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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
6ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE FOZ DO IGUAÇU PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO E FUNDAÇÕES
____________________________________________________
1 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ____ª
SECRETARIA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE FOZ DO
IGUAÇU-Pr.
A Ministra Eliana Calmon já decidiu que: “(...) Diante
das Leis de Improbidade e Responsabilidade Fiscal,
inexiste espaço para o administrador 'desorganizado',
'desleixado', 'despreparado', e 'despido de senso de
direção'. Não se pode conceber, principalmente na atual
conjuntura política, que um Prefeito, legitimamente
eleito, assuma a administração de um Município e deixe
de observar as mais comezinhas regras de direito
público e, o que é pior, tentar colocar tais fatos no
patamar de meras irregularidades” (Superior Tribunal de
Justiça - REsp nº 708.170/MG).
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO
DO PARANÁ, por seu Promotor de Justiça que ao final assina, no uso de suas
atribuições junto à PROMOTORIA ESPECIAL DE DEFESA DO
PATRIMÔNIO PÚBLICO, com fulcro no artigo 129, inciso III, da Constituição
Federal, artigo 25, inciso IV, letras "a" e "b", da Lei nº 8.625/93, artigos 1º e 5º,
da Lei nº 7.347/85, e 17, da Lei nº 8.429/92, vem, respeitosamente, perante
Vossa Excelência, propor a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
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2 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
em face a:
RENI CLÓVIS DE SOUZA PEREIRA, brasileiro, casado, Prefeito Municipal
de Foz do Iguaçu-Pr, portador do Título de Eleitor nº 060698110604, natural de
Santo Antônio do Sudoeste-Pr, nascido aos 13/01/1970, filho de Moacir de
Castro Pereira e de Fredolina de Souza Pereira, podendo ser localizado na Praça
Getúlio Vargas, nº 280, Centro, CEP 85851-340, nesta cidade e Comarca de Foz
do Iguaçu-Pr;
RICARDO VINICIUS CUMAN, brasileiro, solteiro, Secretário Municipal da
Administração e Gestão de Pessoas, natural de Curitiba-Pr, nascido aos
30/06/1983, filho de Antônio Ivo Cuman e de Marli Anita Manfron Cuman,
portador do Título de Eleitor nº 079444030620, podendo ser localizado na Praça
Getúlio Vargas, nº 280, Centro, CEP 85851-340, nesta cidade e Comarca de Foz
do Iguaçu-Pr;
CLAUDIA CANZI, brasileira, casada, Procuradora Municipal (matrícula nº
1128101), nascida aos 10/02/1960, inscrita no CPF sob o nº 042.391.199-60,
residente e domiciliada na Al Itai Chácara Lua Cheia, Loteamento Dom Emilio,
CEP 85.853-727 e/ou Rua Belarmino de Mendonça, nº 107, Sala 201, Centro,
CEP 85.851-100, ambos nesta cidade e Comarca de Foz do Iguaçu-Pr;
LETTICE APARECIDA DIAS CANETE DE LIMA, brasileira, solteira,
então Secretária Municipal de Saúde, inscrita no CPF/MF sob o nº 041.914.449-
80, domiciliada na Avenida Brasil, nº 1.637, 3º andar, Sala 313, Centro, CEP
85.851-000, nesta cidade e Comarca de Foz do Iguaçu-Pr;
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3 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
HOTEL BELLA ITALIA LTDA, pessoa jurídica de direito privado,
cadastrada no CNPJ/MF sob o nº 81.257.156.0001-54, representada por Arnaldo
Bortoli, brasileiro, casado, portador da Cédula de Identidade RG nº 467.079
SSP/RS, inscrito no CPF/MF sob o nº 164.005.349-20, com sede à Avenida
República Argentina, nº 1.700, Centro, nesta cidade e Comarca de Foz do
Iguaçu-Pr; e
ARNALDO BORTOLI, brasileiro, casado, portador da Cédula de Identidade
RG nº 467.079 SSP/RS, inscrito no CPF/MF sob o nº 164.005.349-20, residente
à Avenida República Argentina, nº 1.700, Centro, nesta cidade e Comarca de
Foz do Iguaçu-Pr;
pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos:
1. DOS FATOS:
No dia 06 de novembro de 2013, a empresa
hoteleira HOTEL BELLA ITALIA LTDA celebrou o Contrato nº 177/2013
com o Município de Foz do Iguaçu-Pr - mediante dispensa de prévio
procedimento licitatório - o qual tinha como objeto “a prestação de serviços de
hospedagem incluindo 60 (sessenta) diárias, em apartamento duplo, com
fornecimento de café da manhã e jantar para atender aos profissionais
médicos contratados através do Programa Federal “Mais Médicos”, conforme
especificações constantes no Processo de Dispensa de Licitação nº 113/2013 e
seus anexos”, consoante documento de fls. 86/90.
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O sobredito pacto foi assinado pelo Prefeito
Municipal RENI CLÓVIS DE SOUZA PEREIRA, pela então Secretária
Municipal de Saúde LETTICE APARECIDA DIAS CANETE DE LIMA e
pelo representante legal da empresa hoteleira ARNALDO BORTOLI, restando
acordado o valor de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais) para a prestação dos
serviços contratados pela urbe, nos termos da cláusula terceira da sobredita
avença.
No afã de inviabilizar o caráter competitivo na
contratação realizada pelo Poder Público, impossibilitando a participação dos
demais prestadores do serviço hoteleiro, CLAUDIA CANZI (Procuradora do
Município de Foz do Iguaçu-Pr) manifestou-se favoravelmente à dispensa de
prévio procedimento licitatório (fls. 54), utilizando esdruxulamente como
fundamento o art. 24, inciso X, da Lei Federal nº 8.666/93, que dispõe:
“Art. 24. É dispensável a licitação:
X - para a compra ou locação de imóvel
destinado ao atendimento das finalidades
precípuas da administração, cujas
necessidades de instalação e localização
condicionem a sua escolha, desde que o
preço seja compatível com o valor de
mercado, segundo avaliação prévia
(Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)”.
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Sendo assim, após parecer favorável da
sobredita Procuradora, distorcendo dolosamente a letra da lei, e mediante
simples cotação de preços com três fornecedores da cidade, quais sejam: Nadai
Confort Hotel (R$ 190,00), Águas do Iguaçu (R$ 160,00) e HOTEL BELLA
ITALIA LTDA (R$ 250,00) - em que somente este último atendeu as
exigências do Município de Foz do Iguaçu-Pr, conforme demonstra o documento
de fls. 63 -, instaurou-se o Processo de Dispensa de Licitação nº 113/2013, o
qual foi assinado pelo Secretário Municipal de Administração e Gestão de
Pessoas RICARDO VINICIUS CUMAN, sendo posteriormente ratificado pelo
Chefe do Executivo RENI CLÓVIS DE SOUZA PEREIRA (fls. 72/73).
É evidente que os requeridos visavam a
contratação da empresa HOTEL BELLA ITALIA LTDA, tanto que
escolheram outros dois hotéis que não poderiam cumprir as exigências impostas
pela urbe, conforme se infere na tabela constante no documento de fls. 63, assim
redigida:
Cotação Preços Hospedagem Programa Mais Médicos
Nome Hotel Diária Apto. Duplo Café Manhã Jantar Justificativa Nadai Confort Hotel R$ 190,00 SIM SIM Não tem
disponibilidade de
vagas para o período
contínuo de 60 dias.
Águas do Iguaçu R$ 160,00 SIM NÃO Não atende por não
ofertar jantar.
Bella Itália R$ 250,00 SIM SIM Atende todos os
requisitos.
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6 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
Além disso, as certidões negativas
apresentadas pelo HOTEL BELLA ITALIA LTDA foram emitidas em data
posterior à celebração do instrumento contratual, conforme se infere nos
documentos de fls. 104/106 e 113.
De se observar que o mencionado contrato foi
celebrado em 06 de novembro de 2013 (fls. 83), muito antes da emissão das
sobreditas certidões, conforme a seguir demonstrado:
Certidão Data Emissão Fls. do ICP
Estadual 06 de dezembro de 2013 104
Municipal 07 de janeiro de 2014 113
FGTS 06 de dezembro de 2013 105
Trabalhista 06 de dezembro de 2013 106
Como se vê, a assinatura do contrato era
questão de mera formalidade, já que a contratação do HOTEL BELLA
ITALIA LTDA já estava previamente arquitetada pelos requeridos, tanto que
não se preocuparam em exigir prévia comprovação de quitação tributária,
ferindo de morte o princípio da impessoalidade.
Concluindo o intento ímprobo, RENI
CLÓVIS DE SOUZA PEREIRA e LETTICE APARECIDA DIAS
CANETE DE LIMA autorizaram que a sobredita empresa firmasse contrato de
prestação de serviços com a municipalidade sem comprovar que estaria
adimplente com os entes da Federação e sem demonstrar que não havia débitos
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7 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
trabalhistas ou previdenciários pendentes, tudo em conluio com RICARDO
VINICIUS CUMAN, CLAUDIA CANZI e ARNALDO BORTOLI.
Conforme demonstram os documentos de fls.
99/112, o pagamento do valor pactuado foi realizado em duas parcelas mensais
de R$ 52.500,00 (cinquenta e dois mil e quinhentos reais), consoante
comprovam as notas de empenhos nºs 11471/2013 e 13493/2013, ambas
assinadas pela Secretária Municipal de Saúde LETTICE APARECIDA DIAS
CANETE DE LIMA.
Como se não bastasse, a dispensa de licitação
para a prestação de serviços de acomodação dos médicos integrantes do
“Programa Federal Mais Médicos” também ofendeu o disposto na legislação que
rege a matéria, haja vista que tal hipótese não se enquadra em nenhum dos
incisos do art. 24 da Lei Federal nº 8.666/931.
Assim agindo, os requeridos praticaram atos de
improbidade administrativa que causaram prejuízo ao erário e que também
atentam contra os princípios da Administração Pública, já que tais condutas se
subsumem perfeitamente ao disposto no art. 10, inciso VIII, e art. 11, inciso I,
ambos da Lei Federal nº 8.429/922.
1 Art. 24. É dispensável a licitação: X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia. 2 Art. 10. (...) VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; Art. 11. (...) I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência.
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8 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
No caso em tela, é incontestável a existência
de ilegalidade, imoralidade e impessoalidade no trato do Prefeito Municipal
RENI CLÓVIS DE SOUZA PEREIRA com a res pública, já que, em conluio
com os demais requeridos, dispensou, fora dos casos previstos em lei, a
realização de prévio procedimento licitatório para contratar a prestação de
serviços de hospedagem, fato que constitui ato ímprobo, passível de ensejar a
aplicação da Lei de Improbidade Administrativa.
Oportuno ressaltar que a cidade de Foz do
Iguaçu-Pr abriga uma ampla rede hoteleira, contanto com mais de (150) cento e
cinquenta estabelecimentos dedicados à hospedagem, superando a casa de (21)
vinte e um mil leitos, consoante dados extraídos da internet (documentos em
anexo).
De qualquer ângulo que se visualize a questão,
não havia justificativa para a dispensa de prévio procedimento licitatório para
escolha de determinado hotel desta cidade para prestar o almejado serviço.
2. DOS FUNDAMENTOS:
2.1. DOS ATOS QUE CAUSAM PREJUÍZOS AO ERÁRIO:
A Lei nº 8.429/92 disciplina a repressão aos
atos de improbidade administrativa praticados por agentes públicos que
importem em enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e/ou atentem contra os
princípios da administração pública, estabelecendo as sanções aplicáveis aos
seus autores, dentre elas, a de ressarcimento integral do dano.
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9 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
O artigo 10º, caput, e inciso VIII, do aludido
diploma legal prevê:
“Art. 10. Constitui ato de improbidade
administrativa que causa lesão ao erário
qualquer ação ou omissão, dolosa ou
culposa, que enseje perda patrimonial,
desvio, apropriação, malbaratamento ou
dilapidação dos bens ou haveres das
entidades referidas no art. 1º desta lei, e
notadamente:
VIII - frustrar a licitude de processo
licitatório ou dispensá-lo indevidamente”.
Assim, pode-se dizer que, ao contratar de
forma direta a empresa HOTEL BELLA ITALIA LTDA, em flagrante ofensa
a Lei de Licitações (art. 24, inciso X), os requeridos RENI CLÓVIS DE
SOUZA PEREIRA (Prefeito Municipal), RICARDO VINICIUS CUMAN
(Secretário Municipal de Administração e Gestão de Pessoas), LETTICE
APARECIDA DIAS CANETE DE LIMA (Secretária Municipal de Saúde) e
CLAUDIA CANZI (Procuradora do Município), cada um cooperando de forma
relevante para a prática do ato ímprobo, dispensaram indevidamente prévio
procedimento licitatório e, consequentemente, inviabilizaram que os demais
prestadores de serviço hoteleiro pudessem oferecer propostas mais vantajosas
para a Administração.
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10 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
De se observar que o art. 24, inciso X, da Lei
nº 8.666/93 autoriza a dispensa de licitação “para a compra ou locação de
imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração,
cujas necessidades de instalação e localização condicionam a sua escolha,
desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação
prévia”.
Veja-se que o dispositivo acima mencionado
permite a dispensa de prévio procedimento licitatório para locação de imóvel e
não para prestação de serviços hoteleiros como quis fazer crer a Procuradoria
do Município.
Com efeito, o objeto do Contrato nº 177/2013
“é a prestação de serviços de hospedagem, incluindo 60 (sessenta) diárias, em
apartamento duplo, com fornecimento de café da manhã e jantar para atender
aos profissionais médicos (...)” - fls. 74/83 -.
Oportuno ressaltar que sobre a sobredita
contratação constituiu fato gerador do imposto sobre serviços de qualquer
natureza (ISSQN), o qual foi descontado na fonte, conforme demonstram os
documentos de fls. 93/94.
Tal tributo tem previsão legal no Anexo I, do
Código Tributário Municipal (Lei Complementar nº 82, de 24 de dezembro de
2003), que elenca em seu item 9, os seguintes serviços como passíveis de
configurarem o fato gerador do ISSQN, in verbis:
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11 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
“9. Serviços relativos a hospedagem, turismo,
viagens e congêneres.
9.01 - Hospedagem de qualquer natureza em
hotéis, apart-service condominiais, flat,
apart-hotéis, hotéis residência, residence-
service, suíte service, hotelaria marítima,
motéis, pensões e congêneres; ocupação por
temporada com fornecimento de serviço (o
valor da alimentação e gorjeta, quando
incluído no preço da diária, fica sujeito ao
Imposto Sobre Serviços)”.
Assim, não pairam dúvidas que não houve
locação de imóvel (o que, em tese, poderia ensejar a dispensa de licitação), mas
sim a efetiva contratação de prestação de serviços por parte do HOTEL BELLA
ITALIA LTDA, que exigia o prévio procedimento licitatório.
Conforme dito alhures, a cidade de Foz do
Iguaçu-Pr é servida por uma vasta gama de hotéis e estabelecimentos similares
que prestam os mesmos serviços contratados pela urbe, os quais poderiam
ofertar propostas mais vantajosas para a Administração.
Além disso, há dúvidas quanto a
compatibilidade do preço oferecido pela empresa hoteleira com os parâmetros de
mercado, já que para aferição do quantum a ser despendido pelo município, os
requeridos se limitaram a realizar cotação de preço com apenas e tão somente
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12 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
três empresas - onde se constatou que o único fornecedor que poderia prestar o
serviço seria o HOTEL BELLA ITALIA LTDA - (fls. 63).
Em consulta ao endereço eletrônico do
mencionado hotel (www.hotelbellaitalia.com.br) é possível verificar que a
empresa fornece aos seus clientes um apartamento duplo pelo valor de R$
234,00 (duzentos e trinta e quatro reais) a diária - incluído face da manhã – (doc,
em anexo).
Ora, se de qualquer pessoa que queira se
hospedar no sobredito estabelecimento, cobra-se tal quantia, por que o município
de Foz do Iguaçu-Pr teve que arcar com um custo superior (R$ 250,00)?
É evidente que a contratação de (60) sessenta
diárias contínuas justificava a redução do valor pago pela urbe, no entanto, isto
não ocorreu, já que, os requeridos, em conluio, entenderam por bem fixar um
preço maior do que aquele normalmente cobrado.
De qualquer modo, a necessidade da
administração pública municipal não exigia a contratação de um hotel específico.
Aliás, o simples fato de ter sido realizada consulta de preços com outros hotéis
da cidade demonstra que era possível a realização de licitação, visto existir, com
as necessidades eleitas pela municipalidade, mais de um prestador de serviço
hoteleiro (mais de 150, como dito alhures).
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13 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
Somente com a instauração do procedimento
licitatório, com transparência e publicidade, é que poderia se aferir, com certeza,
a oferta mais vantajosa ao erário, pois de acordo com o art. 3° da Lei Federal n.°
8.666/1993, “a licitação destina-se a garantir a observância do princípio
constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a
administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será
processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da
legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da
probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do
julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”.
É inquestionável que a contratação da dita
empresa para prestar serviços hoteleiros, em desacordo com a legislação
pertinente, importa em prejuízo ao erário, já que qualquer diminuição do
patrimônio público advinda de ato inválido caracteriza dano e redunda no dever
de ressarcir.
E é aí que se inclui o dever por parte dos
requeridos em recompor à Administração quanto aos prejuízos por esta
suportados, consoante artigos 37, § 4º, da Constituição da República e 4º e 5º da
Lei Federal nº 8.429/92.
Aliás, assim têm reconhecido a doutrina3:
3 FERRAZ, Sérgio e FIGUEIREDO, Lúcia Valle. op. cit. p. 93, 106-107.
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14 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
“(...) o dinheiro público, exatamente por ser
res publica, há de ser gasto dentro da estrita
conformidade legal.
(...)
'Quem quer que utilize dinheiros públicos
terá de verificar seu bom e regular emprego,
na conformidade das leis, regulamentos e
normas emanadas das autoridades
administrativas competentes', ou seja:
'quem gastar, tem de gastar de acordo com
a lei'
Isso quer dizer: quem gastar em desacordo
com a lei há de fazê-lo por sua conta, risco e
perigos. Pois impugnada a despesa, a
quantia gasta irregularmente terá de
retornar ao Erário Público.
Não caberá a invocação, assaz de vezes
realizada, de enriquecimento ilícito da
Administração (...)”
De se ressaltar que a efetiva prestação do
serviço é irrelevante, uma vez que é o ato de direcionar a licitação para a
contratação da empresa HOTEL BELLA ITALIA LTDA, dispensando o
processo licitatório fora dos casos previstos em lei, que causa dano ao erário.
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15 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
Vale dizer: não se discute se o valor foi
cobrado estava dentro dos parâmetros usualmente praticados pelo mercado, pois
a lesão ao erário é presumida, caso demonstrada a irregularidade na contratação.
Isto porque o Poder Público deixa de, por
condutas de administradores, contratar a melhor proposta, ainda que
eventualmente esta pudesse ser da empresa contratada, pelo processo licitatório
frustrado.
Nesse sentido:
“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL DE
IMPROBIDADE. INDEVIDA DISPENSA
DE LICITAÇÃO. DANO AO ERÁRIO.
RESSARCIMENTO. LEGITIMIDADE
ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
CARACTERIZAÇÃO DE CULPA DA
EMPRESA CONTRATADA. PROVA DO
PREJUÍZO. DANO IN RE IPSA.
NECESSIDADE DE PRÉVIO
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO,
INACUMULATIVIDADE DE PENAS E
IMPOSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO
INTEGRAL DO QUE FOI RECEBIDO
CARENTES DE PREQUESTIONAMENTO.
DISCUSSÃO DOS TEMAS NO VOTO
VENCIDO. SÚMULA 320/STJ. (...) 3. A
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16 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
indevida dispensa de licitação, por impedir
que a administração pública contrate a
melhor proposta, causa dano in re ipsa,
descabendo exigir do autor da ação civil
pública prova a respeito do tema.
Precedentes da Segunda Turma (...) 5. Recurso
especial conhecido em parte e não provido”
(STJ. REsp 817921/SP. Rel. Min. Castro
Meira. j. 27.11.2012. p. 6.12.2012) - grifei -.
Assim, é desnecessário aferir se o serviço foi
prestado ou não e se os valores pagos à empresa contratada foram superfaturados
com efetivo prejuízo pecuniário à Administração. O dano, neste caso, decorre da
simples fata de observância do trâmite legal e da impossibilidade da
Administração Pública colher a melhor proposta.
Desta forma, ainda que eventualmente a
empresa hoteleira não tenha superfaturado o valor cobrado do erário, a mera
dispensa ilegal do procedimento licitatório caracteriza o ato ímprobo.
Neste sentido, já decidiu o e. Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná, in verbis:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. LESÃO AO
ERÁRIO. PONTO CONTROVERTIDO.
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17 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
EFETIVA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
DESNECESSIDADE. FRAUDE À
LICITAÇÃO. DANO PRESUMIDO.
É desnecessário aferir se o serviço foi
prestado ou não e se os valores pagos à
empresa contratada foram superfaturados,
com efetivo prejuízo pecuniário à
Administração, pois o prejuízo decorre da
simples falta de observância do processo
licitatório e da impossibilidade de a
administração pública colher a melhor
proposta. RECURSO PROVIDO” (TJPR.
Agravo de Instrumento nº 1118530-3, Relator
Des. Nilson Mizuta, julgado em 03 de
dezembro de 2013) - grifei -.
Oportuno descrever trechos do julgado acima
mencionado: “O objetivo da lei, neste caso, é impedir que o Administrador
contrate a empresa que melhor lhe convier, ainda que o valor contratado seja
igual ou semelhantes às demais empresas do ramo. Possibilitar que o agente
público possa escolher, utilizando de critérios eminentemente subjetivos, com
quem contratar, configuraria flagrante violação ao princípio da
impessoalidade”.
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18 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
Não se pode olvidar que toda a sistemática
prevista pela Lei Federal nº 8.666/93 baseia-se na presunção de que a obediência
aos seus ditames garantirá a escolha da melhor proposta em ambiente de
igualdade de condições.
Portanto, é desnecessário produzir provas
referentes à efetiva prestação ou não dos serviços ou relativas ao valor gasto com
a empresa contratada.
Ressalte-se que o parecer jurídico proferido
por CLAUDIA CANZI - favorável à dispensa de licitação - não exime os
demais requeridos de suas responsabilidades.
Neste sentido, já se manifestou o e. Tribunal
de Justiça do Estado do Paraná, in verbis: “O agente público deve respeitar e
fazer cumprir a Constituição Federal, as leis e os atos normativos. Qualquer
atuação desconforme ou incompatível com o alicerce legal o sujeitará à
responsabilização administrativa, mesmo que em obediência a uma ordem
superior hierárquica, pois o dever de obediência não pode ser ilimitado nem
cego” (Apelação Cível nº 759.222-1, Relator Des. Xisto Pereira, julgado em 30/05/2012).
Isso ocorre porque soa inadmissível a
obediência ilimitada ao parecer jurídico sem uma mínima reflexão ou
contraposição, impondo-se ao agente estatal, seja de que nível for, a obrigação
de examinar o conteúdo da ordem e avaliar sua adequação ao conjunto
normativo em vigor.
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19 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
Assim, o fato de terem sido orientados pela
Procuradoria do Município não tem o condão de afastar a responsabilidade do
Chefe do Executivo e seus respectivos Secretários, haja vista que conforme já
decidiu o Superior Tribunal de Justiça, “pareceres de juristas e da própria
Procuradoria Geral do órgão público não têm o condão de transformar o que é
ilícito, irregular ou viciado em ato administrativo legal, nem dispensam,
extirpam, reduzem ou compensam a responsabilidade dos administradores no
sentido de zelar pelo patrimônio público e pelos princípios que regem a
Administração” (AgRg no AREsp 307583 / RN, Segunda Turma, Rel.: Min. Castro
Meira, DJe 28/06/2013).
RICARDO VINICIUS CUMAN (Secretário
Municipal de Administração e Gestão de Pessoas) e LETTICE APARECIDA
DIAS CANETE DE LIMAS (então Secretária Municipal de Saúde), por sua
vez, não podem alegar desconhecimento das normas constitucionais e das que
regem as licitações diante da relevância dos seus cargos.
Como se sabe, na escala de hierarquia da
Administração Pública os Secretários Municipais apenas encontram-se abaixo do
Chefe do Poder Executivo, sendo logicamente detentores de vasto conhecimento
na sua área de atuação.
Nesse sentido, é que se configura a
legitimidade passiva ad causam deles, pois nas condições analisadas não podem
alegar que tinham o irrestrito dever de obediência a um comando hierárquico
ilegal.
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20 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
Com efeito, eles tinham o dever, em vista dos
princípios constitucionais que norteiam a administração pública, em especial os
da probidade, da legalidade e economicidade, de alertar e orientar o Prefeito
Municipal acerca da ilegalidade da dispensa do procedimento licitatório.
No entanto, nada disso fizeram, já que
preferiram contribuir com o ato ímprobo, tratando a res pública como se
particular fosse, o que não se pode admitir.
2.2. DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS QUE REGEM A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:
A Constituição da República estabelece, em
seu artigo 37, que:
“A administração pública direta, indireta
ou fundacional, de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios obedecerá aos princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:”
São os princípios da legalidade, moralidade,
impessoalidade, publicidade e eficiência, portanto, as vigas mestras de
orientação e regulamentação da Atividade Administrativa em qualquer dos
Poderes da República.
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21 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
Esses deveres são arrolados
exemplificativamente, a eles se podem acrescentar a boa-fé, igualdade,
proporcionalidade, dentre outros contidos nos princípios que norteiam a atuação
dos administradores.
Diógenes Gasparini, no que se refere ao
princípio da legalidade, leciona que:
“(...) a este princípio também se submete o
agente público. Com efeito, o agente da
Administração Pública está preso à lei e
qualquer desvio de suas imposições pode
nulificar o ato e tornar seu autor responsável
e, conforme o caso, disciplinar, civil e
criminalmente4”.
Inequívoco, destarte, que todo ato de agente
público deve ser realizado nos termos e limites da lei e da Constituição Federal,
pois ao administrador e à própria Administração somente é permitido fazer o que
a lei expressamente autorize.
A violação aos princípios norteadores da
Administração Pública, especialmente os da legalidade, moralidade e
impessoalidade, estão evidenciados em razão da desobediência do Prefeito
Municipal RENI CLÓVIS DE SOUZA PEREIRA às normas legais que
autorizam a dispensa de licitação, o qual, dolosamente, privou a concorrência e a
4 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 6.
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22 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
competitividade que deveria existir entre todos aqueles que tivessem interesse
em contratar com a municipalidade.
A Lei nº 8.666/93, que regulamenta o art. 37,
inciso XXI, da Constituição Federal, e instituiu normas para licitações e
contratos da Administração Pública, em seu art. 3º, define que: “A licitação
destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a
seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do
desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita
conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da
moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da
vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes
são correlatos”.
No entanto, nada disso foi observado, já que a
realização de dispensa de procedimento licitatório fora dos casos autorizados por
lei e a simples cotação de preços (em que somente a empresa HOTEL BELLA
ITALIA LTDA “atendeu aos anseios da urbe”) inviabilizou que as demais
empresas que prestam serviços hoteleiros pudessem ofertar propostas mais
vantajosas para o município iguaçuense.
Com efeito, a Administração deve ocorrer de
modo impessoal, pois serve aos interesses de todo o povo, pautando-se sempre
pela eficiência e estabilidade, não pelo benefício pessoal e pelo compadrio.
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23 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
Ao contratarem o HOTEL BELLA ITALIA
LTDA, em detrimento dos demais estabelecimentos hoteleiros da cidade, os
requeridos RENI CLÓVIS DE SOUZA PEREIRA (Prefeito do Município de
Foz do Iguaçu), RICARDO VINICIUS CUMAN (Secretário Municipal de
Administração e Gestão de Pessoas), LETTICE APARECIDA DIAS
CANETE DE LIMAS (Secretária Municipal de Saúde) e CLAUDIA CANZI
(Procuradora do Município) certamente violaram os princípios da Administração
Pública - sobretudo os da Legalidade, Moralidade e Impessoalidade -.
O dolo do administrador, segundo
MAZZILLI5, se realiza na “vontade genérica de fazer o que a lei veda, ou a de
não fazer o que a lei manda” e prescinde de qualquer especial motivo, quer
mesmo o de beneficiar a si ou a outrem com seu ato, bastando que coexistam a
consciência e a vontade de se desviar da conduta preceituada pela norma.
E essa vontade consciente e dirigida ao fim de
vulnerar a norma é bastante lívida no caso em apreço, conforme amplamente
abordado anteriormente.
No caso, houve dolo de praticar a conduta que
satisfaça os elementos do tipo objetivo do art. 11, inciso I, da Lei de
Improbidade Administrativa. Vale dizer: RENI CLÓVIS DE SOUZA
PEREIRA, LETTICE APARECIDA DIAS CANETE DE LIMA,
RICARDO VINICIUS CUMAN e CLAUDIA CANZI, conscientes que a
5 MAZZILLI, Hugo Nigro A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 22. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 201.
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24 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
contratação direta estaria em total desconformidade com disposição legal (art.
24, inciso X, da Lei nº 8.666/93), entenderam por bem dispensar licitação,
privilegiando o HOTEL BELLA ITALIA LTDA em detrimento dos demais
estabelecimentos hoteleiros desta cidade, o que não se pode admitir.
Registre-se que o HOTEL BELLA ITALIA
LTDA e ARNALDO BORTOLI não podem se furtar de suas
responsabilidades, já que o art. 3º da Lei nº 8.429/92 é claro ao dispor que “as
disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não
sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de
improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”.
Além disso, não há dúvidas que a sobredita
empresa se beneficiou da ilegalidade cometida, na medida em que recebeu o
valor de R$ 105.000,00 (cento e cinco mil reais) por ter contratado de forma
direta com a urbe, conforme demonstram os documentos de fls. 93/112.
Não se pode olvidar, ainda, que o princípio da
moralidade administrativa também restou lesado.
Ao tratar do tema, leciona a doutrina6:
“A moralidade administrativa é um
princípio informador da ação
administrativa, devendo se pautar na 6 SILVA, Jarly. O desvio de finalidade do administrador público sob a ótica dos princípios
constitucionais da impessoalidade e moralidade. Disponível em: ,http://www.artigonal.com/direito-artigos/o-desvio-de-finalidade-do-administrador-publico-sob-a-otica-dos-principios-constitucionais-da-impessoalidade-e-moralidade-1602407.html> Acesso em 05/12/2012.
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25 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
consciência do administrador a vedação do
agir dissociado dos conceitos comuns,
ordinários, válidos, respeitando as
diferenças históricas do honesto e justo.
(...)
Tal princípio poderia ser identificado com
o da justiça, ao determinar que se trate a
outrem do mesmo modo que se apreciaria
ser tratado. O “outro”, aqui, é a sociedade
inteira, motivo pelo qual o princípio da
moralidade exige que, fundamentada e
racionalmente, os atos, contratos e
procedimentos administrativos venham a
ser contemplados à luz da orientação
decisiva e substancial, que prescreve o
dever de a Administração Pública
observar, com pronunciado rigor e a maior
objetividade possível, os referenciais
valorativos basilares vigentes, cumprindo,
de maneira precípua até, proteger e
vivificar, exemplarmente, a lealdade e a
boa-fé para com a sociedade, bem como
travar o combate contra toda e qualquer
lesão moral provocada por ações públicas
destituídas de probidade e honradez”.
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26 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
Ao agente público não basta agir
expressamente dentro da lei, exige-se que atue conforme a moralidade e
sentimento médio de justiça, de honestidade e de boa-fé.
A contratação direta de determinada empresa
para prestação de serviços hoteleiros em nítida violação ao disposto no art. 24,
inciso X, da Lei Federal nº 8.666/93 é, inevitavelmente, ato não apenas ilegal,
mas ainda, absolutamente imoral.
O legislador ordinário seguiu o mesmo caminho,
ao estabelecer no artigo 4º da Lei nº 8.429/92, que os agentes públicos são
obrigados a velar pela estrita observância destes princípios.
Destarte, todo administrador público tem,
necessariamente, que ter sua conduta pautada pelo respeito a estes princípios,
deles não podendo se desviar, sob pena de anulação do ato praticado e de
punição pela prática de improbidade administrativa, conforme previsto no artigo
11, da Lei nº 8.429/92, que estabelece:
“Dos atos de improbidade administrativa
que atentam contra princípios da
administração pública:
Art. 11. Constitui ato de improbidade
administrativa que atenta contra qualquer
ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade e
lealdade às instituições, e notadamente:”
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27 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
Ora, se houve inobservância de disposição legal,
houve ilegalidade e, portanto, ofensa/atentado contra o princípio e o dever de
legalidade, pois, como preleciona o saudoso Hely Lopes Meirelles7:
“A legalidade, como princípio de
administração (CF, art. 37, caput, significa
que o administrador público está, em toda sua
atividade funcional, sujeito aos mandamentos
da lei e às exigências do bem-comum, e deles
não se pode afastar ou desviar, sob pena de
praticar ato inválido e expor-se à
responsabilidade disciplinar, civil e criminal,
conforme o caso.
A eficácia de toda atividade administrativa
está condicionada ao atendimento da lei.
Na Administração Pública não há liberdade
nem vontade pessoal. Enquanto na
administração particular é lícito fazer tudo
que a lei não proíbe, na Administração
Pública só é perimido fazer o que a lei
autoriza. A lei para o particular significa
‘pode fazer assim’; para o administrador
público significa ‘deve fazer assim’”.
7 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro 20. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p.
82/83.
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28 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
Não se pode esquecer também que houve lesão
ao princípio da economicidade, pois dentre as possíveis prestadores de serviço,
entendeu por bem eleger o mais dispendioso ao erário.
Quanto à valoração da economicidade,
oportunas são as lições de Paulo Soares Bugarin8, in verbis: “o gestor público
deve, por meio de um comportamento ativo, criativo e desburocratizante tornar
possível, de um lado, a eficiência por parte do servidor, e a economicidade
como resultado das atividades, impondo-se o exame das relações custo/benefício
nos processos administrativos que levam a decisões, especialmente as de maior
amplitude, a fim de se aquilatar a economicidade das escolhas entre diversos
caminhos propostos para a solução do problema, para a implementação da
decisão”.
Os princípios da moralidade e economicidade
são extremamente relevantes na análise dos atos praticados pela Administração,
que deve sempre buscar, a eficiência e eficácia, assim como a racionalização na
aplicação dos parcos recursos existentes.
Portanto, ofendendo-se ao princípio e ao dever
de legalidade, moralidade, impessoalidade e economicidade fica caracterizada a
prática de ato de improbidade administrativa, atentando contra os princípios da
Administração Pública, previsto no artigo 11, caput, e inciso I, da Lei nº
8.429/92.
8 BUGARIN, Paulo Soares. O Princípio Constitucional da Eficiência, um Enfoque Doutrinário Multidisciplinar. Brasília: revista do Tribunal da União – Fórum Administrativo, mai/2001, p. 240.
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29 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
Por fim, é importante destacar que a ninguém
é dado alegar o desconhecimento da legislação municipal, já que como todos
sabem, ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece,
consoante o disposto no art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro.
3. DO PEDIDO:
Ante todo o exposto, o Ministério Público requer:
a) a notificação dos requeridos nos endereços supramencionados, para que,
querendo, apresentem manifestações nos termos do § 7º, do artigo 17, da Lei nº
8.429/92;
b) após as manifestações ou o decurso do prazo para apresentação das sobreditas,
seja recebida a petição inicial e determinadas as respectivas citações, na forma
do § 9o, do precitado dispositivo legal, para, querendo, contestarem os termos da
presente, sob pena de revelia;
c) a notificação do Município de Foz do Iguaçu, na pessoa de seu Procurador
Geral, na condição de pessoa jurídica interessada, para fins do artigo 17, § 3º, da
Lei nº 8.429/92, isto é, para, caso queira, integrar a lide como litisconsorte ativo,
suprindo eventuais omissões e falhas contidas na inicial, bem como apresentar
provas de que disponham sobre os fatos;
d) o processamento da ação sob o rito ordinário, com as modificações
acrescentadas pela Lei de Improbidade;
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30 Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6
e) a produção de todos os meios de prova em direito admitidos, em especial, o
depoimento pessoal, a juntada de novos documentos, a pericial e a testemunhal,
cujo rol será oportunamente apresentado;
f) a condenação dos requeridos nas sanções previstas no artigo 12, incisos II e
III, da Lei nº 8.429/92, em razão das práticas autônomas de atos de improbidade
administrativa, que causaram prejuízos ao erário e que ofenderam os princípios
informadores da Administração Pública;
Atribui-se à causa o valor de R$ 105.000,00
(cento e cinco mil reais).
Termos em que se
Pede e espera deferimento.
Foz do Iguaçu, 17 de março de 2014.
Marcos Cristiano Andrade
Promotor de Justiça
DOCUMENTOS ANEXOS:
Inquérito Civil Público nº MPPR-0053.14.000016-6 (01 volume).