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Manoel Rodrigues - Evolucao_sistema_eleitoral

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O autor, que é historiador, expõe de maneira clara, cronologicamente, os diferentes sistemas eleitorais ao longo de nossa história. Não se trata tão-somente da análise da legislação eleitoral existentes em nosso ordenamento jurídico, mas [...] o estudo da história das eleições no Brasil"

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  • A Evoluo do SistemaEleitoral Brasileiro

  • Manoel Rodrigues Ferreira

    Edio histrica organizada a partir de artigos publicadosem Boletins Eleitorais dos anos de 1956 e 1957

    A Evoluo do SistemaEleitoral Brasileiro

    Secretaria de Documentao e Informao2005

    2a edioRevisada e alterada

  • Tribunal Superior Eleitoral

    Tribunal Superior EleitoralSecretaria de Documentao e Informao

    SAS Praa dos Tribunais SuperioresBloco C, Edifcio Sede, Trreo

    70096-900 Braslia/DFTelefone (61) 316-3272

    Fac-smiles: 322-0562, 322-0567 e 322-0571

    ndicesCoordenadoria de Biblioteca e Editorao

    EditoraoSeo de Publicaes Tcnico-Eleitorais

    Ferreira, Manoel Rodrigues.A evoluo do sistema eleitoral brasileiro / Manuel

    Rodrigues Ferreira. 2. ed., rev. e alt. Braslia : TSE/SDI,2005.

    367. p. : il. ; 24 cm.

    Edio histrica organizada a partir de artigos publicadosnos Boletins Eleitorais dos anos de 1956 e 1957.

    A primeira edio foi uma co-edio Senado Federal/TSE.

    ISBN 85-86611-31-X

    1. Sistema eleitoral Histria Brasil. 2. Eleio Histria Brasil. I. Ttulo.

    CDD 341.280981

  • Tribunal Superior Eleitoral

    PresidenteMinistro Carlos Velloso

    Vice-PresidenteMinistro Gilmar Mendes

    MinistrosMinistro Marco Aurlio

    Ministro Humberto Gomes de BarrosMinistro Peanha MartinsMinistro Caputo Bastos

    Ministro Luiz Carlos Madeira

    Procurador-Geral EleitoralDr. Cludio Lemos Fonteles

    Vice-Procurador-Geral EleitoralDr. Roberto Monteiro Gurgel dos Santos

    Diretor-Geral da SecretariaDr. Athayde Fontoura Filho

  • Sumrio

    Apresentao ................................................................. 13A nossa tradio democrtica .......................................... 17O Estado do Brasil, Membro do Reino de Portugal .............. 23

    As repblicas das vilas e cidades ................................................. 2 3

    O Brasil patrimnio da Ordem de Cristo ..................................... 2 4

    Aps o Descobrimento, conhecendo o Brasil por fora e por dentro 2 4

    Martim Afonso de Souza funda, em 1532, as duas primeiras vilas:

    So Vicente, no litoral, e Piratininga, no interior ............................ 2 5

    Surge o Estado do Brasil ........................................................... 2 5

    A fundao das vilas e cidades .................................................... 2 5

    A Ordenao do Reino ............................................................... 2 6

    A histria do povo do Brasil ......................................................... 2 7

    O Cdigo Eleitoral ....................................................................... 2 8

    O Cdigo Eleitoral das Ordenaes .............................................. 2 9

    A Abertura dos Pelouros .............................................................. 3 5

    Casa da Cmara e Cadeia ............................................................ 3 6

    As sesses e as audincias pblicas ............................................ 3 7

    As faltas ..................................................................................... 3 7

    El-Rei D. Sebastio cria as bandeiras ........................................... 3 7

    As cmaras das repblicas davam posse ...................................... 3 9

    As cmaras das repblicas e dos senados .................................... 3 9

    Correspondiam-se com os reis de Portugal ................................... 3 9

    Os privilgios ............................................................................. 4 0

    Os privilgios das cidades ........................................................... 4 0

  • As categorias sociais .................................................................. 4 0

    O respeito do rei s repblicas ..................................................... 4 2

    O estado do meio ...................................................................... 4 2

    A Revoluo Liberal ..................................................................... 4 4

    As primeiras eleies gerais realizadas no Brasil ............... 51

    O nmero de deputados ............................................................... 5 2

    Juntas eleitorais de freguesias ..................................................... 5 3

    Juntas eleitorais das comarcas .................................................... 5 5

    Juntas eleitorais das provncias ................................................... 5 5

    Mais duas eleies gerais ................................................ 61

    Terceira eleio geral .................................................................. 6 2

    Uma consulta sobre matria eleitoral ................................ 67A primeira lei eleitoral brasileira ....................................... 73

    A nova lei eleitoral ...................................................................... 7 3

    Lei Eleitoral de 19 de junho de 1822 ............................................ 7 4

    A eleio dos eleitores de parquia .............................................. 7 5

    A eleio dos deputados .............................................................. 7 6

    A apurao ................................................................................. 7 7

    O privilgio do sistema eleitoral brasileiro ......................... 81A Constituio de 1824 ................................................... 87

    Os poderes polticos nacionais .................................................... 8 7

    O Poder Moderador ..................................................................... 8 7

    O Poder Legislativo ..................................................................... 8 8

    A eleio da Regncia ................................................................. 8 8

    A eleio dos deputados .............................................................. 8 8

    A eleio dos senadores .............................................................. 8 8

    As provncias .............................................................................. 8 9

    As cmaras municipais ................................................................ 9 0

    As eleies ................................................................................. 9 0

    Primeiro grau .............................................................................. 9 0

    Segundo grau .............................................................................. 9 1

    A Lei Eleitoral ............................................................................. 9 1

  • A Lei Eleitoral de 1824 ..................................................... 95

    Eleio dos eleitores de parquia ................................................. 9 6

    Eleio de senadores ................................................................... 9 8

    Eleio de deputados ................................................................... 9 9

    Eleio dos membros dos conselhos provinciais ........................... 9 9

    A apurao final .......................................................................... 1 00

    A eleio do regente ....................................................... 105

    Aperfeioamentos ....................................................................... 1 05

    Uma questo de conscincia ........................................................ 1 06

    A eleio do regente .................................................................... 1 07

    As assemblias provinciais ......................................................... 1 07

    Trs leis eleitorais ....................................................................... 1 08

    As eleies municipais ..................................................... 113

    A Lei de 1o de outubro de 1828 .................................................... 1 14

    A inscrio de eleitores ............................................................... 1 14

    A eleio .................................................................................... 1 15

    As agitaes polticas ...................................................... 121A Lei de 4 de maio de 1842 ............................................. 127A Lei de 4 de maio de 1842 ............................................. 133A Lei de 19 de agosto de 1846 ........................................ 139

    Qualificao dos votantes ........................................................... 1 40

    A eleio de 1o grau ..................................................................... 1 41

    Apurao final ............................................................................. 1 43

    Eleies municipais ..................................................................... 1 44

    Disposies gerais ...................................................................... 1 44

    Os analfabetos ............................................................................ 1 44

    O problema das minorias ................................................. 149A Lei dos Crculos ............................................................ 155

    Eleio dos deputados ................................................................. 1 55

    Membros das assemblias provinciais .......................................... 1 56

    As incompatibilidades ................................................................. 1 56

  • Os crculos de trs deputados ...................................................... 1 58

    Os distritos de trs deputados ..................................................... 1 59

    Demagogia e corrupo ............................................................... 1 60

    Os partidos em 1870 ....................................................... 167Os processos de votao ................................................ 173Servos da gleba e plutocratas .......................................... 179

    Tavares Bastos ........................................................................... 1 80

    Belisrio ..................................................................................... 1 81

    A Lei de 1875 ................................................................. 187

    Lei Eleitoral de 20 de outubro de 1875 ......................................... 1 88

    A qualificao ............................................................................. 1 88

    A Lei de 1875 ................................................................. 195

    As eleies ................................................................................. 1 96

    As incompatibilidades ................................................................. 1 97

    A Justia .................................................................................... 1 99

    O ttulo de eleitor ........................................................................ 1 99

    A regulamentao de 1876 .............................................. 203

    Ttulo I ....................................................................................... 2 03

    Ttulo II ...................................................................................... 2 04

    A magistratura ............................................................................ 2 05

    A Lei do Tero ................................................................. 209O primeiro ttulo de eleitor ............................................... 215A vitria dos liberais ........................................................ 221

    Saraiva ....................................................................................... 2 22

    Ruy ............................................................................................ 2 22

    O imperador ................................................................................ 2 23

    A Lei Eleitoral de 9 de janeiro de 1881.............................. 229

    Ttulo I ....................................................................................... 2 32

    Ttulo II ...................................................................................... 2 32

    A regulamentao da Lei de 1881 .................................... 239

    Ttulo III .................................................................................... 2 42

    Ttulo IV ..................................................................................... 2 42

  • A magistratura ............................................................................ 2 43

    Preferncia aos servios eleitorais ............................................... 2 43

    Os segundos-caixeiros ................................................................ 2 44

    Finda o Imprio ............................................................... 249

    Finda o Imprio ........................................................................... 2 50

    Inicia-se a Repblica ....................................................... 255A primeira lei eleitoral da Repblica .................................. 261O Regulamento Alvim .................................................... 267

    O Regulamento Alvim ................................................................ 2 67

    A eleio do presidente ............................................................... 2 69

    Os fiscais ................................................................................... 2 69

    As eleies ................................................................................. 2 70

    A Constituio de 1891 ................................................... 275

    Congresso Nacional .................................................................... 2 75

    Os deputados ............................................................................. 2 76

    Os senadores ............................................................................. 2 76

    O presidente ............................................................................... 2 76

    Os estados e os municpios ......................................................... 2 77

    Os eleitores ................................................................................ 2 77

    A Lei Eleitoral de 26 de janeiro de 1892 ............................ 281

    Eleio dos senadores ................................................................. 2 82

    Eleio de deputados ................................................................... 2 82

    Processo eleitoral ....................................................................... 2 82

    A unidade nacional .......................................................... 287

    Poderes dos estados ................................................................... 2 88

    Constituintes estaduais ............................................................... 2 88

    Legislao do Estado de So Paulo .................................. 293

    A primeira Constituio paulista .................................................. 2 93

    Regime municipal ........................................................................ 2 94

    A primeira lei eleitoral paulista ..................................................... 2 95

    A revogao do mandato .............................................................. 2 96

    As eleies municipais ................................................................ 2 97

  • Os municpios: organizao e legislao eleitoral .......................... 2 97

    A colonizao dos municpios ...................................................... 2 98

    O primeiro decnio da Repblica ....................................... 303A Lei Rosa e Silva ............................................................ 309

    Alistamento ................................................................................ 3 09

    Das eleies ............................................................................... 3 10

    O processo eleitoral .................................................................... 3 10

    Da apurao ............................................................................... 3 11

    Outras disposies ..................................................................... 3 11

    A unidade de alistamento ............................................................. 3 11

    A Repblica que findou em 1930....................................... 317Passado, presente e futuro ............................................. 323

    Brasil, provncia de Portugal ......................................................... 3 24

    Representao nas cortes ........................................................... 3 24

    O Imprio ................................................................................... 3 25

    A Repblica ................................................................................ 3 25

    Passado, presente e futuro ........................................................... 3 25

    Voto para o analfabeto e cdula nica oficial ................................. 3 26

    O voto do analfabeto ................................................................... 3 26

    A cdula nica oficial ................................................................... 3 26

    Muitos partidos e muitos candidatos ............................................ 3 28

    Dois escrutnios .......................................................................... 3 29

    Primeiro escrutnio ...................................................................... 3 29

    Segundo escrutnio ...................................................................... 3 30

    Novo processo de eleies para reduzir o nmero de partidos

    e candidatos ............................................................................... 3 30

    Concluso .................................................................................. 3 31

    O autor .......................................................................... 333

    Livros publicados ........................................................................ 3 36

    ndice de assuntos e de nomes ....................................... 339ndice iconogrfico .......................................................... 359

  • 13

    A primeira edio desta obra se deu em 2001, com apresentaodo Ministro Nri da Silveira, ento presidente do Tribunal SuperiorEleitoral, e contou com prefcio do Ministro Walter Costa Porto,tambm membro efetivo do Tribunal naquela ocasio.

    O professor Manoel Rodrigues Ferreira, revelando intensacuriosidade e esprito patritico, nos brindava com um trabalhoprimoroso de pesquisa histrica, em que esquadrinha o passado compaixo e rigor, trabalho esse que resultou neste livro, imprescindvelaos estudiosos da matria e recomendvel a todos aqueles que seinteressam pela histria das eleies no Brasil.

    Nesta segunda edio, revisada e ampliada, o autor nossurpreende com um captulo em que faz afirmaes inusitadas epolmicas em relao histria do pas, como aquela em que sustentano ter havido um Brasil colonial, por exemplo. A esse respeito chamanossa ateno, com muita nfase, para sua tese de que o pas eratratado no como colnia, mas como extenso de Portugal,transcrevendo excertos das Mximas do jovem Dom Sebastio, XVIRei de Portugal (e tambm do Brasil) escritas aos treze anos deidade, pouco antes de ascender ao trono e que o orientariam aotornar-se rei, e que seriam sua guia e norma.

    Escrito em estilo fluido e apurado, o livro tem como uma de suasgrandes qualidades o fato de nos proporcionar leitura empolgante, capazde despertar o interesse de qualquer leitor, mesmo daquele queno tem a Histria nem o sistema democrtico como paixes de primeiraordem, visto que os fatos aqui narrados so de interesse geral e muitoesclarecedores, do ponto de vista da evoluo poltica do pas.

    O professor Manoel Rodrigues Ferreira, em sua incansvel labutade pesquisador, age como um escafandrista que, abandonando asuperfcie das guas, onde esto as meras informaes, mergulha nomar da Histria procura do verdadeiro conhecimento e transita entreos recifes de corais das velhas estantes, em busca dos textosesquecidos nos pores das bibliotecas, como esquecidos esto muitostesouros, na escurido do mar profundo.

    Apresentao

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    , portanto, com muita satisfao que recebemos este livro,desejando que muitos leitores o apreciem, como ns o apreciamos, eque, por seu valor histrico, ele ocupe lugar de destaque nas estantesmais iluminadas das nossas casas e bibliotecas.

    ATHAYDE FONTOURA FILHODiretor-Geral da Secretaria do TSE

  • O direito do voto no foi outorgado aopovo brasileiro ou por este conquistado

    fora. A tradio democrtica do direito devotar, de escolher governantes (locais), estde tal maneira entranhada na nossa vida

    poltica, que remonta fundao dasprimeiras vilas e cidades brasileiras, logo

    aps o Descobrimento.

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    Este trabalho traz a exposio, em ordem cronolgica, de todosos sistemas eleitorais j adotados no Brasil. Neste primeiro tpico, aque damos o ttulo geral de Evoluo do sistema eleitoral brasileiro,pretendemos to-somente ressaltar a importncia dos regimes eleito-rais, a fim de justificar as prximas publicaes a que fazemos refern-cia. O estudo da histria, nesse campo, apresenta uma importnciaque transcende o simples interesse em conhecer a nossa legislaoeleitoral atravs dos tempos, pois vem demonstrar que o povo brasi-leiro, desde os primeiros tempos do Descobrimento, sempre teve amais ampla liberdade de escolher os seus governos locais.

    Quanto importncia dos regimes eleitorais, j em 1830, o gran-de constitucionalista francs Cormenin afirmava: A Constituio asociedade em repouso; a lei eleitoral, a sociedade em marcha. Eisporque os cientistas polticos acham que a legislao eleitoral matriaque deve ser tratada com um pouco mais de humildade.

    A estabilidade da vida poltica norte-americana conseqnciaunicamente do sistema eleitoral que aquele pas adota tradicionalmen-te, sem qualquer modificao substancial. No dia em que os Estados

    A nossa tradiodemocrtica

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    Unidos substiturem o seu regime eleitoral por outro, o seu sistema departidos e a sua representao popular sofrero modificaes profun-das, com todas as repercusses e conseqncias no seu organismopoltico-econmico-social. A mesma coisa se poder dizer da Ingla-terra. Isto no significa que esses dois pases possuem um sistema elei-toral perfeito. Bem ao contrrio. A legislao eleitoral brasileira con-sideravelmente superior da Inglaterra e dos Estados Unidos. Atendncia desses pases conservar a sua legislao eleitoral. A nossatendncia, como a da maior parte dos pases, aperfeioar a prprialei eleitoral. No entanto, possumos uma legislao que imperfeita,ainda. Cada um de ns capaz de apresentar suas prprias idiassobre as modificaes que devem ser introduzidas na nossa lei eleito-ral. A fertilidade da imaginao humana faz-se sentir em toda a suaexuberncia nesse campo da legislao eleitoral. Mas, muito poucasvezes, e raramente, alcana o objetivo visado: eficcia e justia.

    As modificaes das leis eleitorais brasileiras sempre tiveram afinalidade de alcanar um aperfeioamento. justo, pois, que consi-deremos as sucessivas modificaes dos nossos regimes eleitorais comouma evoluo, no obstante apresentassem, por vezes, alteraes pro-fundas, conseqentes ao advento de nossos regimes polticos.

    oportuno ressaltar que o direito do voto no foi outorgado aopovo brasileiro ou por este conquistado fora. A tradio democr-tica do direito de votar, de escolher governantes (locais), est de talmaneira entranhada na nossa vida poltica, que remonta fundaodas primeiras vilas e cidades brasileiras, logo aps o Descobrimento.

    Evidentemente, at poca da Independncia, o povo s elegiagovernos locais, isto , os conselhos municipais. Mas, considerandoas atribuies poltico-administrativas das cmaras municipais no Brasil-Reino, as quais legislavam amplamente, distribuam a justia, etc., nose poder negar a importncia de que se revestia a eleio doscomponentes dos conselhos. Analisaremos, oportunamente, com maisvagar este assunto. Por ora, vale ressaltar que o livre exerccio dovoto, de escolher governos locais, surgiu no Brasil com os primeirosncleos de povoadores. Esse direito, as geraes seguintes sempre odefenderam, mesmo tendo de se insurgir contra os governadores-gerais e provinciais e contra eles representando os reis de Portugal.

  • 19

    A evoluo do sistema eleitoral brasileiroM

    anoel Rodrigues Ferreira

    Por isso, os bandeirantes paulistas, quando se embrenhavam nossertes, iam imbudos da prtica do direito de votar e de ser votado.Quando, em 1719, Pascoal Moreira Cabral chega, com sua bandeira,s margens dos rios Cuiab e Coxip-mirim, e ali descobre ouro eresolve estabelecer-se, seu primeiro ato realizar a eleio de guarda-mor regente. E naquele dia, 8 de abril de 1719, reunidos numa clareirano meio da floresta, aqueles homens realizam uma eleio. Imediata-mente lavrada a ata dos trabalhos: (...) elegeu o povo em voz alta ocapito-mor Pascoal Moreira Cabral por seu guarda-mor regente ata ordem do senhor general (...), e mais adiante continuava o documento:(...) e visto elegerem dito lhe acataro o respeito que poder tirarautos contra aqueles que forem rgulos (...). Depois desse primei-ro ato legal, eram fundadas as cidades j sob a gide da lei e daordem.

    Aqui, temos to-somente o objetivo de relacionar, cronologica-mente, os sistemas eleitorais que at hoje tm presidido as eleies noBrasil. No reproduziremos, na ntegra, os textos das referidas leis,mas sim faremos unicamente um resumo delas, no que tinham de es-sencial.

    S por necessidade faremos, s vezes, brevssimas referncias afatos e situaes histrico-sociais que deram origem a algumas das leiseleitorais adotadas no Brasil.

    A seguir, discorreremos sobre a legislao eleitoral contida nasOrdenaes do Reino e que presidiram as eleies dos conselhosmunicipais do Brasil desde o primeiro sculo do Descobrimento at oano de 1828.

  • A histria do Brasil que se conhece, quesempre se cultivou, foi a histria pela pticada Monarquia de Portugal: os atos de reis,

    governadores-gerais, vice-reis, governadoresdas capitanias e demais altos funcionrios

    da Coroa Portuguesa. , na verdade, ahistria brasileira no contexto generalizadode toda a Nao Portuguesa, da qual o

    povo brasileiro no participavadiretamente, pois, na Corte, no havia

    representantes do povo.

  • 23

    As repblicas das vilas e cidades

    Aps a queda do Imprio Romano, a Europa mergulhou emcompleto caos. A instituio que se mantinha, dando aos povos umarelativa segurana, era a Igreja. Aos poucos foram surgindo os mer-cadores, que estabeleciam o comrcio entre os artesos, as cidadese os campos. Nas cidades, esses comerciantes que dominavam osburgos, isto , as vilas e cidades, iniciaram a estruturao de umpoder poltico que os fortalecia criando governos administrativos elei-tos pelo povo. Surgiam, assim, as repblicas das vilas e cidades,sob a orientao dos burgueses. Tinham os burgueses, entretanto,um poderoso inimigo: os senhores feudais, grandes proprietrios deterras que possuam suas prprias foras armadas.

    Os reis detinham um poder temporal, recebido dos papas, comorepresentantes de Deus na terra. Era a Teoria do Direito Divino dos Reis,

    O Estado do Brasil,Membro do Reino dePortugal

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    cujos atos compreendiam sano religiosa. Ainda assim no eram unani-midade. Possuam declarada inimizade aos mesmos senhores feudais.

    Como se v, tanto as monarquias quanto as repblicas das vilas ecidades tinham nos senhores feudais um inimigo comum, contra os quaisambas se uniram. Surgiam, dessa maneira, os estados-nao: os rei-nos, monarquias, cujos reis detinham poder vitalcio e hereditrio; jun-tamente com as cmaras das repblicas das vilas e cidades, cujosmembros eram eleitos pelo povo, por um nmero limitado de anos.

    Paradoxalmente os estados-nao eram formados de monarquiase repblicas. Portugal foi o primeiro estado-nao a surgir dessa for-ma na Europa, no ano 1128, na cidade de Guimares.

    O Brasil patrimnio da Ordem de Cristo

    Na Idade Mdia, por ocasio do movimento das Cruzadas paralibertar a Terra Santa dos infiis, foi fundada, em Jerusalm, no ano1119, a Ordem dos Templrios. Logo aps, a Ordem se estabelece noCondado Portucalense (depois Portugal), recebe, a ttulo de doao,o Castelo de Soure e ergue, posteriormente, o Convento de Tomar.

    Em 1312, sob presso do Rei Filipe, o Belo, da Frana, o PapaClemente V suprime a Ordem dos Templrios. Em Portugal, o ReiD. Diniz, utilizando todo acervo da extinta Ordem dos Templrios,funda a Ordem de Cristo, governada pelos reis de Portugal. O infanteD. Henrique, com esses bens, criou a Escola de Sagres, responsvelpelos grandes descobrimentos martimos. Todas as novas terras des-cobertas ficaram sob propriedade da Ordem de Cristo, inclusive oBrasil. Assim, as terras do Brasil no poderiam ser vendidas, somentedoadas, seja pelos reis portugueses seja por seus representantes.

    Aps o Descobrimento, conhecendo o Brasil porfora e por dentro

    Depois do Descobrimento do Brasil, em 1500, a CoroaPortuguesa tratou de conhecer-lhe o litoral. Para tanto, mobilizou seuscosmgrafos e cartgrafos, o que no era empreitada fcil. precisoreconhecer que Portugal tinha um milho de habitantes e precisavacuidar tambm da frica e da sia. Assim, no bastavam homensespecializados nesse mister, mas tambm dinheiro.

    JosEduardoHighlight

  • 25

    A evoluo do sistema eleitoral brasileiroM

    anoel Rodrigues Ferreira

    Apesar das dificuldades, j em 1519 o cosmgrafo Lopo Ho-mem apresentava o seu mapa da costa brasileira (litoral do Brasil),com mais de 150 acidentes geogrficos. Estava, pois, o Brasil conhe-cido por fora, ao longo do seu litoral.

    Martim Afonso de Souza funda, em 1532, as duasprimeiras vilas: So Vicente, no litoral, e Piratininga,no interior

    Por determinao do rei de Portugal, em 3 de dezembro de 1530,parte de Lisboa a grande expedio, composta de cinco navios e mais dequatrocentas pessoas, chefiada por Martim Afonso de Souza. Depois demuitas peripcias, Martim Afonso de Souza chega a So Vicente, ondehavia um grupo de portugueses e espanhis, no dia 22 de janeiro de 1532.Em companhia de Joo Ramalho, sobe a Serra do Mar, onde funda, noplanalto, junto a um rio chamado Piratininga, uma vila: a primeira no interiorda Amrica Portuguesa. Comeava assim o Segundo Descobrimento doBrasil, o interior; pois o litoral fora o Primeiro Descobrimento.O objetivo era criar uma escola de sertanismo para formar homens que,afeitos penetrao das matas e devassa das florestas do interior, fos-sem procura da clebre Lagoa Dourada, que os ndios denominavamLagoa Paraupava e Vupabuss.

    Surge o Estado do Brasil

    Em 1549 criado o Estado do Brasil, com sede em Salvador, na Bahia.Era o Governo-Geral, ao qual ficavam subordinadas todas as capitanias.

    A fundao das vilas e cidades

    No se pode ignorar a importncia jurdica de se fundar uma vila.Martim Afonso de Souza fundou duas vilas, So Vicente e Piratininga,em um mesmo ano, 1532. No entanto, o documento que comprova afundao das vilas no especifica qual das duas foi a primeira.

    Eu, autor deste artigo, j expus em livros e em outros artigos que,por muitas e boas razes, Piratininga foi a primeira a ser fundada. SoVicente, localizada no litoral, constitua uma ncora de Piratininga. Foi,portanto, a segunda vila. O documento da fundao de ambas acha-se

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    no Dirio de Pero Lopes de Souza, irmo de Martim Afonso deSouza, que registrou todos os passos da expedio. Pelo documento,v-se que houve um ordenamento jurdico a fundamentar legalmente aconstituio de ambas as vilas, isto , foram rigorosamente fundadassob os aspectos da administrao poltica (governo da Repblica elei-to pelo povo), da economia e da organizao social (incluindo a exis-tncia de uma Igreja para os atos religiosos). esse um dos mais belosdocumentos da nossa histria. Deveria obrigatoriamente ser ensinadonas escolas, desde as primeiras letras.

    necessrio acrescentar que Martim Afonso de Souza estavaautorizado a utilizar o solo, de propriedade (patrimnio) da Ordem deCristo, para fundar as duas vilas. A autorizao foi-lhe concedida pelogovernador dessa Ordem, o rei de Portugal. Martim Afonso distribuiuas pessoas que com ele vieram entre as duas vilas. Derrubaram a mata,limparam o cho, estabeleceram o plano urbanstico, abriram ruas,marcaram a praa, onde localizaram a Casa de Cmara e Cadeia, etomaram lotes, tornando-se, cada um, proprietrio do seu.

    Estava estabelecida aquela nascente sociedade, regulada pelo li-vro mximo do Reino de Portugal, a Ordenao do Reino, que esta-belecia os fundamentos jurdicos da Monarquia, no mbito nacional, edas repblicas das vilas e cidades, no mbito local. E assim se desen-volveram as duas primeiras vilas do Brasil: So Vicente, no litoral, ePiratininga, no interior (hoje, a cidade de So Paulo).

    A Ordenao do Reino

    Estado-Nao:

    REINO DE PORTUGAL

    Livro da Constituio dos dois estados(Nacional e Repblica), com suas leis,

    cdigos, etc.:

    ORDENAO DO REINO

    Formas de governo:

    MONARQUIA (mbito nacional)REPBLICA (vilas e cidades)

    Organizao poltica dos dois estados(Nacional e Repblica)

    1. MONARQUIA DE PORTUGAL(vitalcia e hereditria)

    2. REPBLICA DAS VILAS E CIDADES(eleies populares)

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    Os dois esquemas acima so bastante esclarecedores. No pri-meiro, vemos que o Estado-Nao, denominado Reino de Portugal,era governado por uma Monarquia (no plano nacional) e pelas rep-blicas (nas vilas e cidades). No segundo esquema verificamos que aOrdenao do Reino estabelecia a organizao poltica desses doisestados (Monarquia e repblicas).

    Podemos dizer que as repblicas das vilas e cidades eram a c-lula-mter do Reino de Portugal, juntamente com as repblicas dasvilas e cidades do prprio Portugal europeu.

    O livro mximo do Reino de Portugal, Ordenao do Reino no confundir com ordens reais, determinaes reais, exigncias reais,etc. , esclarecia a maneira como era organizado o Reino de Portugal,composto de Monarquia e de repblicas. No era, pois, a Ordenaoum livro somente da Monarquia, mas tambm das repblicas. O Reinode Portugal compunha-se assim de Monarquia e de repblicas. Tanto aMonarquia, com suas prprias leis e outras disposies, quanto as rep-blicas das vilas e cidades, com atribuies, composio dos concelhosdas repblicas, o Cdigo Eleitoral, alm de outras disposies, possu-am captulo prprio na Ordenao do Reino.

    A histria do povo do Brasil

    Por se desconhecer a histria das repblicas das vilas e cidadesno Brasil, no seu sentido poltico, econmico e social, tal como se achana documentao relativa s suas cmaras, os historiadores desco-nhecem a histria do povo durante esse perodo. A histria do Brasilque se conhece, que sempre se cultivou, foi a histria pela ptica daMonarquia de Portugal: os atos de reis, governadores-gerais, vice-reis,governadores das capitanias e demais altos funcionrios da CoroaPortuguesa. , na verdade, a histria brasileira no contextogeneralizado de toda a Nao Portuguesa, da qual o povo brasileirono participava diretamente, pois, na Corte, no havia representantesdo povo. Portanto, foi e um erro procurar a histria do povo doBrasil nessas searas.

    A histria do povo, como ser poltico, acha-se na histria dasrepblicas das vilas e cidades. Era nelas que a gente do Brasil exer-

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    citava o seu poder poltico, elegendo e sendo eleita para os cargosda sua Repblica. Como vimos, a Monarquia Absolutista e o con-junto das repblicas das vilas e cidades equilibravam-se reciproca-mente. Supor que o povo em geral no possua direitos e poderespolticos um equvoco. Tinha-os e exercitava-os, de maneira am-pla, nas repblicas das vilas e cidades. na documentao relativa aessas repblicas locais que vamos encontrar a histria do povo doBrasil de 1532 a 1829.

    O Cdigo Eleitoral

    A eleio para os cargos das repblicas das vilas e cidades eraregida pelo Cdigo Eleitoral da Ordenao do Reino, que em seuscaptulos no explicitavam os rgos da administrao, mas referiam-seaos ocupantes dos diversos cargos e funes. Assim, a Ordenao doReino de D. Joo IV, reimpressa em 1767 a mando de D. Joo V,tratava: Dos juzos ordinrios e de fora, no ttulo LXV, estabelecen-do suas competncias; Dos vereadores e das suas competncias, nottulo LXVI; Em que modo se faro a eleio dos juzes, vereadores,almotacs, e outros oficiais, descrevendo minuciosamente o respecti-vo Cdigo Eleitoral, no ttulo LXVII; Dos almotacs, no ttuloLXVIII; Do procurador do Concelho, no ttulo LXIX; Do tesou-reiro do Concelho, no ttulo LXX; e Do escrivo da Cmara, nottulo LXXI.

    O nmero de oficiais de uma Repblica era determinado pelonmero de moradores de uma vila ou cidade. Em geral, o nmero devereadores variava de trs a sete e o de juzes de um a dois. Procura-dor do Concelho era apenas um. Quando, uma vez por semana, osvereadores, os juzes ordinrios e o procurador se reuniam para tratardas coisas respeitantes ao bem comum da Repblica, dizia-se queeles faziam cmara.

    Oficiais eram aqueles que exerciam uma determinada funo,os oficiais da Cmara, no caso de cargos pblicos; ou ofcio, profis-sionais como os oficiais mecnicos, que executavam trabalhosmanuais.

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    Assim, em uma repblica politicamente constituda, apresidncia cabia a um juiz ordinrio. A Cmara era o corpoLegislativo da Repblica. O Executivo era exercido pelosprocuradores, que cuidavam das obras pblicas por intermdio dosalmotacs, fiscais de pesos e medidas e tambm das moradias emrelao s outras casas e logradouros pblicos, e dos alcaides que,executando a funo dos atuais chefes de polcia, eram encarrega-dos da cadeia e dos presos. Como no existiam policiais militares,a Ordenao do Reino, para manter a ordem pblica, determinavaa criao de uma polcia civil com gente do povo. Eramquadrilheiros. Esses nada tinham a ver com o que determinava oRegimento das Ordenanas, que era o povo todo em armas, paraguerras de ataque ou defesa, o que veremos ainda.

    Nada mais era preciso acrescentar a essas vilas e cidades paraque se constitussem verdadeiras e autnticas repblicas, como alis sedenominavam. Os prprios reis, quando a elas se dirigiam, chama-vam-lhes repblicas. Os documentos existentes so abundantes. oportuno citar que todas essas funes eram exercidas graciosamente,devendo aqueles que faltassem s suas obrigaes pagar multas scmaras.

    O Cdigo Eleitoral das Ordenaes

    J dissemos que os juzes, vereadores e procuradores das cma-ras municipais eram eleitos por um ano. Vejamos agora como eramfeitas essas eleies. Esse cdigo eleitoral estava contido no Livro I,Ttulo 67 das Ordenaes. No iremos transcrever aqui, ipsis litteris,esse cdigo eleitoral, pois, se a realizao das prprias eleies j eracomplicada, fcil imaginar a dificuldade em se entender a redao domesmo. Ento, optamos por explic-lo com a redao nossa, paratorn-lo mais acessvel queles que no esto acostumados com essalinguagem de h sculos. Comecemos, ento. O mandato dos oficiaisda Cmara era de um ano, mas no se faziam eleies anualmente. Aseleies eram feitas de trs em trs anos. Isto , num s escrutnioeram eleitos trs concelhos: um para cada ano. Vejamos, pois, o pro-cesso de eleio.

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    1o Convocao dos eleitores. O concelho cujo mandato estavaterminando, e por ser ele o terceiro, convocava eleies por meio deeditais, convocando todos os cidados, homens bons e republica-nos, para a eleio que seria realizada num determinado dia de de-zembro. A denominao cidados significava o povo todo, ou melhor,a Gente mecnica ou os Oficiais mecnicos, que era a plebeque tinha o direito de votar, mas no de ser votada. S podiam servotados os que pertenciam nobreza das vilas e cidades, ou seja, osdenominados homens bons que recebiam tambm a denominao derepublicanos. Os editais da Cmara Municipal de So Paulo usavamtanto uma como outra denominao, indiferentemente. Portanto, o su-frgio era universal, no havia qualificao prvia de eleitores, e nemrestries ao seu exerccio. (Agora, um parntese necessrio: um soci-logo brasileiro, Oliveira Viana, afirmou que no tal Brasil-Colnia amassa do povo no votava, e fez tal assertiva, por desconhecer asOrdenaes e a documentao existente, da qual a mais abundante noBrasil a da Cmara Municipal de So Paulo, que s comeou a serpublicada em 1914. Desconhecendo essa documentao, OliveiraViana, que era socilogo e no historiador, fez tal afirmativa. Foi obastante, para at hoje, qualquer um invocar a autoridade de Olivei-ra Viana, para provar que hoje o nosso povo no sabe votar por-que esse direito lhe foi negado no tal Brasil-Colnia, etc. etc.Ora, em Histria no existem autoridades, mas sim documentos. E adocumentao abundantssima das nossas cmaras municipais,particularmente a de So Paulo, que foi a que mais se conservou, a estpara provar que Oliveira Viana foi leviano na sua afirmativa. Mas, deixe-mos em paz os pobres repetidores que, como papagaios, invocam aautoridade de Oliveira Viana. E continuemos, fechando este parntese).

    2o A eleio de primeiro grau. Reunido o povo, comeava aeleio. Cada cidado aproximava-se da mesa eleitoral e dizia ao es-crivo, em segredo, isto , junto ao seu ouvido, sem que ningum ou-visse, o nome de seis pessoas. Essas pessoas deveriam ser da nobre-za local, ou seja, da categoria dos homens bons, ou republicanos, oque tinha o mesmo sentido. Eles eram nomeados secretamente, isto, sem outrem ouvir o voto de cada um (observao: cada vez que

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    usarmos aspas, tal significa que a referida expresso consta do CdigoEleitoral das Ordenaes). Essas seis pessoas em quem o cidadovotava deveriam ser as mais aptas para exercerem a funo de elei-tores do segundo grau. O escrivo ia anotando os nomes e, terminadaa votao, os juzes com os vereadores vero o rol, e escolheropara eleitores os que mais votos tiverem: aos quais ser logo dadojuramento dos Santos Evangelhos. Isto , esses seis mais votados se-riam os eleitores do segundo grau, e que em seguida iriam se reunirpara eleger os oficiais da Cmara para os trs anos seguintes. O jura-mento dos Santos Evangelhos que lhes era exigido referia-se a queiriam escolher os melhores homens bons, os melhores da nobrezalocal, os melhores da Repblica, trs expresses que tinham o mes-mo significado. E o juramento tambm se estendia ao fato de que nun-ca diriam em quem iriam votar. Ou melhor, nunca diriam em quemvotaram.

    3o A eleio do segundo grau. Esta era a segunda fase daeleio. Os seis eleitores, eleitos pelo sufrgio universal, iriam agoraescolher os membros do Concelho, isto , os oficiais da CmaraMunicipal, ou o que o mesmo, da Repblica, para os prximostrs anos. Continuemos, ento, o processo. Os seis eleitores eramagrupados de dois em dois, formando trs grupos. Dois de umgrupo no podiam ser parentes, nem cunhados, at o quarto grau,segundo o Direito Cannico. E assim agrupados, deixavam o recintoda eleio do primeiro grau, e se dirigiam a outro local, onde continu-aria o processo da eleio. E determinava a Ordenao: E em outracasa, onde estejam ss, estaro apartados dois a dois, de maneira queno falem uns com os outros. Isto , dois de um grupo ficariam em umcmodo da casa, outro grupo de dois ficaria em outro cmodo e omesmo com o terceiro. Dessa forma, dois de um grupo poderiam con-versar entre si, sendo proibida a comunicao entre dois grupos vizi-nhos. Assim separados, os trs grupos organizavam as suas listas devotao, ou seja, iriam votar em pessoas da nobreza da vila ou cidade,que deveriam ocupar os cargos de oficiais da Cmara Municipal nosprximos trs anos. Exemplifiquemos como procedia um grupo: osdois eleitores, numa folha de papel, faziam tantas colunas quantos os

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    cargos de oficiais a eleger. Geralmente eram trs colunas, intituladas:juzes, vereadores e procurador. Sendo dois juzes para cada ano, essegrupo escrevia seis nomes; se fosse um s juiz para cada ano, a colunateria trs nomes. Na segunda coluna, sob o ttulo vereadores,escreveriam um mximo de nove nomes, desde que eram trsvereadores para cada ano. Se a vila ou cidade tivesse s doisvereadores, ento a coluna teria somente seis nomes. Na colunaprocurador, escreviam um mximo de trs nomes, desde quesempre s havia um procurador em cada Cmara Municipal. Cadagrupo tinha, pois, o seu rol de nomes. Vejamos o passo seguinte daeleio.

    4o O processo de apurar a pauta. Em seguida, os trs gruposentregavam os respectivos ris (relaes) que haviam feito ao juizmais antigo, o qual perante todos jurar de no dizer a pessoa algumaos oficiais que na eleio ficam feitos. O juiz mais antigo, isto , queno estivesse exercendo o cargo, jurava, pois, que guardar segredodos nomes escritos nos trs ris. Passava agora o referido juiz a mani-pular aqueles nomes contidos nos trs ris, num processo que recebiao nome de apurar a pauta ou alimpar a pauta. Ambos os nomeseram usados indiferentemente. Assim, o juiz ver por si s os ris, econsertar uns com os outros, e por eles escolher as pessoas quemais votos tiverem. E tanto que os assim tiver apurados, escreva porsua mo em uma folha, que se chama pauta, os que ficam eleitos parajuzes, em outro ttulo os vereadores, e procuradores, e assim de cadaofcio. Nessas condies, o juiz apurava a pauta, ou seja, juntavanuma s folha de papel todos os nomes que constavam nas trs rela-es organizadas pelos trs grupos de eleitores de segundo grau. Evi-dentemente, por pura coincidncia, alguns nomes deveriam aparecerem mais de um rol, nos trs at. O juiz organizava, na referida folha depapel chamada pauta, trs colunas, com trs ttulos: juzes, vereado-res e procuradores. E em cada coluna colocava todos os nomes queconstavam das respectivas colunas das trs relaes que havia recebi-do. Assim, na suposio de que no havia nomes repetidos, na colunajuzes, ele colocaria dezoito nomes (3x6); na coluna vereadoresescreveria vinte e sete nomes (3x9) no caso de a Cmara Municipal

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    ter trs vereadores; dezoito nomes (3x6), no caso de haver s dois;finalmente, na coluna de procuradores, escreveria nove nomes (3x3),pois as cmaras municipais tinham um s procurador por ano. Estava,pois, concludo o processo de apurar a pauta ou alimpar a pauta.Em seguida, o juiz passaria segunda fase do processo: dos nomesarrolados na pauta, selecionar os que iriam governar a terra nos prxi-mos trs anos. o que veremos.

    5o O modo de conciliar os nomes. Cabia agora ao juiz umaimportantssima tarefa: conciliar os nomes da pauta, segundo o se-guinte critrio que consta das Ordenaes do Reino: E para servi-rem uns com os outros, o juiz juntar os mais convenientes, assimpor no serem parentes, como os mais prticos com os que o noforem tanto, havendo respeito s condies e costumes de cadaum, para que a terra seja melhor governada. A estava, pois, asabedoria das Ordenaes, ou seja, conciliar os nomes, para que aterra, isto , o municpio, a Repblica municipal, fosse melhor go-vernada. Eis como agia o juiz: no caso dos juzes, ele iria escolherseis nomes, dividindo-os em grupos de dois, ou seja, dois paracada ano de mandato. No caso dos vereadores, dividi-los-ia emtrs grupos, cada grupo com trs ou dois vereadores, conforme ouso da vila ou cidade. No caso dos procuradores, dividia-os emtrs, de um nico nome em cada. Evidentemente, ao escolher essesnomes, o juiz era obrigado a rejeitar um grande nmero de pessoas,desde que ultrapassavam o total necessrio. Estavam, pois, orga-nizados juzes, vereadores e procuradores, para servirem nos trsprximos anos. Essa nova pauta, organizada pelo juiz, seria guar-dada, como determinavam as Ordenaes: E esta pauta ser assi-nada pelo juiz, cerrada e selada. Mas antes que o fosse, o juiz iriaescrever os nomes dos grupos separadamente, pois, a cada trsanos, dever-se-ia conhecer os nomes dos grupos de oficiais daCmara que haviam sido eleitos. E se ficassem todos nessa pauta,aberta, ento se ficaria sabendo, de antemo, os grupos que iriamgovernar nos dois anos seguintes. Para evitar esse conhecimentoprvio, o juiz, antes de fechar e selar essa pauta, iria dela retirar osnomes dos grupos formados, para passar ao processo seguinte daeleio. o que passaremos a descrever.

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    6o Os pelouros da eleio. Inicialmente, vejamos o que eram ospelouros de cera da eleio. Quando comearam a surgir as armas defogo, elas eram praticamente pequenos canhes que os soldados carre-gavam nas mos. E esses canhezinhos disparavam balas de ferro maci-o, chamadas pelouros. No eram grandes, talvez uns centmetros dedimetro. Eram, pois, pequenas bolas de metal. No caso das eleies,usavam-se pelouros de cera, redondos e do mesmo tamanho dos pelourosdos canhes. Da o nome. Mas, continuemos. Antes de fechar e selar apauta dos grupos que iriam servir nos prximos trs anos, o juiz proce-dia da seguinte maneira: escrevia em trs papeizinhos os nomes dos trsgrupos de juzes (um ou dois nomes, conforme o caso) e colocava cadapapelzinho dentro de um pelouro de cera e o fechava. Depois escreviaem trs outros papeizinhos os nomes dos trs grupos de vereadores(trs nomes ou dois, segundo o caso) e colocava cada papelzinho den-tro de um pelouro de cera e o fechava com cera mesmo. Finalmentetomava trs outros papeizinhos e em cada um escrevia o nome do pro-curador, e cada papelzinho colocava dentro de um pelouro de cera. Aestavam, pois, nove pelouros fechados: trs de juzes, trs de vereado-res e trs de procuradores. Vejamos agora o passo seguinte.

    7o O saco dos pelouros no cofre. Ato contnuo, o juiz tomava umsaco de pano, com trs divises: numa diviso onde estava escritojuzes, ele colocava os trs pelouros de juzes; na segunda diviso ondeestava escrito vereadores, ele colocava os trs pelouros de vereado-res; e finalmente, na diviso de procuradores, ele colocava os trspelouros de procuradores. Na ltima diviso do saco, o juiz colocava apauta cerrada e selada. E esse saco era guardado num cofre de ferro,com trs fechaduras, sendo que cada vereador cujo mandato se estavaextinguindo ficaria com uma chave. Para abrir o cofre, posteriormente,seria necessria a presena dos trs ex-vereadores, simultaneamente,como veremos. Cada ano, essas trs chaves passariam sucessivamenteaos vereadores cujos mandatos terminavam. De acordo com as Orde-naes do Reino, aquele que cedesse sua chave a outro seria degreda-do um ano para fora da vila, e pagar quatro mil ris de multa. Estava,pois, findo o processo da eleio. O cofre ficava guardado na CmaraMunicipal, e cada um ia para a sua casa.

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    A Abertura dos Pelouros

    No fim do ano, geralmente em fins de novembro ou comeos dedezembro, os oficiais da Cmara Municipal, cujos mandatos termina-riam no ltimo dia de dezembro, lanavam prego, ou seja, edital,convocando o povo e homens bons para que em determinado sbado, hora em que o sino da cadeia tocasse, todos se reunissem na sede doConcelho, para a abertura dos pelouros, e saberem quem seria desig-nado para servir no ano seguinte. Dizemos designado, pois eleito jhavia sido; dependendo da sorte, seria designado para um dos prxi-mos anos. Convocados e reunidos aps o sino bater, determinavam asOrdenaes que, perante todos, um moo de idade at sete anosmeter a mo em cada repartimento (do saco), e revolver bem ospelouros, e tirar um (pelouro) de cada repartimento, e os que saremnos pelouros, sero oficiais esse ano, e no outros. Isto , o jovemretiraria da primeira diviso do saco onde estava escrito juzes umpelouro, que era aberto e ento todos ficavam conhecendo os nomesdos que iriam servir. E assim se procedia com os vereadores eprocurador. Depois fechava-se o cofre, que era guardado novamente.

    Em seguida, esses nomes eram levados ao conhecimento doouvidor-geral, que os examinaria e expediria um documento chamadocarta de confirmao de usanas, ou simplesmente carta deconfirmao, ratificando a escolha feita, e assim os eleitos podiamtomar posse. Essas cartas de confirmao correspondiam s atuaisdiplomaes dos candidatos eleitos nas nossas eleies, que tambmso assinadas pelos juzes presidentes dos tribunais regionais eleito-rais. Os eleitos tambm recebiam, do escrivo da Cmara Municipal,um ofcio comunicando-lhes que haviam sido eleitos.

    A posse dava-se sempre na primeira oitava do Natal, ou seja,no dia 1o de janeiro do ano seguinte. Vejamos o significado dessa ex-presso primeira oitava do Natal: antigamente, considerava-se queo dia do Natal (25 de dezembro), por ser o dia do nascimento deCristo, deveria ser o primeiro dia do ano, isto , do ano que iria come-ar da a oito dias. Assim, se o ano que estivesse correndo fosse o de1618, eles no diziam 25 de dezembro de 1618, mas sim, 25 de

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    dezembro de 1619, ou seja, j comeava o ano seguinte. E como esseera o primeiro dia do ano, o dia 1o de janeiro seria o oitavo dia donovo ano, ou seja, a oitava do Natal conforme se dizia e escrevia.Dessa maneira, terminamos a exposio do Cdigo Eleitoral das Or-denaes do Reino, tal como era usado tanto em Portugal como noBrasil. As atas e registros da Cmara Municipal de So Paulo, jpublicadas, provam que durante quase trs sculos, se observara rigo-rosamente o Cdigo das Ordenaes e outras leis esparsas, que vere-mos mais adiante.

    Entretanto, devemos fazer mais algumas observaes ao proces-so eleitoral visto. Se, no momento da abertura do cofre, faltasse algumou alguns dos vereadores que possuam as chaves, por estarem forada vila (ou cidade), o cofre seria arrombado por determinao do juiz.Se, no momento da abertura dos pelouros, faltasse algum dos oficiaisque neles saram, ausncia devida a falecimento ou a estar no serto,ento seria feita, no mesmo momento, eleio s para esse caso, eento todos os homens bons do lugar, no momento presentes, vota-vam diretamente nos nomes que quisessem, para preencher o cargoou os cargos vagos. E os nomes que fossem recebendo votos iamsendo anotados com uma barra (/), da ser a eleio chamada de bar-rete. Seria eleito o que mais votos tivesse, ou seja, o que mais barre-tes tivesse. O mesmo processo era usado quando durante o ano fale-cia ou da vila (ou cidade) se ausentava por muito tempo um oficial daCmara.

    E agora, uma ltima informao. As cartas de confirmao deusanas, ou simplesmente cartas de confirmao, justificavam-se,pois, como j vimos, somente os homens bons da vila (ou cidade),que constituam a sua nobreza local, poderiam ser eleitos. O ouvidor,ao receber a comunicao dos eleitos e designados, iria verificar nosseus assentamentos se eles podiam ou no ocupar os cargos.

    Casa da Cmara e Cadeia

    As vilas e cidades deveriam construir a ento chamada Casa daCmara e Cadeia com dois pisos: trreo e sobrado. No sobrado fun-

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    cionava a Cmara da Repblica; no piso ficava a cadeia, com celaspara homens e mulheres, separadamente. Assim, os presos ficavamsob a jurisdio direta da Cmara, particularmente dos juzes ordinrios,eleitos pelo povo.

    As sesses e as audincias pblicas

    As sesses da Cmara da Repblica eram realizadas com juzes,vereadores e o procurador na Casa da Cmara, no andar superior dosobrado. Mas as audincias pblicas eram diferentes: o povo s erarecebido, na Casa da Cmara, pelos vereadores e pelo procurador.Os juzes ordinrios eram proibidos de dar audincia pblica na Casada Cmara. Havia uma casa separada, denominada Pao do Conce-lho, onde os juzes ordinrios recebiam o povo em audincia. Na faltado Pao do Concelho, os juzes ordinrios deveriam realizar audinciaspblicas em suas prprias residncias.

    As faltas

    O mandato dos membros da Cmara da Repblica era de umano. Como suscitado anteriormente, nenhum deles recebia vencimen-tos ou qualquer tipo de remunerao. Alm disso, o membro da C-mara que faltasse deveria justificar-se por escrito, do contrrio, eraobrigado a pagar multa.

    El-Rei D. Sebastio cria as bandeiras

    O jovem Dom Sebastio, XVI Rei de Portugal (e tambm doBrasil), nasceu em Lisboa, em 1554, e, aos treze anos de idade, pou-co antes de ascender ao trono, escreveu as Mximas, que o orienta-riam ao tornar-se rei, e que seriam sua guia e norma. Esse documento pouqussimo conhecido em Portugal, tendo sidopublicado pelo historiador portugus Mrio Saraiva em seu recentelivro D. Sebastio na histria e na lenda (Editora Universitria, Por-tugal). Assim, nas suas Mximas, Dom Sebastio escreveu:

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    Conquistar e povoar a ndia, Brasil, Angola e Mina.Gabar [elogiar] os homens e cavaleiros que tiveram bons proce-

    dimentos, diante de gente [povo] e os que tiverem prstimo para aRepblica, e mostrar aborrecimento s coisas a ela prejudiciais. Armartodo o Reino.

    Os termos colocados entre colchetes so meus. Notemos a im-portncia que Dom Sebastio dava gente, isto , ao povo, e srepblicas, isto , s cmaras das repblicas das vilas e cidades. Per-cebamos tambm que ele no escreveu colonizar o Brasil, mas sim,povoar o Brasil. Forte evidncia de que as palavras colnia, co-lonizar, colonos, como temos dito, nunca existiram na Histria doBrasil.

    Finalmente, notemos que El-Rei D. Sebastio estabeleceu a po-ltica de Armar todo o Reino. J rei de Portugal (e do Brasil!), no dia10 de dezembro de 1570, assinou o Regimento dosCapites-Mores, e mais Capites e oficiais das Companhias da Gente(povo) de Cavalo e de P: e da Ordem que tero em se exercitarem. documento muito extenso que no temos espao para fazer resumoaqui.

    Foram criadas as milcias. Essas milcias, formadas tambmpor esquadras (cada esquadra era composta de 25 homens),eram organizadas pelas cmaras das repblicas das vilas e cida-des, com toda a sua gente (habitantes). Dez esquadras, 250homens, constituam uma companhia chamada Bandeira. Todaessa milcia das vilas e cidades possua uma hierarquia: cabos,alferes, sargentos, meirinhos, escrives, capites, eleitos pelaCmara da Repblica. Formada da gente do povo, a milciapossua armas prprias e reunia-se a cada quinze dias, paraos exerccios mili tares. O gnio do malogrado ReiD. Sebastio assim estabelecia o que chamamos hoje de Exrci-to popular para defender as prprias vilas e cidades. Alis, 250anos depois, em 14 de janeiro de 1775, o Ministro Martinho deMelo, de Portugal, dizia em suas instrues enviadas aos go-vernadores das capitanias do Estado do Brasil: As principaisforas que ho de defender o Brasil so as do mesmo Brasil.

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    Concluindo, em 1532, Martim Afonso de Souza fundou a Vila dePiratininga para constituir uma escola de sertanismo com o objetivo deformar sertanistas para penetrar nos desconhecidos sertes da Amricaportuguesa, descobrindo-os, devassando-os. Exatamente 38 anos depois,em 1570, El-Rei Dom Sebastio cria as bandeiras, cuja finalidade eraarmar os sertanistas, formando, assim, as milcias bandeirantes, que tive-ram tambm o objetivo de penetrar, descobrir, devassar o grande sertoda Amrica portuguesa.

    As cmaras das repblicas davam posse

    Quando os reis de Portugal nomeavam governadores dascapitanias, enviavam ofcios s cmaras das repblicas das sedesdas capitanias, informando-as dessas nomeaes. Davam notciasdetalhadas dos nomeados e solicitavam s cmaras das repblicasque lhes dessem posse logo aps as suas chegadas. Ao chegar scidades-sedes das capitanias, os novos governadores se dirigiams cmaras, agora denominadas senados das repblicas, eapresentavam suas credenciais. Os senadores da Repblica, elei-tos pelo povo, davam-lhes posse. S ento os governadores dascapitanias passavam a exercer o cargo de representantes dos reisde Portugal.

    As cmaras das repblicas e dos senados

    Conforme vimos no item anterior, nas capitais das capitani-as, as cmaras das repblicas recebiam a denominao e prerro-gativa de Senado das repblicas, com representantes eleitos pelopovo.

    Correspondiam-se com os reis de Portugal

    As cmaras e os senados das repblicas correspondiam-se comos reis de Portugal, e, muitas vezes, reclamavam dos governadoresdas capitanias.

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    Os privilgios

    No dia 6 de julho de 1715, D. Joo, rei de Portugal (e do Brasiltambm!), resolveu que sobre ser conveniente ao bom servio daRepblica da cidade de So Paulo concedia, aos que servirem naCmara dessa nobreza, privilgios de cavaleiros. E mais adiante,dizia o rei: todos os que na cidade de So Paulo servirem de juzesordinrios, vereadores e procuradores do Concelho fiquem com asmercs de cavaleiros e logrem os privilgios deles.... Estava criadaa Ordem dos Cavaleiros de So Paulo.

    Os privilgios das cidades

    Os reis de Portugal (e tambm do Brasil!) estenderam os privil-gios de que gozavam os habitantes das cidades de Lisboa e do Portos cidades-sede das capitanias do Estado do Brasil: So Paulo, Rio deJaneiro, Salvador, Recife, So Lus, etc.

    As categorias sociais

    As populaes das repblicas dividiam-se em trs estados: no-breza (civil e militar), eclesistico e povo, da mesma maneira que arealeza.

    Vejamos, inicialmente, a nobreza de uma Repblica do Brasil. Anobreza local no era estabelecida por qualquer ato do rei. Na IdadeMdia, essa classe era denominada homens bons, e consistia na ca-mada superior da sociedade, a quem competia os cargos da Repbli-ca por intermdio das eleies populares. As primeiras famlias portu-guesas de homens bons vieram para o Brasil na armada de MartimAfonso de Souza e, com ele, participaram da fundao de So Vicentee Piratininga, em 1532. Passaram, da em diante, a se considerar, e aserem consideradas, conquistadoras da terra.

    Seus descendentes diziam-se descendentes dos conquista-dores da terra, o que lhes garantiam a categoria de homens bonse o privilgio de serem eleitos para os cargos da Repblica. Assim

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    acontecia em todas as vilas e cidades do Brasil. Somente uma pes-quisa poderia dizer em que poca essa categoria de homens bonspassou a ser denominada nobreza (local). Ambas as denomina-es coexistiam, de maneira freqente, com a de repblicos, classepoltica dirigente das repblicas locais.

    Portanto, expresses como homens bons, nobreza da terra erepblicos, comuns na documentao das repblicas, eram sinni-mas. Mas, como em diversas partes da Monarquia portuguesa esta-vam sendo eleitas pessoas sem essa qualificao, o alvar rgio, de 12de novembro de 1611, ordenava s cmaras das repblicas que orga-nizassem livros (cadernos) onde ficassem assentados os nomes dosnobres e seus descendentes, nicos que podiam ser eleitos para oscargos das repblicas.

    Essas nobrezas locais (das vilas e cidades) viviam exatamente maneira da nobreza real, e segundo as suas leis. Dentre elas, a maisimportante era a proibio de executar trabalho manual, o que alisera norma em todas as naes da Europa e em seus domnios em todaa Amrica. Os elementos da nobreza podiam executar trabalho manual,desde que no fosse para vender o resultado dele. O nobre local, quea isso fosse obrigado, teria o seu nome riscado dessa categoria sociale no mais poderia ser eleito para os cargos da Repblica.

    Nas vilas e cidades, a nobreza era sempre muito reduzida e emsua maioria era constituda de proprietrios de terras. Em outras ativi-dades, como os senhores de engenho (indstria aucareira), por exem-plo, tambm existiam elementos da nobreza. Quando algum perdia acondio de nobre, passava a fazer parte da massa popular, que exe-cutava trabalhos manuais para viver e cujos membros eram denomina-dos oficiais mecnicos. Eram os sapateiros, alfaiates, barbeiros,ferreiros, etc. Existia outra classe, intermediria entre a nobreza e osoficiais mecnicos, que Bluteau, em seu dicionrio, chamou de estadodo meio, mas que os especialistas em nobiliarquia denominavam of-cios neutrais tabelies, escrives, banqueiros, arquitetos, negocian-tes do atacado, os mestres de ler, escrever e contar, os professores defilosofia, de retrica, de gramtica latina ou grega, etc. Os ofciosneutros no davam nem tiravam nobreza. Tambm no era permitidoa eles o direito de participar da administrao da Repblica.

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    Resta falar dos escravos, que no constituam classe social, ex-ceo dos forros, que eram classificados como oficiais mecnicos.

    oportuno frisar que os nobres que dirigiam a administrao daRepblica eram denominados oficiais da Cmara. A eleio que elesfaziam dos capites de companhia da ordenana, isto , de capitesde bandeiras, s podiam recair em elemento da nobreza. Quanto aosoutros postos da hierarquia militar das bandeiras, eleitos pelos oficiaisda Cmara (nobreza), podiam ou no ser ocupados por elementos danobreza: alferes e sargentos. Assim, as bandeiras, que saam aos ser-tes, eram comandadas s por elementos da nobreza, embora fizessemparte da tropa tanto nobres como oficiais mecnicos, isto , gente daordenana, do povo.

    O respeito do rei s repblicas

    de se ressaltar que durante os quase trezentos anos da existn-cia da nossa vida poltica, com simultaneidade de Monarquia e Rep-blica, no se registra um nico caso de interveno do rei em repbli-cas ou de fechamento de cmaras. Em contrapartida, em 1o de junhode 1490, o rei D. Joo II concedeu cidade do Porto (Portugal) cer-tos privilgios, liberdades e isenes estendidos a muitas capitais dascapitanias do Brasil como So Paulo (1714), Rio de Janeiro (1644),Salvador (Bahia), So Lus (Maranho), Recife (Pernambuco), etc.

    O estado do meio

    A partir do incio do sculo XVIII comeou a surgir tanto noBrasil quanto em Portugal uma nova classe que hoje chamamos deburguesia, mas que poca era denominada estado do meio(Bluteau). Essa nova classe no pertencia nem nobreza nem aos ofi-ciais mecnicos (povo). Embora vivesse sob lei da nobreza, no tinhaos direitos polticos (privilgios) daquela. Assim, no podia ocupar, naCmara, os cargos da Repblica.

    Tal proibio originou a Guerra dos Mascates. Em 1707, a bur-guesia do Rio de Janeiro protestou, em representao ao rei, contra a

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    nobreza, que no lhe permitia ocupar cargos na respectiva Repblica.Posteriormente, em 1732, foi a vez da nobreza do Rio de Janeiro, emrepresentao ao rei, protestar contra alguns funcionrios da Corteque no respeitavam os seus privilgios de acordo com os privilgiosconcedidos nobreza da cidade do Porto.

    Esses conflitos que comeam a surgir so, em geral, provocadospela burguesia, o estado do meio. Em meados do sculo XVIII,comea a instalar-se nas trs Amricas uma organizao secreta, aMaonaria. Essa organizao recruta os descontentes do estado domeio que almejam parte do poder poltico reservado exclusivamente nobreza local. Por sua vez, a classe letrada, como os advogados,so doutrinados pela leitura em francs, dos autores do Iluminismo ede Rousseau que pregam a revoluo poltico-social, com o adventoda representao popular em nvel nacional. Essa a verdadeira fer-mentao contra a Monarquia portuguesa, no atos isolados como osmotins.

    A idia revolucionria d-se, entretanto, somente nas cidadesde intenso comrcio, como Vila Rica (hoje Ouro Preto) ou nas cida-des do litoral. Esse movimento no existe na cidade de So Paulo,pobre, mas rica na tradio de devoo Monarquia. Os ideais revo-lucionrios no ativeram-se a membros do estado do meio, constitu-do pela burguesia, expandiu-se tambm aos intelectuais.

    O movimento incitado pelos burgueses explode em 1789, com osinconfidentes mineiros, que se utilizam de um pretexto como em todasas revolues para deflagr-lo: a cobrana de impostos por parte dopoder real. Duas faces da Maonaria se defrontam nesse momento: aazul, que deseja a permanncia da Monarquia com Parlamento nacio-nal eleito pelo povo; e a vermelha, que deseja a supresso definitiva daMonarquia. Da a primeira (azul), por intermdio de Joaquim Silvriodos Reis, denuncia a segunda (vermelha), o que leva Tiradentes for-ca (Tiradentes fora condenado morte por exercer o ofcio de alferesdas tropas regulares; tinha a funo de carregar a bandeira do rei, da agravidade do seu gesto de lesa-majestade). Ressalta-se que uma sim-ples solicitao da nobreza da Cmara de Vila Rica ou do Rio de Janeiro Rainha D. Maria I teria salvado a cabea de Tiradentes. Mas tanto

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    essas, como todas as cmaras de todas as repblicas, estavam ao ladoda Monarquia contra os inconfidentes.

    Quanto ao povo (oficiais mecnicos) que constitua a tropa, oExrcito da Repblica, alm de no doutrinado para ficar ao lado dosinconfidentes, no fora dirigido, nesse sentido, pelos superiores hierr-quicos, os capites das companhias (bandeiras), os sargentos-mores eos cabos, que eram eleitos pelas cmaras das repblicas. Posterior-mente, a Inconfidncia Baiana foi uma tentativa malograda de envolvero povo nessa revoluo. Da mesma maneira a RevoluoPernambucana de 1817. O xito da revoluo contra a Monarquia aRevoluo Liberal teve incio em Portugal (Porto), em 1820, esten-dendo-se ao Brasil, em 1821, onde foi vitoriosa por ter sido dirigidapelo Senado da Cmara do Rio de Janeiro, em mos do estado domeio, sendo o seu chefe Jos Clemente Pereira. Fazendo a Revolu-o Liberal, as cmaras tomadas fora pelos revolucionrios deramo golpe de morte nas suas repblicas.

    A Revoluo Liberal

    A Revoluo Liberal, que eclodiu no dia 24 de agosto de 1820,na cidade do Porto, em Portugal, foi dirigida pela Loja Manica,denominada Sindrio, e estendeu-se ao Brasil pelos elementos da Ma-onaria Vermelha que aqui, executando o mesmo movimentorevolucionrio havido em Portugal, dominaram as repblicas das vilas ecidades, colocando-as ao lado das cortes de Lisboa. Instaurava-se assim,no Brasil, em 1821, a Revoluo Liberal, aprisionando o Rei Dom JooVI e enviando-o a Portugal, como exigiam as cortes de Lisboa.

    No Brasil, foram eleitos os deputados s cortes de Lisboa, quese dividiam entre vermelhos (republicanos) e azuis (monarquistas),mas estes liberais, isto , com Constituio e Parlamento eleito pelopovo. Como s existia um partido poltico, a Maonaria, seus prpriosintegrantes dividiram-na, publicamente, em Grande Oriente (repu-blicana) e Apostolado (Monarquia com Constituio e Parlamentoeleito pelo povo). Da luta que se seguiu, venceu o Apostolado, tendo oPrncipe Regente, Dom Pedro, declarado a Independncia do Brasil,

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    em 7 de setembro de 1822, instaurado o Imprio do Brasil e outorga-do a Constituio de 1824, concedendo a nacionalidade brasileira atodos aqui nascidos e aqui residentes.

    de se perguntar se o regime que terminava, a Monarquia Abso-lutista de Portugal, era mesmo absolutista. A resposta negativa,pois esse termo no existira antes, isto , at ser substituda(o) em1820. O vocbulo absolutista foi um rtulo aplicado denominaoMonarquia, que nunca antes existira. Alis, se no existira a Monar-quia absoluta, sem representao popular junto ela, existiram, entre-tanto, as repblicas, eleitas pelo povo, das vilas e cidades e que con-trabalanavam o poder real, conforme vimos ao longo de 290 anos noBrasil (1532-1822).

    Tambm no existia, de 1500 a 1815, o termo colnia aplica-do ao Brasil, tal como se adotou nos manuais escolares de 1822 emdiante. Isto , a denominao Brasil-Colnia nunca existiu em nossaHistria, mas sim, Estado do Brasil, de 1549 a 1815, data esta emque o Rei Dom Joo VI tornou o Estado do Brasil em Reino do Brasil,at 1822. Nossos antepassados nunca conheceram a denominaoBrasil-Colnia. pois um rtulo condenado tambm pela modernaTeoria da Histria, que surgiu com o movimento de historiadores em1929, na Frana, denominado cole des Annales. Da mesma manei-ra, os termos municpio e municipal nunca existiram no nosso pas-sado, uma vez que s foram introduzidos no Brasil pela Constituiode 1824, que os copiou da Revoluo Francesa de 1789. Como osmuitos historiadores no haviam conhecido a realidade das nossas re-pblicas das vilas e cidades na documentao histrica, passaram aadotar os termos municpio e municipal para designar aquele anti-go termo Repblica. Assim, esses rtulos municpio e municipal,inexistentes entre o perodo de 1532 a 1822, precisam ser abolidos,pois do uma idia errnea do nosso passado em que s existiam asrepblicas das vilas e cidades.

    Vejamos em seguida algumas modificaes havidas na passagemdo regime da Monarquia portuguesa para o Imprio do Brasil, em 1822.

    Os juzes ordinrios, antes eleitos pelo povo nas repblicas, fo-ram suprimidos nos novos municpios, e suas atribuies incorporadasno novo Estado brasileiro.

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    Tanto o rei quanto a bandeira do rei (smbolo de todo o povo)representavam a Nao. O rei foi substitudo pelo Imperador do Brasil,e a Bandeira do rei foi substituda pela Bandeira do Imprio do Brasil,que passou a representar exclusivamente o povo brasileiro.

    Contudo, a grande transformao foi quanto ao direito de servotado e de votar. At 1824, havia uma categoria social, a nobrezadas vilas e cidades, que tinha o privilgio (direito) de ser votada pelopovo para os cargos das repblicas. Vimos que o movimento formadopelos negociantes, o estado do meio, a gente da vara e cvadocomo se dizia, criou e ampliou seu espao. Os negociantes almejavamter os mesmos privilgios (direito) da nobreza das vilas e cidades: se-rem eleitos para os cargos da Repblica, aos quais vinham juntar-setambm os advogados e intelectuais, que eram os dirigentes da Mao-naria, quando esta foi introduzida nas trs Amricas, em meados dosculo XVIII.

    Com a vitria da Revoluo Liberal, essa nobreza das vilas ecidades perdeu completamente os seus privilgios, e o estado domeio tornou-se vitorioso, passando a dominar o Imprio, novo regi-me, e passando a receber o nome de burguesia. Instaurou um novoprivilgio: s poderiam votar e ser votados os cidados que tivessemdeterminada renda anual medida em dinheiro corrente. Assim, muitosmembros da antiga nobreza das vilas e cidades foram excludos porno possurem essa renda anual.

    Destaca-se uma oportuna considerao final. No incio destecaptulo, vimos como os burgueses, na Idade Mdia, criaram e dirigi-ram as repblicas nas vilas e cidades. Depois, ao longo do tempo,esses burgueses, denominados homens bons ou repblicos, ao setornarem fundadores de novas vilas e cidades, passaram a receberuma nova denominao: nobreza das vilas e cidades, que tinha oprivilgio poltico de ser a nica a ser votada para os cargos das rep-blicas. Opondo-se a essa nova denominao de nobreza, comeou aestruturar-se uma nova burguesia, o estado do meio, que se tornouvitorioso com a Revoluo Liberal e passou a dominar o Estado Novo,o Imprio do Brasil.

    Eis, pois, o que acontecera: na Idade Mdia, os burgueses cria-ram e passaram a dominar as repblicas das vilas e cidades. Com a

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    Revoluo Liberal, sob outra designao, nobreza das vilas e cida-des, passaram, pela primeira vez na histria, a dominar os governosdos estados nacionais. Da Idade Mdia at a Independncia, em 1822,passaram-se mais de 1.500 (mil e quinhentos) anos para a burguesiaganhar os governos modernos, dos estados nacionais, como no Brasil.

  • O povo votava em massa, inclusive osanalfabetos, no havendo qualquer

    restrio ao voto.

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    Em 1820, quando D. Joo VI ainda se achava no Brasil, doismovimentos revolucionrios irromperam em Portugal, dando origem aduas juntas, que coexistiam harmonicamente. Uma, tinha o objetivo degovernar, e a outra, de convocar as cortes, no menor prazo de tempopossvel. Foram esses movimentos que levaram D. Joo VI, em 1821,a voltar a Portugal, deixando o Brasil. Uma das juntas, a JuntaProvisional Preparatria das Cortes, ficara encarregada de providen-ciar a eleio dos deputados que iriam compor as Cortes Gerais deLisboa. Os deputados seriam eleitos pelos povos de Portugal, Algarvee Estado do Brasil, e, nas cortes, deveriam redigir e aprovar a primeiracarta constitucional da Monarquia portuguesa.

    Seria essa a primeira eleio geral a ser realizada no Brasil, pois,como j vimos, as eleies em nosso pas tinham um carter puramen-te local, isto , eram realizadas somente para eleger governos locais,ou, melhor dizendo, os oficiais das cmaras. Pela primeira vez, iriam

    As primeiraseleies geraisrealizadas no Brasil

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    ser realizadas eleies gerais, que abrangeriam todo o territrio brasilei-ro, com a finalidade de eleger representantes do povo a um parlamen-to: as Cortes de Lisboa.

    A junta portuguesa encarregada de convocar as eleies, devido premncia do tempo, viu-se em dificuldades para organizar uma lei elei-toral que servisse aos seus objetivos. Resolveu, por isso, adotar a leieleitoral estabelecida pela Constituio espanhola de 1812. Pequenasmodificaes foram introduzidas, unicamente com o objetivo de adapt-las s particularidades do reino portugus.

    Ainda no Brasil, D. Joo VI assinou decreto, de 7 de maro de1821, convocando o povo brasileiro a escolher os seus representantess Cortes de Lisboa. Juntamente com esse decreto, foram expedidasas Instrues para as eleies dos deputados das Cortes, segundo omtodo estabelecido na Constituio Espanhola, e adotado para oReino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, conforme rezava o ttulodo decreto referido.

    O nmero de deputados

    As Instrues constituam o que denominamos modernamentede lei eleitoral. O captulo I dispunha sobre o modo de formar as cor-tes, e o seu art. 32 determinava:

    (...) cada provncia h de dar tantos deputados quantas vezescontiver em sua povoao o nmero de 30.000 almas e que se por fimrestar um excesso que chegue a 15.000 almas, dar mais um deputa-do, e no chegando o excesso da povoao a 15.000 almas, no secontar com ele.

    Desde que o Brasil, pelo ltimo recenseamento, de 1808, pos-sua 2.323.366 habitantes, seriam 77 deputados. Como as fraesdas provncias ficaram desprezadas, o nmero total ficou reduzido a72 deputados.

    A lei no fazia referncia a partidos polticos, que no existiamnessa poca. Tambm no havia qualificao prvia de eleitores.O captulo II, art. 34, estabelecia que se devero formar Juntas Elei-

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    torais de Freguesias, Comarcas e Provncias. Como veremos, essesistema permitia a eleio em quatro graus, o que era um verdadeiroabsurdo, comparado com o cdigo eleitoral das Ordenaes, quedeterminava somente dois graus.

    *

    As Instrues de 7 de maro de 1821 estabeleciam um sistemade eleies em quatro graus: o povo, em massa, escolhia oscompromissrios; estes, escolhiam os eleitores de parquia, que, porsua vez, escolhiam os eleitores de comarca; finalmente, estes ltimosprocediam eleio dos deputados. Descreveremos, a seguir, os pro-cessos de eleio adotados em cada grau.

    Juntas eleitorais de freguesias

    No havia qualificao prvia de eleitores, nem partidos polti-cos; todos os habitantes de uma freguesia seriam eleitores (a provnciadividia-se em comarcas; e estas, em freguesias). O artigo 35 determi-nava: As juntas eleitorais de freguesias sero compostas de todos oscidados domiciliados e residentes no territrio da respectiva fregue-sia (...). O povo votava em massa, inclusive os analfabetos, no ha-vendo qualquer restrio ao voto. Esse era o eleitorado de primeirograu, que iria escolher um certo nmero de concidados denominadoscompromissrios. Quantos compromissrios seriam eleitos? Parasab-lo, seria necessrio conhecer, antes, quantos eleitores da par-quia seriam eleitos pelos compromissrios. Procedia-se, ento, daseguinte maneira: Nas juntas ou assemblias paroquiais, ser nomea-do um eleitor paroquial para cada 200 fogos (art. 39). (Por fogos,subentendem-se moradias, ou mesmo famlias). O resto, excedendode cem, daria mais um eleitor paroquial. Conhecido o nmero de elei-tores paroquiais, calculava-se o nmero de compromissrios. O art.42 dizia que, para cada eleitor paroquial, deviam ser eleitos 11compromissrios; para dois paroquiais, 21 compromissrios; para trs,31. Esses 31 compromissrios eram o limite, pois a lei estabelecia quenunca se poder exceder este nmero de compromissrios, a fim de

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    evitar confuso. Esses nmeros eram diferentes para as freguesiaspequenas, mas deixamos de mencion-los, a fim de abreviar esta ex-posio. Em resumo, dividindo-se o nmero de fogos por 200, tinha-se o nmero de eleitores paroquiais a eleger. Sabendo-se este nmero,calculava-se o total de compromissrios que seriam escolhidos pelopovo.

    No dia da eleio, o povo reunia-se na Casa do Conselho (C-mara Municipal), sob a presidncia do juiz de fora ou ordinrio, ouvereadores, e tambm com a assistncia do proco, para maior sole-nidade do ato. Inicialmente, toda a assemblia eleitoral deveria diri-gir-se igreja Matriz, onde seria celebrada missa solene do EspritoSanto. O proco faria um discurso anlogo s circunstncias. Termi-nada a missa, a assemblia (o povo) volta Casa do Conselho, eorganiza-se a junta eleitoral dentre os presentes. Alm do presidente,que era o juiz ou um vereador, eram escolhidos dois escrutinadores eum secretrio. Em seguida, no havendo denncias de subornos ouconluios, que eram proibidos, passava-se eleio doscompromissrios. Os cidados chamados ditavam ao secretrio damesa os nomes das pessoas nas quais votavam para compromissrios,mas ningum podia votar em si mesmo. A seguir, a mesa proclamavaos compromissrios eleitos pluralidade de votados. Imediatamen-te, os compromissrios retiravam-se para um recinto separado e, ali,procediam eleio do eleitor ou eleitores paroquiais, que deveriamser maiores de 25 anos, ficando eleitos aqueles que reunirem mais dea metade dos votos. Voltavam os compromissrios assemblia eentregavam o resultado junta eleitoral. A seguir, era lavrada a ata (outermo), cada eleitor paroquial (de 3o grau) ficando de posse de umacpia, que seria a sua nomeao, como dizia a lei. Aps, a juntadissolvia-se. Ento, os cidados que formavam a junta, levando oeleitor ou eleitores (paroquiais), entre o presidente, escrutinadores esecretrio, se dirigiro igreja Matriz, onde se cantar um Te Deumsolene.

    Os eleitores de parquia (de 3o grau), de posse dos seus diplo-mas (cpias da ata), dirigiam-se, aps a eleio, s cabeas das res-pectivas comarcas. A eleio que eles iam agora proceder realizava-seno domingo seguinte ao da eleio anterior.

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    Juntas eleitorais das comarcas

    Os eleitores de parquia iriam eleger os eleitores de comarca.Quantos seriam estes? Segundo as Instrues, os eleitores de comarcaseriam o nmero triplo dos deputados a eleger (em cada provncia).

    No dia da eleio, os eleitores de parquia reuniam-se no Paodo Concelho (Cmara Municipal), sob a presidncia do corregedorda comarca, e, a portas abertas, nomeavam, dentre eles, um secre-trio e dois escrutinadores. Em seguida, a mesa recebia os diplomasdos eleitores de parquia para verificao. No dia seguinte, havia novareunio. Estando tudo em ordem, os eleitores de parquia com o seupresidente se dirigiro igreja principal, onde a maior dignidade ecle-sistica cantar uma missa solene do Esprito Santo, e far um discursoprprio das circunstncias. Terminada a cerimnia religiosa, voltavamtodos ao Pao do Concelho. Procedia-se, ento, escolha dos eleito-res de comarca. Por escrutnio secreto, por meio de bilhetes, nosquais esteja escrito o nome da pessoa que cada um elege, dizia a lei.Depois da apurao, ficar eleito aquele que tiver, quando menos ametade dos votos e mais um. Se no houvesse essa maioria absoluta,haveria segundo escrutnio para os mais votados. Lavrada a ata, cadacidado eleito (eleitor de comarca, a de 4o grau) recebia uma cpia daata, que seria a sua diplomao. Estava terminada a eleio, dirigindo-sea assemblia eleitoral incorporada igreja Matriz, onde seriacantado o Te Deum solene. E os eleitores de parquias voltavam ssuas casas.

    Juntas eleitorais das provncias

    Os eleitores de comarca (de 4o grau) de todas as comarcas se-guiam, agora, para a capital da provncia. No domingo seguinte elei-o anterior, eles se reuniriam sob a presidncia da autoridade civilmais graduada, apresentando-lhes os seus diplomas (cpias da ata).Marcavam o dia da eleio dos deputados s Cortes de Lisboa. Eramnomeados um secretrio e dois escrutinadores. Os diplomas eram re-cebidos para exame. No dia seguinte, estando tudo em ordem, oseleitores das comarcas com o seu presidente se dirigiro igreja Cate-

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    1 Manoel Rodrigues Ferreira, ao encerrar seu comentrio sobre a lei eleitoral que

    presidiu as primeiras eleies gerais brasileiras, em que menciona ter sido a referida leiextrada da Constituio espanhola de 1812, transcreve a seguinte carta, que recebeu do sr.Eduardo Fernandez y Gonzales, membro do Instituto Geogrfico de So Paulo:

    A Constituio espanhola referida foi realmente promulgada em 1812 pelaschamadas Cortes de Cadiz, posta em vigor e retirada por diversas vezes na Espanha,durante o sculo passado e que foi elaborada quando uma boa parte do territrioespanhol se achava ocupada pelas tropas de Napoleo. Trata-se da lei fundamentalmais democrtica e humana que at en