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NIETZCHE E O ANARQUISMO Introdução Sempre que é invocada alguma determinada perspectiva conceitual a partir de Nietzsche para embasar algo do Anarquismo surge alguém que diz: “Nietzsche era contra o Anarquismo”. Entretanto, através da comparação entre os conceitos provenientes da obra do filósofo alemão e dos conceitos oriundos do movimento anarquista, é possível perceber certas complementaridades e, até mesmo, algumas similaridades. A partir dessa problemática, o objetivo desse texto é identificar de onde provém a crítica de Nietzsche ao Anarquismo, avaliando quais são as implicações dessa crítica a um possível diálogo conceitual entre Nietzsche e os anarquistas. Tal perspectiva de pesquisa sustenta-se a partir de uma ferramenta filosófica que o próprio Nietzsche nos relegou: a experimentação do pensamento. A principal vantagem desse método é que ele pode tornar possível a multiplicação das possibilidades conceituais e, assim, possibilitar a criação do novo, do diferente. A experimentação possui muito espaço também no

Nietzche e o Anarquismo

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Nietzche e o Anarquismo

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NIETZCHE E O ANARQUISMO

NIETZCHE E O ANARQUISMOIntroduoSempre que invocada alguma determinada perspectiva conceitual a partir de Nietzsche para embasar algo do Anarquismo surge algum que diz: Nietzsche era contra o Anarquismo. Entretanto, atravs da comparao entre os conceitos provenientes da obra do filsofo alemo e dos conceitos oriundos do movimento anarquista, possvel perceber certas complementaridades e, at mesmo, algumas similaridades. A partir dessa problemtica, o objetivo desse texto identificar de onde provm a crtica de Nietzsche ao Anarquismo, avaliando quais so as implicaes dessa crtica a um possvel dilogo conceitual entre Nietzsche e os anarquistas. Tal perspectiva de pesquisa sustenta-se a partir de uma ferramenta filosfica que o prprio Nietzsche nos relegou: a experimentao do pensamento. A principal vantagem desse mtodo que ele pode tornar possvel a multiplicao das possibilidades conceituais e, assim, possibilitar a criao do novo, do diferente. A experimentao possui muito espao tambm no discurso anarquista. Para j iniciar o dilogo dos dois fronts intelectuais, lembro as palavras de Chomsky sobre a experimentao: quando nos voltamos s questes de importncia humana vastamente mais complexas, a compreenso muito pequena, e h muito espao para divergncia, experimentao, exploraes de possibilidades da vida real e possibilidades intelectuais, que nos ajudam a aprender mais. Situao favorvel, portanto, para experimentar o pensamento na poltica, na organizao social, na psicologia, no existencialismo, na educao, na cultura, na filosofia, praticamente em qualquer campo epistemolgico pois o que no complexo hoje?APRESENTAO DO PROBLEMANietzsche x AnarquismoPara aqueles que dizem que Nietzsche abominava o anarquismo, vale ressaltar que essa imagem resulta em grande parte das acusaes que o filsofo-poeta faz principalmente nas obras Crepsculo dos dolos, Genealogia da Moral, O Anticristo e na coletnea de seus escritos pstumos, Vontade de Potncia. A acusao principal reside no campo moral: o anarquista um fraco. Mas de onde provm essa impresso psicolgica de Nietzsche acerca dos anarquistas? Pois bem, para ele, cada indivduo deve ser apreciado segundo represente a linha ascendente ou a linha descendente da vida. Dessa forma obtm-se, ainda, o valor de seu egosmo. A lgica apresentada funciona da seguinte maneira: se o indivduo representar a linha ascendente da vida, o egosmo possui valor extraordinrio, sendo este um indivduo forte. Caso contrrio, ou seja, se o indivduo representar a linha descendente da vida, ento seu egosmo estar degenerado, sendo este um indivduo sem amor-prprio e fatalmente um fraco. Sendo assim, se Nietzsche parte do princpio de que o anarquista um indivduo fraco por natureza, porque considera o seguinte raciocnio: o anarquista possui o princpio de ajuda-mtua, tal princpio surge atrelado ao sentimento de ressentimento, compaixo, logo, ele um fraco. Entretanto, essa crtica erra duas vezes: primeiro por partir de uma lgica falsa o princpio de ajuda-mtua no bebe no ressentimento nem na compaixo, mas sim na solidariedade e cooperao para a organizao de uma forma especfica da sociedade, como se aprofundar a seguir nesse texto e, segundo, por ser uma crtica somente a um dos lados do espectro conceitual anarquista que vai da organizao social em torno do mutualismo at o extremo e radical individualismo. Se considerarmos, por exemplo, a fala de Peter Kropotkin acerca da origem do anarquismo na tendncia ao mutualismo - atravs dos tempos sempre houve duas correntes de pensamento e ao em conflito das sociedades humanas. Elas so, de um lado, a tendncia a ajuda-mtua, exemplificada pelos costumes tribais, pelas comunidades aldes, pelas guildas medievais e, na verdade, por todas as instituies criadas e mantidas no atravs de leis mas pelo esprito criativo das massas; e, por outro lado, a corrente autoritria, que comea com os curandeiros, magos, bruxos, feiticeiros, orculos e sacerdotes, at chegar aos oficiais de registro e aos chefes de bandas militares. evidente que a anarquia representa a primeira dessas duas correntes a crtica de Nietzsche torna-se estril baseado no primeiro argumento exposto, ou seja, a lgica falsa de que parte. Se, por outro lado, considerarmos a obra de Max Stirner, que fala do Grande Egosta - um verdadeiro senhor conforme a moral proposta por Nietzsche -, a crtica torna-se estril baseado no segundo argumento exposto, ou seja, de considerar somente um dos lados do espectro conceitual anarquista. Esclarecendo a acusaoEssa acusao, em verdade, uma derivao resultante da crtica que Nietzsche faz dos valores anti-vitais (idealismo, metafsica, moral, razo lgica, absolutismo, religio; numa palavra: Apolo) atravs da tipologia que apresenta: o nobre e o ressentido, o senhor e o escravo, o forte e o fraco. A diferena entre um e outro reside na forma com que cada um constri seus valores: enquanto que os fortes declaram amor aos inimigos - por muito os venerar -, os fracos homens do ressentimento concebem "o inimigo mau. Isto como conceito bsico, a partir do qual (os fracos) tambm elaboram, como imagem equivalente, um bom - ele mesmo!...Precisamente o oposto do que sucede com o nobre, que primeiro e espontaneamente, de dentro de si, concebe a noo bsica de bom, e a partir dela cria para si uma representao de ruim. Este ruim de origem nobre e aquele mau que vem do caldeiro do dio insatisfeito. atravs dessa tipologia que surge tambm a noo de verticalidade, que explica e define de maneira aforismtica essa origem da moral: o nobre olha de cima para baixo, o escravo olha de baixo para cima eis as linhas ascendentes e descendentes que se falou anteriormente. O fraco aquele que necessita de um mundo exterior, ideal, absoluto para a criao de seus valores, enquanto que o forte cria seus valores espontaneamente. Enquanto que o fraco vtima do ressentimento, da culpa, operando a vingana como forma de expiao; o forte busca no contraste e na diferena da conduta entre si e aqueles que o rodeiam, apenas maneiras para afirmao de si prprio e de seus prprios valores. Os fracos agem pela inteligncia, os fortes pelos instintos. O anarquista se encaixa nesse processo atravs de uma viso de baixo para cima da vida, uma vez que essa viso seja construda conforme aponta o raciocnio criado por Nietzsche: primeiramente a percepo de um inimigo mau o sistema autoritrio de poder , depois a criao de uma sociedade ideal e, por fim, a criao de valores morais originrios do mau e impregnados de ideal. O ideal, em Nietzsche, justamente a crena numa realidade que no existe, como so: a sociedade anarquista, o socialismo, a moral e a religio. O ideal de uma sociedade e o alm-mundo cristo se equivalem. Dessa forma o filsofo alemo traa uma relao, ainda, entre os anarquistas e os cristos, como expressou diversas vezes no Anticristo e no Crepsculo dos dolos. Ele chega a dizer que Jesus foi um revolucionrio anarquista, tamanha a associao e identificao que ele cr ter encontrado em seu julgamento acerca do esprito dos anarquistas.

Acerto de contasA acusao de Nietzsche exige um acerto de contas por parte do anarquismo, uma vez visto que o filsofo alemo se enganou em seu julgamento. Seu mrito esclarecer um processo de origem da moral, o que permite estabelecer critrios de avaliao, entretanto, a aplicao desses critrios, que justamente o julgamento, no foi correto. Para esclarecer essa aparente aporia filosfica necessrio mostrar que existiram anarquistas que no foram fracos e por que suas formas de pensar e agir na vida no so provenientes majoritariamente da crena em um ideal. Mas antes necessrio dizer o que o anarquismo e quem pode ser considerado como um anarquista.

O elemento do anarquismoQuais so os principais conceitos anarquistas? Qual o sentido de seus movimentos? Essas perguntas so possveis de serem feitas a qualquer tipo de conhecimento, como o conhecimento anarquista. Entretanto, o conhecimento anarquista possui sua particularidade, pela prpria natureza de seu conceito, que acaba por fazer do anarquismo um conhecimento plural, mltiplo, dinmico. Como se v, o anarquismo algo que no facilmente compreensvel, visto que em suas entranhas conceituais at Nietzsche, o desbravador de labirintos, se enganou. claro que Nietzsche entendia como ningum o movimento conceitual da filosofia, sendo que sua prpria proposta filosfica se que podemos assim chamar a transvalorao de todos os valores passa, em campanha, com vitria pela filosofia esttica dos valores absolutos. Talvez Nietzsche tenha sido vtima de uma herana hostil que o termo anarquista carrega historicamente, herana essa proveniente da Revoluo Francesa, quando o termo era utilizado com um sentido de crtica negativa e at de insulto por elementos de diversos partidos para difamar seus oponentes, geralmente de esquerda. Para livrar o anarquismo dessa injusta reputao histrica, necessrio ter claro que o anarquismo - enquanto movimento intelectual composto de uma pluralidade imensa de pensamentos e atitudes, oriundos das mais diversas cabeas e das mais diversas pocas e culturas - consiste apenas num princpio que serve como base de unio nessa diversidade: a ausncia da autoridade. Entretanto, no podemos perder de vista que a proposta de ausncia da autoridade se d em consonncia com o desejo de ser livre, o grande objetivo do anarquismo. Ao perceber que a liberdade individual tolhida de maneira incoerente e paradoxal pela organizao social em torno de poder e, identificando que essa organizao do poder depende do princpio da autoridade, o anarquismo elege esse princpio como o ponto fraco de seu inimigo. Esse princpio encontra origem na prpria etimologia da palavra anarquia. Essa palavra possui origem do grego - an (no, sem) e arkh (governo, autoridade) = sem governo, autoridade. Para o senso comum, isso simboliza a ausncia de organizao da sociedade, o caos, a desordem, a baguna e, com efeito, o prejuzo do funcionalismo da sociedade. Essa compreenso possvel, entretanto, ela provm de uma noo preconceituosa de que somente com a presena do governo e da autoridade que se pode construir uma sociedade organizada. O que o senso comum no percebe, e que os praticantes e pensadores do anarquismo no se cansam de denunciar como faz, a seguir, Jaime Cubero -, que com a legitimao do poder de coao para algumas pessoas o que a origem da autoridade uma ou mais pessoas tm o poder de obrigar outras a fazer o que no desejam. [...] Os anarquistas sabem, e todos os estudos histricos demonstram que o exerccio desse poder corrompe seus detentores que acabam sempre por exercit-lo em benefcio prprio, de uma forma ou outra, em diferentes graus, sempre em detrimento do povo. Dessa forma, a questo que importa ao anarquismo, identificar quais so as foras que afetam o ordenamento social e regul-las de modo que no exista a dominao de um ser-humano sobre outro ser-humano: a destruio da autoridade que representa tambm o desejo de libertao mas sem o mergulho no caos. Lembro que, a autoridade, nesse contexto, simplesmente o maior ponto fraco do inimigo anarquista: a organizao da sociedade em torno do poder.Anarquista: eis um fraco?Se o fraco aquele que se ressente com algo que se mostra mais poderoso que si prprio, ento o anarquista deveria se ressentir com as expresses da autoridade em suas vidas, buscando a vingana atravs da inteligncia, da estratgia racional, do refinamento da mentira que a moral; mas jamais o enfrentamento aberto, claro e franco para com seu inimigo, como a batalha do nobre. Nietzsche afirma que o anarquista costuma raciocinar na base do algum deve ter culpa do meu mal-estar. Sendo o anarquismo um movimento social contra a organizao da sociedade autoritria, ento isso pode ser identificado como sendo seu mal-estar. Mas qual a atitude anarquista perante seu mal-estar? Acaso seria a atitude tpica de um decadente, de um fraco, que identifica seu mal-estar externamente ou seja, nas coisas, nas pessoas, no mundo - e, atravs da hipocrisia e do subterfgio encontra formas de vencer seu mal-estar, no chegando exatamente a um estilo de vida prprio e sendo escravo das determinaes dos outros? Ou acaso seria a atitude tpica do nobre, de um forte, que identifica primeiramente o quo bom seu estilo, sua prpria arte de viver e, ao verificar que existem obstculos para ser quem , manifesta-se contra seu inimigo mas, por am-lo, ainda tenta ajudar o inimigo a perceber o quo melhor viver de seu modo? Pois eis que muitos anarquistas merecem figurar entre os nobres, pois identificam em seu prprio estilo de viver em sociedade atravs da cooperao, da ajuda-mtua um estilo melhor e, ao propor isso publicamente desafiam a organizao vigente da sociedade, em torno do poder. Ele , por natureza e por definio, senhor de si prprio. O anarquista um indivduo autrquico, autnomo, livre da fantasmagoria do ideal, ativista da moral espontnea e plstica do nobre. isso que acontece: o anarquismo no tem medo, no se esconde na mentira. O anarquismo sempre bradou, a quem quisesse ouvir, a sua batalha contra a sociedade de poder, contra a autoridade. Em verdade, a atitude anti-autoridade que define um anarquista. Slvio Gallo claro em afirmar: o anarquismo constitudo por uma atitude, a de negao de toda e qualquer autoridade e a afirmao da liberdade. Dessa forma, a atitude do anarquista negar o inimigo, ignorando-o, sendo livre independente do sistema social em que se encontra. Agora, uma vez que esse sistema social passe a causar problemas para sua liberdade, a a hora do enfrentamento ao inimigo, da disputa de poderes, da colocao da luta que leva conquista. Trata-se da movimentao dos instintos perante a razo lgica: os instintos reguladores inconscientes, ou mesmo uma certa imprudncia, como a valente precipitao, seja ao perigo, seja ao inimigo, ou aquela exaltada impulsividade na clera, no amor, na venerao, gratido, vingana, na qual se tm reconhecido os homens nobres de todos os tempos. Ora, inmeras vezes podemos considerar que os anarquistas estiveram nessa situao de proeza dos instintos, a agir com espontaneidade, atitudes tpicas dos nobres na tipologia nietzscheana. Algumas dessas situaes aconteceram quando Nietzsche ainda era vivo, como a constituio da AIT por volta de 1870, que permitiu debates inflamados tanto pela impulsividade de Bakunin quanto pela frieza de Marx, que por vingana acabou, no Congresso de Haia, sugerindo que as reunies do Conselho Geral da AIT acontecessem em Nova York, o que resultou no fim do Conselho por inatividade; ou quando da escolha de Kropotkin em virar anarquista, sendo ele um aristocrata russo, proveniente de famlia rica, poderosa e antiga, da casta dos conquistadores por excelncia. Mas a principal manifestao dos instintos nobres anarquistas aconteceu durante a Guerra Civil Espanhola, entre os anos de 1936 e 1939. Os padres foram mortos, as freiras foram estupradas, quem fosse visto com algum crucifixo na rua poderia ser morto pela atitude espontnea dos anarquistas. Foram mortos, acabaram derrotados, mas no porque eram os fracos que Nietzsche aponta, mas porque foram vtimas de governos totalitaristas, voltados para o primor militar e equipados fortemente para matar tecnologia em servio da guerra. Dizer que os governos totalitaristas fizeram justia em derrotar os anarquistas porque eram os verdadeiros fortes, nesse caso, seria uma tremenda estupidez, visto que seria desconsiderar as diferenas entre uma organizao social construda recentemente e que permaneceu constantemente em guerra como foi a ascenso do anarquismo na Espanha e os trs anos que esteve com algum poder e uma organizao social totalmente voltada para a eficincia e tcnica militar, voltada para a opresso e a morte daqueles indivduos dissonantes.

Como batalha o fracoO fraco luta contra seu inimigo na nsia de destru-lo: esse o objetivo do anarquista e do cristo, conforme a crtica de Nietzsche. Em verdade, o fim pelo qual se mente faz uma grande diferena: se com isso preserva ou destri. H uma perfeita consonncia entre o cristo e o anarquista: seus objetivos, seus instintos, direcionamse somente destruio...ambos so decadentes; ambos so incapazes de qualquer ato que no seja dissolvente, venenoso, degenerativo, hematfago; ambos tm por instinto um dio mortal contra tudo que esta em p, tudo que grande, tudo que durvel, tudo que promete futuro vida. A maior acusao contra os cristos est na derrota do Imprio Romano, eleito por Nietzsche como obra eterna dos nobres, construda em grande estilo, na superao de enormes adversidades que os tornou fortes -, para durar milnios. Mas e a acusao aos anarquistas? Acaso os anarquistas destruram alguma coisa que prometia futuro vida? E desde quando obedecer s autoridades promete um futuro promissor, ascendente vida? Em verdade, Proudhon usou a frase Destruam et Aedificabo como lema dos ataques que dirigiu contra a autocracia industrial na sua obra Contradies econmicas (1846). Eu destruo e construo. E Michael Bakunin acabou seu ensaio sobre a Reao na Alemanha com uma invocao clebre: Depositemos nossa confiana no eterno esprito que destri e aniquila apenas porque a insondvel e infinitamente criativa origem da vida. A paixo por destruir tambm uma paixo criativa!. Os anarquistas, por fazerem sua crtica autoridade, acabam, com efeito, tendo de eliminar grande parte dos valores que sustentam as principais instituies de uma tradicional sociedade moderna, e isso pode acabar custando ms-interpretaes, como foi a de Nietzsche. Que fique claro: o anarquista no um niilista enquanto o niilista no acredita em nenhum princpio moral, nenhuma lei natural; o anarquista cr num anseio suficientemente forte, capaz de sobreviver destruio da autoridade e manter a sociedade unida pelos vnculos naturais e livres da fraternidade. O anarquista no um destruidor, mas antes, um transformador: no pretende a destruio da sociedade em si, mas sim a transformao da sociedade de poder numa sociedade cooperativa, que proporcione mais liberdade ampla maioria dos seres humanos, atravs do gerenciamento consciente dos recursos do planeta, culminando numa sociedade que afirma o fenmeno vida, projeto compartilhado por Nietzsche. Anarquismo: eis um ideal?Considerar o anarquismo um processo de criao social resultante de uma concepo ideal seria pensar que o discurso dos anarquistas totalmente desconexo com o plano da realidade. Um dos argumentos de Nietzsche para considerar os anarquistas fracos defender que os valores anarquistas surgem de um ideal a sociedade sem autoridade - e no da observao da realidade. Em verdade, o processo de criao dos valores anarquistas sempre foi exatamente o contrrio disso: atravs da crtica autoridade que se manifesta no dia-a-dia das pessoas, de cunho material, criam-se os valores anarquistas e as tticas de guerra contra elas. Trata-se de um processo que capaz de diferenciar a realidade do imaginrio, um processo que capaz de apurar expresses reais - presentes no cotidiano das pessoas-, de uma moral que visa favorecer os fracos. A construo de um sistema autoritrio de poder , em verdade, uma das mentiras que os fracos contam para permanecer no papel dos bons. Isso nos leva a um ponto de dilogo interessante entre Nietzsche e os anarquistas, que ambos considerarem a moral como uma instituio metafsica: um artificialismo da condio humana, em benefcio dos fracos. Ora, se o objetivo do indivduo tornar-se livre, ento esse objetivo passa pela destruio de sua crena na metafsica. Aquele indivduo, que atinge um esclarecimento suficiente para perceber que o alm-mundo prometido pela moral judaico-crist apenas uma iluso, liberta-se da metafsica moral-religiosa ou esse processo correlato em outras religies. Dessa forma, a liberdade moral subjetiva, no plano psicolgico de cada indivduo, traduz-se, proporcionalmente, na desvalorizao dos entes metafsicos na vida desses indivduos. O raciocnio simples: quanto menos vale a metafsica a moral, a religio, o Estado na vida do indivduo, mais liberdade ele conquistou. Proudhon formulou seus valores a partir da tripla transcendncia, quanto props a crtica s trs soberanias Estado x Sociedade; do Capital x Trabalho; Religio x Mente -, foras que so percebidas no mundo real, do convvio em sociedade. Dessa forma, se o fraco necessita de um mundo exterior e ideal para justificar seus valores, ento o desejo de um mundo sem autoridade desejo que identifica os anarquistas representa o ideal anrquico. Mas aqui um ideal diferente daquele ideal metafsico, daquele tlos criticado por Nietzsche: no arcabouo nietzscheano, a formulao de uma sociedade sem autoridade proposta pelos anarquistas somente o sentido de seus valores, no a origem nem o fim dos mesmos. A origem dos valores anarquistas provm da tipologia dos fortes, pois se tratam de valores provenientes de ampla crtica materialista sociedade que os tericos revolucionrios, como Proudhon, Bakunin, Godwin, Kropotkin e Stirner, dentre outros, fizeram. A crtica autoridade, em verdade, um processo que envolve uma percepo sutil da realidade, trata-se de um detalhe que est ali e no para ser reconhecido: eis porque somente poucos so capazes de perceber as coeres sociais que os fracos se utilizam para dominar os fortes. Aqui vale a invocao de David Hume, em seus Princpios do Governo, para ilustrao do que se pretende dizer: a fora est sempre do lado do governado, os governantes nada tm para apoi-los, exceto a opinio. , portanto, apenas sobre a opinio que o governo se funda; e essa mxima se estende tanto aos governos mais despticos e militares, como aos mais livres e populares. Em verdade, nas sociedades mais livres, onde a arte de controlar a opinio conseqentemente muito mais aperfeioada, a deturpao e outras formas de confuso so concomitantes naturais. Possibilidade de dilogoCabe concluir como sendo totalmente possvel um dilogo entre Nietzsche e os pensadores anarquistas, ou seja, a crtica do filsofo-poeta no se sustenta, sendo possvel realizar a passagem para um outro momento de trabalho entre os dois crculos conceituais, quer seja, fazer a identificao dos pontos de dilogo entre os dois crculos conceituais e coloc-los frente a frente, numa batalha agonstica.

Entrevista Anarquismo, marxismo e expectativas para o futuro, disponvel em: HYPERLINK "../../../Desktop/flag.blackened.net/revolt/rbr.html"flag.blackened.net/revolt/rbr.html. Retirado de: CHOMSKY, N. Notas sobre o anarquismo. Traduo: Felipe Crrea. So Paulo: Imaginrio/Sedio, 2004.

CI, Passatempos Inatuais,#33

Trecho retirado da obra Histria das idias e movimentos anarquistas, de George Woodcock.

GM, Primeira Dissertao, #10 e 11.

CI, Aqueles que querem tornar a humanidade melhor, #1.

CI, Passatempos Inatuais, #34.

Idem #6, e tambm CI, Passatempos Inatuais, #35

Trecho retirado da obra Histria das idias e movimentos anarquistas, de George Woodcock.

Texto As idias-fora do anarquismo, de 2002. Retirado de: LINK. Revista Verve #4.

Texto O paradigma anarquista em educao, de 1996.

Idem #2.

AC, #58.

Idem #3.

Idem #3.

Idem #1.