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Microbiologia Pneumocystis e Aspergillus

Microbiologia - Pneumocystis spp. e Aspergillus spp. · Nos pacientes com HIV/AIDS, o desenvolvimento da pneumocistose torna-se comum quando a contagem de células T CD4 é menor

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Microbiologia

Pneumocystis e Aspergillus

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Pneumocystis spp.

O primeiro agente do gênero foi identificado por Carlos Chagas. Classificado dentro da classe Ascomycota, o Pneumocystis jirovecii é o principal fungo cau-sador de doença no homem dentro do gênero e está fortemente associado a in-fecções em pacientes HIV positivos. O agente cursa com infecção pulmonar e

sintomas respiratórios.

• Epidemiologia

O P. jirovecii tem distribuição universal e alta disponibilidade no ambiente, onde apresenta grande estabilidade, fatores que propiciam uma maior facilidade de transmissão. A infecção ocorre igualmente em todas as estações do ano, não

havendo uma sazonalidade específica.

O fungo tem tropismo pulmonar. No pulmão, pode permanecer em estado la-tente por anos ou causar infecção assintomática. As manifestações clínicas po-dem surgir quando há uma queda da resposta imunológica.

Nos pacientes com HIV/AIDS, o desenvolvimento da pneumocistose torna-se comum quando a contagem de células T CD4 é menor que 200 células/μL, ape-sar de ocorrer com contagens mais altas também. Após instituição da terapia antirretroviral (TARV) para a infecção pelo HIV, houve um decréscimo significa-tivo na incidência da pneumocistose.

As principais populações sob risco de desenvolvimento dessa doença são:

• Crianças com desnutrição

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• Crianças nascidas prematuramente • Transplantados • Em uso de agente quimioterápico • Em corticoterapia de altas doses e períodos prolongados • Outras imunodeficiências

• Patogenia

Após inalação dos propágulos fúngicos, o P. jiroveci alcança os alvéolos e se liga aos pneumócitos tipo I através das lecitinas presentes em sua parede, que interagem com os receptores de manose e frutose ou receptores Fc presentes nas células pulmonares. Nessa fase não ocorre processo inflamatório impor-tante.

Após a adesão, os microrganismos se multiplicam no espaço extracelular, ob-tendo nutrientes do fluido alveolar. Ocorre o espessamento dos capilares alveo-lares e degeneração dos pneumócitos tipo I e hiperplasia reparadora dos pneu-mócitos tipo II. A reação inflamatória provocada leva a formação de um infil-trado intersticial pulmonar e acúmulo eosinofílico nos sacos alveolares. Pode ocorrer a redução da secreção de surfactantes pulmonares. Macrófagos e neu-trófilos são as principais células envolvidas na contenção da infecção pelo P. ji-roveci, a presença de anticorpos específicos facilita o processo de fagocitose.

Em pacientes com AIDS e pneumocistose, os neutrófilos são pouco proeminen-tes no infiltrado inflamatório intersticial, talvez refletindo a falta de anticorpos específicos, de estímulos quimiotáticos ou defeitos das células fagocíticas nes-

ses pacientes.

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• Quadro clínico

A infecção tem período de incubação variável de 1 a 2 meses. Cursa com qua-dro de pneumonia insidiosa com sintomatologia atípica: febre baixa ou ausente, tosse não produtiva, taquipnéia e períodos de dispnéia. Pode haver perda de peso associada.

Em crianças as manifestações clínicas são mais exuberantes, geralmente con-fundidas com as pneumonias bacterianas. Os sintomas podem ser dispnéia, ci-anose, batimento de asa nasal e tiragem intercostal. O quadro clínico pode se iniciar tão precoce quanto seis semanas de vida ou mesmo na primeira semana em crianças imunossuprimidas HIV-negativo.

Em pacientes com AIDS, pneumonia por P. jirovecia presenta uma duração mé-dia mais longa dos sintomas e alta frequência de episódios recorrentes.

Comprometimento extrapulmonares são mais raros e clinicamente mais difíceis de serem diagnosticados.

• Diagnóstico

A radiografia de tórax pode colaborar com a suspeita diagnóstica, porém não são características. Pode-se encontrar infiltrado com padrão intersticial pulmo-nar difuso bilateral sem adenomegalia hilar, podendo formar áreas de consoli-dação heterogênea. Vários padrões atípicos causados pelo fungo têm sido mais raramente descritos, como imagens nodulares, cavitárias ou císticas (10-30% dos casos se apresentam nas formas atípicas). Outros exames complementares

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que se alteram são a pressão parcial de O2 arterial (observada na gasometria), bem como a desidrogenase lática (LDH), devido a lesão pulmonar.

A suspeita diagnóstica da pneumonia por P. jiroveci deve ser considerada quando um paciente imunossuprimido (principalmente nos HIV positivos com CD4 < 200/μL) apresentar sintomas respiratórios, febre, alteração radiológica, LDH elevada e pO2< 70 mmHg.

O diagnóstico específico deve ser feito a partir de espécimes clínicos como:

• Escarro • Lavado brônquico • Escovado brônquico • Lavado broncoalveolar • Biópsia

Importante ressaltar que os primeiros passos para o diagnóstico devem utilizar métodos não invasivos, como a análise do escarro, para depois progredir, na sequência apresentada, com os demais espécimes. Os métodos sorológicos não são utilizados rotineiramente, devido a falta de especificidade/sensibili-

dade.

A microscopia permite a visualização dos ascósporos por diversas colorações, sendo o método Grocott-Gomori o mais amplamente utilizado, por ser sensível e específico. O fungo não apresenta crescimento importante em cultura.

O uso de anticorpos monoclonais para diagnóstico por imunofluorescência di-reta ou indireta aumentou significativamente a sensibilidade do diagnóstico no

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escarro em relação aos métodos citoquímicos. Pode-se ainda utilizar de técni-cas de imuno-histoquímica, que apresentam alta sensibilidade. A PCR também

pode ser utilizada para o diagnóstico.

• Tratamento

A ausência de ergosterol na parede fúngica faz com que o tratamento não seja responsivo aos antifúngicos comuns. A medicação de escolha é a associação de sulfametoxazol com trimetoprim, que tem apresentações orais e parenterais. A medicação atua inibindo a via metabólica de obtenção do ácido fólico. Em paci-entes com insuficiência respiratória grave, deve-se administrar prednisona. Pode ser necessária a instituição de uma via aérea avançada e ventilação me-cânica nos casos graves. O prognóstico dos pacientes imunodeprimidos não tratados é de uma mortalidade próxima a 100%.

A imunidade humoral contra o agente não é protetora, o que torna improvável o benefício através de vacinas.

Aspergillus spp.

Pertencente ao filo Ascomicota, o gênero Aspergillus é composto por fungos capazes de causar um espectro amplo de doenças. A maioria das infecções em humanos é causada pelos agentes A. fumigatus, A. flavus, A. niger e A. terreus. Podem causar patologias primárias ou, como ocorre na maioria dos casos, uma patologia oportunista.

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• Características

Aspergillus spp. cresce rapidamente em meio de cultura como um fungo fila-mentoso e hialino que cresce com formação de hifas ramificadas e septadas que produzem conidióforos com uma vesícula terminal que nascem 1 ou 2 ca-madas de fiálides ou esterigmas que produzem colunas de conídios esféricos, os quais são os propágulos infecciosos. A disposição das estruturas reproduti-vas que caracterizam as diferentes espécies.

• Epidemiologia

Aspergillus spp. são fungos ubíquos. Seus conídios estão presentes em todos os ambientes, mas principalmente no ar, solo e materiais em decomposição. Podem também ser encontrados em roupas, aparelhos de ar condicionado, chuveiros, caixas d’água, vasos de plantas. Os propágulos fúngicos são inala-dos diariamente.

Para as patogenias primárias (que não dependem de oportunismo) pulmonares, a relação com a atividade laboral está bem estabelecida na maioria dos casos. Principalmente entre as pessoas que lidam no campo, ou fora dele, com grãos de cereais. Também há grande relação com indivíduos alérgicos, de localização nasal ou brônquica.

São fungos produtores de aflatoxinas, importante contaminante de alimentos como amendoim, milho, nozes, amêndoas, trigo, cevada e aveia.

Em oportunismo, os fatores que favorecem a infecção podem depender do indi-víduo, como a preexistência de doenças graves, como diabetes, as que

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produzem alterações hematológicas como leucemias, anemia perniciosa, hepa-topatias, estados de carências nutricionais, sequela de árvore respiratória como

tuberculose, abcessos, bronquiectasias e enfisema.

• Patogenia

O desenvolvimento da doença aspergilar depende do equilíbrio entre a virulên-cia do fungo e o sistema imunológico do hospedeiro. Os principais fatores de virulência desse gênero são:

• Termorresistência • Conídios muito pequenos (2 a 3μm) • Produção de enzimas: proteases e amilases • Produção de micotoxinas: A. flavus • Afinidade pelo endotélio vascular

• Síndromes clínicas

As principais síndromes clínicas associadas ao Aspergillus são:

• Aspergilose cutânea • Otomicose aspergilar • Onicomicose aspergilar • Aspergilomas ou “bola fúngica” • Aspergilose pulmonar • Sinusite/conjuntivite aspergilar • Aspergilose imunoalérgica • Micotoxicose

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A aspergilose cutânea se dá de forma primária por implantação traumática da pele, ocorrendo frequentemente em pacientes grandes queimados, e de forma secundária por disseminação hematogênica, a partir de um foco primário, que geralmente é o pulmão. Ambas as formas estão associadas a imunossupressão e, a produção de endotoxinas dermonecróticas podem participar do processo fisiopatológico. Pode ocorrer formação de abcessos, granulomas e até mesmo necrose tecidual.

A otomicose aspergilar, em geral, é secundária ao uso de antimicrobianos e corticóides. Geralmente é indolor e cursa com saída de secreção pruriginosa. Pacientes neutropênicos podem evoluir com otite externa necrosante.

Os aspergilomas ou “bola fúngica” são aglomerados fúngicos e de debrís celu-lares que se formam em cavidades pré-existentes. É muito comum a ocorrência do aspergiloma após sequela cavitária de tuberculose. Na tomografia de tórax, a lesão apresenta-se como uma massa hipotransparente em região cavitária, configurando um sinal radiológico chamado de sinal do crescente aéreo. Muitos casos são subclínicos, entretanto, a principal manifestação é a hemoptise (50% dos pacientes) e se dá devido a produção de toxinas necrotisantes e invasão dos vasos pulmonares. Outros sintomas que podem estar presentes são

tosse,perda ponderal, expectoração mucopurulenta e febre.

A aspergilose pulmonar pode se estabelecer de forma crônica, principalmente associada a pacientes tabagistas e DPOC, seu curso é indolente, progressivo e crônico. Pode cursar com tosse crônica, fadiga e perda de peso. As alterações do parênquima pulmonar podem ser diversas, com importância para a fibrose difusa e formação de cavidades. A forma pulmonar invasiva é, em geral aguda ou subaguda e ocorre em maior grau de imunossupressão, como em

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transplantados, pacientes HIV/AIDS, leucêmicos ou em vigência de quimiotera-pia. As alterações radiográficas são tardias e inespecíficas, os principais sinto-mas são febre, tosse não secretiva, dispnéia, dor torácica e hemoptise. Entre as infecções hospitalares, a aspergilose invasiva está associada a unidades de cui-dados intensivos.

A sinusite por Aspergillus se dá pela infecção do fungo nos seios paranasais, cursa com rinorréia escura, podendo causar hemoptoicos. Geralmente tem aco-metimento unilateral e seu diagnóstico é sugerido na refratariedade a antibioti-coterapia e na ocorrência de episódios recorrentes de sinusite unilateral após cirurgias dentárias. Pode ocorrer a formação de aspergilomas no seio parana-

sal.

A presença do conídio no ambiente também pode causar resposta imunoalér-gica. A aspergilose broncopulmonar alérgica é mais comum em indivíduos ató-picos e é mediada por reação de hipersensibilidade com aumento da produção de IgE e eosinofilia, e ocorre o desencadeamento de asma e formação de infil-trados pulmonares. Outra forma de resposta imunoalérgica que ocorre em indi-víduos não-atópicos é a alveolite alérgica extrínseca e se dá quando o indivíduo é exposto a contaminação ambiental maciça. A exposição contínua pode levar a

broncopneumopatias de repetição e, em alguns casos, fibrose pulmonar.

A disseminação hematogênica do fungo pode causar endocardite e sepse.

• Diagnóstico

O exame direto dos espécimes (escarro, cerúmen do ouvido, exsudato ocular, secreção de lesão gomosa) revela presença de hifas septadas, hialinas e

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ramificadas. Raras as vezes que o exame direto visualiza as estruturas reprodu-tivas características do fungo.

Em meio de cultura Sabouraud glicosado e seletivo, formam colônias negras, marrons, verdes, amarelas brancas ou de outras cores, dependendo das condi-ções de crescimento. A aparência da colônia pode fornecer uma sugestão inicial quanto a espécie. A. fumigatus cresce bem em temperaturas superiores a 37ºC.

Após microcultivo, pode-se visualizar o conidióforo com características especí-ficas da espécie. A morfologia da “cabeça aspergilar” (conidióforo com coní-dios) é diferente entre as espécies de Aspergillus.

O diagnóstico ainda pode ser feito a partir de análise histopatológica de bióp-sia, onde se observa as hifas presentes no tecido. Pode-se também realizar o

diagnóstico sorológico principalmente nos casos alérgicos e aspergilomas.

• Tratamento

É variável para cada tipo de manifestação clínica:

• Otomicose: antissepsia rigorosa e antifúngicos tópicos (cetoconazol) • Onicomicose: retirada da unha comprometida, associado ao uso de anti-

fúngicos tópicos • Aspergilomas: remoção cirúrgica, associada ao uso de azóis sistêmicos • Aspergilose pulmonar invasiva: Terapia antifúngica sistêmica com anfo-

tericina B, importante ressaltar a necessidade da reversão da imunossu-pressão para maior eficácia do tratamento

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• Sinusite com aspergiloma paranasal: remoção cirúrgica do aspergiloma, associada ao uso de itraconazol; se invasiva, utilizar anfotericina B, além de realizar a remoção do seio infectado.

• Aspergilose imunoalérgicas e micotoxicoses: remoção dos fatores predis-ponentes, associada a terapia sintomática específica.

O fluconazol é pouco eficaz para o tratamento da maioria das espécies de As-pergillus, sendo o voriconazol uma segunda opção para o tratamento dessa mi-

cose.