fase de Lua

    Crescente, ou ainda, quanto ao comportamento dos animais na floresta, a Lua

    Nova ser o melhor perodo para a caa, pois na Lua Cheia ficam mais agitados

    e arredios.

    A crena na verdade das afirmaes anteriores se d por meio de uma

    racionalidade que se justifica nas estatsticas formais, que evidenciam dados

    levantados junto s muitas maternidades que registram aumento de partos

    espontneos nos perodos de mudana para a fase de Lua Cheia, ou nas

    estatsticas informais, que so o conjunto de relatos de pescadores, caadores

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 44

    (indgenas ou no), entre outros sujeitos que encontraram respostas positivas

    nas suas experincias de contato ou no exerccio de suas aptides.

    Figura 4 - Movimento das mars e o Sistema Terra-Lua Fonte: Acervo do autor

    As justificativas racionais, geradas a partir dos estudos cientficos, ou

    daquelas geradas no encontro da experincia do contato ou no exerccio das

    aptides, so possveis aos sujeitos a partir da adoo de modelos, ou

    parmetros que, segundo Vergani (2009, p. 64), o objeto abstrato, que

    constitui uma representao suficientemente fiel embora simplificada da

    realidade, ao qual a pertinncia atribuda a ele depende do juzo de valor que

    se faz sobre a sua representatividade.Essa maneira de proceder exige um momento de deciso que possa,posteriormente, justificar a eficcia do modelo. Por outras palavras, ovalor depende da f (entendida do sentido de adeso) que sedeposita no modelo/representao enquanto substituto credvel darealidade: um ato voluntrio que instaura um certo objeto abstratocomo representante. (VERGANI, 2009, p.64).

    Para discutir a capacidade do homem de produzir conhecimento, Kant

    (1781 apud CARVALHO, 2000)16 parte da afirmao de que o conhecimento

    possvel porque o homem possui faculdades para isso e aponta duas que so

    importantes nesse processo: a primeira a sensibilidade, por meio da qual os

    16CARVALHO, Olavo de. Kant e a Mediao entre tempo e espao. Disponvel em:.

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htmhttp://www.olavodecarvalho.org/apostilas/kant2.htm>.

  • 45

    objetos so dados na intuio, e a segunda, o entendimento, pelo qual os

    objetos so pensados no conceito.

    Para Kant (1781, apud CARVALHO, 2000), o homem dotado de

    intuio, que a maneira como nos referimos diretamente aos objetos,

    enquanto que a sensibilidade o modo perceptivo passivo pelo qual somos

    afetados pelo objeto. As sensaes (calor, frio, cor, entre outras) so a matria

    do fenmeno, ou seja, o contedo da experincia.

    Para que as impresses tenham sentido e entrem no campo do

    cognoscvel (do que se conhece), preciso que sejam colocadas em forma a

    priori da intuio, ou seja, em relao ao tempo e ao espao que so as formas

    puras de intuio e se manifestam antes de qualquer representao mental do

    objeto. Conforme Kant (1781, apud CARVALHO, 2000), o espao est

    identificado com o "fora", com a exterioridade, (...)o "dentro", para Kant, o

    puramente temporal e inespacial: o espao a forma a priori da exterioridade

    como o tempo a da interioridade.Sem a mediao entre espao e tempo, nenhuma percepo possvel. Mais ainda, essa mediao no pode ser puramente racional,mas tem de estar imbricada na estrutura mesma da percepo, porquecaso contrrio o ato de situar algo dentro ou fora seria a concluso deum raciocnio e no um ato de percepo, que precisamente o queKant diz que ele . No entanto, o conceito dessa mediao incompatvel com a reduo kantiana do espao e do tempo a formasa priori da sensibilidade projetadas sobre as coisas; porque a exclusomtua do dentro e do fora constitui, para Kant, a estrutura mesma doato de percepo: se houvesse um territrio intermedirio entre tempoe espao, esse territrio seria ele prprio a suprema forma a priori dasensibilidade, abrangendo e distinguindo espao e tempo. Mas no hem Kant meno a esse terceiro fator: alm do espao e do tempo, hs as categorias da razo. (CARVALHO, 2000)

    Nesse sentido, o conhecimento s possvel se os objetos da

    experincia forem dados no espao e no tempo que, por sua vez, so

    propriedades subjetivas, isto , atributos do sujeito e no do mundo (da coisa-

    em-si) (CARVALHO, 2000).

    A aceitao das afirmaes: chove no dia de So Jos e os ndices

    pluviomtricos na cidade de Natal atingem valores acima do normal no perodo

    de abril a setembro, como indicao do perodo invernal na regio da cidade,

    exige do observador a compreenso de que h diferentes ndices para

    diferentes regies, em diferentes perodos. Esse conjunto de conceitos e suas

    relaes so construdos internamente pelo sujeito, validados e justificados

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

    http://www.pdfpdf.com/0.htm

  • 46

    pelos fatores de crena e verdade, apontados por Sober (2008) e justificados

    por dados estatsticos, depoimentos e outras fontes que indicam as variaes

    nos ndices pluviomtricos da regio.

    O processo de como se d a construo do conhecimento foi estudado

    por Piaget, a partir de experimentos matemticos que visavam evidenciar como

    ocorre a gnese do conceito de nmero para a criana. Em suas concluses,

    Piaget afirma a existncia de trs tipos de conhecimentos: o conhecimento

    fsico, que se refere aos objetos do mundo exterior, o conhecimento lgico-

    matemtico que consiste nas relaes criadas pelo sujeito e, por fim, o

    conhecimento social, que resulta das convenes estabelecidas socialmente, e

    que possui uma natureza arbitrria (PIAGET e INHELDER, 1963 apud KAMII,

    1995, p. 19-21).

    As afirmaes de Piaget apontam o conhecimento lgico-matemtico na

    direo da autonomia dos sujeitos, pois o estabelecimento das relaes entre

    os objetos dependem de cada um, ou seja, o conhecimento lgico-matemtico

    resulta das relaes mais complexas que o sujeito elabora a partir de outras

    mais simples (KAMII, 1995, p. 20).

    Esse