MONOGRAFIA JAPUARA/1971: memórias do conflito

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Monografia de conclusão de graduação em História na Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA (Sobral-Ceara).Trata das memórias a cerca do conflito entre agricultores e policiais militares na cidade de Canindé no ano de 1971. Considerada a 1ª Desapropriação de Terra por apelo social do Estado do Ceará.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARA-UVA CENTRO DE CINCIAS HUMANAS CURSO DE HISTRIA

JAPUARA/1971 : MEMRIAS DO CONFLITO

Sobral-CE Dezembro, 2006.

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Francisco Mauriglbio Estevo Gomes

JAPUARA/1971 : MEMRIAS DO CONFLITO

Monografia de graduao apresentada ao Curso de Histria da Universidade Estadual Vale do Acara, como requisito parcial para obteno do grau de Licenciatura em Histria, sob a orientao da Prof. Dr. Chrislene Carvalho dos Santos.

Sobral-CE Dezembro, 2006.

3 Francisco Mauriglbio Estevo Gomes

JAPUARA/1971 : MEMRIAS DO CONFLITO

Sobral, 21 de Dezembro de 2006.

Banca Examinadora

__________________________________________________ Prof. Dr. Chrislene Carvalho dos Santos ORIENTADORA

__________________________________________________ Prof. Ms. Gabriel Assis de Arajo CONVIDADO

__________________________________________________ Prof. Esp. Ktia Virginia de O. Regis de Aguiar Arajo CONVIDADA

Aluno Francisco Mauriglbio Estevo Gomes ______________________________________

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Esse trabalho dedicado aos meus pais, que mesmo sem entenderem o que me motivava, me apoiaram e apiam; a meus irmos Malbrio e Mauremberg, que foram quem mais divulgaram minha pesquisa, fortificando mais o amor fraternal e a amizade que nos une, ao meu sobrinho Mirael ngelo, por ele existir, pois a quem quero ser uma referencia quando ele estiver mais velho; e principalmente a Edilia, minha esposa, que foi quem teve que arcar com minha ausncia com a certeza de que meus pensamentos estavam sempre com ela.

5 AGRADECIMENTOS Quero agradecer a Deus, por ter iluminado meu caminho tendo colocado nele pais compreensveis, irmos com quem briguei muito e aprendi a ama-los do jeito que so e uma esposa maravilhosa que se emprenha na minha felicidade a todos os momentos.

Aos meus pais, Farias e Deuma, por terem me dado a vida e a liberdade para poder aprender com meus prprios erros, pela pacincia, apoio e amor que me dedicaram nesses anos, mesmo no tendo cursado Cincias Contbeis e nem me tornando Doutor Advogado como tanto quiseram. Aos meus irmos Mlbio, Malbrio e Maurembeg pense nuns nomes invocados que foi com quem passei grande parte da minha vida. A partir de nossas vivencias, das presenas e ausncias deles que pude amadurecer. E das amizades deles que a pesquisa tomou corpo.

Edileia por fazer parte da minha vida, sem a qual no teria o apoio emocional necessrio para a empreitada, e a quem dedico todas as vitrias que consegui e que venha a conquistar. Foi ela quem me enganou e me fez prestar vestibular em Sobral, e s no est no topo da lista por no a ter conhecido antes.

Tarciliane, ao Balduno e ao Antenor (Cabeo) meus colegas de curso e amigos na vida. Foram eles que tornaram esses quatros anos na Academia mais suportvel e divertido.

Ao Sr. Csar Augusto, ao Frei Jozinho, Sr. Romeu Rocha e a Tia Joane que agentaram a minha insistncia e me proporcionaram o engrandecimento da pesquisa. A todos os amigos que me ajudaram a encontrar as mais variadas fontes, mesmo quando acreditava que elas no existiam ou estavam inacessveis. A todos os entrevistados que de bom grato repartiram suas vidas comigo, e sem os quais seria impossvel essa pesquisa. Professora Dr Chrislene, que foi quem me acolheu aps ficar rfo de orientador.

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O conhecimento um bem que ganha valor na proporo em que divido. (O Autor)

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RESUMO

Canind, um municpio de forte religiosidade catlica, teria no dia 02 de janeiro do ano de 1971, um fato que tiraria a normalidade do cotidiano dos moradores da fazenda Japuara, e que entraria nos Anais da cidade como a Guerra da Japuara. Mesmo sem ter um nmero alarmante de mortes, a guerra se fixaria na memria da comunidade formando vrias verses e vises dos acontecimentos daquele incio de ano. A sociedade canindeense elegeria seus protagonistas e antagonistas de diferentes modos baseados em suas redes de relaes sociais. Poriam-se em apoio aos policiais e ao Subdelegado, ao fazendeiro-comerciante dono de direito da fazenda ou aos agricultores que pediam uma indenizao para retirarem-se das terras de acordo com o grau de empatia com qualquer das personagens apresentadas. A imprensa escrita faria seu papel de propagadora das notcias, e de acordo com a poca dos governos militares ps-64, defenderiam os interesses do Estado, que primeiro colocou os agricultores como assassinos para depois apresentar um governo simptico as causas sociais do movimento da Japuara, culminando na desapropriao da fazenda. O conflito da Japuara e as memrias que dela surgiram so palcos das dinmicas relaes sociais que se mostraram no decorrer e aps o conflito. O caso se/nos apresenta, motivos para exaltao por uns e para o esquecimento por outros. um objeto a ser desconstrudo para ser mais bem entendido e analisado.

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FICHA CATALOGRFICABibliotecrio: Aaro Carlos Luz Macambira Dimenses : 12,5 X 7,5 cm

Gomes, Francisco Mauriglbio Estevo. Japuara / 1971: memrias do conflito / Francisco Mauriglbio Estevo Gomes. Sobral: Edio do autor, 2006.110 p. : il. Monografia Universidade Estadual Vale do Acara. Centro de Cincias Humanas. Faculdade de Histria. 1. Conflito rural Canind - Cear. 2. Histria oral e memria. I. Ttulo. CDD 303.6098131

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SUMRIORESUMO................................................................................................................. 10 APRESENTAO.................................................................................................. 11

I CAPTULOHISTRIA DE PAPEL: Oficializao da memria atravs dos documentos escritos e narrativas oficiais .................................................................................. 17 1.1. SENTA QUE L VEM A...HISTRIA? Construo da memria pelos memorialistas de Canind ............................................................... 25 1.2 MEMRIAS DO ESTADO: investigaes, verses e interpretaes da Polcia Militar ....................................................................................... 31 1.3 EXTRA! EXTRA! MANCHETES, NOTCIAS E NARRATIVES. Contribuio dos jornais na perpetuao da memria violenta da Japuara ....................................................................................................... 39

II CAPTULOMEMRIAS E NARRATIVAS: A Japuara tambm conta a prpria Histria .................................................................................................................... 47 2.1 No leva a mal, que a cabea demora a lembrar... .............................. 50 2.2 A foi quando comeou o rebulio... ......................................................... 56 2.3 Foram poucos minutos mas no foram de brincadeira... ...................... 59 2.4 O seu Pio, no foi porque ele morreu no, se ele tivesse vivo, eu contava a mesma histria ......................................................................... 66 2.5 O pobre tem que imita um Cristo... ......................................................... 72 2.6 No fim acabou-se que... ............................................................................. 79 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 86 ANEXOS ................................................................................................................ 92

FONTES .................................................................................................................. 102 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 107

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APRESENTAO

O municpio de Canind hoje conhecido como o de maior romaria franciscana depois de Assis na Itlia cidade onde nasceu So Francisco tem desde 1925 o ttulo de Santurio1, se beneficiando com a reputao de Cidade Santa. Afora a religiosidade e o fluxo de romeiros, Canind um municpio de pequeno porte bastante comum. Localizado da poo centro norte do serto cearense, a qual dispe de clima semi-rido, vive ou sobrevive com as intempries climticas comuns ao serto. A dificuldades advindas pela escassez de chuvas so maximizadas pela falta de polticas efetivas, pois nunca a seca ir acabar, devem-se criar mtodos para que possamos conviver com a seca, pois um fenmeno climtico est alm do controle humano. Mas isso assunto para outra discusso. O perodo a que me propus a pesquisar est enquadrado dentro dos governos militares ps-64, o que costumamos chamar de Ditadura2, e a dcada de 1970 seria seu pice de poder repressivo, que havia sido ampliado pelo o Ato Institucional n 5 AI-5 (18 de dezembro de 1968) o mais conhecido dos 17 Atos Institucionais promulgados no decorrer da Ditadura. Tambm na dcada de 1970 ocorreu o milagre brasileiro o enorme salto econmico nacional3, regado por obras gigantescas algumas que nunca foram acabadas como a transamaznica sob a presidncia do General Emlio Garrastazu Mdice, que assumira o poder aps uma reforma da Constituio de 1967, que impedia Pedro Aleixo, vice-presidente do general Artur da Costa e Silva que sofrera uma trombose, de assumir a faixa presidencial. Durante esse perodo a poltica era palco de dois partidos, a ARENA Aliana Renovadora Nacional a favor do governo e o MDB Movimento Democrtico Brasileiro nico partido de oposio aceito pelo governo. Dentro do domnio do Estado, as eleies davam ampla margem de vitria aos Arenistas e em Canind no1 2

Dada pelo Papa XI, o qual tambm elevou a Igreja Matriz ao Nvel de Baslica Menor; Os Militares e seus adeptos da poca a chamaram de Revoluo; 3 Que quase triplicou a dvida externa do pas;

11 era diferente deixando a democracia no mbito dos debates e ideologias. Em Canind, os Vereadores e o Prefeito, os representantes do povo, que comungavam com o governo, ao se completarem 10 anos da Revoluo, reafirmaram em sesso extraordinria, seus votos com o Estado4. O Estado do Cear estava sob o governo de Csar Carls de Oliveira Filho, teve seu governo caracterizado ...por profundo autoritarismo, reproduzindo-se o que se passava no resto do pas: priso, torturas e mortes de militantes esquerdistas. Cria-se em 1971 o Servio Estadual de Informao (SEI)...5, no tendo passado poltico prprio seu pai havia sido prefeito de Fortaleza, mas sem muita expressividade - sua elevao ao governo do Estado,deveu-se a imposies do IV Exercito de Recife-PE, do presidente Mdice e amizades que tinha com Joo Batista Figueredo, na poca chefe do Servio Nacional de Informaes (SNI)6. Durante o ano de 1971, o estado teve vrios conflitos rurais em busca da Reforma Agrria prometida na Lei 4504, promulgada pelo primeiro presidente da Ditadura, o cearense General Humberto Alencar Castelo Branco, em 1964, a qual deu o nome de Estatuto da Terra. O Governo apenas queria modernizar e capitalizar o campo sem incomodar os grandes latifundirios7. Tanto foi que o Estatuto da Terra que autorizava o governo de realizar a reforma agrria s era ... implementada pontualmente para responder ao conflito social j instalado8. Diferente dos demais movimentos sociais que buscavam a reforma agrria. ocorreu em Canind, no dia 02 de janeiro de 1971, um conflito que envolveu fazendeiro, camponeses e as foras policiais estadual. Iniciado como uma questo judicial em busca de uma indenizao conforme prescrevia o Estatuto da Terra mostrando que os camponeses reconheceram a legalidade da propriedade da terra vendida ao fazendeiro-latifundirio, e como esse no necessitaria de seus servios os queria fora de sua nova terra. Apoiados pela Federao dos Trabalhadores na

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Ata da Sesso da Cmara de Vereadores de Canind-CE (1973-77), fls 49v; Sesso Extraordinria de 31/03/1974; 5 FARIAS, Arton de. Histria da sociedade cearense. Fortaleza: Edies Livro Tcnico, 2004, p. 437 6 FARIAS, Arton de. Idem 7 A capitalizao e modernizao do campo, era um implemento a fim de maior produo agrcola, sem no entanto se importar como se daria os meios de produo ou a explorao dos agricultores. 8 MELO, Joo Alfredo TellesDep. Federal 2002/2006 PSOL-CE (org.) Reforma Agrria Quando? CPI mostra as causas da luta pela terra no Brasil Relatrio vencido da CPMI da Terra. Braslia: Imprensa do Senado Federal, 2006, p. 27;

12 Agricultura no Estado do Cear (FETRAECE), que lhe enviou o advogado Dr. Lindolfo Cordeiro para lhes dar assistncia jurdica em causa da indenizao. Pela morosidade da justia, o Fazendeiro, que impetrava o despejo dos moradores indesejveis, resolve fazer por conta prpria, contratando pessoas para tal. Os agricultores entram em vias de fato com estes, resultando na morte de um contratado. A polcia acionada, outro confronto se desenrola, agora com o saldo maior de mortes, um agricultor, o Subdelegado e um Soldado e muitos feridos. Um reforo da capital acionado, e os agricultores restantes fogem mata adentro. Vrios presos so apresentados imprensa at que os verdadeiros envolvidos se apresentam em Fortaleza sob as luzes da Televiso TV Cear Canal 3 sendo presos durante um ms, e julgados inocentes trezes anos aps o conflito. O que torna o Conflito da Japuara singular que um grupo que procurava apenas uma indenizao, e pelos caprichos do fazendeiro entraram em contenda com a fora policial, e mais, ao fugirem do reforo da capital, deixaram seus familiares a sofrerem as diligencias do militares que os caavam. Atravs da imprensa o pblico cearense primeiro viu o quo brbaro foram os camponeses que ceifaram a vida de policiais trabalhadores, para depois verem que estes apenas agiram em legtima defesa para defenderem seus lares dos algozes contratados pelo fazendeiro, e to justa foi sua causa que o Governo Federal os beneficiou com a primeira Reforma Agrria do Estado do Cear. Essa confuso nas informaes que circularam na imprensa cearense9 lanou no decorrer dos tempos mais desinformaes entre pesquisadores que trataram do conflito da Japuara, como por exemplo, Airton de FariasJ em 1972 houve um confronto por terra na Fazenda Japuar [sic], em Canind. Latifndio com mais de 2 mil hectares, foi ocupado por trabalhadores rurais sem terra. O dono da fazenda enviou primeiro um bando de cabras e, depois, a polcia para desalojar os sertanejos. Estes resistem e no conflito morreram um tenente (degolado a foices) e 3 soldados da polcia, alm de 2 trabalhadores. O Governo Federal, por fim, acabou desapropriando a terra e a entregando aos camponeses. [grifos meus].10

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As notcias publicadas tm dois momentos distintos: o primeiro, de opinies negativas aos agricultores, quando estes estavam escondidos nas matas, o outro, de opinies favorveis, aps eles se entregarem e poderem dar seu depoimento ao vivo no jornal televisivo da TV Cear; 10 FARIAS, Arton de. Ob. Cit, p. 444;

13 O historiador se equivoca tanto na data como na natureza da ao dos agricultores que so chamados de sem terra que ocuparam termo politicamente correto para invadir a fazenda, como no saldo de mortos. Equvocos como estes so facilmente encontrados em obras que se referem ao Conflito da Japuara. Como obras mais tradicionais como Brasil: Nunca Mais, do Grupo Tortura Nunca Mais considerado um dos maiores estudos sobre o Regime Militar no pas, que coloca a Japuara como um municpio do Cear. Pouco, mas j confunde o leitor e deslocaliza o conflito, desenlaando-o com o nome de Canind. Outra obra do Grupo Tortura Nunca Mais, agora organizado pelas sees do Rio de Janeiro e de Pernambuco, juntamente com a Comisso de Familiares de Mortos e Desaparecidos Polticos e do Instituto de Estudo da Violncia Do Estado de Pernambuco IEVE, o Dossi dos mortos e desaparecidos polticos a partir de 1964, nos diz que em 1971Raimundo Nonato Paz ou Nicolau 21. Campons do Cear, foi morto em fevereiro de 1971, na regio de Canind, quando policiais, comandados por Cid Martus, do DOPS/CE, o cercaram em sua casa...[grigos meus]11

Esse por sua vez nos mostra que Raimundo Nonato Ramos Paz, conhecido como Nonato 21 e no Nicolau 21 foi cercado pelo Subdelegado em sua casa, na regio de Canind. Apesar de parecer pouca coisa essas informaes so suficientes para desvirtuar uma pesquisa maior. No vou nem citar referencias que reprteres contemporneos fazem Japuara, tambm errando data e nomes. E mais divulgando um erro ou uma inverdade que foi construdo na poca e foi apropriado at pelos prprios agricultores da Japuara de hoje. A de que o conflito da Japuara se originou de um movimento social que buscava a reforma agrria. Apesar de no ser atraente aos olhos dos prprios moradores da Japuara, meu trabalho busca corrigir alguns desses erros, e principalmente, mostrar que classificar o Conflito da Japuara como movimento social reduzir o evento parmetros que no abrangem a multiplicidade de relaes sociais e de influencia que se desenvolveram no conflito e a partir deste.

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Dossi dos Mortos e Desaparecidos Polticos a Partir de 1964. Recife: CEPE Companhia Editora de Pernambuco/Governo do Estado de Pernambuco, 1995;

14 A alcunha de movimento social apesar de ser agradvel e corriqueiro atualmente traz no seu interior uma inverdade que todos ignoram, a de que a Japuara em nenhum dos momentos foi um movimento organizado que buscava a reforma agrria, apesar de haver conseguido. E mais do que isso relega segundo plano a investida do fazendeiro sobre os agricultores. Procurando em diferentes fontes me propus a preencher as lacunas que foram crescendo ao decorrer dos anos, sobre o acontecimento na Japuara. O fato histrico ocorrido naquela fazenda no se mostrou aos moradores urbanos como qualquer engrandecimento para o municpio, pior causou a morte do Subdelegado, membro de uma famlia ilustre da cidade, e como retaliao o esquecimento transformou-se a arma para colocar a Japuara marginalidade da Histria de Canind. Como anverso dos muncipes urbanos, os moradores da zona rural e alguns das periferias de Canind tem o Conflito, como um marco na luta entre as classes dominantes e dominadas, sendo um exemplo de como os dominados conseguiram vencer. Mas a eles s restou a Memria e a tradio oral para celebrar tal vitria12. Para atingir a empresa a que me propus, e melhor explanar o assunto, dividi este trabalho em dois captulos. No Primeiro Captulo fao discusso sobre como os rgos oficiais peridicos noticiosos, Estado, Polcia, etc criaram e reforaram uma imagem que lhe garantiriam o controle sobre os fatos ocorridos na Japuara. Para tanto me debrucei sobre fontes como jornais da poca Gazeta de Notcias, O Povo, O Estado, etc , que expressaram as mais diversas opinies, s vezes conflituosas e contraditrias em um mesmo dia, bem como das imagens (fotos) que apresentavam em suas manchetes. O Inqurito Policial Militar (IPM) que concludo, isentou os Policiais Militares de qualquer culpa pelo conflito, acusando os agricultores e o fazendeiro, sendo que apenas os primeiros foram a julgamento. Tambm utilizo as a obras que buscaram estudar o passado de Canind, analisando o pouco espao reservado ao evento.

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Ao afirmar que a tradio oral e a Memria so utilizadas para celebrar o Conflito, estou querendo dar a entender que dentro do permetro de Canind os agricultores no tiveram espao em publicaes, ou nas documentaes oficiais a cerca dos fatos ocorridos na Japuara, que tivessem grande circulao na cidade como o foram os jornais, por exemplo. Fora de Canind houve um reconhecimento do conflito mesmo que aos auspcios errneo de movimento social nas ltimas Romarias da Terra, organizada pela Comisso Pastoral da Terra (CPT-CE), o qual colocou a Japuara em patamares semelhantes Canudos e ao Caldeiro, como ser melhor visto adiante;

15 No Segundo Captulo dou espao aos agricultores para que estes apresentem sua tica sobre o conflito, para tanto busco na pesquisa em fontes orais13 o instrumento para tanto. No o fiz, pela escassez de fontes escritas como muitos julgam ser esta a importncia desse mtodo de pesquisa, a de ser uma fonte secundria. Ao utilizar fontes orais, enveredarei no campo da Memria, e para tanto terei de lanar mo de entrevistas e de coletar os relatos daqueles que se dispuserem a dividir suas vivencias comigo. As entrevistas sempre revelam eventos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de eventos; elas sempre lanam nova luz sobre reas inexploradas...14 , e a esses eventos desconhecidos a quais me lancei munido de gravador e da humildade em saber que os entrevistados no tm a obrigao de contar as coisas que eu quero do jeito que eu espero, pois ao me lanar a busca dos relatos dos agricultores da Japuara, criei a conscincia que, primeiramente, nunca vou poder ter a memria do conflito tal qual foi em 1971, j que a lembrana daquele momento ao ser consultada, vir a tona como uma nova interpretao vista a partir das vivencias pessoais que teve desde ento. Como disse Marilena Chau na apresentao de Memrias e Sociedade: Lembrana dos Velhos ... lembrar no p reviver, mas refazer15. Busco no meu trabalho apresentar fatos que venham a esclarecer os porqus do esquecimento, das lacunas, das desinformaes, etc, para que se possa a partir dele esboar-se o que era a sociedade canindeense da dcada de 1970, e como o conflito influiu nos rompimentos de paradigmas hierrquicos sociais e na formao dos imaginrios sobre o Conflito. Imaginrios estes, criados a partir dos sentimentos individuais e coletivos das diferentes pessoas ou grupos que vivenciaram a poca, ou dela herdaram tais sentimentos.

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No digo Histria Oral, pois assim estaria aceitando existir dois mtodos distintos de cincia histrica. Apesar da pesquisa com fontes orais ter seus mtodos prprios, a escolha das fontes segue critrios semelhantes aos da escolha de fontes escritas, pois ambas no fogem de uma preleo para afirmar sua importncia pesquisa; 14 PORTELLI, Alessandro. O que faz a histria oral diferente. Traduo de Maria Therezinha Janine Ribeiro. In.: Revista Projeto de Histria. N 14. So Paulo: Programa de Estudos Ps-Graduados em Histria e Departamento de Histria, fevereiro de 1997, p. 37 15 BOSI, Eclia. Memria e Sociedade: lembranas dos velhos 6 Edio. So Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 20

16 No pretendo, no entanto, forjar uma verdade sobre o Conflito da Japuara. O que apresento aqui so interpretaes criteriosas das fontes coletadas, uma anlise mtodo-histrico-cientfica. A verdade, eu deixo aos cronistas, contistas, etc.

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I CAPTULO HISTRIA DE PAPEL: OFICIALIZAO DA MEMRIA ATRAVEZ DOS DOCUMENTOS ESCRITOS E NARRATIVAS OFICIAIS

A cidade de Canind da dcada de 1970, era um municpio sem maiores destaques dentro do Estado do Cear. Entretanto, excluindo os meses de setembro, outubro e dezembro, perodo das romarias, das festas religiosas a So Francisco Padroeiro do municpio e natal, dificilmente estamparia as capas dos principais jornais do Estado. O episdio ocorrido em janeiro de 1971, que culminou com quatro mortes e muitos feridos, que ganhou o pblico nacional16, tornou-se um acontecimento mpar dentro dos anais de Canind, j que o conflito acontecido na fazenda da Japuara revelou chagas que no eram as de So Francisco nas relaes sociais e nas tenses agrrias dentro e fora do municpio17. Para melhor apreendermos os acontecimentos que levaram ao conflito, precisamos compreender o quadro temporal que propomos analisar. O ano de 1970 foi um ano de grande seca, que na interpretao de Toms Pompeu Sobrinho o conjunto de efeitos de escassez ou falta de chuvas para atividades agrcolas e o abastecimento de gua para usos domsticos (...) o reflexo da hipopluviosidade (...) pela deficincia dos gneros alimentcios e de trabalho remunerado, vai atingir outras esferas do processo de adaptao social, com carter sempre negativo18

Esses atos de carter negativo tornaram possvel o estabelecimento de itens e indivduos que contriburam com o conflito, j que a escassez de trabalhos na agricultura ofereceu bastante mo de obra barata empregadas nas frentes de servios,16

As noticiais ganharam as pginas dos jornais O Globo, O Dia, e da Revista Veja (publicadas no Rio de Janeiro). De acordo com Augusto Csar Magalhes Pinto na sua Obra Viagem pela histria de Canind: Ensaio Cronolgico e Iconogrfico, dos primrdios aos dias atuais a notcia fora divulgada no exterior (PINTO, Augusto C. M: 2003; 116); 17 Como pde-se ser percebido na srie de trs artigos de opinio do Sr. F. Pires Sabia, Questo de Terra: um problema social I, II e III, publicados no Jornal Gazeta de Notcias, nos dias 17, 24 e 31, o autor mostra a morosidade das autoridades sobre temas envolvendo poses de terra em todo o estado; 18 SOBRINHO, Toms Pompeu. Revista do Instituto do Cear. Fortaleza: 1940, p. 147 Apud.: MONTENEGRO, Abelardo F. Interpretao do Cear.Fortaleza: Casa Jos de Alencar/Programa Editorial, 2001, Col. Alagadio Novo n 276, p.73;

18 como pode ver no relatrio da Sudene que informa que Na seca de 1970 ... Atenderam uma populao ativa de 500 mil, alcanando outros dois milhes de indivduos. O fenmeno climtico afetou (...) um total de 650 municpios... 19. Tamanha dimenso da seca foi um dos elementos que proporcionou o andamento do conflito como poderemos ver mais adiante. A fazenda Japuara era propriedade de Anastcio Braga Barroso, que em sociedade com Firmino da Silva Amorim, administrava a fazenda que ...era a melhor fazenda do municpio de Canind para tudo, agricultura e pecuria... 20 Por motivo de dvidas, Anastcio Braga Barroso arrendam a fazenda seu scio, com a promessa de prioridade na ocasio futura de venda da propriedade. Com a morte do Sr. Anastcio Braga Barroso, ficou como herdeira a Sr. Hebe Braga Barroso que assumiu os bens do seu genitor e props a venda da fazenda isso por volta do ano 1965 a 1966 tendo como primeiro comprador o ento arrendatrio da fazenda, o Sr. Firmino da Silva Amorim, que fez o pagamento de uma primeira parcela. O fazendeiro pecuarista Jlio Csar Campos, considerado um respeitvel comerciante de Canind21, ofereceu uma melhor oferta pela compra da fazenda sendo aceito e fechado negcio com a Sr. Hebe Braga Barroso, desonrando o contrato (verbal) j feito com o Sr. Firmindo da Silva Amorim. A venda foi contestada pelo primeiro comprador, Firmino Amorim, como por seus moradores, que j haviam feito vrios beneficiamentos na fazenda desde o tempo19

Vrios. As secas do Nordeste. Recife: SUDENE, 1979, p. 42. Apud.: SOUZA, Itamar e FILHO, Joo Medeiros (Orgs.). Os degredados filhos da seca. 3Ed. Petrpoles: Editora Vozes, 1984. p. 36 20 FEITOSA, Nri (Padre). Japuara e a tragdia de 1971. Monografia n 2. Canind-Cear: Instituto Memria de Canind/Grfica Canind. p 01; 21 ...o Sr. Jlio Csar Campos, muito tem se esforado pelo progresso de Canind, tanto no centido [sic] que se refere ao cressimento [sic] da Cidade (...) tambm muito tem feito por uma grande parte da comunidade Canindense [sic] no setor economico e financeiro. . Discurso proferido pelo Vereador arenista Francisco Fernando Honorato (ARENA) em defesa do comerciante, que de acordo com o vereador do MDB Antnio Amorim Filho afirmar ...que o Sr. Jlio Csar Campos planeja construir prdios para explorar os seus prprios interesses, na Praa[terreno da prefeitura] ao lado dos Correios e Telgrafos (digo do prdio).... Livro de Atas das Sesses da Cmara municipal de Canind dos dias 19 de outubro de 1973(15 sesso - folhas 23 verso e 24) e dia 12 de outubro de 1973 (14 sesso - folhas 22 verso e 23) respectvamente. Livro de Ata 1973 1977. Alm da amizade com polticos situacionistas, a propriedade da mais antiga loja de armarinho de Canind, a Casa Campos, localizada no cruzamento central da cidade, favoreceu ao comerciante a criao de uma grande rede de relaes com a elite Canindeense por rede de relaes, utilizamos o conceito do antroplogo Gilberto Velho que traduz as relaes e inter-relaes criadas a partir de amigos e conhecidos que podero futuramente nos prestar algum favor em decorrncia dessa rede ou teia. Consideramos ento que a boa localizao do estabelecimento do Sr. Jlio Campos favoreceu o crescimento desta rede de relaes proporcionando o grande prestgio do seu nome na comunidade canindeense. VELHO, Gilberto. O desafio da proximidade. In.: VELHO, Gilberto e KUSCHNIR, Karina (Orgs.). Pesquisas Urbanas. Desafios do trabalho antropolgico. Rio de Janeiro; Jorge Zahar Editor, 2003, pp. 11-19;

19 do Sr. Braga Barroso. A contestao impulsionou Jlio Csar Campos a pedir judicialmente a retirada de Firmindo Amorim e de todos os moradores de suas terras. Iniciou-se ento uma luta judicial, e no decorrer dos mandatos, peties, embargos, etc, Firmino da Silva Amorim um senhor de idade avanada desistiu da causa, foi morar em Fortaleza, deixando a responsabilidade de conseguir o pagamento pelas benfeitorias a seu cunhado Francisco Nogueira Barroso, mais conhecido por Pio Nogueira, ou simplesmente Pio. Pio Nogueira procurou apoio jurdico na Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Cear22 (FETRAECE) que lhe ofereceu o advogado Lindolfo Cordeiro, este que desde ento passou a responder em juzo pela comunidade da Japuara. Pela variedade existente de recursos e embargos judiciais, pode-se imaginar o tempo decorrido, contando tambm que no ano de 1970 houve o recesso por motivo das eleies, tornando ainda mais morosa as decises judiciais. Tendo uma nova propriedade, a Japuara, com um aude construdo em parceria com o DNOCS que poderia est dando de beber seu gado, no querendo esperar mais pela deciso judicial , e aproveitando-se da abundante mo de obra prxima a fazenda havia um frete de servio do DNOCS para o abastecimento de BR020 que corta a fazenda despejar os moradores 24. No dia dois de janeiro de 1971, o capataz de Csar Campos, Otavio Abreu, arregimentou nas ruas de Canind e entre os cassacos, como eram chamados os trabalhadores da frente de servio, conseguindo um grande nmero de trabalhadores que chamarei de contratados para melhor compreenso, prometendo pagar da diria em Cr$10,00(dez cruzeiros). O que naqueles dias era um pagamento razovel visto que a23

e da orientao do advogado de Jlio Csar Campos, o

Deputado Estadual Barros dos Santos, incentivou a deciso de seu constituinte em

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As Federaes e Sindicatos na dcada de 1970 vinham apesar de algumas perseguies do estado autoritrio militar, retomando seu carter de representao de classe, tentando afastar-se das prestaes de servios assistencialistas a que vinham dispondo desde a dcada de 30, quando o Estado Novo confundia-se com o prprio sindicato; 23 ...Uma frente de servio tem em media 500 homens (...), as estradas so abertas pelo brao do homem pois a maquina lhe roubar o trabalho. FROTA, Luciara Silveira da Arago. Documentao oral e a temtica da seca. Braslia: Centro Graf do Senado Federal, 1985. Srie Estudos. Coleo Lima Barreto Vol.9, p 260; 24 __________.Barros dos Santos desmente acusao do lder sindical. Gazeta de noticias Ano XLIV n12520. Fortaleza, Domingos 10 de segunda-feira 11 de janeiro de 1971, Policial, p.06;

20 diria dos cassacos era de Cr$ 2,00 (dois cruzeiros)25. O nmero de contratados para o servio diverge entre 30 80 homens26. Afirma-se que os contratados foram com intuito de arrobar o aude27, mas ao chegarem a fazenda, desviaram-se da ordem e se dirigiram a casa de Pio Nogueira, passando a destelhar a casa e retirar as cercas.FOTO 1

Na foto v-se a lateral do provimento de Pio Nogueira com as cercas arrancadas, o veculo que serviu de transporte dos Policiais Militares mais o delegado Cid e seu irmo taxista Chico Martins. Imagem da Revista Veja de 13/01/1971 (n123), primeiramente publicada no jornal O Povo de 04/01/1971.

Pio no momento desta primeira investida se encontrava em um bananal. Quando foi avisado do que estava acontecendo, voltou e entrou na sua casa, fez diversos apelos, pedidos para os contratados parassem o servio destelhar sua casa. No sendo atendido pela palavra recorreu a fora, com uma espingarda calibre 22, atirou para cima

25

. Convertido em gneros o pagamento de uma semana [de segunda sbado: Cr$ 12,00] de trabalho na frente de servio, permitia adquirir em mdia 2Kg de arroz, 3 Kg de farinha, 6Kg de feijo, 5 rapaduras e 1Kg de sal... (Frota, Luciara S.de Arago, Op.Cit., p. 272), em dias atuais tais produtos custariam em mdia R$ 20,33, ou uma diria de R$ 3,38. Mas acordo com o site acessado em 15 de junho de 2006 s 12h00; em 1998 o DNOCS pagava o valor de R$ 3,00 (trs reais): "... em Mauriti, no Sul do estado [do CE] (...) Os trabalhadores em situao mais crtica foram alistados em uma frente de servio e esto construindo obras de saneamento no municpio por uma diria de R$3,00." (A. Arajo, O Povo, Fortaleza, 5/4/98); 26 h divergncia entre jornais, e ate mesmo jornal de um mesmo dia, apresenta nmeros diferentes entre os artigos como por exemplo os jornais Gazeta de Noticias e o Povo do dia 04/01/1971; 27 Inqurito Policial Militar IPM n. 002/71-SSJD/PMC Termo de Perguntas a testemunhas, Jlio Csar Campos, dia 26/03/1971, fls 113 afirma que mandou arrobar o aude por motivo de pescaria promovidas p Pio Nogueira,. Que utilizavam as guas para o uso do gado;

21 derrubando o carreteiro Joaquim Rodrigues, conhecido como Joaquim Piau28 que caiu sobre a cerca prxima a casa, estrepando-se29, e vindo a falecer, um outro contratado ao ouvir o tiro pulo da casa quebrando a perna sendo carregado por outros contratados pondo-se em fuga. A morte do carreteiro ps fim aos trabalhos de despejo, com os contratados em fuga abaixo de tiros correram de volta para Canind. Chegando cidade relataram os fatos a Csar Campos. Este recorreu s autoridades, encontrando o Subdelegado Cid Martins no comando da delegacia O Delegado Especial Cel. PM Raimundo Pereira havia viajado a Fortaleza e ...havia dada ordem para que nenhuma diligncia fosse feito de ordem do delegado civil Cid Martins, com relao a questo de Terra...30 contrariando as ordens expressas do Delegado Especial Titular31 prontamente juntou quatro policiais militares um cabo e trs soldados e no txi de seu irmo Francisco Martins a Rural Williams vista na foto acima foram os seis para a fazenda efetuar a priso de Pio Nogueira. Ao chegarem encontraram alguns moradores ao redor e dentro da residncia. Percebendo que os moradores estavam com foices, roadeiras e paus, o Subdelegado mandou que depusessem as armas. O agricultor Raimundo Nonato Paes, conhecido por Nonato 21, falou ao Subdelegado que no largaria a roadeira porque era o objeto do seu trabalho. Em resposta recebeu como represlia um tiro do subdelegado ou do seu irmo Francisco Chico Martins32, acertando-lhe o rosto, vindo a falecer. Vrias verses apareceram ento, mas a que foi oficializada foi a de que o Nonato 21 ao receber o tiro, acertou um golpe de roadeira na cabea de Cid Martins, tirando a abbada do crnio ou destampando o coco como foi denominada a ao por populares, vindo os dois a falecerem, dando incio ao conflito.28

No decorrer da pesquisa no se pode confirmar se a morte do carreteiro foi dolosa ou culposa, visto que alguns jornais afirmam que o carreteiro morreu em decorrncia do tiro, j outros pela queda, mas o IPM nem sequer investiga o real motivo da morte do carreteiro Joaquim Piau, o qual apenas citado duas vezes no decorrer do procedimento investigativo da Polcia militar; 29 Estrepar-se, dever ser entendido de acordo com o Novo Dicionrio Eletrnico Aurlio (Positivo Informtica) ...ferir-se com estrepes..., uma pua de madeira ou ferro com ponta aguda, e no na sua forma coloquial que significa: dar-se mal; 30 IPM n. 002/71-SSJD/PMC Termo de Perguntas ao Ofendido Francisco Silva Rocha Cabo PM (25/01/1971), fls. 20; 31 O Ttulo de Delegado Especial foi bastante utilizado no perodo da Ditadura Militar par designar Militares, das Polcias ou das Foras Armadas, que mesmo sem bacharelado em Direito poderiam responder por uma Delegacia, no Cear at meados do ano 2000 ainda havia tais Delegados Especiais nomeados diretamente pelo Secretario da Segurana Pblica; 32 Os policiais ouvidos no IPM n. 002/71-SSJD/PMC afirmam ser do Subdelegado o tiro, j os agricultores ter sido do irmo do mesmo. O caso no foi devidamente esclarecido pelo encarregado do Inqurito, o que poder ser visto mais adiante;

22 Os Policiais Militares e mais Francisco Martins de acordo com alguns jornais confrontaram-se como os agricultores, ambos em defesa de seus mortos. Do embate alm de vrios feridos por tiros, cortes, pauladas e pedradas houve mais uma morte, o soldado PM Jorge Paulo de Freitas, somando agora quatro mortos. No podendo mais resistir os Policiais militares e Francisco Martins, todos feridos, voltam a Canind em procura de reforos, deixando os cadveres para trs. Os agricultores na certeza de que viria outra fora policial mais armada e em maior nmero33, na mais legtima lei da ao-reao, fugiram para as matas deixando suas mulheres e seus filhos para trs, este que sofreram mais com a ao policial.FOTO 2

Policiais Militares feridos no confronto com os agricultores. Da esquerda para direita o Soldado Francisco Ferreira Neves, o Cabo Francisco da Silva Rocha e o Soldado Raimundo Nonato Paz, todos em observao no Hospital da Polcia Militar em Fortaleza. (O Povo de 04/01/1971)

Durante quatro dias os agricultores ficaram foragidos nas matas com Polcia em seu encalo. E no encontrando os acusados, vrias outras pessoas foram presas e apresentadas a imprensa como suspeito principal34.33

No mesmo dia, a mando do Comandante Geral da Polcia Militar do Estado, duas volantes se dirigiram para Canind, uma por volta das 12h00, e outra a 16h00, cada qual trazendo em mdia dez policiais militares; 34 Tais prises, que procuraram mostra a sociedade possveis culpados, so vistas nas reportagens: Prises aumentam em Canind sob cima de suspenso e medo. O Povo Ano LVIII n 13317. Fortaleza: tera-

23 Atravs de mensageiros Pio Nogueira e seus companheiros que estavam escondidos em uma grota a aproximadamente cinco quilmetros da sede da fazenda, conseguiram enviar mensagens ao advogado Lindolfo Cordeiro. Este entrou em contato com as autoridade em Fortaleza e com o auxlio do Diretor da Polcia do Interior, Coronel PM Francisco das Chagas, conseguiu levar os agricultores para Fortaleza, apresentando-os sob as luzes da imprensa dando entrevista no jornal televiso do canal 2 TV Cear assegurando a integridade fsica dos agricultores, resguardando-os de qualquer ato de vingana seja por parte dos militares seja pela famlia do Subdelegado Cdio Martins. Entretanto em Canind, as prises e os excessos por parte dos policiais militares continuavam, como destacou Maria Jos Sousa Barros Justia Militar em 1973, por exemplo.... Levaram seu filho para o mato, judiaram com o menino, com a finalidade de dar conta do seu marido [Francisco Nogueira Barros, o PIO], que o menino se chama Francisco de Sousa Barris e tem a idade de nove anos; que a polcia levou o menino s cinco horas da tarde e somente voltou com ele as duas da madrugada...35

Com a priso de Pio Nogueira e alguns companheiros no Quartel do Corpo de Bombeiros Sapadores, deu-se incio ao Inqurito Policial Militar IPM que os implicou como responsveis diretos pelas mortes, sendo ento remetido justia comum. Com trinta dias da priso, foram liberados, retornado a uma Japuara em processo de desapropriao pelo INCRA. (Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria, criado pela Decreto-Lei n 1110, de 09 de julho de 1970, substituindo a Superintendncia e Reforma Agrria - SUPRA), sendo divida em 40 lotes para as famlias.

feira, 05/01/1971, Polcia, p.09; Cassados envolvidos na questo de Canind. O Povo. Ano LVIII n 13317. Fortaleza: tera-feira, 05/01/1971, Polcia, p.09; Polcia tem nome dos culpados na Chacina da Fazenda Japuara. Gazeta de Notcias. Ano XLIV n 12517. Fortaleza: quarta-feira, 06/01/1971, Policial, p. 06; Encontrado Luiz Mundoca. Gazetas de Noticias. Ano XLIV n 12518. Fortaleza: quinta-feira, 7/01/1971, Polcia l, p.06; Depoimento de Plauto faz delegado soltar ou primeiros presos. Gazeta de Notcias. Ano XLIV n 12518. Fortaleza, quinta-feira 07/01/1971, Policial, p. 06; 35 Processo estudado pelo Grupo Tortura Nunca Mais, que faz parte do livro Nunca Mais, mas o interessante que o processo julga no os maus-tratos policiais, mas a acusao de que o advogado da FRETAECE Lindolfo Cordeiro estaria incitando os agricultores a quem auxiliava judicialmente a se rebelarem com violncia. Processo BMN n 82 v 5 p. 1188 Apud.: Brasil: Nunca Mais. 32 Ed. Petrpolis: Editora Vozes, 2001, pp. 43 e 128;

24 Treze anos aps ocorrido o agricultores envolvidos no conflito a Japuara. Julgamento realizado no salo Paroquial de Canind em 15/05/1984, sendo absolvidos das acusaes a eles imputadas, retornando ento s suas propriedades retornando a vivncia normal.FOTO 3

Julgamentos dos agricultores da Japuara. Comeando pela na esquerda Francisco Nogueira Barros, o Pio Nogueira, Alfredo Ramos Fernandes (Alfredo 21), Jac Ramos Paz (Jac 21), Joaquim Abreu de Souza, Antnio Soares Mariano (Antnio Mundoca) e Waldemar Ramos Paz (Waldemar 21) filho de Nonato 21, em p o advogado de defesa Edilson Gomes Lima. (O Povo 17/05/1984)

Vimos o relato impresso do conflito da forma que a imprensa apresentou e que parcela da comunidade canindeense costuma lembrar-se e contar. A narrativa acima servir para que possamos nos familiarizar com o conto, e partindo deste ponto, iremos nos lanar no debulhamento das fontes na tentativa de apreender que tipo de memria os rgo oficiais e a elite do municpio deixou para as futuras geraes, e o porqu dessa escolha.

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1.1 SENTA QUE L VEM A... HISTORIA? CONSTRUO DA MEMRIA PELOS MEMORIALISTAS DE CANINDCanind, como a maioria das pequenas cidades, a vida cotidiana temporalmente demarcada pela cadencia das datas festivas tradicionais religiosas e profanas com pouca interveno externa, dando a impresso de inrcia. De acordo com Edgar de Decca, a histria s existe porque existe a narrativa escrita ou orail e a narrativas existem para contar algo que consideramos importante a ser dito e lembrado, afinal de contas, narrar sempre a capacidade que ns temos de contar aquilo que aconteceu36. Ento fatos extraordinrios que tirem a cidade deste torpor merecem comentrios que transcendem s tempos, e para tanto conta com um time de cronistas quase sempre autoridades da cidade37 que resguardam sua histria. Primam pelo passado herico, humanista e vibrante da sociedade em que vivem,Segundo essa forma de pensamento, cabe histria um levantamento cientfico dos fatos, sem procurar interpreta-los, deixando sociologia sua interpretao (...) numa relao determinista de causas e conseqncias. A histria por eles escrita uma sucesso de acontecimentos isolados, relatando sobretudos os feitos polticos de grandes heris38

Costumam tratar o passado como algo morto, tendo uma postura tottalmente neutra em relao ao passado. Mas de que modo tais memorialistas tratariam um episodio que vai de encontro com o passado pacifista e religioso da cidade santa de Canind, que rompeu com as determinaes sociais tcitas? Na procura de responder a essa indagao, iremos analisar a bibliografia de quatro cronistas de Canind: Hlio Pinto Vieira, Augusto Csar Magalhes Pinto, Padre Nri Feitosa e Francisco Karam. Este ltimo apesar de no ter escrito especificamente um livro sobre a histria de Canind, era o redator do Santurio de So Francisco, Jornal mensal, rgo oficial da Baslica de Canind, durante um considervel perodo

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DE DECCA, Edgar Salvadori. Histria, acontecimento e Narrativa. IN.:Anais da ANPUH: Cidade, Histria e Memria. ANPUH-PI/ABHO-Regio Nordeste: Teresina-PI: EDUFPI, 2003,p. 19 37 Via de regra, os cronistas e memorialistas das cidades so juzes, promotores, advogados, tabelies, padres ou apenas pessoas de famlias distintas do municpio. Seus trabalhos seguem a linha positivista de pesquisa e escrita, privilegiam grandes vultos locais e datas cvicas e polticas que relegam importncia ao municpio; 38 BORGES, Vavy Pacheco. O Que Histria. 2 Edio. So Paulo; Brasiliense, 1993, Coleo Primeiros Passos n17, p. 34

26 (de 1968 1987). Os demais so autores respectivamente dos livros Cronologia Canindeense, Viagem pela histria de Canind e Japuara e a Tragdia de 1971....os acontecimentos de um nico dia no mudam a histria. As vezes so seus desdobramentos que acabam transformando o mundo. s vezes nem o mundo que muda, o jeito das pessoas verem o que est 39 a sua volta que se transforma e tudo parece alterado.

Mesmo que um dia apenas no mude o mundo, mas h seus desdobramentos no modus vivendi da comunidade que est diretamente ou indiretamente envolvida com fato. A partir daquele acontecimento uma nova perspectiva de observar o seu redor, deveria ter se formado. Mas tal acontecimento foi negado, mutilado, enfim, mudado para que correspondesse melhor com ndole da cidade. Francisco Karam, ou Seu Chico Karam como mais conhecido, aclamado como o historiador de Canind. Fotografo de profisso, ele habilmente colecionou fotografias suas ou d outras pessoas as quais contavam os fatos pitorescos do dia-adia de Canind. Constava, alm de suas fotos, com memria prodigiosa, que sempre unia a narrativa com as imagens que dispunha para contar a historia da cidade. Na funo de redator do jornal Santurio de So Francisco respondia por alguns artigos histricos de Canind, o que l dava o poder de selecionar o que entraria ou no nos anais citadinos, como veremos a seguirO termino dos anos 70 enseja em que faamos uma anlise retrospectiva dos principais acontecimentos surgidos nesta dcada na vida social e poltica de Canind. So fatos isolados que assinalam o passado de luta desta terra, as alegrias e os dramas de sua gente, cenas que deixaram marcadas no tempo e o sinal de sua passagem provocando as recordaes mais diversas (...) 1971 deu ao Canind o Beira Dgua Clube de Regatas. Ganha o Centro Educacional So Francisco [CNEC] a sua quadra de esportes... 40

E continua com, o retorno do proco da Alemanha, uma ltima inaugurao do prefeito que sai, a posse do novo, e a ordenao episcopal de um canindeense41. Vemos

39

KEOGH, DERMOT. Word aften 9/11 Apud.: Gomes, Beto e Miranda, Celso. 102 minutos. Aventuras na historia. Capa. So Paulo: Editora Abril, 25/set/2005, pp. 27-35; 40 KARAM, Francisco (Redator) Canind e os anos 70. Santurio de So Francisco. rgo Oficial da Baslia de Canind-CE. Ano LV n 1.235 Escola Tipogrfica Sant. De So Francisco. Canind: Janeiro de 1980, p. 04; 41 Coincidncia ou no eu acho que no o Canindeense ordenado bispo chamava-se D. Timteo Francisco Nemsio Cordeiro e a ltima obra do prefeito era uma praa batizada de Nemsio Cordeiro;

27 que os acontecimentos na fazenda Japuara fora totalmente esquecida, no havia sido julgado merecedor de ser lembrado como histria dos canindeenses. Abandonando o diacronismo, percebemos que no incio dos anos de 1980 o positivismo histrico era mais adotado se ainda no o para a construo memorialista pelos cronistas municipais, privilegiando ou os grandes feitos socais, polticos, econmicos e religiosos, destacando a ao da aristocracia local (Polticos, comerciante ricos, clrigos, etc). O prprio Francisco Karam define as notcias que serve ao perodico em que trabalha: as constitudas de fatos importantes histricos para a localidade em que publica o peridico, como ele prprio afirma ...ao mensal interessa a notcia como documentrio. Portanto a ns tambm a notcia atrasada, na medida que serve como fato histrico42. Percebemos portanto, que at aquele momento, o conflito da Japuara no se encaixava em sua definio de fato histrico. No era um fato que ... assinalam o passado de lutas desta terra.... O conflito fora tomado como uma luta que desabonasse o passado da comunidade, uma ruptura da normalidade social estabelecida, enraizada atravs de relaes de poder onde ao pobre cabe enquadrasse pelas regras impostas por seus senhores, como afirma Abelardo e Montenegro, ...Devemos ter coragem de reconhecer que a preocupao por manter a autoridade e a ordem social nos levou a louvar virtudes como pacincia e a aceitao...43

, ento comportamentos

fora dos parmetros de subservincia no era aceito pela elite local. O conflito transformara-se, em um indicativo de rebelio social, um rompimento das convenes de comportamentos convenes no escrita, mas visvel e legvel atravs dos cdigos e sinais de linguagem e convivncia onde agricultores afrontaram no apenas contra o fazendeiro, mas a sociedade canindeense. E a transgresso constitui em objeto de punio desmerecendo permanecer entre os fatos a serem lembrados pelos muncipes, para tanto, deveriam moldar o acontecimento de modo a se encaixar na memria oficial da cidade.Toda submisso a esses cdigos bem com toda transgresso, constitui imediatamente objetos de comentrios; existe uma norma, e ela 42

KARAM, Francisco (Redator). Os jornais no so iguais. Sant. de So Francisco. rgo da Baslica de Canind-CE. Ano LVII, n 1300. Esc Tipogrfica Sant. de S. Francisco. Canind: Maro/1985, p. 3; 43 MONTENEGRO, Aberlardo F. Interpretao do Cear. Fortaleza: Casa Jos de Alencar/ Programa Editorial, 2001. Col. Alagadio Novo n 276, p. 176;

28mesmo bastante pesada para realizar o jogo de excluso social em face dos excntricos, as pessoas que no so/fazem como ns44

Na data do julgamento, muda-se o estabelecido, onde, ... Aps Julgamento que durou 11 horas, foram os rus absorvidos por unanimidade. Venceu a justia45. Os agricultores no so mais os assassinos como os jornais os chamaram poca, agora a Justia est do lado dos acusados da chacina, como define o Sr. Karam, e basta para que declarasse que havia-se feito a justia, concordando ento com a inocncia dos acusados, legitimando a desapropriao da qual foram beneficiados. Os autores Hlio Pinto Vieira e Augusto Csar Magalhes produziram obras macro-histricas, que abrangeram as principais efemrides de Canind, desde sua fundao at os tempos atuais. Tais obras to abrangentes pecam por serem superficiais sem o aprofundamento necessrio para apresentar ou mudar as opinies de seus leitores. No fato Japuara, ambos citam os acontecimento como um conflito entre policiais e agricultores sem maiores informaes sobre os antecedentes que culminaram no confronto. Hlio Pinto conta que: No dia 02 de Janeiro ocorreu a chacina da Fazenda Japuara, no municpio de Canind, que teve origem em questo pela posse de terra46, e s. J Augusto Csar o nico entre os dois que menciona Jlio Csar Campos, e a desapropriao da fazenda pelo INCRAOcorre na manh desse dia, na fazenda Japuara, em Canind, pertencente ao comerciante Jlio Csar Campos, grave conflito de terra, resultando na morte de Joaquim Piau (estivador), Cdio Martins (delegado de Polcia Civil do municpio), Jorge Paulo Farias (soldado PM) e Raimundo Nonato Paz (agricultor). No conflito de saem feridos gravemente Raimundo Paz e Francisco Pereira Neves, ambos soldados da Polcia Militar do Cear, alm do motorista Francisco Martins, irmo do delegado assassinado. So levemente feridos os soldados PM Francisco Silva Rocha e Jos Magalhes Leito, alm dos agricultores Valdemar Ramos Paz e Luiz Mariano da Silva. O lder dos agricultores Francisco nogueira Barros, conhecido como Pio Nogueira. A noticia sobre o conflito foi rapidamente divulgada em todo o pas e no exterior. A fazenda Japuara posteriormente desapropriada pelo Instituto Nacional de Colonizao e Reforma

44

MAYOL, Pierre morar. In.: CERTEAU, Michel; GRIACO, Luce e MAYOU, Piere (orgs.). A inveno do cotidiano 2 Morar, Cozinhar. Petrpolis: Vozes, 1996, p. 47 45 KARAM, Francisco (Redator). Tribunal do Jri Absolve. Sant. de So Francisco. rgo Of. Da Baslica de Canind-CE. Ano LVIII. N 1290. Esc. Tipogrfica do Sant. de So Francisco. Canind: Maio/ 1984, Seo O que vai pela cidade, p. 07; 46 VIEIRA, Hlio Pinto. Cronologia canindeense. Fortaleza: Imprensa Universitria, 1997, p. 60;

29Agrria (INCRA), sendo a primeira desapropriao rural no Cear e a segunda do pas47

Mas pelas dimenses de seus trabalhos pecam pela falta de aprofundamento, perpetuando os discurso oficial. Dos quatro cronistas citados, Padre Nri Feitosa foi quem mais se deteve no assunto, publicando um pequeno livro de 10 pginas Japuara e a tragdia de 1971 onde adotando em seus mtodos pseudocientficos traz uma anlise desfavorvel aos agricultores, julgando-os inapetentes s poses que receberam, como se pode vO parcelamento da fazenda Japuara gerou um regresso econmico (...) gerou donos pobretes que levam vida infra-humana: no podem (ou no querem) remontar as cercas, no podem melhorar as casas, no podem fazer gua potvel, no podem sair da dependncia. 48

Enumerando projetos governamentais e bons equipamentos que receberam da unio, criao da Associao, apenas ... para pedir do governo o que quiser e receber mais do que pede... 49. o saldo do conflito no fora justificado j que os moradores no tem apreo ao que tem. Tudo que o Governo deu evaporou-se (...), venderam tudo a um preo ridculo sua produo na pressa de compara bicicleta e revolver ou botar mais uma mulher para complicao da vida familiar50

. A vida atual dos moradores

reforam a tese da a falta de propsito do conflito de acordo com o autor pois as mortes ocorridas rederam apenas terras desprestigiosas. A interpretao que padre Nri Feitosa aplica, explica-se pelas prticas da maioria do memoralistas, procurando um passado para nobilizar as fundaes de Canind, como podemos ver nesta comparao feita pelo autor.Em Itapaj, a Matriz dedicada a So Francisco de Assis. E Dom Paulo, ingenuamente quis transformara aquela matriz em santurio e ponto de Romaria (...). O projeto humano encalhou (...).A Romaria de

para pessoas preguiosas, dependentes e

47

PINTO, Augusto Csar Magalhes. Viagem pela histria de Canind: Ensaio Cronolgico e iconogrfico, dos primrdios aos dias atuais. Canind-CE: Realce Editora & Ind. Grfica LTDA, 2003, p. 207;48

FEITOSA, Nri (Padre). Japuara e a tragdia de 1971. Monografia n2. Canind: Inst.Memria de Canind, [s.n][200-], p. 11; 49 FEITOSA, Nri (Padre): Idem; 50 FEITOSA: Ibidem;

30Canind foi espontnea; no foi procisso pastoral humano a matriz de Canind foi escolhida por Deus...51 [grifo meu]

Ou ento, este outro caso, em que o padre fortalece o esprito cristo dos muncipesO povo da ribeira do Canind ainda no tinha feito os acabamentos de sua capela (...) e oficia ao Senado da Cmara da Fortaleza de nossa Senhora da Assunpo (1796) (...) solicitando (...) um convento de frades que dispersos pela ribeira deste continente, exercitam todos os ofcios de que tanto carecemos para o bem de nossas almas (...) vse por a que Canind j nasceu cidade da f pela virtude de seus homens e mulheres52

Canind foi escolhida por Deus, j nasceu Cidade da F pela virtude de seus homens e mulheres. Os acontecimentos desenrolados na fazenda Japuara no so compatveis ao elevado conceito de que a cidade goza pela sua funo de centro religioso. No mnimo se esperava dos habitantes tementes a Deus e escolhidos por ele a aceitao da ordem endossada pela Igreja. Padre Ner Feitosa transparece no gostar dos resultados do conflito apesar de morar na localidade. No decorrer de sua obra traa um perfil dos dois antagonistas principais do caso, Pio Nogueira e Jlio Csar campos, e como veremos tende a creditar mais virtudes ao comerciante, ...Csar no era homem violento, nem patro injusto, no teve problemas nas outras fazendas de suas propriedade 53. Transforma a Japuara um caso nico entre as propriedades do comerciante, o problema no era o pecuarista mas os agricultores. Pois o comerciante goza de elevada estima entre os seus, pois... Benfeitor Annimo de Canind (depoimento escrito de Mario Cordeiro Barbosa 24/06/1995). Rico e desprendido, amante de sua terra e com grande capacidade de servio, realizou por conta prpria trabalhos que pareciam pblicos ou de que prefeitos se aproveitava (...)para exibir como obras publicas54

O autor apresenta o fazendeiro Jlio Csar Campos como benfeitor da cidade, desprendido ao ponto de se deixa usar por polticos. Tais argumentos parecem tomar carter de defesa da pessoa do comerciante, apagando do senso comum os erros passados.

51

FEITOSA, Nri (padre). Francisco Xavier de Medeiros e seu tempo. Monografia n 3. 2 Edio Canind: Graf Canind/Inst. Memria de Canind, 2001, p.65; 52 FEITOSA, Nri (Padre). Origens do Canind : Escolar e Turstico. Monografia n.5. Canind: Graf.Canind/Inst. Memria de Canind, 2002; 53 FEITOSA, Nri (Padre). Japuara e a tragdia de 1971. Monografia n2. Canind: Inst.Memria de Canind, [s.n][200-], p.8; 54 FEITOSA, Nri (Padre): Idem;

31 Para ressaltar mais o bom carter de Jlio Csar Campos, o autor aponta traos anti-sociais do agricultor.... Pio no era lder sindical (...) tambm no era lder natural: acusado pelos companheiros nos depoimentos da pesquisa: de ser mal relacionado com a famlia; (...) da apropriao indbita dos bens da comunidade.55 ...Csar acusa Pio(...) de ter transformado a Japuara num antro de 56 fanatismo.

Acrescenta um carcter de fanatismo ao conflito, utilizando ainda do termo subjetivo ... ao ferver o caldeiro...57 reforando a idia de movimento fantico, tornando a Japuara uma revolta que iniciou-se de dentro para fora, ou seja, no havia critrios para o inicio da revolta, seria esta mais poltico-sindicalista na procura de apropriar-se das terras, apagando noo de auto-defesa o que realmente foi o incio do conflito tornando-a um movimento social organizado ou no como esta est sendo lembrado o acontecimento hoje. Os escritores sobre a Japuara notadamente apresentam os agricultores como sendo rebelados, malfeitores, criminosos, apoiados em artigos jornalsticos imediatistas os publicados nos primeiros dias aps o conflito. Transformaram o que era uma defesa dos agricultores ao ataque do comerciante Csar Campos, em movimento social pela Reforma Agrria tentaram apagar a parcela de responsabilidade do fazendeiro. Pois ao classific-los como movimento social, imputam-lhes a premeditao do conflito.

1.2 MEMRIAS DO ESTADO: INVESTIGAES, VERSES E INTERPRETAES DA POLCIA MILITAROs Inquritos Policiais Militares IPM tm a propriedade de investigar crimes militares (sendo ou no praticados por membros de suas corporaes Foras Armadas ou Polcias Militares).O inqurito policial militar a apurao sumria de fato, que, nos termos legais, configure crime militar, e de sua autoria. Tem o carter de instruo provisria, cuja finalidade precpua a de ministrar elementos necessrios propositura da ao penal.5855 56

FEITOSA, Nri (Padre): p. 7; FEITOSA, p. 8; 57 Idem: p. 7; 58 BRASIL. Art 9 do Cdigo de Processo Penal Militar CPPM Decreto-Lei n.1001, de 21 de outubro de 1969 acessado em 27/12/2005s 09hs55;

32 No perodo em que os militares assumiram a presidncia da Repblica atravs da revoluo como eles denominam o golpe de 1964 eles passaram a investigar, processar e julgar os crimes contra a Segurana Nacional atravs do Ato Institucional AI n 2, de 27 de outubro de 1965 e aps o AI-5 em 13 de dezembro de 1968, ampliaram sua competncia sobre as atividades civis59. Em Canind no ocorreu diferente foi mandado executar uma investigao procedidas pelos militares para determinar as responsabilidades das mortes ocorridas, e remet-las a comarca competente Justia Comum caso no se acharem aptos a proceder ao julgamento60. Em Canind a investigao do conflito na Fazenda Japuara coube ao Capito PM Antnio Carlos Alves de Paiva (encarregado), o IPM foi aberto atravs da Portaria n.002/71 da Sub-Secretaria de Justia de Disciplina (SSJD) da Polcia Militar do Cear no dia 12 de janeiro do ano de 1971, apresentando os policiais militares envolvidos no conflito como ofendidos e os agricultores como indiciados. A portaria do IPM indica como principais envolvidos Francisco Nogueira Barros, Pio e Jlio Csar Campos, ... o lamentvel fato ocorrido por volta das 09,00 horas do dia 2 de janeiro do ano em curso, na Fazenda JAPURA (...) envolvendo o seu proprietrio Sr Csar Campos e posseiro Sr Francisco Nogueira Barros...61

.

Mesmo com a indiciao do nome do comerciante como responsvel do ocorrido o mesmo no decorrer do inqurito figurar como testemunha, e ao final terminar como um dos causadores diretos das mortes, sem, no entanto, ir a julgamento62. No podendo ser considerado diferente de outros inquritos que ocorreram em todo o Brasil durante o regime militar, por se tratar de uma investigao no interior do Estado do Cear, e por no se tratar por presos polticos, este Inqurito de Canind, tambm dever ser apreendido levando em considerao a poca na qual foi produzido ps AI-5 que aumentou a represso bem como por quem, e para quem foi produzido. Diferente do que achvamos, Canind tinha algum destaque para os militares

59 60

__________. Brasil: nunca mais. 32 Ed. Petrpolis: Editora Vozes, 2001, 170; Parecer do Promotor da Justia Militar Jos Newton Bularmaque, em 22/04/1971: Como no se trata de crime militar, fixa-se, desenganadamente, a competncia da Justia comum para conhecer e julgar da espcie, opinando a Promotoria Militar pela remessas dos autos ao Juzo de Direito de Canind. Inqurito Policial Militar (Portaria n. 002/71-SSJD/PMC), Fl. 122 verso; 61 Inqurito Policial Militar (Portaria n. 002/71-SSJD/PMC), fls. 05; 62 Ou pelos menos, ao teve seu julgamento divulgado, pois no foi encontrados nas fontes algo que indicasse essa ao;

33Nos arquivos sobre a ditadura encontrados pelo Dirio do Nordeste, merece destaque (...) uma preocupao do governo com o Cear, em funo da fronteira das Ligas Camponesas (...) em Pernambuco, considerada a maior organizao do campo contra a ditadura. As lideranas sindicais preocupavam e os sacerdotes eram considerados pessoas com grande representao entre os agricultores. Em Munda, Serra do Flix, Beberibe, Tau, Iguatu, Sobral, Quixad, Aratuba, Santa Quitria, Capistrano de Abreu, Canind, Crates, alm de outros municpios, lderes religiosos passaram pelo controle dos rgos de segurana. Segundo documentos, essas localidades possuam padres inteligentes, ativos, com grande penetrao no meio rural (...) Canind tambm era visto como um Municpio estratgico: Este Municpio um dos mais visados pelos agitadores, tendo sido palco de vrios casos, sendo o principal o da Fazenda Japuara [grifo meu] 63

A contenda na Japuara foi interpretada pelos militares como uma ramificao das Ligas Camponesas, cabendo at uma investigao dos padres alis, o proco de Canind Frei Lucas Dolle estrangeiro (alemo) e poderia est difundido o comunismo considerados ativos e inteligentes, e em hiptese, estaria incentivando a agitao social. S no identificamos quais seriam estes outros casos. O IPM diz que os policiais militares feridos no episdio da Japuara, ... fram [sic] solicitados a comparecer ao lugar onde se registraram o conflito, o que os obrigou a dele participarem...64[grifo meu], mais adiante ainda temos:...foram recebidos pelos moradores, que transpareceu estarem esperando pela ao policial (...)v-se a gravidade do fato em que se envolveram os elementos do destacamento de Canind na sua misso de policial militar65,

Essa ser a perspectiva escolhida para o desenvolvimento da investigao, a de que os policiais se viram obrigados a intervirem no caso o que juridicamente um excludente de culpabilidade. O encarregado do IPM, tenta de todo modo isentar seus policiais militares no decorrer do Inqurito, passando a responsabilidade da desastrosa operao ao Subdelegado falecido, afastando qualquer responsabilidade do Delegado Especial de Canind, este que no estava na cidade no dia fatdico, ...tal ocorrncia63

CARVALHO, Renaldo. Religiosos foram perseguidos no CE. Serto Destaque. Serto News(jornal da internet) 03 de janeiro de 2006, 09h11min. >acessado 26/05/2006, as 16h27min; 64 IPM n. 002/71-SSJD/PMC, fls. 05; 65 IPM n. 002/71-SSJD/PMC - Parte NR 3/71, Fortaleza, 08/01/1971, Fl. 07, (parte a comunicao escrita que se faz ao superior relatando qualquer ao que merea ser registrada);

34 no era conhecimento do Delegado Especial, tudo partiu do ento Delegado de Polcia...66, dir o Soldado Neves em seu depoimento. Confirmado tambm pelo Cabo Rocha....que tomou conhecimento do fato [apreenso das tarrafas, o que ser usado como motivo da vingana dos agricultores] e que repreendeu seus comandados, terem feito aquilo sem sua devida ordem e que o Delegado Especial (...) havia dado ordem para que nenhuma diligncia fosse feita de ordem do Delegado civil Cid Martins, com relao a questo de terra...67

A responsabilidade da ao recai sobre Subdelegado Cid Martins. Seu falecimento, alis, tornara-se providencial para a soluo do IPM, pois no poderia contestar sua culpa. O Subdelegado foi alvo de acusaes de inaptido e inapetncia policial, tendo algumas insinuaes de j est discorrendo em favor do Sr. Jlio Csar Campos pela proibio do Delegado Especial para ningum intervir em aes de terras a mando do Subdelegado (visto acima)....quando o Delegado Cid Martins desceu (...) de revolver em punho, mandou que todos deposesem[sic] as armas; disse tambm que Raimundo Nonato Paz, tambm conhecido como Nonato 21, disse que no depunha sua foice, pois era o instrumento do seu trabalho e le(sic) no era de briga, foi quando o Delegado (...) deu-lhe um tiro na cara, gerando a a revolta...68 ... Se o Delegado Cdio Martins no tivesse batido em seu pai e tambm atirado no mesmo [sic], no teria ocorrido a chacina.69

Culpavam o Subdelegado pela morte do agricultor, mas que haveria matado Cid Martins? O encarregado utilizando-se de amparo cientfico mas nada esclarecedor dos peritos da Polcia Tcnica, responde de forma incerta essa indagao:Se um disparo de arma de fogo de calibre 38 duplo, atingindo uma pessoa de estatura mdia, numa distancia de cinco metros, aproximadamente, na regio facial, essa pessoa ainda teria condio de luta? RESPOSTA: Levando-se em considerao oa[sic] grande

66

IPM n. 002/71-SSJD/PMC Termo de Perguntas ao Ofendido Francisco Pereira Neves Soldado PM (12/02/1971), fls. 23; 67 IPM n. 002/71-SSJD/PMC Termo de Perguntas ao Ofendido Francisco Silva Rocha Cabo PM (25/01/1971), fls. 20; 68 IPM n. 002/71-SSJD/PMC Termo de Perguntas ao Indiciado Francisco Blaudo de Sousa Barros (15/01/1971), fls. 12; 69 IPM n. 002/71-SSJD/PMC Termo de Perguntas ao Indiciado Valdemar Ramos Paz (09/03/1971), fls. 60;

35variao de ngulos de disparos de projteis de arma de fogo, depende de inmeros fatres[sic]70

Haviam encontrado os bodes expiatrios, pois culpavam duas pessoas falecidas pelo incio do conflito policiais versus agricultores. Acreditamos que no se apresentaria uma medida congruente culpar pessoas que receberam benefcios diretamente do Governo Federal, isto porque, durante o processo de investigao, o INCRA, j havia feito a desapropriao71 e entregado as terras aos moradores da Japuara. Culp-los pelas mortes, indiretamente mostraria que o Estado havia se precipitado em dar as terras a criminosos. O governo que se apresentara como justo e imparcial, no importando a classe social , no poderia ser agora contestado. Erros na evoluo o processo investigatrio, tornaram-se corriqueiros. Vrias prises foram feitas para averiguao, sem apresentarem pedidos no estavam em anexo ao IPM, tornando-se ilegais. Um indiciado que se apresentara por conta prpria e que no deveria ficar recluso73 confirma maus-tratos e reafirma a iseno do Delegado Especial.... achando que no havia feito nada, e ainda acreditando na justia, resolveu entregasse as Autoridades (...) que aps ouvi-lo resolveu recolhe-lo ao Xadrez (...); disse ainda, que levou algumas Coiadas de fuzil e pontaps da Polcia, sem o apoio do Cel. PM. Raimundo Pereira, Delegado Especial daquela cidade de Canind. 7472

70 71

IPM n. 002/71-SSJD/PMC Laudo da Percia da Polcia Tcnica n. 456/71, fls. 79;

Decorridos um ms e dois dias do conflito da fazenda Japuara (...) o Presidente da Repblica acaba de assinar decreto desapropriando, em benefcio social (...) aquela propriedade, beneficiando a 70 famlias, tocando para cada, uma extenso de 52 hectares. a primeira desapropriao de terra em questo ocorrida no Cear, a ser comunicada oficialmente pela presidncia do INCRA Delegacia Regional... Desapropriada a Fazenda Japuara. Jornal O Povo: Fortaleza, 04/02/1971;72

. Alm de perder inteiramente a Fazenda Japuara (...), o fazendeiro Jlio Csar Campos ainda ter de pagar ao Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria mais Cr$ 5 mil, por que os Cr$ 70.540 em que foi avaliada a propriedade no foram suficientes para cobrir o dbito de latifundirio, por no haver cadastrado sua terra logo em 1965 como determinou a legislao federal. . Incra toma Japuara e ainda cobra Cr$ 5 mil. Jornal O Povo: Fortaleza-Cear, 03/07/1971; 73 Os Artigos 254 e 255 do CPPM estabelecem que a priso preventiva s pode ser decretada quando houver prova do fato delituoso (...) fundar-se na (...) periculosidade do acusado.... __________. Brasil: nunca mais. 32 Ed. Petrpolis: Editora Vozes, 2001, 179; 74 IPM n. 002/71-SSJD/PMC Termo de Perguntas ao Indiciado Francisco Plauto de Sousa Barros (15/01/1971), fls. 10;

36 O nico crime de homicdio doloso ou culposo, no nos cabe julgar com ru confesso, o do carreteiro Joaquim Piau, apenas duas vezes citado no decorrer do IPM. O inqurito apresenta os agricultores como vingativos por um caso em policiais militares tomaram as tarrafas de alguns pescadores no aude da fazenda eximindo, ou ao menos diminuindo, a culpa de Jlio Csar Campos e dos policiais militares, pois quaisquer que fosse a ao contra os agricultores o fim seria o mesmo. Procurando legitimar a tese de vingana, cansativamente o encarregado do IPM, apresentava a apreenso das tarrafas como o motivo da raiva dos agricultores. Houve grande empenho para obter verses que sugerissem a vingana... que no dia 31[de dezembro de 1970](quinta feira) prximo passado, a noite, a Polcia foi a Fazenda Japuara[sic] e al apreendeu algumas tarrafas (...) no dia seguinte (sexta-feira) dia primeiro, a Polcia voltou desta feita composta de trs soldados (...) enquanto dois rudeavam[sic] o aude, o que esta[va] apaisana[sic], mandava que um dos pescadores saissem do aude (...) inclusive chegou a meaar[sic] de revolver; disse tambm que conheceu um dos Policiais, que se chamava Freitas...75 ...foram recebidos pelos moradores, que transpareceu estarem esperando pela ao policial, armados de foice, machado e armas de fogo. Gerou-se um atrito com grande violncia, tendo morte imediata o civil Cid Martins delegado de policia e o soldado nr. 2855 Jorge Paulo de Freitas (...) 76 ... j les[sic] apresentavam revolta contra a Polcia; disse que logo agrediram ao Delegado e ao Soldado Freitas e o ofendido os advertiu para que no fizesse aquilo (...) mesmo assim os amotinados no desistiram da agresso Polcia gerando a luta.77

Dando visibilidade ao nome do Soldado Freitas no caso das tarrafas e da sua morte junto ao subdelegado no conflito refora a inteno da vingana como principal motivo do conflito. Ou como disse Francisco Martins: ... de nada valeram suas

75

IPM n. 002/71-SSJD/PMC Termo de Perguntas ao Indiciado Francisco Blaudo de Sousa Barros (15/01/1971), fls. 11; 76 IPM n. 002/71-SSJD/PMC Parte NR. 3/71 (Fortaleza 08/01/1971), fls. 07; 77 IPM n. 002/71-SSJD/PMC Termo de Perguntas ao Ofendido Francisco Silva Rocha Cabo PM (25/01/1971), fls.20;

37 splicas, pois os agressores se encontravam como loucos (...) procurou correr para fugir a sanha assassina dos colonos de Pio... 78. Pio Nogueira o principal indiciado considerado o maior responsvel, o articulador das mortes dos policiais. As acusaes contra Pio, fazem esquecer a ao de desapropriao a mando de Jlio Csar Campos, Existem lacunas nos depoimentos que poderiam imputar culpa a Jlio Csar Campos, que foram deixadas de lado... o depoente encontrou-se com uma turma armada de foice e enxada que o depoente pensava ser colonos da fazenda (...) porm tratava-se dos homens que haviam seguido desta cidade para arrombar a parede do aude da fazenda.79

Lembremo-nos que o aude mesmo dentro de uma propriedade privada era obra do DNOCS o que era, e ainda , comum no Nordeste como nos afirma Francisco de Oliveira em Elegia para uma Re(li)gio80 e isso foi contestado pelo advogado Lindolfo Cordeiro acusando Csar Campos de sabotagem o que foi desconsiderado pelas autoridades competentes81. O depoimento de Jlio Csar Campos, o nico com quatro pginas, procedido 73 dias aps o conflito. A demora beneficiou Csar Campos, havendo tempo para tecer sua defesa e limpar seu nome, tanto judicialmente como publicamente, visto que o depoimento dado ao Delegado Especial foi publicado na imprensa estadual pelo Jornal O Povo82. Em seu depoimento Jlio Csar ataca veemente o Sindicato (como chama a Federao dos Trabalhadores na Agricultura no Estado do Cear FETRAECE), e aquele que considera seu representante direto Pio Nogueira, relata que: ... depois quePio e seus seguidores haverem se filiado ao Sindicato dos trabalhadores Rural [sic] passaram a afirmar que a terra lhes pertencia e que no haviam de pagar coisa alguma ao

78

IPM n. 002/71-SSJD/PMC Termo de Perguntas a Testemunha Francisco Martins (03/03/1971), fls. 41; 79 IPM n. 002/71-SSJD/PMC Termo de Perguntas a Testemunha F. Lucas Dolle (05/03/1971), fls. 45; 80 OLIVEIRA, Francisco de. Elegia para uma Re(li)gio-Sudene, Nordeste: Planejamento e Conflitos de classes . 6 Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, pp. 51-55; 81 Advogado quer enquadramento de Csar na Lei de Segurana. Gazeta de Notcias. Ano XLIV n. 12536. Fortaleza. tera-feira, 02 de fevereiro de 1971, Policial, p.06; 82 Csar acusa Sindicato no conflito de Canind. O Povo. Ano LVIII n. 13.345. Fortaleza. tera-feira, 02 de fevereiro de 1971, Policial, p.09;

38declarante...83 .Perguntado se havia moradores que no eram filiados a FETRAECE,

respondeu ... que existe, acrescentando ainda que todos vivem em perfeita harmonia com o declarante84

e ... atribui a culpa a m orientao dada pelo Sindicato dos

trabalhador Rural [sic]85. Csar Campos se contradiz em afirmar que ...Pio indevidamente autorizou a pescaria no aude, quando este encontrava-se quase sco [sic] provocando desta forma um mistura na gua que era pouca, e, impedindo consequentemente, de ser a mesma utilizado pelo gado... aude? Algumas pessoas afirmaram que se foram Japuara para assistir a sadas dos peixes, como o Sr. Francisco Moreira Sampaio, que estava no local e emprestou seu jipe para que os policiais militares retornassem Canind, onde disse que ... haviam dito que iam arrobar o aude e o depoente queria ver os peixe [sic] que sairia nas guas...87, o que tambm mostra que a populao sabia da ao de Csar Campos, e provavelmente as autoridades incluindo o Coronel Raimundo Pereira Filho tambm tinham cincia da ao, e mesmo assim nada fizeram, Na Soluo do inqurito, vemos qual fora a forma que melhor correspondia as respostas que se queria darDiante o expsto[sic] conclui-se que o Sr. Jlio Csar Campos, Otvio Abreu de Sousa, Francisco Nogueira Barros e seus companheiros so os responsveis diretos pela chacina ocorrida na Fazenda Japuara, deixando claro, a imprudncia e incapacidade do ex-Delegado de Polcia Cdio Martins.86

, pois se a gua era pouca, de que valia arrombar a parede do

Indiciando responsveis, sem, no entanto definir quais crimes cada um responsvel. No indo, Jlio Csar Campos e Otvio Abreu julgamento, ficou para os agricultores o ttulo de criminosos, e como o espao de tempo entre indiciao e julgamento 13 anos ter sido muito grande, o veredicto no consegui apagar o que o

83

IPM n. 002/71-SSJD/PMC Termo de Perguntas a Testemunha Jlio Csar Campos (26/03/1971), fls. 113; 84 IPM n. 002/71-SSJD/PMC Idem, fls. 114; 85 Ibidem, fls. 115; 86 Idem, fls. 113; 87 IPM n. 002/71-SSJD/PMC Termo de Perguntas a Testemunha Francisco Moreira Sampaio (05/03/1971), fls. 47;

39 senso comum da comunidade canindeense reconheceu como verdade, j que acreditaram no julgo dos militares.

1.3 EXTRA! EXTRA! MANCHETES, NOTCIAS E NARRATIVAS. CONTRIBUIO DOS JORNAIS NA PERPETUAO DA MEMRIA VIOLENTA DA JAPUARA. incontestvel a grande contribuio dos peridicos na vida intelectual e na formao da opinio da populao letrada de uma sociedade. Tambm incontestvel a responsabilidade que pousa nos ombros dos reprteres e editores, estes tm que d a notcia numa maneira vendvel e crvel. Os peridicos gozam de um elevado prestgio dentro das classes leitoras, pois se acredita que suas informaes so produtos de maior elaborao, pois sendo impressos, podero ser melhor analisado pelo consumidor-leitor diferente da TV e Rdio que d a notcia em cima da hora de maneira dinmica e teatral. Mas no podemos nos esquecer que tambm os jornais...se nos apresentam individualmente, como se cada um deles fosse um coral, onde divergentes modalidades de expresso so apresentadas, mas sempre dirigidas por um maestro, simbolizando o comportamento poltico e social de seus diretores. Por isso, os testemunhos apresentados ou as opinies divulgadas sempre se 88 adequam aos princpios ticos, orientadores dos rgos noticiosos.

E os princpios ticos e orientadores que permeavam os peridicos no espao temporal que tratamos de analisar 1971, pleno Regime Militar ps-AI-5 - eram os mais levianos e parciais, o Estado utilizava-se dos meios de comunicao direta ou indiretamente censurando o que no achava digno de ser transmitido a populao. Utilizando-se desses mecanismos o Governo Federal calou a voz de muitas pessoas,

88

JUC, Gisafran Nazareno Mota. A Oralidade dos velhos na polifonia urbana. Fortaleza: Imprensa Universitria, 2003, p. 64;

40 apagou vrios personagens da histria, criando inmeros marginalizados do processo histrico da formao da memria oficial89. Em nosso caso, o conflito da Japuara, os peridicos foram fundamentais para a divulgao do evento, pois na dcada de 1970 os meios de comunicao de massa atuais como rdio e televiso ainda no atingiam um grande pblico no interior do Estado. Sendo que a televiso ainda era mais um smbolo de status social muito cara para a maior parcela da populao do que entretenimento, e em muitas cidades emissoras locais ainda no era uma realidade. Notcias radiofnicas eram ouvidas atravs de difusoras radiadoras que retransmitiam a programao de determinadas radias da capital90 abrangendo um limitado nmero de espectadores. O grande pblico, principalmente em Canind, a notcia chegava atravs da divulgao boca--boca, na mesas de bares, nos mercados, enfim na boca-mida. Considerando que a maioria das notcias divulgadas vias rdio, so frutos de reportagens jornalsticas, podemos considerar que os peridicos como principal fonte das informaes tornadas pblicas, estabelecendo ento, sua importncia para a melhor apreenso das memrias criadas sobre o conflito na Japuara. As notcias impressas do confronto tiveram dois momentos distintos; primeiro nas publicaes imediatas ao conflito dias 03, 04 e 05 a da brutalizao na ao dos moradores, mostrando os agricultores como pessoas extremamente violentas, afirmando o dolo na ao. Aps, dar-se o oposto, mesmo que debilmente, alguns jornais publicam matrias que defendem os agricultores, alguns artigos criticam o latifndio mas nunca citam os proprietrios, apenas os locais em litgio. Durante toda a cobertura jornalstica pesquisada, meses janeiro e fevereiro de 1971 os peridicos mesmo criticando as relaes sociais que geraram conflitos rurais dentro do estado, no apiam o Estado, seja legitimando as aes policiais na manuteno da ordem, ou posteriormente, aclamando a deciso do governo em promover a desapropriao da fazenda.

89

CAPARELI, Srgio. Ditaduras e Indstrias Culturais no Brasil, na Argentina, no Chile e no Uruguai (1964-1984). Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1989; 90 Canind dispunha poca com duas radia-difusoras, uma funcionando no centro da cidade na Loja Casa Marreiro (pertencente a famlia de mesmo nome) e outra no Alto Guaramiranga de propriedade do falecido Sr. Jos Itamar de Lima, mais conhecido por Belini que retransmitia as notcias da Radia Drago do Mar;

41 Analisando o primeiro momento das notcias dos peridicos vemos como se estabeleceu uma rede de informaes a cerca do caso. Constatamos tambm a confuso e o imediatismo que seu deu entre os peridicos que ofereceram informaes conflituosas, inexatas e contraditrias. Avaliando as manchetes vimos como o sensacionalismo permeou as primeiras pginas dos diversos jornais que circulavam no estado, Disputa de terra gera conflito e morte na cidade santa do Cear anunciava o Jornal O Dia91 Rio de Janeiro sucursal de Fortaleza Luta entre policiais e camponeses em Canind termina com seis mortos, estampava a capa do Gazeta de Notcias92 de Fortaleza, Canind virou campo de batalha com quatro mortos informava a capa do O Estado93 tambm de Fortaleza, sendo que em seo policial informava Chacina em Canind: camponeses mataram a foice o delegado, trs soldados e um civil. Essa ltima traz na manchete um excesso que legitima o termo chacina para o conflito. Chacina e carnificina sero os temos que os jornais utilizaro para se referirem ao conflito. Invaso Gera luta de foice, pua, revlver e espingarda94, Canind: invaso se transforma em carnificina entre homens enfurecidos95,anunciava o Correio do Cear de Fortaleza, dando a entender que os agricultores invadiram as terras e entraram em embate. A importncia de uma demora nas manchetes jornalsticas dar-se porque esse o primeiro contato que os leitores tero, a partir dela que criaro a expectativa da leitura da matria preconcebendo juzos. As matrias eram igualmente sensacionalistas e depreciativas paraos agricultores, como veremos a segui.Julgando-se com direito de posse de terra que ocupava h mais de vinte anos, o pequeno agricultor, delegado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Canind, Francisco Nogueira, mais conhecido por Pio, resistiu ferozmente ontem, invaso determinada pelo proprietrio Csar Campos, provocando um conflito no qual morreram quatro homens e muitos outros sairam [sic] feridos.91

Disputa de terra gera conflito e morte na cidade santa do Cear. O Dia. Sucursal-Fortaleza. domingo, 03 de janeiro de 1971; 92 Luta entre policiais e camponeses em Canind termina com seis mortos. Gazeta de Notcias. Ano XLIV n. 12515. Fortaleza. Domingo 3 e segunda-feira 04 de janeiro de 1971, Capa, p.01 93 Canind virou campo de batalha com quatro mortos. Capa e Chacina em Canind: camponeses mataram a foice o delegado, trs soldados e um civil. Policia. O Estado. Fortaleza: domingo 3 e segunda-feira 04 de janeiro de 1971. p. 01 e 07; 94 Invaso Gera luta de foice, pua, revlver e espingarda. Correio do Cear. Ano LVII. n. 17.004. Fortaleza: segunda-feira, 04 de janeiro de 1971. Capa, p.01; 95 Canind: invaso se transforma em carnificina entre homens enfurecidos. Correio do Cear. Ano LVII. n. 17.004. Fortaleza: segunda-feira, 04 de janeiro de 1971. Policial, p. 07;

42A cena sangrenta teve lugar na Fazenda Japuara (...) comeou s 8 horas da manh de ontem, prolongando-se at o meio dia. No conflito, perderam a vida o subdelegado de Canind, Cid Martins, o soldado Jorge de Paula Freitas, Raimundo Nonato Paes, sendo este ltimo, de parte de Pio.96

O conflito que de acordo com o jornal durou quatro horas, ainda conta queFrei Lucas, o vigrio da Parquia de So Francisco, tomando conhecimento do que se passava no stio Japuara, encaminhou-se para l e usando uma bandeira branca, conseguiu acalmar os nimos e penetrar no interior da casa de Pio, de onde retirou os cadveres (...). Com a chegada do religioso, o tiroteio acalmou-se por alguns minutos, mas logo depois ressurgiu, agora alastrando-se pelas matas, onde os agricultores tentaram refgio97

O jornal apresenta um respeito ao religioso digno da cidade da f. Todos os combatentes baixarem as armas enquanto o proco retirava os mortos e feridos para prestar os socorros fsicos e espirituais, mas aps sua sada retornaram ao confronto. A ferocidade da luta no se restringiu s coma polcia, pois houve a primeira vtimaO primeiro a se aproximar da casa foi o carreteiro Joaquim de Sousa, e subiu no teto, disposto a derrub-lo sobre a famlia de Pio, muito embora este fizesse inmeros apelos, para que no executasse o plano. Como o carreteiro no atendesse a seus pedidos, o posseiro da terra atacou-o a pauladas. Ao primeiro ataque desfechado por Pio, o restante dos homens correu apavorado e o carreteiro foi abatido a pancadas. Os 79 homens que correram vendo a cena sangrenta...98[grifos meus]

Vimos que Pio matou o carreteiro a pauladas observe que ele estava dentro e apareceu em cima a casa e de to violento afugentou os outros 79 contratados. Os jornais nos apresentam um perfil agressivo em demasia de como o conflito se iniciou e se desenvolveu, e como os agricultores se portaram. No querendo retirar a culpa de ningum, o caso que a notcias so berrantemente exageradas durante esses primeiros dias aps o conflito, e de acordo com o dito popular a primeira impresso a que fica.

96

Velha questo de terra provoca batalha com 6 mortos em Canind. Gazeta de Notcias. Ano XLIV n. 12515. Fortaleza: Domingo 3 e segunda-feira 04 de janeiro de 1971, Policial, p.06; 97 Idem; 98 Ibidem;

43 Acreditamos que os exageros propalados pelos peridicos formam uma forma de legitimar a ao policial que se esperava ser vingativa como veremos a seguirA chegada destes contingentes [reforo policial], na Fazenda Japuara, veio revitalizar a revolta dos trabalhadores rurais, motivando o ressurgimento da luta, com perigo de muitas outras perdas humanas. At o incio da noite (...) a luta prosseguia, embora em propores menores, reinando grande inquietao em toda a cidade. Os prprios policiais (...) faziam prognsticos de que pelo menos 10 pessoas ainda podiam perder a vida durante a noite, pois os 50 agricultores revoltados reagiam ferozmente, entrincheirados no matagal e dentro de casa, enquanto a polcia tentava avanar99.

Quais agricultores resistiram ferozmente dificilmente saberemos, pois os envolvidos no conflito estavam nas matas fugindo. Consideramos ento que tais pronunciamentos da polcia era uma forma de justificar o que poderia acontecer caso encontrasse os fugitivos. O jornal o Povo utiliza-se de depoimentos de moradores das proximidades para reafirmar o medo que o conflito causou. Uma forma de mostra que outros agricultores no estariam de acordo com o confronto....elementos que se encontram presos na cadeia Pblica desta cidade, ouvidos pela reportagem do O POVO, negam participao no conflito de Japuara, mas acusam fortemente a Francisco Nogueira Pio, como um dos responsveis pelo acontecido. (...) informaram que foram convidados por Pio para permanecerem no local100

No s depoimentos mais tambm fotografias de pessoas foram utilizadas para reforar a idia de que o grupo do conflito era um grupo isolado e desaprovado pelos demais. Alm de oferecer subsdios para se formar um mau conceito sobre os agricultores, os peridicos ainda lanam informaes que melhoraram a imagem do comerciante....o fazendeiro Csar Campos, que se encontra em Fortaleza, autorizou (...) distribuir medicamentos para os doentes, inclusive para

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Ibidem; Pio e mais doze do grupo de presos. O Povo. Ano LVIII n. 13.318. Fortaleza. quarta-feira, 06 de janeiro de 1971, Policial, p.09;100

44o pessoal ligado ao grupo de Francisco Pio. noite de ontem, a Polcia fez uma relao dos doentes. 101

No bastando propagar ao extremo a belicosidade dos agricultores do conflito, os contrapem com a boa-vontade do fazendeiro a doao foi veemente contestado pelos entrevistados. O mau conceito que fora formado e divulgado pelos peridicos foram desproporcionalmente maior do que as retrataes feitas posteriormente. As matrias a favor dos camponeses apareciam tmidas entre as informaes sobre a revolta.No preciso recontar os fatos ocorridos em Canind, que todos j conhecem. Mas necessrio dar-lhe interpretao correta para que possam receber tratamento igualmente correto da parte das autoridades...102FOTO 4

MDO FAZ REZAR. ... Maria de Oliveira leva o dia todo a rezar, pedindo a Deus para que outros casos no venham mais acontecer na fazenda Japuara. (...) nunca na vida viu coisa mais feia do que briga de foice. Depois correu cega pelas matas, parecendo que o mundo para ela tinha se acabado103.101

Pio e mais doze do grupo de presos. O Povo. Ano LVIII n. 13.318. Fortaleza. quarta-feira, 06 de janeiro de 1971, Policial, p.09; 102 Pio apresenta-se e mais 12 so presos. O Povo. Ano LVIII n. 13.318. Fortaleza. quarta-feira, 06 de janeiro de 1971, Capa, p.01; 103 Medo faz rezar. O Povo. Ano LVIII n.13.316. Fortaleza. segunda-feira, 04 de janeiro de 1971, Capa, p.01;

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A partir dessa nova interpretao que surgiu quando os agricultores se apresentaram na justia, trouxeram novos critrios para matrias que passaram a defend-los, apresentando novas informaes como esta:O Delegado Regional do Trabalho, Vicente Cndido Neto, v no primeiro impulso dos agricultores da fazenda Japuara uma atitude de defesa legtima, garantida por lei, (...) invocando alguns captulos do Estatuto da Terra, citou que o proprietrio da fazenda Japuara no tinha amparo legal para mandar arrombar o aude e derrubar as casas, com a finalidade de expulsar os moradores. (...) os moradores de propriedades agrcolas no podem sair das terras enquanto no receberem as indenizaes das benfeitorias teis (...). Em face disto, o proprietrio no poderia fazer justia pelas prprias mos...104

Em pose desses novos critrios, os peridicos abriram espao para quem apoiava os agricultores como a FETRAECE que afirmava ...est de posse de farta documentao, que comprova a irregularidade da venda da fazenda Japuara ao Sr. Csar Campos...105. Os advogados que assessoraram os agricultores tiveram a possibilidade de denunciar aqueles que at ento denunciavam. Como o advogado