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O NASCIMENTO DA FILOSOFIA Filosofia: conceito, objetivo, períodos e paradigmas Introdução A Filosofia do Direito figura como disciplina do eixo fundamental na formação do profissional do Direito, ou seja, está inserida entre os conhecimentos que constituem a base sobre a qual o jurista irá construir seu edifício jurídico. De uma forma geral os profissionais das várias carreiras jurídicas, bem como os acadêmicos de Direito, pouco se interessam pelas lições da Filosofia do Direito e a tratam como um peso ou obstáculo que precisa ser superado, já que é conteúdo obrigatório no currículo do curso. Contudo, por detrás dessa visão predominante, há realidades que podem ser exploradas a fim de trazerem ao acadêmico ou ao profissional do Direito, grandes contribuições para uma leitura mais completa do universo jurídico. Aqueles que conseguem ultrapassar as primeiras barreiras da racionalidade imediatista, experimentam grandes ganhos ao filosofarem sobre o Direito e percebem a importância que essa atitude tem. Breve resgate histórico da filosofia ocidental Ao se colocar em foco a Filosofia do Direito, surge a necessidade de contextualizá-la no cenário da construção histórica do pensamento ocidental; antes de investigar qualquer temática ligada à Filosofia do Direito, é mister trazer à tona, mesmo que de forma sucinta, algo sobre a Filosofia em sentido amplo ou Filosofia Geral. A Filosofia nasce com o desejo de encontrar respostas capazes de satisfazer uma curiosidade humana alimentada por uma Razão inquieta. As respostas até então existentes estavam fundadas nos mitos e, portanto revestidas de mistérios, forças sobrenaturais e fé; não suportavam questionamentos e usavam o aparato cultural para terem sentido. Ao buscar superar essa metodologia, a Filosofia enfrenta os desafios de desbravar novos caminhos; de enfrentar as tradições e chocar com as verdades já prontas e acabadas. Essas verdades eram apregoadas prioritariamente através dos mitos que eram transmitidos oralmente de geração para geração. Segundo Japiassú e Marcondes (1989, p. 183), Mito é “narrativa lendária, pertencente à tradição cultural de um povo, que explica através do apelo ao sobrenatural, ao divino e ao misterioso, a origem do universo, o funcionamento da natureza e a origem e os valores básicos do próprio povo”.

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O NASCIMENTO DA FILOSOFIA

Filosofia: conceito, objetivo, períodos e paradigmas

Introdução

A Filosofia do Direito figura como disciplina do eixo fundamental na formação do profissional do Direito, ou seja, está inserida entre os conhecimentos que constituem a base sobre a qual o jurista irá construir seu edifício jurídico.

De uma forma geral os profissionais das várias carreiras jurídicas, bem como os acadêmicos de Direito, pouco se interessam pelas lições da Filosofia do Direito e a tratam como um peso ou obstáculo que precisa ser superado, já que é conteúdo obrigatório no currículo do curso.

Contudo, por detrás dessa visão predominante, há realidades que podem ser exploradas a fim de trazerem ao acadêmico ou ao profissional do Direito, grandes contribuições para uma leitura mais completa do universo jurídico. Aqueles que conseguem ultrapassar as primeiras barreiras da racionalidade imediatista, experimentam grandes ganhos ao filosofarem sobre o Direito e percebem a importância que essa atitude tem.

Breve resgate histórico da filosofia ocidental

Ao se colocar em foco a Filosofia do Direito, surge a necessidade de contextualizá-la no cenário da construção histórica do pensamento ocidental; antes de investigar qualquer temática ligada à Filosofia do Direito, é mister trazer à tona, mesmo que de forma sucinta, algo sobre a Filosofia em sentido amplo ou Filosofia Geral.

A Filosofia nasce com o desejo de encontrar respostas capazes de satisfazer uma curiosidade humana alimentada por uma Razão inquieta. As respostas até então existentes estavam fundadas nos mitos e, portanto revestidas de mistérios, forças sobrenaturais e fé; não suportavam questionamentos e usavam o aparato cultural para terem sentido. Ao buscar superar essa metodologia, a Filosofia enfrenta os desafios de desbravar novos caminhos; de enfrentar as tradições e chocar com as verdades já prontas e acabadas.

Essas verdades eram apregoadas prioritariamente através dos mitos que eram transmitidos oralmente de geração para geração. Segundo Japiassú e Marcondes (1989, p. 183), Mito é “narrativa lendária, pertencente à tradição cultural de um povo, que explica através do apelo ao sobrenatural, ao divino e ao misterioso, a origem do universo, o funcionamento da natureza e a origem e os valores básicos do próprio povo”.

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Em outras palavras, Mito é uma história que surge no seio da cultura de um povo e que tem a finalidade de explicar as diversas dúvidas existentes, bem como organizar a vida social e possibilitar a perpetuação desse povo.

Os Mitos não se preocupavam com uma explicação que pudesse ser debatida ou reelaborada à luz de novidades. Ao contrário, os Mitos se constituíam como verdades que eram transmitidas de geração para geração, oralmente.

Com o aparecimento da escrita, o uso cada vez mais intenso da moeda, o aumento das relações comerciais nas cidades-estados portuárias gregas, o germe da democracia vivenciado através dos debates nas praças públicas, entre outros fatores, os Mitos começam a se enfraquecer e, aos poucos, surge a possibilidade e a necessidade da Filosofia.

A Filosofia nasce na Grécia antiga, aproximadamente no século VI a. C. e o primeiro filósofo de que se tem notícia é Tales de Mileto. “Todas as coisas são feitas de água, teria dito Tales de Mileto. E assim começam a Filosofia e a Ciência” (RUSSELL, 2001. p. 21). Tales e alguns de seus contemporâneos praticaram uma Filosofia voltada para a compreensão dos fenômenos naturais. Buscaram explicar os fenômenos naturais, que até então eram explicados através dos mitos, usando uma metodologia de cunho predominantemente racional.

Atribui-se ao grego Pitágoras de Samos (570-497) a invenção da palavra filosofia ( O que ama ser sábio ou tem amizade pelo saber)

Essa busca pela compreensão do que acontece no mundo natural sem se valer de explicações, que extrapolem este mesmo mundo, é a mais importante marca dos primeiros filósofos. Esse desejo de compreender o mundo natural levou os primeiros filósofos a investigarem acerca de algum elemento que desse sustentabilidade à ordem presente no mundo. Assim nasceu a busca pelo arché, um elemento primordial que seria a causa de toda realidade. Um elemento que tivesse presente em tudo, que tivesse gerado tudo e que não tivesse sido gerado por nada. Esse princípio de tudo é insistentemente procurado pelos primeiros filósofos. Segundo Reale e Antiseri (1990a, p. 30), arché pode ser entendido como

“a) a fonte e origem de todas as coisas;

b) a foz ou termo último de todas as coisas;

c) o sustentáculo permanente que mantém todas as coisas (a ‘substância’, poderíamos dizer, usando um termo posterior). Em suma, o “princípio” pode ser definido como aquilo do qual provêm, aquilo no qual se concluem e aquilo pelo qual existem e subsistem todas as coisas”.

Evidentemente a busca por um elemento primordial se faz dentro de um contexto que leva em conta outros pressupostos, tais como a existência de uma lógica de causalidade inerente à ordem natural; o compromisso com o logos (razão informadora do discurso racional); a convicção de que a ordem presente no cosmos era acessível à racionalidade humana. Levando-se em conta esses e outros fatores, a humanidade, representada pelos gregos, abre uma nova forma de compreender e interpretar a vida, a sociedade e o mundo. Surge, assim, o que posteriormente será chamado de Filosofia.

Depois dessa fase introdutória da Filosofia, surge no cenário grego a emblemática figura de Sócrates que inaugura um período novo chamado de Período Clássico. Nesse período aparecem as figuras de Sócrates em permanente oposição aos Sofistas; Platão, idealista, fundador de uma visão metafísica de realidade; e Aristóteles, valorizador do materialismo e da experiência. Para Russell (2001, p. 66), Sócrates, Platão e Aristóteles são as “três maiores figuras da Filosofia Grega”.

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A Filosofia Clássica debate amplamente sobre a questão ontológica, metafísica e gnosiológica; discute também sobre os valores que devem ser considerados para a construção de uma sociedade justa e solidária. Nesse ponto, os filósofos se posicionam claramente sobre o conceito de justiça, o papel dos agentes detentores do poder político e até dão orientações sobre os princípios fundantes da vida social.

Para Mondim (1982a, p. 46), dos seguidores do pensamento socrático, podemos extrair três tendências oriundas do próprio Sócrates: a moral (Xenofonte); a metafísica e as difíceis preocupações com o ser (Platão) e a postura de um filósofo que ensina doutrinas (Aristóteles).

Platão se destaca como filósofo de perspectiva idealista. Para ele, a compreensão Racional da Ideia é o caminho que leva ao conhecimento da realidade, da verdade; Aristóteles, por sua vez, valoriza o conhecimento de natureza sensível, material. Pode-se dizer que esses dois filósofos estabeleceram as bases sobres as quais a Filosofia Ocidental construiu todo seu edifício teórico.

Encerrado o período áureo da Filosofia Grega, o grande movimento filosófico que o sucede é a chamada Filosofia Medieval de caráter cristão. Os medievais, imersos na atmosfera cristã e envolvidos nos novos cenários de organização sócio-política-econômica vigentes, se ocuparam predominantemente dos temas cristãos. Não há dúvida das riquezas dessa época, mas a diversidade temática não foi marcante. Russell (2001, p. 170) não faz rodeios para dizer que “a filosofia se converteu num ramo do saber destinado a justificar o domínio do cristianismo […]”.

A característica mais marcante da Filosofia Medieval foi, em função da força da instituição religiosa cristã, o teocentrismo. Pode-se dizer que o filósofo medieval pratica uma reflexão filosófica que parte de Deus, passa por Deus e de algum modo chega a Deus.

“A filosofia que se produziu durante toda a Idade Média está intimamente ligada, em suas origens à expansão do cristianismo. Os maiores representantes do pensamento medieval foram cristãos fervorosos […] que procuraram conciliar os métodos filosóficos dos gregos aos ensinamentos da fé cristã, para refletir sobre o mundo e o ser humano dentro de uma perspectiva teocêntrica (CHALITA, 2005, p. 99)”.

Dois grandes movimentos marcaram a Filosofia Medieval: a Patrística e a Escolástica. A Patrística pode ser ilustrada pela figura de Santo Agostinho “que sistematizou todo o pensamento católico que vinha sendo construído” (INCONTRI e BIGHETO, 2008, p. 375). Na Filosofia Patrística se destaca a defesa da doutrina cristã, nas palavras de Japiassú e Marcondes (1996, p. 208) pode-se ler: “A Patrística surge quando o cristianismo se difunde e se consolida como religião de importância social e política, e a Igreja se firma como instituição, formando-se então a base filosófica da doutrina cristã, especialmente na medida em que esta se opõe ao paganismo e às heresias que ameaçam sua própria unidade interna. Predominam assim os textos apologéticos em defesa do cristianismo”.

A Escolástica “caracteriza-se principalmente pela tentativa de conciliar os dogmas da fé cristã e as verdades reveladas nas Sagradas Escrituras com as doutrinas filosóficas clássicas” (JAPIASSÚ e MARCONDES, 1996, p. 87). O principal representante da Escolástica é Santo Tomás de Aquino.

É comum se dizer que Santo Agostinho cristianizou o pensamento de Platão, enquanto Santo Tomás de Aquino cuidou de fazer o mesmo com Aristóteles. Vale registrar os dizeres de Rezende (2002, p. 96) quando aborda essa relação dos pensadores medievais com os gregos clássicos: “Enquanto Platão foi o filósofo que mais diretamente influiu no pensamento de Santo Agostinho, a presença marcante da filosofia de Aristóteles é o que caracteriza o pensamento de Santo Tomás. O mesmo trabalho realizado por Santo Agostinho ao cristianizar a filosofia platônica foi feito por Santo Tomás em relação à filosofia aristotélica”.

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Do ponto de vista histórico, a Idade Média durou em torno de um milênio, mas um conjunto de fatores levou ao enfraquecimento das estruturas constituídas e construídas ao longo de todo esse tempo e, a partir do século XIV, várias transformações levaram ao fim do império medieval e possibilitaram o surgimento de novas concepções de mundo e de homem.

No lugar do teocentrismo, característica marcante do pensamento medieval, surge uma forte supervalorização do homem, que passa a ocupar o centro das atenções. E esse homem é portador de uma Razão confiável o bastante para poder descartar toda e qualquer realidade que não se harmonizava com as ideias e com os valores encampados por essa Razão.

Para Lamanna, [s. d.] citado por Mondim (1982b, p. 8) pode-se dizer o seguinte da Modernidade que nascia com o final do pensamento medieval: “O mundo moderno caracteriza-se justamente pelo oposto: não mais teocentrismo, nem autoritarismo eclesiástico, mas autonomia do mundo da cultura em relação a todo fim transcendente;livre explicação da atividade que o constitui ; supremacia da evidência racional na procura da verdade; consciência do valor absoluto da pessoa humana e afirmação do seu poder soberano sobre o mundo”.

Entre outras, podem ser citadas duas temáticas marcantes da Filosofia Moderna: a busca de compreensão da origem social do homem e a consequente lógica que poderia legitimar o exercício do poder político – tema trabalhado pelos contratualistas; e o problema do conhecimento. De que forma pode o homem chegar ao conhecimento da verdade: através da Razão ou da Experiência? Esse tema é trabalhado por racionalistas e empiristas, conforme se lê no texto abaixo: “Há, inicialmente na Filosofia, duas vertentes sobre a questão do conhecimento: o racionalismo e o empirismo. O Racionalismo e o Empirismo expressam em comum a preocupação fundamental face aos problemas do conhecimento, ponto de referência básico da Filosofia Moderna (MEIRO, 2011, p. 01)”.

Todos os esforços Modernos encontram seu ápice no Iluminismo que inspirou os ideais da Revolução Francesa. Essa Revolução icnográfica serve como referência para a compreensão de vários dos elementos presentes nas organizações sociopolíticas atuais e marca, segundo critérios historiográficos clássicos, o fim da modernidade e o início da Contemporaneidade.

Na Filosofia Contemporânea, diferente do que se verifica nos momentos anteriores, não se pode estabelecer uma linha temática que a perpassa, aliás, filosoficamente falando, o Período Contemporâneo se caracteriza por uma pluralidade de interesses e indagações que fazem com que Filosofia só possa ser compreendida à luz das correntes ou escolas dentro das quais se manifestam os pensamentos e os pensadores. Cada Escola ou Corrente filosófica tem seu objeto, suas metodologias, suas convicções, seus pontos de partida, suas conclusões.

“Uma das principais características de toda a Filosofia do século XX é a desconfiança nos grandes sistemas de pensamento que pretendem dar conta de toda a realidade,como eram o idealismo alemão e o materialismo histórico de Marx. A Filosofia se tornou mais recatada em suas intenções […]. Por isso ela se tornou multifacetada, com tendências particulares e difíceis de serem mapeadas (INCONTRI e BIGHETO, 2008, p. 406)”.

Toda essa viagem pela História do Pensamento Ocidental revela que não é recente a preocupação do Homem com a arte de pensar seus pensamentos. A Filosofia é o compromisso de pensar o pensamento. De pensar aquilo que o pensamento produz. A história está repleta de tentativas de compreender de forma mais profunda, completa e complexa as concepções que o homem tem de si mesmo, do mundo em que vive, da sociedade a que pertence, dos valores que deseja ver perpetuar.

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Na medida em que o Direito é uma realidade produzida pela razão humana, na medida em que ele é um ser cultural (GALVES, 2002, p. 21) ele também é objeto especialmente pensado pela Filosofia, o que leva à percepção de que pode e deve haver uma Filosofia do Direito.

Pode-se dizer que uma das relações da Filosofia com o Direito passará pela tentativa de avaliar, de sopesar a atuação do Direito frente à sociedade a fim de contribuir para que ele, o Direito, busque os aprimoramentos possíveis e necessários ao alcance de sua primordial meta: organizar, de forma razoável, a sociedade administrando de modo equânime as divergências de interesses dos indivíduos que compõem a sociedade.

Uma leitura atenta da História do Pensamento do Ocidente revela que mesmo que o tema Direito não estivesse sendo explicitamente abordado, desde os primórdios da reflexão filosófica, temas muito intimamente ligados a ele o foram, o que faz com que o Direito tenha sido indiretamente pensado pela história da Filosofia. Quando Platão propõe os pilares de uma república ideal; quando Aristóteles estabelece parâmetros para um comportamento ético; Hobbes indica os moldes do Pacto Social; Locke conclui que o poder emana do povo; quando Maquiavel prescreve conselhos ao Príncipe; Kant debate sobre os valores na Metafísica dos Costumes; Hegel descortina os pilares de uma Filosofia do Direito ou quando Harent investiga sobre a origem do totalitarismo, está o Direito, de alguma forma, sendo pensado e influenciado. Está o Direito sendo, mesmo que indiretamente, objeto ou destinatário de reflexões filosóficas.

Assim sendo, na História da Filosofia podem ser encontradas diversas reflexões filosóficas que aproveitam ao Direito, mesmo porque, partindo da ideia de que o fim do Direito é a Justiça e a Justiça (independente das elucubrações filosóficas feitas a seu respeito) é uma expectativa dos homens de todas as épocas, em todos os seus períodos a Filosofia se preocupou com ela e, consequentemente, com o Direito. Ilustra bem essa afirmação as palavras de Cretella Junior (1993, p. 5): “O problema da justiça que é a força motriz que impulsiona o Direito é, no fundo, problema eminentemente e, por excelência, filosófico”.

As palavras de Del Vecchio (2006, p. 11) corroboram com esse entendimento:

“A história da Filosofia do Direito, especificamente, nos mostra, antes de tudo, que em todo tempo se meditou sobre o problema do direito e da justiça, o qual, em verdade, não foi artificiosamente inventado, mas corresponde a uma necessidade natural e constante do espírito humano. Todavia, a Filosofia do Direito, em sua origem, não se apresenta autônoma, mas mesclada à Teologia, à Moral, à Política”.

Mas em que consiste a Filosofia do Direito propriamente dita? Essa pergunta será enfrentada no próximo tópico.

FINALIDADE DE FILOSOFIA APLICADA AO DIREITO

consiste em “despertar a dúvida sobre as “verdades” jurídicas, geralmente ideológicas, e, como tal, históricas; abrir a mente para a realidade jurídica, imperfeita, e, quase sempre, injusta; incentivar reformas jurídicas, criando a consciência de a lei ser obra inacabada, em conflito permanente com o direito. Paulo Dourado Gusmão

O que é Filosofia do Direito?

Essa pergunta é inevitável, e mesmo que pareça irônico, já é uma pergunta filosófico-jurídica, ou seja, já se começa a fazer Filosofia do Direito quando se questiona a respeito do que seja Filosofia do Direito.

Praticamente todos os autores que se debruçam sobre o objeto jurídico com a finalidade de extrair dele uma leitura filosófica acabam buscando uma resposta para essa pergunta. De alguma forma, esse caminho acaba

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se tornando inevitável, pois, ao se perguntar sobre o conceito de Filosofia do Direito, o pensador estabelece critérios e bases que organizam e delimitam seu trabalho filosófico.

Galves (2002, p. 1) responde a essa pergunta de forma direta, mas muito abrangente, para ele, “Filosofia do Direito é o estudo das questões fundamentais do Direito como um todo. Fundamentais, por que se trata, ao pé da letra, do alicerce, das questões básicas, sobre cujas soluções se ergue todo o edifício do Direito. Como um todo, porque se trata de questões cujas soluções empenham todo o corpo do Direito, e, por isso, interessam todos os ramos em que se divide a ciência jurídica”.

Nesse conceito, aparentemente modesto, veem-se dois critérios exigidos da atividade filosófica: a necessidade de amplitude e a necessidade de profundidade. Uma reflexão filosófica precisa ser ampla, global, ou seja, deve ser um “tipo de reflexão totalizante, de conjunto, porque examina os problemas relacionando os diversos aspectos entre si” (ARANHA e MARTINS, 2009, p. 21). Evidentemente o conceito em análise indica que essa totalidade buscada pela reflexão filosófica deve estar direcionada ao Direito, de maneira que o Filósofo do Direito esteja comprometido com a busca de uma visão unitária e ampla do universo jurídico.

O outro critério, a profundidade, pressupõe a busca das raízes mais profundas de seu objeto de estudo, pois “a filosofia é radical, não no sentido corriqueiro de ser inflexível – nesse caso seria antifilosófica! –, mas porque busca explicitar os conceitos fundamentais usados em todos os campos do pensar e do agir” (ARANHA e MARTINS, 2009, p. 20).

Voltada para o Direito é certo que a Filosofia deve comprometer-se com a busca das fundamentações daqueles elementos que dão sustentabilidade ao edifício jurídico. Levando-se em conta essa metáfora da construção civil, sem boas bases, sem fundações confiantes e bem feitas, nenhuma construção estaria a salvo.

Outro conceito é apresentado por Reale (2002, p. 9), para quem a Filosofia do Direito “é a própria Filosofia enquanto voltada para uma ordem de realidade, que é a ‘Realidade Jurídica’”. Para esse autor, a Filosofia do Direito não é uma disciplina específica, mas o que se chama de Filosofia do Direito é o exercício completo da Filosofia voltado para o objeto Direito.