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RICCIERI FERRARI LANDUCHE
PORTUGUESES NA COLÔNIA: O CASO DE MANOEL RODRIGUES DA MOTTA
Monografia apresentada para obtenção do título de Bacharel no Curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientador: Prof.(a) Dra. Maria Luiza Andreazza
CURITIBA 2000
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................................4
1- MANOEL RODRIGUES DA MOTTA: UM PORTUGUÊS.......................................7
2- A BULA DA SANTA CRUZADA.................................................................................42
2.1- O ESPÍRITO DE CRUZADA.......................................................................................42
2.2- VIEIRA E A BULA DA CRUZADA............................................................................53
CONCLUSÃO....................................................................................................................68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................71
ANEXO – MAPA ..............................................................................................................75
iii
INTRODUÇÃO
Este estudo, busca recompor a trajetória de um indivíduo, Manoel Rodrigues da
Motta. Trata-se de um reinól que se instalou na vila de Curitiba nos últimos anos do século
XVII ou aos primeiros anos do XVIII. Ao que tudo indica, desenvolveu atividades
relevantes na localidade e foi um indivíduo que, alcançou alta representatividade naquele
período.
No manuseio da documentação da época, encontramos menção a este homem, em
todas as esferas da administração colonial. Pode-se saber também, que ele, principalmente
através de seu casamento, estabeleceu relações com a elite local que lhe facilitou sua
ascensão social. Na condição de militar, envolveu-se em expedições de abertura de
caminhos no sul como também, na defesa do território frente à ameaça espanhola, na
Colônia do Sacramento.
Ao recompor a história de vida do Manoel Rodrigues da Motta, nos propomos a
efetuar uma biografia. Buscamos resgatar na documentação da Câmara Municipal de
Curitiba, na documentação eclesiástica existente no CEDOPE / UFPr, nos registros de
catolicidade existentes na Catedral Metropolitana de Curitiba e nos Boletins do Instituto
Histórico, dados que auxiliassem a confecção dessa biografia.
Este trabalho, contudo, não se detêm apenas em uma biografia simplesmente. Ao
faze-la, estamos nos inspirando nos pressupostos da micro-história, que reduz a escala de
observação, para poder melhor descrever vastas estruturas sociais. É uma tentativa de
demonstrar, através do estudo de uma trajetória individual, o funcionamento de alguns
aspectos da sociedade em que esteve inserido. Por um lado, nos movemos numa escala
reduzida, permitindo em muitos casos uma reconstituição do vivido que seria impensável
em outros tipos de propostas historiográficas. Por outro lado, nos propomos a indagar as
estruturas invisíveis dentro das quais aquele vivido se articula. O desafio em questão, é
descrever a estrutura social em que Manoel Rodrigues da Motta esteve envolvido, através
da reconstituição de sua trajetória mas, sem perder a visão da escala do espaço social em
que ele estava inserido.
5
A partir dessa perspectiva, definimos alguns aspectos para nortear a análise.
Primeiramente, precisamos entender o que levava essa emigração de portugueses para a
colônia, que caracterizou o século XVIII; os motivos que os levavam a abandonar a terra
natal e se aventurar numa empreitada que poderia custar-lhes a vida; qual seria a
expectativa desses homens quanto à colônia. O segundo aspecto é analisar a influência do
casamento em sua trajetória, o que este fato representou para a melhoria de sua situação
social. Após isso, entender melhor as relações sociais que envolveram sua escalada social.
Manoel Rodrigues da Motta, como mencionamos acima, ocupou cargos em todas as esferas
administrativas, cabe então, entender melhor como se dava a inserção política e social, a
partir desses cargos.
Além dessas, uma outra questão muito importante para entendermos essa inserção
de reinóis na sociedade colonial, é justamente, entender o prestígio que esses portugueses
possuíam aqui na colônia. O fato de ser um português, facilitava bastante a vida desses
homens já que, eram eles que monopolizavam as melhores oportunidades nas vilas. Motta,
gozava de um certo grau de instrução, fato que o colocava num grupo reduzido e seleto de
pessoas, predispostas ao sucesso. Um conjunto de fatores determinou a expansão sócio-
econômica de Manoel Rodrigues da Motta e eles, é que são analisados em nosso trabalho.
Dentre os cargos que Motta ocupou, merece chamar atenção, para o de Escrivão da
Bula da Santa Cruzada, que o isentava de exercer outras funções públicas, devido a
privilégios que tinha. O fato instigante é que, em pleno século XVIII, permanecia entre os
lusitanos o espírito de cruzada, engendrado na Idade Média. Esta questão nos remete
portanto, ao início das cruzadas, por volta do século XII. Precisamos entender a instituição
do Padroado e todo o contexto até o século XVIII. Entender essa permanência é um de
nossos objetivos. De fato, o espírito de cruzada esteve relacionado a bulas papais que
tinham por finalidade, conceder indulgências aos que se empenhassem nas cruzadas lutando
ou apenas, contribuindo com esmolas. Sendo assim, dedicamos o segundo capítulo, para
tratar exclusivamente desta questão.
No final do século XVII e início do XVIII, a população que estava dispersa nos
campos de Curitiba, tendeu a concentrar num povoamento – Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais – que recebeu o predicamento de vila no ano de 1693. Portanto, esta vila estava se
6
organizando e aumentando sua população quando Manoel Rodrigues da Motta, se
estabeleceu na localidade.
Considerando que ele se instala na vila, enquanto ela estava se organizando e
também conseguiu destaque na vida social e política, é possível entende-lo como exemplar
ao estudo das estratégias de inserção social. Logo, ele será entendido, como notoriamente
trata-se de um homem reflexo da elite setecentista, como um ponto de partida para a
compreensão da estrutura social em que esteve inserido.
7
CAPÍTULO I
MANOEL RODRIGUES DA MOTTA : Um Português O planalto curitibano, sem dúvida, foi percorrido desde o final do século XVI por
aqueles que seguiam rumo ao Ocidente, onde já se encontravam estabelecidos os espanhóis.
Essa interiorização foi empreendimento dos luso-paulistas na busca de índios e metais
preciosos. A escravização do índio e a procura de metais constituíram então, motivações
para a entrada e fixação de uma população que se tornou os primeiros moradores dos
campos de Curitiba. Nesse caso, antes do estabelecimento da vila de Curitiba existia na
região uma população rarefeita, basicamente formada por alguns mineradores e faiscadores
oriundos provavelmente, da expansão da vila de Paranaguá.
Já no século XVII, partiram bandeiras para o descobrimento de ouro no sertão dos
campos de Curitiba de uma forma mais efetiva. Por volta de 1639 obteve-se notícias da
presença de ouro no planalto, fato que atraiu mineradores vindos sobretudo de São Paulo e
São Vicente; estes, foram se estabelecendo em diversos arraiais um dos quais, foi Curitiba.
Entretanto, não se caracterizou uma ocupação permanente pois, grande parte destes
mineradores, migraram para o Brasil central após a descoberta de ouro nas Gerais e em
Cuiabá. Alguns permaneceram e aproximadamente em 1668, a povoação estava surgindo
de uma forma menos dispersa, mais aglomerada.
A febre do ouro que tomou conta do Brasil no final do século XVII, revolucionou o
país de diversas formas; a dinâmica da atividade mineradora por exemplo, exigiu todo um
aparato de apoio e sustentação. A criação de gado que ocupou grande faixa do sertão,
formando a princípio a retaguarda econômica das zonas de engenho, neste período de
intensa mineração representou um decidido apoio fixador do povoamento no interior, bem
como o objeto de grandes correntes de comércio que se estabeleceram dentro do país. Com
o tempo, a atividade mineradora no Brasil central, produziu uma rápida concentração de
populações em zonas pouco férteis provocando, a expansão do desenvolvimento dessa
atividade criatória no sul. Isso se deve fundamentalmente ao alto preço do gado bovino nas
zonas de mineração e as dificuldades decorrentes do fornecimento exclusivo proveniente da
faixa de criação ligada à economia do açúcar. A existência de abundante gado na região sul
8
e os preços que alcançaram na Capitania de São Paulo, justificaram seu comércio e o
transporte para a zona de mineração.
Estabeleceram-se assim, correntes comerciais de gado pelo interior, funcionando a
zona de mineração como um providencial elo de interesses econômicos unindo pelo sertão,
os homens do Norte, do Centro e do Sul. As aglomerações de mineiros exigiam vultuosos
transportes de artigos para os seus consumos e instalações, como gêneros alimentícios e
mantimentos, como também de transporte. Para tanto se utilizou o gado muar em
abundância. Neste momento surgiu a figura do tropeiro que, durante dois séculos exerceu
relevante função nas ligações de nosso interior principalmente, no que se refere à
comunicação e comércio. Nesses movimentos, iam os tropeiros fazendo invernagens pelo
caminho em diversos pontos, e um destes pontos era os campos do Paraná.
Os campos de Curitiba se localizavam justamente na rota entre Rio Grande e São
Paulo, fazendo com que fazendas de invernagem fossem se estabelecendo na região e
posteriormente, às de criação. Com isso, aos poucos, a população que antes se encontrava
rarefeita, começava a se delinear de forma um pouco mais expressiva. Esse surto de
crescimento e também de desenvolvimento, com o comércio e abertura de oficinas e lojas,
deve-se muito ao movimento dos tropeiros e ao desenvolvimento dessas fazendas de
invernagem e criação.
No final do séc. XVII e princípios do XVIII, quando o ouro deixou de ser o sonho
de riquezas que impulsionou as expedições de exploração para o Brasil Meridional, e
depois que os mineradores paulistas migraram para Minas Gerais e Cuiabá, o litoral de
Paranaguá e os campos de Curitiba passaram a ser, de acordo com Brasil Pinheiro
Machado, a comunidade paranaense. Neste mesmo período, a população que estava
dispersa nos campos de Curitiba, tendeu a se concentrar num povoamento, Nossa Senhora
da Luz dos Pinhais, que recebeu o predicamento de vila em 1693. Neste contexto histórico,
em que a vila se organizava e aumentava sua população, é que o português Manoel
Rodrigues da Motta se estabeleceu na vila.
9
Natural de São Gonçalves de Amaranies (Portugal)1, imigra para a Colônia e vem
residir na vila de Curitiba. Ao que tudo indica, sua chegada deva ter ocorrido nos últimos
anos do século XVII ou aos primeiros anos do XVIII. A Curitiba de então, não passava de
um pequeno povoado com algumas moradas em torno da atual Praça Tiradentes, ao redor
do Pelourinho; e ainda segundo nos conta Francisco Negrão, os moradores tinham seus
sítios à margem do rio Barigui e só vinham para a vila, por ocasião de festas religiosas a
que todos eram obrigados2.
A partir disso, uma questão que nos surge, diz respeito ao deslocamento destes
homens, ou seja, quanto à imigração desses reinóis para as vilas da Colônia. Foram
inúmeros os que se aventuraram nesta empreitada que era migrar para a Colônia. Mas, o
que determinaria essa vinda, quais seriam os fatores que efetivamente contribuíam naquele
momento, para este movimento migratório em direção aos trópicos? Para entendermos
melhor este aspecto, vejamos os fatores e aspectos que muitas vezes influenciavam, nessa
decisão de emigrar para a Colônia.
A ocupação de novas terras e a expulsão ou escravização dos indígenas foram
bastante intensas e comuns nesse período colonial. A medida em que se conhecia melhor a
natureza dos trópicos, homens e capitais se instalavam nestas áreas. Nesse movimento,
todos os tipos de homens se dirigiram para o Brasil colonial desde comerciantes e senhores
até negros forros, entre outros tidos como “vadios” ; pessoas que responderam ao chamado
das regiões da América em expansão. Possivelmente, um dos principais motivos que
levaram esses homens europeus a abandonar sua terra de origem e muitas vezes, a sua
família, foi à busca de enriquecimento nas terras da América. A historiadora Sheila de
Castro Faria, nos chama atenção a este respeito, justamente no sentido de que a fortuna
poderia ser entendida sob outras óticas além da econômica. Precisamos portanto, relativizar
esta questão; entenda-se fortuna aqui, no contexto colonial. No dicionário de Antônio de
1 NEGRÃO, Francisco. Boletins do Arquivo Municipal de Curityba. Vol.VII, 1668-1745. Curityba : Livraria Mundial,1924. No DICCIONÁRIO HISTÓRICO E GEOGRAPHICO DO PARANÁ por Ermelino de Leão, a naturalidade de Manoel Rodrigues da Motta, consta sob uma forma diferente de grafia : São Gonçalo do Amarante. 2 NEGRÃO, Francisco. Boletins do arquivo municipal de Curityba vol. VII, 1668-1745. Curityba : Livraria Mundial,1924. p.95
10
Morais Silva, consta que fortuna, se tratava de uma divindade que fazia a felicidade ou
infelicidade das pessoas e que, é casualidade da sorte.3
Já em “O Príncipe”, num capítulo a respeito da fortuna e o quanto ela influencia nas
coisas humanas, Machiavel fala-nos que as coisas do mundo são governadas pela fortuna e
por Deus. Portanto, os homens nem devem se preocupar com isso e deixar-se governar pela
sorte. Prossegue dizendo que a fortuna é árbitra de metade das ações humanas. Menciona
ainda, que a fortuna oscila bastante, independente se uma pessoa mude ou não, sua natureza
ou modo de agir. Em relação aos caminhos para alcançar a fortuna, ele resume em dois
modos fundamentalmente; a glória e a riqueza. Para atingi-las, os homens procedem de
diversos modos; uns com prudência, outros com impetuosidade; um pela violência, outro
pela astúcia, um com paciência e outros não. O fato é que todos podem vir a alcançar seus
objetivos.4
Então, tanto o que agir com prudência, quanto o que agir com impetuosidade pode
atingir a fortuna com tanto que, a circunstância histórica esteja de acordo com o seu modo
de agir ou seja, se os tempos e as coisas lhe são favoráveis. Se os tempos e as coisas
mudam, ele se arruína se não mudou a sua maneira de proceder. Machiavel faz uma
ressalva a este respeito, afirmando que é muito difícil que um homem consiga se acomodar
bem a essas mudanças ou seja, torna-se difícil de impetuoso mudar rapidamente para a
postura de um homem que age com circunspeção, e a recíproca é verdadeira.
Deste modo, Machiavel defende a idéia de que depende do homem, de suas posturas
diante das circunstâncias, o seu sucesso em obter a fortuna. Depende de sua habilidade em
se adequar ao tempo e às coisas, tornando-as favoráveis ao seu sucesso. A prosperidade é
alcançada diante destas variáveis. E Machiavel termina dizendo que se convenceu de que o
melhor é manter uma postura de impetuoso porque a sorte, é como uma mulher, que é
dominada mais facilmente pelos jovens que são, por natureza, mais ferozes, mais
audaciosos e menos circunspetos.
É interessante pensarmos desta forma, pois o português colonizador, se enquadra
muito bem nesse modelo proposto por Machiavel, quando pensamos naquele português
3 SILVA, Antonio de Morais. Novo dicionário compacto da língua portuguesa. Editorial Horizonte Confluência,1980. 4 MACHIAVELLI, Nicolò. De quanto pode a fortuna nas coisas humanas e de que modo se deve resistir-lhe. In. : O príncipe. Rio de janeiro : Editora Tecnoprint S.A.
11
aventureiro descrito por Sérgio Buarque, em Raízes do Brasil; àquele homem ávido por
uma aventura e com profunda aversão ao trabalho mecânico.
A historiadora Sheila de Castro Faria nos conta ainda, que dentre esses reinóis que
se dirigiam para a colônia, uns deveriam realmente buscar a riqueza e ou, a ascensão
social5; outros, fugiam da justiça tentando reconstruir a vida em uma terra onde eram
desconhecidos, sem falar daqueles que tinham seus crimes perdoados ao emigrarem para o
Brasil; outros ainda, tinham interesse em manter suas práticas religiosas, perseguidas na
terra de origem; e os “homens bons” do reino, vinham cumprir seus anos de “castigo” como
ocupantes de altos postos da administração colonial e tinha até, quem viesse se fixar aqui
para depois tentar ascender mais na política metropolitana6. Existia uma série de motivos
particulares que poderia fazer com que estes portugueses emigrassem mas, o que nos parece
evidente, é o fato de que a Colônia representava, na maioria das vezes, possibilidade de
sucesso. Possibilidade, pois esse sucesso dependia de um conjunto bastante grande de
fatores.
Deste modo, não podemos afirmar que os portugueses que vieram para a Colônia, se
resumiam apenas naqueles que haviam sofrido reveses na vida ou não possuíam emprego
na sua terra. Portugueses de diversas atividades, posições e intenções, se aventuraram nessa
viagem para o Brasil. A Colônia tinha fama na Metrópole, segundo nos diz Charles Boxer,
de uma terra onde se vivia mais e que era freqüente, idosos e pessoas moribundas sem
esperanças, de viagem numa frota brasileira, viverem longos anos na nova terra. O exemplo
mais ilustre disso, estava representado na figura do Padre Antônio Vieira, que voltou ao
Brasil em 1681 para morrer mas, viveu ainda dezesseis anos. Evidentemente, com a
intenção de estimular emigrantes, vários escritores da época, descreviam o Brasil como um
paraíso onde o clima, a paisagem, os produtos e a fertilidade dos solos eram todos,
superiores aos da Europa; porém omitiam a presença dos insetos nocivos aqui existente, das
chuvas e as secas que assolavam determinadas regiões e todos os perigos que faziam da
sobrevivência, uma aventura.
5 Baseado na obra de Sheila de Castro Faria, pelo que se pode perceber, a ascensão social era quase sempre resultante do enriquecimento, ao menos nas áreas novas de início de povoamento. 6 Segundo Sheila de Castro Faria, apesar de existir quem se aventurasse nesta empreitada, não foi tão comum entre os portugueses, esta prática.
12
Sem dúvida eram muitos os motivos, como também foram muitos os homens que
atravessaram o oceano abandonando a família e sua região de onde eram naturais, para
enfrentar todas as dificuldades de uma região inóspita e desconhecida. Especialmente para
os primeiros, que ainda não podiam contar com conhecidos no Brasil. Para os que vieram
na rota de outros pode ter sido menos difícil. O Brasil era uma terra de inúmeras
potencialidades e tudo poderia acontecer com esses reinóis; a aventura, a ascensão e o
prestígio social, o abandono de situações difíceis, como também, poderia ocorrer algo que
determinasse o retorno a Portugal. Sérgio Buarque de Holanda, defende a idéia de que o
povo português revela-se aventureiro com relação às atividades humanas7. Compartilhamos
com esta tese pois, somente um espírito aventureiro e destemido faria homens se lançarem
a uma empreitada tão arriscada, que poderia custar-lhes a vida.
Poucos foram os portugueses que chegaram no Brasil com fortuna suficiente para
empreendimentos vultuosos nos grandes centros urbanos e portuários, a grande maioria se
aventurou na conquista de seus objetivos. De posse de algum dinheiro, o português
embarcava e vinha para o Brasil; aqui chegando, buscava lugares com possibilidades de
algum tipo de exploração. Tinham preferência pelas áreas urbanas. No trecho a seguir,
Charles Boxer nos ajuda a entender este fato, bem como as intenções daqueles portugueses
que aqui chegavam: “... Mesmo os que tinham ganho a vida empunhando o alvião ou a
enxada em Portugal e nos Açores, não tinham a intenção de fazer o mesmo no Brasil, se
lhes fosse possível evitá-lo.”(BOXER, 2000, p.37)
Alguns se tornavam lavradores ou meeiros nos canaviais porém, não faziam o
trabalho pessoalmente, vigiavam os escravos. Uns cultivavam o fumo, outros trabalhavam
de pedreiros, carpinteiros e assim por diante. Estes fatos comprovam que alguns homens
sobrepuseram o preconceito profundamente arraigado entre os portugueses, contra quem
trabalhava com as próprias mãos8. São fatos que evidenciam também que muitos
abandonaram a expectativa inicial e viveram da maneira que foi possível. Encontramos
referências de europeus como donos de pequenas vendas à beira dos caminhos, como
mercadores distantes dos núcleos populacionais e como pobres lavradores. Entretanto,
7 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, 26ª edição; SP: Companhia das Letras,1995 p.44 8 Esta questão da aversão portuguesa pelos trabalhos mecânicos, foi trabalhada tanto nas obras de Sérgio Buarque, Charles Boxer como também na obra da Sheila de Castro Faria.
13
podemos observar alguns enriquecidos e poderosos, donos de muitos escravos, ocupantes
de altos cargos administrativos e militares locais.
Esta ascensão econômica e social era o resultado vitorioso do investimento de
tempo, trabalho e capital, que ficou restrito a um pequeno grupo. Ao que tudo indica, os
imigrantes que gozavam de alguma instrução, tornavam-se de preferência, escriturários,
caixas, balconistas ou vendedores ambulantes, trabalhando por conta própria ou à base de
comissões9. Instruídos, possuíam grande prestígio diante da sociedade colonial tanto que,
monopolizavam muitas das oportunidades na Colônia por desfrutarem da confiança dos
funcionários do governo, que em sua maioria era composta por europeus. Eram empregados
assim que chegavam, com freqüência “pobres e esfarrapados”, através de algum parente ou
conhecido já estabelecido na localidade. Os que mais sucesso alcançasse, casavam-se,
quase sempre, com a filha do patrão ou com alguma jovem bem situada do lugar. O mais
comum, segundo Boxer, era que na Colônia, empregassem os recém chegados nos cargos
de direção de negócios em detrimento dos próprios filhos. Estes fatores, tornam evidente a
confiança que possuíam num português, que aqui se instalava. Todo esse prestígio que os
reinóis dispunham, possivelmente estava baseado na fidelidade que tinham para com o rei
ou seja, a ocupação de determinados cargos dependia do maior ou menor grau dessa
fidelidade para com o monarca.
Todos essas particularidades, são esclarecedores para que se possa entender a
trajetória de um português na Colônia. São também reveladores, principalmente na medida
em que se pensa um indivíduo que ocupa alguns dos mais altos cargos que se poderia
atingir em uma vila da Colônia. No caso da vila de Curitiba, Manoel Rodrigues da Motta,
ocupou cargos nas diversas esferas administrativas como a eclesiástica, a administrativa, a
fazendária e a militar. Certamente, isso foi o resultado de seu próprio esforço, por serviços
prestados à Coroa.
Estabelecidos os vários aspectos que influenciavam na decisão de um português
imigrar ao Brasil, vimos que na maioria das vezes não chegaram a atingir seus objetivos e
viveram do modo que foi possível. Porém, houve outros que foram bem sucedidos,
enriquecendo e atingindo um status social que possivelmente, não teriam alcançado em sua
9 BOXER, Charles. A idade de ouro do Brasil : dores de crescimento de uma sociedade colonial. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2000. p.37
14
terra natal. Manoel Rodrigues da Motta, ao que tudo indica, pertenceu a este pequeno
grupo seleto de indivíduos, descrito por Charles Boxer, como um pequeno grupo restrito
que enriqueceu e tornou-se poderoso. Considerando que Motta conseguiu destaque na vida
social e política, é possível entendê-lo como exemplar ao estudo das estratégias de inserção
social nas vilas que compunham o universo do Brasil colonial. Neste caso, já que
notoriamente trata-se de um homem reflexo da elite setecentista, é um ponto de partida para
a compreensão da estrutura social em que estava inserido.
A primeira aparição de Manoel Rodrigues da Motta na vida pública, ocorre em
1708, quando de sua nomeação para o cargo de Tabelião de notas de Curitiba iniciando
assim, a sua carreira política. Este cargo foi instituído no Brasil, em 20-11-1530 pela carta
de poderes passada a Martim Afonso de Souza. Neste momento, foram-lhe dados poderes
para nomear tabeliães e demais oficiais de justiça. Trata-se de um cargo exercido por ofício.
É importante aqui, entendermos o que era um cargo de ofício naquela conjuntura histórica.
Ofício naquele momento, significava um mister, seria a profissão que a pessoa exerceria na
ocasião; a ocupação ou o seu modo de vida que implicava na incumbência de obrigações e
deveres.10
Cabia a quem ocupasse o cargo de Tabelião de Notas, guardar os livros das notas até
a sua morte. Dentre as atribuições que lhe cabia destaca-se: escrever em livro próprio todas
as notas dos contratos firmados, fazer todos os testamentos, cédulas e codicilos (alterar
testamentos com o que eventualmente fosse adicionado); fazer todos os inventários
determinados por herdeiros e testamenteiros dos defuntos, com exceção dos referentes a
órfãos, pródigos, desassisados (loucos), ausentes e mortos sem herdeiros; fazer todos os
instrumentos de posse das terras concedidas , tomadas em virtude das escrituras das vendas,
escambos, aforamentos, emprazamentos e outros contratos; escrever as receitas e despesas
dos bens dos defuntos; fazer quaisquer cartas de compras, vendas, escambos,
arrendamentos, aforamentos ou soldadas referentes aos órfãos, desde que decorridos três
anos ou excederem sessenta mil-réis (...) 11
10 SILVA, Antonio de Morais. Novo dicionário compacto da língua portuguesa. Editorial horizonte Confluência,1980 11 SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro : Nova Fronteira,1985 p.136
15
Em sua trajetória, Motta ocupou muitos cargos na vila de Curitiba. Dentre essas
posições, que ocupam as mais diversas esferas da administração, nos chama atenção o fato
de ter ele, exercido funções que exigiam determinadas habilidades, que estariam restritas a
indivíduos com um certo grau de instrução para a época. Para as pessoas que habitavam as
vilas interioranas do Brasil no início do setecentos, de uma maneira geral, certamente essas
eram atribuições de um grau de complexidade que tornava extremamente limitado, o
número de indivíduos que poderiam ter acesso a tais posições. Somente os que gozassem de
instrução bem acima da média de seus contemporâneos, seriam candidatos a esses cargos.
Tomando por base, a alta taxa de analfabetismo na colônia naquele momento, a maioria da
população sem dúvida, não poderiam ocupar essas posições. Isso nos leva a crer da mesma
forma que, Motta possivelmente desfrutasse de um nível de instrução superior ao dos seus
contemporâneos12.
Para melhor entendermos como era a instrução das pessoas, nessa Curitiba do início
do séc.XVIII, basta olharmos o que acontecia ainda no século XIX. Em 1853, quando
instalada a Província do Paraná, o presidente Conselheiro Zacarias de Góis e Vasconcellos
dirige à Assembléia Provincial, um minucioso relato da situação do ensino, lamentando a
falta de preparo técnico dos professores e o baixo vencimento que lhes era pago. Segue em
seu relatório, afirmando que o desprestígio da cultura não era um mal daquele momento
mas que, remontava tempos mais remotos. Foi Zacarias de Góis, o primeiro que no Paraná,
proclamou ser o ensino primário obrigatório, quando no seu relatório se expressou:
“Obriga-se o povo à vacina (...) para preservar-se de um fragelo fatal. Ora, a instrução
pública é, por assim dizer, uma vacina moral que preserva o povo do pior de todos os
fragelos conhecidos e por conhecer – a ignorância.” (RATACHESKI, 1953, p. 29)
Por volta da metade do século XIX, o analfabetismo entre as crianças no Brasil,
estava em 90%13. Percebemos a preocupação com a instrução pública no séc. XIX, devido
às inúmeras iniciativas do governo em fiscalizar o controle da freqüência dos alunos e a
distribuição de roupas, calçados e livros aos alunos. Fica evidente que a instrução pública
ainda era um problema sério no XIX.
12 “O tenente Coronel Motta era um homem intelligente, dotado de instrucção superior a dos seus contemporâneos...” LEÃO, Ermelino Agostinho de. Diccionario histórico e geographico do Paraná vol. III; A Fundação de curityba, fascículo I Curityba : Empreza Graphica Paranaense,1929. p.1239 13 Ibidem p.31
16
Para pensarmos em instrução na colônia do século XVIII, e mais especificamente
do Paraná, recorremos a relatos de Francisco Negrão, que assim se expressou a esse
respeito:
O governo português nunca se preocupou com o ensino primário de suas colônias; parece mesmo que fazia timbre em mantê-las na mais completa ignorância. Não se cogitava da instrução pública; nem uma escola régia havia, em todo o território brasileiro, até 1770. Os povoadores todos sabiam ler e escrever, pois, dos livros e dos Atos Oficiais existentes, se verifica que nenhum deles assinava de cruz. No requerimento do povo datado de 1693, pedindo a criação da vila de Curitiba, assinado por cerca de 100 pessoas, não se vê uma única assinatura de cruz, o mesmo acontecendo com os Provimentos do Ouvidor Pardinho, em 1720, também assinado por muitos habitantes. Se em Curitiba era assim, o mesmo aconteceu em Paranaguá, em 1649. Os Anais porém, não nos falam da existência de escolas régias do ensino primário, quanto mais do ensino secundário...14
Não havia interesse da Metrópole, a iniciativa privada que cumprisse essa missão;
cada chefe de família que se encarregasse de instruir e educar seus filhos varões e que as
mulheres, não necessitavam desse “luxo inútil”; cada uma que adquirisse educação, onde
lhe conviesse.
No século XVIII, as pessoas mais abastadas, quando não mandavam seus filhos para
a Europa estudar, procuravam no ensino particular da colônia, que quase inteiramente
estava entregue a religiosos, a instrução de seus filhos. Neste caso, a missão educadora
ficou a cargo dos padres Beneditinos, Franciscanos e Carmelitas15. Os pobres e medianos,
tinham que se contentar com os ensinamentos que pudessem receber no seu próprio lar.
Os padres da Companhia de Jesus, do collegio de Santos, desde o anno de 1704, costumavam enviar missões volantes de instrucção, e de pregação evangélica, pelas vilas a começar da Ilha Grande até a Laguna. Paranaguá ficava comprehendido nesse itenerario, por isso viu, por vezes, aportarem, em suas bahias, essas missões, da qual faziam parte os padres Antonio da Cruz e Thomaz de Aquino daquelle Collegio.16
Negrão nos conta, que o povo e a Câmara de Paranaguá solicitavam da Companhia
de Jesus, desde 1690, a vinda de religiosos para fundarem um colégio em Paranaguá.
Comprometiam-se a edificar o colégio e as residências para os religiosos bem como,
14 NEGRÃO, Francisco. Memória sobre o ensino e a educação no Paraná de 1690 a 1933. in. : Cincoentenario da estrada de Ferro do Paraná 1885. 15 NEGRÃO, Francisco. Memória sobre o ensino e a educação no Paraná de 1690 a 1933. in. : Cincoentenario da estrada de Ferro do Paraná 1885. 16 Ibidem.
17
fornecer o dinheiro que fosse necessário para a compra de escravos para os servir.
Comprometiam-se ainda, a doarem sesmarias de terras para o estabelecimento de fazendas
agrícolas e servirem de patrimônio. Por possuírem o monopólio do ensino, impunham ao
povo, esses duros encargos em troca do estabelecimento de uma escola.17
No caso de Curitiba, o primeiro “mestre escola”, mencionado nos documentos da
Câmara, que exerceu o lugar de professor de primeiras letras da vila de Curitiba, foi o
alferes Antonio Xavier Ferreira, pai do padre Ildefonso Xavier Ferreira (...). A data em que
foi nomeado não nos mencionam os documentos entretanto, se sabe que em 1797, não era
mais professor, “por ter deixado de continuar ha mais de um ano”, visto em uma provisão
onde é nomeado o seu substituto.18
Todos esses, são para nós, dados elucidativos que nos ajudam a compreender
melhor a situação da instrução no Paraná setecentista. Dadas as dificuldades, não nos resta
dúvidas, de que as pessoas dotadas de um certo grau de instrução, no início do séc. XVIII,
estavam mesmo reduzidas na figura dos reinóis.
Sendo assim, não fica difícil imaginar que, pelo fato de possuir instrução, os reinóis
acabavam por monopolizar as melhores oportunidades das vilas já que, como sabemos, as
melhores posições somente eram ocupadas por pessoas que soubessem ler e escrever.
Pouco depois de exercer a função de tabelião de notas, Motta passou a ocupar a
função de ajudante das ordenanças da vila, cargo este, que pertencia à esfera das
companhias de ordenanças. Quem nomeava para esta função, era o capitão-mor, com
patente passada pelo governador das armas. Segundo nos conta Francisco Negrão, Motta
foi nomeado neste cargo de ajudante do seu regimento, em 171919. Negrão comenta ainda,
que Motta recusou aceitar este cargo, alegando isenção por ser escrivão da Bulla da Santa
Cruzada20 mas, ao final, acabou sendo obrigado a aceitá-lo. Francisco Negrão não nos
explica como e nem porque Motta termina aceitando o cargo. Não tive acesso a nenhum
outro documento, que me permitisse confrontar e entender melhor esta situação, o porque
dele ser obrigado a exercer o cargo. No entanto, entender o motivo por ele alegar isenção, é
17 Ibidem. 18 Ibidem. A obra de negrão, possui a provisão nomeando Antonio Manoel de Mello Castro e Mendonça do Conselho de Sua Magestade Governador e Capitão General da Capitania de S. Paulo. 19 NEGRÃO, Francisco. Memória histórica paranaense. Curityba : [?], 1932. p.76 20 No capítulo 2º do presente trabalho, é tratado mais profundamente sobre o assunto Bula da Santa Cruzada, seu conteúdo, privilégios, isenções, bem como um documento de El Rei, exigindo para que se respeitem os privilégios concedidos pela Bula.
18
mais fácil de ser respondido. Trata-se de um alvará passado por El Rei em fevereiro de
1692 onde, ordena a todos os governadores das armas e oficiais da guerra, justiça e fazenda,
para que respeitem os privilégios concedidos aos oficiais da Bula da Santa Cruzada para
que não se prejudique a arrecadação.
Certamente Manoel Rodrigues da Motta, se fundamentava nesses privilégios, que a
bula concedia a todas as pessoas que com ela se envolvesse. No segundo capítulo do
presente trabalho, tratamos com detalhes, esta e outras questões referentes à Bula da Santa
Cruzada.
Graça Salgado, em sua obra “Fiscais e Meirinhos”, ressalta que a função de ajudante
das ordenanças, é mencionada no alvará de 18-10-1709, que, contudo, não enumera suas
atribuições. Complementa dizendo que, o requisito para ocupar este cargo, era ser pessoa
hábil e benemérita.
Em algum momento, entre os anos de 1713 e 1737, Manoel Rodrigues da Motta
casa-se com Elena Coutinho, sobrinha do famoso Capitão Antonio Luiz (o Tigre). Dentre
os documentos que obtivemos acesso, não encontramos a data deste matrimônio. Este dado
nos ajudaria talvez, a identificar quem era Motta, no momento em que se une a Elena
Coutinho, que posto estava ocupando na circunstância, por exemplo. De qualquer modo,
temos alguns dados que nos permitem especular a respeito do possível período desta união.
Em 22-04-1713, os pais de Elena, o Capitão Manoel Gonçalves de Sequeira (o Padilha) e
Paula Rodrigues França, herdam do Capitão Tigre, meia légua de terras em Jaquacahen
(Campo Largo); nesta circunstância portanto, Motta ainda não havia se casado com Elena.
Possivelmente, este sítio tenha sido seu dote, ou parte dele para o casamento pois, em 1737,
este mesmo sítio é doado à Capela Nossa Senhora do Terço. O detalhe é que não foram os
pais de Elena Coutinho que realizam a doação mas, Manoel Rodrigues da Motta. Neste
dado momento, Elena Rodrigues Coutinho já é citada como sua esposa. Há possibilidades
de que este sítio, venha a ter sido seu dote ao casar com Motta.
Um dado importante com relação ao seu casamento, é a informação que obtivemos a
respeito do falecimento de sua mulher, Elena Coutinho, em novembro de 1747, aos 40 anos
de idade21. A historiadora Ana Maria Burmester de Oliveira, realizou em um de seus
21 NEGRÃO, Francisco. Genealogia paranaense vol.3. Curityba : Impressora paranaense, 1928. p.646
19
trabalhos22, pesquisas com relação a esse aspecto demográfico no século XVIII. A partir
dos números que ela nos aponta, em conjunto com as informações de que dispomos,
podemos especular sobre a possível data em que tenha ocorrido o matrimônio de Manoel
Rodrigues da Motta, com Elena Coutinho.
Segundo a historiadora, a idade média em que os homens se casavam, ficava entre
24 e 26 anos de idade23 e das mulheres, entre 18,5 e 20,5 anos de idade24. Nos traz ainda, a
diferença etária média, entre os cônjuges ao se casarem; ou seja, em média, os homens
eram de 7 a 8 anos mais velhos que as mulheres25.
Baseando-se nos dados fornecidos por Francisco Negrão, podemos imaginar que
Elena Coutinho possa ter nascido em 1707. Supondo que ela tenha se casado um ano antes
do nascimento de seu primeiro filho, em 1724 (de acordo com Francisco Negrão em sua
obra Genealogia Paranaense, o primeiro filho do casal, que levou o nome do pai, Manoel
Rodrigues da Motta, teria nascido em 1724), o ano possível do matrimônio seria, 1723 e
portanto, ela estaria com 16 anos de idade. São números prováveis entretanto, não podemos
toma-los como absolutos. De qualquer forma, são números que condizem com a realidade
do período.
Saber com precisão a data do seu casamento, torna-se um pormenor menos
importante, diante do significado dessa união com Elena Coutinho. O que pode ter
representado esse casamento no período colonial, para nós, neste momento, é o que mais
interessa para dar sentido à nossa análise.
Como já vimos, o sucesso de um reinól dependia de alguns fatores como a sua
ocupação; seus laços sociais; sua linhagem; seus bons serviços; dentre outros fatores que
poderiam determinar um bom ou um mau casamento. Havia portanto, diversas vias que o
levava a obter sucesso, adquirindo fortuna e prestígio social. O casamento era uma destas
vias e muitas vezes foi o caminho encontrado pois, uma união bem articulada trazia
consigo, ou bons laços sociais, ou fortuna. Algumas vezes, ambos.
Especialmente entre os portugueses e seus descendentes, mas também nos demais
segmentos sociais, o casamento permaneceu, como na península, um ideal a ser perseguido,
22 BURMESTER, Ana Maria de Oliveira. Population de Curitiba Au XVIIIe Siecle; These de
Philosophiae Doctor Demographie. Montreal : Universite de Montreal, 1981. 23 Ibidem. 24 Ibidem. 25 Ibidem.
20
uma garantia de respeitabilidade, segurança e ascensão a todos os que o atingissem. Ao
menos é o que nos diz o autor Ronaldo Vainfas ao tratar sobre o assunto. Sheila de Castro
Faria concorda com tal posição, só completaria afirmando que, para além do costume e da
moral, estabelecer uma família, de preferência com casamento legal, era fundamental para a
economia e estabilidade de uma unidade doméstica. Principalmente em zonas agrárias do
Brasil escravista. As dificuldades encontradas em se agregar às determinadas condições que
possibilitassem o matrimônio, tornava os que conseguiam, privilegiados socialmente. Se o
casamento fosse possível a todos, não seria tão valorizado quanto o era.26
Muitas vezes no matrimônio estava a chave do sucesso, casar com uma jovem do
lugar, era sinônimo de ascensão social ou ao menos, uma maneira de permanecer em seu
estrato social. Através da aliança, os reinóis recebiam também, a aceitação na sociedade
local. Segundo Sheila de Castro Faria27, a principal forma de ser incorporado em
determinado meio social, era através do casamento.
Casar com a filha de um proprietário tornava-se, certeza de se ter acesso a terras, e
quase sempre as melhores, como nos conta Sheila. Ao final de suas pesquisas, a
historiadora afirma que, ao que tudo indica, a herança de poder e prestígio, era transmitida
pelas filhas, tornando a mulher peça-chave nesse processo em busca de escalada social.
Sheila analisou alianças matrimoniais na Freguesia de São Salvador dos Campos
dos Goitacases, na Paraíba, no início do século XVIII. Notou em suas pesquisas, que foram
os dotes estipulados para as noivas, quase sempre em terras, animais e escravos, o grande
chamariz para alianças matrimoniais com os forasteiros. E descobriu também, que 78% das
grandes fortunas, tinham como titulares reinóis.
Isso nos é revelador, na medida que estas uniões matrimoniais eram realizadas com
as filhas de proprietários enraizados; ou seja, estes proprietários detinham as terras mais
promissoras. O casamento portanto, além de inserir o forasteiro no meio social, o colocava
como proprietário de terras e muitas vezes, herdeiros de outras extensões de terra do pai da
noiva.
26 FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento : fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro : UFF, 1994. 27 Ibidem.
21
Pensando isso para Manoel Rodrigues da Motta na vila de Curitiba, podemos
imaginar também, que seu casamento foi sinônimo de ascensão social já que, tratava-se da
união com uma jovem filha de uma família tradicional e proprietária.
Deste modo, observamos que mais do que uma união para a eternidade, o
casamento, era como um contrato que unia dois seres; dois interesses; duas conveniências.
Primeiramente era sempre considerado como um negócio, no sentido amplo do
termo. O casamento, nesse período, renegava a um segundo plano as questões sentimentais
como a atração física e a paixão. No século XVIII, muitos compartilhavam do pensamento
de Montaigne: “que um bom casamento, se o fôr, recusa a companhia e as condições do
amor” (LEBRUN, [?], p. 29). Isso porque, o matrimônio se tratava de uma estratégia social
onde o sentimento era marginalizado. A importância residia no casar bem, sinônimo de
casar com um igual.
Um provérbio português do séc. XVII, “se queres bem casar, casa com teu igual”28,
nos remete para esse princípio da homogamia tão próprio da prática matrimonial no século
XVIII. Trata-se de igualdade etária, de condição e de fortuna. A Maria Beatriz Nizza da
Silva nos conta que no Brasil colonial, a questão etária foi muitas vezes relevada e
esquecida ou seja, houve inúmeros matrimônios com grande diferença de idade entre os
cônjuges. No entanto, nunca se ignorava a igualdade de condição social e raramente a de
fortuna. Certamente houve exceções, segundo ela, como aquelas em que o príncipe desposa
uma pastora mas, foram efetivamente exceções. Aliás, vale a pena ressaltar aqui, que estas
exceções, eram muito mal vistas e mal julgadas pela sociedade da época, mesmo no meio
mais humilde pois, a igualdade era o princípio e a regra que, deveria ser respeitada.
Um casamento, na maioria dos casos, deveria ser uma união conveniente pois, a
ordem social era percebida como sendo quase imutável. Cada homem nasce numa certa
condição da qual, em princípio, não pode e nem deve sair, pode procurar elevar-se no
interior mesmo desta condição, e o casamento pode em certos casos ajudá-lo mas, não deve
procurar escapar dela. Esse dado que Lebrun nos coloca, é bastante esclarecedor pois, se o
casamento surge como um meio de ascensão social, em muitas vezes portanto, pode ser um
negócio muito lucrativo e uma jogada necessária em direção a uma escalada social.
28 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de casamento no Brasil colonial. São Paulo : EDUSP,1984 p.192
22
Existiria portanto, no século XVIII, uma estratégia matrimonial fundamentada no
princípio da homogamia, como já mencionado, centrado na condição social e na fortuna. A
escolha do cônjuge então, seria norteada por este princípio racional, buscando manter certo
status social e ou melhorar esta situação. Tanto Lebrun, quanto Maria B. Nizza da Silva,
afirmam que a escolha cabia ao homem na maioria quase absoluta das vezes. Ela não
escolhia, era escolhida.
Exigia-se do homem um estabelecimento sólido, um modo de vida definido e da
mulher, um dote. Além da igualdade social, a sociedade colonial exigia uma igualdade de
fortuna. O dote era dado a jovem, para ajudar o estabelecimento do casal. Era a parte da
herança que lhe caberia por morte dos pais. Estas doações eram destinadas a sustentar os
encargos do matrimônio, como então se dizia.
Os casamentos desiguais, do ponto de vista social e sobretudo étnico, eram muito
mal vistos e não era difícil encontrar familiares que recorriam à autoridade dos
governadores para impedir tais enlaces. Esses casamentos desiguais, eram encarados como
uma ameaça contra toda a ordem social. Aqueles que não obedeciam às regras implícitas na
escolha do futuro cônjuge, enfrentavam a condenação da parentela.
Nitidamente, grande parte das alianças matrimoniais tratava-se de um negócio
interessante para ambas as partes e um casamento onde fosse alegado um “desordenado
amor” como sua razão de ser, não era definitivamente, uma união preferencial. As
hierarquias sociais tão rígidas da Colônia brasileira se manifestavam principalmente nestas
horas, quando estava em jogo uma aliança formal.
Manter a família na posição que lhe vem de trás, significou muitas vezes, procurar
um cônjuge poderoso ou uma herdeira muito rica, cujo dote permitia reparar as brechas
feitas na fortuna, por gastos desmedidos por exemplo. No período colonial, existiam dois
grandes imperativos econômicos que condicionavam o casamento. Segundo Lebrun, por
um lado era necessário casar, não tanto para que tivesse filhos como manda os
ensinamentos da Igreja mas, porque toda a vida social e econômica era organizada em
função do casal, segundo uma repartição tradicional de tarefas. Por outro lado, não se podia
casar enquanto isso não fosse economicamente possível.
Na verdade, o casamento de filhos de famílias abastadas não era nada simples. Cada
cônjuge tinha por trás de si, uma ampla carga de responsabilidades sobre as quais devia
23
prestar contas à sua família. Carregavam um patrimônio econômico, político e social,
herdado dos pais e que, não deveria ser dispersado. Muito pelo contrário, deveria ser
acrescido, somado a outro pelo matrimônio. Portanto, um casamento poderia significar o
reforço de uma aliança política ou econômica, ou mesmo a criação de uma nova aliança.
Os casamentos eram arranjados de um modo que pudesse criar uma ampla rede de
alianças, com famílias ocupadas nos mais diversos setores de atividade, como tráfico de
escravos; açúcar; justiça; gado; comércio e política. A seleção dos cônjuges faria parte de
uma estratégia de vida previamente pensada, que visava a estruturação de uma rede de
relações familiares, complementando as relações de cunho comercial. Quanto mais amplas
e sólidas as relações estabelecidas, mais acessível seria o progresso sócio-econômico da
família.
Elena Coutinho, cônjuge de Manoel Rodrigues da Motta, era filha de Paula
Rodrigues França casada com Manoel Gonçalves de Sequeira, o “Padilha”. A família
Padilha, é ramo da família Rodrigues França e provem justamente deste casamento dos pais
de Elena. O Padilha, Manoel G. de Sequeira, era natural da ilha de São Sebastião.
A família Rodrigues França, teve origem no Paraná, no Capitão-Mór de Paranaguá,
João Rodrigues de França, que ali casou com Francisca Pinheiro. Foi a sua patente de
Capitão-Mór passada a 06 de dezembro de 1707, por Dom Fernando de Mascarenhas, a
qual foi em 19 de janeiro de 1711, confirmada por El-Rei D. João V29 e governou até 1715
quando faleceu. Era descendente de ilustre família paulista, de abastados bens30. Possuía
várias fazendas de criação nos Campos Gerais e nos de Curityba e São José e as minas de
ouro de Araçatuba, em S. José, de onde retirou muito ouro. Por possuir muita riqueza,
procurou educar e instruir seus filhos, dos quais seis foram padres, e um se formou pela
Universidade de Coimbra31.
O Capitão-Mór João Rodrigues de França teve nove filhos no seu casamento com
Francisca Pinheiro. Com Maria da Conceição, talvez uma união ilícita, teve mais três filhos
e justamente deste, é que nasceu Paula Rodrigues de França, mãe de Elena Coutinho. Paula
casa-se com Manoel Rodrigues de Sequeira, natural da ilha de São Sebastião, falecido em
29 NEGRÃO, Francisco. Genealogia paranaense vol. 3. Curityba : Impressora Paranaense, 1928. p.03 30 Ibidem. 31 Ibidem.
24
Curitiba em 11 de setembro de 1729. Por uma escritura de 27 de abril de 1713, o Capitão
Antonio Luiz Tigre fez doação daquele sítio em Jaguacahen, que mais tarde Motta doa à
Capela Nossa Senhora do Terço.
Elena Coutinho foi o nono filho do casal; acabou sendo adotada por sua tia Anna
Rodrigues de França, irmã de sua mãe, também fruto da união ilícita do Capitão-Mór João
Rodrigues de França e Maria da Conceição. Anna Rodrigues de França era casada com o
Capitão Antonio Luiz Tigre. Não tiveram descendentes. O Capitão Antonio Luiz Lamim,
seu nome original, obteve mais tarde a alcunha de Tigre, era natural da Parnahyba e filho de
Antonio da Motta Maris e de sua mulher Maria de Piña. Possuiu uma sesmaria de terras no
Rio Verde, com três léguas de comprimento por uma légua de fundo, passada e datada do
Rio de Janeiro em 12 de abril de 1706, pelo Capitão General D. Francisco Martins de
Mascarenhas Lencastro32. Residia em Conceição de Tamanduá, onde possuía fazenda de
criação. Não foi apenas Elena Coutinho que foi adotada pelo Capitão Tigre mas também, as
outras filhas de Paula Rodrigues de França. O motivo teria sido por ocasião de sua morte.
De acordo com Ermelino de Leão, as filhas de Paula Rodrigues de França foram adotadas
pelo Capitão Antonio Luiz Tigre e sua esposa Anna Rodrigues de França.
A importância desta família Rodrigues de França é relevante, Francisco Negrão, em
sua obra Genealogia Paranaense, trata longamente, em mais de setecentas páginas sobre
esta família. Isso nos permite compreender que se trata de uma família tradicional e
numerosa na vila. Manoel Rodrigues da Motta, ao se unir com Elena Coutinho, estaria se
inserindo em um grupo importante na vila, um grupo proprietário de terras, poder e
prestígio. Uma combinação importante para um português que estivesse na busca da
ascensão social e fortuna. Pertencer a uma família tradicional e poderosa, talvez tenha sido
indispensável a Manoel Rodrigues da Motta.
Sem dúvida, a família foi uma das instituições mais influentes da sociedade
brasileira. Houve vários tipos de famílias: de escravos, mistas, de lavradores, de roceiros,
indígenas e de elite. Esta última em especial nos interessa aqui, principalmente para
entendermos a preferência dessas famílias de elite para que suas filhas se unissem a reinóis.
32 NEGRÃO, Francisco. Genealogia paranaense vol. 3. Curityba : Impressora paranaense, 1928. p.650
25
Estas famílias de elite alcançavam seus objetivos econômicos e políticos, através de
alianças familiares e de parentesco. Um padrão de casamento comum entre essas famílias,
segundo Maria Beatriz Nizza da Silva, era o matrimônio das filhas nascidas na terra com
imigrantes de Portugal33, justamente pelo prestígio e confiança que esses portugueses
desfrutavam aqui na Colônia. Fora desta situação, as famílias de elite tendiam a ser
endogâmicas em relação ao seu grupo social, acrescenta a autora. Isto talvez se deva à lei
testamentária que, estabelecia a igual divisão dos bens entre os filhos. Desta forma, as
propriedades das famílias de elite estavam expostas ao perigo. A saída encontrada foi
minimizar o impacto da herança, favorecendo apenas alguns herdeiros, que na maioria das
vezes eram as filhas. Através do dote, as famílias transferiam abundantes bens para um
ramo da família.
Sheila Siqueira de Castro Faria, nos trás números de um estudo seu, sobre a
preferência que um reinól possuía na Colônia. Não são especificamente para a vila de
Curitiba mas, de qualquer forma, independentemente da localidade, as boas oportunidades
de matrimônio sempre estiveram do lado dos portugueses que aqui se instalavam. Das 20
mulheres filhas dos mais ricos senhores de São Salvador, 55% casaram com reinóis, 10%
com homens nascidos no Rio de Janeiro, 20% com homens de São Salvador e os outros
15%, com homens de origem desconhecida mas que, com certeza não eram de São
Salvador, acrescenta a autora.34 Há uma boa probabilidade de que estes 15% possam ser
reinóis também, o que elevaria o percentual para em torno de 60% ou 70%. De qualquer
forma, o que nos interessa é o alto índice que, comprova a preferência pelos portugueses.
Isso nos leva a crer que, Motta tenha sido favorecido pela sua situação, enquanto reinól, e
alcançado uma aliança com os Rodrigues de França abrindo assim, uma série de
possibilidades de relações importantíssimas para sua ascensão social.
Existem ainda, alguns aspectos que precisam ser ressaltados com relação a estas
estratégias, como a brancura da pele, o prestígio familiar, ocupação de postos
administrativos importantes, acesso à escolaridade e fortuna anterior ou no presente, se não
33 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil. Lisboa/São Paulo : Ed. Verbo, 1994. 34 FARIA, Sheila Siqueira de Castro. A colônia em movimento : fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro : UFF, 1994.
26
dos envolvidos pelo menos de parentes próximos, principalmente no caso de serem
herdeiros.
Manoel Rodrigues da Motta se une a Elena Rodrigues Coutinho por volta de 1723,
teve 8 filhos, Manoel Rodrigues da Motta em 1724; Antônio da Motta dos Santos, que se
encontrava preso na cadeia de Curitiba em 1752; Maria Rodrigues Pinto em 1727; Feliciana
do Espírito Santo em 1731; Ignez Rodrigues da Motta em 1740; Izabel Rodrigues da Motta
em 1742; Joanna Rodrigues da Motta em 1746 e Joaquim Rodrigues da Motta, último filho
do casal nascido em 175035.
Os reinóis, ao se incorporarem ao espaço social de famílias prestigiadas, mesmo que
estivessem empobrecidas, habilitavam-se a ocuparem postos até então impensáveis,
fundamentalmente, por unirem-se as famílias proprietárias das terras e pertencerem ao
grupo que detinha o poder da vila.
As Câmaras das vilas e cidades, quase sempre, foram constituídas pelos
proprietários de terras ou seus preferidos. Normalmente esses homens integravam o corpo
político local, representado através das Câmaras. Essa elite de “homens bons”, era os
monopolizadores dos cargos eletivos e administrativos municipais. Principalmente no
período colonial, o serviço da vereança representava dignidade, uma honraria e só poderia
ser exercido por gente de qualificação. As Câmaras sempre foram órgãos das classes
superiores e seus membros, eleitos anualmente, dispunham de privilégios e regalias.
Antes de ocupar o cargo de vereador na vila, Motta teve uma rápida passagem pela
Câmara Municipal ocupando o cargo de escrivão da Câmara (09-11-1719 a 15-04-1720).
Cargo que pertence à esfera da Câmara e era designado pela própria Câmara. Dentre as
atribuições, cabia ao escrivão fazer anualmente um livro em que conste toda a receita e
despesa do conselho; escrever os acordos dos vereadores e oficiais do Conselho; todos os
acordos e mandados; as cartas testemunháveis passadas pelos vereadores; escrever nas
eleições dos vereadores e oficiais da Câmara; ter uma das chaves da arca do Conselho, onde
se guardam as escrituras deste; auxiliar o ouvidor ou juízes ordinários nas funções de
justiça; dentre outras.36
35 NEGRÃO, Francisco. Genealogia paranaense vol.3. Curityba : Impressora Paranaense, 1928. p.649 36 SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos : a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1985. p.138
27
Manoel Rodrigues da Motta, ocupou por diversas vezes, o cargo de escrivão. Foi
Tabelião de notas, escrivão da Câmara, escrivão da Bula da Santa Cruzada enfim; e deste
modo, vale a pena ressaltar aqui, o que poderia significar para um reinól, ocupar tal função.
O escrivão era sempre um indivíduo que pertencesse à nobreza local, como nos
conta M. H. Coelho, em seu livro “O poder Concelhio”37, embora o lugar fosse
especialmente reservado para gente nobre com poucos recursos ou empobrecida. Coelho
ainda afirma que, o lugar de escrivão mostrava-se não só, como o mais rendoso, pelas
propinas, coimas38 e emolumentos39 como também, o que dava mais possibilidades de
enriquecimento, sobretudo onde se acumulavam as funções de escrivão da Câmara, com as
de escrivão da almotaçaria, órfãos, sisas, etc. Já que participavam em todos os negócios,
tinha uma posição de enorme ascendência na vila.
Mais tarde, em 1729, ocupa o cargo de vereador em Curitiba. O processo de eleição
era complexo e dele participavam, como eleitores e elegíveis, apenas os “homens bons” da
localidade. Eram eleitos trienalmente para servir durante o período de um ano. Segundo a
provisão de 8 de maio de 1705, não eram aptos a participar do processo, os mecânicos,
operários, degredados, judeus e outros que pertenciam à classe das atividades mecânicas.40
Somente quem estivesse na condição de nobre41 e portanto, de uma maneira geral, a
Câmara era um instrumento da elite local, a qual ganhava maior prestígio social por exercer
esse cargo.
A esfera de atuação dos vereadores era muito ampla pois, segundo o texto das
Ordenações Filipinas, tinham a seu cargo “todo o regimento da terra e das obras do
concelho”42, a fim de que todos os moradores pudessem viver bem. Deviam ir a Câmara
duas vezes por semana, o que implicava morar na vila e não em sítios ou fazendas. Cabia a
eles ainda, fiscalizar a atuação dos juizes no cumprimento da justiça; fiscalizar contas do
37 COELHO, M. H.; Magalhães, J. R. O poder concelhio : das origens às cartas constituintes, notas da história Social. Coimbra : Edição do Centro de Estudos e Formação Autárquica, 1986. 38 Coimas eram as multas que se impunha aos donos de animais que invadem e danificam terreno alheio. 39 Emolumentos eram as gratificações, lucros, retribuições. 40 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil. Lisboa/São Paulo : ed. Verbo, 1994. verbete administração municipal. 41 Era considerado nobre, na maioria das vezes, os que ocupavam cargos nas milícias. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil. Lisboa/São Paulo : Ed. Verbo, 1994. p.26 42 Livro I, título 66
28
tesoureiro do Concelho e do procurador; administrar os bens do Concelho, dentre outrras
atribuições.43
Motta é citado como um “vulto preponderante” na vila, tanto por Ermelino de Leão
quanto por Francisco Negrão44. Não por acaso fora mencionado desta forma.
Possivelmente, sua união com Elena Coutinho, deva ter sido um acontecimento relevante
em sua trajetória bem como, lhe propiciado oportunidades para sua carreira pública. A
escassez de documentos a respeito do seu matrimônio, dificulta-nos uma avaliação mais
precisa de suas conseqüências na vida de Motta. De qualquer modo, dado a importância do
casamento neste período como também, a importância da família Rodrigues de França,
podemos afirmar que foi um fator que contribuiu na inserção de Manoel R. da Motta no
interior da elite setecentista curitibana de então.
Em 10 de maio de 1729, como vereador mais velho45, Manoel Rodrigues da Motta,
em razão de determinação do Governador general Antônio da Silva Caldeira Pimentel,
sobre o envio de uma bandeira para encontrar a que vinha abrindo caminho desde o Rio
Grande do Sul, sob o comando do sargento-mór Francisco de Souza e faria. Era a abertura
do caminho do Viamão, de extrema importância para a História do Brasil. Motta ainda tem
mais uma aparição como vereador da Câmara, em 173946.
Dava-se grande importância a esse caminho, pois foi em seu tempo, a única
comunicação terrestre entre São Paulo e os confins meridionais do Brasil. Dele, veio o
incentivo para as povoações que pontearam os campos do seu percurso e que depois,
transformaram-se em vilas e cidades, como no Paraná, Jaguariaíva, Piraí, Castro, Ponta
Grossa, Palmeira, Campo Largo, Lapa e Rio Negro.
43 Ver mais sobre as atribuições, em SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos : a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1985. 44 LEÃO, Ermelino Agostinho. Diccionario histórico e geographico do Paraná vol.III. Curityba : Empreza Graphica Paranaense,1929 e Negrão, Francisco. Genealogia Paranaense vol.3. Curityba : Impressora Paranaense, 1928. 45 MOREIRA, Júlio Estrela. Caminhos das comarcas de Curitiba e Paranaguá; 2ª vol. Curitiba : Imprensa Oficial, 1975. p.643 46 Manoel Rodrigues da Motta, figura mais uma vez como vereador em 12 de dezembro de 1739, no autos de provimentos que mandou fazer o Dr. Manoel dos Santos Lobato. Isso consta nos Boletins do Archivo Municipal de Curityba vol.II. Curityba : Impressora Paranaense, 1906.
29
Talvez a estrada do Rio Grande a São Paulo tenha sido a rota de maior importância na história do Brasil, pois, sem ela, não teria havido o ciclo do ouro, não teria havido o café e nem a unidade nacional teria sido levada a cabo.47
Manoel Rodrigues da Motta esteve envolvido portanto, ao processo que ligou o sul à
região central do Brasil. Nesses movimentos, houve a ocupação dos espaços vazios e o
desenvolvimento do comércio, alterando a base econômica da região que estava voltada até
então, apenas para a procura de jazidas auríferas. Isso lhe coloca como um protagonista
nesse período de grandes e profundas transformações sociais e econômicas.
Seu envolvimento com expedições de abertura de caminhos, renderam-lhe altos
cargos de comando e conseqüentemente, muito prestígio. Para compreendermos como se
deu estes fatos efetivamente, devemos contextualizar o período em que estavam
acontecendo estas explorações.
Conforme as regiões, a necessidade de estradas fazia-se sentir com maior ou menor
intensidade. Através das planícies do sul por exemplo, não havia caminhos visíveis. Ou os
viajantes iam abrindo uma trilha pelo seu contínuo trânsito ou, em lugares de acesso mais
difícil, tinham que abrir uma picada para poderem avançar. No entanto, não resta dúvida de
que o amplo território do Brasil, exigia a abertura de estradas e caminhos.
No início do séc. XVIII, o sul do Brasil estava praticamente despovoado. As
bandeiras do ciclo da caça de indígenas haviam frustrado os espanhóis que tentavam chegar
ao mar a partir do Paraguai, incorporando a região que hoje ocupa os estados de Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. Para tal resultado foi decisiva a expulsão dos jesuítas de
Guairá, no oeste paranaense, e Tape, no centro do Rio Grande, na primeira metade do
XVII.48 Por volta de 1680, entretanto, os jesuítas se estabeleceram mais uma vez na região,
catequizando índios e fundando várias missões. Foram chamados Sete Povos das Missões
Orientais do Uruguai, localizados no oeste do Rio Grande do Sul atual. Enquanto
ocupavam o oeste do Rio Grande, os portugueses dispunham da colônia do Sacramento, ao
sul do atual Uruguai e no litoral, continuavam em Laguna, na atual Santa Catarina.
47 JÚNIOR, Alfredo Ellis. In. : MOREIRA, Júlio Estrela. Caminhos das Comarcas de Curitiba e Paranaguá; 2ª volume. Curitiba : Imprensa Oficial, 1975. 48 WEHLING, Arno. ; WEHLING, Maria José C. de. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994. p.164
30
Este era o panorama da ocupação territorial no início do séc. XVIII, um imenso
vazio territorial compreendendo a maior parte dos atuais, Rio Grande e Uruguai, além do
interior de Santa Catarina. A guerra de Sucessão da Espanha, do início do século, colocou
Sacramento em mãos dos espanhóis em 1704. Por onze anos esteve sob o domínio da
Espanha até que, pelo Tratado de Utrecht em 1715, foi devolvida a Portugal.
Nos anos seguintes delineou-se com maior clareza a política de Portugal no sul do
Brasil: unir a colônia do Sacramento, as regiões já conquistadas, até o litoral de Santa
Catarina. Para que isto ocorresse, precisariam ser estabelecidos núcleos de colonização na
região do atual Rio Grande e Uruguai, bem como estradas que os ligassem a São Paulo.49
Concomitantemente a esta questão territorial de defesa e expansão, acontecia a
descoberta de jazidas em Minas Gerais que, determinaria a necessidade do abastecimento
desta nova área de concentração populacional que surgia. A política de ligação entre
Sacramento e São Paulo por meio de fazendas de gado e estradas, foi facilitada e de certa
forma viabilizada, pela descoberta das minas. Era preciso abastecê-las com carne, animais
de carga e couros, o que tornou a atividade dos sulistas pioneiros, muito lucrativa. Curitiba
e Sorocaba tornaram-se então, os caminhos naturais, passando a ser o eixo do comércio
com as áreas mineradoras.
Sem dúvida, o ouro e os diamantes foram os produtos mais famosos do Brasil
durante o séc. XVIII, e ambos representaram grandes fatores na conquista do sertão50. Mas
o gado também teve contribuição importante e fundamental, nesse avanço para oeste por
parte dos colonizadores. Ao observarmos a História do Brasil, vemos que a cana-de-açúcar
foi a principal responsável pela colonização do litoral; que o ouro e os diamantes formavam
a sedução principal de Minas Gerais e Mato Grosso; que a busca de escravos ameríndios,
de prata e esmeraldas, impeliu os paulistas ainda mais para dentro do interior mas,
indiscutivelmente os vaqueiros e criadores, abriram a maior parte do resto do Brasil.51
No início do séc. XVIII, o pastoreio ainda atravessava uma fase incipiente e a
procura de jazidas auríferas ainda estimulava arrojados empreendimentos. Mineradores e
49 Ibidem. 50 A palavra sertão, trazia consigo a idéia de descontinuidade geográfica. A entrada no sertão significava a conquista de um território para a Coroa e penetrar no sertão, implicava em grandes dificuldades para os viajantes, fossem eles padres, ambulantes, homens de negócio, naturalistas ou militares. 51 BOXER, Charles Ralph. A idade do ouro do Brasil : dores de crescimento de uma sociedade colonial; 3ª edição. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2000.
31
sertanistas penetravam os sertões de Curitiba, deslumbrados com todas as informações que
se difundiam a respeito da opulência da natureza, das pastagens, rios e cachoeiras. Em
1720, Zacarias Dias Cortes, um bravo sertanista curitibano, explorava as lavras de
Inhanguera quando em suas andanças, descobrira os imensos campos de Palmas. A
descoberta de jazidas auríferas na região, incrementava a efetivação de uma via de
comunicação com a região de Viamão, no Rio Grande do Sul. Neste momento Manoel
Rodrigues da Motta, financiou a expedição de uma bandeira que, em seu percurso,
promoveu a abertura de uma picada até os campos de Lages. Outros ainda, acalentando as
mesmas ambições, se embrenharam no sertão e exploraram os vales do rio Iguaçu, Tibagi e
Ivaí.52
Esses eventos, de grande importância e méritos para a expansão do território
brasileiro, determinavam que o ciclo da mineração aurífera praticamente chegava ao seu
fim e daí para frente, não seria mais a tarefa fundamental dos habitantes da região sul.
Novos objetivos assinalariam as diligências dos antigos mineradores que, frustrados e
desalentados por seus sonhos de enriquecimento ligeiro e fácil não terem se efetivado.
Eram as novas bases de expansão sócio-econômica que se instauravam, com as boiadas, o
couro e o comércio de animais de carga.
O descobrimento das Minas Gerais e sua exploração colocou o problema de
abastecimento dos mineradores e também, as dificuldades de transporte de pessoas e
mercadorias. Organizaram-se as tropas, as pessoas e comerciantes viajando a cavalo ou em
mulas. As tropas faziam o comércio interno, trazendo do interior o ouro e levando
alimentos e mercadorias manufaturadas. Já em 1720, Bartolomeu Pais de Abreu propunha
ao capitão-general a abertura de um caminho que ligasse o Rio Grande do Sul à Capitania
de São Paulo, a fim de que pudesse ser introduzido o gado ali existente em abundância.
O gado xucro do Rio Grande do sul despertava atenções. A penetração efetiva da
região dos pampas começou cerca de 1715, com um movimento modesto para a costa,
vindo de Laguna. Rapidamente, este movimento foi seguido pela infiltração dos pioneiros
paulistas, vindos do norte por via Curitiba. Em 1715 as planícies de São Pedro do Rio
Grande, já eram profeticamente descritas, como “a melhor terra de toda a América do
52 BOLETIM DO INSTITUTO HISTÓRICO, GEOGRÁFICO E ETNOGRÁFICO DO PARANÁ. Vol. XLIV : 1986. p. 27-30
32
Brasil para se povoar...” (BOXER, 2000, p. 258). Em 1718, em resposta a um questionário
do governo, vindo de Lisboa , o governador do Rio de Janeiro informava que a região do
Rio Grande de São Pedro era eminentemente apropriada para a colonização em grande
escala, sendo: “Cheia de muytos gados, e cítio com todas as comodidades desejáveis para
se fazer nelle hua grande povoação, enchendo as grandes circunstâncias mais necessárias
para o augmento da nova Colônia de Sacramento” (BOXER, 2000, p. 258)
Além de existirem muitos bois e cavalos selvagens, a região oferecia todas as
facilidades para a criação das raças domésticas. Tais recomendações e outras posteriores,
sempre nesse tom, foram aceitas pelos conselheiros ultramarinos, em Lisboa, e
periodicamente se insistia com a coroa, para que se desse alguns passos no sentido de
colonizar a região.
Apesar da oposição de fazendeiros dos Campos Gerais, receando a concorrência do
gado do sul, como também pelos recrutamentos forçados, o Capitão-general de São Paulo,
Caldeira Pimentel, ordenou em 1727 a abertura da estrada de Laguna que, ligando os
campos do Rio Grande aos de Curitiba, possibilitaria a subida das tropas de gado. Foram
encarregados dessa empreitada, o sargento-mór Francisco de Souza Faria de Paranaguá, e o
capitão Manoel Rodrigues da Motta de Curitiba. Motta foi elevado ao posto de Capitão de
Companhia, ao final da década de 1720. Ermelino de Leão menciona que Manoel
Rodrigues da Motta, foi promovido a capitão em 1731 entretanto, sendo que Motta chefiara
essa bandeira de abertura de caminho por volta de 172853, pode-se supor que já ocupava o
posto de Capitão-de-companhia.54
Este cargo pertencia as Companhias de ordenanças; um Capitão, era eleito pela
Câmara (de acordo com o alvará de 1709, o posto passou a ser provido pelo rei, a partir de
três nomes escolhidos pela Câmara). O requisito era ser pessoa residente nos limites da vila.
Dentre as suas atribuições, cabia a um Capitão comandar uma bandeira de ordenança;
participar com o cabo-de-esquadra, dos exercícios militares de cada esquadra, premiando
com dinheiro os mais hábeis; promover exercícios militares duas vezes ao ano; aplicar
53 “...em 1720, Bartolomeu Paes de Abreu, paulista que participara da guerra contra os emboabas, escreveu ao rei de Portugal, propondo à sua Magestade, abrir uma estrada até o Rio Grande do Sul que oferecesse comunicação entre Curitiba e a nova colônia do Sacramento (...) ...com a mesma finalidade partira a bandeira do capitão Manoel Rodrigues da Motta, esta por terra”. Francisco Souza Faria vinha do Rio Grande via marítima. (1728) fonte: Bol. Instituto Histórico e geográfico Vol.VII p.49 54 Segundo consta na obra Fiscais e meirinhos de Graça Salgado, dentre as atribuições que cabia ao capitão-de-companhia, destacamos a função de comando, numa bandeira de ordenança. P.166
33
penas pecuniárias aos que faltassem os exercícios e autorizar, nos lugares onde não houver
Capitão Mor, as despesas da companhia; nomear pessoas para o posto de alferes e sargento
de companhia, quando vagassem e comandar os oficiais das ordenanças nos lugares com
menos de cem habitantes e sem Capitão Mor.
Os descobrimentos feitos pela bandeira de Zacarias Dias Cortes, foi um forte motivo
para induzir o Governador da Capitania de São Paulo Antonio Caldeira Pimentel a verificá-
los e levar a efeito uma via de comunicação com Viamão, já proposta por Bartolomeu Paes.
Para isso, confiou uma bandeira à direção do Sargento Mor Francisco de Souza Faria, que
se guiou pelo roteiro de Zacarias Dias cortes55 e a seguir outra, a de Manoel Rodrigues da
Motta, indicado pela Câmara de Curitiba.
Apesar da oposição de fazendeiros dos Campos Gerais, por receio da concorrência
dos gados do sul, como também, a oposição dos paranaguenses devido os recrutamentos
forçados, o governador Caldeira Pimentel, ordenou em 1727 a abertura da estrada da
laguna. O Sargento Mor Faria, após receber, em Santos, munições, instrumentos, dinheiro e
instruções, partiu para Laguna a fim de dar começo à abertura da estrada em 172856.
Segundo o autor Júlio Moreira, a expedição foi dificultosa com muitos perigos, porque os
índios Tapes, aliados dos jesuítas espanhóis, ameaçavam com freqüência, a expedição.
Foram mais de dois anos de muitos gastos para Faria e nem sinal da bandeira de Motta.
O então Capitão Manoel Rodrigues da Motta, encarregado de chefiar uma bandeira
para encontrar a tropa de Sousa Faria, prontificou-se a auxiliar a bandeira às suas próprias
custas, fornecendo pano de algodão, pólvora, chumbo, ferramentas e algumas armas.
Saindo de Curitiba em 1730, o Capitão Motta, vai até a lagoa dos Patos, fundando a
povoação do Viamão junto à futura Porto alegre57. Consegue atravessar a Serra do Espigão,
e o seu caminho é o roteiro futuro pelo qual, a cavalo se fez, a seguir, o comércio entre o
Paraná e o Rio Grande. Sua expedição também teria durado dois anos.
55 “O Governador da capitania de São Paulo, que então era Rodrigo César de Menezes, oficiou à câmara de Curitiba para que exigisse de Cortes uma planta da região e um diário do seu percurso, o que foi feito, pois Varnhagem possuiu esse roteiro das minas do Inhanguera e diz que as terras ao norte dos campos da Vacaria (Rio Grande do Sul) (...)” MARTINS, Romário. História do Paraná; 3ª edição Curitiba/SP/RJ : Editora Guairá Limitada, sem data. 56 MOREIRA, Júlio Estrela. Caminhos das Comarcas de Curitiba e Paranaguá; 2ª volume. Curitiba : Imprensa Oficial, 1975. p.652 57 BOLETIM DO INSTITUTO HISTÓRICO, GEOGRÁFICO E ETNOGRÁFICO DO PARANÁ. vol. XLVIII, 1993. p.248
34
Entretanto, sua meta era Laguna, para onde deveria dirigir-se por terra, esperando aí
o Sargento Mor Faria. O Sargento então, completaria seu ciclo voltando a Curitiba por terra
enquanto Motta voltaria por mar, nos navios de Faria, até Paranaguá58. O Sargento Mor
cumprira seu desiderato, conseguindo fundar pelo caminho, Lages e Curitibanos no entanto
Manoel Rodrigues da Motta retorna a Curitiba sem deparar-se com a outra bandeira. Este
fato foi levado ao conhecimento do Governador que, estranhando o acontecimento, ordenou
que a bandeira continuasse na abertura da picada até que encontrasse Souza Faria. Nesta
segunda bandeira, mais uma vez financiada por Motta, seguia agora sob o comando do
Sargento Mor Manoel Gonçalves da Costa. O Capitão Manoel Rodrigues da Motta, desta
vez, decidiu por manter-se na vila de Curitiba. No entanto, esta segunda bandeira também
fracassou, irritando o Governador Antônio Caldeira Pimentel que, enviou uma carta ao Juiz
presidente da Câmara de Curitiba. O Governador se dizia admirado com a pouca prática
desses homens nessas expedições e que não precisava de “mais inteligência que a de seguir
o rumo de sudoeste carregando sempre para a parte do mar...”59. Termina a carta dizendo
que supõe que Deus quer dar glória de conseguir esta grande obra sem mais ajuda e favor
além do mesmo senhor. De qualquer modo, Caldeira Pimentel achando muito moroso o
serviço de abertura dessa estrada, nomeou o Capitão Antônio Afonso, em 1729, para o
posto de comandante da tropa de vanguarda. Este sertanista seguiu para a Laguna, levando
consigo o Tenente Francisco Rodrigues Chaves e mais gente do seu pelotão.
Júlio Moreira chega a afirmar que a contribuição de Motta, para a abertura do
caminho do Viamão foi “quase nula”. Talvez, seu depoimento a respeito, esteja baseado na
“atrapalhada” expedição, que foi a primeira bandeira chefiada por Motta. Mas de qualquer
maneira, o que mais nos interessa aqui, é o fato dele ter financiado a suas custas essas
expedições; indício de que era um homem de posses na circunstância sendo que, não era
qualquer pessoa que possuía condições de realizar tais gastos. “(...) A bandeira, quase
sempre, era emprêsa particular. O bandeirante agia por sua própria conta...” (BIHGEP
vol.IX, 1924, p. 11)
58 NEGRÃO, Francisco. Boletins do Archivo Municipal de Curityba vol.II. Curityba : Impressora Paranaense, 1906. p.22 59 MOREIRA, Júlio Estrela. Caminhos e Comarcas de Curitiba e Paranaguá ; 2ª vol. Curitiba : Imprensa Oficial, 1975. p.644
35
Entretanto, é num relato de Francisco Negrão, a respeito da abertura dos caminhos
no sul, que verificamos melhor este aspecto do financiamento particular dessas expedições:
Sempre o mesmo appello feito pelos governadores ao pobre povo, mostrando-lhe o serviço á Sua Magestade e acenando-lhe com honras e regalias para insufflar-lhe a vaidade a custa de penosíssimos serviços sem a menor remuneração. No caso vertente, mandava-se abrir uma estrada que partindo do Rio grande do Sul se dirigia a Goyas atravez dos ínvios sertões de Santa Catarina, Paraná e São Paulo, devendo formarem-se bandeiras commandadas pelos sargentos-mores,ás quaes não s° dava nem recursos para alimentação nem soldos por insignificantes que fossem, nem instrucções e muito menos um traçado seguro por onde devesse seguir o caminho. A única instrucção era esta: – Prosigam Bandeiras ao encontro das que vem abrindo o caminho para esta villa, devendo irem fazendo grandes fogueiras para que por esta forma sejam vistos e possam se reunir. Talvez julgasse o capitão-general Governador de S. Paulo que estava em Portugal, onde um tiro de canhão dado na fronteira do Paiz é ouvido em todo o território pátrio(...). 60
Não é nosso objetivo engrandecer ou desmerecer a figura de Manoel Rodrigues da
Motta. O que nos importa e buscamos entender, é o seu envolvimento com essas
expedições que estiveram inseridas na sociedade setecentista. De qualquer forma, deve-se
ao Motta, a abertura da “estrada do Motta” que, foi muito importante ao povoamento do
Rio Grande do Sul e dos Campos Gerais de Curitiba e ao comércio de gado com Sorocaba.
A denominação da estrada, em pouco tempo se alterou para “estrada da Mata”, porque do
rio Negro para o sul atravessava região intensamente florestada.61
Da abertura do caminho do Viamão resultou o funcionamento do Registro do Gado
e Cavalgaduras, para a cobrança de tributos e o método que deveria ser aplicado em um
trabalho, até então, inédito.
Em junho de 1731, o Capitão-General e Governador Antonio da Silva Caldeira
Pimentel, escreveu à Câmara de Curitiba pedindo que indicasse o nome de uma pessoa
capaz para ser nomeada no cargo de superintendente do Registro do Gado e das
Cavalgaduras que procediam de Laguna, originários de São Pedro do Rio grande. Em 26 de
julho, após diversas consultas, os vereadores votaram unanimemente em Manoel Rodrigues
da Motta, “homem morador da vila e abonado” (MOREIRA, 1975, p. 790) Comunicaram
ao Governador a indicação, dizendo ser ele o único capaz de ocupar o cargo, por nele
60 NEGRÃO, Francisco. Boletins do Archivo Municipal de Curityba vol. VII ao XII. Curityba : Livraria Mundial, 1924. 61 MARTINS, Romário. História do Paraná ; 3ª edição. Curitiba/São Paulo/Rio de Janeiro : Editora Guairá Limitada, [?].
36
concorrerem todos os requisitos necessários.62 Em 03 de setembro, o Governador
respondeu à nomeação. Motta, assumiu as funções de Superintendente do Registro do Gado
e das Cavalgaduras em meados do ano seguinte, 1732.
O Registro fora criado para efetuar o controle das tropas vindas do sul. Era um posto
fiscal que foi colocado à margem de um “rio caudaloso” (Iguaçu), no ponto em que
formava uma curva apertada em forma de “U”, no lado oposto do rio Capivari. Este último,
permitia a caminhada do gado pela sua margem esquerda, situação que reduzia a amplitude
campesina do caminho, formando um apertado por onde as tropas eram forçadas a dirigir-se
ao vau em que atravessariam o grande rio.63 Ali era à entrada do Registro, e era neste local
que permaneciam os funcionários e uma escolta de soldados que garantia os procuradores e
mantinha em vigilância as tropas que chegassem.
O local, era excelente para receber os animais e os tropeiros que ali chegavam
exaustos da longa viagem, pela travessia da longa floresta, entre Lages e os campos da
Lapa. Possuía água para os animais e uma “magnífica” fonte de água potável também.
Além disso possuía locais onde os tropeiros se proviam de mantimentos e peças de
vestuários a fim de prosseguirem até os campos, onde ficavam por alguns meses
invernando o gado e para a sua recuperação.64
Era, sobretudo, um posto fiscal que possuía uma organização razoável para a
fiscalização das tropas, cobrança dos tributos, verificação da relação de origem, mesmo da
dos animais que haviam morrido durante a viagem e tudo isso, era registrado num livro
próprio. O Superintendente ou Administrador do Registro, possuía certas prerrogativas. A
principal delas era a de manter um armazém de venda de mercadorias para os tropeiros e os
moradores da vizinhança, dos dois lados do rio, compreendendo Tamanduá, a fazenda dos
Carlos, a “Outra banda” (Lapa), etc. No entanto, outros comerciantes burlavam a
exclusividade deste privilégio, mantendo pequenas lojas. Estes então, sofriam constantes
acusações do Superintendente a Câmara de Curitiba, que respondia com aplicação de
62 MOREIRA, Júlio Estrela. Caminhos das Comarcas de Curitiba e Paranaguá ; 3ª volume. Curitiba : Imprensa Oficial, 1975. p.790 63 Ibidem. 64 Ibidem.
37
multas aos infratores. Este Registro funcionou ali até 1835, ano em que foi transferido para
o rio Negro, e o primeiro local em que funcionou, ficou conhecido por Registro Velho.65
O Registro era um órgão de fiscalização fiscal de âmbito real e portanto, escapava à
alçada das Câmaras, provocando desentendimentos entre a Câmara e o Governador da
Província. Um problema, se refere principalmente ao comércio no local. Especificamente,
aos comerciantes que burlavam a exclusividade de privilégio e se instalavam nas
redondezas do Registro. O Superintendente então, acusava os negociantes perante a Câmara
de Curitiba. Esta, respondia com multas aos infratores. No entanto, como nos conta Júlio
Moreira esse problema com o decorrer dos anos, foi se tornando cada vez mais crônico. A
outra questão, provavelmente esteja relacionada com o destino do dinheiro proveniente da
fiscalização realizada no Registro; quanto a jurisdição e competência.
Em agosto de 1734, Manoel Rodrigues da Motta solicitou licença para ir à cidade
de São Paulo tratar de seus negócios, tendo a Câmara indicado Braz Domingues Veloso
para o substituir. No dia 1º de setembro de 1735, Motta deixou definitivamente o cargo. Em
seu lugar permaneceu seu cunhado Braz D. Veloso, que já estava desempenhando esta
função.
Na ocasião da abertura do caminho do Viamão, Manoel Rodrigues da Motta,
declarou que gastara mais de 400$000 de sua fazenda naquela empreitada66. Em atenção a
estes relevantes serviços, o conde de Sarzedas (Antonio Luiz de Tavora) em dezembro de
1732, o promove ao posto de Sargento-Mor de Infantaria de Ordenanças de Curitiba.
Registo de hua patente de Sargento-mor em que foi provido o Provedor Manoel Rodrigues da Motta: ...Faço saber aos que esta minha carta patente virem que havendo consideraçam e se achar vago o posto de Sargento mor da Ordenança da villa de Coritiba e ser necessario prover-se em pessoa em que concorrão todos os requisitos digo todas as partes e requisitos e tendo atenção dos merecimentos que se achão na de Manoel Rodrigues da Motta morador na dita villa e estar actualmente servindo a sua mag.e no officio de Provedor do registro do caminho que vem da villa da Laguna e Rio Grande de São Pedro do Sul p.a a dita villa de Coritiba p.a registrar o gado e cavalgaduras que por elle vierem e ao servisço que fez ao dº Senhor em mandar hua tropa a abertura do referido caminho em que dispendeu mais de quatrocentos mil reis da sua fazenda em que fez um grande servisço e mandando o Governador que foi desta capitania Antonio da Silva Caldeira Pimentel hua ordem aos officiais da Câmara da vª de Coritiba para mandarem retificar a abertura do d.º caminho da laguna offereceo o
65 Ibidem. 66 MOREIRA, Júlio Estrela. Caminhos das Comarcas de Curitiba e Paranaguá ; 3ª volume. Curitiba : Imprensa Oficial, 1975. p.790
38
Sup.e no caso em que fosse necessario aos ditos officiaes da Camara polvra balla, armas, ferramentas, fardas e tudo o mais que fosse necessario...” 09-12-173267
O posto de sargento-mor era provido pelo rei, no mesmo modelo que a eleição dos
capitães-de-companhia. Tinha como atribuições, substituir o capitão-mor no caso de
impedimento ou ausência, por um período máximo de seis meses; visitar e ordenar as
companhias de todos os lugares do termo; ser sargento-mor apenas nas vilas ou conselhos
onde houvesse mais de uma companhia de ordenanças.
Não muito tempo depois, em 16 de maio de 1733, o Conde de Sarzedas nomeou
Motta ao posto de Tenente-coronel do regimento das ordenanças da vila de Paranaguá e de
Curitiba.
Foi o primeiro morador de Curitiba a ocupar tal posto. Pelo registro desta patente,
que consta nas Atas da Câmara de Curitiba, houve a agregação das companhias de
infantaria da vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais ao regimento das ordenanças da vila
de Paranaguá. Antonio Luiz de Távora, Conde de Sarzedas, por uma carta patente, pede
para que se organizem as Companhias e estejam prontas para servir o rei em caso de ataque
espanhol, no sul da Colônia:
Faço a saber aos que esta minha carta patente virem que havendo comsideração a ser necessario regimentarem se as ordenanças da Villa de Parnagua e seu destrito nomeando se lhe officiais e arumando se em companhias na forma da ordem de sua magestade p.ª que estando deciplinadas e promtas acudam com promtidam as deligencias do servisso Real e a empedir o desembarque das naçoins estrangeras ou piratas que queiram imvadir a dita villa e fazer se preciso criar se o posto de Coronel do Regimento das ordenanças da dita Villa de Parnagua e da de Coritiba por ser mais vesinha e nomear se em pessoa em q.m concorrão nobreza esperiencia e a diciplina Militar, respeito e capacidade e tendo atenção a que todas estas e merecim.tos concorrem na pessoa de Anastácio de Freitas Trancozo(...)68
Portanto, quem comandava o Regimento das Ordenanças da vila de Paranaguá na
ocasião, era o Coronel Anastácio de Freytas Trancozo. E devido a agregação das
Companhias de Paranaguá e Curitiba, deveria ser criado em Curitiba, o posto de tenente-
Coronel do mesmo regimento.
67 NEGRÃO, Francisco. Boletins do Archivo Municipal de Curityba ; vol.II. Curtyba : Impressora Paranaense, 1906. p.22 68 NEGRÃO, Francisco. Boletins do Arquivo da Câmara Municipal ; vol.IX. Curityba : Livraria Mundial, 1924.
39
A pessoa mais indicada para ocupar o posto, era o Sargento-mor e provedor do
registro do gado Manoel R. Motta; por ter gasto muito dinheiro com as expedições de
aberturas de caminhos que levam ao Rio Grande. Trancozo comandava a sede em
Paranaguá enquanto que Motta, ficaria no comando das cinco companhias de Curitiba.
Rezisto de hua patente em q’ foi provido Manoel Rodrigues da motta no posto de Tenente Coronel e he o seguinte: Ant° Luiz de Tabora Conde de sarzedas Governador da Capitania São Paulo (...) (...) Faço a saber aos que esta minha carta patente virem que tendo concideração a seterem agregado as Companhias de Infantaria da ordenança da villa de nossa Senhora dos Pinhais de Coritiba ao regimento das ordenanças da Villa de Parnagua de que he Coronel Anastácio de Freytas Trancozo e se dever prover na dita villa de Coritiba o posto de Tenente Coronel do mesmo regimento em pessoa que concorrão os merecimentos partes e mais requezitos necessarios e tendo atenção a que todas estas circunstancias se acham em Manoel Rodrigues da Motta Sargento Mór da d.ª Villa que esta servindo de Provedor do rezisto das cavalgaduras que passão para esta Cap.nia da villa de Laguna e haver concorrido com grandes despezas de sua fazenda pª a abertura do cam° que se abrio por ordem do Governador que foi desta Cap.nia Ant° da Silva Caldera Pimentel e esperar que satisfaça as obrigaçoins do dito posto e dara comprimento a todas as deligencias de que for encarregado do servisso de sua mag.de dezempenhando a confiança que faço de sua pessoa hei por bem fazer lhe mce
de o nomear como por esta nomeo ao dito Manoel Rodrigues da Motta no posto de Tenente Coronel do regimento das Ordenanças da villa de Parnagua e da de Coritiba (...) e com o d.to posto não vensera soldo mas gosara as honras previlegios izençoins liberdades e franquezas que direitam te lhe pertencerem pello que ordeno ao Coronel do d to regim.to lhe de posse do dito posto e o juramento dos Santos evangelhos de guardar em tudo o servisso de sua Magde (...) 17 de maio de 1733.69
Em 1730 havia na Capitania de Paranaguá, dez companhias do regimento de milícia
auxiliar, composta cada qual de um Capitão, um Tenente e 60 praças. Quem comandava o
regimento, era o Coronel Anastácio de Freitas Trancozo que, tinha lhe auxiliando, quatro
Sargentos Mores, comandantes dos terços da milícia. Essas 10 companhias eram
distribuídas da seguinte forma: três companhias em Curitiba, sendo duas comandadas pelo
Sargento-Mor Manoel Rodrigues da Motta e uma pelo Capitão Pedro Dias Cortes; Em
Paranaguá também três companhias, comandadas pelo Sargento Mor Antonio Rodrigues de
Lara; Iguape e Cananéia, mais duas companhias de milícia cada uma, também com seus
oficiais e respectivos sargentos mores.70
As constantes incursões e ataques inimigos no sul, obrigaram aos parnanguaras e
curitibanos, a permanecerem em estado constante de guerra. Os ataques por parte dos
castelhanos, à Colônia do Sacramento, obrigava a uma vigilância constante e eficiente aos
portos do sul. Sacramento era uma povoação fundada pelos portugueses em 1680, na
69 NEGRÃO, Francisco. Boletim do Archivo Municipal de Curityba ; vol.IX. Curityba : Livraria Mundial, 1924. 70 NEGRÃO, Francisco. Memória histórica paranaense. Curitiba : [?], 1932. p.81
40
margem norte do estuário do Prata, quase em frente de Buenos Aires. Esteve nas mãos hora
de portugueses, hora espanhóis, o que fez deste território, uma região disputadíssima e
palco de vários conflitos entre as duas nações pois, era a questão de limites que estava
colocada em questão. Em 1715, com o tratado de Utrecht, Sacramento era devolvida aos
portugueses contudo, a indefinição do território fez continuar as divergências. O início do
povoamento do Rio Grande de São Pedro, desde 1725, provocados principalmente, pelo
tropeirismo do caminho do Viamão, trouxe uma reação espanhola contra esse alargamento
da expansão portuguesa. Era a guerra no Prata, que durou 22 meses de 1735-1737.
Portanto, a região era um barril de pólvora que, a qualquer momento explodia.
Abaixo, segue o relato dos motivos que levaram o Governador da Capitania de São
Paulo, a escolher Manoel Rodrigues da Motta para ocupar o posto de Tenente-coronel:
... a que todas estas circunstâncias se acham em Manoel Rodrigues da Motta sargento mór da d.ª villa que esta servindo de Provedor do rezisto das cavalgaduras que passão para esta Cap.nia da villa da Laguna e haver concorrido com grandes despezas de sua fazenda pª a abertura do Cam.º que se abrio por ordem do Governador que foi desta Cap.nia Ant.º da Silva Caldeira Pimentel...71
E foi durante um período de intranqüilidade no sul, com um ataque dos espanhóis a
Sacramento, que o Tenente-coronel Manoel Rodrigues Motta, recebe a ordem de ficar com
sua tropa a postos. Teve suas companhias prontas para qualquer eventualidade no dia 20 de
março de 1734, quando elas se apresentaram em frente a sua casa, e as passou em revista.
A organização militar teve um papel fundamental no sucesso do empreendimento
colonizador pois, defendia a conquista das investidas externas e as resguardava e no plano
interno, defendia as possíveis resistências por parte do colonizado. As Ordenanças eram
como um braço auxiliar na execução da política administrativa da Metrópole.
Materializavam de certo modo, a administração colonial nos lugares mais longínquos da
Colônia mas por outro lado, também fortaleciam o poder dos senhores de terra locais, pois
passavam a dispor de uma força armada.
Cabe destacar ainda, que os privilégios da ocupação de um posto nas Ordenanças
não se traduziam em ganhos monetários e sim, estavam relacionados ao prestígio e a
posição de comando, que a posse de uma patente militar trazia consigo. Uma Ordem de
71 NEGRÃO, Francisco. Boletins do Archivo Municipal de Curityba ; vol.IX. Curityba : Livraria Mundial, 1924.
41
1739, efetuou uma redução no número de oficiais das ordenanças e o mesmo se observa na
Ordem de 1749, que tornava o posto de Capitão mor vitalício e não mais trienais. São
medidas que foram tomadas, no sentido de esvaziar o poder desses homens e a fim, de a
Coroa manter um domínio mais estrito sobre as nomeações dos oficiais das Ordenanças.
Com o falecimento do Capitão Tigre, que segundo Francisco Negrão teria sido em
30 de dezembro de 1738, nomeou sua universal herdeira a Nossa Sra. da Conceição de
tamanduá, onde residia e tinha sua fazenda de criação. Manoel Rodrigues da Motta, ficou
como seu testamenteiro e passou a administrar a capela de N. S. da Conceição de
Tamanduá, em Campo Largo.
Encontramos uma menção relacionada ao Motta, como vereador da Câmara no ano
de 173972. No mesmo ano, em 1739, ele figurava como Juiz Ordinário, a 05 de abril73. Foi a
última aparição pública de Manoel Rodrigues da Motta, que encontramos registrada.
Não obtivemos informações suficientes, que nos subsidiasse para afirmarmos com
precisão o destino de Manoel Rodrigues da Motta, ao final de sua vida. Entretanto,
acreditamos que por volta de 1747, se ausenta da vila de Curitiba passando a residir em
Itaqui, em Campo Largo, aonde veio a falecer alguns anos depois, em 1752. A partir dos
trechos abaixo citados, que imaginamos o final de sua trajetória:
(...) a Capella de N. S. do Terço, hoje Ordem Terceira teve seos princípios antes de 1732.(...) Motta construiu a capella e como seo protector Zelou pela sua conservação até ausentar-se do districto. Em 1747, estava a igreja abandonada(...)74
O T.º Coronel Manoel Rodrigues da motta, foi Tabellião em Curityba e exerceu os altos cargos de Governança Natural de S. Gonçalves de Amaranies, Portugal em 1728 recebeu o encargo de abrir a estrada da Matta até Laguna...(...)No final de sua vida residia em Itaqui de Campo Largo, com sua mulher, Helena Rodrigues Coutinho(...)75
72 NEGRÃO, Francisco. Boletins do Archivo Municipal de Curityba ; vol.II. Curityba : Livraria Mundial, 1924. p.45 73 NEGRÃO, Francisco. Boletins do Archivo Municipal de Curityba ; Vol.VIII. Curityba : Livraria Mundial, 1924. 74 BOLETIM DO INSTITUTO HISTÓRICO, GEOGRÁFICO E ETNOGRÁFICO DO PARANÁ. vol.II, p.120 75 NEGRÃO, Francisco. Boletim do Archivo Municipal de Curityba ; vol.VII. Curityba : Livraria Mundial, 1924. p.82
42
CAPÍTULO II
2.1 O ESPÍRITO DE CRUZADA
Dentre os diversos cargos que Manoel Rodrigues da Motta ocupou, merece destaque
o de escrivão da Bula da Santa Cruzada, cargo que o isentava de exercer outras funções
públicas, pelos privilégios que possuía.76 O fato instigante é que, em pleno século XVIII,
permanecia entre os lusitanos esse espírito de cruzada que pertence a Idade Média.
Entender esta permanência do século XII na mentalidade do português durante tanto tempo,
é um de nossos objetivos.
Esta questão nos despertou especial interesse, no sentido de compreendermos qual
seria a relação de um indivíduo da Curitiba setecentista, com uma Cruzada que remonta o
período medieval, onde ocorria a luta pela reconquista da Península Ibérica das mãos dos
muçulmanos.
Esse fato está relacionado com o direito de padroado, que os monarcas portugueses
dispunham. A fim de entendermos toda esta questão, faremos primeiramente, uma
contextualização do período que deu origem ao padroado.
A Bula da Santa Cruzada, como já mencionado acima, nos remete ao período
medieval, por volta dos séculos XII e XIII; e o direito de padroado só pode ser entendido
dentro deste contexto. A instituição do padroado está ligada à Ordem dos Templários, e a
Ordem de Cristo que é sua herdeira.
76 LEÃO, Ermelino Agostinho de. Diccionario historico e geographico do Paraná ; vol.III. Curityba : Empreza Graphica Paranaense, 1929.
43
As verdadeiras Ordens da Cavalaria tiveram de início, caráter religioso. Seus
membros eram sujeitos a rigorosas regras monásticas, eram ao mesmo tempo, guerreiros e
monges. As mais antigas e principais dessas Ordens fundaram-se na Palestina, do século XI
ao XII, em pleno apogeu das cruzadas, tanto para cuidar de peregrinos e vítimas da guerra,
nos hospícios (entendidos aqui, no sentido de hospitais), como para combater infiéis, na
conquista e defesa dos Santos Lugares. Foram todas soberanas, formadas pela livre
associação de nobres cavaleiros, regidas por uma constituição devidamente aprovada pela
Santa Sé77.
A Ordem dos Templários, ao mesmo tempo militar e religiosa, foi fundada em
Jerusalém no ano de 1118, por Hugo de Payens, Godofredo de Santo Ademar e mais sete
franceses que tomaram parte na Cruzada de Godofredo de Bulhões. No início, chamaram-se
“pobres cavaleiros de Cristo” e formavam na Palestina uma guarda para atender aos
peregrinos da Terra Santa78. Sua regra foi ditada por S. Bernardo e confirmada pelo
Concílio de Troyes em 112879. Estes cavaleiros, viviam ao lado das ruínas do Templo de
Salomão em Jerusalém e desse local criaram o próprio nome.
Os cavaleiros eram recrutados em grande parte entre os filhos mais jovens da
nobreza, àqueles que não herdavam títulos ou riquezas. Esses homens, após entrarem para a
ordem, tornavam-se comprometidos com uma vida de total devoção à Igreja. Não levavam
uma vida muito fácil; faziam apenas duas refeições por dia, em silêncio, enquanto ouviam
leituras das escrituras sagradas. Alimentavam-se de carne apenas três vezes na semana.
Como sinal de castidade, usavam mantos brancos ornados com uma cruz vermelha; seus
cabelos eram curtos e tosados como outros monges. Homens casados poderiam vir a ser um
cavaleiro templário, contanto que optasse pela castidade e vivesse longe da família. Estes,
não poderiam usar o manto branco com a cruz. Não poderia existir qualquer interação entre
um cavaleiro e uma mulher; não podiam beijar ninguém do sexo feminino, nem mesmo se
pertencesse a sua família; à noite mantinha-se uma vela acesa para que qualquer ato imoral,
77 OLIVEIRA, Dom Oscar de. Os dízimos eclesiásticos do Brasil nos períodos da colônia e do império. Belo Horizonte : Universidade de MG, 1964. p.39-64 78 HOORNAERT, Eduardo ; Et al. História da igreja no Brasil. Petrópolis : Ed.Vozes, 1979. 79 OLIVEIRA, Dom Oscar de. Os dízimos eclesiásticos do Brasil nos períodos da colônia e do império. Belo Horizonte : Universidade de MG, 1964. p.41
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sozinho ou acompanhado, fosse desencorajado80. Dentre outros aspectos, esses demonstram
o rigor das regras monásticas a que estavam sujeitos.
Além desse regulamento severo, os Templários mantinham um rigoroso código de
guerra que praticamente impedia rendição ou derrota numa batalha. Pela disposição e até a
ânsia por morrer, estavam entre os guerreiros mais temidos do mundo e sua força de
combate estava entre as mais ameaçadoras da época.
Esta Ordem foi pouco a pouco crescendo em número de militantes que se fixavam
em várias nações, onde receberam grandes doações dos reis e abundantes favores
espirituais da Santa Sé. Apesar de fundada em completa pobreza, uma seqüência de bulas
papais concederam à ordem, o direito de conservar todos os espólios que capturavam
durante as cruzadas. Como em qualquer outra ordem religiosa, também aceitaram presentes
e oferecimentos e isto aos poucos, foi determinando a ascensão dessa Ordem. Certa
ocasião, o rei Henrique II da Inglaterra, doou dinheiro como reparação ao assassinato de
Thomas à Becket81, um arcebispo de Canterbury. Com o decorrer dos anos, os templários
adquiriram mais terras e objetos de valor destinados a auxiliar o trabalho da ordem na
Palestina.
Tudo isso fez dos Templários, uma das ordens mais prestigiadas da época. Eram
donos dos castelos mais fortes do mundo, locais ideais para se depositar riquezas e isso,
sem falar que os templários ofereciam também o melhor meio de transporte destes artigos
de valor. Bravos e respeitados, além de servir como depositário e transportadores de
tesouro, os templários administravam os fundos obtidos de fontes religiosas e seculares
para financiar as cruzadas. Também concediam empréstimos aos reis, inclusive Luís VII da
França, e também àqueles cavaleiros que precisavam de fundos para si mesmos e para
antecipações quando ingressavam em uma cruzada. A sede da Ordem em Paris, passou a
ser uma das maiores casas do tesouro da Europa. No decorrer do século XIII, os Templários
serviram como agente financeiro para o papado e cuidaram de muitos assuntos para os reis
80 WEATHERFORD, Jack. (tradução June Camargo). A história do dinheiro. São Paulo : Negócio Editora, 1999. 81 Thomas à Becket era arcebispo de Canterbury e foi assassinado por quatro cavaleiros de Henrique II em 1170. O dinheiro oferecido era suficiente para sustentar 200 cavaleiros por um ano na Terra Santa. Na ocasião, ainda fora oferecido mais um adicional de 15 mil marcos e uma contribuição aos cavaleiros Hospitalários. WEATHERFORD, Jack. A história do dinheiro. São Paulo : Negócio Editora, 1999. p.69
45
franceses82. A Ordem freqüentemente mantinha e supervisionava hipotecas e outros
negócios financeiros para reis, durante a ausência deles. Deste modo, os castelos logo se
tornaram bancos completos, oferecendo muitos serviços financeiros à nobreza.
Segundo Jack Weatherford, os Templários foram os banqueiros dos reis e papas da
época e cresceram enquanto instituição, de forma semelhante a um departamento do
tesouro moderno. Dentre outros aspectos que já destacamos destes cavaleiros, é preciso
ressaltar a importância deles para a História das instituições financeiras. Esses guerreiros
religiosos destacam-se porque com eles, surgia a primeira instituição bancária importante
da História e ao contrário do que poderia se imaginar, não surgia da comunidade mercante
mas, acidentalmente de uma Ordem de cavaleiros religiosos, conhecida como Templários.
No auge de suas operações, empregavam aproximadamente 7 mil pessoas e
possuíam 870 castelos e casas espalhadas pela Europa e Mediterrâneo, da Inglaterra a
Jerusalém83.
Os templários estabeleceram-se em Portugal em 1125. A influência deles era tão
grande que já nos anos seguintes, possuíam muitos bens que haviam sido doados por D.
Teresa, mãe de Dom Afonso Henriques. Fixaram-se à margem esquerda do rio Tomar, onde
fundaram a primeira igreja sob invocação de Santa Maria de Olival; junto a ela, edificaram
um convento que foi o principal convento da Ordem até a sua extinção. Em 1160, o mestre
da Ordem dos Templários em Portugal era D. Gualdin Pais. Ele mandou construir o castelo
de Tomar, onde foram residir os membros da Ordem84. Ao redor do convento desenvolveu-
se um povoado, que recebeu o predicamento de vila a partir de 1162. Tomar tornou-se
assim, o centro principal da Ordem.
Já estavam em Portugal, quando o primeiro rei lusitano (Afonso Henriques),
conquistava as terras dos mouros, com o auxílio dos mesmos bravos religiosos. Esse
mesmo rei, fez aos Templários várias doações temporais e concedeu-lhes grandes
privilégios. Possuíram em Portugal, várias fazendas e castelos sendo o principal, o da vila
de Tomar.
Mesmo com seus rigorosos códigos e regras, um fator inusitado determinaria a
extinção dessa destemida e importante Ordem de cavaleiros religiosos. Apesar de ter sido
82 WEATHERFORD, Jack. A história do dinheiro. São Paulo : Negócio Editora, 1999. 83 Ibidem. 84 HOORNAERT, Eduardo ; Et al. História da igreja no Brasil. Petrópolis : Editora Vozes, 1979.
46
fundada na penúria, com o decorrer dos anos, foram acumulando riquezas que atraíram a
ambição e o ódio dos poderosos da época. Filipe IV da França, em 1295 assumiu o controle
das suas finanças, que até então era realizado pelos Templários e estabeleceu o tesouro real
no Louvre, em Paris. Depois deu início a uma campanha que visava tomar posse das
propriedades e do tesouro dos Templários. A ânsia desenfreada de Filipe IV por dinheiro,
fez com que ele realizasse inúmeras artimanhas, como por exemplo, adulterar moedas de
prata e cobrar impostos do clero, dentre outras. Mas nunca era o suficiente, ele precisava de
quantias gigantescas de dinheiro para se satisfazer.
Porém, a maior concentração de riqueza da Europa ficava fora de Paris; no
reforçado castelo dos Templários. No entanto, para obter essa riqueza, ele teria que destruir
a Ordem. Mostrou-se disposto a isso e foi o que realizou efetivamente. Sua tática consistia
em desprestigiar os cavaleiros. Sob acusações de heresia, magia negra e imoralidade,
buscava atingir seu objetivo. As acusações resultaram em longos processos que culminaram
em uma drástica série de julgamentos. Sob tortura, os integrantes acabavam assinando
confissões de terem fornecido detalhes sensacionais sobre suas atividades enquanto
adoradores de imagens, profanadores de objetos sagrados, conspiração com o demônio e
por perpetuarem o desvio sexual entre si85.
Mas a maioria dos Templários quando em público, retratavam suas bizarras
confissões, o que determinava um novo ciclo de torturas e confissões. Por fim, curvando-se
à monarquia francesa, o Papa Clemente V aboliu a Ordem em uma bula papal denominada
Vox in Excelso, no Concílio de Viena, em 22 de março de 1312. O Papa entendeu que era
mais prudente sacrificar os cavaleiros de sua Igreja, do que desafiar a vontade do monarca
francês. O Papa Clemente V e o rei Filipe IV, disputaram o dinheiro e as propriedades da
Ordem mas, não por muito tempo. Dois anos depois, em 1314, morriam tanto o monarca,
quanto o Papa.
O que conclui o autor Jack Weatherford é que, ao suprimir a Ordem, o governo
reafirmava sua autoridade e poder de controlar instituições financeiras e quebrava o poder
comercial da Igreja. A destruição dos Templários, criou uma lacuna financeira e comercial,
85 WEATHERFORD, Jack. A história do dinheiro. São Paulo : Negócio Editora, 1999. p.73
47
explicitando que a Igreja era fraca e temerosa demais para preencher e que o governo ainda
não era suficientemente grande e forte para ocupar86.
Os reis de Portugal, D. Diniz, e de Castela, D. Fernando IV, temeram que os bens e
rendas dos Templários existentes em seus reinos, fossem confiscados. Trataram de enviar
emissários ao Concílio, pedindo a Santa Sé que conservasse aquelas riquezas nas
respectivas nações. Mais tarde D. Diniz enviou novos delegados ao Papa João XXII,
sucessor de Clemente V, pedindo-lhe para criar no reino português, uma nova Ordem
religioso-militar para substituir a dos Templários.
A nova Ordem teria por finalidade, expulsar do reino dos Algarves, os infiéis e
recuperar a Cristo, as outras partes por eles ocupadas. O Papa João XXII atendeu ao pedido
do rei e instituiu a Ordem de Cristo na Bulla Ad ea, exquibus cultus, a 14 de março de 1319,
cuja sede se fixou na vila de Castro Marim (nos Algarves). Essa nova Ordem passou a
herdar os bens dos Templários. Por essa razão D. Pedro I transferiu em 1357 a sede da
Ordem para o antigo convento de Tomar (na Estremadura). A Santa Sé concedeu à Ordem,
jurisdição eclesiástica sobre as terras que haviam conquistado e que não pertenciam ainda a
nenhuma diocese.
Na Península Ibérica, durante a luta secular contra os invasores muçulmanos,
criaram-se várias ordens de Cavalaria, também de caráter monástico e guerreiro. Nessa
época, foram fundadas em Portugal duas Ordens de Cavaleiros que nos interessa citar aqui:
a Ordem de São Tiago da Espada, de 1177 e a Ordem de São Bento de Avis, originada na
Calatrava e introduzida em Portugal pelo rei Afonso Henriques, em 1162.
Nos interessa pois, a Ordem se São Tiago e de São Bento, mais tarde serão unidas
com a Ordem de Cristo e constituirão um só grão-metrado. Isso viria a ocorrer
posteriormente, mais precisamente no século XVI.
Em 1522, o papa Adriano VI, conferiu a Dom João III a dignidade de grão-mestre
da Ordem de Cristo, que se transmitiu em seguida a todos os reis de Portugal, seus
sucessores. Trinta anos depois, em 1551, com a morte de Dom Jorge, grão-mestre das
ordens de São Tiago e São Bento, a Coroa lusa somaria mais poderes através, da anexação
86 Ibidem.
48
permanente do grão-mestrado das três ordens. O papa Júlio III anexava e incorporava o
grão-mestrado das três Ordens à Coroa de Portugal87.
Unindo aos direitos políticos de realeza os títulos de grão-mestre de ordens
religiosas, os monarcas lusitanos passaram a exercer ao mesmo tempo o governo civil e
religioso. O título de grão-mestre era concedido pela Santa Sé e conferia aos reis, o regime
espiritual. Foi na segunda metade do século XV que, em reconhecimento à atuação da
Ordem de Cristo como propagadora da fé cristã, lhe foi conferido o direito de padroado.
Deste modo, coube ao grão-mestre, jurisdição espiritual sobre as terras ultramarinas já
conquistadas e sobre as que fossem conquistadas futuramente.
O Padroado foi o instrumento através do qual, a Santa Sé comprometeu os monarcas
portugueses em sua missão religiosa. Não se trata de uma usurpação das atribuições
religiosas próprias da Igreja mas, uma forma de compromisso entre a Santa Sé e o governo
português. Especificamente, consistia no direito de administração dos negócios
eclesiásticos, que os papas concediam aos soberanos lusitanos. Deste modo, os reis
portugueses tornavam-se chefes efetivos da Igreja nas colônias por duas razões
convergentes: pelos direitos de padroado e pelo título de Grão-mestre88.
À medida que o rei se tornava ao mesmo tempo figura política e religiosa, a Coroa
passava a ser o símbolo tanto da igreja como do Estado. A Coroa se comprometia a manter
a fé católica como religião oficial e se empenhar para difundi-la, oferecendo aos ministros
eclesiásticos, financiamento para a realização de sua missão religiosa. A esfera eclesiástica
por outro lado, se comprometia a colaborar no fortalecimento do projeto colonial, incutindo
nos súditos da Coroa, os deveres de fidelidade e obediência. A religião devia constituir um
instrumento eficaz para manter a unidade e coesão social do Império luso em expansão89.
Sendo assim, houve a interpenetração mútua entre a fé e a cultura lusitanas, que se
mesclavam e se confundiam, não havendo mais diferença entre pertencer ao povo lusitano e
a identidade católica. Na concepção da monarquia lusitana, a colonização significava o
transporte para a nova terra dos padrões culturais lusitanos e como tinham uma conotação
especificamente católica, colonizar também significava implantar a fé católica. Os
87 HOORNAERT, Eduardo ; Et al. História da igreja no Brasil. Petrópolis : Editora Vozes, 1979. 88 O título de grão-mestre, conferia aos reis de Portugal também o regime espiritual, devendo portanto, zelar pela vida cristã nas colônias. 89 AZZI, Riolando. A cristandade colonial: um projeto autoritário, história do pensamento católico no Brasil. São Paulo : Edições Paulinas, 1987. p. 25
49
mensageiros da fé, também estavam investidos desse conceito de união entre Igreja e
Coroa. Para eles, embora buscassem o anúncio da religião cristã, acreditavam que a
cristianização não aconteceria se não fosse dentro dos moldes da civilização lusitana.
Expandir o domínio português portanto, significava dilatar a influência da fé católica.
Dentro dessa concepção de reino católico, a figura do rei “emergia com esplendor
singular”, como menciona Riolando Azzi pois, nele se expressavam ao mesmo tempo, os
interesses políticos, econômicos e religiosos. Esta fé católica foi fundamental na monarquia portuguesa já que, Portugal surgiu
como nação através da luta contra os mouros, tidos como infiéis. Nos fins da Idade Média,
a Península Ibérica buscava a construção da nacionalidade unificando o território que
estava sob domínio islâmico. Em Portugal esse movimento de unificação e reconquista
iniciou-se em 1128, quando Afonso Henriques assumiu o governo do condado que era
Portugal na época. Do séc. XII ao XIV, a nação é criada, defendida e fortalecida por esse
sentimento nacionalista, concentrado na reconquista do território que estava nas mãos dos
infiéis. Essa luta tinha razão em motivos que eram políticos e religiosos ao mesmo tempo:
fundar um reino que fosse impregnado pela fé católica.
É no séc. XII que o rei Afonso I oferecia a terra lusitana a São Pedro, proclamando
vassalagem ao papa. Comprometia-se também, a pagar o censo90 a Santa Sé em troca de
proteção apostólica. Em 1144, o papa Celestino II, escrevia ao príncipe português,
louvando-o pela resolução de fazer homenagem à Sé apostólica “da terra cujo regimento
Deus lhe confiara”. Com este ato político-religioso, é que se inicia a monarquia
portuguesa.91
Mais tarde, mediante outros documentos oficiais, a Santa Sé continuou sacralizando
a expansão política de Portugal. Pela bula Providium universalis, de 29 de abril de 1514, o
Papa Leão X confirmava a D. Manoel e seus sucessores a posse dos patrimônios
eclesiásticos do reino e das conquistas, para continuação da guerra contra os infiéis na
África; e pela bula Dum fidei contantiam, de 07 de junho do mesmo ano, o pontífice
incorporava todas as igrejas de ultramar à Ordem de Cristo, concedendo a D. Manoel o
direito de padroado sobre essas igrejas.
90 Pensão anual, paga pela posse de terras 91 AZZI, Riolando. A cristandade colonial : um projeto autoritário. São Paulo : Ed. Paulinas, 1987. p.20
50
A Cúria Romana, especialmente após 1517, com a eclosão da Reforma protestante,
viu que precisava favorecer os reis católicos da Espanha e de Portugal, pois eram
considerados no período, os baluartes da fé católica na Europa. Durante o reinado de D.
Manoel que se deu o descobrimento do Brasil mas, foi apenas no governo de seu filho D.
João III, que a Coroa atendeu eficazmente à colonização do Brasil. D. Sebastião, seu
sucessor, foi marcado pelo ideal religioso. A ele deveu a Companhia de Jesus todo o apoio
econômico para a realização de sua missão evangelizadora na Colônia. Faleceu em luta
contra os árabes na África em 04 de agosto de 1577. Com ele, extinguiu-se a dinastia de
Avis. Não tendo deixado sucessor ao trono, sucedeu-lhe o velho cardeal Henrique,
governando apenas dois anos. Em 1580, o trono luso passou para as mãos de Felipe II da
Espanha, findando assim o período da ascensão política dos reis católicos de Portugal.92
Então, já por nascimento, o português é cristão; e como vimos, ser cristão era o
mesmo que adotar a cultura portuguesa. À medida que o reino luso era identificado com o
reino de Deus, a expansão do reinado espiritual se confundia com a expansão do reino. A
cada conquista portuguesa, obtinha-se novos súditos para o rei e ao mesmo tempo, novos
fiéis para Cristo.93
Essa mescla entre político e religioso, não acontecia pela primeira vez na história.
Devemos nos lembrar do Império Romano; das origens históricas da cristandade. Foi com o
Imperador Constantino, que se deu uma mudança para a vida da Igreja. A partir do ano de
313, Constantino e Licínio decidiram dar liberdade de culto a todas as religiões, pelo Edito
de Milão. Constantino não escondeu suas predileções para com a nova religião e por sua
ordem, é que foram construídas as principais basílicas romanas; São Pedro, no Vaticano,
São Paulo, fora dos muros, Santa Cruz, em Jerusalém e São João, em Latrão. Os cristãos
não passaram a ter apenas liberdade de culto, mas a ter também, a proteção e privilégios
imperiais. Pouco a pouco, o Cristianismo passou a se sobrepor aos antigos cultos romanos.
A proteção imperial foi um dos meios mais eficazes para a sua rápida expansão. O próprio
Imperador Constantino convocou o primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia, em 325; ele se
considerava como um bispo da Igreja. Pouco depois, transferia para o chefe da Igreja o
título de “pontífice máximo”, título que lhe era atribuído pela antiga religião romana. O
92 Ibidem. 93 Ibidem.
51
Papa aceitou essa situação, e seus sucessores atuaram na mesma linha. Assim, concedia-se
ao imperador certa ingerência nos negócios eclesiásticos em troca dos benefícios
imperiais.94
Já em fins do século IV, o Imperador Teodósio proclama o cristianismo, religião
oficial do Estado e em menos de um século, a fé cristã passava de culto oprimido para
religião oficial. Na concepção dos antigos imperadores romanos, ao mesmo tempo chefes
políticos e religiosos, o culto constituía um departamento de Estado. Portanto, já com os
imperadores cristãos deste período, essa mentalidade de fusão entre Igreja e Estado se fazia
presente. De Teodósio a Justiniano no século VI, as leis da Igreja passaram a ser
oficializadas pelo Estado, e os seus inimigos, os hereges, eram inimigos do Estado.
Tendo o papa reconhecido a legitimidade dos carolíngios em sua pretensão ao trono,
Carlos magno e seus sucessores no século IX, dilataram as fronteiras do Império Franco,
lutando contra os Germanos em nome da religião. E este espírito de conquista e guerra
contra os inimigos da fé, se intensificou nos séculos XII e XIII, pelo movimento das
cruzadas, que vimos acima.
E foi justamente na Península Ibérica, que esse espírito de sociedade cristã,
permaneceu mais arraigada, fundamentalmente pela presença prolongada dos árabes. A luta
contra eles, além de Portugal e Espanha se afirmarem como nações, fez com que se
prolongasse nesses povos, essa mentalidade das cruzadas. Na expansão portuguesa dos
séculos XV e XVI, os lusitanos retomariam essa idéia, tendo em vista os seus objetivos
políticos e econômicos.
Podemos dividir a história de Portugal em duas fases principais; uma que vai do séc.
VII ao XIV, período em que a nação é criada, defendida e fortalecida pelo sentimento
nacionalista de reconquista do solo pátrio; e uma segunda fase, compreendendo os séculos
XV e XVI, que corresponde ao expansionismo lusitano, onde se criaram as bases do vasto
império colonial português.
Durante os séculos XV e XVI com a expansão colonial, generalizou-se entre os
lusos, a convicção de que constituíam o povo de Deus em expansão. Começaram a pensar
que sua missão era de ordem divina e o patriotismo português, assumia um caráter sagrado.
94 Ibidem.
52
Os missionários, os marinheiros e os soldados, pensavam que o céu havia os escolhido,
para que levassem a palavra de Cristo a toda a terra.
Se aos jesuítas cabia a conquista espiritual, aos soldados coube garantir a dominação
territorial. Estas eram as duas faces, a temporal e espiritual, da expansão da cristandade.
Essa aliança entre a cruz e a espada, era conseqüência dessa mentalidade messiânica do
reino lusitano. E nesses termos, podemos dizer que não havia muita distinção entre um
sacerdote e um soldado, já que ambos estavam a serviço da mesma causa divina.
O jesuíta Antonio Vieira, trata a metrópole lusa justamente desta forma, como essa
expressão de desígnio de Deus; como se Portugal fosse uma nova presença de Israel no
mundo, um novo povo escolhido para ser o portador da mensagem divina da salvação.95
O autor Eduardo Hoornaert, sintetiza as convicções de AntonioVieira a respeito da
expansão colonial, com uma citação do próprio jesuíta; “A história de Portugal é história de
salvação, é história sagrada. As caravelas portuguesas são de Deus, e nelas vão juntos os
missionários e os soldados”.96
Em um outro Sermão, sobre a Bula da Santa Cruzada, Vieira refere-se aos soldados
como “beneméritos da fé e da Igreja”. Ao defenderem as conquistas lusitanas na África, os
soldados portugueses estavam segundo Vieira, exercendo uma missão religiosa em defesa
da fé e portanto, uma causa santa.
95 Ibidem. 96 Ibidem.
53
2.2 VIEIRA E A BULA DA CRUZADA
O padre Antonio Vieira, é uma figura importante da História da cultura no Brasil
colônia. Ele é mais um pregador e um sermonista, do que propriamente um pensador. Nos
Sermões, o centro de sua interpretação sem dúvida, é a sua crença que o reino de Deus
acontece através dos portugueses; e esse messianismo guerreiro dos portugueses, está
representado em sua obra. Os jesuítas foram os que dominaram o cenário intelectual
colonial e Vieira, como afirma Hernani Cidade, “é a mais completa expressão de seu
tempo”; o que faz dele, uma peça importante para nós entendermos o período colonial. No
capítulo Sermão da Bula da Santa Cruzada, Vieira realiza uma detalhada descrição do
documento ao qual, me baseio a partir de agora, para aprofundar um pouco mais, nosso
entendimento a respeito do conteúdo desta bula papal.
O princípio e primeira instituição da Bula da Santa Cruzada, remonta o século XII,
quando dos concílios de Latrão. O primeiro Concílio de Latrão ocorre no período do Papa
Calixto II (1119-1124) por volta de março de 1123; o segundo Concílio lateranense, em
abril de 1139 com o Papa Inocêncio II (1130-1143); o terceiro concílio aconteceu em março
de 1179, presidido pelo Papa Alexandre III (1159-1181) e finalmente, o que mais nos
interessa aqui, o quarto Concílio de Latrão em novembro de 1215 é presidido pelo Papa
Inocêncio III (1198-1216).
54
Os concílios dizem respeito às assembléias dos Bispos e de outros determinados
detentores do poder jurisdicional. Tem o direito de participar nos concílios, os cardeais, os
patriarcas, os arcebispos, os bispos, os abades-primazes, os abades-gerais das congregações
monásticas, dentre outros.97 Os concílios são convocados pelo papa e sob a presidência
dele, tomam decisões sobre assuntos da fé e de disciplina eclesiástica.
De um modo geral, nestes encontros foram discutidas questões universais da Igreja
e da cristandade; questões da fé, da trégua de Deus, planos de Cruzada, a liberdade da
Igreja, ou alguma outra grande questão da época em que estivessem sendo realizados. Não
cabe aqui, aprofundar muito sobre os concílios pois nossa atenção, dirige-se aos concílios
de Latrão e fundamentalmente ao quarto concílio, que trata da Santa Cruzada.
A luta de política eclesiástica, a das investiduras, deu origem ao primeiro Concílio;
Foi quando Pascoal II, bispo (1099-1118) permitiu que, em 1111, o rei Henrique V lhe
extorquisse o Tratado de Ponto Mammolo, em que concedeu ao rei o direito da investidura
dos prelados do império, com anel e bastão ou seja, fazendo a concessão que Gregório VII
tão decididamente se negou a fazer. A resistência dos bispos, principalmente dos franceses,
foi tão violenta que o Papa, no Concílio de Latrão de 1112, se sentiu obrigado a retirar o
privilégio concedido ao rei, que seus adversários denominaram de “privilégio vergonhoso”.
Não foi surpreendente e nem formalidade então, o fato de que o Papa Calixto II (1119-
1124), após haver terminado no ano de 1122, pela Concordata de Worms, a luta das
investiduras com o rei alemão, obrigando-o a renunciar à investidura dos prelados com anel
e bastão, sem prejuízo dos interesses do império; fez confirmar o tratado no Concílio de
Latrão98.
Um cisma daria origem ao segundo Concílio; trata-se de um litígio interno da Igreja:
o cisma de Anacleto II. Depois da morte do Papa Honório II (1124-1130), dezesseis
cardeais, em sua maioria franceses, elegeram para papa o candidato da poderosa família dos
Frangipani, Gregório Papareschi, que se chamou Inocêncio II. Logo após isso, vinte
cardeais elegeram Pedro Pierleoni, de ascendência judaica, o “vindo do Gheto”, Anacleto
II. Este gozou do forte apoio do rei Roberto II da Sicília, mas a intervenção de São
Bernardo de Claraval a favor de seu rival, Inocêncio II, assegurou o prevalecimento deste
97 ver mais em JEDIN, Hubert. Concílios ecumênicos : história e doutrina. São Paulo : Editora Herder, 1961. 98 Ibidem.
55
último, já que o imperador Lotário III, marchando sobre Roma em duas ocasiões , também
favoreceu a sua posição, deixando-se coroar por ele. No entanto, Anacleto II até a sua
morte em 25 de janeiro de 1138, manteve-se no Vaticano e na cidade Leonina, ou seja, no
distrito situado na margem direita do rio Tévere, em torno da Basílica de São Pedro que
Leão IV cercara de muros para defendê-la dos sarracenos. No ano seguinte, em 1139,
Inocêncio II, então universalmente reconhecido, convidou os bispos e os abades do
Ocidente para um “sínodo plenário”, o segundo Concílio de Latrão99.
Os dois motivos, um cisma e outra questão de investidura, deram origem ao terceiro
Concílio. A eleição de Rolando Bandinelli de Sena para Papa (Alexandre III, 1159-1181)
opôs o imperador Frederico I, imperador da Alemanha, apelidado de “Barbaroxa”, sob a
pressão da representação brusca dos cardeais reunidos na Dieta de Besançon em 1157, um
contra candidato na pessoa do cardeal Otaviano de Montecelio (Vitor IV). A tentativa
levada por Barbaroxa para restituir a soberania do império na Itália, levou as cidades da
Itália do norte para o lado de Alexandre III, que se recusou a comparecer ao concílio
reunido em Pádua em 1160. Só depois de uma luta, que durou 15 anos, Barbaroxa
abandonou, na Paz de Veneza (1177), seu antipapa que era Calixto III, já o segundo
sucessor de Vitor100.
Os três primeiros Concílios foram apenas preliminares do quarto Concílio de Latrão,
que desde o início foi planejado como ecumênico, conscientemente ligado aos antigos
concílios. A confissão de fé contra os cátaros; a transubstanciação na Eucaristia; confissão e
comunhão anuais foram a base das discussões.
O quarto concílio, foi aberto em 11 de novembro de 1215, pelo Papa Inocêncio III.
Dentre as resoluções tomadas, o concílio fixou a data de 1ºde junho de 1217, para o início
de uma grande cruzada estabelecendo a Sicília como o lugar de encontro. Para financiá-la,
o clero deveria durante vinte anos, entregar a vigésima parte de suas rendas.
A fim de manter livre a praça existente para os cruzados, foi proibida por quatro
anos, qualquer comunicação marítima com os maometanos, bem como o comércio com
armas e material bélico. O recrutamento para a cruzada teve pleno êxito. Esta foi a sétima
99 Ibidem. 100 Ibidem.
56
cruzada organizada contra os turcos101. Chefiada por Luís IX da França, dirigiu-se contra o
Egito, base de poder de onde foram ameaçados os Lugares Santos. Redundou em completo
malogro. Depois de algumas vitórias, o exército de Luís IX foi derrotado e o soberano,
caíra prisioneiro dos turcos. Sob o pagamento de um substancial resgate, foi libertado
algum tempo depois.
A cruzada não foi tema exclusivo do Concílio de Latrão, voltou a ser pauta nos
concílios de Lyon de 1245, e do segundo em 1274. Neste último, a fim de levantar os
fundos para uma grande cruzada, o Papa Gregório X, julgou necessário um sacrifício quatro
vezes maior que o exigido por Inocêncio III: o dízimo por seis anos.102
As cruzadas, no seu primeiro momento, estavam relacionadas com a defesa dos
lugares sagrados na África; mais tarde, a reconquista da Península Ibérica, das mãos dos
mouros, também se investia desse caráter religioso de guerra santa. Posteriormente, com a
expansão lusitana nos séculos XV e XVI, observamos que este caráter estava presente mais
uma vez, e os habitantes do novo mundo, passavam a ser os infiéis que deveriam ser
convertidos a verdadeira fé, a Cristã.
Todas essas expedições eram bastante onerosas e sendo assim, para efetivamente
combater e converter os infiéis, era preciso os meios adequados para o êxito dessas
campanhas. Conseqüentemente, alguém precisava arcar com as despesas e financiá-las de
algum modo.
Desde o século XII, Portugal e Espanha vinham recebendo muitas bulas de Cruzada,
com indulgências plenárias para os combatentes e seus colaboradores, nas guerras contra os
seguidores de Maomé, considerados invasores da pátria e inimigos da fé. As bulas
101 Organizaram-se oito cruzadas contra os turcos. A primeira partiu em 1096, com cerca de um milhão de pessoas. Muitos morreram vítimas da fome, pestes e pelos turcos. Godofredo de Bulhão, um dos chefes da Cruzada, foi escolhido para governar o reino de Jerusalém, que então foi fundado. Organizou-se uma segunda Cruzada pois, o inimigo continuava a ameaçar a Cidade Santa. Esta não obteve o resultado esperado e Jerusalém, foi tomada pelo Sultão turco Saladino. Dois soberanos, Filipe Augusto da França e Ricardo Coração de Leão da Inglaterra, empreenderam a terceira Cruzada, juntamente com o imperador da Alemanha, Frederico Barba Roxa. A questão era a fortaleza de São João d’Acre. Foi uma Cruzada singular, que permitiu que os inimigos se conhecessem melhor.à mesa de Ricardo Coração de Leão sentavam-se muçulmanos e com Saladino, mantinham-se relações cordiais. A quarta Cruzada, de que partiram venezianos, não chegou a Terra Santa; os cruzados preferiram conquistar Constantinopla, que meio século depois, foi restabelecido. A quinta e a sexta Cruzadas não tiveram grandes significação; as duas últimas, sétima e oitava, foram chefiadas pelo rei da França Luís IX. A sétima foi contra o Egito que, redundou em completo malogro e na oitava, contra Tunis (África), Luís IX morreu de peste. HERMIDA, Antonio José Borges. Compêndio de história geral. São Paulo : Companhia editora Nacional, 1969. 102 JEDIN, Hubert. Concílios ecumênicos : história e doutrina. São Paulo : Ed. Herder, 1961.
57
financiaram progressivamente as cruzadas. Apesar de se tratar de campanhas bélicas,
possuíam um caráter espiritual ao mesmo tempo, que legitimava o derramamento de sangue
alegando-se causa santa; o que estava em jogo era a defesa e a propagação da fé. O Jesuíta Antonio Vieira, realizou em sua obra “Sermões”, um capítulo destinado a
Bula da Santa Cruzada. Esse trabalho, nos ajuda a compreender melhor, apesar de sua visão
messiânica, o conteúdo dessa bula bem como, o financiamento dessas campanhas político-
religiosas. Vieira realizou o sermão sobre a Bula da Santa Cruzada, em Lisboa no ano de 1647.
Procurou o tempo todo legitimar o uso da espada e o derramamento de sangue, alegando
que os soldados, seriam os beneméritos da fé e da Igreja, estariam defendendo as conquistas
lusitanas na África. Deste modo, exerciam uma missão religiosa em defesa da fé. Os
soldados eram pagos com dinheiro recolhido para uma causa santa, a cruzada, cuja oferta
garantia aos doadores as indulgências da Igreja.
As principais fontes do Padre Antonio Vieira foram a Bíblia, os moralistas gregos e
romanos, a Patrística, em especial Agostinho e os místicos espanhóis.103 No sermão da
Bula, ele se utilizou largamente do antigo e novo testamento para interpretar o conteúdo do
documento. Seu primeiro passo foi demonstrar que, com o sofrimento e a morte de Cristo,
fomos remidos dos pecados: “assim como do lado de Adão” (de uma costela) “se formou
Eva, foi do lado de Cristo” (quando ferido pela lança do soldado romano) “que se
derramaram as graças e fomos redimidos com nossos pecados perdoados”. Portanto, foi
através do uso de uma lança e com a morte de Cristo, que alcançamos tais merecimentos.
neste primeiro momento, há a justificativa para o uso da lança na Cruzada; e prossegue
“...Não foi nem antes, nem depois de sua morte que recebemos as graças”, mas exatamente
quando Ele estava pregado na cruz; então, foi o sofrimento na cruz que trouxe os
merecimentos. “Emanaram as graças” justamente pelo lado que o soldado o feriu com a
lança. Naquele momento saíra a água para apagar o que estava escrito e o sangue, “para se
escrever de novo o que naquele sagrado papel se lê”.
O sofrimento e a morte de Cristo, nos trouxe os merecimentos divinos, e foi através
do uso da força ou seja, graças a um soldado e uma lança, que foi possível atingirmos essas
103 VILLAÇA, Antonio Carlos. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1975. p.18
58
graças. Comparou os soldados que estavam na África, com o soldado romano que feriu
Cristo. O uso de lanças seria legitimado pelo fato de militarem numa causa justa, a
conquista da Terra Santa. Justa, pois tomaram a insígnia da cruz e se alistaram como
soldados para conquistarem a Terra que estava sob o domínio de infiéis, os mouros na
África.
Deste modo, a Santa Cruzada se investia de um caráter de empresa sagrada; o Papa
concedia as indulgências da Cruzada aos Reinos de Portugal e a quem se alistasse como
soldado nesta causa. Para concorrer as graças e indulgências da Bula da Santa Cruzada,
bastava pelejar com um inimigo. No entanto, esta não era a única forma de se alcançar os
merecimentos da bula, afirma o orador; havia outra possibilidade, que consistia em
contribuir com esmolas para o subsídio da cruzada.
O uso de soldados e lanças em nome da fé, é justificado quando Vieira argumentou
que mais custava o requerimento do que o merecimento. Utilizou-se da história bíblica de
Davi, para exemplificar as dificuldades de negociar com os infiéis; antes de Davi entrar em
confronto com Golias, perguntou ao rei qual seria seu prêmio em salvar Israel das mãos dos
Filisteus. Foi lhe respondido que o rei daria sua filha em casamento. Então, Davi após
vencer o gigante, foi reclamar sua recompensa e eis que, como de costume, o rei queria que
Davi derrotasse mais uma centena de filisteus antes de receber a recompensa. Desta forma,
o Padre Antonio Vieira demonstrou que não se podia acreditar nas promessas dos reis da
terra, visto que o rei não cumprira sua parte no acordo. E acrescentou, que para Davi vencer
o filisteu, bastou-lhe uma pedra; em contrapartida, para negociar com os reis da terra,
depende de “muita papelada e tantos ministros” ou seja, muita burocracia. Entretanto, para
as graças do rei do céu, bastavam apenas uma folha de papel e um só ministro; a Bula e um
sacerdote. Portanto, a violência utilizada contra os infiéis tornou-se assim, inevitável e
necessária pois, dificilmente haveria acordo por meios diplomáticos com um rei da terra.
Como o sangue de Cristo foi o preço da nossa redenção, o sangue derramado na
Santa Cruzada também se fazia necessário. Da mesma forma que a lança do soldado
romano, que feriu o lado de Cristo, foi a chave para nosso perdão, assim também era para
os soldados da cruzada; a lança também era o instrumento que levava às graças e
indulgências. As lanças dos soldados da África, são as que abrem os tesouros da Igreja que
são concedidos pela Bula.
59
Estes tesouros se referem as graças e a indulgência plenária que são concedidas,
tanto para os soldados que estão na África, quanto aos que doarem esmolas para o subsídio
da causa. A justa causa era a defesa dos lugares e fortalezas da África aos quais, os
soldados portugueses sustentavam contra a invasão e contra as forças da barbárie; Lutar
tornou-se justo, na medida que se trata da conservação das praças católicas.
A Santa Cruzada precisava ser mantida de algum modo, e este modo era através das
esmolas, ou seja, o sucesso da cruzada dependia de doações. Para o subsídio e manutenção
da causa, figuravam os legados e recursos deixados até o momento, por qualquer outro
modo, mesmo a título de herança e de restituição de bens mal-auferidos; doações por morte,
disposições finais ou últimas vontades, em qualquer parte dos reinos e domínios.104
A respeito desse subsídio da cruzada, Vieira prega a importância de contribuir para
esta causa; lembrou dos soldados que estão na África vigiando à noite e lutando de dia
contra os infiéis, defendendo a lançadas e sangue as muralhas da cristandade, colocando a
própria vida em risco em nome da fé. Ao mesmo tempo, quem estava em Portugal e nos
reinos portugueses, permaneciam descansados e seguros, sem precisar vigiar ou empunhar
lança alguma. Para estes bastava contribuir com uma “tênue” esmola, para receber as
mesmas graças que um militante na África; e argumenta que nas leis da terra os prêmios
eram dados apenas aos que militam e servem; nas leis do céu entretanto, recebe os que
militam e servem como também os que sustentam; e todos têm o mesmo prêmio.
Os soldados e cavaleiros da África passam o mar, mudam o clima e deixam a pátria: vós ficais nela; eles vigiam nas atalaias, vós dormis; eles defendem as tranqueiras, saem ao campo, andam à lançadas com os bárbaros, e muitas vêzes perdem a vida; vós lograis a bela paz. Mas basta que as vossas esmolas, posto que tão limitadas, concorram ao seu sustento, para que, nas mercês e nas graças, iguale Deus o vosso ócio ao seu trabalho. Para com os reis, só eles merecem e ganham as comendas; para com Deus, tanto ganha a vossa esmola, como a sua lança.105 Este trecho, demonstra bem o caráter divino de que esta Cruzada estava investida.
Seja lá qual fosse a forma que as pessoas se envolvessem nessa causa, teriam seus
merecimentos e graças garantidos pelo que constava na Bula da Santa Cruzada.
Os subsídios arrecadados, eram destinados aos beneméritos soldados cavaleiros da
África. Há alguns registros sobre lamentações pelos descaminhos do dinheiro santo da bula
104 SUESS, Paulo. A conquista espiritual da América Espanhola. Petrópolis : Vozes, 1992. 105 VIEIRA, Padre Antonio. Sermões ; vol.I. Erechim : Edelbra, 1998. p.344
60
mas, Vieira afirmava que, mesmo que o dinheiro fosse desviado, o ato de doar é que
garantia as graças. O merecimento residia no ato de doar e não, no destino que as esmolas
tomariam.
A esmola da Bula que dais para os soldados de África, pode acontecer que eles a não comam, ou porque alguns os não há, ou porque fica cá o dinheiro, ou porque, se lá vai, eles (como dizeis) ficam anjos; mas como Deus só respeita o merecimento da esmola e o fim dela, ainda que os homens o divirtam e desencaminhem, a paga que naquela escritura se vos promete sempre está segura.106
Eram sete impedimentos que seriam perdoados, a todos os que tomassem a causa da
Santa Cruzada como sua. Libertação e absolvição de pecados reservados (pecados de
dificultoso perdão); excomunhões; interditos; votos; enfermidades, dívidas temporais aos
homens, e espirituais a Deus. Para alcançar todas estas graças e a indulgência plenária,
bastava tomar a cruzada como sua causa, que a bula da Santa Cruzada facilmente
concederia estes benefícios. Dispensava sacrifícios como a peregrinação de cem léguas em
Compostela ou fazer as estações de Roma, que são quinhentas léguas. Para os benefícios da
bula nada disso era necessário; bastava subsidiar a cruzada com doações.
Ao fazer o sermão sobre a Bula da Santa Cruzada em 1647, Vieira acentuou que o
conteúdo fundamental do documento, era a guerra santa contra os muçulmanos.
Portugal obteve de diversos papas, graças especiais para aqueles que morressem
pela propagação da fé e pelas conquistas dos portugueses sobre os infiéis. O espírito de
cruzada, foi alimentado pela própria Santa Sé através de inúmeros documentos pontifícios.
A questão sempre foi assegurar a defesa da verdadeira fé, promover o crescimento da
religião cristã e a salvação das almas. Para isso era preciso derrotar nações bárbaras e
infiéis, convertendo-os à fé cristã.
As bulas representavam a legitimação das cruzadas bem como, constituíam um meio
de incentivar os seguidores da fé, a se ocuparem em combater e converter infiéis nessa
causa tida como justa e portanto, santa. A bula concedia graças e privilégios para que
pudessem se dedicar com maior disposição nas cruzadas. Não se devia temer expor-se a
morte pois, os merecimentos seriam os prêmios da vida eterna.
106 Ibidem.
61
Através das bulas, o pontífice romano transferiu para a coroa lusitana, o encargo do
estabelecimento da Igreja nos domínios do ultramar. Não se trata de usurpação de
atribuições religiosas por parte da Coroa lusitana mas, de um compromisso entre a Igreja de
Roma e o governo português. O governo se comprometia a manter a fé católica como
religião oficial e a se empenhar na difusão da fé, oferecendo meios econômicos para esta
missão religiosa; enquanto que a Santa Sé, se comprometia em colaborar com o
fortalecimento do projeto colonial, incutindo no povo, os deveres de fidelidade e
obediência. A religião manteria a unidade e coesão social do Império luso em expansão. Na
prática, a fé e cultura portuguesa se confundiam e as conquistas lusitanas eram a
manifestação visível do reino de Deus. O domínio lusitano deveria se estender por toda a
terra.
Com a concessão do direito de padroado, a autoridade da Santa Sé torna-se
relativamente pequena se comparada com o poder do monarca. Entretanto, existiram certas
compensações nesse regime regalista; os dízimos e as bulas que significaram meios de
captar recursos para o engrandecimento da Igreja.
A Bula da Cruzada tinha como principal finalidade, conceder indulgências aos que
se empenhassem nas cruzadas da reconquista cristã e manutenção dos lugares santos na
África. A arrecadação era revertida na manutenção desta empresa sagrada.
Mesmo com o fim dessas cruzadas, a Bula da Santa Cruzada permaneceu, e os
fundos passaram a ser revertidos para o culto católico. A bula sempre foi o meio para que
se alcançasse graças e indulgências porém, com o final das cruzadas e com o passar do
tempo, esse documento tomou um aspecto de mera venda de indulgências, fato que aos
poucos, contribuiu para a vulgarização da importância que esta bula representava. Ao
chegar no séc. XIX, o valor da bula era quase nulo e o povo nem mais acreditava nela; com
qualquer vintém se obtinha indulgências107.
A captação de dízimos e dos fundos das bulas, ficava a cargo das Igrejas paroquiais
mais próximas dos doadores. No caso especifico da Bula da Santa Cruzada, o Comissário
dos Santos Lugares, visitava as vilas coletando as somas arrecadadas.
107 GÉRSON, Brasil. O regalismo brasileiro. Rio de Janeiro : Cátedra; Brasília, 1978.
62
Por volta de 1729108, o frei Antonio da Conceição, religioso regular que exerceu o
cargo de Comissário dos Santos Lugares com privilégios reais (Comissário da Bula da
Santa Cruzada), em visita a Curitiba, estranhou que a vila possuía somente uma igreja.
Resolveu promover uma subscrição na vila; procurou obter óbulos entre os devotos para a
construção de mais um local de culto. A quantia foi entregue a Manoel Rodrigues da Motta,
que ficou com o encargo de construtor e protetor da capela.
...O commissario dos Santos Logares, frei Antonio da Conceição e S. Jose vinha, de annos a annos, receber da Camara a quota de suas rendas destinada a obra da cruzada (2$000 por anno mais ou menos) Numa destas visitas, tratou o missionario de conseguir recursos para a construção de um novo templo na villa, e angariou esmolas entre os moradores, para esse mister. O dinheiro arrecadado foi entregue ao superintendente do registro de gado, Manoel Rodrigues da Motta(...) Motta construiu a capella e como seo protector, zellou pela sua conservação até ausentar-se do districto. Em 1747, estava a igreja abandonada; a Irmandade da Ordem Terceira de S. F. das Chagas, recém-fundada, obteve então, do 1ª bispo de S. Paulo, licença para celebrar os exercícios da sua ordem, nella, conservando-a, até fundar a capella propria e compromettendo-se a attender as determinações do ordinario, sem jamais allegar posse sobre o templo.109
A importância arrecadada foi entregue ao Motta em 1729. Em 1732 esse contrato foi
reformado, e no mesmo ano, Motta contratou Luiz Palhano de Azevedo, a construção da
capela por escritura pública. Em 1737, estava concluído o templo.
Luiz Palhano de Azevedo provém da família Palhano, que é originária de Iguape. O
ramo paranaense provém do casamento do Capitão José Teixeira de Azevedo, filho de Luiz
Palhano e Maria de Vera, realizado em 01 de novembro de 1685, com Domingas Antunes
Cortes, filha do Capitão Balthazar Carrasco dos Reis e de Izabel Antunes, tendo desse
matrimônio, dois filhos: Luiz Palhano e José Palhano de Azevedo. O Capitão José Teixeira
de Azevedo, teve um segundo casamento de onde nasceram mais sete filhos.110
Manoel Rodrigues da Motta, para obter provisão do Bispo do Rio de Janeiro, D.
Frei Antonio de Guadalupe, precisava atender as exigências da lei canônica que exigia,
prévia constituição de um patrimônio. Esta provisão, diz respeito a uma espécie de
108 MACEDO, Rafael Greca de. Igreja da Ordem restauro e história. Curitiba : Boletim Informativo da Casa Romário Martins nº 44, outubro de 1980. 109 BOLETIM DO INSTITUTO HISTÓRICO, GEOGRÁFICO E ETNOGRÁFICO DO PARANÁ. vol.II, 1918. p.120 110 LEÃO, Ermelino Agostinho de. Diccionário historico e geographico do Paraná ; vol.4. Curityba : Empreza Graphica Paranaense, 1929.
63
autorização para o exercício dos procedimentos do culto católico na capela, ou seja, a
provisão regulamentava o funcionamento da igreja.
A constituição de um patrimônio, como exigia a lei canônica, foi através da doação
do sítio de Jaguacaen em Campo Largo, realizada pelo Motta e sua mulher Elena: “Já em
1737, o Tenente-coronel Manoel Rodrigues da Motta e sua mulher Elena Rodrigues
Coutinha, haviam doado para a capela o sítio de jaguacaen, em Campo Largo, que haviam
recebido por dote, do Capitão Antonio Luiz Tigre, com 50 novilhas, 5 touros, 5 egoas, com
o seu pastor” (LEÃO, 1929, p. 313)
Manoel Rodrigues da Motta, ficou como protetor do templo e zelou pela sua
conservação, até quando se ausentou da vila em 1747. Sua filha, Maria Rodrigues Pinta e o
marido, Antonio José de Oliveira Rosa, passaram a ser os protetores da capela.
Permaneceram como protetores, até 1752, quando doaram a igreja aos Religiosos
Franciscanos da Ordem do Rio de Janeiro.
Fundada em 1738 sob a invocação de Nossa Senhora do Terço, passou em 1752, a
servir de capela para a Ordem 3ª de São Francisco das Chagas. Mas, mesmo antes de ser
adquirida pelos Franciscanos, já funcionava nela, a Confraria dos Irmãos Terceiros.111
A capela Nossa Senhora do Terço, constitui um exemplo que nos ajuda a entender
melhor, o papel da igreja e da religiosidade na vila de Curitiba da primeira metade do
século XVIII. Durante o período colonial no Brasil, a Igreja teve um caráter
predominantemente leigo. Estes, participavam ativamente na construção das igrejas; nos
atos do culto e na promoção de devoções. Esta participação se manifestava,
predominantemente, coletivamente nas confrarias religiosas.
As confrarias, são associações religiosas nas quais se reuniam os leigos no
catolicismo tradicional112. Divide-se em dois tipos básicos: as irmandades, ligadas as
corporações de artes e ofícios; e as ordens terceiras, que se vinculam às tradicionais ordens
religiosas, especificamente aos Franciscanos, aos Carmelitas e aos Dominicanos. Essas
confrarias estiveram no auge durante o período colonial, continuaram fortes ainda no
111 MACEDO, Rafael Greca de. Igreja da Ordem restauro e história. Curitiba : Boletim Informativo da Casa Romário Martins nº 44, 1980. 112 HOORNAERT, Eduardo ; Et al. História da igreja no Brasil. Petrópolis : Editora Vozes Ltda, 1979.
64
período imperial mas, passaram a ser marginalizadas na República pela Igreja oficial, que
passou a valorizar outras formas de associações religiosas mais vinculadas ao clero.
A finalidade fundamental de uma confraria, era a promoção da devoção de um
santo. Algumas vezes já possuíam a capela e portanto, os fiéis se comprometiam a manter
seu culto e a promover sua festa; outras vezes, a finalidade era justamente angariar recursos
para a construção de uma casa de orações.
As irmandades e as ordens terceiras são de origem medieval, existiam em Portugal
desde o século XIII, onde dedicavam-se a obras de caridade voltadas para seus membros ou
pessoas carentes, que à confraria não pertencesse. Qualquer associação destas que quisesse
funcionar, precisava de uma igreja pois, a ermida proporcionava a identidade da ordem ou
irmandade. Mesmo as que iniciavam seu exercício na lateral de alguma outra igreja, com o
tempo, tratavam de construir seu próprio templo.
Essas confrarias eram associações corporativas no interior das quais, se teciam
solidariedades fundadas nas hierarquias sociais ou seja, se desenvolvia uma caridade para
fora, para os mais necessitados da sociedade, uma vez que os participantes destas
associações, eram os socialmente privilegiados, os “fidalgos” da colônia.113
Cada confraria possuía sua administração presidida por juízes, presidentes,
provedores e composta por escrivães, tesoureiros, procuradores, consultores e
mordomos114que regulavam os compromissos que estabeleciam a condição social e racial
exigida de quem se associasse, bem como os direitos e deveres de cada membro. As ordens
terceiras eram, nas palavras de João José Reis, “verdadeiros redutos aristocráticos”115 isso
porque, na maioria das vezes, exigia-se que a pessoa possuísse bens e ou, que fossem
indivíduos de destaque no meio social.
As ordens terceiras de São Francisco eram bastante populares no Brasil colonial e a
elas somente podiam pertencer os brancos; existiram, com raríssimas exceções, as que
permitiram alguns mulatos. Houve ordens terceira do Carmo e terceira de São Francisco
muito fechadas, que não permitiam o acesso de brancos nascidos no Brasil; o acesso era
restrito a reinóis ; muitas exigiam dos membros, pureza de sangue nos antepassados e a
113 REIS, João José. A morte é uma festa : ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do séc.XIX. São Paulo : Companhia das Letras, 1998. p.51 114 Ibidem. 115 Ibidem.
65
ausência de crimes de qualquer espécie.116 Maria Beatriz Nizza da Silva, nos coloca que,
somente indivíduos de elevado status econômico e social, podiam ser eleitos para os cargos
na maior parte das ordens terceiras brasileiras. As elevadas entradas e anuidades cobradas
por estas ordens, por si só, já limitavam o acesso apenas aos homens de posses.
Isso nos leva a crer, que as ordens terceiras revelam a estratificação social e racial,
que são próprias do período colonial. A partir disso, podemos imaginar que possivelmente,
em 1729, Manoel Rodrigues da Motta dispunha de um elevado status econômico e social,
para poder estar na posição de provedor da capela Nossa Senhora do Terço.
Seu envolvimento na administração eclesiástica, não se restringiu à ordem terceira e
a construção da capela. Manoel Rodrigues da Motta, além de um indivíduo de alta
representatividade na vila de Curitiba, como já mencionamos antes, foi escrivão da Bula da
Santa Cruzada. Portanto, esteve envolvido com a arrecadação dos fundos que eram
destinados para a obra da Santa Cruzada.
Para entender melhor o que representava ocupar essa função, de Escrivão da Bula da
Santa Cruzada, na colônia, recorremos a alguns registros, que se encontram nas Atas da
Câmara de Curitiba. Trata-se de alguns registros e alvarás que, tratam da questão dos
privilégios que eram concedidos aos oficiais e tesoureiros da bula, mas que não estavam
sendo respeitados.
O primeiro registro, diz respeito a uma carta que foi enviada pelo rei ao Governador
das Armas, onde lamentava o não respeito aos privilégios, denunciado pelo Comissário
Geral da bula da Santa Cruzada:
Por se me apresentar por parte do Comissário Geral da Bulla da Crusada que se nam goardarem os previlegios della pellos off es da milícia aos seus thesoureiros Menores que tem cargo repartir as Bullas pello Reino vem a faltar pessoaz que queiram aceitallaz em grande prejuiso da cobrança da fazenda Real vos encommendo muito e mando façaiz que nessa província se guardem ínvio facilmente os previlegios da crusada passado em favor dos thesoureiros menores della com advertência que o mandareis estranhar com demonstraçõens aos ministros de Guerra que fizerem o contrario e me havereys por mal servido delles. Escripta Em Alcântara a cuatro de junho de 1644 – “Rey” 117
116 SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil. Lisboa/SP : Ed. Verbo, 1994. p.598 117 NEGRÃO, Francisco. Boletins do Arquivo municipal de Curityba ; Vol.II. Curityba : Livraria Mundial, 1924.
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O Comissário Geral da Bula da Santa Cruzada havia colocado ao rei, que se não
fossem respeitados os privilégios, logo não existiriam pessoas dispostas a trabalhar pela
arrecadação das doações para a Bula. Conseqüentemente, isso acarretaria grandes prejuízos
para a Fazenda Real. A recomendação do rei, era para que os privilégios fossem
respeitados.
O rei encarregava os “desembargadores, Provedores, ouvidores Juiz de Fóra e
ordinarios e a todas as mais justiças deste Reino e Senhorias de Portugal e suas conquiztas
guardão e fação guardar inviolavelmente os ditos previlégios (...)” (NEGRÃO, 1906, vol.II
p. 04) e ainda estipula uma multa a quem desrespeitar as suas ordens: “...e se tem no
Ministerio da Bulla o que assim mandamos com pena de Cincoenta Cruzados aplicados ao
prendimento desta...” (NEGRÃO, 1906, vol.II p. 04)
Os privilégios eram concedidos aos tesoureiros escrivães, oficiais e aos ministros da
Bula da Santa Cruzada. Infelizmente, não obtive ainda, a documentação suficiente para
diferenciar cada uma dessas funções, bem como o que caberia a cada uma delas. Entretanto,
já pudemos evidenciar que, enquanto ocupavam essas funções, não podiam “ser obrigados
nem constrangidos a servir outro nenhum cargo nem hir a guerra contra sua vontade...”
(NEGRÃO, 1906, vol.II p. 05)
A seguir, temos um registro que nos ajuda a compreender melhor, que privilégios
eram esses:
Previlegio, de que gozão os Thesoureros Escrivains; officiaiz e maiz ministros da bulla da Sancta Crusada. Primeiramente, que não sejam constrangidos pera levar capelos alguns nas procisoens Gerais e solemnez que se fazem em cada hum anno nas cidadez, villaz destez reinoz e Senhorios nem sejam constrangidos pera outro emcargo do conselho de qualquer modo que seja, nem seram tutorez nem curadorez salvo as totoriaz: nem sejam sacadores de pedidos, nem pouzem com elles em suas cazas de morada, alegar nem extraviar nem lhes tome couza alguma contra sua vontade nem roupa de cama nem alfaias de caza nem bestas de sella nem de albarda nem lhes tomem seus obreros pêra nenhua pessoa de qualquer estado e condição que seja...118
Ao que tudo indica, era através dos alvarás que se faziam guardar os ditos
privilégios. E pela preocupação que notamos nos documentos, imaginamos que o
desrespeito aos privilégios, era recorrente em inúmeros lugares do reino português. Manoel
Rodrigues da Motta, foi um exemplo concreto desse fato.
118 Ibidem.
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Por volta de 1719, quando foi nomeado ajudante das ordenanças do seu regimento,
ele não pretendia exercer tal função, pois alegava isenção por ser Escrivão da Bula da
Cruzada, como nos conta Francisco Negrão: “Era escrivão da bulla da Santa Cruzada;
alegando essa circumstancia pretendeu escusar-se do cargo de Ajudante allegando suas
isenções; no entanto, foi obrigado a aceitá-lo em 1719” (NEGRÃO, 1928, p. 646)
Deste modo, observamos que ainda no séc. XVIII, persistia o desrespeito aos
privilégios concedidos aos escrivães e oficiais da Bula que, já causava descontentamento
para o rei, no século XVII. Possivelmente, esta questão não foi exclusividade desses dois
séculos, porém, não temos subsídios suficientes, para verificar tal fato empiricamente.
De qualquer maneira, para nós é evidente que o problema, sem dúvida, estava
relacionado fundamentalmente, com a arrecadação que estava sendo prejudicada pois, as
pessoas, não viam vantagens em trabalhar pela Bula se os privilégios não fossem
assegurados.
Um outro aspecto que levantamos, é com relação a quantas pessoas estavam
envolvidas na arrecadação dos fundos para a Bula da Cruzada. A princípio, temos o
Comissário dos Santos Lugares (da Bula da Cruzada) ao que parece, era sempre um frei.
Visitava as vilas e freguesias, arrecadando as quantias que eram destinadas para a
manutenção das cruzadas. Ao que tudo indica, era uma só pessoa que possuía tal função em
cada localidade e não recebiam salário para exercer a função. O que nos leva a pensar desta
forma, é um pequeno trecho de um decreto do rei, com relação aos privilégios da bula:
“...por não terem os Thesoureiros menores emolumentos algum deste trabalho ouve por
meu servisso ordenar por decreto de coatro de mayo de 1662 ao meu Conselho de Guerra
que pasaçe as ordens necescarias pêra que em cada freguezia de todas as do reino se
guardaçem hum so previlegio da Cruzada por bem do qual decreto, e pêra inteiro
comprimento delle mandey passar este alvará...” (NEGRÃO, 1906, VOL.II p. 04) No
entanto, esta e outras questões, precisam ser estudadas mais profundamente, rastreando
melhor a documentação para posteriormente, delinearmos melhor toda esta questão da Bula
da Santa Cruzada.
Muitos questionamentos nos surgiram durante este pequeno estudo a respeito da
Bula da Santa Cruzada. A primeira questão que nos surge, é com relação ao envolvimento
da Ordem Franciscana, com a arrecadação dos fundos da bula. Ao que nos pareceu nesse
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primeiro contato com a documentação foi que, era exclusividade da Ordem, a arrecadação
dos fundos.
Essas e muitas outras questões surgiram a respeito mas, não dispúnhamos de tempo
hábil e nem documentação suficiente para poder responder aos questionamentos.
Entretanto, não foi nosso objetivo responder a todos as questões que foram surgindo pois,
entendemos que essa a Bula da Santa Cruzada, bem como o envolvimento dos Franciscanos
com a questão, mereça um estudo exclusivo e de mais fôlego.
CONCLUSÃO
Procuramos nesta investigação, contribuir para o entendimento de questões
relacionadas com a vida colonial, a partir do estudo da vila de Curitiba na primeira metade
do século XVIII. Partindo do estudo da trajetória de Manoel Rodrigues da Motta, na
Curitiba setecentista, pude perceber alguns aspectos interessantes com relação aos
mecanismos de inserção social daquele momento.
Primeiramente, notamos que vários fatores determinavam a emigração de um
português para a colônia. Dentre os principais motivos, merece destaque aqui, a busca de
enriquecimento nas terras da América. Seria portanto, a busca de fortuna um dos fatores
fundamentais que levavam os portugueses, a lançarem-se nessa empreitada que poderia
custar-lhes a vida. No entanto, fortuna naquele momento, era vista sob outras óticas além
da econômica, como nos chamou atenção, a historiadora Sheila de Castro Faria. Entretanto,
não eram todos os reinóis que obtinham o sucesso; muitos, precisaram retornar a Portugal e
outros ainda, continuavam vivendo da maneira que lhes era possível.
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Com o avançar das nossas pesquisas, foi tornando-se evidente, que Manoel
Rodrigues da Motta, é um exemplo de reinól que obteve sucesso ao se instalar na colônia.
Ele enriqueceu no decorrer de sua trajetória, fruto de seus cargos e união matrimonial.
Ocupou cargos em todas as esferas administrativas da colônia e de um mero Tabelião de
Notas em 1708, se transformou em um dos homens mais poderosos da região. Obviamente,
sua ascensão econômica e social, foi resultado vitorioso do investimento de tempo, trabalho
e capital; e vale ressaltar, que estes fatores ficaram restritos a um pequeno grupo da
população colonial.
Demonstramos ao longo deste trabalho, os elementos responsáveis nesse processo
de escalada social. Manoel R. da Motta, possuía um certo grau de instrução, o que lhe foi
de fundamental importância, já que ele estava, em meio a uma população praticamente
analfabeta em sua maioria. Instruídos, os reinóis possuíam grande prestígio diante da
sociedade e acabavam por monopolizar muitas das boas oportunidades, tendo em vista, a
confiança que desfrutavam perante o governo.
O casamento, foi sem dúvida, outro elemento muito importante na composição de
seus laços sociais com a elite, e portanto, significativo para sua inserção nesse estrato
social. A partir de sua união matrimonial com uma jovem bem colocada da vila, os reinóis
muitas vezes, garantiam uma melhoria em sua condição social. De fato, Motta casou-se
com Elena Coutinho, filha de uma família tradicional e proprietária. Acreditamos, que seu
casamento, tenha sacramentado a sua presença na elite setecentista de Curitiba. Assim,
concluímos, que os reinóis ao se incorporarem ao espaço social de famílias prestigiadas,
habilitavam-se a ocuparem postos até então impensáveis, fundamentalmente, por unirem-se
as famílias proprietárias das terras e pertencerem ao grupo que detinha o poder da vila.
Como vimos, o sucesso dos reinóis, dependia de alguns fatores combinados, como a
sua ocupação, seus laços sociais, sua linhagem, seu casamento e seus bons serviços. Com
relação a este último fator, precisamos ressaltar o envolvimento de Motta com expedições
exploradoras de abertura de estradas, que lhe rendeu alguns cargos, decorrentes dos bons
serviços prestados ao Governador da Província de São Paulo.
Todas essas, foram para nós, particularidades esclarecedoras, pois contribuíram para
entendermos a trajetória de um português na colônia.
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Outro resultado das análises que merece ser destacado, foi o seu envolvimento com
a Bula da Santa Cruzada, da qual era escrivão na vila de Curitiba. O fato instigante, foi
entender como permanecia entre os lusitanos esse espírito de cruzada, que remonta a Idade
Média. De fato, o espírito de cruzada, esteve relacionado a bulas papais que tinham por
finalidade, conceder indulgências aos que se empenhassem nas cruzadas contra os
muçulmanos. Terminada as cruzadas, a bula sobreviveria unicamente, para arrecadação de
fundos para o culto católico.
Motta ficava responsável pela divisão das bulas entre os habitantes da vila e cabia a
ele também, cobrar as esmolas destas bulas. A captação desses fundos, estava a cargo do
Comissário da Bula da Santa Cruzada, que passava pelas vilas recolhendo todas as somas
arrecadadas. Esse dinheiro, era enviado a Fazenda Real que por sua vez, realizava a
distribuição.
A bula sempre foi o meio para que se alcançasse graças e indulgências porém, com
o final das cruzadas e com o passar do tempo, esse documento tomou um aspecto de mera
venda de indulgências, fato que aos poucos, contribuiu para a vulgarização da importância
que esta bula representava. Ao chegar no século XIX, o valor da bula era quase nulo e o
povo nem mais acreditava nela.
Algumas perguntas foram surgindo à medida que analisávamos tal questão, como a
relação dos Franciscanos com a Bula entretanto, entendemos que esse assunto mereça um
estudo dedicado somente a ele, em um outro trabalho e com um maior espaço de tempo.
Somente dessa forma, poderemos reunir documentação suficiente para se realizar análises
aprofundadas a respeito.
Para além destas faltas, no entanto, acreditamos ter de alguma forma, contribuído
para uma melhor compreensão das relações e vivências que ocorriam nas vilas da colônia,
daquele momento. E com nossas análises, espero ter somado forças junto a outros
trabalhos, que objetivam um melhor entendimento da colônia do século XVIII. Não sei se
no balanço final, computadas as faltas e os méritos, tenha sido positivo. Mas, esperamos
que possamos ser surpreendidos com um pequeno saldo.
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