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1O ESTADO EFICIENTE E SEUS MITOS:

DESAFIOS DO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO NO CONTEXTO DA ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL

Sumário: 1. Introdução- 2 . A reforma do Estadoco papel do direito administrativo: quais fronteiras ainda estão por ultrapassar?: 2.1 O direito administrativo e o Estado em rede; 2.2 M enor intervenção significa a desresponsabilização do Estado-Administração? - 3. Conteúdo jurídico do princípio da eficiência e os objetivos da administração pública gerencial: 3.1 Conteúdo jurídico d o princí­pio da eficiência; 3 .2 O princípio da eficiênciae o novo perfil da Administração Pública - 4 . Os novos (velhos?) desafios do Estado brasileiro em faceda Administração gerencial: interesse público, go­vernança e participação: 4.1 Leituras contemporâneas do conceito de interesse público; 4 .2 Agovernança e o direito admi nistrativo - 5. Conclusões do capítulo.

“\. Introdução

A reforma administrativa do Estado brasileiro na segunda metade da década de 1990 deixou marcas profundas sobre a estrutura e modo de atuação da Administração Pública desde então. Mais do que isso, e como não poderia ser diferente, lançou ao direito administrativo uma série de desafios, relacionados ao novo perfil de Estado geslado, pela interrelaçãode modelos distintos de regulação jurídica, como é o caso da influência norte-americana das agências independentes, iden­tificadas no Brasil sob as espécies de agências reguladoras e agências executivas. Promoveu, ainda, o estreitamento de laços entre os órgãos e entes da Administração e as ações organizadas da sociedade civil, ampliando sensivelmente os modos de colaboração dos particulares na»áreas reservadas à atuação propriamente estatal.

A s c r ític a s re i te r a d a s a o E s ta d o e a o m o d e lo d e A d m in is tra ç ã o P ú b lica b ra sile iro s s ã o , e m g e ra l , ju s ta s , e re m o n ta m a ra z õ e s h is tó r ic a s

24 A N( )VA Al >MINISTRAÇÃÍ ) IH JBI l( A IO DIRHTO Al )MINIS I KAI IV< )

profundas,1 que levaram a dominação do aparato estatal por elites so­ciais que, ao dirigira atuação administrativa em favor de seus próprios interesses, promoveram a reprodução de um modelo exclusivista e ineficiente no tocante à prestação de serviços públicos à população. A este quadro agregou-se a crítica quanto a uma excessiva burocracia administrativa, que, fiel a seus processos, impedia ou retardava a ação administrativa em favor de seu objetivo precípuo, qual seja, a adequada prestação dos serviços públicos. Este fenômeno burocrático, antes de m era realidade na estrutura das organizações estatais (e privadas), é visto, igualmente, com o traço cultural de uma sociedade2 cujas origens

1. D a vasta literatura sobre o tema da dominação do Estado brasileiro, vale a referência à lição do pensador gaúcho Raymundo Faoro , nas conclusões de seu clássico Os donos do poder. Sobre o Estado brasileiro, refere: “De D om João l a Getúlio Vargas, num a viagem de seis séculos, uma estrutura político-social resistiu a todas as transformações fundamentais, aos desafios m ais profundos, ao desafio do oceano largo (...) . Dessa realidade se projeta, em florescimento natural, a forma de poder institucionalizada num tipo de dom ínio: o patrimonialismo, cuja legitimidade assenta no tradicionalismo — assim é porque sem pre fo i". Então prossegue: “Sempre no curso dos anos sem conta, o patrimonialismo estatal, incentivando o setor especulativo da econom ia, e predominantemente voltado ao lucro com o jogo e aventura, ou, na ou tra face, interessado no desenvolvimento econôm ico sob o comando p olítico , para satisfazer imperativos ditados pelo quadro administrativo, c o m seu com ponente civil e m ilitar”. E arrem ata: “E ste cu rso histórico leva à admissão de um sistem a de forças políticas que sociólogos e histo­riadores relutam em reconhecer, atemorizados pelo p arad oxo, em nome d e premissas teóricas de vária índole. Sobre a sociedade, acim a das classes o aparelhamento político - um a camada social, com unitária, embora nem sem pre articulada, am orfa muitas vezes - impera, rege e governa, em nome p róp rio , num círculo imperm eável de com ando. Esta cam ada muda e se renova, mas não representa a nação, senão que, forçada pela lei do tempo, substituí moços por velhos, aptos por inaptos, num processo que cunha e nobilita os recém -vindos, imprim indo-lhes os seus valores”. FAORO, Raym undo. Os donos do poder, v. II. 13. ed. Rio de Janeiro: G lobo, 1998 , p. 7 3 3 -7 3 7 .

2 . CRO Z1ER, Michael. O fenôm eno burocrático. Ensaio sobre as tendências burocráticas do sistemas de organização modernos e suas relações, na prança, com o sistema social e cultural. Trad. Juan Gili Sobrino. Brasília: UnB, 1981, p. 3 0 5 et seq.

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remontam à especialização dos saberes e se convertem em modo de dominação social.3

O contexto da reforma administrativa brasileira, se não des­conhecia estas questões, buscou responder a outro desafio que se colocado às diversas nações a partir de meados da década de 1970. Qual seja., a revisão do Estado com o motor do desenvolvimento econôm ico dos países, mediante intervenção direta sobre omercado, na qualidade de prom otor de atividades econômicas ou em razão de sua forte presença na regulamentação das atividades privadas. O denominado Estado-Providência4 (ou Estado de Bem-Estar, Weljare State), desenvolveu-se a partir das iniciativas norte-am ericanas de intervenção, ainda na década de 1930 (New Deal) , ede modo generalizado a partir do fim da Segunda Guerra mundial (1945), por intermédio de três modelos básicos de atuação: a) indução de com portam entos dos agentes sociais e econômicos; b) destacada regulam entação/direção das atividades econômicas privadas; c) a gestão pública de uma gama cada vez maior de serviços e atividades até então confiadas ao particular.5

A crise deste modelo do Estado-Providência pode ser creditada a vários fatores, tais com o: insuficiência de recursos financeiros estatais para fazer frente a todas as atividades que assume para si e consequente ineficiência da prestação de serviços públicos; o caráter crescentemen te informacional e dinâmico da economia, em comparação a um alegado imobilismo/letargia estatal; o princípio da globalização, que tornaria relativo o alcance da jurisdição nacional estatal; a alteração deuma dada compreensão ideológica sobre o papel do Estado e suas relações com a sociedade, o que é historicamente vinculado ao advento de governos

3. W EBER , Max. Econom iay sociedad. Trad. José Medina Echavarría et alli.11. ed. M éxico: Fondo de Cultura Económ ica, 1997, p. 8 2 8 .

4 . FORSTHOFF, Ernst. Traité de droit administratif aUemand. Trad. Michcl From ont. Bruxelles: Bruylani, 1 9 6 9 , p. 533 etseq.

5. CHEVALLIER, Jacques. Science administrative. 3. cd. Paris: PUf; 20 0 2 , p. 1 7 4 -1 8 7 ; FORSTHOFF, Ernst. Sociedad industrialy administración pública. Trad. Celestino de la Vega, Madrid: Escuela Nacional de Administración Pública, 1 9 6 7 , p. 3 9 et seq.

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e políticas liberais nos Estados Unidos6 e no Reino U nido,7 entre íins da década de 1970 e o início da década seguinte.8

No Brasil, por razões dc ordem polílico-institucional (a abertura democrática e a Constituição que refunda o Estado após os anos de regime autoritário datam da segunda metade da década de 1980), a reforma do Estado terá lugar a partir da segunda metade dos anos 1990,9

6. Para um panorama histórico das iniciativas norte-americanas em favor da administração gerencial, veja-se: MASHAW, Jerry L. Reinventando o go­verno e reforma regulatória. Estudos sobre a desconsideração e o abuso do direito administrativo. In: MATTOS, Paulo (Coord.). Regulação econômica e dem ocracia. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 281 et seq.

7. Para o exame da reforma do Estado no Reino Unido, veja-se o estudo dc JENKINS, Katc. A reforma do serviço público no Reino Unido. In: BRESSER PEREIRA, I.uiz Carlos;SP1NK, Peter (Orgs.). Reforma do listadoe adminis­tração pública gerencial. 7. ed. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2005, p. 201 et seq.

8. Diogo de Figueiredo Moreira Neto faz menção à transição entre um Estado moderno e um Estado pós-moderno, indicando com o fatores externos e internos que levam a esta situação. Como fatores externos aponta: 1. explo­são das comunicações, reavaliação da pessoa humana e emergência de seus direitos fundamentais como fundamento do Direito; 3. democratização; 4. globalização. E como fatores internos: 1. a ineficiência do Estado moderno; e 2. o custo excessivo do Estado moderno. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O novo papel do Estado na economia. Revista de Direito Público da Economia, n. 11. Helo Horizonte: Fórum, ju l.-set. 2005 , p. 99-120.

9. Contudo, é preciso fazer referência que a iniciativa pioneira é o Decreto 83.740/79, que criou o Programa Nacional de Desestatização, restringindo a criação de novas entidades estatais e iniciando o processo de privatização. Em 1985 é criado, através do Dec. 51 .991, o Conselho Interministerial de Privatização. Então, cm 1990, a Lei 8.031 cria o Programa Nacional de Desestatização, o mais amplo do gênero, que acaba por originar extensa legislação a respeito! Em 1997, a I ei 9.491 altera procedimentos do PND e revoga a I ei 8.031/90. A respeito desta evolução legislativa: TÁCITO, Caio. "O retorno do pêndulo: serviço público e empresa privada. (!) exemplo brasi­leiro." In: Revistadc Direito Administrativo, n° 202. Rio de Janeiro: Renovar. out.-dez./1995.p. 1-10. Diga-se, do mesmo modo, que o Programa Nacional de Desestatização previa diversas modalidades de privatização, dentre as quais estabelecia a preferência pela pulverização da participação acionária junto ao público, empregados, acionistas, fornecedores e consumidores. Esta preferência estabelecida pela lei, contudo, não loi observada. A res­

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locada na solução de quatro problemas básicos, conforme preleciona Bresser Pereira: “(a) um problema econôm ico-político- a delim itação do tamanho do Estado; (b) um outro também econômico-político, mas que m erece tratamento esp ec ia l-a redefinição do papel regulador do listado; (c ) um econômico-administrativo - a recuperação da gover­nança ou capacidade financeira e administrativa de im plem entar as decisões políticas tomadas pelo governo; e (d) um político - o aum ento da governabilidade ou capacidade política do governo de interm ediar interesses, garantir legitimidade e governar”.10 De rigor, então, co n ­siderar que a reforma do Estado no Brasil fundou-se em postulados básicos, quais sejain: a) redução do tamanho do Estado, m ed iante procedimentos de privatização, terceirização e do quese convencionou denominar pu blic ização , indicando a expressão fenômeno de p artici­pação de entidades privadas na realização de atividades de utilidade pública; b ) a redefinição do papel regulador do Estado, cm especial do seu grau de intervenção na ordem econômica; c) a recuperação da governança} entendida como a capacidade financeira e adm inistrativa do Estado de promover políticas públicas; d) o aumento da governa­bilidade, compreendida com o a capacidade política do governo de intermediar interesses e exercer suas funções constitucionais.11

Nesta linha de ação, a reforma do Estado brasileiro tornou -se, antes de tudo, uma reforma jurídico-norm aliva do Estado, porquanto as linhas-m estras da estrutura estatal foram detalhadamente d efin i­das na Constituição Federal cle 1988. Logo, a mudança estrutural da Administração dependeu, neste ponto, de alterações constitucionais e legislativas profundas, em especial no tocante às disposições co n sti­tucionais relativas à Administração Pública (Titulo III, Capítulo V II),

peito veja-se: STÜBER, Walier Douglas. A reforma da ordem econôm ica e financeira. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 1 4. São Paulo: RT, jan.-mar. 1996, p. 80-91.

10. BRESSER PEREIRA, l.uiz Carlos. A reforma do Estado nos anos 90 : lógica e mecanismos de controle. Cadernos MART. da Reforma do Listado. Brasília: MARE, 1997, p. 7.

1 I BORGES, Alice Gonzalez. A implantação da Administração Pública gerencial na Emenda Constitucional 19/98. Revista Trimestral de Direito Público, n. 24. São Paulo: Malheitos, 1998, p. 27.

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c à Ordem econôm ica e financeira (T ítu lo VII). E da mesma forma, profundas alterações foram exigidas de um significativo arcabouço legislativo, relativo à delegação da prestação de serviços públicos, à formação de novas form as de colaboração entre a A dm inistração e os particulares na realização de atividades de interesse público, ao regime da seguridade social (no caso da previdência social, objeto de diversas e contínuas alterações constitucionais), à criação de órgãos reguladores de atividades econôm icas e prestação de serviços públicos, dentre outras iniciativas. Registre-se quanto à denom inada reform a adm inistrativa, em específico, a Em enda C onstitucional 19 de 1998 , que terminou por se constitu ir no marco da reforma constitucional da Administração Pública no período recen te -se m desconhecer, natural­mente, a im portância de emendas constitucionais que flexibilizaram , no âmbito da atividade econôm ica, a intervenção do Estado no setor.

Intuitivo, pois, que as m udanças constitu cionais e legislativas pertinentes ao processo de reforma do Estado im portaram sensíveis mudanças também no direito adm inistrativo. Ü Toco dã reforma do Estado esua iõnte de legitimidade foram a superação de uma realidade de ineficiência e incom pletude da atuação da Adm inistração Pública. Ora, as relações entre o direito adm inistrativo e o m odo de atuação da Administração Pública são in terd ep en d en tesT sê influenciam rec i­procamente. Em bora cogénte, o con junto de norm as e princípios que integram o direito adm inistrativo terão parte de seu conteúdo vincu- lado à visão que se tenha sobre o m odo de atuação da Adm inistração Pública e sua relação conTosadm inistrados.

Daí porque é necessário diferenciar-se com precisão o d ireito administrativo que disciplina as relações entre os indivíduos e a Admi­nistração em umTEstado^éregime político autoritário e em um Estado dem ocrático. A reforma do Estado brasileiro, ao estabelecer-se em um regime dem ocrático, alterou com segurança a agenda institucional da Adm inistração12 e, com isso, o conteúdo do direito adm inistrativo que a disciplina.

12. Para a distinção entre a agenda institucional da Administração Pública - ligada a compromissos permanentes e estáveis - e sua agenda conjuntural - firmada no tempo ou em relação a certos temas que se esgotam em si -

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O direito administrativo brasileiro atual substitui a visão da re­lação de direito administrativo como relação de poder entre o Estado e os administrados, por uma noção de relação jurídica administrativa ^ e ^ ^ tà o X ^ Iaçãõ^ F^ estâo), na qual/emborão Eltãdo seja titular de prerrogativas jurídicas'estabelecidas pelo~ordenamento, sua atuaçãovincula-se ao exercício destas prerrogativas nos exatos limites e modo que lhe são estabelecidos, visando aos fins sociais, e presidida sua atu­ação pelos deverèsde proporcionalidade ê razoabilidade.

O que ora se pretende é o exame do direito administrativo bra­sileiro, desde as influências que sobre ele recaem;com o advento da reform a do Estado da década passada, em especial a noção de eficiência adm in istrativa a partir de então arraigada, inclusive sob a forma de prirfcípio constitucional daTuiministração Pública. Parte-se, neste particular, ao exame do direito administrativo e das relações entre a Administração Pública e os administrados no contexto de um regime dem ocrático, visando à ampliação da participação dos cidadãos1* na form ação da vontade da Ádm m istraçãa

2. A reforma do Estado e o papel do direito administrativo: quais fronteiras ainda estão por ultrapassar?

A reforma do Estado retirou da Administração Pública o do­m ín io sobre a decisão de in tervenção no espaço privado econômico" e so cia l- Esta espécie de desregulamentação foi levada a cabo mais com o flexibilização do conjunto de normas existentes e outras que vieram a ser criadas, do que propriamente a supressão de normas que d isciplinem as diversas áreas de atuação administrativa. Da mesma form a, a subsidiariedade da intervenção estatal no domínio econômi­co, representaclãpelo artigo 173^caput,c lT4~jcãput, daConstituição Federal, imprime, a partir da refonna do Estado, uma mudança no

bem como a distinção entre a agenda administrativa e a agenda política do Estado, veja-se: CHEVALLIER. Science administrative, p. 457 etseq.

13. Conforme notam Enterría e Femandez, há nos dias de hoje um destaque enorme sobre o tema da participação cidadã na Administração Púbica, a tom ar cada vez mais complexas as técnicas que a promovem. ENTERRlA, Eduardo Garcia; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho adminis­trativo, 11. 6. ed. Madrid: Civitas, 1999, p. 83-84.

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modo de atuação da Administração cm relação aos particulares. Uma relação que substitui de modo crescente a generalidade do exercício do poder de polícia, em favor da construção pró-ativa de soluções adequadas ao interesse público, mas que não impliquem necessaria­mente a restrição de liberdades dos particulares, senão a com posição de interesses em disputa.

Isto aparece de modo claro, na com preensão que se estabelece sobre o papel contem porâneo do E stado regulador. Este viés co n ­vergente da Adm inistração indica-lhe um caráter não conflituoso, cuja finalidade (não vinculante e nem sempre obtida), é a busca do consenso ou de m aiorias inform adas, por interm édio de diversos instrum entos de participação dos adm inistrados na form ação da vontade estatal.H Da mesma forma, é o que ocorre - com posição - na formação de novos regimes de colaboração entre os entes públicos e privados do chamado terceiro setor, com o o caso dos estabelecidos para as Organizações Sociais (Lei Federal 9.637/98) e para as Or­ganizações da Sociedade Civil de Interesse Público - O SCIPs (Lei Federal 9.790/99). Nestecaso, militam em favor destes novos regimes de colaboração com o particular, não apenas razões de eficiência, mas, igualm ente, de imparcialidade da identificação e consecução do interesse público, bem como o estím ulo a um maior pluralismo na ação adm inistrativa.15

A atuação deste modo de administração consensual se estabelece, então, por intermédio de “técnicas negociais ou contratualizadas no campo das atividades realizadas pelos órgãos ou entidades públicas. Tais atividades podem envolver unicamente a participação de órgãos e entidades públicas, como também contem plar a sua interação com

14 Neste sentido observa-sc no direito europeu, segundo autorizada observa­ção de Maria Sylvia Zanella Di Pietro em relação aos órgãos de regulação econômica, o surgimento de um direito negociado, como nova forma de regulaçãojurídica.eque passa a integrar o rodenamenio jurídico dentro da hierarquia das normas. DI PI I :TRO, Maria Sylvia Zanella. Regulação, poder estatal e ccm role social, lievista de Direito Público da Econom ia, n. 11. Belo Horizonte: Fórum, ju l.-set. 2005, p. 169.

15. Assim: MORF1RA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso cie direito adm inis­trativo. I 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 537 et seq.

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organizações de finalidade lucrativa (selor privado) ou desprovidas de finalidade lucrativa (terceiro setor)”.16

Neste contexto, tanto o modo de expressão típico da Adminis­tração Pública - expressão de poder, sob o binômio poder de polícia/ poder regulamentar - quanto seu objetivo fundamental - prestação de serviços públicos - são realidades revisitadas tanto em sua forma quanto em seu conteúdo. No primeiro caso, exibe-se ora o primado do exercício do poder de polícia nos marcos da legalidade e, mais do que isso, da proteção dos direitos fundamentais do cidadão. No caso dos serviços públicos, um esforço de definição de conteúdo e do modo do prestação destes serviços, em vista da obtenção de eficiência neste modo de atuação administrativa. Daí a legitimação para delegação da prestação dos serviços aos particulares, porquanto.menos importará ao Estado prestar-lhes diretamente, senão controlar sua adequada prestação por privados, mediante regime de concessão ou permissão, na forma constitucionalm ente estabelecida (art. 175 da Constituição Federal de 1988).

2. / O direito administrativo e o Estado em rede

São várias as premissas possíveis desta transformação da Ad­ministração Pública. Uma delas, certamente, é o reconhecimento de uma nova realidade da atuação dos diversos entes políticos, com o é a transmutação para a organização político-administrativa da soc ied ad e em rede. Um dos efeitos do fenômeno da globalização, que ora se vis­lumbra com bastante atualidade, é a perda da capacidade instrum ental do Estado-Nação, “comprometida de forma decisiva pela globalização das principais atividades econômicas, pela globalização da mídia e da comunicação eletrônica e pela globalização do crim e".17 C) Listado

16. OLIVIilRA, Gustavo Justino de; SHWANKA, Crisliane. A administração consensual como a nova face da Administração Pública no século XXI: fundamentos dogmáticos, formas de expressão e instrumentos de ação Revista de Direito Administrativo c Constitucional, n. 32. Belo Horizonte: Fórum, abr.-jun. 2008, p. 31-50.

17. CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. O poder da identidade, v. 2. Trad. Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 288.

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em it:dt, ou Estado-rede, conforme menciona Odeie Mcdauar, "indica o Estado não mais com organização inteiramente hierarquizada e uniforme, mas com estrutura de rede e geometria variável conforme o tipo de atuação. O corre multiplicidade de Poderes Públicos, que se interconectam, sem haver necessariamente hierarquização, mas interdependência ”.18

A perda de capacidade regulatória do Estado, mediante relações transnacionais complexas e pertinentes a diversas jurisdições distintas, não compromete apenas uma visão de soberania externa do Estado. Ao contrário. Do ponto de vista interno, o Estado-Administração perdeu suas condições de responder eficazmente a todas as demandas que historicamente agregou para si (diz-se perdeu, pressupondo que, como no caso brasileiro de inúmeras deficiências na prestação de serviços públicos, em dado m omento as tenha tido). Neste sentido, abre-se no contexto das relações entre os diversos entes da federação (União, Esta­dos, Distrito Federal e Municípios), assim como entre suas respectivas administrações e os entes privados, uma série de associações de esforços comuns, visando à realização de serviços públicos e demais atividades de interesse público. Tome-se como exemplo a ordenação constitu­cional da prestação dos serviços públicos de saúde, por intermédio de um Sistema Único de Saúde, ou, no âmbito da educação pública, a complementaridade dos sistemas de ensino dos entes federados. Da mesma forma, as relações entre os órgãos do Estado e as entidades pertencentes ao terceiro setor, sobretudo no desempenho concertado de ações sociais e de saúde. Em ambos os casos, assim como em outros tantos, há a definição de uma disciplina de conjugação de esforços, com obrigações recíprocas dos partícipes de colaboração para a adequada prestação de serviços públicos.

Esta noção de Estado em rede implica na interação dos diversos entes integrantes da estrutura político-adm inistrativa do Estado com outros entes, nacionais e internacionais, públicos ou privados, construindo os m ecanismos de realização das tarefas públicas por intermédio de redes de cooperação entre os vários entes, cujo vínculo

18. MEDAUAR, Odeie. O direito administrativo em evolução. São Paulo: RT, 2 0 03 , p. 99.

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converge para a realização de interesses abrangidos pelo conceito amplo de interesse público.

Uma consequência deste novo modelo de Estado-Administração, assim, será justamente o compartilhamento da autoridade do Estado. Trata-se, neste particular, da revisão de um dos dogmas principais do direito administrativo, enfocando desde uma relaçào jurídica de poder do Estado, para a visão de uma relação jurídica administrativa, em que a atuação da Administração Públ ica, em suas diversas esferas, pressupõe atividade de colaboração com os demais entes públicos e, igualmente, com entes privados na realização das tarefas públicas. Da mesma forma, o Estado não mais se impõe exclusivamente em razão de uma relação de poder. A ênfase a ao caráter vertical da relação de administração Estado-cidadão observa um abrandamento da ideia de subordinação do indivíduo em relação a Estado. Dá lugar à preocupação genuína com a legitimação da atuação administrativa mediante a adoção de um procedimento adequado (processualidade administrativa) 19 inspi- radora da ideia de democracia pelo procedimento,20 a justificar/motivar a ação administrativa pela demonstração de sua adequação ao que se reconhece com o interesse comum da sociedade (interesse público).

E o direito administrativo, neste particular, redesenha um con­junto de instrumentos de colaboração. Além dos convênios e contratos

19. Com visão profundamente crítica da ênfase à regulação do procedimento por parte do Estado, observajosé Eduardo Faria que lal tendência resulta de um fenôm eno mais amplo, quedenominadesjuridifkaçãoeprocedim enta- lização do direito. Segundo o jurista, trata-se de uma espécie de “rendição do Poder Público”, porquanto ao invés de tom ar decisões unilaterais e impô-las aos cidadãos, adota técnica de direito negociado, com base na correlação de forças existentes. Num plano mais amplo, traduz o paradoxo do Estado-naçào na atualidade, em que desregulameniação e deslegalização não significam menos direito, mas menos direito positivo e menor partici­pação das insiituições políticas na produção de normas, em favor de uma tendfincia de autocomposição e autorregulação dos próprios particulares FARlAJosé. Eduardo. Desregulação e deslegalização. Os impasses jurídicos doEstado-nação. hl: FA R lA José Eduardo. Direito e conjuntura. São Paulo: Saraiva, p. 5 6 -6 1 .

20. MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo. RT, 2 0 0 3 , p. 225 .

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administrativos, surgem com renovada importância a figura dos con­sórcios públicos e figuras novas como os contratos de. gestão e os termos de parceria, especialm enlc nas relações entre a Administração Pública, as pessoas juríd icas de direito privado e, eventualmente, sob a mesma denominação, os dirigentes de órgãos ou entidades da própria Admi­nistração (no caso dos contratos de gestão).

Resultado da crise de suficiência da Administração Pública mo­derna, segue-se uma resposta coordenada no âmbito dos direitos cons­titucional e administrativo: a descentralização, mediante a formação de um sistema de repartição de competências entre os entes federados, que impõe a colaboração dos diversos entes com vistas aos esforços comuns de gestão associada da prestação de serviços públicos (art. 241 da Constituição); e os reforços da colaboração entre as iniciativas pertinentes à atuação administrativa e a ação dos particulares (regime dc parcerias),21 em especial pela delegação da prestação dos serviços públicos, m ediante concessão e permissão, c a colaboração entre a Administração e as entidades privadas do terceiro setor, visando à prestação dc serviços sociais e outras atividades de interesse público.

2.2 Menor intervenção significa a desresponsabilização do Esta-do-Adminislração ?

Este processo de redefinição do papel do Estado-Administração e, por conseguinte, da Administração Pública, ao lado das caracte­rísticas já m encionadas, dá conta de uma questão fundamental a ser respondida: a m enor intervenção do Estado na liberdade individual e a dim inuição de sua participação no dom ínio econôm ico repre­sentarão, ao mesmo tempo, sua desresponsabilização pela ausência de ação administrativa ou por sua insuficiência no atendimento das necessidades sociais?

Maria Sylvia Zanella di Pietro, ao dar conta do fenôm eno de diminuição do Estado, qualifica com o privatização o conjunto das

21. Criticando a expressão ‘ parceria", para designar a colaboração entre o Estado e particulares sem fins lucrativos, veja-se: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública (V cd. São Paulo: Atlas, 2008,p. 23.

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Cap. I - BlAOO ERCIENTl: I SK/SMIIUS 35

iniciativas visando à redução do espaço de ação da Administração e ao proporcional aumento da participação do setor privado nestas questões.22 Dentre as técnicas de privatização que menciona, relaciona a d esn acion a lização , entendida com o alienação de bens e empresas públicas; a contratação d ese ty iço se atividades antes geridos diretamente; a desregu lação, pela redução da intervenção no domínio econôm ico, e a substituição dos impostos por preços e tarifas a cargo de consumidores e usuários, para o financiamento dos serviços públicos.23

Da mesma forma, há de se ter em conta que a redução da atua­ção estatal também se dá m ediante a descentralização das atividades do Estado. A descentralização adm inistrativa pressupõe a ideia cie que a pulverização e especialidade das atividades estatais dentre os vários órgãos que compõem a Adm inistração Pública são instru­mentos para m aior eficiência de sua atuação. Das recentes reformas adm inistrativas de fins dos anos 9 0 e princípio deste sécu lo , a no­vidade em term os de descentralização da atividade administrativa se dá por interm édio da criação das agências executivas e do maior destaque ao m odelo de d escen tra lização por co laboração . Para tanto, reconhece-se na iniciativa privada de fins não econôm icos, representada, sobretudo, por associações e fundações privadas, or­ganismos parceiros da realização de atividadesde interesse público. O desafio, neste particular, foi definir este regime de colaboração coin o Poder Público, em especial com relação ao campo de atuação destes organism os privados.

Um prim eiro aspecto a ser levado em conta é que não se pode admitir, a título de colaboração, a delegação de qualquer atividade estatal que importa transferência, mesmo que precária, do poder cle polícia. Da mesma forma, este regime de colaboração não importa que tais entidades que se vinculem à Administração, topicamente, para realização destes fins, sejam consideradas integrantes ou a qualquer título parte da estrutura organizacional da Administração. F isso por razões óbvias. A existência de um ajuste entre a entidade civil e

22. Preferindo a expressão desestatização, por mais abrangente: MPDAIJAR, ( )dete. O direito administrativo rnj evolução, p. 248.

2 í. 01 PIKTRO, Maria Sylvia. Pare rrias na Administração Pública, p 6-7

3 6 A NOVA A D M IN ISTRAÇÃ O IMilM K A [: O D IR H TO ADM INISTRATIVO

a Administração não implica que esta exerça poder de coordenação sobre a atuação da primeira, senão que a fiscalização existente sobré o cumprimento das obrigações das partes é antes de tudo, fiscalização do cumprimento ou não do ajuste. Neste sentido, para que haja relação de subordinação, ou mesmo para que integre a Administração, neces­sário se faz que perdure, de modo estável, o poder de coordenação da Administração sobre as atividades da entidade,14 bem como o critério formal de constituição conforme a lei.

Daí porque, mais uma vez, cabe renovar-se a questão: em que medida a reforma do Estado e a definição de um novo papel para a Administração Pública reduz suas responsabilidades ou mesmo a desresponsabiliza em relação a iniciativas que deixa de produzir em relação ao cidadão? Note-se que argumento por demais desenvolvido entre nós, a partir da constatação óbvia de que o Estado não pode dar conta de todas as necessidades da população, em especial no tocante a serviços públicos que gradativamente se tornam mais complexos e custosos, contará inclusive com autorizada classificação como princí- piojurídico: a reservado possível. Em linhas gerais, a reserva do possível significa que ao Estado só se pode exigir aquilo que é financeiramente possível frente à disponibilidade limitada de recursos orçamentários para fazer frente às diversas necessidades públicas. A ausência de re­cursos ou, ainda, a demonstração de que a ação do Estado se deu nos limites admitidos pela legislação e dos recursos disponíveis, serviria para eliminar qualquer espécie de pretensão que lhe fosse dirigida. Mas - como bem elucida Ingo Wolfgang Sarlet ao abordar o problema em termos da eficácia dos direitos fundamentais sociais de prestação na perspectiva de direito comparado - mesmo no entendimento da Corte Constitucional Federal Alemã sobre o tema, esta “firmou juris­prudência no sentido de que a prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha

24 . ARAGÂO, Alexandre dos Santos. D escentralização administrativa: sua evolução face às reformas à Constituição de 1 9 8 8 . Revisfa de Direito Admi­nistrativo c Constitucional, n. 11. Belo Horizonte: Fóru m , jan.-mar. 2 0 0 3 , p. 117-146.

Cap. 1 - EsiAIMJ U lí . í JNIf I S IU S M I IO S

nos limites do razoável”.2* Dai que a reserva do possível apresentará uina tríplice dimensão a ser considerada: “a efetiva disponibilidadefática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição de receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras (...); c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante á sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade” } 6

É certo que ao Estado-Administração não se pode exigir o im­possível.27 Contudo, não serve tal consideração para eximir o agente público e o próprio órgão estatal de quaisquer deveres28 relacionados à promoção da efetividade dos direi tos fundamentais, por intermédio da

25 . SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2 0 0 6 , p. 301 . No mesmo sentido: CANOT1- LHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição.2. ed. Coimbra: Almedina, 1 9 9 8 , p. 43 6 .

26. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitosfundamentais c it., p. 301 -302. Sustentando, igualmente a necessidade de observação de outros cânones herm enêuticos na efetivação dos direitos fundamentais sociais, em especial a unidade da Constituição, a correição funcional, a proporcionalidade e a razoabilidade: MENDES, Gilm ar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2 0 0 7 , p. 6 7 7 .

27 . O m esm o problem asurgequandoseobservaaprevisãodeeficáciaim ediata das norm as relativas a direitos fundamentais, a que se contrapõe Manoel G onçalves Ferreira Filho, para quem "o constituinte certamente não quis fazer aplicável o inaplicável, nem quis deixar ao juiz - a pretexto de cobrir lacuna - o arbítrio de dar esta ou aquela feição a um direito ougaram ia incom pletam ente caracterizados na Constituição.1’. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Os direitos fundamentais. Problemas jurídicos, parti­cularm ente em face da Constituição Brasileira de 1988. Revista de Direito Administrativo, n. 203. São Paulo: Malheiros, jan.-mar. 1996 , p. 8.

28 . Neste sentido, observando a questão desde a perspectiva da responsabilidade do Estado, veja-se: FREITAS, Juarez. Responsabilidade civil do Estado e o princípio da proporcionalidade: vedação de excesso e de inopevância. In. FREITAS,Juarez (Org.) Responsabilidade civil do Estado. São Paulo: Malhei­ros, 2 0 0 6 , p. 170-197.

A N O V A A D M IN IS Ik A Ç À Í ) 1’U IU K A I. O D IR II IO A D M IN IS1K A 1 IV< )

prestação de serviços públicos que os assegurem. Neste senticlo, embora não se possa exigir do Estado-Administração, de modo específico, o bem consistente no direito fundamental cm espécie, por intermédio da prestação de serviço público, é certo que não lhe retira o dever dc promover sua implantação. Neste particular, cumpre à Administração Pública observar, prim eiram ente, os princípios constitucionais que a informam, não estabelecendo preferências indevidas (em respeito à im pessoalidade), ou destoantes da lei (legalidade), assim como o dever de guardar padrões éticos nas escolhas que realize (m oralidade), asse­gurar o amplo acesso às inform ações relativas aos critérios adotados (publicidade), e observar os procedimentos que lhe permita atingir os melhores resultados com os m eios disponíveis (eficiência).

Da mesma forma, cumpre reconhecer ao Estado-Administração, como efeito do princípio constitucional da eficiência, a existência de um dever de planejamento, que se projeta tanto no tocante ao dever de planejar, quanto no de que este planejam ento seja eficiente, o que não implica atendimento integral a determinada demanda, mas a otimi­zação dos recursos em face dos resultados alcançados/9 o máximo de resultado com os meios disponíveis.30 Disso resulta que não há que sc falar em menor nível de responsabilidade do Estado, uma vez que se distingue o munus estatal representativo da titularidade dos serviços públicos e do dever fundamental de efetivar direitos fundamentais e a questão relativa a quem realiza diretamente a prestação dos serviços ou transitoriamente se investe em funções administrativas (os particu­lares nestas condições). Ao contrário, o paradigma constitucional da eficiência administrativa, estabelecido a partir da reforma do Estado, servirá como útil critério de avaliação sobre o correto proceder do

29. Observa Pábio Medina Osório, que o dever de eficiência “traduz exigências funcionais concretas aos agentes públicos, relacionando-se não apenas com a legitimidade dos seus gastos, mas com a economicidade dos resul­tados, a qualidade do agir administrativo, o comprometimento com metas e.soluções dc problemas”. OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa. M d-gestao publica. Corrupção. Ineficiência. São Paulo: RT, 2007, p. 164.

30. COUTO 12SILVA, Almiro. Problemas jurídicosdo planejamento. Cadernos de direito público. Revista da Procuradnria-Geral do Estado do RS, n. 57, dez. 2003, p 127.

Cap. I I sia()( ) 111« iinii i snisMiios

agente público no desempenho de suas funções, bem como dos órgãos estatais no exercício de suas respectivas competências.

3. C on teúd o jurídico do princípio da eficiência e os ob jetivos da adm inistração pública gerencial

A marca mais visível da reforma do Estado brasileiro foi a introdu­ção da exigência de conduta eficiente, elevada à condição de princípio constitucional informador da Administração Pública pela EC 19/1998, como critério de avaliação sobre correção do procedimento dos agentes públicos e da própria atuação administrativa. Não há dúvidà que a in­serção no contexto jurídico-constitucional da Administração Pública de conceito até então afeto à teoria da Administração e da Ecónoníiá, gerou - e ainda gera - incompreensões e críticas. Sobretudo, a de que a imposição da eficiência como princípio da Administração Pública visa a uma aproximação entre a gestão pública e os modelos de gestão privada e com isso, conscientem ente ou não, a própria subversão da ideia de Administração Pública e sua vinculação ao princípio da legalidade. Destaca-se assim, "acentuada oposição entre o princípio da eficiência, pregado pela Ciência da Administração, e o princípio da lega­lidade, imposto pela Constituição com o inerente ao Estado de D ireito ’’. 11

Contudo, qual o exato significado da administração pública geren­cial e da promoção da eficiência administrativa? A rigor, esta indicação se estabelece, pelos promotores da reforma do Estado brasileiro, em contraste com o modelo de adm inistração pública anterior à reforma e, portanto, que se constituiu na denominada adm inistração pública burocrática. Ninguém d esconh ece-m esm o entre seuscríticos—que o modelo burocrático surge no mundo no século XIXe no Brasil, na pri­meira metade do século XX, com o uma evolução em relação ao modelo

31. Dl PIETRO, Maria Sylvia Zandla. Direito administrativo. 20. cd. São Paulo: Atlas, 2007, p. 75. Da mesma forma, Para unia visão crítica tio princípio da eficiência, em vista da falta de critérios para sua aferição e, com isso, a adoção de fórmulas próprias da iniciativa privada, com vista à privatização do espaço público: LEAL, Rogério Gesta. Considerações preliminares so­bre o direito administrativo brasileiro contemporâneo e. seus prcssupos'os informativos. Revista de Direito Administrativo e Constitucional, n .l 1. üelo Horizonte: Fórum, jan.-mar 2003, p. 55.

4 0 A Ni >VA AIJM INIS I R A Ç Ã O 1'ÚIJUCA l O DIK1 H O AO M INIS1 KAI IV< )

patrimonialista an terio r.D en tre suas críticas atuais, contudo, consla que se trata de um modelo em que a Administração Pública torna-se lenta, cara, autorreferente, e neste sentido, desviada da finalidade de atendimento às demandas do cidadão.33 Em contraposição, o modelo de administração pública gerencial, em linhas gerais, seria definido pela: a) descentralização do poder político, com a transferência de atribuições para níveis regionais ou locais; b) descentralização admi­nistrativa, por intermédio da delegação de autoridade a administra­dores públicos transformados em gerentes com crescente autonomia;c) estabelecimento de organizações com poucos níveis hierárquicos;d) afirmação do pressuposto da confiança limitada em contraposição à desconfiança total; e) adoção do controle da ação administrativa por resultados, ao invés de controle rígido procedimental da atuação administrativa; e 0 adoção de modelo de administração voltada ao atendimento do cidadão e não autorreferida, reproduzindo seus pró­prios interesses.34 É neste sentido que, definindo o foco de atuação

3 2 . BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da administração pública burocrática à gerencial. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. SPINK, Peter (Org.). Refor­ma do Estado e administração pública gerencial. 7. ed. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2 0 0 5 , p. 2 3 9 -2 4 0 .

3 3 . BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da administração pública burocrática à gerencial, p. 241 .

3 4 . BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da administração pública burocrática á gerencial cit., p. 24 1 . Neste particular é interessante observar o modelo de Administração Pública gerencial desenhada por Bresser Pereira na refor­ma do Estado da década de 1990 . A proposta previa a existência de quatro setores no Estado: (1 ) o núcleo estratégico do E stad o, (2 ) as atividades exclusivas de Estad o, (3 ) aos serviços não-exclusivos ou competitivos; (4 ) a produção de bens e serviços para o mercado. N este contexto, “no núcleo estratégio são definidas as leis e políticas públicas”. Trata-se de um setor pequeno, formado pelo Chefe do Poder Executivo, seus auxiliares diretos (M inistros/Secretários) e a cúpula dos respectivos M inistérios/Secretarias. Já as atividades exclusivas de Estado “são aquelas em que o poder de Es­lado, ou seja, o poder de legislar e tributar é exercido. Inclui a polícia, as forças armadas, os órgãos de fiscalização e de regulam entação, e os órgãos responsáveis pelas transferências de recursos, com o o Sistema Único de Saúde, o sistema de auxílio desemprego etc.” Os serviços não exclusivos ou competitivos do Estado são aqueles que, embora não envolvendo poder de Estado, o Estado realiza e/ou subsidia porque os considera de alta rele­

Cap. 1 I S|Al '( > I I U II NII I SI.US MIIOS 41

estatal no exercício de funções estratégicas, exclusivas e indelegáveis do Estado, a reforma do Estado visou encaminhar o que se denominou de publicização de atividades não exclusivas do Estado, como serviços de educação e saúde, por intermédio do desenvolvimento dos meca­nismos de colaboração entre a Administração Pública e as entidades do setor privado e da privatização das empresas estatais (sociedades de economia mista e empresas públicas) que tivessem como atividade precípua a produção de bens e serviços para o mercado.35

Da mesma forma, frise-se, na linha da compreensão empregada ao princípio da eficiência, este novo perfil da Administração Pública, de modelo gerencial, vai propugnar a estruturação das atividades estatais a partir do destaque de técnicas de descentralização ou de delegação, sobretudo em vista de uma maior flexibilidade das normas estabelecidas, considerando as peculiaridades dos setores a que visam regular.36

A rigor, embora seja correto considerar que o princípio da efi­ciência resulta de novos aportes técnicos extrajurídicos, notadamente das Ciências da Administração e da Economia, abrindo o direito ad­ministrativo a outras disciplinas do saber,37 sua elevação a princípio constitucional da Administração Pública revela-o como valor fundante das reformas do Estado empreendidas nos anos 1990 em vários países.38 Na melhor doutrina nacional há os que vinculam, ou pelo menos indi­cam, sua semelhança com o princípio da boa administração, já havido

vância para os direitos hum anos, porque envolvem economias externas, não podendo ser adequadamente recompensados no mercado através da cobrança de serviços”; E a produção de bens e serviços para o mercado "6 realizada pelo Estado através das empresas de economia mista, que operam em setores de serviços públicos e/ou em setores considerados estratégicos." (BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da administração pública burocrática à gerencial, p. 2 5 9 -2 6 1 ).

35. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Da administração pública burocrática d gerencial c it., p. 261-262 .

36. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito público. Rio de Janeiro: Renovar, 20 0 6 , p. 237.

37. Idem .ibidem .38. MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução, p. 242.

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4 2 A N( )VA AD M IN ISTRA ÇÂC ) (M JUI K A I O O IR Í IT O A D M IN IS T R A I IVC)

no direito italiano.3* De faio, observa-se semelhança no direito italiano entre o princípio da boa adm inistração e o princípio da eficiência. As duas expressões, inclusive, se consideram sinônimas em direito administrativo.10 Iü segundo tal princípio da boa administração, “a Adm inistração Pública deve usar, no seu m odo próprio de atuação, a meia diligência e a m eia inteligência e deve respeitar-se a regra da boa adminis­tração de m odo a assegurar a e fic iên cia da ativ idade administrativa.”.41 Nesta linha de entendimento, o desenvolvimento da ação administra­tiva deve observar um modelo pré-estabelecido, fruto da experiência do órgão - pessoa física do agente ou antes, do órgão objetivamente considerado - , de modo que “o funcion ário, de fa to , cria com base em seu próprio conhecimento p ro fission al, a regra de com portam ento que, se tenha dado bons resultados, constitui o precedente no qual outros fun­cionários, em casos análogos, inspiram -se, com as devidas m odificações, para sua a ç ã o ”.42 Daí nasce a praxe administrativa que, inspirada nos diversos conhecimentos técnicos e científicos, imprimirá significado ao princípio da boa adm inistração ou da eficiência.

De lato, o princípio da eficiência possui lugar de destaque no direito administrativo contem porâneo. Primeiro, pela perspectiva de atualização da Administração Pública, de modo a influir em modelos de gestão focados em metas e resultados, inclusive mediante sua con- tratualização entre os órgãos de administração superior e os agentes públicos responsáveis pelo alcance dos objetivos definidos. 12, do mesmo modo, orienta à otim ização dos recursos financeiros como base da atuação administrativa. Por fim, permite avaliara própria conduta do agente público,13 não m ais sob o critério formal tradicionalmente

39. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, ('.urso de direito administrativo. 16. cd. São Paulo: Malheiros, 2003 , 111-112.

40 ROSSI, Gianpaolo. Diritto amm inistrativo, v 1. Milano: Dolt. A. Giuffrè, 2005, p. 129. BASSI, Enrico. Lezioni dedirittoam m inistrativo. 8. cd. Milano: Dott. A. Giuffrè, 2008, p. 68.

4L BASSI, Enrico. Lezioni de diritto amministrativo. 8. cd. Milano: Dott A Giuffrè, 2008, p. 68.

42. Idem, p. 69.43 Para a vineulaçãoentre o dever de probidade administrativa e o agir eficiente

do agente público, veja-se: OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa, p. 164.

Cap. I liSIADt ) 1:1 K ll:N11 I SI.IJ'. MIIOS

associado ao exame sobre o modo de exercício do poder, vinculado à legalidade ou discricionário, subordinado à decisão do administrador, mas em vista dos resultados alcançados.

Da mesma forma, o princípio da eficiência vincula-se ao novo modelo de Administração Pública, com maior participação dos admi­nistrados e centrado na ponderação de interesses, de modo a assegurar que a atuação mais adequada à realização dos objetivos públicos se dê “com a fin a lid ad e de levar à eficiência de desempenho, sem incorrer em deficiência dejuridicidade".™ De fato, o princípio da eficiência explicita ao agente público e ao agir da Administração Pública novos deveres, muitos dos quais implícitos no regime jurídico-constitucional da Ad­m inistração, no que não inova substancialmente na ordem jurídica. O aspecto mais relevante do princípio da eficiência, neste sentir, será justam ente o destaque que determina, do ponto de vista juríd ico, à in­trodução na Administração Pública de técnicas de gestão de resultados ede um deverjurídico geral deconduta finalística, conduzida ao interesse público, por parte dos agentes públicos. Neste sentido, explicita, des­taca, mas não inova. Nem por isso, contudo, será menos importante, porquanto remeterá à necessária ideia de adequação das estruturas da A dm inistração (redução/otimização da estrutura estatal), bem como das condutas dos agentes públicos, seus deveres específicos conaturais à gestão pública, o conteúdo de seus deveres funcionais (orientados a objetivos de interesse público), a avaliação do cumprimento de tais deveres, assim como a redefinição do modelo de remuneração e ga­rantias funcionais.

3. / Conteúdo jurídico do princípio da eficiência

Falta-nos, contudo, de modo fiel à tradição pandectística de nosso Direito, alcançar uma definição do que seja o princípio da eficiência. Uma primeira premissa desta definição é de queseu conteúdo e eficácia não se refletem apenas no agir do agente público. A rigor, este agir, que integra a atividade dinâmica da Administração Pública, não se vê isolado da incidência do princípio também sobre a definição legal da estrutura da Administração Pública, da articulação das com petências

44. MORIIIRA NIITO, Diogode Figueiredo. Mutações do direito público, p. 236.

4 4 A N( )VA Al ’ M IN IS! RAÇÃO rÜ H I ICA I < > i >IRI llc (A I )M INISI KAl IVO

entre os diversos entes federados, bem como dos marcos legislativos da relação entre Estado e Sociedade. Neste sentido, se eficiência vincula- -se, como exaustivamente foi afirmado, com a obtenção de melhores resultados, tanto a definição, com o o modo de obtenção destes resul­tados devem ser sindicáveis, com o exigência do mesmo princípio.

A determinação do conceito de eficiência na Administração Pú­blica, em primeiro lugar, não se vincula à obtenção de menores custos financeiros. Não há identidade entre menor custo financeiro e maior eficiência. Da mesma forma, não se pode medir eficiência pelo grau m aior ou menor de intervenção estatai em dada liberdade do particu­lar. No primeiro caso, é de economia que se trata. No último, não é de eficiência, mas de proporcionalidade que se está a dispor,45 daí não ser favorável, a qualquer título, confundirem-se os conceitos.

A eficiência de que se trata quando se refere ao princípio juridico- -constitucional da eficiência, embora tenha origens nas ciências eco­nômicas, é conceito jurídico, daí porque não se admite - sob qualquer alegação - mera transposição de conceitos econômicos para definição do princípio. Certamente exercem influência, porém não determinam.

O conceito jurídico de eficiência da Administração Pública, en­tão, abrange a organização da estrutura administrativa, assim como a conduta concreta dos agentes públicos, vinculados à promoção das finalidades da Administração Pública em favor dos administrados, devendo para tanto coordenar os esforços relativos aos custos finan­ceiros da atuação administrativa com os interesses legítimos das partes envolvidas e de toda a coletividade, de modo a realizar tais fins da forma mais satisfatória possível. Implica, naturalmente, no dever de atualização da Administração, em relação a métodos e conhecimentos técnico-científicos acreditados, visando ao oferecimento dos melhores esforços com vistas à realização do interesse público, em acordo com a juridicidade da ação administrativa.

A eficiência da Administração Pública, pois, diz respeito ao m elhor modo de realização de suas finalidades, do interesse público,

4 5 . Veja-se a respeito: ÁVILA, Humberto. Moralidade, razoabilidade c eficiência na atividade admiuistrativa. Revista brasileira de direito público, n. 1. Belo Horizonte: Fórum , abr.-jun. 2 0 0 3 , p. 129-133.

Caji. I I SIAIX ) I I i n i N l l l S l i J S M I l O S 4 5

o que coloca em relevo seu aspecto instrumental, como resultado de um processo contínuo de redefinição das relações entre o Estado e a Sociedade e, com isso, a adoção, pelo direito administrativo, de valores e mecanismos contemporâneos a esta nova realidade.

.3.2 O princípio da eficiência e o novo perfil da Administração Pública

Quando se trata acerca de um novo perfil da Administração Pública, são dois os aspectos essenciais a serem destacados: a) os efeitos da subordinação da Administração Pública a uma nova ordem constitucional, no contexto de um Estado Democrático de Direito; e b) o fato da Administração Pública estar vinculada a uma nova técnica de legitimação de sua atuação: o procedimento ou processualidade administrativa.

Quanto à primeira das questões cm relevo, não é desconhecido que a Constituição de 1988 estabeleceu no Brasil um novo paradigma jurídico-constitucional às relações entre o Estado e o indivíduo. Isto resta demonstrado, sobretudo, em face do destaque estabelecido pelo texto constitucional aos direitos fundamentais, tanto como direitos fundamentais de proteção da pessoa em relação ao Estado, quanto como direitos fundamentais de prestação, exigindo do Estado-Administração que assegure acesso a uma série de bens considerados essenciais a uma vida digna.46 Esta influência dos direitos fundamentais sobre a Administração Pública e o direito administrativo, como reflexo do próprio fenômeno denominado de constitucionalização do direito, não é exclusivo do direito brasileiro.47 A rigor, o influxo do direito

. ' . - k e • s i.

46. Para a distinção entre direitos fundamentais de proteção e direitos funda­mentais de prestação, veja-se a doutrina alemã de Robert Alexy,de grande repercussão no Brasil: ALEXY, Robert. Teoria de los derechos jundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdez. Madrid: Centro de Estúdios Consiiiucionalcs, 2002 , p. 4 1 9 et seq.

47. Assim, por exem plo, Maurcr, ao rcfcrir-sc ao direito alemão, em que, sob a Lei Fundam ental, altera-se a visão da relação entre o Estado e o cidadão. Não há mais de se falar no cidadão-súdito da Administração, senão de um "cidadão emancipado”, o que tem por consequência, dentre outras, o reconhecimento de direitos subjetivos ao cidadão, o reconhecim ento de contratos entre o

46 A N( )VA Al JMINISI KAÇÃO fUtU HA I: O DIKI I K ) ADMINISTRAI IVO

constitucional sobre o direito administrativo, naturalmente, é perce­bido desde muito tempo, até pelas evidentes relações entre ambos no tocante à estruturação do Estado. A distinção que ora se estabelece é da penetração dos valores constitucionais no direito administrativo, inclusive por intermédio da exigência de transformações no próprio modo de aferição da vontade da Administração Pública, com o cres­cente recurso a mecanismos que confiram a maior participação dos administrados na formação da vontade administrativa.48

Isto implica, de um lado, a mitigação da visão da Administração Pública com o titular de prerrogativas absolutas em relação ao admi­nistrado e mesmo da supremacia do interesse público com o princípio com traços de aplicação preferencial, afastando como regra o interesse particular. Da mesma forma, exige-se da Administração Pública, no seu proceder, uma constante legitimação, à luz do Estado Democrá­tico de Direto estabelecido, que assegure a participação dos cidadãos nas questões administrativas de interesse geral. Esta legitimação se estabelece, então, de um lado: a) pela exigência de um procedimento administrativo e a garantia da sua regularidade; e, de outro: b) pela disciplina de mecanismos que assegurem aos administrados o máximo de acesso a informações e efetiva participação no processo de tomada de decisões da Administração Pública.

A exigência de um regular procedimento administrativo põe em relevo característica já havida pelo direito administrativo,49 mas que ora se renova, a que a doutrina nacional denominou processualidade do

cidadão e a Adm inistração, a obrigação da Adm inistração a considerar, em decisões discricionárias, os interesses jurídico-fundam entalm ente protegidos do cidadão individual, com o garantia de um procedim ento administrativo que assegure os direitos e garantias individuais, a proteção dos direitos da personalidade do cidadão em relação à A dm inistração. MAURER, Hartmut. Direito administrativo geral. Trad. l.uis Afonso Heck. São Paulo: Manole, 20 0 6 , p. 22 -2 3 .

48 . MANNOR1, L.; SORD1, B. Storia dei diritto amministrativo. Roma: Laterza, 2 0 0 4 , p. 4 6 4 -4 6 5 . No direito brasileiro, sobre a participação popular na Administração Pública e sua relação com o Estado D em ocrático de Direito, veja-se: SILVA,José Afonso. Curso de direito constitucional posiíivo.São Paulo: M alheiros, 19. ed. São Paulo: M alheiros, p. 122-124.

49 . Idem, p. 463 -4 6 4 .

Cap. 1 - Kstaoo iik :unti i. slusmuos 47

direito administrativo. Conforme refere Odete Medauar, em destacada monografia sobre o tema, “o exercício do poder, num Estado de Direito que reconhece e garante direitos fundamentais, não é absoluto; canaliza- s e a um fim, implica deveres, ônus, sujeições, transmuta-se em função, o que leva o ordenamento a determinar o filtro de processualidade em várias situações revestidas de poder”.50 O ato da administração, ou o sentido dinâmico do exercício de prerrogativas no âmbito de uma relação jurídica administrativa, pressupõe a processualidade da atuação do Estado-Administração, que se verifica não apenas pelo encadeamento lógico de atos ou a atenção desta conduta ao princípio da legalidade. A processualidade pressupõe, além do adequado cotejo dos direitos e interesses em eventual disputa no âmbito da atuação administrativa, também a conformidade desta atuação com os direitos fundamentaiç e os deveres de proporcionalidade e razoabilidade da conduta da Ad­ministração Pública e do seu resultado concreto.

No tocante à disposição de mecanismos que assegurem o máximo acesso a informações, assim como a participação dos administrados no processo de formação da vontade estatal, o princípio democrático que emerge da Constituição vai exigir, em primeiro lugar, a institucio­nalização destes mecanismos, de modo que não fiquem submetidos à incerteza das orientações de governo; da mesma forma, que o nível de participação venha acompanhado de efetivo acesso a informações que permitam a formação de convencimento, inclusive técnico, sobre as questões em debate; e, por fim, que o resultado dos processos de participação, embora não deva necessariamente vincular a decisão do agente público, dê causa a um dever de motivação específico, um ônus de argumentação técnico-jurídica, quando a decisão da Administração não convergir para o conteúdo das manifestações trazidas no processo de participação dos administrados.

Tais aspectos integram o conceito jurídico de eficiência da Ad­ministração Pública e não podem ser desconsiderados. Integram-se, pois, com fundamento constitucional, aos métodos de gestão a serem exigidos dos agentes públicos, assim como constituem meios de vali-

50. MEDAUAR, Odctc. A processualidade no direito administrativo. 2. ed. São Paulo: RT, 200H ,p. 51-32.

A N< )VA A l JM IN ISI KAÇÃC ) 1’Ú H I.K A I t ) I )IHI ITO A D M IN IS T K A 1 IV O

dação dos resultados a serem obtidos 110 âmbito da gestão pública, o que se coaduna com o novo perfil de Administração Pública gerencial e seus desafios atuais 110 âmbito do direito brasileiro.

4. Os novos (velhos?) desafios do listado brasileiro em face da Administração gerencial: in teresse publico, governança e participação

Mas o que de novo se introduz à gestão pública a partir da reforma do Estado — e, é preciso que se diga, antes dela, em face dos vetores estabelecidos pela Constituição Federal de 1988? Trata-se de com ­preender este processo de transformação da Administração Pública não como mera reestruturação dos órgãos e carreiras do Estado, mas sim como fomento a uma nova visão sobre as relações entre o Estado e a Sociedade.

Na doutrina de direito comparado, esta nova visão da Adminis­tração Pública - e, nesta linha de raciocínio, do direito administrativo - comporta um novo modelo de relação desta com os administrados. Na França, resulta da transformação, a partir de sucessivas reformas adm inistrativas, da visão de adm inistrados-clientcs ( 1’ad m in is lré- -client) de serviços públicos dos anos 1980, para a de administrados- -cidadãos (Vadministré-citoyen), na bem apanhada expressão dejacques Chevallier,51 que conflui para um modelo baseado em quatro aspectos: participação, transparência, qualidade ecidadan ia .52 Em nosso direito, a melhor doutrina53 identifica, com breves distinções, estes novos traços da Administração Pública, a partir de princípios elementares desta nova visão, a eficiência, a transparência (ou visibilidade) e a participação.

51. Refere ainda Chevallier, indicando o caminho das sucessivas reformas da administração pública francesa, as figuras tema do administrado-ator (adnimis(r<*-acteur), com poder dc intervenção no mercado de serviços públicos e ressaltando o lema da participação, nos anos 1960, e do admi- nistrado-pariícipe (administré-pertenaire), capaz de estabelecer níveis de inierlocução dos serviços , ressaltando o tema da transparência, nos anos 1970. CHEVALLIER, Jacques. Science administrative, p. 438-439

52 Idem, p. 439 et seq.*53 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações dc direito público, p 237.

Cap. 1 I siAix t mniNii t siusmiios

A participação indica a adoção de novos canais de comunicação com os administrados.54 Trala-se de participação direta e individual de cada cidadão ou por intermédio de organizações representativas de interesses da sociedade civil. Resulta do próprio texto constitucional a previsão de participação dos administrados na definição de políticas públicas, controle e execução das prestações incumbidas à Adminis­tração. Assim é o caso da participação dos administrados nas ações de assistência social (art. 204,Il),seguridadesocial(art. 194, VII), política agrícola (art. 187), sistema de saúde (art. 198,111), educação (art. 205), cultura (art. 216, § 1.°), defesa e preservação do meio ambiente (art. 225), assistência integral à criança e ao adolescente (art. 227, § 1 °), dentre out ros.55 Ou ainda, o que dispõe o art. 37, § 3.°, da Constituição, introduzido pela Emenda Constitucional n. 19/98, relativamente à participação dos usuários de serviços públicos.56

Da mesma forma, a legislação infraconstitucional prevê diversas situações em que a ação administrativa deverá ser precedida de meca­nismos de participação popular que assegure o conhecimento, exame e efetiva contribuição dos administrados no processo de tomada de decisão do agente público.

A legislação brasileira recente,57 em especial no tocante à re­gulação dos serviços públicos, prevê esta participação na forma de

54. Cl IEVALLIER, Jacques. Science administrative, p. 439.55. Os exemplos são de TÁCITO, Caio. Direito administrativo participativo.

Revista Trimestral de Direito Público, n. 15. São Paulo: Malheiros, 1996, p.27.

56. Assim o art. 37, § 3.° da Constituição Federal: “A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimentoao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II - o acesso dos usuários a registros administrativos c a informações sobre atos dc governo, observado o disposto no art. 5.", X e XXXIII; 111 - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública”.

57. Assim por exemplo, a previsão de audiências públicas previstas na Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 8.666/93), na Lei de Responsa­bilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000') e no Estatuto da Cidade (Lei

5 0 A N< )VA ADMINISiKAC, A< > IUU1 l< A I O D lkl I IO A l)M IN ISI RAIIV< >

audiências públicas e consultas públicas aos interessados, tanto em relação a deliberações político-administrativas dos órgãos re­guladores, quanto a propostas de regulamentação jurídica de dadas situações. É preciso dizer, contudo, que tais instrum entos, embora formalmente previstos e sendo utilizados (com grande parcimônia, diga-se) pelos órgãos de regulação, estão longe de prom over efetiva participação dos administrados na Administração Pública. E por diversas razões. Primeiro, porque a diretriz de participação dos adm inistrados não se restringe apenas à atividade administrativa regulatória; da mesma forma, porque tais instrumentos, para que se considerem efetivos, pressupõem ampla participação, o que a toda vista não ocorre; e por fim, registre-se, a efetiva participação exige do­mínio de informações técnicas específicas, cujo acesso em geral não é franqueado a todos, bem com o, nas disputas que se compreendem nos processos de tomada de decisão pela Administração, os grupos de interesse melhor estruturados econôm ica e tecnicam ente ade­rem ao sistema de participação, em condições incomparavelmente melhores do que os demais.

No contexto da participação dos cidadãos no processo de tomada de decisão da Administração Pública, deste modo, desafio a ser supera­do é o da assimetria informativa entre os grupos de interesse que atuam nos espaços institucionais estabelecidos. E, igualmente, que o aumento destes espaços se dê para além de setores específicos da atuação ad­ministrativa (no âmbito dos órgãos reguladores), mas igualmente por intermédio de processos de participação direta dos cidadãos também em setores próprios da atuação da Administração. Neste sentido, não parece fundamental - e nem mesmo apropriado - que tais espaços de participação sejam deliberativos a ponto de vincular a atividade do gestor público. Contudo, certamente impõe a este o aprofundamento do dever de motivação dos atos administrativos que vier a realizar, por-

1 0 .2 5 7 /2 0 0 0 ). Para o cxaine das audiCncias publicas com o instrumentos de participação dem ocrática do cidadão nos assuntos da Administração Pública, veja-se: FERRARI, Regina Macedo Nery. Participação democrática: audiências públicas. In: GRAU, Eros Roberto; CUNHA, Sérgio Sérvulo da (Coord.) Estudos em homenagem ajosé Afonso da Silva. SãoPaulo: Malhciros, 2 0 03 , p. 3 2 5 -3 5 1 .

C a|>. 1 I.NIADO IIK 11 N i l I s i n s M l l o s

quanio não possa simplesmente ignorar as ponderações apresentadas no âmbito destes espaços de participação cidadã.

Ressalve-se, ainda, que quando se trata aqui de espaços de partici­pação dos cidadãos no processo de tomada de decisão da Administração Pública, não se está a sustentar, nem de longe, experiências que condu­zam ao assembleísmo ou a decisões colegiadas cuja responsabilidade de execução recaia em caráter exclusivo no agente público. Trata-se de mecanismos institucionais (portanto, regulamentados e estáveis), de participação propositiva e ativa, de que audiências e consultas públicas são exemplos significativos, mas que pressupõem mínimos padrões de qualidade, sobretudo em vista do dever de motivação que é do agente público, mas se projeta nestes espaços de participação, como parte do processo de formação do ato administrativo.

A transparência visa a dissipar o mistério que envolve a adminis­tração, de modo a permitir a compreensão da lógica que comanda a atuação administrativa.58 Neste sentido, a transparência se associa, de modo inseparável, à diretriz de máximo acesso à informação por parte dos cidadãos sobre as questões da Administração. N este sen tido, no te-se que a própria Constituição Federal, em várias disposições, estabelece o dever estatal de promover, como regra, o amplo acesso às informações da Administração. Não é demais dizer que a regra é do acesso amplo a quaisquer informações da Administração Pública. A exceção é a restri­ção, que justamente por isso deverá ser amplamente justificada* tempo­rária (diretamente relacionado à justificativa da restrição) e específica, “quando imprescindível à segurança da Sociedade de do Estado”, nos exatos termos do artigo 5.°, XXXI11, da Constituição Federal.

Fundamenta-se a transparência no princípio constitucional da publicidade da Administração Pública (art. 37, caput). Neste sentido, publicidade significa dar a conhecer ao público as informações de interesse geral por parte da Administração. Há, como decorrência do princípio constitucional da publicidade, um dever de transparênc ia por parte da Administração Pública.59 Compõe este dever, então, a conduta

58. CHEVALLIER, Jacques. Science administrative, p. 4 43 .59. BANDEIRA DE MELLO. Curso de direito administrativo, p. 104; ZIMMER

JÚNIOR, Aloísio. Curso de direito administrativo. 3. ed.São Paulo: M étodo, 2009, p. 129.

5 2 A N< A'A AD M IN ISTRAÇÃO 1’ÚUI.K A I O D IRIITO ADMINISTRAI IVO

do agente público, não apenas de tornar disponível as informações à população (comportamento passivo), senão também de promover a divulgação das informações de interesse da população (comportamento ativo) ou que de qualquer modo possam incentivar seu acompanha­mento e participação nos processos de tomada de decisão.

Não se desconhece aqui, igualmente, que o cum prim ento do dever de transparência da Administração Pública brasileira pressupõe a adoção de políticas de transparência por parte dos vários órgãos in­tegrantes da estrutura administrativa. O amplo acesso a documentos públicos da Administração, por intermédio de processos e mesmo de ações (com o ohabeas data previsto na Constituição, no tocante a infor­mações pessoais) que viabilizem a efetividade do direito de qualquer cidadão a conhecer os documentos que integram a ação administrati­va, é tendência evidente do direito administrativo contemporâneo.60 Assim também como o enfrentamento de uma cultura de isolamento dos agentes públicos em relação ao público externo (administrados), bem com o dentre seus pares (outros agentes públicos). No primeiro caso, o domínio das informações e sua reserva revelam uma reprodução da relação de poder entre o Estado/agente público e o administrado; no segundo, o domínio reservado de informações revela muitas vezes um comportamento individualista e de desconfiança em relação aos colegas, na disputa por melhores oportunidades na carreira. Ambas as situações é o que o novo modelo de administração pública gerencial visa eliminar.

Já a qualidade da atuação administrativa, mencionada no mais das vezes como qualidade dos serviços públicos, é resultado direto da influên­cia das técnicas de gestão privadas sobre a Administração Pública. Daí as noções largamente difundidas como a qualidade total, produtividade ou, mesmo, de eficiência.61 A noção de qualidade, no setor privado,

60 . MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: RT, 2 0 0 4 , p. 237-239 .

61 . A BRÚ CIO , Fernando Luiz. Aos avanços c os dilem as do m odelo pós- -b u rocrático : a reforma da adm inistração pública à luz da experiência internacional recente. In: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. SPINK, Peter (O rg.). Reformado Estadoe administração pública gerencial. 7. ed. São Paulo: Fundação Getúlio Vargas, 2 0 0 5 , p. 186.

Cap. i hsiAlH) li H UNI! I SI US Mitos

associava-se, na origem, à de conformidade com as especificações técnicas de um determinado produto, tendo evoluído para a ideia de satisfação do cliente. Conforme Ishikawa, em v isã o estrita, a noção de qualidade limita-se às características de produtos e serviços considera­das relevantes por seus compradores ou usuários. Em sentido amplo, a qualidade dirá respeito à satisfação comum, das diversas pessoas, grupos e comunidades envolvidos com a organização.62 Observa-se, neste sentido, a qualidade como resultante da satisfação plena dos clientes, associada à redução de custos e de perdas no processo, com a otimização do uso dos recursos existentes.63

No direito brasileiro, a definição de qualidade é definida como dever de qualidade de produtos e serviços do fornecedor no mercado de consumo, pelo Código de Defesa do Consumidor, de 1990. Néste, o atendimento ao dever de qualidade é reconhecido quando o produto ou serviço serve aos fins (adequação) e oferece a segurança que legitima­mente dele se esperam .M Na legislação decorrente da reforma do Estado, a noção de qualidade aproxima-se, em relação aos serviços públicos à definição de serviço adequado, prevista na Lei Federal 8 .987/95, que estabelece em seu art. 6 .°, §1.°, como sendo “o que satisfaz as condi­ções de regularidade, continuidade, eficiência,segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modificidade das tarifas”.65

A adoção das técnicas de qualidade, originárias do setor privado, na Administração Pública, embora sofra críticas quanto à alegada desconsi-

62. ISHIKAWA, Kaoru. Introduction to total quality control. Tóquio: JUSEPress, 1990 , p. 87.

63. CERQUEIRA N ETO , E.P. Gestão da qualidade: princípios e métpdos. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1991, p. 43 . Representativo destas técnicas de gestão em busca da qualidade é o denominado ciclo de Dcming (ou ciclo de Shew art), de crescen te utilização no âmbitoda gestão pública, destinado ao diagnóstico e solução de problemas organizacionais e com posto por quatro fases, de planejamento, execução, verificação de resultados c ação corretiva, visando solucionar problemas encontrados.

64. MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2 0 1 0 , p. 4 1 3 etseq.

65. Em linha contínua, define o á 2.°, do mesmo arl. 6 .°, que atualidade “com ­preende a m odernidade das técnicas, do equipamento, das instalações e a sua conservação, bem com o a melhoria e expansão do serviço”.

deraç ao das distinções entre os objetivos do listado c os da iniciativa priva­da, parece-nos por demais benfazeja. Neste sentido, note-se que se trata, no mais das vezes da adoção de ferramentas de gestão (atividades-meio), bem como da avaliação de resultados cuja adequada mensuração deverá contar, naturalmente, com a consideração dos objetivos cle promoção do interesse públicoede atendimento da população, que orientam a atuação administrativa. Hm outros termos, a adoção de técnicas de qualidade pela Administração Pública visa a uma transformação proíunda da cultura administrativa (introdução do modelo gerencial). Contudo, tal cultura de racionalidade gerencial não pode descurar dos demais aspectos que envolvem a Administração Pública contemporânea (participação, trans­parência, cidadania), sob pena de comprometer a própria legitimidade da atuação administrativa enquanto atividade destinada à promoção do interesse público e a prover as necessidades da população.

É neste particular que se apresenta o quarto aspecto deste novo perfil da Administração Pública, a cidadania. Trata-se de aspecto que legitima em caráter formal e substancial, a atuação do Estado-Admi- nistração no exercício de sua atividade administrativa.66 Trata-se da imposição de um novo modelo de participação dos cidadãos na vida da Administração Pública, no qual estes não são apenas destinatários das providências estatais, mas restam implicados diretamente no seu funcionamento e nos assuntos que lhedigam respeito.67 Tais processos,

l) 4 ^ ^ 'M IN IS 1 KAC^ÀÍ > PÚ B I K A I l > I MRLI l ; ) Al IM INJS I KA I IV< )

66. CHHVALLllIRJacques. Science administrative, p. 451.67. Das iniciativas já existentes na experiência brasileira, destacam-se duas: a)

primeiro, a participação das organizações da sociedade civil, representantes cie interesses setoriais em conselhos gestores de políticas públicas ou de funções de gestão dc recursos nos mais variados temas, como, por exem­plo, os conselhos de saúde, educação, meio ambiente, dentre vários outros, existentes nos três níveis da federação (federal, estadual e municipal), aos quais se atribuem desde competências para definir as diretrizes de políticas públicas até funções deliberativas e, inclusive, normativas; c b) os processos de participação da população, diretamente ou por intermédio de entidades representativas, nasdecisões sobre o orçamento público, definindo priorida­des da aplicação dos recursos. Ilm ambas as situações, contudo, a experiência recente apresenta riscos: no primeiro caso, a participação dos administrados em instâncias colegiadas e representativas, que normalmente se dá por intermédio de entidades da sociedade civil representativas dc interesses, pode gerar a dominação de interesses setoriais (parciais) dc determinados

( ap. 1 I siAiH > 111< ti Nii i sitisMiros

que se inserem no âmbito da denominada democracia participativa, não têm por condão suplantar o modelo institucional dc representação política constitucionalmente instituído (democracia representativa),68 mas coniplcm cntá-lo,69 visando a canais permanentes e estáveis de

setores cm relação ao interesse geral ou mesmo a inércia do órgão em visia do atendimento destes interesses parciais, passíveis dc acordos contrários ao interesse geral. Já no tocante aos modelos de participação da população nas decisões sobre orçamento público, os riscos são de duas ordens: primeiro, considerando que tanto estes processos dc participação, quanto a própria lei orçamentária aprovada pelo Poder Legislativo não possuem eficácia vinculativa do Estado-Administração, há o evidente risco de descrédito dc tais iniciativas, cm face da desatenção às definições estabelecidas pelos admi­nistrados; segundo, em face das responsabilidades do Estado-Administração pelo custeio dc toda a estrutura estatal, o volume dc recursos confiados á decisão dos cidadãos dificilmente será significativo, a ponto de estimular o aumento da participação nos processos públicos dc definição de prioridades.

68. A noção de democracia participativa não se confunde com a de democracia direta, e nem tampouco se contrapõe ao de democracia representativa. H nestesentidoque refere GiovanniSartori, ao indicar que “participação é um tomar parle pessoalmente, e um tomar parte desejado, autoativado Ou seja, participação não c um simples ‘tomar parte de’ (um simples envolvimento em alguma ocorrência), c menos ainda um 'tornado parte dc’ involuntário. Participação é movimento próprio e, assim, o exato inverso de ser posto em movimento (por outra vontade), isto c, o oposto de mobilização. Que isso seja o que o participativista queira dizer é salientado pelo falo de que todas as virtudes que atribui à participação - autocontrole, autorrealização e autoinstrução - dizem respeito ao sentido definido da palavra e não a seu sentido diluído.” Por outro lado, observa o pensador italiano: “nunca se negou que a participação é a essência das microdemocracias ou que proporciona uma infra-estrutura vital para a superestrutura global, isto é, para a sociedade política democrática”. SARTOR1, Giovanni. A teoria tia dem ocracia revisitada, v. 1. Trad. Dinah dc Abreu Azevedo. São Paulo: Ática, 1994, p. 158-159. Em outros termos, a noção de democracia participativa não é nova. O novo c sua aplicação como técnica dc participação dos cida­dãos no cotidiano do Estado-Administração, por intermédio de processos permanentes e estáveis dc interlocução política.

69. Ensina Diogo Figueiredo Moreira Neto, que a participação administrati­va é uma das modalidades de exercício de participação política, visando principalmente à legitimidade dos atos da Administração Pública, embora possa servir, incidcntalmenic, ao seu controle. MOREIRA NETO, Diogo

Í5(> A N( )VA A D M IN IS T K A Ç À O 1’Ú IU .K A I C) i)lk t I (( ) A D M IN IS IK A IIV C )

participação dos adm inistrados no processo de tomada dc decisão da Administração Pública.

Neste contexto, é dc realçar na recente experiência brasileira a redefinição das relações entre o Estado e a Sociedade, que parte da premissa da existência de um espaço público não estatal, formado pelas entidades privadas identificadas genericamente com o terceiro setor (em geral associações e fundações), ou, na terminologia mais conhe­cida das ciências humanas, organizações não governamentais. Sob tal denominação, contudo, não se encontra homogeneidade. Abrigam- -se nesta denominação tudo o que não é estatal, desde entidades de defesa ou reivindicação de direitos ou interesses setoriais, passando por entidades beneficentes ou de assistência social, ou mesmo enti­dades privadas cle representação social, como é o caso de sindicatos, federações, confederações, dentre outros. Daí porque é pouco útil a expressão para um exame juríd ico do fenômeno.

O fato é que a participação dos cidadãos na formação das decisões da Administração Pública, diretamente ou por intermédio de organiza­ções de representação da sociedade civil, é tendência a ser considerada no âmbito da renovação das relações entre Estado e Sociedade. O modo como se estabelece esta participação envolve-se com os demais aspectos já assinalados- transparência c qualidade- e pressupõe a institucionali­zação de espaços com esta finalidade, visando, de modo mais amplo, ao comprometimento e motivação mais efetivos dos agentes públicos cm relação às soluções adotadas, especialmente porque estarão passíveis de crítica e exame permanentes por intermédio de mecanismos que, afinal, traduzem novas espécies de controle e atuação prospectiva dos cidadãos na gestão pública. Ao direito administrativo, nesta ordem, cumpre regular a institucionalização de tais processos, assegurando a mais ampla e qualificada participação dos cidadãos.

4 .1 Leituras contemporâneas do conceito de interesse público

O fundamento da atuação do Estado-Admi nistração e razão de ser de sua existência e legitimidade é o de que se orienta para a realização

de Figueiredo. Direito da participação política. Fundamentos e técnicas cons­titucionais da dem ocracia. Rio dejaneiro: Renovar, 1992, p. 123.

C 'a | ) . I I M A I II ) 111( II m i 1 SI I IS M lIO S

cio interesse público. Neste sentido, inclusive a posição preferente da Administração Pública nas relações jurídicas de que participa, bem como as restrições a direitos e deveres dos administrados, orientam- -se, por largo tempo, no princípio da supremacia do interesse público, indicando o caráter absoluto da preferência do interesse público sobre o particular.

Atualmente, a noção dc supremacia do interesse público vem sendo objeto de críticas, especialmente fundadas na sua alegada im­propriedade em face do Estado Democrático de Direito que, dentre seus corolários consagra o regime de proteção aos direitos e garantias individuais,70 A questão que se apresenta, contudo, não parece dizer respeito à crítica da supremacia do interesse público, dê resto reco­nhecida como princípio constitucional implícito,71 itias quál ó'éefü conteúdo e eficácia, no contexto do Estado Democrático de Direito1.

Conforme leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, a Adminis­tração Pública, como expressão da supremacia do interesse público, terá a possibilidade de constituir deveres jurídicos por intermédio de atos unilaterais, exigir comportamentos, sancionar descumprimentos

70 Para as críticas, veja-se: JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito admi­nistrativo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 54etseq; ÁVILA, Humberto Bergmann. Repensando o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. In: SARLET, Ingo Wolfgang. (Org.) O direito público cm tempos de crise. Estudos cm homenagem a Ruy Rubem Ruschel. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 127. No mesino sentido, veja-se a coletânea de estudos, orientados ã crítica da supremacia do interesse público, organi­zados por: SARMENTO, Daniel (Org.) Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

7 1. Assim, Alexandre de Moraes, para quem a supremacia do interesse público é princípio constitucional implícito, decorrente do artigo 3.°, IV da Consti­tuição, o qual identifica entre os objetivos da República Federativa do Brasi 1, “promover o bem dc todos”. MORAES, Alexandre dc. Direito constitucional administrativo. São Paulo: Atlas, 2002, p. 116-117. Noticiando sua vincu- lação ao princípio da República: JUSTEN FILHO, Marçal. Curso dc direito administrativo, p. 54. Para o desenvolvimento histórico da supremacia do interesse público, remeto à dissertação de NliQUFTE, Eunice Ferreira. Fundamentos históricos do princípio da supremacia do interesse público. Porto Alegre: UFRGS, 2005

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tarsuas P^prias determinações, assim como revogar (poder) (devei) 8eus próprios atos.72 Isto está longe de indicar que

Administração titule poderes ilimitados em lace de tal prin- p-Ja verdade,"tem de direito, apenas a extensão e com postura que

ju ríd ica houver lhe atribuído na Constituição e nas leis com ela . Da mesma fornia, ao tratar-se da supremacia do interesse

, frise-se igualmente sobre sua indisponibilidade, ou seja, de ç - , ^ ê enl(> público não pode a seu livre-arbítrio definir o interesse

^ O C a aslai as c ecisões cm conformidade com este, segundo as R 116 encontre- E. por fim, que a supremacia do interesse pú-

11 se assoc*a à irresponsabilidade da Administração Pública, to ainda clue 0 Princípio se conduza a legitim ar o prejuízo de

^ r e s s t 's l531 cu ares, não deixa de suportar o dever de reparação dos causados (e.g., as hipóteses de desapropriação ou de revogação

* l i c i t a ç ã o ) .

O clesafio, deste modo, não há de ser a desqualificação do princípio d o in te i esse público - a toda prova, fundamento elem entar da atuação e s ta ta l —, mas o estabelecimento de critérios para sua precisão. Assim, é c o n e to observai, em primeiro lugar, que não se confundem interesse p ú b lic o e interesse do Estado (das pessoas de direito público que o c o m p õ e ) , nem tampouco com conveniência da Administração ou o in te r e s s e do agente público.

N esta linha de entendimento é que, a rigor, a noção de interesse p ú b lico não se amolda a uma definição exata. Ao contrário, como ca- i actei ísticado Estado Democrático de Direito, não se há de conformar a n o ção com um exclusivo significado, devendo-se admitir visões plurais so e o conceito a serem adequadamente compreendidas e validadas cm cac a situação. Disso resulta que, como elementos com uns ao conceito t e in teiesse público no estágio atual do direito administrativo, esteja

72. BANDEIRA d e MELLO, Celso Antônio. Curso de direito admimsl ta ivo.i 87 . _ •

73. ldeni, p. 87. No mesmo sentido, observando que a aplii ação c o “não significa o total desrespeito ao interesse privado vet i ^ Diógencs. Direito administrativo. 13- cd. São Paulo. Saraiva, , je rp N

74. BANDEIRA DE MELLO, Curso de direito administrativo, p.FILHO, Curso de direito administrativo, p. 55.

C n j ) . 1 I siAIX) ITIUINll l SHJSMIIOS r»‘)

de um lado, sua profunda vinculação com os princípios e valores cons­titucionais - o que remete, desde logo, aos direitos fundamentais - e, de outro, a demonstração in concreto do interesse público, conformada não apenas pela justificação do conteúdo do ato administrativo que alegadamente o veicule, mas pela avaliação do procedimento que levou àsua definição. É de se dizer, pois, que “não há interesse público prévio ao direito ou an terior à atividade decisót'ia da adm inistração pública”.75 Uma vez mais, são as cautelas no processo de tomada de decisão que legitimam seu resultado como representativo do interesse público. Isso há de reforçar, uma vez mais, a renovação dos processos de toma­da de decisão por intermédio do direito administrativo no âmbito da Administração Pública e o porquê de se associarem, neste particular, a supremacia do interesse público e o sentido construído pelo direito para o princípio constitucional da eficiência administrativa.

4.2 A governança e o direito administrativo

Em decorrência da adoção de técnicas do setor privado na gestão pública pela adoção do modelo de Administração Pública gerencial, outro tema a ser considerado, em especial quanto a sua repercussão 110 direito administrativo, e 0 da governança da Administração Pú­blica. O tema da governança no setor público possui forte carga de mudança conceituai e ideológica do conteúdo e do modo de exercício da função administrativa pelo Estado. Conforme bem assinalajacques Chevallier, “no centro dos modos clássicos de “governo” - caracterizados pela assim etria, pela desigualdade, pela unilateralidade, a form a juríclica t necessariam ente a fetada pela prom oção de um estilo novo de decisão ed e ação, 0 qual repousa sobre a cooperação e a procura de adesão”.76A este respeito, observa Bresser Pereira que “existe governança em um Estado quando seu governo tem as condições financeiras e administrativas para transform ar em realidade as decisões que tom a”.'7

75. Idem, p. 64.76. CHEVALL1ER Jacques. A governança e o direito. Revista de Direito Público

da Economia, n. 12. Belo Horizonte: Fórum, out.-dez. 2005, p. 129-130.77. BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. A reforma do Estado nos anos 90: lógica

c mecanismos de controle. Cadernos MAlili da Reforma do Estado. Brasília: MARE, 1997, p. 40.

( , ( ) A NOVA A D M IN ISTRAÇÃO PÚ BI K A I O DIKI I IO ADM INISTRATIVO

A correta com preensão da governança impõe que se examine, uma vez mais, tal realidade no setor privado, onde assaltam com a- tualidade as práticas de governança corporativa ,78 A rigor, pressupõe um conjunto de processos, costum es, políticas, norm as e instituições que regulam o modo com o uma dada empresa é administrada. Seu exam e é interdisciplinar, um a vez que toma em consideração aspectos econôm icos, jurídicos, sociológicos e administrativos, na definição de um modelo de gestão. São premissas, contudo, para o êxito de um m odelo de gestão de governança corporativa, a adoção de processos que assegurem um adequado fluxo de informações, a transparência das ações;administrativas, o dever de prestação de contas dos gestores e sua responsabilização pelo conteúdo e alcance das decisões que adotarem (accountability ). Da mesma forma, prevê instrumentos de controle da atividade que permitam aferir a regularidade da conduta dos gestores, assim como as metas a serem perseguidas e os resultados alcançados.

Observe-se que, no se tor privado em presarial, as práticas de governança corporativa têm como premissa a separação, no moderno capitalism o, entre propriedade e gestão da empresa.79 Faz relação de

78. Este exame, contudo, não implica na identidade, da governança no setor público e no setor privado. Como alerta Luiz R. de Mello Júnior, dentre as diferenças elementares a serem consideradas está a presença, no setor pú­blico, da classe política, e da estabilidade dos servidores, o que exigirá, em sua visão estratégias diferentes a serem adotadas. MELLO JR ., Luiz R. de. Privatização e governança empresarial no Brasil. In: PINHEIRO, Armando Castellar; FUKASAKU, Kiichiro (Ed.) A privatização no Brasil. O caso dos serviços dc utilidade pública. BNDES, 2000, p. 77.

79. Assim o conhecido estudo de Faina ejansen, publicado no Journal o j Law an d Economics,cm 1983: FAMA,Eugene FJEN SEN , Michael C.Separation of ownership and control. In: CLARKE, Thomas. Theories ojcorporatc go- vcrnance. Thephilosophicalfoundations o f corporatc governance. Routledge; New York, 2007 (reprinted), p. 64-77. Entre nós: ANDRADE, Adriana; ROSSETTIJosé Paschoal. Governança corporativa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 71. No inesmo sentido a pesquisa brasileira de: SILVEIRA, Alexandre Di Miceli da. G overnança corporativa e estrutura de propriedade. Determi­nantes c relação com o desem penho das empresas no Brasil. São Paulo: Saint Paul, 2006, p. 52 et seq. Esta separação entre propriedade e controle das sociedades empresárias;.é obviamente desenvolvido no âmbito do direito empresarial contemporâneo, para o que se remete ao trabalho clássico em

Administração, nos mesmos molcles q u e se c o até pelo fato do conceito ter sido recebido d o ponto com um , o fato de que quem ad m in ist.ir sua, guardando relação de confiança c le a ld a c J t^ o dono. No caso do setor privado, a g o v e r n a t ^em benefício dos interesses legítim os de i n v e s considerando-se ainda as posições ju ríd icas d e t ,(stakeho lders). No setor público, c o n s id e ra n d o -se em benefício da população em geral.

A expressão governança surge, no to c a n te à g e<?do ao aprofundamento das condições que to r n a m e, neste particular, não apenas associado a a s P e e t o s r atuação estatal, sendo a atuação do E stad o -A d rn in i.pelosresultadosdesuas condutas, assim co m o o m c w o :> ^ > 1

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poder. Nas linhas fixadas pelo Banco Mundial, d iz r e s p e ã ,^ ^ “a capacidade dos govenw s d e p la n e ja r , fo r m u la r e im p len ^e cum prir fu n ções ”,81 o que se há dc estabelecer-se ,

c

processos que levam a efeito a decisão g o v e rn a m e n t^ ^ dos seus resultados.

A ideia dc governança orien ta-se p or uma l ó g iQo

direito. Enquanto este se exprim e por in term éd iocom andos obrigatórios provenientes de au to rid ad e, ^ c/

o

fv,o .parte da ideia de pluralismo, interatividade e p a r t ic ip k ^ ^ ^ V ç ^ ' finalidade de obter compromissos aceitáveis das p a r t ^ rltlÇnA governança aplicada ao setor público vai promover

-elo •

direito brasileiro, de Fábio Kondcr Comparaüo, e que a p a r ( j}.^mais recentes se publica em profícua co-autoria com Calixto e <Oe(r.COMPARATTO, Fábio Konder. SALOMÃO FILHO, C a li^ ,n Ot o ^ ^ s_ n . UI-,.•'u I ,'jlicon tw k na sociedade anônima. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, in P P°tle, ' seq. 8 ,/)25 ^C

80. CIRNELIMA, Ruy. Sistema de direito administrativo, v. I. P<>no/\j

* * * S1953.81. WORLD BANK. Governance atui d e v e l o p m e n t . Washington- ^

1992. °rld a*'!/(82. CHEVALLIER,Jacques. A governança e o direito. Revisittele

da Economia, n. 12. Belo Horizonte- Fórum, out -dez. 2005, p

A NOVA AD M IN ISTR A Ç Ã O 1’ÚBt l< A I O DIRII IO A D M IN ISl RATIVO

rãs locais, a institucionalização de m ecanism os de participação no processo de tomada de decisão dos agentes públicos, bem como a transparência das informações.

São instrum entos da governança no setor público a proced i- m en ta lização e a contrcitualização. A p roced im en ta lização remete à institucionalização da processualidade administrativa de modo que a adequada ponderação dos interesses relativos a dado processo de t o r n a d a de decisão, seja considerado para efeito de um resultado con­forme ao interesse público. Já a contratualização “traduzjuridicam ente a abordagem contratualisla e consensual da ação p ú b lica”,81 o que sig­nifica afinal, que a construção das decisões não se manifestam exclu­sivamente como expressão de poder, mas pela formação de acordos c consensos específicos mediante exaustivos processos de negociação em vista dos interesses envolvidos. Neste sentido, sustenta-se que, com a governança, na medida em que as norm as jurídicas seriam decorrência do consenso dos próprios destinatários, não mais seriam dotadas do tradicional elemento de coerção ou de exigibilidade, senão que passariam a se caracterizar como espécie de “direção jurídica não autoritária de condutas”.

Ensina Chevallier que “uma ligação estreita existe ente regula­ção e governança: se a ideia de regulação rem ete á ideia de uma certa ju n ção a exercer, de certos objetivos a a ting ir - a saber, a m anutenção de um equilíbrio de conjunto sua con cretização im plica o recurso a novos modos de exercício do poder. A regulação pressupõe a governança, com a qual ela form a uma dupla in d issociável”.85 Daí porque o lema da governança no âmbito do Estado-Administração brasileiro há de considerar a necessidade de um afastamento gradativo - como conse­quência da profissionalização da gestão-entre as políticas de governo e o funcionamento regular da Administração Pública De modo que um sistema institucionalizado de governança, regulado pelo direito administrativo, íique protegido em relação à mudança de governos e outras alterações do quadro político-cleitoral. Neste contexto, o direito

83. Idem, p. 138-13984. klein, p. 143.85 Idem, p. 130.

t:ap . I IsiAIK) 11IC II N11 I S U J S M I K I S

administralivo surge como garante da autonomia e isenção do lís\ em relação a interesses parciais de grupos de pressão e/ou. declivage. polílico-partidárias, mediante institucionalização dos mecanismos de participação e transparência resultantes das novas relações enlrc o E stad o e a Sociedade.

5. C onclusões do capítulo

As premissas que orientaram a reforma do Listado brasileiro da década de 1990 e, sobretudo, suas consequências que se fazem sentir até os dias atuais, transformaram a Administração Pública brasileira. As críticas ao processo que levou à sensível diminuição da estrutura do Estado brasileiro, inclinaram-se no sentido de que a ausência de uma intervenção direta deste levaria à perda do sentido de responsabilidade do Estado pela promoção do interesse público, em especial, na forma da adequada prestação de serviços públicos.

Ocorre que a experiência vem demonstrando ser a reforma do Estado não apenas um conjunto dc providências jurídico-normativas necessárias ao redesenho das institu ições, mas fenôm eno multi- facetado que envolve a m udança de uma cultura adm inistrativa, a adoção de novas técnicas dc gestão, bem como a redefinição das relações entre o Estado c a Sociedade, mediante desbravamento de novas áreas c regimes de colaboração público-privados, assim como dc novos canais de comunicação entre a estrutura estatal, o cidadão individualmente considerado e a sociedade civil organizada. Neste particular, registre-se que boa parte do marco teórico que inspira esta diretriz de participação social nos assuntos da Administração aguarda efetivação por intermédio de providências legais e administrativas que a viabilize de fato.

Contudo, este novo perfil da Administração Pública, de modelo gerencial e vinculado à obtenção de resultados, tem sua legitimidade firmemente apoiada na eficiência da atuação administrativa, oque além de resultados sociais e economicamente mensuráveis, resta associa­do à processualidade da ação administrativa, a assegurar a crescente participação dos cidadãos nos processos de tomadas de decisão pú­blicos, sob o resguardo inafastável do respeito aos direitos e garantias individuais e sociais.