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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS Patricia Duarte Costa Menta O REGIME JURÍDICO DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO (OSCIPS) Nova Lima 2008

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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS

Patricia Duarte Costa Menta

O REGIME JURÍDICO DAS ORGANIZAÇÕES DA

SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO (OSCIPS)

Nova Lima

2008

Patricia Duarte Costa Menta

O REGIME JURÍDICO DAS ORGANIZAÇÕES DA

SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO (OSCIPS)

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado da Faculdade de Direito Milton Campos, como requisito parcial à obtenção do título de mestre em Direito, na área de concentração Direito Empresarial. Orientador: Prof. Dr. Wille Duarte Costa

Nova Lima

2008

FACULDADES MILTON CAMPOS

2008

Dissertação intitulada O regime jurídico das Organizações da Sociedade Civil de

Interesse Público (OSCIPs), de autoria da aluna Patricia Duarte Costa Menta,

analisada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

__________________________________________

Prof. Dr. Wille Duarte Costa - orientador

__________________________________________

Prof. Dr. Carlos Alberto Rohrmann

__________________________________________

Prof. Dr. Lucas de Alvarenga Gontijo

__________________________________________

Prof. Dr. Jason Soares de Albergaria Neto

Nova Lima, 21 de outubro de 2008.

Dedico este trabalho a meus pais, que me ensinaram que sem persistência e

determinação não se vai muito longe.

Dedico-o ainda a meu querido companheiro Fred, que, como um anjo do céu, veio

pra mim como um porto que guarda com pureza o amor necessário para enfrentar

toda e qualquer dificuldade da vida.

RESUMO

O Terceiro Setor, compreendido por ações realizadas tanto por pessoas físicas

quanto por pessoas jurídicas de direito privado, surge como coadjuvante do Estado

na consecução das atividades sociais. Para tanto, faz-se necessário construir um

novo arcabouço legal que reconheça o caráter público de um conjunto, imenso e

ainda informal, de organizações da Sociedade Civil; e, ao mesmo tempo, facilite a

colaboração entre essas organizações e o Estado. Trata-se de construir um novo

marco institucional que possibilite a progressiva mudança do desenho das políticas

públicas governamentais, de sorte a transformá-las em políticas públicas de parceria

entre Estado e Sociedade Civil em todos os níveis, com a incorporação das

organizações de cidadãos na sua elaboração, na sua execução, no seu

monitoramento, na sua avaliação e na sua fiscalização. Apesar da não-submissão

do particular ao princípio da legalidade da mesma forma como ocorre com a

Administração Pública; a Lei nº. 9.979/1999 visa, no geral, a estimular o crescimento

do Terceiro Setor, fortalecendo a sociedade, mas intensifica o teor de subordinação

das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) à lei. Descobrir

qual o regime jurídico das entidades do Terceiro Setor não é uma tarefa simples,

pois há que se entender o funcionamento da Administração Pública e implica

descobrir qual a parcela de princípios e normas jurídicas aplicáveis a determinado

fato social.

Palavras-chave: Organizações da sociedade civil de interesse público,

Administração Pública, Terceiro Setor, Regime jurídico.

ABSTRACT

The Third Sector, limited by actions that were accomplished by individuals as well as

legal entities of private law, emerges as the States’ coadjutant in the consecution of

social activities. For such, it is necessary to build a new legal framework, which

recognizes the public character of an immense and still informal assemblage, of

organizations of the Civil Society, and, in the same time may facilitate the

collaboration between these organizations and the State. It is about building a new

institutional mark that will enable a progressive change in the government’s public

polices framework, in such a manner that it may transform them into public policies of

partnership between the State and the Civil Society in all levels, incorporating

citizens’ organizations during its elaboration, its execution, its monitoring, its

evaluation and its inspection. In spite of the non submission of its particular towards

the principle of legality, the Public Administration, with the proviso Law number

9.979/1999 is intended, in a general, to stimulate the growth of the Third Sector,

giving strength to the society, although it will intensify the Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) subordination content’s to the law. To

discover which is the juridical regime of the entities of the Third Sector is not a simple

task, for there is a need to understand how the Public Administration operates and it

also implies in discovering which are the principles bit and the juridical rules that are

applied in a determined social fact.

Key-words: Public administration, Civil society, Third Sector, Juridicial regime.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................8

1 DO ESTADO MODERNO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO...............14

1.1 Contextualização ...........................................................................................16

2 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA......................................................24

2.1 A estrutura do Estado ...................................................................................25

2.2 A Reforma do Aparelho do Estado...............................................................27

2.3 O Ato Administrativo .....................................................................................32

2.3.1 O Financiamento do Terceiro Setor ..........................................................33

2.3.2 O Fomento ................................................................................................34

2.3.3 Interesse Público.......................................................................................38

2.3.3.1 A supremacia do interesse público sobre o privado ......................................40

2.4 A Prestação dos Serviços Públicos.............................................................41

2.4.1 Formas Típicas de Delegação: Concessão e Permissão..........................43

2.4.2 Os Serviços Sociais ..................................................................................44

3 O TERCEIRO SETOR............................................................................................46

3.1 Conceito de Terceiro Setor ...........................................................................49

3.2 Histórico .........................................................................................................50

3.2.1 O Terceiro Setor no Brasil .........................................................................52

3.3 O Que é Terceiro Setor..................................................................................58

3.4 Atributos do Terceiro Setor ..........................................................................59

3.4 Formas Jurídicas do Terceiro Setor.............................................................61

4 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A SOCIEDADE ...............................................63

4.1 A Declaração de Utilidade Pública ...............................................................64

4.2 Certificado de Fins Filantrópicos .................................................................65

4.3 O Marco Legal do Terceiro Setor .................................................................66

4.3.1 Organizações Sociais – OS ......................................................................67

4.3.2 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público ..............................69

4.3.2.2 Formas de Parceira .......................................................................................72

4.4 Formas de Controle .......................................................................................77

4.4.1 Projeto de Lei nº 3.877/2004.....................................................................78

4.5 As Parcerias Público-Privadas .....................................................................78

5 REGIME JURÍDICO DAS ORGANIZAÇÕES MARCO LEGAL DO TERCEIRO SETOR.................................................................................................................80

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................85

CONCLUSÃO ...........................................................................................................88

REFERÊNCIAS.........................................................................................................97

LEGISLAÇÃO.........................................................................................................103

8

INTRODUÇÃO

Ao que parece, a verdadeira solução para a realização dos direitos sociais é o

trabalho conjunto em torno de um espírito de solidariedade entre Estado, mercado e

sociedade a partir da ação voluntária de responsabilidades com o desenvolvimento

humano e como um exercício de soberania nacional.

Na última década, os principais problemas que vêm afetando a sociedade -

destruição do meio ambiente, explosão populacional, narcotráfico, proliferação de

doenças, instabilidade dos mercados financeiros, aumento da pobreza e

desemprego - passaram a ser reconhecidos como questões que vão além das

fronteiras e excedem os recursos de que dispõem os Estados. Pela primeira vez

organizações de cidadãos desempenham papel decisivo na definição de uma nova

agenda, na qual democracia e direitos humanos, respeito ao meio ambiente,

igualdade de gênero, luta contra a pobreza e a exclusão social são reconhecidos

como questões do interesse de toda a humanidade. O crescente protagonismo e

influência dos cidadãos nos debates sobre a nova ordem mundial, antes privilégio

dos Estados e de multinacionais, configura o surgimento de um novo segmento

social.

Um novo padrão de relacionamento entre atores públicos e privados está sendo

testado em experiências inovadoras através de um relacionamento de mobilização

para o enfrentamento de questões definidas consensualmente como de inequívoco

interesse público.

Em tempos atuais, nenhum Estado tem condições de enfrentar sozinho os novos

desafios do mundo contemporâneo. Apenas esforços coletivos orientados podem

minimizar ou superar as graves ameaças que pairam sobre a humanidade e auxiliar

em suas reais necessidades.

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A população mundial está envolta na teia global, fenômeno que expande as novas

tecnologias, invade fronteiras, modifica costumes, constrói e destrói mercados, e

que, com a sua dinâmica, dificulta o controle estatal sobre ele.

A formação de uma sociedade global modifica substancialmente as condições de

vida e trabalho, o modo de ser, sentir e imaginar. Provoca transformações com

implicações econômicas, políticas e sociais, resultando na dissolução de fronteiras e

gerando, com isso, o enfraquecimento do Estado, que não consegue mais controlar

os fluxos de capitais, pessoas, dinheiro e outros bens.

Percebe-se que o Estado já não é mais o único responsável pelo seu próprio

destino. Seu poder político está colocado frente a frente com o mercado, dele

encontra-se dependente e é-lhe impossível controlar relações que extrapolam seus

limites territoriais, fazendo com que ele tenha seu poder de decisão reduzido.

Diversos posicionamentos sobre o papel do Estado - que atenda a reais

necessidades modernas - vêm sendo debatidos desde o final do século passado. A

discussão sai da esfera econômica e passa aos diversos ambientes sociais, e seus

efeitos e desdobramentos para a sociedade implicam uma diferente percepção da

nova estrutura social, econômica e política que sobrepõe o controle desse Estado.

Diante das dificuldades para cumprir as inúmeras tarefas de caráter social que são

enfrentadas - a fraqueza econômica do setor público e sua incapacidade de

satisfazer as demandas sociais -, o Estado acaba por devolver à sociedade parte da

responsabilidade na realização dos direitos sociais.

Pode-se dizer que o denominado Estado Social coloca o poder público como agente

- protetor e defensor - da promoção social e organizador da economia. Nesta

orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda vida e saúde social, política

e econômica do país, mas, ao mostrar-se ineficiente na realização dessas

atividades, face às crescentes demandas sociais de uma sociedade heterogênea,

tem sua capacidade instrumental comprometida.

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O Estado Social busca superar a contradição entre a igualdade política e a

desigualdade social. E só recebe essa denominação quando confere direitos do

trabalho, da previdência, da educação, da cultura, bem como quando intervém na

economia, regula o salário, a moeda e os preços, combate o desemprego, age como

mantenedor da saúde, sempre fundado no reconhecimento da dignidade da pessoa

humana.

O Estado brasileiro - ao longo dos anos 70 e 80 - buscou organizar um modelo de

Estado do Bem-Estar Social, na tentativa de satisfazer algumas demandas da

população desprotegida. Entretanto, desde as décadas citadas o Brasil não

considera os gastos com políticas sociais como investimento produtivo. A maior

parte das políticas adotadas no Brasil são semelhantes às antigas políticas

assistencialistas européias - destinadas mais a remediar a pobreza do que

efetivamente criarem uma maior eficiência econômico-produtiva e gerar novas e

maiores riquezas.

Em outras palavras, a política social brasileira da época, além de ser insuficiente

para cobrir as necessidades da população de mais baixa renda de maneira a evitar a

perpetuação dos bolsões de pobreza e gerar novas riquezas, não somente em

termos de quantidade, mas também de qualidade; exclui, na prática, os segmentos

de alta e média renda. Estes fazem uso cada vez mais freqüente dos sistemas

privados autônomos, seja no campo da saúde, seja no campo das entidades -

abertas ou fechadas - de previdência privada.

A Constituição de 1988, considerada constituição cidadã, consagra o conjunto das

políticas sociais no Brasil - numa fase cujas condições econômicas se tornam cada

vez mais precárias; o Brasil passa toda a década de 1990 preso a empréstimos do

Fundo Monetário Internacional (FMI) e sujeito às regras do Consenso de

Washington,1 que privilegia os interesses dos capitais financeiros internacionais e

1 Roberto Candelori, no artigo “O consenso de Washington e o neoliberalismo”, escrito à Folha de S. Paulo, <http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u11503.shtml>, conta que, “reunidos na capital americana em novembro 1989 no International Institute for Economy, funcionários do governo dos EUA, dos organismos internacionais e economistas latino-americanos discutiam um conjunto de reformas essenciais para que a América Latina superasse a crise econômica e retomasse o caminho do crescimento”. As conclusões desse encontro passaram a ser denominadas informalmente como o Consenso de Washington - expressão atribuída ao economista inglês John Williamson e

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são avessas a quaisquer políticas sociais. Sendo assim, com a crise econômica e

nas finanças públicas, os direitos constitucionais adquiridos passaram a ser, desde

meados dos anos 90, um dos conflitos a serem enfrentados numa eventual reforma

do Estado. A crise do Estado do Bem-Estar Social no Brasil chegou antes que ele

pudesse ser, de fato, implantado em sua plenitude.

Dessa forma, frente à impossibilidade de o Estado cumprir com suas obrigações de

protetor e promotor, nasce um setor que assume a responsabilidade atribuída pela

Constituição Federal de 1988 como forma de exercício de cidadania e, ao mesmo

tempo, de combate à real ineficiência estatal na realização dos direitos sociais: o

Terceiro Setor.

Setor que tem, no momento atual da sociedade, duas realidades que devem ser

consideradas no seu desempenho: a realidade de sanar as questões sociais não

resolvidas pelo Estado Social e as demandas sociais de que o mercado abdicou nas

suas tradicionais limitações. Essa realidade envolve a filantropia empresarial, os

financiamentos de agências nacionais e estrangeiras, as redes de empresas que

investem na gestão de conhecimento e metodologias para reverter às carências e a

realidade do comprometimento e da missão de privilegiar o ser humano. Essas

novas relações, então, exigem uma nova forma de gestão nas organizações sociais.

O Terceiro Setor reaviva espaços na sociedade e começa a mostrar a sua

importância na relação que visa à integração com o primeiro e segundo setores no

diálogo de políticas sociais necessárias, no treinamento eficaz de gestores sociais e

na multiplicação de seus atores. Destaca a idéia de que os bens e serviços públicos

resultam não apenas da atuação do Estado, mas também de uma multiplicação de

iniciativas particulares.

representavam uma corrente de pensamento na defesa de um conjunto de medidas técnicas em favor da economia de mercado, que visavam, em tese, a recuperação econômica dos países latino-americanos. Denominadas "neoliberais", essas medidas foram aplicadas inicialmente no programa de governo de Margareth Thatcher, a partir dos anos 80. Tendo como eixo central o combate ao poder dos sindicatos e a redução do papel do Estado na economia (Estado mínimo), empregou-se o receituário neoliberal: privatização das empresas estatais, flexibilização da legislação trabalhista, redução da carga fiscal e abertura comercial.

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Chamando-as por um único nome, obtém-se uma idéia maior de sua escala, que na

verdade é co-extensiva à própria noção de Estado. No limite, não há serviço público

que não possa, em alguma medida, ser trabalhado pelas iniciativas particulares. A

própria manutenção da ordem é direito e responsabilidade de todos, segundo a

Constituição de 1988.

Entre todas as expressões em uso, o termo Terceiro Setor vem tendo maior

aceitação para traduzir o conjunto de iniciativas provenientes da sociedade, voltadas

à produção de bens públicos. O nascimento desse setor representa, em tese, uma

transformação profunda no que tange o papel do Estado e do mercado e, em

particular, à forma de participação do cidadão na esfera pública.

Diante do aparecimento desse novo setor, recém-surgido na legislação brasileira e

na doutrina - considerado uma das áreas mais novas e multidisciplinares das

Ciências Sociais - como uma alternativa viável para que o Estado consiga cumprir

tarefas que, financeira e ou materialmente se mostraram de difícil execução e, a

partir de uma pesquisa bibliográfica e de uma análise das legislações vigentes;

estabelece-se como problema a ser solucionado a seguinte indagação: qual o

regime jurídico das entidades-marco do Terceiro Setor?

Nesse intuito, o presente trabalho é um rico campo que se pretende explorar como

forma de reforçar o debate acadêmico. Para melhor entendimento foi dividido em

cinco partes.

O primeiro capítulo aborda o desempenho e evolução do Estado através de uma

breve contextualização histórica desde o Absolutismo, que passa pelo Estado

Liberal, pelo Estado do Bem-Estar Social até chegar ao Estado Social e Democrático

de Direito, trazido pela Carta Magna. Também examina a estrutura administrativa

estatal, que justifica a oportunidade do ingresso do Terceiro Setor no novo

paradigma de Estado brasileiro.

O capítulo segundo analisa a Administração Pública e a organização do Estado na

promoção de suas atividades, em especial na prestação dos serviços públicos.

Analisa sua estrutura e as novas tendências de gestão abordando a necessidade da

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redefinição das funções estatais. Nesse intuito apresenta a Reforma do Estado

Brasileiro, que busca uma reestruturação gerencial baseada nos princípios da

eficiência e da subsidiariedade definindo o ato administrativo e as atividades de

fomento às entidades que garantem os direitos fundamentais - de responsabilidade

não só do Estado, mas de toda a sociedade.

O terceiro capítulo apresenta a origem do setor – baseada na impossibilidade do

Estado e do mercado de solucionarem todos os problemas da sociedade. Apresenta

seu conceito, seu histórico – abrangendo o surgimento no Brasil, que culmina em um

novo relacionamento com o Estado, que passa a considerá-lo um aliado – apresenta

as formas que as entidades que o constitui podem assumir e a questão da não-

exclusividade do Estado na prestação dos serviços de interesse social.

No quarto capítulo, é examinada a sociedade como parceira da Administração

Pública na prestação dos serviços sociais e os títulos que a Sociedade Organizada

pode receber para atuar no Terceiro Setor. O capítulo abrange, ainda, o marco legal

que proporciona a manutenção e o desenvolvimento do setor.

O quinto e último capítulo, à luz da conclusão, trata dos aspectos que caracterizam o

regime jurídico das Organizações Sociais e das Organizações da Sociedade Civil de

Interesse Público, indicando qual a parcela de princípios e normas abrangidos por

elas e contribuindo para a conclusão da pesquisa proposta.

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1 DO ESTADO MODERNO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

As diversas mudanças na forma de concepção do Estado trazem inovações no

Direito. A parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada quer significar tanto

formas antigas, quanto a concessão e a permissão de serviços públicos como novos

modos de relacionamento entre o público e o privado.

Quando se afasta a idéia do Estado como maior prestador de serviços para a

consecução de seus fins, nasce a vontade de que o Estado seja não aquele que faz

diretamente, mas o grande estimulador, o que ajuda e subsidia a iniciativa privada;

pautando-se sempre pela participação popular nos órgãos deliberativos, consultivos

e de controle, e pela interação entre poder público e setor privado, para que não

mais tenha lugar aquela Administração Pública verticalizada e unilateral, rígida em

suas formas de agir e de se pensar, buscando sempre a eficiência em suas ações.

O surgimento do Estado de Direito, significando a submissão do Estado a uma

ordem legal, afasta a antiga idéia de que o que agradava ao príncipe tinha força de

lei, ou de que o rei não errava. Ainda no primeiro Estado que surge em decorrência

desses novos pensamentos - o Estado de Polícia - já se impunha a noção de que a

Administração Pública teria suas ações reguladas, ou mesmo previstas, pelo

ordenamento jurídico.

A conduta administrativa contornada pela lei leva à defesa da sociedade civil em

relação a qualquer extravagância eventualmente cometida pelos homens que

ocupam cargos ou funções públicas, compreendendo, às vezes, até mesmo o

cerceamento do direito de algum segmento da sociedade face a um interesse

coletivo ou difuso maior. Porém não é apenas contra os ocupantes do Poder Político

que se arma a lei para defender a sociedade. À medida que os detentores do Poder

Econômico querem fazer valer seus desejos em detrimento dos desejos gerais de

uma população, vai surgindo a necessidade do Estado de incorporar a proteção de

direitos de cunho social; daí o nascimento do Estado Providência - que desenvolve

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políticas públicas populares -, criado, entre outras Cartas, pela Constituição

Mexicana de 1917 e pela Constituição de Weimar de 1919.

Importante frisar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 tem

cunho fortemente social.1

Mais tarde, na passagem do Estado de Direito Social para o Estado Democrático de

Direito, aumenta a expectativa da participação popular na Administração Pública, e o

princípio do interesse público vai tomando significados diferentes. No Estado liberal

o interesse público a ser protegido tem conotações mais utilitaristas, inspirado nas

doutrinas contratualistas liberais do século XVIII e, ainda, pela idéias de Adam Smith

e Stuart Mill.2 Se o propósito do Direito é o bem-estar geral, através da proteção das

liberdades individuais, a guarda do interesse público é apenas um apêndice deste

objetivo mais global, um meio através do qual se atingiria o objetivo principal.

É possível afirmar, inclusive, que no Estado Liberal o bem-estar geral assume uma

conotação muito mais material que humana, contagiando todos os princípios a ele

submetidos. À medida que o Estado passa a ter não apenas a matéria fruto da

liberdade, mas também os valores patrimoniais como pilares de uma existência

digna; a liberdade começa a ser vista como dignidade. Essa nova concepção de

bem-estar passa a exigir do Estado ações que contribuam para diminuir as

desigualdades sociais e levar não apenas uma ou duas classes, mas toda a

população a atingir um estágio de bem-estar. O interesse público, considerado sob o

aspecto jurídico, reveste-se de um novo aspecto ideológico e começa a confundir-se

com o próprio bem comum.

1 Conhecida como a “Constituição Cidadã”, a Carta Magna é baseada no modelo do Estado Social, e de acordo com os seus preceitos pode-se entendê-la até mesmo como do Estado de Bem-Estar Social, pela importância e ênfase com que o texto Constitucional pontuou as questões sociais e aquelas ligadas à cidadania. 2 Adam Smith (1723-1790): “O papel do Estado na econômica deve ser reduzido, sendo esta confiada à auto-regulação do mercado. O Estado deve limitar-se a facilitar a produção privada, manter a ordem pública, fazer respeitar a justiça e proteger a propriedade. Defende a concorrência entre os privados, num mercado livre, acredita que os seus interesses naturalmente se harmonizariam em proveito do coletivo”. John Stuart Mill (1806-1873): “A principal função do Estado é a de procurar promover as melhores oportunidades de desenvolvimento pessoal e social para todos os indivíduos, nomeadamente através da educação. Não devia ser aceita a intervenção do Estado em coisas que os indivíduos sejam capazes de resolver por si”.

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Também nessa transição adquire nova roupagem o princípio da legalidade.3

Continua sua tradução na submissão do Estado à lei, porém o que muda é que não

se trata mais da lei em sentido estrito, mas também da submissão aos princípios que

dão origem ao ordenamento jurídico, estejam eles positivados ou não.

O apego à forma vai dando lugar à busca pelo cumprimento de um ideal que se

concentra nos desejos da sociedade. A busca de uma justiça ideal não pode

prender-se apenas ao direito formal. Por isso a nova denominação do Estado, que

não é apenas de Direito, mas também Democrático conjugando-se dois aspectos

indissociáveis: o da justiça material - Estado de Direito - e o da participação do

cidadão - Estado Democrático.

1.1 Contextualização

Cada nação modifica-se e evolui de acordo com o período histórico por que passa.

Estão todos no mesmo tempo formal, mas não se encontram na mesma escala

evolutiva em relação ao bem-estar dos seus cidadãos.

Inúmeras definições e teorias sobre a origem e formação do Estado foram

apresentadas por doutrinadores considerando-o como algo além da organização

natural da sociedade.

Para efeito deste estudo será considerado o final da Idade Média como marco

histórico de surgimento do Estado4 justificado pela centralização do poder político

sobre o território que leva ao absolutismo e faz com que o poder fuja aos anseios da

sociedade.

3 Alexandre Rezende da Silva, no artigo “Princípio da legalidade”, publicado em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3816>, afirma que a lei deriva da vontade geral, e é o princípio primeiro tanto da economia como do governo. Só por ela o Estado há de conseguir atingir seu escopo essencial, qual seja, o bem comum. 4 Instituição organizada política, social e juridicamente, ocupando um território definido, onde a lei máxima, em geral, é uma Constituição escrita, e dirigida por um governo que possui soberania reconhecida tanto interna como externamente.

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Dessa forma, o Estado Moderno, conseqüência desses anseios e da própria

modernização da sociedade, que começa no século XVI e culmina com a Revolução

Industrial, possibilita uma maior mobilidade social e resulta no aumento da

produtividade e no aparecimento de novos grupos sociais. É a época da ascensão

da burguesia.5

No século XVII, essa classe, de forma geral, apóia a Revolução Americana e a

Revolução Francesa, fazendo cair as leis e os privilégios da ordem feudal

absolutista, limpando o caminho para a rápida expansão do comércio. Com a

expansão do comércio e da economia de mercado, o poder e a influência da

burguesia cresce. Em todos os países industrializados, a aristocracia perde

gradualmente o poder ou é expurgada por revoltas burguesas, passando a

burguesia para o topo da hierarquia social.

Esse período de revolta contra o modelo absolutista, que dura, aproximadamente,

até a Primeira Grande Guerra Mundial, caracteriza-se pela busca por um Estado não

intervencionista, baseado no conceito da mão invisível de Adam Smith6 - em que o

mercado deve caminhar por conta própria na busca do progresso, sem qualquer

influência do Estado. Entretanto essa busca pelo progresso gera uma concentração

de renda insustentável, que conduz à idealização de um novo conceito de Estado

para minimizar essas desigualdades.

Apresentando como marca a proposta da liberdade, o Estado Liberal potencializa,

entre outras coisas, o aparecimento do ideal dos direitos do homem e a separação

5 A burguesia é uma classe social que surgiu nos últimos séculos da Idade Média (por volta do século XII e XIII) com o renascimento comercial e urbano. Dedicava-se ao comércio de mercadorias (roupas, especiarias, jóias etc.) e prestação de serviços (atividades financeiras). Dita classe habitava os burgos, que eram pequenas cidades protegidas por muros. Por ser formada por pessoas ricas, que trabalhavam com dinheiro, não era bem vista pelos integrantes do clero católico. 6 A idéia central de Smith em “A Riqueza das Nações” é a de que o mercado, aparentemente caótico, é, na verdade, organizado e produz as espécies e quantidades de bens que são mais desejados pela população, não precisando o governo interferir na economia. Um mercado livre produzirá bens na quantidade e no preço que a sociedade espera. Isto acontece porque a sociedade, na busca por lucros, irá responder às exigências do mercado. Smith ainda escreve: “cada indivíduo procura apenas seu próprio ganho. Porém, é como se fosse levado por uma mão invisível para produzir um resultado que não fazia parte de sua intenção... Perseguindo seus próprios interesses, freqüentemente promove os interesses da própria sociedade, com mais eficiência do que se realmente tivesse a intenção de fazê-lo”. Este conceito de “mão invisível” foi baseado na expressão francesa, laissez faire, que significa que o governo deveria deixar o mercado e os indivíduos livres para lidar com seus próprios assuntos.

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de poderes, determinando o fim do Estado absolutista e estabelecendo a limitação

de suas funções, a preservação da liberdade individual e a segurança do território.

Tal Estado resulta ineficaz sob o ponto de vista social e democrático, pois as leis são

impostas de forma autoritária e o enunciado de direitos individuais é, apenas,

nominal.

Assim, as reações contra o Estado Liberal iniciam-se em meados do século XIX,

quando as conseqüências de sua índole passam a ser sentidas fortemente no

campo socioeconômico: várias empresas transformam-se em verdadeiros

monopólios e dão cabo à existência daquelas de pequeno porte. Os avanços da

indústria propiciam o surgimento de uma classe mais baixa, inteiramente nova; o

proletariado ou classe trabalhadora, que após o êxodo rural havia se concentrado

nas grandes cidades que não estavam prontas para recebê-lo. Assim, os proletários

agrupam-se nos centros urbanos em terríveis condições, assolados pela miséria,

doença e falta de instrução. A continuar o não-intervencionismo estatal propugnado

pelo pensamento liberal, a situação tende a assumir contornos trágicos. A ênfase na

proteção da liberdade e da igualdade torna-se insuficiente para atender aos anseios

de todas as classes sociais.

Mediante o fracasso do Estado Liberal, em resposta às demandas provocadas pela

necessidade da adoção de uma justa distribuição de riquezas e por uma atuação

mais ativa nas questões sociais, o Estado Social consolida-se.

Tinha-se constatado que a reiterada crença no art. 1° da Declaração de Direitos do

Homem e do Cidadão de 1789, de que os homens nascem e são livres e iguais em

direitos, produzira mais a desigualdade socioeconômica do que promovera a

igualdade. A mais nova atribuição do Estado passa a ser a busca de igualdade

material em detrimento da já anacrônica formal. Para tanto, vê-se necessária a

intervenção do Estado na ordem econômica e social no resgate aos menos

favorecidos.

A orientação passa, então, pela busca do bem-comum, baseada na idéia de que a

democracia deve servir para impulsionar o Estado, através da liberdade política. O

espaço privado, que antes merecia ampla proteção, é aos poucos mitigado através

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das sucessivas ingerências estatais, seja através da regulamentação ou mesmo da

fiscalização e controle.

O Estado deve satisfazer não somente o interesse econômico das classes, mas

também de toda a comunidade. Passa a existir não apenas para proteger os

interesses do comércio e da indústria, mas para prestar serviços ao povo, e, ao fim,

levar a esse povo o bem-estar social.

Algumas tarefas são assumidas pelo Estado, tais como a prestação de serviços

públicos de caráter comercial, industrial e social, executados através de empresas

criadas pelo próprio Estado. Algumas são um misto de iniciativa privada e estatal. As

atividades que o Estado não exerce diretamente - ou que indiretamente deixa com

exclusividade à iniciativa privada -, por serem consideradas de interesse público, são

financiadas pelo próprio Estado.

Ao reagir trazendo para si a responsabilidade social, surge o Estado do Bem-Estar

Social.7

Finalmente, em 1948, os países que aderem à Organização das Nações Unidas -

ONU - firmam, em Paris, a Declaração Universal dos Direitos do Homem,

[...] visando restabelecer a ordem jurídica internacional profundamente afetada pela experiência totalitária, como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efetivos, tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.8

7 Estado de Bem-Estar Social ou Estado-Providência (em inglês: Welfare State) é um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado (nação) como agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda vida e saúde social, política e econômica do país, em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo com a nação em questão. Cabe ao Estado-Providência garantir serviços públicos e proteção à população, desde o nascimento até sua morte, direta ou indiretamente, mediante seu poder de regulamentação sobre a sociedade civil, incluindo a educação, a assistência médica, o auxílio ao desempregado, a garantia de uma renda mínima, recursos adicionais para a criação dos filhos. 8 Preâmbulo da Declaração.

20

A Declaração introduz a chamada concepção contemporânea dos direitos humanos,

reconhecendo a universalidade, indivisibilidade e interdependência desses direitos,

prevendo, em um único texto, direitos civis e políticos - artigos 3 a 21 - e direitos

econômicos, sociais e culturais - artigo 22 a 28. É um marco social que consolida a

afirmação de uma ética universal, ao consagrar um consenso sobre valores de

caráter universal a serem seguidos pelo Estado, e que objetiva traçar uma ordem

pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores

básicos universais.

No Estado Social, a ordem pública deixa de denotar apenas segurança para

expandir-se aos campos econômico, social, abrangendo o patrimônio histórico e

artístico, as profissões, as comunicações, a saúde, os animais. O Estado

absenteísta é substituído por aquele que não apenas oferece serviços, mas se

obriga também a praticar atos de comércio e indústria, intervir na economia, elaborar

planos econômicos para recuperação e promoção do desenvolvimento nacional.

Com todas essas atribuições, o Estado Social toma sentido diametralmente oposto

ao Liberal, este mínimo e aquele máximo. Surge como evolução, na medida em que

se percebe a necessidade de criação de regras para impedir os desvios que o

mercado não consegue controlar.

Feitas as considerações sobre a regulação do Estado por uma norma superior e sua

responsabilidade na garantia dos direitos fundamentais, ressalte-se a premência da

participação do povo nas decisões políticas,9 haja vista sua fundamental importância

para o desenvolvimento social.

Estes acontecimentos culminam no surgimento do Estado Democrático, que tem

seus princípios expressos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão –

que institucionaliza a liberdade individual como um direito natural, inviolável e

imprescritível - e é influenciado por três grandes movimentos: a Revolução Gloriosa10

9 Podem-se indicar três preceitos fundamentais que passaram a nortear o Estado: a supremacia da vontade popular, a preservação da liberdade e a igualdade real de direitos. 10 Ocorrida em 1688. O poder monárquico, na Inglaterra, foi severamente limitado, cedendo a maior parte de suas prerrogativas ao Parlamento, e, como conseqüência, tendo sido instalado o regime

21

- que representa a segunda manifestação da crise do regime monárquico e

absolutista (Antigo Regime) da época histórica que é chamada de Moderna; a

Revolução Americana11 - que influenciou as revoluções liberais que acontecem na

Europa e a Revolução Francesa12 – que aboliu a servidão e os direitos feudais e

proclamou os princípios universais da Liberdade, Igualdade, Fraternidade.

A intervenção excessiva na vida privada acaba por cercear as liberdades em níveis

maiores ou menores em cada nação.

O aumento de tarefas de índole econômica conduz à instituição de monopólios de

atividades pelo Estado ou, ainda, na detenção de capital majoritário de empresas.

De Estado mínimo13 a Estado empresário, no Brasil, a mudança de paradigmas

acarreta uma espécie de desarmonia entre os Três Poderes, posto que ao Executivo

cabe também exercer função empresarial, além de cumprir a função primordial de

executar as leis, assumir o controle e exarar ordens. E as ordens não podem esperar

o lento processo legislativo.

Em obediência ao princípio da legalidade, ao qual o Estado Social ainda está preso,

passa o Executivo a procurar maneiras de editar normas por si só. E assim nascem

parlamentarista inglês, que permanece até hoje. Processo que teve início com a Revolução Puritana de 1640 (a primeira manifestação de crise do regime monárquico absolutista inglês). 11 A Revolução Americana de 1776 teve início com a assinatura do Tratado de Paris, que em 1763 acabou por finalizar a Guerra dos Sete Anos. As 13 colônias desencadeariam a declaração de independência, em 4 de julho de 1776, mas a guerra só terminou em 1783, quando a independência foi reconhecida pelo Reino Unido no Tratado de Paris. Apesar de a estrutura social ter permanecido inalterada, a Guerra da Independência dos Estados Unidos é chamada de revolução por ter instituído, na Constituição de 1787, vigente até hoje, uma república federal, a soberania da nação e a divisão tripartida dos poderes. 12 Revolução Francesa é o nome dado ao conjunto de acontecimentos que, entre 5 de maio de 1789 e 9 de novembro de 1799, alteraram o quadro político e social da França. Em causa estavam o Antigo Regime e a autoridade do clero e da nobreza. Foi influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência Americana. Está entre as maiores revoluções da história da humanidade, sendo considerada como o acontecimento que deu início à Idade Contemporânea. Aboliu a servidão e os direitos feudais e proclamou os princípios universais de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" (Liberté, Egalité, Fraternité), frase de autoria de Jean-Nicholas Pache. Para a França, abriu-se em 1789 o longo período de convulsões políticas do século XIX, fazendo-a passar por várias repúblicas, uma ditadura, uma monarquia constitucional e dois impérios. 13 Estado derivado das conseqüências do pensamento oriundo da Revolução Francesa e da Revolução Americana, que prega o liberalismo. A burguesia conseguiu após essas revoluções alcançar esse patamar e fazer com que o Estado interferisse minimamente. O Estado de intervenção mínima cuidava apenas da segurança interna e externa. Vários problemas começaram a surgir em razão desse Estado, principalmente após a Revolução Industrial, quando a burguesia passou a deter, além do poder econômico, os meios de produção. Só então começaram os primeiros rumores de que o Estado deveria interferir também no âmbito social.

22

os instrumentos de lei do Poder Executivo, para que ele exerça a gerência sem se

furtar à necessária legalidade: leis delegadas, regulamentos, portarias, medidas

provisórias.

Outro mecanismo encontrado pelo Estado para socorrer as necessidades sociais

emergentes da população em alguns países, como no Brasil, é o aumento da carga

de tributos. Mas o abuso com o gasto do dinheiro público leva o Estado do Bem-

Estar Social a um processo de endividamento, que culmina na chamada crise fiscal

do Estado - agravada pela crise institucional que se instaura em função da

burocratização da prestação dos serviços sociais, executados por servidores

públicos.

A máquina estatal, com sua capacidade estrutural comprometida, faz com que o

Estado Social seja substituído pelo Estado Mínimo.

A sociedade, por sua vez, percebe que pode e deve auxiliar o Estado na solução

dos problemas sociais, como confirma o então Ministro da Administração e Reforma

do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira, ao dizer que houve

[...] um processo gradual de delimitação da área de atuação do Estado. Aos poucos foi-se reconhecendo que o Estado não deve executar diretamente uma série de tarefas. Que reformar o Estado significa, antes de mais nada, definir seu papel, deixando para o setor privado e para o setor público não-estatal as atividades que não lhe são específicas.14

Em conseqüência dessa evolução do Estado surge um novo modelo de

relacionamento entre o governo, o mercado e sociedade, modificando as tradicionais

intervenções assistencialistas: o Terceiro Setor; matéria que será tratada adiante,

considerando o tema proposto para pesquisa, que tem por finalidade definir regime

jurídico das entidades-marco deste novo setor da sociedade.

14 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser A reforma do Estado nos anos 90: lógicas e mecanismos de controle. Lua Nova - Revista de Cultura Política, n°.45, p. 49-95, 1998:.. Trabalho apresentado à segunda reunião do Círculo de Montevidéu. Barcelona, 25-26 de abril de 1997. pág. 13

23

O Estado em crise, incapaz de solucionar de forma eficiente as questões que o

assolam, vê como saída a reorganização de sua estrutura e inicia uma reforma que

inclui a sociedade na promoção dos diretos sociais.

Passa-se então a um novo capítulo deste estudo, que analisa a estrutura do Estado

e as novas tendências de gestão e examina a reforma do Estado brasileiro baseada

nos princípios da eficiência e da subsidiariedade. Serão apresentadas, ainda, as

espécies de financiamento do Terceiro Setor, as atividades de fomento às entidades

que garantem os direitos fundamentais - de responsabilidade não só do Estado, mas

de toda a sociedade.

24

2 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

Para análise neste item, conceitua-se Administração Pública como o conjunto das

funções estatais organizadas. No Brasil, a Administração, através da história, tem

tomado para si não somente o papel de promotor do desenvolvimento econômico e

conseqüentemente social do país, mas também por diversas vezes tem ocupado a

função de motor desse mesmo desenvolvimento, concentrando a propriedade de

empresas, como as várias estatais que durante anos pertenceram ao Estado.

No Estado Social a sociedade civil torna-se insaciável na demanda por serviços. Se

no Estado Liberal a população desejava apenas a proteção, no Social passa a exigir

que o Estado ofereça saúde, moradia, habitação, educação, esporte, lazer;

protegendo interesses coletivos e difusos, inclusive no campo legiferante, que passa

a apresentar dificuldades de acompanhar as novas feições do Poder Executivo.

Ocorre que o processo de produção de normas pelo Legislativo e o controle judicial

da legalidade são mais lentos do que exige o Estado Social. A Administração

Pública necessita de normas utilitárias e adaptadas às suas novas funções. O

crescente número de serviços prestados pelo Estado precisa ser previsto em lei e

isso demanda uma atividade contínua e incessante. O aumento nos serviços gera

conseqüentemente a intensificação dos conflitos jurídicos a eles ligados, o que faz

com que o Direito precise se adaptar cada vez mais rapidamente a tudo isso. O que

no Estado Liberal era relegado à esfera privada vai paulatinamente tornando-se

público, nomeadamente aquelas necessidades antes consideradas puramente

pessoais.

É aí que também se pode enxergar o alargamento do conceito de bem-comum, que,

antes limitado à consecução da segurança dos particulares, no Estado Social abarca

a objetivos maiores, uma vez que traduz todas as aspirações da sociedade civil em

relação ao Estado. No caminhar para a proteção larga dos desejos dos indivíduos, o

Estado precisa interferir na esfera íntima destes, já que passa a atuar diretamente

nos setores que antes eram protegidos de qualquer intervenção governamental.

25

E neste Estado interventor, protetor, criado pela Constituição da República Brasileira

de 1988 - passados alguns anos da sua promulgação -, enxerga-se uma situação

financeira precária, uma vez que a Lei Maior, ao atribuir muitas tarefas à

Administração, acabou por imbuí-la de um poder-dever grande e deixá-la sem

verbas para realizá-lo.

Começa então a busca por uma forma de aprimorar a eficiência dos órgãos da

Administração, e novas ações surgem para a consecução das atividades-fim: a

privatização de empresas do Estado, com a quebra do monopólio de atividades pelo

governo; a delegação de atividades antes privativas ao particular, com os institutos

da autorização, permissão e concessão; a afirmação de parcerias com a iniciativa

privada para a gestão de serviços através de convênios, consórcios, contratos de

gestão e termos de parceria. Em relação às atividade-meio, a terceirização é a

maneira encontrada para diminuir a sobrecarga administrativa.

2.1 A estrutura do Estado

Inserido na Constituição de 1988, com seus braços na legislação infraconstitucional

especial, o Direito Administrativo brasileiro apresenta como um dos elementos

essenciais aos contratos administrativos a formalidade, que deve ser nortear os

acordos, ajustes, convênios, pactos de qualquer espécie celebrados pelo Estado. O

objeto do contrato administrativo é sempre um interesse público qualificado, e o

vínculo contratual está adstrito ao cumprimento deste interesse.

Mas uma vez que o mundo dos negócios, sejam privados, sejam do Estado, é

dinâmico; a Administração passa por complicados processos de tentativa de

modernização. A Carta de 1988 é rígida, e, para mudá-la, exigem-se processos que

demandam tempo, sobretudo devido ao sistema legislativo bicameral do Brasil. A

Administração tem que agir rapidamente, mas está adstrita ao princípio da

26

legalidade, e, assim, precisa muitas vezes empreender reformas constitucionais se

desejar realizar alguma modificação em suas atividades.

Celso Antônio Bandeira de Mello16 afirma que no Estado Democrático de Direito a

satisfação do interesse público pela Administração demanda um poder muito mais

instrumental e limitado. Para o autor, não há mais lugar para a Administração

Pública hedonista - com vistas a si mesma; motivo por que se torna indispensável

uma legislação certeira e calcada em metas claras e objetivas.

Ocorre que o Estado brasileiro, por força da Constituição Federal de 1988, assume

inúmeras funções perante seu povo, precisando gerir os recursos para cumprir as

metas e funções, e, ainda, proporcionar à população todos os direitos sociais e

fundamentais consignados na Carta Magna.

Com uma política de venda das empresas do Governo, alienando-as de acordo com

os ditames da lei vigente à época, a imprensa brasileira preconiza uma suposta volta

do Estado Social ao Liberal, volta esta chamada por jornalistas, economistas e

analistas em geral de neoliberalismo.17

Torna-se realmente difícil concordar com os segmentos do pensamento que se

limitam a conceituar o Governo como neoliberal ou, de outro lado, partidário do bem-

estar social, uma vez que tais matizes, que parecem tão opostos como o preto e o

branco, na realidade misturam-se. Em todo o mundo ocidental houve, nos últimos

tempos, um acirramento de críticas ao Welfare State, preconizando-se ora a morte

deste modelo, ora o adoecimento do mesmo, causado, entre outros motivos, por um

fenômeno denominado “globalização”. Na opinião de Celso Antônio Bandeira de

Mello, globalização seria uma verdadeira campanha de marketing realizada pelo

capital dominante18 para que fossem mitigados os direitos sociais conquistados

16 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15a ed. São Paulo: Malheiros, 2002. 17 Neoliberal, segundo Bobbio, é a adoção de políticas que permitam ao indivíduo o alcance do verdadeiro bem-estar, que só poderá ser encontrado se o particular tiver liberdade para buscar seu próprio interesse. (BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 7a ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 136) 18 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15a ed. São Paulo: Malheiros, 2002. Para Bandeira de Mello, por meio do marketing foram vendidas as "palavras de ordem": reforma do Estado, privatização e flexibilização.

27

pelos países de economia periférica para que, ausente às mãos do Estado no

controle da economia, pudesse o capital entrar livremente nas nações

subdesenvolvidas.

Com efeito, sendo o Brasil uma república, em que o titular da coisa pública é o povo,

toda função administrativa deve visar à preservação de seus interesses, seja pela

própria Administração ou por quem lhe faça as vezes.

Frente à necessidade de adaptação aos novos acontecimentos mundiais, o Estado,

na obrigatoriedade de rever seus dispositivos constitucionais, promove a elaboração

de um plano que orienta a reforma do aparelho estatal brasileiro.

2.2 A Reforma do Aparelho do Estado

Antes de ser apresentada a reforma do aparelho estatal, é importante dizer que o

Plano Diretor, definido na Constituição brasileira, em seu art. 182, § 1º, como

“instrumento básico da política urbana”, estabelece uma diferença entre o que é

reforma do Estado e o que é reforma do aparelho do Estado.

Reforma do Estado é algo pertinente às várias áreas do governo e, ainda, ao

conjunto da sociedade brasileira. Por outro lado, reforma do aparelho do Estado tem

abrangência mais restrita, pois está orientada para tornar a administração pública

mais eficiente e mais voltada para a cidadania.

As novas políticas para o Terceiro Setor no Brasil, consequentemente, decorrem

desse recém surgido modelo de Administração Pública, em que se tenta transformar

uma administração burocrática e rígida, e portanto ineficiente, de um Estado que

existe para se controlar, em uma Administração Pública gerencial cujo fim

verdadeiro, para além de si mesma, seja a sociedade civil.

28

Inicialmente a burocracia, como especialização dos órgãos da Administração

Pública, nasce como criação do Estado Liberal como forma organizacional capaz de

evitar possíveis efeitos colaterais do Estado - como corrupção e nepotismo, por meio

de

[...]um corpo complexo de funcionários lotados em órgãos, secretarias, departamentos, etc., com cargos bem definidos, selecionados e treinados com base em qualificações técnicas e profissionais, os quais se pautam por um regulamento fixo, determinada rotina e uma hierarquia com linhas de autoridade e responsabilidade bem demarcadas, gozando de estabilidade no emprego.19

O controle aqui é principalmente preventivo, realizado através de instrumentos

formais de aquisição de produtos e seleção de pessoal, tais quais licitações,

concursos públicos, entre outros, para que o serviço prestado se dê de forma

eficiente para a população, que pode ser vista como cliente do Estado.

Esse modelo não mais se ajusta à conjuntura econômica da segunda metade do

século XX, visto se encontrar a economia mundial expandida em transnacionais, em

que o fluxo do capital desconhece fronteiras e dita os rumos de políticas locais. A

eficiência passa de objetivo a princípio da Administração, que, paulatinamente vai-se

retirando do posto de prestadora de serviços para gerenciadora de prestadores dos

mesmos serviços. Não caem todos os pilares da administração burocrática. A

maioria dos cargos públicos continua sendo provida através de concursos, e a

licitação permanece como o meio por excelência da contratação de serviços dos

particulares pelo Estado.

Porém a demora dos processos e a rigidez de suas normas nem sempre se

incorporam com a nova ordem mundial. Mas ao mesmo tempo, há que se respeitar a

legalidade, garantidora do afastamento de práticas pessoais inescrupulosas de

quem ocupa cargos administrativos, e principalmente, maior promotora da

segurança jurídica.

A mudança então encontra-se nos paradigmas da forma de atuação: os

procedimentos perdem a rigidez anterior para que se tornem mais elásticos

19 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 532.

29

permitindo um uso mais utilitário de suas normas, e o controle perde sua formalidade

original para também assumir uma instrumentalidade racional na busca dos

resultados da ação administrativa. A Administração deixa de lado um controle focado

nas ações propriamente ditas, no sentido de conjunto de atos administrativos, e

passa a exercer a fiscalização de resultados.

Tais alterações consignam também uma maior participação popular na

Administração, participação esta que, significando a intervenção da iniciativa

privada, dá origem ao surgimento do Terceiro Setor e seu desenvolvimento para a

forma em que hoje se reveste, porquanto o próprio conceito a respeito do que é

interesse público também se foi modificando. Na administração burocrática - como

oposta à gerencial - interesse público é o correto funcionamento da máquina

administrativa com o uso racional dos recursos públicos, ou seja, o conceito de

interesse público liga-se aos meios e não aos fins da atividade administrativa do

Estado.

Na administração gerencial a visão é mais finalista, quer dizer, não se atenta tanto

aos meios quanto à obtenção dos resultados, estes são a meta, que deve ser

estabelecida de acordo com os desejos da sociedade civil. Este conjunto é

entendido como interesse público. O controle deve ser realizado, portanto, nos

resultados e não nas formas de atuação. Logo, não há uma única maneira de agir

que possa vestir a todos os órgãos e setores da administração, e, sim, várias ações

adequadas às razões da existência de cada órgão, de acordo com suas atividades e

objetivos.

A doutrina brasileira tradicionalmente costuma dividir essas atividades em três, e as

denomina serviço público em sentido amplo. Há os serviços administrativos,

entendidos estes como atividade-meio da Administração; e os de comércio e

indústria, que podem ser divididos em duas espécies: serviços públicos em sentido

estrito20 e atividades econômicas próprias da iniciativa privada.21

20 São aqueles previstos pelo artigo 175 da Constituição Federal, que podem ser prestados diretamente pelo Estado ou por particulares sob regime de concessão ou permissão. 21 São aquelas previstas pelo artigo 173 da Constituição Federal - atividades próprias da iniciativa privada cuja exploração o governo considere importante para a segurança nacional ou a lei consigne

30

Na terceira categoria encontram-se os serviços sociais previstos na Constituição de

1988, nos artigos 193 a 232, cuja exploração pode ser feita conjuntamente com a

iniciativa privada: aposentadoria, saúde, assistência social, educação, cultura,

desporto, ciência, tecnologia, comunicação social, meio-ambiente, proteção à

família, à criança, ao adolescente, ao idoso e aos índios.

Essa divisão tradicional foi preterida pelo Ministério da Reforma do Estado, que

escolheu uma nova categorização dos serviços públicos, já atento ao nascente

modelo estatal, e que aqui se reproduz por entender que serve melhor aos

propósitos da administração gerencial.

Porém mesmo nele é preciso que a burocratização seja modernizada, que os

funcionários passem por um processo de profissionalização. Mesmo que os meios

se sobrepujem aos fins, é imprescindível que os servidores adquiram uma nova

ideologia de ação, baseada na avaliação do desempenho, entre outras técnicas

contemporâneas de eficiência no exercício de cargo ou função pública.

A nova categorização, apresentada em seguida, é quadrúplice, e apenas no primeiro

núcleo da divisão ainda é possível a prevalência da administração burocrática sobre

a gerencial.

a) núcleo estratégico: composto pelos órgãos de governo responsáveis pela

positivação normativa, pelas políticas públicas e pela fiscalização do cumprimento

das mesmas.

b) setor de atividades exclusivas: composto pelos órgãos que prestam atividades

exclusivas do Estado. Estão compreendidos aqui tantos os órgãos que prestam

diretamente o serviço quanto aqueles responsáveis pela regulamentação,

fiscalização, controle e fomento das atividades. São elas: cobrança e fiscalização

dos impostos, polícia, previdência social básica, serviço de desemprego, fiscalização

do cumprimento de normas sanitárias, serviço de trânsito, compra de serviços de

como de relevante interesse coletivo -; e aquelas previstas pelo artigo 177 da mesma Carta Magna, que são as atividades cuja exploração constitui monopólio da União.

31

saúde pelo Estado, controle do meio ambiente, subsídio à educação básica, serviço

de emissão de passaportes.

c) setor de serviços não exclusivos: serviços sociais do Estado (saúde, assistência

social, educação, cultura, desporto, ciência, tecnologia, comunicação social, meio-

ambiente, proteção à família, à criança, ao adolescente, ao idoso e aos índios) em

que ele atua juntamente com a iniciativa privada. O Terceiro Setor da economia, na

forma como se organiza hoje, não apenas foi o propulsor de novas idéias para o

setor de serviços não exclusivos, como se beneficia das diretrizes que surgem para

os serviços sociais.

d) setor de produção de bens e serviços para o mercado: área em que o Estado

exerce atividades econômicas com fins lucrativos. Aqui a previsão é a continuidade

do programa de privatização iniciado no governo Fernando Henrique Cardoso, com

a alienação de empresas pertencentes para o capital privado e a subseqüente

criação de órgãos reguladores da exploração de recursos constitucionalmente

protegidos, como os naturais, as telecomunicações, etc.

As mudanças começam a ser vistas na legislação: a Emenda Constitucional n.º19 de

1998, as Leis n.º 8.987/1995 e 9.074/1995, e, ainda, a Lei n.º 9.637/1998, entre

outras. Reproduz-se, aqui, o parágrafo 8º do artigo 37 da Constituição da República,

introduzido pela Emenda Constitucional n.º 19, que prevê a formação de parcerias

dentro da própria Administração Pública, através da fixação de contratos que a

doutrina convencionou chamar “contratos de gestão”:

§ 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: I - o prazo de duração do contrato; II - os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes; III - a remuneração do pessoal.

32

2.3 O Ato Administrativo

Hoje, no Brasil, na transição do Estado Social para um novo modelo, em que não

mais a Administração Pública mantém o indivíduo extremamente dependente de

suas ações provedoras, a colaboração entre sociedade civil e Estado tem-se tornado

cada vez mais elemento-chave no paradigma que vem nascendo. Diminui-se o lugar

para o ato administrativo isolado, revelando-se como instrumento da Administração

um complexo de procedimentos, de natureza sui generis, que têm conseqüências

não apenas para o indivíduo sujeito do caso concreto, mas para toda a coletividade.

Para Marcello Caetano, ao praticar um ato administrativo, a Administração Pública

objetiva realizar interesses que a lei coloca como de sua responsabilidade. Assim,

conceitua ato administrativo como “conduta voluntária da Administração que, no

exercício de um poder público e para prossecução de interesses postos por lei a seu

cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto”.22

Aqui não se estenderá mais na análise do ato administrativo. Quer-se apenas utilizar

as teorias dos atos administrativos para se concluir que, no Brasil, a decisão sobre

quem vai ser financiado, como, e em que quantidade não é apenas um ato

administrativo isolado, mas o resultado um procedimento complexo, que

normalmente é muito mais que um ato, podendo chegar ou não a formalizar um

contrato. A decisão visa ao alcance de interesses postos por lei, mas o processo de

sua tomada extrapola o ato administrativo singular, uma vez que não decorre

apenas de um comando legal, mas de uma política de fomento à iniciativa privada

com fins públicos.

Por isso a decisão não se pode subtrair à legalidade, mas também não está restrita

a critérios sempre objetivos. Tal decisão, assim como o estabelecimento ou não dos

contratos, termos de parceria etc. são, em sua existência, impassíveis de controle

22 CAETANO, Marcello. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo. Coimbra: Livraria Almedina, 1972. p. 99.

33

pelos Tribunais em relação à obrigatoriedade. Mas, como qualquer ação do Poder

Púbico, podem ser apreciados no que diz respeito à sua legalidade formal e material.

Já se disse que fomento é uma atividade administrativa, cujo objetivo não é alcançar

diretamente os fins da Administração Pública, mas proporcionar condições para que

particulares possam atingir esses fins. Assim, pode funcionar de maneira positiva,

incentivando o exercício de ações de cunho social, ou negativa, desestimulando,

através, por exemplo, de taxações exageradas, atividades que a seu ver sejam

prejudiciais ao bem-estar comum. Implica, no seu sentido positivo, a transferência de

recursos públicos a um ou mais entes privados.

A atividade de fomento deve seguir todos os princípios das demais atividades

administrativas: supremacia do interesse público sobre o privado, legalidade,

finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, motivação, publicidade, moralidade,

impessoalidade, eficiência e igualdade.

2.3.1 O Financiamento do Terceiro Setor

O Estado, através da sua máquina burocrática, em sua essência, deve promover o

bem-estar social. Não sendo o Estado capaz de realizar todas as tarefas para atingir

seu fim, e, necessitando a iniciativa privada de campos de trabalho, o primeiro

estimula essa iniciativa para que a segunda possa realizar tarefas de interesse

público.

O princípio da subsidiariedade justifica-se porquanto o Estado, ao delegar tarefas

“menores” ao particular, não o faz escusando-se do cumprimento das mesmas,

como num Estado Liberal clássico, mas, sim, através de parcerias, que podem ser

de várias maneiras implementadas, dependo da legislação do país.

Tal princípio é uma espécie de orientador das relações entre a Administração

Pública e os cidadãos representados por si, suas famílias, sindicatos, ou outros

34

entes, que implica a limitação da intervenção estatal sem que esta seja omissa,

equilibrando o público e o privado.

Alarga-se a visão de Estado e espera-se da Administração Pública uma atuação no

resguardo da autonomia, da liberdade e da dignidade humanas. Isso significa que

cabe ao Estado propiciar aos indivíduos a possibilidade de estes criarem

organizações capazes de promover a ação social. A subsidiariedade implica,

também, a limitação da intervenção estatal sem que esta seja omissa.

Assim, o Terceiro Setor vem colaborar tanto com o Estado, naquilo em que este se

mostra incapaz de fazer, quanto com a sociedade, naquilo em que ela se mostra

incapaz de obter sem um esforço coletivo, de maneira que os cidadãos tomem para

si tarefas que, no Estado do Bem-Estar Social delegaram à Administração Pública.23

Por isso a insistência no ânimo que impulsiona o Terceiro Setor, pois todo o

processo acima pressupõe a ativação do papel do cidadão, levando-o a se agrupar

para conquistar seus interesses. Surge aí então a solidariedade, significando esta a

comunhão de atitudes e sentimentos que cria um novo laço social, baseado não na

semelhança entre os indivíduos, mas em uma sensibilidade a uma determinada

situação social.24

2.3.2 O Fomento

As organizações do Terceiro Setor, quando financiadas, no todo ou em parte, por

dinheiro público, trabalham com o Estado em regime de cooperação. Para auxiliar

esse funcionamento – retirando um formalismo, que, em exagero, poderia inviabilizar

atividades e fazê-lo perder sua razão de ser –, novos instrumentos jurídicos foram

surgindo em detrimento dos processos licitatórios ordinários.

23 Não se pretende dizer que apenas o Terceiro Setor é subsidiário ao Estado, no sentido do princípio que ora se explana. Apenas ocorre que o assunto do presente estudo, sendo o Terceiro Setor, acaba por entrelaçar-se com os outros e tornar-se mote principal, de modo que sempre será o exemplo, pois é a ele que se quer remeter. 24 DURKHEIM, Émile. Da Divisão do Trabalho Social. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

35

A organização da sociedade em grupos com o objetivo de cumprir um novo papel

social retira uma carga que antes pendia exclusivamente sobre o Estado,

deslocando-o de Estado provedor para Estado gerencial, e surge um novo termo a

ser aplicado ao modelo nascido de Estado: fomento, na acepção de estímulo ao

desenvolvimento de algo que vai ao encontro do interesse público.

Não se pode esquecer que o fomento originariamente é destituído de coerção25

jurídica, não há obrigatoriedade ao Estado, nem ao administrado. Por isso tanto se

fala em um novo modelo de Administração, qual seja, a Administração consensual,

pois, retirado o caráter compulsório, o fomento estatal e a ação privada voluntária

deslocam-se para o campo da vontade.26

Uma vez que o fomento tem origem no Estado, constata-se, sem dúvida, que a

Administração só pode exercer tal atividade quando o particular age em sentido

público, posto que precisa haver uma justificação para a migração de recursos. A

legalidade já é um problema que deve ser investigado à parte, uma vez que o

fomento precisa derivar sempre de lei, porquanto os recursos para o financiamento

são públicos. Há várias controvérsias acerca dos diplomas legais que positivam o

fomento no Brasil, entretanto não serão aprofundadas neste estudo uma vez que

fogem do tema em análise e merecem ser pesquisadas em outro trabalho.

Afirma Sílvio Luís Ferreira da Rocha que “a determinação concreta das atividades

particulares que devem ser fomentadas é uma questão política de conveniência e

oportunidade, que escapa ao campo estritamente jurídico”.27 Não é dado ao Estado

decidir sobre o voluntariado. É o cidadão quem escolhe a hora, a maneira e a seara

pública em que vai atuar.

25 Diz-se originariamente porque há leis no Brasil que praticamente “obrigam” o Estado a exercer parcerias ou a fazer investimentos, preenchidos certos requisitos. Doutrinariamente, os juristas afastam a denominação ‘fomento’ quando há coerção jurídica. Mas o caráter coercitivo moral é sempre lembrado, pois há uma certa compulsoriedade na participação. 26 Reitera-se que o fomento é destituído de coerção jurídica, mas não se nega o caráter coercitivo moral, uma vez que a atividade voluntária é sempre estimulada por uma propaganda “de ordem” travestida em convite. Não se está emitindo um juízo de valor acerca dessa quase compulsoriedade, apenas constatando-a. 27 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 21.

36

Se não há coerção jurídica, o fomento não é obrigatório, ou seja, decorre de uma

norma positiva, mas necessita de juízos de valor específicos aliados a uma

apreciação política da situação do fomentado. O Estado precisa fomentar, mas cabe

ao administrador decidir quem, como, e o quantum a ser atribuído. Assim, acredita-

se que o fomento é mais do que um simples ato do administrador, mas o resultado

de um procedimento complexo, que se equilibra entre os limites da vinculação e da

discricionariedade, pois é preciso acrescentar uma avaliação política da situação do

fomentado e do seu papel na sociedade. Assim, quando a lei determina ao

administrador que avalie a situação do fomentado, tal ato é vinculado. Por outro

lado, a ação de fomentar ou não e as características do fomento constituem ato

discricionário. Esta atividade de promoção do Estado às entidades do Terceiro Setor

se coloca como importante ferramenta na realização dos direitos sociais que o

Estado, por si só, não consegue realizar de forma eficiente.

Entre as diversas espécies de fomento encontram-se:

a) as Subvenções - que têm caráter social ou econômico - importam na atribuição de

uma soma em dinheiro à entidade fomentada, soma que pode ser entregue por

unidade de serviço prestado ou pela totalidade dos mesmos;28

b) os Auxílios e Contribuições, que se destinam a entidades de direito público ou

privado, sem finalidade lucrativa (art. 63 do Decreto n.° 93.872/86).29 Constituem

formas de cooperação e têm como pressuposto a comunhão de interesses;

28 Previstas pela Lei n.° 4.320/1964 e reguladas pelo Decreto n.º 93.872/1986. A subvenção social deve visar à prestação dos serviços essenciais de assistência social, médica e educacional. Será concedida sempre que a suplementação de recursos de origem privada aplicados a esses objetivos revelar-se mais econômica. Observe-se que o termo “mais econômica” refere-se ao Estado e não ao particular, significando isto que o administrador deve pesar se será mais econômico ao Estado fomentar a atividade do particular ou ele mesmo prestá-la. Já a subvenção econômica não é objeto deste estudo, posto que será concedida a empresas que podem auferir lucro, mediante expressa autorização em lei especial (Lei n.º 4.320/64, art. 12, § 3º, II e art. 19). 29 O auxílio deriva diretamente da Lei de Orçamento (Lei n.º4.320/64, § 6º do art. 12), e a contribuição será concedida em virtude de lei especial, destinando-se a atender ao ônus ou encargo assumido pela União (Lei n.º 4.320/64, § 6º do art. 12). A contraprestação direta de serviços ou bens não é exigida, como na subvenção. A tendência das Leis de Diretrizes Orçamentárias tem sido diminuir a figura dos auxílios porque não dependem de contraprestação e nem há restrição ao seu valor.

37

c) os Convênios, Acordos ou Ajustes, que, usados como sinônimos pelo Decreto n.°

93.872/86, prestam-se à execução, pelo particular, de serviços ou produção de

bens, desde que a finalidade seja pública;30

d) os Contratos, aqueles celebrados entre a Administração Pública e o particular no

Brasil no que concerne ao Terceiro Setor, contratos esses que são cada vez menos

numerosos;31

e) os Contratos de Gestão, espécie de financiamento que nasceu contaminado dos

mais diversos tipos de polêmica;32

f) os Termos de Parceria,33 espécie surgida com a Lei n.° 9.790/1999 e que se

presta ao relacionamento entre o Poder Público e as entidades que se tornarem, nos

termos do diploma supracitado, aptas a receber a denominação de Organizações da

Sociedade Civil de Interesse Público – as OSCIPs; e

30 Se os interesses forem opostos, haverá contrato, conforme reza o parágrafo único do artigo 48 do supramencionado decreto. Seu objetivo legal é a “descentralização das atividades da administração federal, através da qual se delegará a execução de programas federais de caráter nitidamente local, no todo ou em parte, aos órgãos estaduais ou municipais incumbidos de serviços correspondentes, e quando estejam devidamente aparelhados”. Existe uma divergência doutrinária acerca da possibilidade de se poder utilizar os recursos do convênio para pagamento da força de trabalho ou apenas para compra de recursos, porém, não se preocupará com tal questão, uma vez que se afastaria por demais do tema pesquisado. 31 É que as outras modalidades de financiamento são mais próprias à atividade voluntária, porquanto existe a comunhão de interesses entre o particular e o Estado. Mas, seja qual for a espécie contratual, todas elas precisam seguir regras que fogem à contratualística própria do direito civil, e, deixadas de lado algumas exceções trazidas pela Lei n.º 8.666/93: requerem a forma escrita, a competência para celebrá-las é dada por lei, a finalidade tem de ser pública, há uma preponderância do administrador sobre o particular, no sentido de que ilicitudes próprias do direito privado podem ser consideradas legítimas no direito público. 32 A tipicidade dos contratos de gestão tem sido debatida. Embora embriões do contrato já tenham sido trazidos em vários outros diplomas legais, somente na Lei nº. 9.637/1998 o legislador preocupou-se em trazer um conceito. Estipulou, no artigo 5º, que o contrato de gestão, apenas para os efeitos dessa lei, seria “o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às relacionadas no art. 1º”. 33 No seu conteúdo, o termo de parceria afigura-se bem parecido com o contrato de gestão. É uma espécie que dispensa a abertura de processo licitatório. Ambos têm que conter objetivos e metas, com os respectivos prazos para cumprimento. Os critérios para avaliação do devido cumprimento do termo precisam constar expressamente do pacto/termo. A diferença está no fato de que, ao contrário do contrato de gestão, o termo de parceria precisa conter normas especificando o programa de trabalho, e, ainda, regras expressas de contabilidade, previsão de receitas e despesas, de elaboração de relatório contábil a ser apresentado ao Ministério Público, bem como previsão de publicação do relatório.

38

g) as Parcerias Público-Privadas, espécie de acordo firmado entre a Administração

Pública e entes privados para estabelecer vínculo jurídico a fim de implantar ou gerir

serviços, empreendimentos e atividades de interesse público, em que o

financiamento e a responsabilidade pelo investimento são divididos entre os

signatários, ou recaem apenas sobre o ente privado. Tem sido objeto de estudo em

todo o mundo ocidental. Sua utilização é ampla e serve mais para a realização de

obras de infra-estrutura de um país, como usinas hidrelétricas, estradas, entre

outras.34

2.3.3 Interesse Público

Na transição do Estado Liberal ao Social, percebe-se a idéia, embrionária, de que o

interesse público é aquele contrário ao privado, ou seja, o público é oposto ao

individual. Mas, se por um lado, é verdade que interesse público significa o interesse

da coletividade, não se pode dizer que coletividade seja algo que exista por si só. É

uma entidade formada por pessoas que querem, pensam, vivem. E esse corpo de

indivíduos dá origem a um interesse público que se forma de acordo com a função

que dele se quer extrair. Obviamente que, em grandes agrupamentos de seres

humanos, é difícil a coincidência de um determinado interesse público com os

desejos de todos os indivíduos que formam o aglomerado. Mas também não é

possível a existência de um interesse público contrário aos desejos desses

indivíduos.; donde se depreende que o interesse público não pode ser oposto aos

individuais.

34 O nome e a conceituação não se aplicam às relações entre o Terceiro Setor e o Estado. Ocorre que os entes privados que acordam a empreitada com o Estado não têm o animus do voluntariado. Ao contrário, a palavra de ordem na Parceria Público-Privada (PPP) é o lucro. A possibilidade de geração de excedentes é o grande propulsor das PPPs. Veja-se o caso das empresas que contratam com a Administração Pública a feitura de rodovias. O investimento tem retorno rápido com a cobrança dos chamados pedágios, taxas para que os veículos transitem no trecho “privatizado”. As Parcerias Público-Privadas são um meio para que o Estado delegue ao particular tarefas que constitucional ou costumeiramente a ele caberiam, como as estradas nacionais, as usinas de energia para o fornecimento de luz à população, o serviço de água e esgotos, processos que, no Brasil, convencionou-se chamar “privatização”. Item último, mas não menos importante, que pertine à diferenciação que se quer fazer é que, enquanto o fomento é o financiamento público daquelas atividades privadas com fins públicos, a Parceria Público-Privada é o financiamento privado de atividades públicas de infra-estrutura de um país.

39

A sociedade é contínua no tempo e no espaço e tem sua expressão jurídica no

Estado. Os interesses dos seus membros não é algo que se forma instantaneamente

e logo se dilui. Precisa de uma evolução para transpor a dimensão de interesse

público para aquele a ser protegido legitimamente pelo Poder do Estado, que

também precisa ser legitimado para que se torne propenso a contemplar esses

interesses públicos.

Logo se pode dizer que o interesse público é aquele manifestado pelos indivíduos

enquanto pertencentes a um organismo social e que neste status é expresso. Em

decorrência, pela necessidade de continuidade desse organismo, o interesse público

tem que contemplar os indivíduos que compõem a sociedade no presente e no

futuro.

Vê-se que a própria noção de legalidade alarga-se quando é tomada como

defensora do interesse público, pois sempre que se destoa do que é de interesse

público se interrompe. Isso significa que a legalidade pode ser macular não apenas

na sua forma, mas na substância - quando um ato formalmente legal contrariar o

interesse público. O fundamento lógico de existência daquela é justamente a defesa

dos interesses subjetivos de cada membro da sociedade e ao mesmo tempo de todo

o corpo social - protegendo-o e dando a ele garantias individuais, sociais e coletivas,

e segurança jurídica. A positivação que posteriormente nasce para regulamentar

essa legalidade jamais pode se desviar dessa linha de conduta mestra, que é em si

a causa de existir do próprio princípio da legalidade.

Conclui-se que os antigos significados de interesse público, que o tinham como algo

imanente do Estado, ou mesmo um interesse do Estado, não mais cabem na nova

ordem mundial, que, entende-se, vê o interesse público como a dimensão pública

dos interesses individuais, desde que emanado de indivíduos organicamente

agrupados no tempo e no espaço. Assim, nem sempre haverá similaridade entre

interesse de Estado e interesse público.

Essas são as considerações a serem feitas sobre o interesse público no seu

significado lógico. Outro é o interesse público após o processo de individuação,

40

expressado de forma positiva no ordenamento normativo, de acordo com a

Constituição.

2.3.3.1 A supremacia do interesse público sobre o privado

É princípio fundamental do Direito Administrativo moderno a preponderância do

interesse público sobre o privado para que o particular possa ter a segurança de

sobreviver num ordenamento que o protege de outros particulares que porventura

queiram sobre ele se sobrepor.

Para que isso aconteça, os órgãos estatais responsáveis pelo cumprimento fático do

princípio precisam ter uma posição superior quando se relacionam com os

particulares.35

Obviamente que a superioridade da Administração Pública em relação ao particular

somente se justifica quando suas ações são orientadas para a obtenção do bem-

comum. Assim, é necessário sempre atentar para o caráter instrumental do ato

administrativo, que se reveste de uma função permanentemente voltada à satisfação

do interesse público, não se podendo desvincular dela em nenhuma hipótese. As

relações jurídicas da Administração Pública se fazem de acordo com as finalidades a

que se propõem.

Nem sempre o Estado exerce suas atividades sob o regime público. Quando age

sob o regime de direito privado, não se reveste dessa posição privilegiada de que se

falou acima, mas sobrevivem para a Administração todos os princípios a ela afetos,

inclusive o da supremacia do interesse público, que deve sempre ser seguido.

35 Expressão disso é a Lei de Execuções Fiscais, que estipula procedimentos que trazem privilégios para o Fisco em detrimento do particular-executado, uma vez que a Fazenda Pública representa o interesse público de se recolher corretamente os tributos. A Lei, entre outras disposições, estabelece presunções materiais e processuais em favor do Fisco e limita a instrução probatória para o contribuinte.

41

Sendo uma das funções do Estado zelar permanentemente e sem exceções pelo

interesse público, consequentemente não pode dispor, renunciar ou alienar esse

interesse, de acordo com uma vontade livre. Não há autonomia da vontade por parte

do Administrador, como existe em relação ao contratante no regime privado,

porquanto o Administrador está restrito a uma ordem jurídica que baliza todos os

seus atos, já que não é o titular dos interesses de que cuida.

O titular dos interesses públicos é o Estado; à Administração cabe apenas o

gerenciamento burocrático dos mesmos, segundo a lei. Retorna-se então ao

princípio da legalidade, que é ao mesmo tempo a base e o entorno de toda a

atividade estatal.

Quando o Estado desenvolve suas funções, o faz na busca de atender aos

interesses da coletividade e legitimado pelo povo, conforme previsão expressa no

parágrafo único do artigo 1º da Constituição de 1988 - pois “todo poder emana do

povo”.

Sendo o Brasil uma república, em que o titular da coisa pública é o povo, toda

função administrativa deve visar à preservação de seus interesses, seja pela própria

Administração ou por quem lhe faça as vezes.

2.4 A Prestação dos Serviços Públicos

Conforme nos ensina Celso Bandeira de Mello, em uma noção mais restrita de

serviço público nos substratos material e formal,

Serviço público é toda a atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestados pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público - portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais - instituído pelo Estado em favor de interesses que houver definido como próprios no sistema normativo.36

36 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 12a ed. São Paulo: Malheiros, 1999 p 399

42

Ainda que o conceito de serviço público seja dividido entre um elemento objetivo -

interesse público; um elemento subjetivo - atividade prestada pelo Poder Público

diretamente ou por quem lhe faça as vezes; e um elemento formal - atividade

desenvolvida sob regime de direito público; outras formas de prestação de serviços

públicos vêm sendo desenvolvidas pela sociedade.

Tendo em vista, através do Decreto-Lei 200/1967, que o Poder Público pode

transferir a titularidade da prestação dos serviços públicos não exclusivos para

autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista; a

atuação da Administração Pública começa a ser descentralizada para que haja

maior dinamismo operacional.

Essa descentralização pode ocorrer por outorga - também chamada de

descentralização por serviço -, que ocorre quando o Estado transfere a titularidade e

a execução de serviços públicos para pessoas jurídicas com personalidade própria

criadas ou autorizadas por lei pelo próprio Estado, o que não se confunde com a

Administração Pública Direta37 - ou por colaboração -, também chamada de

descentralização por delegação,38 que ocorre quando se transfere apenas a

execução do serviço público para particulares, entendidos como pessoas jurídicas

de direito privado.

Seja pela ineficiência do Estado na satisfação dos interesses da coletividade, seja

como forma de fazer valer os direitos de cidadania preconizados na Constituição

Federal de 1988, novas formas de prestação de serviços públicos concretizam o

papel da sociedade na efetivação dos direitos sociais como forma de exercer

cidadania e, ao mesmo tempo, os tornam mais eficientes e de maior qualidade.

37 Sob o aspecto operacional, administração pública é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico dos serviços próprios do Estado, em benefício da coletividade. A administração pública pode ser direta, quando composta pelas suas entidades estatais (União, Estados, Municípios e DF), que não possuem personalidade jurídica própria; ou indireta, quando composta por entidades autárquicas, fundacionais e paraestatais. 38 Não há transferência da titularidade do serviço público, pois é intransferível. Na descentralização por colaboração há transferência da execução do serviço da Administração Pública para privada, mediante concessões ou permissões. O serviço público é prestado por pessoas jurídicas que não pertencem à Administração Pública Indireta, e, por isso, a titularidade do serviço permanece com a Administração Pública.

43

Como tema relativamente novo, o Terceiro Setor surge como importante ator na

redefinição do papel do Estado. É o que será apresentado a seguir.

2.4.1 Formas Típicas de Delegação: Concessão e Permissão

De acordo com o artigo 175 da Constituição Federal, “incumbe ao poder público, na

forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre

através de licitação, a prestação de serviços públicos”.

As figuras da concessão e da permissão de serviços público são consideradas

tradicionalmente pela doutrina como categorias jurídicas diferenciadas. Contudo

receberam tratamento análogo pelo constituinte de 1988. Para melhor distinguir

concessão e permissão, são apresentadas as definições de Celso Antônio Bandeira

de Mello, que afirma que concessão é instituto através do qual o Estado atribui o

exercício de um serviço público a alguém que aceite prestá-lo em nome próprio, por

sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder

Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro,

remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral mediante tarifas

cobradas diretamente dos usuários do serviço; configurando-se a permissão como

ato unilateral e precário, através do qual o Poder Público transfere a alguém o

desempenho de um serviço de sua alçada, proporcionando, à moda do que faz na

concessão, a possibilidade de cobrança de tarifas dos usuário.39

39 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Serviço Público e Poder de Polícia: Concessão e Delegação. Revista Virtual Diálogo Jurídico, volume 5. Disponível em: <<http://www.direitopublico.com.br/pdf_5/DIALOGO-JURIDICO-05-AGOSTO-2001-CELSO-ANTONIO.pdf>. Acesso em: 27 mar. 2007.

44

2.4.2 Os Serviços Sociais

Serviços sociais e serviços públicos se assemelham na medida em que possuem o

mesmo fundamento: gerar utilidades públicas e atender às necessidades coletivas;

porém os serviços sociais, ao contrário dos públicos, estão à livre disposição dos

particulares, não sendo deferida a delegação estatal para seu exercício, por força de

sistema normativo.

A valoração de um serviço em uma ou outra categoria advém da Constituição

Federal e das leis que indicam as atividades prestadas pelo Estado em caráter não

exclusivo, ou seja, prestado livremente pelos particulares.

Os elementos constitutivos dos serviços sociais - também chamados serviços

públicos impróprios, são a prestação dos serviços feita pela esfera particular e a

independência em relação à delegação estatal.

Ressalta-se que autorização a que se submete a iniciativa privada não se confunde

com o instituto da delegação. Este ocorrerá em hipóteses especiais, definidas em lei,

em que o interesse público devidamente delineado no sistema constitucional o

determine.

Se a atividade é livre ao exercício do particular, como os serviços de atendimento à

criança, ao adolescente, os relativos à erradicação de miséria e da desigualdade

social, entre outros de relevância equivalente; não há que se falar em delegação

estatal mediante concessão ou permissão.

Cumpre ressaltar que o artigo 5º, inciso XVII, da Constituição Federal, concede ao

indivíduo a liberdade de associação, bem como o livre desempenho de atividade que

não seja da alçada exclusiva do Poder Público. No que se refere aos serviços

sociais (ou serviços públicos impróprios), o Estado obriga-se a controlar, a fiscalizar

e, até mesmo, a promover o desempenho de atividade de relevância pública pelos

particulares, jamais delegar seu exercício.

45

Nessa seara reside a atuação do Terceiro Setor, que presta serviços sociais por

iniciativa própria e sem finalidade lucrativa, complementando a atividade estatal.

Cumpre agora definir o que vem a ser esse setor da economia, que assume a co-

responsabilidade com o Estado na garantia dos direitos sociais. É o que será

apresentado.

46

3 O TERCEIRO SETOR

Durante a Guerra Fria, no mundo capitalista, preponderou a bipartição

mercado/governo. Ao governo é dado o nome de Primeiro Setor da Economia. Ao

mercado - entendido aqui como o conjunto das atividades privadas que visam ao

lucro, baseado na lei da oferta e da procura - é dado o nome de Segundo Setor da

Economia.

Finda a Guerra Fria, mercado e estado dão sinais de que continuarão tão presentes

como estavam, apesar de não terem todas as soluções para os problemas da

sociedade, que aumentam após este período. Pelo contrário, mostram-se capazes

de criar as situações de transtorno e inaptos a resolvê-las.

A hierarquia Estado > Mercado > Grupos e indivíduos revela-se inoperante em

relação a aspectos da vida caríssimos aos cidadãos: ecologia, economia, cultura,

lazer, educação, assistência social, entre outros.

Começa a surgir, então, um novo tipo associativo alimentado por um desejo de

estabilizar as relações da pirâmide – que tem o Primeiro Setor no topo, o último na

base; o Primeiro regulando as relações entre o Segundo e a base -, fazendo nascer

uma terceira possibilidade das relações público-privadas, conforme demonstra muito

bem Rubem César Fernandes,1 ao classificar as relações dos agentes privados para

fins privados como mercado; as relações dos agentes públicos para fins públicos

com o Estado; e as relações dos agentes privados para fins públicos com o Terceiro

Setor.2

O Terceiro Setor passa a existir a partir da vontade do particular de gerar bens e

serviços sem visar ao lucro e com o objetivo de responder a desejos coletivos de

bem-estar social. Há no Terceiro Setor uma expansão da idéia de esfera pública,

espaço onde interagem público e privado.

1 FERNANDES, Rubem César. Privado, porém Público: O Terceiro Setor na América Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. 2 Vale ressaltar que agentes públicos prestando serviços para fins privados constitui corrupção.

47

Ao aplicar a nova idéia de esfera pública à realidade histórica brasileira, percebe-se

que são incorporados conceitos que também sofrem mudanças nos últimos quarenta

anos: cidadania, voluntariado, participação.

Hoje cidadão significa muito mais do que quem vota e debate; é aquele sujeito ativo

de direitos e deveres, que participa da vida pública não somente, mas também no

intuito de suprir lacunas da atividade estatal, ou mesmo realizar algo que ajude na

consecução das necessidades coletivas.

Junto às ações voluntárias, ainda que fruto de um certo poder coercitivo moral,

vieram os termos aplicados ao Terceiro Setor: não lucrativo e não governamental.

De início, parece estranho que o Terceiro Setor seja decorrência de falhas no

funcionamento do Primeiro e do Segundo Setores e que se tenha definido

justamente pela negação da natureza dos mesmos, mas este setor capta e produz

recursos, sem o objetivo da geração de lucros e realiza atividades públicas,

inobstante ter origem no governo de um Estado.

As organizações do Terceiro Setor realizam atividades de caráter público - sem

possuir o que o Primeiro Setor tem como seu maior instrumento de coerção jurídica

e moral para captar colaboradores: o uso legítimo da força - e caras ao Segundo

Setor - no sentido de que pode não haver demanda para tais, ou, havendo a

demanda, o mercado-alvo da mesma não possuir poder aquisitivo para adquirir os

serviços e/ou produtos oferecidos. Em outras palavras: os indivíduos não querem ou

não podem pagar, e o Estado não quer ou não pode fazer.

A atividade voluntária do Terceiro Setor demanda recursos e gera outros. Produz,

ainda, uma disputa pelos mesmos. Tais recursos podem ser captados junto ao

Estado e ao mercado. A primeira fonte material a que as organizações não

governamentais de caráter não lucrativo recorreram foram as doações, que, ainda

hoje, são o grande manancial recursal proveniente da iniciativa privada. Houve toda

uma evolução no processo de convencimento das pessoas a despojarem-se de seus

bens materiais em prol do outro, normalmente uma comunidade desconhecida, ou

visando a um futuro em que não se viverá. Palavras foram sendo incorporadas a

48

uma nova publicidade, o marketing do voluntariado: movimentos sociais, sociedade

civil, trabalho comunitário, ação social.

Não há coerção jurídica à participação no Terceiro Setor mas é inegável exista toda

uma coerção moral que, sociologicamente, não pode ser descartada, posto que as

atividades humanas que impulsionam o Terceiro Setor estão impregnadas de um

estado de alma coletiva formado basicamente por essa estratégia sistemática em

torno de expressões que denotam quase uma ordem.

O Terceiro Setor, apesar de atividade não lucrativa, capta e gera recursos, o que faz

com que ele forme um mercado de trabalho bem específico. E, como todo fato social

influencia o Direito e é por ele influenciado, provoca o nascimento de novas

legislações, de outras dinâmicas jurídicas, modifica posições hermenêuticas, faz

surgir novas formas de relacionamento público/privado. No que tange ao contato

com os outros setores, traz condicionamentos orçamentários ao Governo, às

empresas, às pessoas físicas ou naturais.

Como condicionante e condicionado, o Terceiro Setor também logo é absorvido pelo

Estado e pelo Mercado, uma vez que o primeiro passa a produzir leis para

regulamentá-lo e o segundo logo procura uma maneira de “lucrar” com ele.

Antes de conceituar o Terceiro Setor, algumas considerações devem ser feitas para

que seja compreendido com clareza o que não faz parte deste setor.

a) Excluem-se os partidos políticos porque representam uma plataforma para o

ingresso do ator privado no Estado;

b) Excluem-se todas as iniciativas não institucionalizadas (oficial ou

costumeiramente) ou de caráter efêmero.3 A estrutura necessita ser organizada; e a

existência, contínua;

3 Tal como a união de pessoas para dar ceia de Natal aos mendigos apenas no ano de 2007 e apenas na região central de Belo Horizonte. As entidades cuja existência não é oficial precisam ter objeto lícito e respaldo em anseios legítimos de seus constituidores e/ou representantes para incluírem-se. Um exemplo seria uma escola de digitação gratuita, para jovens carentes, funcionando há dois anos de maneira regular sem reconhecimento do Estado.

49

c) Excluem-se os grupos religiosos que fazem “caridade mútua”,4 mas incluem-se as

associações de cunho religioso que transgridem a mera relação caridade-prêmio, ou

seja, incluem-se as estruturas organizadas para atividades no espaço público sem

fins lucrativos, como as Comunidades Eclesiais de Base;

d) Excluem-se sindicatos, associações de trabalhadores ou patronais quando suas

atividades forem mútuas ou apenas se dirigirem à obtenção de vantagens para os

sindicalizados/associados;

e) Finalmente, também não fazem parte do Terceiro Setor os grêmios, as

associações recreativas, clubes, que tenham um determinado número de associados

e dependentes que pagam e auferem para si, e somente para si, uma

contraprestação.

Nem a lista das inclusões nem a das exclusões têm caráter exaustivo. São apenas

um perímetro delimitador para o presente trabalho, posto que seria necessário

observar, caso a caso, a organização em concreto para classificá-la.

3.1 Conceito de Terceiro Setor

Assim, na iminência de estabelecer um conceito para o Terceiro Setor, é preciso que

alguns detalhes sejam esclarecidos.

Na América Latina não se pode esperar o mesmo apego às formalidades que se

observa na Europa e nos Estados Unidos. Ocorre que a chamada “economia

informal” - invisível ao Estado - é presença muito forte na parte sul e central das

Américas, Brasil incluído. Aquilo que funciona despido das vestes oficiais, embora

revestido de publicidade e organização como se oficial fosse, de caráter perene sob

o ponto de vista da não-espontaneidade, ou seja, de um fato social que se realiza

4 Doações dos fiéis para a Igreja utilizar na celebração de cultos.

50

através de um determinado período de tempo; precisa ser conhecido para os termos

da presente investigação.

Importa, aqui, a informalidade não ilícita. Salientando a condição sine qua non da

informalidade não ilícita, também é imprescindível que, para ser considerada, ela

opere de maneira efetiva, tenha possibilidades de captar recursos e realizar tarefas

durante um determinado período de tempo que contemple a produção de resultados.

Logo, a organização de moradores de um bairro que realizem trabalho de

alfabetização eficaz de seus empregados domésticos e respectivas famílias, sem

nenhum registro exigido pelas leis do país para tal, não se configurará como as

excludentes da lista anterior, podendo ser considerada Terceiro Setor.

Finalmente começa a aparecer um conceito de Terceiro Setor; apenas como

elemento referencial : é o coletivo de entidades, locais, nacionais, continentais e/ou

globais, de caráter não lucrativo, não governamental e não efêmero, que realiza

ações em direção à cidadania e à consecução de fins públicos.5

3.2 Histórico

Nos Estados Unidos, costuma ser usada, paralelamente ao termo Terceiro Setor, a

expressão Organizações Sem Fins Lucrativos (Non Profit Organizations) – que

representam instituições cujos benefícios financeiros não podem ser distribuídos

entre seus diretores e associados e à expressão Organizações Voluntárias, que têm

um sentido complementar ao da primeira. Se o lucro não lhes é permitido e se, como

também se supõe, não resultam de uma ação governamental, deriva-se que sua

criação seja fruto de um puro ato de vontade de seus fundadores. E mais, supõe-se

ainda que duram no tempo, em grande medida, graças a um conjunto complexo de

adesões e contribuições igualmente voluntárias.

5 Preferiu-se o vocábulo ‘entidades’ a ‘associações’ devido às fundações, que têm como ponto de partida uma reunião de patrimônio e não de pessoas, como as associações. Então se adotou ‘organizações’ em homenagens às fundações. Não se pode esquecer que as instituições, jurídicas ou não, são, em última análise, fruto da vontade humana. Daí pode-se inferir que muito mais própria a denominação portuguesa “pessoa colectiva” do que a brasileira “pessoa jurídica”.

51

A lei inglesa usa uma expressão mais antiga para designar o objeto. Fala de

caridades (charities), o que remete à memória religiosa medieval e enfatiza o

aspecto da doação - de si, para o outro -, que caracteriza boa parte das relações

idealizadas neste campo. A noção de filantropia, contraponto moderno e humanista

à caridade religiosa, também aparece com freqüência, sobretudo na literatura anglo-

saxã. Mecenato é outra palavra correlata, que faz lembrar a Renascença e o

prestígio derivado do apoio generoso às artes e ciências.

Da Europa Continental vem o predomínio da expressão Organizações Não

Governamentais (ONGs), cuja origem está na nomenclatura do sistema de

representações das Nações Unidas. Chama-se assim às organizações

internacionais, que, embora não representam governos, parecem significativas o

bastante para justificar uma presença formal na Organização das Nações Unidas

(ONU). O Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e a Organização Internacional do

Trabalho (OIT) são exemplos em pauta. Dando continuidade ao processo, com a

formulação de programas de cooperação internacional para o desenvolvimento

estimulados pela ONU, nos anos 60 e 70, crescem na Europa Ocidental ONGs

destinadas a promover projetos de desenvolvimento no Terceiro Mundo. Formulando

ou buscando projetos em âmbito não governamental, as ONGs européias procuram

parceiros mundo afora e acabam por fomentar o surgimento de novas organizações

nos continentes do Hemisfério Sul.

Assim, ainda que designe uma característica geral ao campo em questão, que é

justamente sua natureza não governamental, o termo "ONG" no Brasil está mais

associado a um tipo particular de organização, surgida aqui a partir dos anos 1970,

no âmbito do sistema internacional de cooperação para o desenvolvimento. Sua

origem no período autoritário e seu horizonte internacionalizado numa época de

aumento dos embates ideológicos globais resultam numa ênfase na dimensão

política das ações, aproximando-as do discurso e da agenda das esquerdas.

Na América Latina, Brasil inclusive, é mais abrangente falar-se de Sociedade Civil e

de suas Organizações. Este é um conceito do século XVIII que desempenha papel

importante na filosofia política moderna, sobretudo entre autores da Europa

52

continental. Designa um plano intermediário de relações, entre a natureza, pré-

social, e o Estado, em que há socialização completa pela obediência a leis

universalmente reconhecidas. No entendimento clássico, inclui a totalidade das

organizações particulares que interagem livremente na sociedade (entre as quais, as

empresas e seus negócios), limitadas e integradas, contudo, pelas leis nacionais.

Fala-se hoje das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) como um conjunto que,

por suas características, distingue-se não apenas do Estado mas também do

mercado. Recuperada no contexto das lutas pela democratização, a idéia de

Sociedade Civil serve para destacar um espaço próprio, não governamental, de

participação nas causas coletivas. Nela e por ela, indivíduos e instituições

particulares exercem a sua cidadania, de forma direta e autônoma.

Estar na Sociedade Civil implica um sentido de pertença cidadã, com seus direitos e

deveres, num plano simbólico que é logicamente anterior ao obtido pelo

pertencimento político, dado pela mediação dos órgãos de governo. Marcando um

espaço de integração cidadã, a Sociedade Civil distingue-se do Estado; mas,

caracterizando-se pela promoção de interesses coletivos, diferencia-se também da

lógica do mercado e forma, por assim dizer, um Terceiro Setor.

3.2.1 O Terceiro Setor no Brasil

Trata-se de um termo relativamente novo, mas seus fundamentos podem ser

buscados desde há muito tempo no Brasil. Passou a ser utilizado a partir do início

dos anos 1990 para designar as organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos,

criadas e mantidas com ênfase na participação voluntária, que atuam na área social

e visa à solução de problemas sociais.

No entanto a filantropia, que dá origem à atuação do Terceiro Setor, constitui

fenômeno muito mais antigo. Data do século XVI o início das ações filantrópicas no

Brasil, com o surgimento das Santas Casas de Misericórdia.

53

No período que vai do Império até a 1ª República, datada de 1543, surge a primeira

entidade do país criada para atender desamparados, a Irmandade da Misericórdia,

instalada na Capitania de São Vicente. O Brasil era constitucionalmente vinculado à

Igreja Católica, e a utilização dos recursos, principalmente o privado, passava por

seu crivo. Era a época das Ordens Terceiras, das Santas Casas, das

Benemerências atuando, principalmente, nas áreas de saúde e previdência. A rigor,

o que o Estado não provia os líderes das principais comunidades portuguesas e

espanholas de imigrantes proviam. Com esmolas se constituíam pequenos dotes

para órfãos e se compravam caixões para os pobres. Beneditinos, franciscanos e

carmelitas, assim como a Santa Casa, foram exemplos expressivos da ação social

das ordens religiosas predominantes. Vinculam-se às ações sociais desenvolvidas, à

época, expressões tais como mutualismo, benemerência e outras ainda hoje

utilizadas, tais como assistencialismo e caridade.

Durante mais de três séculos a filantropia no Brasil foi desenvolvida sob a lógica da

prática assistencialista, com predomínio da caridade cristã. Ricos filantropos

sustentavam os educandários, os hospitais, as santas casas, os asilos e demais

instituições correlatas.

Foi somente no final do século XIX e início do XX que as instituições de assistência

e amparo à população carente passaram por mudanças na sua forma de

organização e administração, deixando de ser fundamentalmente orientadas por

princípios de caridade cristã e da filantropia e obtendo o reconhecimento das

fundações como entes dotados de personalidade jurídica.

É nesse período que se intensifica a atuação do Estado na área social,

principalmente nas áreas urbanas, nas questões de saúde, de higiene e de

educação. A intervenção do Estado na gestão administrativa e no financiamento das

organizações assistenciais e filantrópicas também aumenta. Especialmente a partir

de 1910, as instituições assistenciais iniciam um período caracterizado por forte

dependência econômica do Estado, que passa a exigir a prestação de contas

submetendo as organizações a um controle sobre a administração e suas ações

prático-normativas.

54

No período da Revolução de 1930 até 1960, o país entrou em processo de

urbanização e de industrialização, que passaram a moldar a nova atuação da elite

econômica. O Estado tornou-se mais poderoso e o único portador do interesse

público. No Estado Novo, com o presidente Getúlio Vargas, editou-se, em 1935, a

primeira lei brasileira que regulamentava as regras para a declaração de Utilidade

Pública Federal:6 dispunha seu artigo 1º que as sociedades civis, as associações e

as fundações constituídas no país deveriam ter o fim exclusivo de servir

desinteressadamente à coletividade. Em 1938, formalizou-se entre o Estado e a

assistência social com a criação do Conselho Nacional do Serviço Social.

Paralelamente à atuação do Estado, surgiram ações filantrópicas empreendidas por

senhoras de famílias economicamente privilegiadas; e por grandes mecenas,

oriundos das principais cidades e líderes de indústrias, como os Matarazzo,

Chateaubriand, entre outros. Os termos filantropia e mecenato adquirem evidência

nesta fase.

Nessa época surgiram os sindicatos, as associações profissionais, as federações e

confederações, que vinculavam o setor privado às práticas de assistência e auxílio

mútuo para imigrantes, operários, empregados do comércio, de serviços e

funcionários públicos, a criação por Vargas da Legião Brasileira de Assistência; o

Projeto Rondon - que conscientizava o jovem universitário no engajamento ao

atendimento às comunidades carentes sediadas no interior do país.

A partir de 1960 até a década de 70, o fortalecimento da sociedade civil se deu,

paradoxalmente, no bojo da resistência à ditadura militar. No momento em que o

regime autoritário bloqueava a participação popular na esfera pública, micro-

iniciativas na base da sociedade foram criando novos espaços de liberdade e

reivindicação. Surgem, neste momento, os movimentos comunitários de apoio e

ajuda mútua, voltados à defesa de direitos e à luta pela democracia. Marca-se, neste

contexto, o encontro da solidariedade com a cidadania, representadas em ações de

Organizações Não Governamentais (ONGs) de caráter leigo, engajadas em uma

dupla proposta: combater a pobreza e o governo militar ditatorial.

6 Lei nº 91 de 1935 da declaração de utilidade pública para as associações, organizações e entidades sem fins lucrativos, a qual regulamenta a colaboração entre o Estado e as instituições filantrópicas.

55

A partir dos anos 1970 multiplicam-se as ONGs com o fortalecimento da sociedade

civil - embrião do Terceiro Setor - em oposição ao Estado autoritário. O Brasil dava

início à transição de uma ditadura militar para um regime democrático. Com uma

"distensão lenta, segura e gradual" - como os militares costumavam caracterizar

esse processo -, a sociedade brasileira começou a exercer seus direitos

constitucionais, suspensos até então. Com o avanço da redemocratização e as

eleições diretas para todos os níveis de governo, as organizações de cidadãos

assumem um relacionamento mais complexo com o Estado. Reivindicação e conflito

passam a coexistir com diálogo e colaboração.

Foram fundadas inúmeras organizações para defender direitos políticos, civis e

humanos, ameaçados pelos longos períodos de ditadura militar na América Latina, e

no Brasil. Tais organizações autodenominaram-se “não governamentais”, marcando

uma postura de distinção quanto às ações governamentais. Foi daí que surgiu o

termo ONG, hoje disseminado e utilizado para designar qualquer tipo de

organização sem fins lucrativos.

As organizações surgidas no bojo da resistência política tiveram um papel

fundamental nos rumos da sociedade brasileira e na conformação do Terceiro Setor.

Não só foram responsáveis pela disseminação da noção de cidadania e pela

pressão para seu amplo desenvolvimento, como também se constituíram em fator-

chave para a entrada de recursos de fundações internacionais no Brasil, tais como

Fundação Ford, Rockfeller, MacArtur, além de agências de fomento e cooperação

internacional.

As ONGs surgidas nas décadas de 70 e 80 configuraram um novo modelo de

organização e de gerenciamento de recursos. Ao contrário dos períodos anteriores,

em que as organizações vinculavam-se ao Estado tanto administrativa quanto

economicamente, com o surgimento das ONGs o vínculo passa a ser com as

agências e instituições financiadoras internacionais.

Em meados da década de 80, a abertura política e econômica de países do Leste

Europeu e as crises sociais do continente africano levaram as fundações

56

internacionais e órgãos de cooperação a redirecionar parte de seus recursos para

financiar programas de desenvolvimento naquelas áreas do mundo, forçando as

organizações latino-americanas a buscarem alternativas para sua sustentabilidade.

Paralelamente, os recursos governamentais tornaram-se mais escassos.

Nos anos 90 ocorrem mudanças na conformação do Terceiro Setor no Brasil que

dão início a um novo padrão de relacionamento entre os três setores da sociedade.

O Estado começa a reconhecer que as ONGs acumularam um capital de recursos,

experiências e conhecimentos, sob formas inovadoras de enfrentamento das

questões sociais, que as qualificam como parceiros e interlocutores das políticas

governamentais.

O Terceiro Setor não é forma de descentralização do serviço público, pois, como

bem coloca Rocha “os entes que integram o Terceiro Setor são entes privados, não

vinculados à organização centralizada ou descentralizada da Administração

Pública”,7 mas pode-se dizer que tais entes acabaram por descentralizar as políticas

sociais que anteriormente estavam concentradas nas mãos do Estado.

A descentralização das políticas sociais surge para que se ganhe em agilidade e em

eficiência, sem, contudo, retirar o papel do Estado na prestação dos serviços

públicos sociais. Não se busca a total abstenção do Estado; o ideal é a atuação

conjunta entre Estado e Terceiro Setor - princípio da subsidiariedade -, sem deixar

de lado as suas próprias políticas públicas, concebendo-se uma nova relação entre

Estado e sociedade, visando sempre facilitar o acesso da população aos direitos

sociais fundamentais.

O mercado, antes distanciado, passa a ver nas organizações sem fins lucrativos

canais para concretizar o investimento do setor privado empresarial nas áreas social,

ambiental e cultural.

7 ROCHA, Sílvio Luis Ferreira da. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003. p.13.

57

O termo cidadania já aparecia no discurso do empresariado brasileiro, no início

desta década. Paralelamente, o sentimento vigente era que o Estado, sozinho, não

conseguiria dar conta de todas as suas obrigações na área social.

Ainda na década de 90, a Câmara Americana de Comércio, com apoio da Fundação

Ford e da Fundação W.K. Kellogg, promove um prêmio, reuniões e conferências

sobre filantropia em São Paulo, o que resulta na criação de um comitê de empresas

brasileiras e fundações corporativas. Incluíam-se no grupo fundações como

Bradesco, Odebrecht, Roberto Marinho; organizações como o Instituto Itaú Cultural e

empresas do porte da Xerox e Alcoa. O grupo formaliza-se em 1995, formando o

Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE).

Em 1998, também em São Paulo, 11 empresas se associam e surge o Instituto

Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Expressão que até então não existia

- responsabilidade social - vem marcar o início de uma intervenção social

empresarial alicerçada em um Código de Ética definidor de parâmetros de conduta

das empresas com seus públicos. Busca-se diferenciar, marcadamente, ações "de

negócio" de uma agenda voltada a investimentos sociais privados, de cunho ético e

em benefício da sociedade.

A nova ordem constitucional institui um regime de democracia participativa e de

cidadania responsável. Formas de expressão – tais como parceria, cidadania

corporativa, responsabilidade social, investimento social privado – surgem para

expressar este novo movimento de encontro dos três setores da economia brasileira

Amplia-se, fortemente, o conceito de Terceiro Setor: para além do círculo das ONGs,

valorizam-se outros atores sociais, como as fundações e institutos, as associações

beneficentes e recreativas, também as iniciativas assistenciais das igrejas e o

trabalho voluntário de maneira geral.

Cria-se, no governo de Fernando Henrique Cardoso, o Programa Comunidade

Solidária com o propósito de articular trabalhos sociais em vários ministérios. E, em

18 de fevereiro de 1998, é regulamentada a Lei do Voluntariado - Lei n° 9.608.

58

Foi somente a partir dessa década que o Terceiro Setor começou a se constituir

como um setor com características e lógica diferentes dos demais, marcando os

rumos das organizações sem fins lucrativos no país.

Com a proclamação pela Organização das Nações Unidas (ONU) do ano de 2001

como "Ano Internacional do Voluntário", acontecem, no Brasil, o I° e o II° Fóruns

Sociais Mundiais, implementadores de idéias alternativas de ação econômica e

social. Promove-se o desenvolvimento social a partir do incentivo a projetos auto-

sustentáveis - em oposição às tradicionais práticas de caráter assistencialista

geradoras de dependência - e em propostas de superação de padrões injustos de

desigualdade social e econômica.

Questionam-se, na sociedade civil, formatos pré-conceituosos baseados em padrões

de comportamento e pensamento julgados "adequados" aos sujeitos-cidadãos.

Abrem-se novas perspectivas à aceitação da diversidade de comportamentos

humanos, de respeito à singularidade cultural e à autodeterminação econômica dos

povos. Implementam-se políticas de proteção aos bens da humanidade, incluídas

todas as formas de vida e sua preservação.

3.3 O Que é Terceiro Setor

Em resumo, pelo que foi visto até aqui, pode-se dizer que o Terceiro Setor é formado

por organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas com foco na

voluntariedade, em uma esfera não governamental, que dão continuidade às

práticas tradicionais da caridade, da filantropia e do mecenato.

Esta definição soa um tanto estranha porque combina palavras de épocas e de

contextos simbólicos diversos, que transmitem, inclusive, a memória de uma longa

história de divergências mútuas. A filantropia contrapôs-se à caridade, assim como a

cidadania ao mecenato.

59

São diferenças que ainda importam, mas que parecem estar em processo de

mutação. Perdem a dureza da contradição radical e dão lugar a um jogo complexo e

instável de oposições e complementaridades. Não se confundem, mas já não se

separam de todo. Recobrem-se parcialmente, alternando situações de conflito, de

cooperação e de indiferença. A irmã de caridade que defende sua creche como uma

"ação de cidadania" ou o militante de organizações comunitárias que elabora

projetos para o mecenato empresarial tornaram-se figuras comuns.

No Brasil de hoje, a voz dos mais variados grupos sociais se faz ouvir no espaço

público. Não há questão de interesse coletivo em relação à qual cidadãos não se

mobilizem para cobrar ações do Estado e tomar iniciativas por si mesmos. Este

protagonismo dos cidadãos determina uma nova experiência de democracia no

quotidiano, um novo padrão de atuação aos governos e novas formas de parceria

entre sociedade civil, Estado e mercado. Ampliam-se os recursos e competências

necessários para o enfrentamento dos grandes desafios nacionais, como o combate

à pobreza e a incorporação dos excluídos aos direitos básicos de cidadania.

Terceiro Setor é uma terminologia sociológica que dá significado a todas as

iniciativas privadas de utilidade pública com origem na sociedade civil. A palavra é

uma tradução de Third Sector, uma expressão muito utilizada nos Estados Unidos

para definir as diversas organizações sem vínculos diretos com o Primeiro e o

Segundo Setores.

3.4 Atributos do Terceiro Setor

O Terceiro Setor tem sua composição formada por organizações sem fins lucrativos,

de natureza privada - criadas e mantidas pela participação voluntária - não

submetidas ao controle direto do Estado, dando continuidade às práticas tradicionais

da caridade, da filantropia, trabalhando para realizar objetivos sociais ou públicos.

60

Para que sejam constituídas, algumas características devem ser observadas:

a) formalidade – devem ter alguma forma de institucionalização, legal ou não, com

um nível de formalização de regras e procedimentos, para assegurar a sua

permanência por um período mínimo de tempo;

b) estrutura – privadas, ou seja, não são ligadas institucionalmente a governos. As

entidades do Terceiro Setor não se enquadram dentro da estrutura da Administração

Pública. São formadas por “ações” de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado,

organizadas pela sociedade civil na concretização dos direitos sociais, ou seja, é a

sociedade assumindo seu papel cidadão, uma vez que os objetivos da República,

previstos no artigo 3º da CRFB/88, devem ser alcançados não só pelo Estado, mas,

também, por toda a sociedade;

c) gestão - realizam sua própria gestão, não sendo controladas externamente como

uma nova forma de prestar serviços sociais de relevância pública, em busca de uma

maior eficiência na prestação dos mesmos;

d) finalidade pública - existem entidades do Terceiro Setor que desenvolvem tanto

atividades com finalidade pública de interesse geral da coletividade, quanto

atividades com fins coletivos privados. Isto é, visam à preservação de interesses

comuns a um determinado grupo que se associa voluntariamente (associação -

pessoa jurídica de direito privado), sem visar ao lucro, na busca de um fim coletivo

que só lhes interessa;8

e) finalidade não lucrativa9 - não se cogita de instituições do Terceiro Setor com

finalidades lucrativas; caso contrário, se estaria falando do Segundo Setor, integrado

pelo mercado, que busca eminentemente o lucro. As entidades do Terceiro Setor

devem ser privadas para se diferenciarem do Primeiro Setor e, portanto, sem

8 Uma associação de colecionadores de selos ou uma que luta por direitos dos homossexuais. 9 Sobre esse tema da finalidade não lucrativa, importante se fazerem algumas considerações a respeito. A auferição de lucros dentro do Terceiro Setor não podem, para assim serem denominadas, visar lucro no exercício de suas atividades, entretanto, lucros, eventualmente, auferidos em razão de suas atividades não lhe são proibidos, sendo vedada, entretanto, a distribuição desses lucros entre seus membros, devendo ser reinvestidos na própria organização, para melhoria da qualidade de seus serviços.

61

integrar nem a Administração direta nem a indireta. Também não devem ter fins

lucrativos para se distinguirem das empresas inseridas no mercado, ou seja, do

Segundo Setor. A geração de lucros ou excedentes financeiros deve ser reinvestida

integralmente na organização. Estas entidades não podem distribuir dividendos de

lucros aos seus dirigentes e, por último,

f) voluntariedade - outro ponto intimamente ligado à finalidade não lucrativa do

Terceiro Setor envolve o voluntariado. As organizações que integram o Setor

utilizam, em grande parte, o serviço voluntário,10 ou seja, não remunerado no

desenvolvimento de suas atividades.

Dentro das organizações que fazem parte do Terceiro Setor, estão as Organizações

Sociais (OS), as Organizações Não Governamentais (ONGs), entidades

filantrópicas, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs),

organizações sem fins lucrativos e outras formas de associações civis sem fins

lucrativos, que serão apresentadas ao longo deste trabalho.

3.4 Formas Jurídicas do Terceiro Setor

O Terceiro Setor é compreendido por ações realizadas tanto por pessoas físicas

quanto por pessoas jurídicas de direito privado - importando que essas ações não

visem ao lucro e sejam prestadas em atuação complementar às atividades do

Estado -, podendo assumir duas formas distintas:

a) Associações Civis, que trata de entidades criadas a partir da união de pessoas

que se organizam voluntariamente com objetivos de natureza social e, assim,

passam a atuar em complementação às atividades sociais do Estado. Os fins não

econômicos, previstos na redação do art. 53 do Código Civil, não significam que a

10 A noção de voluntariado se identifica na medida em que o cidadão assume seu papel na efetivação das políticas públicas sociais e não mais na pura noção caritativa. A Constituição, em diversos artigos, como já se expôs, entrega ao cidadão e à sociedade de forma geral grande responsabilidade na consecução dos direitos sociais; a co-responsabilidade social do Estado, do mercado e da sociedade.

62

associação não possa desenvolver atividade econômica, mas tão somente que os

lucros eventualmente auferidos não podem ser distribuídos entre seus membros;11

b) Fundações Privadas, entidades criadas por escritura pública ou testamento,

dotação especial de bens livres, cujo fim deve estar expressamente especificado,

conforme o art. 62 do Código Civil.

Da redação deste artigo pode-se afirmar que, para existir uma fundação no Brasil,

precisam estar presentes: a) patrimônio12 - que deve ser composto por bens livres e

b) finalidade - que deve ser previamente estabelecida pelo instituidor da fundação e

vínculo - que é a afetação pela vontade do instituidor.

Visto o que vem a ser o Terceiro Setor, passa-se agora a estudar as formas que a

sociedade pode assumir para auxiliar o Estado na prestação de serviços sociais

mediante a outorga de títulos e certificados pela Administração Pública.

11 Essa foi a intenção do legislador, que se evidencia ao tratar das sociedades (pessoas jurídicas de direito privado com finalidade lucrativa), nos artigos 981 e seguintes do Código Civil pátrio, quando afirma que “celebram contrato as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. A distinção entre sociedade e associação, portanto, é a partilha dos resultados advindos da atividade econômica desenvolvida. 12 A dotação patrimonial é elemento nuclear sem o qual não será possível a criação de uma fundação.

63

4 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A SOCIEDADE

Como visto anteriormente, a atividade de fomento permite ao particular colaborar

com a Administração Pública no exercício de suas atividades. Com efeito, figura

como uma atividade paralela ao Estado, como uma atividade que atua na vizinhança

com o serviço público. Ela não é serviço público e não é atividade inteiramente

privada; encontra-se numa zona intermediária.

Dessa forma o reconhecimento da relevância das iniciativas das organizações

particulares que atuam paralelamente ao Poder Público, mediante a outorga de

títulos e certificados pela Administração Pública, apresenta a típica atividade de

fomento.

Mas deve-se observar que o título outorgado mediante ato administrativo não cria

uma nova estrutura organizacional, apenas atesta, reconhece uma situação fática

preexistente que está compreendida nas categorias legais.

As regras de constituição, funcionamento, bem como de extinção das associações

civis e fundações integram os artigos 45 e 46 e demais dispositivos do Código Civil

Brasileiro e os artigos 114 e seguintes da Lei de Registros Públicos, e diferem da

natureza as condições fixadas em lei para a concessão de títulos jurídicos especiais.

As primeiras – regras de constituição - tratam do aspecto existencial das

organizações do Terceiro Setor, as outras selecionam, do amplo universo de

pessoas jurídicas de direito privado, as merecedoras de reconhecimento em

decorrência da prestação de serviços de relevância pública.

Este capítulo trata da outorga de títulos concedidos à entidades sociais mediante a

adoção de critérios que abrangem os princípios da legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade e eficiência, conforme artigo 37 da Emenda constitucional

19, além da motivação, da igualdade e da finalidade.

64

Os principais títulos jurídicos concedidos às entidades sociais são: a declaração de

utilidade pública; o certificado de fins filantrópicos; as organizações sociais e as

organizações da sociedade civil de interesse público, que serão vistos em tópicos a

seguir.

4.1 A Declaração de Utilidade Pública

Instituído pela Lei 91, de 28 de agosto de 1935, e alterada pela Lei 6.330, de 08 de

maio de 1979, este título – utilidade pública – deve ser outorgado às sociedades

civis, associações e fundações constituídas no país.

De acordo com o instrumento normativo, as entidades detentoras deste título devem

ter a finalidade de servir desinteressadamente à coletividade, desde que preencham

os seguintes requisitos: sejam constituídas no país; tenham adquirido personalidade

jurídica; estejam em efetivo funcionamento em respeito a seus estatutos nos últimos

três anos; não remunerem os cargos de diretoria, conselhos fiscais, deliberativos e

consultivos, nem distribuir lucros ou vantagens a dirigentes, mantenedores ou

associados; apresentem folha corrida e moralidade comprovada pelos seus

diretores; comprovem, mediante relatórios circunstanciados, a promoção da

educação ou atividades de pesquisa científicas, culturais, artísticas ou filantrópicas;

aceitem o compromisso de publicar periodicamente a demonstração de receitas e

despesas.

Após o recebimento da declaração de utilidade pública, as entidades estarão

obrigadas a inscrever o nome e as características em livro especial; apresentar

anualmente relatório circunstanciado dos serviços prestados a coletividade; publicar

anualmente a demonstração de receita e despesa realizada no período anterior.

O caráter deste instituto era meramente cívico e honorífico, mas atualmente confere

uma série de direitos ou benefícios, como a faculdade de dedução do imposto de

renda por pessoas físicas e jurídicas em decorrência de doações a entidade

65

declaradas de utilidade pública; requerimento de isenção da cota patronal do INSS;

isenção do Fundo de Garantia por Tempo de Serviços; realização de sorteios;

recebimento de loterias federias e doações da União Federal.

Apesar de não ser o foco deste trabalho, é importante frisar que o caráter sucinto e

genérico desta legislação federal traz como problemas a escassez de parâmetros e

a vulnerabilidade na área social, em termos de corrupção.

4.2 Certificado de Fins Filantrópicos

Título jurídico outorgado pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS),

conforme artigo 18 da Lei 8.742, de 07 de dezembro de 1993, o certificado de fins

filantrópicos destina-se a entidades cuja atuação esteja voltada para a proteção da

família, maternidade, infância, adolescência e maior idade; o amparo às crianças e

adolescentes carentes; a promoção de ações de prevenção, habilitação e

reabilitação de pessoas portadoras de deficiência; a promoção, gratuita, de

assistência educacional ou de saúde; a promoção à integração no mercado de

trabalho; a promoção de atendimento e assessoramento aos beneficiários da Lei

Orgânica de Assistência Social e da defesa e garantia de seus direitos,1 e desde que

atendam aos requisitos relacionados no Decreto 2.536, de 06 de abril de 1998.

O certificado de fins filantrópicos junto acrescido do título de utilidade pública e

cumpridas das demais exigências previstas na Lei 8.212, de 24 de julho de 1991 –

que dispõe sobre a organização da Seguridade Social -, asseguram a imunidade da

cota patronal de contribuição previdenciária à entidade social.

Este tema gera inúmeras discussões,, inclusive em relação ao aspecto judicial, mas,

na inexistência atual de uma posição pacífica em relação às limitações

constitucionais desta Lei, o Poder Público vem aplicando, para efeitos de outorga do

1 Resolução 177/2000 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).

66

certificado de fins filantrópicos, fundamentalmente as regras contidas na Lei nº.

8.212/1991 e na resolução do CNAS 177/2000.

Assim como nas entidades que recebem o título de utilidade pública, não há

possibilidade objetiva de se aferir o desempenho, o resultado em termos

quantitativos e qualitativos dos serviços prestados pelo amplo universo das pessoas

jurídicas que atuam sobre o auspício do certificado de fins filantrópicos outorgado

pelo CNAS.

4.3 O Marco Legal do Terceiro Setor

Após a chegada da Constituição Federal de 1988, que adotou o Terceiro Setor como

parceiro do Estado na prestação de serviços sociais, tornou-se necessária uma

reforma no marco legal para a manutenção e desenvolvimento deste setor.

O marco legal do Terceiro Setor, inserido dentro do contexto da nova ordem

constitucional e de Reforma do Estado, é compreendido pela Lei nº. 9.637, de 15 de

maio de 1998, que concede às entidades deste setor o título de Organização Social

(OS), e pela Lei nº. 9.790, de 23 de março de 1999, que concede o título de

Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).

A concessão desses títulos traz alguns benefícios e vantagens para essas

entidades. Mas antes de o assunto ser tratado, vale lembrar que os títulos não

denotam a formação de uma nova pessoa jurídica, mas tão-somente a qualificação,

o reconhecimento por parte do Poder Público de que determinadas pessoas

jurídicas de direito privado realizam os objetivos estabelecidos na legislação

específica e serviços de relevância pública, em colaboração com o Poder Público.

67

4.3.1 Organizações Sociais – OS

As Organizações Sociais (OS) integram o Terceiro Setor e podem ser definidas

como entidades privadas sob a forma de associações ou fundações, sem finalidade

lucrativa, prestadoras de serviços de interesse público.

A Lei nº. 9.637, de 15 de maio de 1988, com o intuito de estreitar a relação entre

Estado e sociedade, posicionou as Organizações Sociais numa zona intermediária

entre público e privado e, portanto, alheias à estrutura da Administração Pública

indireta.2

Para que as entidades do Terceiro Setor se habilitem ao título de Organização

Social, terão que atender a alguns requisitos previstos na Lei nº. 9.637/1998, além

de estarem adstritas ao rol de atividades fixado no art. 1º da lei.

A entidade deve perseguir objetivos de cunho social e não pode, sob qualquer

pretexto, distribuir lucros entre seus sócios ou associados. Deverá existir um

Conselho de Administração com participação de representantes do Poder Público e

membros da comunidade, além de membros da entidade; os relatórios financeiros e

os relatórios de execução do contrato de gestão devem ter sua publicação anual no

Diário Oficial da União; está proibida de distribuir seus bens ou parcelas do

patrimônio líquido em qualquer hipótese. Ainda deverá constar do estatuto ou do ato

constitutivo da entidade que, no caso de extinção ou perda da qualificação, o

patrimônio, os legados ou doações que lhe forem destinados, bem como os

excedentes financeiros decorrentes de suas atividades serão incorporados a outra

organização social qualificada ou ao patrimônio da União, dos Estados, Distrito

Federal ou Município, na proporção dos recursos ou bens por estes alocados.

2 A administração pública pode ser direta, quando composta pelas suas entidades estatais (União, Estados, Municípios e DF), que não possuem personalidade jurídica própria; ou indireta, quando composta por entidades autárquicas, fundacionais e paraestatais. A Administração Pública tem como principal objetivo o interesse público, e deve obediência aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

68

Além do preenchimento de todos os requisitos, a entidade ainda haverá de vencer o

obstáculo da discricionariedade, conforme dispõe o art. 2º, inciso II, da supracitada

Lei,3 para que seja concedida a qualificação.

Conferido o título de OS, a entidade estará apta a formalizar contratos de gestão

com o Poder Público, bem como fará jus à destinação de recursos orçamentários,

bens públicos e até servidores públicos para o cumprimento do contrato de gestão,

segundo art. 12 da mesma Lei.

Mas a interferência do Poder Público nas Organizações Sociais alcança nível jamais

visto no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente se considerada a natureza

jurídica das pessoas assim qualificadas, dotadas de autonomia própria das

organizações privadas assim como instruídas e geridas sob o influxo do direito

constitucional à liberdade de associação.

Evidencia-se que o Poder Público possui condições extremamente vantajosas, pois

além da presença assegurada no conselho de administração da entidade, participará

da aprovação do contrato de gestão, de acordo com art. 4º, inciso II, da Lei nº.

9.637/1998, como ocorre ordinariamente, haja vista que tal ato envolve a

manifestação de vontades da Administração e da Organização Social. Não sendo

inconstitucional a inclusão desta norma e considerando que as entidades do

Terceiro Setor não pertençam à estrutura da Administração Pública, percebe-se o

enfraquecimento do exercício à liberdade de associação prevista no art. 5º, inciso

XVII, da Carta Magna, especialmente no que toca à estrutura do Conselho de

Administração.

Exercendo atividades não exclusivas do Estado, mas de relevância social - e, por

isso, independentemente de qualquer licitação, uma vez que somente os serviços

públicos são passíveis de contrato de concessão ou permissão -, as OS atuam em

cooperação com o Estado, podendo ser fomentadas mediante contrato de gestão,

pois essas entidades qualificadas como OS prestam serviços de interesse social

3 Embora e Lei 9.637/1988 estipule critérios para qualificação de uma entidade como organização social, não se constata a rigidez de regras que oriente a decisão da autoridade administrativa. O legislador apenas fez menção aos termos “conveniência” e “oportunidade”.

69

relevante e não serviços públicos, que são prestados apenas pelo Estado ou por

quem lhe faça as vezes, debaixo de regras de direito público (concessão ou

permissão – art. 175, Constituição Federal/88).

A entidade perderá a qualificação de Organização Social “quando constatado o

descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão” e será precedida

de procedimento administrativo, assegurado o direito de ampla defesa à entidade

social, conforme o parágrafo art. 16 da Lei nº. 9.637/88.

4.3.2 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

A Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) é um título

fornecido pelo Ministério da Justiça, cuja finalidade é facilitar o aparecimento de

parcerias e convênios com todos os níveis de governo e órgãos públicos (Federal,

Estadual e Municipal) e permite que doações realizadas por empresas possam ser

descontadas no imposto de renda.

Disciplinada pela Lei nº. 9.790, de 23 de março de 1999, a OSCIP configura a mais

nova regulamentação jurídica das pessoas jurídicas de direito privado integrantes do

chamado Terceiro Setor e, talvez, seja o mais importante passo em matéria legal

deste setor no Brasil, e, também, o primeiro movimento de certa expressão.

Assim como as Organizações Sociais (OS), as OSCIPs não passam a integrar uma

nova categoria de pessoa jurídica; apenas recebem um reconhecimento especial –

título jurídico – por força de preenchimento de condições estabelecidas na lei

reguladora.

Somente poderão se qualificar as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins

lucrativos que promovem serviços de interesse social na área de assistência social;

da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; que prestem

serviços gratuitos de educação e saúde; atuem na promoção da segurança

70

alimentar e nutricional; na defesa, preservação e conservação do meio ambiente e

promoção do desenvolvimento sustentável; promoção do voluntariado; promoção do

desenvolvimento econômico e social e combate a pobreza; experimentação, não

lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de

produção, comércio, emprego e crédito; dediquem-se à defesa dos direitos

estabelecidos, à construção de novos direitos e à assessoria jurídica gratuita de

interesse suplementar, à difusão de valores como a ética, a paz, a cidadania, os

direitos humanos, a democracia, e de outros valores universais; estudos e

pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de

informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito ás atividades

mencionadas, conforme o art. 3º da Lei nº. 9.790/1999, ou seja, o objeto da atividade

da OSCIP é mais amplo do que o da OS.

Há, no entanto, no artigo 2º, todo um rol excludente de entidades que não podem se

candidatar a receber a qualificação de OSCIPs, entre elas as organizações sociais e

as cooperativas; posto que impossível criar duas qualificações jurídicas de exceção

para a mesma entidade. Trata-se de lista exaustiva, não comportando qualquer

inclusão, sendo elas: as sociedades comerciais; os sindicatos; as associações de

classe ou de representação de categoria profissional; as instituições religiosas ou

voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e

confessionais; as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas

fundações; as entidades de benefício mútuo, destinadas a proporcionar bens ou

serviços a um círculo restrito de associados ou sócios; as entidades e empresas que

comercializam planos de saúde e assemelhados; as instituições hospitalares

privadas não-gratuitas e suas mantenedoras; as escolas privadas não gratuitas e

suas mantenedoras; as fundações públicas; as fundações, sociedades civis ou

associações de direito privado, criadas por órgão público ou por fundações públicas;

as organizações creditícias que tenham quaisquer tipos de vinculação com o

Sistema Financeiro Nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal.

A Lei nº. 9.790/1999, em seu artigo 4º, I a VII, estabelece que as normas ou

disposições dos estatutos das OSCIPs devem observar os princípios da legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência; constituir um

conselho fiscal ou órgão equivalente dotado de competência para opinar sobre os

71

relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações patrimoniais

realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade;

possibilitar a instituição de remuneração para os dirigentes da entidade que atuem

efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam serviços

específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado,

na região correspondente a sua área de atuação.

Os requisitos apresentados demonstram que as OSCIPs, apesar de regime jurídico

privado a que se submetem, devem observar derrogações oriundas do direito

público. A observância dos princípios constitucionais expressos da administração

pública, mesmo não se tratando sequer de entes da administração indireta, denota o

alcance das regras que marcam a natureza pública dessas organizações do Terceiro

Setor.

Com efeito, a legalidade visa restringir o âmbito de subjetividade dos atos

perpetrados pelos dirigentes destas organizações da sociedade civil – de interesse

público – sem abolir, por completo o regime jurídico de direito privado.

A qualificação de uma entidade como OSCIP é ato vinculado do Ministro da Justiça.

Não há discricionariedade quanto à possibilidade de conceder o título. Preenchidos

os requisitos legais e formalizado o pedido junto ao Ministério competente, a outorga

do título se mostra como um ato vinculado, diferentemente do que ocorre com a OS,

em que a concessão do título se coloca de forma discricionária, revelando-se a Lei

das OSCIPs uma evolução nesse sentido.

Já o princípio da publicidade indica que a OSCIP deve tornar público o relatório de

atividades e das demonstrações financeiras da entidade. Uma vez mais se constata

a derrogação das normas de direito privado pela introdução de regras próprias do

regime jurídico de direito público.

A perda da qualificação depende inevitavelmente de prévio processo administrativo

ou judicial, uma vez que nenhuma penalidade pode ser aplicada sem o devido

processo legal, com as garantias do contraditório e da ampla defesa. Através de

processo administrativo ou judicial, deverá buscar a verdade material. Deverá apurar

72

se a OSCIP de fato não cumpriu alguma cláusula do termo de parceria, o que, caso

ocorra, autoriza sua desqualificação.

A eventual desqualificação da entidade, dentro do processo administrativo ou

judicial, deve ser motivada apontando as obrigações assumidas e não cumpridas

pela entidade e o fundamento legal que autoriza a desqualificação dentro de uma

razoabilidade considerada.

4.3.2.2 Formas de Parceira

As formas de parceria respondem a uma nomenclatura ainda nova para o Direito

Público. O termo tem origem no Direito Privado e remonta à participação nos lucros

auferidos pelas partes, portanto sem o mínimo de afinidade com o regime jurídico

administrativo e o universo das organizações não governamentais, que por definição

não perseguem fins lucrativos.

No entanto este termo passa a designar a união de esforços entre o Poder Público

(Estado) e o setor privado (Mercado) para a concretização de objetivos de interesse

público, a partir de iniciativas legislativas, bem como sua aceitação pela doutrina no

âmbito do Direito Público.

Luiz Eduardo Patrone Regules,4 nos ensina que:

[...] as formas de parceria, como o convênio, o contrato de gestão e o termo de parceria, integram mecanismos de participação da comunidade na consecução de iniciativas de interesse público. É parceria a colaboração espontânea das organizações do Terceiro Setor em programas que a Administração promove, sem a necessidade de constituição de uma nova pessoa jurídica.

Feitas as considerações, passa-se a analisar as parcerias criadas através de

convênio, contrato de gestão e termo de parceria.

4 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro Setor: regime jurídico das OSCIPs. São Paulo: Editora Método, 2006. p 114.

73

a) Convênio

Os convênios, acordos ou ajustes são usados como sinônimos pelo Decreto n.°

93.872/86. Prestam-se à execução, pelo particular, de serviços ou produção de

bens, desde que a finalidade seja pública. Trata-se de cooperação. O pressuposto é

o da comunhão de interesses. Se os interesses forem opostos, haverá contrato,

conforme reza o parágrafo único do artigo 48 do supramencionado decreto.

Seu objetivo legal é, em acordo com o Decreto supracitado e conforme o Decreto-lei

nº. 200/1967, art. 10, § 1º, ‘’b’’ e § 5º, a:

[...] descentralização das atividades da administração federal, através da qual se delegará a execução de programas federais de caráter nitidamente local, no todo ou em parte, aos órgãos estaduais ou municipais incumbidos de serviços correspondentes, e quando estejam devidamente aparelhados.

Parece, pois, que o objetivo do legislador nesta espécie de fomento foi permitir o

deslocamento de recursos do âmbito federal para o estadual e o municipal dentro da

Administração Pública, embora possa também ser utilizado para acordar com

particulares. Serve tanto para compra de bens permanentes como para a geração de

recursos durante um determinado prazo, visto poder ser de execução imediata ou de

trato sucessivo, consoante interpretação do artigo 57 do Decreto nº 93.872/86, que

preconiza que o convênio pode ser denunciado a qualquer tempo.

Existe uma divergência doutrinária acerca da possibilidade de se poder utilizar os

recursos do convênio para pagamento da força de trabalho ou apenas para compra

de recursos, porém tal questão não será abordada agora, uma vez que se afastaria

por demais do tema pesquisado.

b) Contrato de gestão

O contrato de gestão, para os efeitos da Lei nº. 9.637/1998, é o instrumento firmado

entre o Poder Público e a entidade qualificada como Organização Social, com vistas

à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades

74

relativas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à

proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde - atendidos os

requisitos nela previstos.

O Poder Público, por meio de contrato de gestão, fomenta a Organização Social,

através de recursos orçamentários, bens públicos - permissão de uso - e até

servidores públicos para que a entidade qualificada possa cumprir os objetivos

sociais tidos por convenientes e oportunos.

O contrato de gestão é regido por normas de Direito Público, por tratar-se de

contrato administrativo. O art. 37, caput e inciso XXI, da Constituição Federal e o art.

7º da Lei nº. 9.637/1998 determinam de modo pleonástico - frente à obviedade de

qualquer contrato realizado pela Administração Pública se ver obrigado a seguir os

princípios a ela aplicáveis - que vários preceitos aplicáveis à Administração Pública

devem ser observados no contrato de gestão: legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade, economicidade. Ainda segundo o artigo 7º, devem ser

especificados objetivos, metas e prazos, estabelecidos critérios objetivos de

avaliação de desempenho no bojo do contrato, e estipulados limites às

remunerações dos dirigentes.

O contrato será fiscalizado pela entidade supervisora da área fomentada, que

assinou o contrato. Mas podem também os resultados ser analisados,

periodicamente, por comissão de avaliação, “indicada pela autoridade supervisora

da área correspondente, composta por especialistas de notória capacidade e

adequada qualificação”, que deve “encaminhar à autoridade supervisora relatório

conclusivo sobre a avaliação procedida”, segundo art. 8º. Caso a autoridade ou

responsáveis tomem conhecimento de “qualquer irregularidade ou ilegalidade na

utilização de recursos ou bens de origem pública por organização social, dela darão

ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária”,

como prevê o art. 9º.

Embora a lei não preveja, é necessária a realização de procedimento licitatório para

que a Administração realize o negócio mais vantajoso em prol do interesse da

coletividade. Os artigos das disposições finais e transitórias da Lei nº. 9.637,

75

interpretados em seu conjunto, dão a perceber que as Organizações Sociais,

podem, observados alguns critérios (ênfase no atendimento do cidadão-cliente;

ênfase nos resultados, qualitativos e quantitativos nos prazos pactuados; controle

social das ações de forma transparente) bem distintos dos contidos na Lei de

Licitações, Lei n.º 8.666/1993; receber recursos públicos – bens, verbas e até

servidores – submetendo-se apenas ao crivo de um Ministro do Estado ou, no

máximo, de um Ministro e um supervisor competente – este provavelmente inferior

hierárquico ao Ministro.

É bom frisar que a doutrina tem propugnado pela inconstitucionalidade da lei que

dispensa a licitação na formação do contrato de gestão.

c) Termos de parceria

Espécie surgida com a Lei n°. 9.790/1999, presta-se ao relacionamento entre o

Poder Público e as entidades que se tornam, nos termos deste diploma, aptas a

receber a denominação de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público –

as OSCIPs.

Qualificada uma organização como OSCIP, torna-se possível a ela firmar com a

Administração Pública um termo de parceria, criado pelo artigo 9° da Lei nº.

9.790/1999, termo esse que no texto é definido como:

[...] o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3º desta Lei.

Tal como nos contratos de gestão, os termos de parceria também são pactos de

metas e prazos, e há um programa e a obrigatoriedade de um resultado a ser

atingido. Ambos são de duração prolongada, ao contrário dos convênios, e permitem

a elaboração de projetos mais complexos. As diferenças estão no objeto, uma vez

que as OSCIPs podem agir em áreas bem mais diversas que as Organizações

Sociais, e na impossibilidade de migração de pessoal do setor público para o privado

como autorizou a Lei das Organizações Sociais no seu artigo 2º, I, “d” e 3º, I, “a” -

76

exceto quando estiverem em intervenção judicial, situação em que haverá em ambas

a possibilidade de serem geridas pela Administração Pública. Outra diferença se

encontra na vinculação: são Organizações Sociais aquelas que realizam contratos

de gestão com o Poder Público; enquanto as OSCIPs podem optar ou não pela

realização dos Termos de Parceria, segundo ensinamento de Celso Antônio

Bandeira de Mello.5

Ponto comum é aquele que autoriza à Administração Pública, em casos de

malversação de recursos ou bens de origem pública, o encaminhamento de relatório

para o Ministério Público, a Advocacia-Geral da União ou à Procuradoria da entidade

fiscalizadora para que requeiram ao Poder Judiciário as mesmas medidas

processuais já estabelecidas pela lei de 1998, quais sejam: decretação de

indisponibilidade dos bens da entidade fomentada e pedido de seqüestro, nos

termos do Código de Processo Civil de 1973, dos bens dos diretores, inclusive, se

for o caso, de coisas e contas bancárias que estiverem no exterior.

A Lei nº. 9.637 no seu art. 10, § 3º, estipula, para os fins do seqüestro dos bens, que

o Poder Público será o depositário das coisas, dispositivo que foi repetido pela Lei

das OSCIPs. Atribui também à Administração o papel de gestora das atividades da

entidade enquanto durar o processo judicial.

No seu conteúdo, o termo de parceria afigura-se bem parecido com o contrato de

gestão. Ambos têm que conter objetivos e metas, com os respectivos prazos para

cumprimento.

Os critérios para avaliação do devido cumprimento do termo precisam constar

expressamente do pacto/termo. A diferença reside no fato de que, ao contrário do

contrato de gestão, o termo de parceria precisa conter normas especificando o

programa de trabalho e, ainda, regras expressas de contabilidade, previsão de

receitas e despesas, de elaboração de relatório contábil a ser apresentado ao

Ministério Público além de previsão de publicação do relatório. O termo de parceria é

supervisionado por um Conselho de Políticas Públicas, criação também da Lei das

5 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15a ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 225.

77

OSCIPs, que não chega a estabelecer como será formado tal conselho. Já o

contrato de gestão deve ser supervisionado pelo órgão ou entidade do Poder

Público signatária do contrato.

4.4 Formas de Controle

As entidades do Terceiro Setor, declaradas de interesse público, submetem-se a um

conjunto de normas especiais para que suas atividades possam ser controladas.

À medida que os particulares têm liberdade para desempenhar atividades lícitas,

reconhecidas pela ordem jurídica como de interesse público, fomentadas e

incentivadas pelo Poder Público; mais intensa será a inspeção destas prestações de

serviços.

Para tanto o Poder Público lança mão da autorização, regulamentação e fiscalização

da prestação dos serviços sociais – serviços públicos impróprios, cuja titularidade

encontra-se livre de prévia delegação estatal.

A Constituição Federal, em seu artigo 209, inciso II, condiciona a atividade de ensino

a autorização prévia, assim como o atendimento dos direitos da criança e do

adolescente (art. 228, parágrafo 7º). Além da previsão constitucional, o Poder

Público impõe como requisito para a prática de certas atividades materiais pelas

organizações do Terceiro Setor o registro, como forma de autorização.

Autorizada a efetuar os serviços a que se compromete, a entidade deverá prestar

contas de suas atividades para que o Poder Público possa aferir se a prestação dos

serviços está sendo feita de modo fiel aos ajustes firmados, de acordo com as

diretrizes, obrigações e demais exigências impostos pelas políticas de fomento.

78

4.4.1 Projeto de Lei nº 3.877/2004

O projeto de Lei 3.877, aprovado pelo Senado em 29 de junho de 2004, dispõe

sobre o registro, fiscalização e controle das Organizações Não Governamentais e dá

outras providências.

Ele prevê a Criação de um Cadastro Nacional de Organizações Não

Governamentais, a ser administrado pelo Ministério de Justiça e controlado pelo

Ministério Público, demonstrando, com isso, a preocupação do legislador em

acentuar o controle exercido sobre as ONGs que, em decorrência do diagnóstico

apresentado pela Comissão Parlamentar de Inquérito das ONGs assinalou, entre

outros problemas, o mau uso de verbas públicas.

Apesar da preocupação com o controle dessas entidades, o supracitado projeto de

lei não confere elementos que indiquem objetivamente o universo das ONGs

passíveis de inscrição no referido cadastro; ao contrário da Lei n°. 9.790/1999 - leia-

se Lei das OSCIPs -, que prima pela objetividade nos propósitos perseguidos pela

pessoa jurídica de direito privado assim qualificada.

4.5 As Parcerias Público-Privadas

As parcerias público-privadas constituem espécie de acordo firmado entre a

Administração Pública e entes privados para estabelecer vínculo jurídico a fim de

implantar ou gerir de serviços, empreendimentos e atividades de interesse público,

em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento são divididos entre

os signatários, ou recaem apenas sobre o ente privado. Tem sido objeto de estudo

em todo o mundo ocidental, sendo sua utilização ampla e servindo mais para a

realização de obras de infra-estrutura de um país, como usinas hidrelétricas,

estradas, entre outras.

79

Porém o nome e a conceituação, embora à primeira vista pareçam referir-se ao

estudo que se apresenta, não se aplicam às relações entre o Terceiro Setor e o

Estado. Ocorre que os entes privados que acordam a empreitada com o Estado não

têm o animus do voluntariado. Ao contrário, a palavra de ordem na Parceria Público-

Privada (PPP) é o lucro. A possibilidade de geração de excedentes é o grande

propulsor das PPPs. Veja-se o caso das empresas que contratam com a

Administração Pública a feitura de rodovias. O investimento tem retorno rápido com

a cobrança dos chamados pedágios, taxas para que os veículos transitem no trecho

“privatizado”. As Parcerias Público-Privadas são um meio para que o Estado delegue

ao particular tarefas que constitucional ou costumeiramente a ele caberiam, como as

estradas nacionais, as usinas de energia para o fornecimento de luz à população, o

serviço de água e esgotos; processos que, no Brasil, convencionou-se chamar

“privatização”.

Item último, mas não menos importante, concernente à diferenciação que se quer

fazer é que, enquanto o fomento é o financiamento público daquelas atividades

privadas com fins públicos, a Parceria Público-Privada é o financiamento privado de

atividades públicas de infra-estrutura de um país.

80

5 REGIME JURÍDICO DAS ORGANIZAÇÕES MARCO LEGAL DO TERCEIRO SETOR

Descobrir qual o regime jurídico das entidades do Terceiro Setor não é uma tarefa

simples, pois há que se entender o funcionamento da Administração Pública. Além

disso implica descobrir qual a parcela de princípios e normas jurídicas aplicáveis a

determinado fato social.

O legislador não estabelece a espécie de regime jurídico a que elas se submetem;

todavia as indicações legais podem ser interpretadas em ambos os sentidos. Trata-

se, sobretudo, de isolar o núcleo de princípios e normas jurídicas peculiares que

regulam determinado objeto.

Ao verificar que a sociedade investida de funções delegadas - através da permissão

e da concessão de serviço público - exerce atividades sob o amparo,

predominantemente, do regime de Direito Público, conclui-se que a titularidade da

prestação dessas utilidades públicas pertence ao Poder Público, aplicando-se,

portanto, às referidas relações jurídicas um regime normativo característico, peculiar,

o de Direito Público.

Por outro lado, as associações civis são constituídas e desempenham suas

atividades estatutárias sob a ordem do direito constitucional à liberdade de

associação. Os membros destas pessoas jurídicas gozam da plena liberdade de

associação para fins lícitos. Conseqüentemente, atuam com ampla liberdade sem,

contudo, ferir a lei. O particular pode fazer tudo aquilo que não seja vedado em lei. O

regime jurídico a elas aplicável é o do Direito Privado, sob o influxo do principio da

autonomia privada.

As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público são organizações privadas

constituídas fora do aparelho do Estado e se dedicam ao desempenho de atividades

não exclusivas do Estado. Não há delegação de função pública; portanto,

permanecem, em princípio, alheias ao regime do Direito Público.

81

A adoção do regime do Direito Privado é abolida por normas de Direito Público, pois

as OSCIPs submetem-se a condicionamentos, restrições especiais, bem como

recebem vantagens não aplicáveis à generalidade das associações, sociedades

civis sem fins lucrativos ou fundações privadas.

Dessa forma, não lhes cabe nem a adoção do regime de Direito Público nem a de

Direito Privado. Melhor dizendo: o regime jurídico dessas organizações do Terceiro

Setor é dotado de características mistas, pois emergem do direito à liberdade de

associação e da autonomia privada, assim como desempenham atividades

qualificadas pela lei como de interesse público, submetendo-se, por conta disso, a

controle especial diverso daquele a que se sujeitam os particulares cujos serviços

atingem o universo restrito de associados.

Conforme discorre Luis Eduardo Regules, os serviços de utilidade pública, por seu

fim e pelo grande número de pessoas nelas interessadas, são submetidos a

disciplina jurídica especial. E prossegue, afirmando que:57

Os serviços sociais são desempenhados pelos particulares, mas regulamentados, autorizados e fiscalizados pelo Estado diante do interesse social envolvido. Daí, tradicionalmente, o caráter misto do regime jurídico a que se submetem as entidades prestadoras de serviços sociais.

As atividades das OSCIPs também apresentam características que as distinguem de

um regime jurídico puro. São desenvolvidas sob a influência de princípios e regras

privadas, embora existam algumas indicações legislativas de aspectos de Direito

Público, como os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,

economicidade e da eficiência, como dispõe o art. 4º, I, da Lei nº. 9.790/1999.

Observa Regules que o legislador traçou as bases para um regime jurídico misto ou

especial, uma vez que a OSCIP deve coadunar com a Constituição Federal, que a

Lei nº. 9.790/1999 e a legislação em geral têm fundamento de validade na Lei Maior;

e que os estatutos e o regulamento próprio são produzidos em observância às

normas hierarquicamente superiores. O regulamento é tido tradicionalmente como

ato administrativo abstrato, enquanto os estatutos resultam da comunhão de 57 REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro Setor: regime jurídico das OSCIPs. São Paulo: Ed. Método, 2006. p 157.

82

vontades dos particulares; fato que ressalta, novamente, as características mistas do

regime jurídico aplicável às OSCIPs, em razão da combinação de instrumentos que

regem aspectos internos dessas organizações privadas.

É necessário dizer que as atividades exercidas pelas OSCIPs estão sujeitas, nos

limites da lei, ao condicionamento pelo Poder Público. Submetem-se a mecanismos

de controle que extrapolam as técnicas tradicionais de fiscalização das iniciativas

particulares de interesse social. Neste âmbito, a legislação especial prevê o controle

desta forma de fomento pelos Conselhos de Políticas Públicas, pois os mesmos

detêm competência para opinar acerca da celebração, além de fiscalizar a execução

do termo de parceria.

Existem, por conseguinte, alentadas referências legislativas no sentido de se aplicar

regime jurídico especial às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público,

consubstanciado na adoção de normas de direito privado com derrogações

originárias do regime de direito público, fundamentalmente em razão da:

a) observância aos princípios de direito público como o da impessoalidade,

moralidade, economicidade, eficiência entre outros;

Apesar da não submissão do particular ao princípio da legalidade do mesmo modo

como ocorre na Administração Pública, o dispositivo da Lei nº. 9.9790/1999 visa

intensificar o teor de subordinação das OSCIPs à lei. Diante do relevante interesse

público tutelado por estas organizações privadas, pretende-se que suas atividades

estejam cada vez mais atreladas às finalidades consagradas por lei.

Mesmo tendo garantido direito à intimidade aos sigilos consagrados em sede

constitucional – dispensada pela ordem jurídica aos particulares –, o princípio da

publicidade é adotado pelos estatutos das OSCIPs, que não podem encobrir ou

obstruir informações e dados relativos à qualificação como OSCIPs, às atividades

relativas a referido título jurídico, assim como decorrentes da execução do termo de

parceria a elas destinados para a consecução de seus objetivos sociais. A

transparência não se configura como uma faculdade ou exigência moral, mas

83

fundamentalmente como dever. Além disso, o título de OSCIP depende de prévio

reconhecimento oriundo do Poder Público.

b) adoção de instrumentos internos que instituem regras a estas organizações do

Terceiro Setor, originários dos distintos ramos do Direito - Privado e Público, como

os estatutos e o regulamento;

c) reconhecimento do Poder Público – qualificação – e controle especial voltado, se

necessário, para a perda do título jurídico;

d) outorga de vantagens especiais (recursos públicos), compatíveis com os encargos

específicos, e também de controle peculiar, como o exercido pelos Conselhos de

Políticas Públicas, em regra, exercidos em consonância com a participação da

sociedade.

Além da existência dos princípios que orientam as OSCIPs, é importante ressaltar

que, no que toca à responsabilidade pelos atos dessas organizações, a regra é

subjetiva, portanto será exigido dolo ou culpa. Com efeito, não se trata de delegação

de serviços públicos, o que afasta como regra geral a responsabilidade objetiva das

referidas pessoas jurídicas de direito privado.

Tal regra de responsabilidade subjetiva poderá ser elidida nos casos específicos em

lei, ou ainda, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo ator do dano

implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem. Nestas hipóteses,

conforme estipulado pelo parágrafo único do art. 927 do Código Civil, haverá

obrigação de reparar o dano independentemente da culpa.

O Estado responderá se ficar demonstrada a negligência na fiscalização do termo de

parceria, assim como o nexo entre essa negligência e o dano ocasionado a terceiro.

Fala-se, portanto, em responsabilidade subjetiva na medida em que, além do nexo

casual, haverá de se constatar a negligência do Estado. Entendemos, ainda, que a

falha na fiscalização pode tornar o Estado responsável solidário perante terceiros.

84

Por sua vez, a responsabilidade civil subjetiva dos administradores da organização

decorre da prática de atos danosos com culpa ou dolo no exercício de suas

atribuições, conforme previsão do art. 158, inciso I, da Lei nº. 6.404/1976. A

responsabilidade civil objetiva deriva da violação à lei ou ao estatuto nos termos da

legislação societária, consoante o art. 158, inciso II, da referida lei.

Cumpre observar que haverá responsabilidade solidária do administrador e da

organização em razão de ato ilícito praticado.

85

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma nova concepção de atividade privada - realizada pelo cidadão não investido em

cargo ou função pública - com sentido público, em direção à obtenção de algo que

deveria ser provido pelo Estado, veio crescendo desde a década de 60, e deu à luz

o que levou o nome de Terceiro Setor da Economia.

Impregnado positivamente por algo que se pode chamar animus, o Terceiro Setor

abraça a vontade do particular de gerar bens e serviços sem visar ao lucro e com o

objetivo de responder a desejos coletivos de bem-estar social. Há no Terceiro Setor

uma dilatação da idéia de esfera pública, lugar onde interagem público e privado.

Capta e produz recursos, mas o objetivo não é a geração de lucros, realiza

atividades públicas, mas não tem origem no Governo de um Estado.

Pode-se conceituar o Terceiro Setor como coletivo de organizações de natureza

privada, locais, nacionais, continentais e/ou globais, de caráter não lucrativo, não

governamental e não efêmero, que realiza ações em direção à cidadania e à

consecução de fins públicos.

Em decadência no Brasil, o modelo de Administração Pública provedora, ou seja,

aquela que produz para promover seus objetivos, subsiste à obrigatoriedade do

Estado de, através da sua máquina burocrática, promover o bem-estar social. Não

sendo capaz de realizar todas as tarefas para atingir seu fim, e, necessitando a

iniciativa privada de campos de trabalho, o Estado estimula essa iniciativa para que

a Administração Pública possa realizar tarefas de interesse público.

Ao delegar as tarefas ao particular, o Estado não o faz escusando-se do

cumprimento das mesmas, como num Estado Liberal Clássico, mas, sim, através de

parcerias, que podem ser de várias maneiras implementadas, dependendo da

legislação do país.

86

O princípio da subsidiariedade vem amparar essa tendência. Isso significa que cabe

ao Estado propiciar aos indivíduos a possibilidade de estes criarem organizações

capazes de promover a ação social, conceito que, para os termos deste trabalho,

coincide com a realização do interesse público. A subsidiariedade implica

nomeadamente a limitação da intervenção estatal sem que esta seja omissa. É uma

proposta de equilíbrio entre o público e o privado.

A organização da sociedade em grupos para cumprir um novo papel social retira

uma carga que antes pendia exclusivamente sobre o Estado, deslocando-o de

Estado-provedor para um Estado-gerencial, e surge uma nova palavra-chave a ser

aplicada ao modelo nascido de Estado: fomento, na acepção de estímulo ao

desenvolvimento de algo que vai ao encontro do interesse público. Esse algo seria a

atividade privada de cunho público.

As organizações do Terceiro Setor, quando financiadas, no todo ou em parte, por

dinheiro público, trabalham com o Estado em regime de cooperação. Para auxiliar

esse funcionamento – retirando um formalismo, que, em exagero, poderia inviabilizar

atividades e fazer o Terceiro Setor perder sua razão de ser –, novos instrumentos

jurídicos foram surgindo em detrimento dos processos licitatórios ordinários.

Uma vez que o fomento tem origem no Estado, constata-se, sem dúvida, que

somente pode a Administração fomentar quando o particular age em sentido público,

posto que precisa haver uma justificação para a migração de recursos. A

legitimidade do fomento repousa sempre no animus, no elemento volitivo da

atividade voluntária auxiliada, cujo fim imprescinde localizar-se no bem-estar

comunitário. O fomento precisa derivar sempre de lei, porquanto os recursos para o

financiamento são públicos.

A atividade de fomento deve seguir todos os princípios das demais atividades

administrativas: supremacia do interesse público sobre o privado, legalidade,

finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, motivação, impessoalidade,

publicidade, moralidade, eficiência, igualdade.

87

O fomento foi positivado por várias leis brasileiras. Em que pesem as controvérsias

acercas desses diplomas legais, os mais importantes para o presente trabalho são

aqueles pertinentes às Organizações Sociais e às OSCIPs.

Isso significa que, para obedecer ao ordenamento jurídico brasileiro, o Terceiro Setor

precisa se submeter aos processos previstos pelo diploma legal para se relacionar

com a Administração Pública.

Assim, atendendo a um clamor vindo das pessoas relacionadas ao Terceiro Setor, o

legislador foi paulatinamente editando diplomas que trouxeram novas formas de

relacionamento entre o voluntariado e o Estado. Criou, para tal, novas

denominações para as organizações, denominações estas que equivalem a

verdadeiros status jurídicos.

Por fim, cabe alinhavar os pontos concernentes à conclusão da pesquisa, para que

seja respondida a questão proposta como tema do presente trabalho: o regime

jurídico das entidades-marco do Terceiro Setor.

88

CONCLUSÃO

Da passagem de Moderno até o Democrático de Direito percebe-se uma crescente

preocupação do Estado em relação ao bem-estar da sociedade, ao mesmo tempo

que se verifica sua incapacidade de atender com eficiência os anseios de todas as

classes sociais. Por sua vez os indivíduos percebem que podem e devem auxiliá-lo

na solução dos problemas sociais, e isso leva a um novo relacionamento entre

sociedade, governo e o mercado.

Organizada, a sociedade passa a desenvolver atividades voltadas à consecução do

interesse público, e o Estado busca, por sua vez, o aprimoramento da eficiência de

seus órgãos administrativos, através de uma reforma em seu aparelho.

Este novo Estado, agora reformado, possibilita à sociedade organizada o

financiamento da execução de tarefas menores sem escusar-se do cumprimento das

mesmas, mas efetuando-as através de parcerias.

Instituídas sob amparo do direito à liberdade, especialmente da livre associação, e,

ademais, voltadas à obtenção do interesse público conforme delineado pelo sistema

normativo; as organizações sociais desenvolvem suas atividades fora do aparelho

estatal e se dedicam às atividades sem fins lucrativos, constituindo, portanto, um

Terceiro Setor – considerando-se o Primeiro como o Estado e o Segundo como o

mercado.

O avanço do Terceiro Setor não leva à substituição da prestação estatal de serviços

na área social pela iniciativa particular; possui, sim, um caráter de complementação

das ações desempenhadas pelo Estado, seja pela ineficiência deste, seja como

forma de fazer valer os direitos de cidadania indicados na Constituição Federal de

1988.

A prestação dos serviços sociais podem ser delegadas ao Terceiro Setor através da

concessão - desde que a entidade os execute em nome próprio, por sua conta e

89

risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas

sob garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela

própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas

diretamente dos usuários do serviço - ou através da permissão a alguém que recebe

do Poder Público, através de ato unilateral e precário, o consentimento para

desempenho de um serviço de sua alçada, proporcionando, à moda do que se

realiza na concessão, a possibilidade de cobrança de tarifas dos usuários.

É importante ressaltar que os serviços sociais não se confundem com os serviços

públicos, pois a sua prestação será feita pelo Estado, bem como por organizações

privadas, afastadas a titularidade jurídica exclusiva do primeiro nesta atividade –

uma vez que inexiste a figura de delegação, conforme determina o sistema

constitucional pátrio, assegurando-se a livre ação dessas pessoas privadas. Nestes

termos, a adoção do princípio da autonomia privada e a vinculação dos particulares

aos interesses públicos prestigiados em lei, sujeitos à fiscalização para coibir

desvios em seus escopos, prenunciam a formação de um regime jurídico de caráter

misto para estas organizações do Terceiro Setor.

No Brasil, o Terceiro Setor nasce para assumir a responsabilidade atribuída pela

Constituição Federal de 1988 como forma de exercício de cidadania e, ao mesmo

tempo, o combate à real ineficiência estatal na realização dos direitos sociais. Para

serem constituídas, as organização sociais devem observar as características de

formalidade – alguma forma de institucionalização; de estrutura –, devendo ser

privadas; de gestão – realizando sua própria gestão; de finalidade pública –,

desenvolvendo atividades de interesse da coletividade; de finalidade não lucrativa –

não podendo distribuir dividendos de lucros aos dirigentes e, por último, de

voluntariedade – a maior parte do serviço é voluntário, ou seja, não remunerado.

O Terceiro Setor é compreendido por ações realizadas tanto por pessoas físicas

quanto por pessoas jurídicas de direito privado - importando que essas ações não

visem ao lucro e sejam prestadas em atuação complementar às atividades do

Estado -, podendo assumir duas formas distintas: as associações civis e as

fundações privadas.

90

Nesse sentido, para que seja considerada entidade do Terceiro Setor, basta a

organização possuir elementos característicos próprios, como a liberdade de

associação, ausência de fins lucrativos e estar voltada à consecução do interesse

público. O Estado apenas lhe outorga título jurídico especial, como a declaração de

utilidade pública, o certificado de entidade de fins filantrópicos e as qualificações

como Organização Social (OS) e Organização da Sociedade Civil de Interesse

Público (OSCIP). Tais títulos não denotam a formação de uma nova pessoa jurídica,

mas o desempenho de atividade administrativa de fomento - pelo qual se pode

assegurar a obtenção de título honorífico ou recurso e bens de origem pública para a

execução de serviços sociais.

Esta subsidiariedade resguarda a autonomia e a liberdade humana e propicia aos

indivíduos a possibilidade de criarem organizações capazes de promover ações

sociais. Limita a intervenção do Estado sem que este seja omisso e permite o

equilíbrio entre o público e o privado.

A intervenção do Estado subordina-se aos critérios de necessidade e adequação,

assegurando o exercício dos direitos individuais, sobretudo à liberdade, e o incentivo

às iniciativas privadas de interesse público, conhecido como atividade administrativa

de fomento voltada para a consecução dos direitos e interesses coletivos e difusos.

O perfil das OSCIPs, modelo ao qual se atribui o marco legal do Terceiro Setor, foi

descrito pela Lei nº. 9.790/1999, mas, diante da inexistência de definição legal de

OSCIP, cumpre ao doutrinador construir uma definição dotada, sobretudo, de cunho

operacional. E dos conceitos sugeridos no presente estudo, podem ser extraídos os

seguintes traços jurídicos fundamentais: a Organização da Sociedade Civil de

Interesse Público (OSCIP) constitui um título fornecido pelo Ministério da Justiça,

cuja finalidade é facilitar o estabelecimento de parcerias e convênios com todos os

níveis de governo e órgãos públicos (Federal, Estadual e Municipal), permitindo que

doações realizadas por empresas possam ser descontadas no imposto de renda.

São pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, não havendo a

possibilidade de distribuição de lucros ou dividendos entre os membros; entretanto,

faculta-se a remuneração de dirigentes e daqueles que prestem serviços

91

específicos, respeitados os limites a fim de que o referido escopo não seja

desvirtuado.

Os serviços por elas prestados buscam a satisfação do interesse público, conforme

delineado pela lei, sendo marca fundamental na definição do escopo dessas

organizações privadas a vedação à qualificação de entidades de benefícios mútuo

voltadas à satisfação de um núcleo restrito de sócios ou associados, conforme o

disposto no art. 2°, inciso V, da Lei Federal 9.790/1999.

Não atuam de modo isolado e fragmentado, ao contrário, surgem como reflexo da

atividade administrativa de fomento, empreendendo iniciativas em colaboração com

a ação estatal em áreas sociais definidas em lei, como a promoção da assistência

social, da cultura, da educação e saúde gratuitas, entre outras. São criadas e

geridas exclusivamente pelos particulares, o que as diferencia das Organizações

Sociais (OS), cuja gestão sofre a ingerência do Poder Público mediante a

participação de representantes no órgão colegiado deliberativo.

São qualificadas pelo Estado mediante ato de outorga do título jurídico de

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. Assim como as Organizações

Sociais (OS), as OSCIPs não passam a integrar uma nova categoria de pessoa

jurídica, apenas recebem um reconhecimento especial – título jurídico – por força de

preenchimento de condições estabelecidas na lei reguladora, mas é-lhes

possibilitada a destinação de recursos e bens a título de incentivo às iniciativas

privadas de interesse público, mediante a celebração de termo de parceira.

Apesar de constituir nomenclatura nova para o Direito Público, a parceira que tem

origem no Direito Privado e remonta à distribuição de lucros agora é utilizada com

forma de promoção dos objetivos de interesse público - para representar a união de

esforços entre Estado e mercado, a partir de iniciativas legislativas, bem como pela

aceitação pela doutrina no âmbito do Direito Público.

As OSCIPs são continuamente fiscalizadas: verifica-se, por um lado, o exercício da

polícia administrativa e, por outro lado, o controle da política de fomento. Os serviços

sociais estão livres ao desempenho pelos particulares, o que não afasta, diante do

92

interesse público prestigiado pela ordem jurídica, o exercício pelo Poder Público de

missões relativas à autorização, regulamentação e fiscalização do atendimento por

eles prestados. Trata-se da chamada polícia administrativa, tida como o

condicionamento do exercício à liberdade e à prioridade dos indivíduos a fim de

adequá-los ao bem-estar e aos interesses da coletividade.

Por outro lado, detecta-se a vigilância estatal decorrente de atividade particular

incentivada pelo Estado, pela qual busca-se, em vez de limitar o exercício de direito

propriamente dito, adequar a conduta da organização privada às diretrizes e

obrigações relativas à política pública de fomento, fenômeno freqüente na outorga

de títulos jurídicos e nos ajustes firmados com o Poder Público (termo de parceria),

passível, inclusive, de acarretar a perda da qualificação ou, ainda, a extinção da

parceria.

A Lei nº. 9.790/1999, em seu artigo 4º, I a VII, estabelece que as normas ou

disposições dos estatutos das OSCIPs devem observar os princípios da legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência; constituir um

conselho fiscal ou órgão equivalente dotado de competência para opinar sobre os

relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações patrimoniais

realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade;

possibilitar a instituição de remuneração para os dirigentes da entidade que atuem

efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam serviços

específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado,

na região correspondente a sua área de atuação.

Os requisitos apresentados demonstram que as OSCIPs, apesar de regime jurídico

privado a que se submetem, devem observar derrogações oriundas do direito

público. A observância dos princípios constitucionais expressos da administração

pública, mesmo não se tratando sequer de entes da administração indireta, denota o

alcance das regras que marcam a natureza pública dessas Organizações do

Terceiro Setor.

Em síntese, o regime jurídico especial decorre do conjunto de preceitos jurídicos

aplicáveis às OSCIPs, que asseguram, de um lado, a liberdade e o princípio da

93

autonomia privada, típicos do regime jurídico de direito privado, e de outro, a

consecução de objetivos voltados à satisfação do interesse público, segundo

princípios e normas específicos, próprios do regime jurídico de direito público, como

a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade. Torna-se oportuno

sublinhar que há derrogação parcial das normas de direito privado, haja vista o

dever do Ministério da Justiça de prestar informações acerca das OSCIPs, restrito,

obviamente, aos dados relacionados com o ato de qualificação e a execução do

termo de parceria.

È importante realçar que a criação da pessoa jurídica de direito privado, sem fins

lucrativos, não se confunde com a qualificação outorgada pelo Poder Público como

OSCIP. A primeira diz respeito à substância das organizações privadas e submete-

se às regras previstas na legislação civil, segundo os arts. 45, 46 e demais

dispositivos do Código Civil e arts. 114 e seguintes da Lei nº. 6.015/1973; enquanto

o ato de qualificação revela o reconhecimento - certificação de suas qualidades

institucionais inerentes à consecução de atividades de interesse público, sendo

aplicável a Lei nº. 9.790/1999.

Os critérios de qualificação como OSCIP podem ser divididos em formais e

finalísticos. Os formais referem-se aos documentos que acompanham o

requerimento dirigido ao Ministério da Justiça: estatuto registrado em cartório, ata de

eleição da diretoria atual, balanço patrimonial e demonstração do resultado do

exercício, declaração de isenção de imposto de renda e inscrição no cadastro geral

de contribuintes, segundo o art. 5°, incisos I a V, da Lei nº. 9.790/1999. Os requisitos

finalísticos decorrem de regras que apontam os objetivos ou princípios a serem

perseguidos pelas OSCIPs, como a promoção da assistência social, da cultura, da

segurança alimentar e nutricional ou, ainda, a observância dos princípios da

impessoalidade, moralidade e publicidade, conforme o arts. 3º e 4° da referida lei.

A perda da qualificação depende inevitavelmente de prévio processo administrativo

ou judicial, uma vez que nenhuma penalidade pode ser aplicada sem o devido

processo legal, com as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Através de processo administrativo ou judicial, dever-se-á buscar a verdade material,

94

apurando-se se a OSCIP de fato não cumpriu alguma cláusula do termo de parceria,

o que autoriza sua desqualificação.

A perda do título de OSCIP pode se dar tanto no âmbito administrativo quanto

jurisdicional. A eventual desqualificação da entidade, dentro do processo

administrativo ou judicial, deve ser motivada apontando as obrigações assumidas e

não cumpridas pela entidade e o fundamento legal que autoriza a desqualificação

dentro de uma razoabilidade considerada.

A invalidação do ato de qualificação, ao término de processo iniciado pelo cidadão

ou pelo Ministério Público, será um imperativo sempre que não se verifiquem mais

os pressupostos fáticos descritos na Lei para a emissão do título jurídico ou diante

das hipóteses de erro e fraude, respeitando o devido processo legal como

pressuposto constitucional indispensável para a perda desse título jurídico. A perda

da qualificação poderá resultar, ademais, de pedidos apresentados pela própria

entidade social, de acordo com o art. 8° da supracitada lei.

Ainda que existam semelhanças entre a Organização Social (OS) e a Organização

da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), como caráter não lucrativo e

prestação de serviços de interesse público - ou de relevância pública, algumas

distinções fundamentais merecem ser demarcadas. Tanto o ato de qualificação

quanto a perda do título jurídico de Organização Social possuem caráter

marcadamente discricionário.

A Lei nº. 9.637/1998, em seu art. 2º, inciso II, estabelece que o critério de

conveniência e oportunidade a ser adotado pelo Ministro de Estado; já no art. 16

apresenta a faculdade atribuída ao Poder Executivo diante da desqualificação da

entidade em descompasso da entidade da legalidade e da segurança jurídica. As

entidades portadoras do título de Organização da Sociedade Civil de Interesse

Público, por sua vez, são qualificadas mediante critérios legais objetivos e, ainda,

não remanesce qualquer dúvida acerca da obrigatoriedade da perda dessa

qualificação, caso não mantenham alguns dos atributos indispensáveis à outorga do

título jurídico.

95

A gestão das Organizações Sociais (OS) é objeto de ingerência por parte do Poder

Público mediante a participação de seus representantes no órgão colegiado,

deliberativo, enquanto o modelo das Organizações da Sociedade Civil de Interesse

Público assegura a administração autônoma dessas organizações, contemplando na

sua plenitude o direito constitucional à livre associação. Enquanto as OSCIPs

recebem, a título de fomento, recursos e bens públicos, as Organizações Sociais

(OS) são beneficiárias do que denominamos imoderada atividade de fomento,

contando com recursos - inclusive orçamentários -; bens - permissão de uso de bens

imóveis sem prévia licitação -; servidores públicos em cessão; veiculação de

publicidade institucional de entes de direito público e absorção de atividades

exercidas por entes da União Federal.

Ao contrário das OS, as atividades das OSCIPs mantêm-se mais abertas ao controle

pela sociedade. A celebração do termo de parceria com o Poder Público será

precedida de consulta ao Conselho de Políticas Públicas, de acordo com o art. 10°,

parágrafo 1°, Conselho esse composto por representantes da sociedade. Ademais, a

execução da parceria será acompanhada e fiscalizada pelo mesmo órgão colegiado,

consoante o art. 11, caput, da Lei nº. 9.790/1999.

A responsabilidade pelos atos das OSCIPs, em regra, é subjetiva, aplicada, por sua

vez, a obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos

específicos em lei, ou, ainda, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo

autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem, conforme

o art. 927, parágrafo único, Código Civil. A responsabilidade do Estado decorre

fundamentalmente de negligência na fiscalização do termo de parceria. Aplica-se

aos administradores da OSCIP o regramento de direito societário no que se refere à

responsabilidade civil, de acordo com o art. 158, incisos I e II, da Lei nº. 6.404/1976.

A instituição do titulo jurídico referente às OSCIPs visa, fundamentalmente, conferir

um mesmo tratamento às entidades beneficiárias da atividade administrativa de

fomento, proibindo-se a outorga de benefícios sob o amparo de critérios casuísticos

e individuais, além de impor um controle especial a organizações portadoras deste

título, o que denota significativo avanço, se comparado à declaração de utilidade

pública.

96

A reforma administrativa, ao instituir novas categorias de fomento como as OSCIPs,

não inovou no que se refere à administração participativa, pois já existia, por obra do

constituinte de 1988, suporte normativo para a participação popular no processo de

decisão político-administrativa, seja mediante a atuação do cidadão nos Conselhos

de Políticas Públicas e demais instâncias administrativas, seja mediante os modelos

cooperativos de participação, pelos quais as organizações privadas prestam

colaboração às ações encampadas pelo Poder Público em confluência com o

interesse coletivo.

O “marco legal do terceiro setor” decorre seguramente da edição da Lei Federal

9.970/1999, no entanto se esgota nela. As Organizações da Sociedade Civil de

Interesse Público não são fins em si, mas instrumentos destinados à implementação

de iniciativas privadas de interesse público, no bojo da atividade administrativa de

fomento e, ainda, em incondicional conformidade com o modelo constitucional do

Estado Social e Democrático de Direito.

97

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Projeto de Lei n. 3.877, de 13 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o registro, fiscalização e controle das Organizações Não Governamentais.