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O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 1
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico
Rosa Maria Pujol
Tradução de Júlia Soares
Pensar que ciência se deve ensinar no 1º Ciclo do Ensino Básico é pensar algo
muito ligado ao conceito de ciência e ao modo como se constrói o conhecimento
científico. As concepções dos professores a este respeito são muito diferentes e
revelam-se em actuações muito divergentes na prática docente as quais se
concretizam em diferentes prioridades acerca do objecto de estudo e do modo de
planear o seu ensino.
Embora existam dificuldades em estabelecer uma definição única e consensual
de ciência, toda a comunidade científica aceita a capacidade de formular
perguntas como motor do conhecimento científico. Essas perguntas põem em acção
o pensamento, a actividade e a comunicação com o objectivo de procurar
respostas que permitam estabelecer leis e teorias gerais para melhor explicar o
mundo físico e natural. É necessário, pois, para afrontar o desafio da educação
científica, criar uma dinâmica que ponha em acção simultaneamente o “pensar”, o
“fazer” e o “falar” dos alunos sobre os factos e os fenómenos do mundo natural e
físico.
Uma concepção de ciência que entende que esta explica como é o mundo,
implica um planeamento educativo totalmente diferente da concepção de ciência
como interpretação social da realidade ou de ciência entendida apenas como um
método. No primeiro caso, o conceito de ciência responde a um modelo
acumulativo de conhecimentos que, progressivamente, vai somando “verdades” e é
lógico que o esforço educativo se centre na aprendizagem de todo o saber
científico acumulado ao longo da história. No segundo, entende-se a ciência como
fruto de sucessivas rectificações associadas a distintos marcos interpretativos e à
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 2
superação de múltiplos obstáculos; enfatiza-se a aprendizagem daquelas saberes
que possibilitam estruturar e ampliar o conhecimento, relativizando-se a necessidade
de ensinar o conjunto de toda a produção científica. Trata-se de uma concepção de
ciência entendida exclusivamente com base na experimentação para descobrir
novas teorias o que implica que se dê prioridade à actividade experimental no
processo de educação científica.
Embora a ciência responda a uma actividade racional que se valida na
medida em que os resultados obtidos permitem fazer predições cada vez mais
precisas, possibilitando progressivamente a formulção de novas perguntas,
paralelamente a ciência constitui uma actividade social, dado que qualquer
resultado deve ser posto ao alcance de toda a comunidade científica, a qual
analisa, opina, valoriza e decide ou não a sua aceitação em função de normas
valorativas estabelecidas. Os alunos, na aula aprendem a expressar as suas próprias
maneiras de ver as realidades físicas e naturais, a revê-las, complementá-las,
reorganizá-las, estabelecer novas relações, aumentar o grau de complexidade.
Embora seja o aluno a reorganizar as suas próprias ideias, a interacção com os outros
é essencial para ele. A educação científica não pode esquecê-lo e deve criar um
clima colaborativo que possibilite a interacção intelectual entre todos os
intervenientes na sala de aula.
De igual modo, no processo de aprendizagem científica é fundamental
potenciar a autonomia dos alunos. Potenciar pressupõe ensinar-lhes a serem os
artífices da sua aprendizagem isto é criar condições para que aprendam a aprender.
Para falar de tudo isto neste capítulo, organizaram-se as seguintes questões que
serão aprofundadas em capítulos posteriores:
- uma ciência que ensine a “pensar”
- uma ciência que ensine a “fazer”
- uma ciência que ensine a “falar”.
Uma ciência que ensine a “pensar”
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 3
Actualmente, assume-se que cada indivíduo, para entender um fenómeno ou
um acontecimento, constrói mentalmente representações que lhe permitem
manipulá-las a nível mental falar e raciocinar sobre elas. Toda a representação
interna de algum aspecto do mundo externo é o que se denomina modelo mental.
Os indivíduos operam mediante modelos mentais auto-construídos através da
percepção, da experiência quotidiana, da imaginação, do discurso, etc, e é isso que
lhes permite explicar um fenómeno, fazer perguntas e previsões acerca dele.
Os cientistas e as cientistas, como pessoas, também representam os fenómenos
naturais e os sistemas físicos mediante modelos mentais individuais. No entanto,
quando constroem um conhecimento científico, partilham as suas representações
internas e tentam desenhar representações externas de acordo com os
conhecimentos de que a comunidade científica dispõe naquele momento.
Actualmente, assume-se que cada indivíduo, para entender um fenómeno ou
um acontecimento, constrói mentalmente representações que lhe permitem
manipulá-las a nível mental falar e raciocinar sobre elas. Toda a representação
interna de algum aspecto do mundo externo é o que se denomina modelo mental.
Os indivíduos operam mediante modelos mentais auto-construídos através da
percepção, da experiência quotidiana, da imaginação, do discurso, etc e é isso que
lhes permite explicar um fenómeno, fazer perguntas e previsões acerca dele.
Os cientistas e as cientistas, como pessoas, também representam os fenómenos
naturais e os sistemas físicos mediante modelos mentais individuais. No entanto,
quando constroem um conhecimento científico, partilham as suas representações
internas e tentam desenhar representações externas de acordo com os
conhecimentos de que a comunidade científica dispõe naquele momento. As
representações externas assim construídas denominam-se modelos conceptuais.
A ciência procura explicar os fenómenos naturais e os sistemas físicos do mundo
desenhando representações mediante modelos conceptuais. As representações que
a comunidade científica elabora respondem a uma atitude, a uma forma concreta
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 4
de situar-se frente aos fenómenos, a qual se manifesta mediante um tipo
característico de perguntas, experiências e explicações. É um situar-se frente ao
mundo, utilizando modelos mentais específicos, o que permite organizar os dados
para além da percepção directa. Vincula-se o pensamento com a actividade e com
a explicação. O pensamento orienta a experiência e a explicação dos seus
resultados, e estes voltam a reorganizar o pensamento para reorientar a experiência
e a explicação. É por isso que "pensar" "fazer" e "falar" constituem três processos
indissociáveis da actividade científica na criação de modelos conceptuais que
explicam o mundo físico e natural.
Um modelo conceptual criado pela comunidade científica é uma
representação simplificada da realidade que centra a sua atenção num dos
aspectos específicos para tentar responder a uma pergunta. O interesse dos modelos
criados pela ciência não radica no facto de oferecerem uma representação
verdadeira ou falsa de um fenómeno, mas nas possibilidades que oferecem para
responder à pergunta que os originou, permitindo formular novas perguntas que,
para serem respondidas, podem gerar novos modelos conceptuais. Trabalhar com
modelos conceptuais gera uma dinâmica na actividade científica que permite a
construção e a reconstrução continuada do conhecimento científico.
Os alunos não chegam à escola com a cabeça vazia, pois ao longo da sua
vida vão construindo modelos mentais para explicar o quotidiano do mundo que os
rodeia. Dado que a ciência para explicar os acontecimentos e os fenómenos físicos
naturais opera com modelos conceptuais, pode pensar-se que os modelos mentais
são instrumentos de aprendizagem; os modelos conceptuais instrumentos de ensino;
a educação científica um processo através do qual os alunos vão elaborando
modelos mentais que permitem ir dando significado aos modelos conceptuais
criados pela ciência.
Na perspectiva anterior, a educação científica torna-se um processo que,
utilizando a dúvida daquilo que é evidente, dá aos alunos a possibilidade de irem
substituindo os seus modelos mentais por outros com características mais próximas dos
modelos conceptuais próprios da ciência. Neste processo pode se ir dando uma
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 5
reconstrução continuada dos modelos mentais que os alunos possuem e /ou
constroem, pondo em jogo aspectos parciais que para eles são significativos.
Dado que todo o modelo conceptual criado pela ciência se elabora sempre
com a finalidade de encontrar resposta para uma pergunta, a capacidade de
formular perguntas deveria ser algo essencial em toda a educação científica. Apesar
disso nas aulas dá-se mais ênfase às respostas do que às perguntas. A maior parte das
perguntas são orientadas para que os alunos constatem algo ou explicitem a
"verdade" contada nos livros sem que isso origine perguntas cruciais do ponto de vista
científico que permitam modelar um conhecimento científico na escola. Por
exemplo, ao estudar as sementes, formulam-se perguntas deste tipo: de onde vem?
Como é? Que forma tem? De que cor é?
+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
De que necessita para germinar?...; e as respostas dadas pelos alunos só podem ser
reconduzidas pelo professor para uma resposta correcta, que geralmente é ilustrada
com desenho no qual se incorpora um novo vocabulário. É uma situação que exige
uma reflexão acerca daquilo que se pretende com este tipo de perguntas e se elas
são geradoras de pensamento científico.
Quando os alunos observam sementes e as fazem germinar, apreciam e
propõem coisas muito diversas. A partir das suas vivências podem seleccionar-se os
aspectos que os podem ajudar a construir um modelo mental mais significativo na
perspectiva do modelo conceptual científico. No caso das sementes, o interesse
estará em todas as questões orientadas para elaborar modelos de continuidade da
vida. Perguntas do tipo: Que há dentro de uma semente que possibilita que de
dentro dela saia uma nova planta? Que tipo de ambiente torna isso possível? Que faz
a semente para recolher a água de que necessita para germinar? De que se
alimenta para se desenvolver?, permitem que os alunos vão modelizando o conceito
de semente como a expressão de vida de uma planta num dado momento, uma
manifestação que precisa de condições ambientais específicas para manter a vida,
diferentes das que são requeridas pela planta de que provém e da que se
desenvolverá.
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 6
De igual modo ao estudar um fruto e observar, por exemplo, uma maçã
determinadas perguntas {como podes saber que a maçã é um fruto? Como
convencerias disso um extraterrestre? as tuas respostas serviriam para convencê-lo de
que uma banana é um fruto? dão a cada aluno a possibilidade de expressar o seu
modelo mental de fruto e ver as inadequações que resultam de algumas das suas
ideias (é um fruto porque se come à sobremesa; é um fruto porque sai da árvore...) O
jogo posterior de perguntas e de hipóteses a partir da observação de uma maçã
permite reconstituir uma história com a qual podem ir elaborando modelos mais
complexos acerca dos frutos.
No quadro seguinte pode ler-se parte de uma destas historias:
Quadro3.1 As perguntas e as experiências que estabeleçam ligação entre os alunos e
sejam relevantes cientificamente são fundamentais para a construção do
conhecimento científico.
______________________________________________________________________
Estudo do fruto: a maçã.
Professora: Como poderíamos saber que esta maçã é realmente um fruto? Porque vem da macieira. ?
-Eu tenho uma macieira e sei que é um fruto. Professora: E se procurássemos saber isso a partir da
própria maçã? Observemo-la por fora O que é que tu vês?
-E redonda e vermelha. -A pele é brilhante.
-Tem um raminho que sai de um buraquinho Também tem umas folhas muito pequeninas Professora:
Estão junto do raminho como diz o Pedro?
Não. Estão do outro lado. Professora: Há sempre o mesmo número de folhas? Todos podem contar o
mesmo número? Há cinco.
Não. Há quatro, mas há uma que está partida. Há cinco
Professora: Vamos cortar a mação para ver se as folhinhas têm continuação lá dentro. Por onde a
vamos cortar para ver isso?
Fazendo um corte desde o raminho até às cinco folhas.
Professora: Que vemos? Pode ver-se alguma continuação do que vemos por fora? Vê-se uma coisa
mais dura e dentro há sementes. Vai de ponta a ponta.
Um raminho com as folhinhas e dentro há sementes E como um receptáculo que vai de ponta a
ponta.
Professora: Vamos fazer um corte perpendicular ao interior e justamente ao meio da maçã para ver o
que lá
está.
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 7
Vê-se claramente cinco receptáculos.
Em cada um há uma semente.
Professora: Desenhem a maçã partida presa á árvore e experimentem contar a sua história
retrocedendo no tempo
Fonte: Asun Rodriguez, Escola Bellaterra (Bellaterra); segundo curso do ciclo superior.
Partir da observação ou da experimentação permite centrar a atenção dos
alunos e estes podem explicitar os seus próprios modelos mentais que, em alguns
casos, podem estar muito distantes dos modelos aceites pela ciência. No confronto
de ideias e nas propostas para confirmar ou refutar as perguntas, podem determinar-
se importantes variáveis a partir do modelo conceptual da ciência e discernir se
estão ou não presentes no modelo mental explicativo dos alunos. E também nesta
confrontação que faz sentido propor novas actividades de observação e de trabalho
experimental, procurar outras informações ou simplesmente formular novos
problemas que ajudem os alunos a avançar na construção do seu pensamento
científico. Deste modo tomarão consciência de diferentes interpretações dos seus
colegas e das suas colegas, de entre estas e as informações e de entre estas e a
ciência.
Uma ciência que ensine a "fazer"
Os modelos conceptuais elaborados pela ciência são produzidos mediante
mecanismos muito diversos. As maneiras de "fazer" ciência são variadas, complexas e
não respondem unicamente à aplicação racional e mecânica do denominado
método científico. A ampla variedade de problemas de investigação científica
requer uma extensa e diversificada gama de estratégias de investigação. Estas vão
desde os modelos matemáticos preditivos, necessários para avançar no campo da
Astrofísica, até às interpretações visuais, experimentais e subtis que se utilizam em
Biologia celular. Pode afirmar-se que o que caracteriza a actividade científica não é
a existência de um método científico único e universal mas uma procura de
estratégias que permitam encontrar respostas para as perguntas formuladas.
Embora não se possa caracterizar uma única maneira de "fazer" da
comunidade científica, é possível falar de um estilo próprio da actividade científica e
reconhecer as suas diversas estratégias. Pensa-se que o "fazer" e o "pensar" se
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determinam mutuamente e são indissociáveis. Os procedimentos práticos utilizados
para criar conhecimento científico vão sempre acompanhados de uma reflexão
teórica e estão sujeitos à opinião da comunidade científica. Dado que toda a
prática científica está sempre fundada numa teoria, tanto no início como no seu
desenvolvimento e nas suas conclusões, na educação científica não se pode
implementar os modelos teóricos independentemente dos procedimentos científicos
que lhe estão associados; deve incluir não só o resultado do conhecimento científico
mas também a sua génese.
Para o estudo das ciências, em alguma aulas do Io ciclo propõem-se
actividades específicas: experiências, investigações. Observações, actividades
práticas, actividades de de laboratório, trabalho experimental etc; paralelamente,
em muitas outras, este tipo de actividades são pouco valorizadas por se considerar
que o esforço e a complexidade a elas associadas não correspondem a uma sensível
melhoria dos resultados escolares ou por se entender que desestabilizam a
"tranquilidade" do ritmo da turma. Por outro lado, as actividades mencionadas
podem perseguir objectivos muito divergentes. Às vezes são planeadas para que os
alunos "vivam" directamente os fenómenos objecto de estudo, considerando que são
a chave para a sua motivação. Noutros casos, o que se pretende com essas
actividades é ilustrar a compreensão de um novo conceito, pensando que o aluno o
recordará melhor se o relacionar com algo que tenha manipulado ou visto. Também
há ocasiões em que o que se pretende é a aprendizagem específica de
determinados procedimentos científicos com a finalidade de que os alunos
trabalhem, como supostamente trabalha a comunidade científica.
Posto que na actividade científica, a prática nunca se desvincula da teoria
nem da pergunta inicial, pode afirmar-se que as actividades práticas que são
propostas nas aulas e que não possibilitam pensar sobre aquilo que se está fazendo
não potenciam uma aprendizagem científica. Todo o processo de aprendizagem
científica deve contemplar a aprendizagem simultânea do "fazer" e do "pensar."
Qualquer experiência deve induzir os alunos a estabelecerem relações entre o seu
mundo mental e o problema concreto em estudo, entre as perguntas iniciais e os
resultados da experimentação.
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 9
Tomemos como exemplo o estudo da minhoca. Numa situação de aula a
simples observação e descrição do comportamento da minhoca em contacto com
a terra sem relação com uma pergunta e uma hipótese inicial que a relacione com o
meio adequado para a sua vida, leva os alunos a exercitarem apenas o "fazer" e não
os ajuda a "pensar", isto é, a adquirir conhecimentos sobre a minhoca. Pelo contrário,
partir da observação da minhoca no seu habitat natural permite falar com os alunos
do tipo de terra que pode ser mais adequado para manter a vida daquele animal e
a partir disto explicitar e ou configurar os seus primeiros modelos mentais em relação
com o tipo de meio de que a minhoca necessita para viver. Estes modelos poderão
ser postos em dúvida através de outras observações relacionadas com novas
perguntas que vão aparecendo. Deste modo os alunos poderão construir modelos
mais complexos e mais próximos dos modelos conceptuais elaborados pela
comunidade científica. Este processo implicará os alunos na construção de novas
aprendizagens acerca da importância do meio para a vida de qualquer animal.
Vejamos uma sequência de actividades à volta das minhocas realizadas por
alunos do Io ciclo na qual a todo o momento eles exercitaram o "fazer" e puseram em
acção o "pensar". A recolha de minhocas no campo permitiu aos alunos falar das
características próprias do seu habitat/a terra está húmida é preciso fazer um buraco
para as encontrar, escondem-se em seguida debaixo da terra...) Isso permitiu pensar
nas características que deveria possuir o terrário da aula para manter com vida os
referidos animais e originar de entre muitas uma pergunta crucial (qual é o melhor
tipo de terra para a vida das minhocas?) O intercâmbio das possíveis respostas ou
hipóteses construídas com base nas ideias que os alunos tinham e/ou elaboraram
durante a saída facilitou o desenho de uma experiência para comprovar
características do tipo de terra preferido pelas minhocas. Os resultados da nova
observação ajudaram os alunos a construir novas ideias sobre as características do
meio em que podem viver as minhocas.
O contínuo contraste entre as explicações dos diferentes membros da turma
(alunos e professor) entre estes e as diversas fontes de informação (observação
directa, experimentação, livros, pesquisa, vídeos) sem perder o referente do
problema colocado, facilitam o enriquecimento e a evolução das formas de pensar
de cada um dos integrantes do grupo turma. No referido contexto, perante muitas
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 10
dúvidas e novas expectativas poderão formular-se novas perguntas e sugerir novas
observações que permitam comprovar se estão ou não de acordo com as previsões
que se vão formulando. Assim no exemplo da minhoca pode ser que seja necessário
comprovar se os resultados desta experiência se mantêm quando os diferentes tipos
de terra estão húmidos em vez de secos ou quando se junta vinagre (meio ácido) à
terra. Deste modo a experiência realizada pressuporá um processo no qual "fazer" e
"pensar" se relacionaram estreitamente e se condicionaram um ao outro
potenciando a aprendizagem dos alunos.
No processo de educação científica na escola, as experiências vinculadas à
teoria são fundamentais. O seu progresso condicionado pela destreza no uso dos
procedimentos utilizados pela comunidade científica para seleccionar, observar e
experimentar os fenómenos que se estudam e o referido progresso é fundamental
para que os alunos construam novos modelos da realidade, isto é, aprendam
ciências.
Uma ciência que ensine a "falar"
A comunicação, através da linguagem, é essencial não só na transmissão do
conhecimento científico, mas também na sua construção. A construção do
conhecimento científico fundamenta-se no conflito consciente entre os vários
modelos interpretativos da realidade à luz dos conhecimentos do momento nos quais
a linguagem desempenha um papel primordial. Deste modo a comunidade
científica, mediante a linguagem pode transmitir às novas gerações os modelos
conceptuais que elabora; estas podem analisá-los segundo outros marcos
explicativos, possibilitando a descoberta de novos conhecimentos.
A mesma realidade não pode ser vista do mesmo modo pelos cientistas e pelos
alunos. De resto, estes podem vê-la de muitas maneiras e falar dela de modos muito
diferentes. O "falar" entendido como expressão da representação interna de cada
aluno, isto é segundo o seu modelo mental de pensamento, é essencial para a
construção e reconstrução do seu conhecimento científico. Na maioria das aulas do
Io ciclo embora se dedique muito tempo a falar, nem sempre se consegue a
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 11
construção do conhecimento científico. Para que isso aconteça, é necessário criar
situações que permitam aos alunos " falar", isto é representar e expressar os seus
modelos mentais sobre o objecto de estudo, analisá-los e ver as contradições entre os
seus modelos e os dos seus colegas e sabê-los reconstruir de novo.
A concepção que se tem acerca do modo como a ciência constrói
conhecimentos encontra-se também na base da importância que se dá ao "falar"na
educação científica. Actividades como aquela a que se fez referência no quadro 3.2
centrada no estudo da semente assumem que o conhecimento científico se constrói
cumulativamente sem que haja qualquer tipo de conflito entre um novo saber e o
saber anterior, Assumem também a ideia de que as experimentação realizada pela
comunidade científica é objectiva e que os seus resultados oferecem uma visão
exacta da realidade. Neste tipo de actividades, embora esteja presente a
observação, (hazte uma semente) prevalece o aprendizagem dos produtos finais da
ciência (o conceito que a ciência actual tem de semente) outorgando-lhe
neutralidade. Nesta actividade a linguagem é apenas um veículo de comunicação
da produção científica, ignorando-se o seu papel na construção do conhecimento
científico pelos alunos. E uma actividade que corresponde à ideia de que se os
alunos conhecem tudo o que se refere à semente, serão capazes de sintetizá-lo
conformar um modelo e aplicá-lo. E uma forma de entender a ciência que tem
como consequência um ensino memorístico no qual não conta para nada a sua
evolução nem a do pensamento dos alunos. Neste tipo de propostas, a linguagem
tem unicamente uma função transmissora e esclarecedora das verdades explicadas
e não tem qualquer sentido dedicar algum tempo a que os alunos exprimam e
contraponham os seus modelos mentais acerca do objecto de estudo.
Quadro 3.2 Nesta actividade, a linguagem é apenas um veículo de transmissão
do conhecimento elaborado pela ciência que os alunos têm de assimilar.
_____________________________________________________________________________________
O fruto e a semente
Já estudámos como se produz a fecundação do óvulo. Que acontece depois?
Uma vez fecundado começa a formar-se um novo ser, desenvolvendo-se primeiro o óvulo que
será a semente. Pouco a pouco, o ovário vai-se enchendo e transformando em fruto. Assim formam-se
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 12
as sementes das quais surgem novas plantas O fruto é o ovário fecundado e maduro. E formado pelo
epicarpo ou pele, pelo mesocarpo ou carne e pelo endocarpo ou caroço e a semente.
A semente é o óvulo fecundado e maduro.
a) pega numa semente, por exemplo uma ervilha e separa-a em duas partes distintas. Observa-as
com uma lupa e desenha-as.
b) Procura o nome de cada parte de uma semente e escreve-o no desenho.
Desenha uma flor e assinala no ovário a parte que será o futuro fruto e a parte que será a semente
Em oposição à actividade descrita, muitas vezes nas aulas propõe-se a
realização de experiências com a convicção de que é o único caminho para a
construção do conhecimento científico. E uma concepção muito arreigada entre os
professores do 1º ciclo. Fundamenta-se no conceito de ciência com "método" e
pressupõe que o fundamental é que os alunos aprendam a reconstruir o método
experimental utilizado pela comunidade científica. Uma concepção que minimiza a
importância dos conceitos e das teorias científicas e também a linguagem como
veículo que constrói conhecimento científico. A sua aplicação na aula implica
actividade como a que se mostra no quadro 3.3 que pressupõe que observando as
sementes e fazendo-as germinar, os alunos aprendem os referidos conceitos.
Quadro 3.3 O papel da linguagem como transmissor e construtor de conhecimento é
mínimo quando em actividades como esta se põe ênfase apenas no "fazer " da
ciência.
____________________________________________________________________________________
Quando o "falar " não é considerado essencial para a criação de pensamento científico As sementes
e a sua germinação
a) Observa uma ervilha por dentro e por fora e assim ficarás a saber como é uma semente.
b) Procura outras sementes, observa-as e desenha-as.
c) Explica como é uma semente.
d) Com a ajuda de um germinador, põe a germinar três ervilhas. Para construir um germinador, arranja
um recipiente transparente e põe um papel de filtro ou secante em volta da parede do mesmo. Enche
o interior do papel de filtro de terra ou de algodão húmido. Põe as ervilhas demolhadas entre o vidro e
o papel de filtro. Desenha e regista as transformações que as ervilhas vão sofrendo.
e) Explica como se faz a germinação de uma semente
f) Explica o que é uma semente.
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 13
Actualmente, a relevância dos factores sociais, económicos, ideológicos e de
competência entre grupos investigadores é aceite como factor chave na construção
do conhecimento científico. Conceber a elaboração científica como algo sujeito às
características sociais e históricas do momento e considerar que a produção da
ciência não corresponde à "verdade", mas a uma "interpretação", que, embora
subjectiva é válida num determinado contexto e momento histórico, transformam
radicalmente a orientação da educação científica e o papel que a linguagem
desempenha.
A partir daqui, a aprendizagem fundamentada na repetição dos modelos
científicos aceites deixa de ter sentido e passa a ser prioritário aprender a pensar
sobre os factos e fenómenos do mundo, estabelecendo relações entre o que se
observa e as próprias representações mentais. A linguagem como veículo construtor
de conhecimento científico, adquire todo o seu significado. Aprender a pensar sobre
os factos e os fenómenos d» mundo converte-se num processo associado a "falar"
sobre os mesmos, a que cada aluno possa explicitar, contratar e reconhecer se os
seus pontos de vista se adequam ou não aos resultados experimentais que vão
realizando.
Nesta perspectiva, adquire grande importância um modelo de interacção na
aula em que todos os seus intervenientes possam "falar". A linguagem, como meio de
expressão e de construção de representações e ideias torna-se fundamental e o
trabalho de grupo, o debate em colectivo e o uso de formas e instrumentos de
comunicação convertem-se em aspectos básicos associados à educação científica.
Seguindo o exemplo da semente utilizado até agora, no quadro 3.2 apresenta-
se uma actividade planeada segundo um conceito de ciência entendida como uma
construção social do conhecimento. Nela, a questão objecto de estudo germinação
da semente) tem significado para os alunos dado que experimentam com sementes
que lhes permitem partir de um referente comum; tem também significado científico
dado que é um conceito importante no modelo de continuidade da vida proposto
pela ciência. A actividade privilegia o "falar"oferecendo aos alunos a possibilidade
de expor, argumentar e debater os seus próprios modelos ou representações mentais
sobre a germinação da semente e contrastá-los com os resultados das experiências.
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 14
Durante toda a actividade, o trabalho em grupo e o trabalho mental individual é a
chave para a construção e elaboração do conhecimento.
Uma ciência que ensine a regular as próprias aprendizagens
Actualmente, pensar uma educação científica que não desenvolva a
autonomia dos alunos é dissociar a aprendizagem científica da educação
obrigatória. Ter autonomia significa, de entre outras coisas, aprender a tomar
consciência das aprendizagens a realizar, da sua finalidade e da sua importância;
supõe mesmo identificar os próprios obstáculos e superá-los corrigindo os seus próprios
erros. Potenciar a autonomia dos alunos em educação científica supõe pôr à
disposição dos alunos os meios necessários para que eles aprendam a regular o seu
próprio processo de aprendizagem. Aprender é um processo de mudança constante
que nunca termina. Neste processo de aprendizagem é totalmente necessário
pensar naquilo que se está a fazer e no que se está a aprender, no que se sabia e
naquilo que agora se sabe. E em função deste pensar sobre o pensar e o fazer que se
pratica quando se põe em acção o mecanismo que possibilita avaliar e regular tanto
os objectivos como as acções que se realizam.
QUANDO O "FALAR" É ENTENDIDO COMO UM VEÍCULO
CONSTRUTOR DE CONHECIMENTO CIENTÍFICO
a) Nestes dias temos visto germinar muitas sementes. Como é possível que uma semente se transforme
em planta?
-A Nós vimos que uma germinou mas as outras não fizeram nada.
-S: Sai a planta porque a semente leva dentro outra semente muito pequena que é a planta que não
se vê mas que sai
-M: O que se passa é que a semente se transforma numa planta porque se rompe e vai tirando da
terra as coisas que lhe servem para. se transformar numa planta.
- D: Eu penso que dentro da semente há uma coisa que se faz planta. É a semente que é feita de uma
coisa que se transforma em planta.
- J: Para mim a semente já tem lá tem dentro a planta e quando se rega a semente transforma-se em
planta.
- M. Mas ás vezes mesmo sem regar também sai uma planta. Também pode ser que a semente se
rompa e os tronquinhos se juntem e se faça uma planta.
b) Dá a tua opinião acerca do que diz cada uma das personagens e procura encontrar uma
resposta válida para todas, (pag 75)
A semente tira coisas
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 15
vai mudando até ser uma planta.
Quando se rega a semente sai uma planta.
Quando a semente se abre
Sai a planta Dentro da semente há
alguma coisa que se transforma em planta
Figura 3.2 Em actividades como esta, que enfatizam simultaneamente
o"pensar",o"fazer"e o "falar", a linguagem torna-se um transmissor mas torna-se
sobretudo um construtor de conhecimento.
Para conseguir que os alunos construam o seu próprio sistema de aprendizagem e o
melhorem progressivamente, devem aprender a regular a representação que
constroem acerca da finalidade dos trabalhos, a representação que elaboram
acerca da antecipação e planificação da acção que vão realizar, assim como a
representação que têm dos critérios de avaliação. (Figura 3.3
COMPONENTES DA AUTORREGULAÇÃO DAS APRENDIZAGENS AUTORREGULAÇÃO DAS
APRENDIZAGENS
CONSTRUÇÃO E MELHORIA DO PRÓPRIO SISTEMA DE APRENDIZAGEM
AUTORREGULAÇÃO
DA APROPRIAÇÃO
DOS OBJECTIVOS
AUTORREGULAÇÃO DO
PRÓPRIO SISTEMA DE
APRENDIZAGEM
AUTORREGULAÇÃO DA
APROPRIAÇÃO DOS
CRITÉRIOS DE
AVALIAÇÃO
Que vamos fazer?
- Para que é que o
vamos fazer?
- Que ganhamos em
fazê-lo?
- Que inconvenientes
encontraremos?
- Que sabemos a esse
respeito?
- Que vamos fazer?
- Como vamos fazer?
- Quais são os passos
mais adequados?
- Como poderemos
saber se o que Esta,os
a fazer está bem?
- Que se espera que
façamos?
- Como se espera que
o realizemos?
- Como poderemos
saber isso?
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 16
Figura 3.3 Componentes da auto-regulação das aprendizagens
Em primeiro lugar, é necessário considerar actividades orientadas para regular
a apropriação das finalidades das aprendizagens, isto é actividades que
comuniquem os objectivos do trabalho, e simultaneamente propiciem aos alunos
uma boa representação dos trabalhos que vão realizando. Conseguir que os alunos
tenham bem claros os objectivos, implica dedicar algum tempo a identificar e a
regular as representações dos aspectos sobre os quais devem pensar, as questões
que devem resolver e as perguntas chave que são objecto de estudo. Assim, por
exemplo, se se pretende que uma saída ao bosque seja útil para aprender
significativamente alguns aspectos da vegetação, os alunos devem ter previamente
uma representação do local escolhido para a saída (lugar apropriado para o estudo
que se pretende fazer), conteúdos já aprendidos (plantas lenhosas, não lenhosas e
herbáceas) que nível de exigência se pretende com o trabalho que se vai realizar
(uma identificação três plantas mais representativas de cada categoria, etc. Sem um
processo prévio de regulação da apropriação dos objectivos a referida saída pode
transformar-se numa actividade em que os alunos observem factos isolados, tomem
algumas notas, identifiquem algumas plantas, mas não reconheçam para que lhes
serve tudo isso.
Em segundo lugar, para aprender a regular o próprio processo de
aprendizagem científica é importante que se desenhem actividades directamente
orientadas para conseguir que os alunos saibam regular a antecipação e a
planificação das acções que devem realizar. Regular a antecipação da acção
supõe aprender a antecipar possíveis estratégias de resolução de problemas, e
antecipar os possíveis resultados de cada uma delas. Regular a planificação da
acção significa construir uma representação dos passo associados ao desenho e à
estratégia escolhida para prosseguir a aprendizagem. Um aluno que saiba regular a
antecipação e a planificação da acção é capaz de explicitar para si próprio e para
os outros o modo de orientar e executar as actividades que se vão realizando. E um
aluno que tem ido regulando as suas representações até saber claramente como e
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 17
de que modo pode atingir os objectivos a que se propôs. Regular a antecipação do
estudo dos tipos de vegetação, seguindo o exemplo da saída ao bosque, supõe uma
representação que pode fazer-se limitando parcelas nas quais haverá distintas
plantas e poderão ver-se os diferentes tipos, ou talvez seguindo um cordel
previamente fixado e observando a vegetação ao longo do mesmo. Regular a
planificação é neste caso supõe pensar nos diferentes passos a seguir para observar
os tipos de vegetação e o critério que permite justificar se conduz ao objectivo que
se pretende, mudando em função das dificuldades ou das incoerências que se
manifestem.
Em terceiro lugar para aprender a regular a aprendizagem é importante que os
alunos aprendam a regular a sua representação dos critérios de avaliação. Para
muitos alunos é difícil saber o que é importante numa determinada acção e mais
ainda reconhecer a essência de um conjunto de actividades realizadas,. Geralmente
é o professor quem conhece e nem sempre o explicita. Comunicar e compartilhar
com os alunos os critérios de avaliação, saber aplicá-los ao próprio trabalho e ao dos
outros é essencial para que este reconheça se o que está aprendendo é o que se
espera que aprenda, se é ou não adequado o que tinha como representação do
que ia aprender.
Embora se tenham apresentado separadamente a regulação da apropriação
dos objectivos, da antecipação e planificação da acção e dos critérios de
avaliação, todas elas se alimentam umas às outras num processo contínuo através
da interacção entre os alunos e o professor. Ao actuar e ao falar vão dando sentido
os objectivos, os pensamentos e as acções; se vão identificando critérios que
permitem dizer se são ou não adequados. Este processo tem implícito um processo e
um pacto de negociação permanente. Na aula , entre os alunos e os professores
existem constantes discrepâncias de interesses e de objectivos, de procedimentos
para os atingir, de critérios sobre a utilidade das acções que devem realizar etc. Se se
entende que não se trata da de fazer que os alunos adoptem os objectivos,
dprocedimento e de actuações impostas pelo professor mas de fazer que eles
possam reconstruir individualmente aquilo que foi pensado em conjunto, então a
negociação e o pacto são elementos fundamentais que devem estar presentes na
aula para que seja possível aprender a aprender.
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 18
O papel do professor é fundamental. Depende dele a criação de um clima de
aula que torne possível a todos os alunos desenvolver as habilidades necessárias para
regular os processos de pensamento e de actuação, isto é, das suas próprias
aprendizagens. Deve criar condições que convidem os alunos a explorar novas
ideias, com base nas ideias por eles explicadas directamente, que levante novos
problemas em vez de dar respostas, que anime a antecipar as consequências de
uma acção futura em vez de dar directrizes rígidas de actuação, que promova a
reformulação das ideias expressas em vez de sancionar ou excluir. É necessário um
clima de aula onde se incite a verificar os resultados em vez de julgar o que está bem
feito ou mal feito e se ofereçam reforços positivos.
Uma ciência que ensine a trabalhar em interacção
Dificilmente uma pessoa consegue isoladamente um avanço importante no
conhecimento científico. Embora com frequência apenas se conheça um nome, o
desenvolvimento da ciência é quase sempre resultado de um trabalho de equipas
de investigação que, mediante a comunicação, procuram verbalizar os próprios
argumentos e compreender os argumentos dos outros. A dinâmica da actividade
científica está tradicionalmente associada ao trabalho de equipa. Porém, seria um
erro esquecer que muitas vezes, na prática, as questões de tipo económico, de
prestígio e de poder defendem o predomínio da competência sobre a colaboração,
inclusivamente falseando dados ou defendendo acriticamente os próprios pontos de
vista.
Pensar a educação científica como um acto de comunicação, põe em
destaque a contínua e conjunta influência dos conflitos cognitivos,sociais e culturais
sobre o desenvolvimento dos processos de pensamento dos alunos. A aprendizagem
constitui um processo complexo no qual são fundamentais as relações entre os alunos
e entre estes e o professor. Daí a necessidade de entender a importância de
promover situações de aprendizagem que favoreçam a verbalização das próprias
formas de pensar como meio de expressão das diversas representações mentais dos
componentes da aula. Isto pressupõe também abandonar um modelo de gestão de
aula competitivo para se situar num modelo de gestão colaborativa.
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 19
Tradicionalmente, o ensino das ciências fomentou uma dinâmica de trabalho
baseada na competência(?) em vez da cooperação, de acordo com uma
educação elitista que pretendia formar "pequenos cientistas". Num ambiente
competitivo procura-se não explicitar aquilo que se julga que não é correcto,
escondendo as próprias ideias ou dúvidas, procurando copiar ou reproduzir o que
pensam os "peritos" quer sejam os colegas, o professor ou os livros. O ensino das
ciências, hoje, não pode esquecer que é precisamente a partir do erro, da dúvida, e
do intercâmbio que se constrói o conhecimento; este vai associado necessariamente
à prática da colaboração em vez da prática da competência.(?) Desenvolver a
colaboração na educação científica significa criar um ambiente em que se possa
falar das próprias maneiras de ver os fenómenos, dos próprios erros e dificuldades, em
que mão haja medo de de expressar-se, em que se escute e se procure entender os
pontos de vista dos outros, em que seja fácil implementar planeamentos diferentes,
valorizando os seus prós e contras, em que se possa consensualizar pontos de vista
que permitam avançar. Tudo isto significa assumir o trabalho em grupo colaborativo
como elemento chave da dinâmica da educação científica.
O verdadeiro trabalho de grupo é aquele que possibilita que cada aluno
aprenda a integrar-se num colectivo, a compartilhar tarefas, a coordenar esforços, a
encontrar caminhos para solucionar problemas, a assumir responsabilidades, tudo isto
com a finalidade de que seja possível o intercâmbio e a construção intelectual para
todos. Significa, pois, que cada elemento do grupo deve poder expor os seus pontos
de vista, situar-se nos pontos de vista dos outros para o compreender, contratar e
saber procurar o caminho de uma construção comum.
Não poe existir trabalho de grupo sem um trabalho individual prévio que
possibilita a cada um dos elementos contribuir com as suas próprias ideias. Não tem
sentido um trabalho de grupo em que cada um dos seus elementos não aprenda a
rever e a explicitar os seus próprios pontos de vista. Não pode haver trabalho de
grupo sem que cada um dos seus elementos aprenda a entender os pontos de vista
dos outros. Por outro lado, o trabalho de grupo requer aprender a decidir o que pode
ajudar a superar as dificuldades e discussão; não basta desvalorizar os contributos
dos outros, é necessário aprender a fazer propostas que facilitem nova reflexão e
melhorem os contributoa anteriores.
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 20
Qualquer pessoa verbaliza melhor os seus raciocínios quando os discute com
outros. Frente aos outros, procura não só evitar a contradição, mas também ser
objectivo, demonstrar e dar sentido às palavras, às ideias etc. O trabalho de grupo
dá a cada um a possibilidade de se esforçar para exprimir organizadamentc o seu
próprio ponto de vista, seja capaz de respeitar e compreender os pontos de vista dos
outros e adaptar a sua própria acção ou contributo verbal em função deles.
O trabalho de grupo assim planeado não tem nada a ver com o trabalho em
cadeia, isto é com a soma de trabalhos individuais com uma tarefa individual que é
copiada pelos outros participantes. Mediante o trabalho em grupo cooperativo é
possível ultrapassas as intuições egocêntricas iniciais e conseguir um pensamento
móvil? E coerente pois existe a obrigação de ter em conta outros pontos de vista ou
de estabelecer relações entre os próprios pensamentos e os dos outros.
O trabalho em grupo cooperativo favorece todo o tipo de alunos, tanto os que
têm dificuldades de aprendizagem como os que as não têm. Os primeiros porque o
pequeno grupo facilita a expressão das suas dúvidas e dos seus pontos de vista, coisa
difícil num grande grupo; os segundos saem beneficiados porque a necessidade de
explicitar os próprios raciocínios os obriga a concretizar e desenvolver o que pensam
ou sabem e a escolher os vocábulos mais adequados. Apesar disto não é fácil
conseguir que a colaboração seja um dos valores do grupo. Tanto a tendência para
o egocentrismo dos alunos como o facto de a colaboração não ser um valor
dominante na sociedade, tronam necessário que os valores da colaboração se
promovam através de um trabalho específico a partir do primeiro dia de aulas. Neste
sentido, é importante que seja o próprio aluno a tomar consciência do significado e
das diferenças entre esta e outras formas de trabalho. O quadro 3.4 é um exemplo de
uma actividade orientada neste sentido.
Conseguir um ambiente colaborativo é algo muito mais para além da
aprendizagem de umas determinadas actividades e aí o professor tem um papel
fundamental. Se quando um aluno faz um erro, o professor o avalia negativamente e
com desprezo, dificilmente conseguirá que os alunos estejam predispostos a
manifestarem o que realmente pensam; pelo contrário, se perante o erro se sentem
aceites e animados a reflectir sobre o que disseram, oferecendo-lhes pistas para os
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 21
rever, as atitudes dos alunos serão indubitavelmente diferentes. Num ambiente
colaborativo fazem sentido todas as actividades que incluam o compromisso de
promover a ajuda mútua e os contratos de trabalho em que se explicitem os
compromissos a assumir ao longo de cada trabalho a realizar.
Os contratos de trabalho ou contratos didácticos são intenções explícitas entre
os professores e os alunos. Incluem a aceitação e a realização de um determinado
compromisso por parte dos implicados. Desencadeiam a necessidade de uma
negociação prévia dos conteúdos a aprender., da estratégia a seguir e das normas
de convivência que se vão estabelecer e daquilo que será objecto de avaliação,
etc.
Quadro 3.4 Se se considera que a aprendizagem se constrói sobre a base da
interacção com os outros, é fundamental estabelecer uma dinâmica de aula que
favoreça o trabalho em grupo cooperativo.
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Tomar consciência do significado do trabalho em grupo
Como vamos organizar o trabalho de grupo? Pensa nos aspectos positivos e nos
aspectos negativos dos quatro modelos de trabalho.
Modelo 1 Não é preciso organizarmo -.nos muito. Repartiremos o trabalho e cada um
faz em casa aquilo que lhe for possível.
Modelo 2 O mais importante é fazer o trabalho, portanto o melhor é que cada um
faça aquilo que sabe fazer melhor. Quem domina o computador que faça os
gráficos, quem desenha melhor que faça a capa, quem sabe mais de ortografia que
corrija os erros para que não haja muitas faltas. Quem sabe melhor fazer resumos que
procure a informação e a resuma.
Modelo 3 O mais importante é estarmos juntos sempre que seja preciso trabalhar,
podemos ficar na biblioteca e fazer o trabalho todos juntos.
Modelo 4 () mais importante é que o trabalho seja de todos. Cada um há-de pensar
no que há para fazer e discutir isso com os outros escolhendo o que lhe parece mais
adequado. S e alguém sabe mais, em vez de fazer o trabalho deve explicar aos
outros e assim ao terminar o trabalho todos teremos aprendido alguma coisa.
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 22
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Fonte: Josep Bonil escola Instituído Montserrat (Espulgues de Llobregat) segundo curso de ciclo superior)
O contrato de trabalho que se apresenta na figura 3.4 foi realizado por um
grupo de trabalho "Puzzle" constituído por seis alunos do primeiro curso, ao iniciar uma
actividade didáctica sobre as plantas. Durante a negociação, a professora levantou
o problema dos cuidados a dispensar às plantas durante os dias em que os alunos
estavam em férias. O grupo Puzzle decidiu cuidar delas até que elas morressem
comprometendo-se a cuidar delas por turnos. Também se falou do significado de
cuidar delas em grupo e como pode ver-sc na figura, os alunos explicitam no seu
contrato aspectos relativos à distribuição de tarefas e à colaboração, {trabalharemos
juntos sem nos magoarmos e ajudar- nos-emos uns aos outros).
Se se pretende que a educação científica faça parte da formação para uma
cidadania capaz de pensar e de colaborar num mundo mais justo socialmente e
mais sustentado ecologicamente, é imprescindível que os alunos entendam e
assumam o verdadeiro significado do trabalhar em grupo cooperativo como uma
estratégia que permite expor, escutar e criar ideias e acções.
CONTRATO DE TRABALHO PARA O TRABALHO DE GRUPO
Contrato de Trabalho
Secretário/a Mireia
Apresentador/a Sérgio
Moderador/a Jonahtan
Material Pablo
Levaremos as plantas para a colónia de férias. Vamos regá-las
terça-feira
quarta-feira
quinta-feira
sexta-feira
Todos teremos cuidado de não nos esquecermos delas na colónia. Não comeremos
chiletes. Não daremos empurrões
O Ensino das Ciências no 1º Ciclo do Ensino Básico 23
Trabalharemos juntos.
A secretária tomará nota das decisões
O Pablo tomará conta do material.
Mireia, Sérgio Jonahtan Pablo.
Figura 3.4 Os contratos de trabalho requerem o compromisso individual de todos os
seu; membros e o controlo de todos sobre o comportamento do grupo e de cada um
dos seus elementos.
Fonte: Mercê Marimón escola Baloo (Barcelona); primeiro curso do ciclo inicial.
Pojol, M. R. (2003) Uma ciência para la etapa de Primaria. In Didáctica de las Ciencias en La Educácion Primaria.
(pp 63-82). Madrid: Editorial Síntesis.