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IX Colóquio Internacional de Filosofia e Educação Rio de Janeiro, 01 a 05 de outubro de 2018 1 A ARTE SOCIAL ANARQUISTA: NOS (DES)LIMITES DO (IM)POSSÍVEL Michele Martinenghi Sidronio de Freitas Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP [email protected] Resumo: O presente ensaio assume o desafio de fazer uma reflexão sobre a transversalidade entre arte, educação e política, ao problematizar as possibilidades da arte, atuar como importante ferramenta para um projeto amplo de transformação social. Nessa perspectiva, o texto conversa com a concepção anarquista de Arte Social (LITIVAK; RESZLER) e também trás algumas imagens produzidas por anarquistas dentro de um recorte temporal do final do XIX e início do XX, de forma que amplie conexões e sejam disparadores ao pensamento. Recorte temporal este de intensa industrialização e ascenso da organização e luta operária, busco traçar amarrações entre teorias e práticas que deem ênfase a função social da arte enquanto ferramenta nas lutas populares. Assim, alguns conceitos e autores serão abordados de forma a dar suporte ao texto. Deste modo, a ideia de levantes e imagens de Georges Didi-Huberman (2017;2012) serão abordados, no primeiro a ideia dos corpos sublevados e, o segundo, irá delinear as imagens como potência e memória. Acrescenta-se a isso, os conceitos de estética e partilha do sensível de Jacques Rancière (2009) também interpelarão essas notas ensaísticas de forma a traçar amarrações entre estética, política e comunidade. Portanto, o que se pretende com esse texto é convidar o leitor a juntos, pensarmos a contingência da arte social e das imagens sublevadas impulsionarem as lutas sociais? E se, é possível encontrar nos levantes dos corpos sublevados o desejo comum? De que forma essas ferramentas atuam na construção de uma identidade e consciência de classe combativa dos despossuídos? Estes são alguns dos questionamentos que o presente ensaio pretende mover. Palavras-chave: Arte; Anarquismo; Resistência. El arte social anarquista: nos (des) límites del (im) posible Resumen: El presente ensayo asume el desafío de hacer una reflexión sobre la transversalidad entre arte, educación y política, al problematizar las posibilidades del arte, actuar como importante instrumento para un proyecto amplio de desarrollo social. En esta perspectiva, el texto conversa con la concepción anarquista de Arte Social (LITIVAK, RESZLER) y también tras algunas imágenes producidas por anarquistas dentro de un recorte temporal de finales del XIX y principios del XX, de forma que amplíe las y las son y sean disparadores al. pensamiento. Recorte temporal este de intensa industrialización y ascenso de la organización y lucha obrera, busco trazar amarras entre teorías y prácticas que ponen énfasis en la función social del arte como tal en las luchas populares. Así, algunos conceptos y autores se abordan para dar soporte al texto. De este modo, la idea de levantes y imágenes de Georges Didi- Huberman (2017, 2012) será abordada, en el primero la idea de los cuerpos sublevados y, el segundo, delineará las imágenes como potencia y memoria. En el caso de que se produzca un cambio en las relaciones entre la estética, la política y la comunidad, se interpelarán estas notas ensayas para trazar amarras entre estética, política y comunidad. Por lo tanto, lo que se pretende con ese texto es invitar al lector a juntos, pensar la contingencia del arte social y de las imágenes sublevadas impulsar las luchas sociales? ¿Y si, es posible encontrar en los levantes de los cuerpos sublevados el deseo común? ¿De qué forma estas herramientas actúan en la construcción de una identidad y conciencia de clase combativa de los desposeídos? Estos son algunos de los cuestionamientos que el presente ensayo pretende moverse. Palabras-clave: Arte; Anarquismo; Resistencia.

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IX Colóquio Internacional de Filosofia e Educação

Rio de Janeiro, 01 a 05 de outubro de 2018

1

A ARTE SOCIAL ANARQUISTA: NOS (DES)LIMITES DO (IM)POSSÍVEL

Michele Martinenghi Sidronio de Freitas

Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

[email protected]

Resumo: O presente ensaio assume o desafio de fazer uma reflexão sobre a transversalidade entre arte, educação

e política, ao problematizar as possibilidades da arte, atuar como importante ferramenta para um

projeto amplo de transformação social. Nessa perspectiva, o texto conversa com a concepção

anarquista de Arte Social (LITIVAK; RESZLER) e também trás algumas imagens produzidas por

anarquistas dentro de um recorte temporal do final do XIX e início do XX, de forma que amplie

conexões e sejam disparadores ao pensamento. Recorte temporal este de intensa industrialização e

ascenso da organização e luta operária, busco traçar amarrações entre teorias e práticas que deem

ênfase a função social da arte enquanto ferramenta nas lutas populares. Assim, alguns conceitos e

autores serão abordados de forma a dar suporte ao texto. Deste modo, a ideia de levantes e imagens de

Georges Didi-Huberman (2017;2012) serão abordados, no primeiro a ideia dos corpos sublevados e, o

segundo, irá delinear as imagens como potência e memória. Acrescenta-se a isso, os conceitos de

estética e partilha do sensível de Jacques Rancière (2009) também interpelarão essas notas ensaísticas

de forma a traçar amarrações entre estética, política e comunidade. Portanto, o que se pretende com

esse texto é convidar o leitor a juntos, pensarmos a contingência da arte social e das imagens

sublevadas impulsionarem as lutas sociais? E se, é possível encontrar nos levantes dos corpos

sublevados o desejo comum? De que forma essas ferramentas atuam na construção de uma identidade

e consciência de classe combativa dos despossuídos? Estes são alguns dos questionamentos que o

presente ensaio pretende mover.

Palavras-chave: Arte; Anarquismo; Resistência.

El arte social anarquista: nos (des) límites del (im) posible

Resumen:

El presente ensayo asume el desafío de hacer una reflexión sobre la transversalidad entre arte,

educación y política, al problematizar las posibilidades del arte, actuar como importante instrumento

para un proyecto amplio de desarrollo social. En esta perspectiva, el texto conversa con la concepción

anarquista de Arte Social (LITIVAK, RESZLER) y también tras algunas imágenes producidas por

anarquistas dentro de un recorte temporal de finales del XIX y principios del XX, de forma que amplíe

las y las son y sean disparadores al. pensamiento. Recorte temporal este de intensa industrialización y

ascenso de la organización y lucha obrera, busco trazar amarras entre teorías y prácticas que ponen

énfasis en la función social del arte como tal en las luchas populares. Así, algunos conceptos y autores

se abordan para dar soporte al texto. De este modo, la idea de levantes y imágenes de Georges Didi-

Huberman (2017, 2012) será abordada, en el primero la idea de los cuerpos sublevados y, el segundo,

delineará las imágenes como potencia y memoria. En el caso de que se produzca un cambio en las

relaciones entre la estética, la política y la comunidad, se interpelarán estas notas ensayas para trazar

amarras entre estética, política y comunidad. Por lo tanto, lo que se pretende con ese texto es invitar al

lector a juntos, pensar la contingencia del arte social y de las imágenes sublevadas impulsar las luchas

sociales? ¿Y si, es posible encontrar en los levantes de los cuerpos sublevados el deseo común? ¿De

qué forma estas herramientas actúan en la construcción de una identidad y conciencia de clase

combativa de los desposeídos? Estos son algunos de los cuestionamientos que el presente ensayo

pretende moverse.

Palabras-clave: Arte; Anarquismo; Resistencia.

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O que é a arte? Uma “arma”. Qual sua tarefa primeira? Fazer

revoltados.

(Ferdnand Pelloutier)

É com a citação de Ferdnand Pelloutier, jornalista e militante anarquista, que o presente

ensaio lança seus questionamentos sobre as potencialidades da arte. Assumindo o desafio de

fazer uma reflexão sobre a transversalidade entre arte, educação e política, o texto busca

problematizar as possibilidades da arte, atuar como importante ferramenta para um projeto

amplo de transformação social.

Nessa perspectiva, trago a concepção anarquista de Arte Social1 e algumas imagens

produzidas pelos mesmos dentro de um recorte temporal do final do XIX e início do XX2, de

forma que dialoguem entre si ao longo do texto. O conceito de Arte Social, problematizado

pelos anarquistas no seio da intensa industrialização e do ascenso da organização e luta

operária, segue pouco trabalhado, especialmente quando se busca atravessar teoria e prática

que deem ênfase a função social da arte enquanto ferramenta nas lutas populares.

Según Lily Litivak, la estudiosa del modernismo y de la literatura y estética

anarquista, para los primeiros libertários el arte debía cumplir una funcíon ético-

social que reconociera la lucha social de las classes desposeídas y sus ideales de

creación.

[...]

La estética libertaria intentería liberar a la obra de arte de su cualidad de mercancia

sujeta a las leyes económicas del mercado. No obstante, si se considera el arte em su

contexto histórico-social, a finales de siglo XIX no sería inadmisible un arte

individualista, aunque inserto en la evolución social de la história humana. De esta

estética se derivaria una noción colectiva, popular, del arte, porque se originaría en

el pueblo, participaria en sus formas de existência y se propagaria en él. (ARTIEDA;

ZARZA, 2013, p. 9-10)

Analisando a citação acima se reconhece a função coletiva e popular da arte para os

anarquistas, encontrando no caráter classista da Arte Social a aspiração ideológica que

vislumbra uma sociedade sem classes. Essa visão se opõe ao modelo capitalista que divide a

1 O termo Arte Social originou-se de um grupo de sindicalistas revolucionários, que leva o mesmo nome do

conceito, existente no período de 1896 a 1901, formado entre seus pricipais representantes Fernand Pelloutier,

Jean Grave, Charles-Albert e Paul Delesalle; responsáveis pela publicação da revista L’Art Social criada em

1896, onde “o grupo concede à arte um papel preponderante e aspira reunir ou elaborar os elementos de uma

cultura proletária autônoma, capaz de permitir a classe operária escapar ao domínio da cultura burguesa.”

(REZLER, p. 50, 2008). Grupo que atuou organizando conferências nos bairros “revolucionários” de Paris com

exposições públicas e apresentações teatrais gratuitas, com intuito de registrar a importância de uma arte

atravessada pela ideia revolucionária, concedendo a ela o papel de combater a dominação em seus diversos

níveis, econômico, cultural e político. 2 Recorte temporal que trás as principais ações e produções anarquistas, período entre a Associação Internacional

dos Trabalhadores – AIT (1864) até a Guerra Civil Espanhola (1936-1939).

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sociedade em duas grandes classes de acordo com sua dialética de interesses; a classe

dominante, dos possuidores de capital e propriedade, ou seja, aqueles que compram força de

trabalho, e controlam os meios culturais e políticos (por meio da propriedade e violência). Do

outro lado, a classe dominada, aqueles vendem sua força de trabalho, ou seja, sujeitos

destituídos dos meios de produção econômico, simbólico e de poder político (CORRÊA,

2012, p. 100), sujeitos que estamos conceituando no presente texto como despossuídos3. Para

o mesmo autor, “nessa estrutura de classes, as classes dominantes exercem a dominação sobre

as classes dominadas; por razão de terem interesses de classes antagônicos, umas e outras

estão em permanente luta de classes” (CORRÊA, 2012, p. 113).

Para Lily Litvak (1988), grande estudiosa da estética e arte ácrata4, os anarquistas

reconhecem a arte enquanto um fenômeno social, portadora da sensibilidade coletiva e

manifestada pelas condições de seu lugar e tempo. “La estética ácrata gira entorno a las

relaciones del hombre con la realidad, y especialmente al considerar el arte como forma

especifica de la conciencia social” (LITVAK, 1988, p. 10), portanto:

El enfoque sociológico del arte implicaba así la adopción de la obra artística como

reflejo y arma de la lucha social.

[...]

El cuadro cumple su misión artística y social, pues inspira en el individuo un espíritu

de protesta y aun germina el de emancipación.

[...]

Hay en la apreciación de estas obras una instrumentalización básica del arte al curso

de la lucha social. El arte és un modo de conocer, despertador de nuestra conciencia,

testimonio de una época, denuncia o exaltación de algún momento histórico. Por

onde, um esquema de las relaciones constitutivas de la realidad del arte puede servir

para la interpretación de la crisis social capitalista. (LITVAK, 1988, p. 11-12)

3 Termo utilizado por Mikhail Bakunin no livro Federalismo, Socialismo, Antiteologismo (BAKUNIN, p. 12) no

sentido de serem despossuídos nas três esferas social-política-econômica, ao estarem destituídos dos meios de

produção econômicos, simbólicos, de hegemonia cultural, de poder politico, e etc. Para Felipe Corrêa (2012),

“dentre as classes dominadas, estariam os trabalhadores, o campesinato e os precarizados e marginalizados de

maneira geral” (CORRÊA, 2012, p. 113). 4 Lily Litvak (1988) utiliza em suas pesquisas o termo Ácrata como sinônimo de anarquistas.

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Figura 1: Walter Crane, International Workingmen’s Association, 1889.

Figura 2: Walter Crane , The Worker's May Pole, 1894.

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Figura 3: Harpers Weekly, The Anarchist Riot in Chicago, 1886.

No que tange o papel sobre a educação o pesquisador Sílvio Gallo, importante

investigador da Pedagogia Libertária e da Instrução Integral dos anarquistas, a educação

coloca-se "como ação concreta de exercício de liberdade e de revolta" (GALLO, 2006, p. 10),

para isso, ele nos aponta:

Bakunin [importante filósofo e militante anarquista] reconhece na educação a função

de formar as pessoas de acordo com as necessidades sociais, o que hoje chamamos

de dimensão ideológica do ensino. E é isso que ele ataca na educação trabalhada

pelo sistema capitalista, cujo objetivo é perpetuar a sociedade de exploração: ela

ensina os burgueses a explorar, dominando todos os conhecimentos disponíveis e

não vendo outro modo de vida; e ensina as massas proletárias a permanecerem

dóceis às exploração, não se rebelando contra o sistema social injusto. A escola

passa então por uma instituição perversa, um aparelho de tortura que mutila alguns

membros para moldar o homem segundo seus injustos propósitos. A educação

capitalista não forma um homem completo, mas um ser parcial, comprometido com

princípios definidos a priori e exteriores a ele; em outras palavras, a educação

capitalista funda-se na heteronomia. Mas nem por isso ele deixa de reconhecer que a

educação também pode ser trabalhada de outra maneira, perseguindo um objetivo

oposto ao da educação capitalista. (GALLO, 1996, p. 64,)

Vemos que a arte, assim como a educação na perspectiva anarquista, é ferramenta

privilegiada de sensibilização e essencial para a revolução, quando faz contraposição aos

aparatos hegemônico de poder. Portanto, arte e educação são componentes no processo de

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transformação social quando potencializadoras de reflexão política, que, permite os

despossuídos adquirir consciência social e de seu potencial político de transformação. Assim,

educar para a liberdade em meio a uma sociedade opressora seria por si só uma ação

revolucionária.

Neste contexto, utilizo como referência o historiador Alberto Gawryszewski (2009),

que analisa a importância das imagens no jornal anarquista A Plebe do início do século XX no

Brasil, dentro de uma perspectiva estratégica educacional de propaganda e agitação política na

difusão do ideal libertário.

Em um momento em que a maioria dos operários era analfabeta ou desconhecia a

língua portuguesa por terem origem estrangeira (espanhóis, italianos, poloneses

entre outros), a imagem passou a ser um importante instrumento de educação

política por facilitar a transmissão da mensagem ao leitor, que se identificava

enquanto indivíduo ou classe social na representação visual. Existe uma grande

discussão sobre o poder de síntese da imagem, ou seja, a facilidade com que passa a

mensagem pretendida por seu autor. Quem vê a imagem a decifra, entende-a dentro

de seu mundo. (GAWRYSZEWSKI, 2009, p. 19)

A Plebe5 foi um importante periódico anarquista publicado no Brasil durante o período

de 1917 – 1949, por Edgard Leuenroth6 e Fábio Lopes dos Santos Luz. Anarquistas que

militavam pela classe operária e fazia trabalho incessante de propaganda e agitação política,

fundamental na conscientização da militância e no fortalecimento das diversas propostas do

movimento revolucionário a nível internacional. Estes periódicos foram de fundamental

importância na divulgação da perspectiva anarquista e na articulação das greves e piquetes no

meio operário, essenciais na construção da greve geral de 1917 no Brasil, e na luta pelas

jornada de oito horas.

5 O periódico A Plebe deu continuidade aos trabalhos que anteriormente eram publicados pelo A Lanterna.

6 Edgard Leuenroth foi jornalista incansável no processo de propaganda e agitação política anarquista, sendo

responsável pela publicação de dezenas de jornais de perspectiva anarquista, é responsável pela constituição de

um dos maiores arquivos existentes sobre a memória dos movimentos operário e anarquista, hoje presente na

Universidade de Campinas – Unicamp, o arquivo Edgard Leuenroth.

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Figura 4: Jornal anarquista A Plebe (1917).

Figura 5: Jornal anarquista A voz do trabalhador, 1908.

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Considerando a arte enquanto veículo de expressão que da forma sensível ao que

levanta, enquanto força de insubmissão em todo o sujeito da palavra e do desejo. A autora

Cláudia Sandoval (2013), também afirma a importância da estética na construção de um

imaginário coletivo na imprensa popular no início do século XX:

Se comenzaba a formar así una memoria de clase y de gremio donde la prensa

cumplió una labor educativa, pues propagó, fomentó y dio fuerza a la organización

de los trabajadores desarrollando las ideas que planteaban el cambio social. Así

como el trabajo del brigadismo [referência ao muralismo no chile durante a ditadura]

operó como prensa alternativa a la oficial, a la manera de un diario mural, la prensa

obrera llenaba los vacíos que dejaba la prensa oficial o privada. Esta memoria se

plasmó gracias a la repetitividad de las imágenes asociadas a los trabajadores, su

mundo laboral y familiar. (SANDOVAL, 2013, p.88)

Cabe ressaltar que dentro de um processo de resistência política é necessário uma

contrainformação que opere no contrafluxo de uma ideologia dominante, por isso os

anarquistas dedicavam grande esforço na publicação de periódicos que além do texto,

tivessem uma estética ácrata, na intenção de dialogar e criar uma identidade de classe. Além

dos periódicos, cartazes pregados pelas ruas das cidades marcavam o espaço das sublevações,

importante ferramenta de comunicação “alternativa” para as iniciativas populares e grupos

políticos, capaz de ajudar coletivamente em reflexões e estimular a produção de saberes e

subjetividades que partam da realidade e objetivos dos envolvidos, construindo na estética e

nos eixos temáticos trabalhados a contribuição para formar uma identidade de classe.

Figura 6: Angel L.L, cartaz CNT-FAI durante a Revolução Espanhola, 1936.

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Figura 7: Arteche, cartaz do período da revolução espanhola, 1936.

No livro “Levantes” de Georges Didi-Hubermans, o autor trás registros de levantes em

suas diferentes temporalidades, expondo as imagens de levantes como memórias de corpos

sublevados. Corpos que se levantam em contestação a uma condição submissão intolerável.

Levantar-se seria gesto de ruptura, pulsão de liberdade e desejo. E as imagens carregam

consigo através dos tempos essa memória, como chama que não se apaga na espera do sopro

dos próximos sublevados. “Em resumo, nos levantes, a memória se inflama: ela consome o

presente e, com ele, certo passado, mas descobre também a chama de uma memória mais

profunda, oculta sob as cinzas” (DIDI-HUBERMAN, 2017, p.309). Levantes sempre citam

outro, e é animado por imagens e narrativas de outros, por isso, não param de se produzir

como desejo vivo.

O tempo da revolta seria, então, o tempo de um presente desejante, de um presente

desejado, movendo-se em direção ao futuro pelo próprio gesto de produzir uma

mudança: um presente que contesta a si mesmo pela potência do desejo que lhe

escapa. (DIDI-HUBERMAN, 2017, p. 319).

Em outro texto de Georges Didi-Huberman (2012), Quando as imagens tocam o real,

o autor apresenta às possíveis contribuições ao conhecimento histórico que pode aportar o

conhecimento pela imagem. Afirmando, através do exemplo da fotografia e da arte, que estas

não são apenas o recorte no mundo dos aspectos visuais ou simples representação. Mas, uma

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impressão, um rastro, um traço visual do tempo em que quis tocar, e também de outros

tempos suplementares.

Nessa configuração, “a imagem arde em seu contato com o real” (DIDI-

HUBERMAN, 2012, p. 208), e o tempo presente não só nos é dado como chama que arde,

mas também como cinza que se apaga na memória. A memória está ameaçada pelo

esquecimento, a imagem resiste ao tempo, enquanto chama e cinza. Descobrir na imagem a

memória do fogo que não ardeu, oferece uma experiência, um ensinamento, na medida em

que desmascara/toca o real.

Apesar de a imagem conter todas suas armadilhas potenciais ao sofrer tantas

manipulações, desfigurações e contraditoriedades, “O artista e o historiador teriam, portanto,

uma responsabilidade comum, tornar visível a tragédia na cultura (para não apartá-la de sua

história), mas também a cultura na tragédia (para não apartá-la de sua memória)” (DIDI-

HUBERMAN, 2012, p. 214). Deste ponto de vista, uma das forças da imagem é criar ao

mesmo tempo sintoma (interrupção no saber) e conhecimento (interrupção no caos).

Em outras palavras, “Assim como não há forma sem formação, não há imagem sem

imaginação.” (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 208). Seria um grande equívoco o que tem-se

atribuído à imaginação, como simples faculdade de desrealização. No entanto, imaginação

distingue-se da fantasia, ao possuir uma intrínseca potência de realismo e devir das coisas. É

necessário existir uma utopia para que se constituam novos caminhos, no imaginário

anarquista, o devir de outra sociedade.

Figura 8: Willy Ronis. Grève aux usines Javel-Citroën, 1938. Imagem também presente no livro “Levantes” de George Didi-

Huberman (2017).

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Figura 9: Mujeres Libres, Milicianas da CNT – FAI anarquista, Revolução Espanhola de 1936.

Por onde começa o corpo sublevado? Olhos e bocas abertas que ardem de desejo? Os

braços levantados e punhos erguidos que se lançam a frente? O som de liberdade que avança

com a boca escancarada? O corpo que se lança no ar? A bandeira ao vento? A pedra lançada?

A arma empunhada? A propriedade em chamas? Há uma representação da revolta? O que

uma imagem nos transmite ao longo dos tempos?

A filósofa Judith Butler (2017), também no livro Levantes, nos afirma que o levante é

a convicção real e coletiva de injustiça e recusa a sujeição, onde não há sujeito coletivo único,

mas uma convicção compartilhada, que circula entre as pessoas de forma heterogênea, mas

que é comum. Por isso, a arte anarquista compartilha a ideia de levante, quando evoca a

resistência, a liberdade e o desejo de emancipação.

No âmbito dessa ação social, indivíduo algum age sozinho, mas nem por isso

emerge um sujeito coletivo capaz de homogeneizar diferenças individuais. Um

levante não brota da minha ou da sua indignação. Quem faz um levante o faz em

conjunto e ao constatar um sofrimento inaceitável. Um levante exige então o

reconhecimento de que não só o sofrimento do indivíduo é compartilhado, mas que

um grupo compartilha a sensação de ter ultrapassado seu limite. A sujeição diz

respeito a indivíduos e grupos, de forma que, no levante, é com outros corpos que

um corpo participa, tendo como base uma recusa compartilhada da ultrapassagem

daquilo que pode, ou deve, ser suportado. (BUTLER, 2017, p. 23-24)

Ao considerarmos que por diversas vezes os aparatos de poder estatal e hegemônico

tentem qualificar alguns levantes como foco de incêndio espontâneistas e irracionais, eles

frequentemente resultam de demorados processos, alimentados desde cedo, a partir de uma

crescente tomada de consciência. Para os anarquistas essa tomada de consciência é um

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processo, ou um exercício revolucionário, que caminha pela construção de um poder popular.

Nesse sentido, levantes estão ligados a um processo de emancipação e autodeterminação

popular, ao cindir resistência dentro de um contexto de privação de liberdades e direitos

políticos.

O conjunto de sublevados emerge sob a forma de corpo, com uma força política que

vem justamente de uma história individual ou coletiva, mas com convicção comum e

compartilhada. O corpo político da liberdade não é só uma representação: é gesto e desejo, em

que as emoções se povoam e se tornam insurgentes.

No livro A partilha do sensível, Rancière (2009) reconhece a inseparabilidade do

regime estético da política, uma vez que a imagem carrega “[...] atos estéticos como

configurações da experiência, que ensejam novos modos do sentir e induzem novas formas de

subjetividade política” (RANCIÈRE, 2009, p. 11). Deste modo, para Rancière (2009) existe

na política uma estética, que nada tem haver com uma “estetização da política”, não é a

captura da política por uma vontade da arte, ou pelo pensamento do povo como obra de arte.

Mas, remete aquilo que está em jogo na “política como forma de experiência”, sua prática,

forma de visibilidade, lugar que ocupa e, o que fazem no que diz respeito ao comum.

A estética política em Rancière (2009) pode ser descrita, de forma breve, como

atividade de reconfiguração do que é dado no sensível, que são as formas de circulação e de

reprodução dos enunciados, modos de percepção e de pensamentos que os classificam e

interpretam. Em outras palavras, a estética é o recorte sensível do comum da comunidade, das

formas de sua visibilidade e de sua disposição de inscrição, “[...] quaisquer que sejam as

intenções que as reagem, os tipos de inserção social dos artistas ou o modo como as formas

artísticas refletem estruturas ou movimentos sociais” (RANCIÈRE, 2009, p. 18-19).

Nos (des)limites do (im)possível mostra os desafios dos corpos que ousam sublevar-

se, mesmo com o acirramento dos aparatos de criminalização e repressivos, eles resistem e

são lembrados. Em conclusão, busco evidenciar a arte como centelha que também versa sobre

as facetas do combate social. Ao representar em sua estética memórias de sublevação dos

oprimidos, histórias de resistência e utopias que persistem por um mundo mais justo a se

construir.

“É buscando o impossível que o homem sempre realizou e reconheceu

o possível, e aqueles que se limitaram bem-comportados ao que lhes

parecia o possível nunca avançaram um único passo sequer”.

(Mikhail Bakunin)

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IX Colóquio Internacional de Filosofia e Educação

Rio de Janeiro, 01 a 05 de outubro de 2018

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Figura 4: http://nucleopiratininga.org.br/1o-de-maio-a-velha-luta-continua/. Acesso em: 01 de

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Figura 5: http://www.cesforma.org.br/noticias/100_anos_greve_de_1917. Acesso em: 01 de

abril de 2018.

Figura 6: https://arquivopublicors.wordpress.com/2013/07/17/exposicao-virtual-revolucao-e-

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Figura 7: https://arquivopublicors.wordpress.com/2013/07/17/exposicao-virtual-revolucao-e-

guerra-civil-espanhola-em-cartaz/#jp-carousel-7502. Acesso em: 01 de abril de 2018.

Figura 8: https://br.pinterest.com/pin/362962051195337011/. Acesso em: 01 de abril de 2018.