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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Programa de Pós-Graduação em Educação DISSERTAÇÃO Martinho Kavaya Pelotas, 2006

Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Programa de Pós-Graduação em Educação

DISSERTAÇÃO

Martinho Kavaya

Pelotas, 2006

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MARTINHO KAVAYA

EDUCAÇÃO, CULTURA E CULTURA DO ‘AMÉM’: Diálogos do Ondjango com Freire em Ganda / Benguela / ANGOLA.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título Mestre em Educação, na linha de pesquisa: Filosofia, Educação e Sociedade.

Orientador: Prof. Dr. Gomercindo Ghiggi.

Pelotas, 2006

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BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Gomercindo Ghiggi (Presidente / Orientador) Prof. Dr. Balduino Antonio Andreola (URGS) Prof. Dr. Elli Benicá (UPF) Prof. Dr. Alfredo Gugliano (UFPel) Prof. Dr. Avelino da Rosa Oliveira (UFPel) Prof. Dr. José Fernando Kieling (UFPel)

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A propalada morte do sonho e da utopia, que ameaça a vida da esperança, termina por despolitizar a prática educativa, ferindo a própria natureza humana. A morte do sonho e da utopia, prolongamento da morte da história, implica a imobilização da história na redução do futuro à permanência do presente. Se o sonho morreu e a utopia também, a prática educativa nada mais tem a ver com a denúncia da realidade malvada e o anúncio da realidade menos feia, mais humana.

(FREIRE, 2000, p.123)

Nossa missão histórica, para nós que tomamos a decisão de romper as rédeas do colonialismo, é regular todas as revoltas, todos os atos desesperados, todas as tentativas obortadas ou afogadas [no] sangue. O homem colonizado que escreve para o seu povo deve, quando utiliza o passado, fazê-lo com o propósito de abrir o futuro, convidar à ação, fundar a esperança. Mas para garantir a esperança, para lhe dar densidade, é preciso participar da ação, engajar-se de corpo e alma no combate nacional.

(FANON, 1979, p.172-193).

Os europeus, em nome de Cristo, roubaram aos povos a sua cultura, a sua alma e obrigaram a aceitar religiosamente estranhos costumes, formas e modelos culturais oriundos da Europa, tão relativos como quaisquer outros. Isto que é historicamente irrecusável e criminoso pode provocar reflexos infantis e despropositados.

(DOMINGUES, 1991, p.8).

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus progenitores, Avelino e Emília, ambos de feliz memória, que cooperaram, no ato criador, para a minha existência; à Josefina, Guilherme, Paulina, Estevão, Beatriz e Sebastião, meus queridos irmãos; ao povo angolano que, apesar da cultura do “amém”, fruto da cultura do silêncio, manifestada de diversos modos, reconheceu o sofrimento de seus filhos e filhas, sonhou, acreditou, ousou, lutou e triunfou; dedico-o, ainda, e de modo especial, aos munícipes da Ganda, suas autoridades tradicionais, civis, políticas, militares, paramilitares e religiosas; aos docentes e discentes, que nas horas mais difíceis da história angolana, acreditaram na dimensão temporal dos acontecimentos, e, de mãos dadas, encetamos passos certos, erguendo a bandeira do nosso PUNIV do qual hoje nos orgulhamos tê-lo como uma criança desenvolvendo sua personalidade.

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Gomercindo Ghiggi, pela orientação humana, vital e científica da presente dissertação; aos Prof. Drs. Alfredo Gugliano, Avelino da Rosa Oliveira, Balduino Antônio Andreola, Elli Belincá e José Fernando Kieling, constituintes da banca examinadora, que me acompanharam, desde a gestação deste trabalho com as suas observações, apoio moral e científico e pela paciência, frente ao estilo e linguagem não habituais; agradeço à dupla Amélia e Maristel, que juntos constituímos o trio, nas discussões, correções e observações pontuais, no seminário de orientação; aos membros do grupo de pesquisa FEPráxiS, grande baluarte no aprofundamento, nos debates sérios, na ajuda em vários sentidos para o crescimento intelectual e científico, especialmente à Prof. Neiva Afonso Oliveira (UFPel/FaE/PPGE), pela leitura do resumo e correção do abstract; à Faculdade de Educação pela acolhida, pelo carinho de que fui alvo cada manhã que cintilava este chão com seus raios solares; ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPel e seus docentes que acreditaram, investiram e apostaram no diferente que vinha da grande tribulação...; aos presentes e ausentes, dentro do Programa ou fora, para cada um em particular e para todos como família universitária; uma palavra resume meu sentimento - obrigado. Como não deixaria de ser, quero agradecer à Mitra Diocesana de Pelotas e a Dom Jayme Henrique Chemello, ao meu colega, Pe. Silfredo Hasen pela compreensão nas horas difíceis, leitura cuidadosa do texto e correção minuciosa; e a todos vós, amigas e amigos que direta ou indiretamente vos envolvestes com este trabalho; agradeço ao meu bispo, o Senhor D. Oscar Lino Lopes Fernandes Braga, por tudo o que ele significa para mim; agradeço àquelas pessoas que se envolveram desde longe e diretamente com esta pesquisa, especialmente o Pe. Paulino Koteka, Sebastião (Sebas) e Alberto Martins (grandes mediadores), ao Geraldo Amândio Ngunga, que desde Espanha fez parte da gestação e parto; aos membros do Governo e/ou de partidos políticos: José Kassoma e Adalberto; aos Professores Domingos Cordeiro, Fernanda Gervásio Talako, Alexandre, Dâmaso, Matias Kamwamwa, Quilembequeta, Pe. Cosme Etchimba, Joana Kalemba, Sebastião Mandandji; e aos alunos, Abílio Kapamba, Cirilo José Maria da Silva Pedro, David Luciano Nahenda, Antônio Binga, Luisa Josefa Visapa (freira), Eugênia Domingos Pilartes da Silva, Carolina Manuela Brás, Justino Vilali, Cecília Ngueve, Antônio Albano, Felícia Benguela, José Faruco, João Paulo Ndumbala, Antônio Wahangwa, Augusto Queirós, Inácio Lucas, Maria Antônia Tchipunga Cordeiro, Domingos kesongo, Daniel Martins, Amândio Wambu, João Mateus, pela participação deles neste processo e pelas respostas ao meu questionário; e aos membros do Setor da Educação e da Administração Municipal pela contribuição com os dados atualizados da realidade da educação e do Município concomitantemente. Meu profundo reconhecimento ao Prof. Dr. Hilário Henrique Dick sj pela correção final deste texto e às pessoas silenciosas cuja cara escontra-se estampada neste trabalho, cala-se minha voz e minha língua cola-se ao paladar. A todos e a todas, vai minha eterna gratidão.

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RESUMO

Este trabalho reflete a partir da relação Educação, Cultura e Cultura do “Amém”; concretamente, trata dos diálogos do Ondjango com Freire em Ganda / Angola. A inquietação motriz desta dissertação consiste na possibilidade ou não de, a leitura freiriana, a memória do mundo da vida e a própria subjetividade (vivida, refletida e partilhada), revivificar a originalidade do ondjango na perspectiva educacional emancipatória. Diante desta problematização surgiu uma hipótese inicial que devia ser confirmada ou negada, na qual se afirmou possibilidade da revivificação da originalidade ondjangiana na educação formal emancipadora. A idéia foi a de atestar a capacidade revivificadora do projeto pedagógico-dialógico ondjangiano, sem, porém, descurar a multi e a interculturalidade angolana e global. Na execução da referida proposta fundamentamo-nos em algumas obras bibliográficas de Freire, Lukamba, Nunes, Altuna e de outros tantos autores que dialogam com o meu mundo geopolítico e sociocultural; utilizamos a memória do mundo da vida, isto é, da realidade angolana no contexto africano e mundial; fiz a rememoração da minha subjetividade e do meu envolvimento na realidade educacional na comunidade gandense-angolana. Assim, busquei os diálogos, realizei entrevistas com questões abertas e fechadas e servi-me de novas tecnologias de informação e comunicação (TIC’s); e, em outros momentos, recorri aos serviços dos correios para a obtenção de imagens fotográficas, áudio e vídeo e outros dados (respostas a questionários) provenientes de Angola. Depois de uma tarefa árdua, nos resultados finais, acabamos confirmando a hipótese inicial segundo a qual, a leitura freiriana, a memória do mundo da e/ou de vida e a subjetividade (vivenciada, refletida e partilhada) revivificam a originalidade ondjangiana na perspectiva educacional, formal e emancipatória. Entretanto esta originalidade não pode ser entendida tal qual foi vista ou significou outrora, pelo fato da dimensão dialética e dinâmica que a mesma assume no cotidiano.

Palavras – Chave: Educação, Cultura, Cultura do ‘amém’, Freire e ondjango em Ganda - Benguela/Angola.

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Abstract: This work thinks about Education, Culture and Culture of “Amen”. Concretely, it treats

dialogues of Ondjango with Freire in Ganda/Angola. The main concern of this text consists in

presenting freirian reading, world´s memory and lived, reflected and shared subjectivity as

possibilities to maintain alive the ondjango´s originality to emancipatory educational

perspective. Our hypothesis is that it is possible to maintain a dialogue with Paulo Freire

without renouncing, denying or neglecting the cultural and intercultural dimensions of angolans.

So, Freire, Lukamba, Nunes, Altuna and some others are authors who can dialogue with the

text. The life-world´s memory, the Angolan context in African and global realities were used as

far as our own memories about Angolan educational community. As research instruments,

dialogues, open and closes interviews, internet, mail (due the necessity of obtaining photos,

audios and video images) were used. The hypothesis was confirmed: freirian pedagogy, life-

world´s memory and lived, reflected and shared subjectivity revivify ondjangian originality in

an emancipatory way. However, the ondjango´s originality won´t ever be the same, as far as

it will assume a dialectical dimension.

Key-words: Education, Culture, Culture of “Amen”, Freire and ondjango in Ganda / Angola

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LISTA DE TABELAS, FIGURAS E QUADROS.

1 LISTA DE FIGURAS

1.1 Figuras sobre iniciação sócio-comunitária

Fig.a) – Iniciação masculina 67

Fig. b) – Iniciação feminina 67

Fig. c) – A dança dos iniciandos 67

Fig. d) – A dança das iniciandas. 67

Fig. e) – O retorno à sociedade 68

Fig. f) – Iniciada para a vida. 68

1.2 Figura do período de guerra

Fig. A).- Olhar para um amanhã melhor 90

Fig. B).- Soldado disposto para o combate 90

Fig. C).- Julgamentos dos mercenários – 07/1976 90

Fig. D).- Um tanque de guerra BTR – 60, neutralizado em combates 93

Fig. E).- Viatura desmontada em peças para atravessar um rio 93

Fig. F).- Mulheres transportando material de guerra para linhas de frente 94

1.3 Figuras sobre escolaridade

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Fig.1. – Ilustração da sala de aulas com alunos enfileirados 201

Fig.2. - Escola na zona libertada da Guiné-Bissau - escola. 201

Fig. 3. - Escola e banheiro ao lado 216

Fig. 4. – Escola: uma construção provisória 216

Fig. 5. - Debaixo da arvore: alimentar para educar 216

Fig. 6. – Deste jeito é possível acontecer a educação? 216

Fig. 7. - Instalações do II nível e PUNIV 217

Fig. 8. - Auditório do II nível e PUNIV 217

Fig. 9. - Capela – Que aprendizagem nestas condições? 217

Fig.10.- Escola com precárias condições 217

Fig.11. - Escola por mim construída 217

Fig.12. - Crianças sentadas no chão 217

Fig.13. - Alegria da criança sofredora 218

Fig.14. - Crianças distraídas – sala - ar livre 218

Fig.15. – Que futuro se espera para esta escola? 218

Fig.16. – precariedade visível em sala de aulas 218

Fig.17. – A realidade cultural em sala de aula. 228

2 LISTA DE QUADROS

Quadro 1. - Modelos exemplares de ondjango 150

Quadro 2. - Os dois mundos - ondjango e otchiwo 157

Quadro 3. - Professores aperfeiçoam ensino de línguas regionais 210

Quadro 4. – Dados da situação Educacional da Ganda. 219

3 LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Crescimento escolar em Angola: alunos e escolas por níveis escolares 208

Tabela 2- Evolução da alfabetização em Angola por etapas 208

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SIGLAS E ABREVIATURAS

1. Metodológicas / científicas 1

AA.VV = Autores Vários

AIP = Angola, Instituto de pesquisa Econômica e Social

Alii ou al. = outros (outros autores)

Apud = Citado por, conforme, segundo.

capt. = capítulo

conf. = conferir

Ed. ou ed. = Edição

Et. ou et. = e

Fig. = figura

Idem ou id. = mesmo autor (ou id).

Ibidem = mesmo autor mesma obra (ou ibid)

In ou in = em

Org. ou org. = Organizador ou organizadores

2. Associações, revistas, documentos, grupos de pesquisa.

ASSINTECA = Associação de Investigação Teológico-cultural de Angola.

FEPráxis = Grupo de pesquisa Filosofia, Educação e Práxis social

GAPE = Grupo de Ação e Pesquisa em Educação Popular

TIC’s = Novas Tecnologias de Informação e Comunicação

Vat. II = Documentos Conciliares Vaticano II

1 Algumas siglas e abreviaturas apresentadas nesta lista parecem desnecessárias no contexto do mundo normal de pesquisa; parecem óbvias. Mas, neste texto, elas são necessárias, pois, este documento será lido, não só pelos iniciados ao mundo científico, isto é, os acadêmicos, os pesquisadores, os docentes, os examinadores, mas vai também para o meu mundo de vida, onde encontramos o povo mais simples. Por esta razão, aquilo que aparenta ser claro para alguns, pode ser complicado para outros.

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3. Sóciopolítico-militares e Organizações:

AIE = Aparelhos Ideológicos do Estado

ANANGOLA = Associação dos Naturais de Angola.

CEAST = Conferência Episcopal de Angola e São Tomé e Príncipe.

COIEPA = Comitê Inter-Eclesial para a Paz em Angola

CMM = Comissão Mista Militar

FARP = Forças Armadas Presidenciais

FAA = Forças Armadas Angolanas Populares.

FMU = Forças Militares da UNITA

FLEC = Frente de Libertação de Cabinda

FNLA = Frente Nacional para a Libertação de Angola

FMI = Fundo Monetário Internacional

FES = Fundação Frierdrich Erbert / Friedrich Erbert Stiftung

FSM = Fórum Social Mundial

GURN = Governo de Unidade e de Reconciliação Nacional.

MCP = Movimento de Cultura Popular

IDAC = Instituto de Ação Cultural

MFA = Movimento das Forças Armadas

MINARS = Ministério de Assistência e Re-inserção Social

MPLA = Movimento Popular de Libertação de Angola

PIDE1 = Polícia Política Portuguesa.

PT = Partido do Trabalho

PLUA = Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola

UNITA = União Nacional para a Independência Total de Angola

SESI = Serviço Social Industrial.

CRS = Services relief Catholic2

UPA = União Popular de Angola

UPNA = União das Populações do Norte de Angola

1 PIDE é uma sigla que significa: Política Internacional de Defesa do Estado. 2 Serviços Católicos de Alívio à miséria dos mais debilitados (Organização Não Governamental Católica que tem por missão, a assistência das pessoas assoladas por misérias provocadas pelas situações sóciopoliticas e bélicas, calamidades naturais e outras situações que impliquem uma intervenção filantrópica. Trata-se de uma Organização Católica, sempre trabalha em parceria com as Caritas nacionais e diocesanas).

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4. Institucionais, Programas, Leis:

ABCFM = Ajunta Americana de Comissários para as Missões

Estrangeiras.

BIRD = Banco Internacional para a Reconstrução Desenvolvimento

CIEAC = Conselho de Igrejas Evangélicas de Angola Central

CICRA = Instituto de Capacitación y Investigación en Reforma Agraria

CUB = Centro Universitário de Benguela.

FAS = Fundo de Apoio Social

FMI = Fundo Monetário Internacional

INIDE = Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento de

Educação.

LBSE = Lei de Bases do Sistema de Educação

MEC = Ministério da Educação e Cultura

ONU = Organização das Nações Unidas

PNUD = Programa das Nações Unidas para o Desenvolvomento

PNA = Programa Nacional de Alfabetização

PUG = Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma

PUNIV = Pré-Universitário

TPA = Televisão Popular de Angola.

UAN = Universidade Agostinho Neto.

UNESCO = Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e

Cultura.

UNICEF = Do ingl. [(United) (Nations) (International) (Children’s)

(Emergency) (Fund)] = Fundo das Nações Unidas para a

Infância.

4. Bíblicas:

Ex. = Êxodo (Livro da Bíblia Escritura do Antigo Testamento)

Jo = João (Apóstolo – hagiógrafo sagrado)

Jr. = Profeta Jeremias

Lc. = Lucas (Evangelista - hagiógrafo sagrado)

Mt = Mateus (Apóstolo – hagiógrafo sagrado)

Rm. = Carta aos Romanos

Sal = Salmo

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Sumário Resumo 6

Abstract 7

Lista de Figuras ,Tabelas, Quadros 8

Siglas e abreviaturas 10

Introdução 16 1 Caminho escolhido, pesquisa em movimento 20

1.1 Itinerário para a construção da pesquisa. 20 1.2 Teóricos da pesquisa 33 1.3 Destinatários da pesquisa 34 1.4 Instrumentos de pesquisa 36

2 O mundo da e/ou de vida: memorial histórico e experiência vital. 40 2.1 Angola, a terra cobiçada. 41 2.2 O registro de nossa casa comum. 51 2.2.1 Casa comum: iniciação para a vida sócio-comunitária 51

2.2.2 Sombras e luzes de uma história 68

2.3 Angola: uma história a rever. 72 2.3.1 A cultura do “amém” no processo colonizador 73 2.3.2 Experiência escolar num mundo conturbado 95

2.4 O conflito interno angolano: causas 105

3 Mundo cultural: cultura na realidade Bantu 108

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3.1 Conceituando cultura 108 3.2 Categorização da cultura 114

3.3 Cultura tradicional Bantu: 120 3.3.1 Os povos Bantu 121 3.3.2 Oralidade, vida, palavra e simbologia para o Bantu 123

3.4 Iniciação na cultura Bantu 134

3.5 Multiculturalidade, interculturalidade e pluriculturalidade. 137 4 Ondjango: expressão cultural do mundo da e/ou de vida. 145

4.1 Conceituação do ondjango 146

4.2 Leitura da realidade ondjangiana 148 4.2.1 Ondjango: casa de ekongelo (reunião) 149 4.2.2 Modelos exemplares de ondjango no centro-sul de Angola 150 4.2.3 Ondjango: casa de elongiso/okulonga (educação/iniciação) 151 4.2.4 Ondjango: casa de ulonga (relato dialógico) 152 4.2.5 Ondjango: casa de ombangulo (conversa) 155 4.2.6 Ondjango: casa de ekuta (partilha alimentar comunitária) 156 4.2.7 Ondjango: casa de ondjuluka/otchipito (solidariedade) 158 4.2.8 O ondjango: casa de ekanga/okusomba/okusombisa (justiça) 159

4.3 Limites do mundo ondjangiano no processo do elongiso (educacional) 161

5 Paulo Freire e o Ondjango: diálogos 165

5.1 Freire e sua trajetória pelo mundo africano 166

5.2 Freire e o diálogo 176 5.2.1 Cultura e diálogo 176

5.3.2 Conscientização e diálogo 183 5.3.3 Síntese cultural 192

5.3 Freire e Ondjango: diálogo possível? 199

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6 Educação letrada em Angola e em Ganda. 202

6.1 História da cultura letrada ou alfabetizada – a escolarização em Angola 202 6.1.1 Origem da ecolarização em Angola 202 6.1.2 Educação e LBSE (Lei de Bases do Sistema de Educação) 205

6.1.3 Educação na Ganda (1999-2003): dados de pesquisa 207 6.2 Realidade da educação em Ganda 211 6.2.1 O Município da Ganda 211 6.3 Educação na Ganda / Benguela 213 6.3.1 Dados da situação educacional da Ganda 218 6.3.2 Características da educação em Angola e na Ganda 219

6.4 Resultados da “pesquisa exemplar” na Ganda 224

7 À guisa de conclusão: que-fazer? 226 Referências 233 Anexos: 249 Anexo 1 – Figuras 250 Anexo 2 – Quadros 265 Anexo 3 – Lei de Bases do Sistema de Educação em Angola 270 Anexo 4 – Questionário, Respostas e Tabulação de dados. 291 Anexo 5 – Diálogos com Geraldo Amândio Ngunga de Espanha. 299

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho reflete sobre Educação, Cultura e Cultura do ‘Amém’. Para

o efeito, o mesmo concentrar-se-á nos diálogos do ondjango (espaço vital – ondjo de

diálogo vital - ohango) com Freire no município da Ganda, província de Benguela em

Angola/África.

Os primeiros dois conceitos deste tema, educação e cultura, tenham sido

sobejamente explorados e aprofundados por vários outros pesquisadores. Deste modo,

refletir sobre os mesmos, à primeira vista, parece ser uma redundância, um “chover no

molhado”.

Esta reflexão voltou-se para a realidade angolana, onde seus filhos foram

envenenados pela obediência cega e pela cultura do silêncio, como o reconheceu Freire.

Por isso é que o tema proposto oferece três conceitos fundamentais, tal como são

visualizados no primeiro parágrafo, onde o “amém” é acrescido aos dois: Educação,

Cultura e Cultura do “Amém”.

Não conheci Freire, nem sequer uma das suas obras e pensamento, antes de vir

ao Brasil. Só entrei no mundo freiriano depois do meu movimento, Angola – Brasil.

Tocado e estimulado pela leitura de Freire, fico a entender melhor o meu mundo da e/ou

de vida. Daí, a razão de ser do texto que não foge em nenhum momento deste mundo

angolano, do qual pouco pensei, vivendo nele.

O texto volta para a terra angolana como singelo material para todo aquele que

queira parar, refletir e agir sobre este mundo do qual durante vários séculos fomos

vedados de pensar sobre ele, fazendo só a vontade daquele que nos colonizou e cujos

vestígios nos atingem até hoje.

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O estudo buscou responder a grandes questões que, no decurso da história, me

foram incomodando, enquanto estudante, desde a minha tenra idade, no fim do curso

superior de filosofia, quando, em Antropologia Filosófica, estudando a questão da

relacionalidade dialógica em Buber, me deparava com os ”dilemas ou alternativas:

orientação-atualização, Eu-Tu e Eu-isso, dependência-liberdade, bem-mal, unidade-

dualidade” (BUBER, 2004, p.17). Na perspectiva buberiana, esta união dos contrários

permanece em profunda intimidade no diálogo. Segundo ele, diálogo é a plenitude

(ibidem). Na mesma linha, o diálogo foi encarado como um tipo de compromisso de

relação que a vida e a obra deste autor selaram entre si. Foi exatamente aqui onde

Buber mostrou sua confiança e fé no homem, vivendo, ardentemente3, o

“Menschensein”, isto é, o “ser homem” superando todas as suas dificuldades e

buscando uma solução existencial do homem atual.

A partir desta visão, Buber havia entendido a voz que o interpelava e, ao mesmo

tempo, desejava que todos os homens tentassem responder a ela. Nunca quis figurar

como porta-voz de um sistema filosófico. Buber via sua missão como uma resposta à

vocação que havia recebido: a de levar os homens a descobrirem a realidade vital de

suas existências e a abrirem os olhos para a situação concreta que estavam vivendo.

Como Sócrates, ele ajudava, com a sua presença, “o parto dos espíritos” (BUBER,

2004, p.16) nos homens. Seu esforço foi sempre sustentado pela esperança de atingir o

fim, pois sem a esperança não se encontraria o inesperado, inacessível e não-

encontrável, como Heráclito já o afirmara (ibidem).

Esta visão começou a abrir meus horizontes e fez-me rememorar todo o meu

itinerário vital, desde a minha realidade sociocultural e histórica gandense, benguelense,

angolana e africana, que fazia acontecer o diálogo vital.

No confronto com a invasão cultural, perpetrada pela colonização, minha visão

se perverte. Cai na inatividade, fazendo reinar a visão do colonizador, através da sua

sutil tática: dividir para oprimir e dividir para melhor reinar, incentivando a cultura do

“amém”, obstaculizando quaisquer tentativas de avanço acadêmico, de modo que os

filhos da terra angolana permanecessem sempre humildes, obedientes, míopes e

paupérrimos.

3 Viver ardentemente o ser homem, significa lutar para a superação existencial das dificuldades, buscando soluções existenciais..

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A educação, neste contexto, é ‘bancária’ e “opressora”, segundo Freire. Daí,

apesar da fertilidade da terra angolana, da riqueza e dos recursos naturais de seu solo e

subsolo, os angolanos sofrem horrivelmente e, em muitas áreas deste vasto território,

são obrigados a renunciar a sua cultura ondjangiana. Como se não bastasse esta invasão,

proclamada a independência, o angolano torna-se fera para o outro angolano,

vivenciando uma guerra fratricida, quase interminável. Sem nos darmos conta, são

nossas riquezas que faziam derramar o sangue das mãos dos irmãos. Era preciso que os

angolanos parassem um pouco, refletissem seriamente, sem quaisquer mediações, para

pensarem na reconstrução de sua própria história e de seus destinos.

Era preciso que os angolanos recompusessem seu ondjango tradicional,

iniciassem, por debaixo de uma árvore, o seu ohango, o seu ulonga para encontrarem

caminhos que ultrapassassem as desavenças. Assim, aconteceu! Os generais dos dois

lados beligerantes fizeram o ondjango, fizeram acontecer o ohango, sem mais mediação

estrangeira, que sempre abortou as negociações. Não era de sua vontade ver os

angolanos em paz, mas em guerra porque, enquanto os filhos da terra se guerreassem,

eles repartiam suas riquezas. De novo se fazia sentir aquela voz inicial de não dar

escolaridade suficiente aos nativos para que permanecessem na servidão...

O angolano encontrava-se diante da leitura de mundo a partir da palavra dita e

não lida. Era preciso que acontecesse aos angolanos o empoderamento da palavra lida,

de modo que, sincronizada com a dita e a escrita, se desse mais um passo na efetivação

e na realização do sonho de sermos um povo livre, emancipado, com direitos, dignidade

e cidadania. Nisto, Freire, com o seu ideário pedagógico, propôs outro caminho: o do

sonho, da ousadia, do diálogo, pois tudo isso constituía a nossa cultura.

As três perguntas iniciais (Quem sou eu? - portadora da subjetividade do

pesquisador; de onde vim? - que permite ao pesquisador rememorar seu mundo da e/ou

de vida, aberto à multiculturalidade e consequentemente à interculturalidade; e para

onde vou? - que nos remete ao sonho factível, à transformação e à mudança) que

norteavam este trabalho enquanto projeto de dissertação, não estão sumidas do cenário.

Ao contrario, perpassam profundamente o interior de toda a reflexão.

O trabalho é composto por oito pontos. No primeiro visualizo o caminho

seguido para a execução do trabalho. No segundo, trago à tona o memorial histórico e a

experiência vital. Trata-se do mundo da e/ou de vida que é salientado.

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O terceiro ponto reporta o mundo cultural onde está, em ponto grande, a

compreensão da cultura da África Bantu. O quarto ponto traz o ondjango e seus limites

no processo educacional letrado: é o elongiso em alta.

O quinto ponto reporta-nos para Freire e ondjango: afinal, são dois ideários que

podem dialogar? Refletimos aqui Freire através dos conceitos de cultura, diálogo e

conscientização. No sexto ponto trato, de modo muito concreto, sobre a realidade da

educação em Angola, especialmente, na realidade gandense. O sétimo ponto, à guisa de

conclusão, quer corroborar com a “pedagogia da pergunta”, enquanto fundamento da

construção do conhecimento. Afinal, que fazer depois de tudo isso? É o mesmo que

dizer, para onde vou? Nesta perspectiva, apresento minha proposta cabendo à banca

examinadora o ver-julgar-agir sobre este trabalho.

Portanto, o texto traz, em alguns momentos, formulações do meu estilo

angolano, com expressões típicas e pensamentos próprios. Apresenta-se com uma

simplicidade literária, pois quer ser uma obra popular, inteligível para todos os que

quiserem dela usufruir, sejam intelectuais pesquisadores, iniciandos do mundo da

pesquisa, alunos do II, III, do Ensino Médio ou Superior, ou mesmo os leigos e curiosos

da realidade africana.

Page 21: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

1 CAMINHO ABERTO PARA A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

Este ponto trata do itinerário seguido na construção da pesquisa, seus teóricos

fundamentais, os destinatários do trabalho e a metodologia utilizada. Nunca conheci

Freire, suas obras e pensamento filosófico e sóciopolítico. Entretanto, foi preciso ser

estimulado pela leitura de Freire para eu poder entender melhor o meu mundo da e/ou

de vida.

1.1 Itinerário para a construção da pesquisa

Este trabalho parte da realidade histórica vivenciada, refletida e partilhada e do

envolvimento do pesquisador na e com a comunidade. Trata-se de uma trajetória vital,

atravessada pelo sofrimento, feita de luzes e sombras, alegria e lágrimas, mortes e

ressurreições.

É concreta e vivenciada pelo fato de se tratar de uma realidade onto-

antropológica, sociocultural, geopolítica e econômica; sofrida, pois nossa terra angolana

foi invadida e espoliada. Consequentemente, o nosso mundo de vida, o mundo dos

valores, dos hábitos, dos costumes, dos recursos e da economia, foi ferido, quase

mortalmente, com o roubo de nossa dignidade, humanidade e cidadania, com a

desvalorização de nossa cultura e com a destruição de nossas relações. Para a

concretização de tal projeto, o invasor serviu-se do princípio herdado da dominação

romana, que investia na divisão dos povos dominados para melhor reinar, oprimir e

Page 22: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

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escravizar, o que, mesmo depois da proclamação da independência nacional de Angola,

mal administrada, confluiu nas guerras políticas, civis, fratricidas internas e genocídas4.

Neste projeto opressor e silenciador, em que o invasor cultural (FREIRE, 2004a)

manteve sua hegemonia, poder e reinado, o elemento essencial suprimido do povo

autóctone foi aquele que se relacionava com as expressões da cultura local, que permitia

a coesão desses povos, segundo suas localizações geográficas e regionais, tribais,

clânicas, etc.

Entretanto, para facilitar a comunicabilidade no projeto dominador, o invasor

cultural (ibidem) ofereceu, mesmo com grandes restrições, a educação letrada5, a

educação escolarizada, não no sentido freiriano de alfabetização, que permitisse a

compreensão do mundo da vida pela leitura da palavra, isto é, alfabetização como

leitura do mundo e leitura da palavra (FREIRE, 2002).

O projeto educacional letrado restringiu-se à aprendizagem da leitura da palavra

para a facilitação dos grandes intentos do opressor e explorador, pois, no entender de

Salazar6, era importante e necessária a restrição educacional para que o explorador se

mantivesse na dominação e o dominado na eterna obediência.

4 Genocídio é visto por Chiavenatto (1980, p.135), citando Sarmiento, como “a degola, a brutal inclemência com os inimigos vencidos e a incrível violência”, que acabaram sendo a “enfermidade endêmica”; é ainda entendido, pelo mesmo autor, como verdadeiro crime contra a humanidade (ibidem, p.138). Tal como aconteceu com o genocídio americano, na guerra do Paraguai (ibidem), uma das armas usadas para o extermínio total dos povos, sobretudo de inocentes, foi “a contaminação das águas dos rios, vitimando soldados e civis, com vírus da cólera, uma sádica chacina de milhares de crianças e suas mães e carbonização da macega”, (ibidem; p.139, 141-142) o uso de bombas químicas de extermínio massivo, o uso de catanas (facões), machados, flechas, armas de fogo, minas anti-tanque e anti-pessoal, dinamites de alta potência, fogo para carbonizar seres humanos, etc. “Guerras genocídas” (de genocídio), segundo Aurélio (2004, p.976), é o crime contra a humanidade que consiste em destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Para Chiavenatto (1980, p.149), genocídio é uma carnificina onde as doenças e as epidemias matam mais do que as balas das armas de fogo; é a guerra de extermínio total, brutal que, no caso das Américas, só terminou quando praticamente não havia mais paraguaios a matar. 5 Aqui, quero entender educação letrada como aquela que não só oferece a leitura do mundo da vida, mas que se ocupa com a leitura da palavra. Trata-se da alfabetização do autóctone. Este elemento considera-se de capital importância no processo da interculturalidade ou da transculturalidade. 6 Antônio de Oliveira Salazar (1889-1970), político, nasceu em Viseu (Coimbra). Ex-seminarista, estudou direito em 1910; professor em Coimbra em 1917-1926. Por 13 dias, ministro das finanças, no governo saído do golpe militar de 28 de Maio de 1926, que derrubou a 1ª República. Retorna à cátedra em Coimbra como docente; é chamado ao governo incapacitado de resolver a grave crise financeira do país. Surge como salvador providencial. Assume o cargo mas impõe suas condições. Controla as finanças e a política do Governo. De 1932 até 06/09/1968 – altura da doença que o incapacitava - é Presidente do Conselho de Ministros. Dia 03/08/1968, cai da cadeira, bate a cabeça no chão; provocando a hematoma cerebral, que o levou à cirurgia. Daí, a diminuição das faculdades mentais. Depois de hesitar, Américo Tomás nomeia Marcelo Caetano para presidir o Conselho de Ministros. Salazar morre a 27/06/1970, aos 81 anos de idade, dos quais, 42 de poder ininterrupto. Originário de uma família camponesa pobre e de

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Salazar, mostrando sua petulância, no dia da comemoração dos oito séculos da

fundação da nacionalidade portuguesa, em 1140, e três de sua restauração, em 1640,

planejava uma suntuosa Exposição do Mundo Português. Nesse dia, ele se auto-

proclamava único herói, fazedor da história e transformador do mundo. Assim,

pronunciava-se: “Os heróis é que fazem a história, não são os povos. Felizes os povos

que têm heróis a conduzi-los” 7. No dia da Exposição, considerando-se todo poderoso,

senhor e déspota, ordenava:

Mando que na Exposição também sejam alojados, em palhoças, uns tantos pretos e pretas, adultos e crianças, primitivos que retiramos da selva... Que todos admirem a obra dos nossos missionários em África! Aqueles pretos, bem doutrinados, bons cristãos podem ainda vir a ser. De segunda ou terceira, porém cristãos (ibidem).

Em nossa memória de povos colonizados, entendemos que não são poucas, as

vezes em que o catolicismo se fundiu com o colonialismo. Neste sentido, Andreola

(2005, p.70), citando o depoimento de Paulo Roberto da Silva8, escrevendo sobre o

trabalho realizado na África por Clodomir Santos de Morais, a convite da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), dizia:

Pascual Luvuali exerceu uma vigilância extrema sobre a pureza ideológica dos Programas de Educação dos Camponeses e trabalhadores, compreensível até certo ponto, num país onde a religião, isto é, o catolicismo, se fundiu com o colonialismo. Para muitos angolanos [aqueles que já lutaram na libertação (grifo meu)], Salazar e o Cardeal Cerejeira (que ficou conhecido por ter o hábito de abençoar as tropas do governo antes de elas irem combater os nacionalistas) viviam de mãos dadas no empreendimento colonialista (SILVA, 2005, p.157).

Na ótica do projeto salazarista, o Cardeal Cerejeira, Patriarca de Lisboa, na sua

Carta Pastoral, manifestava a necessidade de uma educação para os povos das colônias,

que alimentasse sutilmente a submissão. Ele afirmava: “As escolas são necessárias,

rígida formação católica, revelou-se extremamente conservador, retrógrado e autoritário em política. Combateu ferozmente todas as formas de oposição ou de liberalização e não cedeu à pressão dos movimentos de libertação das colônias nem das Nações Unidas no sentido de Portugal adotar um comportamento que acompanhasse e evolução política mundial, pondo fim ao seu império colonial. 7 <<http://salazar.weblog.com.pt/arquivo/2005/05/assim_se_ensina.html>>; acesso em 28/12/2005. 8 Silva fala de Pascual Luvualu que, nesta altura, trabalhava como Secretário Geral da União dos trabalhadores de Angola e, concomitantemente, assumia a posição de Ministro do Trabalho.

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sim, mas escolas onde ensinemos ao nativo o caminho da dignidade humana e a

grandeza da nação que o protege”. (MONDLANE, 1968) 9.

Os invasores culturais em geral desprezaram e ignoraram a cultura e a

educação tradicional africanas. Assaltaram-nas, instituindo uma versão do seu próprio

sistema de educação, totalmente fora do contexto, visando desenraizar o africano

do seu passado e forçá-lo a adaptar-se à sociedade colonial. Era necessário que o

próprio africano adquirisse desprezo pelos seus próprios antecedentes. Nos territórios

portugueses a educação do africano teve duas finalidades, conforme salientamos no

parágrafo anterior: a primeira, consistia em formar um elemento da população que

agisse como intermediário entre o estado colonial e as massas; e, a segunda, a de

inculcar uma atitude de servilismo no africano educado. Estes dois fins estão claramente

expostos na carta pastoral do Cardeal Cerejeira, em 1960, conforme descreve Mondlane

(ibidem):

Tentamos atingir a população nativa em extensão e profundidade para ensiná-los a ler, a escrever e a contar, não para fazê-los doutores. [...] educá-los e instruí-los de modo a fazer deles prisioneiros da terra e protegê-los da atração das cidades, o caminho que os missionários católicos escolheram com devoção e coragem, o caminho do bom senso e da segurança política e social para a província. [...] As escolas são necessárias, sim, mas escolas onde ensinemos ao nativo o caminho da dignidade humana e a grandeza da nação que o protege.

Em todos os níveis, realça Mondlane (1968), as escolas para africanos são, antes

de tudo, agências de expansão da língua e da cultura portuguesas. Em geral, o ideal

português tem sido o de procurar que uma instrução controlada fosse criando um povo

africano que falasse só português, que abraçasse só a cristandade e que fosse tão

intensamente nacionalista português como os próprios portugueses da metrópole. Se

todos os africanos de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau se tornassem naturais

portugueses, (assim sonharam os portugueses) não haveria ameaça de nacionalismo

africano. Mas em 1950, só 30. 089 africanos em Angola e 4.554 em

Moçambique, tinham atingido o estado de assimilação da cultura portuguesa,

legalmente reconhecidos.

9 <<http://www.macua.org/documentos102.html>>; acesso em 28/12/2005.

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Enquanto os arqueólogos e historiadores mostraram a falsidade histórica da tese

sobre a realidade do "Continente Negro" 10, os sociólogos atacaram outros aspectos da

mesma. Os europeus supunham que, porque a África estava atrasada (no contexto de

desenvolvimento, enquanto terra e povos), no tempo em que a invadiram, os africanos

não tinham cultura alguma, nem moralidade, nem instrução.

Trata-se, no entender de Andreola (2005, p.66), “do olhar de Hegel, um olhar

que expressava apenas preconceito e desprezo total, [o contrário do] olhar de Paulo

Freire, um olhar de amorosidade”. Andreola (2002, p.125-126), trazendo Hegel à tona,

mostra como, para este, “a descrição da África é permeada de expressões como:

barbárie, violência, inconsciência de si, feitiçaria”. Citando textualmente Hegel (1999,

p.188) que justificava a escravidão negra, diz:

Nela [na escravidão] os negros nada vêem de inadequado (...). De resto, a sorte do negro em sua própria pátria é quase pior, porque lá existe igualmente a escravidão. A base da escravidão, em geral, reside no fato de que o homem não tem sequer consciência de sua liberdade e, portanto, permanece rebaixado à condição de uma coisa, de um ser sem valor próprio. [na sua concepção Hegel (ibidem, p.183-194) continua escrevendo]: Entre os negros é realmente característico o fato de que sua consciência não tenha chegado ainda à intuição de nenhuma objetividade, como, por exemplo, Deus, a lei, na qual o homem está em relação com sua vontade e tem a intuição de sua essência (...). É um homem em estado bruto (...). (...) O modo de ser dos africanos explica como seja tão extraordinariamente fácil fanatizá-los. O reino do espírito é entre eles tão pobre e o espírito tão intenso, que uma representação que se lhes inculque basta para instigá-los a não respeitar nada, a tudo destruir (...). Quem quiser conhecer manifestações terríveis da natureza humana, as encontrará na África (...). Esta parte do mundo não tem na realidade história. Por isso abandonamos a África para não mencioná-la mais. Não é uma parte do mundo histórico; não representa um movimento nem uma evolução. (...) O que se entende propriamente por África é algo isolado e sem historia, sumido ainda por completo no espírito natural, e que apenas pode ser mencionado aqui, no umbral da história universal.

Atualmente, já se compreendeu a existência da multiculturalidade africana

(conforme o reflito no capt. 3, pt. 3.4). Por isso é que algumas culturas apresentam-se

como mais complexas do que outras, mas todas elas têm aspectos morais e

métodos educacionais, mediante os quais as crianças podem absorver a cultura e

tornarem-se membros ativos e participativos da sociedade onde tinham nascido. Apesar 10 http://salazar.weblog.com.pt/arquivo/2005/05/assim_se_ensina.html, acesso em 28/12/2005

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de algumas teimosias, a história tem mostrado o contrário. Porém, fora de um reduzido

círculo de peritos, o reconhecimento destes fatos é, em grande parte, o resultado do

período pós-colonial.

Convinha, evidentemente, a um governo dominador e déspota, a noção ou a

nulidade da cultura do indígena, do encontrado, o invalidado, o explorado e do

colonizado, facilitando a dominação permanente. Por isso a minha pesquisa quer

trabalhar sobre a realidade cultural ontem invadida, a partir do processo educacional no

ondjango 11. A idéia fundamental é a de revivificar 12 a originalidade do ondjango na

perspectiva educacional emancipatória a partir de Freire, da memória do meu mundo da

vida, isto é, o mundo histórico, cultural, socioeconômico e geopolítico e da experiência

vivenciada, refletida e partilhada. Neste contexto, como pesquisador, me propus a

refletir sobre Educação, Cultura e Cultura do “Amém”13: diálogos do Ondjango com

Freire em Ganda / Benguela – Angola.

Diante desse tema, sou movido pela seguinte problemática: é possível tomar a

leitura freiriana, a memória do mundo da e/ou de vida 14 ondjangiano e a minha

11 Ondjango é o lugar de acolhimento, núcleo dinamizador das relações humanas, espaço onde acontece a conversa , isto é, o ohango. A respeito deste assunto, remetemos ao cap. 4 desta dissertação onde trabalhamos mais demoradamente sobre o assunto. 12 Quando falo em revivificar o ondjango, quero fundamentalmente mostrar que o processo educacional ondjangiano, ontem silenciado, proibido, negado e morto pelos invasores culturais, associado à perspectiva educacional emancipatória é necessário e útil e deve ser reativado, tornando-se vivo nas comunidades que têm como cerne da sua cultura a valorização da vida, isto é, uma cultura de vida e não de morte. Ressuscitar o ondjango na vida comunitária é ressuscitar a vida um dia negada e morta pela imposição de hábitos, usos e costumes dos invasores. Neste conceito, revivificação ondjangiano, está implícita a vivência, a reflexão, a compreensão e a explicitação do ondjango enquanto expressão do mundo da e/ou de vida. 13 Entendo por cultura do “amém”, aquelas atitudes forjadas pelo despotismo cultural, colonial e pós-colonial, até mesmo pelos docentes que fazem perpetuar pura e simplesmente o paradigma dominante em detrimento do emergente, como o salienta Santos (2004) nas práticas pedagógicas, fazendo passar a idéia de existência de uma obediência cega, à semelhança do camelo humilde levado ao matadouro. Não só, nossa percepção é de que, neste sentido, a verdade dominante se apresenta como “dogmática” e com características de inerrância, o que na realidade não procede. Quando falamos do “amém”, queremos referir-nos, sobretudo ao “assim seja” religioso, “faremos como disseste” , “faremos tua vontade” , “seja feita a tua vontade” e, muitas vezes, identifica-se à obediência cega. O “amém”, na visão eclesial, significa, “assim seja”, acredito, viverei e anunciarei esta verdade. Ao mesmo tempo em que esta expressão significa assentimento fiel á palavra anunciada ou a uma verdade enunciada, tem o sentido negativo de imposição, trata-se de aceitar mesmo sem o devido entendimento a uma verdade tida como “dogmática”. Aqui a expressão romana acaba sendo o chavão, “Roma locuta est, causa finita est”, isto é, “Roma dá o veredicto, a disputa é finda” . Dessa máxima se serviam os colonizadores para dominar cada vez mais, fazendo dos encontrados meros espectadores e nunca agentes de sua história. Pois foram adotados como províncias do ultramar, ou províncias portuguesas. 14 Sendo berço da vida, a África em geral, e Angola concretamente, se preza em colocar a vida acima de tudo. Razão de ser em falarmos do mundo de vida. A cultura africana é a cultura de vida. Assim,

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trajetória vital (vivenciada, refletida, partilhada), para revivificar15 a originalidade

ondjangiana na perspectiva educacional emancipatória?

Ao problema colocado nesse trabalho, propuz uma hipótese que afirma, em

síntese, que podemos, pela matriz freiriana, pela memória do mundo de vida

ondjangiano e pela subjetividade (vivenciada, refletida e partilhada), revivificar a

originalidade do ondjango na perspectiva educacional emancipatória.

Assim como Freire, através do diálogo pedagógico, possibilitou atuar a favor de

uma sociedade emancipatória, o mesmo pode acontecer com a prática revivificadora do

ohango no ondjango. Quero, assim, atestar a capacidade revivificadora do projeto

ondjangiano.

Para a confirmação dessa hipótese, é importante refletir a partir do ideário

freiriano, da trajetória e da realidade histórica, cultural, socioeconômica e geopolítica do

mundo da e/ou de vida do pesquisador, feita de odores e fedores, isto é, o meu mundo

enquanto pesquisador, sem perder de vista a questão territorial angolana, sua

diversidade ou multiplicidade étnico-cultural, fazendo-a dialogar com a

interculturalidade ou a transculturalidade global.

Deste modo, quero, tomando a leitura freiriana (FREIRE, 1984; 2000; 2001;

2002; 2003a,b,c; 2004a;b; 2005), a memória do meu mundo da e/ou de vida, minha

trajetória vital, isto é, a realidade cultural ondjangiana pensada por Altuna (1993),

enquanto iniciação sociocultural e participação vital Bantu, tal como reflete Nunes

(1991), enquanto realidade sociocultural e expressão vital do povo umbundu, e

Lukamba (1981; 1985; 1995; 1996; 2001), enquanto encontro vivo na mesma cultura,

autores africanos, angolanos e outros tantos que refletiram sobre a centralidade da

chamando ao meu mundo, “mundo de vida”, mostro a vida como sendo princípio e fim de todo o ser e princípio-base e causa primeira na cultura bantu. A vida, a força, o existir, constituem uma idêntica realidade. Para o bantu, a vida é tangível, concreta. Viver, diz Altuna (1993, p.55), “não é só mover-se, senão aparecer com forma humana, olhos que captam, ouvidos atentos, frescura, vigor, sensibilidade, sensualidade para captar infinitas ondas da participação vital”. 15 A expressão “ondjangiana” é fruto das discussões e debates tidos, tanto no seminário de orientação quanto no grupo de pesquisa, o FEPráxiS. Destas conversas, procurei assumir a responsabilidade sobre a expressão, já que a proposta da educação escolarizada a partir do ondjango é de minha autoria . Ela advém da palavra ondjango, de língua do centro e sul de Angola, composto por aglutinação de duas palavras: ondjo + y’ohango, isto é, casa de conversa sobre todos os assuntos da e/ou de vida na língua e cultura Umbundu. Aqui, se nos apresenta como elaboração científica, sobretudo olhando para o ondjango na perspectiva educacional emancipatória. Trata-se de uma expressão que quer ser científica ou pelo menos se enquadrar na academia, como pensamento subjacente da idéia do ondjango, como espaço de diálogo vital, partilha, aprendizagem, resolução de problemas cruciais, e também como lugar do lúdico e entretenimento.

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realidade cultural de Angola/África, tentar compreender a realidade cultural e a

“humanidade roubada” (FREIRE, 2004a, p.30) pela invasão cultural. Daí a razão de ser

da temática.

Com efeito, meu objetivo, nesta pesquisa é, partindo do ideário dialógico

freiriano, da memória do meu mundo da e/ou de vida e da minha trajetória vital

(vivenciada, refletida, partilhada), revivificar o mundo ondjangiano.

Através da investigação de uma base bibliográfica, enriquecida pela memória do

meu mundo da e/ou de vida, isto é, da minha realidade histórica (vivenciada, refletida,

partilhada), do meu envolvimento total na e com a comunidade, do uso de imagens

fotográficas, áudio e vídeo, TIC´s16 (sites, e-mails, msn, orkut, skypes), correios e

entrevistas feitas através de questionários, tomei, para a efetivação desta dissertação,

tendo, bem presente, as seguintes tarefas:

1. Trazer meu mundo da e/ou de vida para auxiliar na compreensão da

realidade pesquisada dentro do contexto angolano, africano e mundial, conforme

apresentado no ponto dois do sumário;

2. Compreender o conceito de cultura confrontado com a experiência

cultural bantu, segundo referenciado na temática de reflexão três;

3. Descrever o ondjango em sua originalidade, na cultura gandense: a)

reconhecimento da originalidade do ondjango como espaço pedagógico, sóciopolítico,

histórico-cultural e vital do povo em Ganda / Benguela (Angola); b) demonstração de

quanto a vida ondjangiana não é vital na comunidade gandense, tal como se salienta no

quarto ponto do trabalho;

4. Explicitar e refletir Freire e o seu ideário, de modo particular nos

conceitos de diálogo, conscientização e de cultura, conforme se propõe na quinta parte

da dissertação;

5. Pensando em uma escola formal mais dialogante, explicitar relações

(aproximações e distanciamentos ou possíveis convergências e divergências) entre

Freire e o Ondjango na realidade moldada pela cultura do ‘amém’;

6. Exemplificar e pensar a minha experiência pedagógica vivida em Ganda,

enquanto docente, visualizando os dados da situação educacional da Ganda como

município e cidade; aos dados gerais sobre a realidade sóciopolitica e geo-econômica da 16 TIC´s é a sigla utilizada em nossos dias para designar as Novas Tecnologias de Comunicação e Informação.

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cidade da Ganda; às características da educação oferecida na Ganda e na maioria das

escolas de Angola; à identificação de algumas práticas pedagógicas: do professor; sua

postura e auto-estima; alunos diante do professor; currículos, conteúdos e avaliações; à

demonstração de como a realidade cultural é excluída no processo educacional;

propostas de algumas práticas pedagógicas construídas com a comunidade acadêmica

das primeiras quatro (4) turmas do PUNIV (Pré-Universitários) da Ganda; apresentação

de alguns pronunciamentos dos alunos a respeito de tais práticas, tal como consta na

sexta referência que de certo modo trarão resultados de dados da pesquisa obtida através

dos questionários feitos a diversas pessoas de diferentes grupos no município da Ganda.

7. Apontar práticas pedagógicas que não se eximam da realidade cultural no

processo da escolarização, apontando propostas pedagógicas, segundo referenciei na

sétima parte deste trabalho.

Deste modo, pela investigação de base bibliográfica, enriquecida com o

memorial do meu mundo de vida, isto é, com a realidade sociocultural e histórica

vivenciada, refletida e partilhada, e meu envolvimento na e com a comunidade, o

trabalho traz à tona dados a partir do material já elaborado, isto é, livros, artigos

científicos e outro material encontrado nas fontes bibliográficas, tal como Gil (2002,

p.44) salienta, ao reconhecer a pesquisa bibliográfica como aquela que é “desenvolvida

com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos

científicos”.

Por esta razão, Gil considera os livros como referências bibliográficas por

antonomásia. Para ele, são os livros que “constituem as fontes bibliográficas por

excelência. Em função de sua forma de utilização, podem ser classificados como de

leitura, corrente ou de referência” (ibidem p.44).

Segundo Gil (1999), essa pesquisa torna-se vantajosa, porque requer uma gama

de dados necessários. No caso concreto do meu trabalho, é importante termos várias

fontes bibliográficas para a compreensão do mundo angolano, do qual me estou

referindo. Por isso, seria ilusório pensar qualquer pesquisa sobre a realidade de Angola,

seja qual fosse sua temática, sem oferecer dados do quadro geo-histórico, sóciopolítico,

econômico, cultural, etc. Para tal, o recurso bibliográfico torna-se de capital

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importância. Nesse sentido, para a obtenção de algumas informações requeridas, preciso

em grande medida da bibliografia. Nesta base, Gil (1999, p.65) afirma:

A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Esta vantagem se torna particularmente importante quando o problema de pesquisa requer dados muito dispersos pelo espaço. (...) todavia, se tem à disposição uma bibliografia adequada, não terá maiores obstáculos para contar com as informações requeridas. A pesquisa bibliográfica também é indispensável nos estudos históricos. Em muitos casos, não há outra maneira de conhecer os fatos passados senão com base em dados secundários.

Neste trabalho, trago, à superfície, a memória “como história [e] a história como

memória” (THOMSON; FRISCH; HAMILTON 1994; In FERREIRA & AMADO,

2005, p.77-78) da minha experiência vital no quadro geopolítico, socioeconômico e

cultural angolano.

Memória, no sentido básico do termo, é a presença do passado vivido

(ROUSSO, Apud, FERREIRA & AMADO, 2005, p.94). Assim, a memória é uma

reconstrução psíquica e intelectual que acarreta uma representação seletiva do passado,

um passado que nunca é aquele do indivíduo somente, mas de um individuo inserido

num contexto familiar, social, nacional. Portanto, “toda a memória é, por definição,

coletiva”, como sugeriu HALBWACHS (2005, p.94).

Aqui, a memória se nos apresenta como mundo da vida. O “mundo de vida” ou

“lebenswelt” na compreensão husserliana, é o fundamento de qualquer elaboração

científica. Husserl (2002, p.47) reconhece que a própria ciência emerge de algo anterior

à ela mesma, do campo das experiências pré-científicas e pré-categoriais, ou seja, de um

a priori concreto, que se chamava “lebenswelt” ou “lebensumwelt”. Trata-se de uma

elaboração científica possível e necessária, desde o ponto de vista de Husserl, sobretudo

se partirmos da historicidade e existencialidade. Por isso é que tal “mundo da vida”, ou

“lebenswelt”, é designado como mundo da experiência. Tal “mundo (...) é a fonte,

origem (ursprung) e fundamento (Boden) do sentido dos conceitos científicos” (idem,

p.48). Por isso é que Husserl (ibidem), partindo pelo princípio fenomenológico, afirma:

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Por mundo da vida (...) não [se] 17 entende (...) o mundo de nossa atitude natural, na qual todos os nossos interesses teóricos e práticos são dirigidos aos entes do mundo. Na atitude fenomenológica trata-se de suspender o juízo (epoqué 18) nesse horizonte para nos ocuparmos (...) com o próprio mundo da vida.

Portanto, a ciência do mundo vida, ao qual nossa memória se volta como

história, e esta como memória, é a ciência do “mundo histórico-cultural concreto,

sedimentado intersubjetivamente em usos e costumes, saberes e valores entre os quais

se encontra a imagem do mundo elaborada pelas ciências” (HUSSERL, 2002, p.49).

Quero aqui salientar uma trajetória feita de tensões, idas e vindas, superações,

mortes e ressurreições, quando não de sucumbências, isto é, um devir constante e

dialético, um dos métodos que posso adotar para a apreensão desse movimento.

Freire (2004b), abrigado em uma sombra, recorda com saudades seu mundo de

vida, sua trajetória vital feita de árvores atraentes, sombras aconchegantes, cheiro de

flores e frutos, ondulações dos galhos que resistiam aos ventos, passarinhos

multicolores e cantadores; afinal desse mundo de casas e quintais, mundo de relações e

memórias, mundo de experiências de sombras, mundo de inverno friorento e verão de

sol escaldante, mas também do mundo de primavera do verde esperançoso e vital,

mundo de prisões e silenciamentos, mundo de êxodos permanentes e sofridos, mundo

de solidão e de esperança; mundo de reencontro com outro mundo irmão, a África onde

ele reconcilia sua memória da sombra com o calor dos trópicos. Freire, andando de um

lado para o outro das ruas e ruelas, busca a sombra, rememorando a sombra de menino

de Recife em busca de uma vida digna, de amor-doação e de justiça social. Freire, na

obra “À Sombra desta Mangueira” resume sua experiência de solidão-comunhão deste

modo:

Possivelmente não interesse a ninguém a indagação que me traz aqui, à sombra gostosa desta mangueira e nela ficar, por horas, “sozinho”,

17 No decurso da elaboração dessa dissertação aparecerão várias expressões entre colchetes ([ ]). Quando isso acontecer o leitor deverá entender que se trata de uma adenda minha para dar sentido à citação ou referência em causa. E neste caso, assumo a inteira responsabilidade pelo acréscimo para não manipular o pensamento original, fazendo falar os autores no meu texto. 18 Epoqué é o mesmo que dizer Épochè, que quer dizer, suspensão do juízo. Particularmente, em Husserl, suspensão do juízo naquilo que diz respeito à existência das realidades do mundo, que constitui um aspecto da “redução fenomenológica”. Equivalente de “pôr entre parênteses” (LALANDE; 1999; p.1256). A este respeito, Abbagnanno (2003; p.339) define-a como suspensão do juízo que caracteriza a atitude dos céticos antigos, de modo singular de Pirro. Épochè consiste em não aceitar nem refutar, em não afirmar nem negar.

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escondido do mundo e dos outros, fazendo-me perguntas ou discursando, nem sempre provocado por minhas perguntas. De tanto me acolher à sombra desta árvore, alguma razão primeira se perdeu no prazer que vir hoje aqui me causa. Devo mesmo é entregar-me ao gosto de vir, vivê-lo, fazê-lo mais intenso na medida em que o provo. Vir com insistência com que o faço, experimentar a solidão, enfatiza em mim a necessidade da comunhão. Enquanto adverbialmente só é que percebo o substantividade de estar com. É interessante pensar agora o quanto sempre me foi importante, indispensável mesmo, estar com. Estar só tem sido, ao longo de minha vida, uma forma de estar com. Nunca me recolho como quem tem medo de companhia, como quem se basta a si mesmo, ou como quem se acha em estranheza no mundo. Pelo contrário, recolhendo-me conheço melhor e reconheço minha finitude, minha indigência, que me inscrevem em permanente busca, inviável no isolamento. Preciso do mundo, como o mundo precisa de mim. O isolamento só tem sentido quando, em vez de negar a comunhão, a confirma como um momento seu. O isolamento negativo não é aquele de quem tímida ou metodologicamente se recolhe, mas o do individualista que, egoistamente, faz girar tudo em torno de si e de seus interesses. É a solidão de quem mesmo na presença de uma multidão, só vê a si, à sua classe ou grupo, em sua gulodice afogando o direito dos outros. É gente que quanto mais tem, mais quer, não importam os meios de que se serve. Gente insensível que junta a insensibilidade sua arrogância e malvadez; que chama as classes populares, se está de bom humor, “essa gente”, se, de mau humor “gentalha 19”. Gostaria desde já de manifestar minha recusa a certo tipo de crítica cientificista que insinua faltar rigor no modo como discuto os problemas e na linguagem demasiado afetiva que uso. A paixão com que conheço, falo ou escrevo não diminuem o compromisso com que denuncio ou anuncio. Sou uma inteireza e não uma dicotomia. Não tenho uma parte esquemática, meticulosa, racionalista e outra desarticulada, imprecisa, querendo simplesmente bem ao mundo. Conheço com o meu corpo todo, sentimentos, paixão. Razão também. [Está aqui bem explicitado que Freire nada realiza fora de seu mundo da vida, por isso continua dizendo – meu grifo]. A história é tão vir-a-ser quanto nós, seres limitados e condicionados, e quanto o conhecimento que produzimos. Nada por nós é engendrado, vivido, pensado e explicitado se dá fora do tempo, da história. (...) Seria impensável um mundo onde a experiência humana se desse fora da comunidade, quer dizer, fora da história. A proclamada “morte da história” implica a morte das mulheres e dos homens. Não podemos sobreviver à morte da história que, por nós feita, nos faz e refaz. O que ocorre é a superação de uma fase por outra, o que não elimina a continuidade da história no interior da mudança (2004b; p.17-19).

19 Gentalha é a camada mais baixa da sociedade; escória social, fezes, lixo, gentalha, gentaça, gentinha, gentuça, patuléia, plebe, populaça, populacho, povão, sarandalhas, sarandalhos, vulgacho, bagagem, frasqueiro, http://www.aureliopositivo.com.br - Dicionário eletrônico; Versão 5.0; ed.

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Falando da “memória como história” (THOMSON et Al; in FERREIRA &

AMADO, 2005, p.77), quero crer, na minha pesquisa, segundo os pensadores acima

referidos, que tal memória se apresenta “simultaneamente como fonte de alternativas e

resistências vernaculares ao poder estabelecido e como objeto de manipulação

ideológica hegemônica por parte das estruturas de poder cultural e político” (ibidem).

Assim, essa memória subjetiva e intersubjetiva, para além de ser ponto de

partida, é, em parte, objeto de estudo, pelo fato de trazer o conceito fundamental à volta

do qual se norteará toda minha pesquisa, isto é, o “ondjango” e, também por ser

entendida, em todas as suas formas e dimensões, como elemento da história estudada,

refletida, explorada e interpretada. Neste sentido, torna-se significativa a reflexão

surgida no seminário de qualificação20

Só neste sentido podemos falar da necessidade de uma trajetória vital como

objeto a ser decomposto, interpretado, avaliado e recomposto de forma pensada. Daí, a

razão de ser daquilo que Thelen (1990; p.xvi; apud FERREIRA & AMADO, 2005,

p.85) lembrava, valorizando as memórias no processo investigativo, quando dizia: “(...)

as memórias das pessoas conferem segurança, autoridade, legitimidade e, por fim,

identidade ao presente”! Deste modo, faz sentido o pronunciamento de Hole (1993, p.6,

apud FERREIRA & AMADO, 2005, p.87), ao falar da Austrália. Assim, fazendo minhas

as palavras de Hole, quero falar com ousadia sobre Angola, a pátria mãe: “[Angola]

deve conhecer sua verdadeira história. Uma nação é forte por seu conhecimento da

experiência compartilhada, e a experiência desses homens deve ficar gravada na

memória nacional” (BURACO; apud FERREIRA & AMADO, 2005, p.87).

O pesquisador pensa o vivido, tenta produzir o conhecimento mais aprofundado,

sistematizando-o, com o intuito de voltar para sua comunidade a fim de dar

continuidade a este processo transformador, emancipador, dialético e vital, como diz

20 Trata-se do seminário onde se qualificou este trabalho enquanto embrionário. Durante o mesmo, o Professore E. Benicá, falando sobre a cultura do ‘amém’, dizia que tal cultura, se por um lado era negativa por apontar a obediência cega à voz opressora, podia transformar-se em baluarte de resistência a todas as tentativas de destruição vinda dos opressores. A parábola do salteador, comentada por Lukamba, revela a maldade do opressor e sua incapacidade de submeter o oprimido. A Cultura do ‘amém’, no interior da cultura nativa (mundo da vida), é força, é virtude, é liberdade. Na cultura do opressor é destruição e morte.

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Sagat & Grabauska (2001), organizando a ação e suscitando a transformação. Com

efeito, estes autores (2001, p.24-25) escrevem:

Na tentativa de organizar a ação e suscitar transformações em nossas práticas educacionais diárias, sugere-se uma investigação ativa emancipatória, que poderia ser uma maneira de relacionar a ciência social crítica com a investigação educativa. (...) para a conscientização de uma ciência educativa crítica é necessário que os educadores se convertam em investigadores de sua própria prática e de seus entendimentos. Esse processo de tornar-se investigador de sua própria prática não pode se dar [de modo] isolado ou desconectado da comunidade, pois essa investigação educacional deve ser uma investigação participativa para que a mudança seja possível em todas as instâncias da sociedade.

1.2 Teóricos da pesquisa:

Os autores que conversam com este trabalho são: Paulo Freire, Raul Ruiz de

Assua Altuna, André Lukamba e José Nunes. Para além desses, os considerados centrais

desta dissertação, outros autores africanos, pensadores políticos, pedagogos, filósofos,

antropólogos, sociólogos, estrategistas militares, economistas, cientistas, etc., marcam

esta reflexão, como enriquecedores, pensadores e/ou comentadores, que ajudam na sua

construção, enquanto tentativa de resposta ao problema aqui exposto.

Trago, portanto, Paulo Freire como o meu principal interlocutor, em suas obras

várias, desde aquelas que nos reportam ao seu itinerário vital até as que apresentam sua

proposta filosófico-pedagógica, adotada em vários países do mundo, sobretudo na

perspectiva de resgate onto-antropológico, sóciopolítico e cultural. Fundamentalmente,

as obras freirianas que farão parte deste processo são as seguintes: Educação como

Prática da Liberdade; Pedagogia do Oprimido; Conscientização – Teoria e Prática da

Libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire; Cartas à Guiné-Bissau; A

África Ensinando a Gente – Angola (com Guimarães), Alfabetização – Leitura do

Mundo Leitura da Palavra, À Sombra desta Mangueira e Que Fazer – Teoria e Prática

em Educação Popular (com Adriano Nogueira).

Dos angolanos e africanos ou europeus pesquisadores do mundo angolano, trago

á tona os seguintes autores: Raúl Ruiz de Assúa Altuna (pesquisador espanhol em

Angola) na obra, Cultura Tradicional Bantu; André Lukamba: A Evangelização como

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‘Encontro Vivo’ na Cultura Umbundu de Angola; Nova Etapa Missionária em África –

Redescobrir para Repropor; Didasko – Revista de Investigação Teológico-Cultural n˚

19 & 22; A Globalização e os Conflitos no Sul: O Caso Angolano; José Nunes:

Pequenas Comunidades Cristãs – O Ondjango e a Inculturação em África / Angola;

José Manuel Imbamba: Uma Nova Cultura para Mulheres e Homens Novos; Amílcar

Cabral: Nacionalismo e Cultura; Fátima Roque Moura: Construir o Futuro em Angola;

Construir a Paz em Angola – Uma Proposta Política e Econômica; Solival Menezes:

Mamma Angola – Sociedade e Economia de um País Nascente; Adriano Parreira:

Economia e Sociedade em Angola – Na Época da Rainha Jinga Século XVII; José

Paulino Cunha da Silva: As Resoluções das Nações Unidas sobre Angola; João

Fernandes & Zavoni Ntondo: Angola: Povos e Línguas; Ely Chinoy: Sociedade – Uma

introdução à Sociologia; etc.

Portanto, saliento que Freire vai dialogar com o ondjango angolano refletido por

vários autores que aparecerão no decurso do meu texto, tais como: Altuna, Nunes,

Lukamba. Ainda na memória do mundo da vida, trago Antônio Agostinho Neto,

primeiro presidente de Angola após a proclamação da República (1975), em sua obra

prima, “Sagrada Esperança”, e Jonas Malheiro Savimbi, seu acérrimo opositor, homem

da guerrilha que preferiu morrer, na frente de combate, a render-se. Estas duas figuras

constituíram figuras proeminentes, desde o início da luta armada pela libertação

nacional, e, mais que nunca, ainda hoje representam a semente lançada na terra, que

deveria produzir frutos na hora e tempo oportunos. E uma vez acolhidos pela mãe terra,

os angolanos começaram a sorrir pela paz duradoura alcançada. Afinal, era preciso que

os dois homens morressem (não importa a situação em que cada um morreu) para que

Angola voltasse a entoar os hinos da verdadeira libertação, projeto de uma terra

angolana nova, justa, próspera, solidária, onde seus filhos vivam no, do e em

“ondjango” permanente.

1.3 Destinatários da pesquisa:

O trabalho destina-se, propriamente, para o povo angolano, na sua diversidade

étnico-cultural. Daí a necessidade da simplicidade lingüística, clareza e precisão

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terminológica, equilibrando a rigorosidade científica e a necessidade de elucidar,

quando falamos do mundo freiriano, de que figura se trata. Alguns dados bibliográficos

de Freire serão, para o povo angolano, de grande importância.

Ainda se dirige para pesquisadores da realidade educacional africana, angolana /

benguelense e gandense, em particular; para professores de ensino de base, II e III

níveis, de ensino médio e para docentes e discentes da graduação, pós-graduação “lato e

strito sensu”: estudantes de especialização, mestrandos e doutorandos em educação da

UFPel, para os integrantes do “PROJETO PROAFRICA21” e angolanos, sobretudo os

21 Segundo o “Documento Único da Missão Exploratória” – O “PROJETO PROAFRICA”, que tem como coordenador, o Prof. Dr. G. Ghiggi (UFPel), é o projeto que visa estabelecer e firmar relações entre a Universidade Federal de Pelotas/Brasil e Universidade Agostinho Neto/Angola, com a finalidade de mapear, refletir e estabelecer políticas de ensino e pesquisa na área de Formação de Professores para a Educação Básica. Seu principal objetivo é o de possibilitar missões exploratórias no Brasil e em Angola para melhor conhecer as políticas educacionais e programas de formação de professores desenvolvidos nos últimos anos, em seus contextos sociais, políticos e culturais, a fim de potencializar formas de cooperação em programas de ensino e pesquisa direcionados à formação de professores da educação básica. Três, são, os objetivos secundários: a).- estabelecer e firmar relações de cooperação entre a Universidade Federal de Pelotas/Brasil e Universidade Agostinho Neto/Angola na área de Formação de Professores para a Educação Básica com a finalidade de mapear, refletir e estabelecer políticas comuns de ensino e pesquisa; b).- possibilitar missões exploratórias no Brasil e em Angola para melhor conhecer as políticas educacionais e programas de formação de professores desenvolvidos nos últimos anos, em seus contextos sociais, políticos e culturais e c).- potencializar formas de cooperação em programas de ensino e pesquisa direcionados à formação de professores da educação básica. Para atingir tais metas são propostas atividades que constituem o programa apresentado de missão exploratória, que envolvem ações preparatórias de planejamento e avaliação desenvolvidas pelas equipes locais, e ações previstas durante as missões nos dois países, envolvendo a organização de conferências, seminários, reuniões com professores e pesquisadores e visitas a escolas do ensino básico. Considerando a situação educacional dos dois países, especialmente os problemas da educação básica, a recente e urgente expansão das redes públicas de ensino, e a necessidade de programas de formação de professores, este projeto de missão exploratória mostra-se importante como possibilidade de cooperação e troca de experiências neste campo de trabalho. Como metas a serem atingidas temos a realização de seminários, conferências, reuniões com grupos de pesquisadores e visitas a escolas públicas em cada país. Para o cumprimento dessas metas estão previstas as atividades que envolvem ações preparatórias de planejamento e avaliação desenvolvidas pelas equipes locais, atividades a serem realizadas durantes as missões nos dois países, envolvendo a organização de conferências, seminários, reuniões com professores e pesquisadores e visitas a escolas do ensino básico. Entre as atividades planejadas temos: a) Encontros de Planejamento e Avaliação realizados nas instituições participantes a fim de preparar as respectivas missões, envolvendo tanto as atividades relativas à recepção da equipe estrangeira quanto às preparatórias da missão no exterior. Inclui atividades de planejamento, execução e avaliação das missões exploratórias, estudos, levantamento de dados, trocas de informações, planejamento, reuniões e visitas, assim como a avaliação e a elaboração dos relatórios parciais e finais; b) Conferência sobre Educação e Formação de Professores aberta a toda a comunidade, a ser realizada nas duas instituições, com a finalidade de proporcionar uma visão acerca da realidade educacional dos países envolvidos, considerando suas políticas educacionais, em especial aquelas voltadas para a formação de professores. Pretende conhecer os problemas comuns e levantar áreas e temas de interesse para possíveis atividades de colaboração mútua; c) Seminário sobre Formação de Professores em ambos os países, em âmbito institucional, visa proporcionar uma visão mais aprofundada da realidade educacional dos países envolvidos, em especial aquelas relacionadas com a experiência de cada instituição com a formação de professores. Pretende propiciar maior conhecimento acerca dos interesses e anseios de cada instituição e levantar possibilidades de ações conjuntas nessa área; d) Reuniões com os Grupos de Pesquisa das instituições com a finalidade de reunir pesquisadores e docentes

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da Universidade Agostinho Neto (UAN), nas suas diversas dependências em Angola,

Universidade Católica de Angola (UCAN); os Formadores de professores em Angola,

especialmente em Benguela; os Professores que compõem a Banca Examinadora; para

grupos de pesquisa “Filosofia, Educação e Práxis Social” (FEPráxiS), ao qual estou

vinculado como pesquisador, com o qual temos discutido e construído o conhecimento e

“Grupo de Ação e Pesquisa em Educação Popular” (GAPE). Estes dois grupos, GAPE

e FEPráxiS, fazem parte da mesma linha de pesquisa: Filosofia, Educação e Sociedade,

na PPGE/FaE/UFPel.

1.4 Instrumentos da pesquisa:

A minha investigação tem como instrumento básico a história da minha

experiência vital na realidade angolana, benguelense e gandense. Para tal, os dados

coletados da realidade geopolítica, socioeconômica, histórico-cultural e escolar

angolana, em geral, e gandense, em particular, a construção deste texto.

Tenho, em minha posse, ainda outros dados importantes a partir das aulas tidas

no PPGE/UFPel, em créditos curriculares, das discussões nos grupos de pesquisa e de

vários encontros de estudo e de orientação grupal; dos obtidos através da coleta

aleatória por entrevistas e captura de imagens (fotos), com a participação de um

professor da única escola de ensino médio, na Ganda, onde fui docente e co-fundador, e

de dados hauridos via bibliografia.

para desencadear processos de intercâmbio e socializar estudos e pesquisas em andamento, a fim de identificar as potencialidades para futuros projetos de pesquisa e programas de formação de professores; e) Visitas a Escolas da Rede de Ensino, organizadas pelas equipes locais, com a finalidade de proporcionar uma visão da realidade educacional em cada país, permitindo contato direto com alunos e professores da rede pública de ensino. O “Proafrica”, como resultados, espera que as metas pretendidas sejam atingidas plenamente, com a realização de todas as atividades propostas e que as missões resultem em ações concretas de cooperação, que poderão ser visualizadas através de projetos de pesquisa e/ou programas de formação de professores desenvolvidos conjuntamente. Os pesquisadores que integram as equipes envolvidas no projeto são; Do Brasil o Dr. Gomercindo Ghiggi, a Dra. Maria Cecília Lorea Leite, o Dr. Álvaro Luiz Moreira Hypolito e o Dr. Elomar Antônio Callegaro Tambara, todos da Universidade Federal de Pelotas (UFEPel) - de Angola, o Dr. José Octávio Serra Van-Dúnen, a MS Maria de Fátima República de Lima Viegas e o MS Davi Manuel Diogo Justino, todos da Universidade Agostinho Neto – UAN (Angola)

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Os dados que dependem da minha presença no local de pesquisa, isto é, Ganda,

Angola, para obtê-los, precisei fazer entrevista. A mesma, é vista por Richardson e

Colaboradores (1999, p.207), “como técnica importante que permite o desenvolvimento

de uma estreita relação entre as pessoas. É um modo de comunicação no qual

determinada informação é transmitida de uma pessoa (A) a uma pessoa (B)”. Neste

processo, o autor usa simbologia, como ilustramos abaixo (ibidem).

E R A primeira pessoa representa o emissor A segunda pessoa representa o transmissor O processo de comunicação pode ser unilateral, mas, frequentemente, é produzido por ambos os sentidos.

E R Existe, assim, a lateralidade da comunicação, que pode variar de uma comunicação plenamente bilateral a uma unilateral. Por definição, a entrevista é uma comunicação bilateral.

As “entrevistas” propostas foram as “estruturadas”, as “não estruturadas”. Para a

realidade da Ganda, em Angola, as entrevistas “estruturadas” e as “não estruturadas”

foram mediatizadas por duas pessoas que mais adiante apresentarei. Para a comunicação

(entrevista estruturada e semi-estruturada) mantida com uma pessoa em Espanha, não

precisei de mediação – pois o fiz pessoalmente através do uso das tecnologias de ponta.

Trata-se do meu contato com Geraldo (que será apresentado nos próximos momentos).

Deste modo, de duas em duas semanas eu viajava para Espanha ou ele Vinha a Pelotas,

através da cybernâutica (internet). Foram momentos emocionantes. Os mesmos

aconteceram durante quatro meses, isto é, de fevereiro até fins de maio. Para com

Angola as coisas eram mais complicadas, pois quando eles tinham à disposição os

computadores, não existia a rede de internet e quando esta existia não havia

computadores, ou mesmo havia momentos em que podiam enviar mais dados, não

tinham possibilidade de navegar nem de digitar.

No entender de Richardson (ibidem, p.208), “Entrevista estruturada” acontece

mediante as perguntas e respostas pré-formuladas, que habitualmente se chama de

questionário. Para Gil (2002, p.117), a mesma, com o nome de “totalmente

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estruturada”, desenvolve-se mediante a “relação fixa de perguntas”. Realmente, em

certo momento fui instigado a fazer este tipo de entrevista, enviei-a, por internet, para

angola; outras vezes utilizei os correios e mesmo com graves atrasos, foi possível sua

efetivação.

A parcialmente “estruturada” ou não estruturada, segundo Gil (2002, p.117),

acontece “quando é guiada por relação de pontos de interesse que o entrevistador vai

explorando ao longo de seu curso”.Para Espanha utilizei, para além da estruturada, esta,

quando muitas vezes estávamos conversando, durante 20 a 30 minutos, por skype ou

MSN. Para Richardson, (ibidem), a “não estruturada ou ‘entrevista em profundidade’

em vez de responder a perguntas, por meio de diversas alternativas pré-formuladas,

visa obter do entrevistado o que ele considera os aspectos mais relevantes de

determinado problema: as suas descrições, de uma situação em estudo”. Esta entrevista

procura, ainda, “saber que, como e por que algo o corre, em lugar de determinar a

freqüência de certas ocorrências, nas quais o pesquisador acredita” (ibidem). Trata-se

de uma, entrevista com questões aleatória.

Ainda para provar com dados imagéticos, uso imagens atualizadas, obtidas a

partir de dois jovens, Alberto Martins (Beto) e Sebastião (Sebas), envolvidos neste

projeto de pesquisa, a partir da Ganda. Um deles é professor e o outro jovem

enfermeiro, envolvido em projeto sobre a conscientização ao combate contra a Aids.

Envolveu-se absolutamente, nesta pesquisa, a Secretaria da Administração Municipal da

Ganda, com o envio de dados da situação socioeconômica e política da Ganda e a

Secção Municipal da Educação, com o envio de dados atualizados da situação geral e

local da educação. Temos resultados da pesquisa feita com alunos, professores e

políticos que, de certo modo, são ex-alunos das primeiras turmas do ensino médio

(PUNIV) da Ganda. Saliento ainda que previa fazer a pesquisa com 40 agentes, 10 de

cada grupo. Mas tive 21 dos alunos, 9 professores e 2 políticos, totalizando 32 agentes.

É de salientar que, para além dos dois que viabilizaram toda a coleta, inseriu-se, neste

processo, Paulino Koteka, presbítero com a busca e o envio por correios, de dados,

livros, fitas de áudeo e vídeo, etc. Finalmente, o Geraldo, Amândio Ngunga, que

dialogou longamente comigo e respondeu também a um questionário, que se encontra

dentro do texto e nos anexos.

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Portanto, são fundamentalmente seis os instrumentos e recursos desta pesquisa:

1º, o uso da historiografia e de dados sóciopolíticos e culturais do meu mundo da e/ou

de vida, africano, angolano, benguelense e gandense; 2º, os que se prendem com a

minha subjetividade (trajetória vital, experiência “in loco”, durante a iniciação

sociocultural); 3º, os relacionados com a intersubjetividade, isto é, minha relação no

processo cultural, de iniciação, ondjangiano onde o eu se sincroniza com o tu, com

outras pessoas do grupo e mestres, experiência de docência na Ganda, construção do

trabalho a partir das discussões nos grupos de pesquisa, FEPráxiS e GAPE, aulas,

seminários, congressos, encontros de orientação, encontros de debates dos trabalhos no

grupo e com o grupo, etc.; 4º, as entrevistas (sobre a realidade ondjangiana e suas

implicações na vida comunitária), aleatórias e parcialmente estruturadas, realizadas com

um filho oriundo natural e culturalmente da Ganda e com alguns dos meus ex-alunos

das turmas pioneiras do ensino médio na Ganda – PUNIV (Pré-Universitário), através

dos correios, internet, MSN messenger e telefone; 5º, os bibliográficos; e 6º, o uso das

imagens fotográficas para enriquecer e elucidar pontos da realidade angolana, cultural e

escolar gandense e benguelense. Muitas dessas fotos são bem atualizadas, pois são uma

reportagem de dezembro de 2005, tiradas só para responder ao projeto dessa dissertação

de mestrado.

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2 O MUNDO DA E/OU DE VIDA: MEMORIAL HISTÓRICO E

EXPERIÊNCIA VITAL.

A proposta básica desta temática consiste em “fotografar” a situação geopolítica

e socioeconômica da realidade angolana, visando ilustrar recortes da história do país e

sua economia, a partir da diversidade de seus recursos e de sua política vigente.

Com os dados quero mostrar como num país, rico em recursos, se viva

miseravelmente, e como situação esta, que acaba redundando em uma guerra sem

precedentes. Manifestamente, se chama de guerra civil, mas, na verdade, é uma guerra

internacional, na medida em que nela está em jogo a riqueza desta linda e amada terra

angolana. Interessa-nos, aqui, ver as causas do conflito Angolano.

Apoiados na idéia de que Angola é um país potencialmente rico em seus

recursos, mas vivendo na miséria total, veremos que tal situação deve-se, em grande

medida, na assunção da cultura do “amém”, fruto da cultura do silêncio ou na ausência

da escolarização de seus filhos e filhas. Até 2002, contava com 58,3% de analfabetos, o

que constituía a maioria da população ativa. Esta, no processo angolano, não passava de

objeto ou de tele-espectador, enquanto os países super potentes os hiper-desenvolvidos

apostavam na tática histórica da exploração ininterruptamente desses recursos,

desfrutando dos frutos e/ou de seus rendimentos e deixando o povo local de mãos

vazias, isto é, na miséria total.

Angola e seus filhos vivem como se fossem cúmplices desta situação

catastrófica. Mas, nossa limitação, na leitura escolarizada da palavra, e,

consequentemente, a leitura da história, permitiu que ficássemos com os restos,

pessimamente distribuídos. Faltou o que Freire denominou de educação “dialógica”,

“consciente” e vital, como “prática da liberdade” e construtora da cidadania.

Page 42: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

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Creio que este tema aproveitará a muitos que, ignorando a realidade angolana,

ou mergulhando na mesma cegamente, não conseguem enxergar e reconhecer o

potencial de um país, rico nos seus recursos naturais do solo e subsolo. Reconhecido

isso como nossa riqueza, pode ajudar para ressuscitar e reerguer um país da miséria total

para uma vida nova, em condições de paz.

Angola vive, sim, numa pobreza imposta pelos países que, utilizando-se da

tecnologia de ponta e da mão-de-obra especializada estrangeira, fazem de seus filhos

(as) mendigos e escravos na terra que se apresenta como independente, perpetuando esta

pobreza. Deste modo, para os angolanos, nada mais sobra, senão a morte diária e

permanente, as doenças endêmicas e de contágio rápido, as doenças bacterianas e virais

e, até, com possibilidades de doenças laboratoriais, para a diminuição e/ou extinção de

povos subdesenvolvidos. Afinal, estou querendo responder à pergunta: “de onde vim?”

Trata-se de pensar no mundo da vida do pesquisador, que é, por sinal, meu mundo da

e/ou de vida 22.

2. 1 Angola, a terra cobiçada.

Angola23 é um país rico e abençoado. Conforme se delineia na figura 1, este país

localiza-se na costa ocidental do continente africano (ROQUE, 2000) ao Sul do Equador

e ao Norte do Trópico de Capricórnio, sendo limitado, ao Norte, pela República Popular

do Congo, ao Nordeste, pela República Democrática do Congo (Ex-Zaire), ao Este, pela

Zâmbia, ao Sul, pela Namíbia e ao Oeste, pelo Oceano Atlântico (veja, Fig. 7 e 8 dos

anexos). Na costa, isto é, a Norte do rio Zaire, localiza-se o enclave de Cabinda, que

integra o território angolano (caso polêmico até hoje).

22 Quando falo do mundo da vida refiro-me ao conceito pensado por Husserl que é o da realidade vital, geo-histórica, sociopolítica, econômica, cultural, espiritual, etc. do pesquisador. Considero-o, ainda, como mundo de vida, a medida que nele a vida é tida como fundamento e ápice da existencialidade. A vida, nesse mundo constitui o valor primordial. E tudo se explica a partir da vida. 23 De 1975 – 1991, Angola se chamou Republica Popular de Angola (RPA). Este país só toma a denominação de Republica de Angola (RA), a partir de 1992, com as primeiras eleições democráticas, que se seguiram à maior carnificina de todos os tempos no país, quando uma voz se faz sentir: “Irmãos, por que nos matamos?” (CEAST, 1993, p.311).

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A capital de Angola é Luanda. Administrativamente, o país divide-se em 18

províncias (conferir a figura 124 que representa o mapa de Angola, cujas capitais estão

marcadas a vermelho). A superfície do território é de 1.246.700 km2, tendo como

extensão da costa marítima 1.650 km do Oceano Atlântico e a fronteira terrestre de

4.837 km (PETERSON, 1983, p.6).

Segundo Muaca (2001, p.22), “Angola nunca teve, desde o princípio da colonização portuguesa a extensão atual”. Continuando, diz ele, “quando chegaram os primeiros portugueses, a palavra (Ngola) abrangia apenas as atuais províncias de Luanda, Bengo, Kuanza-Norte e Malange” (ibidem). No decurso das conquistas, novas áreas se foram anexando, e a expressão Angola foi incorporando outras áreas, aumentando assim, sua extensão e sentido.

O crescimento econômico de um país é regido, como diz Holanda (2003, p.23-24), pelos fatores de produção e pelo sistema econômico. Neste sentido,

a base de qualquer economia é um estoque de fatores de produção, ou seja, um conjunto de recursos que podem ser utilizados para produzir bens e serviços que satisfazem necessidades humanas. Esse estoque define o potencial produtivo da economia. [Assim podemos considerar como] (grifo meu) fatores de produção os seguintes: a) recursos naturais: todos os bens econômicos, usados na produção, que são obtidos diretamente da natureza (terra, água, minérios); b) trabalho: toda atividade humana que corresponde a aptidão física, habilidade intelectual ou capacidade empresarial (sendo que estas duas últimas competências podem ser consideradas fatores específicos de produção, sob a forma de tecnologia e iniciativa empresarial; c) capital: todos os bens materiais, produzidos pelo homem, que foram acumulados e agora são utilizados na produção de outros bens. [Os fatores que acabamos de apresentar] (grifo meu), definem apenas um potencial de produção. Para que esse potencial se transforme em produção efetiva é preciso que os fatores sejam combinados com de forma adequada, utilizando-se uma determinada tecnologia e tendo como quadro de referência uma organização econômica ou um conjunto de instituições a que chamamos de sistema econômico. Os elementos básicos de qualquer sistema econômico são: a) estoque de fatores: terra, trabalho (inclusive conhecimento ou tecnologia e habilidades empresariais) e capital; b) agentes econômicos: tomam as decisões relacionadas com os diferentes aspectos das atividades econômicas, dentre os quais podemos destacar: os consumidores - (ou as famílias) que, numa economia de mercado, determinam, em última analise, o que vai ser produzido; os agentes produtivos (o empresário privado ou estatal) que combinam os fatores disponíveis, de diferentes formas, para realizar a produção; o governo, que pode atuar na área produtiva, mas cuja obrigação precípua é criar as condições institucionais, estruturais e ambientais para que a

24 A figura n. 1 traz os nomes das capitais das províncias pintadas em azul para se salientarem do resto das localidades, rios, etc. E a Capital do país apresentado com a cor vermelha. O castanho representa as principais cidades de Angola.

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economia funcione com eficiência e estabilidade e para que os frutos do esforço produtivo sejam distribuídos com o mínimo de eqüidade, e c) empresas: as organizações administrativas ou unidades produtivas através das quais essas tarefas são executadas (ibidem).

Neste sentido, os recursos humanos constituem o fator importante no

crescimento de um país. Para o efeito, nos anos de 1943-1992 Angola apresenta alguns números dos recursos humanos, apesar de serem inativos, na sua maioria, ou explorados, feitos de mão-de-obra barata. A análise feita por Menezes (2000, p.97), oferece-nos os seguintes dados:

Em 1943 se realizou o primeiro recenseamento oficial, passando assim a se estudar os recursos humanos. Assim, Angola, em 1943, contava com 3.738.000 habitantes, sendo: 98%, isto é, 3.666.000 africanos, 1%, 44.000 europeus; 28.000 mestiços. Em 1978 o número de habitantes tinha saltado oficialmente para 6.769.000 habitantes com o crescimento médio anual de 1,71%. Em 1980, cinco anos após a proclamação da independência, o crescimento médio era de 2,44%, atingindo a 7.078.000 habitantes. Em 1992 com o crescimento médio de 2,9% ao ano, o número de habitantes estimava em 10.609.000 habitantes; [isto sem contabilizar a maioria esmagadora que andava perdida nas matas, por causa da guerra de guerrilha, sem norte nem sul, em demanda da liberdade] (grifo meu).

Quanto à composição racial, dados oficiais indicam quase redução absoluta do

número de brancos em Angola, na pós-independência. Deste modo, em 1980,

contavam-se 0,8%, isto é, 60.000 habitantes brancos. Segundo Menezes, chegados no

auge da colonização, contavam-se 5%, isto é, 280.000 habitantes de brancos, o que na

véspera da independência totalizava 340.000 brancos de 7.000.000 de habitantes.

Porém, ainda se contava com 3% de mestiços, distribuídos em diversas regiões

do país, com maior concentração na capital do país, Luanda, e na província de

Benguela. Os dados estatísticos atuais falam por si: Em Angola, são alfabetizados (veja

figura n. 17 dos anexos), 41,7%, sendo que os analfabetos constituem a maioria da

população angolana. Quer dizer que o número dos analbabetos é de 58,3%. Assim, dos

100% da população angolana: 82,5% vivem 100% na pobreza (miséria); 17,5% vivem

100% na opulência 25. Segundo a análise estatística apresentada na Enciclopédia

Seleções (2004, p.287),

Angola é atualmente habitada por 12.479.000; Sua densidade populacional é de 10 hab. por km2. O crescimento demográfico é de 3,2% e, até ao momento, a expectativa de vida é de 45 (h) e 48

25 Em termos genéricos, os dados apresentados foram retirados da Enciclopédia Seleções (2004, p.287) e calculados por mim, enquanto pesquisador.

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(m). O índice de alfabetização é de 41,7% e o de analfabetismo é de 58,3%. A moeda nacional é o Novo Kwanza, Correspondência ao USD, do seguinte modo: US$ 1 = 18,24 Novos Kwanzas. O PIB do país, em milhões de dólares é, de 4.776. A renda per capita em dólares é de US$. 395.00

A análise feita por Roque (2000, p.182) sobre esta terra cobiçada por todos,

sobretudo pelos países mais ricos do mundo, é a de considerar Angola como país

potencialmente rico, tanto em solo e subsolo quanto em recursos hídricos.

Como solo, sua terra arável é abundante e a diversidade de climas permite a

variedade de culturas em regiões tropicais e temperadas, incluindo café, algodão, cana-

de-açúcar, sisal, palmeiras, milho, frutas tropicais, soja, banana, girassol, arroz, feijão,

mandioca, tabaco, cítricos, hortaliças, etc.

Os recursos florestais constituem uma riqueza de grande valia para o país. Entre

tantos, salientamos: a floresta de Maiombe (Cabinda) e os Dembos (Cwanza Norte).

A fauna angolana é rica e variada (Menezes, 2000, p.96). Nela encontramos

entre vários animais, tais como, elefantes, hipopótamos, rinocerontes, crocodilos,

zebras, girafas, palanca negra, marca típica do cartão postal de Angola, répteis, tais

como a jibóia e diferentes espécies de macacos e gorilas, em áreas próximas da capital

do país – Luanda.

A rede hídrica de Angola é potente e é reconhecida mundialmente, até porque o

registro da história o demonstra quando ilustra este país como a quarta potência mundial

em recursos hídricos. A propósito, um dos grandes pensadores do Sul do país, Francisco

Viti 26, por ocasião das bodas de diamante de Alexandre Cardeal do Nascimento, em seu

discurso, dizia: ‘’A pátria angolana é abençoada como solo e subsolo, na riqueza

singular de sua costa marítima e no seu posto de 4ª potencial hídrico a nível mundial’’

(VITI, 2000, p.26).

Deste modo, o nosso mar é rico em peixe, moluscos e crustáceos, tais como:

cavala, atum, sardinhas, mariscos, etc. Neste sentido, temos inúmeros portos que

favorecem a prática pesqueira de grande porte e viagens comerciais nacionais e

internacionais, tais como Luanda, Lobito e Namibe.

Os rios transportam seu caudal para o Atlântico. Entre os principais rios

podemos enumerar o Zaire, o Cwanza, o Bengo, o Cunene, o Cubango, o Cuando, o 26 Arcebispo Emérito do Huambo – Centro-Sul de Angola, hoje residente na Itália.

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Catumbela e outros mais. Os rios formam, às vezes, imponentes quedas de águas,

formando cachoeiras ou mesmo cascatas, tais como as de Calandula (Malange, ex-

Duque de Bragança), no rio Lucala e as do Monte Negro e Ruacaná, no rio Cunene

(ROQUE, 2000, p.181).

Sendo as características do relevo territorial, os rios formam, às vezes,

imponentes quedas de águas, formando assim cachoeiras ou mesmo cascatas, tais como

as de Calandula (Malange, ex-Duque de Bragança), no rio Lucala e as do Monte Negro

e Ruacaná, no rio Cunene (ROQUE, 2000, p.181).

Como resultado dos recursos hídricos, temos, segundo Moura, algumas

barragens (usinas hidrelétricas) de capital importância. Nesta ótica, Moura diz o

seguinte: “As barragens mais importantes são: a das Mabubas (no rio Dande), a do

Biópio e Lomaum (no rio Catumbela), a de Cambambe (no rio Cwanza) e a do Gove

(no rio Cunene)”. (Ibidem, p.181).

Para o transporte, possuímos, no país, as linhas rodoviárias que se encontram em

péssimas condições de conservação, por causa das guerras de longos anos. As

ferroviárias, com cerca de 2.750 km de rede, que fazem suas linhas de Luanda à

Malange (538 km), Benguela – Porto Comercial do Lobito à fronteira do ex-Zaire onde

liga com a rede da Zâmbia (1.305 km), de Namibe – Porto de Namibe à Província de

Cuando Cubango (Menongue) – Província do Lubango (900 km). As linhas aéreas, com

a companhia angolana super-operacional, a TAAG (Transportadora Aérea de Angola ou

Linhas Aéreas de Angola) fazem as ligações nacionais (interprovinciais e

intermunicipais) e as internacionais (estrangeiras). Assim, do Aeroporto 4 de Fevereiro,

da capital do país, Luanda, temos, como afirma Moura, outros serviços de companhias

aéreas internacionais, tais como: TAP, AIR FRANCE, SAA e AEROFLOT.

No tocante às tele-comunicações, Angola tem a TELECOM, empresa estatal que

cobre os serviços internos (nacionais) e externos (internacionais). Por causa da

incipiência nos serviços, a empresa nacional das telecomunicações precisa dar mais

passos e melhorar sua operacionalidade.

O subsolo angolano compara-se a uma mãe gestante, de um filho ou filha de

beleza imensurável. O mesmo protege os recursos minerais de uma importância capital.

E, segundo uma pesquisa na internet27, estes recursos localizam-se em vários pontos do

27 <http://www.ccia.ebonet.net/economia_recursosnaturaishtml>, acesso em 17.11.2004.

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país. Assim, pela ordem de importância, podemos classificá-los e localizá-los da

seguinte maneira: petróleo (Cabinda, Soyo, Quiçama e vários pontos da costa marítima

e não só); diamantes (Lundas, Malange, e em outros pontos do país); ferro (Cassinga,

Jamba, Ndalatando, Cazombo, Tchitato); magnésio (Ndalatando e Balombo); volfrâmio

e estanho (Ukuma e Cazombo); urânio (Caxito, Lufico e Lucala); fosfato (Quelo) e

enxofre (Benguela e Caxito).

A atividade econômica de Angola é formada pela indústria extrativa, serviços,

pesca, agricultura (muito embora ainda rudimentar e precária), pecuária, silvicultura e

indústria transformadora (grandemente destruída e arrasada nas suas infra-estruturas).

As exportações, na ordem de importância, encaminham-se deste modo: petróleo,

diamantes e pescado.

Enquanto território, Angola foi habitada desde a idade da pedra, acolhendo

sempre migrações de povos evoluídos, provindos de áreas nórdicas da África

(Camarões, provavelmente), os Bantu28, na idade de ferro. É de salientar que Angola foi

palco de vários movimentos estranhos. E, segundo o extrato de Internet (ibidem),

percebem-se os movimentos estranhos em Angola, com a seguinte abordagem:

A migração ocorreu ao longo de muitos séculos e deu origem às diferentes etnias. No séc. X começa a formação de reinos, que só se consolida no séc. XIX. Em 1482 (séc. XV) chegam as caravelas portuguesas comandadas por Diogo Cão. Os portugueses, já no séc. XVI, descendo o litoral para o sul e subindo para o planalto do rio Kwanza chegaram ao Reino Ngola (Reino de Dongo), a que [com a dificuldade de se pronunciar a palavra Ngola, eles preferiram batizá-lo com o nome de fácil pronúncia, acrescentando o prefixo A – Ngola, sendo assim chamado desde então, por] Angola. No séc. XVII, os interesses portugueses se concentraram nas potencialidades mineiras do Reino de Dongo, dando as grandes campanhas militares, visando a conquista das terras do interior. A partir desta época, o comércio de escravos passou sendo o grande negócio, interessando a portugueses e africanos. Alguns Reinos mantiveram sua independência até o séc. XIX. Em 1869, após a abolição da escravidão, os territórios sob domínio Português, Angola (Norte) e Benguela (Sul) são unificados, com estatuto de Província (portuguesa), [assumindo, na sua totalidade o nome de Província de Angola].

28 Os Bantu são comunidades culturais com civilização comum. São povos de raça negra que conservam uma identidade e unidade. Sobre este assunto, consultar o 3º Capítulo desta dissertação que trata do mundo cultural, a partir do conceito de cultura confrontado com a experiência cultural Bantu.

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Conforme podemos constatar, Angola, como país, vem sendo cobiçada há

bastante tempo. Constituiu palco de grandes tensões, desde os tempos remotos.

Entretanto, a história, “mestra da vida”, torna agudas tais tensões, revertendo-as, ao que

podemos chamar de barril de pólvora, pelas seguintes razoes: a) surgimento de

movimentos nacionalistas; b) início da luta armada, a 4 de Fevereiro de 1975 (tragédia

histórica que redunda em mortes, exílios que demandam segurança em Portugal, Brasil,

etc.; c) proclamação da independência nacional, a 11 de Novembro de 1975 mal

efetuada e gerenciada; d) início da famosa guerra fria e civil, alimentada, de um lado

pelos russos, com assessoria técnica, formação política e ideológica, fornecimento do

material letal - armas, minas anti-pessoal e anti-tanque semeadas (conforme se

referencia na figura 15 – em anexos, isto é, as minas semeadas no solo angolanas),

aviões de guerra e de desembarque militar alimentada, também, pelos cubanos, com

80.000 29 soldados de infantaria regular e motorizada e, mais tarde, pelo Brasil, com o

fornecimento de aviões de guerra produzidos pela EMBRAER e outro material letal não

identificado, do lado do MPLA - PT, e do outro lado, pela África do Sul com os

soldados bem treinados para matar, os Búfalos, exército regular especializado e material

letal, alimentada, enfim, pelos Estados Unidos da América, com técnica bélica

sofisticada, equipamento de telecomunicações, mísseis antiaéreos de longo alcance e

pela China com as técnicas e táticas militares, do lado da UNITA. A guerra perpetrada a

partir deste arsenal bélico, projetado e utilizado por ambos os beligerantes, resultou

numa catástrofe inaudita.

Segundo a pesquisa, feita por Picolli30 (In MAIA, 2002, p.14-20), “as

conseqüências humanitárias de quatro décadas de luta [armada em Angola], atingiram o

que de pior se possa imaginar”. Para tal, este autor (ibidem), à guisa de balanço,

oferece-nos os seguintes dados:

29 Não se tem determinado o número exato de quantos teriam sido verdadeiramente os efetivos cubanos em Angola. Há quem apresente o número de 50.000. Por exemplo o próprio Silva (2002, p.36), quando citando Collelo (1989, p.45), diz que Cuba tinha aumentado a disposição dos seus soldados de modo que, em finais de 1980, o número de suas tropas atingira 50.000. 30 Pícolli é brasileiro, filósofo e teólogo do Rio Grande do Sul, que na sua estadia em Angola como missionário dos Pobres Servos da Divina Providência, realizou uma pesquisa sobre as conseqüências humanitárias dos 40 anos de guerra a mão armada em Angola. Assim, no ano de 2002, no Fórum Social Mundial (FSM) realizado em Porto Alegre – RS / Brasil trabalhou num dos Painéis a temática denominada: África – A proteção da vida é um grande desafio.

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50.000 a 70.000 pessoas foram deslocadas para as cidades metropolitanas; 101.000 pessoas foram registradas como novos deslocados entre janeiro e Abril de 2001; 70.000 a 90.000 mutilados vítimas diretas das minas terrestres; 20 milhões ou mais de minas foram semeadas em solo angolano, o que significa que por doze ou mais milhões de habitantes [possíveis contabilizados em Angola], existem duas minas para cada angolano acionar e perecer ingloriamente. A taxa de mortalidade é de quase 30% entre crianças com menos de cinco anos de idade. Dados do FMI ilustram que o governo angolano gastou 41% do orçamento de 1999 na defesa e ordem pública; 4,8%, para a educação; 2,8%,para a saúde e 3,4%, para o MINARS, salários e custos administrativos. Daí, 2/3 da população angolana vive com menos de (1) um dólar Norte Americano por dia; 82,5% da população encontra-se em pobreza total e/ou relativa enquanto 17,5% vive incrivelmente melhor, porque vive à custa da maioria esmagadora; A taxa de mortalidade infantil atinge 320 crianças em cada 1000 nascimentos; cerca de 200.000 pessoas são portadoras de deficiência física causada pelas minas e ações militares; 4 ou mais milhões de pessoas encontram-se em condições de deslocados internos. Em todo o país, durante o tempo correspondente a quatro décadas de guerra (1960 - 2002), só 35% da população teve acesso à água potável.

Diante deste quadro sócio-político e econômico, o que se poderia esperar? Ante

estas vicissitudes, não menos alarmantes, podemos inferir que os países mais ricos ou os

hiper-desenvolvidos, pelo princípio de falsa solidariedade, foram intervindo no conflito

angolano, para exploração, apoderamento, uso e usufruto dos recursos de Angola.

Assim, os países da Europa e os Estados Unidos da América exploraram e

continuam explorando, o máximo que podem, dos nossos recursos e deles desfrutam,

enquanto os nacionais, os que pensam ser ‘experts’, recebem, de ‘mão beijada’, os

restos que caem das mesas dos estrangeiros.

Neste sentido, até o Brasil, país irmão na dor, entrou na mesma correnteza,

dançando a mesma música a partir da política eleitoral de Collor de Melo que, em 1992,

quando os angolanos, pela primeira vez, no decurso de sua história, se ensaiavam para o

exercício do direito à liberdade e cidadania, eles favoreceram a que Angola continuasse

vivendo em escravidão, miséria e guerra, patrocinando uma política sem transparência,

durante as eleições. . Sobre este processo eleitoral, Menezes31 (2000, p.359) diz o

seguinte:

31 Solival Silva Menezes, é brasileiro, paulistano, é graduado em Economia (USP), Administração (FGV) e Direito (USP/Largo São Francisco); é mestre em Economia (USP), Finanças (FGV) e Controladoria (USP); é doutor em Economia (FEA/USP) e professor da USP de Economia, como professor , Finanças, Custos e Marketing. Como professor de Economia na USP, residiu em Angola, integrando a equipe de

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Quanto à campanha eleitoral, durante sua realização foi possível notar um agudo oportunismo do partido do governo que se aproveitou das vantagens de estar no poder e de comandar a máquina pública. Um fato relevante foi a visita que o então Presidente brasileiro Fernando Collor de Mello, fez a Angola, em 1991, fazendo com que a mesma empresa brasileira que lhe fez propaganda política, na campanha presidencial de 1989, no Brasil, fosse também a responsável pela elaboração da campanha do candidato oficial angolano. Essa empresa ajudou a desenvolver os recursos técnicos da televisão local, inclusive treinando profissionais da imprensa e operadores e formatando os programas e telejornais. Todavia, foi também responsável por uma campanha bastante similar à do próprio ex-presidente brasileiro, em 1989, utilizando-se amplamente de montagens de vídeo que punham o principal candidato da oposição em situações ridículas ou proferindo frases ofensivas aos eleitores do MPLA.

E, para corroborar com as idéias críticas de Menezes, Picolli (ibidem, p.20) vai mais a

fundo e, sem rodeios, coloca a verdade em pratos limpos. Pondo o governo angolano em

movimento, o filósofo e teólogo brasileiro diz:

O governo angolano veio ao Brasil e levou para Angola toda a equipe que fez a campanha política de Collor. [Estes], fizeram toda a campanha política do governo [angolano] no poder (desde a Proclamação da República); e este venceu as eleições (que acabaram sendo consideradas injustas e fraudulentas pelo partido majoritário na oposição, a UNITA; fazendo mergulhar o país em outra guerra muito mais sangrenta). (...) O Brasil mandou [para Angola] 300 containeres com material eleitoral para as eleições de 92. Atualmente, Brasil, está investindo [bastante em Angola]; existe investimento e muita invasão (...), principalmente na área de exploração de mineradoras. A OLDEBRECH, a famosa [...] meio falida [aqui no Brasil], está em Angola e tem 3.000 brasileiros, é a maior empresa exploradora industrial de diamantes [existente em] África, uma das maiores depois de outras empresas sul africanas.

Os países estrangeiros, conforme o salientei (Estados Unidos, França e outros

tantos), exploram o petróleo de Cabinda Golf, de Soyo em Mbanza Congo, etc. E os

consultores e docentes que cooperou com a transição de Angola para a economia de mercado., programa de cooperação patrocinado pelo Banco Mundial. Menezes fez observações empíricas em Angola durante o processo eleitoral enquanto permanecia neste país (1991-1992), residindo em um dos melhores hotéis de Angola. Conviveu com as autoridades do governo nesta altura, membros da burocracia estatal, membros da situação e da oposição; conheceu pessoalmente os candidatos à Presidência da República (do MPLA, da UNITA, da FNLA, etc.), diplomatas, membros das missões do BIRD, da ONU e do FMI, cooperantes soviéticos, brasileiros e europeus, dirigentes de fundações estrangeiras, publicitários e pesquisadores brasileiros, empresários angolanos, americanos e de diversas origens. Conviveu com colegas docentes e discentes da UAN. Estes dados provam a seriedades dos dados que este autor nos oferece.

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angolanos? Aqui se situa o mistério dos recursos de Angola gerenciados e desfrutados

por outros e não pelos filhos. A que se deve esta passividade dos angolanos senão à

cumplicidade de sua elite? Não se deve, também, à liberdade do povo ainda vedada por

causa da democracia que ainda engatinha em Angola?

Já Salazar, falando sobre os povos das colônias ultramarinas, aquando do envio

das forças colonizadoras, apoiava a ignorância dos povos autóctones, os encontrados e

seus países e os relegava à humildade e obediência cega, isto é, à escravidão

permanente. Em suas próprias palavras ele dizia: “Não dar ao povo indígena mais do

que a 4ª classe (série), para que permaneça sempre humilde e obediente” (KAVAYA,

2000, f.2) 32.

Na mesma ótica, em 1933, a Lei Salazarista, no seu artigo II, citado por Bender e

seriamente refletido por Silva, salientava que, a grande pretensão de Portugal sobre o

domínio das áreas ultramarinas não consistia em propor algo novo, e sim perpetuar a

cegueira intelectual destes povos, de modo a mergulhar na profunda e permanente

submissão, escravidão, humilhação e simplicidade ignorante (burrice); acima de tudo,

para que permanecessem oprimidas. Assim, claramente, o artigo acima citado,

salientava que a essência orgânica da nação portuguesa era a de desempenhar a função

de possuir e colonizar os domínios ultramarinos e civilizar as populações indígenas.

Neste contexto, esta lei descrevia o seguinte: “É da essência orgânica da Nação

Portuguesa desempenhar a função de possuir e colonizar domínios ultramarinos e

civilizar as populações indígenas” (BENDER, 1976, p.145; apud, Silva, 2002, p.24).

Podemos considerar Angola como um país cujo povo foi treinado para a

ignorância e, conseqüentemente, para a opressão e escravidão. Uma nação de ignorantes

é uma terra de cegos. Poucos opulentos acabam vivendo à custa da maioria miserável.

Entretanto, os dados sobre a educação em Angola nos fazem refletir, seriamente, que a

ausência de uma educação dialógica, consciente e reflexiva, a partir da realidade vital

do educando, tem transformado o cotidiano angolano em submissão (obediência cega),

silêncio e miséria totais.

Neste sentido todos os angolanos, a partir das autoridades, civis, políticas,

acadêmicas, militares, eclesiásticas, familiares, institucionais como OGS e ONGS,

32 Trata-se de um tema por mim exposto nas oficinas alusivas à celebração do aniversário da fundação da cidade da Ganda, realizadas no município com o mesmo nome, província de Benguela – Angola, em 24/06/2002.

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sekulus e sobas (mais velhos – autoridade tradicional), têm-se nutrido desta virose, esta

patologia que nunca se alegra, se não vislumbrar o próprio irmão sofrendo subjugação,

o que conflui no famoso conflito angolano, na nossa casa comum 33.

2.2 O registro de nossa casa comum.

Queremos abordar a vida e história do pesquisador nesta casa que quer ser

comum, apesar de várias dificuldades. Os aspetos trabalhados são: a casa comum

enquanto espaço vital, a iniciação para a vida sócio-comunitária, o resgate da vida

sombria e a experiência no “mundo divinizado”.

2.2.1 Casa comum: iniciação para a vida sócio-comunitária

A casa é o espaço geográfico onde o humano começa a reconhecer o seu ser no

mundo. Abraça a natureza e se sintoniza com a realidade visível. É o primeiro mundo

mais imediato do ser humano. É o lugar de abrigo, de segurança e de descanso. É a área

onde podem acontecer as relações sadias, dialógicas e humanas e é o espaço onde o

“eu” se sincroniza com o “tu”, perpetuando esta relação que se converte em “nós”. Por

isso é que Freire (2004b, p.24), referindo-se à mesma, enquanto território de segurança

e humanidade, diz:

A segurança me voltou na medida em que necessito dela [da casa 34], procurava encontrá-la não em si mesma, mas nas relações entre mamãe e papai. (...) De manhã, quando me levantei, percebi contente

33 Com a expressão “nossa casa comum”, mostro, aqui, a realidade do meu mundo de vida, isto é, aquela realidade que me acolheu no mundo dos vivos e ofereceu-me os fundamentos de um povo com as nuances próprias. Este conceito é de uma riqueza peculiar: casa comum é o ventre materno, é a terra que nos acolhe, é a nossa família reunida em uma residência/habitação com todas as condições para manter vivas as relações familiares; é o ondjango, enquanto espaço vital de diálogo, é a tribo, é uma realidade cultural; nossa casa comum é um espaço vital que nos identifica como um povo com dignidade, autonomia e cidadania; nossa casa comum é um espaço que nos distingue do resto dos povos, tribos e nações. Assim, o umbundu, enquanto tribo, povos e língua é nossa casa comum; Ganda é nossa casa comum; Benguela é nossa casa comum; Luanda é nossa casa comum; Angola é nossa casa comum; ondjango é nossa casa comum; África é nossa casa comum. Quando falo em nossa casa comum, quero exatamente referir-me à nossa realidade sócio-histórica e cultural, onde se partilha a vida e o modo de viver. Onde todos os seus habitantes pertencem à mesma raiz genealógica. Têm o mesmo ancestral. Nossa casa comum, neste sentido, é a nossa aldeia, feita de família consangüínea ou nuclear e extensa ou alargada. Aí, juntos partilhamos as alegrias e tristezas de nossa realidade geo-histórico cultural e sóciopolitica etc. 34 Esta referência, e outras que aparecerem nestes moldes em todo o trabalho, mostram que o (s) dado (s) ilustrado (s) entre colchetes [ ], corresponde (m) a uma adenda minha e de minha inteira responsabilidade. Isto acontecerá em vários momentos dentro de citações completas ou fora das mesmas.

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que minha segurança estava na maneira como meus pais se falavam e me falavam.

A casa, enquanto residência comporta um quintal, com flores que simbolizam a

vida e com árvores de sombra que permitem o repouso, lazer de seus habitantes e

visitantes e lugar onde a conversa se torna uma realidade, com estórias, partilha da

cultura e aprendizagem da sabedoria vital, isto é, leitura da realidade circundante do

passado, presente e previsão do futuro, através da oralidade.

Esta casa, nosso espaço vital, localizada num quintal, com flores, árvores, e em

um espaço geográfico, oferece-me a qualidade de ser cidadão de uma nação, de uma

província, município, comuna e aldeia (bairro). Só a partir daí me posso identificar

como cidadão do universo, com horizonte aberto. Daí, a razão de ser do meu ser da

Ganda - Benguela, antes de ser angolano e africano e cidadão do universo. E é nesta

casa da África, segundo Ana Maria Araújo Freire (Nita), que Freire nutria a ilusão de

que “voltava para casa” quando saia “da fria e inodora Suíça (Europa) para contribuir

na constituição, através da educação, das novas nações africanas” (FREIRE &

GUIMARÃES, 2003a, p. 17). Daí a razão de ser da semelhança que notava e sentia

entre África, “seu país e sua gente” (ibidem). Isto estimulava saudades e esperanças do

retorno à terra natal, Recife – Brasil, em todos os seus movimentos de visita (idem).

Ganda é terra da tradição e cultura ainda viva, embora seja - como o referencia

Freire - da “invasão cultural” 35 perpetrada pelo colonizador, dominador – opressor,

tendo, como bandeira, a divisão do povo, aproveitando-se da sua diversidade cultural e

usando o princípio: ”dividir para manter a opressão, manipulação e a invasão

cultural” (FREIRE, 2004a, p.135). Assim, num silêncio profundo, no cantarolar de

pássaros noturnos e na hora bem acertada, as entranhas maternas acolhiam-me com

candura e amor. Cuidaram-me, alimentaram-me e me enviaram à terra mãe angolana. O

útero que me adotava e abraçava, alimentava, protegia e me fazia enxergar os primeiros

raios solares cintilantes naquela pequena aldeia chamada Central – Kasema, comuna

35 A invasão cultural nada mais faz senão conduzir os invadidos à inautenticidade do seu ser. Pela sua matriz antidialógica e ideológica, a invasão cultural acaba sendo acolhida de mãos beijadas e nunca fica problematizada pelos invadidos, por estarem sendo manipulados. Os invadidos são moldados nos padrões e no “modus vivendi” dos invasores, e acima de tudo reconhecem sua intrínseca inferioridade e a superioridade dos invasores. Como diz Freire, “os valores destes passam sendo a pauta dos invadidos. E, quanto mais se acentua a invasão, alienando o ser da cultura e o ser dos invadidos, mais estes quererão parecer com aqueles: andar como aqueles, vestir-se à sua maneira, falar a seu modo” (FREIRE,2004b, p.150).

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(distrito) da Ebanga, município da Ganda, província de Benguela - Angola /África,

fazendo de mim um cidadão local, territorial, nacional e macro-cósmico ou global.

Eu sou, com todo o meu itinerário geo-histórico, cultural, sóciopolítico e

econômico e onto-antropológico, um ser humano com uma cultura concreta, dentro da

diversidade cultural angolana, isto é, da multiculturalidade e da interculturalidade,

enquanto cidadão global. Neste sentido, faço minhas as palavras de Ghiggi que,

apresentando alguns fragmentos autobiográficos, dizia: “o que sou é o que já fui e estou

sendo, buscando não elaborar recusas histórico-ontológicas. Algo do meu presente

retorna ao passado, onde será recordado” (GHIGGI, 2002, p.26). Entendo, aqui, a

vida, como um gerúndio. Sem minha historicidade, quem sou? Freire é o exemplo vivo

que se situa no tempo e no espaço a partir de sua história feita de dor, fome, miséria,

mas também de alegria, esperança, luta, confiança, identidade. Para tal, fazendo minhas

as palavras de Freire, quando digo que sou angolano, sinto que sou algo mais do que

quando digo, sou gandense da Ebanga, meu marco original, em que se gera minha

angolanidade. Neste sentido, Freire (2002, p.26), situando-se no tempo e espaço

cultural, afirmava:

Quando digo ‘sou brasileiro’, sinto que sou algo mais do que quando digo, ‘sou recifense’. Mas sei também que não poderia me sentir tão intensamente brasileiro se não tivesse o Recife, meu marco original, em que se gera minha brasilidade. Por isso, permita-me a obviedade, minha terra não é apenas o contorno geográfico que tenho claro na memória e posso reproduzir de olhos fechados, mas é, sobretudo, um espaço temporalizado, geografia, história, cultura, [economia]. Minha terra é dor, fome, miséria, é esperança também de milhões, igualmente famintos de justiça 36.

36 Como podemos enxergar entre linhas, a terra de Freire, como a de todo o homem, enquadra-se na perspectiva histórica. É, como ele próprio o salienta, a coexistência dramática de tempos díspares, confundindo-se no mesmo espaço geográfico – atraso, miséria, pobreza, fome, tradicionalismo, consciência mágica, autoritarismo, democracia, modernidade, pós-modernidade. O professor, que na universidade discute a educação e a pós-modernidade, é o mesmo que convive com a dura realidade de dezenas de milhões de homens e mulheres que morrem de fome. Trata-se de uma história dos homens e mulheres do nosso tempo que não se pode fugir. Mas trabalhar lutando para e sonhando com a transformação do mundo feito de sujeitos e agentes transformadores.

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Pertenço a uma família37 de sete irmãos, dos quais, três meninas e quatro

rapazes, e eu sendo o terceiro, na ordem ascendente. Família, para o bantu, como

podemos enxergar na nota de rodapé, ultrapassa os meandros desta concepção

puramente nuclear, isto é, pai + mãe + filhos. É mais extensa. Pertencer à família

africana é participar da vida da ‘casa comunal’, isto é, da família clânica. A partir daí,

será possível entender o sentido de nossa casa comum. Nascidos da mesma família,

pertencentes ao grande grupo familiar, extenso e conectado, partilhamos em rede da

vida desta casa comum. Partilhamos das alegrias, das tristezas, da vida e da morte, das

lutas e conquistas. A solidariedade, hospitalidade, fraternidade, comunhão, partilha, a

educação sócio-familiar e étnico-cultural era da responsabilidade, não só da família

nuclear, central e restrita, mas do grupo familiar ou clânico. Tudo isto acontecia a partir

da oralidade.

Deste modo, minha primeira instrução me foi outorgada pelo grupo étnico-

cultural. Trata-se do espaço de iniciação sociocultural. Neste espaço, o iniciando tem a

possibilidade de aprender tudo o que se prende com a vida pessoal, familiar, étnica e

comunal. Aprende-se, até mesmo, o que é e como viver, pela educação, enquanto

espaço da oralização, mitologia, compromisso, religião, contos populares, provérbios,

administração da família e da vida, etc.

Tal como a cultura ocidental, definimo-nos, desde sempre, como um povo com

valores culturais próprios. Exprimimos estes valores através dos símbolos, definidos

como elementos necessários para a compreensão da nossa realidade vital. Por esta razão

é que Keesing (1961), entendendo a necessidade cultural na vida de todos os povos e

culturas, reconhece que “todas as culturas parecem compreender símbolos materiais

visíveis para indicar segurança ou restrições, como no feitio das roupas, ou sinais nos

37 Família que compreende pai, mãe e filhos, na concepção de bantu, bem descrita por Altuna (1993), corresponde à primeira célula social. Mas não corresponde à verdadeira família bantu. As famílias nucleares, diz Altuna (1993, p.111), “unidas e integradas entre si, são o fundamento da solidariedade que origina as instituições sóciopoliticas as quais não se bastam a si mesmas. Para serem amparadas precisam de se apoiar em grupos mais amplos e organizados”. Estes grupos chamam-se famílias alargadas ou extensas. Notamos aqui que o jovem bantu, conquanto dependente da família elementar, começa integrando-se, na sua existência, à parentela numerosa na qual está imerso. Altuna, rematando, isto é, concluindo acertadamente com a idéia da necessariedade e conectariedade grupal, implícita no pensamento de Senghor, escreve, definindo a família, restritamente falando, como sendo, “não um grupo autônomo, mas como aquele grupo que vive na ‘casa comunal’ da família clânica”, isto é, família que se enquadra em um âmbito familiar geral ou ‘casa comunal’ em que o aglomerado de famílias, vivendo seus altos e baixos, alegrias e tristezas, vitórias, derrotas e mazelas em comunhão, têm o ancestral comum (ibidem, p.114).

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pórticos ou ao longo das picadas” (1961, p.471). Keesing apóia a existência da

simbologia nas culturas dos povos, com a referência obrigatória dos mitos38, definindo-

os como formas de defesa e resguardo de um povo.

Desconhecendo nossa situação cultural, o Ocidente, pura e simplesmente, anulou

tal realidade, esquecendo-se de que na cultura deles existiam também elementos que

ilustravam a segurança, tais como cadeados, ferrolhos, grades, alarmes e cerca-elétrica

contra ladrões (nos últimos dias), forças policiais, alianças nupciais (ilustrando a

segurança matrimonial entre pares), etc. Mas tudo isto se nos apresenta como meros

apanágios voláteis, sem firmeza nem permanência; inconstantes e mutáveis. Quanto mais se

busca tal segurança mais se fragilizam as instituições.

Em nossa realidade cultural aprendemos a buscar o sentido real da cultura,

enquanto valor e “processo político” libertador da sociedade ou processo de mudança,

que, como diz Freire (2003b, p.35), deve ser protegido, e purificar aqueles elementos

que, na visão de interculturalidade, podem ser revistos para permitir que aconteça o

diálogo enriquecedor com outras culturas.

É a partir dessa consciência que poderemos dialogar com Freire, tal como ele

dialogou com outras culturas e reconheceu a sua grande riqueza. Deste modo, como ele

dizia, seria possível permanecer aprendendo com outras realidades culturais conforme

ele dialogou com a África, especialmente partilhando em forma de diálogo com

Guimarães sobre a realidade educacional ou leitura da palavra aos povos irmãos da

África, dizia:

Mas aí é uma coisa engraçada, Sérgio. Como a África vai ensinando a gente! Como a realidade vai ensinando! Por exemplo, se eu estivesse escrevendo para o Brasil, sobretudo para educadores que estivessem trabalhando com as massas populares em centros de São Paulo, eu teria sugerido que, ao abrir o livro, na introdução, o animador propusesse aos participantes do círculo que fizessem uma leitura em voz alta. Mas para a África, não. Inclusive a minha primeira tentação foi essa. Imediatamente o lápis parou no caminho e refiz a trajetória. Na África, meu querido Sérgio, a gente está enfrentando uma cultura cuja memória, por ‘n’ razões que não interessa aqui agora conversar, é auditiva, é oral, e não escrita. Então, antes da leitura em voz alta, a tarefa deve ser do educador! O Educador é que, na sua preparação, enquanto africano, deve fazer para ele a leitura em voz alta e em

38 Quero salientar que os mitos estiveram no centro da cultura vital do povo africano e angolano. A própria linguagem, a simbologia, a luta pela sobrevivência, defesa e resguardo de um povo e de seu patrimônio cultural. Não me vou ater a este estudo, tão necessário quanto é, o próprio homem na terra, mas creio que nos próximos tempos debruçar-me-ei em outras pesquisas sobre o assunto dos mitos em Angola, sobretudo em minha cultura.

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seguida também a leitura silenciosa do texto, na sua preparação, antes de ir para o círculo. Mas, chegando ao círculo, ele deve ler em voz alta, para todos, lentamente, enquanto os educandos vão acompanhando, vão olhando o texto. Ele vai lendo em voz alta, pausadamente. É o som da palavra que a cara deve ouvir, simultaneamente com a visão da palavra (FREIRE & GUIMARÃES, 2003a, p.61-62).

Na minha aldeia todos pertenciam à mesma “árvore genealógica” 39. Todos se

consideravam familiares e, enquanto membros da mesma comunidade familiar,

naturalmente, por esta familiaridade, se sentiam responsabilizados pela vida comunal.

Partilhavam o sentido de viver e de existir. Tratava-se da vivência permanente de uma

espécie “mutirão” permanente, para preservar o espírito cultural que o nosso ancestral

comum nos legou como herança sagrada.

Aos sete anos de idade (1973) fui à escola para ser alfabetizado. Obrigado a

esquecer o umbundu40, língua natural do povo do centro e sul de Angola. Devia falar

somente a língua portuguesa, considerada como língua dos civilizados, de gente, trazida

pela colonização e que, na visão do colonizador e invasor cultural, manteria unidos os

selvagens, já que Angola era um mosaico de diversidade lingüístico-cultural. O

umbundu foi, na visão de Fernandes e Ntondo (2002), considerada uma das línguas

mais centrais de Angola, a mais falada no Planalto Central e vista, como qualquer outra

língua, local ou regional falada, no país. Pejorativamente, foi considerada como língua

de “cães”, dos sem cultura, dos indígenas, dos incivilizados. Estamos, como diz

Andreola & Ribeiro (2005, p.87), diante do colonialismo que “envolve problemas muito

sérios quanto à interdição da língua e da cultura dos grupos e dos povos colonizados”.

O colonizador, no processo político-pedagógico, procurou fazer valer aquilo que mais

39 Quando falo da mesma árvore genealógica quero referir-me fundamentalmente da pertença de todos a um único ancestral. Partilhavam os mesmos costumes e hábitos. 40 O umbundu, segundo Fernandes & Ntondo (2002, p.54), é a língua do grupo etnolinguístico ovimbundu. A este grupo estende-se por um vasto território, a maior da metade Oeste de Angola, subindo da beira-mar para as terras altas. Formam o grupo etnolinguístico, Ovimbundu os Vyeno, Mbalundu, Sele, Sumbi, Mbwei, Vatchisandji, Lumbu, Vandombe, Vahanha, Vanganda, Vatchiyaka, Wambu, Sambu, Kakonda, Tchicuma, e este grupo corresponde ao maior étnolinguístico angolano (acima de 4.500.000 pessoas) e comunica-se na língua umbundu. Ainda nos anos 20 do século passado existiam mais de uma dezena de reinos (Mbalundu, Viye, Wambu, Tchiyaka, Ngalangi, Ndulu, etc.). A língua umbundu é uma das mais centrais de Angola falada no Planalto Central. Sua área de difusão engloba três províncias que São: Bié (Viye); Huambo (Huambo) e Benguela (Bengela). Entretanto, a sua influência é notória em outras províncias vizinhas como é o caso da província de Namibe, a parte Noroeste da província do Kwando Kubango ( Kwandu Kuvangu), uma parte da província da Uíla (Wila) e parte da Província de Kwanza Sul. E as línguas vizinhas do Umbundu são: A norte, Kimbundu; a sul, Tchokwe; Ngangela e a Sul Olunhaneka e Oshihelelo.

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importava, isto é, leitura da palavra escrita, vedando-lhe, assim a possibilidade de fazer

a leitura de seu mundo vital. A exigência da leitura da palavra escrita deve-se, à

necessidade que ele tinha de manter a comunicação com este povo para melhor poder

dominá-lo. Não havia esta preocupação de explicar a codificação, conforme aconteceu

nos “círculos de cultura” (como se pode verificar nas pág. 200, 2001 e 2007 desta

dissertação), onde conforme o canal de comunicação se usava a linguagem, visual,

auditiva, tátil ou audiovisual, mímica, etc. (ibidem, p.89). Realmente, tudo o que

interessasse aos seus intentos, procuravam fazê-lo bem. Nesta altura a alfabetização só

tinha o único objetivo – anular as línguas dos povos colonizados e outras culturas que os

possibilitem a ler sua história. Aplicaram em nós símbolos que devíamos pendurar no

pescoço se fóssemos descobertos falando uma das línguas locais. Este símbolo tinha o

único nome “burro”. Como ninguém queria passar por burro, todos os que

freqüentávamos a escola tínhamos de estudar imensamente.

O certo é que Amílcar Cabral reconheceu a língua portuguesa como maior e belo

presente dos colonizadores, ou a melhor coisa que os “Tugas” (portugueses) tinham

deixado para os colonizados (ibidem, p.93). Muitos angolanos e africanos foram,

naquela época, considerados como assimilados ou segundo o linguajar dos brancos,

como negro de alma branca, ou negadores de sua história, da cultura de seus ancestrais,

e, consequentemente negadores de sua realidade ontológica. Na verdade a língua

portuguesa com todo o seu “aparato” é uma riquesa grande para nós; simplesmente

fomos prejudicados pelo fato de silenciarem nossas línguas, nossos hábitos, nossas

tradições. Com a cultura letrada, devíamos associar ao nosso mundo mais outra cultura

dentro da linha inter ou transcultural. Não existiu processo de alfabetização, e sim

introdução de alguma minoria no sistema para a manutenção de uma hegemonia. Se

realmente a alfabetização, enquanto leitura da palavra e de mundo, conforme salienta

freire, supõe uma transformação e uma emancipação, então em Angola não aconteceu a

alfabetização com os invasores culturais, senão a exploração e opressão. Em Angola, só

agora se pensa numa educação que tenha em conta o mundo do aluno, sua língua e

constumes.

Aqui está clara a visão antropológica que o mundo europeu quis passar à

humanidade sobre o homem do terceiro mundo. Neste sentido, Azcona diz que os

antropólogos consideraram o homem encontrado, em suas viagens de pesquisa

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antropológica, como sendo “gente estranha, de costumes mais livres, e inclusive

licenciosos, de acordo com os parâmetros da sociedade ocidental” (AZCONA, 1993,

p.34). A visão apresentada pelos antropólogos europeus corresponde àquela de homem,

que J. J. Rousseau nos oferece, considerndo-o como “nobre selvagem”, naturalmente

bom, aquele que desconhece finuras civilizatórias, sem riquezas nem maldades,

inocente, que vivia a igualdade e que dispunha tudo em comum; sem palácios nem

hospitais (idem) e que não vivia na carestia, tão pouco vivia em depressão, fruto de “um

sopro de vento”, como na sociedade hodierna, em que quase todos são doentes, egoístas,

maus, opressores, exploradores. Trata-se da depressão social dos nossos dias.

Era o início do treinamento para a escravidão, opressão e perda de direitos,

dignidade e cidadania. Freqüentei uma escola de Kasema, aldeia localizada a uma

distância de cerca de vinte quilômetros da nossa aldeia de origem. Kasema era

considerada como aldeia acadêmica 41, com uma escola do primeiro nível do ensino de

base (primeiro grau do ensino fundamental), que funcionava até à 3ª classe (3ª série).

A aldeia acadêmica só tinha professores (e escolas) com chances de lecionar até a

3ª classe ou série. Não se tendo mais espaço para a continuidade dos estudos na aldeia

acadêmica, o indivíduo era considerado letrado, a não ser que, por indicação de um

colono na área, com a promessa de abdicar a própria identidade cultural, a língua

materna e outros tantos hábitos e costumes, considerando-se assimilado ou branqueado

ou então se tendo a sorte de se encaminhar para uma missão católica ou evangélica,

onde se localizavam os missionários, normalmente suíços e holandeses, para, desde lá,

se poder concluir a 4ª classe ou série, última etapa para o indigenato, pobre, não

assimilado. Com a 4ª classe, o indivíduo era considerado como único, intelectualmente

formado, na aldeia.

As crianças de todas as aldeias vizinhas, de aproximadamente dez a doze aldeias,

se juntavam lá em dois períodos: manhã e tarde, para estudar. Para um número enorme

de alunos matriculados só havia, segundo a determinação da administração colonial, 41 Considero “aldeia acadêmica” a concentração escolar num único bairro, nas distâncias de, mais ou menos, 5 a 20 km; lugar ou espaço em que crianças de várias aldeias se reuniam com intuito de haurir conhecimentos. O professor era o dono do conhecimento. Nesta aldeia, o encontrado era predeterminado para estudar até uma determinada classe ou série, para, seguidamente, considerar-se douto, ou sabedor e, de modo ingênuo e ignorante, os próprios pais, bem domesticados pelos patrões opressores, passavam tal idéia aos filhos (assim diziam: meu filho terminou seus estudos, já não existe mais escolas, neste mundo, onde ele possa estudar). O corpo docente da aldeia (normalmente um ou dois professores, um cada período ou todo o dia) era enviado de longe à guisa missionária pelo governo português na província portuguesa ultramarina de Angola.

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dois professores, dos quais um lecionava no período da manhã e o outro, no da tarde.

Cada professor, num sistema enciclopédico, administrava as aulas de todas as matérias

que se compendiavam em um único caderno, isto é, o caderno das ciências.

Íamos à escola caminhando e percorríamos diariamente três a quatro horas de

viagem. Nossa vida era limitada à corrida para evitar atrasos à ida e para evitar animais

ferozes ao retorno. Sempre que atrasássemos éramos castigados pelo professor,

ajoelhando sobre brita ou pedrinhas e com as mãos estendidas, suportando algumas

pedras ou objetos pesados em cada mão.

Saliento ainda que, qualquer criança que atingisse a idade escolar, isto é, os sete

anos de idade, não se lhe permitia sair de casa para a aldeia acadêmica, escola, sem que

primeiro, de madrugada, fosse ao campo 42, ou melhor, à lavoura, aonde se iniciava para

o “mundo da vida”, o mundo do trabalho, passando à frente dos bois enquanto o pai

lavrava, utilizando a charrua (o arado) e a mãe seguia, lançando as sementes.

Foram momentos difíceis, para uma criança que aprendia a saborear os melhores

momentos da vida infantil: ficando na aldeia, bairro, usando da criatividade da infância

e brincando com os amigos da mesma idade. Todos os dias, às 5 horas da madrugada,

nós, as crianças e os seus familiares, saíamos da aldeia em direção ao campo. Vida de

sacrifício total, sobretudo na idade em que nos encontrávamos. Tratava-se de um

sacrifício explicado pelos progenitores e ancestrais como espaço necessário para o

aprendizado e tomada de consciência para dimensão do trabalho.

Todos nós, logo que chegávamos à escola, no período da tarde, éramos obrigados,

pelo docente, a estarmos com a matéria na ponta da língua, isto é, bem assimilada, ou

melhor, memorizada, mesmo contingenciados pelas vicissitudes diversas, pelos

condicionalismos espaço-temporais, conseqüências da colonização, dos grupos etno-

familiares, da cultura, e, sobretudo, da cultura do amém, que sacralizava tanto as

autoridades sóciopoliticas, religiosas e tradicionais quanto à autoridade dos progenitores

e anciãos, aos quais se devia toda a obediência, mesmo que esta fosse cega. Ante tal

situação era impossível que encontrássemos algum tempo que nos permitisse preparar

42 O trabalho não significava a violação do direito da criança, se bem que a criança queimava etapas da vida, mas de iniciar esta criança para o mundo da vida que é feito de alegria e tristeza, de vitórias e derrotas, etc. Nesta altura não se fazia alusão a estes direitos, mas sim aos deveres da criança enquanto membro da sociedade com hábitos e costumes. Para tal, era necessário que a criança fosse iniciada para a vida sócio-comunitária, e o trabalho fazia parte do rito de iniciação, do qual trataremos no próximo ponto e genericamente no capítulo seguinte.

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as lições ou tarefas escolares, o que, não acontecendo, nos fazia incorrer a severos

castigos, quiçá mesmo, a fortes agressões corporais.

Era expressamente proibido falar a língua materna. Pejorativamente, ela era

considerada como língua da selva, dos animais irracionais, dos incivilizados, dos

macacos. Neste sentido, estávamos sendo destruídos: humana, social, política e

culturalmente. Mas o bom senso das nossas tradições prevaleceu e não perdemos

absolutamente nossos hábitos, costumes, mitos e nossa cultura, sobretudo a língua, um

dos veículos fundamentais da cultura de um povo. Freire, referindo-se ao conquistador-

opressor, ilustrava a questão do antidiálogo como grande arma de o opressor manter sua

hegemonia para melhor perpetrar a opressão, a conquista, etc. (2004a, p.136): “O

antidialógico se impõe ao opressor, na situação objetiva de opressão, para, pela

conquista, oprimir mais, não só economicamente, mas culturalmente, roubando ao

oprimido conquistado sua palavra também, sua expressividade, sua cultura”.

Excluída a língua materna do povo, para se falar somente a língua do invasor e

opressor, clareava-se a invasão cultural sofrida. Uma invasão que, no entender de Freire

(ibidem), apresentava a dupla face: a dominação e a tática de dominação, que tem muito

a ver com a questão de criar a confusão, a divisão, o desentendimento do povo para

melhor se permitir a reinar. Tal invasão se deu em todas as vertentes, inclusive no

processo da famosa evangelização do indigenato. Para confirmar esta afirmação,

leiamos o que escreve um religioso - estrangeiro na apresentação da tese de doutorado

de seu confrade, português 43. Domingues escreve salientando a dignidade roubada

pelos missionários e a introjeção 44 da cultura do amém quando em nome de Cristo

quiseram evangelizar os povos africanos. Domingues (1991, p.10) diz o seguinte:

Os europeus, em nome de Cristo, roubaram aos povos a sua cultura, a sua alma e obrigaram a aceitar religiosamente estranhos costumes, formas e modelos culturais oriundos da Europa, tão relativos como quaisquer outros. Isto que é historicamente irrecusável e criminoso pode provocar reflexos infantis e despropositados.

43 Trata-se da tese de doutorado de José Nunes O.P. que se debruçou sobre as pequenas comunidades cristãs, na perspectiva de ondjango e a incultura em África/ Angola, defendida na Pontifícia Universidade de Salamanca, Espanha em 17.10.89, com o título “Avaliação eclesiológica do ondjango – Processo de inculturação da fé em comunidades cristãs africanas”. 44 Mecanismo psicológico pelo qual um indivíduo, inconscientemente, se apossa de um fato, ou de uma característica alheia, tornando-o(s) parte de si mesmo, ou volta contra si mesmo a hostilidade sentida por outrem (FERREIRA, 2004).

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Entre os 7 e 16 anos de idade, segundo a nossa cultura, nós, as crianças, pacífica

e voluntariamente, ou por um rapto, e obrigatoriamente, éramos orientados pelos nossos

mais velhos “olosekulu” (experientes na vida, exemplares no serviço e na prática da

virtude), pais e anciãos da aldeia, a abandonar a casa paterna e seguirmos para outro

espaço separado da comunidade, a fim de observarmos aos ritos de iniciação cultural 45

ou, como o salienta Altuna (1993), a iniciação à vida comunitária, nos ritos de

puberdade. Tal iniciação, no linguajar de Altuna, obedece a uma série de etapas

sucessivas. Para ilustrar o modo como se processa tal iniciação, Altuna diz-nos o

seguinte:

Esta iniciação completa-se com os seguintes ritos sucessivos: separação da família e da comunidade, circuncisão, reclusão46 num local reservado (acampamento aberto na selva), situação marginal, ressurreição-regeneração e saída-regresso à aldeia com a reintegração na comunidade na qualidade de homem novo, renascido. Situações que, por estar carregadas de emoção, mistério, dramatismo, religiosidade e alegria, originam uma vivência psíquica que marca e determina para toda a vida o homem bantu (ALTURA 1993:280).

Durante esta iniciação masculina, na puberdade, nós, as crianças de diversas

famílias ou grupos afins, éramos levados, livres ou forçadamente, em um acampamento

separado da (as) aldeia (as) e construído toscamente com cabanas de ramos e capim

45 Dentro do lugar separado da comunidade, inicia-se para os rapazes com os ritos da circuncisão masculina “ekwendje”, “evamba”, isto é, uma cirurgia, a sangue frio, sem anestesia. Durante esta pequena cirurgia se corta o prepúcio e para meninas (em zonas onde isto é freqüente), com a excisão “efeko”, “efiko” ou clitoritomia. Nos grupos culturais, onde está prática cultural é freqüente, realiza-se a tatuagem no ventre e região púbica, fazendo significar a potencialidade de a menina ser considerada com o poder fecundante. Durante o tempo de reclusão social, neste processo de iniciação cultural feminina, a mulher “é, antes de tudo, um ‘campo vaginal’ destinado a ser fecundado pelo homem”, como diz Altuna (1993, p.299). Em outros lugares, a iniciação cultural feminina não passa de encontros em que as tias das meninas iniciam as sobrinhas para os valores da vida, o mistério da maternidade e da sacralidade de ser mulher. 46 Reclusão significa afastamento da criança do ambiente normal familiar, de casa, do bairro ou da cidade se for o caso, dirigindo-se a uma mata preparada para tais ritos que obedecem a um determinado tempo ritual da iniciação. Durante este tempo, os meninos não são autorizados a ver mulher, nem mesmo a própria mãe até ao dia da ressurreição, se nada de pior acontecer durante tempo determinado. Pois tem acontecido, mas com certa raridade que alguém durante a iniciação faça bastante hemorragia e não resista. Neste caso é possível acontecer alguma morte (raramente e azar da família quando isso acontece). Neste caso, nem a família nem sequer acaba conhecendo onde o filho foi enterrado. Por isso todas as mães ficam ansiosas quando se avizinha o tempo do retorno dos filhos à vida comunitária. O cântico entoado pelo grupo no dia da entrega do filho ou não, acaba sendo o indicador da vida ou não, da presença ou não do filho. Nestes casos, raros, a mãe acolhe a mensagem com tristeza e compreensão.

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seco, perto de um rio, à sombra de um bosque sacralizado pela presença de habitantes

do mundo invisível e rodeado de uma paliçada 47 para evitar olhares profanos.

Antes dos nossos dias, esta separação prolongava-se por dois a três anos. Para

nós estes ritos aconteciam em tempos de férias, de fim de ano letivo. Tratava-se do

tempo correspondente a três a quatro meses, durante a estação seca e fria, isto é, de

junho a agosto.

A iniciação era dirigida por especialistas da magia, mestres e educadores

qualificados e especializados, sob a responsabilidade do chefe comunitário aos quais os

jovens obedeciam cegamente. Portanto, a equipe de formação na iniciação cultural se

compunha pelos seguintes agentes: o mestre da circuncisão (Mbuki), o mestre do canto,

o coordenador da alimentação, tanto a confeccionada dentro da paliçada, quanto a

trazida pela mãe, nunca vista pelos filhos. O primeiro rapaz circuncidado passava sendo

o dirigente do grupo de iniciados em todas as ocasiões. Este se chamava de “Kesongo”,

isto é, aquele que inicia um novo processo vital, que desbrava o caminho pelo qual

passarão várias pessoas = aquele que está sempre disposto a abrir o caminho e nunca

teme os espinhos e as dificuldades da vida. É o corajoso, o forte, o vigoroso.

Dois elementos que quero salientar neste rito de iniciação comunitário: a

iniciação vista como “rito de passagem” e a iniciação como “escola para a vida”. O

primeiro, segundo Altuna (1999, p.283-284) tem muito a ver com a dimensão pessoal.

Vejamos o que ele nos diz:

Na sua dimensão pessoal, [iniciação] é um conjunto de ritos e técnicas que transformam o jovem. Só por eles as crianças se transformam social, política e religiosamente em homens. Iniciam na virilidade. A criança deixa definitiva e irremediavelmente a infância para passar à plenitude de homem. Com eles finaliza uma fase da vida e começa a definitiva que se fundamenta em uma renovação interior e na aquisição de nova qualidade de vida, modificante do ser, conseguidas pelo drama vivido de morte-ressurreição. Intenta e consegue converter-se em um eficaz “rito de passagem”, termina uma situação existencial, sociológica e religiosa porque renasce outra. Passa “da condição de criança-natureza à de homem-cultura (ou se, se prefere, do biológico ao social), da condição de criança sexualmente indeterminada a homem sexualmente especificado”..., da autoridade materna à da avuncular... da morte à vida.

47 Entendo por paliçada, uma cerca feita com estacas apontadas e fincadas na terra que servem de barreira defensivas. Nesta nossa ótica concreta, a paliçada servia para afastar todo o tipo de mal, maus olhares e profanos ao grupo iniciante. O espaço de iniciação considerava-se também como espaço de purificação.

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O segundo, conforme a explanação de Altuna é aquela que se prende com a

iniciação cultural. Promovia-se uma formação integral de modo que a criança exercesse

positivamente seu papel na vida comunitária. Tratava-se de uma educação que tinha

muito a ver com a tradição, a religião e a ética comunitária.

Era uma autêntica escola do e ou/ou de ser, existir e do mundo da vida,

conhecimento legados pelos ancestrais. Tratava-se, ainda, de uma escola de cidadania,

pois contemplava os direitos e deveres sociais, enquanto membro da comunidade.

Ensinava-se, nesta escola, o que o homem deve saber, ser e fazer para cumprir com

perfeição os seus compromissos socioculturais e religiosos.

Tal ensino não era nunca teórico, mas um aprendizado para o enquadramento no

mundo da vida: daí a sua praticidade, vivência e experimentação. Era, em uma primeira

fase, praticado na selva, a beira do rio e no acampamento. Normalmente em tempo de

frio, que no país vai até 8ºC. Todo o ensino era realizado pela oralidade, com presença

de um mestre geral, um cirurgião tradicional, um grupo de dois ou três mestres do

ensino da cultura, contos, estórias, advinhações, parábolas, carregadas de grandes

ensinamentos, um mestre, um dirigente (Kesongo), isto é, aquele membro do grupo “o

neófito” que inaugurara a navalha da circuncisão, o corajoso e destemido e, finalmente

um grupo de dez rapazes já circuncidados há vários anos que tinham o papel de

animadores e encorajadores dos neófitos culturais.

Tal ensinamento era esmiuçado nos primeiros dias da iniciação, ainda com dor

da cirurgia realizada, pelo grão mestre e cirurgião junto com os cerimoniários: cantor

mor e seus auxiliares, mestres da dança, tocadores do tambor e paus cruzados. Deste

modo acontecia o “ondjando”, dança típica, orientada pela música tocada e pelo ritmo

do canto e pelas palavras pronunciadas durante a musicalização.

Esse conjunto fazia uma escola espetacular. Formava e promovia sensibilidades,

homens corajosos e capazes de enfrentar as agruras da vida, do tempo e da história.

Estávamos diante de uma pedagogia baseada na escuta atenta e na prática

responsável do escutado, de modo que se formavam personalidades atentas aos

movimentos cósmicos. Assim, o cantado, tocado e dançado pelos iniciandos culturais

passava a ser praticado no dia a dia. Além disso, este ensino obedecia a alguns sinais

mágicos tracejados, normalmente, no chão, nas encruzilhadas dos caminhos, nos

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troncos das árvores, etc. De certa maneira, era uma luz para a leitura da palavra,

advogada por Freire. Cada sinal nos remetia à leitura da realidade ou do mundo vital.

Era uma pedagogia comunitária: o grupo ouvia, comprovava pelas experiências

e realizava as práticas no cotidiano. Movia-se ao encalço do sonho, da utopia. Nada era

impossível para os neófitos e para os iniciados. Eles acabam conhecendo os segredos

tribais através da recitação da tradição oral, repetida e acompanhada de danças rítmicas,

gritos, assobios, aclamações, e cânticos. Buscavam incessantemente os mantimentos

pela caça, pesca, agricultura, etc. O impossível para o iniciado, que participava da vida

dos ancestrais, só era possível para Deus. Assim nos interrogavam: “Tchatuva akulu

ñge? = o que foi impossível para nossos ancestrais?” Respostas: “okunhaleha osema

kilu lyovava. Okupita vututa wohumbo. Okupindula ava vafa. Okululika omunu. =

Estender a fuba ou farinha (de milho ou triga) sobre as águas. Passar pelo fundo de uma

agulha. Repor a vida a um cadáver. Conhecer os segredos da vida.

Na escola da iniciação aprendia-se a tríplice revelação vital: do sagrado, da

morte e da sexualidade, preparação para o casamento e para a procriação. A sexualidade

punha-se a serviço da participação vital. Aprendia-se a ética individual e social, noções

de política, educação, higiene e as técnicas da caça, pesca, agricultura e artesanato.

A educação artística era importantíssima. Aprendia-se a dançar e a cantar e as

manifestações estéticas do grupo; iniciava-se a ter sempre em conta o porquê e o como

das manifestações e comportamentos; aprendiam-se as palavras rituais, o significado de

muitos gestos e símbolos, e da solidariedade, as relações com o mundo invisível, o

perigo da interação desvirtuada, o significado dos mascarados.

Os neófitos eram educados a obedecer à autoridade dos anciãos, a guardar

fidelidade aos ritos e costumes, comportar-se com independência da autoridade

materna e para a liberalidade e serviço da comunidade.

O simbolismo utilizado nos ritos de iniciação cultural, não era incompatível com

os do batismo, enquanto sacramento administrado pelos presbíteros que se atrelavam

aos colonizadores, para, no entendimento deles, purificar a alma dos selvagens, dos

indígenas.

Estes símbolos usados tanto nos ritos de iniciação cultural quanto no batismo ou

em outros tantos sacramentos são o óleo, a água, o incenso, a luz (vela), as palavras

mágicas, etc. A teologia sacramental chama a estes elementos que fazem acontecer o

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sacramento em matéria e fórmula sacramentais, isto é, a matéria do sacramento e as

palavras do sacramento.

Entretanto, entendo tudo isto a partir daquilo que Keesing (1961, p.471) diz:

Entre muitos povos, usa-se um exorcismo verbal ou uma imprecação mágica para evitar os seres maléficos. Provavelmente em todas as sociedades, há uma ligação estreita entre a ordem moral e a arte, de modo os comprimentos certos e os errados são simbolizados e comunicados através da literatura, do drama, da dança, e, muitas vezes, das artes gráficas e plásticas.

Finalmente, a escola preparava para a luta pela vida. Daí, o ensino ministrado

submetia o iniciando a duras provas: regime duríssimo de vida, disciplina, provas que

deviam ser superadas, mudança de comportamento, endurecimento para a vida e preparação de

homens aguerridos e bem dotados que assegurassm o bem-estar do grupo.

Recebendo tudo isso de “mão beijada”48, isto é, decididamente, sem queixas,

nem infantilidades, demonstrava que os iniciantes tinham nascido de novo e haviam

abandonado a debilidade infantil.

Assim, qualquer um que passasse pelo rito da iniciação era submetido a provas

físicas e morais: abandonado na selva, flagelado diariamente durante um longo tempo;

obrigado a caçar durante a noite, sozinho; intimidado psicológica e castigado duramente;

obrigado a aceitar sem a mínima queixa. Era inculcada, nele, a audácia a coragem e o domínio

de si mesmo. Aprendiam a exercitar a memória; a comer alimentos deteriorados; a procurar

alimentos na floresta. Resistiam à sede, à fome, aos rigores do meio ambiente, às vigílias

prolongadas. Devia-se suportar a dor sem as lágrimas; contentar-se com o pouco alimento;

dormir nus (pelados) ao ar livre sobre a terra (o abandono das vestes poderia recordar a anterior

condição humana, por isso é que se cobre apenas com uma tanga de fibras vegetais fabricado

por mãos próprias). Ao acordar, banhavam-se em água fria do rio; obrigava-se a prática de

exercícios físicos violentos, como saltar sobre o fogo e sobre valas profundas;aprendia-se a

nadar. Também deviam flagelar-se e picar o corpo.

Esta escola marcava para sempre. Os companheiros de iniciação ficavam unidos

para sempre por laços indestrutíveis. Ajudavam-se e se defendiam uns aos outros.

Nascia um sólido sentimento de fraternidade. Todos se chamavam “irmãos”.

48 Receber de mãos beijadas significa aceitar tudo sem crítica, nem reclamação, tão pouco esforço algum. Mas no quadro de uma obediência cega, regida pela política do amém.

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Estes laços podiam prevalecer sobre os familiares e clânicos, porque os preceitos

da iniciação eram sagrados: “Juro pela mukanda” 49. Assim, o grande rito terminava

com o juramento solene: “nem à mulher com quem dormires na cama poderás contar o

que fizeste na mukanda: esconde, nega, desfigura, não morrerás”. Durante a iniciação

não se podia ver nenhuma mulher, nem mesmo a própria mãe. Doravante não se

misturarão, nunca, em trabalhos femininos (ALTUNA, 1993, p. 290-295).

Terminados os dois ou três meses previstos no ritual de iniciação comunitária,

continuava com a formação acadêmica até a conclusão da 4ª classe ou série, tendo sido,

assim, considerados como pessoas formadas e que para além daquela série, não havia

outra para nós.

Entretanto, estávamos numa situação política caótica. Era a época da guerra para

a independência nacional de Angola. Tudo ficou desestruturado. A vida iniciava do

zero. Novo itinerário escolar ganha corpo no sistema comunista ateu e russo.

Portanto, o processo educacional (reclusão50– inclusão) dava-se, obedecendo a

certas etapas, tais como: chamamento à mata ou ao lugar de reclusão para a iniciação

cultural; retorno à aldeia ou ao convívio familiar; recepção solene dos iniciados para a

inclusão sócio–cultural; participação do mundo da vida; participação direta e

responsável da vida do ondjango e leitura dos sinais dos tempos; educação continuada e

permanente ou prática do experimentado na iniciação.

Daí a razão de ser de alguns dos vários exemplos apresentados em imagens

mostrando vários passos do cerimonial da primeira parte da iniciação sociocultural na

comunidade ou no mundo da e/ou de vida. Assim vemos nestas imagens: a) – um

exemplo típico da circuncisão ou iniciação masculina. É o ponto de partida para a

iniciação sociocultural ondjangiana, da qual tratamos nos pontos seguintes. b).- uma

cena da iniciação feminina, em áreas onde a mesma obedece a um ritmo especial que

introduz a população alvo aos mistérios da vida e na responsabilidade familiar.

49 Nome kimbundu, língua e cultura do norte de Angola, que no rito de iniciação comunitária significa passagem, isto é, cerimônia da passagem de uma idade infantil à adulta, de idade vulgar à de participante nas decisões da vida social. Constitui uma expressão sagrada. E jurar por esta expressão é jurar pela vida e cultura vital de um povo. 50 Afastamento voluntário ou obrigatório do convívio social para ser iniciado sócio – culturalmente. Esta iniciação implica: circuncisão e os ritos sucessivos, tais como, dureza de vida, busca com as próprias mãos a sustentabilidade diária (caça, pesca, confecção dos alimentos), experiência do sofrimento e da dor cotidiana, aprendizagem de novos signos e linguagens (cânticos, danças, linguagens do toque de tambor), aprendizagem de guardar os segredos da vida e da cultura, etc.

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Exemplo de imagens reportando alguns ritos de iniciação cultural Fig.a) – Iniciação masculina Fig. b) – Iniciação feminina

Fonte: Escultura do museu de cultura-Benguela Fonte: Acervo do Sebas 6/2005

Fig. c) – A dança dos iniciandos Fig. d) – A dança das iniciandas.

Fonte: Acervo do Sebas 6/2005

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Fig. e) – O retorno à sociedade Fig. f) – Iniciada para a vida.

Fonte: Acervo do Sebas 6/2005

2.2.2 Sombras e luzes de uma história

Enquanto ser humano, jamais aceitei que minha presença no mundo e minha passagem

por ele fossem preestabelecidas. A minha compreensão das relações entre subjetividade e objetividade, consciência e mundo, prática e teoria foi sempre dialética e não

mecânica. (...) Em tal mundo a grande tarefa do poder político é garantir as liberdades, os direitos e os deveres, a justiça, e não respaldar o arbítrio de uns poucos contra a

debilidade da maioria. (...) Seria horrível se tivéssemos a sensibilidade da dor, da fome, da injustiça, da ameaça, sem nenhuma possibilidade de captar a ou as razões da

negatividade. Seria horrível se apenas sentíssemos a opressão, mas não pudéssemos imaginar um mundo diferente, sonhar com ele como projeto e nos entregar à luta por sua construção. Fizemo-nos mulheres e homens, experimentando-nos no jogo destas

tramas. Não somos, estamos sendo. A liberdade não se recebe de presente, é bem que se enriquece na luta por ele, na busca permanente, na medida mesma em que não há vida

sem a presença, por mínima que seja de liberdade (FREIRE, 2000, p.89, 131-132).

Este ponto resgata as sombras e as luzes de uma história. Quer voltar-se,

sobretudo, para esta terra angolana que assistiu a invasão sociocultural, histórica,

política e econômica, desde a entrada da primeira frota portuguesa, usando o princípio

latino que, querendo perpetuar seu domínio, poder e soberania romana, afirmava: divide

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para reinar. É o que, de igual modo, Freire, usando outras palavras, denominou de

“dividir para manter a opressão, manipulação e invasão cultural” (2004a, p.135).

Abordaremos a questão de uma terra encontrada e a estranheza do nome dado

pelos invasores a esta terra. Numa segunda fase nos debruçaremos sobre a escola na

época pós–independência de que desfrutamos, a partir da qual nos nutrimos, conforme

descrevia a política vigente no âmbito espaço-temporal.

Elevado à ordem presbiteral, encorajei-me a avançar sem medo para a

concretização do projeto de dialogar com a minha realidade cultural, com a sociedade

angolana e, sobretudo, com o outro, como ator e sujeito, na dimensão onto-

antropológica, entendendo o homem como este ser em permanente construção, este

gerúndio no seu habitat, no mundo da vida.

Este construir-se só seria possível se o homem percebesse sua dimensão

existencial como co-construtor da história feita de luzes e sombras, altos e baixos,

mortes e ressurreições, etc.

Assumido o ministério, ordenado no seu primeiro e segundo graus, moldado pela

história de formação de tipo carcerária, isto é, na autêntica cultura do ‘amém’, tornei-me

outro quase carcerário mor e, inconscientemente, mentor da mesma cultura do amém.

Apesar dos pesares, era visto como ponto de referência e de esperança no seio da

comunidade.

E foi assim que caminhei com o povo, experimentei as agruras da vida,

vivenciamos em conjunto, o êxodo sangrento nas estradas da vida, senti com a

comunidade as mortes sofridas, as vidas feridas, corpos apodrecidos e fedorentos e os

esqueletos ambulantes em todos os quadrantes das cidades, vilas, aldeias e bairros.

Na hora em que senti o meu ser nada, a miséria total, o sofrimento generalizado

e a guerra sangrenta, junto com a comunidade, entendi o que é ser do povo, com o povo

e para o povo. Tentei responder e corresponder ao apelo da minha consciência que

chamava minha atenção a seguir e a dirigir-me para as águas mais profundas com a

expressão clássica e atual: “duc in altum” 51, isto é, suba mais alto, para que a liberdade

do povo seja uma realidade.

51 Esta expressão se enquadra no epílogo de Jo. 21, 1-23, onde encontramos, fundamentalmente, a “aparição [de Jesus] à margem do lago de Tiberíades”, depois da ressurreição. É a partir daí que Jesus diz a seus discípulos: “lançai a rede à direita do barco e achareis”, e que outro traduzirá, “à direita do barco” (v. 10) por [às águas mais profundas = sentido clássico da frase em latim]. Os elementos achados nesta capítula são: a aparição aos pescadores, o mandato de lançarem as redes em águas mais profundas, a

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Tentei vislumbrar com outro olhar as palavras de Luther King, ecoando com

toda a retumbância, na sua obra intitulada ‘O GRITO DA CONSCIÊNCIA’, quando dizia:

“eu tenho um sonho” 52.

Durante o tempo cruento de guerra, aconteceram várias tentativas de acordos de

paz, mediados pelas Nações Unidas e Tróika de Observadores, composta por Portugal,

Estados Unidos da América e a Ex - União Soviética, estados ou países que nos

roubaram a cidadania. Vestiam de cordeiros, mas, na real, não passavam de lobos

devoradores.

No meio desta conjuntura, surge o grande problema: nossa soberania foi

transferida para estes países, mantendo sua hegemonia total. E nós permanecíamos

aqueles infantes ambulantes, os mendigos da história, os sem voz nem vez.

Tornamo-nos alvo de toda a propaganda bélica, de modo que em certo espaço

temporal concentramos mais armamento no país em quantidade e de alta qualidade e

sofisticada tecnologia. Tudo isto em detrimento dos bens de primeira necessidade e da

formação das comunidades.

Depois de várias tentativas de negociações e acordos assinados e abortados

pelas mais altas personalidades do país, finalmente Angola se viu sorrindo, quando os

próprios filhos da terra angolana, sem quaisquer mediações, se viram na necessidade

urgente e premente de negociar e ratificar o chamado “memorandum de

superabundância de peixes apanhados, relembrando Caná da partilha (Jo. 2,6) e a multiplicação dos pães (Jo. 6,11); o reconhecimento de Jesus por João, a tríplice profissão do amor de Pedro e a resposta de Jesus por tríplice investidura. Jesus confia a João o encargo de, em seu nome, reger o rebanho (Mt. 16,18; Lc. 22,31s). Diz-se que a tríplice repetição da profissão e da investidura pode ser o sinal de compromisso, contrato em boa e devida forma, segundo a tradição costumeira semítica (Gn. 23, 7-23). 52 Assim dizia Luther King: “Eu tenho um sonho de que, um dia, os homens se ergam e percebam que são feitos para viver uns com os outros, como irmãos. Hoje, ainda tenho um sonho de que, um dia, todos serão julgados com base no seu caráter e não na cor de sua pele, e de que todos os homens respeitarão a dignidade e o valor da personalidade humana. Ainda sonho, hoje, que um dia as indústrias paradas serão revitalizadas e os estômagos vazios serão cheios: a fraternidade será mais do que algumas palavras no fim de uma oração, será o primeiro assunto em todas as agendas legislativas. Ainda sonho, hoje, que um dia a justiça jorrará como a água, e direito será como um rio caudaloso. Sonho, hoje, que, em todos os nossos Estados e Assembléias, serão eleitos homens que praticarão a justiça e possuirão piedade e serão humildes ante a seu Deus. Sonho que, um dia, a guerra chegará ao fim; que os homens transformarão a espada em arados e as lanças em machados, e as nações não mais se levantarão contra outras nações, nem se estudará mais a arte de guerra. Ainda sonho, hoje, que um dia o cordeiro e o leão ficarão lado a lado e todos os homens poderão sentar-se sob a vinha e sob a figueira, e ninguém sentirá medo. Sonho que, um dia, todos os valores serão exaltados e todas as montanhas e as colinas serão aplainadas, e a glória do Senhor será revelada, e toda a mortal humanidade a verá em seu conjunto. Ainda sonho que, com essa fé, seremos capazes de derrotar o desespero e levar uma luz nova às câmaras escuras do pessimismo. Com essa fé, apressaremos a chegada do dia de glória. As estrelas da manhã cantarão em coro, e os filhos de Deus gritarão de Alegria”. (LUTHER KING, Martin Jr., in, Gritos da Consciência).

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entendimento”53 entre as Forças Armadas de Angola (FAA) e as Forças Militares da

UNITA (FMU) (veja fig. 2).

Diante deste panorama, eis que chegou o momento áureo e o “cairós” (momento

oportuno ou exato) da nossa história, isto é, a ocasião para a revisão de nossa trajetória

vital, a reparação dos erros cometidos e o acerto do itinerário por nós tracejado, que nos

leve à reconstrução das mentes e das infra-estruturas, à recuperação de nossa economia

e ao incremento das políticas públicas, em tempos novos do silêncio das armas de fogo.

Para tal, somos chamados a fazer o novo desenho de nossa pátria – mãe, Angola, não só

com as mentes, mas também com o coração.

Entre vários caminhos para darmos conta deste itinerário, não menos importante,

temos de apostar positivamente na política educacional que promova, incremente e

habilite os filhos da terra angolana, para o entendimento da caminhada já feita, na

correção das lacunas deixadas propositadamente pelo invasor cultural e na descoberta

53 Memorandum de entendimento significou um momento singular de novos tempos de paz na história do povo angolano. Novos tempos de paz. O Memorando de Luena marcou o fim da guerra. Seguiu-se um período de maior contacto entre os dois partidos. A seguir à primeira reunião da CMM, logo após a assinatura, Nunda informou que não houvera violações do cessar-fogo. Membros da CMM e do grupo técnico foram apresentados à imprensa, e o contingente da UNITA confirmou essas informações. A CMM acabou por ser considerada inadequada para completar todas as tarefas, para além das de natureza militar, e assim a Comissão Mista de Lusaka foi ressuscitada durante alguns meses no final de 2002, sendo desativada em novembro, após o que a ONU levantou as últimas sanções à UNITA. Apesar da UNITA ter entrado nas conversações dividida, o caminho para a sua reunificação enquanto partido político coerente estava a tornar-se claro. A delegação da UNITA que chegou à capital para a assinatura formal encontrou-se com o líder da UNITA-R, Manuvakola, que se comprometeu publicamente a não interferir nas conversações, para, alegadamente, permitir que "a UNITA representasse a UNITA". Nos meses seguintes a UNITA encaminhou-se para a reunificação. Apesar de alguns acharem que é uma afirmação duvidosa, no dia anterior ao cessar-fogo ser assinado, Gato avisou que "a guerra poderia ter continuado". Não é possível saber se tinha razão, mas as razões para negociar foram irresistíveis. Os acontecimentos posteriores em fevereiro de 2002 podem ser vistos como a seqüência lógica de uma campanha militar, em que ambos os lados tinham algo a ganhar com a negociação e o fim da atividade militar. A contenção do governo, não declarando abertamente a vitória, foi sensata. O decurso dos acontecimentos pode ser interpretado como uma série de manobras hábeis do governo do Movimento Popular pela Libertação de Angola (MPLA), que conseguiu transmitir a idéia de uma conclusão conciliatória da guerra, sem conceder qualquer poder. A questão para Angola é saber o que poderia ter acontecido se o processo tivesse sido definido em termos mais vastos – como uma oportunidade, não só para acabar com as hostilidades militares de forma negociada, mas para abrir o processo a uma renovação política mais vasta – através de consultas aos partidos políticos não armados e à sociedade civil. Teriam estas fundações sido melhores para uma democratização e reconciliação mais profundas, que pudessem resolver com maior sucesso os problemas fundamentais de Angola? Dadas às estruturas de poder, este tipo de abertura nunca foi uma hipótese real, mas um momento importante, na história do povo angolano algo que favorecer, a este povo, uma tomada de consciência, em demanda da paz. Esta é a parte do texto de Aaron Griffiths que é Coordenador/ Investigador de Accord: an international review of peace initiatives; in, http://www.c-r.org/accord/ang/accord15_port/04.shtml, acesso 04/02/ 2005.

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de novos e renovados caminhos a trilhar neste processo histórico, sóciopolítico,

econômico e cultural.

Para que esta educação signifique consciência crítica, sóciopolítica e

emancipatória, com o enfoque dialético da práxis educativa, é importante que a mesma

seja realizada com os sem voz e nem vez e com os oprimidos da terra. Estamos diante

da questão do desvelamento do mundo da opressão e o comprometimento com a práxis.

Com efeito, Freire (2004, p.41) diz que:

a pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão, e vão comprometendo-se, na práxis [ação, intencionalmente política, crítica e emancipadora], com sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia dos homens deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação.

2.3 Angola: uma história revista

Não basta escrever um canto revolucionário para participar da revolução africana;

é preciso fazer esta revolução com o povo. Com o povo, e os cantos surgirão sozinhos e por si mesmos. Para ter uma ação autêntica, é necessário ser

pessoalmente uma parte viva da África e de seu pensamento, um elemento dessa energia popular inteiramente mobilizada para a libertação, o progresso e a

felicidade na África. Não há nenhum lugar fora desse combate único nem para o artista, nem para o intelectual que não esteja ele próprio empenhado e totalmente

mobilizado com o povo na grande luta da África e da humanidade sofredora. SÉKOU TOURÉ 54

Nesta nova página trago Portugal que navega para o mundo africano iniciando

um novo processo para com os povos africanos: o processo colonizador onde a cultura

do silêncio redunda na cultura do “amém” para o povo angolano. Insatisfeito, este busca

caminhos para sua independência. Este itinerário é feito a partir de uma re-visita da

minha trajetória vital no mundo da vida.

54 Esta citação localiza-se na obra de Fanon (1979, p.171). Ela faz a abertura de um novo capitulo intitulado, “Sobre a cultura Nacional”, na grande obra, “Os Condenados da Terra”. Nesta obra, Fanon, depois da nota ilustrativa de quem teria sido SÉKOU TOURÉ e em que ocasião e condições ele teria redigido estas célebres linhas, isto é: Sékou Touré, “Le leader politique considéré comme le représentant d’une culture. Comunicado ao segundo Congresso dos Escritores e Artistas negros. Roma, 1959”.

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2.3.1 A cultura do “amém” no processo colonizador.

Tudo se inicia com a chegada da primeira frota portuguesa, comandada por

Diogo Cão, à foz do rio Congo. Os portugueses faziam o primeiro contato com os

angolanos integrados ao antigo Reino do Congo. Notava-se a sutil acessibilidade dos

portugueses na relação que aparentava o diálogo com os angolanos integrando-se no

reino. Não se tratava, realmente de diálogo, e sim, segundo Freire, do anti-diálogo,

dominador que tinha uma única finalidade: a de conquistar, usando diversas artimanhas

veladas, adocicadas e paternalistas.

O sujeito conquistador acabava dominando o objeto dominado, determinando-

lhe suas finalidades e imprimindo ao conquistado sua forma de ser. Sua ação acabava

sendo a de “reificar” e/ou a de “coisificar” os encontrados, tidos como não seres

humanos, subtraindo-lhes seus hábitos, costumes, sua língua e cultura que constituía o

mundo da e de vida do um povo.

As línguas locais eram consideradas como selvagens; os nomes, vistos como

gentios e diabólicos. Esta segunda parte teve, no decurso da história, conseqüências

drásticas na vida e na história daqueles que tinham sido deportados como escravos,

perdendo totalmente suas identidades e origens reais e culturais, de modo que suas

origens ficassem totalmente nebulosas e comprometidas, recebendo nomes de plantas

ou animais ou ainda de seus patrões, tais como: Silva, Carvalho, Brito, Silveira,

Mesquita, Oliveira, Pereira, Rodrigues, etc. nomes dos patrões ou, então, pseudônimos

que vedavam quaisquer possibilidades da busca das origens. Desde então começa o

processo colonizador, que se dá:

Pela instalação das forças dominadoras Pelas missões evangelizadoras Pelo comércio Pelas expedições militares Pelo trabalho escravagista, sobretudo das fábricas, fazendas, abertura de estradas, construção de pontes e infra-estruturas, Pela exploração comercial Pelo tráfico de escravos

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Por estas formas de conduta do colonizador – invasor, nada mais herdamos,

senão a cultura do “amém”, do “assim seja”, do “baixar a cabeça”, isto é, a cultura da

“obediência cega”, permitindo fazer, somente, a vontade do patrão, do missionário, do

capataz, etc., isto é, executar as ordens deles emanadas. Até para nos amedrontarem,

advogavam, em tudo, a vontade de Deus que devia ser cumprida, sem nunca reclamar,

nem resmungar.

Não se tratava, porém, da voz de Deus. Escutavam-se as ordens do invasor -

oportunista que, soberbamente, tomava para si o espaço de Deus, fazendo-se: “todo

poderoso, onisciente, onipotente, onipresente”. O que se via era o encontrado pura e

simplesmente tratado e considerado como um inculto, lúmpen, incauto, selvagem,

analfaburro 55, analfabeto, cego ambulante, etc.

Os diversos reinos encontrados em Angola opuseram-se fortemente à invasão e

ocupação estrangeiras até os meados do século XVIII. Travaram-se, por isso, vários

combates. O dominador, usando a política de criar confusão para melhor reinar, foi,

sutilmente, apartando uns e acolhendo outros e incentivando para a política da traição.

Desde então, muitas mortes se fizeram sentir e os sobreviventes entoaram um cântico

em memória da sua querida pátria roubada, seus costumes silenciados e eliminados e

seus filhos escravizados.

Daí a razão de ser do cântico comunitário e revolucionário que descrevia o choro

lamuriento do oprimido, esperançoso, de um dia resgatar o seu próprio rei, “o

kapalandanda”. Este via sua pátria ferida e espoliada, sua soberania vilipendiada ou

desprezada, seus direitos anulados e sua autonomia esquecida pelo colonizador,

‘evangelizador’ e opressor. Diante deste círculo vicioso, fazia-se ecoar o seguinte

cântico: “Kapalandanda walila, walilila ofeka yahe”56 (kapalandanda chorou pela libertação

de sua terra).

Estávamos ante as lágrimas revolucionárias que nos remetiam para as batalhas

travadas. Batalhas sangrentas onde o colonizado teve poucas chance de se liberar da

opressão, pois usava recursos de combate desproporcionais aos sofisticados do

55 Considero analfaburro aquele que não só era iletrado e ignorante como, também, sem capacidade de reflexão, um tolo, sem tino. Distingue-se de ignorante, na medida em que há ignorantes que não tiveram a chance de passar pela escola formal, mas que têm um raciocínio espetacular. São quase gênios. 56 Cântico que simboliza o grito de guerra pela liberdade.

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dominador. Estas guerras contra as expedições militares e contra a escravidão

colonialista, reduziram, neste tempo, a população angolana durante quatro anos, de

18.000.000, em 1450 a 8.000.000, em 1850.

Apesar de tudo isto o povo angolano nunca se conformou com tal situação. Por

isso é que na segunda parte do cântico de “Kapalandanda”, isto é, na segunda estrofe, se

escutavam as seguintes palavras: “Yilo ofeka yokuloya kaloyele atundemo” (2X), que

quer dizer: “esta é a terra de batalha roubadas de nossa terra, quem lutar, retire-se

dessa terra”. Neste sentido, o colonizado nunca deixou de se opor à colonização e à

invasão cultural.

Nestes combates e resistências, destacamos as figuras ícones do Rei Ngola

Kiluange, da Rainha Nzinga Mbandi, do Rei Ngola Kanini, do Rei Ndunduma, do Rei

Mandume e a figura lendária do Kapalandadanda. Na sua impotência chora, como

primeira atitude de quem toma consciência de seus direitos à vida, à liberdade, à

dignidade e à cidadania, silenciados e roubados pelo invasor sócio-cultural, e outros

tantos mais.

Como homenagem ao Rei Ndunduma, do centro/sul de Angola, entoamos, com

muitas saudades de guerreiros pela liberdade, a seguinte estrofe da canção

revolucionária, que, traduzida “ad literam”, diz: Ndunduma é o rei do Bié. Ndunduma é

um de entre os reis de Angola, que tanto lutou pela liberdade da terra e do povo

angolano, para que o dominado, português não reinasse eternamente de modo que isto

pudesse ferir a nossa liberdade de um povo, com a sua cultura, hábitos e costumes. Eis

a letra da estrofe escrita em nossa língua, umbundu:

Ndunduma osoma yo Koviye Ndunduma umwe pokati kolosoma Wayakela ofeka yetu yo Ngola Otcho ka Putu kakavyale 57

No ano de 1884 acontece a conferência de Berlim tendo como objetivo dividir a

África entre as potências coloniais européias. A partir daí, Portugal intensificava sua

57 A letra desta música é sobejamente sabida por todos os que alcançaram ou buscam o entendimento da consciência de povos explorados e oprimidos na própria terra; sobretudo aqueles que buscam a própria liberdade roubada e silenciada. Aqui só está apresentada a primeira estrofe da grande música revolucionária que reporta a trajetória de Ndunduma, um dos reis que tanto pelejou para o restauro da cidadania do povo angolano vilipendiada pelo colonizador.

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penetração militar. Mesmo assim, só mais tarde, depois de 30 anos de campanhas

militares, isto é, de 1890 à 192, conseguiu “pacificar” o interior.

Notou-se rapidamente o aumento do número de colonos portugueses em terras

angolanas. Se Angola, em 1900, contabilizava 10.000 portugueses, em 1950 eram

80.000 e, no final de 1974, antes da independência, os portugueses em Angola

totalizavam 350.000.

Os portugueses viviam uma economia parasitária, baseada, segundo a

Enciclopédia do Mundo Contemporâneo (2002, p.99), “na exploração mineral e

agrícola, diamantífera e cafeícola”. Todos os lucros ficavam nas mãos de

intermediários portugueses.

Enquanto Portugal desfrutava dos bens angolanos, o mundo estava dando uma

virada na política internacional. Tanto é que se nos anos de 1960, França e Grã-

Bretanha se empenhavam para a descolonização da África, Portugal se ensurdecia ante

estas movimentações que visavam transformações substanciais.

A vida tornava-se mais complicada. Os angolanos achavam que deviam fazer

algo pela sua libertação, cidadania e independência total. No dia 10 de dezembro de

1956, com o surgimento do MPLA, isto é, fusão de pequenos movimentos nacionalistas,

iniciavam-se os movimentos para a independência de Angola .Este movimento tinha

como objetivo obrigar o governo português a reconhecer o direito do povo angolano à

autodeterminação e à independência.

Portugal, contudo, não recuou sequer um passo nas suas posições de modo a

criar condições de resolução da “questão angolana” 58, isto é, da invasão, exploração e

dominação coloniais. Queria fazer prevalecer sua cultura opressora em sintonia com os

seus aliados.

Esta cultura, como nos referimos, é a cultura do “amém” 59, expressão que é

fruto de várias mãos, e que durante a discussão, investigação, elaboração e construção

58 Falando da “questão angolana”, refiro-se diretamente à problemática da invasão cultural, opressão, exploração e, acima de tudo, dominação colonial. Para se solucionar, era preciso que os angolanos tomassem consciência desta sua situação e se empenhassem para a reversão deste quadro, implantando a liberdade, a cidadania e a soberania, enquanto país. Foram buscados todos os caminhos possíveis. Todos eles em nada resultaram senão o da guerra. Este caminho fez derramar muito sangue; provocou muita dor, várias mortes e expulsões do território angolano, até mesmo de inocentes, etc. 59 O “Amém” pode ser entendido, fundamentalmente, de dois modos: um positivo e outro negativo. Positivo, quando se refere à anuência consciente e comprometida com a mensagem libertadora e não escravagista – Ex.3, 7-12 (estamos diante de uma visão pura e extremamente teológica). Negativa,

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deste trabalho, foi ganhando corpo. Acabei assumindo o protagonismo e a

responsabilidade da mesma, já que a discussão norteava este trabalho, enquanto projeto,

uma das raras obras, tratando deste assunto, diretamente. Assim, a expressão surge num

contexto oportuno e numa época “kairológica”, isto é, na hora oportuna.

A expressão tem seus fundamentos nas sagradas letras e, muitas vezes, na sua

hermenêutica errônea, utilizando-se dela, a seu bel prazer, como argumentação dos

exacerbados autoritarismos e dogmatismos descabíveis, confluindo, durante séculos, no

famoso princípio motriz gestor da trajetória eclesial, isto é, o princípio da inerrância do

primado petrino, desratificado no pontificado de João Paulo II, com a petição de perdão 60 a humanidade pelas atrocidades cometidas pela igreja medieval, sobretudo a partir

das famosas “santas inquisições”.

quando aponta para a obediência cega á voz opressora, déspota e alienante, como Freire, bem ousará chamar. 60 A 12 de março de 2000, durante uma das cerimônias comemorativas do Grande Jubileu do ano 2000, o Papa João Paulo II citou diversos erros cometidos pela Igreja Católica no passado e no presente, todos registrados em um documento preparado pela Comissão Teológica Internacional, com o título “Memória e Reconciliação: A Igreja e as culpas do Passado”. Mas antes de se chegar a este documento, no dia 29 de novembro de 1998 , em uma bula de proclamação do Ano Santo de 2000, Incarnationis Mysterium, apontava para a auto-purificação da consciência pessoal e coletiva de todas as formas de ressentimento ou violência que a herança de culpas do passado pode haver deixado, mediante a uma renovada avaliação histórica e teológica dos acontecimentos implicados – se for esse o resultado – ao reconhecimento das culpas, que contribua para em real caminho de reconciliação. Entretanto, em seu pronunciamento do dia 12 de março de 2000, o Papa diz que a purificação da memória requeria “um ato de coragem e humildade para reconhecer as faltas cometidas por quantos tiveram e têm o nome de cristãos”, e funda-se na convicção de que “por causa daquele vínculo que nos une uns aos outros no corpo místico, todos nós, não tendo embora responsabilidade pessoal por isso e sem nos substituirmos ao juízo de Deus – o único que conhece os corações -, carregamos o peso dos erros e culpas dos que nos precederam”. João Paulo II acrescenta: “Como sucessor de Pedro, peço que neste ano de misericórdia, a Igreja, fortalecida pela santidade que recebe do seu Senhor, se ajoelhe diante de Deus e implore o perdão para os pecados passados e presentes dos seus filhos”. Para confirmar que “os cristãos são convidados a assumir, perante Deus e os homens ofendidos pelos seus comportamentos, as faltas que cometeram”, o Papa conclui: “Façam-se sem nada pedir em troca, animados apenas pelo ‘amor de Deus [que] foi derramado em nossos corações’ (Rm 5,5)”. Os pedidos de perdão feitos pelo Bispo de Roma, neste espírito de autenticidade e gratuidade, suscitaram diversas reações: a incondicional confiança que o Papa demonstrou ter no poder da verdade encontrou acolhimento geralmente favorável, dentro e fora da comunidade eclesial. Várias pessoas sublinharam a credibilidade das declarações eclesiais em conseqüência deste comportamento. Não faltaram, porém, algumas reservas, expressões, sobretudo da apreensão ligada a particulares contextos históricos e culturais, em que a mera admissão de faltas cometidas pelos filhos da Igreja poderia assumir o significado de uma cedência perante as acusações de quem lhe é preconceituosamente hostil. Entre consenso e apreensão, adverte-se para a necessidade de uma reflexão que esclareça as razões, condições e exata configuração dos pedidos de perdão relativos às culpas do passado. Desta necessidade entendeu encarregar-se a Comissão Teológica Internacional, na qual estão representadas deferentes culturas e sensibilidades no interior da única fé católica, elaborando o texto com o tema acima referido. No texto oferece-se uma reflexão teológica acerca das condições de possibilidade dos atos de “purificação da memória”. Dentre as falhas da Igreja Católica, a mais contestada foi a questão do Holocausto, quando foram mortos cerca de seis milhões de judeus, sob a atitude discreta do Papa Pio XII em relação à política nazista, durante a Segunda Guerra Mundial. O Papa, “motivado pelo espírito de reconciliação”, omitiu tal fato. Não fez menção do posicionamento do Papa Pio XII, nem mesmo quando ele (João Paulo II) esteve

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A cultura do “amém” é encontrada indiretamente na doutrina marxista. Estamos

situados nas relações sociais entre trabalhadores e capitalistas. Os primeiros, na

perspectiva dialética da afirmação, negação e negação da negação, são capazes, numa

consciência de explorados, chegar à subsunção.

Ainda é encontrada de modo explícito em Freire (2004, p.135), nas relações

entre conquistadores e conquistados, dominadores e dominados, invasores culturais e

invadidos, manipuladores e manipulados, opressores e oprimidos, silenciadores e

silenciados, se estes, tomando consciência de sua situação, não sonham, lutando pela

própria liberdade, emancipação e cidadania.

Trata-se de uma ação antidialógica perpetrada pelo invasor, manipulador,

opressor, escravagista que só pode ter uma resposta: a luta constante em demanda dos

próprios direitos, através da pedagogia do oprimido (2004a) e da educação como prática

da liberdade (2003a).

Nesta ótica, a cultura do “amém” pode apresentar, como salientamos em nota de

rodapé, duas acepções: uma primeira que é positiva, a bíblica, e a outra, negativa, a que

tenta fazer uma hermenêutica da “Sagrada Escritura” (da Bíblia), para daí tirar partido

para suas ações e atitudes despóticas e dogmáticas, antidialógica em suas múltiplas

manifestações.

A positiva é proveniente da revelação divina, isto é, das escrituras sagradas.

Acontece pela anuência consciente à mensagem libertadora e comprometedora (para os

que acreditam nelas). Esta se manifesta através de duas linguagens: pelos gestos ou

acontecimentos e pelas palavras no decurso da história da humanidade. A resposta ao

apelo divino, pode ser aclamada com o “amém” ou com a aclamação aleluiática da

salmodia, fazendo-se significar, “assim seja”, “viveremos como se nos foi dito”,

“anunciaremos a mesma mensagem” e “a faremos viver”.

Tal revelação foi sempre inteligível; porém, sempre que acontecesse o contrário,

aquele que se revelava e/ou se comunicava, obrigava-se a se esclarecer, manifestando,

assim, a veracidade de sua mensagem. É o caso de Moisés recebendo a revelação

libertadora, conforme se constata na “TORAH” (mensagem divina do Antigo

Testamento), em Ex.3, 7-10. Deus se revelara com a mensagem libertadora, por mais

que Moisés resistisse. Ele permanecia entabulando diálogo construtor das relações em Jerusalém, na ocasião de seu discurso no Museu do Holocausto. Este pedido de perdão do Papa João Paulo II foi extensivo às Santas Inquisições.

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sadias, e conseqüentemente, Moisés, em resposta, clamava “amém”, isto é, “assim seja”,

“está certo”, “é digno de fé”. Eis o exemplo da resposta do “amém” bíblico ou positivo

quando Deus fala a Moisés:

Eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seus gritos por causa dos seus opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir desta terra para uma boa e vasta, terra que mana leite e mel, o lugar dos cananeus, dos heteus, dos amorreus, dos ferezeus, dos heveus e dos jebuzeus. Agora o grito dos israelitas chegou até mim, e também vejo a opressão com que os egípcios os estão oprimindo. Vai, pois e eu te enviei a Faraó, para fazer sair do Egito o meu povo, os israelitas (Ex.3, 7-10).

A visão negativa pode ser inferida, também, da Sagrada Escritura. A propósito,

cometeram-se horrores com posições irreversíveis ou tendência a posturas de inerrância

eclesial, advogando, muitas vezes, para fins muito pessoais, o principio do primado

petrino, explícito em Mateus, quando Jesus diz: “tu és Pedro, e sobre esta pedra

construirei a minha igreja (...). Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que

ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado

nos céus” (Mt. 16 18-19). Mal interpretados, estes versículos geraram o princípio

romano de dominação: “Roma locuta est...”. Atrelado a este princípio temos a

dominação colonial, ‘casada com a igreja’.

Assim, com a suposta cruz evangelizadora, os missionários, não raras vezes,

foram coniventes nas prisões, torturas e outros maus tratos de vários dos cristãos, pois

direta ou indiretamente participavam dos serviços de segurança dos governos vigentes,

quiçá, na própria viagem irreversível para a cidade eterna dos “condenados da terra”

conforme Fanon (1979) intitula sua obra. Ironicamente, estes condenados são ilustrados

por Sartre (1979), no prefácio da obra de Fanon, como indígenas, com o verbo

emprestado; repetidores de ecos, adestrados, ocidentalizados, etc. Sartre (ibidem, p.3-4)

traduziu estas idéias usando as seguintes palavras:

Não faz muito tempo a terra tinha dois bilhões de habitantes, isto é, quinhentos milhões de homens e um bilhão e quinhentos milhões de indígenas. Os primeiros dispunham do Verbo, os outros pediam-no emprestado. Entre aqueles a estes, régulos vendidos, feudatários e uma falsa burguesia pré-fabricada serviam de intermediários. [N] as

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colônias a verdade se mostrava nua; as “metrópoles” queriam-na vestida; era preciso que o indígena as amasse. Como às mães, por assim dizer. A elite européia tentou engendrar um indigenato de elite; selecionava adolescentes, gravava-lhes na testa, com ferro em brasa, os princípios da cultura ocidental, metia-lhes na boca mordaças sonoras, expressões bombásticas e pastosas que grudavam nos dentes; depois de breve estada na metrópole, recambiava-os, adulterados. Essas contrafações vivas não tinham mais nada a dizer a seus irmãos; faziam eco; de Paris, de Londres, de Amsterdã lançávamos palavras: “Partenon! Fraternidade!”, e, num ponto qualquer da África, da Ásia, lábios se abriam: “... tenon!.... nidade!” Era a idade de ouro.

Trazendo a “cultura do ‘amém’” em minha realidade geo-histórica, sóciopolítica,

econômico, cultural e pedagógico, diria que, enquanto conduta e atitudes, ela ganhou

corpo com a invasão cultural perpetrada pela colonização. Os colonizadores traziam

para a terra mãe angolana a espada opressora e boicotadora de toda a vida de um povo

com a sua identidade, personalidade e cidadania, e a cruz evangelizadora que não fugia

da lógica colonizadora, invasora e “opressora”, sobretudo, quando silenciava nossas

vozes, nossa língua e linguagem culturais, nossas tradições, hábitos, nosso ondjango,

nossos nomes, obrigando-nos ao uso de nomes europeus, dos santos, negando-nos nossa

dignidade de povos com uma história universal e cidadania, nossa história de sermos a

totalidade e completude no mundo e não o somatório das partes.

De uma ou de outra maneira, neste processo civilizatório, expansionista,

dominador, salvacionista e policentrista, eles corroboravam e incentivavam a opressão

colonialista, que, nas palavras de Ribeiro, se resume em três imperativos, impondo-nos

a civilização européia como a original e essencial, esquecendo-se daquilo que o autor

(1979, p.49), parafraseando W. Goethe, dizia: “cada geração deve escrever sua história

universal”. Eis os três imperativos da civilização policêntrica, européia apresentada

como a melhor (1979, p.66):

1. A sua distinção evangelizadora do gentio império, cuja salvação dependia da piedade cristã; 2. O direito dos europeus, como filhos de Deus, de tomarem sua parte nos bens comuns do universo criado pela Divina Providência, mas ignorados ou desprezados pelos povos selvagens; 3. O seu dever de caridade, como povos mais evoluídos, de conduzir os mais atrasados à civilização.

Tudo isto faz-nos entender o quanto os colonizadores, isto é, os invasores

culturais, não só nos negaram a cidadania, segundo Gentili & Frigotto (2001), de

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sermos cidadãos da Ganda, de Angola, da África e do mundo, como também, e,

sobretudo, nos excluíram da política educacional, do emprego e da sociedade (PINO.

2001), considerando-nos como indígenas, selvagens, aos quais, segundo o édito

salazarista, se devia limitar o máximo possível, intelectualmente para que permanecesse

submisso, servil, humilde, continuando sempre explorado. Esta atitude marcou tanto os

povos invadidos que mesmo depois da retirada do invasor, os filhos da terra ficaram

reproduzindo a atitude do colonizador para com os seus semelhantes (co-cidadãos).

Deste modo, até o crescimento econômico do país não passava de um “falso

amanhecer” 61. É a cultura do amém que acaba vencendo em todos os momentos e

situaçõe. Neste sentido, também é possível fazer a leitura desta cultura, seguindo o

caminho bíblico, tal como Lukamba o mostra na exegese de Lucas, onde mostra a

conduta do invasor sobre o invadido.

A partir de Lc. 10, 30-37, onde “certo homem [que] descia de Jerusalém e caiu

em poder dos salteadores, que, depois de o despojarem [de tudo] e encherem de

pancadas, o abandonaram, deixando-o meio morto”, Lukamba (1996), faz a seguinte

leitura exegética: Jerusalém estava localizava-se a cerca de 750 metros, acima do nível

do mar. Jericó, [estava], 250 metros abaixo, [portanto, era um grande desnível de mais

ou menos 500m]. A antiga estrada que unia as duas cidades tinha a extensão de cerca

de 30 km; era deserta, solitária e infestada de salteadores. Esta parábola, lida pelos

africanos no contexto da invasão cultural, permite-nos, segundo Lukamba (1996, p.45-

46), destacar os seguintes pontos:

a) Os africanos não descem nem sobem... Foram encontrados na sua própria casa. É aí onde “caíram” nas mãos de salteadores que os saquearam, espoliaram e, enchendo-os de pancadas, os abandonaram sem jeito nem preito62. É toda a história colonial e pós-colonial. b) Invocando o contexto do Sal. 22, depois de desfeita a vítima, os salteadores satisfeitos, retiram-se levando consigo as riquezas, mas antes de desaparecerem completamente de vista estão a dar um último olhar para se certificarem se

61 “Falso amanhecer” é o título da obra de John Gray (1999). Nesta obra o autor faz uma análise profunda sobre as instabilidades do capitalismo global. Ao citar este autor não quero mostrar erudição, e sim, mostrar que até quando o país se mostra internacionalmente em crescimento, não passa de um enriquecimento exacerbado de poucos em detrimento da maioria explorada pelo fato de não ter vcondicões de refletir sobre sua condição de um povo explorado. 62 Preito, literalmente significa sujeição, dependência e vassalagem; significa ainda, pacto e ajuste. Aqui com esta expressão queremos fazer entender que o espancado foi abandonado à mercê do “Deus dará”, sem condições de se salvar, e sim perecer ingloriamente.

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efetivamente os justiçados ficaram mesmo sem vida. c) O problema parece agora de impedir para que não se reanimem (mesmo por milagre) a fim de não se vingarem pelos maus tratos sofridos nem exigir indenizações pelas suas riquezas destruídas e saqueadas. E, entretanto, se for possível levar mais alguma coisa a preço fingido, que se faça (talvez) rapidamente. d) Mas sozinha a África não pode fazer esse trabalho de se reanimar e tornar a viver. Daí a aceitação tolerável de muitos, mas bons samaritanos: ‘A África é um continente onde inumeráveis seres humanos – homens, mulheres, jovens e crianças – jazem, de algum modo, prostrados à margem da estrada, doentes, feridos, indefesos, marginalizados e abandonados. Têm extrema necessidade de bons samaritanos que venham em sua ajuda’. A dificuldade é [a] de saber quem é ‘bom samaritano’, porque a experiência é tão negativa neste campo, uma vez que tudo é calculado....

Por conseguinte, era necessário lutar para a reconquista da liberdade, cidadania e

dignidade, por via pacífica. Assim, aos 4 dias do mês de fevereiro de 1961, um grupo de

militantes do MPLA, da classe mais desfavorecida, assaltou as prisões de Luanda e os

outros pontos estratégicos da capital, incentivando a resistência em outras colônias

portuguesas. Desde então, surgiram várias guerras e vários conflitos se foram

sucedendo. Sequencialmente, cada período era muito mais violento que o precedente.

Lopes (2002, p.56), falando da violência desses conflitos e guerras, diz:

Pelo menos quatro períodos bélicos marcaram os desentendimentos internos angolanos. De 1961 a 1975; de 1975 a 1991; de 1992 a 1994 e de 1997 a 2002. Cada período foi mais violento que o precedente, sendo que as últimas três guerras foram de conseqüências violentas para o tecido social angolano, conduzindo a uma desestruturação social sem precedentes. Para além desses conflitos é de realçar a violência no interior dos movimentos de libertação nacional, desde os acontecimentos na base de kinkuso, passando pela eliminação física de muitos patriotas, até a tragédia humana registrada no dia 27 de Maio de 1977 que dizimou dezenas de milhares de angolanos e, mais tarde, as mortes de caráter étnico registradas a 22 de Janeiro de 1993. É importante acentuar que toda esta violência esteve sob o guarda-chuva de organizações políticas, por vezes encoberto no poder do estado, e denotou o caráter autoritário do movimento político e a sua intolerância em coabitar no poder com outras forças, ou seja, dificuldade de partilha e de convivência.

A idéia subjacente a estas lutas foi a de combater o colonialismo, a dominação, a

descriminação racial e o tribalismo, criados a partir do princípio latino adaptado por

Freire, (2004, p.138) a novas situações, quando ele fala do “dividir para manter a

opressão e a hegemonia”.

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Ante a crise imposta pelo colonialismo, durante mais de quatro séculos,

vivenciaram-se várias revoltas fracassadas 63. Já no séc. XX, alguns países da África

despertaram para a libertação e a independência das amarras colonialistas, dando início

ao processo descolonizador. No começo do mesmo século foram surgindo vários

movimentos pan-africanistas, não na África, mas nas Caraíbas, através dos descendentes

dos escravos africanos na América. Estes movimentos tinham como objetivo o anti-

racismo e o anti-colonialismo.

Assim, uma das mais vastas colônias portuguesas toma a iniciativa, seguida por

outros povos de “África portuguesa” 64. A sua revolta veio a contrariar o projeto

dominador português, que não tinha em sua pauta ceder esta terra aos filhos da mesma,

razão pela qual batizaram as cidades capitais com nomes de cidades de Portugal. Trata-

se da terra angolana onde, desde 1929, começaram a surgir os movimentos de

resistência anti-colonial, como: a Liga Nacional Africana, o Grêmio Africano, em

Luanda e, mais tarde, transformou-se em Associação dos Naturais de Angola

(ANANGOLA). Entra em cena, também, o “jogo de panfletos” 65 chamando o povo à

instrução e à preparação para lutar abertamente contra a opressão e pela independência.

Nesta altura surgiam revistas como a MENSAGEM (1949) e a CULTURA

(1957), onde, apesar da censura, os militantes conscientes podiam desenvolver um

trabalho de conscientização, a chamada luta semí-legal. Em Lisboa, pelos anos de 1950,

o sol da independência reluzia também para alguns angolanos que, não se sentindo

indiferentes, em relação com os homens que se encontravam no Sul de Angola,

fundaram (no Huambo) a Associação Africana do Sul de Angola. Mas nenhum deles

era, ainda, um partido político, pois o primeiro partido político viria a nascer em 1953:

Partido da Luta Unida dos Africanos de Angola (PLUA). Foram alguns dirigentes da

PLUA e de outras organizações que criaram o MPLA.

Em Lisboa, estudantes angolanos e de outras colônias formavam uma

associação, de onde saíram vários líderes (leaders), entre os quais, o Dr. Agostinho

Neto. O "Movimento Popular de Libertação de Angola" (MPLA), fundado em 63 Os soldados da Quissama, nos anos de 1676, 1688, 1692, 1709, 1733, 1738, revoltaram-se: os Estados do planalto central revoltaram-se diversas vezes contra os Fortes de Kakonda-a-velha (Hanha) e Kakonda-a-Nova. A revolta mais conhecida foi a de Mutu-ya-kevela em 1902 (AFRONTAMENTO, 1965, p.123). 64 Refere-se aos países africanos colonizados por Portugal e que no tempo colonial se consideraram como províncias portuguesas. 65 Considero jogo de panfletos, a produção de material de propaganda política e revolucionária.

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Dezembro de 1956, por vários dirigentes dos antigos movimentos, entre eles Dr.

Agostinho Neto e vários intelectuais marxistas e outros radicais. Apesar de adotar o

modo verdadeiramente marxista, o MPLA, como os outros movimentos, pretendia ser o

partido genuíno do povo angolano, até pelo fato de ser o primeiro a ser fundado.

Todavia, na realidade, o seu suporte era limitado à elite, do interior de Luanda, norte de

Angola (confere Fig. 1, dos anexos), que herdara da colonização a possibilidade de ser

mais gente.

Depois de vários encontros com as autoridades portuguesas, em Luanda, nos

anos de 1960/61, o MPLA foi forçado a refugiar-se para o Congo (Ex-Zaire) e, mais

tarde, para o Congo Brazaville. Foi daí que a direção do partido organizou uma

campanha de resistência armada contra os portugueses, durante os anos 60.

Mas, em janeiro de 1964, sob a presidência de Agostinho Neto (veja Fig. 18, dos

anexos), primeiro presidente do MPLA (desde 1956) e do país (desde 1975, passado

pelo seu reconhecimento por Portugal que estava organizando o governo de transição

para um país que buscava sua autonomia, até a sua morte, na ex - URSS66, em uma

“cirurgia misteriosa”), realizava-se uma grande conferência para definir as estratégias

de uma guerra popular prolongada, contra o colonialismo português.

Um ano após a fundação do MPLA, surgiu um segundo movimento de

resistência "União das Populações do Norte de Angola" (UPNA), estabelecido por

Holden Roberto (veja Fig. 20, dos anexos). A formação do partido aconteceu no Congo

e seu título inicial, referindo-se especificamente ao Norte de Angola, era um indicador

do papel deste partido para o futuro de Angola. O UPNA manter-se-ia no exílio, com a

base no Congo, recrutando os seus partidários exclusivamente do povo Bakongo do

Norte de Angola.

A palavra Norte foi abolida do nome do partido, passando a chamar-se "UPA".

De 1958 a 1962, a "UPA" mudou de denominação, passando a ser chamada de Frente

de Libertação Nacional de Angola (FNLA). A organização de Holden Roberto, contudo,

nunca conseguiu tornar-se mais que o veículo das velhas aspirações do nacionalismo do

Congo. Diz-se, até, que a FNLA nunca obteve algum êxito nas lutas militares contra o

domínio português. De fato, insatisfeito, face à corrupção, ineficácia, inércia e

tribalismo da FNLA, o jovem Umbundu, Jonas Malheiro Savimbi (veja Fig. 19, dos

66 URSS é a Ex - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

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anexos), Ministro dos Negócios Estrangeiros, abandonou esta organização, em julho de

1964. Savimbi assim como não se satisfazia com os discursos vazios do MPLA, no

exílio, e com os dirigentes da FNLA, via, ao mesmo tempo, que a guerra contra os

portugueses, dentro de Angola, estagnava-se completamente.

Para Savimbi, era axiomático 67 que o exército dos guerrilheiros devia viver e

progredir, no interior, com a ajuda total da população. De harmonia com o seu ponto de

vista, era só o povo angolano, dentro do país, que seria capaz de se libertar a si próprio

da dominação estrangeira (portuguesa). Savimbi, estudante aplicado da história,

declarava que George Washington não teria podido libertar as colônias britânicas da

América lutando a partir de "uma base no exílio, contra um exército superior em

número e equipamento. [Para Savimbi], os resultados dos revolucionários dependiam

de deixar o exílio, voltar para o país e lutar” (DOHNING, 1984. p.5).

Assim, com estas idéias, Jonas Savimbi resolve estabelecer um terceiro

movimento angolano de resistência, que dependeria de si próprio, baseado no território

angolano e que seria representado por todos os grupos étnico-lingüísticos angolanos.

Em conformidade com estas idéias, em Março de 1966, SAVIMBI atingia o então

considerado distrito do Moxico, onde fundava a União Nacional para Independência

Total de Angola (UNITA), numa vila de Muangai 68. Dentro de meses a UNITA

conseguiu organizar uma campanha de resistência contra o domínio português nas áreas

orientais e sul-orientais de Angola.

No começo dos anos 60, os portugueses em Angola, assim como em outras

colônias ultramarinas, estavam fragilizados e sua posição tornara-se inaceitável devido

aos resultados crescentes, tanto pelos redobrados movimentos de resistência e

esgotamento de suas finanças e fontes de renda como pelo aumento de oposição dentro

do próprio país, Portugal.

Notava-se, nesta altura, a solidariedade internacional pelos defensores da

independência e as sucessivas derrotas militares do exército em Angola, Moçambique e

Guiné-Bissau. O exército colonial perdia a esperança de uma vitória militar.

No dia 25 de abril de 1974 acontece a insurreição comandada pelo MFA. Foi

este movimento que derrubou o regime ditatorial de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano

67 Premissa imediatamente evidente que se admite como universalmente verdadeira sem exigência de demonstração. 68 Onde, coincidentemente, teria dado o último suspiro, em 2002, na frente de combates.

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em Portugal. O MFA reconhecia, inequivocamente expressos, os direitos dos povos das

colônias africanas à autodeterminação e à independência, convidando o MPLA, a FNLA

e a UNITA para acertar a proclamação da independência de Angola.

Em Julho de 1974, após a derrota do governo de Caetano, devido ao golpe de

Estado militar, Portugal anunciava estar disposto a conceder independência a Angola.

Em seguida foi realizado um armistício69 com os três movimentos de Libertação.

Em Janeiro de 1975, Portugal assinava o ACORDO DE ALVOR 70 com os três

movimentos de libertação. Previa-se que a data de 11 de Novembro de 1975 fosse

escolhida para a proclamação da Independência de Angola e, até aquela data, Angola

seria governada por um Alto Comissário português e por um governo transitório

representando pelos três movimentos, em proporção igual.

À independência deviam seguir-se eleições nacionais para a determinação de

qual dos três partidos obteria apoio da maioria angolana. “O Acordo consagrou também

o desarmamento dos movimentos em questão e a integração às forças mistas,

conseqüentemente” (CORREIA, in, BRAVO, 1996, p.32).

O ACORDO DE ALVOR concordou que a FNLA, a UNITA e o MPLA tinham

direitos e responsabilidades iguais, durante a construção da independência angolana. De

fato todos estes movimentos nacionalistas desfrutavam de uma legitimidade semelhante,

na ocasião, e tinham a oportunidade de participar no esboço do futuro de Angola.

Entretanto, tanto Portugal (com maior responsabilidade) como os três movimentos

tiveram dupla intenção, uma nítida e outra oculta. Por essa razão, Lopes (ibidem, p.55),

inequivocamente nos diria que,

Angola é um país cujos povos não constituíam uma unidade política no período antes da independência, apenas relações de vizinhança.

69 Suspensão das hostilidades entre beligerantes, como resultado de uma convenção, sem, contudo, pôr fim à guerra; trégua: “aqueles ânimos, quebrados já pela miséria, pela fome e pela doença originada de tantos cadáveres insepultos,... depuseram as armas, erguendo as mãos e pedindo um armistício até a manhã seguinte, para se tratar da capitulação.” (Alexandre Herculano, História de Portugal, I, p. 393; apud, FERREIRA, 2004, p.190). 70 O Acordo de Alvor aconteceu no Sul de Portugal, dez dias mais tarde da Cimeira efetuada em Mombaça, no Quênia, de 2-5 de Janeiro de 1975. Neta Cimeira, os três movimentos foram reconhecidos como partidos independentes a quem cabiam iguais direitos e responsabilidades. Todos os outros partidos deviam ser excluídos das negociações. Acordaram também que ainda não estavam preparados para assumir, de imediato, o poder, pelo que era necessário um período de transição, durante o qual os três partidos se comprometeriam a trabalhar com Portugal, com o objetivo de lançarem as bases para um estado independente. Segundo a acordo celebrado em Mombaça, todos os habitantes de Angola, independentemente de sua raça, poderiam vir-a-ser cidadãos do novo país (HENDERSON, 1990, p.384).

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Decorria então um processo de aglutinação de povos que constituíam, de acordo com alguns critérios, nações estreitamente ligadas à etnia. A unidade política colonial, resultante, entretanto da divisão arbitrária das fronteiras, transformando em estrangeiros povos então homogêneos, permitiu a convivência dos povos, mas dentro do espectro político colonial, não permitindo a construção de referências nacionais solidárias. Contudo, a luta empreendida pelos povos contra o invasor estrangeiro permitiu operar alianças tendentes a encontrar uma nova realidade nacional, mas significou igualmente a busca de fatores étnicos identitários sonegados pela aventura colonial e acrescentou novas contradições emergentes do encontro sociológico entre gente de continentes diferentes que se relacionaram numa ótica de supremacia rácica e de nação.

Os fatos que se seguiram, a história os aclara melhor. Nesta ótica, para uma

maior compreensão deles, aponto os que foram os patrocinadores e atores principais

deste teatro angolano: Neto, Savimbi e Holden Roberto, 'líderes clássicos’; tinham

íntimas relações com os fortes blocos resultantes do final da Segunda Guerra Mundial.

Assim:

- O MPLA tinha, no seu entorno, a pressão dos russos para a implantação do

socialismo. Já o acordara com os cubanos para a execução do mesmo projeto; os

portugueses ajudariam com meios econômicos. O MPLA acabou implantando o sistema

marxista-leninista (NETO, 1987, p.7).

- A UNITA desfrutava das ajudas dos Estados Unidos da América, evocando

incessantemente à democracia, ou melhor, ao ‘socialismo democrático africano’

(SAVIMBI, 1986, p.131). Apesar de buscar a democracia, não queria perder de vista os

traços culturais socialistas. Salienta-se, aqui, que o povo africano, sobretudo o angolano,

chão em que estamos pisando, é essencialmente comunal.

- A FNLA era apoiada pelo Congo (Ex-Zaire) e pelos Estados Unidos da

América (BRITTAIN, 1998, p.1).

Assim, a inauguração de um Governo Transitório, a 31 de Janeiro de 1975, foi

acolhida com uma euforia mal disfarçada, pela grande maioria dos angolanos que, de

certa maneira, via finalmente, o caminho claro, fácil e pacífico e para a transição para a

independência, depois de 14 anos de conflitos caóticos.

Como se diz em Angola, na gíria popular, "a alegria do pobre dura apenas um

momento"; a euforia, a alegria e o otimismo com que foi acolhido o Governo de

Transição durou apenas um momento. Terminados os poucos dias da sua inauguração,

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tudo se via em declínio; a melancolia tomava conta dos semblantes do povo; reinava no

território angolano a insegurança e a violência.

Esta situação deveu-se ao MPLA e, com menos razões, à FNLA. Enquanto a

UNITA via no Governo Transitório uma oportunidade para construir a base do seu

projeto político 71, na esperança de obter o poder em Angola, por meio das eleições

livres, o MPLA e a FNLA, ciumentos do apoio "universal" que a UNITA tinha pela

preponderância numérica do povo Umbundu e de outros grupos étnicos angolanos,

começaram uma campanha deliberada para construir uma força militar, tendo em vista

apoderar-se do poder pela força das armas. Em suma, o MPLA e a FNLA não estavam

simplesmente interessados em fazer do Governo Transitório um sucesso. Preferiam,

antes, discutir suas diferenças políticas por meios militares, à custa da escolha política

que se lhes tinha sido oferecida pelo Acordo de Alvor.

Estava previsto, no Acordo de Alvor, que a independência seria declarada em 11

de novembro de 1975, com a transferência do poder para uma Assembléia Constituinte,

previamente eleita. As negociações de paz determinaram que só os movimentos que

haviam combatido na guerra pela independência concorreriam às eleições, que

assentaria numa dupla legitimidade democrática: a revolucionária e a representativa.

Em fevereiro de 1975, uma série de conflitos focalizados se faziam sentir, entre

o MPLA e a FNLA. Em março e abril a própria cidade de Luanda foi ameaçada por

violentos ataques entre o MPLA e a FNLA. Em maio, qualquer aparente aderência ao

Acordo de Alvor tinha sido abandonada e uma série de batalhas sangrentas aparecia em

todos os quadrantes de Angola e ambos, MPLA e FNLA, pretendiam empilhar massivas

quantidades de armas. Estas viriam a ser fornecidas pelas suas respectivas ajudas

estrangeiras.

Em julho de 1975, as forças do MPLA de Neto, voltaram-se subitamente, para a

UNITA que, até esta altura, tinha conseguido manter o lugar central entre as duas

facções guerreiras. Em Angola, a situação tinha deteriorado em larga escala, numa

guerra civil contra a UNITA e a FNLA unidos, numa aliança infeliz, contra o MPLA.

No dia 11 de novembro de 1975, dia previsto para o término da dominação

colonial, o MPLA, depois da retirada das autoridades e das últimas tropas portuguesas,

sem que houvesse uma transmissão formal do poder, proclamou a independência em

71 Nesta altura a UNITA se apresentava com grande influência.

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Luanda. No mesmo dia, em locais diferentes (Huambo e Negage (Uíge), a UNITA e a

FNLA também proclamaram a independência, concomitantemente. A situação levou o

país inteiro ao caos: desestruturação, mortes, analfabetismo e desestabilização total do

país. Para o efeito, Lopes (ibidem, p.56) diz que,

A luta de libertação nacional constitui uma importante oportunidade de unidade entre os vários povos. Contudo, as lideranças das organizações nacionalistas pretendendo assumir o poder em todo o espaço nacional foram incapazes de encontrar a matriz de interesses nacionais e unirem-se perante o inimigo comum. Tal percurso criou dificuldades de relacionamento; não deu o melhor acolhimento à compreensão cultural; não resolveu as contradições sociais; não resolver as contradições sociais impostas pelo regime colonial na sua ótica de “dividir para reinar” e permitiu não só que ao longo da luta de libertação nacional as diversas organizações tivessem confrontos violentos de caráter bélico, mas igualmente logo após a conquista da independência, o que inviabilizou a possibilidade de até hoje [2002] existir um poder angolano sob todo o espaço nacional. O 4 de Abril 72 surge igualmente como uma esperança para que pela primeira vez o país tenha unidade política.

Proclamada da independência, o Estado português encarregou-se de reconhecer

o poder para o partido MPLA e, posteriormente, a comunidade internacional viria, de

igual modo, a reconhecer este e ignorar os outros dois. «A guerra civil prossegue e o

MPLA, que às vésperas de 11 de Novembro, aliás, já desde o começo dos conflitos,

estava bem apoiado pelos cubanos, expulsa para a República do Zaire a FNLA e as

tropas regulares zairenses com mercenários portugueses sob a égide dos Estados

Unidos, que a 10 de Novembro estavam às portas do Cacheio”. (CORREIA, 1996, p.

33).

O percurso da guerra civil, que se seguiu, foi bem conhecido e suportado por

massivas entregas de armas soviéticas e pelos serviços das Forças Cubanas de Fidel de

Castro. O MPLA conseguiu vencer a aliança UNITA/FNLA, que recebeu uma ajuda

limitada de alguns países ocidentais, incluindo a República da África do Sul (veja

figura, abaixo reportando até velhos sem idade de ir a guerra empunhando arma de

fogo).

72 4 de Abril é o marco da assinatura oficial do memorandum de entendimento para a paz total em Angola, cerimônia realizada em Luanda, no Palácio dos Congressos (Conferir Fig. 2 dos anexos).

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Fig A).- Olhar para um amanhã melhor Fig. B).- Soldado disposto para o combate

Fonte: Angola (1985, p.93) Fonte: Angola (1985, p.99)

Fig. C).- Julgamentos dos mercenários – 07/1976

Fonte: Angola (1985, p.93)

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Como vencedores da guerra civil, Neto e os seus aliados instalaram-se em

Luanda, como governo representativo do povo angolano. A UNITA e a FNLA foram

acantonados na selva e relegados à própria sorte.

A derrota da UNITA na guerra civil foi tão completa que pouca gente esperava

que a organização se recompusesse, pelo menos os próprios dirigentes do MPLA.

Aclamados pela vitória, os comandantes do exército do MPLA chegaram a afirmar ao

presidente Neto, em março de 1976, que as restantes bolsas de resistências "bandidas"

seriam liquidadas completamente numa questão de dias.

Em retrospectiva, as afirmações dos comandantes do MPLA devem parecer hoje

uma graça cruel ao presente regime de Luanda. Mostrando uma força de recursos talvez

inigualáveis, a UNITA não só sobreviveu a este desastre militar durante a guerra civil,

mas, ao contrário da FNLA, que tinha sido expulsa para a República Democrática do

Congo – ex-Zaïre, juntamente as tropas regulares zairenses com mercenários

portugueses que, sob a égide dos Estados Unidos, a apoiavam, recuperou-se

incrivelmente, ao ponto de constituir sério perigo para o MPLA, se bem que este tinha

aproximadamente "25 000 tropas cubanas".

A guerra civil pós-independência, apresenta, pois, indiscutíveis traços de

continuidade com a do período de transição e com a própria guerra de libertação

nacional. Com a Perestroika 73 começou a desenvolver-se um quadro de paz para

Angola e para o conjunto da África Austral.

Em dezembro de 1988, o Acordo de Nova York resultava na retirada de Angola

das tropas cubanas e sul-africanas e na independência da Namíbia. Mas a guerra civil

aumentava, a cada dia que nascia.

Depois dos Acordos de Nova York, o governo português, com o aval dos EUA e

URSS, desenvolveu com êxito diligências para abrir o diálogo entre o MPLA e a

UNITA. O diálogo, quase frutífero, iniciou-se com o Acordo de Gbadolite 74, assinado

em 1989, na referida localidade zairense, sob a égide de Mobutu e com o aval de alguns

Chefes de Estado. Mas tal acordo de paz, segundo Mourisca (2001, p.3.), “não passou

de um aborto político. As armas nem sequer começaram a ser depostas”.

73 Reforma do sistema político e financeiro da União Soviética proposta por Leonid Brezhnev (1906-1982) em 1979 e realizada (1985-1991) por Mikhail Gorbachev (1931-). 74 Na República Democrática do Congo – ex-Zaïre.

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E foi assim que parecia que tudo viesse a atingir o seu ponto irreversível ao

culminar com os Acordos assinados em Bicesse aos 13 de Maio de 1991. De 29 a 30 de

setembro de 1992, as eleições presidenciais e legislativas, seriam o desfecho dos

acordos começados um ano antes e, deste modo, passar-se-ia para a época das ‘vacas

gordas’, dado que esta época correspondia também com a abolição do Apartheid, na

África do Sul, África Austral em festa, portanto.

Conseqüentemente ter-se-ia encerrado o processo de descolonização angolana.

O povo já cantava e entoava ‘hinos de paz’ por todos os cantos e recantos do país. Mas,

de novo, vê-se mergulhado na pior de todas as guerras, jamais vista ao longo dos 16

anos de guerra, como dirão, mais tarde, a CEAST (1989, p.208) – Conferência

Episcopal de Angola e São Tomé: “o céu de Angola continua sob as nuvens de

apreensões graves”.

Aqui, vale parar e analisar, para depois podermos afirmar ou negar quem foi a

sua causa eficiente porque logo depois das contagens dos votos surgiu a guerra. A

UNITA não aceitou o resultado das eleições porque viu, nas mesmas, uma evidente

invencionice 75, e do outro lado, o até então Governo cessante não conseguiu provar a

inexistência da fraude, da qual era acusado pela UNITA. Esta situação motivou este

partido político, à insurreição, reativando a sua máquina de guerra, “teatro bélico”, que

fica registrado na história, como, segunda guerra civil (conf. Fig. 12 & 13 dos anexos e,

ainda, Fig. D), BTR – 60, tanques de guerra, para matar o compatriota, Fig. E), grupo de

soldados transportando um carro em peças, para fazê-lo atravessar e mulheres

sacrificadas, transportam material de guerra para as frentes de combate. Perdem estética

de seus cabelos e tudo o que se possa imaginar de uma mulher. Tudo isso se pode

verificar, nas figuras abaixo).

75 Fraude, enredo, mentira: aqui nos estamos referindo à fraude ou dolo eleitoral.

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Fig. D) – Um tanque de guerra BTR – 60, neutralizado em combates

Fonte: Chassamnha (2000, p.6) – Ilustração da violência entre irmãos da mesma terra.

Fig. E) – O que não faz a guerra: processo de desmontar uma viatura e transportá-la em peças para outra margem do rio Chicului, 03/1982.

Fonte: (ibidem, p.8)

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Fig. E).- Um Grupo de mulheres transportando material de guerra para linhas de frente

Fonte: (ibidem, p.7)

Os meios de comunicação social, controlados pelo Governo, anunciavam, a todo

o momento, a incontestabilidade dos resultados eleitorais, presidenciais e legislativas.

Tudo de nada valeu, pois, a guerra já tinha atingido níveis assustadores. Angola tornou-

se palco de carnificina, notícia no mundo e da literatura angolana, em geral, desde 1992

até 2003.

Caminhos possíveis foram buscados, na tentativa de que a guerra não se

alastrasse. Avidamente, são procurados caminhos para apaziguar o país e o Acordo de

Namibe - Angola, em Novembro de 1992, é assinado, sob os auspícios das Nações

Unidas, mas tudo foi em vão.

Em setembro de 1993, a UNITA anuncia um cessar fogo unilateral e propostas

para reinício de conversações. Isto foi exatamente numa fase em que tinha sobre seu

poder o controlo de cinco capitais de província e a grande maioria do território nacional.

Desta feita, segue-se uma nova ronda de negociações, preparadas pelo representante do

secretário geral da ONU, Alioune Blound Beye, em Lusaka.

Jonas Savimbi, não comparecendo em Lusaka, envia o seu Secretário Geral para

resolver com o camarada presidente José Eduardo dos Santos, acabando assim por

assinar Acordos de Lusaka no dia 06 de Maio de 1994.

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Em 1998 funda-se o Governo de Unidade e de Reconciliação Nacional (GURN)

com um pouco mais de credibilidade, no entanto sem grandes sucessos. Aliás, foi

exatamente nessa até em que se viu o país mais uma vez mergulhado em chamas. E esta

levou a UNITA a uma ruptura entre os que estavam no Andulu, Bailundo ou pelas

matas de Angola a fora e os que, na altura deste último entendimento, estiveram em

Luanda. E, no entanto, a guerra na mata continuava. Não tinha tréguas.

Aos 4 de abril de 2002, Angola vê-se mais uma vez, por intermédio dos seus

representantes, a exibir a caneta e a assinar os Acordos de Paz, começando pelo

Memorando de Entendimento, no Luena, até terminar em Luanda.

Lukamba (1995, p.27), corroborando com a idéia de Lopes, diz que, “se a

primeira guerra se justificou porque foi contra o estrangeiro usurpador, (...) da

segunda, nos devíamos envergonhar todos, [e] desta terceira, que se deve dizer? E,

entretanto, é de proporções nunca imaginadas! Quo vadis Angola nostra?” A escola,

extremamente ferida no seu âmago, constitui uma das instituições, (conferir fig. 3; 4, 5 e

6-anexo) mais atingidas.

2.3.2 Experiência escolar num mundo conturbado.

A questão do sonho possível tem que ver exatamente com a educação libertadora, não com a

educação domesticadora. A questão dos sonhos possíveis, repito, tem que ver com a educação libertadora enquanto prática utópica. Mas não utópica no sentido irrealizável; não utópica no

sentido de quem discursa sobre o impossível, sobre os sonhos impossíveis. Utópica no sentido de que é esta uma prática que vive a unidade dialética, dinâmica, entre a denúncia e o anúncio, entre

a denúncia de uma sociedade injusta e espoliadora e o anúncio do sonho possível de uma sociedade que seja menos espoliadora, do ponto de vista das grandes massas populares que estão

constituindo as classes sociais dominadas (FREIRE, 2002; in BRANDÃO et al., 2002, p.100). Proclamada a independência a 11 de novembro de 1975, iniciou-se a guerra

entre os movimentos de libertação nacional, isto é, os três movimentos que

proclamaram simultaneamente a independência em três localidades, com três

presidentes para o governo do mesmo país: o MPLA – PT, por Agostinho Neto; a

UNITA por Jonas Malheiro Savimbi e a FNLA, por Olden Roberto. Os dois primeiros

já falecidos, e o último em situação já debilitada, fruto da idade avançada.

Portugal, valendo-se sempre do princípio, “divide para melhor reinar”,

querendo perpetuar seu reino em Angola, mesmo à distância, imediatamente reconhece,

entre os três movimentos e seus três presidentes, o MPLA e Agostinho Neto como

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presidente deste país, o que acelerou o recrudescimento da guerra político-militar entre

estes três movimentos.

As FNLA não agüentaram e logo saíram da baila militar, recuando para a

República Democrática do Congo, ex-Zäire, país vizinho e Olden Roberto, seu

presidente, para França, enquanto, a UNITA, com Jonas Savimbi, entre o mundo dos

memoráveis, pautando pela guerra de guerrilha, instalou-se na mata da Jamba, Leste de

Angola, montando lá seu quartel geral. A referida guerrilha perdurou mais de 27 anos.

O MPLA está no poder desde 1975 até hoje, grande hora do ensaio da democracia

pluripartidária no país, o que não será tão fácil.

Durante este tempo, a questão relacionada com a educação ficou manca e

doentia, pois não se tinha lugar aonde se pudesse reclinar a cabeça. As crianças e os

jovens em idade escolar, ao lado de seus pais, estavam em permanente êxodo, buscando

melhores territórios, não de vivência, mas de sobrevivência, subsistência e de própria

segurança. Os jovens em idade militar eram forçados a empunharem armas de fogo. Por

um lado para a segurança da integridade territorial e, por outro, pelo resgate da

angolanidade, por outro. Eram os filhos dos iletrados da sociedade, que se prezavam

para o exercício desse papel, quando os filhos dos letrados, dos “mais donos do país”,

tinham outras chances de estudar no estrangeiro. Que paradoxo!

Nesta altura, ainda me recordo, passávamos dias, noites, semanas e meses

inteiros nas matas, fugindo do próprio irmão que se apresentava como inimigo, pois

matava, esquartejava, seqüestrava, saqueava, defendendo uma ideologia. Isto, de ambos

os lados, no cenário bélico.

Este tipo de conduta não era unilateral, mas bilateral ou mesmo multilateral entre

MPLA e UNITA, pois a FNLA já estava fora do ringue e, militarmente falando, estava

completamente impotente e derrotada. O matar, recuperar os bens e carbonizar era a

atitude comum dos militares dos dois grupos.

Perante este cenário era difícil falar dos estudos e da formação escolarizada,

porque os adolescentes, os jovens e os adultos eram forçadamente levados para os

campos de batalha. Os poucos localizados, nesta altura, em zonas de acesso escolar,

enfrentavam outra situação: condições psicossomáticas, sanitárias, econômicas, sociais,

culturais, etc. Tudo confluía para o mau aproveitamento escolar.

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Nossa vida estava confinada na selva, conotação que havíamos recebido, de

antemão pelo colonizador, opressor e invasor cultural. De quando em vez íamos à

escola, mas o rendimento era bem precário. E as palavras do profeta Jeremias ecoavam

em nosso cotidiano: “esperávamos a paz e nada vemos de bom, uma era de restauração

e surgiu a angústia” (Jr. 14, 19).

Aos 10 anos de idade, isto é, em 1976, a guerra de guerrilha manifestava

proporções alarmantes, de sorte que no dia 16 de agosto de 1977, em uma das trágicas

carnificinas, foram reunidas 19 pessoas das quais, uns eram professores e outros,

membros de vigilância, das diversas aldeias vizinhas e membros afetos a certo grupo

político, e, diante toda a comunidade, sem exceção (crianças, jovens e adultos), foram

barbaramente executados em um campo provisório de concentração, por três verdugos,

bem escolhidos dos soldados que cercavam aquele território de concentração. A

carnificina se deu da seguinte maneira:

O primeiro dava um soco bem reforçado no peito do assassinando; o segundo, espancava uma vez, com uma moca, isto é, um porrete na frente e o terceiro introduzia uma sabre (navalha bem aguçada) entre a clavícula, o que permitia a perfuração total do coração, constituindo assim a morte consumada. Cada um que sofria este tríplice golpe não tinha condições de poder de sobrevivência (grifo meu).

O undécimo professor, o Zê Kalyata 76, sabendo que chegara sua hora de deixar

o mundo da vida, movido pelo instinto de conservação vital, desatou-se do meio

daquela chacina, em busca de sua libertação e sobrevivência. Os soldados que cercavam

o espaço em que nos encontrávamos, corriam desesperadamente ao encalço dele de

maneira que uma vez apanhando fosse degolado publicamente. Realmente, foi apanhado

e maltratado pelo militares que o detiveram. O mesmo foi barbaramente esquartejado e

a cabeça só se assegurou no tronco, e sobreviveu. Foi abandonado naquele lugar quase

moribundo. Era, na verdade, a vida de um “ninja”, isto é, um homem de sete vidas.

Para a nossa admiração, Zê sobreviveu daquele morticínio. Ele foi resgatado por

um transeunte que o levou rebocado em sua moto, como “bom samaritano”, que passava

por ele. Com panos e cordas, agüentou-se, nas costas do “motoqueiro” até ao hospital

que se localizava na distância de uns 88 kms, isto é, hospital municipal da Ganda,

76 Zê kalyata não corresponde ao nome real. Trata-se do pseudônimo, pois, para a segurança do dono do real nome, preferimos simular a nomenclatura.

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naquela altura sustentado somente pelos pára-médicos ou enfermeiros básicos com

longa experiência na área da saúde. Estes se responsabilizavam pela saúde de Kalyata.

Com todos os defeitos somáticos possíveis, ainda vive. Achou libertação, mesmo com

grandes seqüelas a carregar pelo resto da vida.

Diante daquele trágico cenário, no dia 28 de setembro do mesmo ano, iniciamos

uma nova trajetória vital: era um êxodo que se desenhava em nossa frente. Todos nós,

de diversas aldeias, em demanda de libertação, pusemo-nos em movimento ao encontro

do desconhecido, ou em busca da terra prometida, mas obviamente desconhecíamos seu

real. Sabíamos o ponto de partida, mas não nos interrogávamos para nosso destino.

Percorremos, em caravanas de homens, mulheres, jovens, crianças, animais

(galinhas, cabritos, bois, cachorros, etc.), 78 km, saindo da sede comunal da Ebanga,

caminhamos com a possível esperança de encontrar alguma serenidade no município da

Ganda. Estávamos, nesta altura, sem o corpo docente pelo fato de o mesmo ter sido

executado. Neste sentido, a esperança dos desesperados (MOUNIER, 1972) era

perpetuamente silenciada e em nossa história se tornava aguda a cultura da obediência

cega. Nosso olhar se direcionava para o professor Kambyambya, evangélico, resto da

grande hecatombe e único que podia atender alunos de diversas faixas etárias e sem

condições de fazê-lo num momento em que se vislumbrava a história como diacrônica e

dialética.

Nosso destino era a cidade capital do município da Ganda. Postos nesta cidade

como deslocados, em condições sub-humanas e de extrema precariedade, fomos

acantonados77, ou melhor, aglomerados em espaços abertos de quatro paredes, onde

famílias numerosas e inteiras, estávamos condenados a viver, cozinhando e dormindo,

pais e filhos, tios, primos, avós, padrinhos, vizinhos, etc. ( em torno de mais ou menos

58 famílias em cada peça aberta em quatro paredes – de tipo armazém). Imagine como

teria sido nossa vida, em todos os sentidos, sobretudo a vida afetiva dos nossos

progenitores e outros adultos membros da família consangüínea ou extensa! Só quem

77 Acantonamento é o lugar precário aonde são juntados os jovens chamados à vida militar, antes de serem encaminhados para o quartel para o treinamento militar. É exatamente lugar de seleção para avaliar aqueles com condições físicas, psicológicas, sanitárias e emocionais. Portanto, um acantonado é aquele que se submete à perícia para ver se pode ser enquadrado para as fileiras militares. Espaço sem condições de sanidade. Extremamente ruim para se viver. Aí todos são socados, isto é, como bichos, animais irracionais, bois em uma estribaria.

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vivenciou esta situação sabe o que significou para a comunidade deslocada. A

recordação é de tristeza e lágrimas nos olhos.

Com estas vicissitudes, nós, enquanto crianças, não tínhamos condições

psicossomáticas, morais, espirituais, econômicas, afetivas, etc., que nos possibilitassem

ao enfrentamento da realidade acadêmica e levá-la a bom porto, nos moldes em que as

aulas eram administradas. Um ano letivo se passou nestas condições e nós saímos

prejudicados.

Por essa ocasião, fomos assistidos e observados por todos, como se fôssemos

órfãos de pai e mãe, sem origem nem destino, sem norte nem sul, sem beira nem eira.

Diante destas eventualidades, experimentamos aquela trajetória da comunidade bíblica

para a qual o profeta Jeremias endereça a forte mensagem, (Jr. 14, 17-19; In, AAVV,

2002, p.1391-1392). Diante da estiagem e da guerra vividas pelo povo, ele não parou de

clamar, dizendo:

Que meus olhos derramem lágrimas, noite e dia, e não se tranqüilizem, porque a virgem, filha do meu povo, foi ferida, com ferimento grave, com ferida incurável. Se saio para o campo, eis os feridos à espada; se entro na cidade, eis as vítimas da fome; pois que o profeta e o sacerdote atravessam a terra e não compreendem! (...) Por que nos feristes de tal modo que não há cura para nós? Esperávamos a paz: nada vemos de bom! O tempo de cura: e eis o pavor!

Em 1978 retomei meus estudos e os interrompi em 1979 com o silêncio

sepulcral78 de meu pai. Ele interrompe seu itinerário do mundo da vida, do meio dos

vivos, e, nós, os filhos fomos deixados à mercê do Deus dará. Ganda, geograficamente

falando, cidade linda e mais asseada em comparação com outras de municípios irmãos

da província de Benguela, desde o tempo colonial, se foi enfraquecendo em todas as

dimensões, até mesmo militarmente, ao ponto de se transformar em palco de grandes

78 Trata-se do falecimento do Pai, baluarte da família, na visão das famílias patriarcais. O Pai, nas culturas patriarcais africanas, era o super homem e a segurança da vida familiar. Sua morte constituía o desequilíbrio de toda a família. Assim aconteceu conosco.

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combates. E, em 1986, 60% dos docentes, fugindo daquela situação que não evoluía

para melhor, retiraram-se para Benguela, capital da província.

Nesta altura, o sistema político vigente era aquele repressor, o comunismo russo,

que, ligado ao sistema patriarcal e autoritário de alguns governos africanos, derrubou

todas as estruturas humanas: destruiu os espaços de oração (templos sagrados, lugares

de culto ou catequeses79), confiscou os bens eclesiásticos, proibiu visceralmente

quaisquer manifestações de culto, criou algo que hoje chamamos de controle social

ideologizado80.

Todos nós éramos obrigados a engrenar dentro do determinismo do Estado.

Tudo ficou influenciado. Perante as vicissitudes que norteavam a política do país, da

província e do município com as suas comunas, das quais, várias foram abandonadas,

que tipo de educação se podia esperar nesta altura?

Freire oferece-nos um caminho, um enfoque de reflexão, que busque

essencialmente a unidade, a organização das massas populares e a tarefa comum de

auto-libertação, a partir da ação revolucionária, que passe também pela cultura e

pedagogia da revolução. Podemos vislumbrar tal abordagem na Pedagogia do Oprimido

(FREIRE, 2004a, p.175-176), onde ele salienta ser importante:

Buscar a unidade, a liderança (...), igualmente a organização das massas populares, o que implica o testemunho que deve dar a elas de que o esforço de libertação é uma tarefa comum (...). Este testemunho, constante, humilde e corajoso do exercício de uma tarefa comum – a libertação dos homens – evita riscos de dirigismos antidialógicos. (...) O testemunho em si, porém, é um constituinte da ação revolucionária. (...) O testemunho, na teoria dialógica da ação, é uma das conotações principais do caráter cultural e pedagógico da revolução. (...) Todo o

79 Denominam-se catequeses as pequenas comunidades cristãs. Em cada aldeia ou em pequeno bairro existe uma comunidade que chamamos de catequese, pois o coordenador principal desta catequese é o Catequista que tem a missão de zelar pela vida espiritual da comunidade, visitar aos doentes, presidir celebrações de culto diariamente e coordenar a catequese, como ensinamento e doutrina cristã, que normalmente é dada por catequistas preparados para tal ministério. Portanto, temos dois tipos de catequista e dois de catequese: o catequista permanente, coordenador por missão que só abandona por invalidez, doença ou velhice (ou quando ele achar que outra situação não lhe permita seu exercício) e aquele temporário, que tem por missão, ensinar às crianças ou catecúmenos as verdades sagradas e a doutrina cristã consignada no catecismo; a catequese como (lugar) espaço de culto ou oração para as pequenas comunidades cristãs e a catequese como ensinamento, ou anúncio das verdades e doutrina cristã, feito pelo presbítero, catequista, religioso ou religiosa, leigo ou leiga comprometido, etc. 80 Chamo controle social ideologizado aquele tipo de controle que não tem a participação da comunidade. Mas aquele perpetrado somente pelas mentes ávidas do poder. Neste controle, nunca se pensa em descentralização, tão pouco em espaços de discussão abertos ao povo. Trata-se de um controle que busca silenciar cada vez mais a voz dos sem voz nem vez.

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testemunho autêntico, por isso crítico, implica ousadia de correr riscos – um deles, o de nem sempre a liderança conseguir de imediato, das massas populares, a adesão esperada.

Tendo concluído a 8ª classe na Ganda (1984), encaminhei-me para a cidade

capital da província, para cursar o ensino médio, no seminário médio do Bom Pastor.

Mal se iniciava o curso, fui rusgado (em Angola, rusgar é uma expressão que significa

seqüestrar para o serviço militar ou, então, para o rito de iniciação cultural) pelas

FAPLA (Forças Armadas de Libertação de Angola) do MPLA, com dezenas de colegas

do seminário e incorporado forçosamente para o quartel militar e enviado ao enclave da

província de Cabinda (conf. fig. 1), para cumprir o serviço militar obrigatório, de onde

só podia sair ou de vôo ou de navio, o que era quase impossível para qualquer um que

fosse encaminhado para aquela província.

Terminado o tempo de treinos militares durante nossa estadia no quartel, em

Cabinda, acabamos feitos corpos maleáveis que, na perspectiva foucaultiana,

terminamos sendo “corpos dóceis” (FOUCAULT 2004, p.117), continuamos a mesma

rotina no decurso dos estudos propedêuticos à filosofia, durante dois anos.

Durante estes anos sofremos este tipo de fazer acontecer a educação, o que

influenciou grandemente toda a nossa trajetória, desde o quartel-sociedade política,

quartel-escola, quartel-militar, quartéis-instituições e/ou quartel-seminário (casa de

formação de presbíteros, pastores da comunidade), etc., com imposições ideológicas,

religiosas, sociais, políticas, militares, acadêmicas, etc., ao que Alhusser (2003, p.68)

chamaria de Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE).

Aos 28 dias, do mês de outubro do ano de 1985, saíamos de Cabinda para

Luanda e no dia dos finados, 2 de novembro, entrávamos, na cidade das acácias rubras,

Benguela, para, no dia 3, sermos reintegrados na turma dos colegas que já tinham feito

uma significativa caminhada de dois meses e meio de curso.

Naquele mesmo dia do reinício das aulas fomos alvos do autoritarismo docente.

De novo o sistema educacional vigente, mostrava-se petulante, autoritário, déspota, etc.

e, o pior de tudo, é que inclusive os espaços tidos como sacrossantos (seminários),

continuaram enveredando por esse caminho.

Sem as mínimas noções do conteúdo lecionado, na época em que nos

encontrávamos no quartel, fomos enquadrados no grupo de diversos colegas

seminaristas, que já tinham haurido tais conteúdos do professor, e estavam abalizados

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na matéria. Fomos submetidos, obrigatoriamente, a uma prova dissertativa sobre Marx e

o marxismo. O professor da referida matéria era um irmão Marista de origem espanhola.

A nós, nem sequer se nos outorgou o direito à palavra. Éramos como camelos levados a

cabresto para o matadouro. O professor se nos apresentava, pura e simplesmente, como

aquele que fazia ecoar o princípio latino: “Roma locuta, causa finita est”, conforme, o

aludimos e traduzimos, na nota de rodapé número 11, da página 25 deste texto. Assim a

vida se foi desenhando e nós, desde a estaca zero: caminhando e fazendo a vontade dos

nossos professores. Neste sentido imaginemos que tipo de pessoas, de cidadãos, de

pastores, de comunidade e de igreja se estavam formando e esperando?

Transitei para o curso superior de filosofia. Pensando que aquela cultura

mudaria, foi uma ilusão alimentada que nunca mais se efetuava. O mundo da vida não

era pensado na academia, na política, na ideologia e na pedagogia. Tudo parecia igual

ou ainda quase em declínio.

Meu primeiro passo na tomada de consciência do mundo da vida, que se me apresentava como um “insight”, foi na disciplina de antropologia filosófica, quando iniciamos com a abordagem do pensamento dialógico buberiano. Tratava-se do pensamento de Martin Buber (1878-1966), ‘pedagogo do diálogo’, nascido em Viena e falecido em Jerusalém, conforme Gadotti o referencia, entendendo-o como aquele,

considerado o mais importante filósofo da religião do nosso tempo. Mediador entre o judaísmo e o cristianismo. Foi um dos mais notáveis representantes contemporâneos do existencialismo. [Como] pensador liberal, produziu obras que representam uma extraordinária contribuição para a reconciliação entre as religiões, povos e raças. [De] sua concepção pedagógica destacamos três pontos principais: O ponto de partida implica o encontro direto entre os homens, o relacionamento entre eles, o diálogo entre “eu e tu”. Segundo ele, a educação é exclusivamente coisa de Deus; apesar de seu discurso humanístico sobre o educador como “formador” ou sobre as “forças criativas da criança”. Finalmente, para o pensador, a liberdade, no sentido da independência, é sem dúvida um bem valioso. Mas não é o mais elevado. Quem a considera como valor supremo, sobretudo com objetivos educacionais, perverte-a e a transforma em droga que, com a ausência de compromisso, gera a solidão. Principais obras: A vida em diálogo e Eu e tu (GADOTTI, 2005, p.162.).

A partir da reflexão sobre Buber 81, principalmente no que tange à originalidade

da pessoa, entendi, na relação que ele fazia da pessoa com as coisas e da pessoa com o

81 Buber, lido por Mondin (1980: p. 299), mostra-nos a originalidade da pessoa contrapondo a relação que o homem tem com as coisas (ich - es = eu - isso) à relação que ele tem com os outros (ich – du = eu - tu). Na perspectiva de Buber, enquanto o primeiro assume o caráter de monopólio, o segundo tem

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outro, que minha relação e a de todos tantos como eu, uma relação de submissão,

escravidão, coisificação, reificação, massificação. Nunca significou uma relação mais

humana e mais personalizada.

Nutria, dentro de mim, grande preocupação: a de se fazer algo para a nossa

libertação enquanto homens e mulheres coisificados e massificados. Esta preocupação

se prendia com a busca do conhecer que, antes de tudo, passava pelo amor, pois sem

amor não seria possível conhecer e vice-versa. Só desta maneira se entenderia o

conhecimento não somente como coisa da cabeça, nem do pensamento, mas também de

sentimento, como diz Alves (2000, p.105):

Coisa do corpo inteiro de cabeça ao pensamento. (...) Conhecimento é coisa erótica, que engravida. Mas é preciso que o desejo faça o corpo se mover para amar. Caso contrário, os olhos permanecem impotentes e inúteis... Para conhecer é preciso primeiro amar. É coisa do corpo inteiro, dos rins, do coração, dos genitais.

Só o amor nos levaria ao empoderamento e envolvimento com a coisa amada.

Isto significa que, para iniciar uma solução, era importante a educação que significasse

questionamento, diálogo, envolvimento com a realidade social. Trata-se, como o

salienta Mion (2001, p.5), de uma “prática educacional [que esteja] pautada por uma

ação intencional. Não basta estarmos comprometidos com transformações, devemos,

sobretudo, vivê-las, concretamente”.

É importante, segundo Freire (2003a), uma educação que se apresente como

prática da liberdade. A educação, mesmo não sendo a única arma, ela constitui o

caminho viável de tal sorte que sem o mesmo, não será possível dar qualquer avanço.

Ela cria novos paradigmas para a luta libertadora que parte da tomada de consciência,

para as ações que promovam a dignidade e a cidadania. Esta luta será feita pelo

essencialmente o caráter de diálogo. Há, porém outros aspectos que distinguem os dois diferentes tipos de relação, dos quais os mais importantes são, para o ich – es = eu - isso, a experimentação, a objetividade, a utilização, a posse, a fatalidade, o arbítrio, e, para a ich – du = eu – tu, o encontro, a presença, o amor, o destino, a liberdade, o ser. Na estrutura ich – Es, o homem vive nas coisas, altera-as, usa-as, governa-as, possui-as, e quando ele se comporta desse modo com os seus semelhantes, também Ele e Ela tornam-se uma coisa, uma “coisa-pessoa”, de que ele dispõe como quer. “Je serai ton esclave et ta chose”, diz Eletra a Zeus em um drama de Sartre. Esta, segundo Buber, é a expressão mais prefeita para indicar este tipo de relação. A pessoa não é mais pessoa para mim, mas é como uma coisa. (...) É verdadeiramente homem e, portanto, também pessoa aquele que se interessa pelo outro de modo tal que compreenda e respeite completamente o seu eu: “Eu tenho minha origem na minha relação com o Tu: quando eu me torno Eu, então te digo” (M. Buber. I and thou, Clark, Edimburgo, 1937, p. 34; in Mondin. 1980: p. 300)

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diálogo, um diálogo que resgate o nosso “ondjango”, como lugar de diálogo

participativo e inclusivo.

As inquietações que maquinava, em mim, desde o curso superior de filosofia,

perseguiram todo o meu itinerário acadêmico, até ao fim dos estudos do curso superior

de teologia, iniciado e concluído em Luanda, capital do país.

A experiência de docência deu-se entre os anos de 1994 a 2002, altura em que

me transferi do município da Ganda para a cidade capital de Benguela, preparando-me

para a viagem de formação no Brasil.

Tal experiência foi iniciada, exatamente, em 1994, como estagiário na comuna

(distrito) da Catumbela. Lá lecionei na escola de líderes de comunidades cristãs

extensas (catequista–chefe ou evangelista coordenador de várias aldeias ou bairros), isto

é, aldeias, bairros, centros urbanos, etc. Nesta escola operei como professor e prefeito de

disciplina.

Em 1995 me transferi para a cidade municipal da Ganda, numa hora de múltiplas

turbulências em todo o território nacional. Este município localiza-se no interior 82 da

província de Benguela. Trata-se de uma zona vastíssima que dista 208 km em linha reta;

entretanto o raio de atuação soma entre 450 / 500 km2. Suas estradas absolutamente

esburacadas tornaram-se um cemitério de muitos homens e mulheres que, na busca das

condições para a sua subsistência, para poderem viver um pouco mais perderam suas

vidas ingloriamente.

Durante o tempo de minha estadia e trabalhos neste município, o tempo me

reservava, a cada dia que nascia, uma novidade triste. Em cada noite que entrava em

desmaio, esperava pela morte; e cada dia que sorria no horizonte, era cronometrado

como se fosse o único e último da vida.

As esperanças de viver estavam esgotadas nas comunidades. Nesta altura, eu me

apresentava como sinal de esperança e proteção do povo. Que paradoxo! Um fragilizado

como eu, ser sinal de esperança para uma enorme comunidade! Todos estávamos

sujeitos aos mesmos riscos de morrer e servirmos de alimento para as aves do céu e os

vermes na terra!

82 Quando nos referimos do interior, queremos aqui, tão somente, referir-nos das áreas distantes da zona litoral (próximas do mar), que nunca sofreu guerra alguma, fora das seqüelas da que assolou a maioria das capitais das províncias do País. É o caso de Cabinda, Luanda (capital), Sumbe, Benguela, Lubango (única do interior que se preservou dos confrontos sangrentos), e Namibe. Mas neste nosso caso nos queremos referir somente da cidade de Benguela.

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Em 1996, concentrando-me mais para a cidade municipal da Ganda que distava

uns 208 kms da cidade capital da província, senti a necessidade de reavivar meu sonho.

Fazer alguma coisa com, na e para a comunidade. Estávamos saindo do sistema

educativo colonial. A guerra fratricida não conseguiu sanar nada do preconizado depois

da proclamação da independência.

Na área educacional, permanecíamos com o legado colonialista português. Se

para Salazar era necessário o minimalismo pedagógico para se poder perpetuar a

obediência e a fidelidade, o novo sistema educacional gerenciado pelos angolanos, em

todo o país, indiretamente pactuava com o sistema colonial, incentivando, assim a

cultura do “amém”, sobretudo em áreas de guerra, localidades consideradas de “luz

verde” 83.

2.4 O conflito interno angolano: causas

Entendemos que o conflito interno angolano teve uma causa essencial, a questão

do poder. Esta causa primeira, conforme o descreve Roque (2000, p.59), teve outras

causas que podemos destrinçá-las em três: as de natureza política, econômica e sócio-

cultural.

Considerando a profundidade da economista e pesquisadora da realidade

africana e angolana, creio ser importante salientarmos minuciosamente as causas que ela

nos oferece, para o nosso enriquecimento, no entendimento das manifestações da

questão social em Angola, sobretudo aquelas que se prendem ou não com a cidadania.

a). Causas de natureza política. Entre tantas podemos enumerar as seguintes causas:

1. A diversidade de identidades sociais e culturais e de valores e interesses dos grupos

étnico-lingüísticos; 2. A existência das distinções sociais e de classe entre “assimilados

ou civilizados” e “indígenas / vambalundu”, impostas durante o período colonial aos

vários grupos étnico-lingüísticos; 3. A concentração do poder numa classe ou grupo

83 Consideravam-se zonas de ”luz verde”, as que permitiam de certa maneira algum movimento que correspondiam a mais ou menos 20% do território vastíssimo, fora de qualquer controle do estado. Nós os missionários podíamos ter algum contato com estas zonas vedadas pelas forças de oposição rebelde, como era catalogada. Portanto, nas zonas de luz verde, as mulheres e os filhos dos poderosos podiam estudar enquanto os filhos dos pobres eram enviados para as frentes de combate para servirem de alimento para os canos das armas e perecerem ingloriamente. Eram ainda zonas aonde as ONGS podiam fazer a distribuição de alimentos para o número bem reduzido dos pobres que eram visíveis.

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social e a sua incapacidade em reconhecer a legitimidade dos valores e interesses dos

outros; 4. A ausência de meios institucionais, através dos quais, os excluídos, do poder

efetivo possam identificar-se e satisfazer suas necessidades e interesses; 5. A

inexistência de um enquadramento legal (e meios efetivos para a sua execução) que

possibilite a avaliação ou conciliação de interesses divergentes, de forma a que os vários

grupos em todo o país se sintam legitimados; 6. A violação sistemática dos direitos

humanos fundamentais, a corrupção pessoal e a institucional; 7. As influências externas

perversas tornam agudas as diferenças e tensões entre os grupos por razões econômicas

e/ou geo-estratégicas (ibidem).

b). Causas de natureza econômica. As causas desta natureza apresentam-se do

seguinte modo:

1. As extremas desigualdades na distribuição de rendas provenientes dos recursos

naturais e das riquezas em geral; 2. Os graves desequilíbrios regionais e urbano-rurais,

devido, em parte, ao centralismo ineficiente; 3. A distorcida política macroeconômica e

a total falta de confiança nas reformas governamentais; 4. Os elevados níveis de pobreza

e exclusão social (ibidem).

c). Causas de natureza sócio-cultural. Estas causas podem ser sintetizadas nas

seguintes:

1. A sistemática negação dos direitos sociais, traduzida na inexistência de infra-

estruturas básicas em todo o país, incluindo nos domínios da educação e da saúde; 2. A

generalizasa desigualdade social devido à aplicação de um sistema baseado na exclusão

e na falta de solidariedade (dado cultural perdido); 3. A manipulação dos sentimentos

étnicos e regionais por parte dos principais líderes políticos e militares; 4. A imposição

à maioria da população de uma identidade cultural não africana.

Pelo fato de a maioria da população angolana ser analfabeta, foi fácil ludibriá-la,

conforme as grandes intenções dos dominadores, sejam eles de A ou de B. Diante de

mentes obscurecidas 84, entendemos que se aplicou ao povo angolano o princípio latino,

84 Quando falo em mentes obscurecidas, refiro-me não só ao povo sem analfabeto, mas ao povo feito analfabeto. Aque estou me referindo da realidade vivenciada, isto é, da comunidade feita refém dos poucos dominadores políticos, econômicos, sociais, ulturais, etc. Mesmo sem ter passado pela escola formal o povo teria condições de gerir sua história. Mas estamos diante da produção da vítima realizada pelos limites do ondjango (cultura), pela colonização e pelas guerras genocidas e fratricidas sucessivas.

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usado pelos romanos, por ocasião da expansão do império e do domínio apresentados

como indestrutíveis. Os limites impostos ao povo local ao acesso do desenvolvimento

intelectual e reflexivo constituiu uma grande arma de submeter à comunidade local aos

movimentos do dominador de modo a não interrogar-se sobre as razões de ser das

coisas, e sim, viver conforme os desejos dos dominadores da história angolana, a

minoria contra a maioria, sempre servil, obrdiente e feito “corpos dóceis”, segundo

Foucault (2004, p.117).

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3 MUNDO CULTURAL: CULTURA NA REALIDADE BANTU

3.1 Conceituando Cultura

Cultura enquanto termo “principiou a ser usado na Alemanha no séc. XVIII. Foi

empregado, pela primeira vez, por Edward Tylor, estudioso inglês, em 1871”

(CHINOY, 2003, p.52). Para o mesmo autor, não se entende cultura sem sociedade. E a

sociedade humana coexiste com a cultura e a cultura humana só existe dentro da

sociedade (ibidem). “Toda a sociedade possui um modo de vida ou (...) uma cultura,

que define modos apropriados (...) de pensar, agir e sentir” (ibidem, p.52).

Sociologicamente falando, a cultura faz referência daquilo que os indivíduos de uma

sociedade aprendem, vivenciam, partilham, acreditam, praticam seguindo determinadas

regras. Afinal “cultura de uma sociedade, em certo ponto, é aquilo que faz [da

sociedade] uma sociedade” (ELIOT, 1948, p.158).

A esse respeito, Tylor definirá a cultura como “todo o complexo que inclui

conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume, e qualquer aptidões adquiridas pelo

homem como membro da sociedade” (ibidem). E para George Murdock, seriam os

padrões, as crenças e as atitudes em função das quais agem as pessoas. Ainda para este

autor, a cultura possui sua importância no fato de ela proporcionar conhecimento e

técnicas que permitam ao homem sobreviver, física e socialmente, dominando e

controlando, na medida do possível, o mundo circundante.

Eliot (1948, p.159), na mesma linha, vê a cultura como modo de vida popular; é,

“antes de tudo, o que os antropólogos entendem [como] modo de vida de um

determinado povo vivendo junto em um lugar”; ainda ele entende por cultura não

apenas um modo de vida, mas “o modo total de vida de um povo, do nascimento ao

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túmulo, da manhã até à noite e mesmo durante o sono” (EAGLETON, 2005, p.161).

Comentando, Eagleton entende que a cultura nunca pode ser totalmente consciente, e

não pode ser planejada porque é sempre o pano de fundo inconsciente do nosso

planejamento. Continuando, ele diz que a cultura nunca pode ser trazida inteiramente

para a consciência, e a cultura da qual estamos inteiramente conscientes nunca é a

totalidade da cultura (ibidem). Eagleton, completando sua idéia sobre cultura, cita Eliot

(1948, p.27) que diz: “A cultura pode mesmo ser descrita simplesmente como aquilo

que faz a vida valer a pena ser vivida”.

Ainda a centralidade da importância da cultura consiste no fato de a mesma ser

simultaneamente aprendida e partilhada. Os homens adquirem seus hábitos, e crenças,

suas habilidades e conhecimentos no decurso de sua vida, mas não os herdam. Daí a

importância da sociedade na compreensão e vivência da cultura. E nenhuma cultura

poderia existir sem sociedade. Mas, igualmente, nenhuma sociedade poderia existir sem

cultura. Sem cultura, não seríamos sequer “humanos”, não teríamos língua para nos

expressar, nenhuma noção de autoconsciência e nossa habilidade de pensar ou

raciocinar seria severamente limitada, diz Giddens (2005, p.38). O caráter aprendido e

partilhado da cultura nos proporciona a herança social do homem (CHINOY, 2003).

Desse modo, Chinoy (2003, p.58-59) mostra que qualquer cultura apresenta suas

componentes que a identifica, agrupadas em três categorias: 1ª. As instituições (com

suas regras ou normas que governam o comportamento); 2ª. As idéias (toda a variedade

de conhecimentos e crenças – morais, teológicos, filosóficos, científicos, tecnológicos,

históricos, sociológicos, etc.); 3ª. Os produtos ou artefatos materiais (produzidos pelos

homens e por eles usados no transcurso de sua existência coletiva).

A visão antropológica que se tem conceitua o que é cultura. Por isso é que o

conceito de cultura nos mostra o modo de ser, viver, pensar e agir de um povo. Por este

motivo, Mondin (1980, p.176) define o homem, como “homo culturalis”, isto é, o

homem como ser cultural. A antropologia oferece várias visões sobre cultura. Considero

pertinente, a visão de Aranha & Martins (2003, p.25) que definem a cultura como,

totalidade de construção existencial. Assim, estas autoras definem a cultura com as

seguintes palavras:

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Cultura significa tudo o que o ser humano produz ao construir sua existência: práticas, teorias, instituições, valores materiais e espirituais. Se o contato com o mundo é intermediado por símbolos, a cultura é o conjunto de símbolos elaborados por um povo. Dada à infinita possibilidade humana de simbolizar, as culturas são múltiplas e variadas: são inúmeras as maneiras de pensar, de agir, de expressar anseios, temores, sentimentos em geral. Por isso mudam as formas de trabalhar, de se ocupar com o tempo livre, mudam as expressões artísticas e as maneiras de interpretar o mundo, tais como o mito, a filosofia ou a ciência. Neste processo de transformação, vale bem lembrar que a ação humana é coletiva, por ser exercida como tarefa social, pela qual a palavra toma sentido pelo diálogo.

Esta idéia é bem esclarecida pela Declaração sobre a Diversidade Cultural

(DUDC, 2001), entendendo que a cultura deveria ser considerada como conjunto dos

traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos, que caracterizassem uma

sociedade ou um grupo social, e que ela incluísse, além disso, as artes, os modos de

vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valor, as tradições e as crenças.

Nesse sentido, cultura é a essência de um povo. E não existe povo sem cultura.

A abordagem de Azcona mostra que a cultura se relaciona com as múltiplas e

diversificadas esferas da vida. A propósito, salienta que a cultura está “vinculada ao

orgânico e às realidades que transcendem o quotidiano da vida natural e social”

(AZCONA, 1993, p.17), apresentando-se na existencialidade peculiar e autônoma do

individuo. Sendo assim, acrescenta o autor, que o indivíduo acaba “sendo (...) incapaz

de reconhecer nela as pegadas de seu criador – ele mesmo, entre e com ou outros. -

Apesar de ser uma criação humana, apresenta um rosto inumano” (ibidem).

Freire enriquece esta conceituação de cultura, entendendo o homem como aquele

que “enche de cultura os espaços geográficos e históricos” (FREIRE, 2003b, p.30). Ele

vê a cultura como criação humana e não algo natural; como ato criativo e re-criativo,

como no-lo diria Rousseau. Afinal, no entender de Estevan (1963, p.7), “cultura e’, sem

dúvida, um conceito de extensão miseravelmente vasta. A rigor, quer dizer tudo que não

é exclusivamente natureza e passa a significar praticamente tudo num mundo como o

de hoje penetrado por todas as artes pelo trabalho criador humano”. Continuando com

a sua nobre idéia de Estevan, Brandão (2002, p.37) salienta que “a cultura, que é a

natureza transformada e significada pelo homem, deve ser produzida de modo a”,

continua Estevan (1963, p.8-9), “garantir a um nível cada vez mais integral a

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realização do ser humano no mundo”. Assim, Freire (ibidem, p.30-31) conclui o esta

reflexão, dizendo que,

cultura é tudo o que é criado pelo homem. Tanto uma poesia como uma frase de saudação. A cultura consiste em recriar e não de repetir. O homem pode fazê-lo porque tem uma consciência porque tem uma consciência capaz de captar o mundo e transformá-lo. Isto nos leva a uma segunda característica da re-criação: a conseqüência, resultante da criação e re-criação que assemelha o homem a Deus. O homem não é, pois, um homem para a adaptação. A educação não é um processo de adaptação do individuo à sociedade. O homem deve transformar a realidade para ser mais. [Assim], o homem se identifica com a sua própria ação: objetiva o tempo, temporaliza-se, faz-se homem-história. (...) O homem (...) está no tempo e abre uma janela no tempo: dimensiona-se, tem consciência de um ontem e de um amanhã.

Para Freire (2003a, p.132), o homem se nos apresenta “como um se criador e re-

criador que, através do trabalho, vai alterando a realidade”. Freire (2001, p.38) insiste

dizendo que a cultura,

por oposição à natureza, que não é criação do homem, é a contribuição que o homem faz ao dado, à natureza. Cultura é todo o resultado da atividade humana, do esforço criador e recriador do homem, de seu trabalho por transformar e estabelecer relações de diálogo com outros homens. Cultura é também aquisição sistemática da experiência humana, mas uma aquisição de informações armazenadas na inteligência ou na memória e não “incomparadas” no ser total e na vida plena do homem. Neste sentido, é lícito dizer que o homem se cultiva e cria a cultura no ato de estabelecer relações, no ato de responder aos desafios que lhe apresenta a natureza, como também, ao mesmo tempo, de criticar, de incorporar a seu próprio ser e de traduzir por uma ação criadora a aquisição da experiência humana feita pelos homens que o rodeiam ou que o precederam. Não só por suas relações e por suas respostas o homem é criador de sua cultura, ele é também “fazedor” da história. Na medida em que o ser humano cria e decide, as épocas vão se formando e reformando. [Portanto], na medida em que o homem, integrando-se nas condições de seu contexto de vida, reflete sobre elas e leva respostas aos desafios que se lhe apresentam, cria cultura.

Diante das perguntas: quem fez, como fez, quando fez, por que fez, surgem os

conceitos básicos da necessidade, do trabalho, da cultura, da subsistência. Destes

conceitos resultam a necessidade, a relacionalidade, o conhecimento, o trabalho e a

transformação (ibidem). Assim, como descreve a Ação Popular (1963, p.1),

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cultura é o processo histórico (e portanto de natureza dialética) pelo qual o homem, em relação ativa (conhecimento e ação) com o mundo e com os outros homens, transforma a natureza e se transforma a si mesmo, constituindo um mundo qualitativamente novo de significações, valores e obras humanas e realizando-se como homem neste mundo humano.

Tudo o que acabamos de refletir até ao momento só nos faz entender, como dizia

Montiel (2003, p.18), que,

A cultura é uma elaboração comunitária mediante a qual os indivíduos se reconhecem, se auto-representam e assinalam significações comuns ao mundo que os rodeia. Tradicionalmente a produção social da cultura tem suas fontes em âmbitos históricos ou espaciais precisos, onde se assenta uma “nação”, ou áreas geográficas específicas, marcadas pela presença de povos ou etnias, uma história política ou de crenças religiosas compartidas.

Em África, sobretudo em Angola, entendemos por cultura todo o processo que

tem a ver com o mundo da e/ou de vida. Trata-se da cultura vital, da cultura da

oralidade, da fala, do relato e da escuta e como cultura que promove a virtude da escuta.

Entretanto, para Altuna, a tradição oral não constitui única fonte principal de

comunicação cultural. “É uma cultura própria e autêntica porque abarca todos os

aspectos da vida e fixou no tempo as respostas às interrogações dos homens”

(ALTUNA, 1993, p.33).

À medida que abrange a totalidade dos aspectos vitais e da temporalidade, a

mesma se encarrega de responder aos questionamentos dos homens. O tempo tem o

papel de descrever, relatar, ensinar e discorrer a respeito da vida. A cultura é a

linguagem mais perfeita do homem. Daí, Heidegger (2004, p.7), falando desse homem

cultural enquanto ser permanentemente locutor, diz:

O homem fala. Falamos quando acordamos e em sonho. Falamos continuamente. Falamos mesmo quando não deixamos soar nenhuma palavra. Falamos quando ouvimos e lemos. Falamos igualmente quando não ouvimos e não lemos e, ao invés, realizamos um trabalho ou ficamos à toa. Falamos sempre de um jeito ou de outro. Falamos porque falar nos é natural. Falar não provém de vontade especial.

Em termos materiais, artísticos, filosóficos, científicos, literários, etc., a cultura

foi pensada, no linguajar de Veiga - Neto (2003, p.7), como sendo, “durante muito

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tempo, (...) única e universal”. Aqui reside a concepção errônea da antropologia

européia, sobretudo quando tenta falar da “evidencia social da cultua” (AZCONA,

1993, p.34). Deste modo, continua Veiga – Neto (ibidem), ”a modernidade (...) esteve

(...) mergulhada numa epistemologia monocultural”. E, de modo mais sintético, “a

educação era entendida como caminho para o [alcance] das formas mais elevadas da

cultura, tendo por modelo as conquistas já realizadas por grupos sociais mais educados

e, por isso, mais cultos”.

Aproxima-se à compreensão e vivência cultural gandense, benguelense,

angolano e africano, o conceito oferecido por Hall (2003, p.134), definindo a cultura

como “local de convergência”. É exatamente no encontro saudável do “Ondjango”

gandense e angolano, onde se faz acontecer o “encontro vivo”, que na cultura bantu,

significa “relação”, “comunicação”, “comunhão” com tudo e com todos,

“convivência”, e “autêntica reciprocidade”, segundo Lukamba (1981, p.23-24). Este

encontro vivo (ondjango) feito de ohango (conversa) / ulonga (relato dos momentos da

vida), constitui um verdadeiro diálogo e é um encontro humanizante entre os homens.

O “encontro vivo”, o ondjangiano, segundo Lukamba (ibidem, p.36-37),

acontece na cultura umbundu do Centro/Sul de Angola, como “sinal que serve de

suporte para a compreensão antropológica umbundu [enquanto vida e língua local]”

(ibidem, p.36-37). Lukamba esclarece esta referência “sinal”, culturalmente importante,

dizendo:

E dentro do complexo quadro da vida como essencialmente “relação” e na qual a linguagem é como que “seiva” que em todos circula e a todos une, o “sinal”, na cultura umbundu, vem a ser exatamente aquela ‘palavra’, aquele ‘gesto’, aquele ‘eco’ ou ‘som’ em ordem à comunhão. O sinal é, em poucas palavras, aquela mensagem viva que como arco aceso aproxima e une dois ou mais coisas ou um objeto, nem sequer a pessoa como tal, mas é fundamentalmente aquele arco vivo que relaciona e une uma realidade à outra. É sim uma ‘palavra, gesto, som ou eco’ que, transmito uma mensagem capaz de ser entendida pelo outro, provoca nele uma resposta que ‘move’ os interlocutores num diálogo vivo que os faz ultrapassar a si mesmos (...) em ordem a uma comunhão aberta a todos os seres pessoais e impessoais. Eis porque o fundamental do “sinal” está precisamente na sua capacidade de ‘relacionar’, de estabelecer sem limites relações entre diversos universos interiores. Neste sentido, o “sinal” é efetivamente uma verdadeira etapa elementar na infinita ‘rede’ das relações entre todos e com a inteira criação. O “sinal” deve tornar possível a ‘passagem’ da imensidade de relações infinitas entre tudo e

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todos. Tudo isto pode ser enriquecido e esclarecido pela relação-diferença entre o “sinal” e o “símbolo” na cultura umbundu.

Freire, ao fazer sua vigem a África, abriu nova página em sua vida, sobretudo,

quando ele, conversando com seu amigo Guimarães, reconhece a cultura da África como

uma cultura da oralidade, da audição, e não da escrita.

Por isso, segundo ele, o educador tinha uma grande tarefa de fazer um itinerário

paulatino que parta da sonorização. Por isso ele diz: “na África, meu querido Sérgio, a

gente está enfrentando uma cultura cuja memória por “n” razões, que não interessa

aqui agora conversar, é auditiva, é oral, e não escrita” (FREIRE & GUIMARÃES,

2003c, p.61).

Daí, eles intitulavam esta obra “A África ensinando a gente”. Nesta cultura o

diálogo (ohango) na vida comunitária (ondjango), torna-se uma exigência, “fenomeniza

e historiciza a essencial intersubjetividade humana; ele é relacional e, nele, ninguém

tem iniciativa absoluta” (FREIRE, 2004a, p.16).

3.2 Categorização da cultura.

Conforme vimos tratando, a cultura apresenta-se como conceito totalmente

inclusivo, que seus principais componentes identificam-se, rotulam-se, analisam-se e

relacionam-se uns aos outros (CHINOY, 2003). Tais componentes são, normalmente,

agrupáveis em três grandes categorias (ibidem, p.58-59):

a) As instituições, a saber, as regras ou normas que governam o

comportamento; b) As idéias, isto é, toda a variedade de conhecimento e crenças –

morais, teológicos, filosóficos, científicos, tecnológicos, históricos, sociológicos, e assim por diante;

c) Os produtos ou artefatos materiais que os homens produzem e usam no curso de sua existência coletiva.

1. Enquanto instituições, no entender de “The Race Concept” (1952, p.11),

cultura, são “padrões normativas que definem o que se entende por modos de ação ou

de relação social adequados, legítimos e esperados”.

As referidas normas ou regras compenetram a totalidade do tecido da vida

social. Chinoy (2003, p.59) exemplifica algumas áreas da vida social: “como comemos

e o que comemos, como nos vestimos, nos enfeitamos, respondemos aos outros, como

cuidamos das crianças ou dos velhos e como procedemos na presença do sexo oposto”.

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Acreditamos que nem toda conduta humana em sociedade é ajustável a normas,

explicitas ou implícitas, entretanto, é lógico que boa porcentagem das ações humanas

em sociedade é fruto de normas padronizadas e aceitas na conduta aprendida de outrem

e partilhadas em grupo e em organização social.

Portanto, instituição, segundo a tradicional visão de Sumner (1906, p.53-54) “é

um conceito (idéia, noção, doutrina, interesse) e uma estrutura”. A estrutura é a

armação, ou o aparelho, ou talvez apenas o número de funcionários destinados a

cooperar de maneiras prescritas em certa conjuntura. A estrutura encerra o conceito e

fornece os meios para trazê-lo ao mundo dos fatos e da ação de uma forma que sirva aos

interesses dos homens na sociedade. As normas e o grupo já se incluem nesta definição.

2. Enquanto idéias, na visão de Chinoy (2003, p.64), a cultura abrange “uma

série variada e complexa de fenômenos sociais. Inclui a crença dos homens acerca de si

e do mundo social, biológico e físico em que vivem, acerca das relações uns com os

outros, das suas relações com a sociedade e a natureza e das suas relações com os

outros seres e forças que venham a descobrir, aceitar ou fazer aparecer”.

Este componente abrange, conforme no-lo aclara este autor, a totalidade e a

vastidão do corpo de idéias com que a humanidade explica sua observação e

experiência, tais como, a folclore, as lendas, os mitos, os provérbios, a teologia, a

ciência, a filosofia, o conhecimento prático, e que consideram ou no qual se apóiam por

cursos alternativos de ação.

Ainda as idéias abarcam o modo “como os homens expressam seus sentimentos

em relação a si mesmos e aos outros e suas respostas, emocionais e estéticas, ao mundo

que os rodeia” (ibidem). Neste sentido, diz Chinoy (ibidem), que além das idéias

cognitivas e expressivas, os homens também aprendem e partilham os valores que lhes

governam a vida, os padrões e os ideais pelos quais definem suas metas, escolhem um

curso de ação e se julgam a si e aos outros: êxito, racionalidade, honra, coragem,

patriotismo, lealdade, eficiência.

As idéias, tal como diz este autor, representam igualmente as atitudes partilhadas

de aprovação ou desaprovação, os juízos do que é bom ou mau, desejável ou

indesejável, em relação a pessoas, coisas, situações e acontecimentos específicos

(ibidem).

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As idéias partilhadas pelos homens, cognitivas, expressivas e estimativas,

consistem num corpo de símbolos através dos quais eles podem comunicar-se entre si.

Nesta ótica, a comunicação acaba sendo um processo social fundamental, pois é apenas

pela traça de idéias que se torna possível a vida social organizada. E é exatamente a

linguagem simbólica que distingue os homens do resto das criaturas. Assim, torna-se

necessário nos determos na conceituação de comunicação. Mas antes de tudo leiamos o

que Terena nos oferece:

quero escutar a sua mensagem com a mesma ansiedade com que vocês estão esperando. São pessoas raras no nosso mundo moderno quando debates como esses já estão ficando fracos, porque a linguagem hoje é a do computador, a da internet. Fazem-se grandes conferências, mas não sentimos o espírito das pessoas, o olhar das pessoas, a impaciência das pessoas e também a alegria das pessoas. (TERENA, 2004, p.18)

A partir da afirmação do índio Terena, podemos entender a comunicação como

gama de conhecimentos (lingüísticos, antropológicos, sociológicos, filosóficos e

cibernéticos) relativos aos processos comunicativos (RABAÇA & BARBOSA, 2002).

Segundo esses autores, comunicação é uma palavra oriunda do latim “communicare”

que significa “tornar comum, partilhar, repartir, associar, trocar opiniões,

conferenciar. Implica participação, interação, troca de mensagens, emissão ou

recebimento de informações novas” (ibidem, p.155-156). Nesse sentido uma mensagem

sem resposta não resulta em comunicação.

Comunicação, na visão de Cherry (1971), é o estabelecimento de uma unidade

social entre os seres humanos, pelo uso de signos de linguagem. Nesta ótica toda e

qualquer comunicação procede por meio de signos, com os quais o organismo afeta a

conduta do outro. Cherry remata dizendo que comunicação não significa resposta em si

mesma, mas relação estabelecida com a transmissão do estímulo e a evocação da

resposta. É a partilha de coisas externas, da própria interioridade, das intimidades

conscientes e inconscientes, das idéias, das vontades, das emoções e comoções.

John DEWY (1966), falando da comunicação, acreditava ser ela o processo da

participação experiencial tornada em patrimônio comum. Permite a modificação da

disposição mental das partes sincronizadas. Nesse caso, a existência da comunidade

deve-se à transmissão e à comunicação.

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Comunicação refere-se à transmissão verbalizada, explicita e intencional da

mensagem, a processos por meio dos quais as pessoas influenciam-se umas às outras, às

ações ou eventos com aspectos comunicativos enquanto percebidos pelos humanos. A

respeito disso, Weaver (2001) inclui, na comunicação, a totalidade dos procedimentos

através dos quais a mente pode afetar outra mente, [o que] envolve a linguagem escrita,

oral, música, artes pitorescas, teatro balé que envolve a totalidade do comportamento

humano. Inclui, ainda, a transmissão de informações, idéias, emoções, habilidades,

usando símbolos, tais como: palavras, imagens, figuras, gráficos, etc. (BERELSON &

STEINER, 2002).

Neste sentido, comunicação é estar em relação. É a ação de pôr em comum, de

compartilhar idéias, sentimentos, atitudes. É a interação; é a troca de experiências

socialmente significativas; é o esforço para as convergências de perspectivas,

reciprocidades de pontos de vista; implica certo grau de ação conjugada ou cooperação.

Daí a necessidade de signos, de regras diretivas, de convenções, tácita e coletivamente

aceitas sem arbitrariedades.

Afinal, a existencialidade humana torna-se possível só através da comunicação

que permeia todo o “mundo da vida ou Lebenswelt” (HUSSERL, 2002, p.47). E, onde

existe a vida, aí existe a comunicação. Tal comunicação introduz a idéia de comunhão e

comunidade. A comunicação torna a comunidade vida, compartilha informações, idéias

e atitudes. Traz a comunidade para a vida participativa, solidária e comunional. E, se

onde existe a vida, se visibiliza o alguma maneira comunicativa, então a comunicação

pode ser entendida em diversos aspetos, tais como: biológico, pedagógico, histórico,

antropológico, psicológico e estrutural.

Na dimensão biológica, comunicação é uma atividade sensorial e nervosa; na

pedagógica, é o meio pelo qual os homens chegam a possuir coisas em comum e é

essencialmente uma atividade educativa, é o processo de transmissão de experiências e

ensinamentos; na histórica, é a única forma de sobrevivência social, é o instrumento de

equilíbrio que permite o entendimento entre os homens; na sociológica, é a transmissão

de significados entre as pessoas no processo de inserção e integração do indivíduo na

organização social, possibilita as relações sociais; na antropológica, é o veículo de

transmissão ou formador da bagagem cultural de cada individuo na sociedade. Sem

comunicação entre os humanos não existe cultura.

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Comunicação é o instrumento formador de cultura; na psicológica, é o fenômeno

capaz de modificar o comportamento do individuo. É o meio que permite ao indivíduo

transmitir estímulos, modificando assim a conduta de outros indivíduos e na estrutural,

é o processo de transmissão e recuperação de informações.

Aqui apontamos a dinamicidade, vivacidade e a significação da comunicação no

processo de transmissão de experiências vividas. Daí o uso dos meios de comunicação

para socializar essas experiências vividas. Cada vida e cada vivente-humano é, em si,

uma comunicação.

Pensando bem, o encontro entre um Eu e um Tu (BUBER, 2004, p.18) favorece

a comunicação-diálogo. Afinal de contas, Buber desenvolve uma verdadeira “ontologia

da palavra”85 atribuindo a ela, como palavra falante, o sentido portador do ser. E é

através dela que o homem se introduz na existência. Não é o homem que conduz a

palavra, mas é ela que o mantém no ser. Para Buber a palavra proferida é uma atitude

efetiva, eficaz e atualizadora do ser do homem. Ela é um ato do homem através do qual

ele se faz homem e se situa no mundo com os outros (ibidem, p.30).

Portanto, para que a comunicação aconteça, por incrível que pareça, é necessário

ter-se em conta o esquema aristotélico, onde a pessoa fala - fonte; o discurso que é

pronunciado - mensagem e a pessoa que é escuta - receptor. Esquematicamente, a

comunicação persegue o seguinte caminho: A fonte de informação seleciona de uma

gama de mensagens possíveis em sinais uma; o emissor converte-a em sinais, seguindo

determinado código; tais sinais são transmitidos ao destinatário por um canal adequado;

o receptor decodifica-os, recuperando assim a mensagem original. Traduzindo essa

mensagem para a realidade humana, que por natureza fala, seu cérebro constitui essa

fonte informativa; o cérebro do meu interlocutor é o destinatário; meu transmissor é o

sistema vocal; o ouvido de meu interlocutor é o receptor e o ruído, a voz, é o canal que

interfere na comunicação positiva ou negativamente, isto é, na recepção ou não da

mensagem emitida (SHANNON & WEAVER, 2002).

85 Ao falar em “ontologia da palavra”, Buber mostra que a palavra é portadora de ser, é o lugar onde o ser se instaura como revelação. É o princípio, fundamento da existência humana. Portanto, a palavra-princípio alia-se à categoria ontológica do “entre” (“zwinschen”) objetivando instaurar o evento dia-pessoal da relação. Neste sentido, a palavra como dia-logo é o fundamento ontológico do inter-humano. A ontologia da relação será o fundamento para uma antropologia que se encaminha para uma ética do inte-humano. Diz-se então que o homem é um ente de relação ou que a relação lhe é essencial ou fundamento de sua existência (ibidem, p.30-31)

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Segundo Lasswell (2001, p.162-163), no processo de comunicacional, não basta

o ouvir e o escutar. É muito importante o “exame cientifico” ou a análise do escutado.

Para o efeito, este autor oferece-nos “sete quês”: quem disse? - implica uma análise de

controle; disse o quê? – implica uma análise de conteúdo; em que canal disse? –implica

uma análise dos meios; a quem disse? – implica uma análise de audiências; com que

efeitos? – implica a análise do efeito; com que intenções disse? – implica a análise dos

objetivos; em que condições? – implica a análise das condições em que a mensagem foi

acolhida. Desse modo estaremos em condições de falar da comunicação no processo

educacional.

Trata-se de uma comunicação que se manifesta de diversos modos: o homem se

comunica quando fala e quando cala, quando canta ou contempla, quando digita ou

assiste a um programa de TV, no cinema ou no baile, no óbito ou na festa, no choro ou

no beijo carinhoso, na noite escura do cantarolar dos passarinhos ou no berro dos

animais, no silêncio ou na agitação da vida, na poesia ou na prosa, ao nascer ou ao

morrer, na infância ou na terceira idade, na escola ou em casa, no amanhecer ou no

entardecer, ao dormir ou ao levantar-se, ao respirar ou ao suspirar, na flora ou na

savana, no campo ou na cidade, em casa ou no trabalho, no bairro ou na cidade, no amor

ou no ódio.

O homem se comunica quando se emociona, chora, canta, corre, toca, dança,

quando se indigna. O homem se comunica quando anda ou quando pára, quando reflete,

pensa, discursa, executa, cria, recria, transforma, etc. Não se entende o homem sem a

comunicação. Todo o seu viver e existir é uma comunicação. Vedá-lo da comunicação é

negar-lhe a existencialidade, é excluí-lo do mundo da vida. O homem é visto por

Heidegger como ser em comunicação permanente. Nesse sentido, Heidegger (2004;

p.79) diz que

o homem fala. Falamos mesmo quando não deixamos soar nenhuma palavra. Falamos quando ouvimos e lemos. Falamos igualmente quando não ouvimos e não lemos e, ao invés, quando realizamos um trabalho ou ficamos à toa. Falamos sempre de um jeito ou de outro. Falamos porque falar é natural. Falar não provém de uma vontade especial. Costuma-se dizer que por natureza o homem possui linguagem (...). A linguagem é o que faculta ao homem a ser o ser vivo que ele é enquanto homem (...). O pensamento busca elaborar uma representação universal da linguagem (...). Queremos pensar a linguagem ela mesma e somente desde a linguagem. A linguagem, ela mesma: a linguagem e nada além dela (...). A linguagem ela mesma é linguagem (...). A linguagem fala (...). Para pensar a linguagem é

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preciso penetrar na fala da linguagem a fim de conseguirmos morar na linguagem, isto é, na sua fala e não na nossa.

A partir da linguagem, diz Buber (2004, p.31), “a ontologia da relação [eu - tu]

será o fundamento para uma antropologia que se encaminha para uma ética do inter-

humano”. Desta maneira, entenderemos o homem como sendo um ente de relação ou a

essencialidade da relação e o fundamento da existencialidade. A linguagem, entendida

por Buber, como verdadeira ontologia da palavra falante, é portadora do ser. Assim,

segundo este autor (ibidem, p.30),

é através dela [da palavra] que o homem se introduz na existência. Não é o homem que conduz a palavra, mas é ela que o mantém no ser. [Para buber], a palavra proferida é uma atitude efetiva, eficaz e atualizadora do ser do homem através do qual ele se faz homem e se situa no mundo dos outros. [Estamos diante do] sentido existencial da Palavra que pela intencionalidade que a anima, é o princípio ontológico do homem como ser dia-logal e dia-pessoal.

3. Enquanto dimensão material, na abordagem de Chinoy (2003, p.66), cultura

“consiste nas coisas materiais que os homens criam e usam, e que vão desde os

primitivos instrumentos do homem pré-histórico às máquinas mais adiantadas do

homem moderno”.

O material inclui o machado de pedra e o computador eletrônico, a canoa dos

polinésios e o transatlântico de luxo, a choça dos índios e o arranha–céu da cidade

hodierna. Estamos diante dos instrumentos utilizados na determinada cultura e por tais

povos. Isto permite entender os sujeitos com quem nos lidamos.

3.3 Cultura tradicional Bantu.

Nesta temática, trazemos à superfície, de modo sintético, a realidade da cultura

tradicional Bantu. Desenhamos a partir dos mapas referenciados, nos anexos, os povos

que fazem parte da corrente Bantu. Mas a centralidade desta abordagem é a questão da

oralidade nesta cultura e tradição, já que estamos falando do diálogo para a comunidade

ondjangiana que faz parte do grupo Bantu. Salientamos, ainda, a questão da vida como

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valor supremo e fundamento do povo Bantu. Finalmente tacamos na questão da palavra

e da simbologia nesta cultura.

3.3.1 Os povos Bantu

Segundo Altuna (1993), hipoteticamente, os Bantu são oriundos das terras

férteis do sudeste sariano, isto é, do sudeste do lago Tchad (conf. Fig. 9 e 10, anexos).

Diz-se que o povo Bantu constitui uma grande família etno-lingüística, de relações de

parentesco com os Sarianos pré-históricos. Segundo Altuna (ibidem, p.13), as “formas e

expressões lingüísticas negro-sudanesas [são] muito próximas das variantes

[lingüísticas86] Bantu” (conf. Fig. 10, anexos).

Altuna, trazendo à tona Oliver & Fage (1965, p.33), oferece-nos, mesmo que

seja de modo hipotético, a idéia de que a difusão dos Bantu aconteceu gradativamente

de um núcleo do sul do considerado atual centro dos povos Bantu. Assim Oliver & Fage

(ibidem) redigiram o seguinte:

A etapa final da difusão Bantu realizou-se a partir de um núcleo, um pouco ao sul do atual centro de toda a esfera Bantu. Ainda, hipoteticamente, podemos deduzir que os proto-bantu formariam um grupo de pescadores e caçadores que, na idade de ferro, emigraram ao longo dos cursos de água, desde o norte ao sul da floresta equatorial; depressa encontraram e [se] adaptaram as plantas cultivadas pelos primeiros comerciantes emigrados do sul e do ocidente da Ásia.

Os Bantu provêem de uma explosão demográfica. Tenha ela surgido do Sudão

ocidental ou oriental,; das mesetas do Banchi, em Nigéria ou dos planaltos ao norte dos

Camarões (conferir Fig.10), não nos interessa, nessa hora, ainda que tudo aponte para

estas imediações 87. Ao certo nada se sabe. Acalenta-nos saber que lá vão 2.000 ou

2.500 de anos quando estes povos se dispersaram, fazendo, assim, acontecer o maior

êxodo migratório da África. Quais as razões fundamentais e os métodos utilizados para

86 Altuna, ao invés de usar o conceito língua, apresentou o conceito dialeto, expressão, infelizmente, utilizada pela colonização, desprezando as línguas locais. Acredito que ele não tinha esta idéia, entretanto, é tão sintomático que pelo fato de ele ter vivido bastante tempo em África, concretamente em Angola, isto não lhe tira o mérito de ser europeu com toda a carga genética inscrita no seu DNA. Propositadamente substituí “dialectais” por lingüísticas, para ser coerente com a idéia que defendo e acredito. Elas são escritas, possuem gramáticas e livros e muitas delas estão sendo discutidas para se enquadrarem no sistema de ensino tal como outras tantas já incorporadas nesse sistema. Os que as impedem de serem chamadas de línguas? 87 Vizinhanças, circunvizinhanças, cercanias, arredores.

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tal êxodo, fenômeno que se alongou até o século XIX (ALTUNA, 1993), permanece

uma incógnita.

A grande discussão consiste nos grupos lingüísticos. Podemos falar dos grupos

lingüísticos? É muito complicado enveredar por este caminho, mas eu opto por aqueles

que apresentam três grupos lingüísticos fundamentais: o Sudanês, o Bantu e o Camita,

como o descreve Altuna (ibidem, p.20).

Na mesma perspectiva, Westermann & Baumann (1970, p.35-89) dividem as

línguas africanas em três grandes grupos: “línguas Kohoi-san, línguas dos negros

(Sudanês, Bantu e Nilótico) e línguas Camito-semitas”. A divisão ora apresentada

relaciona-se com a questão racial e aponta para a unidade inter-racial e lingüística. Estes

elementos apontam para a identificação dos grupos segundo seus grupos lingüísticos.

Deste modo, continua o autor em questão, os Bosquímanes e os Hotentotes

protegem a língua Khoi-san e perfazem seis grupos; as línguas sudanesas, localizadas

no Sahara e no Equador, compreendem seis grupos: negríticos – estendem-se (pelo

norte da Etiópia, Núbia, Kordofán, Darfur, norte do Zaire e parte da Uganda, região

Ubangui, parte de Camarões, montes Atlânticas). As línguas Kwas formam o grupo

principal das negríticas da África Ocidental. São faladas nos Camarões, ao norte e sul da

Nigéria, regiões do Benim, Gahana, Togo e Costa do Marfim. As línguas mandé ou

mandingué ocupam o Alto Senegal, Alto Níger e Sudeste da Nigéria. Os semito-bantu

encontram-se no Kordofán, Camarões Central, Delta do Níger, Benué, Zaria, Centro e

norte da Nigéria, parte do Togo, norte da Costa do Marfim, do Gahana, de Benim e nos

grupos Mossi e Peul. As línguas do interior do Sudão encontram-se entre o Kordofán e

Nigéria. Abrangem Tchad, Darfur, Uadai, Mongalla, Montes Mandaras, Bornú e

Adamawa. Somente o grupo sudanês compreende 43 grupos lingüísticos com algumas

centenas de subgrupos. Os vocábulos dos três primeiros grupos assemelham-se aos dos

Bantu. (conferir Fig. 10).

Desta maneira, podemos afirmar com Altuna (ibidem, p.23) que as línguas

Bantu formam o grupo mais maciço e uniforme. São tão semelhantes que se torna difícil

classificá-las. As mesmas são faladas na Uganda, Kénia, Tanzânia, Rwanda, Burundi,

Zâmbia, Moçambique, Zimbabwe, África do Sul, Angola, Zaire, Gabão, Malawi,

Botswana, Lesotho (conferir Fig. 11). Elas mesmas abrangem aproximadamente 200

grupos. Quando falarmos da diversidade cultural em Angola, salientaremos os seus

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grupos etnolingüísticos e os classificaremos para um melhor entendimento de sua

pertença, ou não, aos grupos Bantu.

Afinal, interessa-nos entender que todo o movimento do Bantu deve-se à busca

das condições para a vida, pois a vida constitui o valor supremo do Bantu e tudo gira em

torno dela. O mundo da vida, só terá sentido se for de vida. Uma vida de busca, de luta,

de festa, de usos e costumes, uma vida de símbolos, de mitos para sua identidade e

autodefesa, uma vida festiva. Afinal, uma cultura que tem seu fundamento na vida. Por

este motivo, sou instigado a refletir sobre estes fundamentos. Mas antes acho

conveniente dar algumas linhas gerais sobre a oralidade na cultura Bantu.

3.3.2 Oralidade, vida, palavra e simbologia para o Bantu.

Para tal, faz sentido falar da oralidade na cultura e tradição Bantu. Estamos

diante da cultura oral da África. Trata-se da cultura da fala, do diálogo, da escuta, do

conto, etc. Por se tratar de uma cultura da oralidade, diz Altuna (ibidem, p.32), “em

África, quando morre um velho, desaparece uma biblioteca”. Nesta ótica, continua

Altuna (ibidem) dizendo que,

durante muito tempo se pensou que os povos sem escrita, [eram] povos sem cultura. A África negra [até pouco tempo] não possuía escrita, mas isto não impedia que conservasse seu passado e que seus conhecimentos e cultura fossem transmitidos e conhecidos [de geração em geração].

A apologia de Altuna (ibidem) em relação à cultura da oralidade, resume-se na

dizendo que “a escrita não é um sinal, um símbolo humano como tantos outros? Em

alguns aspectos da cultura, não atingiram certas sociedades um requinte sem utilizar a

escrita? Estas lacunas são falhas históricas e não são carências metafísicas,

consubstanciais”.

A oralidade foi sempre uma grande riqueza cultural. Os povos ágrafos (ibidem)

foram povos de extraordinária memória. E, na África Negra (conf. Fig. 11, dos anexos)

a oralidade constitui, não apenas fonte principal de comunicação cultural, mas uma

cultura própria e autêntica, pois abrange a totalidade dos aspectos da vida e fixou no

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tempo as respostas às interrogações humanas. “Relata, descreve, ensina e discorre

sobre a vida”. A partir desta cultura, diz Altuna (ibidem, p.33),

podemos descobrir o pensamento negro e seus comportamentos individuais e sociais; a riqueza espiritual; o valor didático e histórico; o significado moral e o variado poder de expressão são uma prova eloqüente da “sabedoria negra”[e quem quiser conhecer esta cultura, precisará aprofundá-la para atingir o mundo da vida negro].

Para Bernard Dadié, os nossos contos e lendas, constituem autênticos museus,

monumentos, cartazes das ruas, numa palavra, os nossos únicos livros. Assim, a nossa

cultura tem como base a palavra essencialmente oral. Tal oralidade se completa pelos

ritos e símbolos. Estes, desprovidos da palavra e tradição, acabam sendo ininteligíveis e

ineficazes. A respeito da palavra dominadora do mundo africano, Niane (1976, p.134-

135), é perspicaz quando diz:

Em África, o mundo é dominado pela palavra. A palavra é uma arte e há toda uma literatura elaborada pela oralidade... De fato, a oralidade faz parte da maneira de ser do Negro-Africano: aqui a palavra não voa, permanece e transmite-se piedosamente de geração em geração por intermédio de especialistas, isto é, pelos mestres, os chamados “poços ou sacos de sabedoria”.

Pela oralidade, a palavra ocupa o lugar singular e primordial em cada momento

da vida: nas manifestações artísticas, no culto religioso, na magia, na vida social, etc.

Além de seu valor dinâmico e vital, a palavra é o único meio que nos permite a

conservação e a transmissão do patrimônio cultural. Nesta ótica, a oralidade acaba

sendo, “a biblioteca, o arquivo, o ritual, a enciclopédia, o tratado, o código, a

antologia poética e proverbial, o romanceiro, o tratado teológico e a filosofia”

(ALTUNA, ibidem, p.34).

A oralidade outorga o respeito pelo antepassado que legou a tradição oral e o seu

dinamismo vital comunica-se e prolonga-se até ao indivíduo e ao grupo. Cumpre a

importante função sócio-religiosa. É o laço vital que une os vivos com os antepassados.

A palavra por eles pronunciada torna-se vida na comunidade sensibilizada e conserva

todo o seu vigor através do tempo no canto, mito, gesto, provérbio, palavra ritual e

norma. A palavra é dinamismo, vivifica, e consolida o grupo que a recebe. A palavra é

sempre diálogo, comunhão (ibidem).

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A memória negra é espetacular e prodigiosa. Retém milhares de contos,

provérbios, lendas e mitos. Guarda listas genealógicas, migrações, epopéias e guerras;

nunca esquece os usos, ritos, crenças e costumes. Trata-se de uma sabedoria ativa e

dinâmica, passa pelas aldeias e atinge a todos os seus membros.

A transmissão da tradição realiza-se através dos ritos de iniciação e das diversas

formas de educação, ar livre, no ondjango, nas reuniões com os mais velhos ou

“sábios”, de noite à volta da fogueira, ou privadamente nas escolas de iniciação. Ela é

passada, na família, pelos adultos e na comunidade, pelos velhos, isto sem tirar o mérito

ao principio lapidar: a sabedoria não tem idade, precisa sim de experiência de vida.

A tradição Bantu procura fidelidade na transmissão recordada com pormenores

da narração. A tradição garante, através dos séculos, a veracidade dos fatos. É

importante que, antes de fechar este ponto, colocar à disposição do leitor ou do

pesquisador o elenco das formas literárias orais africanas, trabalhadas por Hampate,

(1975) para entender um pouco este mundo:

1) Fórmulas rituais: orações, invocações, juramentos, bênçãos, maldiçoes,

fórmulas mágicas, títulos, divisas;

2) Textos didáticos: provérbios, adivinhas, fórmulas didáticas, cantos, e poesias

para crianças;

3) Histórias etiológicas 88: explicações populares do porquê das coisas, evolução

das coisas até ao estado atual;

4) Contos populares: histórias só para divertir;

5) Mitos: todas as fórmulas literárias que utilizam símbolos. Melhor, são os

mitos, algumas histórias transmissoras de tradições arcaicas89, de tipo religioso ou

cosmológico, relacionadas com Deus ou com a criação;

6) Récitas: heróico-épicas, didáticas, estéticas, pessoais, mitos, etiologias,

memórias pessoais, migrações;

7) Poesia variada: amor, compaixão, caça, trabalho, prosperidade, oração;

8) Poesia oficial: (histórica), privada (religiosa, individual), comemorativa

(panegírica), poesia culta, ligada às castas aristocráticas e senhoriais, poesia sagrada,

88 Etiologia refere-se ao estudo sobre a origem das coisas. 89 Assim Altuna considera, mas esta afirmação não procede deste modo. Os mitos não só se referem a tradições arcaicas, mas que preservam um mistério indesmistificável. São sinais de defesa de um povo ou cultura, tradicional ou moderna.

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cantada nos ritos religiosos e mágicos, em cerimônias de sociedades secretas, em ritos

fúnebres, poesia que interpreta a filosofia e os mistérios da vida e da morte, poesia

popular, cantada nos jogos, à volta da fogueira, transmissora de ensinamentos morais e

históricos;

9) Narrações históricas. Lista de pessoas e lugares, genealogias, histórias

universais, locais e familiares, comentários jurídicos, explicativos, esporádicos,

ocasionais. Daí a razão da oralidade ser a fonte histórica.

Para não se cair em erros supinos, pensando que a oralidade mostra, tão

somente, a inexistência da escrita em África, é importante salientarmos que, desde os

tempos remotos, se faz o uso de expressões gráficas em África, segundo o reporta

Altuna (ibidem, p.32-33):

A África negra conheceu alguns sistemas de escrita. Certas tribos usaram expressões gráficas. Os Mandingo, Dogão, Bambara e Bozo usaram e ainda usam uma gama muito variada de sinais. Aos Bambara iniciados ensinam 264 sinais-figuras básicos. Os homens do Dogão empregam um sistema semelhante de 22 grupos contendo cada um 12 expressões [perfazendo 264 sinais]. Parece que as mulheres empregam um sistema de sinais-figuras. Terá esta escrita algum parentesco com os hieróglifos90 egípcios? (HAMBATE, 1975, p.88). [Portanto], a tradição negro-africana transmite o essencial. “é um sistema de auto-interpretação. Através da tradição oral, a sociedade explica-se a si mesma... A história falada dos africanos aproxima-se de umas verdade ontológica, ou mais exatamente, ela fixa o olhar do homem nas questões ontológicas ignoradas pela história científica das sociedades européias (ZIÉGLER, 1971, p.163).

Nesta ordem de idéias, Senghol (1970, p.107) reconhece como “erudita” a

literatura. A propósito, nosso pensador africano afirma: “os nossos mestres

encontramo-los no coração da África (...). Os nossos mestres foram, (...) ao longo dos

tempos, chamados ‘mestres da inteligência’ ou ‘videntes’”. Altuna, sem medo de errar,

falando da ação colonialista neutralizadora da oralidade na tradição africana, diz: “a

colonização traumatizou esta tradição oral. Qualificou-a a mais primitiva e o negro

julgava-se inferior se contava, explicava e mostrava conhecer as suas tradições. A

iniciativa passou a fazer-se em lugares retirados e em tempos reduzidos” (ALTUNA,

90 Ideograma figurativo que constitui a notação de certas escritas analíticas, como, p.ex., a egípcia; letra - glífica. [Cf. escrita hieroglífica.]; trata-se de tudo o que é difícil de decifrar.

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ibidem, p.38). Erguendo seu olhar para política declanizadora91 da colonização e

fazendo eco ao pensado pelos africanistas, Altuna (ibidem, p.38-40), veementemente,

dizia:

a escola está a desgastar este ensinamento tradicional. As novas idéias recebidas da Europa não deixam desenvolver no negro “desclanizado” esta literatura tradicional oral. No entanto, ela continua espalhada pela população rural. Se não surge quem continue, recolha e guarde o tesouro da sabedoria negra, acumulada durante milênios, há o perigo de perdê-la, pois se conserva apenas em alguns homens que brevemente vão desaparecer para sempre. As lendas, as fábulas, os contos, [os provérbios, as advinhas, os aforismos 92, as sentenças, as narrações históricas, as orações, as invocações, as benção, as maldições, as fórmulas mágicas, as récitas de adivinhações, os juramentos, as fórmulas propiciatórias e de ações de graças e os cantos fazem parte deste leque da tradição africana]. Essa tradição pode ser narrada ou cantada. Há casos que as narrações são intercaladas pelos cânticos. (...) Com cânticos [ou narrações] ironiza-se, ridiculariza-se, sonha-se, liberta-se, improvisa-se, transmite-se, trabalha-se, guerreia-se, passeia-se e se ama.

Afinal, a África Bantu não é um continente fechado em si, ao contrário, é um

continente aberto à vida, à paz, à harmonia, à solidariedade, à compreensão, à vivência

religiosa. A África Bantu é um continente com um subsolo riquíssimo, com os próprios

valores culturais, com uma história esplendorosa, repleta de humanismo, valorizadora

da vida, mas, também, estigmatizada com sombras espessas, torturas e espinhos

(ibidem). Deste modo, faz sentido trazermos a mensagem cantada com extremosa

ternura, endereçada ao ‘Irmão Branco’, pelo poeta Lamine Sy (ALTUNA, 1993, p.41-

42):

Os dois somos vítimas da destruição do homem Dá-me a tua mão, vamos criar novamente o homem. Estamos plenamente convencidos desta verdade: Não se deve aproximar da África negra aquele que a não deseja conhecer. Como poderá amá-la se desconhece seu rosto? Como a ajudará a libertar-se se desconhece sua alma?...

91 Considero política desclanizadora, aquela que bestializa as culturas tradicionais clânicas, procurando, acima de tudo, eliminar tudo o que cheire a clã ou ao ensinamento tradicional. 92 Sentença moral breve e conceituosa; apotegma, máxima, como por exemplo: “Esse outro aspecto (...), está resumido num aforismo que gostava [Machado de Assis] de repetir, com ligeiras variações, o de que a morte é séria e não admite ironia”. (Barreto Filho, Introdução a Machado de Assis, pp. 20-21, Apud. Dicionário eletrônico Aurélio)

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A vida aparece como valor supremo e fundamento do povo Bantu. Na visão de

Altuna (1993, p.46-47), compartilhada por vários estudiosos e “experts” da cultura

bantu, a vida apresenta-se como princípio e fim de todo o criado e das comunidades

bantu. Ela tem uma causa primeira. Deus é o princípio vital, formador e informador de

todos os seres; é o manancial e a plenitude de vida. O bantu considera a vida como

maior dom de Deus e uma realidade sagrada e de preço inestimável; ela é energia, força

e dinamismo incessante. Para Altuna (ibidem), “os primeiros antepassados receberam-

na de Deus para comunicá-la e defender”.

A vida é misteriosa – mística, entretanto, real e tangível em suas manifestações

e ações contínuas. A vida, a força e o existir constituem a mesma realidade, o valor

fundamental, ontológico, de onde procede a sapiência bantu, com a qual elabora a

totalidade dos raciocínios, motiva as condutas, funda a sua religião, desenvolve e

justifica a magia, solidariza a sociedade e regula a ética (ibidem, p.47).

O povo bantu, não só vive a solidariedade na sua comunidade, como também

sente uma solidariedade indestrutível com o universo, pelo fato de se sentir, com toda a

criação, imersa na interação que tudo anima e agita. Esta solidariedade exige vida

harmoniosa, desconflituada, pacífica, comunal, etc., de modo a garantir a quietude na

vida e união vital fortificante (idem).

A vida une e solidariza os seres entre si e estes com os seus antepassados, pois

que todos se encontram, comungam numa idêntica realidade construtiva, embora

diversamente docilizada. Nesta ótica, Altuna considera que, a vida comunitária reside e

transmite-se pelo mesmo sangue que circula por todos os membros do corpo, a partir de

um epônimo 93. Estamos diante de sociedades ou comunidades definidas como: família,

clã, tribo, nação, onde todos participam da mesma vida. Por essa razão é possível, para

essas comunidades falarmos na íntima relação ôntica 94, partindo da identidade de vida

que circula e enche o mundo invisível e o visível. O modo dessa relação pode tanto

aumentar quanto debilitar ou mesmo aniquilar tal vida. Daí a razão de ser do adágio

latino “talis vita finis ita” 95.

93 Aquele que dá ou empresta seu nome a alguma coisa. 94 De ente. Tudo que é de maneira concreta, fática ou atual independentemente de, em qualquer nível, tornar-se objeto de reflexão; aquilo que existe; coisa, objeto, matéria, substância, ser. 95 Tal vida, assim é o seu fim.

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Só assim é possível entender a vida do existente inteligente, que é, por sinal, a

vida da pessoa humana, o “muntu”, singular do bantu. Trata-se, segundo Altuna (1993,

p.55), de “um ser por si, com vida imanente que o distingue do outro e que estrutura

sua personalidade, constituindo o núcleo ativo e dinâmico do eu”. Cada homem,

quando nasce, recebe a vida, a energia, a potência, também presente em outros seres.

Através da participação vital numa comunidade, o “muntu” submerge-se na participação

cósmica, diz Bahoken (1967, p.11).

Viver significa prolongar os antepassados. Viver não é só mover-se, é,

sobretudo, aparecer com a forma humana, com os olhos que captam, com os ouvidos

atentos, com o vigor, com a sensibilidade e com a sensualidade para captar as infinitas

ondas da participação vital. Não se trata de viver por viver, mas de ser com a vida. “A

vida é uma realidade interior no animal, especialmente no homem. Ela manifesta-se no

respirar, encarna no corpo, sustenta-se no alimento, recebida por geração e

transmitida por procriação” (NOTHOMB, 1969, p.64).

A vida é individual enquanto pertence e integra cada ser, e é comunitária, à

medida que procede de uma identidade de origem, do fundador do grupo (ALTUNA,

1993). E, por instaurar o bem excelente (idem), existe a atividade sócio-religiosa que se

encaminha para a defesa, o acréscimo, a comunicação e para a expressão da vida.

Participar da vida exige fecundidade, diz Altuna (ibidem, p.66). Viver sem fim,

para o bantu, é o desejo maior. E, só se é possível perpetuar na descendência. Daí a

iniciação à vida procriativa, fazendo dos filhos o grande tesouro e a continuação da

vida. A esterilidade identifica-se com a morte e a aniquilação.

O bantu revive nos filhos e a procriação condiciona a finalidade existencial. Por

isso é que Altuna, em sua pesquisa, achou a idéia, segundo a qual, a solidariedade

comunitária exigia uma procriação contínua. Viver é, por isso, igual a dar a vida. E

como a vida é um bem, a sua comunicação encerra um valor fundamental. Cada

indivíduo deve procriar.

Esta é uma obrigação irrenunciável. A renúncia à procriação rompe a corrente

vital e atraiçoa gravemente os antepassados. Por isso, os filhos africanos são numerosos.

Logicamente a vida celibatária voluntária constitui uma deformação reprovável e

degradante, lesa o corpo social e aproxima-se do desprezo blasfemo pelos antepassados

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e pela vida, assim descreveu Altuna (ibidem, p.70). Da vida nasce a palavra e toda a

simbologia que oferecem a ela uma re-significação

A palavra e os símbolos são duas palavras-chave na cultura e tradição Bantu. O

negro – africano e a cultura bantu germinam, desenvolvem-se e perpetuam-se pela

palavra. O grande fundamento dessa cultura e desse povo reside, como já o salientamos,

na oralidade.

Altuna (1993, p.84) diz que “a palavra tem primazia e nada se mantém nem vive

sem ela. Por isso cultivam-na e tratam dela com carinho”. A palavra não é

intelectualizada pelo bantu. A palavra e o bantu que a pronuncia estão intrinsecamente

unidos. A comunicação, a movimentação e o prolongamento da pessoa tornam-se

possível, através da palavra. Este autor reconhece que a palavra constitui o dinamismo

vital e eficaz na concretização pessoal da inter-relação. É a vida participada, a auto-

doação da pessoa e comunhão inter-pessoal. Portanto, pessoa – palavra – dinamismo

vital, significam a mesma realidade.

A palavra da tradição legada pelos antepassados é mais poderosa que a dos vivos

e, entre estes, que a do chefe, um ancião ou um especialista da magia é mais eficaz que

a de um homem normal. Sendo oral, o bantu quando fala, realiza-se e realiza

(Altuna1993). Nesse caso, a palavra é a sua plena manifestação, pois que exterioriza sua

realidade íntima. Para além de manifestar seu pensamento e sensações, a palavra é a

expressão de sua pessoalidade. A pessoa subsiste na palavra.

A palavra é o instrumento maior do pensamento, da emotividade e da ação. A

palavra, no pensar deste autor, possui uma vitalidade mágica, realiza a participação e

cria o nomeado por sua mera virtude intrínseca. Deste modo terá sentido a afirmação na

língua umbundu que diz: “ondaka usongo” 96. Segundo Nothomb (1969, p.226), “as

riquezas mais preciosas do pensamento e coração africano se expressam não pelas

linhas, sons, cores ou formas, mas pela palavra, domicílio privilegiado do patrimônio

cultural comum”.

Aqui, diz Altuna, “uma maldição, uma benção, um juramento, um conjuro 97 ou

uma palavra ritual, solene, mágica, sempre caracterizam e patenteiam a participação

vital. [Afinal] a palavra é como um símbolo eficaz, capaz de produzir efeitos e influir

96 A palavra é uma flecha. Aqui a palavra se identifica a uma flecha: ou mata ou salva. 97 Invocação de magia; palavras autoritárias para esconjurar o demônio ou as almas do outro mundo; exorcismo.

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noutros seres depois de contatá-los”. Assim, a palavra, na visão de THOMAS;

LUNEAU. (1975, p.78), é “como força e símbolo, penetra tudo, encontra-se em tudo,

reina em toda a parte, multiplica os seus modos de intervenção na existência humana”.

Portanto, diz Altuna (ibidem, p.86), “o Bantu vive falando e escutando”. Por

essa razão, a feliz afirmação de L. Achille, para o qual, “o silêncio não é negro”. E para

Altuna (ibidem), conversar, narrar, trocar notícias e impressões, constituem um dos seus

mais agradáveis prazeres. E a aldeia aconchegada junto à fogueira, fala; os homens

reunidos falam e as mulheres falam; e isto durante horas, lenta, harmoniosa e

gozosamente98. O visitante sempre bem recebido, fala, conta as novidades e escuta,

enriquece-se.

Há tempo para conversar e escutar, para saborear o prazer de sintonizar com o

outro. Isso exige silêncio respeitoso de tensão mágico-religiosos e jurídico-penais para

escutar, às vezes vozes íntimas. Calam e assimilam quando fala o ancião e o chefe,

calam e contatam com a realidade mística quando falam os curandeiros e os adivinhos.

Só foi possível a criação pela palavra e só será possível a procriação pela

palavra. Pela palavra pronunciada, saboreada, ouvida, discutida, cantada e silenciada o

homem cria, recria, apropria-se das coisas, transforma-as e desenvolve-as. Pela palavra

o homem cuida e orienta tudo para a vida. Uma vida sempre alegre e realizada. Para tal

o homem precisa de alguns símbolos.

Por definição, conforme o salienta Cassirer (2001, p.52), “o homem é um animal

symbolicum”. Continuando sua referência a respeito do homem, este autor afirma que,

“em vez de definir o homem como animal racionale, deveríamos defini-lo como animal

symbolicum.” (CASSIRER, 2001, 50).

O homem, segundo Altuna (1993, p.87), “sempre necessitou de meios sensíveis

para [se] encontrar com o mundo invisível”. Para tal, Cassirer (ibidem) considera ser

inegável que o pensamento simbólico e o comportamento simbólico estejam entre os

traços mais característicos da vida humana e que todo o progresso da cultura humana

esteja baseado nessas condições.

Neste sentido, na visão deste pensador, o “homem vive num universo simbólico.

Linguagem, mito, arte e religião são partes desse universo” (ibidem, p.48); o homem já

não pode confrontar-se, diretamente, como realidade; não pode vê-la, por assim dizer, 98 De gozoso. Em que há, ou que revela ou constitui gozo; que tem gozo ou prazer; prazerosa e alegremente.

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frente a frente. A realidade física parece retroceder na medida em que avança a

atividade simbólica do homem.

Eliade (1955, p.12), ajudando-nos a entender o conceito símbolo, afirma que, o

mesmo “revela certos aspetos da realidade – os mais profundos – que se negam a

qualquer outro meio de conhecimento. Imagens, símbolos, mitos, não são criações

irresponsáveis da psique; respondem a uma necessidade e preenchem a uma função”.

Para o Shorter (1974, p.74-75), os mitos e os símbolos vêm de muito longe; são

partes constituintes do ser humano e são encontráveis em todas as situações da

existência humana no cosmos. E, Senghol (1970, p.356), define o símbolo como sendo:

“um objeto concreto representado por um sinal e que expressa uma relação, uma correspondência – etimologicamente uma identidade – entre duas realidades, um objeto concreto e uma idéia-sentimento, um elemento do universo físico e um elemento do mundo moral do homem, a matéria e o espírito, o significado e o significante.

Pelos símbolos, o homem tenta contatar com o invisível, sair de sua limitação e

entender-penetrar nas realidades supramundanas99 e apropriar-se delas. Altuna (1993,

p.90), afirma que, “a força da palavra e da linguagem geram o simbolismo Bantu”.

Para o Bantu, nada acontece por acaso. Cada coisa é sinal e sentido concomitantemente.

Seu mundo está repleto de símbolos e de realidades visíveis que significam e atualizam

a realidade invisível. Decifra, pelo visível, anúncios portadores de outras realidades que

também as expressa, quando as sente (ibidem). Assim, para Eliade (1974, p.244), “tudo

é sinal e patenteia ou o que há mais além dele”.

E, sabendo que o símbolo expressa a intrínseca união com o mundo invisível, na

cultura africana subsariana, diz Altuna (ibidem), os signos, os símbolos, os gestos, os

ritos, as ações, as iniciações, as técnicas, as palavras e as instituições constituem o

fundamento simbólico Bantu. Neste sentido, Altuna (ibidem, p.91-93), a respeito do

símbolo, afirma:

O Bantu, através do símbolo expressa, comunica ou recebe as realidades últimas, depois de aceitar o significado convencional que a experiência humana lhe tem dado. (...) O símbolo negro-africano compreende vários elementos. Como realidade visível pode ser uma pessoa, como o chefe, que simboliza a vida dos antepassados; um

99 Entendo, aqui, por “realidades supramundanas”, àquelas que transcendem o mundo visível.

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objeto, como uma pulseira dos chefes, que simboliza seu poder, um nome, como o de epônimo, simboliza a unidade no sangue. O símbolo é sempre concreto, não exclusivamente mental ou abstrato, está neste mundo como uma projeção concreta do dinamismo vital e pressupõe o esforço humano para o contato com ele. Cumpre uma função hierofânica100. Liga com os canais da vida. O simbolismo Bantu é primordialmente, hierofânico, [procura] contatar com as fontes vivificadoras; é uma busca que deve resultar totalizante e unificadora com todas as fontes e com todos os que aí se dirigem em busca de dinamismo vital. (...) A linguagem simbólica solidariza, por uma parte, a pessoa humana com o cosmos e, por outra, com a comunidade da qual faz parte, proclamando à vista de cada membro da comunidade a sua identidade profunda. O símbolo Bantu, serve de catalisador da comunidade, já que somente ela o entende e por ele se sente vivificada. (...) Por isso, privar o africano dos seus símbolos fundamentais, equivale a fazê-lo perder a consciência de si mesmo e arrancá-lo o que o integra num sistema (...). Enumeremos alguns dos símbolos negro-africanos: o nome significa a realidade íntima, defende a pessoa ou distrai as forças malévolas; o homem casado é como o sol que fecunda a terra, a mulher; a oralidade concretiza-se numa infinidade de palavras-símbolos já que a própria palavra é símbolo; a iniciação repousa numa simbologia profunda de morte e ressurreição; O mundo animal oferece uma simbologia variadíssima para a vida social e pedagógica: por exemplo: o leão, o hipopótamo e o búfalo simbolizam a fortaleza; o elefante, a realeza e sabedoria; a tartaruga, a sabedoria, a prudência e uma vida longa; a pantera, a força e a estirpe nobre dos chefes; a hiena, a cobardia (covardia); o antílope 101, a agilidade e a intrepidez; a aranha e a formiga, a prudência e laboriosidade; a serpente, e o lagarto, a astúcia e a rapidez; a abelha, a laboriosidade e seu mel é manjar nobre. (...) A cruz simboliza os quatro pontos cardeais e os caminhos da vida e da morte; o nó e o laço, a força que ata e desata; o círculo é a unidade e a infinidade, etc.; a sol simboliza o rei (...); a lua que propicia a caça e a chuva recorda a vida. É rainha e os povos agricultores assemelham-se à lua-terra-mulher-fecundidade. (...) As cores têm um profundo significado nos ritos sagrados, nas ações mágicas, nas cerimônias e na arte. A cor vermelha, o sangue, a guerra, a vida, a coragem, a paixão, a realeza; a cor branca é a cor dos antepassados, também afasta os perigos fatais e simboliza a inocência, a bondade, a alegria, a pureza e a vitória; o verde, por sua relação com a natureza, simboliza a vida que triunfa sobre a morte; e o preto, o sofrimento, a frustração, recorda a morte e o misterioso.

100 De hierofania, que significa manifestação do sagrado. O valor da hierofania reside na manifestação da divindade ou do mundo invisível e as relações do homem com eles, por meios sensíveis. 101 Mamífero artiodátilo ruminante bovídeo e antilocaprídeo, de porte médio ou pequeno, chifres permanentes, longos, dirigidos para cima e para trás. São comuns na África.

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3.4 Iniciação na cultura Bantu.

Iniciação cultural é um rito de puberdade com a função da inserção sócio-

comunitária e cultural dos indivíduos. A mesma, afirma Altuna (1993, p.279), obedece a

“sucessivas etapas da vida da pessoa: nascimento, puberdade, casamento e morte”.

Ela é de importância capital para a vida do individuo na comunidade, sociedade

e cultura. Aqui o conceito de pessoa não é acabado, mas um gerúndio. Pela iniciação, a

pessoa se vai fazendo, completando, realizando e plenificando (ibidem). Só através dela

a pessoa (muntu ou omunu em umbundu), cidadão de direitos e responsabilidades

(deveres) se permite movimentar-se sem restrições nem traumas na pirâmide vital

interativa (Conferir Quadro. 1 dos anexos). Por isso se fala da consciência da pessoa na

participação vital.

Na visão de Zahan (1972, p.90), “a iniciação converte-se numa operação de

longa duração, num enfrentamento do homem consigo mesmo, que não cessa senão

com a morte; converte-se numa experiência que se enriquece dia a dia”. Assim, seja

com os meninos, seja com as meninas, a iniciação não é outra coisa senão um rito que

os prepara para a vida comunitária ou sócio-cultural. Porém, a mesma se acessa através

dos ritos de iniciação na puberdade.

Iniciação, diz Altuna (ibidem, p.283), é um rito de passagem. Ela obedece a um

conjunto de ritos e técnicas que transformam social, política e religiosamente as

crianças em homens adultos. Iniciam-se na virilidade; passam da infância à plenitude de

homem; finalizam uma fase e iniciam outra, a definitiva; fundamenta-se na renovação

do interior e na aquisição de nova qualidade de vida, “modificadora do ser”, graças ao

drama vivido de morte-ressurreição; por esse rito “termina uma situação existencial,

sociológica e religiosa, porque renasce outra” (ibidem, p.284).

Neste processo observa-se a separação da família: conduz seu filho à reclusão,

conforme me referi, na página 61, nota de rodapé 44. Nesta reclusão, aparece o símbolo

da morte através da floresta, selva, trevas que simbolizam o inferno, a sepultura. Por

essa razão que, em alguns lugares ou grupos culturais, se pensa numa fera que encarna o

antepassado mítico, o mestre da iniciação que leva os adolescentes ao inferno ou que o

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neófito 102 seja engolido por um monstro: no ventre do monstro reina a noite cósmica; é

o mundo embrionário da existência, tanto no plano cósmico como no da vida humana

(ELIADE, 1976, p.119-120).

Para Altuna (1993), à morte simbólica seguem-se, no acampamento, os ritos de

ressurreição, regeneração, novo nascimento e vida nova. Assemelha-se ao batismo no

cristianismo. Trata-se, aqui, da vitória humana da vida sobre a morte. O homem aprende

a morrer para reencontrar a verdadeira vida; é uma revelação do mistério da vida ao

jovem que vence sua infância. Como diz Mveng (apud ALTUNA, 1993, p.287), “o

homem está chamado a constituir a sua própria personalidade, por uma tomada de

consciência madura, por uma opção livre, por uma ascese que prova o homem como

força física e força moral, isto é, como liberdade”. O iniciado deve ser preparado para a

sua função de homem, pois que a mutação operada transforma-o em pessoa nova, com

direitos e deveres sociais (ALTUNA, ibidem, p.291).

Terminado o tempo de reclusão, acontece a reintegração comunitária ou sócio-

cultural. Para tal Altuna (ibidem) afirma:

O regresso às aldeias, à comunidade, é precedido do incêndio do acampamento. (...) Os jovens com o corpo nu e um cinturão de fibras vegetais, disparam sobre as cubatas 103 e sobre a paliçada uns diminutos arcos com flechas pequenas, que levam espetados caroços de milho a arder. Do acampamento só resta um montão de cinzas.

A iniciação aparece como uma escola para a vida. Neste contexto, aponta o

mesmo autor, os ritos de iniciação, além da essencial função transformadora, tentam dar

à criança uma formação completa para que cumpra o seu papel na comunidade,

sociedade e cultura. Trata-se de uma instituição social destes povos Bantu, pois os

mesmos iniciam-se na vida do grupo, descobrem os mistérios ocultos e procuram

conservar a classe dos homens, como guardiã da tradição, da religião e da ética

(ibidem). Este ensino é concomitantemente teórico-prático, vivo e experimental, diz

Altuna (idem). Os iniciandos praticam na selva, no rio e no acampamento todo o ensino

102 Neófito, na Igreja primitiva, era o indivíduo recentemente convertido ao cristianismo. Aquele que recebia ou acabava de receber o batismo; nesse caso concreto, neófito era o indivíduo que tinha sido admitido há pouco em uma corporação, a uma vida nova, a uma comunidade dos iniciados ou adultos. 103 Cubata é Choça formada de folhas ou capim, habitação de certos grupos culturais africanos, sobretudo aqueles que vivem como nômades e nunca permanecem por muito tempo em algum lugar e quando passam por um lugar não tornam a viver na localidade.

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explicado pelos mestres. Essa pedagogia, baseada na teoria e prática, foi experimentada

durante séculos.

Ela mostra-se, ainda, como uma pedagogia comunitária, do grupo que ouve,

comprova e realiza práticas e experiências. “A escola dos ritos da puberdade concretiza

uma das experiências pedagógicas mais interessantes” (ALTUNA 1993, 291). É uma

iniciação religiosa: em ambientes ascéticos, a criança pratica gestos e cerimônias,

aprende significados de símbolos e ritos, o sentido e o funcionamento da magia, a

hierarquia dos antepassados (conferir Fig. 14 dos anexos), a teodicéia 104, as relações

que deve observar com o mundo invisível e as normas éticas (ALTUNA, ibidem). É

uma iniciação sexual completa e não uma escola erótica como muitos costumam

entender.

A escola, diz Altuna (ibidem), delimita a liberdade que esteve incontrolada e

anárquica durante a infância. Senghor chama de ‘escola do cidadão’. Os mestres

ensinam o que o homem deve saber para cumprir com perfeição seus compromissos

sócio-políticos-religiosos.

É de salientar que os ritos da iniciação sócio-comunitária masculina

(circuncisão) ou feminina, na puberdade, não são realizados por todos os grupos

culturais Bantu; tanto é que em Angola, por exemplo, existem grupos que apresentam

este rito como condição “sine qua non” para a incorporação no âmbito sócio-cultural,

outros os aplicam de modo muito parcial e outros ainda, nem sequer conhecem tais

ritos. O certo é que todos os grupos têm uma maneira especial de inserção sócio-cultural

e comunitária de seus membros.

3.5 Multiculturalidade e interculturalidade. Para conceituarmos a multiculturalidade, precisamos resgatar algumas idéias do

conceito de cultura, tal como o exploramos no ponto 3.1 deste capítulo. Para tal,

preferimos iniciar esta reflexão utilizando as palavras oportunas de Giddens (2005,

p.38), quando, referindo-se à cultura segundo os sociólogos, afirma o seguinte:

Quando os sociólogos se referem à cultura, estão preocupados com aqueles aspectos da sociologia humana que são antes aprendidos do

104 Termo cunhado por Leibniz para designar a doutrina que procura conciliar a bondade e onipotência divina com a existência do mal no mundo.

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que herdados. Esses elementos culturais são compartilhados por membros da sociedade e tornam possível a cooperação e a comunicação. Formam o contexto comum em que os indivíduos numa sociedade vivem as suas vidas. A cultura de uma sociedade compreende tanto aspectos intangíveis – as crenças, as idéias e os valores que formam o conteúdo da cultura – como também os tangíveis – os objetos, os símbolos ou a tecnologia que representam esse conteúdo.

Seria demasiado pretensioso, se ao falar em multiculturalismo, em termos

lapidares, não salientasse as raízes históricas deste conceito. Assim, como diz Semprini

(1999, p11), “um dos pontos-chave do multiculturalismo é a questão da diferença”.

Trata-se da diferença que “é antes de tudo uma realidade concreta, um processo

humano e social, que os homens empregam em suas práticas cotidianas e encontra-se

inserida no processo histórico” (ibidem).

Podemos, com Semprini (ibidem), dizer que a discussão do multiculturalismo

tem, nos Estados Unidos, suas raízes históricas. Isto se vê a partir dos cinco aspectos

fundamentais do cenário real da colonização deste país. Estes aspectos servem como

paradigma para os países vizinhos, modelos para que todos os países que sofreram

direta ou indiretamente a colonização ocidental. Os cinco aspectos que nos reportam as

raízes históricas do multiculturalismo resumem-se na seguinte idéia:

A presença, em território norte-americano, de populações autóctones; o tráfico maciço de escravos da África ocidental; a presença, entre os primeiros colonos, de grupos religiosos; a base anglo-saxônica das elites econômicas e políticas; o papel da imigração no povoamento do País (SAMPRINI, 1999, p.12).

Neste processo, o indigenato sofreu grande genocídio, prolongado ao longo do

século XX. Nesta ótica, fez-se sentir uma política de assimilação sistemática e de

desenraizamento cultural. Para isso, este autor diz: “o deslocamento de populações, a

mistura de tribos diferentes, a proibição de práticas rituais tradicionais de culto e do

ensino da língua indígena” (ibidem, p.13)

Quando falamos em multiculturalismo ou em diversidade cultural, afirma

Giddens (2005, p39), não nos referimos, apenas, às crenças culturais que diferem

através das culturas. É, também, notória a diversidade das práticas e das condutas

humanas. Neste âmbito (ibidem), “formas aceitáveis de comportamento variam

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amplamente de cultura para cultura, e com freqüência, contrastam drasticamente com

o que as pessoas das sociedades ocidentais consideram normal”.

Existem diversas abordagens sobre multiculturalidade, interculturalidade e

pluriculturalidade. Penso interessante, a abordagem de Flecha (1994), refletida por

Ferreira (1997) sobre tais conceitos. Neste caso, Ferreira reflete sobre as diferenças

culturais e desigualdades educativas na comunidade majoritariamente étnica cigana, na

Espanha. A abordagem de Flecha sobre o multiculturalismo, o interculturalismo e o

pluriculturalismo, pensada por Ferreira, corresponde à idéia da diversidade cultural na

educação. Aclarados, estes conceitos, na perspectiva deste autor, autorizam-nos a pensar

sobre a multiculturalidade e interculturalidade em Angola.

Assim, segundo Ferreira (1997, in, 2000, p.231), Flecha (1994) define o

multiculturalismo como reconhecimento da existência de diferentes culturas no mesmo

território. Na mesma linha, conceitua interculturalismo como o modo de intervir na

realidade multicultural, salientando a inter-relacionalidade cultural. Finalmente, a

pluriculturalidade, é outra maneira de intervir na realidade multicultural, mantendo,

porém, a identidade de cada cultura interveniente. Para tal, Flecha (ibidem, p.64-79),

afirma:

Multiculturalismo vem sendo aceito como o reconhecimento de que num mesmo território existem deferentes culturas. Interculturalismo é uma forma de intervenção nessa realidade que tende a colocar em ênfase na relação entre culturas. Pluriculturalismo é outra forma de intervenção que tende a colocar a ênfase na manutenção da identidade de cada cultura. Dentro da educação intercultural tende-se a valorizar prioritariamente a convivência de pessoas de diferentes etnias numa mesma escola, e a ver-se como guetos as escolas baseadas numa única cultura. A educação pluricultural tende a valorizar prioritariamente que as pessoas possam seguir uma educação que lhes possibilite manter e desenvolver sua própria cultura. Por exemplo, uma escola hispânica em Nova Iorque ou uma escola cigana em Barcelona seria vista como gueto por parte do interculturalismo e como oportunidade para a identidade cultural no caso do multiculturalismo.

Assim, a escola acaba sendo o lugar de capital importância onde acontece a

formação do indivíduo e sua integração na comunidade igualitária. Daí a necessidade

de, pela formação, se buscar a transcendência dos laços consangüíneos, étnicos ou

consuetudinários, estendendo os sentimentos de relações gradualmente nacionais,

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republicanas, continentais, mundiais, etc. Nesta ótica, Semprini (1999, p.45-46) afirma

que,

a escola é um dos lugares consagrados à formação do indivíduo e à sua integração numa comunidade de iguais. É graças a ela que o individuo pode transcender seus laços familiares ou consuetudinários e criar um sentimento de pertença a uma identidade mais abrangente: a nação, a república. A educação tem igualmente a missão de conduzir a pessoa ao pleno amadurecimento de suas capacidades.

A partir desta abordagem geral, é possível fazermos topografia105

multicultural angolana, sobretudo se entendermos Angola como país de uma

diversidade cultural, que a um determinado momento de sua história apostou pela

interculturalidade para na diversidade manter a unidade nacional, conforme consta no

refrão do hino nacional (conf. 5ª parte da dissertação; §.5.2.3 Síntese cultural) “um só

povo uma só nação”.

Cultura debe ser considerada como el conjunto de los rasgos distintivos espirituales, intelectuales y afectivos que caracterizan a una sociedad o a un grupo social y que abarca, además de las artes y las letras, los modos de vida, las maneras de vivir juntos, los sistemas de valores, las tradiciones y las creencias 106 (Declaración Universal de la UNESCO sobre la Diversidad Cultural, 2003, p.52).

Angola é constituída pelo povo de diversas origens. Na visão de Frenando &

Ntondo (2002), este país é composto por povos que descendem dos Não-Bantu (povos

Hotentote e Khoisan 107); dos Pré-Bantu (Vátwa) (conferir quadro 2 & 3 dos anexos) e

Bantu (provenientes de africanos e europeus ou de entre europeus e africanos) (conferir

quadro 4 dos anexos).

Os angolanos de origem Bantu correspondem à maioria esmagadora no país.

Estes resultam das grandes migrações ocidentais e meridionais. Considerando o

conceito de Multiculturalidade, reconhece-se que Angola constitui um território com diversas

105 Quando falo em topografia multicultural angolana, trato da descrição minuciosa da realidade local que compõe a diversidade cultural de Angola. Através de dados lingüísticos, nomenclaturas, mapas de povos, etc., represento, no papel, a configuração da terra mãe angolana em suas subdivisões culturais. 106 Definición conforme a las conclusiones de la Conferencia Mundial sobre las Políticas Culturales (Mondiacult, México, 1982), de la Comisión Mundial de Cultura e desarrollo (Nuestra Diversidad Creativa, 1995) y de la Conferencia Intergubernamental sobre Políticas Culturales para el Desarrollo (Estocolmo, 1998). 107 O termo Khoisan, proposto por J.Shapera e adaptado em inúmeros trabalhos, é uma combinação das palavras Khoi + khoin que significa “acumular, colher frutos, arrancar raízes da terra, capturar pequenos animais” (FERNANDES & NTONDO, 2002, p.122). Trata-se, portanto, segundo D. Olderogge, da qualificação de um grupo humano em função do seu gênero de vida e modo de produção.

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culturas que no diálogo intercultural se complementam e se enriquecem. Assim, a população

Bantu de Angola oscila entre os 90 a 100 grupos etnolingüísticos e são agrupados em

nove grupos lingüísticos (ibidem, p.41):

1. Grupo etnolingüístico TUTCHOKWE 108: Este povo cobre a zona Leste de

Angola, desde o ângulo superior direito até a fronteira sul, depois de atravessar o rio

Kubangu. Trata-se das duas Lundas, Norte e Sul (veja Fig. 1 dos anexos). Os povos que

constituem este grupo são: Lunda Lwa Xinde, Lunda Lewa Ndembu; Mataba; Badinga;

Bakete, Kafula, Lunda e May. Este povo é agricultor e pratica a escultura de madeira

com uma arte tradicional incrível e espetacular. A língua falada por este povo é

Tchokwe (conferir Fig. 14 dos anexos). Seu número é superior a 357.693.

Esta língua entende-se do Nordeste ao Leste, abrangendo: Lunda Norte e Sul,

Província do Moxiko e prolonga-se até Kwando Kuvango. A língua Tckokwe

considera-se como transnacional pelo fato de atravessar as fronteiras angolanas: Falada

na República Democrática do Congo e na República da Zâmbia. As línguas vizinhas do

Tchokwe são: a Oeste – Kikongo e Kinbundu; a Sul – Ngangela e a Sudeste – Umbundu

(ibidem, p.42).

2. Grupo etnolingüístico AMBUNDU: Este grupo, segundo Frenando & Ntondo

(2002, p.43), ocupa uma grande extensão de Angola. Sua extensão parte do mar e se

estende até ao rio Kwangu do Leste do país. O número desses povos não supera 1.500 109.

O grupo é constituído por estes povos: Lwanda, Hungu, Lwangu, Ntemo, Puna,

Ndembu, Ngola, Mbondo, Mbangala, Holo, Kari, Xinje, Minungu, Songo, Bambeiro,

Kisama, Lubolo, Kibala, Haku, Sende. Kwanza Norte, Norte do kwanza Sul, Bengu,

Malange e Luanda são as províncias deste grupo. É um povo agricultor e fala a língua

Kimbundu. O Kimbundu tem as seguintes línguas vizinhas: a norte – Kikongo; a Este –

Tckokwe; a Sul Umbundu. As variantes de Kimbundu são: Holo, Ndongo, Kambongo,

Kisama, Mbangala, Mbolo, Minungu, Ndembu, Ngola ou Jinga, Ngoya, Nkari, Ntemo,

Puna, Songo, Xinji.

108 Normalmente se escreve Tucokwe, modo normal da escrita evangélica nas línguas locais. Mas nos utilizamos Tutchokwe. 109 Os dados estatísticos apresentados não estão atualizados. Estão totalmente ultrapassados. Os mesmos, só querem ser uma referência para termos uma noção dos grupos em relação aos outros em número. Os números das pessoas não justificam a extensão da terra, pois que temos grupos cuja extensão é 30 ou 50 vezes maior.

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3. Grupo etnolingüístico Bakongo: Este ocupa as áreas de Kabinda e as margens

do rio Kongo, regia entre o mar e o rio Kwango. É o terceiro maior grupo

etnolingüístico do país. Seus subgrupos são: Basikongo, Bakongo, Zombo, Nsoso,

Suku, Bayombe, Yaka, Woyo, Pombo, Hungu, etc. São, majoritariamente, agricultores,

e a língua por eles falada é o Kikongo.

O Kikongo, segundo Fernando & Ntondo (2002, p.45), ocupa grande parte do

Nordeste do país. A língua referida ultrapassa as fronteiras nacionais. A mesma é falada

na República Democrática do Congo, Sul da República do Congo Brazzaville e na

República do Gabão. Em Angola é falada em: Kabinda, Wíge, Zaire e parte da

província do Bengu. As línguas vizinhas são: a Sul e Sudeste Kimbundu e a Este,

Tchokwe.

A língua Kikongo é constituída por seguintes variantes: Kilinji, Kikoci,

Kikwakongo, Kimboma, Kinzenge, Kihungu, Kinsoso, Kipaka, Kipombo, Kisikongo,

Kisolongo, Kisuku, Kisundi, Kivili, Kiwoyo, Kiyaka, Kiyombe, Kizombo.

4. Grupo etnolingüístico Vangangela: O grupo localiza-se em duas regiões:

província de Muxiku e em Kwandu Kuvangu; na fronteira Leste, desde a bacia do rio

Zambeze ao curso do rio Kuvangu; a outra, no Centro do país, nas províncias do Viye e

Malange. Este grupo conta com, aproximadamente, 328.000 pessoas. Seus povos são

subdivididos em: Lwimbi, Lwena, Luvale, Lucazi, Mbunda, Kamaxi. Dedicam-se à

agricultura, à caça e à pesca. Ainda são famosos na cerâmica, com seus dotes artísticos.

A língua por eles falada é o Ngangela.

Esta língua é mais falada nas províncias de Kwandu Kuvangu, Viye, e no Leste,

a província da Wila. O povo Ngangela ramifica-se na República da Zâmbia onde

algumas das suas variantes são faladas pelos povos locais. Por isso é considerada língua

transnacional 110. E as línguas limítrofes à Ngangela, são: a Norte, Tchokwe, a Sudeste,

Umbundu, a Oeste, Olunyaneka e a Sul, Oshindonga (conf. Fig. 14, dos anexos).

As variantes da língua Ngangela são as seguintes: Kamaxi, Lukazi, Luvale,

Lwena, Lwimbi, Lwiyo, Mbande, Mbunda, Mwela, Ndungu, ngangela, Ngonjelu,

Ngoya, Nyemba, Nyengo, Yahuma.

110 Consideram-se transnacionais àquelas línguas cujas ramificações perpassam o local, o nacional, transcendendo assim as fronteiras nacionais de um país. Desse modo as línguas faladas não só por povos locais, mas também por povos de e em outros países, são transnacionais. A sua difusão estende-se além fronteiras

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5. Grupo etnolingüístico Ovanyaneka – Nkhumbi: Localiza-se no Planalto da

Humpata e nos territórios do curso médio do rio Cunene. Este rio é a espinha dorsal do

seu domínio. Ovanyaneka somam mais ou menos 100.000, enquanto os Ovanhhumbi,

29.000, o que totaliza 129.000 pessoas. Os subgrupos que formam este grupo são:

Mwila, Ngambwe, Nhkhumbi, Ndongwena, Inglo, Kwankwá, Handa, Tchipungu,

Otchilenge, Nkhumbi e Otchilenge – Musó. Este grupo vive da agricultura e de

pecuária. A língua falada é Olunyaneka (conf. Fig. 14 dos anexos).

Difunde-se na província da Wila e se estende para a província do Cunene. Foi

influenciada por províncias de Benguela e Namibe. A difusão da língua A vizinhança de

Olunyaneka é: a Norte, Umbundu; a Este, Ngangelas, A sul e Sudeste, Oshikwanyama e

Oshindonga, respectivamente.

As variantes do Olunyaneka são: Handa (Tchipundu), Handa Mupa, Hinga,

Nkhimbi, Mwila, Ngambwe, Otchilenge Humbi, Otchilenge Musó, Otchipungu,

Onkwakwa, Ndongwena (FERNANDES & NTONDO, 2002, p.49-50).

7. Grupo etnolingüístico Ovahelelo: Grupo do extremo Sudeste de Angola (conf.

Fig. 14 dos anexos). Reside na orla do deserto de Namibe. Sua população é de,

aproximadamente, 25.000. Constituem este povo: os Ndimba, os Himba, os Kavikwa,

os Kwanyoka, os Kuvale e os Kwendelengo. Etnicamente, semelhantes aos povos que

habitam na República da Namíbia, eles vivem da pecuária. A língua desse povo é

Oshihelelo (Fig. 14).

Esta língua situa-se no ângulo Sudeste de Angola, na província de Namibe.

Otchikuvale 111 corresponde à expressão maior do grupo. Otchihelelo se estende até a

República da Namíbia. É também, por essa razão, considerada língua transnacional.

Otchihelelo tem como línguas vizinhas as seguintes: a Norte, o Umbundu, a Oeste, o

Olunyaneka e a Sudoeste, o Kwanyama.

Otchihelelo tem como variantes as seguintes línguas: Kavikwa, Himba, kuvale,

Kwanyoka, Kwendelengo e Ndimba.

8. Grupo etnolingüístico Ovambo: Este grupo inclui dois grupos: Ovakwanyama

e Ovandonga.

a). Grupo Ovakwanyama: Ocupa vasto território nas planícies ao longo e ao

meio da fronteira sul (conf. Fig. 14 dos anexos). Este grupo integra: os Evale, os Kafina,

111 Aportuguesadamente, otchikuvale se chamou sempre de Mukubal.

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os Kwanyama, os Kwamato, os Ndombola e os Kwangali. Correspondem, mais ou

menos 62.000 pessoas. Fundamentalmente vivem da criação de gado bovino. São

também agricultores. Falam Oshikwanyama. Trata-se da língua falada na província do

Kunene (Fig. 1). Como outras línguas, ela tem o estatuto de língua nacional. A guerra

forçou a muitos de seus locutores 112 a se deslocarem e instalarem-se no sul da província

da Wila.

Nota-se a influencia desta língua ou Norte da República da Namíbia (confrerir

Fig. 11, dos anexos), língua majoritária e de capital importância. Lá Oshikwanyama

exerce o papel plurifuncional: o de ser médium 113 pedagógico até à terceira classe

(série). Oshikwanyama tem como vizinhas as seguintes línguas: a Norte, Olunyaneka, a

Este, Otchihelelo, a Oeste Oshindonga. Como variantes, a língua em questão tem as

seguintes: Evale, Kwamato, Ndombondola, okafima e Ombandja.

b). Grupo Ovandonga: Menos denso, localizado no extremo Sul de Angola e às

margens dos rios Kuvangu e Kwandu. Seus povos são os Kusu, os Nyengo e os Diriku,

que perfazem, aproximadamente, 5.000 individuos. Seu mundo da vida é menos

conhecido. A língua deste grupo é Oshindonga, uma das variantes do Oshiwambo.

Confina-se no ângulo Sudeste da província do Kwandu Kubangu. Vários de seus

locutores se encontram na Namíbia com o papel de médium pedagógico. Tem como

línguas vizinhas as seguintes: a Norte, os Ngangela e a Leste, os Oshikwanyama. Sua

única variante é Kusu.

9. Grupo etnolingüístico Ovimbundu: O umbundu, segundo Fernandes &

Ntondo (2002, p.54), é a língua do grupo etnolingüístico Ovimbundu. Este grupo

estende-se por um vasto território angolano. É o maior grupo da metade Oeste de

Angola, subindo da beira-mar para as terras altas.

Os Ovimbundu são formados pelos: Vavyeno, Vambalundu, Vasele, Vasumbi,

Vambwi, Vatchisandji, Valumbu, Vandombe, Vahanha, Vanganda, Vatchiyaka,

Vawambu, Vasambu, Vakakonda e Vatchicuma.

Este grupo corresponde ao maior grupo étnolinguístico angolano (com a

população acima de 4.500.000 habitantes) e comunica-se na língua umbundu. Ainda nos

112 Profissional encarregado de ler textos, de irradiar ou apresentar programas ao microfone das estações rádio emissoras ou televisoras; radialista; falador ou utente de uma língua. 113 Meio1 (10) para a transmissão de uma mensagem.

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anos 20 do século passado existiam mais de uma dezena de reinos (Mbalundu, Viye,

Wambu, Tchiyaka, Ngalangi, Ndulu, etc.).

A língua umbundu é uma das mais centrais de Angola. Ela é falada no Planalto

Central. Sua área de difusão engloba três províncias, que são: Viye (Bié); Wambo

(Huambo) e Bengela (Benguela) (conferir Fig.1).

Entretanto, sua influência é notória em outras províncias vizinhas, como a

província de Namibe, a parte Noroeste da província do Kwandu Kuvangu (Kwandu

Kubangu), uma parte da província da Wila (Uíla - Lubango) e parte da província de

Kwanza Sul. Deste modo, a língua Umbundu tem como vizinhas as seguintes línguas: a

Norte, os Kimbundu; a Oeste, os Tchokwe e os Ngangela e a Sul, os Olunhaneka e os

Oshihelelo.

Nesta ótica, a língua Umbundu oferece-nos como variantes as seguintes: os

Ambwi, os Vatchisandji, os Vakakonda, ao Valumbu, os Vambalundu, os Vahanha,

Vandombe, Vanganda114, Vasambu, Vasele, Vasumbi, Vaviye, Vatchikuma e os

Vawambu.

114 Os vanganda é o nome próprio de um povo de Angola, pertencente à cultura dos Ovimbundu, cuja língua é umbundu. Neste texto, o referido nome aparece salientado em tamanho grande e negritado. Isto mostra que, toda esta pesquisa confluirá no mundo da Ganda, cujos povos são os Vanganda.

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4 O ONDJANGO: EXPRESSÃO CULTURAL DO MUNDO DA E/OU DE VIDA

O ondjango aparece, para os povos subsaharianos, isto é, para os povos da

África negra, como forma peculiar de organização comunitária. Entretanto a expressão

ondjango é oriunda de Angola. Esta organização africana, na visão de Nunes115 (1991,

p.154), “destinava-se ao controle diário da vida dos grupos humanos, e, a mesma, só

era possível (...) em sociedades pequenas”. Tal modo de se organizar redundava

naquilo que se podia chamar de “parlamento tradicional, [através do qual], as

sociedades africanas logravam uma vida democrática” (KATOKE, 1982, p.63), ou,

ainda, como diz Bernardi (1988, p.333-335), ondjango era visto “como forma africana

de democracia”. Bernardi reconhece, ainda, que no âmbito social, o parlamento

tradicional reunia pessoas, criava e recriava a coesão entre os membros duma

determinada comunidade e possuía essencialmente uma dimensão universal (ibidem).

Porém, nossa atenção concentra-se para o ondjango como expressão e vivência

em Angola, concretamente no Planalto Central (Benguela, Huambo, Bié, e em várias

partes de Angola com menor concentração), onde se concentram majoritariamente o

povo pertencente ao grupo etnolingüístico ovimbundu, grupo (ondjango) que no

ondjango fazia o ondjango. Aqui o ondjango apresenta três dimensões: o grupo de

pessoas (ondjango) que, no espaço geográfico (ondjango) realiza a reunião, o encontro

(ondjango). Portanto, ondjango se visualizava como um navegar no mundo da e/ou de

vida.

115 Nunes, presbítero, pesquisador do ondjango como modelo da evangelização da Província de Kwanza Sul. Para além de que vários angolanos tenham trabalhado o ondjango, indiretamente, Nunes deteve-se neste conceito, considerado de tamanha importância para o povo ovimbundu, sobretudo, para o do Kwanza Sul onde grande parte deste povo pertence ao grupo etnolingüístico de língua umbndu.

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Neste capítulo abordamos a realidade ondjangiana extremamente importante na

cultura Bantu, em Angola, de modo singular, para o grupo etnolingüístico ovimbundu,

que corresponde ao maior grupo angolano, cuja língua é umbundu com as suas variantes

(conferir Quadro n˚ 6 em anexos).

Iniciamos por conceituar o ondjango, adentramos na leitura minuciosa desta

realidade, apresentamos os modelos do mundo ondjangiano para os ovimbundu,

enquanto estrutura sociocultural, o que, finalmente, nos possibilita a verificar os limites

do ondjango no processo educacional letrado.

4.1 Conceituação do ondjango.

Ondjango, na cultura e língua umbundu do centro/sul de Angola, é uma palavra

composta por aglutinação: Ondjo (casa) + Ohango (conversa); <ondjo y’ohango> (casa

de conversa). Ondjo, enquanto casa116, habitação, residência, é o espaço onde a vida

acontece, por isso, não implica que seja necessariamente uma casa, mas qualquer lugar

onde os homens se encontrem reunidos para tratar um determinado assunto de interesse

comum, e, Ohango, enquanto diálogo ou conversa séria de igual para igual, entabulada

entre duas ou mais pessoas, mediatizadas por um varão, osekulu (mais-velho, com

experiência vital) e acontece em sistema circular ou de tipo mesa redonda.

Conforme vimos, o ondjango nos remete para a realidade da casa (NUNES,

1991, 159). Mas de que casa se trata? Trata-se da casa de conversa, de reunião, de

hospedagem, de partilha de bens/refeição/serviços, de educação/iniciação sociocultural,

de entretenimento e/ou de fazer justiça. Antes de tudo, se trata de uma casa, ponto de

partida e ponto de confluência; de uma casa com as condições de se poder sentar, reunir

junto de alguns mais-velhos, trata-se de um lugar de encontro (reunião).

Tradicionalmente ondjango é sempre visto como um espaço rudimentar erguido em

forma de “U”, onde é possível fazer acontecer a reunião.

Nesta ótica, enquanto realidade física, ondjango significa espaço aberto nas

laterais, construção de pau-a-pique, em forma circular, não rebocada dos lados, isto é,

sem paredes, encoberto de capim (colmo) ou debaixo de uma árvore frondosa, grande e

116 Casa, na língua umbundu, tem o significado de ondjo; na língua musele, variante do umbundu é ‘onjo’, em Ngoya e Kimbundu, ‘onzo’,

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de sombra 117, onde os homens se sentavam para que o ohango se tornasse factível ou

realizável. No interior do ondjango sempre se encontrava lenha em troncos grandes

(olononga) transportados pelos jovens. Admitia-se que fosse adornada com troféus de

caça ou de guerra (ibidem). Esta casa (ondjango), nos primórdios, não era propriedade

de ninguém em particular, (ibidem), mas de todos os homens que dela faziam uso

diariamente.

Toda a vida parte do ondjango e encontra seu ápice no ondjango; aí, segundo a

pertinência do vivenciado, o ohango – conversa/diálogo tomava vários significados:

ondjango, enquanto, ulonga, elongiso, ekuta, ekongelo, ekanga/okusomba/okusombisa,

okupapala, ondjuluka, etc.

Ondjango considerava-se uma determinada casa que se tornava o espaço de

todos os residentes na comunidade. Lugar respeitado, quase sagrado, e era da

consciência da comunidade ser aquele espaço o centro da vida comunitária, da aldeia; o

centro onde passava e dimanava 118 a corrente vital do clã, de onde fluía o respeito e as

decisões importantes em prol da comunidade.

Era realmente a casa da conversa, da discussão de tudo e resolução das grandes

questões da vida que fluía a partir do ulonga (relato de toda a trajetória desde o encontro

anterior e situações vivenciadas, partilhadas e resolvidas, sobretudo os meios utilizados

para sua resolução ou exposição daqueles, ainda sem solução, esperando do grupo

reação para seu encaminhamento).

Para Geraldo Amândio Ngunga 119, o ondjango, para o subgrupo Vanganda, é o

símbolo da vida. Assim, entrevistado sobre o significado do ondjango para o subgrupo,

de onde ele é filho legítimo, afirma o seguinte:

O ondjango é para os Vanganda, e creio para o Bantu, um símbolo de vida, de aprendizagem e transmissão de conhecimentos dos mais velhos para as gerações, enfim é (...) a universidade de vida. Já que, o

117 Os encontros de anciãos, diz Nunes (ibidem), “à sombra duma árvore simbólica”, é algo muito comum. É freqüente este hábito nas comunidades do Quênia, Tanzânia, Zaire e em várias comunidades de Angola, onde alguns mais velhos traziam os próprios “otchalo”, isto é, banquinhos forrados de pele (couro) para se sentar, a volta da fogueira, partilhando os alimentos. 118 Brotava; derivava; fluía, correria. 119 Geraldo, primeiro presbítero católico do rito Romano do subgrupo Vanganda, pessoalmente bebeu da fonte ondjangiana, participou com todo o rigor do ritual da iniciação e o ulonga faz parte do seu mundo da vida. Por isso seus depoimentos são de capital importância, nesta pesquisa. Estou em permanente diálogo com ele servindo-me dos TIC’s, isto é, da internet com os seus recursos na pesquisa. Geraldo está estudando na Espanha, Teologia Moral, grande foco na Bioética. Terminou a especialização e está dando passos largos para a Láurea nesta área. Entrevista de maio de 2006.

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futuro pai ou a mãe será de acordo com o que tira deste grande tesouro cientifico. Ë escola da Palavra e da vida... - É o lugar de partilha: Ali em redor do lume familiar aprendemos a receber não só a sabedoria proverbial, mas também, a saber ser generoso, partilhando o "olukango” 120... _ Nele (ondjango) também aprendemos a conhecer genealogias e histórias de nossos pais ou familiares, seus sucessos e fracassos... - Enfim, ondjango não é apenas um lugar, é símbolo de toda uma herança e identidade, uma escola de valores e sabedoria... No Ondjango se aprende a ser fonte de vida e preparar-se para ser, no futuro, bom pai ou mãe de Família... As meninas aprendem as técnicas para manter o lar, ser mãe, cuidar os filhos, prepararem alimentos, - ser boa esposa para manter o marido... Em princípio, todo o membro da família pode entrar no ondjango, se tivermos em conta que existem etapas na formação (generalizada e especializada): Numa primeira fase todos desde criança, sem descriminação de sexo. Nesta fase se aprende a contar historias, contos didáticos, cozinha, genealogias, cuidar dos bebes etc... Na fase especializada se prepara o/a jovem de acordo com a missão que lhe espera. Se for moça se lhe ensina a tratar bem o seu futuro marido para que a mulher mais sedutora do mundo nuança consiga roubá-lo. Assim deve aprender uma espécie de boas maneiras - valores como respeito, técnicas de cozinha... E sem descurar aspectos sexuais que têm a tia como tutora especializada. No caso do rapaz, tem de aprender a ser bom marido sabendo trabalhar, ou ser hábil para um oficio concreto, como caça , pesca etc. e, sobretudo, tem de provar as suas capacidades sexuais porque também terá que ser progenitor... A circuncisão é teste dentro do processo da iniciação que tem como meta a maturidade da pessoa... Antes da iniciação se permite entrar no ondjango... porque o ondjango é lugar para toda a vida...e porque as outra etapas complementares se assim posso dizer se realizam fora deste... Para a menina no Otchiwo 121 e para o rapaz no Evamba 122 (conferir anexo 5).

4.2 Leitura da realidade ondjangiana:

Neste capítulo apresentamos o ondjango nas suas diversas acepções dentro da

realidade cultural. Excluir uma das dimensões apresentadas é reduzir o ondjango a

nosso bel prazer. Assim o ondjango apresenta-se como:

120 Olukango é a pipoca, que tradicionalmente se come à volta da lareira. É entretenimento necessário na hora da discussão de assuntos sérios. 121 Otchiwo refere-se a um espaço onde, chegada a uma determinada idade as moças eram liberadas pelos pais para pernoitarem neste lugar. É só feminino e não se permitia a freqüência de cavalheiros. Era um espaço que iniciava as meninas para se depreender da família, aprendendo assim a uma vida autônoma. 122 Evamba significa circuncisão. Rito de iniciação, que consiste em cortar o prepúcio. Iniciação masculina com o rito de corte do prepúcio.

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4.2.1 Ondjango: casa de ekongelo (reunião)

Estamos diante de um conceito que nos remete, como diz Nunes (ibidem, p.160)

à reunião dos homens, excluindo as mulheres deste espaço. Desde os tempos idos, as

sociedades secretas dos homens, o ondjango agrupava todos os homens.

Enquanto reunião, o ondjango é uma abertura ao diálogo, feito de palavra dita e

pronunciada, palavra escutada, palavra discutida, palavra ensinamento/iniciação,

palavra-resolução de casos comunitários ou individuais, palavra, cântico, palavra

música, palavra provérbio, etc. Como casa de reunião dos homens, segundo o referencia

Nunes (ibidem, p165), o ondjango considera-se como;

assembléia que se reunia em determinado local para conversar, discutir, tratar de todos os assuntos (e isto podia ser feito (...), a vários níveis: familiar, de bairro, de aldeia ou só de responsáveis 123 Quando se tratava de uma reunião geral dos homens, deve referir-se que ali era feito um controle diário de toda a vida e de todas as vidas, isto é, ali se conversava e ali se davam informações tanto de caráter publico como de caráter mais privado. Agrupados todos os homens à volta do sekulu, do chefe ‘mais-velho’, era este quem servia de oficiante ao ritual das perguntas. Logo de manha, antes da saída para o trabalho, poder-se-iam perguntar coisa do gênero: ‘tu sonhaste alguma coisa’? ‘tu como estás’? ‘tu foste roubado”? ; etc. Também ali, logo de manhã se distribuíam trabalhos coletivos – caso os houvesse – ou se recolhiam informações sobre o programa individual de cada membro: ‘hoje vou aquela lavra 124; ‘hoje vou caçar naquele local’.Na volta, à tarde, esperando pela refeição, cada um trazia também informações: ‘ali encontrei um doente’; ‘além estão num óbito’; ‘houve uma discussão por causa disso ou daquilo’; etc.Digamos que se trazia, diariamente, o ponto de situação. E era um balanço da vida profundamente comunitário. A conversa dialogada, partilhada, contudo, não era só ‘etchi nhe, tchetchi’... isto é, não era apenas conversa de passatempo, pouco importante, não era só perguntar ‘isto é quê? É isto ... A conversa, no ondjango, [era] também séria, [era] sobretudo ‘ohango’, [era] ‘ulonga’, [que consistia em] tratar de problemas importantes, [era] o recordar da tradição, [era] ensino da arte de viver. Neste caso, só os homens adultos participavam, muitas vezes até apenas os responsáveis maiores. De qualquer modo, os adolescentes e jovens deviam sempre retirar-se, a não ser que se tratasse especificamente da sua iniciação.

123 Resultado das diversas entrevistas realizadas por Nunes em dezembro de 1985, e coincidentemente a resposta foi a mesma. Ele entrevistou com Sabino Sapi e Azevedo Periquito, das zonas de Pambala-Cassongue e Amboíva-Seles; Katayenge e Cariogo, da zona da Lupula/Cela – província de Cwaza sul. 124 Falamos em lavra, quando nos referimos em lugares onde se faz lavoura, onde se produz alimentos dos humanos e dos animais,etc.

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4.2.2 Modelos exemplares de ondjango no Centro-Sul de Angola

Enquanto espaço de reunião, o ondjango tradicional era representado, segundo

Nunes (1991, p.161), por dois modelos exemplares: Modelo 1 - era do ondjango yepata,

isto é, de família (B) e ondjango y’Osoma (C) (chefe da tribo, clã e seu conselho); Modelo 2

– Ondjango dos homens de um bairro ou aldeia (B) e Ondjango y’Osoma (C):

Quadro 2. Modelos exemplares de ondjango

LEGENDA: (Da obra citada com algumas emendas pontuais – questões lingüísticas do autor, não dominador da língua umbundu e consequentemente não conhecedor do modo como as mesmas são escritas usando a gramática própria). A – OMBALA / SOBADO125: Constitui aproximadamente a tribo126.

B – OSEKULU: Ancião, mais velho – de família alargada/ondjango de 5-10 homens = modelo 1; grupo de homens de bairro – aldeia / ondjango de 20-50 homens = modelo 2; (os olosekulu podem consultar-se entre si em algumas questões).

C – SOBA (SOMA): Chefe de clã ou tribo, com o seu conselho / ondjango de responsáveis, controlando vários olondjango de família ou bairro (aldeias ou ovaembo).

D – SOBA (SOMA): Chefe da grande região (Reino). Poderá não existir, nesse caso os olosoma dos vários olombala (sobados) podem juntar-se esporadicamente, mas apenas para casos de extrema gravidade: estiagem (seca), guerra, etc.

125 Território governado por um soba (Soma). 126 Qualquer povo, unido quanto ao território, língua, cultura e instituições sociais; antropologicamente, tribo é um grupo social, caracterizado por relativa coesão territorial e homogeneidade lingüística e cultural, com pequeno ou maior desenvolvimento da autoridade central e da organização política, e que pode incluir, (critérios genealógicos) famílias, bandos, subgrupos ou comunidades em estreita interação econômica, religiosa e social.

B

B

B B

B

B B

C

C

B

MODELO 2 MODELO 1

D B

B

A A

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4.2.3 Ondjango: casa de elongiso/okulonga (educação/iniciação)

Iniciação cultural é um rito de puberdade com a função da inserção sócio-

comunitária e cultural dos indivíduos. A mesma, afirma Altuna Aqui, o ondjango se nos

apresenta como ‘elongiso/okulonga’127, isto é, encontro de aprendizagem dos valores

socioculturais a observar, das tradições herdadas pelos ancestrais, e das regras da vida

em e na comunidade, apresentadas em formas de cânticos, contos, estórias, lendas,

parábolas, anedotas, frases lapidares da sabedoria dos olosekulu 128 (ancestrais),

ilustradoras do mundo de vida a trilhar. Mas também se narram histórias

estabelecedoras de ligação e comunhão com os antepassados.

Transmitia-se a cultura que se passava de geração em geração, que se tornava

em iluminação na resolução dos problemas presentes. Os conhecimentos hauridos no

ondjango não podiam sair do ambiente ondjangiano. Aquele que fosse ‘iniciado’ não

podia relatar a ninguém o vivido, nem mesmo à própria mãe ou à mulher com que se

vivia.

O assunto do ondjango era a conversa, a ‘iniciação’, o ensino cultural

transmitido. Nesta altura não existia escola. A única realidade escolar era a escola da

vida. O aprender dos antepassados constituía a arte de viver. Na discussão entabulada

com Geraldo (conferir anexo 5) sobre a realidade ondjangiana, obtive o seguinte

enriquecimento:

Ondjango é uma realidade inspiradora para uma concepção pedagógica que tem em conta o homem como ser aberto à vida, ao dialogo interpersonal, a comunhão e a reflexão. Para nós tudo isto acontece neste lócus mágico, qual areópago de aturado agiornamento e memória para este Bantu na sua singularidade (...). Ai ele destilou toda a sua sabedoria e acumulou o pensamento e reflexão de milhares de anos (...). Com os provérbios aprendidos no ondjango, o homem bantu reforça seus argumentos filosóficos seja para solucionar um conflito, como para ensinar sábias sentenças, ou moralidade tirada

127 Ensinamento que é simultaneamente ensinar e aprender, dar e receber. No ondjango não existe quem saiba mais, e sim existe quem tem mais experiência vital. Este partilha suas experiências, mas é também aberto ao novo com os membros do ondjango. É de salientar que quem tem experiência é detentor da última palavra no ondjango. Quer dizer, a ele se dá a oportunidade de abrir e fechar o ondjango. 128 Olosekulu, nesse caso, não são, somente, pessoas de idade avançada, como, também, pode ser uma pessoa mais nova com experiência de vida, pelas viagens realizadas, pela participação em grandes momentos da vida comunitária tradicional, resoluções de problemas candentes ou pelas opiniões dadas nestas horas e que tenham sido seguidas pela qualidade e sabedoria de que eram portadoras. Por isso existe uma sabedoria em umbundu que traduzida diz: “ser mais velho, não significa ser portador de cabelos brancos, mas ser viajante experiente”.

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de uma historia, e com a variedade de suas imagens comunicam-se os encantos poéticos, estéticos e morais...

Ondjango tornava-se, entretanto, numa escola para os mais novos. Uma escola

de reprodução da cultura, feita pelos mais velhos, que mantinham o respeito e toda a

autoridade sobre a comunidade (Nunes, 1991, p.166). Por isso temos na realidade

cultural um ditado que diz: “okwetu olondunge vyupa kwakulu, kukavyupe kongolo” 129.

Os mais novos estavam sempre preparados e dispostos a receber todos os

ensinamentos. Isto era uma maior honra para eles, pois por esse fato eram considerados

homens, adultos e deviam ser respeitados até pelas próprias mães, pois, “começavam a

participar não só da verdadeira vida da comunidade, mas também do seu governo.

Aproveitavam então, sofregamente 130 sempre que os mais-velhos se punham a contar

‘as histórias e coisas dos anos atrás’ (BERNON, 1985, 129-1230)”.

4.2.4 Ondjango: casa de ulonga (relato dialógico)

Ondjango, enquanto casa do ulonga, significa relato dialógico, realizado num

espaço vital onde este ohango (diálogo) transforma-se em relato demorado que resgata

todo o vivido desde o encontro anterior dos sujeitos envolvidos nesta comunicação e

dos membros ausentes, pertencentes à família dos sujeitos em causa.

Uma primeira tentativa para a obtenção de dados mais atualizados sobre a

questão do ulonga, no município da Ganda/Angola, procurei realizar uma questão que

visava ter, de alguns mais-velhos, algumas opiniões sobre a questão.

A coleta destes dados (Ganda/Angola) ficou encabeçada pelo jovem Sebastião,

meu ex-aluno que fez parte das primeiras turmas do curso Pré-Universitário (PUNIV)

da Ganda e auxiliado pelo professor Alberto Martins. A partir do MSN, do SKYPE e e-

mail, coletei dados, nas minhas visitas semanais à Espanha, isto é, nas viagens virtuais,

onde dialoguei com Geraldo Amândio Ngunga, primeiro sacerdote do subgrupo

etnolingüístico dos ovimbundu, os Vanganda.

129 Traduzido ao pé da letra, significa , “amigo, tire/aprenda o juízo dos mais-velhos e não do joelho”. 130 Avidamente, sequiosamente, ambiciosamente.

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Sebastião e o Professor Alberto (Beto), trabalhando com o Regedor 131

Municipal da Ganda, o Senhor Adriano Toto, do subgrupo Vanganda e Vahanha; com o

Osoma132 de Bocoio e subgrupo de Vatchisandji, o Senhor José Nelema e o Osoma

Tchindjunda, da povoação de Tchiyaka e subgrupo de Vatchiyaka. Do trabalho de

pesquisa sobre ulonga, efetivado através de Sebastião e Beto, obtivemos os seguintes

resultados:

Para a parte sul do centro de Angola até a província de Benguela, que faz parte do sul de Angola, o ulonga tem sido um principio cultural inesquecível, porque é a partr da própria narração que o visitado fica a perceber-se do estado de saúde do visitante, dos seus problemas e das necessidades pessoais, comunitárias ou familiares. É de salientar que o ulonga não é feito apenas quando alguém se desloca de um lugar para o outro, mas também pode ser realizada dentro da família ou então num lar, depois de uma noite tão longa.

Para Geraldo Amândio Ngunga,

O Ulonga é um relato que resume os acontecimentos vividos desde o espaço temporal em que o visitado e o visitante se viram, até o novo reencontro. É um momento de empatia entre dois sujeitos que juntos vivem o passado no presente, alegre ou triste da vida. Passos do ulonga: Uma introdução, que inclui o momento emocionante da saudação, a acomodação e criação de condições para o referido diálogo interpersonal, motivos de visita ou chamada. Um “corpo” central: momentos importantes vividos pelos interlocutores e reações espontâneas de apoio, de protesto ou de comoção. Uma conclusão: breve recapitulação de temas importantes que podem voltar à tona em outras conversas, até anuírem todos os presentes com saudações que lhes põem liberdade de abordar temas diversos (...). Havendo muita gente, toma primeiro, a palavra o mais velho visitado ou visitante que interroga ao mais novo, abrindo assim o diálogo... e ao mesmo cabe concluir (...). A posição normal para o Ulonga é estar sentado, sinal de respeito, disponibilidade e tranqüilidade (...). Porque assim as pessoas se podem escutar com respeito e liberdade familiar (...). E porque este momento é também um lugar de aprendizagem (...) para iluminar o passado e retificar os momentos mal vividos e as sendas mal andadas (...) 133.

131 Na realidade governativa de Angola, além dos três poderes, temos a autoridade do Regedor nos municípios, nas províncias e na capital do país, que corresponde àquela figura que coordena as autoridades tradicionais, os Olosoma (autoridades de pequenas áreas). 132 Osoma é o chefe de clã ou tribo, com o seu conselho/ondjango de responsáveis, controlando já vários olondjango de família ou bairro (aldeias pequenas ou Kimbos). 133 Entrevista de maio de 2006.

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Segundo o Regedor Toto e os dois Olosoma, Nelemba e Tchindjunda 134

definem ulonga como sendo “um costume de saudação que faz parte da cultura

Vahanha, vatchisandji e dos ovimbundu”. Este costume “consiste em narrar os estado

de saúde, problemas e necessidades familiares, grupais ou pessoais”.

Para Toto, “os Vahanha procuram, no ato do ulonga, primeiro narrar o estado

da saúde, problemas e necessidades desde o último dia que em que os reencontrados se

separaram, ou melhor, desde na ultima vez que deixaram de se ver até ao dia do

reencontro”. Nelemba diz que “os vatchisandji têm o mesmo procedimento dos

vahanha” enquanto para Tchindjunda, “os Ovimbundu narram apenas o estado de

saúde, problemas e necessidades das últimas 24 horas, até a hora do reencontro”

Assim, na condução do ulonga, para os subgrupos Vahanha, Vatchisandji e os

Ovimbundu135, rege-se por regras, homogenias, nos três subgrupos. Para tal, falando

destas regras, os três afirmam o seguinte:

Depois que o visitante chegue a uma determinada casa, deve se manter em pé até que se lhe dê uma cadeira; ao visitante se faz a seguinte pergunta em forma afirmativa: ‘Komangu’ 136! E este responde animadamente ‘kuku’137. Nesta altura o visitante replica ao acolhimento dizendo: ‘Sanga mangu’ 138 O visitado ou os visitados em uníssono respondem; ‘Tchô’ 139. Tudo isto acontece só depois de o visitante se ter sentado. No entanto, quem não obedecer a estes princípios, já pode, de antemão, ser considerado, um estranho. Se for alguém que deve seguidamente prosseguir sua viagem, mesmo havendo um perigo adiante, não se lhe chama atenção, não se lhe avisa pelo fato de não ter obedecido aos princípios de ulonga. 140 Para os Vahanha, os Vatchisandji e para os Ovimbundu, o ulonga é sempre iniciado pelo mais-velho que tem o direito de poder dar ordem de o mais novo fazer o ser relato, seguindo sempre o mesmo esquema: estado de saúde, problemas da vida familiar ou pessoal e as necessidades. Terminado, o mais velho retoma a palavra, repetindo

134 Entrevista concedida em Novembro de 2005 no município da Ganda. 135 Ovimbundu constitui o grande grupo etnolingüístico. Entretanto, para os subgrupos que não são Vahanha e Vatchisandji, são todos chamados de ovimbundu. Isto não tira o mérito de todos pertencerem ao mesmo grupo. Quando são os Vatchisandji ou os Vahanha a chamarem outros que não pertençam aos seus grupos, nesta altura o conceito ovimbundu é pejorativo e quando fosse o contrário, isto é, os Ovimbundu a chamarem outros alheios aos seus hábitos e costumes também os conceitos Vatchisandji ou ao invés de os Vahanha serem chamados pelo próprio nome, utilizando outro, isto é, de Vakamuhanha, aqui os conceitos são tomados negativa ou pejorativamente. 136 Traduzido mais ou menos seria: ‘na cadeira’, desejando à visita boa disposição, boas vindas e que esteja à vontade. 137 Obrigado ou obrigada. Este é o reconhecimento que a pessoa em visita está sendo bem acolhida. 138 Traduzido significa, encontro cadeira, isto é, encontro acolhimento entre vós? 139 É verdade, sim, está concedida a cadeira. 140 Maio de 2006.

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todo o discurso do mais novo, com exclamações de alegria ou indignação, dependendo da situação em pauta. Posteriormente o mais velho fará seu relato dentro da regra. A concluir a mais-velho diz: “Wange” e os ouvintes ou os participantes responderão “tchô” e o mais novo replicará dizendo: “haewo unosi” e os mesmos ouvintes ou participantes responderão Tchô. Entre os Vahanha e vatchisandji, se o ulonga estiver acontecendo no seio familiar, a primeira palavra é dada à pessoa que nasceu do irmão (ã) mais velho (a), mesmo se este for criança. Depois deste, o indivíduo que nasceu do mais novo terá a palavra ainda que seja o mais velho em idade [Por isso se diz, na cultura, que ser mais velho não é questão de idade, mas de experiência].

Para estes subgrupos, o ulonga tem a mesma importância que é a de rever o

passado, corrigir e acertar o presente construindo um amanhã melhor, na família, na

comunidade e dos membros, enquanto constituintes desta história.

4.2.5 Ondjango: casa de ombangulo (conversa).

Um encontro esporádico, informal pode ser considerado como ondjango, pelo

fato de se permitir que neste encontro aconteça o diálogo, de amigos, sem grandes

compromissos, mas uma conversa amena e tranqüila. É que quando as pessoas se

encontram, independentemente daquilo que devem fazer, acontece aquilo que Lukamba

(1981, p.36) chama de “encontro vivo”. Neste ‘encontro’, no entender de Lukamba (id,

p.37), existe um sinal de vida que é “a palavra, o gesto, o som ou o eco”. Assim, para

ele (ibidem),

o sinal não é uma coisa ou um objeto, nem sequer uma pessoa como tal, mas a palavra, o gesto, o som ou o eco que me liga e relaciona com o outro ou os outros como um encontro vivo em ordem à comunhão; o sinal é a mensagem viva que como arco de chama acesa aproxima e une dois ou mais universos interiores; é uma mensagem capaz de ser entendida pelo outro e provocar nele uma resposta que move os interlocutores num diálogo vivo que os faz ultrapassarem-se a si mesmos... em ordem a uma comunhão aberta a todos os seres pessoais e impessoais. Assim, o essencial do sinal está precisamente na sua capacidade de relacionar, de estabelecer sem limites relações entre diversos universos interiores.

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4.2.6 Ondjango: casa de ekuta (partilha alimentar comunitária).

Para além do encontro, da reunião e da conversa, o ondjango é o espaço de

partilha das refeições. Tais refeições acontecem uma ou duas vezes ao dia segundo o

estatuído em cada localidade. O habitual é que seja de tarde, depois do trabalho do dia,

ou de manhã cedo, antes de se partir para a jornada laboral. Aqui começa a

compreenção organizacional da economia141.

Enquanto se aguarda pela comida, a conversa que acontece era um

entretenimento. As conversas mais longas, diz Nunes (1991, p.162), acontecem depois

das refeições. De onde vinha a comida? De cada residência donde cada homem é

oriundo, prepara-se comida pelas próprias mulheres. Tal comida era normalmente o

pirão ou o funji (espécie de purê de farinha de milho ou de mandioca), feijão, carne (de

criação ou de caça), maçaroca 142, algumas bebidas, etc.

Tudo é preparado pelas mulheres e levado para o ondjango pelos jovens, onde os

homens fazem acontecer a verdadeira partilha, em torno da lareira, com lenha grande,

que ali se mantém permanentemente (ibidem, p.163-164).

É importante salientar que durante esta partilha ninguém chama sua, a comida

preparada pela própria mulher e sim algo da comunidade reunida em ondjango no

ondjango. A mulher, as crianças e o resto da família, ficavam em casa, manducando

parte comida, por elas prevista no ato da preparação da refeição do dia.

Em várias localidades, as mulheres não são abandonadas à mercê do “Deus

dará”, enquanto os homens se reúnem no ondjango. Fala-se de uma reunião paralela das

mulheres à dos homens feita por afinidade, por amizade ou por vizinhança, no ‘otchiwo’

(cozinha ou dormitório das moças) onde elas partilham e comem juntas e onde as jovens

se juntam para a iniciação cultural e sócio-familiar (ibidem), preparando-se para a

fecunda maternidade. Não estará aqui patente, de certo modo, a exclusão feminina, na

vida sócio-cominitária ondjangiana? Vejamos a ilustração da figura abaixo:

141 Nesta organização econômica comunitária ninguém é abandonado e privado da alimentação. E qualquer um que fique sem o mínimo para a sua sustentabilidade, a comunidade (aldeia) se reúne em mutirão para prover o sutento e até a ajuda na lavoura. 142 Maçaroca é o milho bem assado no carvão, forno, ou numa lareira, que normalmente antecede as refeições. Também se pode comer depois das refeições ou independentemente das refeições.

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Quadro 2. Os dois mundos: ondjango e otchiwo; machismo ou exclusão?

O certo é que no ondjango acontecia uma autêntica e verdadeira partilha

comunitária: tudo era de todos. Técnicas bem simples aplicavam-se na resolução de

problemas ligados a carências. Exemplo apresentado por Nunes (ibidem):

em casa de uma mulher faltava sal. Ela preparava o alimento sem sal e o levava para o ondjango nestas condições. Como tudo era partilhado, logo todos ficavam sabendo do que se passava e o chefe (coordenador) dava ordem, discretamente, de se ir levar o sal a tal casa....

ONDJANGO

HOMENS

MACHISMO OU

EXCLUSÃO? ESPAÇOS

COMPLEMENTARES

OTCHIWO

MULHERES

SERÁ???

NECESSIDADE DE SE PENSAR NA SÍNTESE DOS DOIS MUNDOS PARA A CRIAÇÃO DA ESCOLA

ONDJANGIANA

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Este tipo de partilha era realizado através da distribuição de bens, sobretudo dos

excedentes, evitando qualquer tipo de lucro, ganho ou venda. A respeito desse assunto

Nunes (ibidem) diz o seguinte:

A dimensão da partilha comunitária era ainda visível no fato de, em geral, se preferir distribuir determinados bens, como os excedentes de carne ou mel, e não se procurar tanto a venda de tais produtos. A solidariedade e inter-ajuda eram também visíveis no apoio à construção de alguma habitação ou trabalho na lavra desses mais necessitados [servindo-se do princípio de ondjuluka, como já o salientamos nos pontos anteriores desse capitulo do ondjango].Quando um homem se ausentava da aldeia por algum tempo, ou por razões de necessidades da sua vida privada ou porque fosse para o “contrato”143, a sua mulher devia continuar indo levar comida ao ondjango, senão todos os dias, pelo menos muito frequentemente. Esse era um sinal, um critério importante para julgar quem eram as boas ou más mulheres. E o homem, no seu regresso, ainda antes de ver a mulher, era logo [informado] de tudo isto e da conduta em geral da mulher, por parte dos outros homens, no ondjango (que, entretanto, já recolhera informações, para o efeito, junto de vizinhas ou amigas da pessoa em questão).

4.2.7 Ondjango: casa de ondjuluka/otchipito (solidariedade)

O Ekongelo144 de ondjuluka era o encontro de planejamento de um projeto de

vida ou de uma ação a ser realizada em comunidade, pela comunidade e para a

comunidade em forma de mutirão solidário, por exemplo:

• em velórios;

• nos casamentos;

• quando alguém recebe uma visita. Esta visita é considerada como visita da

comunidade e não da pessoa que a recebe, mesmo que receba o alojamento de

uma pessoa conhecida. Enquanto estiver na comunidade é cuidada por todos

os membros;

• preparação para a guerra de auto-defesa;

• preparação para a caçada comunitária; 143 Contrato ou “undalatu” era um trabalho forçado que os negros se viam obrigados a fazer pelos colonos. Depois de serem rusgados (caçados e apanhados pelos policiais), eram encaminhados para longe, em geral para o trabalho duro das roças, nas minas, etc. Isto acontecia, sobretudo quando o indivíduo não pagava o dízimo, que, em umbundu, se chamava de ‘elisimu’. 144 Ekongelo é sempre um encontro convocado.

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• preparação para o julgamento, para dirimir situações candentes que lesem o

bem estar comunitário.

Deste ekongelo pode acontecer o okupapala, isto é, a festa, a dança, o lúdico da

vida, momento de entretenimento. O africano, angolano, reconhece a importância da

dimensão lúdica e festiva da vida.

Para o efeito, ele canta e dança para mostrar que a vida tem sua realização na

festa. Todos os momentos devem ser celebrados. E nós africanos manifestamos esta

dimensão lúdica da vida com a mensagem expressa nas palavras do seguinte cântico:

“nda oli komwenho papala, omwenho wokaliye otchinimbu”145 – significando que cada

momento da vida deve ser bem saboreado e festejado por causa da contingência e

temporalidade da vida biológica.

4.2.8 O ondjango: casa de ekanga/okusomba/okusombisa (justiça)

O ekanga 146, que resulta em okusomba, isto é, em fazer a justiça ou

okusombisa, em ser julgado, era uma reunião, um encontro que visava a resolução de

problemas comunitários. Tratava-se aí tudo o que se relacionava com o exercício da

justiça. Neste sentido, diversos autores (VV. AA, 1982, p.46-47;80) “opinam que era

esta a função mais importante do parlamento tradicional: o exercer a justiça, o

resolver conflitos [comunitários]”; mas outros, tais como Mauss (1967, p.235-313),

“fala dos fenômenos jurídicos e nelas aparecem várias instituições descritas, entre elas

as sociedades dos homens”.

Porém, somente aos homens adultos se permitia a participação nestes eventos.

Tratava-se de alguns homens, anciãos, responsáveis, escolhidos e aceitos na e pela

comunidade, deputados pela comunidade para o referido ato.

No ekanga eram discutidas vicissitudes próprias da vida de qualquer grupo

humano: “casos de roubo, ofensa ou violação das mulheres [caso isso acontecesse],

crimes generalizados, desordens e discussões, [diversas questões da aldeia ou do

bairro], hospitalidade, problemas de defesa, heranças, terras, matrimônios, etc.”

(NUNES, id, p.166-167).

145 Traduzido literalmente quer dizer: “se estiveres com a vida (vivo), brinca e festeja porque a vida hodierna é breve”. 146 Ekanga é um ondjango (reunião) de julgamento.

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Quando o ondjango formado por estes responsáveis não ultrapassava a situação,

recorria-se à uma instância superior, ao conselho do soba (soma), com seu conselho

adjunto (vice-conselho). O chefe intimava as partes em litígio ou apenas o declarado

infrator, depois de ter realizado o ondjango com o seu conselho. Com ele tudo tinha um

meio e um caminho de solução; com ele tudo encontrava esclarecimento e solução.

Encontrados os culpados neste grande ondjango do soba (Soma), aplicava-se

uma sanção adequada, que era não de castigar por castigar, mas de corrigir o infrator e

ainda de desencorajar à possíveis ações semelhantes. As penas ou os castigos aplicados,

normalmente, se resumiam nos seguintes: paga, em dinheiro ou em animais (bois),

correspondente à infração. Quando a ofensa lesava direta ou indiretamente a

comunidade, um dos animais pagos era executado e manducado por todos os membros

da comunidade no ondjango; pagamento em trabalho feito pelo próprio infrator ou por

algum dos seus familiares, se este estiver fisicamente impossibilitado; havia ainda

castigos públicos vergonhosos para o infrator (mas este se aplicava raramente), era o de

ser banido da comunidade; em casos de feitiçaria se aplicava a pena de morte (ibidem),

e, pessoalmente, eu assisti, a uma destas ultimas penas (pena de morte por feitiçaria –

tratou-se de um velho que publicamente declarou que todas as pessoas que tinham

morrido na aldeia, num determinado período, ele era o responsável, até a menina que ia

morrer no dia seguinte).

Assim, só ao ondjango competia o exercício da justiça, onde podiam participar

todos os homens da área, ou preferentemente, somente um grupo restrito de

responsáveis, deputados pela comunidade.

Podemos afirmar que na realidade angolana o mundo da vida cultural passa

necessariamente pelo ondjango, enquanto “locus vitalis”. É do ondjango que se parte

para a iniciação sociocultural e é no ondjango onde se acolhe o iniciado

socioculturalmente, para fazer parte da comunidade fraterna, festiva e solidária. Uma

comunidade em mutirão permanente, que localmente se chama de “ondjuluka”, seja

para o trabalho para alguém na comunidade que mais precise quanto para a caça

comunitária ou outra atividade que precise, dessa colaboração espontânea e disponível.

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4.3 Limites do mundo ondjangiano no processo do elongiso (educacional)

Apesar de o ondjango constituir-se uma realidade de grande valia para a

comunidade Bantu, enquanto espírito e modo de vida e expressão do mundo da e/ou de

vida para o povo angolano em geral e de modo singular para o grupo etnolingüístico

Ovimbundu (conferir quadro n.6 dos anexos), alguns limites são encontrados no

ondjango. Antes de mostrarmos tais limites eis uma reflexão que Amílcar Cabral 147 nos

oferece. O africano é um povo multicultural. Para Cabral (1999, p.45-47), existem

várias pessoas com o pensamento de que ser africano é saber sentar no chão [é saber

tocar o tambor, é viver do batuque] e comer com a mão. Sim, isso é certo africano,

entretanto,

todos os povos no mundo se sentaram já no chão e comeram com a mão. É que há muita gente que pensa que só os africanos é que comem com a mão. Não. Todos os Árabes da África do Norte, mas mesmo antes de serem africanos, antes de virem para África 148, comiam com a mão, sentados no chão. Temos que ter consciência das nossas coisas, temos que respeitar aquelas coisas que têm valor, que são boas para o futuro da nossa terra, para o nosso povo avançar. Ninguém pense que é mais africano do que outro, nem mesmo do que algum branco que defende os interesses da África, porque eles sabem hoje comer melhor com a mão, fazer bem a bola de arroz e atirá-la para a boca. Os Tugas 149, quando eram visigodos ainda, ou os suecos (...), quando eles eram Vikings, também comiam com a mão. Se vocês virem um filme dos Vikings dos tempos antigos, vocês podem vê-los com grandes chifres na cabeça, mesinhos 150 nos braços para irem para a guerra. E não iam para a guerra sem os seus grandes chifres na cabeça. Ninguém pense que ser africano é ter chifres pegados ao peito, é ter mesinhos na cintura. Esses são os indivíduos que ainda não compreenderam bem qual a relação que existe entre o homem e a natureza. Os tugas fizeram isso, os franceses fizeram quando eram francos, normandos, etc. Os ingleses fizeram-no quando eram anglo saxões, viajando pelos mares fora em canoas, grandes canoas.

147 Amílcar Cabral nasceu em Guiné-Bissau em 1924. Estudou em Cabo Verde e foi um dos animadores literários da revista “Certeza” (1944) que marcou a toda uma geração literária de caboverdianos. Desde 1951 estudou agronomia em Lisboa, licenciando-se em 1951. Nesta estadia na metrópole fez parte da CEI (Casa dos Estudantes do Império). É aqui onde se reafirma como nacionalista africano. Morreu assassinado a mando da PIDE salazarista em Conacri (Guiné-Conacri), a 20 de janeiro de 1973. Pela sua notável pessoalidade intelectual e revolucionária foi uma das figuras chave e de alta referência nos estados nacionais que ele criou: Guiné-Bissau e Cabo Verde, assim como no resto do continente africano. 148 Eles vieram do Oriente para África. 149 Tugas é a expressão usada em todas as colônias portuguesas para chamar os portugueses. Ainda hoje prevalece a expressão seguinte: vou a Tugas – vou a Portugal. 150 Mesinho é uma espécie de talismã ou amuleto (tipo remédio caseiro). Objeto de formas e dimensões variadas, ao qual se atribuem poderes extraordinários de magia ativa, possibilitando a realização de aspirações ou desejos e não ser morto se estiver na frente de combate.

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Temos que ter coragem para dizer isso claramente. Ninguém pense que a cultura de África, o que é verdadeiramente africano e que, portanto, temos de conservar para toda a vida, para sermos africanos, é a sua fraqueza diante da natureza. Qualquer povo do mundo, em qualquer estado que esteja já passou por essas fraquezas, ou há-de passar. Há gente que ainda nem chegou aí: passam a sua vida a subir às árvores, comer e dormir, mais nada ainda. E esses, então, quantas crenças têm ainda! Nós não podemos convencer-nos de que ser africano é pensar que o relâmpago é a fúria de Deus. Não podemos acreditar que ser africano é pensar que o homem não pode dominar as cheias dos rios. Quem dirige uma luta como a nossa, tem a responsabilidade duma luta como a nossa, tem que entender, pouco a pouco, que a realidade concreta é essa. A nossa luta é baseada na nossa cultura, porque a cultura é fruto da história e ela é uma força. Mas a nossa cultura é cheia de fraqueza diante da natureza.

Diante do ondjango, como lugar dos homens, temos a fraqueza do machismo;

diante do ondjango enquanto espaço de ensino dos hábitos e costumes de nossos

antepassados, que constituem o marco da história de um povo, temos a fraqueza da

reprodução; ante o ondjango enquanto leitura do mundo e da palavra, transmitida no

processo da oralidade, temos a fraqueza do analfabetismo, que influencia, sobremaneira

na perpetuação da cultura do amém, da cultura do silêncio, do imperialismo e

dominação cultural; perante o ondjango que ensina à criança a entrar no mundo da vida,

pela iniciação sócio-cultural e comunitária a todo custo, oferecendo-lhe um trabalho

penoso, a prova de fome, etc. temos a fraqueza de retirar da criança e adolescente o

direito sagrado de uma vida digna e um desenvolvimento tranqüilo da personalidade

humana, nesta etapa do “desenvolvimento emocional escolar” (FIORI, 2003, p.1), e do

“desenvolvimento cognitivo” (RAPPAPORT, 2003, p.46) para se poder chegar à

“socialização” (ibidem, p.88) da criança, etc.; perante o ondjango enquanto espaço

mítico e de segredo dos de dentro, estamos diante da fraqueza do fechamento cultural,

quando somos um país multicultural que se deve abrir para a ‘interculturalidade

microcósmica’ e ‘interculturalidade macrocósmica’ 151; diante do ondjango que

respeita o mais-velho (sekulu) como referência obrigatória da mediação ondjangiana,

temos uma fraqueza exerbada do poder ou da busca do poder a todo o custo. Nesta

ótica, Cabral (ibidem, p.52-53) é claro, ao dizer:

151 Entendo por interculturalidade microcósmica aquela cultura que se abre aos subgrupos do mesmo grupo etnolingüístico e suas variantes, dialogando com os mesmos, sem perder sua própria identidade. E, por interculturalidade macrocósmica, aquela cultura que se abre a diversos grupos etnolingüísticos do mesmo país e de outros países, e quiçá, do mundo inteiro, dialogando com os mesmos, sem perder sua própria identidade.

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Há gente que até tem desprezo pelas tribos, gente que já não quer saber disso para nada, que estudou nas Universidades, em Lisboa ou Oxford ou mesmo na capital da própria terra, mas que hoje, por causa do acesso da África à independência [sem guerras], quer mandar, quer ser presidente da República, quer ser Ministro, para poder explorar o seu próprio povo. Então, como isso não lhes foi possível por qualquer razão, lembrem-se: - “eu sou Lunda, filho de Lundas, descendente do rei Lunda. Povo lunda, levanta-te porque os Bacongos querem comer-nos”. Mas não é nada por causa de Lundas ou Bacongos, é pelo fato de querer ser presidente, de ter todos os diamantes, todo o ouro, todas essas coisas boas na sua mão, para poderem fazer o que querem, para viverem bem, terem todas as mulheres que quiserem na África ou na Europa; para poderem passear pela Europa, serem recebidos como presidentes, para se vestirem caro, de fraque 152 ou grandes bubus 153, para fingirem que são africanos. Mentira, não são africanos nada. São lacaios154 ou cachorros dos brancos.

Afinal, o ondjango apresenta-se aqui, com todos os seus limites, como caminho

para a recuperação dos valores culturais silenciados pela cultura do “amém” e, assim,

levar avante o processo de luta cultural. Notamos que dentro do ondjango subjaz

implicitamente a cultura do “amém”, que encontra sua explicita sistematização com a

implantação da colonização. Só reconhecendo os limites ou as fraquezas do ondjango é

possível fazer do mesmo um castelo forte e indestrutível. Para isso o ondjango deve

nortear e/ou adentrar o ambiente escolar. Para tal, podemos, com Neto 155 (1988, p.134-

135), em tom retumbante, e sem medo de errar, fazer memória esperançosa de nossa

152 Traje de cerimônia masculino, bem ajustado ao tronco, curto na frente e com longas abas atrás. 153 Túnica (3) longa e larga, de uso na África negra. 154 Lacaios são criados de libré, que acompanham o amo em passeio ou jornada; homens sem dignidade, desprezíveis. Homens que, na Índia, jura morrer pelo seu chefe; indivíduo servil, que bajula e defende sistematicamente os seus superiores. 155 Agostinho Neto nasceu aos 17 de Setembro de 1922 em Kaxikane, Ikolo e Bengo e faleceu a 10 de Setembro de 1979, em Moscovo, vítima de um cancro (câncer). Fez os seus estudos secundários e o liceu em Luanda, no então denominado Liceu Nacional Salvador Correia (hoje Liceu Mutu Ya-kevela). Enquanto estudante do Liceu participou no movimento dos novos intelectuais de Angola, que tinha por lema "Vamos descobrir Angola". Depois de ter terminado o liceu trabalhou nos serviços de saúde de Luanda até 1947, quando seguiu para Portugal para estudar medicina, primeiro em Coimbra e depois em Lisboa, onde se licenciou em 1958. Durante a sua permanência, como estudante em Portugal, esteve estreitamente ligado a atividades sociais, políticas e culturais da Casa do Estudante do Império, fundado em Lisboa com outros estudantes africanos, como Marcelino dos Santos, Mário Pinto de Andrade, o Centro de Estudos Africanos e Clube Marítimo Africano, que asseguravam um elo de ligação entre os angolanos em Angola e em Portugal. Esteve sempre envolvido em atividades políticas, o que resultou na sua prisão por diversas vezes. A sua primeira prisão foi em 1951. Em 1957, estando na cadeia, foi eleito pela anistia internacional, "prisioneiro político do ano”. Regressou à Angola, em 1959, onde abriu um consultório médico, mantendo sempre as suas atividades políticas de uma forma ativa. Voltou a ser preso e deportado para Cabo Verde, de onde, devido às pressões internacionais, foi transferido para Lisboa, com residência vigiada. Em 1962 conseguiu evadir-se de Portugal com a família, indo para Léopoldville, onde estava sediado o Movimento Popular de Libertação de Angola - MPLA. Foi eleito presidente do MPLA em 1962, passando a liderar a luta armada de libertação nacional contra o colonialismo.

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terra, nossos hábitos, culturas e tradições dizendo: “havemos de voltar”, tal como um

dia, ele, na cadeia do aljube 156, em outubro de 1960, dizia:

HAVEMOS DE VOLTAR

Às casas, às nossas lavras Às praias, aos nossos campos Havemos de voltar

Às nossas terras Vermelhas de café Brancas de algodão Verdes de minerais Havemos de voltar Às nossas minas de diamantes, Ouro, cobre, de petróleo Havemos de voltar. Aos nossos lagos Às montanhas, às florestas, Havemos de voltar

À frescura da mulemba 157 Às nossas tradições Aos ritmos e às fogueiras Havemos de voltar À marimba e ao quissange 158 Ao nosso carnaval Havemos de voltar

À bela pátria angolana Nossa terra, nossa mãe Havemos de voltar

Havemos de voltar À Angola libertada Angola independente

Cadeia do Aljube, Outubro de 1960.

156 Prisão escura; cárcere; cômodo sem abertura para o exterior, com deficiência de iluminação e ventilação. 157 Árvore frondosa (Ficus Welwitschii), de seiva leitosa e que oferece sombra. 158 Quissange é um instrumento musical tradicional usado em Angola, em momentos solenes e importantes.

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5 PAULO FREIRE E O ONDJANGO: DIÁLOGOS

Quando pensei neste título, “Paulo Freire e o Ondjango: Diálogos”, veio-me, à

memória, a “mangueira”, árvore recifense e árvore angolana. Esta árvore rememora o

ondjango, sobretudo quando, por debaixo de sua sombra, Freire se senta, repousa,

esperando pelo outro com quem devia entabular o diálogo (ohango) transformador. Daí

a razão de ser da mensagem que do acervo de Ana Maria Araújo Freire, fotocopiada e

posta como mensagem de apresentação da “Pedagogia da Indignação” de Freire (2000,

p.5), onde ele manifesta seu desejo e seu projeto, ao dizer:

Escolhi a sombra desta árvore para repousar do muito que farei Enquanto esperarei por ti. Quem espera na pura espera vive o tempo de espera vã. Trabalharei os campos e conversarei com os homens. Suarei meu corpo, que o sol queimará; Minhas mãos ficarão calejadas; Meus pés aprenderão o mistério dos caminhos; Meus ouvidos ouvirão mais; Meus olhos verão o que antes não viam’ Enquanto esperarei por ti. Não te esperarei na pura espera Porque o meu tempo de espera é um tempo de quefazer. Desconfiarei daqueles que virão dizer-me, Em voz baixa e precavidos: É perigoso agir É perigoso falar. É perigoso andar É perigoso, esperar, na forma em que esperas, Porque esses recusam a alegria de tua chegada. Desconfiarei também daqueles que virão dizer-me, Com palavras fáceis, que já chegaste Porque esses, ao anunciar-te ingenuamente Antes te denunciam Estarei preparando a tua chegada Como o jardineiro prepara o jardim

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Para a casa que se abrirá na primavera. Por isto, enquanto te espero. (FREIRE, 2000, p.5)

Assim, na sua obra, “À sombra desta Mangueira”, Freire (2004b), num exercício,

retoma sua infância e, à sombra das árvores recifenses, aprende “a solidão de estar só

como uma forma de estar com e estar sendo” (SOUZA, 2001, p.364), referindo-se à

experiência da infância, Freire apresenta as considerações muito significativas do vivido

e aprendido no mundo da vida; discute problemas locais e globais da

contemporaneidade (ibidem, p.365), tais como:

globalização, pós-modernidade, ação de partido da esquerda, a passagem pela Secretaria Municipal de São Paulo (1989-91), reafirma sua radicalidade absoluta a favor dos oprimidos, recusando o mecanismo e determinismo que gera o imobilismo; reafirma, sobretudo, a história como possibilidade, a esperança, a tolerância, a dialogicidade e a problematização, como exigência ontológica dos seres humanos.

Portanto, tendo o diálogo como pano de fundo, este capítulo procura navegar no

mundo da vida freiriana, trazendo, bem presente, o reencontro de Freire com o mundo

africano. Uma segunda abordagem, trilha pela proposta dialógica de Freire que ganha

sentido, quando, no ato dialógico, tem-se em conta o mundo da vida ou a cultura da

pessoa com que se dialoga. Neste sentido, Freire, demonstra esta idéia na busca

conjuntural de caminhos que levem à transformação. Daí a necessidade da ousadia,

possível de acontecer através da tomada de consciência atual, propulsora da crítica.

5.1 Freire e sua trajetória pelo mundo africano

Para o melhor entendimento de Freire e sua trajetória pelo mundo africano, onde

é visível a cultura ondjangiana, precisamos, no mínimo, passar, de forma lapidar, pelo

mundo vital onde ele navegou e que hoje deixa para a humanidade um grande legado

filosófico, antropológico, sociológico, político, teológico, pedagógico, etc.

Só é possível entender a vida e obra freiriano, considerando sua adesão, vivência

e compromisso sóciopolítico com a sua terra, Recife, nordeste brasileiro, e os momentos

históricos vividos no Brasil na hora do seu surgimento, como novo Moisés.

De 1921-1964 - Primeira parte da trajetória freiriana: “Paulo Reglus Neves

Freire, conhecido, no exterior apenas como Paulo Freire” (GADOTTI, 2001, p.28),

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nasceu em Recife, Pernambuco; lá concluiu os estudos secundários e fez sua primeira

universidade, cursando direito.

Em 1944 realizou o enlace matrimonial com Elza Maia Costa de Oliveira,

docente da primária, introdutora de Freire no mundo cultural e educacional. A primeira

atividade por ele desenvolvida foi o Serviço Social da Indústria (SESI) e movimento de

Cultura Popular (MCP). Daí o surgimento da alfabetização e da criação dos Círculos de

Cultura extensiva por toda a região.

Em 1959, na Universidade Federal de Recide, Freire redige sua primeira obra

intitulada, “Educação e Atualidade Brasileira”, com 139 páginas, que por sinal é a tese

de concurso público para a carreira de História e Filosofia da Educação de Belas Artes

de Pernambuco (GADOTTI, 2001, p.257). Nesta tese, continua Gadotti, encontra-se

presente, pela primeira vez, a idéia de uma escola democrática, centrada no educando e

na pbroblemática da comunidade em que vive e atua (ibidem); uma escola que, por uma

nova pratica pedagógica, se capacite de provocar no discente a transição de sua

consciência mágico-ingênua à crítica, fomentadora de transformações sociais (ibidem).

Retocada, esta tese doutoral publicou-se, mais tarde, sob o título “Educação como

Prática da Liberdade”, constituindo-se, assim, a primeira obra de Freire. Ainda, nesta

obra, torna-se clarividente o método freiriano de alfabetização.

Em 1963, convidado pelo presidente João Goulart, Freire fica o mentor da

alfabetização de adultos em nível nacional e trabalha no movimento para a educação

básica. De 1964-1980 – período de horas dolorosas: Freire defronta-se com o exílio. De

1964 – 1969, Freire sofre o primeiro exílio para Chile. Emprega-se no Instituto de

Capacitación e Investigación en Reforma Agrária (CIRA), onde ele desenvolve sua

teoria e práxis educativa (OSORIO, 2003, p.136).

No ano de 1969 ele é nomeado especialista pela e da Unesco e leciona em

Harvard (Estados Unidos da América). No ano de 1970, transfere-se para Genebra e é

feito Consultor do Conselho Mundial de Igrejas (ibidem, p. 137).

Na década dos anos de 1970, Freire torna-se assessor de vários países africanos.

Aí incrementa programas de alfabetização, apoiando, assim, no processo de

reconstrução nacional de diversos países, na sua diversidade cultural, após sua

independência. Tais países são: Tanzânia, Guiné-Bissau, Angola, Moçambique e São

Tomé.

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De 1980-1991 – Freire é encontrado e vive momentos importantes de sua vida:

dois momentos constituem o centro desta temporada: o familiar e o político. Assim, em

1980, de novo no Brasil, abraça a academia como docente na PUC de São Paulo e de

Campinas.

No ano de 1986, Elza, sua primeira esposa, é visitada pela “irmã morte” e, nesta

altura, vivencia momentos difíceis de sua história. Mas vence tal abatimento e se

enamora com Ana Araújo (Nita), amiga desde a infância e viúva como ele. E, em 1988

se casa com ela em Recife. Esta viria a ser a grande colaboradora dele nas obras dos

últimos dias de sua vida. Em 1989 é nomeado Secretário Municipal de Educação de São

Paulo.

Neste momento, o Partido dos Trabalhadores (PT), do qual ele se orgulhava em

ser um dos co-fundadores, ganha as eleições municipais em São Paulo. Em 1991 suas

atenções estavam viradas para a democratização das escolas e para a EJA – Educação de

Jovens e Adultos.

De 1992 – 1997, Freire retorna à academia como docente. É neste tempo que

escreve suas últimas obras e realiza numerosas conferências e lhe são conferidos vários

títulos, dos quais, o de doutor honoris causa por várias universidades, e ainda recebera,

em 1988, pela Universidade de Barcelona, o mesmo título honorário.

No dia 2 de maio de 1997, Freire adormece para dar mais vida. Ele constitui o

grão de trigo que lançado a terra produziu frutos abundantes, deixando, em sua trajetória

de educador, um legado muito importante que Souza (2002, p.67) apresenta como:

a) Uma profunda crença na pessoa humana e na sua capacidade de educar-se como sujeito da história; b) Uma postura política firme e coerente com as causas do povo oprimido, temperada com a capacidade de sonhar e de ter esperança; c) A ousadia de fazer e de lutar pelo que se acredita, e, junto com isto, a humildade de quem sabe que nenhuma obra grandiosa se faz sozinho, mas que é preciso continuar aprendendo sempre; d) Um jeito do povo se educar para transformar a realidade – uma pedagogia que valorize o saber do povo, ao mesmo tempo em que o desafia, a saber, sempre mais; e) Uma preocupação especial com a superação do analfabetismo, e com uma pedagogia que alfabetize o povo para ler o mundo [através da leitura da palavra];

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Conhecer, dialogar e conviver com o legado de Paulo Freire nos ajuda a refletir sobre nossa pratica, e a crescer em nossa identidade enquanto (...) [povo angolano]159.

Freire se reencontra com a África. Falo em reencontro e não em encontro na

medida em que, quando o próprio Freire pisando, pela primeira vez, o chão africano,

parecia-lhe, um rever-se e um reencontrar-se (FREIRE, 1984), conforme ele mesmo

referia. As semelhanças encontradas em África (Tanzânia) faziam-lhe sentir o

reencontro do Brasil, com a terra mãe. A mãe África. Assim dizia ele (ibidem, p.13-14):

A cor do céu, o verde-azul do mar, os coqueiros, as mangueiras, os cajueiros, o perfume de suas flores, o cheiro da terra; as bananas, entre elas a minha bem amada banana-maçã; o peixe ao leite do coco; os gafanhotos pulando na grama rasteira; o gingar dos corpos das gentes andando nas ruas, seu sorriso disponível à vida; os tambores soando no fundo das noites; os corpos bailando e, ao fazê-lo “desenhando o mundo”, a presença, entre as massas populares, da expressão de uma cultura que os colonizadores não conseguiram matar, por mais que se esforçassem para fazê-lo, tudo isso me tomou todo e me fez perceber que eu era mais africano do que pensava.

Alguns dados do acervo mais importante de Freire são necessários, pelo fato de

se tratar de escritos que irão cair em mãos de pessoas que desconheçam o mundo de

Freire, isto é, de pessoas de Angola, de Benguela e da Ganda, tal como aconteceu

comigo antes de pisar o solo brasileiro (ignorava o mundo freiriano). Assim, navegando

no o acervo de Freire, enquanto escritor dos sonhos factíveis, digo que dos livros por ele

publicados saliento os seguintes:

Educação como prática da liberdade, Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1967. Esta é a

1ª obra redigida por ele, após a queda da Presidência da República de João Goulart.

Nela ele retoma as idéias fundamentais de sua tese de doutoramento, “Educação e

atualidade brasileira”, cuja defesa aconteceu no ano de 1959. Insatisfeito pelos

contrastes socioeconômicos e políticos da realidade de sua terra matriz e marcado pelo

início de seu êxodo no exílio, quis, a partir desta obra, sistematizar o projeto educativo

por ele idealizado, tentando responder aos desafios contidos no ontem brasileiro, de

uma “sociedade sem povo” (SOUZA, 2002, p357), lançados num amanhã de uma

sociedade nova, justa e possível, feita de sujeitos e não de objetos.

159 Extrato do Boletim de Educação do MST, especial sobre Paulo Freire, maio de 2001, com grifos meu.

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Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro; Paz e terra, 1970 (ibidem). Obra de

capital importância e a mais significativa de todas, editada, primeiro, nos EUA, em

1970 e depois no Brasil, em1974. Para Souza (2002), Este livro considera-se o clássico

do autor. Foi exatamente uma dedicação “aos esfarrapados do mundo e aos que nele se

descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”

(ibidem). A opção pelos pobres foi explicitada e constituiu a tônica de Freire, nesta

obra. Ele fala do opressor que é introjetado pelo próprio oprimido, do medo da

liberdade, da necessidade de reconhecer a desumanização como condição fundamental

para se construir a humanização e diz que a luta dos oprimidos por sua libertação,

libertaria a si e aos próprios opressores: só o poder que nasça da debilidade dos

oprimidos será suficientemente forte para libertar a ambos. Portanto, Freire faz a

tremenda crítica à ‘educação bancária’ confrontada com a sua proposta de uma

educação ‘problematizadora e libertadora’. , a “Pedagogia do oprimido” aparece como

aprofundamento da “Educação como prática da liberdade”.

Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1971. Obra escrita a

partir do Chile em 1968. Nela, seu autor faz uma discussão sobre o papel do agrônomo

como educador, sua comunicação com os camponeses na construção da reforma agrária.

Segundo Souza (ibidem, p.358), Freire “fala do equívoco gnoseológico do termo

‘extenção’ , da ‘invasão cultural’, de como uma assistência técnica pode se transformar

numa práxis social e da necessidade de discutí-la inter-disciplinarmente”.

Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro; Paz e Terra,

1976. Trata-se de uma obra organizada em Genebra, Suíça. Neste livro Freire junta os

escritos dos anos compreendidos entre 1968 e 1974. Aqui estão compiladas algumas

considerações atinentes ao ato de estudar, ao papel educativo do trabalhador social no

processo de mudança e da importância das igrejas na América Latina; faz, ainda, nesta

obra, a análise dos níveis de consciência na sua relação com a infra e a superestrutura,

discutindo a importância da conscientização no processo revolucionário; critica a prática

alfabetizadora alienante, depositária, reduzida ao ato mecânico da leitura e da escrita e

ainda defende a alfabetização como ação cultural para a liberdade, onde os

alfabetizandos aprendem a ler e a escrever as palavras, lendo e pronunciando seu

mundo, conforme Souza (ibidem) o revela e faz uma defesa uma pedagogia utópica e

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esperançosa que implica na dialetização da denúncia e do anúncio, na práxis

revolucionária (ibidem).

Cartas a Guiné-Bissau: Registros de uma experiência em processo. Rio de

Janeiro; Paz e Terra, 1977. Aí Freire reúne as diversificadas experiências

alfabetizadoras em África. E, à convite oficial dos governantes deste país, ele analisa as

relações existentes entre educação e produção, em um país emergente (FREIRE, 1984,

p.142). Freire publicou as cartas por ele escritas, endereçadas ao Comissariado de

Educação e à Comissão Coordenadora dos trabalhos de alfabetização em Guiné-Bissau,

quando, com a equipe do IDAC (Instituto de Ação Cultural) e do Conselho Mundial de

Igrejas (CMI), assessorou aquele país no seu processo de reconstrução após a

independência de Portugal. Portanto, a mística da luta pela libertação do povo guineense

perpassa todo o livro, incluindo as imagens fotográficas de escolas funcionando por

debaixo das árvores nas zonas libertadas, de estudantes do Liceu de Bissau participando

de trabalho produtivo e citações de Amílcar Cabral, Líder do Partido Africano para a

Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde – PAIGC (Souza, 2002, p.359).

Educação e mudança. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1979. Quando Freire se

preparava para voltar do exílio escreveu esta obra. Aqui traz à tona o necessário

compromisso profissional para com a sociedade; os conceitos polarizados, como: saber-

ignorância , amor-desamor, esperança-desesperança; o significado de uma sociedade em

transição, o homem como um ser de relações e o homem domo criador de sua história.

A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo.

Cortez; Autores Associados, 1982. Único livro publicado individualmente na década de

80. No mesmo livro estão compilados três artigos: 1º- Importância do ato de ler, 1981;

2º- Alfabetização de Adultos e bibliotecas populares, jan./1982; 3º- Uma sociedade que

se experimenta historicamente - refere-se ao trabalho de alfabetização de adultos

realizado nas Ilhas de São Tomé e Príncipe, 02/1981.

Educação na cidade. São Paulo; Cortez, 1991. Esta obra defende a democracia

na ação pedagógica. Esta deve ser a atitude do gestor-educador a serviço da autonomia

enquanto cotidiano dos movimentos sociais, no chão da escola ou do mundo da vida. A

presente obra mostra um conjunto de lições educativas, administrativas e pedagógicas

em direção à construção da escola pública popular e democrática; à construção de uma

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gestão participativa onde se garanta vez e voz ao povo desde o planejamento,

desenvolvimento, avaliação e socialização dos ganhos e reflexão dos perdas.

Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. São

Paulo. Paz e Terra. 1992. Obra com características biobibliográficas. Aqui se denota a

retomada da trajetória de vida de Freire: docência, trabalho no SESI, exílio, os vários

países por onde passou seus encontros intelectuais, aprendizagem com trabalhadores do

campo social, sindicalistas, educadores, amigos e família. Na prática educativa

progressista, afirma a necessidade do diálogo, do respeito ao saber e a linguagem do

senso comum, da problematização, da amorosidade. Considera a educação como

processo diretivo e político. A concretização da humanização, enquanto vocação

ontológica dos humanos. Tal processo só é possível com a ousadia e utopia.

Política e Educação. São Paulo. São Paulo; Cortez, 1993. Obra de conferências

diversificadas proferidas por Freire dentro e fora do Brasil, sua pátria mãe.

Professor sim, tia não: cartas de quem ousa ensinar. São Paulo; Olho

D’Olhos’Água, 1993. Freire, faz discutir a armadilha ideológico que se esconde por

trás do tratamento das professoras como tias. Tias não contestam, não fazem greve, não

deixam “seus sobrinhos” sem aula. Propõe a luta contra o medo do difícil, do

autoritarismo, especialismo.

Cartas a Cristina. São Paulo; Paz e Terra, 1994. Cristina é a sobrinha de Freire.

Ainda adolescente, e, curiosa, que no tempo do exílio, se correspondia com o tio através

das cartas. Cristina amadurece, cresce, inicia seus estudos universitários. Agora sim, já

não quer saber apensa do tio, mas e, sobretudo, o educador. Portanto, além das

lembranças de infância, Carta à Cristina aborda elementos da formação pessoal

acadêmica e sua militância política. (ibidem, p. 364).

À sombra desta mangueira. São Paulo; Olho Água é a retomada da infância,

quando à sombra das árvores aprendeu a solidão de estar só como uma forma de estar

com e estar sendo. Discute questões locais e globais da contemporaneidade, isto é, a

globalização, a pós-modernidade, etc. (ibidem)

Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1996. Nesta obra, Freire,

ao reunir um conjunto de saberes necessários à prática educativa, reafirma seu

compromisso com o pensar certo, com a coerência entre o pensar, o sentir e o agir

educativo. Esta obra é um curso de formação básica e também avançada por todos os

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educadores e por todas as educadoras críticas que assumiram a responsabilidade ética de

lutar pela democratização da educação, de investir na ética universal do ser humano, de

construir uma sociedade democrática, justa e fraterna (ibidem, p.365)

Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas ou outros escritos. São Paulo.

Editora UNESP, 2000. Nesta obra estão reunidos os últimos escritos de Freire, antes de

nos deixar na madrugada de 02/05/1997. Este livro foi organizado pela esposa, Ana

Maria Araújo Freire. São duas as componentes deste livro: 1º- “Cartas pedagógicas” e

o 2º- “outros escritos”. ‘Pedagogia da indignação’ é o convite à leitura e ao

engajamento político. Na utopia democrática da sociedade, é importante ter-se em conta

Amor-Indignação-Esperança (ibidem, p.366).

Estamos diante de um ‘encontro que é, na verdade, um reencontro’ com o

mundo da vida de Freire. Por isso é que, pisando este solo africano, ele se sentia num

retorno e não numa chegada; ele se sentia estar em casa própria; por essa razão é que

ele, visitando a equipe do IDAC – Instituto de Ação Cultural, pela primeira vez, na

Guiné-Bissau, ousou dizer, sem medo de errar: “quando voltei à Guiné-Bissau”.

Maravilha. “Tudo o que ele via e sentia, diz Andreola (2005, p.66), revelava tantas

afinidades entre África e Brasil”.

Trata-se de um encontro verdadeiramente amoroso, “um olhar de amorosidade,

de encantamento”, de um encontro que reconhecia no outro um eu, e juntos buscarem

um caminho para a construção de uma sociedade onde todos deviam ter voz e vez.

Trata-se de um encontro que reconhecia as potencialidades do outro como sujeito,

militante engajado, no esforço sério de reconstrução de seu país (ibidem, p.15); oposto

do olhar de Hegel, um olhar que expressava apenas preconceito e desprezo total”, tal

como o salienta Andreola (ibidem).

Trata-se de um encontro com educadores, vistos como “revolucionários”.

Enquanto educador, Freire faz da alfabetização de adultos um ato de conhecimento que

tem, no alfabetizando, um dos sujeitos desse ato. Assim, o educador busca melhores

caminhos que possibilitem ao alfabetizando exercer o papel de sujeito de conhecimento

no processo de alfabetização. Nesta ótica, o educador (ibidem) foi definido como aquele

que deve ser:

Um inventor e re-inventor constante desses meios e desses caminhos com os quais facilite mais e mais a problematização do objeto a ser

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desvelado e finalmente apreendido pelos educandos. Sua tarefa não é a de servir-se desses meios e desses caminhos para desnudar, ele mesmo, o objeto e depois entregá-lo, paternalisticamente, aos educandos, a quem negasse o esforço de busca, indispensável ao ato de conhecer. Na verdade, nas relações entre o educador e os educandos, mediatizados pelo objeto a ser desvelado, o importante é o exercício da atitude crítica em face do objeto e não o discurso do educador em torno do objeto.

Segundo Andreola (2005), os sentimentos de amorosidade, que Freire teve para

com a África, verificaram-se na coragem que ele teve em ir ao encontro do outro, que lá

residia. É sentimento de amor, sobretudo se entendermos o amor como “um ato de

coragem, nunca de medo (...), compromisso com os homens. Onde quer que estejam

estes homens, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se com a sua causa. A

causa de libertação. Mas este compromisso, porque é amoroso, é dialógico” (FREIRE,

2004a, p.80).

Estes sentimentos amorosos para com a África, fizeram de Freire um

‘franciscano’. Amando a África amou todos os seres que nela se moviam e que tinham

perdido a terra em busca da vida, do sossego e da liberdade que não existia entre os

homens oprimidos. Amando a África, amou a ecologia africana. Esta visão ecológica

freiriana, inteiramente ecológica, apresentada pelo economista Ladislau Dowbor no

prefácio de ‘À Sombra Desta Mangueira’, de Freire (2004b, p.12), não permitem a

Andreola (2005, p.67), omitir, como ele próprio escreve, “uma reminiscência de Freire,

também carregada de um profundo sentimento ecológico e de autêntica amorosidade

para com as árvores queimadas e para com os animais expulsos pela crueldade da

guerra”. Trazendo á tona tal reminiscência, Freire (1984, p.80) dizia:

Na volta à Guiné-Bissau, olhando pela janela do helicóptero dirigido por pilotos soviéticos, junto aos quais dois jovens nacionais continuavam sua aprendizagem, via, lá em baixo, as frondes das árvores queimadas de napalm. Olhava atentamente, curiosamente. Nenhum animal. Uma ou outra ave maior voava calmamente. Lembrava-me do que nos dissera o Presidente Luiz Cabral, em nosso primeiro encontro, quando nos falara de diferentes instantes e aspectos da luta, com a mesma sobriedade com que o jovem diretor do Internato conversara com Elza e comigo. “Houve um momento, disse o Presidente, em que os animais da Guiné ‘pediram asilo’ aos países visinhos. Somente os saguins permaneceram refugiando-se nas zonas libertadas. Tinham horror dos ‘tugas’. Depois, coitados, passaram a temer-nos. É que nos

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vimos forçados a começar a comê-los 160. Espero que, em breve, os nossos animais retornem – concluiu o presidente – convencidos de que já não há guerra”. Da janela do helicóptero olhava atentamente, curiosamente. Não havia ainda, pelo menos naquelas bandas do país, indícios daquele retorno...

O encontro de Freire com a África foi um encontro de aprendizado, mais que um

encontro de ensino. Nós podemos verificar esta afirmação no diálogo que Paulo Freire

entabula com Sérgio Guimarães, no título “A Linguagem das Cartas e a Cultura Oral”.

Numa das partes desse capítulo vemos, na conversa de Freire & Guimarães (2003c,

p.61), a seguinte afirmação:

Mas aí é uma coisa engraçada, Sérgio. Como a África vai ensinando a gente! Como a realidade vai ensinando! Por exemplo, se eu estiver escrevendo para o Brasil, sobretudo para os educadores que estivessem trabalhando com massas populares em centros urbanos, como São Paulo, eu teria sugerido que, ao abrir o livro, na introdução, o animador propusesse aos participantes do círculo que fizessem uma leitura silenciosa do texto e que, em seguida, cada um iria fazer a leitura em voz alta. Mas para a África, não. Inclusive a minha primeira tentação foi essa. Imediatamente o lápis parou no caminho e refiz a trajetória. Na África, meu querido Sérgio, a gente está enfrentando uma cultura cuja memória (...) é auditiva, é oral e não escrita.

Freire neste reencontro coma África, reconheceu o valor da cultura de um povo,

sobretudo desta cultura que une a palavra ao gesto. Para tal, vejamos o que Freire

visualizou numa grande praça organizada em memória do dia da independência do país,

onde a festa e a palavra se sincronizavam:

Manhã quente de setembro. Asfixiante, quase. Comemorava-se a independência do país. Uma grande praça. No fundo, o palanque em que se achavam as autoridades nacionais, o corpo diplomático, convidados e delegações de países amigos. Grupos variados desfilam. Representam organizações populares de Tabancas 161 e bairros de Bissau. Crianças, jovens, mulheres, homens coloridamente vestidos. Cantam e bailam. Movem-se. Vão e vêm, curvando-se e recurvando-se, numa riqueza extraordinária de ritmos. A multidão toda, ao longo da avenida que desembocava na praça, participava, ativamente, do desfile. Não estava ali apenas para olhar e escutar, mas para expressar, conscientemente, a alegria de poder estar ali, como um povo que conquistara o direito de ser.

160 Comê-los, aqui tem o sentido de guerreá-los., eliminá-los. 161 Associação de socorros mútuos, na ilha de Santiago, com atividades festivas (cortejo com cantos e danças) e cultuais.

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A multidão cantava também, movia-se também. Não se tratava de um ‘espetáculo folclórico’ a que uns poucos, à distância, assistissem. Era uma festa do povo, que vivia o seu dia maior. Após o desfile, encerrado com a apresentação de unidades das FARP, o Presidente Luiz Cabral começou então o seu discurso. Exatamente em frente ao local do palanque em que se achava o Presidente, um grupo da banda militar, perfilado. Em certo momento, um dos soldados da banda, como estivesse caindo sobre si mesmo, desfalece. O Presidente pára o seu discurso. Olha fixo o militante que está sendo amparado por seus camaradas. A multidão percebe. Abre caminho a um carro que se aproxima e em que o soldado é conduzido ao hospital. O Presidente acompanha com o olhar o carro que parte e logo desaparece. Só então vota a falar. A meu lado em voz baixa, disse Elza: ‘este foi o momento mais bonito de nossa visita a este país. Temos, realmente, muito, o que aprender de um povo que vive tão intensamente a unidade entre a palavra e o gesto. O indivíduo aqui vale enquanto gente. A pessoa humana é algo concreto e não uma abstração’ (FREIRE, 1984, p.38-39).

5.2 Freire e o diálogo

Nesta abordagem, trago Freire à baila. Trata-se de um Freire num mundo da vida

que só tem sentido se estiver sincronizada pelo diálogo, com... O fato de existir é, de

“per se”, um lançar-se em uma relação, é um estar com. É um ‘eu’ que se encontrando

com um ‘tu’ perfaz um ‘nós’. Cada movimento humano é uma comunicação.

Comunicamo-nos com o mundo, com os outros homens, conosco mesmos e com o

transcendente.

O diálogo é aqui o pano de fundo desta reflexão. De um modo lapidar traremos à

superfície algo que se relacione com a trajetória de Freire pelo mundo africano que ele

próprio considera como se fosse um re-visitar, um reencontrar-se com o continente-mãe.

Isto nos possibilitará a aprofundar o ideário dialógico freiriano. Daí o sentido dos temas:

cultura e diálogo, conscientização e diálogo dos dois ideários (o freiriano e o

ondjangiano). Finalmente, a necessidade de se fazer uma síntese cultural.

5.2.1 Cultura e diálogo

De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que

seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho, fazer da queda, um passo de dança, do medo, uma escada, do

sonho, uma ponte, da palavra, um encontro. Fernando Pessoa

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Ao localizarmos Freire num bairro de Recife, ao situar sua infância no tempo

dos lampiões, ao referenciar Freire numa hora de intensas transformações sóciopolíticas,

ao encontrar sua pessoalidade no mundo familiar, feito de um quintal dos fundos de sua

casa com árvores, bananeiras, cajueiros, fruta-pão, mangueiras, etc.; ao acharmos Freire,

que aprende a ler à sombra das árvores, usando como quadro-preto, o próprio chão e,

como giz, o graveto de pau; ao localizar a figura comerciante de seu pai; ao situarmos

Freire na família, como caçula da casa, nos sofrimentos, feito de mortes e nascimentos,

de lágrimas e alegrias, de filhos e mulheres, de amigos e colegas de trabalho (GHIGGI

& KNEIP, 2004), estamos, conforme diz Freire (ibidem), diante do “homem que está no

mundo e com o mundo”; do ser com capacidade de se relacionar, ser capaz de sair de si;

de projetar-se nos outros, de transcender; relação que não se dá apenas com os outros,

mas se dá no mundo, com o mundo e pelo mundo, através dos contatos permanentes. O

animal está no mundo e não com o mundo (FREIRE, 2003b). Aqui o homem apresenta-

se como senhor de sua história; como senhor do passado, do presente e do futuro. Daí,

compreendendo, sua realidade, o homem lança-se em demanda de hipóteses sobre o

desafio dessa realidade, procurando soluções adequadas: seu eu e suas circunstâncias

(ibidem). Cria-se um mundo cultural que enche os espaços geográficos e históricos

(ibidem).

Nesta ótica, na perspectiva freiriana, cultura acaba sendo “tudo o que é criado

pelo homem” (ibidem). Cultura é algo que circunda toda a vida dos humanos que parte

de coisas ínfimas até as grandiosas; desde uma poesia como uma frase de saudação.

Freire (ibidem) continua pensando na cultura como aquela:

Realidade que consiste em criar e não em repetir. O homem pode fazê-lo porque tem uma consciência capaz de captar o mundo e transformá-lo.Isto nos leva a uma segunda característica da relação: a conseqüência, resultante da criação e recriação que assemelha o homem a Deus. O homem não é, pois, um homem para a adaptação. A educação não é um processo de adaptação do indivíduo à sociedade. O homem deve transformar para ser mais (...).

Neste processo cultural que acontece no tempo, o homem identifica-se com a

sua própria ação na temporalidade, onde ele se faz homem-história e na

transcedentalidade, onde ele pode transcender sua imanência, estabelecendo relação

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com os seres infinitos. Entretanto, esta relação não supõe domesticação, submissão ou

resignação diante do ser infinito, como diz Freire (ibidem).

Pela cultura, se visualiza o papel ativo do homem em sua e com a sua realidade

(FREIRE, 2003a, p117). Cultura é, neste sentido, definida como:

Acrescentamento que o homem faz ao mundo que não fez; (...) resultado de seu trabalho, do seu esforço criador e recriador; aquisição sistemática da experiência humana; incorporação (...) crítica e criadora, e não uma justaposição de informes ou ‘prescrição’”doadas”. [Aqui], o aprendido da escrita e da leitura [é a] chave com que o analfabeto iniciaria a sua introdução no mundo da comunicação escrita. [É] o homem, afinal, no mundo e com o mundo. O seu papel [é o] de sujeito e não [o] de mero e permanente objeto.

Desde o ponto de vista de alfabetização, o analfabeto que entra nesse processo,

iniciaria a operacionalização de sua mudança de atitudes que acabariam revendo o

espaço pensado e estudado. Assim, vejamos a mensagem de Freire (ibidem), nesta

pespectiva,

descobrir-se-ia, criticamente, como fazedor desse mundo da cultura; descobriria que tanto ele, como o letrado, têm um ímpeto de criação e recriação; descobriria que tanto é cultura o boneco feito pelos artistas, seus irmãos do povo, como cultura também é a obra de um grande escultor, de um grande pintor, de um grande místico, ou de um pensado; que cultura é a poesia dos poetas letrados de seu país, como também a poesia de seu cancioneiro popular; que cultura é toda criação humana.

Freire (ibidem, p.104), trazendo Fernando de Azevedo, na obra “A Cultura

Brasileira” 162, diz que tal cultura, fixada na palavra, corresponde a nossa inexperiência

do diálogo, da investigação, da pesquisa, que, por sua vez, estão intimamente ligados à

criticidade, que é a tônica fundamental da mentalidade democrática.

Continuando, ele reconhece que mais tarde se fazia sentir a preocupação da

identificação da cultura fixada na palavra com a realidade, em caráter sistemático.

Estava-se vivenciando uma nova era; tratava-se do clima de transição (ibidem): busca

do esvaziamento da educação de suas manifestações ostensivamente palavrescas 163.;

162 Vista como uma das melhores obras culturais, senão mesmo a melhor obra , publicada no Brasil, assim reconhece Freire. 163 Palavresca, do palavreado, significa conjunto de palavras com pouco ou nenhum nexo e importância; loquacidade astuciosa.

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superam-se as posições reveladoras da descrença no educando; seu poder de fazedor, de

criador, de recriador, de trabalhador e de discutidor.

A nova página que se abre é a do reconhecimento e crença no poder do

educando de discutir seus problemas vitais; problemas democráticos do seu mundo da

vida, problemas do trabalho, problemas do país, do continente mundo, etc.; problemas

que passam pela educação como ato do amor, de coragem, de debate – discussão e de

análise. Para o efeito, Freire (2003a, p.104) diz o seguinte:

A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa. Como aprender a discutir e a debater com uma educação que impõe? Ditamos idéia. Não trocamos idéias. Discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomos-lhe uma ordem a que ele não adere, mas se acomoda. Não lhe propiciamos meios para o pensar autentico, porque recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as guarda. Não as incorpora porque a incorporação é o resultado de busca, de algo que existe, de quem o tenta, esforço de recriação e de procura. Exige reinvenção.

Daí a razão de ser da discussão sobre diálogo em Freire. Mas, não há dúvidas,

como diz Oliveira (1996, p.8), que o conceito freiriano de diálogo não constitui uma

novidade de suas especulações filosóficas. Para este teórico, as preocupações nesta linha

já se encontravam nas obras de Aristóteles, Tomás de Aquino e de Jean Jacques

Maritain. Daí é que o próprio Freire, em nenhum momento reivindica para si a primazia

da análise filosófico-educativa fundamentada na práxis dialógica (ibidem). Freire, pelo

contrário, reconhece o mérito de vários antecessores, tais como: John Dewey e Karl

Jaspers que salientaram a ação pedagógico-filosófica centralizada no diálogo.

Freire, à determinada altura, procurou desfazer as críticas de seus antecessores

que o acusavam de falta de originalidade. Aqui estamos com o caso especial de J.

Dewey na sua afirmação de que a originalidade não estava no fantástico, mas no novo

uso de coisas conhecidas.

A novidade pedagógica freiriana das especulações filosóficas sobre o diálogo,

dizia Oliveira (id, p.9), está no fato de ele ter colocado toda aquela problemática no

contexto dialético de uma teoria do conhecimento. Isto trazia à tona elementos ativos do

conhecimento na construção de modelos mentais, cuja função era a de apreender os

diferentes aspectos da realidade. Isto significava que qualquer um tinha sempre algo a

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aprender com o outro, mesmo quando este partisse de hipóteses totalmente diferentes.

Neste caso, segundo o mesmo autor (ibidem), o significado profundo do diálogo, na

filosofia educacional de Freire, era que este não era tido como simples habilidade ou

uma forma cortês de discurso polêmico ou retórico, preso a esquemas rígidos e

dogmáticos, em que os discursantes achavam-se igualmente convencidos de possuírem

toda a verdade, e cuja tática objetiva consistia em coagir os demais a uma plena

aceitação de suas verdades.

Diálogo, para Freire, era visto como método de investigação pedagógica, que

fazia com que as técnicas de ensino e de aprendizagem fossem incorporadas não apenas

a cada fragmento da verdade, que pudessem aparecer em vários e diferentes

posicionamentos teóricos, mas, também, e acima de tudo, para assegurar o

desenvolvimento dialético de sua própria verdade, considerando elementos novos que

emergiam do contexto social (ibidem).

Acredito, ainda, que Freire tenha, também, garimpado este conceito em Martin

Buber. As razões que me autorizam a afirmar deste modo, prendem-se com o fato de

não serem raras as vezes que Freire cita este pensador. Deste modo, na obra “Eu e Tu”,

Buber (2004, p.30) traz a palavra como sendo dialógica. Buber desenvolve a profunda

ontologia da palavra, reconhecendo nela, sendo “palavra falante”, o sentido de ser

“portadora do ser” (ibidem). Por ela o homem navega no oceano da existência. A

palavra conduz o homem e não vice versa e o mantém no ser. Na visão buberiana

(ibidem), “a palavra proferida é uma atitude efetiva, eficaz e atualizadora do ser do

homem. Ela é um ato do homem através do qual ele se faz homem e se situa no mundo

com os outros (...). A palavra, como portadora do ser, é o lugar onde o ser se instaura

como revelação”.

Buber mostra, ainda, que o principio e o fundamento da existencialidade humana

localiza-se na palavra; e, aliando-se à categoria ontológica do ente, a palavra-princípio

instaura o evento dia-pessoal da relação.

A partir desta introdução é possível o entendimento de Freire (2004a, p.78), de

modo singular quando ele reconhece a existência humana como aquela que, por ser tal,

não pode ser muda, silenciosa, tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de

palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Por essa razão é que

ele diz: “existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo

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modificado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir

deles novo pronunciar” (ibidem). E os homens se fazem tais, não pelo silêncio, mas

pela palavra, pelo trabalho e pela ação-reflexão, conclui ele.

Mas se dizendo a palavra verdadeira é trabalhar, é transformar o mundo, é a

práxis, então este ato não pode ser privilégio de algumas pessoas, deve, sim, constituir-

se direito universal da humanidade. Conseqüência disso é que a palavra verídica não

pode ser dita por uma pessoa sozinha ou por uma às outras, mas partilhada entre todos

os que estiverem em cena. Então, que seria mesmo diálogo para Freire?

Segundo Freire (2003a, p.115), diálogo “é uma relação horizontal de A com B.

(...) Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o

diálogo comunica”. Daí, a razão de ser da afirmação de Freire, segundo a qual, o

diálogo tem o princípio primeiro na crítica e gera a critica. E a relação de simpatia entre

os envolvidos é importante para que aconteça verdadeiramente o diálogo. Nas palavras

de Freire (ibidem, p.116), “quem dialoga, dialoga com alguém sobre alguma coisa”.

Diálogo é, ainda, para Freire (2004a, p.78), o “encontro dos homens,

mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação

eu-tu”. Nesta ótica o diálogo se impõe como caminho, através do qual os homens

ganham significação enquanto tais; o diálogo é uma necessidade existencial (ibidem,

p.79). Assim,

(...) não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do mundo e os que não a querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados desse direito. É preciso, primeiro, que, os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue.

O certo é que só existe diálogo verdadeiro, existindo verdadeiro amor ao mundo

e aos homens. É impossível pronunciar o mundo, ato criacional e recriacional

inexistindo amor, enquanto fundamento do diálogo e, também, enquanto diálogo. Este

diálogo é tarefa dos sujeitos que não acontece sempre que se trata da relação com os

dominados, onde se desenha a síndrome patológica de amor, o sadismo do dominador, o

masoquismo do dominado e a funga do amor. Daí, o discurso instigante de Freire

(ibidem, p.80), quando alude ao amor, dizendo:

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Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo [pois, ‘nemo date quod non habet’ 164], Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante. O diálogo como encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir, se rompe, se seus pólos (ou um deles) perdem a humildade. Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo, sempre no outro, nunca em mim? Como posso dialogar, se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança, diante dos outros, meros “isto”, em quem não reconhece outros ‘eu’? Como posso dialogar, se me sinto participante de um gueto de homens puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são “essa gente”, ou “nativos inferiores”? Como posso dialogar, se me parto de que a pronúncia do mundo é tarefa de homens seletos, se parto de que a presença das massas na história é sinal de sua deterioração que devo evitar? Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros que jamais reconheço, e até me sinto ofendido com eles? Como posso dialogar, se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho? A auto-suficiência é incompatível com o diálogo.

Portanto, a educação autêntica, nesse processo dialógico, não se faz de A para B

nem B para A ou A sobre B ou B sobre A, mas A com B ou B com A. Na escola onde

não há diálogo aí se encontra uma “educação bancária”. Nesta educação, segundo a

visão freiriana (2004a, p.49),

a).- o educador é o que educa; os educandos, os que são educados; b).- o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem; c).- o educador é o que pensa; os educandos, os pensados; d).- o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que escutam docilmente; e).- o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados; f).- o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que seguem a prescrição; g).- o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador; h).- o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele; i).- o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele; j).- o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos.

Na concepção ‘bancária’ da educação, os alfabetizandos aparecem, pura e

simplesmente, como objetos do processo de aprendizagem da leitura e da escrita; são os

164 Não se dá o que não se tem.

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memorizadores de conteúdos oferecidos pelos educadores; são os reprodutores, ao invés

de seres criadores e recriadores do conhecimento. Aqui, nada mais se nota, senão uma

“educação – domesticação, onde o tônico reside na transferência de conhecimento que

não reconhece a experiência existencial e o acúmulo de conhecimentos gerados nesta

experiência dos adultos analfabetos” (SCHWENDLER, 2002, p.106). Daí o sentido

profundo da mensagem que Freire deixa para todos os educadores do mundo:

Se milhões de homens e mulheres estão analfabetos, “famintos de letras”, “sedentos de palavras”, a palavra deve ser levada a eles e elas para matar sua “fome” e sua “sede”. Palavra que, de acordo com a concepção “especializada” e mecânica da consciência, implícita nas cartilhas, deve ser “depositada” e não nascida do esforço criador dos alfabetizados.

5.2.2 Conscientização e diálogo

Seria horrível se tivéssemos a sensibilidade da dor, da fome, da injustiça, da ameaça, sem nenhuma possibilidade de captar a ou as

razões da negatividade. Seria horrível se apenas sentíssemos a opressão, mas não pudéssemos imaginar um mundo diferente,

sonhar com ele como projeto e nos entregar à luta por sua construção. Nos fizemos mulheres e homens experimentando-nos no jogo destas tramas. Não somos, estamos sendo. A liberdade não se

recebe de presente, é bem que se enriquece na luta por ele, na busca permanente, na medida mesma em que não há vida sem

presença, por mínima que seja, de liberdade. Mas apesar de a vida, em si, implicar a liberdade, isto não significa, de modo algum, que a

tenhamos gratuitamente. Os inimigos da vida a ameaçam constantemente. Precisamos, para isso, lutar, ora para mantê-la, ora

para reconquistá-la, ora para ampliá-la. (FREIRE, 2000, p.131-132)

A filosofia, na reflexão de Oliveira (1996, p.35), enquanto totalidade, considera-

se como fator importante na formação crítica e para a crítica. Por essa razão é que Freire

reconhece o ser humano em permanente ralação com o mundo, o único animal com

capacidade de conhecer a realidade em que vive e atua. Entretanto, tal conhecimento

depende da consciência que se tem da realidade em análise.

Nesta reflexão vamos adentrar na realidade, conscientização conforme foi

pensada por Freire para podermos entender os tipos de consciência existentes dentro da

perspectiva freiriana. Para tal, conscientização constitui o conceito central do

pensamento freiriano sobre a educação. Por isso, diz Freire (2001, p.25): “acredita-se

geralmente que sou autor deste estranho vocabulário – conscientização. Na realidade,

foi criado por uma equipe de professores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros

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por volta de 1964”. Entre vários peritos responsáveis pelo surgimento do referido

conceito, diz ele, salientamos o filósofo Álvaro Pinto e o professor Guerreiro.

A expressão recaiu para o pensamento filosófico-educacional de Freire como kairós para a educação, como prática da liberdade, sendo ela “um ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade” (ibidem). E quando falamos em educação estamos nos referindo diretamente ao homem, pelo fato de ser, somente este animal sujeito do conhecer crítico. Senão vejamos o que Freire nos aponta a respeito do homem:

Uma das características do homem é que somente ele é homem. Somente ele é capaz de tomar distância frente ao mundo. Somente o homem pode distanciar-se do objeto para admirá-lo. Objetivando ou admirando, os homens são capazes de agir conscientemente sobre a realidade objetivada. É precisamente isso, a “práxis humana”, a unidade indissociável entre minha ação e minha reflexão sobre o mundo (ibidem, p.25-26).

Conscientização, o que é realmente? Conscientização, na perspectiva de Freire,

consiste no desenvolvimento crítico da tomada de consciência. Conscientização implica

a ultrapassagem da esfera espontânea de apreensão da realidade à esfera crítica, na qual

a realidade se dá como objeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição

epistemológica (ibidem p.26). Conscientização é um teste de realidade; é um ‘desvelar’

da realidade; é um penetrar na essência fenomênica do objeto analisado; é a práxis, feita

de ato ação-reflexão; é a unidade dialética permanente, transformadora do mundo.

Conscientização é o compromisso histórico; é a consciência histórica, isto é,

inserção crítica na história, onde os homens são os sujeitos fazedores e refazedores do

mundo e criadores de sua existência com o uso do material proporcionado pelo mundo

da vida. Assim, através da conscientização, isto é, da relação consciência – mundo, os

homens,

tomando esta relação como objeto de sua reflexão crítica, (...) esclarecerão as dimensões obscuras que resultam de sua aproximação com o mundo. A criação da nova realidade, tal como está indicada na crítica precedente, não pode esgotar o processo da conscientização. A nova realidade deve tomar-se como objeto de uma nova reflexão crítica. Considerar nova realidade como algo que não possa ser tocado representa uma atitude tão ingênua e reacionária como afirmar que a antiga realidade é intocável. (FREIRE, 2001, p.27).

Conscientização é, então, uma atitude crítica permanente dos homens; um

processo dialético que no ato da subsunção, a realidade transformada mostra um novo

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perfil (libertação - humanização); um assumir de uma posição utópica frente ao mundo,

convertendo o conscientizado em ‘fator utópico’; “utópico, não enquanto irrealizável,

idealismo, mas enquanto dialetização dos atos de denunciar e anunciar, ato de

denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante – utopia

enquanto compromisso histórico” (ibidem). A partir daí é possível falarmos dos níveis

ou estágios de consciência na visão de Freire.

Para o entendimento da conscientização, é muito importante conhecer os

estágios de consciência, que, como no-lo mostra o próprio Freire (3003b) e Oliveira

(1996). Esta consciência passa pelos seguintes estágios: consciência mágica, ingênua,

fanática e crítica.

1.- Na Consciência Mágica, o homem procura satisfazer as suas necessidades

elementares. Nela, denota-se bastante limitada e às vezes distorcida, a percepção da

realidade (OLIVEIRA, 1996, p.35). Ante os acontecimentos históricos, o homem

aparece como objeto passivo e impotente na ação transformadora dessa realidade

esmagadora e opressora. Nesta consciência, o homem possui a consciência intransitiva,

isto é, segundo Freire (2003b, p.39), “aquela [de quem] não deixa passar sua ação a outros;

é uma escuridão a ver ou ouvir os desafios que estão mais além da órbita vegetativa do homem;

quanto mais se distancia da captação da realidade, mais se aproxima da captação mágica ou

supersticiosa da realidade”.

Em todos os homens encontra-se a consciência mágica. Pois em cada homem,

independentemente de sua realidade sócio-cultural, existe esta realidade mágica. O

importante é saber descobrir caminhos para a sua superação, como no-lo reporta Freire

(ibidem). E a pessoa, neste estado de consciência, no comentário de Oliveira (ibidem,

p.36),

Mostra-se incapaz de um questionamento correto do contexto social em que vive, pois lhe falta uma compreensão verdadeira de seus problemas existenciais. A história está dentro de uma perspectiva fatalista onde a realidade é explicada através de ritos e cerimoniais mágico-religiosos. Dessa maneira, o homem acha-se preso e totalmente dependente de certos poderes superiores e transcendentais que o mantém acorrentado ao mundo da opressão. Ser significa estar submisso a alguém ou dele depender.

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Neste sentido, Freire é claro ao pontualisar esta visão fatalista e distorcida de

Deus. Trata-se de um fatalismo que muitas vezes desemboca em análises de docilidade,

o que corresponde ao puro engano. Para tal Freire (2004a, p.49) diz que,

quase sempre este fatalismo está referido ao poder do destino ou da sina (...), ou a uma distorcida visão de Deus. Dentro do mundo mágico ou místico em que se encontra a consciência oprimida, (...) quase sempre imersa na natureza, encontra no sofrimento, produto da exploração em que está, a vontade de Deus, como se Ele fosse fazedor desta ‘desordem organizada’.

Lendo Freire, Oliveira (ibidem) diz que a consciência mágica é a oprimida na

mais extrema forma. Nela notamos a acomodação do homem à ordem social vigente

opressora pelo fato da alienação a que o individuo está sujeito e à ausência do senso

crítico, questionador da ordem e lutador pela ordem mais humana e justa. É ainda a

consciência própria encontrada nas sociedades fechadas, rígidas, autoritárias, militares,

etc. É a consciência que nunca tem a participação do povo na resolução de seus

problemas.

No caso de Angola, nossos problemas foram sempre solucionados,

camufladamente por outros, invasores, dominadores ou imperialistas culturais. É “a

consciência que assimila a dominante tanto externa quanto internamente (...); ela é

destituída da capacidade crítica de interpretação e aceitação de sua realidade e conduz

o indivíduo à submissão e à ordem estabelecida” (ibidem, p.38).

Finalmente, Oliveira entende que a referida consciência compenetra as

“sociedades fechadas” 165, vivenciadoras da “cultura do silêncio”. A respeito, Oliveira

(2000, p.131-132) diz que,

este tipo de consciência mágica é a marca mais visível das chamadas “sociedades fechadas” onde as “culturas do silencio” normalmente superabundam. Estas culturas são caracterizadas: pela não participação do seu povo na solução de seus problemas; pelo excesso de poder político enfaixado nas mãos de uma pequena elite minoritária; pela falta de diálogo entre as suas lideranças políticas e governamentais com o povo; pelo mito de sua natural inferioridade

165 A expressão “sociedade fechada” é de Karl R. Popper e surgiu, pela primeira vez , no léxico filosófico, nas obras de Henri Bergson, para quem, designava o tipo de “sociedade que ainda não se recuperou do choque de seu nascimento, da transição de sua condição de tribo ou ‘sociedade fechada’ com sua submissão às forças mágicas para a ‘sociedade aberta’ que libera as capacidades críticas do homem” (BERGSON, 1971, p.1)

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(daí a tendência de imitar as sociedades dependentes ou metropolitanas), etc.

2.- A Consciência Ingênua é oriunda da consciência mágica (FREIRE, 2003b,

p.39). Enquanto a mágica é fundamentalmente campesina ou rural, a ingênua é urbana,

conseqüência do êxodo rural. A este respeito, Oliveira (1996, p.39) entende que vários

“mitos, valores culturais, padrões morais, crenças religiosas mágicas [do estágio

mágico rural], ainda se fazem presentes nesse estágio. [Entretanto], esse é uma

transição para a consciência crítica ou para a consciência fanatizada”.

Oliveira, comentando Freire, diz que a consciência ingênua é portadora de uma

determinada capacidade questionadora do meio histórico cultural, assim como

viabilizador no estabelecimento das relações dialógicas com o mundo e com os outros

(ibidem). Para ele, é neste estágio que se inicia o despertar para os problemas

existenciais. Segundo este pensador (ibidem, p.39-40),

percebe-se que não é apenas um ser-no-mundo, mas também um ser-com-o-mundo. Pressões e críticas começam, então, a ser arremessadas contra as classes dominantes e opressoras. Rejeita-se todo e qualquer esquema importado ou imposto de cima para baixo sobre a nossa realidade como sendo uma afronta ao direito de participação do povo nos destinos políticos da nação. Porém, em meio a essa emersão do povo de seu estado de inércia, ocorre o aparecimento da liderança política populista cujo esforço é o de ‘acalmar o povo’ e ajustá-lo de novo à ordem estabelecida, por meio de táticas manipuladoras. Isso traz conseqüências funestas. O indivíduo começa a achar que, então, a causa dos males sociais está nos indivíduos e não na estrutura social como um todo. Torna-se necessário, pois, ‘curar’ primeiramente o indivíduo e assim, milagrosamente, estarão sanados os males sociais. O sistema vigente é bom e ideal e deve ser mantido a qualquer custo. Daí a intolerância para com o ‘pensamento desviante’ daqueles que se opõem ao sistema. Refutam-se, assim, as explicações científicas da realidade social e prefere-se, em seu lugar, as explicações tradicionais e místicas dos líderes populistas. Consequentemente, se a consciência ingênua não se livrar dessa liderança e não se desenvolver até atingir o estágio da consciência crítica, ela se converterá, automaticamente, numa forma de consciência fanatizada.

Para Freire (ibidem, p.40), a consciência ingênua apresenta nove características,

que destaco:

1. Revela (...) certa simplicidade, tendente a um simplismo, na interpretação dos problemas, isto é, encara um desafio de maneira simplista ou com simplicidade. Não se aprofunda na causalidade do próprio fato.

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2. Há também uma tendência a considerar que o passado foi melhor. Por exemplo: os pais que se queixam da conduta de seus filhos, comparando-a ao que faziam quando eram jovens.

3. Tende a aceitar formas gregárias ou massificadoras de comportamento. Esta tendência pode levar à consciência fanática.

4. Subestima o homem simples. 5. É impermeável à investigação. Satisfaz-se com as experiências.

Toda concepção científica para ela é um jogo de palavras. Suas explicações são mágicas.

6. É frágil na discussão dos problemas. O ingênuo parte do princípio de que sabe tudo. Pretende ganhar a discussão com argumentações frágeis. É polêmico, não pretende esclarecer. Sua discussão é feita mais de emocionalidades que de criticidades: não procura a verdade; trata de impô-la e procurar meios históricos para convencer com suas idéias. É curioso ver como os ouvintes se deixam levar pela manha, pelos gestos e pelo palavreado. Trata-se de brigar mais, para ganhar mais.

7. Tem forte conteúdo passional. Pode cair no fanatismo ou sectarismo.

8. Apresenta fortes compreensões mágicas. 9. Diz que a realidade é estática e não mutável.

3.- A Consciência Fanática resulta, muitas vezes, da ingênua. Enquanto na

ingênua existe uma determinada busca de compromisso, mesmo que este seja somente

temporário, na “fanática, existe uma entrega irracional” (FREIRE, 2003b. p.39).

A expressão ‘fanático’, na abordagem de Oliveira (1996, p.40), foi garimpada

por Freire de Marcel (1952, p.101). Este filósofo, existencialista, entende por fanático

aquele indivíduo que “nunca [se] reconhece a si mesmo como fanático; somente o não

fanático é que pode reconhecê-lo como tal. Assim, toda a vez que alguém faz este

julgamento ou acusação, o fanático sempre se defende dizendo que ele foi mal

interpretado ou meramente caluniado”.

Nesta ótica, Oliveira considera a consciência fanática como patológica,

irracional e sectária; ela é extremamente agressiva; seu desejo reside no convencimento

de todos, introjetando suas verdades e virtudes; dissemina desunião. Prejudica e reduz

as possibilidades de ações dialógicas; tende sempre ao ativismo, isto é, às ações

destituídas de reflexão; atribui verdades absolutas às relativas; acaba sempre

substituindo a tirania ou ditadura por outra. Fanático é homem objeto, coisa,

massificado; age mais pela emoção do que pela razão (OLIVEIRA, id. p.41).

Consciência fanatizada encontra-se incapacitada na luta pela transformação

verídica da realidade social opressora. As manifestações religiosas onde reina este tipo

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de consciência valorizam mais o além que o aquém; molda a pessoa humana ao presente

opressor, remetendo-a ao pós mortem, para a qual a esperança humana se deve grudar

de modo a alcançar uma sociedade mais justa e fraterna, que comumente se chama de

vida eterna (ibidem).

Uma vez massificado, o homem é dominado e vencido sem se dar conta disso;

segue prescrições e fórmulas alheias como se fossem de sua autoria. Uma das armas

poderosas usadas para esta consciência é a Televisão. A TV constitui, para isso, uma

arma de poder incomensurável com objetivos claros de demolir as potencialidades do

homem e seu grande desejo de participação efetiva e total na vida e problemática social.

Estamos diante de uma consciência total, alta e extremamente possessiva e egocêntrica

(ibidem, p.41-42).

4.- A Consciência Crítica, na visão freiriana, caracteriza-se pelo aprofundamento

da realidade, onde o mágico cede lugar ao científico através da prática dialógica.

Godman (1966, p.78) chamou à consciência, em sua plena totalidade, de “o máximo de

consciência possível”.

A consciência ingênua, libertando-se da periculosidade massificadora e da

transformação em consciência fanática, se projeta para a consciência crítica. Esta pode

ser alcançada pelo processo de conscientização.

Esta consciência liberta-se de todas as formas de manipulação, revê

incessantemente suas posições e, quando necessário, muda de um ponto de vista para o

outro; é uma consciência comprometida com a história, com a sociedade e seus

problemas e com o homem, sobretudo o mais explorado, marginalizado, vilipendiado, o

sem voz nem vez; é a consciência onde o homem não se compadece em se apresentar

como objeto, mas como sujeito construtor, fazedor, criador, recriador e transformador

de sua história. É a consciência que permite ao sujeito refletir racionalmente, agir e lutar

pela libertação total de todas as forças que prendem o seu semelhante no mundo

opressor (OLIVEIRA, 1996, p.44).

A consciência crítica permite ao homem reconhecer-se como transformador da

realidade e não como ser a ela acomodado e ajustado. O homem busca, nesta

consciência, edificar novo sistema onde a justiça e os direitos fundamentais do homem

sejam igualmente usufruídos por todos (ibidem). Entretanto, como diz Freire (2000,

p67), “não é possível refazer [um] país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério,

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com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho,

inviabilizando o amor”. E seguidamente Freire diz: “se a educação sozinha não

transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Estamos diante da

educação como necessidade no processo da conscientizador. Para tal, é muito

importante a pedagogia da pergunta. Para isso, Paulo Freire, dialogando com Antônio

Faundez, traz à tona uma mensagem importantíssima, ao dizer:

Creio (...) que o educando inserido num permanente processo de educação, tem de ser um grande perguntador de si mesmo. Quer dizer, não é possível passar de segunda a terça-feira sem se perguntar constantemente. Volto a insistir na necessidade de estimular permanentemente a curiosidade, o ato de perguntar, em lugar de reprimi-lo. As escolas, ora recusam as perguntas, ora burocratizam o ato de perguntar. A questão não está simplesmente em introduzir no currículo o momento das perguntas, de nove a dez, por exemplo. Não é isto! A questão nossa não é burocratização das perguntas, mas reconhecer a existência como um ato de perguntar! A existência humana é, porque se fez perguntando, a raiz da transformação do mundo. Há uma realidade na existência, que é radicalidade do ato de perguntar. Exatamente, quando uma pessoa perde a capacidade de assombrar-se, se burocratiza. Parece-me importante observar como há uma relação indubitável entre assombro e pergunta, risco e existência. Radicalmente, a existência humana implica assombro, pergunta e risco. E, por tudo isso, implica ação, transformação. A burocratização implica a adaptação, portanto, com mínimo de risco, com nenhum assombro e sem perguntas. Então a pedagogia da resposta é uma pedagogia da adaptação e não da criatividade. Não estimula o risco da invenção e da reinvenção. Para mim, negar o risco é a melhor maneira que se tem de negar a própria existência humana (FREIRE & FAUNDEZ, 2002, p51).

Na mesma obra, Freire, falando do risco como necessidade da existência

humana, na linha da consciência crítica, que luta pela liberdade do oprimido, diz-se que

quando o colonizador é expulso, quando deixa o contexto geográfico do colonizado, permanece no contexto cultural e ideológico, permanece como “sombra” introjetada no colonizado. Exatamente isso constitui a colonização da mente. Em uma das minhas visitas de trabalho a cabo Verde, tive a oportunidade de ouvir um excelente discurso do presidente Aristides Pereira em que dizia: “Expulsamos o colonizador, mas precisamos agora descolonizar as nossas mentes”. E esse processo de descolonização das mentes é mais demorado do que o da expulsão física do colonizador. Não é um processo

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automático. A presença do colonizador enquanto “sombra” na intimidade do colonizado é mais difícil de ser extrojetada, porque, ao expulsar a sombra do colonizador, ele tem que, em certo sentido, encher o “espaço” ocupado antes pela “sombra” do colonizador com a sua liberdade mesma, quer dizer, com a sua decisão, com a sua participação na reinvenção da sua sociedade. No fundo, a luta de libertação, como diz Amílcar Cabral, “é um fato cultural e um fator de cultura”. É um fato profundamente pedagógico, e me arriscaria a dizer que é também uma espécie de psicanálise histórica, ideológica, cultural, política, social em que o divã do psicanalista é substituído pelo campo de luta, pelo engajamento na luta, pelo processo de afirmação do colonizado enquanto não mais colonizado, ou das classes dominadas libertando-se (ibidem, p.111).

Afinal, Freire quer ser mestre para os mestres de vidas e de destinos humanos;

voz dos sem voz, sem esperança, sem confiança e sem amor; quer mostrar que a

consciência crítica requer um lançar-se para as perguntas da vida, do mundo e do

homem. Freire, diz Brandão (2005, p.31), foi uma dessas pessoas que viviam

perguntando, para si mesmo e para os outros, perguntas assim:

1. Se tudo o que existe de bom no mundo deveria ser repartido entre

todas as pessoas do mundo, por que é que algumas pessoas têm tantas coisas e as outras têm tão pouco?

2. Se tem tanta terra para se plantar e para se viver nesse “mundão sem fim”, por que é que tem gente que tem muito mais terra do que precisa, enquanto tantas outras pessoas e tantas famílias não têm terra nenhuma?

3. Se todo o trabalho das mulheres e dos homens é bom e é útil, menos os das pessoas que trabalham só para fazer o que não presta, como as armas e os venenos que matam a terra, por que é que tantas e tantas pessoas trabalham tanto e ganham tão pouco, enquanto outras trabalham tão pouco e ganham muito?

4. Se todas as pessoas, das crianças aos velhinhos, nasceram para ser livres e felizes toda a vida, por que é que tantas pessoas não podem fazer o que querem? Por que é que elas não podem viver como elas sonham? Por que é que elas não podem ser livres como os sabiás 166 fora da gaiola, e felizes como o menino Paulo foi ao alto das mangueiras do quintal da casa do Recife?

5. Se o destino de todos os seres humanos deveria ser uma vida cheia de amor, de paz e de solidariedade, onde todos são irmãos de todos e a felicidade reina entre todos, por que existe tanta guerra? Por que a gente vive tanto desencontro? Por que ainda tem tanta maldade e tanta injustiça? Quem ganha com isso? Em nome do quê, tudo isso?

6. Se o aprender e o saber são coisas tão boas e se as escolas existem para ensinar o que é bom a todas as crianças, por que é

166 Designação comum a várias espécies de aves, pássaros muito populares, bons cantores, e onívoros.

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que elas vivem sem aprender a ler-e-escrever e sem saber tudo o que de bom vem depois disso? Por quê?

7. Se todos nascem para ser “companheiras” e “companheiros” uns dos outros, por que é que tem tanta gente que não quer repartir o pão com a gente?

8. Por quê? 9. Por quê? 10. Por quê? (BRANDÃO, 2005, p.31-32)

Portanto, Freire nos mostra com clareza as características da consciência crítica.

Ele considera-a, como sendo:

1. Anseio de profundidade na análise de problemas. Não se satisfaz

com as aparências. Pode-se reconhecer desprovida de meios para análise do problema.

2. Reconhece que a realidade é mutável. 3. Substitui situações ou explicações mágicas por princípios

autênticos de causalidade. 4. Procura verificar ou testar as descobertas. Está sempre disposta

às revisões. 5. Ao se deparar com um fato, faz o possível para livrar-se de

preconceitos. Não somente na captação, mas também na análise e nas respostas.

6. Repele posições quietistas. É intensamente inquieta. Torna-se mais crítica quanto mais reconhece em sua quietude e inquietude, e vice versa. Sabe que é na medida em que é e não pelo que parece. O essencial para parecer algo é ser algo; é a base da autenticidade.

7. Repele toda transferência de responsabilidade e de autoridade e aceita a delegação das mesmas.

8. É indagadora, investiga, força, choca. 9. Ama o diálogo, nutre-se dele. 10. Face ao novo, não repele o velho por ser velho, nem aceita o

novo por ser novo, mas os aceita à medida que são válidos. (FREIRE, 2003b, p.40-41).

5.2.3 Síntese cultural

A cultura ondjangiana constitui o mundo da e/ou de vida africana (enquanto

espírito e vivência concreta), especialmente angolana, para os povos etnolingüísticos

Ovimbundu, do Centro-Sul de Angola (com todas as suas nuanças).

A cultura fundamentada no ondjango, tendo chocado com a colonização, a

invasão cultural, o imperialismo ocidental, a dominação e com a invasão religiosa (na

sua diversidade e manifestações, mais tarde) foi silenciada nos seus fundamentos.

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Obrigada a renunciar seus hábitos e constumes, sobretudo sua língua veveu à mercê do

seu dominador, portador da cultura ocidental, a européia ou a portuguesa.

Tal cultura ocidental invasora trouxe, para o mundo ondjangiano, a leitura da

palavra realizada através da escolarização, mesmo com segundas intenções, da parte do

invasor. Quero acreditar que “não há ressurreição se não houver morte, nem triunfo se

não houver batalha”. Nova realidade cultural se introduz na cultura essencialmente oral.

Foi a escolarização letrada, o momento motriz, para a tomada de consciência da luta

pela independência de Angola.

Neste sentido, tal escolarização, apesar de deixar a desejar, muitas vezes, por

uma tática usada pelo invasor, deve ser vista não como condição, “sine qua non” para a

insurreição geral contra a dominação, mas como ponto de partida para o efeito, já que as

lutas anteriores não deram conta da situação.

Então os elementos positivos da cultura escolarizada (trazida pelo invasor) e a

cultura dialógica ondjangiana, associada aos elementos da cultura a serem preservados,

sobretudo ao ondjango, enquanto espaço vital de ulonga, na construção da humanidade,

e da cidadania, constitui esta síntese cultural.

A cultura ondjangiana, no encontro com a cultura ocidental, introjetada pela

invasão cultural, aliena-se. Mas aproveitando-se do elemento educacional escolarizado,

os poucos que conseguiram avançar tomando consciência desta exploração, dominação

e opressão, através da educação escolarizada, oferecida pelo contingente (de

missionários) integrante da invasão cultural, unidos, foram descobrindo caminhos para a

libertação nacional.

Deste modo, fazia-se acontecer o sonho, pensado e expresso num poema

declamado por Agostinho Neto (conf. fig. 18, dos anexos), antes de partir para Coimbra

- Portugal, para lá prosseguir seus estudos, na Faculdade de Medicina -, no seu poema

intitulado: “Adeus à Hora da Largada”, quando solenemente ele dizia:

Minha Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram) tu me ensinaste a esperar como esperaste nas horas difíceis. Mas a vida matou em mim essa mística esperança. Eu já não espero

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Sou aquele por quem se espera. Sou eu minha Mãe a esperança somos nós os teus filhos partidos para uma fé que alimenta a vida Hoje somos as crianças nuas das sanzalas 167 do mato os garotos sem escola a jogar a bola de trapos nos areais ao meio-dia somos nós mesmos os contratados a queimar vidas nos cafezais os homens negros ignorantes que devem respeitar o homem branco e temer o rico Somos os teus filhos dos bairros de pretos além, aonde não chega a luz elétrica os homens bêbedos a cair abandonados ao ritmo dum batuque de morte teus filhos com fome com sede com vergonha de te chamarmos Mãe com medo de atravessar as ruas com medo dos homens nós mesmos. Amanhã entoaremos hinos à liberdade quando comemorarmos a data da abolição desta escravatura Nós vamos em busca de luz os teus filhos Mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram) vão em busca de vida. (NETO, 1978, p.39-40)

Jonas Malheiro Savimbi (conf. Fig.19, dos anexos), pensando na sorte incerta

das crianças, e acreditando no sonho realizável, dedica seu poema às crianças, com o

futuro comprometido se os altos não fizerem sorrir a terra:

Quando a terra voltar a sorrir um dia voltará a alegria dos tempos nos rostos, haverá ânimo nos quimbos e alvoroço. o alvoroço já não de medo, quando a terra voltar a sorrir um dia.

167 Em Angola, sanzala é a aldeia tradicional africana diferente da visão brasileira que é o conjunto de casas ou alojamentos que se destinavam aos escravos de uma fazenda ou de uma casa senhorial.

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As crianças habituadas a chorar, chorar de medo e de medo também, terão medo de começar a rir um dia mas não resistirão... Quando a terra voltar a sorrir nesse dia. Há já muito que não se ria no quimbo o cantar ao luar, desapareceu nos quimbos, todos terão medo de começar a rir um dia quando a terra voltar a sorrir nesse dia. Sofrimento e mágoa outra natureza nossa, o sol nasce mais cedo p'ra castigos nossos, o céu tem outra cor da dos velhos tempos idos, esperando que a terra volte a sorrir um dia. O futuro sonhado alto desvaneceu, o sorrir preparado alto fundiu, a lua nasceu tarde pôs-se cedo demais até quando a terra voltar a sorrir um dia. O frio do cacimbo168 ficou mais frio. as longas caminhadas às lavras ficaram mais longas, longas, porque muitos jamais regressaram delas, à espera que a terra volte a sorrir um dia. troveja mais forte e as nuvens mais escuras, tudo é mérito na dilação mais obscura. os seios sem leite asseguram crianças sem alvura, esperando que a terra volte a sorrir um dia. Nossa terra, nosso povo, nosso queixume, nossa lua outrora redonda e bela... ao seu luar dançavam as belas donzelas. tudo espera até... Quando a terra voltar a sorrir um dia. Nosso povo cansado de esperar pelo dia, dia do cubano que parte da pátria nossa, povo nosso... Quando a terra voltar a sorrir um dia. Crianças nossas buscavam as palavras à terra nossa, terra nossa, terra de exílio, é terra também mas crescem sem aprender a sorrir, não resistirão... Quando a terra voltar a sorrir um dia. não haverá mais cânticos p'ra chorar, não mais luar para azáfama acabar a chorar, não mais partir sem vontade de chorar, quando a terra voltar a sorrir um dia. Esquecida a mágoa da humilhação da terra, quando o sol nascer cedo e quente e a lua redonda soltar o batuque velho e quente

168 Estação seca, relativamente fria (de maio a setembro).

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então estará voltando a sorrir a terra neste dia. As nossas crianças sem medo vão sorrir, vão aprender as danças velhas com belas donzelas. vão rodopiar, vão cantar, vão conhecer a terra então estará voltando a sorrir a terra nesse dia. Ao de longe o trovejar brando e ameno será amigo lembrará apenas canhão que libertara a terra a terra, única herança e dádiva p'ra nossas crianças só assim voltará a sorrir a terra nesse dia. 169. (SAVIMBI, 1985, p.76).

Como o ensino estava entregue nas mãos da Igreja, a permissão dos primeiros

estudantes para o estrangeiro, a fim de dar continuidade de seus estudos universitários,

possibilitou esta tomada de consciência para a libertação nacional.

A Igreja Católica enviou, em 1948, Alexandre do Nascimento, nascido em

Malange, para Roma (PUG) – que 30 anos depois veio a ser o primeiro Cardeal de

Angola; Padre Manuel Franklin da Costa, nascido em Cabinda, para França (1975 –

bispo de Saurimo); 1957, Padre Eugênio Salesu, nascido no Huambo, para Roma (1977

– bispo de Malange; 1957, Padre Próspero da Ascensão Puaty, nascido em Cabinda,

para Roma (1977 – bispo do Luena – Moxico). Estes quatro homens só foram

preparados para ocupar cargos importantes na Igreja Católica em Angola e fortalecer os

seminários maiores de Angola (HENDERSON, 1990, p.191-193).

As Igrejas protestantes, assim denominadas na época, e hoje, evangélicas,

concretamente, a Metodista, com a sede em Nova Iorque, tinham criado um fundo de

apoio a seus estudantes nomeados para estudar no estrangeiro. Criaram este fundo, pois

eles acreditavam que tanto a Igreja quanto a escola eram instituições de igual

importância na comunidade cristã, chegando ao ponto, de, num dos relatórios

apresentado pela Igreja Metodista, afirmar que “uma igreja sem escola era como um

casal sem filhos” (ibidem, p.193).

No ano de 1947, a Junta Metodista das Missões concedeu uma bolsa de estudos

em Medicina a Agostinho Neto, primeiro angolano beneficiário deste fundo. E por sinal

o mais famoso dos estudantes protestantes a sair de Angola, (Katete-norte), e veio a ser

o primeiro Presidente de Angola. E antes de partir para Coimbra redigiu o seu poema,

acima citado e reproduzido “Adeus à Hora da largada”; os Metodistas enviaram para 169 Este poema foi composto no dia 30 de Julho de 1979, nas terras do Kwandu Kuvangu (Cuando Cubango), leste de Angola. Savimbi dedica este poema às crianças angolanas.

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Brasil e depois para Garrett Biblical Seminary em Evanston, no Estado de Illinois,

Emilio de Carvalho, de Malange, que veio a se tornar o primeiro bispo Metodista

angolano; em 1950, os protestantes do Centro – Sul de Angola solicitam e ganham

bolsas para Portugal da ABCFM. Deste modo são enviados: 1950, deste modo são

enviados: 1951, Rev. Jessé C. Chipenda, de Lobito, parte para Lisboa; na década de 50,

a Igreja propôs e enviou vários candidatos, dos quais: José Liahuca, de Elende, 1º

otchimbundu do centro/sul de angola na faculdade de medicina (rebentou a guerra e ele

fugiu para Leopoldville/Kinshasa; onde em Louvanium, onde se formou, sem poder

retornar para Angola; João Gomes, branco angolano, enviado por CIEAC, na bolsa

concedida pela ABCFM para estudar na escola de belas-artes em Lisboa.

Em 1958, o CIEAC enviou para Portugal mais quatro alunos: Ruben Sanjovo,

Jonas Malheiro Savimbi, Jorge Valentim e Jerônimo Wanga. Os quatro fizeram o liceu

em Lisboa, e com o início da luta pela independência de Angola, todos fugiram de

Portugal. Savimbi foi educado primeiro nas escolas rurais da missão de Chilesso em

1951; aos 16 anos passou para o Instituto Currie do Dôndi; terminado o Instituto foi

para Cuito e lá ingressou no Colégio católico Marista; a igreja-missão concedeu-lhe

uma bolsa de estudos para Sá da Bandeira – Lubango onde devia concluir o 6º ano; em

1958, com vários bolsistas, Savimbi parte para Portugal para terminar o liceu e entrar na

faculdade; aí os estudantes do Ultramar viviam num clima político hiper-agitado.

Savimbi passou sendo controlado pela PIDE 170 e pelas autoridades portuguesas,

sobretudo a partir do discurso por ele proferido num comício patriótico, aplaudido pelos

compatriotas e amigos de Angola contra a dominação portuguesa e severamente

criticada por seus críticos, pois diziam que ele, em seu discurso, tinha faltado ao espírito

patriótico por Portugal, a pátria matriz. Em 1959, Savimbi decide-se a dar seqüência a

seus estudos na Suíça, primeiro, em Friburgo e depois em Lausana. Na primeira fase,

pensava no curso de medicina da qual acabou não gostando, apesar de suas aspirações

para o mesmo, mudando-se, assim, em 1962 para o Instituto de Ciências Sociais e

Políticas na Faculdade de Direito de Lausana.

170 A Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) foi criada em Portugal em 22 de Outubro de 1946, sendo apresentada como um "organismo autônomo da Polícia Judiciária", nos moldes da Scotland Yard. Na realidade tratou-se de uma polícia política que teve como principal função a repressão de qualquer forma de oposição ao Estado Novo de Oliveira Salazar. <<http://pt.wikipedia.org/wiki/pide - acesso, a 15/08/2006>>. (conferir, fig.21, em anexos).

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Assim, conforme Chassanha (2000, p.30), a Igreja Católica, salvo algumas

exceções, atuou como braço direito da potência colonial, que a considerou como sua

religião legítima e oficial. A Protestante ou Evangélica apoiou sempre os movimentos

de contestação à presença dominadora e opressora portuguesa. Aqui, os missionários

americanos, canadenses e ingleses foram, semi-clandestinamente, passando aos

africanos as fórmulas de resistência à ocupação colonial. E fizeram-no inteligentemente.

Eles se apoiaram sempre na vertente social, fazendo da educação e saúde, áreas

fundamentais para a preparação e apetrechamento daqueles que seriam os futuros

líderes, inteligentes, críticos na busca dos caminhos adequados para a independência de

seus países. Daí, a rápida expansão das missões evangélicas em Angola, tais como:

missão do Dondi, no Huambo; do Késsua, em Malange; de Chilonda e Chissamba, no

Bié; do Chilume, no Bailundo; de Kalukembe, na Huíla, etc. Para Chassanha, “as

autoridades portuguesas não viam com bons olhos essa expansão mas também não se

opunham frontalmente” (ibidem). Na verdade, continua Chassanha (ibidem, p.31),

todos os,três líderes que negociaram com as autoridades portuguesas os ‘Acordos de Alvor’, Holden Roberto (conferir, Fig. 20, em anexos), Antônio Agostinho Neto e Jonas Malheiro Savimbi tiveram educação protestante, apenas Jonas Savimbi, teve uma educação também católica quando estudou nos maristas de Silva Porto [no Bié].

Estes dados de alguns estudantes, que beneficiaram da escolarização estrangeira,

comprovam verdadeiramente, o caminho aberto para a síntese cultural, que nas

discussões em grupo de pesquisa FEPráxiS e nas aulas do curso d o Programa de Pós-

Graduação em Educação, Mestrado, na FaE/UFPel, sobretudo nas aulas administradas

pelo Professor Dr. Avelino, costumamos denominar de ‘subsunção’, isto é, o resultado

da afirmação e negação (negação –da- negação), no método dialético de K. Marx.

De um lado está o ondjango, invadido pela colonização (com a sua cultura

ocidental) que privilegiou a leitura da palavra sem se preocupar tanto pela leitura de

mundo, estimulante para a consciência crítica e transformadora.

Deste encontro de culturas (mesmo forçado de opressão e obediência) surgiu, da

parte de alguns poucos angolanos no estrangeiro, uma forte consciência identitária,

autenticitára, nacionalista e unitária para a luta pela liberdade, independência e unidade

nacional que se iniciou, com a fundação dos primeiros movimentos revolucionários,

políticos e, concretamente, com o 4 de Fevereiro de 1975, que (com muito sangue

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derramado, inclusive de vários inocentes portugueses) resultou, mesmo sendo mal

gerida, na proclamação da independência de Angola, a 11 de Novembro de 1975, sendo,

assim, um país soberano cujo hino nacional expressa o orgulho de um povo que saiu da

opressão, levantando suas vozes libertadas. Eis o teor do hino de Angola:

Oh Pátria, nunca mais esqueceremos os heróis do 4 de fevereiro Oh Pátria, nós saudamos os teus filhos tombados pela nossa independência Honramos o passado e a nossa história construindo no trabalho o homem novo Honramos o passado e a nossa história construindo no trabalho o homem novo Angola, avante! Revolução, pelo poder popular Pátria unida, liberdade um só povo, uma nação. Levantemos nossas vozes libertadas para glória dos povos africanos marchemos combatentes angolanos solidários com os povos oprimidos Orgulhosos lutaremos pela Paz com as forças progressistas do Mundo Orgulhosos lutaremos pela Paz com as forças progressistas do Mundo Angola, avante! Revolução, pelo poder popular Pátria unida, liberdade um só povo, uma nação.

5.3 Freire e Ondjango: diálogo possível?

Quero, aqui, refletir na possibilidade de diálogo dos dois ideários. Pelo dado

dialógico acredito que os dois ideários dialogam. Não foi em vão que Freire, posto pela

primeira vez em África, sentiu-se em casa. O elemento diálogo marcou fortemente este

encontro dos dois mundos irmãos (Brasil – África).

Trata-se do ondjango espírito africano e vida para o povo angolano do centro sul

deste país. O ondjango faz da vida um encontro permanente. Todos os iniciados tomam

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consciência de pertencer a um grupo com valores a serem preservados, de modo

especial o ulonga, tal como foi tratado anteriormente.

Outro elemento que marca o encontro dos dois ideários é a cultura pensada por

Freire conforme é vivida no âmbito Bantu. Cultura vista como elemento unificador e

identificador de um povo. Cultura enquanto vida de um povo com todos os elementos

constituintes do mundo da e/ou de vida desse povo. Este elemento é fortemente

demarcado por Freire, por Lukamba, por Altuna e de certo modo por Nunes.

Finalmente, a conversa de Freire com o Ondjango se dá, de modo singular, no “circulo

de cultura”. Para o efeito, Brandão, falando deste círculo, diz que o professor Paulo

Freire, ao invés de usar o método tradicional, no qual a educação obedece sempre o

mesmo método (o método linear), isto é, o quadro-preto e o (a) docente se posicionam à

frente de todo o alunato, em fileirados, em suas carteiras, sentados uns do lado dos

outros e uns atrás dos outros, utilizou o seguinte caminho:

Em vez de colocar as pessoas em fila (conf.1 abaixo), ele preferia colocar em uma roda [sistema ondjangiano]. Colocar as pessoas uma do lado da outra, todo mundo. E como as mulheres e os homens que iam aprender a ler começavam o “segundo passo” conversando sobre a vida delas, sobre o trabalho de todos os dias [é o ulonga no ondjango], sobre a maneira de ser e de se viver naquele lugar, o professor Paulo chamava aquilo de Círculo de Cultura (conf.2 abaixo). ‘Círculo’, porque é um círculo mesmo. Todas as pessoas sentadas numa roda, sem ninguém ter ali um lugar mais importante do que os outros (Ondjango). Todos sentados num círculo, onde todos são iguais e podem falar como quem aprende e como quem ensina. Porque, na cabeça do professor Paulo, mesmo que numa escola tenha professor e aluno, todo o mundo aprende e ensina. Ele gostava muito de dizer coisas assim: “ninguém ensina ninguém, mas ninguém aprende sozinho. As pessoas ensinam umas às outras, e elas aprendem umas as outras”. Ora, no CÍRCULO DE CULTURA, tem alguém que faz o papel de um professor. (...) ele pode ser chamado de “animador do círculo de cultura” [ancião – sekulu]. É uma pessoa que já sabe ler-e-escrever e vai ajudar as outras pessoas a aprender a ler-e-escrever. Mas não é só isso. Pois ele está ali no círculo para pensar com os outros, para participar da conversa, do DIÁLOGO com toda a gente e para ajudar o grupo a começar a pensar junto. Para trazer idéias e puxar pelas idéias das outras pessoas. E, no círculo, tudo o que é bom de ser conversado, de ser pensado, de ser aprendido, de ser sabido, de ser trocado e dialogado, vai saindo do fio da conversa de todos entre todos, de todas entre todas (BRANDÃO, 2005, p.61-63).

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Fig. 1- Martinho – II Ciclo de Estudos Fig. 2- Escola numa zona libertada. do grupo FEPráxiS FaE/PPGE/UFPel Período de luta de libertação coordenado pelo orientador Prof. Ghiggi

Fonte: Imagem própria (representa a Fonte: Freire, 1984, p.45 – “Circulo de Fila – exemplo organizacional da aula cultura”, em Guiné-Bissau. enfileirada). .

Os distanciamentos visualizados nos dois ideários são vários, entre eles:

enquanto no ondjangiano se oferecem elementos rememoráveis e imutáveis aos

iniciandos para o mundo sócio-cultural, no freiriano oferece-se o método de

investigação pedagógica, onde não existem verdades eternas, tudo é suscetível à

mudança, à transformações, enquanto no ondjangiano a aprendizagem acontece somente

pelo método auditivo e prático; em Freire, o método auditivo se acopla à práxis, que

compreende, à leitura, à reflexão crítica da palavra lida e à prática emancipatória e

transformadora do mundo da vida.

Portanto, enquanto a leitura do mundo no ondjango é feita pela oralidade e pela

prática, em Freire, a mesma acontece pela alfabetização, que é a leitura do mundo e da

palavra; enquanto no ondjango, ainda se sente, se pressente e se vivencia mais a

consciência mágica, ingênua, fanática e menos a crítica, em Freire vivencia e trabalha

incessantemente a consciência crítica, enquanto transformadora, emancipatória, etc.,

através da conscientização.

A partir do diálogo entre Freire e o ondjango, podemos falar sobre a realidade da

escolarização em Angola, genericamente e em Ganda – Benguela – Angola,

particularmente. Para o efeito precisamos passar em revista, este processo, desde a

história da própria educação.

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6 EDUCAÇÃO LETRADA EM ANGOLA E EM GANDA.

Neste ponto, vamos, de modo lapidar, trabalhar sobre a realidade educacional

em Angola, isto é, suas origens ou historicidade da cultura letrada ou escolarizada em

Angola, de modo geral e na Ganda, em particular. Como proposta concentrada para a

educação na Ganda, trazo alguns dados novos reportando tal educação, em tempos

novos, que se permita incluir, nos currículos as línguas nacionais, segundo os grupos

etnolingüísticos.

Este tipo de procedimento nos permite trabalhar, num futuro próximo, a

proposta já ensaiada em tempos passados no Município da Ganda. Este município

apresenta-se como espaço privilegiado e exemplar de minha pesquisa. Ainda estou

trazendo as características desta educação, na Ganda, algumas práticas pedagógicas

ensaiadas na escola do PUNIV deste município e os resultados da pesquisa feita naquela

realidade geográfica.

6.1 História da cultura letrada ou alfabetizada: a escolarização em Angola.

6.1.1 Origem da escolarização em Angola.

No primeiro momento da história da cultura letrada em Angola, diga-se a

verdade, esta estava sob tutela da Igreja. A escola apresentava-se como principal meio

de implantação da Igreja e do fomento de seu crescimento.

Henderson (ibidem, p.161) mostra-nos que até 1880 encontravam-se, em

Angola, 27 escolas e 27 professores. As mesmas eram sustentadas pelo governo. Destes

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203

docentes, 14 eram presbíteros (padres) e 4 mulheres, que lecionavam a 62 meninas em

quatro (4) escolas. Estes números mostram que o professor era multidisciplinar. As

restantes 23 escolas perfaziam 525 rapazes.

Nada consta sobre a composição racial destes 587 discentes. O certo é que todas

estas escolas localizavam-se em centros administrativos. Nestas escolas, havia,

majoritariamente, alunos brancos (originários de Portugal ou filhos de pais

portugueses), depois alguns mestiços e outros, pouquíssimos, negros. Algo importante a

salientar, diz o mesmo autor: “todos os alunos faziam parte da comunidade

portuguesa171 e eram capazes de estudar em português” (ibidem), pois que eram

assimilados.

A educação missionária protestante não era de grande relevo nos programas

iniciais das missões. Segundo a ABCFM em Boston, o objetivo fundamental das escolas

era a conversão. Assim eles recomendavam; “não vos apresseis em ensinar muitas

coisas novas aos nativos. Ensinai-lhes primeiro o que é mais importante que eles devem

aprender e acolher nos seus corações” (ABCFM, 1880, p.30). Confirmando-se esta

tese, em outro lugar eles teriam dito que a educação não tinha nenhuma utilidade prática

para o povo.

A experiência escolar foi provando aos missionários, dois anos mais tarde, que

os rapazes que freqüentavam a escola eram evangelizados e os que não, também não se

evangelizavam. Assim, concluíram que a escola era a mais poderosa via de

cristianização dos povos.

Os africanos eram escravos dos missionários, pois estes dependiam deles em

várias tarefas: como carregadores no transporte da bagagem, desde o porto até a estação

missionária; no tratamento ou cultivo das terras; na transportação de água e lenha; etc.

Para conseguirem tudo isso, não só obrigavam os africanos a aprenderem sua língua,

como também eram obrigados a aprender a língua do povo. Estava aí o jogo de

interesses. Era até animador de o negro ver sua língua ser falada por brancos. Isto criou

em alguns negros o desejo tremendo de aprender, de estudar, de ler e escrever.

171 Fazer parte da comunidade portuguesa significava, não sendo branco, assimilar-se, isto é, renunciar a própria cultura, próprios hábitos, costumes e línguas, e assumir, como própria, a cultura portuguesa. Era ser-se preto, mas de alma branca, assim diziam os portugueses, situação que, infelizmente, vários afro-descendentes e/ou africanos e no estrangeiro (no continente ou no país), nacionalizados ou não, assumiram outra postura.

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204

Outra tarefa dos missionários protestantes era, sem dúvida a de, com os seus

rapazes, traduzirem a Escrituras nas línguas locais; era uma troca de serviços: os rapazes

ensinavam aos missionários kimbundu, umbundu ou kikongo, e aqueles os ensinavam a

ler e a escrever.

Os protestantes tinham dois pilares na sua implantação e expansão: a Bíblia e a

escola. A Sociedade Missionária Batista, começando por ensinar kikongo estampava

palavras desta língua nos panos brancos e em outubro de 1880 abriu a sua primeira

escola, utilizando uma série de manuais em kikongo, por eles produzidos. Assim, em

1893 saiu a primeira tradução da escritura, primeiras produções em kikongo, tais como:

Nasce o dia; Cartilha em Kikongo; Mais sobre Jesus; Uma historia bíblica, etc.

Missionários ingleses sentiam-se tentados a ensinar o inglês aos alunos;

pressionados por portugueses e outros missionários e agências missionárias, sentiram-se

na obrigação de deixar de ensinar esta língua, assim diziam eles: “se não deixarmos de

ensinar o inglês, corremos o risco de sermos banidos tanto do Estado Livre, como do

solo português. Em São Salvador deve-se dar preferência ao português em relação ao

inglês...” Henderson (ibidem, p.164). E os missionários portugueses investiam no

português, também porque na sua maioria eram portugueses e tinham apoio, cem por

cento (100%) do governo de Portugal. Assim por esse meio difundiam a língua e a

cultura portuguesas.

Pelo Decreto 77, publicado a 9 de dezembro de 1921, os angolanos não estavam

autorizados a lecionarem ou a serem encarregados de filiais, salvo que tivessem um

bilhete de identidade oficial, passado pelas autoridades portuguesas da região. Havia

casos em que exigiam um teste oral e escrito da língua portuguesa. Então qual era o

interesse do Estado na educação dos Africanos?

Salienta-se, segundo Henderson (ibidem, p.171), que em 1941, o Estatuto

Missionário outorgou à Igreja Católica a responsabilidade da educação dos africanos.

Mas nem por isso se aboliu a trabalho escolar protestante. Entretanto, no dia 6 de

Fevereiro de 1950, dez anos após a Concordata de 1940, e o Estatuto Missionário de

1941, o Governo português publicou a portaria n. 7079, que instruía um novo sistema de

educação para os africanos: “A Instrução Rudimentar”. Para o efeito Rego (1960,

p.104-105) salienta que:

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Foi confiada a instrução rudimentar (...) às missões católicas. O Estado libertou-se assim daquele fardo e exige que sejam as missões católicas a ficarem responsáveis por ela, e isto é muito importante, o Estado não fornece sequer os recursos necessários à sua concretização.

6.1.2 Educação e LBSE (Lei de Bases do Sistema de Educação)

A LBSE (2001), publicada no Diário da República, Órgão oficial da República

de Angola, art. 1º, § 1, (Ver anexos, LBSE) define, atualmente, educação em Angola,

como sendo,

um processo que visa preparar o indivíduo para as exigências da vida política, econômica e social do país e que se desenvolve na conveniência humana, no círculo familiar, nas relações de trabalho, nas instituições de ensino e de investigação científico-técnica, nos órgãos de comunicação social, nas organizações comunitárias, nas organizações filantrópicas e religiosas e através de manifestações culturais e gimno-desportivas.

A partir desta ótica, o § 2 do mesmo artigo (Ver anexos, LBSE) mostrou que o

sistema de educação era o conjunto de estruturas e modalidades, através dos quais se

realizava a educação, tendentes à formação harmoniosa e integral do indivíduo, com

vista à construção de uma sociedade livre, democrática, de paz e progresso social.

Buscando o fundamento deste sistema, o art. 2º, § 1 (Ver anexos, LBSE), afirma

que o sistema de educação assentava-se na Lei Constitucional, no plano nacional e nas

experiências acumuladas e adquiridas em nível internacional. Daí a razão de ser da

aplicabilidade do referido sistema em nível nacional e sob tutela exclusiva do Estado. A

este respeito, os §. 2, 3, 4 deste artigo (Ver anexos, LBSE) afirmam:

O sistema de educação desenvolve-se em todo o território nacional e a definição da sua política é de exclusiva competência do Estado, cabendo ao Ministério da Educação e Cultura [MEC] a sua coordenação. As iniciativas de educação podem pertencer ao poder central e local do Estado ou a outras pessoas singulares ou coletivas, públicas ou privadas, competindo ao Ministério da educação e Cultura a definição das normas gerais de educação, nomeadamente nos seus aspectos

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pedagógicos, técnicos, de apoio e fiscalização do seu cumprimento e aplicação. O Estado angolano pode, mediante processos e mecanismos, estabelecer, integrar no sistema de educação os estabelecimentos escolares sediados nos países onde seja expressiva a comunidade angolana, respeitando o ordenamento jurídico do país hospedeiro.

Esta educação apresenta os objetivos claros, bem espelhados no art. 3º dos

objetivos gerais. Os mesmos são desenvolvidos nas alíneas a); b); c) e d); e), (Ver

anexos, LBSE) nos seguintes termos:

a) Desenvolver harmoniosamente as capacidades físicas, intelectuais, morais, cívicas, estéticas, laborais da jovem geração, de maneira contínua e sistemática e elevar o seu nível científico, técnico e tecnológico, a fim de contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do país. b) Formar um indivíduo capaz de compreender os problemas nacionais, regionais e internacionais de forma crítica e construtiva para a sua participação ativa na vida social, á luz dos princípios democráticos. c) Promover o desenvolvimento da consciência pessoal e social dos indivíduos em geral e da jovem geração em particular, o respeito pelos valores e símbolos nacionais, pela dignidade humana, pela tolerância, e cultura da paz, pela unidade nacional, pela preservação do ambiente e pela conseqüente melhoria da qualidade de vida. d) Fomentar o respeito devido aos indivíduos e aos superiores interesses da nação angolana na promoção do direito e respeito à vida, à liberdade, e à integridade pessoal. e) Desenvolver o espírito de solidariedade entre os povos em atitude de respeito pela diferença de outrem, permitindo uma saudável integração no mundo.

Finalmente, a Lei de Bases do Sistema de Educação – LBSE (Ver anexos,

LBSE) estatuiu seis princípios gerais da educação em Angola, apresentados em seis

artigos, e cada um correspondendo a um principio. Tais princípios resumem-se nos

seguintes artigos: 4º- princípio da integridade; 5º- princípio de laicidade; 6º- princípio

da democraticidade; 7º- princípio da gratuidade; 8º- princípio da obrigatoriedade e 9º-

princípio da língua. Estes princípios são esmiuçados deste modo:

Art.4º Princípio de integridade: o sistema de educação é integral, pela correspondência entre os objetivos da formação e os de desenvolvimento do País e que se materializam através da unidade dos objetivos, conteúdos e métodos de formação, garantindo a

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articulação horizontal e vertical permanente dos subsistemas, níveis e modalidades de ensino. Art.5º Princípio de laicidade: o sistema de educação é laico pela sua independência de qualquer religião. Art.6º Princípio de democraticidade: A educação tem caráter democrático pelo que, sem qualquer distinção, todos os cidadãos angolanos têm iguais direitos no acesso e na freqüência aos diversos níveis de ensino e de participação na resolução de seus problemas. Art.7º Principio de Gratuidade: § 1 entende-se por gratuidade a isenção de qualquer pagamento pela inscrição, assistência às aulas e o material escolar; § 2 o ensino primário e gratuito, quer no subsistema de ensino geral, quer no subsistema de educação de adultos; § 3 o pagamento de inscrições, da assistência às aula, do material escolar e do apoio social nos restantes níveis de ensino, constituem encargos para os alunos, que podem recorrer, se reunirem as condições exigidas, à bolsa de estudo interno, cuja criação e regime devem ser regulados por diploma próprio. Art. 8. Princípio da obrigatoriedade: o ensino primário é obrigatório para todos os indivíduos que freqüentem o subsistema do ensino geral. Art.9º Principio da Língua: § 1 o ensino nas escolas é ministrado em língua portuguesa; § 2 o Estado promove e assegura as condições humanas, científicas, técnicas, materiais e financeiras para a expansão e a generalização da utilização e do ensino de línguas nacionais; § 3 sem prejuízo do n. 1 deste artigo, particularmente no subsistema de educação de adultos, o ensino pode ser ministrado nas línguas nacionais.

6.1.3 Educação na Ganda (1999-2003): dados de pesquisa

Segundo Neto (2005, p.17), Ministro da Educação da República de Angola, o

setor da educação no conjunto dos subsistemas de ensino não superior enquadrava

119.610 trabalhadores, dos quais 38% eram mulheres e 112.785 eram docentes, e, no

Ensino Superior Público tinha, atualmente, 957 docentes, 45 monitores e 1.181

trabalhadores não docentes.

Na área do pessoal docente para o Ministro, destacava-se o fato de que o I e II

níveis do Ensino de Base Regular, absorvia 76.319 professores que representava 67,6%

do total de 112.785, seguindo-se o III nível, com 30.039, e o Ensino Médio e Pré-

Universitário com 6.427. Ainda salientava que, no I e II níveis os professores não

tinham as qualificações acadêmicas profissionais desejadas (ibidem).

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Para Neto (ibidem), os serviços centrais do Ministério da Educação

comportavam 273 funcionários, dos quais 145 mulheres, 63 responsáveis, 109

administrativos e 101 especialistas de diversas áreas científicas.

A instabilidade político-militar trouxe para a educação conseqüências nefastas

pelo que, entre os anos de 1992 e1996 Angola conheceu uma destruição geral pela ação

direta da guerra. Assim, mais de 1.500 salas de aula foram destruídas. Isto inviabilizou,

de certo modo, o enquadramento sócio-educativo de mais de 500.000 alunos regulares

ou adultos do Ensino de Base, continuando a dar alimento à cultura do “amém”,

enraizada na vida mais profunda, nas entranhas desse povo.

Entre os anos de 1996-2002, notava-se grande evolução de alunos e escolas por

níveis de ensino conforme passamos a apresentar na tabela seguinte:

Tabela 1: Crescimento escolar em Angola: alunos e escolas por níveis escolares.

Alunos Escolas Níveis de Ensino 1996 2002 1996 2002

I NÍVEL 835.760 1.372.666 2.788 4.224 II NÍVEL 129.879 229.483 163 282 III NÍVEL 63.002 115.475 87 164

SUBTOTAL 1.028.641 1.717.624 3.038 4.670 ENSINO MÉDIO 35.993 73.695 39 64

PUNIV 11.025 20.472 10 18 SUBTOTAL 47.018 94.167 49 82

TOTAL GERAL 1.075.659 1.811.791 3.087 4.652 Fonte: (NETO, 2005, p.21) – Ministério da Educação da República de Angola.

Na área da alfabetização, salienta Neto (2005, p.23), no ano de 1996, por causa

de situações estruturais e conjunturais, sobretudo pelas transformações sóciopolíticas e

econômicas, este programa estava praticamente sem vida. Ainda isto se deve pela

instabilidade militar, onde a guerra se fazia sentir em todos os cantos e recantos e o

número de alfabetizandos era inferior a 50.000 por etapa letiva. Para o efeito, podemos

conferir a tabela abaixo que reporta esta situação:

Tabela 2: Evolução da alfabetização em Angola por etapas

Alfabetizandos Etapas MF F 1ª etapa 2ª etapa

83.827 101.823

60.570 82.107

3ª etapa 135.994 101.710 4ª etapa 5ª etapa

176.047 71.238

81.669 39.745

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6ª etapa 7ª etapa 9ª etapa 9ª etapa

343.413 327.070 261.944 104.661

148.617 148.621 121.442 56.354

10ª etapa 11ª etapa

122.339 93.056

67.604 53.622

12ª etapa 13ª etapa

72.061 87.277

43.100 50.573

14ª etapa 77.206 47.830 15ª etapa 81.271 51.339 16ª etapa 79.683 50.951 17ª etapa 61.971 42.225 18ª etapa 19ª etapa

46.002 44.515

36.400 25.094

20ª etapa 6.944 4.097 21ª etapa 7.809 4.607 22ª etapa 9.406 5.550 23ª etapa 24ª etapa 25ª etapa

11.764 9.773

115.433

6.941 5.766 62.460

26ª etapa 27ª etapa

287.996 364.273

147.295 183.821

28ª etapa 115.951 74.514 29ª etapa 321.000 160.500 TOTAL 3.621.747 1.822.251

Fonte: (NETO, 2005, p.25) – Ministério da Educação da República de Angola.

Diante deste quadro situacional, o Programa Nacional de Alfabetização (PNA)172

viu-se obrigado a revitalizar-se na sua totalidade em 2002. Assim sendo, introduziu a

política das alianças com a sociedade civil favorecendo, vertiginosamente, o

crescimento do número de alfabetizandos para 1.000.000, traduzindo o crescimento de

2000% (ibidem).

É de salientar que, nesta mesma temporada, introduziram-se, no PNA, “novos

manuais de alfabetização, de leitura e de matemática, inteiramente produzidos por

técnicos angolanos” (ibidem). Neto acrescenta a este pensamento, reconhecendo ter

aumentado, “de 4 para 8, as línguas nacionais neste programa (...): Umbundu,

Kimbundu, Kikongo, Tchokwe, Oshiwambo, Nganguela, Nhaneca-Hubi e Fiote. Está em

curso o processo de elaboração de novos manuais em línguas nacionais e para a pós-

alfabetização” (ibidem).

Pela informação adquirida, através do jornal ‘Notícias de Angola, informativo do

Consulado Geral de Angola no Rio de Janeiro’ de 15/06/2006, entendemos que a

172 Com esta sigla, “PNA”, quero mostrar aquilo que o Governo angolano, pelo Ministério da Educação, denominou como “Programa Nacional de Alfabetização”.

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implementação do projeto de línguas nacionais, no currículo escolar, já está em sua fase

embrionária ou experimental. Vejamos no informativo abaixo.

Professores das províncias de Luanda, Huambo, Cunene, Kuando Kubango, Zaire, Lunda Sul e Kwanza Norte participaram, em Luanda, de um treinamento sobre ensino de “línguas” Tchokwe, Kikongo, Kimbundu, Ngangela, Umbundu e Oshikwanhama. Estas “línguas” começaram a ser ensinadas nas escolas este ano. O treinamento visa a discutir o material didático, reforçar a qualidade do ensino e a eficiência do sistema de aprendizagem. Participaram do evento 96 professores das províncias de Huambo, Zaire, Cunene, Kuando Kubango, Lunda Sul, Kwanza Norte e Luanda, dos quais 30 do sexo feminino. O Vice-Ministro da Educação para a reforma educativa, Pinda Simão, lembrou que as seis “línguas” já estudadas pelo Instituto de Línguas Nacionais, estão sendo inseridas no sistema de ensino, especialmente na 1ª série.

Em seu entender, a inserção destas línguas no currículo escolar nas séries seguintes dependerá do empenho de todos os setores do Ministério da Educação, sobretudo do ensino geral, formação de quadros, inspeção geral e do Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da Educação (INIDE). Este acompanhamento, adiantou Pinda Simão, permitirá assegurar a experimentação nas escolas selecionadas e permitir aprendizagem eficiente dos 4.500 alunos, que estão distribuídos em grupos de 750, sendo 15 turmas por cada uma das seis línguas. “Estamos confiantes de que cada professor saberá receber, implantar e transmitir conhecimentos para que num esforço conjunto possamos cumprir mais uma missão, das tantas que temos pela frente”, finalizou. (NOTÍCIAS DE ANGOLA, 2006, fl.2)

Quadro 3. Professores aperfeiçoam línguas Regionais 173.

O salto qualitativo dado pelo Governo de Angola, através do Ministério da

Educação, sensibilizou a UNESCO, ao ponto de outorgar uma Menção Honrosa a este

Governo, em 1999. Tal menção juntou-se a várias distinções internacionais, que

somadas dão em: 2 prêmios internacionais e 4 Menções de Honra. Assim, do dia

22/11/1976 a 31/12/2002, 3.261.747 angolanos aprenderam a ler e escrever. Destes,

55% são mulheres. Este é o motivo do orgulho do Governo Angolano (ibidem).

173 - O Estado promove e assegura as condições humanas, científico-técnicas, materiais e financeiras para a expansão e a generalização da utilização e do ensino de línguas nacionais. – Art. 9º da LBSE, §.2, p.273 (anexos).

Professores aperfeiçoam ensino de “línguas” regionais

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6.2 Realidade da Educação em Ganda.

Neste ponto trazemos, em primeiro lugar, realidade geral do município, isto é,

geográfica, sociopolítica, econômica e educacional, já que a parte cultural foi bem

salientada quando falamos do mundo da vida e da realidade cultural e ondjangiana.

Seguidamente, adentramos, concretamente, na situação a educação em Ganda;

desenharemos um quadro geral com os dados necessários desta realidade. Isto nos

permitirá a apresentar algumas características dessa educação em Angola,

conseqüentemente em Ganda. No fim, ilustraremos alguns dados - resultados da

pesquisa realizada em Ganda, enquanto exemplificação. As figuras n.3-14, encontradas

nas páginas 204-206, não aparecem deslocadas. As mesmas reforçam na visualização

real da escola na Ganda. A pobreza a que fomos submissos, ao ponto até de ver crianças

sem salas de aula, com salas bem precárias, professoras ao ar livre administrando suas

aulas, alunos distraídos e sentados sobre as ladas de leite, transportadas desde suas casas

e utilizando-as como classe (carteira), salas por nós construídas, enquanto docentes

naquela área para amenizar um pouco a situação, etc.

6.2.1 O Município da Ganda

Ganda é um município que geograficamente tem 4.817 km2. Segundo a

pesquisa174 realizada no dia 26 de Janeiro de 2005, via Administração Municipal175, “a

população do mesmo é estimada em 223.082 habitantes, dos quais 50.239 homens,

61.355 mulheres e 111. 488 crianças de ambos os sexos”.

Segundo a Administração municipal da Ganda, o nível de pobreza é acentuado.

99,9% da população carece de condições básicas de vida. Falta a alimentação, o

174 Esta pesquisa foi realizada por mim através da mediação de dois jovens (Sebas e Beto) que se envolveram totalmente na coleta de dados, usando todos os meios possíveis e a disposição: correios e, sobretudo, internet, o que facilitou bastante a obtenção de dados, imagens, filmes, livros, fotocópias, etc. Trata-se de Sebastião, mais conhecido por Sebas, enfermeiro, responsável pelo programa de sensibilização e luta contra Aids nos Municípios da Província de Benguela, pela Cáritas diocesana de Benguela, em parceria com a CRS (Services Relief Catholic – uma organização Não Governamental Católica Americana que se presta a aliviar a miséria dos mais sofridos como Cristo o fez) e Alberto, conhecido por Beto, professor de língua inglesa no PUNIV da Ganda. 175 Administração Municipal é o mesmo que dizer Prefeitura Municipal.

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vestuário, a água encanada e potável, o saneamento básico, bem como a energia elétrica,

sem rede bancária, etc.

A esperança de vida em fase etária é, aproximadamente, de até os 50 anos, para

ambos os sexos. O nível de mortalidade é abrangente a toda cidade, causada por várias

enfermidades, (Malária, Diarréia aguda – cólera, doenças renais e outras tantas

complicações sem explicação médica).

O sistema de comunicação, bem como outros meios, tal como a estação de rádio,

televisão e telefone doméstico, ainda não se faz sentir naquela cidade, embora existam

algumas antenas parabólicas individuais com sinal da TPA e Multichoice (agência

revendedora de antenas parabólicas), uma antena para celulares.

À exemplo de todas as localidades do interior de Angola, Ganda está dando os

primeiros passos para o seu renascimento e sinais para a sua revitalização, após o

esquecimento a que esteve sujeita, durante os anos de conflito armado.

Situado a 220 quilômetros a Leste da cidade de Benguela, o município da

Ganda possui quatro comunas (distritos), nomeadamente, Ebanga, Babaera, Casseque e

Chicuma. A última é considerada, no passado recente, como o celeiro da província de

Benguela - Angola, pela sua proximidade com os municípios de Caluquembe e Cuima

nas províncias da Huíla e Huambo e pela fertilidade dos seus solos.

Atravessado pelo rio Catumbela nas regiões da Ebanga e Alto Catumbela, o

município da Ganda é, essencialmente, agro-pecuário. No passado produziu chouriço e

outros derivados da carne de suínos, que se produzia preferencialmente na região.

Produzia, igualmente, café‚ de modo particular, nas comunas do Casseque e

Chicuma. A esta última se deve o famoso angolano “Café Chicuma”, uma marca ainda

hoje apreciada. Na sede da vila da Ganda, a vida começa a renascer aos poucos. Já

despontam em maior número os estabelecimentos comerciais, os de lazer, tal como ‚ a

Discoteca “Novidade”, que preenche as noites lunares e festivas dos finais de semana,

regatando assim, o lúdico da vida.

A vida empresarial também começa a movimentar-se, mas não terá a

correspondência se não for instalada uma instituição bancária naquela localidade onde a

produção no campo pode atingir altos níveis com a reocupação de algumas fazendas

agrícolas, onde já se produz com o uso do sistema de irrigação, por gravidade a partir do

leito do rio Catumbela.

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6.3 Educação na Ganda / Benguela.

O ensino no município da Ganda obedece ao que já afloramos, ao falar da

educação nacional. Como em qualquer escola de Angola, segundo a pesquisa feita

através da Administração da Ganda, no dia 26/01/2005, o nível do ensino, apesar de

várias dificuldades, conhece certa evolução, a passos de camaleão.

Este ensino, durante muito tempo de guerra foi administrado exclusivamente em

zonas de “luz verde” (Ganda, Alto Catumbela e Tchindjendje) era: I nível: 1ª– 4ª classe;

II nível: 5ª-6ª classe e III nível: 7ª-8ª classe. É de notar que Ganda, é um município com

quatro comunas: Babaera (Vavayela), Ebanga (Evanga), Chicuma (Tchikuma) e

Casseque (Kaseke). Não existia o ensino médio.

A Ganda, para além de administrar o ensino de base, I, II e III níveis, já possui,

desde 1996, o ensino médio (PUNIV) que com os níveis anteriores, já se estende na

comuna da Babaera, enquanto outras localidades ou comunas estão engatinhando para

recuperarem o espaço perdido durante vários anos de guerra civil no país.

Neste sentido, apesar de vários esforços, a educação na Ganda se apresenta,

ainda como deficitária. Há muito que se fazer para se poder chegar ao patamar dos

vencedores. Só implementando programa proposto em nível central e com a

disponibilidade de recursos será possível dar mais passos para o progresso escolar. Para

sermos mais práticos, preferimos trazer exemplos vivos de tipo de escolas, enquanto

estruturas, para podermos entender o que pode sobrar como aprendizagem. E as

imagens exibidas abaixo, reportam o tipo de escolas encontradas, em nossos dias, no

interior da província de Benguela, isto é, no município da Ganda – cidade, em Angola:

Do ano de 1996 a 2002, num projeto do governo provincial de Benguela e

municipal da Ganda, iniciamos com o Ensino Médio Pré-Universitário (PUNIV), no

qual, durante 3 anos correspondentes à 1ª rotação do primeiro curso, fui docente nas

matérias de Introdução à Filosofia para o 1º ano de Ciências Sociais e Exatas e

Introdução à Sociologia para os alunos do 3º Ano de Ciências Sociais.

Foi uma experiência “sui generis”. Meu sonho estava sendo realizado pelo fato

de ser professor, nesta altura, de quase toda a “máquina governativa” do Município: o

Page 215: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

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pessoal das administrações municipais e comunais (distritos), os funcionários públicos,

políticos, chefes militares e paramilitares, policiais, líderes religiosos (pastores, freiras e

outros), professores e diretores da rede escolar e os agentes de Segurança do Estado, os

chamados normalmente como da “contra inteligência” ou “serviços de informação do

Estado”.

Nesta altura, estava sonhando já com uma escola diferente, baseada no diálogo

segundo a proposta buberiana. Uma experiência pedagógica não habitual: planejamos

em conjuntura (professor e alunos) nossas aulas; era uma experiência piloto no

município da Ganda, como primeiro professor de introdução à filosofia e introdução à

sociologia, pensei como os meus alunos realizar um trabalho acadêmico a partir da

própria realidade sociocultural e geopolítica. Para tal, o primeiro passo dado foi o de

abandonar a sala de aulas e saírmos para o campo a fim de poder realizar o estudo geral

do município, com as suas aldeias, bairros, lavouras, seus mercados paralelos (os

camelôs), instituições governamentais e privadas, campos de deslocados de guerra, etc.

Esta experiência consistia em fazer uma caminhada nova, diferente da habitual

onde o professor era o super homem, o detentor do conhecimento, o “omnisciente”, de

quem tudo dependia e para o qual todos deviam obediência e o “amém” cego.

Durante o tempo de aulas, várias vezes saíamos em direção ao centro da cidade,

aos bairros, ao campo (para observar as lavouras), ao mercado (de tipo camelôs), aos

hospitais, aos cemitérios, aos rios (onde as mulheres lavavam as roupas), aos “hipo-

mercados” do município, aos quartéis, às diversas instituições do estado e até mesmo às

eclesiais.

Este movimento nos possibilitou a fazer o diálogo refletido e buscando caminhos

para a solução de diversos problemas, dos quais, miséria encontrada em todos os lugares

observados. O referido trabalho possibilitou a que, como docente, fosse conotado,

sutilmente, na rede, sobretudo entre alguns colegas, de professor subversivo e

anárquico. Aquele que atraía as atenções para si e para sua atividade em detrimento dos

outros colegas na instituição. Os alunos participavam das aulas de filosofia e sociologia,

animados e as sentiam prazerosas. Eles manifestavam seus sentimentos de saudades

sempre que, por uma eventualidade seu professor viajasse.

Para o bom andamento de nossas aulas, e em consonância, professor e alunos,

concordamos construir nossos conhecimentos a partir de um denominador comum,

Page 216: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

215

princípio motriz de nossos estudos. Para tal, tendo em conta as potencialidades e

limitações do professor e dos alunos, adotamos o seguinte principio: “aula trabalhada,

matéria sabida, prontos para a avaliação e vivência no quotidiano”.

Neste esquema, acabamos tendo bons resultados, em termos gerais. Neste

sentido, só era reprovado o aluno que não participasse das aulas e a avaliação era feita

não pelo professor, mas pelo próprio aluno (na auto-avaliação) e pelo coletivo. Juntos,

navegávamos no mundo da vida e pensávamos sobre o mesmo. Mas o rendimento não

foi tão salutar quanto esperávamos, pois que eu era uma gota de água no grande oceano.

Fui alvo de muitas criticas e conotações.

Apesar destas conotações e críticas a vida seguiu seu ritmo normal e

procuramos, para cada dia, o melhor para instituição que nascia e, sobretudo os seus

sujeitos, os alunos que representavam, em 90% a vitalidade do município nas suas

diversas instituições. O certo é que tentávamos trabalhar a consciência mais responsável

para uma nova cultura angolana, resgatando antes de tudo os valores culturais perdidos

ou negados. Até uma das pessoas influentes no município que, por sinal era nosso

discente, o Kalipa 176, sentindo alguns resultados positivos deste itinerário acadêmico na

sociedade gandense, dizia que:

com o início do curso e, sobretudo com o trabalho de conjuntura (alunos e professores) nas aulas de filosofia e sociologia, a vida do município mudou de rosto. As pessoas, já não perdem tempo com boatos [fofocas], calúnias, brigas desmedidas; os ladrões diminuíram suas ações entristecedoras, os policiais não passam a vida prendendo e torturando, os governantes se preocupam mais pela vida dos cidadão, apesar de limitações e até de impossibilidades em resolver os problemas visualizados (o importante foi o reconhecimento a existência de tais problemas), os esposos tinhosos (malandros) já não passam a vida a bater nas esposas, todos se preocupam com a pesquisa e o estudo, todos se preocupam com a leitura, cada um em sua casa procura, ler alguma coisa. Até, coisa engraçada, os soldados habituados à vida de guerra, os chamados “anti-balas”, pessoas que se achavam blindadas com tatuagens e uso de multi misturas (mistura dos produtos da selva), antes de qualquer ação militar e viagem a ser realizada, de longo, médio ou curto curso, pediam autorização para poderem conciliar a vida militar com a escola. [Esta afirmação foi, para mim, muito gratificante e consoladora].

176 Depoimento de Kalipa é o pseudônimo que ilustra um aluno aplicado, gênio e de uma memória fotográfica. Foi nosso aluno na primeira turma logo que se abriu o PUNIV na Ganda. Ele, em seu pronunciamento, acontecido no dia 27 de Abril de 1998, na Ganda, mostrou seu ponto de vista sobre a influência da escolarização séria dentro de uma realidade cultural, onde a leitura de mundo já acontece com algumas dificuldades.

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216

Esta experiência me fez recordar aquela que Freire partilhou com a comunidade,

na sua ação, crítica, consciente, política, transformadora e emancipatória, sobretudo nos

momentos da vida concreta onde ele esperou, trabalhou, soou, conversou, aprendeu o

mistério dos caminhos, ouviu mais, enxergou o que jamais viu, desconfiou dos que o

desaconselhavam a agir, falar, andar, esperar, recusar, desconfiar, anunciar e denunciar,

conforme lemos literalmente nas suas palavras localizadas na pág. 163 deste texto.

Fig. 3.- Escola e banheiro ao lado Fig. 4.- Escola: uma construção provisória

Fonte: Foto Sebas só para esta pesquisa 5/2006

Fig. 5.- Debaixo da arvore – alimentar p/ Educar Fig.6.- Assim a educação acontece?

Fonte: Foto Sebas só para esta pesquisa 5/2006

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217

Fig. 7.- Instalações do II nível e PUNIV Fig. -8.- Auditório do II nível e PUNIV

Fonte: Foto Sebas só para esta pesquisa 5/2006

Fig.9.- Na Capela – que aprendizagem nestas condições? Fig.10.- Escola com precárias condições

Fonte: Foto Sebas só para esta pesquisa 5/2006

Fig.11.- Escola por mim construída Fig. 12.- Criança sentadas no chão.

Fonte: Foto Sebas só para esta pesquisa 5/2006

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Fig.13.- Alegria da criança sofredora Fig.14.- Crianças distraídas – sala - ar livre

Fonte: Foto Sebas só para esta pesquisa 5/2006

Fig.15.- Que futuro para esta escola? Fig.16.- Precariedade visível na sala de aula.

Fonte: Foto Sebas só para esta pesquisa 5/2006

6.3.1 Dados da situação educacional da Ganda.

Segundo a pesquisa realizada no dia 03/02/2005, em Ganda, sobre as áreas que

compõem o município, o número de escolas, número de alunos no sistema de ensino por

classe, número de alunos fora do sistema educacional, número de escolas de construção

definitiva, número de escolas de construção provisória e número de professores

efetivos, mediatizada por Sebastião (Sebas) e Alberto (Beto), obtivemos, da Seção177

Municipal de Educação, os seguintes resultados:

177 Quando, em Angola o Ministério da Educação fundiu-se com o da Cultura, perfazendo, assim, um único (Ministério da Educação e Cultura), cada parte, em nível nacional, denominou-se “Direção” ao invés de “Ministério” e as dependências provinciais, municipais e comunais chamaram-se “Setores”. Daí a razão de ser “Seção”.

Page 220: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

219

Quadro 4. – dados da situação educacional do município da Ganda. N.º Comunas N.º de

Escolas N.º de alunos

no Sist. de Ensino por

Classes.

N.º de alunos fora do Sist.

de Ensino por Classes.

N.º de escolas

de construçãodefinitiva

N.º de escolas

de construção provisória

N.º de professores

efetivos

1 Cidade-Ganda

45 8.932 7.110 6 45 718

2 A. Catumbela

29 4.129 1.728 2 27 204

3 Ebanga 15 4.030 10.704 5 17 40 4 Casseque 28 3.822 4.019 3 25 75 5 Chicuma A 34 3.123 5.485 0 34 58 6 Chicuma B 22 2.034 1.134 0 21 42

TOTAL 173 26.070 30.180 16 169 1.137

Fonte: Dados da Setor Municipal da Educação e Quadro elaborado pelo Sebas e Prof. Beto

6.3.2 Características da educação em Angola e na Ganda.

Partindo da afirmação de Pinda Simão, Vice-Ministro da Educação de Angola, na

abertura do seminário de capacitação dos professores de escolas selecionadas, como

projeto piloto, para lecionar as línguas nacionais (regionais) no sistema nacional de

educação, segundo a qual, era importante o empenho e desempenho de cada professor

em saber receber, implantar e transmitir conhecimento que devia ser recebido no

decurso dos estudos e das discussões. Pinda Simão afirmava: “Estamos confiantes que

cada professor saberá receber, implantar e transmitir conhecimentos para que, num

esforço conjunto, possamos cumprir mais uma missão das tantas que temos pela frente”

(NOTÍCIAS DE ANGOLA, ibidem).

Diante deste tipo de afirmação, de uma entidade de alta responsabilidade dentro

do Ministério da Educação, entendemos que a educação, em Ganda, como em todo o

país, é, infelizmente, ainda uma “educação bancária”, segundo a visão freiriana,

trabalhada no capítulo quinto desta dissertação, no ponto 5.3.2, intitulado, “Freire e

diálogo”.

A educação que se devia apresentar como prioridade num país em busca da

liberdade, passou sendo o setor mais desprezado. O problema encontrado não era o da

falta de verbas, e sim do interesse que se tinha; o de investimento na guerra sem sentido,

e a pouca verba canalizada para o setor era gerenciada com incompetência sistemática.

Quando falo em incompetência sistemática, quero referir-me, sobretudo, na formação

deficitária dos professores, razão pela qual se fazia notar uma corrupção generalizada do

Page 221: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

220

corpo docente, especialmente do ensino de base, I, II, III, níveis e do ensino médio,

PUNIV (ciências sociais e exatas) e profissionalizante, como por exemplo, o Instituto,

Médio, Normal de Educação (IMNE), com a vocação de formar professores, sem falar

dos cursos básicos para a formação de professores do I e II níveis.

Encontramos vários alunos sem escolas ou com escolas em situação degradante;

salários irrisórios para os docentes, e, quando apareciam com atrasos de dois ou três

meses, o que tornava agudo a questão da corrupção dos professores: mal preparavam as

aulas, deixavam matéria por dar, para servir de explicação das aulas particulares, onde

tinham algum lucro pecuniário, provas elaboradas para reprovar alunos que se

obrigavam a presentear os professores com a famosa “gasosa” (chamamos de gasosa ao

refrigerante, mas no sentido acadêmico, refere-se à certa gorjeta, isto é, importância em

dinheiro que se dava ao professor para reverter a nota, pela reprovação iminente da

parte dos alunos menos dotados ou com dificuldades de entender as provas elaboradas

pelo professor que, de certo modo, eram determinantes para a aprovação ou reprovação

do aluno; trata-se de uma gratificação ao professor com a finalidade de buscar uma nota

positiva).

O problema da educação, no entender de Garcia (1996, fl.1), “passa a ser (...)

para a política educacional, o de professores(as) mal formados e incapazes de

desenvolver uma prática pedagógica que dê conta das dificuldades apresentadas por

grande parte do alunato”, o que, de algum modo nega a transformação real esperada

nas escolas. Estamos diante de uma educação que “nega as tensões e contradições

presentes nas escolas, onde estão presentes, sem dúvida, conteúdos reprodutores de

relações sociais e de poder ligadas aos interesses dominantes, portanto,

conservadores” (ibidem), mas também onde se ofusca quaisquer tentativas de “se

encontrar espaços de apropriação da cultura e de produção de novos conhecimentos,

de luta e de resistência – portanto emancipatórios” (ibidem). O mais engraçado é que

existe maior afluxos de demanda escolar, mas não de escolas que se apropriem do saber

escolar para a transformação social ou para o empoderamento “da cultura negada aos

demais e se reconhecerem e serem reconhecidos como produtores de saber” (ibidem),

mas como espaço reprodutor da cultura do silêncio, da Cultura do “Amém”.

Ser professor, ontem, constituía motivo de orgulho de si mesmo e de respeito

dos demais. Tal respeito e orgulho transformaram-se em autocomiseração e desrespeito

Page 222: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

221

público. O professor é visto, em tempos hodiernos, com descaso, ou pena; é um

‘coitado’; sua auto-estima acaba num rebaixamento total. Diante desta situação o aluno

acaba sendo a vítima de tudo e de todos. Para se defender tem de usar outros métodos

para captar a benevolência do professor: obedecer aos ditames do professor, nada

interrogar e oferecer a “gasosa”.

O professor não se empenha em compreender o chão que pisa, o ambiente em

que vive, a sociedade em que atua; não se empenha na luta por uma escola do Estado de

qualidade, pois ele, com emprego no ensino, sobrevive e não vive.

Em relação ao salário do professor, diga a verdade, é extremamente baixo, e, só

acontecem aumentos, na temporada próxima às eleições, para outra vez explorar o pobre

professor. Este, não habituado a quantidade de dinheiros vence sua liberdade,

oferecendo o seu voto. Assim, a respeito dos salários, Garcia (1996, fl.6;8), diz o

seguinte:

O salário do (a) professor (a) hoje é hoje vergonhosamente baixo. [O professor] foi perdendo o controle sobre o seu processo de trabalho, perdendo assim a autoridade que garantia o coletivo docente. A antiga retribuição do material foi se perdendo no tempo, não restando sequer a recompensa simbólica. (...) O salário do (a) professor (a) não dá para que ele (a) tenha uma alimentação saudável. [daí] a pauperização dos (as) professores (as).

Sei que a educação é vista, na teoria, como uma prioridade nacional, mas que

tipo de educação? Para formar quem? Em que moldes? Sei que Angola abraçou o

projeto do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que propôs a

educação de qualidade e universalizada, isto é, “educação para todos”.

Não basta a educação para todos, é importante dar um perfil a este tipo de

educação, para evitar uma simples cópia de propostas pedagógicas importadas, ou

então, uma escola que se limite a reproduzir as injustiças e as interdições da sociedade.

É, sim, importante que as várias propostas pedagógicas ajudem a encontrar um e

itinerário político e educacional próprio de um país, neste caso de Angola que sobrevive

de modelos estrangeiros. Daí a importância da minha proposta de uma pedagogia

ondjangiana para uma Angola que se reencontra e enceta passos certos, na construção

de uma sociedade mais humana, mais cidadã e mais comunal. Trata-se de uma escola

que ajude a pensar numa educação que lute pelos direitos fundamentais: direito à vida, à

dignidade, à cultura, ao estudo, à terra, ao trabalho condigno, etc.

Page 223: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

222

Cansados desta política, que faz da vida educacional sem norte nem sul, sem

beira nem eira, é importante pensar numa experiência nova. Refiro-me aqui na própria

experiência pedagógica, onde eu, enquanto docente com os meus alunos do PUNIV, em

Ganda, enveredamos pela proposta educacional ondjangiana, e, por sinal, dialógica,

conforme o aludimos ou trabalhamos no segundo capítulo que reportou sobre “o mundo

da e/ou de vida: memorial histórico e experiência vital”; refiro-me, concretamente, do

ponto 2.3.5, que reflete sobre a trajetória do mundo da educação do pesquisador (1994-

2002).

Do fundo do túnel se faz sentir nova luz: aquele currículo, fechado, onde tudo já

vem pronto, já se abre á realidade cultural regional com a introdução das línguas

nacionais, o que ajudará a estudar partindo sempre da realidade sóciopolítica e cultural

do educando, fazendo do ondjango uma proposta pedagógica angolana, ‘quem sabe’.

Posso, dizer que em Angola em geral e na Ganda, a educação apresenta

“déficits” alarmantes: o currículo escolar é totalmente fechado, sem possibilidade de

quaisquer brechas para iniciativas. O aluno apresenta-se como um recipiente a ser

carregado de conhecimentos; sua responsabilidade, diante da matéria recebida é ser bom

reprodutor. Em nada se trabalha a autonomia do aluno que busque a participação, a

interação, a inovação e a qualidade. Estamos diante de uma escola transmissiva de

conteúdos, conforme diz Peixoto et al, (1996, p.70). Nesta escola, “a criança não sabe

e vai à escola para aprender. O professor sabe e vai à escola ensinar quem não sabe. A

inteligência é um vazio que se enche progressivamente por acumulação de informações.

Igualmente todos os alunos são iguais porque todos começam do zero”.

O contrário que, infelizmente não está trabalhado, e a escola construtivista,

onde, segundo olhar destas autoras (ibidem), o aluno é conhecedor e dirige-se à escola

para refletir a respeito dos seus conhecimentos, organizá-los, enriquecê-los e

desenvolvê-los em grupo; o docente já não é aquele sábio, mas o mediador do saber. Ele

sabe procurá-los nas melhores possíveis. Aqui ele se apresenta como investigador; a

inteligência é, aqui, um recipiente cheio que se modifica e enriquece por reestruturação

e se busca a diversidade: todos os alunos sabem coisas, mas coisas diferentes e de

formas distintas. Neste sentido, D’Ambrósio (2003, 67) entende por escola,

O espaço de socialização e também o espaço de geração de novos conhecimentos. É um espaço em que as experiências devem

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223

multiplicar-se. As crianças devem ter muita oportunidade para gerar novos conhecimentos a partir dessas experiências. Para isso, são necessários, uma nova escola e um novo conceito de professor. O momento educacional não deve ser usado para fornecer, de forma propedêutica, conteúdos programáticos e tradicionais que poderão ser úteis em situações reais. Mas esses conteúdos serão recuperados do espaço em que se encontram “congelados” (livros, enciclopédias, CDs, memórias do professor e de outros) no momento em que se tornam necessários por solicitação da situação criada. São recursos muitíssimo úteis e importantes, que serão recuperados quando necessário.

Exatamente esta escola ainda não se construiu em Angola e na Ganda e, se

existir algures, então está engatinhando, o que significa passo positivo. O sistema de

avaliação denota, claramente, a cultura do amém. São as perguntas certas com

definições exatas. Não se trabalha a criatividades. Não se busca a reflexão. Se,

conforme entende Alarcão (2001, p.15), a mudança de que a escola precisa é uma

mudança paradigmática e, se para mudá-la, é preciso mudar o pensamento sobre ela,

refletir sobre a vida que lá se vive, em uma atitude de diálogo com os problemas e as

frustrações, os sucessos e os fracassos, mas também em diálogo com o pensamento, o

pensamento próprio e o dos outros, então esta mudança constitui para os angolanos e os

gandenses um desafio e uma conquista permanente.

Estamos situados numa área, onde até 2002 só havia três TVs com antenas

parabólicas, sem direito de assistir a TV nacional, a TPA (Televisão Popular Angolana).

Estes aparelhos encontravam-se, um na residência dos padres, um na do Administrador

ou Prefeito Municipal e a terceira na residência de uma ONG nacional chamada

HORIZONTE. Hoje em dia já se alargou esta rede, com a possibilidade de se visualizar

a TV angolana, mas mesmo assim, só para os mais iguais com recursos pecuniários.

Diante de tudo isso, o professor tem poder sobre o aluno, sem material de pesquisa

(biblioteca e se esta existir, com precariedade), mal consegue a material didático, etc.

Portanto, em todo este emaranhado o aluno continua sendo “refém” (ZAGUARY, 2006)

da cultura do ‘amém’:

Refém da má qualidade de ensino que seu professor recebeu. Refém das explicações pagas, dadas pelos professores oportunistas. Refém do tempo que seu professor necessita, mas que não dispõe. Refém das “gasosas” exigidas pela pressão do professor que ele não possui Refém de pressões internas que seu professor sobre do ministério e da escola.

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224

Refém nas notas ruins que recebe de seus professores em troca de benefícios. Refém do uniforme que deve ter mesmo sem comida para a boa aprendizagem. Refém do livro que o professor usa, sem nunca mostrar ao aluno. Refém do professor que muda de livro descobrindo um idêntico com o aluno. Refém a pobreza a que está submetido.

Esta pobreza, segundo Demo (2005, p.19), não se restringe somente na carência

material, visibilizada através da fome, é, sobretudo, o fundo político da marginalização

opressiva. “Pobreza é o processo de repressão do acesso às vantagens sociais”

(ibidem).

Na mesma ótica, Demo reconhece que, o que faz pobre não é a carência, mas

sim ser obrigado a passar fome, enquanto alguns comem bem à custa da fome da

maioria. Para este autor, “o pobre mais pobre é aquele que sequer sabe e é coibido de

saber que é pobre” (ibidem). Estamos, diante da pobreza política, definida por Demo

(ibidem, p.20), como,

dificuldade histórica de o pobre superar a condição de objeto manipulado, para atingir a de sujeito consciente e organizado em torno de seus interesses. Manifesta-se na dimensão da qualidade, embora seja sempre condicionada pelas carências materiais também. Mas jamais se reduz, apontando para o déficit de cidadania.

3.4 Resultados da “pesquisa exemplar” 178 na Ganda.

Para confirmar, se o Ondjango era o fundamento de uma educação vital em

Ganda, Sebas e Beto, mediatizaram a coleta dos seguintes dados: dos 21 alunos, 21

responderam sim; dos 9 professores, 9 responderam sim e dos 2 políticos, 2

responderam sim (Conferir tabela a) dos anexos).

Comprovando se a cultura ondjangiana na educação ajudava para a recuperação

dos valores silenciados, dos 21 alunos 17 responderam sim; dos 9 professores 7

responderam sim e dos 2 políticos 2 responderam sim (conferir tabela b) dos anexos).

Certificando, se a educação e a cultura eram duas realidades excludentes, dos 21

alunos 3 responderam sim, dos 9 professores (0) respondeu sim e 2 políticos 0

respondeu sim (conferir tabela c) dos anexos).

178 Entendo, neste sentido, por pesquisa exemplar, aquela que dá suporte aos dados da pesquisa. Trata-se de exemplos que dialogam com a fundamentação teórica.

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Afirmando se a cultura do amém na juventude citadina resistia à cultura

ondjangiana, dos 21 alunos, 11 responderam sim, dos 9 professores 4 responderam sim

e dos 2 políticos 0 respondeu sim (conferir tabela d) dos anexos).

Concordando se a cultura é a vida de um povo, dos 21 alunos, 21 responderam

sim; dos 9 professores, 9 responderam sim e dos 2 políticos, 2 responderam sim

(Conferir tabela e) dos anexos).

Atestando se o Ondjango era a expressão da vida dos povos ovimbundu, dos 21

alunos, 21 responderam sim; dos 9 professores, 9 responderam sim e dos 2 políticos, 2

responderam sim (Conferir tabela f) dos anexos).

Assegurando se existe a desvalorização total da cultura ondjangiana pelos povos

ovimbundu, dos 21 alunos, 1 respondeu sim; dos 9 professores, 3 responderam sim e

dos 2 políticos, nenhum respondeu sim (Conferir tabela g) dos anexos).

Depois de analisadas as respostas positivas, observamos as negativas. Assim, vi-

sualizando as respostas negativas das tabelas n. 2, correspondentes às alíneas a), b), c),

d), e), f) e g), entendemos que todas correspondem à oposição do respondido no n. 1.

pelo que, os dados exemplares mostram a necessidade da implantação da cultura

ondjangiana no processo educacional (conferir tabelas 2, alíneas: a.), b.), c.), d.), e.), f),

g.) em anexos dos resultados obtidos na pesquisa). Portanto, o ondjango aparece como

proposta educacional em Angola no quadro da unidade nacional na diversidade cultural

que hoje, mais que nunca, se observa, no nosso país, o diálogo intercultural, ontem

silenciado pelo slogn, “divide para reinar”.

Afinal entendemos que, apesar do reconhecimento do valor do ondjango,

olhando nos limites de que o ondjango é portador, sabendo que a cultura do “amém”

ainda perpassa nas instituições, concluímos que mesmo depois de terminada a guerra

das armas de fogo, ainda se visualiza uma Angola desigual e na cultura do “amém” em

sua realidade multiculturam angolana; entendo que desta cultura do amém pode nascer

uma nova pedagonia ondjangiana que pode contribuir para a reconstrução nacional em

todos os seus âmbitos.

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7 À GUISA DE CONCLUSÃO: QUE-FAZER179?

A partir da reflexão feita resta-nos, apenas, parar nesta pergunta que, de certo

modo, nos remete para o movimento vital em demanda das respostas a perguntas sem

solução acabada.

Quero acreditar que, se verdadeiramente existe aquela necessidade de implantar

a cultura ondjangiana no processo educacional angolano, sobretudo na área do grupo

etnolingüístico ovimbundu, e não só, cultura esta que não só propõe o diálogo como

mola motriz neste processo, como valoriza a vida, na cultura Bantu, com todos os

valores a ela inerentes.

Assim, uma educação popular, conforme no-la propõe Freire, acaba sendo uma

necessidade premente na vida do povo angolano. Trata-se, afinal, de uma educação que

segundo Freire & Nogueira (1991, p.19), implica “esforço de mobilização, organização

e capacitação das classes populares; capacitação científica e técnica”.

E, ainda, na proposta destes autores, o esforço requerido não se devia esquecer

nunca: precisava-se para tal, não o poder, mas a transformação dessa organização

burguesa ou capitalista, presente na sociedade, sobretudo na escola, e Angola não está

longe disso. Que haja a estreita relação entre escola e vida política (ibidem). Neste

sentido, torna-se lapidar o pensamento freiriano quando respondendo a perguntas de

Nogueira, se a educação era uma prática política; e se esta pratica política estava

misturada à tarefa educativa se, se considerar que a sociedade se transformava paulatina 179 Com a expressão, “que-fazer”, remeto-me diretamente aos autores pesquisados, isto é Freire e Nogueira, obra intitulada, “Teoria e Prática em Educação Popular - Que Fazer”. Portanto este nome nos remete à educação popular. O que se diz é que nesta obra encontra-se condensado o pensamento pensante (não pensado!) de Paulo Freire, o maior intérprete e fundador de uma verdadeira ‘pedagogia’ ou de uma autêntica educação emancipatória.

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227

e progressivamente com propostas populares em educação; se era por esse caminho que

se devia enveredar ou não. A estes questionamentos Freire responde, dizendo:

Certo, meu amigo. Agora ... depois que a entendo como mobilização, depois que a entendo como organização popular para o exercício do poder que necessariamente se vai conquistando, depois que entendo essa organização também do saber... compreendo o saber que é sistematizado ao interior de um “saber-fazer” próximo aos grupos populares. Então se descobre que a educação popular tem graus diferentes, ela tem formas diferentes (ibidem, p.19-20).

Assim, a educação, a partir da cultura ondjangiana, não só será um resgate da

cultura, ontem silenciada, como também uma busca de libertação enquanto tarefa

comum e testemunho constante, que implica humildade, coragem, ousadia e sonho.

Angola está ensaiando os passos democráticos. Só com uma cultura popular

afincada será possível trabalhar este processo democrático para que seja menos viciado,

menos, pura cópia ideológico, mais humanidade, mais justiça, mais cidadania, mais... e

mais. Nesta ótica, é importante o ulonga permanente, enquanto, na idéia de Brandão

(2002, p.65),

círculo de diálogo com o outro, com o meu-outro, com os meus-outros. Com aquele e com aqueles com quem, ao viver a suprema aventura humana de criar sentidos, sentimentos, significados e sociabilidades, eu recrio a própria possibilidade de seguir existindo como um ser capaz de atribuir razões de ser e de viver à minha própria existência. Toda a educação cidadã começa por um aprender a sair-de-si-mesmo em direção ao outro.

Este círculo me lembra uma aula de língua portuguesa, reportada por Chassanha,

numa base da guerrilha da UNITA, na província de Kwandu Kuvangu, na qual o

professor era um soldado e os alunos ao seu redor, tinham escrito, no quadro-preto, a

seguinte matéria: “a cultura portuguesa trouxe valores para a cultura angolana e, esta,

por não ter desaparecido, transmitiu também à cultura portuguesa valores. A língua

portuguesa é um valor cultural” (CHASSANHA, 2000, p.9). Assim, na figura que se

segue (fig. 17), podemos verificar as palavras acima citadas.

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Fig. 17. -Educação escolarizada na mata - guerrilha, valorizando a cultura.

Fonte: Chassanha (2000, p.9)

Neste sentido, a inquietação motriz desta dissertação consistiu em refletir se

existe a possibilidade ou não de a leitura freiriana, a memória do mundo da e/ou de vida

e a minha subjetividade (vivida, refletiva e partilhada), para poder revivificar a

originalidade do ondjango na perspectiva educacional emancipatória.

Diante de tal problematização surgiu uma hipótese em cima da qual trabalhamos

para se confirmar ou negar, onde afirmamos provisoriamente, ser possível fazer

acontecer tal itinerário. A idéia foi de atestar a capacidade revivificadora do projeto

ondjangiano sem descurar a multi e interculturalidade angolana e global. Na execução

desta proposta e, utilizando um bom e rico referencial bibliográfico, os diálogos com

Angola (sobas, alunos, professores e políticos), mediatizados por Sebastião (Sebas), ex-

aluno e Alberto (Beto), professor de língua inglesa no PUNIV da Ganda, troca de idéias

e material áudio e vídeo com o presbítero Koteka e as conversas freqüentes com

Geraldo (gandense) a partir da Espanha.

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Com estes meus camaradas, várias dúvidas se esclareceram, inclusive com os

agentes que no terreno respondiam ao questionário, quando não entendessem algo. Eles

recolhiam o material e mo enviavam. É de salientar que os mediadores da pesquisa de

campo trabalharam, também, com pessoas menos letradas e, com elas, realizaram

entrevistas, utilizando o questionário aberto, segundo nossa orientação e a situação

concreta em que eles se encontravam.

Depois de um trabalho árduo de idas e vindas, depois de noites sem sono e de

sono sem sonho; depois de várias leituras, conversas e rememorações da minha

subjetividade no quadro gandense, angolano, africano e mundial; depois de ter lido,

refletido e tabulado os dados exemplares recebidos de um questionário fechado e aberto

enviado à Ganda, mediatizado por Sebas e Beto, enriquecido pelas respostas ao

questionário aberto enviado ao Geraldo; depois de vários olondjango realizados com o

meu grupo de estudo e seminário avançado de pesquisa, animado e orientado pelo

professor Gomercindo Ghiggi e enriquecido pelas duas colegas, Maristel e Amélia, e,

sobretudo, depois de ricas reflexões, no grupo de pesquisa, o FEPráxiS, pelas oportunas

e referenciais discussões científicas e vitais, enriquecedoras e trocas de experiências

com o GAPE, segundo grupo de pesquisa da mesma linha de pesquisa: “Filosofia,

Educação e Práxis Social”, concluímos com a seguinte abordagem:

Na nossa reflexão, achamos o diálgo nas abordagens de Freire, Nunes, Altuna,

Lukamba, etc. Por esta razão, afirmamos que os teóricos utilizados nesta pesquisa, não

se contradizem, pelo contrário, todos apontam para um único fim a humanização dos

desumanizados no resgate e revivificação da cultura no ato da escolarização, e neste

caso concreto na revivificação ondjangiana silenciada e, consequentemente, para uma

pedagogia ondjangiana que parta da cultura do “amém”.

Para isso, a idéia da necessidade de uma educação letrada a partir do ondjango

que vise a leitura da verdadeira palavra e do mundo, torna-se evidente nas palavras de

Viti (2000) que, num pronunciamento público 180, propunha às crianças, à juventude,

aos adultos, aos governantes, aos políticos e aos militares, o “estudo, estudo e estudo”,

porque segundo ele, uma nação de ignorantes, constituía um habitat de cegos,

180 Viti, em vários dos seus pronunciamentos, em Menongue, Huambo, Benguela, Lubango, Namibe, Bié, etc., teve a educação como palavra-chave e slogan. Ele, dia 22 de agosto de 1996, na paróquia de Nossa Senhora da Conceição – Alto da catumbela, município da Ganda, província de Benguela – Angola, numa celebração campal da ordenação presbiteral de vários diáconos, pronunciou-se repetindo com milhares e milhares de pessoas participantes do evento litúrgico, dizendo: “educação, educação, educação”.

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explorados, e na língua dos ovimbundu ou melhor, em umbundu, quem se compromete

com o analfabetismo é comparado a uma galinha cega que remexe a terra, buscando o

alimento para as outras saudáveis que enxergam e comem, que, traduzido, significa:

“Osandji Yomeke Yipayela ava valya”.

Nesta ótica, na pesquisa exemplar realizada na Ganda, nossa idéia era a de

envolver 10 ex-alunos (das turmas iniciais do curso médio - PUNIV), 10 professores

(dos iniciais e dos novos no ensino médio), 10 políticos dos diversos partidos políticos

(conferir anexo 4) e outros 10 compostos por agentes de credos religiosos, Ongs, etc. o

que resultaria a 40 envolvidos no projeto. Mas, por razões alheias à nossa vontade, por

estratégias de ação, pela exigüidade de tempo, pelas dificuldades de comunicação

Ganda/Angola com Pelotas/Brasil e pelos custos que este movimento de idas e voltas

acarreta etc., achamos, por bem, trabalhar só com os resultados cujos dados tínhamos

em posse, perfazendo, assim, 32 agentes envolvidos no referido processo, dos 40

preconizados, sendo: 21 ex-alunos, 9 professores (entre antigos e novos); e 2 políticos.

Minha maior surpresa foi a aderência, fora das expectativas, do número dos ex-alunos

que disparou, de 10 para 21.

Assim, pelos resultados obtidos na pesquisa exemplar (conferir anexo 4),

enriquecida com as respostas aos questionários aplicada ao Geraldo (conferir anexo 5) e

às autoridades tradicionais, menos letradas (conferir capitulo 8) da Ganda, tudo instiga

para a revivificação do ondjango na vida e no processo de escolarização. Este será um

incentivo e diferencial para uma educação no modelo verdadeiramente angolano, já que

até ao presente, não passamos de reprodutores de diversos modelos que nos chegam de

várias partes do mundo.

Estudando os resultados, da pesquisa, através das imagens e dados visíveis, que

tipo de escola, professores, educação se vivencia em Angola, especialmente na Ganda?

O que se tem verificado, infelizmente, é que o quadro geral de Angola. Apesar das

diversas vertentes da reconstrução nacional, ainda se verifica a cultura do “amém”, até

na própria escola onde o estudante se mantém passivo e receptor, o que até certo modo

se justifica como boa, a conduta do aluno angolano. Isto não procede; ainda está

marcado pela educação meramente “bancária”. Apesar de tudo isso, o estudo nos mostra

que nem tudo está perdido. No fundo do túnel se vislumbra uma luz verde, uma

necessidade de uma pedagogia nova. Assim, confirmamos, de boca cheia, tal

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necessidade da rivivificação da pedagogia ondjangiana, que ao lendo a palavra não se

perca de vista a leitura da realidade sociocultural, econômica e política, isto é, a leitura

do mundo que já se fazia a partir da cultura da oralidade com as suas dificuldades.

Confirmamos a hipótese inicial segundo a qual, a leitura freiriana, a memória do

mundo da e/ou de vida e a subjetividade (vivenciada, refletida e partilhada) revivificam

a originalidade ondjangiana na perspectiva educacional emancipatória. Entretanto esta

originalidade do ondjango não pode ser a mesma tal qual se vivenciou ontem, pelo fato

da dimensão dialética que assume.

A cultura ondjangiana, ao tomar consciência das agruras e silêncios sofridos

durante a colonização com todas as invasões que isto implicou, acabou assumindo a

cultura do “amém”, que não significa uma pura obediência cega, mas um ferimento

interior ao invadido, de modo a deixar seqüelas irreparáveis em vida, por essa razão é

que alguns povos étnolingüisticos de Angola, sobretudo os Ovimbundu se fragilizaram

cada vez mais e se tornaram muito dóceis, traidores uns dos outros, corpos dóceis para a

servidão, escravidão, um povo bastante servil e que se vende por um prato de alimento,

etc. Mas, esta tomada de consciência permite, ao invadido, sacrário do “amém”, a

buscar pela cultura ondjangiana escolarizada, sua cidadania negada, subsumindo, da

cultura do invasor, elementos positivos importantes para tal dignidade, cidadania,

liberdade, emancipação e unidade nacional na diversidade cultural. E um dos elementos

unificadores de herdamos do invasor cultural é a língua portuguesa na escolarização

letrada. Porém, esta atitude de subsunção requer coragem, ousadia, transformação e

sonho. Afinal é necessário dormir com a esperança de poder acordar num amanhã

saudável, pois não basta acordar por acordar. Silenciosamente dormíamos sempre e

sempre acordávamos, sem esperança de sobrevivermos acordados.

A terminar, deixo marcada nos anais da história, uma mensagem que os lábios

não conseguem expressar e cantar, os pés, dançar; as mãos, presentear; o corpo, sentir; a

cabeça, pensar; o coração, palpitar, etc.; uma mensagem que a consciência crítica possa

reconhecer cotidianamente os direitos dos homens e das mulheres do nosso mundo e,

por eles lutar, ousar, sonhar e trabalhar; mensagem expressa nas palavras douradas que

Drummond (1963, p.117) nos oferece na estrofe de um poema que diz:

Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro.

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Estou preso à vida e olho meus companheiros Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, Não distribuirei entorpecentes ou carta suicida, Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, O tempo presente, Os homens presentes, A vida presente.

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ANEXOS

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Fig. 1 Mapa de Angola, ilustrando as províncias, os limites com outros países. Fonte: Peterson, 1983 – NB: Todas as imagens – mapas têm a mesma fonte e foram re-configuradas pelo pesquisador, julho/2006.

– Cidades mais importantes de Angola. 0 – Cidade capital de Angola. 0 – Águas de Angola (Mar e Rios). 0 – Município da Ganda - Espaço de minha pesquisa. 0 – Cidades capitais das províncias. 0 - Cidades de referência em cada província.

CUNENE CUNENE

HUÍLA NAMIBE

CUANDO CUBANGO

MOXICO

LUNDA SUL

LUNDA NORTE

MALANGE CUANZA SUL

CUANZA NORTE LUANDA

BENGUELA

HUAMBO

BIÉ

UÍGE ZAÏRE

BENGO

CABINDA

LOBITO

CUBALGANDA

BALOMBO

LUANDA

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Fig, 2 – Memorandum de entendimento para a Paz em Angola. Coodrnador/Investigador de Accord na International review of peace initiatives.

O General das FAA, Armando da Cruz Neto (à direita) e o General das FMU, Abreu Muengo Ukwachitembo ‘Kamorteiro’ assinam o Memorando de Entendimento, em 4 de Abril de 2002. FONTE: GRIFFITHS, Aaron. Memorandum de entendimento de Lwena; in, http://www.cr.org/accord/ang/accord15_port/04.shtml, acesso 04/02/ 2005.

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Fig. 3 – Crianças estudando ao ar livre, sem estrutura física escolar que permita a concentração. - Município da Ganda - Benguela

Fig. 4 – Escola em péssimas condições – na Ganda.

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Fig. 5 – Duas professoras em turmas diferentes, próximas uma das outras dando aulas em condições precárias, que em nada ajuda para a aprendizagem e outras crianças brincando ao lado das duas turmas. – Ganda.

Fig. 6 - Professora dando aulas escrevendo na parede, utilizando-o como se fosse quadro preto. – Ganda.

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Fig. 7. – Mapa do reparto da África, acontecida na Conferência de Berlim e os

Países que Ficaram com Portugal, resultado desta divisão.

Fonte: Peterson, 1983 (só imagem formatação adaptada pelo pesquisador). Fig. 8. – África no Centro das atenções do mundo.

Fonte: Peterson, 1983 (só imagem formatação adaptada pelo pesquisador).

ANGOLA

MOÇAMBIQUE

GUINÉ BISSAU

CABO VERDE

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE

ÁFRICA

ANGOLA

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Fig. 9. – Mapa da África que localiza o Lago Tchad, onde provavelmente teriam originados os Bantu, os países africanos de língua portuguesa e os países que fazem fronteira com Angola, em Azul

Fonte: Sá & Souza (2004).

Fig. 10. – Mapa já configurado da África, localizando os países vizinhos ou grupos lingüísticos da África.

Fonte: Sá & Souza (2004).

ANGOLA

ANGOLA 1975

CONGO 1960 REP. DEM.

do CONGO 1960

NAMIBIA 1990

ZÂMBIA 1964

SÃO TOMÉ E PRINCIPE 1975

GUINÉ BISSAU 1974

MOÇAMBIQUE 1975

CABO VERDE 1975

TCHAD 1960

SUDÃO

TCHAD

NIGÉRIACAMARÕES

Rep. Dem. do CONGO

SENEGAL

UGANDA

NÍGER

BENIM GHANA

COSTA DE MARFIM

TOGO

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Fig. 11.- Mapa que traz à tona o grupo maciço e uniforme das línguas Bantu e seus países. Os dois países em vermelho, supostas países origens do Bantu.

Fonte: Sá & Souza (2004).

UGANDA

RWANDA

BURUNDI

QUÊNIA

TANZÂNIA

ZÂMBIA MOÇAMBIQUE

REP. DEM. do CONGO

ZIMBABWE

ÁFRICA DO SUL

ANGOLA

GABÃO

CAMARÕES

REP. do CONGO

TCHAD

BOTSWANA NAMÍBIA

LESOTHO

MALAWI

SUDÃO

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Fig. 12. – O solo angolano semeado de minas antí-pessoal e anti-tanques.

Fonte: Sá & Souza (2004).

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Fig.13. Aqui verificamos a Mulher e filho no colo. A guerra trouxe para Angola várias conseqüências nefastas, entre elas, as doenças e epidemias agudas, a mal-nutrição, etc.

Fonte: Sá & Souza (2004).

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Fig. 14 – Mapa dos Grupos etnolingüísticos Bantu de Angola Fonte: Instituto de Geodesia 183 e Cartografia de Angola, Mapa etnolingüístico de Angola, (adaptado por Martinho Kavaya). 183 Geodesia é a ciência que se ocupa da forma e das dimensões da Terra, ou duma parte da sua superfície. De geodésia significa, Arte de medir e dividir as terras.

Bakongo Kikongo

Bakongo Kikongo

Ambundu Kimbundu

Ovimbundu Umbundu

Tutchokwe Tchokwe

Vangangela Ngangela

Tutchokwe Tchokwe

Vangangela Ngangela

Ovandongo Oshindonga

Ovakwanyama Oshikwanyama

Vakankala Kankala

Vakankala Kankala

Vakankala Kankala

Vaka

nkal

a K

anka

la

Vakankala Kankala

Vaka

nka

la

Kan

kal

Ovanyaneka olunyaneka

Ova

hele

lo

Osh

ihel

elo

kwis

i

kwisi

kwisi kwisi

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Fig. 15 – O Sonho de Angola adiado por vários anos – Sá & Souza (2004).

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Fig. 16 - Novo sonho de Angola – Sá & Souza (2004)

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Fig. 17 – Visualização de uma das imagens dos alfabetizados angolanos, proposta salazarista, todos uniformizados.

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Fig. 18. – Foto de Antônio Agostinho Neto, 1º Presidente de Angola.

Fig. 19. – Foto de Jonas Malheiro Savimbi – Ex-Lideres de oposição que preferiu morrer em frente de combate, a render-se.

Fig. 20. – Foto de Olden Roberto único vivo dos três líderes que negociaram com autoridades portuguesas os Acordos de Alvor. Fundador da FNLA, a 13/03/1961 – movimento que com outros desencadearam a luta armada contra o colonialismo.

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Fig. 21. – Logomarca da segurança portuguesa (PIDE). Polícia Internacional para a Defesa do Estado.

Distintivo da Direção Geral de Segurança - PIDE

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QUADROS Quadro 1. - Pirâmide interativa vital, segundo Altuna (1993, p.61):

Mundo Invisível

Mundo Visível

Deus: Fonte da vida Fundador do primeiro clã humano Fundadores de grupos primitivos Heróis. Espíritos – gênios Antepassados qualificados: chefes, caçadores, guerreiros, especialistas da magia. Antepassados da comunidade.

Chefe: de Reino, Tribo, Clã, Família. Especialistas da magia Anciãos A Comunidade A pessoa Humana: Centro da Pirâmide Animais Vegetais Mundo inorgânico Fenômenos naturais Astros

Forças Pessoais

Forças Impessoais

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Quadro 2. – Etnias primitivas não Bantu representadas em Angola Fernando & Ntondo (2002, p.28).

1. – Povos não negros e não 2. – Povos não Bantu

Designados por pré-bantu.

Quadro 3. – Línguas Não - Bantu Faladas em Angola Fernando & Ntondo (2002, p.28).

• Khoisan:

Hotentote (Khoi)

Kankala (San) • Vátwa

Grupo Khoisan

Vakankala (Kamusekele ou Bosquemane) Hotentote (ou Kede)

Grupo Vátwa ou Kuroka

Ovakwandu (ou Kwisi) Ovakwepe (ou Kwepe)

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Quadro 4. – Grupos Etnolingüísticos Bantu de Angola e Suas respectivas Línguas , segundo Fernando & Ntondo (2002, p.28).

Grupo Etnolingüístico Língua • Tutchokwe Tchokwe • Ambundu Kimbundu • Bakongo Kikongo • Vangangela Ngangela • Ovanyaneka – Nhkumbi Olunyaneka • Ovahelelo Otchihelelo • Ovambo

• Ovimbundu Umbundu

Quadro 5. – Os Povos de Angola , segundo Fernando & Ntondo (2002, p.113).

1. Povos não negros e não Bantu – Grupo Khoisan

2. Povos não Bantu designados – Grupos Vátwa ou Kuroka184

184 Kuroka: Trata-se de uma designação que provém do rio Kuroka por habitarem esta região.

Oshikwanyama Oshindonga

Vakankala (Kamusekele ou Bosquemane) Hotentote (ou Kede)

Ovakwandu (ou Kwisi) Ovakwepe (ou Kwepe)

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3. Povos negros - Bantu. 4. Europeus

Quadro 5. – Línguas angolanas , segundo Fernando & Ntondo (2002, p.114).

1. Línguas Não Bantu • Khoisan;

Hontetote (Khoi) Kankala (San)

• Vátwa

2. Línguas Bantu: • Tchokwe • Kikongo • Kimbundu • Ngangela • Olunyaneka • Otchihelelo • Oshiwambo:

Oshikwanyama Oshindonga

• Umbundu

3. Língua Neolatina: • Língua Portuguesa

Tutchokwe Ambundu Bakongo Vangangela Ovanyaneka – Nkhumbi Ovahelelo Ovandonga Ovambo Ovimbundu

Descendentes de Portugueses

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Quadro 6. - Grupo etnolingüístico umbundu, seus subgrupos, províncias de afluência lingüística, influências noutras províncias, suas variantes e reinos destas províncias – Fonte: da criação do autor.

POVO BANTU DO CENTRO – SUL DE ANGOLA

GRUPO ETNOLINGÜÍSTICO UMBUNDU:

1. Subgrupos:

• Vavyeno, Vambalundu, Vasele, Vasumbi, Vambwi, Vatchisandji, Valumbu, Vandombe, Vahanha, Vanganda, Vatchiyaka, Vawambu, Vasambu, Vakakonda e vatchicuma.

2. Províncias de afluência lingüística:

• Viye (Bié); Wambo (Huambo) e Bengela (Benguela). 3. Grandes influências do umbundu noutras províncias:

• Grandes influências são notórias em outras províncias vizinhas, tais como: a província de Namibe; a parte Noroeste da província do Kwandu Kuvangu (Kwandu Kubangu); uma parte da província da Wila (Uíla - Lubango) e parte da província de Kwanza Sul.

4. Variantes Umbundu:

• Ambwi, Vatchisandji, Vakakonda, valumbu, Vambalundu, vahanha, Vandombe, Vanganda, Vasambu, Vasele, Vasumbi, Vaviye, Vatchikuma e Vawambu.

5. Reinos:

• Mbalundu, Viye, Wambu, Tchiyaka, Ngalangi, Ndulu.

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I Série – N. 65 - Segunda feira, 31 de Dezembro de 2001.

DIÁRIO DA REPÚBLICA ORGÃO OFICIAL DA REPÚBLICA DE ANGOLA

LEI DE BASES DO SISTEMA DE EDUCAÇÃO

CAPÍTULO I Definição, Âmbito e

objectivos

Artigo 1º. (Definição)

1. A educação constitui um processo que visa preparar o indivíduo para as exigências da vida política, econômica e social do País e que se desenvolve na conveniência humana, no círculo familiar, nas relações de trabalho, nas instituições de ensino e de investigação científico-técnica, nos órgãos de comunicação social, nas organizações comunitárias, nas organizações filantrópicas e religiosas e através de manifestações culturais e gimno-desportivas.

2 -O sistema de educação é o conjunto de estruturas e modalidades, através das quais se realiza a educação, tendentes à formação harmoniosa e integral do indivíduo, com vista à construção de uma sociedade livre, democrática, de paz e progresso social.

Artigo 2º. (Âmbito)

1 - O sistema de educação assenta-se na Lei Constitucional, no plano nacional e nas experiências acumuladas e adquiridas em nível internacional.

2 - O sistema de educação desenvolve-se em todo o território nacional e a definição da sua política é da exclusiva competência do Estado, cabendo ao Ministério da Educação e Cultura a sua coordenação. 3 -As iniciativas de educação podem pertencer ao poder central e local do Estado ou a outras pessoas singulares ou colectivas, públicas ou privadas, competindo ao Ministério da Educação e Cultura a definição das normas gerais de educação, nomeadamente nos seus aspectos pedagógicos e técnicos, de apoio e fiscalização do seu cumprimentei e aplicação. 4 - O Estado Angolano pode, mediante processos e mecanismos

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integrar no sistema de educação os estabelecimentos aptos nos países onde seja expressiva a comunidade angolana, respeitando o ordenamento jurídico do país hospedeiro.

Artigo 3º. (Objetos gerais)

São objetivos gerais da educação:

a).desenvolver harmoniosamente as capacidades físicas, intelectuais, morais, cívicas, estéticas e laborais da jovem geração, de maneira contínua e sistemática e elevar o seu nível científico, técnico e tecnológico, a fim de contribuir paia o desenvolvimento sócio econômico do país;

b) formar o indivíduo capaz de compreender os problemas nacionais, regionais e internacionais de forma crítica e construtiva para a sua participação activa na vida social, à luz dós princípios democráticos; c) promover o desenvolvimento da consciência pessoal e social dos indivíduos em geral e da jovem geração em particular, o respeito pelos valores e símbolos nacionais, pela dignidade humana, pela tolerância e cultura de paz, a unidade nacional, a preservação do ambiente e a conseqüente melhoria da qualidade de vida; d) fomentar o respeito devido aos indivíduos e aos superior e interesses da nação angolana na promoção do direito e respeito à vida, à liberdade e à integridade pessoal; e) desenvolver o espírito de solidariedade entre os povos em atitude de respeito pela

diferença de outrem, permitindo uma saudável integração no mundo.

CAPÍTULO II Princípios Gerais

Artigo 4º. (Integridade)

O sistema de educação é integral, pela correspondência entre os objectivos da formação e os de desenvolvimento do País e que se materializam através da unidade dos objectivos, conteúdos e métodos de formação, garantindo a articulação horizontal e vertical permanente dos subsistemas, níveis e modalidades de ensino.

Artigo 5º. (Laicidade)

0 sistema de educação é laico pela sua independência de qualquer religião.

Artigo 6º. (Democraticidade)

A educação tem carácter democrático pelo que, sem qualquer distinção, todos os cidadãos angolanos têm iguais direitos no acesso e na freqüência aos diversos níveis de ensino e de participação na resolução dos seus problemas.

Artigo 7º. (Gratuitidade)

1 - Entende-se por gratuitidade a isenção de qualquer pagamento pela inscrição, assistência às aulas e o material escolar.

2 - O ensino primário é gratuito, quer no subsistema de ensino geral, quer no subsistema de educação de adultos.

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3 - O pagamento da inscrição, da assistência às aulas, do material escolar e do apoio social nos restantes níveis de ensino, constituem encargos para os alunos, que podem recorrer, se reunirem as condições exigidas, à bolsa de estudo interna, cuja criação e regime devem ser regulados por diploma próprio. 4 Ensino primário é obrigatório para todos os indivíduos que freqüentem o subsistema do ensino geral.

Artigo 9º. (Língua)

1 - O ensino nas escolas é ministrado em língua portuguesa. 2 - O Estado promove e assegura as condições humanas, científico-técnicas, materiais e financeiras para a expansão e a generalização da utilização e do ensino de línguas nacionais. 3 - Sem prejuízo do n. 1 do presente artigo, particularmente no subsistema de educação de adultos, o ensino pode ser ministrado nas línguas nacionais.

CAPÍTULO III

Organização do Sistema de Educação

SECÇÃO I Estrutura do Sistema de Educação

Artigo 10o. (Estrutura)

1 - A educação realiza-se através de um sistema unificado, constituído pelos seguintes subsistemas de ensino:

a) subsistema de educação pré-escolar; b) subsistema de ensino geral; c) subsistema de ensino técnico-profissional; d) subsistema de formação de professores; e) subsistema de educação de adultos; f) subsistema de ensino superior

2 O sistema de educação estrutura-se em três níveis:

a) primário; b) secundário; c) superior.

4 - No domínio da formação de quadros para vários sectores econômicos e sociais do País, sob a responsabilidade dos subsistemas do ensino técnico-profissional e da formação de professores, a formação média, técnica e normal corresponde ao II ciclo do ensino secundário, com a duração de mais um ano dedicado à profissionalização, num

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determinado ramo com carácter terminal.

SECÇÀOII Subsistema de Educação Pré-Escolar

SUBSECÇÃO I Definição, Objectivos, Estrutura, Coordenação Administrativa e Pedagógica

Artigo 11º. (Definição)

O subsistema de educação pré-escolar é a base da educação, cuidando da primeira infância, numa fase da vida em que se devem realizar as acções de condicionamento e de desenvolvimento psico-motor.

Artigo 12º. (Objectivos)

São objectivos do subsistema de educação pré-escolar:

a) promover o desenvolvimento intelectual, físico, moral,estético e afectivo da criança, garantindo-lhe um estado sadio por forma a facilitar a sua entrada no subsistema de ensino geral;

b) permitir uma melhor integração e participação de crianças através da observação e compreensão do meio natural, social e cultural que a rodeia; c) desenvolver as capacidades de expressão, de comunicação, de imaginação criadora e estimular a actividade lúdica da criança.

Artigo 13º. (Estrutura)

1- A educação pré-escolar estrutura-se em dois ciclos: a) creche; b) jardim infantil.

2- A organização, estrutura e funcionamento destes ciclos é objecto de regulamentação própria.

SECÇÃO III Subsistema de Ensino Geral

SUBSECÇÃO I Definição, objectivos e Estrutura.

Artigo 14º. (Definição)

O subsistema de ensino geral constitui o fundamento do sistema de educação para conferir uma formação integral, harmoniosa e uma base sólida e necessária à continuação de estudos em subsistemas subseqüentes.

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Artigo 15º. (Objectivos)

São objectivos gerais do subsistema de ensino: a) conceder a formação integral e homogênea que permita o desenvolvimento harmonioso das capacidades intelectuais, físicas, morais e cívicas; b) desenvolver os conhecimentos e as capacidades que favoreçam a auto-formação para um saber-fazer eficazes que se adaptem às novas exigências; c) educar a juventude e outras camadas sociais de forma a adquirirem hábitos e atitudes necessários ao desenvolvimento da consciência nacional; d) promover na jovem geração e noutras camadas sociais o amor ao trabalho e potenciá-las para uma actividade laboral socialmente útil e capaz de melhorar as suas condições de vida.

Artigo 16 (Estrutura)

1- O subsistema de ensino geral estrutura-se em: a) Ensino primário; b) Ensino secundário.

SUBSECÇÃO II

Definição e Objectivos do Ensino Primário

Artigo 17º. (Definição)

O ensino primário, unificado por seis anos, constitui a base do ensino geral, tanto para a educação regular como para a educação de adultos e é ponto de partida para os estudos a nível secundário.

Artigo 18º. (Objectivos)

São objectivos específicos do ensino primário:

a) desenvolver e aperfeiçoar o domínio da comunicação e da expressão; b) aperfeiçoar hábitos e atitudes tendentes à socialização; c) proporcionar conhecimentos e capacidades de desenvolvimento das faculdades mentais; d) estimular o espírito estético com vista ao desenvolvimento da criação artística; e) garantir a prática sistemática de educação física e de actividades gimno-desportivas para o aperfeiçoamento das habilidades psico-motoras.

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SUBSECÇÃO III

Definição e Objectivos do Ensino Secundário Geral

Artigo 19º. (Definição)

O ensino secundário, tanto para a educação de jovens, quanto para a educação de adultos, como para a educação especial, sucede ao ensino primário e compreende dois ciclos de três classes:

a) o ensino secundário do 1º. ciclo que compreende as 7ª. 8ª. e 9ª. classes; b) o ensino secundário do 2º. ciclo, organizado em áreas de conhecimentos de acordo com a natureza dos cursos superiores a que dá acesso e que compreende as 10ª., 11ª. e 12ª. classes.

Artigo 20º. (Objectivos)

1 - São objectivos específicos do 1º. ciclo:

a) consolidar, aprofundar e ampliar os conhecimentos e reforçar as capacidades, os hábitos, as atitudes e as habilidades adquiridas no ensino primário; b) permitir a aquisição de conhecimentos necessários ao prosseguimento dos estudos em níveis de ensino e áreas subseqüentes. 2 - São objectivos específicos do 2a ciclo:. a) preparar o ingresso no mercado de trabalho e/ou no subsistema de ensino superior; b) desenvolver o pensamento lógico e abstracto e a capacidade de avaliar a aplicação de modelos científicos na resolução de problemas da vida prática c) ensino geral, tanto para a educação regular como para a educação de adultos e é ponto de partida para os estudos a nível secundário.

Artigo 18º. (Objectivos)

São objectivos específicos do ensino primário:

a) desenvolver e aperfeiçoar o domínio da comunicação e da expressão; b) aperfeiçoar hábitos e atitudes tendentes à socialização; c) proporcionar conhecimentos e capacidades de desenvolvimento das faculdades mentais; d) estimular o espírito estético com vista ao desenvolvimento da criação artística; e) garantir a prática sistemática de educação física e de actividades gimno-desportivas para o aperfeiçoamento das habilidades psico-motoras.

SUBSECÇÃO III

Definição c Objectivos do Ensino Secundário Geral

Artigo 19º. (Definição)

O ensino secundário, tanto para a educação de jovens, quanto para a educação de adultos, como para a educação especial, sucede ao ensino primário e compreende dois ciclos de três classes:

a) o ensino secundário do 1º. ciclo que compreende as 1ª. 8ª. e 9ª. classes;

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b) o ensino secundário do 2o.ciclo, organizado em áreas de conhecimentos de acordo com a natureza dos cursos superiores a que dá acesso e que compreende as 10ª., 11ª. e 12ª. classes.

Artigo 20º. (Objectivos)

1 - São objectivos específicos do 1º. ciclo:

a) consolidar, aprofundar e ampliar os conhecimentos e reforçar as capacidades, os hábitos, as atitudes e as habilidades adquiridas no ensino primário;

b) permitir a aquisição de conhecimentos necessários ao prosseguimento dos estudos em níveis de ensino e áreas subseqüentes. 2 - São objectivos específicos do 2º. ciclo:.

a) preparar o ingresso no mercado de trabalho e/ou no subsistema de ensino superior; desenvolver o pensamento;

SECÇÃOIV Subsistema de Ensino Técnico-Profissional

SUBSECÇÃO I

Definição, Objectivos e Estrutura

Artigo 21º. (Definição)

O subsistema de ensino técnico-profissional é a base da preparação técnica e profissional dos jovens e trabalhadores começando, para o efeito, após o ensino primário.

Artigo 22o.. (Objectivos)

É objectivo fundamental do subsistema de ensino técnico-profissional a formação técnica e profissional dos jovens em idade escolar, candidatos a emprego e trabalhadores, preparando-os para o exercício de uma profissão ou especialidade, por forma a responder às necessidades do País e à evolução tecnológica.

Artigo 23o. (Estrutura) 0 subsistema de ensino técnico-profissional compreende:

a) formação profissional básica; b) formação média-técnica.

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SUBSECÇÃO II

Formação Profissional Básica Artigo 24o. (definição)

1 - A formação profissional básica é o processo através do qual os jovens e adultos adquirem e desenvolvem conhecimentos gerais e técnicos, atitudes e práticas relacionadas directamente com o exercício duma profissão. 2 - A formação profissional básica visa a melhor integração do indíviduo na vida activa, podendo contemplar vários níveis e desenvolver-se por diferentes modalidades e eventualmente complementar a formação escolar no quadro da educação permanente. 3 - A formação profissional básica realiza-se após a 6â classe nos centros de formação profissional públicos e privados. 4 - A formação profissional básica rege-se por diploma próprio.

SUBSECÇÃO III Formação Média-Técnica

Artigo 25o (Definição c Objectivos)

1 - A formação média-técnica consiste na formação técnico-profissional dos jovens e trabalhadores e visa proporcionar aos alunos conhecimentos gerais e técnicos para os diferentes ramos da actividade econômica e social do País, permitindo-lhes a inserção na vida laborai e mediante critérios, o acesso ao ensino superior.

2 - A formação média-técnica realiza-se após a 9a classe com a duração de quatro anos em escolas técnicas. 3 - Pode-se organizar formas intermédias de formação técnico profissional após a 12ª. classe do ensino geral com a duração de um a dois anos de acordo com a especialidade.

SECÇÂOV Subsistema de Formação de Professores

SUBSEÇÃO 1 Definição, Objectivos e Estrutura

Artigo 26º. (Definição)

1. O subsistema de formação de professores consiste em formar docentes para a educação pré-escolar e para o ensino geral, nomeadamente a educação regular, a educação de adultos e a educação especial.

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2. Este subsistema realiza-se após a 9a classe com duração de quatro anos em escolas normais e após estes em escolas e institutos superiores de ciências de Educação. 3. Pode-se organizar formas intermédias de formação de professores após a 91 e a 12â classes, com a duração de um a dois anos, de acordo com a especialidade.

Artigo 27º. (Definição)

São objectivos do subsistema de formação de professores:

a) formar professores com o perfil necessário à materialização integral dos objectivos gerais da educação;

b) formar professores com sólidos conhecimentos científico-técnicos e uma profunda consciência patriótica de modo a que assumam com responsabilidade a tarefa de educar as novas gerações; c) desenvolver acções de permanente actualização e aperfeiçoamento dos agentes de educação.

Artigo 28º. (Estruturas)

O subsistema de formação de professores estrutura-se em:

a) formação média normal, realizada em escolas normais; b) ensino superior pedagógico realizado nos institutos e escolas superiores de ciências de educação.

SUBSECÇÃO II

Formação Média Normal

Artigo 29o. (Definição)

A formação média normal destina-se à formação de professores de nível médio que possuam à entrada a 9ª. classe do ensino geral ou equivalente e capacitando-os a exercer actividades na educação pré-escolar e a ministrar aulas no ensino primário, nomeadamente a educação regular, a educação de adultos e a educação especial.

SUBSECÇÃO III

Ensino Superior Pedagógico

Artigo 30º. (Definição)

1. O ensino superior pedagógico destina-se à formação de professores de nível superior, habilitados para exercerem as suas funções, fundamentalmente no ensino secundário e eventualmente na educação pré-escolar e na educação especial.

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2. Este ensino destina-se também à agregação pedagógica para os professores dos diferentes sub-sistemas e níveis de ensino, provenientes de instituições não vocacionadas para a docência.

SECÇÃOVI

Subsistema de Educação de Adultos

SUBSECÇÃO I Definição, Objectivos e Estrutura

Artigo 31º. (Definição)

1. O subsistema de educação de adultos constitui um conjunto integrado e diversificado de processos educativos baseados nos princípios, métodos e tarefas da pedagogia e realiza-se na modalidade de ensino directo e/ou indirecto.

2. O subsistema de educação de adultos visa a recuperação do atraso escolar mediante processos e métodos educativos intensivos, estrutura-se em classes e realiza-se em escolas oficiais, particulares, de parceria, nas escolas polivalentes, em unidades militares, em centros de trabalho e em cooperativas ou associações agro-silvo-pastoris, destinando-se à integração sócio-educativa e econômica do indivíduo a partir dos 15 anos de idade.

Artigo 32º. (Objectivos específicos)

São objectivos específicos do subsistema de educação de adultos:

a) Aumentar o nível de conhecimentos gerais mediante a eliminação do analfabetismo juvenil e adulto, literal e funcional;

b) Permitir a cada indivíduo aumentar os seus conhecimentos e desenvolver potencial idades, na dupla perspectiva de desenvolvi mento integral do homem e da sua participação activa no desenvolvimento social, econômico e cultural, desenvolvendo a capacidade para o trabalho através de uma preparação adequada às exigências da vida activa; c) Assegurar o acesso da população adulta à educação, possibilitando-lhes a aquisição de competências técnico-profissionais para o crescimento econômico e o progresso social do meio que a rodeia, reduzindo as disparidades existentes em matéria de educação entre a população rural e a urbana numa perspectiva do gênero; d) Contribuir para a preservação e o desenvolvimento da cultura nacional, a protecção ambiental, a consolidação da paz, a reconciliação nacional, a educação cívica, cultivar o espírito de tolerância e respeito pelas liberdades fundamentais; e) Transformar a educação de adultos num pólo de atracção e de desenvolvimento comunitário e rural integrados, como factor de actividade sócio-económica e para a criatividade do indivíduo.

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Artigo 33º. (Estrutura)

1. O subsistema de educação de adultos estrutura-se em:

a) Ensino primário que compreende a alfabetização e a pós alfabetização; b) Ensino secundário que compreende os 1º. e 2º. ciclos. 2. Os 1º. e 2º. ciclos do ensino secundário organizam-se nos moldes previstos nos n. 1 e 2, respectivamente, do artigo 20º. da presente lei. 3. O subsistema de educação de adultos tem uma organização programática, de conteúdos e de metodologias de educação e de avaliação, bem como duração adequada às características, necessidades e aspirações dos adultos.

Artigo 34º.

(Regulamentação)

O subsistema de educação de adultos obedece a critérios a serem estabelecidos por regulamentação própria.

SECÇÃO. VII

Subsistema de Ensino Superior

SUBSECÇÃO I

Definição, Objectivos e Estruturas

Artigo 35º. (Definição)

O subsistema de ensino superior visa a formação de quadros de alto nível para os diferentes ramos de actividade econômica e social do País, assegurando-lhe uma sólida preparação científica, técnica, cultural e humana.

Artigo 36º. (Objectivos)

São objectivos do subsistema de ensino superior:

a) preparar os quadros de nível superior com formação científico-técnica e cultural num ramo ou especialidade correspondente a uma determinada área do conhecimento;

c) a formação em estreita ligação com a investigação científica, orientada para a

solução dos problemas postos em cada momento pelo desenvolvimento do País e inserida no processo dos progressos da ciência, da técnica e da tecnologia;

d) preparar e assegurar o exercício da reflexão crítica e da participação na produção, e) realizar cursos de pós-graduação ou especialização para a superação científico

técnica dos quadros do nível superior em exercício nos distintos ramos e sectores da sociedade;

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281

e) promover a pesquisa e a divulgação dos seus resultados para o enriquecimento e o desenvolvimento multifacético do país.

Artigo 37º. (Estrutura)

O subsistema do ensino superior estrutura-se em:

a) graduação; b) pós-graduação

Artigo 38º. (Graduação)

1. A graduação estrutura-se em: a) bacharelato; b) licenciatura.

2. O bacharelato corresponde a cursos de ciclo curto, com a duração de três anos e tem por objectivo permitir ao estudante a aquisição de conhecimentos científicos e experimentais para o exercício de uma actividade prática no domínio profissional respectivo, em área a determinar, com carácter terminal;

3. A licenciatura corresponde a cursos de ciclo longo, com a duração de quatro a seis

anos e tem como objectivo a aquisição de conhecimentos, habilidade e práticas fundamentais dentro do ramo do conhecimento respectivamente a subseqüente formação profissional ou acadêmica específica.

Artigo 39º. (Pós-graduação)

1. Após-graduação tem duas categorias:

a) pós-graduação acadêmica; b) pós-graduação profissional.

2. A pós-graduação acadêmica tem dois níveis: a) mestrado; b) doutoramento.

3. A pós-graduação profissional compreende a especialização. 4. O mestrado com a duração de dois a três anos, tem como objectivo essencial o

enriquecimento da competência técnico-profissional dos licenciados. 5. A especialização corresponde a cursos de duração mínima de um ano e tem por

objectivo o aperfeiçoamento técnico profissional dos licenciados. 6. O doutoramento, com a duração de quatro a cinco anos, visa proporcionar formação

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282

científico-tecnológica ou humanista, ampla e profunda aos candidatos diplomados em curso de licenciatura e/ou mestrado.

SUBSECÇÃO II

Tipo de Instituição e

Investigação Científica

Artigo 40º. (Tipo de instituições de ensino)

As instituições de ensino classificam-se nas seguintes categorias:

a) universidades;

b) academias;

c) institutos superiores

d) escolas superiores.

Artigo. 41º.(Investigação científica)

1. O Estado fomenta e apóia as iniciativas à colaboração entre entidades públicas e privadas no sentido de estimular o desenvolvimento da ciência, da técnica e da tecnologia.

2. O Estado deve criar condições para a promoção de investigação científica e para a realização de actividades de investigação no ensino superior e nas outras instituições vocacionadas para o efeito.

Artigo 42º. (Regulamentação)

O subsistema de ensino superior rege-se por diploma próprio.

SECÇÃOVIII

Modalidades de Ensino

SUBSECÇÃO I A Educação Especial

Artigo 43º. (Definição)

A educação especial é uma modalidade de ensino transversal, quer para o subsistema de ensino geral, como para o subsistema da educação de adultos, destinada aos indivíduos com necessidades educativas especiais, nomeadamente deficientes-motores, sensoriais, mentais, com transtornos de conduta e trata da prevenção, da recuperação e integração sócio-educativa e socioeconômica dos mesmos e dos alunos super dotados.

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283

Artigo 44º. (Objectivos específicos)

Para além dos objectivos do subsistema de ensino geral, são objectivos específicos da educação específicos:

a) Desenvolver as potencialidades físicas e intelectuais reduzindo as limitações

provocadas pelas deficiências; b) Apoiar a inserção familiar, escolar e social de crianças e jovens deficientes ajudando

na aquisição de estabilidade emocional; c) Desenvolver as possibilidades de comunicação; d) Desenvolver a autonomia de comportamento a todos os níveis em que esta se possa

processar; e) Proporcionar uma adequada formação pré-profissional e profissional visando a

integração a vida activa; f) Criar condições para o atendimento dos alunos super dotados.

Artigo 45º. (Organização)

A educação é ministrada em instituições do ensino geral, da educação de adultos ou em instituições específicas de outro sector da vida nacional cabendo, neste último caso, ao Ministério da Educação e Cultura a orientação pedagógica, andragogógica e metodológica.

Artigo 46º. (Condições educativas)

Os recursos educativos para a educação especial estão sujeitos às peculiaridades e características científico-técnicos desta modalidade de ensino e adaptadas às características da população alvo.

Artigo 47º. (Regulamentação)

A educação especial rege-se por diploma próprio.

SUBSECÇÃO II

Educação Extra-Escolar

Artigo 48º. (Organização)

As actividades extra-escolares são realizadas pelos órgãos centrais e locais da administração do Estado e empresas em colaboração com as organizações sociais e de utilidade pública, cabendo ao Ministério da Educação e Cultura o papel reitor.

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284

Artigo 49º. (Objectivos)

1. A educação extra-escolar realiza-se no período inverso ao das aulas e tem como objectivo permitir ao aluno o aumento dos seus conhecimentos e o desenvolvimento harmonioso das suas potencialidades, era complemento da sua formação escolar.

2. A educação extra-escolar realiza-se através de actividades de formação vocacional, de orientação escolar e profissional, da utilização racional dos tempos livres, da actividade recreativa e do desporto escolar.

Artigo 50º. (Regulamentação)

A educação extra-escolar rege-se por diploma próprio.

CAPÍTULO IV

Regime de Freqüência e Transição

Artigo 51º. (Educação pré-escolar)

1. À educação pré-escolar têm acesso as crianças cuja idade vai até aos seis anos. 2. As crianças que até aos cinco anos de idade não tenham beneficiado de qualquer

alternativa educativa dirigida à infância, devem freqüentar a classe de iniciação.

Artigo 52º.

(Ensino geral, educação de adultos e formação média técnica e normal)

Os regimes gerais de freqüência e transição no ensino geral, na educação de adultos, na formação média técnica e normal pelas suas peculiaridades e características da população alvo são objecto de regulamentação própria.

Artigo 53º. (Ensino superior)

1. Têm acesso ao ensino superior os candidatos que concluam com aproveitamento o ensino médio geral, técnico ou normal, ou o equivalente e façam prova de capacidade para a sua freqüência, de acordo com os critérios a estabelecer.

2. Os regimes gerais de freqüência e transição no ensino superior são objecto de regulamentação própria.

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285

CAPÍTULO V Recursos Humanos - Materiais

Artigo 54º. (Agentes de educação)

1. É assegurado aos agentes de educação o direito à formação permanente através dos mecanismos próprios, com vista à elevação do seu nível profissional, cultural e científico.

2. Os agentes de educação são remunerados e posicionados na sua carreira de acordo com as suas habilitações literárias e profissionais e atitude perante o trabalho. 3. A progressão na carreira docente e administrativa está ligada à avaliação de toda a atividade de desenvolvimento no âmbito da educação, bem como às qualificações profissionais e científicas. 4. Para efeitos do presente artigo, entende-se por agentes de educação os professores, directores, inspectores, administradores e outros gestores de educação.

Artigo 55º. (Rede escolar)

1. É da competência do estado a elaboração da carta escolar, orientação e o controlo das obras escolares.

2. A rede escolar deve ser organizada de modo a que em cada região se garanta a maior diversidade possível de cursos, tendo em conta os interesses locais ou regionais. 3. É da responsabilidade dos órgãos do poder local de administração do Estado e da sociedade civil o equipamento, a conservação, a manutenção e a reparação das instituições escolares de todos os níveis de ensino até ao l ciclo do ensino secundário. 3. Os órgãos do poder local da administração do Estado devem proteger as instituições escolares e tomar as medidas tendentes a evitar todas as formas de degradação do seu patrimônio.

Artigo 56º. (Recursos educativos)

1. Constituem recursos educativos todos os meios utilizados que contribuem para o desenvolvimento do sistema de educação.

2. São recursos educativos: a) guias e programas pedagógicas; b) manuais escolares; c) bibliotecas escolares d) equipamentos, laboratórios, oficinas, instalações e material desportivo.

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Artigo 57 (Financiamento) 1. O exercício da educação constitui uma das prioridades do Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico-Social e do Orçamento Geral do Estado. 2. As verbas e outras receitas destinadas ao Ministério da Educação e Cultura devem ser distribuídas em função das prioridades estratégicas do desenvolvimento do sistema de educação. 3. O ensino promovido por iniciativa privada é financiado através da remuneração pelos serviços prestados ou por outras fontes. 4. O estado pode co-financiar instituições educativas de iniciativa privada em regime de parceria desde que sejam de interesse público relevante ou estratégico.

CAPÍTULO VI

Administração e Gestão do Sistema de Educação

Artigo 58 (Níveis de administração)

1. A delimitação e articulação de competências entre os diferentes níveis de administração e gestão do sistema de educação é objecto de regulamentação especial.

2. Cabe, designadamente, aos órgãos da administração central do Estado: a) Conceder, definir, dirigir, coordenar, controlar e avaliar o sis tema de educação; b) Planificar e dirigir normativa e metodologicamente a actividade da investigação pedagógica.

Artigo 59º. (Posição e organização das escolas e outras instituições para a educação)

1. As escolas e demais instituições de educação são unidades de base do sistema de educação.

2. As escolas e demais instituições de educação organizam-se de acordo com o subsistema de ensino em que estiverem inseridas. 3. Independentemente da sua especificidade e deveres particulares, as escolas e demais instituições de educação organizam-se de molde a que, com a vida interna, as relações, o conteúdo, a forma e os métodos de trabalho contribuam para a realização dos objectivos da educação. 4. As escolas e demais instituições de educação devem:

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287

a) aplicar e desenvolver formas e métodos de trabalho educativo e produtivo que se fundamentam na ligação do ensino com aplicação prática dos conhecimentos adquiridos. b) realizar a difusão e o enriquecimento do trabalho educativo utilizando várias formas de actividades livres dos alunos e estudantes. 5. As escolas e demais instituições de educação devem prestar uma atenção especial às condições e à organização, tanto da formação geral, como da formação profissional ou profissionalizante, nas oficinas, nos centros ou estabelecimentos escolares do País. 6. As normas gerais para a vida interna e o trabalho das escolas e demais instituições são regulamentados pelos respectivos estatutos de ensino e regulamentos gerais internos.

Artigo 60º.

(Planos e programas)

Os planos de estudos e programas de ensino têm um carácter nacional e de cumprimento obrigatório, sendo aprovados pelo Ministro da Educação e Cultura.

Artigo 61º. (Manuais escolares)

Os manuais escolares aprovados e adoptados pelo Ministério da Educação e Cultura são de utilização obrigatória em todo o território nacional e nos subsistemas de ensino para que forem indicados.

Artigo 62º. (Calendário escolar)

1. O ano escolar delimita o ano lectivo, tem carácter nacional e é de cumprimento obrigatório.

2. A determinação do ano escolar compete ao Conselho de Ministros, enquanto que a definição do ano lectivo é da competência do Ministro da Educação e Cultura.

Artigo 63º. (Avaliação)

O sistema de educação é objecto de avaliação contínua com incidência especial sobre o desenvolvimento, a regulamentação e a aplicação da presente lei, tendo em conta os aspectos educativos, pedagógicos, psicológicos, sociológicos, organizacionais, econômicos e financeiros.

Artigo 64º. (Investigação e educação)

1. A investigação científica em educação destina-se a avaliar e interpretar científica, quantitativa e qualitativamente a actividade desenvolvida no sistema de educação de forma a corrigir os sócios, visando o seu permanente;

2. A investigação científica em educação é feita nas instituições vocacionadas ou adoptadas para o efeito.

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288

3. A investigação científica em educação rege-se por diploma próprio.

Artigo 65º. (Inspecção de educação)

A inspecção de educação cabe o controlo, a fiscalização e a avaliação da educação, tendo em vista os objectivos estabelecidos na presente lei.

CAPÍTULO VII

Disposições Especiais

Artigo 66º. (Acção social escolar)

O Governo deve promulgar normas especiais sobre o acesso e o usufruto dos serviços sociais escolares.

Artigo 67º. (Cidadãos estrangeiros)

O Governo define em diploma próprio os princípios, normas e critérios de freqüência dos estudantes estrangeiros nas instituições escolares da República de Angola.

Artigo 68º. (Equiparação e equivalência de estudos)

1. Os certificados e diplomas dos níveis primárias, secundários e superiores concluídos no estrangeiro são válidos na República de Angola desde que sejam reconhecidos pelas estruturas competentes angolanas.

2. As formas e mecanismos de reconhecimento das equivalências são estabelecidos em diploma próprio.

Artigo 69º. (Ensino particular)

1. As pessoas singulares ou colectivas é concedida a possibilidade de abrirem estabelecimentos de ensino, sob o controlo do Estado nos termos a regulamentar em diploma próprio.

2.0 Estado pode subsidiar estabelecimentos de ensino privado, com ou sem fins lucrativos, desde que sejam de interesse público relevante e estratégico. 3. O Estado define os impostos, taxas e emolumentos a que se obriguem as actividades de educação de carácter privado.

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289

Artigo 70º.

(Plano de desenvolvimento do sistema educativo) O Governo, no prazo de 90 dias, deve elaborar e apresentar para aprovação da Assembléia Nacional um plano de desenvolvimento do sistema educativo que assegure a realização faseada da presente lei e demais legislação complementar.

Artigo 71º. (Criação e encerramento das escolas)

1. As escolas são criadas, tendo em conta a situação econômica e as necessidades sociais do País.

2. As escolas e demais instituições da educação em que haja participação directa de outros Ministérios, são criadas por decreto executivo conjunto do Ministério da Educação e Cultura e do Ministério cuja esfera de acção corresponda aos respectivos ramos e/ou especialidades competindo ao Ministério da Educação e Cultura o papel reitor. 3. As escolas e demais instituições da educação são encerradas, quando deixarem de corresponder aos fins para que foram criadas, por decreto executivo do Ministério da Educação e Cultura e do órgão de tutela conforme o título de criação. 4. Enquadram-se no sistema de educação as escolas de instituições religiosas e de ensino militar quando integradas nos subsistemas, níveis e modalidades previstos na lei.

Artigo 72º. (Regime de transição do sistema de educação)

O regime de transição do sistema actual para o previsto na presente lei é o objecto de regulamentação pelo Governo, não podendo o pessoal docente, discente e demais quadros afectos a educação serem prejudicados nos direitos adquiridos.

CAPÍTULO VIII

Disposições Filiais e Transitórias

Artigo 73º. (Disposições Transitórias)

1. O Governo deve tomar medidas no sentido de dotar, a médio prazo, os ensinos primário, secundário e técnico-profissional com docentes habilitados profissionalmente.

2. O Governo deve elaborar um plano de emergência para a construção e recuperação de edifícios escolares e seu apetrechamento, visando ampliar a rede escolar, priorizando o

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290

ensino primário.

Artigo 74º. (Regulamentação)

A presente lei deve ser regulamentada pelo Governo no prazo de 180 dias, contados da data de entrada em vigor.

Artigo 75º. (Dúvidas e omissões)

As dúvidas e omissões que suscitarem da interpretação e aplicação da presente lei são resolvidas pela Assembléia Nacional.

Artigo 76º. (Norma revogatória)

Fica revogada toda a legislação que contrarie o disposto na presente lei.

Artigo 77º. (Entrada em vigor)

2A presente lei entra em vigor à data da sua publicação. Vista e aprovada pela Assembléia Nacional,

Roberto Victor Francisco de Almeida.

Publique-se

O Presidente de República,

JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASIL

NOME: Pe. MARTINHO KAVAYA ÁREA DE PESQUISA: Filosofia, Educação e Sociedade. Paz e bem é meu desejo e voto. Espero que ainda não se tenha esquecido de mim, se me conheceu, ou pelo menos ouviu falar. Sou Martinho Kavaya, ex-pároco e professor do PUNIV aí na Ganda, onde vós fostes alunos, sois professor, responsáveis no governo ou de membro de partido político a favor deste povo que hoje respira o ar de paz. Bem haja. Estou Beneficiando de uma bolsa de estudos no Brasil - Rio Grande do Sul, em duas Universidades: uma Católica e outra Federal do Estado Brasileiro. Nesta última, freqüento o Curso de Pós Graduação – Mestrado. Propus-me a trabalhar sobre a realidade da educação e cultura angolana, sobretudo na Ganda.

Trata-se de uma cultura, marcada pela “cultura do amém”, isto é, pela obediência cega protagonizada pela colonização, quando Salazar, desde Portugal, um dia enviando mais um contingente de colonizadores a nossa terra angolana, dizia: ide às terras, nossas colônias. Mas, não deveis dar aos indígenas, mais do que a 4ª classe para que esses povos permaneçam sempre humildes, escravizados e obedientes, e respeitem a pátria que os libertou da selvageria, sem tradições, sem cultura e sem civilização.

Minha pesquisa, mostrando que essa táctica dominadora utilizada pelos invasores culturais, é ainda, em nossos dias, usada por muitos para fazer perpetuar seu poder, não nos deve vencer, mas, temos de recuperar, nossa cultura umbundu (do diálogo do ondjango, no ulonga), nossas tradições para que possamos compreender nossa cidadania de angolanos, africanos e de cidadãos do mundo. Assim, tua colaboração será, para mim, de mais valia para esse trabalho que está quase ao fim, meu, teu e nosso, enquanto construtores da nova humanidade, da nossa terra. Peço tua grande colaboração para as questões a serem por ti respondidas, só marcando com um (x) ou com um (√). No caso do Sim concordo, marca com (√), e no caso do Não concordo, marca com (X). A educação em geral e o PUNIV em particular, constituem o ponto de partida para a reconstrução de uma sociedade. Assim, na nossa realidade da Ganda,

a) A educação na Ganda/Angola ajuda para a recuperação dos valores culturais que têm seu fundamento no ondjango. ( )

b) O ondjango na educação possibilita a tomada de consciência para a paz e para a reconstrução do patrimônio público e dos homens marcados pela violência e pelo ódio entre irmãos. ( )

c) A educação não tem nada a ver com a cultura ondjangiana do povo da Ganda/Angola. ( ) d) Para a juventude hoje bastam os estudos. Daí se vê o tipo de cultura a seguir. Nada do ulonga,

nada do ondjango que fazem atrasar social, técnica e intelectualmente. ( ) e) Sem cultura não existe um povo organizado, por isso a nossa cultura deve ser inserida na

educação escolarizada, sobretudo nossa língua – umbundu. ( ) f) O ondjango é a expressão viva da nossa cultura, onde pelo ulonga aprendemos a parar, a escutar,

a aprender e a falar. ( ) g) Isto de ulonga, ondjango, ohango é para os velhos sem estudos, sem trabalho e com bastante

tempo, pois o tempo é dinheiro não se pode perder. ( )

Pe. Martinho Kavaya (Professor - pesquisador)

Page 293: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

292

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASIL

NOME: Pe. MARTINHO KAVAYA ÁREA DE PESQUISA: Filosofia, Educação e Sociedade. Tabela da pesquisa sobre educação ondjangiana a alunos professores e políticos:

População e freqüência nas respostas

Alunos Professores Políticos

Questões respondidas Sim Não Sim Não Sim Não

a) A educação na Ganda/Angola ajuda para a recuperação dos valores culturais que têm seu fundamento no ondjango.

21

-

9

-

2

-

b) O ondjango na educação possibilita a tomada de consciência para a paz e para a reconstrução do patrimônio público e dos homens marcados pela violência e pelo ódio entre irmãos.

17

3

7

1

2

-

c) A educação não tem nada a ver com a cultura ondjangiana do povo da Ganda/Angola.

3

18

9

2

d) Para a juventude hoje bastam os estudos. Daí se vê o tipo de cultura a seguir. Nada do ulonga, nada do ondjango que fazem atrasar social, técnica e intelectualmente.

11

10

4

5

-

2

e) Sem cultura não existe um povo organizado, por isso a nossa cultura deve ser inserida na educação escolarizada, sobretudo nossa língua – umbundu.

21

-

9

-

2

-

f) O ondjango é a expressão viva da nossa cultura, onde pelo ulonga aprendemos a parar, a escutar, a aprender e a falar.

21

-

9

-

2

-

g) Isto de ulonga, ondjango, ohango é para os velhos sem estudos, sem trabalho e com bastante tempo, pois o tempo é dinheiro não se pode perder.

1

20

3

6

-

2

TOTAL 95 51 41 21 8 6

Page 294: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

293

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASIL

NOME: Pe. MARTINHO KAVAYA ÁREA DE PESQUISA: Filosofia, Educação e Sociedade. RESULTADOS OBTIDOS NA PESQUISA Legenda das tabelas: A1 = Aluno – sim, A2 = Aluno – não; Pr1 = Professor – sim, Pr2 = Professor – não; Pc1 = Político – sim, Pc2 = Político – não; % = Porcentual. 1 – Tabelas de respostas positivas: Tabela - a): O Ondjango é o fundamento da educação vital.

População Pesquisada Freqüências Porcentuais O Ondjango é o fundamento da educação vital

Sim %

A1

Pr1

Pc1

21

9

2

65,62

28,12

6,25

TOTAL

32

100

Page 295: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

294

Tabela - b): A cultura ondjangiana na educação ajuda na

Tabela - c): Educação e cultura, duas realidades excludentes.

Tabela - d): A cultura do amém na juventude citadina resiste à

cultura ondjangiana.

População Pesquisada Freqüências Porcentuais A cultura ondjangiana na educação ajuda na recuperação dos valores silenciados.

Sim %

A1

Pr1

Pc1

17 7 2

65,38

26,92

7,695

TOTAL 26 100

População Pesquisada Freqüências Porcentuais Educação e cultura são duas realidades excludentes.

Sim %

A1

Pr1

Pc1

3 - -

100

- -

TOTAL 3 100

População Pesquisada Freqüências Porcentuais A cultura do amém na juventude citadina resiste à cultura ondjangiana.

Sim %

A1

Pr1

Pc1

11 4 -

73,33

26,66

-

TOTAL

15

100

Page 296: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

295

Tabela – e) A cultura é a vida de um povo.

Tabela – f) O Ondjango é a expressão vital dos povos

Ovimbundu.

Tabela – g) Existe a desvalorização total da cultura ondjangiana

pelos povos Ovimbundu.

População Pesquisada Freqüências Porcentuais A cultura é a vida de um povo Sim %

A1

Pr1

Pc1

21 9 2

65,62

28,12

6,25

TOTAL 32 100

População Pesquisada Freqüências Porcentuais Ondjango é a expressão vida dos povos Ovimbundu.

Sim %

A1

Pr1

Pc1

21 9 2

65,62

28,12

6,5

TOTAL 32 100

População Pesquisada Freqüências Porcentuais Existe a desvalorização total da cultura ondjangiana pelos povos Ovimbundu.

Sim %

A1

Pr1

Pc1

1 3 -

25

75 -

TOTAL 4 100

Page 297: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

296

2 – Tabelas de respostas negativas: Tabela - a): O Ondjango é o fundamento da educação

Tabela - b): A cultura ondjangiana na educação ajuda na

recuperação dos valores silenciados.

Tabela - c): Educação e cultura são duas realidades excludente.

População Pesquisada Freqüência Porcentuais O Ondjango é o fundamento da educação Não %

A2

Pr2

Pc2

0 0 0

0 0 0

TOTAL

0

0

População Pesquisada Freqüências

Porcentuais

A cultura ondjangiana na educação ajuda na recuperação dos valores silenciados.

Não %

A1

Pr1

Pc1

3 1 0

75

25 0

TOTAL 4 100

População Pesquisada Freqüências Porcentuais Educação e cultura são duas realidades excludentes.

Não %

A1

Pr1

Pc1

18 9 2

62,06

31,03

6,89

TOTAL

29

100

Page 298: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

297

Tabela - d): . A cultura do amém na juventude citadina resiste à cultura ondjangiana.

Tabela – e) A Cultura é a expressão vital de um povo.

Tabela – f) O Ondjango é a expressão vital do povo Umbundu.

População Pesquisada Freqüências Porcentuais A cultura do amém na juventude citadina resiste à cultura ondjangiana.

Não

%

A1

Pr1

Pc1

10 5 2

58,82

29,41

11,76

TOTAL

17

100

População Pesquisada Freqüências Porcentuais A Cultura é a expressão vital de um povo.

Não %

A1

Pr1

Pc1

0 0 0

0 0 0

TOTAL 0 0

População Pesquisada Freqüências Porcentuais Ondjango é a expressão vial do povo Umbundu.

Não

%

A1

Pr1

Pc1

0 0 0

0 0 0

TOTAL 0 0

Page 299: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

298

Tabela – g) Existe a desvalorização total da cultura ondjangiana pelo povo Umbundu.

Uma Angola que concilie leitura de mundo com a leitura da palavra, a partir do ondjango acabará sendo assim:

Fig. 18.- Angola em movimento – construindo uma paz social

Fonte: PNUD, 2004 (capa)

População Pesquisada Freqüências Porcentuais Existe a desvalorização total da cultura ondjangiana pelo povo Umbundu.

Não

%

A1

Pr1

Pc1

20 6 2

71,45

21,42

7,14

TOTAL 28 100

Page 300: Martinho Kavaya - Educação, Cultura e Cultura do 'Amém. Dialogos do Ondjango com Freire em Ganda, Benguela, Angola

Anexos 4 - Diálogo com Geraldo Amândio Ngunga – desde Espanha.

1- Fala-me um pouco, do que entendes, dentro da cultura gandense, sobre Ondjango (salienta somente o vivenciado dentro dessa cultura).

2- O que se aprende no ondjango? 3- A quem se permite entrar no ondjango? 4- Antes da iniciação cultural (circuncisão) se é permitido entrar no ondjango? Por

quê? 5- Que é o Ulonga? 6- Quais os passos do Ulonga? 7- Havendo mais pessoas no ondjango quem inicia o ulonga e como passa de um

para o outro? 8- Qual é a posição (sentado, de cócoras, de joelhos, de pé) normal aceite na cultura

quando se encontram as pessoas para o ulonga? O por que desta posição?

Respondendo, via e-mail, Geraldo Amândio Ngunga

[email protected] sem se preocupar com o aprofundamento, segundo minha

solicitação, mas sim responder a partir do vivenciado, ele diz: “Passo imediatamente ao

essencial do que me pedes, esperando que esteja a altura da expectativa já que não

devo pesquisar em nenhum livro a não ser o que tenho como herança cultural...”

1. O ondjango é para os Vanganda e creio para o Bantu um símbolo de vida, de aprendizagem e transmissão de conhecimentos dos mais velhos para as gerações, enfim é a propedêutica e também universidade de vida; Já que o futuro pai ou a mãe será de acordo com o que tira deste grande tesouro cientifico. Ë escola da Palavra e da vida...

• É o lugar de partilha: Ali em redor do lume familiar aprendemos a receber não só a sabedoria proverbial, mas também, a saber, ser generoso partilhando o "olukanga”...

• Nele (Ondjango) também aprendemos a conhecer a Genealogia e a história de nossos pais ou familiares, seus sucessos e fracassos...

• Enfim ondjango não é apenas um lugar é símbolo de toda uma herança e identidade, uma escola de valores e sabedoria...

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2 No Ondjango se aprende a ser fonte de vida e preparar-se a ser no futuro bom pai ou mãe de Família...

• As meninas aprendem as técnicas para manter o lar, ser mãe, cuidar os filhos, prepararem alimentos, - ser boa esposa para manter o marido...

3 Em principio todo o membro da família pode entrar no ondjango, se tivermos em conta que existem etapas na formação (Generalizada e especializada): Numa primeira fase todos desde criança sem descriminação de sexo. Nesta fase se aprende a contar historias, contos didáticas, cozinha, genealogias, cuidar dos bebês, etc. ... Na fase especializada se prepara o/a jovem de acordo com a missão que lhe espera. Se for moça se lhe ensina a tratar bem o seu futuro marido para que a mulher mais sedutora do mundo nunca consiga rouba-lo. Assim deve aprender uma espécie de boas maneiras, valores como respeito, técnicas de cozinha... E sem descurar aspectos sexuais que têm a tia como tutora especializada.

• No caso do Rapaz: tem de aprender a ser bom marido sabendo trabalhar, ou ser hábil para um oficio concreto, como caça , pesca etc. e, sobretudo tem de provar as suas capacidades sexuais porque também terá que ser progenitor... A Circuncisão é teste dentro do processo da iniciação que tem como meta a maturidade da pessoa...

4. Antes da iniciação se permite entrar no ondjango... porque o ondjango é lugar para toda a vida...e porque as outra etapas complementares se assim posso dizer se realizam fora deste... Para a menina no Otchiwo e para o rapaz no Evamba....

5. O Ulonga é um relato que resume os acontecimentos vividos desde o espaço temporal em que o visitado e o visitante se viram até ao novo reencontro. É um momento de empatia entre dois sujeitos que juntos vivem o passado no presente alegre ou triste da vida.

6. Passos do Ulonga: uma introdução, que inclui o momento emocionante da saudação, a acomodação e criação de condições para o referido dialogam interpessoal, motivos de visita ou chamada.

• Um corpo Central: momentos importantes vividos pelos interlocutores e reações espontâneas de apoio, de protesto ou de comoção.

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• Uma conclusão: breve recapitulação de temas importantes que podem voltar à tona em outras conversas até anuírem todos os presentes com saudações que lhes põem liberdade de abordar temas diversos...

7 Havendo muita gente a primaria cabe sempre ao mais velho visitado ou visitante que interroga ao mais novo abrindo assim o dialogo...e ao mesmo cabe concluir...

8 A posição normal, permitida para se fazer o Ulonga, é estar sentado, digno de respeito , disponibilidade e tranqüilidade...Porque assim as pessoas se podem escutar com respeito e liberdade familiar...e porque este momento é também um lugar de aprendizagem...para iluminar o passado e retificar os momentos mal vividos e as sendas mal andadas....

No dia 01/03/20006, no diálogo longo, realizado entre o pesquisador e Geraldo,

sobre a escola do ensino médio PUNIV – Ganda, a respeito papel da educação no

processo ondjangiano em Ganda, Geraldo disse o seguinte:

1. Eu acho que a educação está em primeiro plano para o desenvolvimento de um povo. Assim a intervenção eficaz, digna e séria de um governo sério, consiste em possibilitar a que os pobres e excluídos tenham a oportunidade de uma educação humana, digna e verdadeira.

2. Creio que Ganda cresceu, em vários níveis e consideravelmente com a instalação do PUNIV. Um dos níveis que agora me ocorre, consiste no facto de concentrar já muitos quadros a trabalhar em diversos sectores do município, e, sobretudo na educação. E, mais ainda, pelo motivo de que Ganda está, agora, a atrair vários quadros superiores, graduados como docentes, naquela instituição de ensino médio, permitindo que os irmãos que não tiveram a possibilidade de estudar em tempos conturbados de guerra, possam aumentem seu nível acadêmico.

3. Um dos elementos importantes a considerar, é que, quase 99,9% dos membros da antiga direcção do PUNIV, estão enquadrados no CUB (Centro Universitário de Benguela).

4. Tudo isto me ajuda a sustentar a tese segundo a qual a educação é uma das maiores carências, senão mesmo a maior, considerando que o futuro de um pais, não depende só de seus recursos

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naturais, mas, e sobretudo, do que os homens forem capaz de construir baseados numa ética de valores a serem descobertos pelas gerações jovens...

5. A educação é, pois, um dos fundamentos para o desenvolvimento. Esta educação passa, necessariamente, pelos valores humanos, socioculturais, espirituais, políticos, históricos, etc.

No dia 09/05/2006, ainda via MSN, enviei para juntos pensarmos sobre a

realidade ondjangiana no âmbito escolar, nos seguintes termos: Tu achas que a

concepção escolar tem algo relacionado com o ondjango, ou melhor, a compreensão

escolar gandense e conseqüentemente a angolana, em tempos hodiernos, deveria primar

por considerar a realidade cultural ondjangiana? Esta é a tese que defendo, sobretudo, se

considerarmos o ondjango como locus dialógico - espaço do ohango, onde não existe

mais superior, mas orientador do ulonga. E tu, que dizes? Qual é a tua opinião a

respeito?

Emitindo sua resposta pensada, via e-mail, Geraldo Amândio Ngunga,

[email protected], disse:

1. O Ulonga é um relato que resume os acontecimentos vividos desde o espaço temporal em que o visitado e o visitante se viram ate ao novo reencontro. É um momento de empatia entre dois sujeitos que juntos vivem o passado no presente alegre ou triste da vida.

2. Passos do Ulonga: Uma Introdução, que inclui o momento emocionante da saudação, a acomodação e criação de condições para o referido dialogam interpessoal, motivos de visita ou chamada.

3. Um corpo Central: momentos importantes vividos pelos interlocutores e reações espontâneas de apoio, de protesto ou de comoção.

4. Uma conclusão: breve recapitulação de temas importantes que podem voltar à tona em outras conversas até anuírem todos os presentes com saudações que lhes põem liberdade de abordar temas diversos...

5. Havendo muita gente a primaria cabe sempre ao mais velho visitado ou visitante que interroga ao mais novo abrindo assim o diálogo... e ao mesmo cabe concluir...

6. A posição normal para o Ulonga é estar sentado, digno de respeito, disponibilidade e tranqüilidade... Porque assim as pessoas se

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podem escutar com respeito e liberdade familiar... E porque este momento é também um lugar de aprendizagem. Para iluminar o passado e retificar os momentos mal vividos e as sendas mal andadas...

7. Por fim: quero declarar que estou de acordo que o pesquisador possa publicar se achar necessário e importante para a sua investigação, estes meus pontos de vista. Espero que contribua para o progresso de nossa terra angolana e gandense, como algo desta pesquisa.

Espanha / 2006.

Um abraço amigo e filial Pe. Geraldo Amândio Ngunga

Nota Bem: Se o Padre Antório Vieira, em seus sermões nunca teve tempo de ser breve, eu peço as devidas desculpas, pois, pelas exigências do meu trabalho, pelas necessidades dos para os seus destinatários, sobretudo os angolanos e outros pesquisadores que quiserem ter outra idéia da pátria angolana, rica e bela, eu só tive tempo de ser longo. Tua leitura atenta, crítica e observações me ajudarão no aprimoramento desta obra num futuro breve ou remoto, quem sabe em outras pesquisas! Portanto, este texto aparece como mapeamento prévio de um projeto em construção. (M. Kavaya e-mail: [email protected]).