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1 1 MARIA DE LOURDES COSTA XAVIER ANÁLISE DO FENÔMENO DA APOSENTADORIA À LUZ DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES BELO HORIZONTE 2019 1 Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG, Pós graduada em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera UNIDERP, advogada, email: [email protected]

MARIA DE LOURDES COSTA XAVIER · 1 1MARIA DE LOURDES COSTA XAVIER ANÁLISE DO FENÔMENO DA APOSENTADORIA À LUZ DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES BELO HORIZONTE 2019 1 Graduada

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1MARIA DE LOURDES COSTA XAVIER

ANÁLISE DO FENÔMENO DA APOSENTADORIA À LUZ DAS DECISÕES

DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

BELO HORIZONTE

2019

1 Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Pós graduada em Direito

Constitucional pela Universidade Anhanguera – UNIDERP, advogada, email:

[email protected]

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RESUMO

Com a iminência de Reforma da Previdência, muito se discute acerca do

direito de aposentadoria dos milhões de servidores públicos brasileiros. Com

base nisso, este trabalho buscar elucidar o tema, trazendo um apanhado geral

acerca do instituto, em questões como sua natureza jurídica, ciclo de formação,

órgãos envolvidos e validade. Para permear tal discussão, primeiro será

abordado o assunto em linhas gerais para uma melhor compreensão do

fenômeno. Em seguida, será discutida sua natureza jurídica e classificação,

tendo em vista as implicações decorrentes de tais fatos. Por fim, será analisada

a jurisprudência dos Tribunais Superiores acerca do assunto, demonstrando

como pode impactar na vida dos trabalhadores.

PALAVRAS CHAVE: Direito Administrativo. Aposentadoria. Natureza Jurídica.

Tribunais Superiores.

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ABSTRACT

With the imminence of Pension Reform, much is discussed about the right to

retirement of millions of Brazilian civil servants. Based on this, this work seeks

to elucidate the topic, bringing a general overview about the institute, on issues

such as its legal nature, training cycle, involved bodies and validity. To

permeate such a discussion, the subject will be broadly addressed in a general

way for a better understanding of the phenomenon. Next, its legal nature and

classification will be discussed, bearing in mind the implications arising from

such facts. Finally, the jurisprudence of the Superior Courts will be analyzed on

the subject, demonstrating how it can impact the life of the workers.

KEY WORDS: Administrative law. Retirement. Legal Nature. Superior Courts.

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1 – INTRODUÇÃO

Garantido pelo artigo 40, parágrafo 1º da Constituição Federal de 1988

(CF/88), a aposentadoria é o direito de todo servidor público de passar à

inatividade remunerada, tendo em vista sua contribuição à Previdência Social

ao longo do seu período laboral.

Segundo José dos Santos de Carvalho Filho2, “é o direito garantido pela

Constituição, ao servidor público, de perceber determinada remuneração na

inatividade diante da ocorrência de certos fatos jurídicos previamente

estabelecidos.”

Já Maria Sylvia Zanella Di Pietro acrescenta em seu conceito os tipos de

benefício que podem ser concedidos:3

“o direito à inatividade remunerada, assegurado ao servidor público em caso de invalidez, idade ou requisitos conjugados de exercício no serviço público e no cargo, idade mínima e tempo de contribuição. Daí as três modalidades de aposentadoria: por invalidez, compulsória e voluntária.”

Da definição de ambos os juristas é possível constatar a natureza jurídica

de benefício de tal instituto e o seu caráter contributivo. A primeira

característica diz respeito ao fato de que a aposentadoria se inclui no rol de

prestações a serem concedidas ao segurado pela Previdência Social, de

acordo com o disposto nos arts. 40, 194, parágrafo único, III, e 201, da CF/88.4

2 FILHO, José dos Santos de Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Editora Atlas. 27ª Edição. Pag.

705. 3 PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. Editora Forense. 31ª Edição. Pag. 784. 4 Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes

Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência

social.

Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base

nos seguintes objetivos: (...)

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de

filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos

termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 20, de 1998)

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Isso ocorre pelo fato de que a Previdência Social, como instituto garantidor

de direitos ao trabalhador, escolheu eventos como invalidez, idade avançada e

tempo de contribuição para que pudesse garantir certos direitos a estes.

O caráter contributivo, por sua vez, relaciona-se ao fato de que, para que

faça jus ao benefício, é preciso que o servidor tenha vertido valores aos cofres

públicos ao longo de sua vida laboral. Reflete, então, o aspecto retributivo do

sistema, determinado pelas Emendas Constitucionais 20/98 e 41/03.

A primeira emenda determinou a necessidade de que o servidor contribua

efetivamente com a Previdência para que possa se aposentar, não bastando

somente o ultrapassado “tempo de serviço”. Buscou-se, por meio disso, dar um

caráter de maior equilíbrio atuarial ao sistema previdenciário.

Por meio da exigência de contribuição previdenciária, o art. 149, parágrafo

único da CF/885, introduzido pela Emenda Constitucional 41/03, impôs aos

demais entes federativos, além da União, a cobrança de tal tributo como forma

de fazer frente aos gastos previdenciários e como meio de financiamento do

sistema.

Nas palavras de Juliana de Oliveira Duarte Ferreira e Igor Volpato

Bedone:6

“A fim de garantir a concretude ao sistema contributivo previsto pela

EC 20/1998, a EC 41/2003 previu expressamente, no caput do artigo

40, o recolhimento de contribuições previdenciárias pelo respectivo

ente público, pelos servidores ativos, e ainda pelos inativos e

pensionistas.

E como se não bastasse essa mudança, alterou a redação do artigo

149, estabelecendo um parágrafo 1º por força do qual ‘os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de

seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime

previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à

da contribuição dos servidores titulares de cargo efetivo da União.

(...)

5 § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores,

para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será

inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.(Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003) 6 FERREIRA, Juliana de Oliveira Duarte e BEDONE, Igor Volpato. Direito Previdenciário Público.

Editora Juspodium. 1ª edição. Pag. 127.

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Mas a EC 41/2003, no intuito de garantir o equilíbrio financeiro e

atuarial do RPPS, foi além de impor a adoção do sistema

contributivo, e consagrou expressamente o princípio da solidariedade

já no caput do artigo 40.

Com isso, intentou deixar claro que as contribuições vertidas ao

RPPS não servem apenas à garantia dos benefícios previdenciários

de quem as verteu, mas buscam garantir a higidez de todo o

sistema.”

Quanto aos tipos de aposentadoria hoje vigentes no ordenamento

brasileiro, é certo que o art. 40 da CF/88 garante aos servidores públicos o

direito de jubilação por invalidez, por idade e por tempo de contribuição.7

A aposentadoria será voluntária, conforme requerida pelo servidor, ou

compulsória, caso atinja a idade de 70 ou 75 anos, conforme lei complementar.

Neste caso, será proporcional ao tempo de contribuição do servidor.

No caso do benefício voluntário, o inciso III do parágrafo 1º do art. 40 exige

que o servidor tenha dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco

anos no cargo que se dará a aposentadoria. Poderá ocorrer de duas formas. A

primeira por idade, quando completados 65 anos o homem ou 60 a mulher,

com proventos proporcionais ao tempo de contribuição. A segunda, por sua

vez, exige 60 anos para o homem, cumulados com 35 de contribuição; para a

mulher, 55 anos e 30 de contribuição.

7 Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter

contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos

e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste

artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados,

calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17: (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

I - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se

decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na

forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

II - compulsoriamente, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição, aos 70 (setenta) anos de

idade, ou aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, na forma de lei complementar; (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 88, de 2015)

III - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço

público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes

condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e

trinta de contribuição, se mulher; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos

proporcionais ao tempo de contribuição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

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Por fim, há a cessação do vínculo previdenciário por motivo de invalidez do

servidor, independentemente da idade deste. Neste caso, o provento será

proporcional ao que tiver contribuído ao sistema, salvo no caso de acidente em

serviço, moléstia profissional ou doença grave.

Feita esta breve introdução acerca do instituto e como ocorre atualmente

no âmbito da Previdência Pública brasileira, passa-se então à discussão acerca

de sua natureza jurídica e das implicações daí advindas.

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2 – NATUREZA JURÍDICA

Quanto à natureza jurídica, não restam dúvidas de que a aposentadoria se

trata de ato administrativo, na medida em que concedida pela Administração

Pública em benefício do servidor.

A definição de ato administrativo de Celso Antônio Bandeira de Mello é

citada por muitos juristas como base para o entendimento do assunto:8

“Declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por

exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de

prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas

complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a

controle de legitimidade por órgão jurisdicional.”

Neste sentido, sendo a aposentadoria uma declaração jurídica, que produz

efeitos de direito, proveniente do Estado no exercício de suas prerrogativas de

Direito Público, é possível, sem sombra de dúvidas, qualificá-la como ato

administrativo.

Ultrapassado este ponto, cabível trazer à baila a classificação dos atos

administrativos quanto ao critério da intervenção da vontade administrativa.

Neste sentido, classificam-se os atos administrativos em simples, compostos e

complexos.

Os atos simples são aqueles que decorrem da manifestação de vontade de

um único órgão, seja ele singular ou colegiado. Já os atos complexos

caracterizam-se por precisar, em sua formação, de manifestação de vontade

de dois ou mais diferentes órgãos/autoridades. Desse modo, somente se

consideram perfeitos após ambas as manifestações.

Por fim, os atos compostos seriam os que tem o conteúdo resultante da

manifestação de um só órgão, mas dependem de outro ato para que produzam

seus efeitos de forma completa. Desse modo, o segundo ato tem caráter

instrumental, autorizando ou conferindo eficácia ao primeiro.9

8 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores. 26ª Edição.

Pag. 380. 9 ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. Editora

Método. 22ª Edição. Pag.462-463.

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Com base em tal classificação, a doutrina divide-se em considerar o ato de

aposentadoria em composto ou complexo, sendo que, a depender da

classificação adotada, haverá diferentes conseqüências para o servidor

beneficiado e para a Administração Pública.

Antes de adentrarmos no mérito de referida classificação, cabe fazer um

recorte estrutural para analisar o papel do Tribunal de Contas no ato de

aposentadoria. Isso para que melhor se compreenda o enquadramento do ato

como composto ou complexo.

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3 – O PAPEL DO TRIBUNAL DE CONTAS NAS APOSENTADORIAS

Nos termos do disposto no art. 71, III, da CF/88, cabe ao Tribunal de

Contas “apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de

pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as

fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as

nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das

concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias

posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório.”

De uma leitura atenta de tal comando, o que se vê é que cabe ao Tribunal

exercer um controle de legalidade dos atos de aposentadoria, verificando se

preenchidos os requisitos legais para sua concessão e se não há nenhum

vício.

Tendo em vista ser ato que acarreta dispêndio de valores pelo Poder

Público, o constituinte entendeu por bem sujeitá-lo ao controle externo, a fim de

que, com base no sistema de freios e contrapesos, houvesse a devida

fiscalização de um Poder pelo outro, em atenção ao princípio da separação dos

poderes (art.2º da CF/88).

No entendimento de Pedro Lenza:

“No caso de auxílio no controle externo, os atos praticados são de

natureza meramente administrativa, podendo ser acatados ou não

pelo Legislativo. Em relação às outras atribuições, o Tribunal de

Contas também decide administrativamente, não produzindo

nenhum ato marcado pela definitividade ou fixação de direito no caso

concreto, no sentido de afastamento da pretensão resistida. O

Tribunal de Contas, portanto, não é órgão do Poder Judiciário (não

está elencado no art. 92), nem mesmo do Legislativo. (...)

Conforme visto e deixado mais claro, o Tribunal de Contas, apesar

de autônomo (autonomia institucional), não tendo qualquer vínculo

de subordinação ao Legislativo, em determinadas atribuições é

auxiliar desse Poder. A fiscalização em si, no caso do controle

externo, é realizada pelo Legislativo. O Tribunal de Contas, como

órgão auxiliar, apenas emite pareceres técnicos nessa hipótese.”10

10 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Editora Saraiva. 17ª edição. Pag. 666-667.

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11

O que se vê, então, é que, como auxiliar do Poder Legislativo, cumpre ao

Tribunal de Contas analisar a correição dos atos de aposentadoria concedidos

pelo Poder Público aos seus servidores.

Quanto a este ponto, cabe trazer à baila a Súmula Vinculante nº 3, do STF,

que determina que “nos processos perante o Tribunal de Contas da União

asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder

resultar anulação ou revogação do ato administrativo que beneficie o

interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial

de aposentadoria, reforma e pensão.”

A razão de ser de tal verbete, ao excepcionar a aposentadoria do

contraditório inicial, é que como o ato está em fase de formação, não há que se

garantir ampla defesa ao interessado. Isso porque tal poderá ocorrer após a

completa formação do ato, em caso de discordância do servidor.

Neste sentido, entende o STF que incabível a aplicação do art. 54 da Lei

9784/9911 nestes casos, uma vez que a decadência da Administração em rever

seus próprios atos refere-se a atos já concluídos, o que não ocorre com a

aposentadoria até que o Tribunal de Contas ultime tal ato.

PROVENTOS DA APOSENTADORIA – URPs – DECISÃO

JUDICIAL – ALCANCE. O título judicial há de ter o alcance

perquirido considerada a situação jurídica do servidor – ativo ou

inativo. APOSENTADORIAS E PENSÕES – ATOS SEQUENCIAIS –

DECADÊNCIA – INADEQUAÇÃO. O disposto no artigo 54 da Lei nº

9.784/1999, a revelar o prazo de decadência para a Administração

Pública rever os próprios atos, por depender de situação jurídica

constituída, não se aplica à aposentadoria, uma vez que esta

reclama atos sequenciais. CONTRADITÓRIO – PRESSUPOSTOS –

LITÍGIO – ACUSAÇÃO. O contraditório, base maior do devido

processo legal, requer, a teor do disposto no inciso LV do artigo 5º

da Constituição Federal, litígio ou acusação, não alcançando os atos

sequenciais alusivos ao registro de aposentadoria.

(MS 33667, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma,

julgado em 18/04/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-098

DIVULG 10-05-2017 PUBLIC 11-05-2017)

11 Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos

favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo

comprovada má-fé.

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12

Por outro lado, o próprio STF reconheceu que a inércia da Corte de Contas

em apreciar a aposentadoria por mais de cinco anos, após a sua concessão

inicial, consolida no servidor a expectativa quanto ao recebimento dos valores

alimentares a ela relacionados. Desse modo, em homenagem ao princípio da

segurança jurídica, da confiança legítima e da lealdade, deve ser assegurado o

contraditório e a ampla defesa nesses casos.

Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE

SEGURANÇA. PENSÃO MILITAR. CONCESSÃO

ADMINISTRATIVA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. EXAME.

DECADÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. BENEFICIÁRIOS.

HABILITAÇÃO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. DEMONSTRAÇÃO.

ORDEM CONCEDIDA. 1. O procedimento administrativo complexo

de verificação das condições de validade do ato de concessão inicial

de aposentadoria, reforma e pensão não se sujeita à regra prevista

no art. 54 da Lei 9.784/99. Por outro lado, a abertura de contraditório

e ampla defesa ao interessado é indispensável apenas se

ultrapassado o prazo de cinco anos da entrada no Tribunal de

Contas da União do respectivo processo administrativo encaminhado

pelo órgão de origem para fins de registro. Precedentes. 2. Tendo

ocorrido a habilitação na forma exigida pela Lei 3.765/1960, inclusive

no que se refere à demonstração da dependência econômica, fazem

jus os impetrantes à pensão militar reclamada. 3. Ordem concedida.

(MS 31472, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma,

julgado em 27/10/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-225

DIVULG 11-11-2015 PUBLIC 12-11-2015)

Ora, de uma análise do papel da Corte de Contas na formação do ato de

aposentadoria, é possível dizer que, para o STF, sua apreciação é parte do

processo, de modo que, enquanto não concluída, não restam consolidados os

efeitos que dele se esperam.

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13

4 – DA FORMAÇÃO DO ATO DE APOSENTADORIA

Tomemos como exemplo o caso de uma aposentadoria voluntária de

servidor público. O procedimento inicia-se com o requerimento deste perante a

Administração, que procederá ao exame dos documentos apresentados, a fim

de verificar se preenchidos os requisitos ensejadores do benefício de acordo

com a legislação vigente.

Caso os documentos estejam em conformidade com a lei, preenchidos os

requisitos, será publicado o ato de aposentadoria do servidor, que passará à

inatividade e receberá os proventos correspondentes. Diz-se, então, que a

aposentadoria produz seus efeitos a partir desta data.

Com a referida publicação, os documentos serão encaminhados para o

Tribunal de Contas respectivo, com objetivo de que este órgão realize o

controle externo do ato. Como a análise por referida Corte pode levar algum

tempo, diz-se que o ato já é pleno, uma vez que irradia efeitos na esfera

jurídica do particular e do Poder Público.

Neste ponto, cabível mencionar o início da celeuma doutrinária e

jurisprudencial aqui posta. Isso porque, ao se considerar que o ato já está

perfeito e produz todos os seus efeitos a partir da publicação, a apreciação

pelo Tribunal de Contas teria caráter acessório, não constituindo o ato em si.

E se não constitui o ato em si, não se pode falar que o ato de

aposentadoria é complexo, uma vez que, como já trazido, este exige a

conjugação de duas vontades distintas para sua formação.

Com base nisso, parte da doutrina entende que o ato aqui discutido seria

composto, e não complexo. Segundo o magistério de José dos Santos de

Carvalho Filho:

“Lavra funda divergência a respeito da natureza jurídica do ato de

aposentadoria. Para alguns, trata-se de ato complexo formado pela

manifestação volitiva do órgão administrativo somada à do Tribunal

de Contas. Não nos parece correto semelhante pensamento. Cuida-

se, com efeito, de atos administrativos diversos, com conteúdo

próprio e oriundo de órgãos administrativos desvinculados entre si.

No primeiro, a Administração, verificando o cumprimento dos

pressupostos normativos, reconhece ao servidor o direito ao

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benefício da inatividade remunerada; no segundo, a Corte de Contas

procede à apreciação da legalidade do ato para fins de registro (art.

71, III, CF), o que caracteriza como ato de controle a posteriori.”12

No mesmo sentido, Marçal Justen Filho:

“Nesse ponto, altera-se o entendimento anteriormente adotado e se

reconhece a procedência do raciocínio de Carvalho Filho, no sentido

de que a aposentadoria não é um ato complexo. Nas edições

anteriores seguia-se o posicionamento tradicional no sentido de que

a aposentadoria se aperfeiçoava mediante a edição de decreto da

autoridade mais elevada do Poder conjugada com a aprovação pelo

Tribunal de Contas. No entanto e como procedentemente aponta

Carvalho Filho, a aposentadoria se aperfeiçoa com a mera emissão

do decreto. O ato de aprovação do Tribunal de Contas envolve

apenas controle a posteriori sobre a regularidade do ato”.13

Neste sentido também já oscilou o entendimento do STJ, in verbis:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA.

ANULAÇÃO.

ATO COMPOSTO, E NÃO COMPLEXO. EXAME DA LEGALIDADE.

SUJEIÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS AO PRAZO

DECADENCIAL PREVISTO EM LEI.

1. Conquanto venha sendo repetida como verdadeiro dogma a

premissa adotada em julgados recentes do Supremo Tribunal

Federal e do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual o ato de

aposentadoria de servidor público estaria inserido na categoria dos

atos administrativos complexos e dependeria, para se aperfeiçoar,

da manifestação favorável do Tribunal de Contas, não encontra

respaldo na teoria administrativista mais atual. Conforme bem

salientado no acórdão objeto dos embargos de divergência, "a

aposentadoria de servidor público não é ato complexo, pois não se

conjugam as vontades da Administração e do Tribunal de Contas

para concedê-la. São atos distintos e praticados no manejo de

12 FILHO, José dos Santos de Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Editora Atlas. 27ª Edição.

Pag. 705.

13 FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 7. Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.

933.

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competências igualmente diversas, na medida em que a primeira

concede e o segundo controla sua legalidade".

2. Por vício de legalidade, à administração é dado anular

aposentadoria de servidor público, devendo tal prerrogativa ser

exercida no prazo decadencial previsto em lei, salvo quando

comprovada má-fé, iniciando-se a contagem com a publicação do

ato, e não somente após o julgamento pelo Tribunal de Contas. Em

outras palavras: ressalvada a hipótese de má-fé do beneficiário, em

que a anulação tem lugar a qualquer tempo, o exame de legalidade

do ato de aposentadoria deve ser realizado pela Corte de Contas em

até 5 (cinco) anos da publicação, sob pena de ficar inviabilizado o

desfazimento, ainda quando caracterizada alguma ilegalidade, por

consumada a decadência do direito à anulação.

3. Caso em que a aposentadoria do servidor federal, publicada em

21/5/1998, foi julgada ilegal pelo Tribunal de Contas da União em

28/6/2005, donde a impossibilidade de anulação do ato, porquanto

ultrapassado o prazo decadencial de 5 (cinco) anos fixado pelo art.

54 da Lei n. 9.784/1999, cuja contagem se iniciou, por se tratar de

aposentadoria concedida antes da vigência da referida lei, em

1º/2/1999, com término em 1º/2/2004.

4. Agravo regimental provido para se negar provimento aos

embargos de divergência.

(AgRg nos EREsp 1047524/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS

JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE,

TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 06/11/2014) (grifos

nossos)

Desse modo, analisando o entendimento dos doutrinadores e a

jurisprudência citada, o que se vê é que, ao se considerar os atos da

Administração e do Tribunal de Contas, não há uma separação e

independência entre ambos. Isso porque o primeiro seria o ato principal,

responsável efetivo pela concessão do benefício, ao passo que o segundo, ao

exercer o controle externo do ato, dele não participa, servindo apenas para

confirmá-lo.

Cabível colacionar trecho do voto condutor do acórdão supracitado que

explicita o entendimento da Corte da Cidadania:

“O beneficiário, com a concessão da aposentadoria pela

Administração, afasta-se da atividade e passa a perceber proventos,

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tornando vago o cargo, nos termos do que dispõe o art. 33, VII, da

Lei n. 8.112/90. Esses efeitos são típicos do ato de afastamento, que

se consolidam com a expressão da vontade de um único órgão,

aquele que concede a aposentadoria.

A produção de efeitos da concessão de aposentadoria realizada pela

Administração permite concluir que não existe a conjugação de

vontades para a formação de um ato único, mas sim duas decisões

independentes e autônomas, quais sejam, o ato propriamente dito e

seu registro, com o consequente controle de legalidade pelo Tribunal

de Contas competente.

Não se conjugam as vontades da Administração e do Tribunal de

Contas para conceder a aposentadoria. São atos distintos e

praticados no manejo de competências igualmente diversas, na

medida em que a primeira concede e o segundo controla sua

legalidade.”

Por outro lado, há também abalizada doutrina que entende pelo caráter

complexo de tal ato. Neste sentido, Rafael de Oliveira:

“Atos complexos: são elaborados pela manifestação autônoma de

órgãos diversos. Nesse caso, os órgãos concorrem para a formação

de um único ato (ex.: nomeação de Ministros do STF, que depende

da indicação do chefe do Executivo e da aprovação do Senado, na

forma do art. 101, parágrafo único, da CRFB; aposentadoria do

servidor público, que depende da manifestação da entidade

administrativa e do respectivo Tribunal de Contas);”14

Do mesmo modo, Di Pietro leciona que:

“Tanto a aposentadoria como a pensão são atos complexos, uma

vez que sujeitos a registro pelo Tribunal de Contas, conforme artigo

71, III, da Constituição Federal. Produzem efeitos jurídicos imediatos,

sendo suficientes para que o servidor ou o seu dependente passe a

usufruir do benefício; mas os mesmos só se tornam definitivos após

a homologação pelo Tribunal de Contas, que tem a natureza de

condição resolutiva.”

14 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 5ª Edição. Editora forense.

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O STF, embora no passado tenha apresentado votos e decisões pelo

caráter composto do ato aqui discutido, hoje possui entendimento de que se

trata de ato complexo, in verbis:

Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO

REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE

CONTAS DA UNIÃO. APOSENTADORIA. EXAME. DECADÊNCIA.

NÃO CONFIGURAÇÃO. CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-

FÉ. MANTIDA. ALTERAÇÃO INTENCIONAL DA VERDADE DOS

FATOS. 1. Nos termos da jurisprudência do STF, o ato de concessão

de aposentadoria é complexo, aperfeiçoando-se somente após a sua

apreciação pelo Tribunal de Contas da União, sendo, desta forma,

inaplicável o art. 54, da Lei nº 9.784/1999, para os casos em que o

TCU examina a legalidade do ato de concessão inicial de

aposentadoria, reforma e pensão. 2. Havendo alteração intencional

da verdade dos fatos, justifica-se a condenação ao pagamento de

multa por litigância de má-fé. 3. Agravo regimental a que se nega

provimento.

(MS 33805 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma,

julgado em 02/03/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-049

DIVULG 13-03-2018 PUBLIC 14-03-2018)

O que se vê, então, é que para a Corte Suprema, a finalização do ato

somente ocorre após o exame da Corte de Contas, em claro posicionamento

ao caráter complexo do ato.

Como conseqüência de tal fato, tem-se que, para o STF, o prazo

decadencial de 5 anos para a Administração Pública anular atos ilegais não é

contado enquanto pendente de análise a aposentadoria pelo Tribunal de

Contas.

Embora tal entendimento seja alvo de críticas pela doutrina, por gerar

insegurança jurídica aos servidores que passam à inatividade e aguardam a

análise da Corte de Contas, o STF manteve seu entendimento. Ressalvou-se,

contudo, que caso ultrapassados 5 anos da entrada do processo no Tribunal de

Contas, deve ser assegurado o contraditório e a ampla defesa ao servidor, em

homenagem ao princípio da segurança jurídica, conforme já citado.

Caso se entendesse pelo caráter composto do ato, o prazo para eventual

anulação pela Administração começaria a correr com o registro da

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aposentadoria no órgão, independentemente da análise pelo Tribunal de

Contas. Isso porque o caráter acessório de tal situação não impediria os efeitos

que desde já ocorrem na concessão inicial.

Segundo Hely Lopes Meirelles:

“Ato complexo: é o que se forma pela conjugação de vontades de

mais de um órgão administrativo. O essencial, nesta categoria de

atos, é o concurso de vontades de órgãos diferentes para a

formação de um ato único. Não se confunda ato complexo com

procedimento administrativo. No ato complexo integram-se as

vontades de vários órgãos para a obtenção de um mesmo ato; no

procedimento administrativo praticam-se diversos atos intermediários

e autônomos para a obtenção de um ato final e principal. Exemplos:

a investidura de um funcionário é um ato complexo consubstanciado

na nomeação feita pelo Chefe do Executivo e complementado pela

posse e exercício dados pelo chefe da repartição em que vai servir o

nomeado; (...) Essa distinção é fundamental para saber-se em que

momento o ato se torna perfeito e impugnável: o ato complexo só se

aperfeiçoa com a integração da vontade final da Administração, e a

partir desse momento é que se torna atacável por via administrativa

ou judicial” (grifos nossos)15

A maior crítica ao entendimento do STF no sentido de ser ato complexo

refere-se ao fato de que, ao fazê-lo, a Suprema Corte acabou por chancelar a

demora e a inércia da Administração, aí incluído o Tribunal de Contas, em

proceder ao devido exame dos atos de aposentadoria.

Não se desconhece o grande volume de atos a serem analisados, contudo

tal fato não pode ser utilizado como escusa para deixar de resguardar direito

dos administrados que, de boa-fé, acreditam ter preenchido os requisitos para

a inatividade remunerada.

Em que pese o inconformismo, diante do entendimento do Pretório Excelso,

o STJ houve por bem modificar seu entendimento, curvando-se a este, a fim de

evitar maiores conflitos.

15 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34ªed.içao. São Paulo: Malheiros, 2008,

p. 174

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“ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM

RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL.

APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA POR TEMPO DE SERVIÇO.

CONSTATADO TEMPO INSUFICIENTE DE CONTRIBUIÇÃO.

DECADÊNCIA. ATO COMPLEXO. SÚMULA 96 DO TCU.

JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DESTA CORTE E DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO INTERNO DO

PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Esta Corte Superior pacificou o entendimento de que a contagem

do prazo decadencial para Administração revisar o benefício de

aposentadoria tem início a partir da manifestação do Tribunal de

Contas (AgInt no REsp. 1.604.506/SC, Rel. Min. ASSUSETE

MAGALHÃES, DJe 8.3.2017; AgInt no REsp. 1.626.905/RS, Rel.

Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 23.2.2017; AgInt no

REsp. 1.535.212/SC, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJe

8.11.2016).

2. A mesma orientação foi adotada pelo egrégio Supremo Tribunal

Federal que, além disso, estabeleceu que, transcorridos mais de

cinco anos desde a chegada do processo no Tribunal de Contas sem

que tenha havido manifestação daquele órgão, deve ser assegurado

à parte o direito ao contraditório e a ampla defesa, sob pena de

nulidade do ato (MS 27.082 AgR, Min. Rel. LUIZ FUX, DJe 4.9.2015;

MS 28.576, Min. Rel. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe 10.6.2014).

3. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento.

(AgInt nos EDcl no REsp 1417701/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO

NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2018,

DJe 19/12/2018)”

O que se vê, então, é que, embora aparentemente pacificada a matéria no

âmbito jurisprudencial, é certo que ainda persiste divergência doutrinária

acerca do tema. Isso pode, futuramente, servir de base para novo

inconformismo daqueles que se vêem na situação de revisão da aposentadoria

após o prazo de 5 anos da concessão do benefício. Basta que haja nova

provocação do STF e este, em eventual mudança de sua composição, volte a

reanalisar o tema sobre outra ótica.

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5 – CONCLUSÃO

Na qualidade de benefício previdenciário, é possível dizer que a

aposentadoria implica em grande mudança na vida do servidor público, razão

pela qual seus contornos devem ser bem delineados. O mesmo ocorre em

relação à Administração, que precisa de uma sistematização a fim de que

possa concedê-la de forma correta.

A celeuma em torno do assunto dizia respeito à qualidade do ato de

aposentadoria, se composto ou complexo, e os reflexos que tal classificação

trazia à possibilidade de revisão/anulação do ato pela Administração após o

decurso de tempo considerável.

Em que pese a doutrina dissonante, o STF acabou por pacificar a matéria,

entendendo tratar-se de ato complexo. Desse modo, o prazo qüinqüenal para

revisão do ato somente inicia-se após a análise deste pelo Tribunal de Contas,

que perfectibiliza a aposentadoria com seu aval.

Ressalte-se que, nos casos em que o processo chegue à Corte quando já

passados cinco anos de sua concessão inicial, faz-se necessária a abertura de

contraditório e ampla defesa à parte interessada, em homenagem à segurança

jurídica e à proteção da confiança legítima.

Por fim, cabível mencionar que, diante da resistência de parte da doutrina,

com fundamentos robustos, é possível que, num futuro, o STF volte a analisar

o assunto e entenda pela mudança do entendimento, com base em uma nova

ótica. Resta, então, aos jurisdicionados e operadores do direito acompanhar o

desenrolar dos fatos e os entendimentos da Corte.

Isso porque, por se tratar de matéria que pode afetar milhares de

servidores, além de ser passível de gerar prejuízos econômicos ao Estado, é

certo que qualquer mudança deve ser analisada com parcimônia. Contudo, tais

implicações não impedem uma nova análise do assunto, tendo em conta a

discussão que ainda existe em sede doutrinária.

Ademais, é certo que a demora em analisar os atos em questão pelo

Tribunal de Contas, assoberbado pela grande quantidade de atos, pode levar a

uma necessidade de simplificação da matéria, o que seria benéfico aos

servidores. Desse modo, uma maior agilidade no trato do assunto, sem

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descurar da análise necessária para tanto, pode ser benéfico para ambas as

partes.

Tanto a Administração se beneficia, pelo fato de que será mais diligente em

seus procedimentos e terá menores custos, quanto o servidor será também

beneficiado, na medida em que terá certeza acerca de sua situação funcional e

poderá, mais rapidamente, exercer eventual direito de questionar o ato de

aposentadoria.

Com tais razoes, buscou-se no presente texto trazer as linhas gerais acerca

do instituto da aposentadoria e dos problemas a ele relacionados, na

esperança de que se possa, num futuro breve, encontrar uma solução

intermediária para o problema, passando pela natureza jurídica dada ao ato e

suas conseqüências.

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REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. Editora Método. 22ª Edição. FERREIRA, Juliana de Oliveira Duarte e BEDONE, Igor Volpato. Direito Previdenciário Público. Editora Juspodium. 1ª edição. FILHO, José dos Santos de Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Editora Atlas. 27ª edição. FILHO, Marçal Justen. Curso de direito administrativo. 7. Edição. Belo Horizonte: Fórum, 2011. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. Editora Saraiva. 17ª edição. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores. 26ª edição. PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. Editora Forense. 31ª edição.