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    A Operacionalizao da Forma de Jogar

    que se Pretende (Modelo de Jogo) e a sua

    Representao Mental:

    O papel da Conscincia e o contributo das

    Neurocincias na compreenso do

    Sucesso da Periodizao Tctica

    Rui Pedro Fontes Carvalho

    Porto, 2006

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    A Operacionalizao da Forma de Jogar

    que se Pretende (Modelo de Jogo) e a sua

    Representao Mental:O papel da Conscincia e o contributo das

    Neurocincias na compreenso do

    Sucesso da Periodizao Tctica

    Orientador: Prof. Vtor Frade

    Rui Pedro Fontes Carvalho

    Porto, 2006

    Monografia realizada no mbito da disciplina de

    Seminrio do 5 ano da licenciatura em Desporto e

    Educao Fsica, na rea de Reeducao e

    Reabilitao, da Faculdade de Desporto da

    Universidade do Porto

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    Agradecimentos

    Agradeo Brunita, aos meus Pais e Irmos, ao Roberto e Famlia, ao

    Professor Vtor Frade e a todas as pessoas que a memria me atraioa!

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    Agradecimentos

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    Resumo

    1 Introduo

    2 Reviso da Literatura

    2.1 Damsio e suas Revelaes

    2.1.1 Porqu Damsio

    2.1.2 Corpo, Crebro e Mente

    2.1.3 Regulao do Corpo e Sobrevivncia

    2.1.4 Emoes e Sentimentos

    2.1.5 Mecanismos como se

    2.1.6 Tomada de Deciso e Hiptese do Marcador-Somtico

    2.1.7 Mecanismos de Tomada de Deciso2.1.8 Outras Concepes nas Neurocincias e na Psicologia acerca da Adaptao

    cerebral

    2.2 A Conscincia Humana e o seu uso

    2.2.1 A Conscincia em termos Mentais. A sua Construo e a do Conhecimento

    2.2.2 A Inconscincia e os seus Limites

    2.2.3 O Poder da Conscincia: Associao entre a maquinaria no consciente e os

    Dispositivos conscientes

    2.2.3.1 Vantagens em tornar os Movimentos Conscientes em Hbitos

    Subconscientes (outras perspectivas)

    2.3 Mourinho e suas Operacionalizaes

    2.3.1 Mourinho e a Periodizao de Tctica. A sua Filosofia de Treino

    2.3.2 Mourinho e a sua Operacionalizao de Treino Princpios Metodolgicos

    2.3.2.1 Principio da Estabilizao

    2.3.2.2 Principio da Alternncia Horizontal em Especificidade e Principio da

    Progresso Complexa

    2.3.2.3 Principio das Propenses

    2.3.3 O seu Modelo de Jogo e Princpios de Jogo

    2.3.4 Mourinho e a sai viso/preocupao com a Adaptao Cerebral

    3 Material e Mtodos4 Apresentao e Discusso dos Resultados

    4.1 Mourinho: suas Operacionalizaes e a Conscincia

    4.1.1 Relaes entre Modelo de Jogo-Princpios de Jogo e Conscincia-Imagens.

    Possveis ligaes atravs de novas vises

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    4.1.2 Relao entre Modelo de Jogo e Conscincia

    4.1.3 Relao entre os Princpios de jogo e as Imagens Mentais

    4.1.4 Hbitos: Associao entre a maquinaria no consciente e os Dispositivos da

    Conscincia

    4.2 Mourinho/ Periodizao Tctica: sua relao com Damsio para alm da

    Conscincia

    4.3 A Criatividade

    5 Concluses

    6 Bibliografia

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    Resumo

    Considerando que o processo de treino nico, pessoal e que deve ter

    por base o jogo que se procura e com o qual nos identificamos, este dever,

    ento, ter por base o Modelo de Jogo e um conjunto de Princpios de Jogo que

    serviro de referencia conduo do processo e que permitiro alcanar o

    objectivo de organizao da equipa.

    Partindo deste entendimento, pretende-se saber como que a

    conscincia orienta os nossos comportamentos, no sentido de perceber a sua

    influencia nas aces e tomadas de deciso no jogo. Pretende-se, ainda,

    perceber o sucesso da Periodizao Tctica luz das concepes das

    neurocincias.

    Para tal, efectuou-se uma pesquisa bibliogrfica sobre as concepes

    apresentadas por Damsio nos seus livros e a operacionalizao de treino de

    Mourinho apresentada no livro Mourinho: porqu tantas vitrias?

    Como Concluses do trabalho podemos destacar a existncia de vrios

    pontos de contacto entre as concepes de Damsio e as Operacionalizaes de

    Mourinho. Atravs destas, possvel justificar o sucesso alcanado pela PT.

    Conclumos tambm que o MJ pode ser entendido como a Conscincia

    (de jogo) e os PJ podem ser entendidos como Imagens mentais.

    A Criatividade tambm referida por vrias vezes pelos dois autores,

    sendo mais um exemplo das vrias pontes existentes entre as duas perspectivas

    e podendo ser entendida nos dois discursos como a finalidade ltima das nossas

    intenes e participao nas aces.

    Atravs do exposto ao longo do trabalho possvel concluir da

    importncia de criar uma conscincia colectiva na equipa que permita aos

    jogadores, numa dada situao, pensarem todos da na mesma.

    Podemos concluir ainda que a Periodizao Tctica permite melhorar a

    Conscinciade Jogo individual e colectiva.

    Palavras chave:Modelo de Jogo; Princpio de Jogo; Conscincia;

    Imagens Mentais; Criatividade.

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    Introduo

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    1 Introduo

    Difcil trabalho o de adivinhar o futuro.

    estar numa encruzilhada e acertar na escolha de um caminho.

    Dos dois mil e um caminhos possveis, uma pequena modificao

    de qualquer um dos elementos que o integram, pode ser o empurropara uma direco que nos marcar o futuro

    que agora procuramos explorar (Roca, cit. por Castelo, 1994: 364)

    O percurso inicial da realizao desta monografia comeou com este

    problema: no meio de um fenmeno complexo como o futebol, onde coabitam

    vrias concepes de interpretao e actuao no fenmeno, chega a altura de

    tomar uma opo e assumir as nossas decises!

    Neste sentido, para a deciso relativamente ao tema a tratar, muito

    contribuiu o crescente interesse pela adaptao cerebral no processo de treino de

    futebol, manifestada quer por parte de alguns responsveis pela cadeira de

    metodologia de futebol, quer pelo crescente nmero de trabalhos que afloram

    este tema.

    Na maior parte desses trabalhos, procura-se relacionar as concepes de

    Damsio sobre o funcionamento da racionalidade humana (focalizando,

    principalmente o estudo na emoo e a hiptese do marcador-somtico), com o

    fenmeno futebol, mais espcificamente, a operacionalizao da metodologia de

    treino Periodizao Tctica.

    Tendo por base a Periodizao Tctica e a sua operacionalizao do

    treino, no sentido de transmitir as ideias de jogo pretendidas pelo treinador,

    pareceu-nos interessante abordar esta problemtica luz das concepes

    apresentadas por Damsio, mas focalizando a ateno sobre as questes da

    Conscincia.

    Assim, tendo por base as concepes e as operacionalizaes de dois

    portugueses reconhecidos mundialmente por representarem a vanguarda do

    conhecimento e do sucesso Damsio e Mourinho procuramos perceber o

    sucesso da Periodizao Tctica luz das neurocincias, dando particular

    destaque ao papel da conscincia para a representao mental dessas ideias do

    jogar que se pretende alcanar Modelo de Jogo.

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    Introduo

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    No entanto, ao longo deste percurso cientifico no posso esquecer que

    as verdades nunca so absolutas, devero ser sempre aproximativas (Poper,

    1990) e que a verdade o que resulta quando assenta a poeira da discusso

    logo perturbada por uma rabanada de vento (Boaventura Sousa Santos, 1989).

    Isto , tal como at aqui as minhas concepes foram submetidas a rabanadasde vento, tambm ao longo deste percurso estar sujeita a uma crtica

    construtiva, pois s assim possvel a evoluo da cincia.

    Tendo por base os trs livros de Damsio editados em Portugal e um livro

    recente acerca de Mourinho, onde se procura justificar o seu sucesso, o trabalho

    comea por resumir as principais ideias destes autores durante a reviso da

    literatura.

    Na parte da apresentao e discusso dos resultados, tentaremos

    estabelecer as pontes entre estas duas vises, no sentido de perceber possveisrelaes entre as ideias dos autores.

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    Reviso da Literatura

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    2 Reviso da Literatura

    2.1 Damsio e suas Revelaes

    2.1.1 Porqu Damsio?

    Associado ao crescente interesse por parte de alguns responsveis pela

    cadeira de metodologia de futebol na compreenso da adaptao cerebral,

    comeam a surgir estudos e publicaes (Barreto, 2003; Costa, 2005; Dias, 2005;

    Oliveira, 2004; Oliveira et al., 2006) que relacionam as concepes de Damsio

    sobre o funcionamento da racionalidade humana e o fenmeno futebol, mais

    especificamente, na operacionalizao de uma metodologia de treino

    Periodizao Tctica.

    O que distingue Damsio no mundo das neurocincias e no estudo da

    racionalidade humana, alm das suas concepes arrojadas deste processo, a

    sua recusa em admitir que temas como a mente e a conscincia sejam

    inacessveis ao estudo cientfico.

    Recentemente este autor elaborou o prefcio de um livro na rea de

    futebol, demonstrando e revelando que as suas concepes podero conter

    pontes que ajudem a compreender o sucesso desse processo.

    Nesse texto aborda questes relacionadas com a interaco grupal em

    projectos colectivos e a capacidade do lder desse projecto transmitir as suas

    ideias aos executantes.

    Relativamente primeira, o que o intriga como grupos (que podemos

    entender como equipa) constitudos por vrios seres humanos empenhados num

    projecto competitivo singular interagem como se fossem uma entidade nica,

    embora mantenham as suas individualidades (Damsio, 2006: 12).

    Quanto capacidade do lder transmitir as suas ideias, refere que os

    grandes lideres concebem um projecto de aco e transmitem aos executantes a

    imagem desse projecto de uma forma, no s, clara como motivadora. Alm de

    imaginarem o projecto nas grandes linhas e nos pormenores de organizao e

    suas possveis variaes, levam tambm os seus executantes a co-imaginarem

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    Reviso da Literatura

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    esse projecto e a anteciparem o seu futuro desenvolvimento (Damsio, 2006:

    13).

    O processo de transmisso das ideias de jogo no se limitam a uma

    transmisso da informao, requerendo tambm um imaginrio ao mesmo tempo

    disciplinado pelas metas do projecto mas suficientemente flexvel para quepermita, em certas circunstancias, desvios criativos Ginstica da Previso

    Mental (Damsio, 2006: 13). Relativamente a este aspecto, refere que, como o

    crebro representa o corpo a que est ligado em todos os seus aspectos (como

    vamos ver mais frente na anlise s suas obras), o imaginrio dos executantes

    assim inspirados executa simulaes do corpo em movimento. Parte desse

    exerccio mental automatiza-se sob a forma de hbito e transforma-se em intuio

    motora (Damsio, 2006: 13).

    At ao momento, Damsio publicou no nosso pas trs livros, nos quaistrata temas como a racionalidade, a tomada de deciso, a conscincia, a emoo

    e sentimentos. No livro O Erro de Descartes, aborda o papel da emoo e do

    sentimento na tomada de deciso, apresentando a sua teoria dos marcadores-

    somticose discutindo as funes do crtex pr-frontal. No livro O Sentimento de

    Si, descreve o papel da emoo e do sentimento na construo do si

    conscincia. No terceiro livro, Ao Encontro de Espinosa, a temtica central so

    os sentimentos propriamente ditos, as emoes sociais e a neurologia do sentir.

    Antes de fazer um resumo das ideias expressas nas suas obras, importa

    aqui esclarecer alguns conceitos, nelas apresentados, para melhor compreender

    as suas concepes.

    As emoes so modificaes (total ou parcialmente automticas) do

    estado do corpo e a sua finalidade manter o organismo em posio de

    sobrevivncia e bem-estar (Damsio, 2000: 72-73; 2003: 70).

    Os sentimentosso percepes da paisagem corporal (estado do corpo e

    suas modificaes) e servem para resolver problemas no padronizados cuja

    soluo no est ao alcance das emoes (Damsio, 1994: 159, 176; 2003: 104).

    Os sentimentos ligam a mente ao mundo.

    Padro neural ou mapa neural algo que acontece no crebro, um

    conjunto de actividades neurais que pode ser encontrada nos crtices sensoriais

    quando eles esto activos (p.e. nos crtices visuais em correspondncia com uma

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    percepo visual). S temos acesso aos padres neurais na perspectiva da

    terceira pessoa (no sinto os padres neurais) (Damsio, 2000).

    Padro mental um sinnimo de imagem. As imagens (padres mentais)

    no se referem apenas viso, mas a padres mentais referentes a qualquer

    modalidade sensorial (viso, auditiva, olfactiva, gustativa e somatossensorial). Asimagens so construdas quando nos ocupamos de objectos, sejam do exterior ou

    do interior (da memria). Qualquer smbolo com que possamos pensar uma

    imagem, da Damsio afirmar que o pensamento uma palavra aceitvel para

    traduzir um fluxo de imagens (2000: 363). As imagens podem ser conscientes

    ou no conscientes. As imagens no conscientes nunca so acessveis

    directamente. S temos acesso s imagens conscientes na perspectiva da

    primeira pessoa. (2000: 361).

    Representao significa padro consistentemente relacionado comalguma coisa, ou seja, com uma imagem mental ou um conjunto coerente de

    actividades neurais no interior duma regio cerebral especfica (Damsio, 2000).

    A Arquitectura do Sistema Nervoso e seu Funcionamento

    O nmero de estruturas cerebrais que se encontram localizadas entre os

    sectores de entrada e os de sada do sistema nervoso grande, e a

    complexidade dos seus padres de conexo enorme.

    Do ponto de vista anatmico global, o sistema nervoso geralmente

    dividido em central (SNC) e perifrico (SNP). O componente principal do SNC o

    crebro. Este liga-se espinal medulaatravs do tronco cerebral, atravs do qual

    se encontra o cerebelo(Damsio, 2000).

    O SNC est ligado a todos os pontos do corpo atravs de nervos (que so

    feixes de axnios que comeam no corpo celular dos neurnios). O conjunto de

    todos os nervos que ligam o SNC (o crebro) com a periferia, e vice-versa,

    constitui o SNP. Os nervos transmitem impulsos do crebro para o corpo e do

    corpo para o crebro. O crebro e o corpo tambm esto quimicamente

    interligados por substncias tais como as hormonas, que so distribudas pela

    circulao sangunea (Damsio, 2000: 370).

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    O crtex cerebral pode ser imaginado como uma manta para o crebro. Do

    ponto de vista evolucionrio, a parte mais recente do crtex cerebral so

    designadas por lobos: frontal, temporal, parietal e occipital.

    Sistemas Cerebrais em que se apoia a Mente

    Com o objectivo de investigar a relao entre as imagens mentais e o

    crebro, a abordagem de Damsio (2000) prope um espao imagtico e um

    espao disposicional.

    no espao imagticoque ocorrem, explicitamente, imagens de todos os

    tipos sensoriais. Algumas destas imagens constituem os contedos mentais da

    nossa conscincia, enquanto outras permanecem no conscientes.

    O espao disposicional aquele em que a disposio contm a base doconhecimento e os mecanismos atravs dos quais as imagens podem ser

    construdas durante o recordar, atravs dos quais os movimentos podem ser

    gerados, e atravs dos quais o processamento de imagens pode ser facilitado

    (Damsio, 2000: 377).

    Nunca temos conscincia completa dos conhecimentos necessrios ao

    desempenho de qualquer destas tarefas, nem dos passos intermdios que so

    necessrios. S temos conscincia dos resultados. Toda a nossa memria das

    coisas existe sob a forma disposicional(isto , implcito, oculto, no consciente),

    espera de se tornar numa imagem ou numa aco explcita.

    A Construo das Imagens Mentais

    A actividade existente nas estruturas cerebrais constri e manipula

    momentaneamente as imagens da nossa mente. Com base nessas imagens

    podemos interpretar os sinais apresentados aos crtices sensoriais iniciais de

    modo a podermos organiz-los sob a forma de conceitos e podermos classific-

    los. Podemos adquirir estratgias para raciocinar e tomar decises, e podemos

    seleccionar uma resposta motora a partir do elenco disponvel no nosso crebro

    ou formular uma resposta motora nova (Damsio, 1994).

    O Sistema Nervoso detm tanto o conhecimento inato como o adquirido

    sobre o corpo propriamente dito, sobre o mundo exterior e sobre o prprio crebro

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    medida que este interage com o corpo propriamente dito e com o mundo

    externo (Damsio, 1994: 110). Este conhecimento utilizado para desdobrar e

    manipular sinais de sada motores e mentais, que so as imagens que constituem

    os nossos pensamentos.

    As imagens no so apenas do agora. O pensamento trabalha sobreimagens e as imagens so baseadas directamente nas representaes neurais,

    e apenas nessas, que ocorrem nos crtices sensoriais iniciais (Damsio, 1994:

    114). Estas imagens podem ser tanto perceptivas como evocadas.

    As imagens perceptivas so formadas sob controlo de receptores

    sensoriais (como o olho p.e.) orientados para o exterior, que transportam sinais

    para o crebro e so recebidos pelos crtices iniciais, resultando em

    representaes topograficamente organizadas. Embora os crtices sensoriais

    iniciais e representaes topograficamente organizadas que estes formam sejamnecessrios para a ocorrncia de imagens na conscincia, eles no parecem,

    contudo, ser suficientes. A subjectividade, o elemento-chave da conscincia,

    estaria ausente nesse design do crebro (1994: 115). Essas representaes

    neurais tm de ser correlacionadas com aquelas que constituem a base neural

    para a construo do Self(estado neurobiolgico perpetuamente recriado).

    Quanto s imagens evocadas, so imagens mentais construdas

    momentaneamente que podem ser consideradas tentativas de rplica. A

    probabilidade de ocorrer uma replica substancial pode ser superior ou inferior,

    dependendo das circunstancias em que as imagens foram assimiladas e esto a

    ser acedidas. Estas imagens evocadas tendem a ser retidas na conscincia

    apenas de forma passageira e so frequentemente imprecisas e incompletas

    (1994: 117). So representaes momentaneamente construdas sob o comando

    de padres neurais disposicionais que foram adquiridos em outros locais do

    crebro. Damsio utiliza o tempo disposio porque o que eles fazem dar

    ordema outros padres neurais para tornarem possvel que a actividades neural

    ocorra noutro stio (1994: 118). Portanto, o que as representaes disposicionais

    guardam em armazm no uma imagem per semas um meio para reconstruir

    um esboo dessa imagem.

    As imagens evocadaspodem recuperar imagens do passado ou podem ser

    memrias de futuro possvel, imagens que formamos quando estivemos a

    planear aces futuras. A natureza das imagens de algo que ainda no

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    Reviso da Literatura

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    aconteceu, e que pode de facto nunca vir a acontecer, no diferente das

    imagens acerca de algo que j aconteceu e que retemos (Damsio, 1994: 113).

    Estas diversas imagens perceptivas, evocadas a partir do passado real, e

    evocadas a partir de planos para o futuro so construes do crebro do nosso

    organismo. [] A construo por vezes regulada pelo mundo exterior aocrebro [] ou dirigida pelo interior do nosso crebro (Damsio, 1994: 113).

    Segundo Damsio, o nosso conhecimento (inato ou adquirido atravs da

    experincia) incorporado em representaes disposicionais. Algumas dessas

    representaes disposicionais contm registos sobre o conhecimento imagtico

    que podemos evocar e que utilizado para o movimento, o raciocnio, a

    planificao e a criatividade (1994: 121).

    As imagens so provavelmente o principal contedo dos nossos

    pensamentos. As imagens que reconstrumos por evocao ocorrem lado a ladocom as imagens formadas segundo a estimulao do exterior. No entanto, so

    desmaiadas em comparao com as cheias de vida que so geradas por

    estmulos exteriores ao crebro (David Hume cit. por Damsio 1994).

    importante referir que a forma como os padres neurais se transformam

    em imagens mentais no est ainda esclarecida (Damsio, 2003: 222). O que

    importa perceber que so essas imagens mentais que ns manipulamos nos

    processos mentais a que chamamos pensamento.

    Os padres neurais e as imagens mentais dos objectos e acontecimentos

    exteriores ao crebro no so um simples espelho onde se reflecte a realidade

    (2003: 224). As imagens que temos na nossa mente resultam de interaces

    entre cada um de ns e os objectos que rodeiam os nossos organismos,

    interaces essas que so mapeadas em padres neurais e construdas de

    acordo com as capacidades do organismo. Como somos todos to parecidos na

    nossa existncia biolgica, acabamos por construir para os mesmos objectos

    padres neurais parecidos.

    2.1.2 Corpo, Crebro e Mente

    Segundo Damsio, o crebro humano e o resto do corpo constituem um

    organismo indissocivel que interagem com o meio ambiente como um conjunto.

    Portanto, a interaco no exclusivamente do corpo nem do crebro. Ter

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    percepo do meio ambiente no apenas uma questo do crebro receber

    imagens fotogrficas directas. O organismo altera-se activamente de modo a

    obter a melhor interface possvel. O corpo no passivo (Damsio, 1994:233).

    Damsio no afirma que a mente se encontra no corpo. Afirma que o corpo

    contribui para o crebro com um contedo essencial para o funcionamento damente (1994: 234). O corpo, tal como representado no crebro, pode constituir

    o quadro de referencia indispensvel para os processos neurais que

    experienciamos como sendo a mente.

    Para compreender a mente esta tem de ser relacionada com todo o

    organismo que possui crebro e corpo integrados e que se encontra plenamente

    interactivo com um meio ambiente fsico e social (Damsio, 1994:257). Segundo

    este autor, necessrio compreender que a mente emerge num crebro situado

    dentro de um corpo-propriamente-dito; que a mente tem os seus alicerces nocorpo-propriamente-dito; que a mente emerge em tecido biolgico [] que

    partilham das mesmas caractersticas que definem outros tecidos vivos no corpo-

    propriamente-dito (2003: 215). Alm do corpo servir como contedo bsico para

    a mente, a mente desempenha vrias tarefas que so bem teis para o corpo o

    controlo da execuo de respostas automticas em relao a um determinado

    fim, a antecipao e o planeamento de respostas novas; a criao das mais

    variadas circunstancias e objectos cuja presena benfica para a sobrevida do

    corpo. As imagens que flem na mente so o reflexo da interaco entre o

    organismo e o ambiente, o reflexo de como as reaces cerebrais ao ambiente

    afectam o corpo, o reflexo de como as correces da fisiologia do corpo se esto

    a desenrolar (2003: 232).

    Dado que a mente emerge num crebro que faz parte integrante de um

    organismo, a mente faz tambm parte desse organismo. Corpo, crebro e mente

    so manifestaes de um organismo vivo. Embora seja possvel dissecar estes

    trs aspectos de um organismo, estes so inseparveis durante o funcionamento

    normal do organismo.

    Damsio (2000: 59), refere que a cincia do sculo XX deixou de fora o

    corpo. E tratou de mostrar como isso podia ser corrigido, explicando que s

    podemos compreender a mente, bem como as emoes e os sentimentos, no

    quadro de uma compreenso dos mecanismos de regulao biolgica que

    servem para manter um organismo vivo. Demorou-se a explicar como e porqu a

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    sobrevivncia o valor central para um organismo, como no cerne das

    estratgias de sobrevivncia est o valor da estabilidade do organismo face s

    mudanas ambientais, como o crebro serve esse valor pelo seu papel regulador.

    neste contexto que chama a ateno para a mquina homeosttica.

    Podemos afirmar, portanto, que a funo global do crebro a de estarbem informado sobre o que se passa no resto do corpo, sobre o que se passa em

    si prprio e sobre o meio ambiente que rodeia o organismo, para que possam ser

    adquiridas acomodaes de sobrevivncia adequadas entre o organismo e o

    ambiente.

    A abordagem de Damsio sublinha a inadequao de conceber crebro,

    comportamento e mente em termos de Natureza versus Educao, ou Genes

    versus Experincia. As experincias individuais tm uma palavra a dizer no

    design dos circuitos, tanto directa como indirectamente, atravs da reaco quedesencadeia nos circuitos inatos e das consequncias que tais reaces tm no

    processo global de modelao de circuitos (Damsio, 1994: 128).

    Porm, os nossos organismos fazem mais do que interagir e do que gerar

    respostas externas espontneas ou reactivas que no seu conjunto so

    conhecidas como comportamento. Como j vimos, eles geram tambm respostas

    internas, algumas das quais constituem imagens (visuais, auditivas,

    somatossensoriais) a que Damsio (1994: 104) considerou como sendo a base

    para a mente. Portanto, para o crebro possuir uma mente, no basta que o

    crebro possua circuitos que faam a mediao entre estmulos e a resposta.

    necessrio a capacidade de exibir imagens internase de ordenar essas imagens

    num processo chamadopensamento (Damsio 1994:105).

    Assim, o facto de um organismo possuir uma mente significa que ele

    forma representaes neurais que se podem tornar imagens que so

    manipuladas num processo chamadopensamento, o qual acaba por influenciar o

    comportamento em virtude do auxilio que confere em termos de previso do

    futuro, de planificao deste de acordo com essa previso e da escolha da

    prxima aco (Damsio, 1994: 105).

    A perspectiva de Damsio (2003) sobre o problema mente-corpo levou

    reconciliao duma formulao terica com a realidade humana:

    - o corpo e o crebro foram um organismo integrado e interagem

    mutuamente (projeces qumicas e neurais);

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    Reviso da Literatura

    11

    - a actividade cerebral destina-se primariamente a ajudar a regulao dos

    processos de vida do organismo;

    - o resultadoprimrio da actividade cerebral a sobrevida com bem-estar;

    - em organismos complexos as operaes regulatrias do crebro

    dependem da criao e da manipulao de imagens mentais (ideias oupensamentos) num processo a que chamamos mente;

    - a percepode objectos e situaes, quer ocorram no interior ou exterior

    do organismo, requer imagens. Para ser capaz de responder a um estmulo, de

    forma automtica ou deliberada, o organismo necessita de imagens. A

    capacidade de antecipar e planear o futuro tambm requer imagens (2003: 219);

    - a interfaceentre as actividades do corpo-propriamente-dito e os padres

    mentais (imagens) consiste em regies cerebrais especificas, que utilizam vrios

    circuitos nervosos para construir padres neurais dinmicos e contnuos quecorrespondem s actividades do corpo, ou seja, que mapeiam essas actividades

    medida que ocorrem;

    - o mapear no um processo passivo. As estruturas que mapeiam so

    influenciadas pelos sinais do corpo, mas tambm recebem influncias de outras

    estruturas cerebrais.

    2.1.3 Regulao do Corpo e Sobrevivncia

    A questo da sobrevivncia acaba por ocupar um lugar de destaque na

    perspectiva de Damsio, uma vez que se trata da finalidade bsica de todos os

    organismos, incluindo o humano, que acaba por influenciar os restantes, tidos

    como mais nobres/importantes (como a racionalidade).

    Damsio acredita que o Homem, mesmo antes de ter criado normas

    inteligentes de conduta social, utilizou as emoes e os sentimentos como

    alicerces necessrios para os comportamentos ticos, servindo tambm como

    factores importantes no estabelecimento de estratgias cognitivas de cooperao.

    Essas prticas de cooperao impulsionaram o aparecimento de certas emoes

    sociais no sentido de facilitar o processo de negociao. Se os sentimentos

    podem reflectir o estado da vida dentro de cada ser humano, podem tambm

    reflectir o estado de vida de um grupo de seres humanos, pequeno ou grande

    (2003: 190).

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    A vida comea por ser regulada por dispositivos naturais e automticos da

    homeostasia, tais como o metabolismo, os apetites e as emoes. A

    complexidade fsica e social do ambiente em que o adulto se insere requer mais

    do que os dispositivos automticos para os solucionar. Em tais circunstncias, a

    nossa vida deve ser regulada no s pelos nossos desejos e sentimentos, mastambm pela nossa preocupao com os desejos e sentimentos dos outros.

    Essas preocupaes exprimem-se sob a forma de convenes sociais e regras de

    tica (2003: 191), funcionando ao nvel do grupo social como instrumentos

    homeostaticos. Desta forma, a homeostasia e o governo da vida deixam de ser

    orientados apenas por preocupaes pessoais, passando tambm a ter como

    preocupao a sobrevivncia social.

    Conceitos como instintos, impulsos, emoes e sentimentos, so

    frequentemente utilizados como forma de justificar as razes e as motivaes dosnossos comportamentos, mas, segundo Damsio, tambm so responsveis pela

    nossa sobrevivnciapessoal e social. Importa, portanto, esclarece-los.

    Em geral, os impulsos e os instintos operam quer directamente atravs da

    gerao de um determinado comportamento, quer atravs da induo de estados

    fisiolgicos que levam os indivduos a agir de determinado modo de forma

    consciente ou no. Os impulsos e instintos so disposies que controlam os

    processos biolgicos bsicos e que no variam muito, uma vez que se poderia

    traduzir num risco para a estabilidade do organismo. Alguns dos mecanismos

    reguladores bsicos actuam de forma oculta e nunca vm a ser directamente

    conhecidos. Contudo, os instintos so mecanismos reguladores mais complexos

    que envolvem comportamentos visveis, que nos do indirectamente a conhecer a

    sua existncia quando nos levam a agir de um determinado modo a uma situao.

    Os instintos tratam-se de um controlo do corpo e pelo corpo, ainda que seja

    sentido e gerido pelo crebro (Damsio, 1994: 132).

    Estes mecanismos reguladores asseguram a sobrevivncia ao accionarem

    uma disposio para excitar alguns padres de alterao do corpo (um impulso),

    o qual pode ser um estado do corpo (fome) ou uma emoo (medo) ou uma

    combinao de ambos.

    Estes mecanismos pr-organizados no precisam de uma instalao

    especial, estando apenas sintonizados para o meio ambiente que nos rodeia. A

    sua importncia no se limita regulao biolgica. O organismo possui um

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    conjunto bsico de preferncias, tambm designadas de critrios ou valores. Sob

    a influncia destas preferncias e da experincia, o repertrio de coisas

    categorizadas como boas ou ms cresce rapidamente, assim, como a capacidade

    de detectar novas coisas.

    O nosso crescente sentido daquilo que o mundo exterior possa ser aprendido sobe a influncia da interaco do corpo e do crebro. medida que o

    crebro vai incorporando representaes de disposies de interaco com

    entidades e situaes relevantes em termos de regulao inata, ele aumenta a

    probabilidade de abranger entidades e situaes que podem ou no ser

    directamente relevantes para a sobrevivncia (1994: 133).

    Estruturas do crebro como o hipotlamo, o tronco cerebral e o sistema

    lmbico intervm na regulao do corpo e em todos os processos neurais em que

    assentam os fenmenos mentais, como por exemplo, a percepo, aaprendizagem, a emoo e o sentimento (1994: 138) e ainda o raciocnio e a

    criatividade. A regulao do corpo, a sobrevivncia e a mente esto intimamente

    ligados (1994: 138).

    Existem nas sociedades humanas convenes sociais e regras ticas

    acerca e acima das convenes e regras que a biologia por si j proporciona.

    Esses nveis de controlo adicionais moldam o comportamento instintivo de forma

    a este poder ser adaptado com flexibilidade a uma meio ambiente em rpida e

    complexa mutao e garantir a sobrevivncia do indivduo e dos outros em

    circunstncias em que uma das respostas pr-estabelecidas no repertrio natural

    se revelaria contraproducente imediata ou eventualmente.

    Para Damsio, os seres humanos so um organismo que surge para a

    vida dotado de mecanismos automticos de sobrevivncia e ao qual a Educao

    e a Aculturao acrescentam um conjunto de estratgias de tomada de deciso

    socialmente permissveis e desejveis, os quais, por sua vez, favorecem a

    sobrevivncia [] e servem de base construo de umapessoa. nascena, o

    crebro humano inicia o seu desenvolvimento dotado de impulsose instintosque

    incluem no apenas um kit fisiolgico para a regulao do metabolismo mas

    tambm dispositivos bsicos para fazer face ao conhecimento e ao

    comportamentosocial (1994: 141).

    As seleces de respostas de que os organismos no tm conscincia e

    que, por conseguinte, no so deliberadas ocorrem constantemente nas

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    estruturas cerebrais evolutivamente mais antigas (subcorticais). Quando os

    organismos sociais se vem confrontados com situaes complexas e so

    levados a decidir em face da incerteza, tm de recorrer a sistemas no neocortex.

    Para Damsio, a aparelhagem da Racionalidade, tradicionalmente

    considerada neocortical, no parece funcionar sem a aparelhagem da regulaobiolgica, tradicionalmente considerada subcortical. Os comportamentos que se

    encontram para alm dos impulsos e dos instintos utilizam ambas as estruturas.

    Desta forma as Emoese os Sentimentos, os quais, constituem aspectos

    centrais da regulao biolgica, estabelecem uma ponte entre os processos

    racionais e os no racionais, entre as estruturas corticais e subcorticais (Damsio,

    2003).

    2.1.4 Emoes e Sentimentos

    As nossas emoes s so desencadeadas aps um processo mental de

    avaliao que voluntrio e no automtico. A nossa experincia acrescenta

    novos estmulos e situaes aos estmulos que se encontram inatamente

    seleccionados para causar emoes. As reaces a esses estmulos ou situaes

    podem ser filtrada atravs de um processo de avaliao ponderada, que

    possibilita a variao na proporo e intensidade dos padres emocionais pr-

    estabelecidos. Portanto, as emoes so um meio natural de avaliar o ambiente

    que nos rodeia e reagir de forma adaptativa (2003: 71). Por vezes avaliamos

    conscientemente os objectos que causam as emoes, notando a presena de

    um objecto ou a sua relao com outros objectos e a sua relao com o passado.

    Em outras circunstncias, as emoes ocorrem sem que possamos fazer

    qualquer avaliao do objecto que as causa.

    O conceito de avaliao no pode ser sinnimo de avaliao consciente.

    Para Damsio to notvel apreciar e responder a uma situao autonomamente

    como faz-lo atravs do uso da conscincia.

    Damsio (1994: 153) v a essncia da emoo como a coleco de

    mudanas no estado do corpo que so induzidas numa infinidade de rgos em

    resposta ao contedo dos pensamentos relativos a uma determinada entidade ou

    acontecimento. Muitas alteraes do estado do corpo so perceptveis para um

    observador externo, existindo, no entanto, outras que s so perceptveis pelo

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    dono do corpo em que ocorrem. Mas as emoes vo alm da sua essncia. A

    emoo a combinao de umprocesso avaliatrio mental, simples ou complexo,

    com respostas disposicionais a esse processo, na sua maioria dirigidas ao prprio

    crebro[], resultando em alteraes mentais adicionais (1994: 153).

    Vejamos, ento, o que se nos apresenta como uma definio damaquinaria da emoo (Combinando 2000: 72-73; 2003: 53):

    - as emoes so conjuntos complexos de respostas qumicas e neurais

    que formam um padro, cuja finalidade manter o organismo em posio de

    sobrevivncia e bem-estar e para isso desempenham um papel regulador;

    - os dispositivos cerebrais que produzem as emoes fazem parte das

    estruturas que regulam e que representam os estados corporais;

    - os mecanismos bsicos das emoes so respostas inatas, determinadas

    biologicamente, embora a sua expresso e o seu significado possam sermodificados culturalmente;

    - as respostas so produzidas automaticamente pelo crebro que detecta

    um estmulo emocionalmente competente: objecto ou evento que, actual ou obtido

    da memria, despoleta a emoo;

    - certas respostas esto inscritas no crebro pela evoluo outras so

    aprendidas na experincia da vida;

    - as respostas emocionais modificam temporariamente quer o estado do

    corpo quer o estado das estruturas cerebrais que cartografam o corpo e suportam

    o pensamento.

    O desencadear e executar das emoes inicia-se com o aparecimento na

    mente do estmulo-emocional competente. Em termos neurais as imagens do

    estmulo competente so apresentadas nas diversas regies sensoriais que

    mapeiam as suas caractersticas Fase de Apresentao (2003: 74). Na fase

    seguinte, sinais ligados representao sensorial do estmulo so enviados para

    vrios outros locais do crebro, nomeadamente para os locais capazes de

    desencadear emoes (2003: 74). Em suma, o fluir dos contedos mentais

    provoca respostas emocionais, que ocorrem no domnio do corpo ou dos seus

    mapas cerebrais e que, eventualmente, conduzem aos sentimentos (2003: 82).

    A aprendizagem tem vindo a associar emoes e pensamentos, levando a

    que certos pensamentos evoquem certas emoes e certas emoes evoquem

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    certos pensamentos. Os planos cognitivo e emocional esto constantemente

    lidados por estas interaces (2003: 88).

    Segundo Damsio, uma das finalidades principais da nossa educao

    interpor uma etapa de avaliao no-automtica entre os objectos que podem

    causar emoes e as respostas emocionais (2003: 71); essa modulao umatentativa de acomodar as nossas respostas emocionais aos ditames da cultura

    (2003: 71); algumas reaces podem ser modificadas especialmente quando

    controlamos os estmulos que as provoca (2003: 69). O conjunto destas

    reaces no se parece de todo com uma hierarquia simples e linear. [] uma

    metfora mais adequada a de uma arvore alta, com uma profuso de ramos que

    se entrecruzam a vrios nveis, mas em que mesmo os ramos mais altos e mais

    distantes mantm uma ligao ao tronco principal e s razes (2003: 55).

    No seu primeiro livro, Damsio (1994) classifica as Emoes em dois tipos:Emoes Primarias (as que experienciamos na infncia); Emoes Secundarias

    (as que se aliceram gradualmente nas anteriores).

    Relativamente s primeiras, Damsio refere que estamos programados

    para reagir com uma emoo pr-organizada quando determinadas

    caractersticas dos estmulos (corporais ou no meio ambiente) so detectadas.

    Esta reaco emocional pode atingir alguns objectivos teis (fuga rpida p.e.). No

    entanto, o processo no termina com as reaces corporais que definem uma

    emoo. O ciclo continua e o passo seguinte a sensao da Emoo em

    relao ao objecto que a desencadeou, a percepo da relao entre objecto e

    estado emocional do corpo.

    O organismo j est preparado para reagir de forma adaptativa em termos

    automticos, mas utiliza a Conscincia (sentir das prprias reaces

    emocionais) para proporcionar uma estratgia de proteco alargada (1994:

    147). O conhecimento de X permite-lhe pensar com antecipao e prever a

    probabilidade da sua presena num dado meio ambiente de modo a conseguir

    evitar X, antecipadamente, em vez de ter de reagir sua presena numa

    emergncia (1994: 148).

    Em sntese, sentir os estados emocionais (conscincia) oferece-nos

    flexibilidade de resposta com base na histria especfica das nossas interaces

    com o meio ambiente (1994: 148).

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    As emoes secundrias seguem-se a estas ltimas, ocorrendo mal

    comeamos a ter sentimentos e a formar ligaes sistemticas entre categorias

    de objectos e situaes. Depois da formao de imagens mentais verifica-se uma

    mudana no estado do corpo. Quando experienciamos uma emoo, muitas

    partes do corpo so levadas a um novo estado.No seu terceiro livro, Damsio (2003) classifica as Emoes-propriamente-

    ditas em 3 categorias: Emoes de Fundo o diagnstico das emoes de fundo

    depende de manifestaes subtis tais como o perfil dos movimentos dos

    membros ou do corpo inteirobem como de expresses faciais (2003: 61);

    Emoes Primrias inclui o medo, a zanga, o nojo, a surpresa, a tristeza e a

    felicidade, aquelas emoes, em suma, que primeiro vm ideia quando se

    pronuncia a palavra emoo (2003: 62); Emoes Sociais incluem a simpatia,

    a compaixo, o embarao, a vergonha, a culpa, o orgulho, o cime, a inveja, agratido, a admirao e o espanto, a indignao e o desprezo (2003: 62).

    A evoluo biolgica parece ter construdo primeiro os mecanismos para a

    produo de reaces a objectos e circunstancias a maquinaria das emoes

    construindo depois os mecanismos para a produo de mapas cerebrais que

    representam essas reaces e os seus resultados a maquinaria dos

    sentimentos (Damsio, 2003: 45, 96).

    Como j referimos, as emoes foram construdas a partir de reaces

    simples que promovem a sobrevivncia de um organismo e que foram facilmente

    adoptadas pela evoluo (2003: 45).

    Por seu lado, os sentimentos suportam o nvel de regulao homeosttica

    que se segue ao das emoes-propriamente-ditas. Os sentimentos so a

    expresso mental de todos os outros nveis de regulao homeosttica (2003:

    52). Estes orientam os esforos conscientes e deliberados da auto-conservao

    e ajudam-nos a fazer escolhas que dizem respeito maneira como a auto-

    preservao se deve realizar (2003: 96). Os sentimentos abrem a porta a uma

    nova possibilidade: o controlo voluntrio daquilo que at ento era automtico. Os

    sentimentos permitiram ainda a capacidade de antecipao e previso de

    problemas e possibilidade de criar solues novas e no estereotipadas (2003:

    97).

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    Os sentimentos permitem que os acontecimentos importantes da nossa

    vida no passem desapercebidos. O passado, o agora e o futuro antecipado

    tornam-se salientes sob a aco dos sentimentos e tm, assim, uma maior

    probabilidade de influenciar o raciocnio e a tomada de deciso (2003: 204).

    A aprendizagem e o recordar dos objectos e situaes emocionalmentecompetentes tambm apoiado pela presena de sentimentos (2003: 204). A

    memria de uma situao sentidapromove, conscientemente ou no, o evitar ou

    o procurar de situaes que estejam associados com sentimentos negativos ou

    positivos.

    Damsio (2003: 21) refere ainda que os sentimentos no so uma mera

    decorao das emoes, acrescentado que a emooe as vrias reaces com

    ela relacionadas esto alinhadas com o corpo, enquanto que os sentimentos

    esto alinhados com a mente.Como j vimos anteriormente, as emoes so aces ou movimentos,

    muitos deles pblicos (2003: 43), isto , ocorrem nos rostos, voz, etc. Os

    sentimentos, por seu lado, so necessariamente invisveis para o pblico, tal

    como o caso com todas as outras imagens mentais []. As emoes e as

    vrias reaces que a constituem fazem parte dos mecanismos bsicos de

    regulao da vida. Os sentimentos tambm contribuem para a regulao da vida

    mas a um nvel mais alto (2003: 44).

    No seu primeiro livro refere que a essncia de um sentimento este

    processo de acompanhamento contnuo, esta experincia do que o corpo est a

    fazer enquanto pensamentos sobre contedos especficos continuam a

    desenrolar-se (1994: 159).

    Se uma emoo um conjunto das alteraes no estado do corpo

    associadas a certas imagens mentais que activaram um sistema cerebral

    especfico, a essncia do sentir de uma emoo a experincia dessas

    alteraes em justaposio com as imagens mentais que iniciaram o ciclo.

    A essncia dos sentimentos a percepo combinada de determinados

    estados corporais e de pensamentos a que estejam justapostos, complementados

    por uma alterao no estilo e na eficincia do processo de pensamento. Um

    sentimento em relao a um determinado objecto baseia-se na subjectividade da

    percepo do objecto, da percepo do estado corporal criado pelo objecto e da

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    percepo das modificaes de estilo e eficincia do pensamento que ocorrem

    durante todo este processo 1994: 162).

    Mais recentemente, Damsio (2003) sintetiza esta mesma ideia referindo

    que um sentimento uma percepo [um pensamento] de um certo estado do

    corpo, acompanhado pela percepo de pensamentos com certos temas e pelapercepo de um certo modo de pensamento (2003: 104). O sentimento de uma

    emoo a ideia do corpo a funcionar de uma certa maneira, o contedo do

    sentimento a representao de uma estado particular do corpo, mas os

    sentimentos podem resultar de qualquer conjunto de reaces homeostticas e

    no apenas das reaces a que chamamos emoes (2003: 103). Um sentimento

    uma ideia de um certo aspecto do corpo quando o organismo levado a reagir

    a um certo objecto ou situao (2003: 107).

    Os sentimentos no so meros agrupamentos de pensamentos. Tm de terreferncia ao estado do corpo. Quando se remove essa essncia corporal a

    noo de sentimentos desaparece. Quando se remove essa essncia corporal

    deixa de ser possvel dizer sinto-me feliz, e passamos a ser obrigados a dizer

    penso-me feliz (2003: 105).

    A origemdas percepes que constituem a essncia dos pensamentos o

    corpo, que continuamente mapeado em certas estruturas cerebrais. Os

    contedos so estados do corpo retratados nos mapas cerebrais do corpo. O

    substrato dos sentimentos constitudo pelos mapas cerebrais do corpo nos

    quais se encontram representados os mais diversos parmetros da estrutura e da

    operao do corpo. No registamos conscientemente a percepo de todos

    estes aspectos do funcionamento do corpo (2003: 106).

    Em concluso, o contedo essencial dos sentimentos um estado

    corporalmapeado num sistema de regies cerebrais, a partir do qual uma certa

    imagem mental do corpo pode emergir []. Um sentimento uma ideia, uma

    ideia do corpo, uma ideia de certos aspectos do corpo quando o organismo

    levado a reagir a um certo objecto ou situao (2003: 107).

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    2.1.5 Mecanismo Como Se

    Damsio acredita que alm das emoes e os sentimentos actuarem da

    mente/crebro para o corpo, e de volta mente/crebro, acredita tambm queem inmeros momentos o crebro aprende a forjar imagens simuladas de um

    estado emocional do corpo sem ter de a reconstruir no corpo propriamente dito

    (1994: 169). Estes mecanismos ajudam-nos a sentir como se estivssemos a

    passar por um estado emocional. Este mecanismo permite-nos transpor o corpo e

    evitar um processo lento. Podemos evocar com eles uma espcie de sentimento

    apenas dentro do crebro.

    Neste caso, os sentimentos no tm origem necessariamente no estadocorporal real do corpo mas sim no estado real dos mapas cerebrais que as

    regies somatossensitivas constroem em cada momento (2003: 134).

    Podem, assim, ser criados mapas falsos. Aquilo que sentimos em certos

    momentos baseia-se numa construo falsa e no no verdadeiro estado do corpo

    (2003: 138).

    Alis, a capacidade do crebro para simular estados do corpo (criar

    alucinaes) pode ser vantajosa para o organismo: p.e., posso fugir mais

    eficazmente se no sentir todas as dores que resultam da prpria forma como

    fujo. H boas razes para o mecanismo como-se-fosse-o-corpo,

    designadamente a rapidez: mais rpido criar no crebro uma modificao do

    mapa do estado corporal do que comandar a correspondente modificao efectiva

    do estado corporal (2003: 135, 137, 141).

    Uma das funes mais importantes dos sentimentos que falta referir tem a

    ver com os comportamentos sociais. Segundo Damsio (2003: 162), os

    sentimentos, bem como os apetitese as emoesque os causam, desempenham

    um papel decisivo no comportamento social.

    Tradicionalmente considera-se que a emoo e o sentimento

    desempenham um papel negativo na racionalidade. Damsio contraria esta viso,

    afirmando que tambm podem desempenhar um papel benfico no raciocnio. A

    capacidade de deciso, especialmente em situaes de grande incerteza,

    depende das emoes e sentimentos.

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    medida que acumulamos experincia profissional formamos diversas

    categorias de situao social. Tratam-se de filmes que incluem os factos que

    constituam os dados de um determinado problema, a opo de aco que

    tommos entre as que estavam disponveis, o resultado factual da opo que

    tommos e o respectivo resultadoem termos de emoes e sentimentos. Destemodo, quando confrontados com um cenrio de deciso que encaixa numa das

    categorias situacionais de que dispomos, associamos directamente as opes de

    aco e resultados futuros desejveis ou a evitar. Damsio toma todo o cuidado,

    contudo, em assinalar que a emoo no substitui o raciocnio, apenas lhe d

    indicaes que restringem o volume de informao a tratar e disponibilizam

    elementos de sabedoria da experincia passada (2003: 168, 172). O sinal

    emocional marca opes e consequncias com uma carga positiva ou negativa.

    Essa carga reduz a extenso do espao de deciso e aumenta a probabilidade deque a nossa deciso esteja de acordo com a experincia que tivemos do

    passado (2003: 171-172). Este sinal emocional tem, portanto, um papel auxiliar,

    aumentando a eficincia e rapidez do raciocnio.

    O sinal emocional pode actuar fora da conscincia, podendo, por exemplo,

    produzir ainda alteraes da memria de trabalho, da ateno e do raciocnio, de

    forma que os mecanismos de deciso sejam influenciados no sentido de

    seleccionar a escolha que, por exemplo, levar melhor das consequncias dada

    a experincia anterior do sistema.

    A eliminao da emoo e do sentimento acarreta um empobrecimento da

    organizao da experincia humana. Na ausncia de emoes e sentimentos

    normais, o individuo deixa de poder categorizar a sua experincia de acordo com

    a marca emocional que confere a cada experincia a qualidade do bem ou do

    mal (2003: 183).

    Um trao marcante do comportamento civilizado o uso que nele fazemos

    do futuro prescindimos da satisfao imediata em troca de melhor futuro (2003:

    169). Nessa base, construmos relaes sociais que no se poderiam explicar por

    comportamentos imediatistas (cooperao, altrusmo). A nossa enorme bagagem

    de sabedoria e a nossa capacidade de comparar o passado e o presente abrem a

    possibilidade de nos preocuparmos com o futuro, a possibilidade de o antecipar

    sob a forma de uma simulao imaginria, ou seja, de o prever, a possibilidade,

    em suma, de moldaro futuro de uma forma benfica (2003: 169).

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    Cada experincia das nossas vidas acompanhada por algum grau de

    emoo, por mais pequeno que seja, e este facto especialmente notvel em

    relao a problemas sociais e pessoais importantes (2003: 169). As emoes

    positivas ou negativas, bem como os sentimentos que lhes seguem, tornam-se

    componentes obrigatrias das nossas experincias sociais.Ao longo do tempo, no respondemos apenas aos componentes de uma

    situao social com o reportrio de emoes sociais inatasde que dispomos. Sob

    a influncia das emoes sociais e das emoes que so introduzidas pelas

    punies e recompensas, somo capazes de categorizar gradualmente as

    situaes de que temos experincia.

    Diferentes opes de aco e diferentes resultados acabam por ser

    associados a diferentes emoes e sentimentos. Essas associaes levam ao

    desencadear rpido e automtico da emoo quando a situao de novoencontrada (2003: 169).

    Damsio d especial valor s emoes e sentimentos ligados s

    consequncias futuras das decises visto que elas constituem uma antecipao

    da consequncia das aces (previso do futuro). Este papel antecipatrio das

    emoes e dos sentimentos pode ser parcial ou completo, consciente ou

    inconsciente (2003: 171).

    Se os humanos so tivessem a capacidade para reagirem uns aos outros

    de forma social, com essa perspectiva de futuro, com emoes sociais (simpatia,

    apegamento), no teriam existido as bases para um comportamento tico,

    negociao para encontrar solues para os problemas de grupo, convenes,

    punies e recompensas, sistemas scio-politicos, de justia, capacidade dos

    indivduos para seguirem as regras desses sistemas, sequer ideia de que eles

    fossem teis (2003: 180-182).

    2.1.6 Tomada de Deciso e a Hiptese do Marcador-Somtico

    Como vimos atrs, a experincia levou os nossos crebros a ligarem

    directamente o estmulo desencadeador resposta mais vantajosa. A

    estratgia para a seleco da resposta consiste agora em activar a forte ligao

    entre estmulos e reaces para que a resposta surja automticae rapidamente,

    sem esforo ou deliberao, embora possamos tentar suprimi-la de livre vontade

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    (1994: 179). Igualmente importante o facto de um grande nmero desta

    infinidade de opes e resultados ter de surgir na conscincia para que esta

    estratgia de gesto possa ser escolhida (1994: 180). A seleco da resposta

    final necessita de raciocnio, implicando ter em mente uma grande quantidade de

    factos e resultados correspondentes a aces hipotticas, uma espcie de planode jogo escolhido de entre os diversos planos que ensaiamos no passado em

    inmeras ocasies (1994: 180). Portanto, todas as nossas decises requerem a

    actividade da razo. A mente no est vazia no comeo do processo de

    raciocnio (1994: 183), encontrando-se repleta de imagens, originadas de acordo

    com a situao que enfrenta, que entram e saem da conscincia.

    Decidir bem escolher uma resposta que seja vantajosa para o

    organismo, de modo directo ou indirecto, em termos da sua sobrevivncia e a

    qualidade dessa (1994: 182). Muitas vezes o factor tempo obriga a que decidirbem seja de forma expedita.

    Sempre que nos confrontamos com um dilema existem, pelo menos, duas

    possibilidades distintas de resoluo: razo nobre da tomada de deciso (ponto

    de vista tradicional); hiptese do marcador-somtico (M-S).

    Segundo a primeira, decidimos melhor quando deixamos a lgica formal

    conduzir-nos melhor soluo para o problema [] para alcanar os melhores

    resultados, as emoestm de ficar de fora (1994: 183).

    Para Damsio se esta fosse a nica estratgia de que dispomos, na

    melhor das hipteses, a sua deciso levaria um tempo enorme, muito superior ao

    aceitvel se quiser fazer alguma coisa mais nesse dia (1994: 184), porque no

    ser fcil reter na memria todas as possibilidades de aco. A ateno e a

    memria de trabalhopossuem uma capacidade limitada. Se a mente dispuser do

    clculo puramente racional, vai acabar por escolher mal e depois lamentar o erro,

    ou simplesmente desistir de escolher, em desespero de causa (1994: 184).

    Segundo este autor, os M-S so um caso especial do uso de sentimentos

    criados a partir de emoes secundrias. Essas emoes e sentimentos que

    originam M-S, so associados por via da aprendizagem, da vivenciao de

    experincias, aos resultados futuros, s consequncias de determinadas aces

    ou situaes e condicionaro as tomadas de deciso futuras em cenrios

    semelhantes. Quando um M-S tem associado um resultado negativo a

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    combinao funciona como uma campainha de alarme (1994: 186). Quando este

    est associado a um resultado positivo funciona como um incentivo.

    Os M-S podem funcionar sem surgirem na conscincia e podem utilizar um

    circuito emocional a que Damsio chamou como se. Eles no tomam decises

    por ns. Ajudam o processo de deciso dando destaque a algumas opes [] eeliminando-as rapidamente da anlise subsequente. Podemos imagina-los como

    um sistema de qualificao automtico de previses (1994: 186).

    A maquinaria das emoes primrias com que nascemos cria estados

    somticos em resposta a determinados estmulos. No entanto, a maioria dos M-S

    que usamos para a tomada de deciso baseiam-se no processo das emoes

    secundrias, uma vez que, foram criados nos nossos crebros durante o

    processo de educao e sociabilizao, atravs da associao de categorias

    especficas de estmulos a categorias especficas de estados somticos. Osmarcadores-somticos so, pois, adquiridos atravs da experincia, sob o

    controlo de um sistema interno de preferncias e sob a influncia de um conjunto

    externo de circunstncias que incluem no s entidades e fenmenos com os

    quais tem de interagir mas tambm convenes sociais e regras ticas (1994:

    190-191).

    Os M-S tm dois mecanismos de manifestao: mecanismo bsico o

    corpo levado pelos crtices pr-frontais e pela amgdala a assumir um

    determinado perfil de estado; mecanismo alternativo o corpo transposto e os

    crtices pr-frontais e amgdala limitam-se a dizer ao crtex somatossensorial que

    se organize de acordo com o padro que assumiria caso o corpo tivesse atingido

    o estado desejado como se (1994: 195).

    Os mecanismos como se so uma consequncia do desenvolvimento

    individual. Isto , a experincia acumulada ao longo dos anos levou diminuio

    da necessidade de contar com os estados somticos para cada caso de tomada

    de deciso, sendo estes substitudos por smbolos dos estados somticos,

    desenvolvendo mais um nvel de autonomia econmica.

    Para que os estados corporais (reais ou simulados - como se) se tornem

    conscientes e constituem um sentimento, o padro neural correspondente tem de

    ser o centro da ateno. Sem esta no far parte da conscincia, apesar de poder

    agir de forma oculta intuio (Damsio, 1994). Para Damsio (2003: 306) a

    intuio o meio mais sofisticado de chegar ao conhecimento e s pode ocorrer

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    depois de acumularmos conhecimento e de termos utilizado a razo para a

    analisar.

    Damsio considera no haver necessidade de aplicar o raciocnio a todo o

    campo das opes possveis. H uma pr-seleco que levada a efeito, umas

    vezes de forma oculta, outras no (1994: 200). Segundo ele, a criatividadeassenta numa fuso da intuio e da razo (1994: 200).

    2.1.7 Mecanismos de Tomada de Deciso

    Segundo Damsio, o mecanismo mais antigo de Tomada de deciso

    pertence regulao biolgica bsica, seguindo a este o domnio pessoal e

    social. Mais recentemente o mecanismo de tomada de deciso depende de um

    conjunto de opes abstracto-simblicas em relao com as quais podemosencontrar o raciocnio artstico e cientfico, o raciocnio utilitrio-construtivo e os

    desenvolvimentos lingustico e matemtico (1994: 202). Este autor prope que

    possam se encontrar todos interligados.

    Quando somos confrontados com uma deciso, ao nosso panorama mental

    so apresentados os conhecimentos sobre a situao sobe a forma de imagens

    correspondentes s opes e possveis resultados que so trazidos para o centro

    da ateno.

    Para a apresentao mental do conhecimento so necessrios:

    mecanismos de Ateno Bsica que permite a manuteno de uma imagem

    mental na conscincia com a excluso relativa de outras; mecanismos de

    Memria de Trabalhoque mantm activas diversas imagens separadas, durante

    um perodo relativamente extenso (1994: 208).

    Na hiptese global do M-S, Damsio prope que um estado somtico,

    negativo ou positivo, causado pelo aparecimento de uma dada representao,

    actua no s como marcador do valor do que est representado mas tambm

    como intensificador contnuo da memria de trabalho e da ateno (1994: 208).

    Existem ento trs intervenientes auxiliares no processo de raciocnio

    sobre uma vasta paisagem de cenrios criados a partir do conhecimento factual:

    estados somticos automatizados; memoria de trabalho; e ateno. Estes

    interagem no sentido de criar Ordema partir da exibioparalela de imagens.

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    Onde existe uma necessidade de ordem, haver uma necessidade de

    deciso, dever existir um critriopara se tomar essa deciso (1994: 210). Como

    muitas decises tm impacto sobre o futuro do organismo, alguns dos critrios

    podem estar enraizados nos impulsos biolgicos. Os impulsos biolgicos podem

    ser expressos pela Ateno num campo de representaes mantido activo pelamemria de trabalho (1994: 210).

    O dispositivo automatizado de marcadores-somticos da maior parte de

    ns[] tem-se acomodado, por via da educao, aos padres de racionalidade

    dessa cultura (1994: 210), no sentido de garantir a sobrevivncia num

    determinada sociedade.

    Para Damsio, a activao de estados somticos pertinentes o factor

    crtico para sermos capazes de ter conscincia das consequncias futuras de

    uma tomada de deciso. O mecanismo do estado somtico actua comoimpulsionador para conservar e optimizar a memria de trabalhoe a atenono

    que se refere a cenrios futuros (1994: 227).

    Damsio considera que atravs da experincia os nossos crebros

    comeam, gradualmente, a prever os resultados das decises, ajudados por

    uma estimativa oculta, no consciente que precede qualquer processo cognitivo

    (1994: 229).

    Ajudados por esta seleco automtica somos levados a pensar nas

    consequncias das nossas decises, isto , somos orientados. Os sistemas

    reguladores bsicos do organismo preparariam o terreno para o processo

    consciente, cognitivo (1994: 230).

    Para o funcionamento do crebro de um bom decisor so necessrios,

    portanto, processos conscientes e no conscientes!!

    2.1.8 Outras Concepes nas Neurocincias e na Psicologia acerca da

    Adaptao Cerebral

    O ser humano est acentuadamente marcado para a aco e para se

    relacionar com o mundo exterior (Fernandes, Evaristo; 2002), da que a natureza

    humana dependa das experincias individuais, imitaes e dos mecanismos e

    processos scio-culturais de seus prprios meios (Gill e col., 1991; Smith e col.,

    1993; Damsio, 2000; Fernandes, 2002; Vilela, 2004).

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    Constantemente, o ser humano confrontado com alteraes das

    condies que o envolvem e s quais tem de reagir, pondo prova a sua

    capacidade de adaptao a novas situaes. A maior ou menor envolvncia em

    tais aces depende das valorizaes scio-culturais (Fernandes, 2002), mas

    tambm, como j vimos, da fora emocional que individuo investe nelas(Damsio, 2000).

    Para Fernandes (2002; 11), o indivduo, no seu todo, que interage com

    os meios e os ambientes e que, se para estes se projectam mensagens, tambm

    deles se recebem informaes. O crebro humano tem, portanto, necessidade de

    se alimentar a si mesmo, atravs do seu funcionamento, isto , pelo

    desenvolvimento das suas principais funes, aperfeioamento dos seus centros

    de habilidades e processamentos de informao (Fernandes, 2002).

    Assim, para este autor, o desenvolvimento do aparelho neurocerebral produto da aco, sendo necessrio manter uma permanente relao com o

    exterior. Portanto, o processo de Aprendizagem humana baseia-se na forma

    como cada um se relaciona com o mundo exterior e como capta e percepciona o

    que se passa ao seu redor.

    A relao com o meio ambiente, que se realiza atravs da aco de

    estmulos, , portanto, o ponto fundamental para que ocorram adaptaes

    cerebrais (Damsio, 2000; Fernandes, 2002; Vilela, 2004). A contnua

    aco/reaco sobre o meio que permite o desenvolvimento deste sistema e a

    ocorrncia de acomodaes entre o organismo e o meio Aprendizagem.

    A adaptabilidade cerebral e a ocorrncia de aprendizagem

    Segundo Fernandes (2002; 50), o crebro possui uma extraordinria

    plasticidade, uma enorme capacidade para se auto-renovar, para ser estimulado,

    desenvolvido e adaptado s necessidades e solicitaes dos meios e ambientes.

    Jensen (2002) refere que o facto do crebro humano possuir uma vasta

    rea do crtex sem funes especficas, conferindo ao homem uma forte

    flexibilidade para a aprendizagem. No entanto, este autor refere tambm que

    todos os dias perdemos clulas nervosas devido ao envelhecimento e falta de

    uso (Jensen, 2002; 26). Podemos, ento, afirmar que a nossa capacidade para

    aprender tarefas complexas se vai deteriorando, sugerindo a existncia de fases

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    sensveis para que ocorram essas aprendizagens. Da a importncia de fornecer,

    no tempo certo, os estmulos que permitem o potenciamento do desenvolvimento

    cerebral.

    Porm, outros factores concorrem para o sucesso deste desenvolvimento.

    No caso da actividade fsica, Caldas (2000) refere que a representao de umdado movimento, que ocorre no crtex motor, tanto maior, quanto mais vezes

    produzirmos o movimento, dando assim, grande relevo ao factor repetio

    sistemticados exerccios.

    De qualquer das formas, como refere Boudier (1998), toda a

    aprendizagem supe que o sujeito possa reconhecer ou produzir, no interior do

    material a aprender, uma certa estrutura. Assim, toda a aprendizagem implica no

    s a repetio mas tambm uma estruturao intencional das ocorrncias

    repetidas. E quanto mais activa a aprendizagem mais rpidos e duradouros soos seus efeitos. Desta forma, s uma repetio activa ou construtiva torna

    possvel a aquisio de um saber-fazer novo.

    Portanto, no nos podemos prender apenas s questes quantitativas do

    movimento (nmero de repeties), uma vez que, segundo vrios autores

    (Damsio, 2000; Fernandes, 2002; Jensen, 2002; Vilela, 2004) quanto mais ricas

    (variadas) forem as experincias vivnciadas pelo individuo (interaces com o

    meio), mais informaes sero recolhidas pelo SN, favorecendo os processos de

    adaptao cerebral. Assim, esta multiplicidade de experincias transforma-se em

    conhecimentos adquiridos, que permitem um melhor relacionamento com o

    mundo exterior.

    Os factores anteriormente expostos reforam a importncia que o meio e

    os seus estmulos tm no processo de desenvolvimento cerebral.

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    2.2 A Conscincia Humana e o seu Uso

    A conscincia um fenmeno privado e na primeira pessoa,

    que ocorre no interior de outro processo privado chamado Mente.

    Porm, a conscincia e a mente esto intimamente relacionados

    com comportamentos externos. Todos ns partilhamos estes fenmenos:mente, conscincia no interior da mente, e comportamentos (Damsio, 2000: 32).

    A importncia de tratar este tema relaciona-se com o facto da conscincia

    humana, segundo Damsio (2000), ser a chave para um relacionamento, com o

    mundo exterior, examinado e orientado. Assim, tendo por base a relao

    estabelecida por Damsio (2000) entre Mente, Comportamento e Crebro,

    parece-nos pertinente perceber como que a conscincia orienta os nossos

    comportamentos, no sentido de perceber a sua influncia nas aces e tomadas

    de deciso.

    Para Damsio (2003: 302) a conscincia significa a presena de uma

    mente com um Si, considerando-a um sinnimo de Sentido de Si. No entanto,

    segundo este autor, quando estudamos a conscincia no nos podemos confinar

    apenas ao estudo do Si, uma vez que a conscincia do Si enriquecida pelas

    recordaes da nossa prpria experincia individual, ajudada pela memria auto-

    biogrfica.

    Segundo Damsio (2000: 57), a conscincia tem de estar presente para

    que os sentimentos possam influenciar os sujeitos que os tm. Na ausncia de

    conscincia, a vida no pode ser gerida de forma adequada. Portanto, a mente

    consciente uma necessidade para a nossa sobrevida (2003: 233).

    A conscincia traz consigo vantagens para a mente, uma vez que lhe

    fornece uma orientao. O si (conscincia) introduz na mente a noo de que

    todas as actividades a representadas correspondem a um organismo simples

    cujas necessidades de auto-preservao so a causa principal daquilo que est a

    ser representado. O si orienta o processo mental do planeamento de forma asatisfazer essas necessidades (2003: 234).

    A sobrevivncia num meio ambiente complexo, isto , a gesto eficiente da

    regulao da vida, depende de um curso de aco correcto que pode ser

    melhorado atravs de previso e planeamento, duas funes que, por seu turno,

    dependem da manipulao de imagens da mente (Damsio, 2000).

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    Assim, a nossa aco sobre um ambiente complexo pode ser melhorada

    atravs da nossa capacidade de previso e planeamento, realizados atravs da

    manipulao de imagens da mente. A criatividade permite-nos, portanto, conceber

    planos para aces futuras.Podemos retirar daqui que existe uma forte ligao entre sobrevivncia e

    conscincia. A grande vantagem da utilizao da conscincia por parte do ser

    humano foi a possibilidade de ligar a regulao da vida capacidade de

    manipular imagens (Damsio, 2000). Isto , a possibilidade do sistema regulao

    vital se relacionar com o processamento de imagens referentes aos

    acontecimentos que existem dentro e fora do organismo.

    Portanto, este autor atribui s imagens cerebrais e sua eficiente

    utilizao, o papel fundamental para o sucesso da adaptao do indivduo. Assim,segundo este autor, as imagens permitem-nos escolher entre reportrios de

    aco anteriormente disponveis e optimizar a execuo da aco escolhida

    (2000; 44). Portanto, podemos orientar as nossas aces atravs das nossas

    imagens cerebrais. Sem imagens mentais o organismo no seria capaz de

    executar rapidamente a integrao de informao em larga escala que

    necessria para a sobrevida, j para no falar do bem-estar. Alm disso, sem o

    sentido de si, sem os sentimentosque o constituem, a integrao de informao

    mental em larga escala no poderia ser orientada para os problemas da vida,

    nomeadamente para os problemas da sobrevida e do bem-estar (2003: 234).

    Damsio (2000) considera que as nossas aces no nos levariam muito

    longe se no fossem orientadas por imagens. As imagens so construdas

    quando nos ocupamos de objectos do exterior do crebro para o seu interior

    (desde pessoas e lugares), ou quando reconstrumos objectos a partir da

    memoria, do interior para o exterior (2000: 363). A conscincia capaz de

    maximizar a manipulao efectiva de imagens ao servio dos interesses de um

    determinado organismo, da considerar que, boas aces precisem da companhia

    de boas imagens.

    Refere que a mente consciente indispensvel para o organismo, uma vez

    que o nvel mental permite a integrao de imagens provenientes da percepo

    actual com imagens provenientes da memria. Tais integraes permitem a

    abundante manifestao de imagens que indispensvel para a soluo de

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    problemas novos e para a criatividade em geral. Em suma, as imagens mentais

    facilitariam a manipulao de informao que os mapas neurais mais simples no

    permitiriam. por isso possvel que as operaes biolgicas de nvel mental

    tenham especificaes que vo para alm daquelas que j esto descritas para o

    nvel dos mapas neurais (2003: 233-234).Deliberada ou automaticamente, possvel rever mentalmente as imagens

    que representam as diferentes opes e os seus resultados, permitindo a

    seleco das aces mais adequadas e a rejeio das que no so.

    A conscincia capaz de maximizar a manipulao efectiva de imagens

    ao servio dos interesses de um determinado organismo (Damsio, 2000: 44).

    Esta capacidade do ser humano de transformar e combinar imagens de

    aces permite inventar novas aces para novas situaes criatividade.

    Em suma, a conscincia permite ao indivduo o conhecimento de que asimagens existem dentro de si, colocando as imagens na perspectiva do

    organismo, ligando essas imagens a uma representao integrada do organismo

    e permitindo a manipulao das imagens em proveito prprio. Portanto, a

    conscincia permite o surgimento da capacidade de Planeamento Individual.

    Esta permitiu ao organismo equipado de reflexos inatos, e com uma

    forma de aprendizagem baseada no condicionamento, transformar-se num

    organismo com uma mente examinada, em que as respostas so informadas por

    uma preocupao mental com a prpria vida do organismo.

    Como j vimos, a conscincia pressupe a percepo de algo (exterior

    ou interior), da que, a ateno seja um factor importante para a aquisio de

    conhecimentos. No entanto, a conscincia muito mais que prestar ateno

    imagem de um objecto. Assim, a ateno elementar precede a conscincia,

    enquanto a ateno dirigidase segue ao desenvolvimento da conscincia.

    Importa, portanto, compreender como que o crebro constri as imagens

    de um objecto no crebro, uma vez que sero estas que serviro de referncia ao

    longo do nosso relacionamento com o exterior. Antes disso, faremos a

    apresentao dos aspectos gerais da conscincia no sentido de perceber o que

    esta em termos mentais e como que pode ser construda no crebro,

    passando de seguida sua relao com os comportamentos, no sentido de

    perceber como os pode influenciar.

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    2.2.1 A Conscincia em Termos Mentais. A sua Construo e a do

    Conhecimento

    Para percebermos como a conscincia se implanta na mente no acto de

    conhecer, necessrio encarar a conscincia em funo do organismo (aqueledentro do qual acontece a conscincia), do objecto (qualquer um que se d a

    conhecer no processo de conscincia), e em funo das relaes de interaco

    dos dois, que constituem o contedo do conhecimento a que chamamos

    conscincia (Damsio, 2000: 39).

    Visto nesta perspectiva, a conscincia consiste na construo do

    conhecimento sobre dois factos: que o organismo est envolvido numa relao

    com um objecto e que o objecto presente nesta relao provoca uma modificao

    no organismo (Damsio, 2000: 40).Segundo este autor, a conscincia um sentimento que acompanha a

    produo de qualquer tipo de imagem: visual, auditiva, tctil ou no interior dos

    nossos organismos vivos. Portanto, o processo de construo do conhecimento

    requer que o crebro construa Padres Neurais e forme Imagens (Damsio,

    2000).

    A neurocincia tem feito um esforo enorme para compreender a Base

    Neural da representao do objecto. Estudos sobre a percepo, aprendizagem,

    memria e linguagem do-nos a ideia que o crebro processa um objecto em

    termos sensoriais e motores. Esse conhecimento do objecto pode ser

    memorizado, categorizado em termos lingusticos e conceptuais e recuperado

    atravs do recordar e do reconhecer (Damsio, 2000: 162). Desta forma, na sua

    verso explcita, os objectos existem no crebro sob a forma de Padres Neurais,

    nos crtices sensoriais apropriados.

    No entanto, no existe uma percepo pura dum objecto atravs de um

    certo canal sensorial como por exemplo a viso (Damsio, 2000: 177). Isto ,

    para formar a percepo visual ou outra, de um objecto, o organismo utiliza sinais

    sensoriais especializados e sinais provenientes dos ajustamentos do corpo,

    necessrio para que a percepo ocorra. Dai que Damsio afirme que as

    Imagens do objecto se formam na perspectiva do organismo. Segundo ele, este

    facto essencial para a preparao de movimentos que envolvem os objectos

    representados nessas imagens. Por exemplo, a perspectiva correcta em relao a

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    uma bola que se aproxima importante para o organismo preparar o movimento

    atravs do qual ser possvel relacionar-se com ela. a e nesse momento que

    surge o sentido automtico da capacidade de aco individual (Damsio, 2000:

    179). A interaco com o objecto e correspondente criao de uma imagem

    permite conceber a ideia de que podemos actuar sobre esse objecto.No entanto, estas modificaes so insuficientes para fazer emergir a

    conscincia. A conscincia surge quando conhecemos e s podemos conhecer

    quando tambm representamos a relao entre objecto e organismo. (2000:

    179).

    Relativamente captao do objecto exterior para o interior do organismo

    (que permitir a aquisio de conhecimento), esta capacidade est a cargo do

    sistema somatossensorial. Trata-se da combinao de subsistemas, cada um

    dos quais transmite para o crebro sinais acerca do estado de diversos aspectosdo corpo (2000: 180). Pensa-se que estes subsistemas utilizam maquinarias

    diferentes, em termos de fibras nervosas que transportam os sinais do corpo para

    o SNC.

    No entanto, os diversos aspectos da sinalizao somatossensorial

    trabalham em paralelo e em excelente cooperao a fim de produzirem em cada

    momento mapas incontveis das vrias dimenses do estado do corpo.

    Para dar uma ideia do que fazem estes subsistemas, Damsio (2000)

    separou a sinalizao em trs divises principais: Milieu Interno e visceral;

    Vestibular e Msculo-Esqueltico; Sensibilidade tctil refinada.

    Relativamente segunda diviso (de maior interesse para o nosso

    trabalho), esta assinala ao SNC o estado dos msculos que ligam as partes

    mveis do esqueleto. Todos os msculos que desempenham um movimento

    esqueltico podem ser controlados pela nossa vontade e chamam-se estriados. A

    funo desta diviso conhecida por propriocetiva ou cinestsica. Estes sinais

    proprioceptivos/cinestsicos formam numerosos mapas dos aspectos corporais

    que cartografam. Estes mapas esto colocados em mltiplos nveis do SNC,

    desde a medula espinal at ao crtex cerebral.

    Quanto forma como o crebro representa o objecto a conhecer, sabe-se

    j que os mapas da viso, audio e tacto se relacionam com os sinais

    provenientes dos rgos sensoriais perifricos. Esses sinais so transmitidos s

    respectivas regies sensoriais primrias do crtex cerebral.

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    Desta forma, os vrios aspectos dum objecto forma, movimentos, etc

    so tratados de uma forma segregada pelas regies corticais localizadas a

    jusante dos respectivos crtices primrios, visuais ou auditivos.

    Damsio suspeita que um processo neural integrativo ajuda a gerar, no

    interior da macro-regio ligada a cada uma das modalidades os chamadoscrtices sensoriais iniciais um compsito de actividades neurais que serve de

    suporte Imagem Mental integrada que experimentamos. No entanto, no

    sabemos todos os passos intermdios entre os Padres Neurais e os Padres

    Mentais (2000: 190).

    Sabe-se s que a mesma macro-regio apoia a formao de imagens tanto

    para a percepo (de fora do crebro para dentro), como para a recordao

    (reconstrumos a nossa mente).

    Quando temos um objecto real, este implementado nos crtices iniciaisvisuais atravs dos sinais vindos da retina, sinais esses que provocam no

    organismo ajustamentos motores que possibilitam a continuao da recolha de

    sinais acerca do objecto, bem como respostas emocionais. Isto , a

    implementao do Objecto a Conhecer modifica a prpria base neural do sujeito

    (alteraes no proto-si).

    Isto no permite, no entanto, conhecer o objecto, ou seja, no

    suficiente para ter conscincia. A conscincia apenas surge quando o objecto, o

    organismo e a relao destes dois podem ser re-representados.

    Passamos agora para a tentativa de perceber o mecanismo que o crebro

    utiliza para organizar um outro Padro Neural, ou seja, o da relao entre o

    objecto e o organismo. Este padro vai descrever no crebro a aco causal do

    objecto sobre o organismo e a consequente apropriao do objecto pelo

    organismo.

    Como comea a conscincia

    Comea quando os organismos constroem e manifestam internamente

    (atravs de imagens) o conhecimento de que o organismo foi modificado por um

    objecto (real ou recordado) e quando esta forma de conhecimento

    acompanhada da representao interna do objecto.

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    Damsio (2000) apresenta dois mecanismos fundamentais para a

    construo da conscincia: a gerao do relato imagtico e mapa verbal da

    relao objecto-organismo; e o realar das imagens do objecto.

    As imagens do conhecimento proporcionam o sentimento de conhecer e o

    realce do objecto. Quando so complementadas pela memria e raciocnioreforam o processo de conscincia nuclear (Damsio, 2000).

    A conscincia comea como o sentir do que acontece quando vemos,

    ouvimos ou tocamos. um sentimento que acompanha a produo de qualquer

    tipo de imagem: visual, auditiva, tctil ou visceral no interior dos nossos

    organismos vivos. O sentimento designa essas imagens como nossas e permite-

    nos dizer, no verdadeiro sentido dessas palavras, que vemos, ouvimos ou

    tocamos.

    A primeira utilidade do relato imagtico da relao organismo-objecto informar o organismo do que se est a passar, permitindo a possibilidade de

    Planear respostas.

    At certo ponto, a mensagem implicada no estado consciente a seguinte:

    deve ser prestada especial ateno ao objecto X. A conscincia resulta num

    estado de Viglia Reforada e numa Ateno Dirigida, sendo que ambas

    melhoram o processamento das imagens e permitem optimizar tanto reaces

    imediatas como o planeamento de reaces futuras. O empenho do organismo

    num dado objecto intensifica a sua capacidade de processar sensorialmente esse

    objecto e tambm aumenta a oportunidade de envolvimento com outros objectos

    o organismo est pronto para outros contactos e outras interaces. O resultado

    de todo este processo um estado de maior alerta, uma focagem mais ntida e

    uma maior qualidade de processamento de imagens.

    Podemos explicar a formao da consciencia da seguinte forma: medida

    que o crebro forma imagens de um objecto (p.e. recordao de um

    acontecimento) e medida que as imagens do objecto afectam o estado do

    organismo, um outro nvel da estrutura cerebral cria um relato imagtico e no

    verbal dos acontecimentos que esto a ter lugar nas diversas regies cerebrais,

    activadas em consequncia da interaco objecto-organismo. A cartografia das

    consequncias relacionadas com o objecto surge em mapas neurais de 1. ordem

    que representam o proto-si e o objecto; o relato da relao causal entre o objecto

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    e o organismo s pode ser captado em mapas neurais de 2. ordem (Damsio,

    2000).

    A conscincia dos objectos percebidos Agora e a conscincia das Imagens

    recordadas do passado

    Quando os objectos permanecem na mente atravs da memria, as suas

    imagens tambm provocam conscincia nuclear. Isto porque guardamos na

    memria no apenas os aspectos da estrutura fsica dum objecto, mas tambm

    alguns aspectos do envolvimento motor do nosso organismo no processo de

    apreenso desses aspectos (emoes).

    Pensar num objecto suficiente para modificar o proto-si duma maneira

    semelhante dum objecto externo. Se tanto as prprias aces como os planospara as aces podem levar a mapas de 2. ordem, ento a c