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Metáfora do tubo
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Faculdade de Letras - UFMG
Departamento de Lingstica Linguagem e Biologia
Cristina Magro
REDDY, Michael F. The Conduit Metaphor - A Case of Frame Conflict in Our Language about Language. In: ORTONY, Andrew. Metaphor and Thought. Cambridge University Press, 1979. p.164-201. Traduzido e adaptado por Cristina Magro e Mara Magro
A Metfora do Tubo:
um caso de conflito conceitual na nossa linguagem
sobre a linguagem
Michael J. Reddy
Eu gostaria de responder ao captulo do Professor Schn tocando sua melodia
algumas oitavas abaixo. Na minha opinio, ele tocou o conjunto de notas perfeito.
Colocao de problema deveria de fato ser considerado o processo crucial, em
oposio a resoluo de problema. E as histrias que as pessoas contam a respeito
de situaes problemticas de fato estabelecem ou medeiam o problema. E os
conflitos conceituais entre vrias histrias deveriam ser estudados detalhadamente,
precisamente porque tais conflitos so freqentemente imunes resoluo apelando-
se para fatos. difcil pensar em um melhor comeo do que esse para progressos
genunos nas cincias sociais e do comportamento. Ao mesmo tempo, parece-me que
Schn s conseguiu tocar essas excelentes notas em suas oitavas mais altas, de forma
que a freqncia fundamental mal pode ser ouvida apesar de que, para meus
ouvidos ao menos, o tipo de pensamento de Schn uma msica real e h muito
esperada.
De forma bastante simples, o que eu acho que est faltando a aplicao da
sabedoria de Schn essa conscincia do paradigma comunicao humana.
Pode parecer previsvel que eu, como um lingista, adote essa posio. Mas, se o
fao, dificilmente seria uma estreita mentalidade disciplinar que me incita a faz-lo.
Em 1951, Norbert Wiener, um dos criadores da teoria da informao, e o pai da
ciberntica, disse quase que terminantemente: A sociedade s pode ser entendida
atravs de um estudo de suas facilidades de mensagens e comunicaes. (Wiener,
1954, p.16). Eu nunca tinha pensado nessa colocao como referente a coisas como o
tamanho e a adequao do sistema telefnico, por exemplo. Wiener estava falando
essencialmente sobre os processos bsicos da comunicao humana como eles
funcionam, que tipos de truques esto neles, quando e porque eles tm tendncia de
serem bem sucedidos ou fracassarem. Os problemas da sociedade, governo e cultura
dependem essencialmente de algo como a contabilidade diria de tais sucessos ou
fracassos na comunicao. Se existem muitos fracassos, ou tipos sistemticos de
fracassos, os problemas se multiplicaro. A sociedade de comunicadores quase
perfeitos, apesar de no ser isenta de interesses conflitantes, poderia ser capaz de
evitar muitos dos efeitos destrutivos e divisrios desses inevitveis conflitos.
O que est por detrs do termo restruturao de conceitos, de Schn, e do
termo traduo, de Kuhn (Kuhn, 1970a) parece ser justamente isso: melhor
comunicao. Minorar dificuldades sociais e culturais requer uma melhor
comunicao. E o problema com o qual nos defrontamos , como melhorar a nossa
comunicao? Mas, se chegamos a dizer isso, ento est mais do que na hora de
ouvirmos o bom conselho de Schn. No adiantar nada planejar grande rapidez para
solucionar o problema da comunicao inadequada. A tarefa mais urgente
comearmos imediatamente a perguntar sobre como aquele problema se apresenta a
ns. Pois a colocao de problemas, no a resoluo de problemas o processo
crucial. Que tipos de histrias as pessoas contam sobre seus atos de comunicao?
Quando esses atos se perdem, como elas descrevem o que est errado e precisa de
reparo?
Neste captulo, vou apresentar evidncias de que as histrias que os falantes de
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 2 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
ingls contam sobre a comunicao so largamente determinadas pelas estruturas
semnticas da linguagem. Essa evidncia sugere que o ingls tem uma estrutura
preferencial para conceitualizar a comunicao e pode enviesar processos de
pensamento na direo deste quadro conceitual, apesar de nada alm do senso comum
ser necessrio para visualizar um modelo diferente, mais acurado.1. O que vou fazer
ento tentar convenc-los daquilo que pode ser uma premissa perturbadora: que
meramente abrindo nossas bocas e falando ingls ns podemos ser arrastados para um
conflito conceitual muito real e muito srio. Minha crena que esse conflito
conceitual tem um impacto considervel nos nossos problemas sociais e culturais. Se
somos profundamente incapazes de realizar melhoras essenciais na comunicao
humana, apesar da ampla variedade de tecnologias de comunicao hoje disponveis,
provvel que seja porque esse conflito conceitual nos levou a tentar solues
imperfeitas para o problema.
claro que impossvel fazer tais afirmaes sem trazer mente as
especulaes e os argumentos de muitos personagens do sculo vinte
especialmente Whorf (1956) e Max Black (1962d), com sua refutao relutante mas
completa das idias de Whorf. Existe uma velha brincadeira sobre a hiptese de
Whorf que diz que, se ela fosse verdadeira, ento seria improvvel por definio.
Porque se dois seres humanos no s falaram lnguas radicalmente diferentes, mas
tambm passaram a vida pensando e percebendo o mundo de maneiras diferentes, a
certa altura eles iriam estar ocupados demais jogando pedras e projteis uns nos
outros para sequer chegarem a se sentar e estabelecer essa sua diferena como um
fato. A pitada de verdade desta piada pode ser encontrada na observao de Schn de
que conflitos conceituais so imunes a resoluo por apelo aos fatos. Como diz ele,
1 N.T.: Nossa traduo aproximada dos exempos, dada em p de pgina, vai mostrar que as mesmas observaes so vlidas para o portugus falado no Brasil, ao menos.
Novos fatos tm um modo de serem ou absorvidos ou desconsiderados por aqueles
que vem situaes problemticas atravs de esquemas conceituais conflitantes.
Agora, nos ltimos anos, eu venho colecionando fatos novos e falando sobre eles com
muitas pessoas diferentes. Lentamente, nesse perodo de tempo, esses novos fatos
deram incio a uma mudana conceitual no meu pensamento sobre a linguagem. Eu
sempre estive interessado na observao de Uriel Weinreich de que A linguagem
sua prpria metalinguagem. Mas depois da minha prpria mudana conceitual
entendi que, como uma metalinguagem, o ingls, pelo menos, era o seu prprio pior
inimigo. E entendi que existia algo mais que misticismo nas idias de Whorf. Nesse
ponto, e o que bastante curioso, quando tudo parecia cair nos seus devidos lugares
para mim, ia ficando muito mais difcil conversar com os outros sobre esses fatos
novos. Pois agora eu estava falando atravs do abismo do conflito conceitual.
Menciono essas coisas logo no incio porque quero sugerir que a discusso que
se segue uma oportunidade maravilhosa para ocorrer uma dessas falhas na
comunicao que estamos preocupados em evitar. mais ou menos como a piada
sobre Whorf. Se tenho razo no que diz respeito aos esquemas conceituais, ento pode
muito bem ser difcil convenc-los, pois os esquemas sobre os quais estou falando
existem em vocs e resistiro mudana. Da minha parte, ao escrever isso, fiz
esforos extenuantes para lembrar como eram as coisas para mim antes de mudar
conceitos, e quanto tempo levou para que os fatos novos fizessem sentido para mim.
Ao mesmo tempo, gostaria de pedir que vocs, por sua vez, se fizessem receptveis ao
que pode ser uma sria mudana na sua percepo. Para usar os termos de Schn, ns
estamos forosamente engajados na restruturao de conceitos, e um esforo especial
necessrio.
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 3 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
A metfora do tubo
O que os falantes de ingls dizem quando a comunicao falha ou se perde?
Observemos os exemplos de (1) a (3), que so bastante tpicos,
(1) Try to get your thoughts across better. (2) None of Marys feelings came through to me with any clarity. (3) You still havent given me any idea of what you mean..2
e faamos como Schn sugeriu vamos tom-los como histrias de formulao de
problemas, como descries de o que est errado e o que precisa ser melhorado.
Essas metforas esto nos exemplos? Essas metforas do as direes para as tcnicas
possveis de resolues de problemas? Apesar de (1) a (3) no conterem metforas
novas, existe em cada caso uma metfora morta. Afinal de contas, literalmente, ns
no passamos pensamentos quando falamos, no ? Isso soa como telepatia mental
ou clarividncia, e sugere que a comunicao transfere corporeamente processos de
pensamento. Na verdade, ningum recebe pensamentos de outros diretamente nas suas
mentes durante o uso da linguagem. Os sentimentos de Mary, no exemplo (2), podem
ser percebidos diretamente somente pela Mary; eles no chegam a ns quando ela
fala. Nem algum pode literalmente te dar uma idia pois essas esto trancadas
dentro do crnio e do processo de vida de cada um de ns. Com certeza, ento,
nenhuma dessas trs expresses deve ser tomada inteiramente em valor nominal. A
linguagem parece ajudar uma pessoa a construir os pensamentos de algum uma
rplica que pode ser mais ou menos exata, dependendo de muitos fatores. Se
pudssemos na verdade mandar pensamentos uns para os outros, teramos pouca
necessidade de um sistema de comunicao.
2 (1) Tente me passar melhor o que voc est pensando. (2) Nenhum dos sentimentos de Mary chegou a mim de modo claro. (3) Voc ainda no me deu uma idia clara do que voc quer dizer.
Se h metforas mortas nos exemplos de (1) a (3), ento elas todas parecem
envolver a assero figurativa de que a linguagem transfere pensamentos e
sentimentos humanos. Note que essa assero, mesmo na sua forma presente e normal,
nos leva j a um ponto de vista distinto sobre os problemas na comunicao. Uma
pessoa que fala mal no sabe usar a linguagem para mandar seus pensamentos s
pessoas; e, ao contrrio, um bom locutor sabe como transferir perfeitamente os seus
pensamentos via linguagem. Se segussemos esse ponto de vista, a prxima pergunta
seria: O que um locutor fraco deve fazer com seus pensamentos para transferi-los com
mais acuidade por meio da linguagem? O surpreendente que, querendo ou no, a
lngua inglesa segue esse ponto de vista. Ela fornece, na forma de uma abundncia de
expresses metafricas, respostas a essa e outras perguntas, cujas respostas so
perfeitamente coerentes com a suposio de que a comunicao humana promove a
transferncia fsica de pensamentos e sentimentos. Se existissem apenas algumas
poucas dessas expresses envolvidas, ou se elas fossem randmicas, figuras de
linguagem incoerentes saindo de seus diferentes paradigmas ou se elas fossem
abstratas, no particularmente imagens grficas ento algum poderia rejeit-las
com sucesso como sendo analogias inofensivas. Mas, na verdade, nenhuma dessas
circunstncias atenuantes entra em jogo.
Solues tpicas para os problemas na comunicao do locutor inbil so ilustradas nos exemplos de (4) a (8).
(4) Whenever you have a good idea practice capturing it in words. (5) You have to put each concept into words very carefully. (6) Try to pack more thoughts into fewer words. (7) Insert those ideas elsewhere in the paragraph. (8) Dont force your meanings into the wrong words..3
3 (4) Quando voc tiver uma boa idia exercite sua habilidade de capt-la em
palavras.
(5) Voc deve colocar cuidadosamente as idias dentro de palavras.
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 4 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
Naturalmente, se a linguagem transfere pensamentos a outros, ento o container
lgico, ou o transmissor para esse pensamento so as palavras, ou agrupamentos de
palavras como frases, sentenas, pargrafos, e assim por diante. Uma rea de
dificuldade possvel ento o processo de preenchimento desse container, a
insero. O locutor pode geralmente no ter prtica ou no ser cuidadoso nisso, e
ento ser repreendido atravs de (4) ou (5). Como (6) mostra, ele poderia deixar de
colocar significaes suficientes. Ou, de acordo com (7), ele poderia colocar as
significaes certas, mas no lugar errado. O exemplo (8), que pressiona mais
seriamente o senso comum, indica que ele estaria colocando nas palavras significados
que de algum modo no servem para elas, provavelmente deformando, assim, esses
significados. Pode tambm ser, claro, que o locutor ponha significado demais nas
palavras. E existem expresses para isso tambm.
(9) Never load a sentence with more thoughts than it can hold. 4
Em geral, essa classe de exemplos implica, falando ou escrevendo, que os humanos
colocam seus pensamentos e sentimentos internos nos sinais externos da linguagem.
Uma listagem mais completa pode ser encontrada no Apndice deste texto.
A lgica do esquema conceitual que estamos considerando uma lgica que
daqui em diante chamaremos de metfora do tubo nos levaria agora afirmao
grotesca de que palavras tm faces internas e faces externas. Afinal, se
pensamentos podem ser inseridos, deve haver um espao dentro onde o
significado pode residir. Mas com certeza a lngua inglesa, mesmo podendo ser
(6) Tente embutir mais pensamentos dentro de menos palavras. (7) Insira aquelas idias em qualquer outro lugar no pargrafo. (8) No force seus sentidos nas palavras erradas.
culpada por quaisquer sinuosidades metafsicas, no poderia ter nos envolvido nesse
evidente tipo de nonsense. Bem, uma reflexo rpida haveria de nos cutucar
lembrando que contedo um termo usado quase como sinnimo de idias e de
significado. E memria5 uma palavra bastante significativa6 nesse contexto.
Inmeras expresses deixam claro que a lngua inglesa v as palavras como contendo
ou deixando de conter pensamentos, dependendo do sucesso ou fracasso do locutor no
processo de insero.
(10) That thought is in practically every other word. (11) The sentence was filled with emotion. (12) The lines may rhyme, but they are empty of both meaning and feeling. (13) Your words are hollow you dont mean them..7
Ou, em geral, h uma outra classe de exemplos que implicam que as palavras contm
ou transmitem pensamentos e sentimentos quando a comunicao bem sucedida.
Ns afirmamos, sem pestanejar, que o significado est exatamente nas palavras.
Outros casos sero encontrados no Apndice.
Pode ser que o problema numa falha de comunicao no esteja no locutor.
4 (9) Nunca encha uma sentena com mais significados do que ela pode aguentar.
5 Em ingls recollection, que memria, lembrana. Em ingls a palavra tem uma srie de associaes interessantes, uma delas podendo ser coleo, ajuntamento: re-collection No portugus a idia de memria como coleo, arquivo, algo que se armazena ou o prprio local de armazenagem tambm comum, como se pode ver nos exemplos: a) Tenho seu rosto guardado/arquivado na minha memria. b) Quero guardar/arquivar para sempre essa memria. 6 O ingls, aqui, permite uma associao exemplar, que o autor usa indicando-a graficamente: meaning-full, literalmente cheio de sentido
7 (10) Aquele pensamento est em praticamente uma palavra sim outra no. (11) Esta sentena est cheia de emoo. (12) Os versos podem at rimar, mas so vazios de sentido e sentimento. (13) Suas palavras so ocas aposto que voc no quer mesmo dizer isso.
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 5 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
Pode ser que, de algum modo, o ouvinte que tenha errado. No esquema da metfora
do tubo, a tarefa do ouvinte deve ser de extrao. Ele deve encontrar o significado
nas palavras e tir-lo delas, de modo que ele chegue em sua cabea. Muitas
expresses mostram que a lngua inglesa realmente v isto desta maneira.
(14) Can you actually extract coherent ideas from that prose? (15) Let me know if you find any good ideas in the essay. (16) I dont get any feelings of anger out of his words..8
Curiosamente, meu trabalho inicial com essas expresses me sugere que mais fcil
culpar o locutor por fracassos na comunicao quando falamos e pensamos em termos
da metfora do tubo. Afinal, receber e desembrulhar um pacote to passivo e to
simples o que poderia dar errado? Um pacote pode ser difcil ou impossvel de se
abrir. Mas, se no danificado, e aberto com sucesso, quem pode deixar de encontrar
as coisas certas dentro dele? Desse modo, existem poderosas expresses grficas
culpando particularmente os escritores por tornarem o pacote difcil de ser aberto,
como de (17) a (19).
(17) That remark is completely impenetrable. (18) Whatever Emily meant, its likely to be locked up in that cryptic little
verse forever (19) He writes sentences in such a way as to seal up the meaning in them..9
Mas, alm de dizer que leitores e ouvintes no prestam ateno no que est nas
palavras, a metfora do tubo oferece pouca explicao para a falha em encontrar
suficientes pensamentos ou os pensamentos certos naquilo que algum diz. Se
8 (14) Voc acha que pode mesmo extrair idias coerentes daquela prosa?
(15) Conte-me se encontrar alguma idia boa nesse ensaio. (16) Eu no consigo captar nenhum sentimento de raiva nas suas palavras.
9 (17) Aquele comentrio completamente impenetrvel. (18) O que quer que Emily tenha querido dizer, provvel que esteja trancado naquele verso enigmtico para sempre.
algum descobre pensamentos demais, no entanto, ns temos uma expresso
maravilhosamente absurda repreendendo-o por isso.
(20)Youre reading things into the poem.10
Espero que tenha ficado claro aqui o poder do esquema conceitual em impor
consistncia de base racional, mesmo quando os resultados so vazios. Ns devemos
ver esse leitor como tendo sorrateiramente feito uso desse poder de inserir
pensamentos em palavras quando deveria ter-se restringido somente extrao. Ele
enfiou aqueles pensamentos nas palavras por conta prpria, e ento virou as costas e
fingiu que j os encontrou l. Talvez pelo fato de o problema de significado em
excesso ocorrer mais freqentemente na leitura, ns nunca desenvolvemos a expresso
correspondente para a fala hearing things into the poem. Ao invs disso, ns
usamos reading things into para ambas as modalidades. Mais uma vez, outros
exemplos se encontram no Apndice.
Talvez devssemos fazer uma pausa neste ponto e propr algum mecanismo de
generalizao do que vimos at agora. No so as sentenas numeradas acima o
importante, mas as expresses em itlico. Essas expresses poderiam aparecer em
muitos enunciados diferentes e adquirir formas muito diferentes, e ns no temos
ainda uma maneira de isolar o que fundamental nelas. Note, por exemplo, que em
todos os exemplos ocorreu uma palavra como idias, ou pensamentos, ou significado,
ou sentimento, que denotam material conceitual ou emocional interno. Tirando o que
parecem ser restries menores a co-ocorrncias estilsticas, estes e outros termos
como eles podem ser livremente substitudos uns pelos outros. Ento, irrelevante
(19) Ele escreve as frases de modo a vedar o significado dentro delas.
10 Em portugus seria algo equivalente a Voc est lendo coisas demais neste poema. Logo abaixo, o autor chama ateno para o fato de que no se diz em ingls
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 6 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
para um exemplo qual deles est presente, e seria muito til ter alguma abreviao
para o grupo inteiro. Vamos imaginar cada pessoa como tendo um repertrio de
material mental e emocional. Isso nos permitir dizer que qualquer termo denotando
um item do repertrio, abreviado IR11, servir, digamos, como um objeto em (1) e
produzir um enunciado como exemplo. Subjazendo (1), (2), e (3), ento, esto o que
chamaremos expresses nucleares, que podem ser escritas como se segue:
(21) get RM across [subjacente a (1)] (22) RM comes through (to someone) [subjacente a (2)] (23) give (someone) RM [subjacente a (3)]12
Os parnteses em (22) e (23) indicam complementos opcionais. Os exemplos de (4) a
(20), alm de um termo do grupo IR, contm todos um outro termo como palavra,
frase, ou poema. Essas palavras, pelo menos nos seus sentidos bsicos, designam
padres fsicos externos de marcas e sons que de fato circulam entre falantes. Tais
energias, ao contrrio dos pensamentos em si, so recebidas corporeamente, e so
aquilo que os tericos da informao chamariam de sinal. Se adotamos esse nome
genrico para o segundo grupo, e o abreviamos como s, ento as expresses nucleares
para (4)-(6) so,
(24) capture RM in s [subjacente a (4)] (25) put RM into s [subjacente a (5)] (26) pack RM into s [subjacente a (6)]13
escutando coisas demais no poema.
11 N.T. No tratamento dos dados do ingls, mantivemos RM, abreviatura de repertoire member.
12 (21) passar IR (para algum) [subjacente a (1)] (22) IR chegar (a algum) [subjacente a (2)]. (23) dar (a algum) IR [subjacente a (3)]
13 (24) captar IR em s[subjacente a (4)].
No Apndice, a expresso nuclear sempre dada primeiro, seguida ento por um ou
dois exemplos. Obviamente, cada expresso dessas deve ser responsvel por um
grande nmero de sentenas diferentes.
A metfora do tubo e as expresses nucleares que a incorporam merecem
muito mais investigao e anlise. Minha listagem das expresses nucleares est longe
de ser completa, e as reverberaes lgicas desse paradigma afetam tanto a sintaxe
quanto a semntica de muitas palavras que no so, elas prprias, parte das expresses
nucleares. Mais tarde voltaremos a essa reverberao, que afeta o grupo s inteiro.
Afora isto, no entanto, temos que nos contentar em fechar esta discusso com uma
breve caracterizao de mais alguns tipos de expresses nucleares.
Nossos exemplos at agora foram retirados das quatro categorias que
constituem o quadro conceitual maior da metfora do tubo. As expresses nucleares
nessas categorias implicam, respectivamente, que: (1) a linguagem funciona como um
tubo, transferindo pensamentos corporeamente de uma pessoa a outra; (2) escrevendo
e falando, as pessoas inserem seus pensamentos ou sentimentos em palavras; (3) as
palavras cumprem essa transferncia empacotando os pensamentos e sentimentos e os
veiculando a outros; e (4) ouvindo ou lendo, as pessoas retiram pensamentos e
sentimentos das palavras. Alm dessas quatro classes de expresses, h muitos
exemplos bons que tm implicaes diferentes, apesar de claramente relacionadas. O
fato de que estranho ao senso comum pensar em palavras como tendo interiores
torna bastante fcil para ns abstrair da verso estrita, maior da metfora, na qual
pensamentos e emoes esto sempre contidas em algo. Ou seja, o quadro conceitual
maior v idias como existindo seja dentro das cabeas humanas, ou, pelo menos,
dentro de palavras enunciadas por humanos. O quadro menor no toma as palavras
(25) colocar IR dentro de s. [subjacente a (5)]
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 7 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
como containers e permite que idias e sentimentos fluam, desalgemados e
completamente desincorporados, num tipo de espao ambiental entre as cabeas
humanas. Neste caso, a linguagem do tubo deixa de ser a de conduites selados de
pessoa a pessoa, e passa a ser a de fontes geradoras individuais que permitem que
contedos mentais escapem para ela, ou entrem a partir dela nesse espao ambiental.
De novo, parece que essa extenso da metfora auxiliada pelo fato de que, em algum
lugar, somos perifericamente atentos para o fato de que na verdade palavras no tm
interiores.
Em todo caso, qualquer que seja a causa da extenso, h trs categorias de
expresses no quadro terico menor. As categorias implicam, respectivamente, que:
(1) pensamentos e sentimentos so projetados pela fala ou escrita num espao de
idias externo; (2) pensamentos e sentimentos so reificados nesse espao externo,
de forma que eles existem independentemente de qualquer necessidade que os seres
humanos tenham para viver, pens-los ou senti-los; (3) esses pensamentos e
sentimentos reificados podem, ou no, encontrar seu caminho de volta nas cabeas
dos seres humanos. Alguns exemplos notveis das expresses do quadro menor so,
para a primeira categoria
put RM down on paper (27) Put those thoughts down on paper before you lose them!
pour RM out (28) Mary poured out all of the sorrow she had been holding in for so long.
get RM out (29) You should get those ideas out where they can do some good14
(26) embutir IR dentro de s [subjacente a (6)]
14 pr IR no papel (27) Ponha essas idias no papel antes que voc as perca! pr IR para fora
E, para a segunda categoria,
RM float around (30) That concept has been floating around for decades.
RM find way (31) Somehow, these hostile feelings found their way to the ghettos of Rome
find RM EX LOC (32) Youll find better ideas than that in the library. (33) John found those ideas in the jungles of the Amazon, not in some
classroom.15
(EX LOC16 deve ser entendido como uma expresso locativa qualquer
designando um lugar qualquer dentre os seres humanos, ou seja, um locativo externo).
E para a terceira categoria,
absorb RM (34) You have to absorb Aristotles ideas a little at a time.
RM go over someones head (35) Her delicate emotions went right over his head.
get RM into someones head (36) How many different concepts can you get into your head in one
(28) Paula ps para fora toda dor que ela estava segurando por tanto tempo. trazer RM para fora (19) Voc devia trazer essas idias pra fora, onde elas nos possam ser teis.
15 RM circular (30) Aquele conceito est circulando por a h dcadas. RM encontrar lugar (31) De alguma forma, aqueles sentimentos hostis encontraram seu lugar nos guetos de Roma encontrar/achar RM LOC EX (32)Voc vai encontrar/achar idias melhores do que essas na biblioteca. (33) Joo encontrou/achou essas idias na rua, e no em qualquer banco de escola.
16 N.T. No exemplos do portugus utilizamos LOC EX, abreviando locativo externo.
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 8 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
evening?17
Vejam mais exemplos no Apndice.
O paradigma dos fabricantes de utenslios
Para pesquisarmos os efeitos da metfora do tubo nos processos cognitivos dos
falantes, precisamos de uma maneira alternativa de conceber a comunicao humana.
Precisamos de uma outra histria para contar, um outro modelo, de forma a que as
implicaes mais profundas da metfora do tubo possam ser ressaltadas por contraste.
Em outras palavras, para nos dedicarmos restruturao do modelo da comunicao
humana precisamos, em primeiro lugar, de um modelo para opormos ao que
conhecemos.
Para comear essa outra histria, eu gostaria de sugerir que, conversando uns
com os outros, somos como pessoas isoladas em ambientes ligeiramente diferentes.
Imaginemos ento, para construirmos essa histria, um composto enorme do formato
de uma roda de um vago como na figura abaixo:
17 absorver IR
(34) Voc vai ter que absorver as idias de Aristteles pouco a pouco IR bater (35) As idias dele bateram direto na minha cabea. enfiar IR na cabea de algum (35) Quantos projetos diferentes voc quer enfiar na minha cabea de uma vez s?
Cada setor da roda um ambiente, com dois aros e parte da circunferncia
formando suas paredes. Todos os ambientes tm coisas em comum uns com os outros
gua, rvores, pequenas plantas, pedras , coisas desse tipo mas nenhum deles
exatamente igual ao outro. Eles contm diferentes tipos de rvores, plantas, terreno,
etc. Em cada um desses setores vive uma pessoa que precisa sobreviver em seu
ambiente, prprio e especial. No centro da roda h um maquinrio que pode transmitir
pequenas folhas de papel de um ambiente para o outro. Suponhamos que essas
pessoas aprenderam a usar esse maquinrio para trocar conjuntos rudimentares de
instrues entre si instrues para fazer coisas importantes para sua sobrevivncia
como ferramentas, talvez, ou abrigos, comidas, coisas assim. Mas no h, nessa
histria, nenhuma maneira de essas pessoas se visitarem nos ambientes uns dos outros,
ou mesmo de trocarem amostras das coisas que elas construram em seus prprios
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 9 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
ambientes. Isto crucial aqui. As pessoas podem somente trocar esses conjuntos
rudimentares de instrues impresses estranhas, rabiscadas em folhas de papel
especiais que aparecem numa abertura no eixo central da roda e podem ser
depositadas em outra abertura nada alm disso. De fato, uma vez que no h
nenhuma maneira de se gritar atravs das paredes desses setores, as pessoas somente
sabem da existncia umas das outras indiretamente, por uma srie cumulativa de
inferncias. Esta parte da histria, a regra da impossibilidade de visita e da troca de
material nativo, chamaremos de o postulado da subjetividade radical.
Nesta analogia, o contedo de cada ambiente, o material nativo, representa o
repertrio de uma pessoa. Eles esto aqui no lugar dos pensamentos internos,
sentimentos, e percepes que no podem, eles mesmos, ser enviados a ningum por
qualquer meio que conhecemos. Esses materiais so nicos, com os quais cada pessoa
deve trabalhar para sobreviver. As impresses representam sinais da comunicao
humana, as marcas e sons que podemos, de fato, enviar uns aos outros. Teremos que
ignorar a questo de como o sistema de instrues se tornou estabelecido, apesar de
esta ser uma parte interessante da histria. Devemos simplesmente assumir que ele
atingiu algo como um estado estvel, e procurar ver como funciona.
Suponhamos que uma pessoa A tenha descoberto uma ferramenta muito til
para ele. Digamos que ela tenha aprendido a construir um ancinho e descobriu que
pode us-lo para limpar as folhas mortas e outros entulhos sem prejudicar as plantas
vivas. Um dia, essa pessoa A vai at o eixo do maquinrio e desenha, da melhor forma
possvel, trs conjuntos idnticos de instrues a respeito deste ancinho, e os deposita
nas aberturas correspondentes para as pessoas B, C, e D. Como resultado essas trs
pessoas, que vivem em ambientes ligeiramente diferentes, recebem agora essas
curiosas folhas de papel, e comeam a trabalhar tentando construir o que cada uma
delas pode a partir daquelas instrues. O ambiente da pessoa A tem muita madeira,
que provavelmente o motivo pelo qual ela tem muita folha para varrer, em primeiro
lugar. O setor B, por outro lado, tem mais pedras, e a pessoa B usa muita pedra em
suas construes. Ela at achou um pedao de madeira para servir de cabo, mas logo
comeou a fazer o pente do ancinho de pedra. O pente do ancinho original feito por A
era de madeira. Mas como nunca lhe ocorreu que qualquer outra coisa a no ser
madeira poderia estar a sua disposio ou ser adequado para isso, A nem procurou
especificar, em suas instrues, que o pente era de madeira. Quando a pessoa B estava
j pela metade na confeco do pente de pedra para seu ancinho, ela o conectou
experimentalmente com o cabo e de repente se deu conta de que aquela coisa, o que
quer que aquilo fosse, com certeza ia ficar muito pesado e difcil de manejar. Durante
algum tempo ela tentou imaginar seus possveis usos, e ento decidiu que devia ser
um instrumento para soltar do terreno pedrinhas pequenas limpando um campo para o
plantio. Ela ficou maravilhada com o fato de que A devia ser muito grande e forte, e
tambm com o tanto de pedrinhas pequenas com que A tinha que lidar. B ento decide
que duas pontas grandes tornariam o ancinho tanto mais leve quanto mais adequado
para desencavar pedras maiores.
Bem feliz, tanto com seu tira-pedras de lmina dupla, quanto com suas novas
idias sobre como seu/sua companheiro(a) A devia ser, a pessoa B fez trs conjuntos
idnticos de instrues sobre seu tira-pedras e os inseriu nos lugares adequados para
A, C e D. A pessoa A, claro, agora comea a montar um tira-pedras seguindo as
instrues de B, s que o faz inteiramente de madeira e tem que alterar um pouco o
desenho para fazer um pente duplo suficientemente forte. Ainda assim, em seu
ambiente quase sem pedra nenhuma, ela no consegue ver exatamente a utilidade para
aquela coisa, e se preocupa com que B tenha interpretado mal seu ancinho. Ento ela
desenha um segundo conjunto de instrues mais detalhadas para o pente do ancinho,
e os envia para cada um. Enquanto isso, num outro setor, a pessoa C, que est
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 10 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
particularmente interessada em limpar um brejo, criou, com base nesses conjuntos
diversos de instrues uma enxada. Afinal de contas, quando voc est lidando
com lama e grama de brejo, precisa de algo que corte rente no fundo as razes. E a
pessoa D, a partir do mesmo conjunto de instrues, acabou fazendo um arpo. Ela
tinha um laguinho e muito peixe.
Apesar de acharmos que seria bastante interessante conhecer C e D, os heris
principais dessa histria so A e B. Vamos ento voltar a eles para o clmax da grande
conversao sobre o ancinho na qual, para a surpresa de todos, alguma comunicao
ocorre. A e B, que tiveram intercmbios produtivos no passado, e portanto no se
importam de investir pesado em suas comunicaes, ficaram envolvidos com o
problema do ancinho por um longo tempo. Suas instrues simplesmente no
combinam. B at abandonou sua hiptese original de que A um homenzarro que s
lida com pedrinhas. Isso simplesmente no se adequa s instrues que ele recebe. A,
por sua vez, est ficando to frustrado que est quase desistindo. Ele se assenta perto
do mecanismo central e, num tipo de acesso de raiva inconsciente, esfrega duas
pedrinhas juntas. Subitamente ele para. Segura essas pedras na frente de seus olhos e
parece estar pensando furiosamente. Ento ele corre para o mecanismo e comea a
rabiscar novas instrues o mais rpido possvel, usando desta vez smbolos icnicos
bastante inteligentes para madeira e para pedra, que ele espera que B compreenda.
Logo A e B ficam extasiados. Todos os tipos de conjuntos de instrues anteriores,
no apenas sobre ancinhos, mas sobre outras coisas tambm, agora fazem perfeito
sentido. Eles se elevaram a um novo plat de inferncia um sobre o outro, e cada um
sobre o ambiente do outro.
Para efeito de comparao, vamos tomar agora essa mesma situao de novo,
do ponto de vista da metfora do tubo. Em termos do paradigma da subjetividade
radical para a comunicao humana, o que a metfora do tubo permite a troca de
material entre os ambientes, incluindo os prprios instrumentos. Em nossa histria,
teramos que imaginar uma tecnologicamente fantstica mquina duplicadora
localizada no mecanismo central. A poria seu ancinho numa cmara especial, apertaria
um boto, e rplicas instantneas e perfeitas do seu ancinho apareceriam em cmaras
semelhantes para que B, C, e D as usassem. B, C, ou D no teriam que construir nada
ou adivinhar nada. Se B quisesse comunicar com C e D sobre o ancinho de A, no
haveria qualquer desculpa para ele enviar outra coisa que no fosse uma rplica exata
daquele ancinho para essas pessoas. Ainda haveria diferenas entre os ambientes, mas
aprender sobre elas agora uma questo trivial. Tudo o que B j enviou a A foi
construdo basicamente de pedra, e A ento perfeitamente consciente dessa
qualidade de seu vizinho. Mesmo se essa mquina maravilhosa falhar agora e de
novo, de modo que os artefatos cheguem danificados, ainda assim os objetos
danificados parecero objetos danificados e no outra coisa. Um ancinho quebrado
no se torna uma enxada. Pode-se simplesmente devolver o objeto danificado, e
esperar a outra pessoa enviar uma outra rplica. Deveria estar claro que uma tendncia
irresistvel do sistema, visto pela metfora do tubo, sempre ser: sucesso sem esforo.
Ao mesmo tempo, deveria ser igualmente bvio que, em termos do paradigma dos
fabricantes de utenslios, e do postulado da subjetividade radical, chegamos
exatamente concluso oposta. A comunicao humana quase sempre ir degringolar,
a menos que se despenda nela energia pra valer.
Essa comparao, ento, ilumina um conflito bsico entre a metfora do tubo e
o paradigma dos fabricantes de utenslios. Ambos os modelos oferecem uma
explicao do fenmeno da comunicao. Mas eles chegam a concluses totalmente
diferentes sobre o que, naquele fenmeno, so os estados mais naturais de coisas, e
sobre o que menos natural, ou mais limitado. Em termos da metfora do tubo, o que
requer explicao o fracasso na comunicao. O sucesso parece ser automtico. Mas
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 11 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
se pensamos em termos do paradigma dos fabricantes de utenslios, nossa expectativa
precisamente a oposta. Incompreenses parciais, ou divergncia de leituras de um
nico texto no so aberraes. Essas so tendncias inerentes ao sistema, que podem
apenas ser contornadas por esforo contnuo e por enorme quantidade de interao
verbal. Nesta viso, as coisas naturalmente sero dispersadas, a menos que se gaste
energia para junt-las. Elas no so, como a metfora do tubo quereria, naturalmente
conjugadas, com uma populao ameaadora de loucos desmiolados fazendo de tudo
para dispers-las.
Como muitos intelectuais apontaram (Kuhn, 1970a; Butterfield, 1965), tais
mudanas na noo do que uma coisa faz naturalmente, ou seja, daquilo que ela faz
se deixamos funcionar por sua conta, so o material do qual revolues cientficas so
feitas. Se a terra fica parada nalgum ponto central, ento so os movimentos dos
corpos celestiais que precisam ser teorizados e preditos. Mas se o sol que est num
ponto central, ento precisamos teorizar sobre o movimento da terra. A esse respeito,
a situao atual um pouco curiosa. O paradigma dos fabricantes de utenslios est
bastante de acordo com uma conexo j postulada h muito tempo entre informao,
no sentido matemtico, e a expresso da entropia na segunda lei da termodinmica
(Cherry, 1966, p.214-17). A segunda lei afirma que, se deixadas funcionarem por sua
prpria conta, todas as formas de organizao sempre iro diminuir com o tempo. A
comunicao humana bem sucedida envolve um crescimento em organizao, que no
pode ocorrer espontaneamente ou graas sua prpria unidade. Portanto, a mudana
de ponto de vista do paradigma dos fabricantes de utenslios parece apenas fazer com
que o modelo da comunicao humana se afine com um paradigma previamente
existente nas cincias fsicas. Mas mesmo assim, matematicamente, informao
expressa como entropia negativa, associao essa sempre envolvida com muita
discusso e confuso. Pode ser que essa confuso brote, pelo menos em parte, da
posio dominante ocupada pela metfora do tubo na nossa linguagem. Pois a
metfora do tubo est definitivamente em conflito com a segunda lei.
Mas eu no quero argumentar muito veementemente nem a favor nem contra
qualquer um desses modelos apresentados neste artigo. No quero pretender nem
apelo aos fatos a estas alturas. Pois a verdadeira questo aqui em que medida a
linguagem pode influenciar os processos de pensamento. Para mim, do meu ponto de
observao agora, parece que o paradigma dos fabricantes de utenslio e o
subjetivismo radical simplesmente formam uma viso coerente, senso comum do que
ocorre quando falamos um senso comum que encontra suporte em tudo desde esta
segunda lei da termodinmica at os estudos recentes em inteligncia artificial ou
psicologia cognitiva. Mas minha afirmao maior verdadeira que a metfora do
tubo uma estrutura semntica real e poderosa na lngua inglesa, que pode influenciar
nosso pensamento ento se segue que o senso comum sobre linguagem pode
ficar confuso. Confesso que levei quase cinco anos para chegar ao subjetivismo
radical como senso comum. O que estava no meio do caminho no era nunca um
contra-argumento, mas, ao invs disto, uma simples inabilidade de pensar claramente
sobre a questo. Minha mente parecia adormecer em momentos cruciais, e foi apenas
o crescente peso de mais e mais evidncias que finalmente forou-a a ficar acordada.
H, portanto, a probabilidade de que argumentos sobre esses modelos no sejam
necessrios, ou alternativamente, se necessrios, possvel que caiam em ouvidos
surdos at que o efeito enviesador da metfora do tubo tenha sido contornado. Mais
importante, ento uma pesquisa da evidncia de que a metfora do tubo pode
influenciar e de fato influencia nosso pensamento.
Patologia semntica
Vamos assumir agora, para efeitos de argumentao, que concordamos que a
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 12 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
comunicao funciona como o paradigma dos fabricantes de utenslio sugere, e no
como a metfora do tubo pretende. Alm disso proponho assumirmos que as
implicaes conflitantes dos dois quadro conceituais so teoricamente interessantes ou
mesmo importantes. Voc pode bem atribuir a mim essas coisas e ainda sustentar que
as expresses da metfora do tubo na lngua cotidiana no influenciam nem
confundem, na verdade, nossos processos cognitivos. Afinal, todos ns conseguimos
processar mudanas mentais e pensar sobre a linguagem em termos do paradigma dos
fabricantes de utenslio aqui mesmo, nesta discusso. A metfora do tubo no nos
impediu de fazer isso. Onde ento, de fato, est o problema? Como pode ser que algo
problemtico surja de um modelo que somos capazes de descartar to facilmente?
Esta a pergunta para a qual eu gostaria que nos dirigssemos agora. A metfora do
tubo pode de fato enviesar nosso pensamento? Se sim, como?
Para comear, preciso esclarecer que nenhum falante de ingls, nem mesmo
seu autor, descartou a metfora do tubo. Pensar em termos do paradigma dos
fabricantes de utenslio brevemente pode, talvez, nos ter tornado mais conscientes da
metfora do tubo. Mas nenhum de ns vai descart-la at que tenhamos conseguido
trazer uma srie inteira de mudanas interligadas na lngua inglesa. A lgica do
modelo conceitual corre como fios em muitas direes atravs do tecido sinttico e
semntico de nossos hbitos de fala. Tornarmo-nos apenas conhecedores disto no vai
alterar em nada a situao. No parece tampouco que algum pode adotar e
desenvolver um quadro conceitual novo e ao mesmo tempo continuar ignorando o
tecido da linguagem. Pois em todos os lugares ns continuamos correndo atrs dos
antigos fios, e cada um de ns vai puxar um pouco a conversao e o pensamento de
volta para o padro anteriormente estabelecido. Independente do quanto isso possa
parecer uma coisa do outro mundo, h evidncias excessivamente convincentes de que
isso tem ocorrido e continua a ocorrer.
A afirmao exata que estamos fazendo aqui importante. Tem a ver, eu acho,
com uma das maneiras pelas quais as pessoas comumente interpretam mal a hiptese
de Whorf. No afirmo que no podemos pensar momentaneamente em termos de um
outro modelo do processo da comunicao. Eu argumento, em vez disso, que esse
pensamento permanecer breve, isolado, e fragmentrio frente a um sistema
imbricado de atitudes e afirmaes contrrias.
Ainda no consegui juntar dados estatsticos significativos sobre o nmero de
expresses nucleares que surgem da metfora do tubo. Na verdade, na medida em que
o prprio conceito de expresso nuclear um tanto quanto frouxo, e na medida em
que difcil, em alguns casos, decidir se uma expresso deveria ou no ser listada,
no tenho certeza de se uma estatstica pesada poder algum dia ser construda.
Apesar disso, a contagem atual das expresses da metfora do tubo est beirando 140.
Se algum procurar formas alternativas de falar de comunicao que podem ser ou
metaforicamente neutras, ou metaforicamente opostas ao modelo do tubo a lista
das expresses marcar entre 30 ou 40. Uma estimativa conservadora apontaria ento
que pelo menos setenta por cento do aparato metalingstico inteiro da lngua inglesa
diretamente, visivelmente, e graficamente baseado na metfora do tubo.
Qualquer que seja a influncia sobre os trinta por cento restantes, parece ser
enfraquecida alm desta proporcionalidade direta por fatores diversos. Primeiro, essas
expresses tendem a ser abstraes latinas, multissilbicas (comunicar, disseminar,
notificar, divulgar, e assim por diante) que no so nem grfica nem metaforicamente
coerentes. Assim, elas no apresentam um modelo alternativo do processo de
comunicao, que deixa a noo de pr as idias em palavras como o nico conceito
disponvel. Em segundo lugar, a maioria deles pode ser usado com o aposto em
palavras (em s, genericamente falando), perdendo assim sua neutralidade e dando
um suporte extra metfora do tubo. Communicate your feelings using simpler
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 13 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
words, por exemplo, evita a metfora do tubo, enquanto Communicate your feelings
in simpler words, no18. E, finalmente, na medida em que as etimologias so
relevantes, muitas dessas expresses tm razes que brotam diretamente do modelo do
tubo (expressar, disseminar, etc.). Veja Parte I do Apndice para essa listagem.
A ilustrao mais simples, e talvez mais convincente de nossa dependncia das
expresses nucleares da metfora do tubo so um teste que pode ser feito por qualquer
um de ns. Familiarize-se com as listagens do Apndice. Ento comece a ficar atento
para a metfora do tubo, e tente evit-la. Toda vez que voc se descobrir usando uma,
veja se pode substitu-la por uma expresso neutra, ou alguma circunlocuo. Minha
experincia dando aulas que tm que ver com esse assunto tem sido de meus
estudantes constantemente me chamarem a ateno por eu estar usando as expresses
sobre as quais estou ensinando. Se falo com muito cuidado, com ateno constante,
at consigo me sair bem evitando-as. Mas o resultado um ingls muito pouco
idiomtico. Em vez de entrar numa sala de aula e perguntar Vocs tiraram alguma
coisa daquele artigo? eu tenho que dizer Vocs conseguiram construir algo
interessante com base no texto indicado? Se olharmos bem, ouso afirmar que mesmo
o presente artigo traz expresses da metfora do tubo. Terminei a seo precedente
com um quadro conceitual menor, exemplo da categoria trs, (141) no Apndice,
quando escrevi: Os argumentos cairo em ouvidos surdos. Falando na prtica, se
voc tenta evitar todas as expresses bvias da metfora do tubo em seu uso, voc fica
praticamente emudecido quando comunicao o assunto em pauta. Voc pode falar
para o seu aluno mais teimoso: Tente comunicar com mais efetividade, Reginaldo,
mas sua fala no teria nem de longe o impacto de Reginaldo, voc tem que aprender
a pr seus pensamentos em palavras.
18 Comunique seus sentimentos usando palavras mais simples e Comunique seus sentimentos em palavras mais simples.
Mas mesmo se voc conseguisse evitar todas essas metaforices do tubo,
ainda assim no estaria livre do esquema conceitual do tubo. Os fios desse tecido,
como eu j disse, esto por toda parte. Para ver que elas vo mais fundo do que serem
apenas uma lista de expresses, eu gostaria de ressuscitar um conceito da semntica
pr-transformacional. Em seu Principles of Semantics, Stephen Ullmann (1957,
p.122) usa o termo patologia semntica. A patologia semntica surge sempre que
dois ou mais sentidos incompatveis capazes de figurar significativamente no mesmo
contexto se desenvolvem em torno do mesmo nome. Por algum tempo, minha
ilustrao favorita para isto na lngua inglesa era o delicado e difcil problema de se
distinguir sympathy de apology. Ou seja, Im sorry pode significar ou I
empathize with your suffering ou I admit fault and apologize.19 Algumas vezes as
pessoas esperam que peamos desculpas quando apenas pretendemos ser solidrios
com algo que est andando errado, e neste caso, dizendo Im sorry, pode ser a
evasiva perfeita ou uma brecha para uma briga. Outras vezes, as pessoas pensam que
estamos pedindo desculpas quando elas no vem razo nenhuma para tal e
respondem com Thats alright, it wasnt your fault.20
medida que fui estudando a metfora do tubo, todavia, passei a me basear
neste exemplo cada vez menos. Continuei cruzando com termos que eram ambguos
entre o que chamamos aqui membros do repertrio, e o que chamamos sinal. Eu
encontrava uma palavra que, em seu sentido bsico, se referia a algum agrupamento
de marcas ou sons que trocamos uns com os outros. Mas logo eu a usava em uma
sentena e me dava conta de que podia se referir igualmente bem e com a mesma
19 Sympathy= condolncias; apology= desculpas. Sinto muito pode tanto significar Estou solidria com voc neste seu sofrimento quanto Reconheo meu erro e peo desculpas.
20 Tudo bem, no foi erro seu.
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 14 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
freqncia a segmentos do pensamento ou emoes humanas. Considere a palavra
poema, por exemplo. Nos exemplos de (37) a (39),
(37) The poem was almost illegible. (38) The poem has five lines and forty words (39) The poem is unrhymed,21
essa palavra claramente se refere ao texto, a sinais envolvendo seja marcas ou sons.
Para efeitos de maior clareza, vamos considerar que o que est operando aqui a
palavra-sentido POEMA1 (para uma definio operacional de a palavra-sentido, ver
Reddy, 1973). Notem agora que, nos exemplos de (40) a (42),
(40) Donnes poem is very logical (41) That poem was so completely depressing (42) You know his poem is too obscene for children,22
o referente mais provvel no um texto, mas os conceitos e emoes reunidos na
leitura de um texto. Eu disse mais provvel aqui porque possvel imaginar
contextos nos quais o referente realmente, de novo, um texto. Suponhamos, por
exemplo, que a sentena (41) tenha sido enunciada por um professor de caligrafia
sobre uma cpia apressada de um poema qualquer, feita por uma criana. Tirando
esses contextos excepcionais, todavia, poema nestes exemplos se refere a material
conceitual e emocional. O funcionamento da palavra-sentido aqui eu chamarei
POEMA2. O exemplo (43) pode ser lido seja com POEMA1 seja com POEMA2
(43) Marthas poem is so sloppy!23
21 (37) O poema estava quase ilegvel
(38) O poema tem cinco linhas e quarenta palavras (39) O poema no tem rima.
22 (40) O poema de Donne muito lgico (41) Aquele poema era totalmente deprimente (42) Voc sabe que o poema dele obsceno demais para crianas.
fcil ver que essa ambigidade do termo poema est intimamente
relacionada com a metfora do tubo. Se as palavras na lngua contm as idias, ento
POEMA1 contm POEMA2 e ento ocorre uma metonmia, que um processo de
extenso de sentido que s perde em importncia para a metfora. Ou seja, quando
duas entidades so sempre encontradas juntas em nossa experincia, o nome de uma
delas em geral a mais concreta ir desenvolver um sentido novo que se refere ao
outro. Assim como ROSA1 (= a flor) desenvolveu ROSA2 (= o tom de vermelho
rosado) por metonmia, do mesmo modo POEMA1 deu origem a POEMA2. Pois, em
termos da metfora do tubo, os dois so vistos como existindo juntos, o segundo
dentro do primeiro, reunindo todas as condies para o aparecimento da metonmia.
Desde que estejamos satisfeitos com a metfora do tubo, ento essa ambigidade no
problemtica, e no , certamente, uma patologia semntica.
Mas consideremos agora o que acontece com o idealista lingstico que quer
pensar em comunicao em termos do paradigma dos fabricantes de utenslio e do
subjetivismo radical sem fazer quaisquer mudanas na lngua inglesa. Neste novo
modelo, as palavras no contm as idias, de forma que POEMA1 no contm
POEMA2. Na maioria dos casos h apenas POEMA1, um texto, com que se preocupar.
Mas por causa das diferenas entre os repertrios de pessoa a pessoa, e por causa da
difcil tarefa de reunir esses materiais mentais e emocionais com base nas instrues
num texto, bvio para nosso terico que havero tantos POEMA2 quantos forem
seus leitores ou ouvintes. Esses POEMA2 internos somente se parecero uns com os
outros depois de as pessoas despenderem energia conversando umas com as outras e
comparando suas anotaes. Agora no h a menor base para uma extenso
metonmica de POEMA1 a POEMA2. Se tivssemos visto a linguagem em termos do
23 (43) O poema de Marta to mal feito!
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 15 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
paradigma dos fabricantes de utenslio historicamente, esses dois conceitos
profundamente diferentes nunca seriam acessados pela mesma palavra. Falar de uma
srie inteira de entidades levemente ou terrivelmente diferentes como se fossem
apenas uma resultaria, obviamente, num desastre comunicacional.
Vemos, ento, que as coisas deram uma virada complicada para nosso idealista
lingstico. Esta ambigidade da palavra poema para ele uma patologia semntica
real e severa. Outros falantes, que aceitam a metfora do tubo, podem perfeitamente
no dar bola para isso. Mas ele no. Esse problema baratina a prpria distino que
ele mais est preocupado em fazer e em levar outros a fazerem. Mais complicado
ainda o fato de que esta patologia global. No um desenvolvimento isolado na
linguagem, envolvendo apenas a palavra poema. Eu discuti poema aqui como um caso
paradigmtico de uma classe inteira de palavras em ingls que denotam sinais.
Exemplos anlogos so disponveis para todos as palavras s discutidas anteriormente
palavra, frase, sentena, ensaio, novela, e etc. Mesmo a palavra texto tem dois
sentidos, como fica evidente em (44) e (45):
(44) I am tired of illegible texts (45) The text is logically incoherent.24
Alm disso, todos os nomes prprios de textos, poemas, peas, novelas,
discursos parecem poder compartilhar esta ambigidade. Observem:
(46) The Old Man and the Sea is 112 pages long (47) The Old Man and the Sea is deeply symbolic25
Na medida em que me tornei consciente desta patologia semntica sistemtica,
24 (44) Estou cansada de textos ilegveis.
(45) O texto logicamente incoerente.
25 (46) O Velho e o Mar tem 112 pginas.
difundida, me tornei, claro, menos impressionado com as dificuldades causadas por
Im sorry26. Pois aqui havia um caso que envolvia mais palavras que qualquer
patologia que eu j tinha ouvido. Alm disso, este caso mostrou que as estruturas
semnticas poderiam ser completamente normais com respeito a uma certa viso da
realidade, e, ao mesmo tempo, patolgicas com relao a uma outra. Ou, em outras
palavras, aqui h uma forte evidncia de que a linguagem e as vises da realidade tm
que se desenvolver de mos dadas. Finalmente, notei tambm que esta patologia nova,
potencial, afetava o que poderia ser chamado de morfosemntica das palavras
envolvidas. Suponhamos, por exemplo, que ns pluralizemos a palavra poema. Como
mostrado em (48)
(48) We have several poems to deal with today,
a pluralizao produz uma forma cujos referentes mais naturais so uma
multiplicidade de POEMA1, ou seja, uma srie de textos diferentes. Seria bem pouco
natural enunciar (48) e querer dizer que h diversos POEMA2 internos, o POEMA2 de
Michael, o POEMA2 de Mary, o POEMA2 de Alex, e etc., todos construdos a partir
do mesmo poema, e que deveriam ser discutidos num determinado dia. O que isto
significa que, apesar de POEMA1 pluralizar com a mudana morfolgica, o outro
sentido, POEMA2, perdido nesta mudana. No caso de nomes prprios, a
pluralizao ainda mais problemtica. Para a maioria dos nomes de textos, no h
morfologia definida para o plural. Como haveria nosso subjetivista-radical-em-
desenvolvimento pluralizar The Old Man and the Sea? Ser que ele diria Our
internal The Old Man and the Sea-s? Ou seria Our internal The Old Man and the
(47) O Velho e o Mar profundamente simblico.
26 Sinto muito, exemplo tratado anteriormente.
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 16 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
Sea27? Observem que no ajudaria muito usar (49) ou (50)
(49) Our versions of the poem. (50) Our versions of The Old Man and the Sea.28
Pois, em (49), a palavra poem significa POEMA1, ento esta frase se aplica s
variantes do texto que no o que ele quer dizer. Por outro lado, se poem significa
POEMA2, ento nosso subjetivista radical continua com problemas. Agora parece que
h um POEMA2 adequado e correto, disponvel para todos ns, que contudo ns
devemos, por questes de gosto, modificar levemente. O subjetivismo radical, a
absoluta impossibilidade de transferir qualquer POEMA2 correto, completamente
abafado por (49) e (50). Este fato importantssimo, de que h um POEMA1 mas
necessariamente muitos POEMA2 no pode ser expresso de jeito nenhum nem
facilmente, nem consistentemente ou naturalmente.
Essa discusso, apesar de no tratar de tudo o que teria que ser tratado, fornece
uma ilustrao inicial do que aconteceria a algum que realmente tentasse descartar a
metfora do tubo e pensar sria e coerentemente em termos do paradigma dos
fabricantes de utenslio. Essa pessoa encontraria dificuldades lingsticas srias, para
dizer o mnimo, e claramente teria que criar uma nova linguagem medida que
reestruturasse seu pensamento. Mas, claro, ela faria isso somente se ela
compartilhasse nossa conscincia atual do poder enviesador da metfora do tubo. At
onde eu sei, nenhum dos pensadores que tentaram apresentar teorias alternativas da
linguagem e da natureza do significado tiveram essa conscincia. Entretanto, a
metfora do tubo passou-os para trs, sem que eles sequer soubessem o que estava
27 Como pluralizar o nome de um livro: Nossos O Velho e o Mar-es internos? ou Nossos O Velho e o Mar internos?
28 (49) Nossas verses do poema. (50) Nossas verses de O Velho e o Mar.
acontecendo. claro que os problemas causados por essa confuso em esttica e
crtica so numerosos, e fcil documentar minhas afirmaes analisando trabalhos
nesta rea. Todavia, uma documentao mais convincente de fato, a documentao
mais convincente que algum poderia desejar s vai ser encontrada na histria do
desenvolvimento da teoria matemtica da informao. Aqui, se que alguma vez
aconteceu, tanto com uma lgebra destituda do sentido de informao e com
mquinas processuais sendo usadas como modelo, o efeito da metfora do tubo
deveria ter sido evitado. Mas, na verdade, no foi. E a base conceitual da nova
matemtica, apesar do mesmo no ter acontecido com a matemtica em si, foi
completamente obscurecida pelas patologias semnticas da metfora do tubo.
O quadro conceitual da teoria matemtica da informao tem muito em comum
com nosso paradigma dos fabricantes de utenslio. Informao definida como a
habilidade de fazer selees no randmicas para um conjunto de alternativas.
Comunicao, que a transferncia desta habilidade de um lugar a outro, concebida
como ocorrendo da seguinte maneira. O conjunto de alternativas e um cdigo
relacionando estas alternativas a sinais fsicos so estabelecidos, e uma cpia de cada
colocada tanto no terminal de envio quanto no terminal de recebimento do sistema.
Este ato cria o que conhecido como um contexto compartilhado aprioristicamente,
um pr-requisito para atingir qualquer comunicao que seja. Na extremidade de
transmisso, a seqncia de alternativas chamada a mensagem escolhida para
comunicao com a outra extremidade. Mas essa seqncia de alternativas no
enviada. Ao invs disso, as alternativas escolhidas so sistematicamente relacionadas
pelo cdigo a alguma forma de padres de energia que podem viajar rapidamente e
reter sua forma enquanto viajam ou seja, os sinais.
O problema com esses sistemas que as alternativas, elas mesmas, no so
mveis e no podem ser enviadas, enquanto os padres de energia, os sinais, sim,
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 17 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
so mveis. Se tudo vai bem, os sinais, quando chegam na extremidade de
recebimento, so usados para duplicar o processo de seleo original e recriar a
mensagem. Ou seja, usando as relaes entre o cdigo e a cpia do conjunto original
de alternativas, o terminal de recebimento pode fazer as mesmas selees que eram
feitas antes na extremidade de transmisso quando a mensagem era gerada. A
quantificao possvel neste modelo somente porque se pode estabelecer medidas de
quanto os sinais recebidos limitam as escolhas possveis das alternativas preexistentes.
Em termos do nosso paradigma de fabricantes de utenslio, o conjunto pr-
definido de alternativas da teoria da informao corresponde quilo que chamamos de
repertrio. Os ambientes das pessoas no conjunto roda-de-vago tm todas muito em
comum se no fosse assim seu sistema de instrues no funcionaria de jeito
nenhum Os sinais da teoria matemtica so exatamente o mesmo que nossos sinais
padres que podem viajar, que podem ser intercambiados. No mundo do conjunto,
eles so as folhas de papel enviados para diante e para trs. Notem, agora, que na
teoria da informao, assim como em nosso paradigma, as alternativas as
mensagens no esto contidas nos sinais. Se fosse para os sinais chegarem no
terminal de recebimento, o conjunto de alternativas chegaria estragado ou perdido, e
as selees adequadas no poderiam ser feitas. Os sinais no tm capacidade de trazer
alternativas com eles; eles no carregam nenhuma rplica, por menor que seja, da
mensagem. A noo inteira de informao como o poder de fazer selees descarta
a idia de que sinais contm a mensagem.
Agora, isto pode ser excessivamente claro quando falado assim desta maneira.
E parece que permanece claro enquanto a teoria da informao for restrita a
aplicaes simples, tcnicas. Mas como a maioria de vocs sabe, esta teoria foi
aventada como sendo uma ruptura potencial para a biologia e as cincias sociais. E
foram feitas numerosas tentativas de estender sua aplicabilidade de forma a incluir a
linguagem e comportamento humanos (ver Cherry, 1966). Tais tentativas, claro, no
eram simples e meramente tcnicas. Elas exigiam uma compreenso muito clara, no
tanto da matemtica desta teoria, mas dos seus fundamentos conceituais. De maneira
geral, essas tentativas todas acabaram sendo um fracasso. Eu acho que a razo para
esses fracassos foi a interao da metfora do tubo com os fundamentos conceituais
da teoria da informao. To logo as pessoas se aventuraram para longe da bem
definida e original rea da matemtica, e foram foradas a se basear mais na
linguagem ordinria, o insight essencial da teoria da informao foi embaralhado, sem
chance de recuperao.
O impacto destrutivo da linguagem ordinria sobre quaisquer extenses da
teoria da informao comea com os prprios termos que os seus criadores (Shannon
& Weaver, 1949), escolheram para nomear partes do paradigma. Eles chamaram o
conjunto de alternativas, ao qual nos referimos aqui como sendo o repertrio, de
alfabeto. verdade que na telegrafia o conjunto de alternativas de fato um alfabeto
e a telegrafia era seu exemplo paradigmtico. Mas eles deixaram bastante claro que
a palavra alfabeto era para eles uma cunhagem tcnica que deveria se referir a
qualquer conjunto de estados alternativos, comportamentos, ou o que voc quiser.
Mas esta pea de nomenclatura problemtica quando estamos tratando de
comunicao humana. Durante anos eu ensinei teoria da informao numa forma no
matemtica para futuros professores de ingls, usando o termo alfabeto. Isto sempre
pareceu confundi-los, apesar de eu nunca ter conseguido saber porqu, at que um
ano, um estudante levantou a mo e disse, Mas voc no pode chamar de sinais estas
alternativas. O que me parece estranho, em face disto, que Weaver, particularmente,
que era muito preocupado com a aplicao da teoria comunicao humana, no
pareceu ter percebido isso. Isso confunde toda distino importante entre sinais e
membros de repertrio. Substituir o termo alfabeto pelo atual, repertrio, facilitou em
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 18 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
muito meu ensino.
Mas um outro erro terminolgico faz parecer ainda mais provvel que os
prprios Shannon e Weaver nunca tiveram muita clareza da importncia dessa
distino para seu sistema. Considerem a escolha do termo mensagem para
representar a seleo de alternativas do repertrio. Mensagem, como os exemplos
abaixo mostram, padece da mesma patologia semntica que poema.
(51) I got your message (MESSAGE1), but had no time to read it.
(52) Okay, John, I get the message (MESSAGE2); lets leave him alone.29
Para a teoria da informao, isso extremamente confuso, porque MENSAGEM1
significa literalmente um conjunto de sinais, enquanto MENSAGEM2 significa os
membros do repertrio envolvidos na comunicao. Para o pensamento da metfora
do tubo, no qual enviamos e recebemos MENSAGEM2 dentro da MENSAGEM1, a
ambigidade trivial. Mas para uma teoria baseada inteiramente na noo de que uma
mensagem (MENSAGEM2) nunca enviada a nenhum lugar, esta escolha de palavras
leva a um colapso do paradigma. Shannon e Weaver eram bastante cuidadosos em
indicar que os sinais recebidos no eram necessariamente o sinal transmitido por
causa das possveis intervenes de distoro e rudo. Mas eles escreveram, felizes, a
palavra mensagem no lado direito, o lado da recepo, do seu famoso paradigma
(Shannon & Weaver, 1949, p.7). No final das contas eles deveriam ter escrito
mensagem reconstruda l. Na sua teoria, algo reconstrudo naquele lado direito
que, espera-se, se parea com a mensagem original do lado esquerdo. Essa
ambigidade de mensagem devia t-los levado a ver esta palavra como um desastre, e
nunca considerar a possibilidade de us-la.
29 (51) Recebi sua mensagem (MENSAGEM1) mas no tive tempo de l-la.
(52) Tudo bem, Joo, captei a mensagem (MENSAGEM2); vamos deix-lo sozinho.
Se eles no o fizeram, acredito que seja por causa de seus processos de
pensamento respondendo ao efeito enviesante da metfora do tubo. Weaver, ao que
parece, no podia ter a teoria clara em sua mente quando falava de comunicao
humana, e usou expresses da metfora do tubo quase constantemente. Com que grau
de preciso, ele perguntou, os smbolos transmitidos veiculam o significado
desejado? [o itlico meu] (p. 4). Ou ele comparou duas mensagens, uma das quais
fortemente carregada com sentido e a outra que puro nonsense. (p. 8) Na
verdade, parece que ele ainda pensava que MENSAGEM2, os membros do repertrio,
eram enviados pelo canal, apesar de isto arruinar com a noo de informao como
poder seletivo. Weaver escorrega significativamente quando descreve a ao do
transmissor. Ele muda, ele disse, a mensagem em sinal [aqui o itlico de
Weaver] (p. 7). Na verdade, esta uma descrio estranha. Um cdigo uma relao
entre dois sistemas distintos. Ele no muda nada em nenhuma outra coisa. Ele
meramente preserva no segundo sistema o padro da organizao presente no
primeiro sistema. Marcas ou sons no viram pulsos eletrnicos. Nem h pensamentos
e emoes magicamente metamorfoseados em palavras. De novo, isso o pensamento
da metfora do tubo. No h qualquer justificativa na teoria da informao para se
falar sobre comunicao desta maneira.
Vale a pena notar que Shannon, que na verdade veio da matemtica, pode ter
tido uma compreenso mais coerente do que Weaver. A certa altura de sua exposio,
Shannon usou exatamente os termos certos da linguagem ordinria. Ele escreveu: O
recebedor ordinariamente realiza a operao inversa da realizada pelo transmissor,
reconstruindo a mensagem a partir do sinal. (p.34). Mas ainda assim no parece que
ele percebeu o estrago feito no paradigma pelas metaforices do tubo dele prprio e de
Weaver.
Quase exatamente o mesmo pode ser dito de outras maneiras de falar
Linguagem e Biologia A Metfora do Tubo 19 Depto. de Lingstica - FALE/UFMG Michael J. Reddy
associadas teoria da informao. Elas violentam a teoria, apesar de sustentar e
apoiar admiravelmente a metfora do tubo. Considerem codificar e decodificar. Essas
palavras significam pr os membros do repertrio em cdigo, e ento tir-las fora do
cdigo, respectivamente. Ou pensem no termo contedo informativo. A teoria
concebe informao como o poder de reproduzir uma organizao por meio de
selees no randmicas. Sinais fazem algo. Eles no podem conter nada. Se a
metfora do tubo fosse capaz de influenciar processos de pensamento, ento porque
uma gerao inteira de tericos da informao falou desse modo confuso e nocivo?
Teramos que supor que Weaver e muitos pesquisadores que o seguiram eram
simplesmente auto-destrutivos profissionalmente. Parece mais fcil acreditar que a
lngua inglesa tinha o poder de baratin-los.
Uma antologia recente, que reuniu esforos de psiclogos e socilogos para
criar uma teoria da comunicao para interaes humanas, diz na introduo que os
investigadores ainda tm que estabelecer uma definio de comunicao
completamente aceitvel (Sereno & Mortensen, 1970, p.2). E segue dizendo:
Os modelos baseados numa concepo matemtica descrevem comunicao como anloga a operaes de uma mquina processadora de informao: um evento ocorre, no qual uma fonte ou emissor transmite um sinal ou mensagem atravs de um canal para um destinatrio ou recebedor. [itlico da antologia]. (p.71)
Observem a afirmao transmite um sinal ou mensagem. Aqui, vinte e um anos
depois de Shannon e Weaver, a mesma confuso persiste a mensagem pode ser
ou no enviada? E essa confuso persiste em quase todos os artigos do volume.
Considerem ainda mais um exemplo s. A teoria [da informao] estava preocupada
com o problema de definir a quantidade de informao contida numa mensagem a ser
transmitida (p. 62). Observem que aqui a informao est contida numa
mensagem transmitida. Se o autor quis dizer MENSAGEM1, ento ele est
pensando em termos da metfora do tubo, e est dizendo que a informao est
contida nos sinais. Se ele quis dizer MENSAGEM2, ento ele est dizendo que os
membros do repertrio, que so transmitidos dentro dos sinais, tm dentro deles
alguma coisa chamada informao, que pode ser medida. De qualquer modo, o insight
da teoria da informao teria sido soterrada.
Implicaes sociais
Gostaria de concluir com algumas observaes sobre as implicaes sociais da
situao que descrevi. Se a lngua inglesa tem uma idia menos do que acurada de seu
prprio trabalho, e se ela tem o poder de enviesar processos de pensamento na direo
de seu modelo, qual o impacto prtico que isso tem? Vimos evidncias de que a
metfora do tubo pode confundir srias tentativas de se construir uma teoria mas
isso tem alguma importncia para o homem comum, para a cultura de massa, para a
elaborao de polticas federais?
Preciso limitar-me a sugerir dois modos pelos quais a metfora do tubo
importa para todos os falantes do ingls. Para discutirmos o primeiro deles, eu
gostaria de voltar para as histrias contadas numa seo anterior e acrescentar uma
conseqncia final.
Aconteceu que um certo ano um mgico do mal, especialista em hipnose, voou
sobre o complexo dos fabricantes de utenslio. Olhando para baixo ele viu que, apesar
das formidveis desvantagens, A, B, C e D estavam at que se saindo bem com seu
sistema de envio de instrues. Eles estavam bem alertas para o fato de que comunicar
dava muito trabalho. E seus sucessos eram extremamente recompensadores para eles,
porque mantiveram um inigualvel sentido de surpresa e deslumbramento de que eles
pudessem sequer fazer aquele sistema funcionar. Era quase um milagre dirio, que
aprimorou seus respectivos padres de vida imensamente. O mgico malvado ficou
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muito aborrecido com isto, e decidiu fazer a pior coisa que ele poderia pensar em
fazer com A, B, C e D. E o que ele fez foi hipnotiz-los de uma maneira especial de
forma que, aps terem recebido um conjunto de instrues e batalhado para construir
alguma coisa baseada nelas, eles imediatamente se esqueciam disto. No seu lugar,
plantou neles uma memria falsa de que o objeto tinha sido enviado a eles diretamente
por uma outra pessoa, atravs de um mecanismo maravilhoso no eixo central de seu
complexo. E, claro, isto no era verdade. Eles prprios ainda tinham que construir
os objetos a partir de seus prprios materiais mas o mgico tornou-os cegos para
isto.
Como se pode verificar, a sagacidade do mgico do mal era enorme. Pois
mesmo apesar de o sistema de comunicaes do complexo no ter mudado nem um
pouco, objetivamente falando, ele rapidamente caiu em desuso e decadncia. E junto
com sua desintegrao, desintegrou-se o esprito de harmonia e progresso coletivo que
tinha sempre caracterizado as relaes de A, B, C e D. Pois agora, uma vez que eles
iriam sempre se esquecer de que eles prprios tinham montado um objeto construindo
uma responsabilidade amplamente compartilhada por sua forma, era fcil ridicularizar
o remetente por quaisquer defeitos. Eles tambm comearam a gastar menos e menos
tempo trabalhando para montar coisas, porque, uma vez baixado o bloqueio mental,
eles no tinham qualquer sentimento de recompensa por um trabalho bem feito. To
logo eles terminavam uma montagem a hipnose teria efeito, e subitamente bem,
mesmo estando eles cansados, ainda assim o trabalho pesado e criativo de montar a
pea teria sido realizado por um outro companheiro qualquer. Qualquer bobo poderia
pegar um produto acabado de dentro da cmara do eixo. Assim, eles acabaram por ter
raiva de qualquer atividade de montagem que envolvesse trabalho real, e portanto a
abandonaram. Mas este no era o pior efeito previsto pelo mgico do mal ao
pronunciar suas peculiares palavras. Pois, de fato, no se passou muito tempo at que
cada uma das pessoas comeasse a entreter, privadamente, a idia de que todos os
outros tinham ficado loucos. Um enviaria instrues para os outros por algum
dispositivo do qual ele estaria particularmente orgulhoso, como ele sempre tinha feito.
S que agora, claro, ele acreditava que tinha enviado no instrues, mas a coisa em
si. Ento, quando os outros enviassem de volta para ele instrues, para confirmar que
tinham recebido a sua, ele montaria o objeto, se esqueceria, pensaria que eles tinham
mandado de volta a coisa em si, e ento se horrorizariam com o que acabavam de ver.
Ele tinha mandado para eles um maravilhoso utenslio, e eles lhe retornaram grotescas
pardias. O que poderia de fato explicar isso? Tudo o que tinham que fazer era
remover seu objeto com sucesso da cmara do maquinrio Como que podia eles
mudarem o objeto de maneira to grosseira realizando uma operao de uma
simplicidade quase estpida? Seriam eles imbecis? Ou haveria alguma maldade no seu
comportamento? No final, A, B, C e D todos chegaram, privadamente, concluso de
que os outros tinham ou se tornado hostis ou loucos varridos. O que quer que tenha
acontecido, no importava muito. Nenhum deles continuou a levar a srio o sistema
de comunicao.
Dentre outras coisas, esta continuao tenta esboar alguns dos efeitos sociais
e psicolgicos de se acreditar que a comunicao um sistema de sucesso sem
esforo, quando, na verdade, um sistema de ter que despender energia. Tenho
certeza de que ningum deixou de se dar conta de que, na medida em que a parbola
se aplica, o mgico do mal a lngua inglesa, e suas palavras hipnticas so o vis
imposto sobre nossos processos de pensamento pela metfora do tubo. Esse modelo
de comunicao objetifica o significado de forma enganadora e desumanizante. Ele
nos influencia a falar e pensar sobre pensamentos como se eles tivessem o mesmo tipo
de realidade externa, intersubjetiva que tm os abajures e mesas. Ento, quando esse
pressuposto se prova dramaticamente falso em operao, parece no haver nada a ser
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responsabilizado exceto nossa prpria estupidez ou maldade. como se ns
tivssemos um computador muito grande, muito complexo mas tivssemos
recebido o manual de instrues errado. Acreditamos coisas erradas sobre ele,
ensinamos a nossas crianas as coisas erradas sobre ele, e simplesmente no
conseguimos um uso pleno ou mesmo moderado de seu sistema.
Um outro ponto desta histria que vale a pena enfatizar que, na medida em
que a metfora do tubo v a comunicao como exigindo um gasto de energia
mnimo, ele localiza esse gasto quase totalmente no falante ou escritor. A funo do
leitor ou ouvinte trivializada. O paradigma subjetivista radical, por outro lado, torna
claro que os leitores e ouvintes encaram uma dificuldade e uma tarefa altamente
criativa de reconstruo e testagem de hipteses. provvel que fazer este trabalho
requeira bem mais energia do que a metfora do tubo nos levaria a prever.
Mas estamos ainda muito longe destes efeitos no que diz respeito poltica
governamental. Voltemos, ento, para o segundo exemplo do impacto da metfora do
tubo, que nos ajudar a cobrir esta falha. A expresso empregada em (53), nmero
114 do Apndice, (53) Youll find better ideas than that in the library,30
derivada da metfora do tubo por uma cadeia de metonmias. Ou seja, pensamos nas
idias como se elas existissem nas palavras, que esto claramente l, sobre as pginas.
Assim as idias esto l, nas pginas, por metonmia. Agora as pginas esto nos
livros e de novo, por metonmia, esto tambm as idias. Mas os livros esto nas
bibliotecas, com o resultado final de que as idias, tambm, esto nas bibliotecas. O
efeito disto, e de muitas outras expresses nucleares do quadro conceitual menor,
sugerir que as bibliotecas, com seus livros, e fitas, e filmes, e fotografias, so os
repositrios reais de nossa cultura. E se isto verdade, ento naturalmente ns e o
30 (53) Voc vai encontrar idias melhores do que esta na biblioteca.
perodo moderno estamos preservando nossa herana cultural melhor do que qualquer
outra poca, porque temos mais livros, filmes, fitas, e assim por diante, armazenados
em mais e em maiores bibliotecas.
Suponhamos agora que abandonamos a metfora do tubo e pensemos nesta
mesma situao em termos do paradigma dos fabricantes de utenslio. Deste ponto de
vista, claro que no h idias nas palavras, e portanto nenhuma idia nos livros, nem
em quaisquer fitas ou gravaes. No h idias ou algo que o valha em quaisquer
bibliotecas. Tudo o que est armazenado nesses lugares so estranhos pequeninos
padres de marcas ou relevos, ou partculas magnetizadas capazes de criar estranhos
padres de rudo. Agora, se um ser humano aparece sendo capaz de usar essas marcas
e sons como instrues, ento este ser humano pode montar dentro de sua cabea
alguns padres de pensamento ou sentimento ou percepo que se parece com os de
seres humanos inteligentes que no esto mais vivos. Mas esta uma tarefa difcil,
pois esses seres que no vivem mais viram um mundo diferente do nosso, e usaram
instrues de linguagem um pouco diferentes. Assim, se esse ser humano que adentra
uma biblioteca no tiver sido ensinado na arte da linguagem, de forma a ser rpido e
preciso e exaustivo na aplicao das instrues, e se ele no tem um repertrio
bastante cheio e flexvel de pensamentos e sentimentos do qual tirar coisas, ento no
parece possvel que ele reconstrua em sua cabea qualquer coisa que merea ser
chamada de sua herana cultural.
Obviamente, o paradigma dos fabricantes de utenslio deixa claro que no h
qualquer cultura nos livros ou bibliotecas e que, na verdade, no h cultura nenhuma a
menos que ela seja cuidadosamente, e com muito esforo, reconstruda nos crebros
humanos de cada gerao nova. Tudo o que preservado nas bibliotecas uma mera
oportunidade de efetuar essa reconstruo. Mas se as habilidades lingsticas e o
hbito de se envolver na reconstruo no so igualmente preservados, ento no
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haver qualquer cultura, no importa quo grande e completas as bibliotecas possam
se tornar. No preservamos idias construindo bibliotecas e gravando vozes. O nico
jeito de preservar cultura treinar as pessoas a reconstru-la, a faz-la crescer de
novo, como a prpria palavra cultura sugere, no nico lugar em que ela pode crescer
dentro de ns mesmos.
A diferena de ponto de vista aqui entre a metfora do tubo e o paradigma dos
fabricantes de utenslio sria, se no profunda. Os humanistas parecem estar
morrendo nos dias de hoje, e administradores e governantes parecem sentir pouco
remorso em deixar isto ocorrer. Ns temos o maior, o mais sofisticado sistema de
comunicao de massa em qualquer sociedade de que temos notcia, e ainda, de algum
modo, comunicao de massa se torna mais e mais sinnimo de menos comunicao.
Por que isso assim? Uma razo, ao menos: pode ser que ns estejamos seguindo
nosso manual de instrues para uso do sistema da linguagem com muito cuidado
mas seguindo o manual errado. Temos a viso equivocada, influenciada pela metfora
do tubo, de que quanto mais sinais criarmos, e quanto mais sinais preservarmos, mais
idias transferiremos e armazenaremos. Negligenciamos a habilidade humana
crucial de reconstruir padres de pensamento com base nos sinais, e esta habilidade
vai naufragar. Afinal de contas, extrao um processo trivial, que no requer
ensino alm do nvel mais rudimentar. Temos, portanto, de fato, menos cultura ou
certamente nenhuma cultura mais do que outras, menos inclinadas mecanicamente,
que j existiram. Humanistas, aqueles tradicionalmente incumbidos de reconstruir a
cultura e de ensinar outros a reconstru-la, no so necessrios no esquema da
metfora do tubo. Todas as idias esto l na biblioteca para quem quiser entrar l e
peg-las. No paradigma dos fabricantes de utenslios, por outro lado, os prprios
humanistas so os repositrios, e o nicos repositrios reais de idias. Nos termos
mais simples, a metfora do tubo deixa idias humanas escapulirem dos crebros
humanos de forma que, uma vez que tivermos tecnologias de gravao, no
precisamos mais de humanos.
Estou sugerindo, ento, que do mesmo modo que uma renovao urbana
enganou os polticos discutidos no artigo de Schn, a metfora do tubo est nos
levando por uma via tecnologicamente e socialmente cega. Aquela via cega so os
sistemas de comunicao de massa acoplados com uma negligncia massiva dos
sistemas internos, humanos, responsveis por nove dcimos do trabalho na
comunicao. Pensamos que estamos capturando idias em palavras, e passando-as
por um funil para entreg-las ao maior pblico na histria do mundo. Mas se no h
idias dentro desta infinita enxurrada de palavras, ento tudo o que estamos fazendo
reprisar o mito de Babel encenando-o, desta