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“Mas por que vieram para cá essas gentes? As explicações sociais, históricas e políticas ensinam que as perseguições se dariam por razões as mais diferentes. E que isso se deveu especialmente ao extermínio e à perseguição aos judeus em várias partes da Europa. Especialmente os da Espanha – de lá expulsos em 1492 pelos reis Fernando e sua (futura Santa) rainha Isabel – e os de Portugal, que terminaram aportando no Nordeste brasileiro. Pois bem, esta seria a origem desses cristãos-novos ou dos judeus que ainda conservaram sua fé de modo secreto no Brasil, e cujos traços ainda perduram. Assim, depois de ler este livro, não se poderá evitar entender que o Brasil é ainda mais múltiplo que os ‘dois Brasis’ de Jacques Lambert.” - p. 15 “O Brasil, o Nordeste de modo particular, por ser na Zona da Mata dessa região onde se localizaram os primeiros núcleos colonizadores, sempre aparece como a terra da promissão, nessa interpretação escatológica criptojudaica, como a que proclama o cristão-novo Diogo Lopes, para quem ‘a terra da promissão que Deus nosso Senhor prometera a seus avôs, era o Brasil’. 19 ” - p. 25 “O mestre de Apipucos afirma que os professores das escolas superiores eram majoritariamente cristãos-novos, o que contribuiu para o bacharelismo, resultando no costume de usar o anel com rubi ou esmeralda, reminiscência oriental ‘de sabor israelita’, tão gostoso do bacharel ou doutor brasileiro. Gilberto diz ainda que outra reminiscência sefardínica é ‘a mania dos óculos e do pincenê usados também como sinal de sabedoria’. 27 Observa-se que o uso de múltiplos anéis e óculos foi cultivado por Lampião, como demonstrou Frederico Pernambucano de Mello, ao analisar a estética do cangaço.” - p. 39 “Em uma entrevista concedida ao jornalista Ernesto Mellet, Olavo Medeiros Filho questionou: ‘Se pensarmos na hipótese de que tais cristãos-novos dessem preferência a contrair matrimônio com pessoas pertencentes ao mesmo grupo étnico, talvez a presença marrana no Seridó tenha sido muito mais vasta do que podemos sequer supor’. 11 Entre os pesquisadores que trilharam os caminhos de Anita Novinsky,

Mas Por Que Vieram Para Cá Essas Gentes

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São mesmo pessoas ruins que vieram?

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Page 1: Mas Por Que Vieram Para Cá Essas Gentes

“Mas por que vieram para cá essas gentes? As explicações sociais, históricas e políticas ensinam que as perseguições se dariam por razões as mais diferentes. E que isso se deveu especialmente ao extermínio e à perseguição aos judeus em várias partes da Europa. Especialmente os da Espanha – de lá expulsos em 1492 pelos reis Fernando e sua (futura Santa) rainha Isabel – e os de Portugal, que terminaram aportando no Nordeste brasileiro.Pois bem, esta seria a origem desses cristãos-novos ou dos judeus que ainda conservaram sua fé de modo secreto no Brasil, e cujos traços ainda perduram. Assim, depois de ler este livro, não se poderá evitar entender que o Brasil é ainda mais múltiplo que os ‘dois Brasis’ de Jacques Lambert.” - p. 15

“O Brasil, o Nordeste de modo particular, por ser na Zona da Mata dessa região onde se localizaram os primeiros núcleos colonizadores, sempre aparece como a terra da promissão, nessa interpretação escatológica criptojudaica, como a que proclama o cristão-novo Diogo Lopes, para quem ‘a terra da promissão que Deus nosso Senhor prometera a seus avôs, era o Brasil’.19” - p. 25

“O mestre de Apipucos afirma que os professores das escolas superiores eram majoritariamente cristãos-novos, o que contribuiu para o bacharelismo, resultando no costume de usar o anel com rubi ou esmeralda, reminiscência oriental ‘de sabor israelita’, tão gostoso do bacharel ou doutor brasileiro. Gilberto diz ainda que outra reminiscência sefardínica é ‘a mania dos óculos e do pincenê usados também como sinal de sabedoria’.27 Observa-se que o uso de múltiplos anéis e óculos foi cultivado por Lampião, como demonstrou Frederico Pernambucano de Mello, ao analisar a estética do cangaço.” - p. 39

“Em uma entrevista concedida ao jornalista Ernesto Mellet, Olavo Medeiros Filho questionou: ‘Se pensarmos na hipótese de que tais cristãos-novos dessem preferência a contrair matrimônio com pessoas pertencentes ao mesmo grupo étnico, talvez a presença marrana no Seridó tenha sido muito mais vasta do que podemos sequer supor’.11 Entre os pesquisadores que trilharam os caminhos de Anita Novinsky, se destaca Jacques Cukierkorn, que percorreu a região no início dos anos 1990, entrevistando e filmando depoimentos de numerosas pessoas, sobretudo as mais idosas, portadoras da memória coletiva e responsáveis pela retransmissão da história oral. Cukierkorn esteve em diversas cidades: Natal, Mossoró, Apodi, Filgueira, Caraíba, Jardim das Piranhas, Carnaúba dos Dantas, Venhaver e, sobretudo, Caicó, epicentro do fenômeno. Entre os depoimentos filmados, se destaca o de João Medeiros, que diz ter sido José Nunes Cabral de Carvalho (1913-1979), pioneiro e reorganizador da comunidade marrana do Rio Grande do Norte.12

Das diversas referências a costumes e hábitos judaicos, Cukierkorn destacou a presença, em ferros de marcar gado, de símbolos exclusivamente judaicos, como a menorah ou candelabro de sete braços, símbolo do Estado de Israel. Em Apodi, Jacques Cukierkorn escutou de diversas pessoas – mas não pôde comprovar – que na cidade havia túmulos judaicos. Outros entrevistados diziam que portas divididas horizontalmente (‘portas holandesas’), muito comuns na região, eram de origem judaica. Perto dali, na Vila do Venhaver, Cukierkorn observou que as feições da população contrastavam com as do nordestino-padrão: os habitantes de Venhaver são loiros, altos e de olhos azuis. Nessa mesma localidade, constatou que era costume colocar a estrela hexagonal (de David) na parte interior da porta de entrada da casa. Além disso, Cukierkorn notou que os túmulos do cemitério local têm a forma de lápide tipicamente judaica, e descobriu que as pessoas

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tinham o hábito de jogar três pedras quando passam junto ao túmulo, costume tão nordestino quanto o hebraico, que consiste em colocar pedras, assinalando visita ao túmulo.Colocar um amuleto na porta, como se fosse uma mezuzá judaica, foi outro costume encontrado na região. Mesmo quando esse amuleto é uma cruz, ela é feita com os braços tortos, expressando uma negação inconsciente de representar a cruz em sua forma mais perfeita, com os braços em equilíbrio.Em entrevista concedida a esse ensaísta, o agora rabino Jacques Cukierkorn comentou que, em Venhaver, as pessoas dizem que são judeus: são desconfiadas e quando se faz muitas perguntas, elas querem ir embora. Os depoentes afirmaram que seus antepassados eram judeus. Também demonstraram insatisfação ao serem filmados por Cukierkorn. Disseram que tinham medo dos nazistas, lembra o rabino.Cukierkorn sugere que o próprio topônimo, Venhaver, Seria adaptação linguística de dois vocábulos, um português (vem) e outro hebraico (chaver). Venhaver seria uma derivação de Vem, Chaver, que significa “Vem, amigo”. Observe-se que chaver se pronuncia raver. Desse modo, há uma proximidade fonética entre original vem raver e o atual Venhaver. Assim explica o Rabino Cukierkorn:A outra origem para o nome Venhaver pode não ser tão romântica, mas é muito mais interessante. Sabe-se que Judeus Secretos [criptojudeus] usam códigos ou expressões para identificar uns aos outros, como chamar a si próprios ‘membros da nação’ ou utilizar outra expressão, ‘Chaver’ [pronuncia-se raverl, amigo ou companheiro, em hebraico. Urna lenda diz que ‘Venhaver’ seria uma corruptela da expressão ‘Vem Chaver’, Vem, Amigo. Isto significaria que os Judeus Secretos nessa área, tendo encontrado um porto seguro, convidavam outros para unirem-se a eles.13

Quando visitou Caicó, Jacques Cukierkorn teve uma audiência com o juiz de direito, Carlos Jardel. No meio da conversa, o juiz disse ao rabino que ‘o povo de Caicó tem mania de ser judeu’, talvez em referência à construção do castelo En-Gedi, erigido pelo padre Salvino. Este, por sua vez, informou ao rabino que suas pesquisas, realizadas entre 1973 e 1979, confirmaram ter sido Caicó reduto de judeus que, fugindo da Inquisição e do pós-guerra da restauração pernambucana, se instalaram no então inóspito vale do Seridó para poderem judaizar à vontade.” - p. 33 e 34