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EDUCAÇÃO E PERCURSOS INVENTIVOS NA CIDADE: A ARTE COMO RESISTÊNCIA Michele Martinenghi Sidronio de Freitas Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil Resumo Este ensaio busca problematizar as possibilidades de um novo território em educação através de oficinas (corrêa e preve, 2011), apresentando nela a prática criativa com lambe-lambe a evidencia uma educação e uma comunicação marginal que se dá na rua através da linguagem visual das intervenções urbanas. Afirmando-se a potência cognitiva da imagem no corpo da cidade, abrindo outros horizontes sensíveis na cidade e nos processos educativos. Educação como invenção é a questão que será chave nesta pesquisa. Palavras-chave: intervenção urbana; oficina; educação como invenção; comunicação. Resumen Este ensayo se propone analizar las posibilidades de un nuevo territorio en la educación mediante talleres (corrêa e preve), buscando en la práctica creativa con lambe-lambe expresar una educación y una comunicación marginal que se ocurre en la calle mediante la lenguaje visual de las intervenciones urbanas. Declarando el poder cognitivo de la imagen en el cuerpo de la ciudad, abriendo otros horizontes sensibles en la ciudad y en los procesos educativos. La educación como invención es la cuestión clave en esta investigación. EDUCAÇÃO E PERCURSOS INVENTIVOS NA CIDADE: A ARTE COMO RESISTÊNCIA 1. Introdução e a oficina como método Assumirei neste escrito o desafio de problematizar algumas possibilidades e limites de uma educação em processos de intervenção urbana, analisando a arte urbana de rua em seu aspecto de intervenção e educação, como estratégia de comunicação e de uma educação marginal. Marginal, porque escapa ao controle dos espaços e conteúdos exclusivistas da comunicação hegemônica institucional, assim como desobedece à estética higienista e proibicionista no corpo da cidade, estas, estrategicamente sobre dominação para controle do comunicacional e do espacial. A comunicação é instrumento claro de disputa de poder, pois está nitidamente sobre controle e regimento hegemônico, o que acaba por configurar-se como dispositivo de controle. É neste sentido que o texto, oriundo de uma pesquisa de mestrado, busca evidenciar as possibilidades de romper com o exclusivismo hegemônico da comunicação habitando a cidade de uma outra maneira. A pesquisa

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EDUCAÇÃO E PERCURSOS INVENTIVOS NA CIDADE: A ARTE COMO RESISTÊNCIA

Michele Martinenghi Sidronio de FreitasUniversidade do Estado de Santa Catarina, Brasil

ResumoEste ensaio busca problematizar as possibilidades de um novo território em educação atravésde oficinas (corrêa e preve, 2011), apresentando nela a prática criativa com lambe-lambe aevidencia uma educação e uma comunicação marginal que se dá na rua através da linguagemvisual das intervenções urbanas. Afirmando-se a potência cognitiva da imagem no corpo dacidade, abrindo outros horizontes sensíveis na cidade e nos processos educativos. Educaçãocomo invenção é a questão que será chave nesta pesquisa. Palavras-chave: intervenção urbana; oficina; educação como invenção; comunicação.

Resumen Este ensayo se propone analizar las posibilidades de un nuevo territorio en la educaciónmediante talleres (corrêa e preve), buscando en la práctica creativa con lambe-lambe expresaruna educación y una comunicación marginal que se ocurre en la calle mediante la lenguajevisual de las intervenciones urbanas. Declarando el poder cognitivo de la imagen en el cuerpode la ciudad, abriendo otros horizontes sensibles en la ciudad y en los procesos educativos. Laeducación como invención es la cuestión clave en esta investigación.

EDUCAÇÃO E PERCURSOS INVENTIVOS NA CIDADE: A ARTE COMO RESISTÊNCIA

1. Introdução e a oficina como método

Assumirei neste escrito o desafio de problematizar algumas possibilidades e

limites de uma educação em processos de intervenção urbana, analisando a arte

urbana de rua em seu aspecto de intervenção e educação, como estratégia de

comunicação e de uma educação marginal. Marginal, porque escapa ao controle dos

espaços e conteúdos exclusivistas da comunicação hegemônica institucional, assim

como desobedece à estética higienista e proibicionista no corpo da cidade, estas,

estrategicamente sobre dominação para controle do comunicacional e do espacial.

A comunicação é instrumento claro de disputa de poder, pois está nitidamente

sobre controle e regimento hegemônico, o que acaba por configurar-se como

dispositivo de controle. É neste sentido que o texto, oriundo de uma pesquisa de

mestrado, busca evidenciar as possibilidades de romper com o exclusivismo

hegemônico da comunicação habitando a cidade de uma outra maneira. A pesquisa

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objetiva cartografar percursos e criações na cidade, para que possa ser discutido como

estes acontecimentos na rua podem se constituir numa educação que perverte seu

sentido tradicional vinculado à escolarização, e a afirma como potência nas

intervenções urbanas. Uma educação que foge ao arquétipo estabelecido e, ao fazer

isso, transforma o sentido comunicativo reservado aos lugares de transferencia de

saberes para a mobilização dos mesmos. Uma comunicação sem as hierarquias do

acadêmico. Nesse sentido, o cartografar-se como maneira de trazer outras

deformidades na comunicação do espaço, outras geografias, são formas de resistir e

trazer outras narrativas, outras experiências de mundo.

O escrito aqui surge de experiências pessoais de lançar-se no corpo da cidade,

através da fixação de imagens em alguma superfície, com intenção de alterar os

lugares e fazer emergir uma outra forma de comunicação. Dentro disto, chamarei as

práticas de criação na cidade por oficinas. Para além dessas experiências pessoais de

intervenção, a oficina vem de um percurso experimental como educadora em

constante formação, por isso ela expande-se como uma proposta educativa que

pretende evolver diferentes pessoas através da criação de encontros, que também

pode, aqui, chamar-se de oficina.

A caracterização da oficina como um novo território em educação (CORRÊA

E PREVE, 2011, p. 197) tem por movência as possibilidades que ela proporciona.

Compreendendo que a oficina comunica com os elementos dela, através das

processualidades inventivas da mesma. Ela não parte do conhecido e também não

objetiva chegar num ponto exato, muito menos tem uma concepção binária de

educação, entre certo e errado. Mas, lança-se desde o início no desconhecido. É claro

que a mesma tem um fio condutor, o qual é colocado pela intenção da oficineira

(proponente da oficina) que busca tratar de intervenções na cidade, e com isso

problematizar a comunicação.

Mesmo com essa estratégia geradora, a prática pode abordar sobre vários

temas, pois a oficina não se fecha em si, em temas previamente escolhidos, mas ela

vem da prática que emerge dos processos, e do desejo dos participantes. Nesta

conjuntura, a oficina se constitui de um percurso feito no decorrer da oficina pela

experiência criativa, por isso, configura-se como um novo território em educação, que

se propõe em fazer emergir algo novo.

Neste caso, a oficina em proposição utiliza-se da técnica do lambe-lambe

como intervenção urbana, onde, basicamente, é feita a colagem de um papel sobre

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uma superfície na cidade. Esta técnica já vem sendo utilizada há algumas décadas

para propaganda publicitária e, posteriormente, sendo apropriada para fins artísticos e

político.

A oficina, para além do mencionado, é também, no interior deste trabalho,

uma forma muito particular de aproximar os participantes de uma ação educativa, pois

ela tem como estratégia o conhecer com a experiencia, como construção horizontal do

aprendizado, no intuito de trazer para estes „outras realidades‟ através de práticas

inventivas próprias. Nesta configuração, busca-se a desconstrução de ideias

engessadas sobre os espaços educativos „escolarizados‟, lançando-se então no corpo

da cidade, na intenção de tencionar questionamentos sobre a lógica de uma educação

e uma comunicação centralizadora. OLIVEIRA (2014) diz que o lugar não é um

espaço estanque, um dado em si, e sim:

[...] produto das tensões e disputas entre muitas práticas e narrativassobre ele, concluiremos também que, nos dias que correm, conhecero espaço é também pensar como ele é inventado diariamente diantede nós pelas câmeras fotográficas e narrativas da tevê, bem comoele é criado em nossas próprias práticas educativas nas quaisaparecem muitas fotografias e filmes. (OLIVEIRA 2014, p.7)

Portanto, para além da prática, ela tem como importante papel (re)pensar sobre

os espaços educativos e como nós, sujeitas(os), fomos estruturados e organizados a

perfazer e conduzir nosso olhar sobre a cidade. Nesse sentido, é uma prática educativa

que vem como alternativa a educação verticalizada, pois possibilita linhas de fuga

dessas imposições propositadas, já que possui como sua principal metodologia

reflexões e produção de práticas coletivas do conhecimento.

Essa (re)significação de espaços ociosos dentro da cidade reluta a lógica

mercadológica dos espaços privados, e até os públicos, fechados em sua identidade

excludente e espaços restritivos, espaços de consumo. Portanto, criar possibilidade de

uma cidade menos estruturada em desusos e silenciamentos, são estratégias de resistir

através dos contrastes, pois agrega-se à ela novos sentidos „habita-se‟. As

intervenções em composição com as oficinas encontra a possibilidade de construir de

forma horizontal o diálogo nas relações de aprendizagem.

Esse movimento de estudo com oficinas veio como intensidade de romper

com os ajustes e anulações que passamos dentro e fora da sala de aula, onde as

individualidades são constantemente negligenciadas por adequações,

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convencionalismos e moralismos construídos em nós, e que compulsoriamente impõe

uma série de informações, desqualificando nossa vontade de aprender, esvaziando

nossos corpos imobilizados. E é nesse ponto que a oficina rompe.

Deste modo, é costurando outras formas de comunicação na cidade, na

tentativa de desestruturar essa lógica de inação e anulação, que meu trabalho avança

como forma de sair da situação passiva (e pacificadora) de emissor e receptor de

informação. Trabalhando a educação como experiências e fugas, através das

possibilidades que nasce dessa prática na rua, e da possibilidade de uma comunicação

marginal e marginalizada, uma vez que se passa a margem dos processos de

educacionais oficiais.

A proposta de educação com oficinas vem de um saber que se adquire com a

experiência, e não pela via exclusiva da internalização de informação sobre alguma

coisa, mas antes, da sua relação direta com a coisa a qual o oficineiro elegeu como

tema. Sem medo da inadequação e incompetência do repetir. Experiência é atravessar

um espaço indeterminado e trazer saberes com empoderamento daquilo que se quer,

que te toca. É isso que a oficina se propõe.

Carregada com discurso visual, a intervenção tem potencial subjetivador, pois

é pelo olhar de quem mira que se imprimem sentidos (HOLLMAN, 2013). Nessa

perspectiva, o que busco evidenciar é uma educação que atravessa os muros da escola

e se inscreve sob a superfície da cidade, escapando de equipamentos e dispositivos

institucionalizados, como instrumento de contestação e de ocupação espacial.

As imagens são reconhecidas como poderosas no campo educativoe, talvez por essa característica, elas tenham se tornado objetos quedevem ser regulados e controlados. [...] As imagens tornam-sepoderosas porque, numa fração de segundos, apresentamrapidamente um produto às inúmeras pessoas que circulamdiariamente nas cidades por meio de cartazes, placas, outdoorsafixados em prédios ou nos ônibus que expõem produtos e formasde vida. [...] As imagens na paredes da cidades são poderosas, poisnelas se podem inscrever situações proibidas ou até silenciadas quepassariam despercebidas na dinâmica do cotidiano. (Hollman, 2013,p. 237)

2. O Lambe-lambe

Entre as várias expressões da arte urbana o lambe-lambe é uma das mais

fáceis, baratas e rápidas. Tendo por objetivo ocupar a cidade através da linguagem

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visual como plataforma alternativa de comunicação e expressão. Ele pode ser feito

com a reutilização de matérias – jornais, revistas, etc. - ou também de impressões –

xerox, stencil, xilogravura ou serigrafia -, expondo fotos, desenhos, pinturas, textos,

sobreposição de imagens, criação em programas de computador etc. A ideia é afetar

os transeuntes com alguma mensagem, ou simplesmente ocupar, sujar ou perturbar o

espaço.

Em síntese, de acordo com os estudos de ABREU (2011) sobre a historiografia

dos cartazes publicitários, e também com suporte no documentário Cola de Farinha1,

afirma-se que esta técnica vem se aperfeiçoando à séculos, começando a ser difundida

em 1454, na época Renascentista com Saint Fleur, como imprensa real e do clero.

Aperfeiçoando-se somente o século XIX quando os cartazes começariam a reunir

textos e ilustrações, tendo como propulsores Jules Cherét, Pierre Bonnarde e

Toulouse-Lautrec, este último, com finalidade artística, retratava o submundo boêmio,

e prostíbulos de Paris. Posteriormente, também foram muito utilizados para

propaganda político-revolucionária na Rússia pós-czar e copiado pelo nazismo. Mas,

hoje, a forma que mais conhecemos é a publicitária.

Há várias formas de se produzir um lambe, a mais comum é pegar uma

imagem, xerocar e colar. Outras formas de fazer a gravação sob o papel é pela

serigrafia, xilogravura, colagens, desenho a mão ou qualquer outra forma de

impressão. A arte pode ser de vários tamanhos, variando de centímetros a metros,

coloridos ou em tom de cinza. Já a colagem, é geralmente feita com cola caseira a

base de farinha ou polvilho.

Portanto, ao começar uma oficina o principal ponto são os elementos que ela

nos disponibiliza. Revistas, jornais, papéis, tesouras, lápis, canetinhas, cola, tinta,

computador, programas e uma ideia. Estes são elementos essenciais que compõem o

processo criativo de uma oficina. O tema é definido por alguma questão que intriga o

pesquisador-oficineiro (ou ser decidido em conjunto), e os seus resultados serão

sempre variáveis. Tendo no percurso da oficina sua composição entre o tema e as

estratégias dadas pelas ferramentas utilizadas, neste caso, por aquilo que provoca na

cidade alguma coisa nova.

Na rua, o lambe-lambe também pode ser considerado uma estratégia menos

susceptível a abordagens negativas, quando é feito sem autorização, pois sua colagem

1 Documentário Cola de Farinha sobre lambe-lambe: https://youtu.be/LPKR2JSsFXM. Acesso em julho de 2015

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demora de segundos a minutos, variando de acordo com seu tamanho. Em caso de

emergência e coibição ele também é de fácil destruição. Desta forma, quando um

artista sofre alguma abordagem na hora da colagem, ele pode simplesmente descolar,

ou, alegar que é uma arte que se autodestrói em pouco tempo, nem sempre essa

afirmação é verdade, já que seu material é feito a base de papel, água e farinha.

3. Percorrer a cidade, alguns mapeamentos e suas processualidades

Assumo aqui o desafio de mapear algumas oficinas através de imagens como

estratégia para registro de processualidades que atravessam uma intervenção urbana

com lambe-lambe. As imagens, assim como as oficinas, também marcam o

movimento de percorrer a cidade habitando-a.

Figura 1: Oficina de Lambe-lambe. Foto de Izabel Garcia. Fevereiro de 2015.

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Figura 2: Arquivos da pesquisadora, processualidades do lambe "Sabote o silêncio".Junho de 2015.

Figura 3: Arquivos da pesquisadora, lambe-lambe "Sabote o silêncio" colado emconstrução abandonada em Florianópolis - SC. Junho de 2015.

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Figura 4: Arquivos da pesquisadora. Lambe-lambe "morador de rua" localizadoembaixo de viaduto em Florianópolis - SC. Junho de 2015.

Figura 5: Arquivos da pesquisadora. Lambe-lambe "Apoio greve dos professores"localizado bairro Pantanal em Florianópolis - SC. Maio de 2015.

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4. Algumas considerações para uma educação em processos de intervenções

urbanas

Seguindo rastros deste percurso pode-se dizer que as intervenções não buscam,

única e exclusivamente, comunicar ou informar, mas resistir a uma institucionalização

do comunicacional, onde circulam informações devidamente controladas pelos

dispositivos de dominação (FOUCAULT, 1992). Neste caso, cabe ressaltar que a arte

busca produzir algo que escape, que resista a essa dominação, ocupando-se de trazer

outro sensível no corpo da cidade (RANCIÈRE, 2009) através da (re)significação do

espaço, subvertendo-o, e trazendo outras sensibilidades. As intervenções muitas vezes

comunicam aquilo que as grandes mídias não querem, por isso ela pode ser vista

numa perspectiva de resistência política.

Assumiremos, então, que a arte e as intervenções são, mas não unicamente, a

materialização de uma disputa política entre quem detém e quem não detém o direito

de comunicar. Ela busca romper com a despolitização consensual do corpo urbano,

que através de uma estética higienista, tenta aludir a uma certa neutralidade sócio

espacial pela omissão.

Aprisionados na imagem, como projeção do vivido sobre asprobabilidades de sua repetição, somos igualmente prisioneiros deum esquema perceptivo, mas também da moldura cultural que eleefetua na relação com um regime imagético. Operando nessaclausura, a educação e também a geografia são tão somente funçõesformalizadas com relação aos dispositivos escolar ecomunicacional, ocupando-se do que deve ser visto, dito, sentido,percebido, produzindo concretamente sobre os corpos as marcas dasideações curriculares e de governo. (GODOY, 2013, p. 216)

Neste ponto, a geografia nos ajuda pensar todo espaço como espaço de

disputa, pois não se dissocia da lógica de dominação e exploração capitalista. Em

resumo e em concordância com Hollman, (2013, p.241) afirmo “a tensão que as

imagens fazem emergir na cidade têm seus traços de (des)controle dos possíveis

modos de olhá-la e no que elas podem produzir nas pessoas que as encontram [...]”.

A vontade de repolitizar a arte manifesta-se assim em estratégias epráticas muito diversas. [...] a arte é considerada política porque

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mostra os estigmas da dominação, porque ridiculariza os íconesreinantes ou porque sai de seus lugares próprios para transformar-seem prática social etc. (RANCIÈRE, 2012, p.52)

A arte de rua resiste aos espaços „institucionalizados e institucionalizantes‟ da

arte e sua estética vendável, dos museus e galerias. Não é necessário ser artista para se

fazer uma intervenção, eu mesma não me considero uma, pois acho que a mesma não

é de direito exclusivo destes(as), qualquer pessoa pode fazer arte e intervenção.

Para o mesmo objetivo, a presente pesquisa também tem por horizonte

compreender as potencialidades políticas das imagens e da arte na construção de

imaginários e leituras de mundo. Pois, querendo ou não, elas – as imagens - são

dispositivos que estão sob controle, tanto no corpo da cidade, na educação e nos

veículos de comunicação.

Neste contexto, utilizo como referência GAWRYSZEWSKI (2009) o qual

analisa a importância das imagens no jornal anarquista A Plebe, no início do século

XX, dentro de uma perspectiva estratégia de propaganda política, educacional e

pedagógica de difusão do ideal libertário.

Em um momento em que a maioria dos operários era analfabeta oudesconhecia a língua portuguesa por terem origem estrangeira(espanhóis, italianos, poloneses entre outros), a imagem passou a serum importante instrumento de educação política por facilitar atransmissão da mensagem ao leitor, que se identificava enquantoindivíduo ou classe social na representação visual. Existe umagrande discussão sobre o poder de síntese da imagem, ou seja, afacilidade com que passa a mensagem pretendida por seu autor.Quem vê a imagem a decifra, entende-a dentro de seu mundo.(GAWRYSZEWSKI, 2009, p. 19)

É nessa perspectiva que exponho a arte como veículo de expressão crítica e

cognitiva carregada de um caráter didático inovador, e subversivo dos conteúdos e

formas, como força estética dos sentidos na difusão de aspirações, evidenciando que a

arte urbana também são facetas do combate social.

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Referências

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CORRÊA, G. C; PREVE, A. M. H. A educação e a maquinaria escolar: produção desubjetividades, biopolítica e fugas. Revista de Estudos Universitários, v. 37, nº 2, p. 181-201, 2011.

FERRUA, P. Intencionalidade, Anarquismo e Arte. In: RAGON; FERRUA; VALENTI (orgs. et.al.). Arte e Anarquismo. São Paulo: Imaginário, 2001.

FOUCAULT, Michel. “Sobre a História da Sexualidade” – Conversa entre Michel Foucault, Alain Grosrichard, Gérard Wajeman e outros. In: ______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1992.

GAWRYSZEWSKI, A. A imagem como instrumento da luta anarquista. In: ______. (org.). Imagens Anarquistas: análises e debates. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2009.

GODOY, Ana. Mídia, Imagens, Espaço: Notas sobre uma poética e uma política como dramatização geográfica contemporânea. In. CAZETTA, Valéria; OLIVEIRA JR. Wenceslao, M. (Orgs) Grafias do espaço: imagens da educação geográfica contemporânea. Campinas, SP: Editora Alínea, 2013.

HOLLMAN, Verônica. Imagens na cidade e no ensino da questão ambiental. In. CAZETTA, Valéria; OLIVEIRA JR. Wenceslao, M. (Orgs). Grafias do espaço: imagens da educação geográfica contemporânea. Campinas, SP: Editora Alínea, 2013. PROUDHON, P. J. Do Princípio da Arte e de Sua Destinação Social. São Paulo: Armazém do Ipê, 2009. RANCIÈRE, Jacques. Paradoxos da arte política. In: O espectador emancipado. São Paulo: Editora WMF Martyins Fontes, 2012. p. 51-81.

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II SIFPE – Faced-UFJF – Outubro de 2015

RANCIÈRE, Jacques. Estética e Política. A Partilha do Sensível, com entrevista e glossário por G. Rockhill, trad. V. Brito. Porto: Dafne, 2010. ZANELLA, A. Psicologia Social, arte, relações estéticas, processos de criação: fios deuma trajetória de pesquisa e alguns de seus movimentos. In: ZANELLA, A.; MAHEIRIE, K. (Org.). Diálogos em Psicologia Social e Arte. Curitiba: CRV, 2010

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