20
160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração* 1 * Parecer emitido pelo Ministério Público de Contas na Denúncia n. 839.455, de relatoria do Conselheiro Cláudio Terrão. Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator, Tratam os presentes autos de denúncia apresentada nesta Corte por Elísio Pereira Neto contra procedimento licitatório (Concorrência Pública n. 003/2009, do tipo melhor técnica) promovido pela Prefeitura Municipal de Vespasiano, cujo objeto é a “delegação através de Contrato de Permissão [...] para a execução do Serviço Público de Transporte por Táxi, no Município de Vespasiano às pessoas físicas habilitadas e capazes”. O representante, em sua peça inicial (fls. 1-22), alegou que o certame apresenta as seguintes irregularidades: 1) falta de projeto básico; 2) ausência de justificativa para a estipulação de prazo de duração das permissões (20 anos, renovável); 3) proibição à participação de interessados que, na atualidade, executem o serviço público de transporte individual de passageiros em outro município; 4) utilização indevida do tipo melhor técnica; 5) falta de critério objetivo e isonômico para o julgamento das propostas; 6) ilegalidade da previsão de transferência da permissão, inclusive por sucessão legítima. A denúncia veio acompanhada dos documentos a fls. 23-113. Recebida a documentação como denúncia (fls. 114), foram os autos distribuídos ao Conselheiro Cláudio Terrão (fls. 115), que determinou a intimação dos denunciados para que encaminhassem cópia do inteiro teor do processo licitatório, incluída a fase interna, bem como cópia dos contratos celebrados (fls. 116). Foi comunicada, a fls. 136-138, a suspensão administrativa do certame, “por determinação do prefeito municipal, para que seja adequado às normas legais vigentes”, conforme ato publicado no Diário Oficial dos Municípios Mineiros em 28 de março de 2011. Foi juntada, a fls. 140-3.614, cópia do processo licitatório. Em decisão monocrática a fls. 3.623-3.627, o conselheiro relator determinou a suspensão do certame, reconhecendo a existência dos seguintes vícios: 1) o critério “tempo de habilitação” não agrega valor útil para a escolha dos licitantes — item 8.14.1.2; 2) o desconto na pontuação para classificação por infração de trânsito não contém elemento técnico valorativo da disputa, além de majorar indevidamente a penalidade prevista no Código de Trânsito Brasileiro — item 8.15. DICOM TCEMG PROCURADORA CRISTINA ANDRADE MELO

Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

  • Upload
    others

  • View
    4

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

160

Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

* Parecer emitido pelo Ministério Público de Contas na Denúncia n. 839.455, de relatoria do Conselheiro Cláudio Terrão.

Excelentíssimo Senhor Conselheiro Relator,

Tratam os presentes autos de denúncia apresentada nesta Corte por Elísio Pereira Neto contra procedimento licitatório (Concorrência Pública n. 003/2009, do tipo melhor técnica) promovido pela Prefeitura Municipal de Vespasiano, cujo objeto é a “delegação através de Contrato de Permissão [...] para a execução do Serviço Público de Transporte por Táxi, no Município de Vespasiano às pessoas físicas habilitadas e capazes”.

O representante, em sua peça inicial (fls. 1-22), alegou que o certame apresenta as seguintes irregularidades:

1) falta de projeto básico;

2) ausência de justificativa para a estipulação de prazo de duração das permissões (20 anos, renovável);

3) proibição à participação de interessados que, na atualidade, executem o serviço público de transporte individual de passageiros em outro município;

4) utilização indevida do tipo melhor técnica;

5) falta de critério objetivo e isonômico para o julgamento das propostas;

6) ilegalidade da previsão de transferência da permissão, inclusive por sucessão legítima.

A denúncia veio acompanhada dos documentos a fls. 23-113.

Recebida a documentação como denúncia (fls. 114), foram os autos distribuídos ao Conselheiro Cláudio Terrão (fls. 115), que determinou a intimação dos denunciados para que encaminhassem cópia do inteiro teor do processo licitatório, incluída a fase interna, bem como cópia dos contratos celebrados (fls. 116).

Foi comunicada, a fls. 136-138, a suspensão administrativa do certame, “por determinação do prefeito municipal, para que seja adequado às normas legais vigentes”, conforme ato publicado no Diário Oficial dos Municípios Mineiros em 28 de março de 2011.

Foi juntada, a fls. 140-3.614, cópia do processo licitatório.

Em decisão monocrática a fls. 3.623-3.627, o conselheiro relator determinou a suspensão do certame, reconhecendo a existência dos seguintes vícios:

1) o critério “tempo de habilitação” não agrega valor útil para a escolha dos licitantes — item 8.14.1.2;2) o desconto na pontuação para classificação por infração de trânsito não contém elemento técnico valorativo da disputa, além de majorar indevidamente a penalidade prevista no Código de Trânsito Brasileiro — item 8.15.

DICO

M T

CEM

G

PROCURADORACRISTINA ANDRADE

MELO

Page 2: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

161

PAR

ECER

ES E

DEC

ISÕ

ESRe

vist

a TC

EMG

|jan

.|fe

v.|m

ar.|

2013

|

A decisão monocrática do relator foi aprovada pela Primeira Câmara em 2 de agosto de 2011 (fls. 3.635-3.636).

Em análise a fls. 3.640-3.671, o órgão técnico concluiu pela presença das seguintes irregularidades no certame:

1) ausência de projeto básico;2) ausência de justificativa para a fixação do prazo da permissão em 20 (vinte) anos;3) proibição à participação de interessados que, na atualidade, executem o serviço público de transporte individual de passageiros em outro município — item 3.2.7;4) adoção de critérios de julgamento inadequados: tempo de habilitação e decréscimo de pontuação por infrações de trânsito — itens 8.14.1.2 e 8.15;5) autorização para a transferência da permissão sem prévio procedimento licitatório – item 11.141;6) exigência de certidão negativa de débito para habilitação — itens 6.1.2.2.1 e 6.1.2.2.2.

Em manifestação preliminar, o Ministério Público de Contas aditou a denúncia nos seguintes pontos (fls. 3.679-3.692):

1) IRREGULARIDADES CONSTANTES DO EDITALi. proibição à participação de quem tenha sofrido suspensão do direito de dirigir;ii. restrição indevida à cumulação da permissão com outras atividades;iii. estipulação de requisito não previsto em lei: ausência de condenação por improbidade administrativa;iv. exigência irregular de certificado de reservista para maiores de 45 anos;v. exigência irregular de especialidade médica para apresentação de atestado;vi. exigência injustificada de requisitos do objeto: limitação da potência máxima do veículo;vii. exigência desnecessária e impertinente: declaração do prontuário;viii. critério de julgamento restritivo da competitividade: tempo efetivo no exercício da atividade;ix. violação à presunção de inocência e ao contraditório e à ampla defesa: suspensão do permissionário em caso de oferecimento de denúncia pelo Ministério Público;x. violação ao contraditório e à ampla defesa: revogação imotivada da permissão;

2) IRREGULARIDADE NA CONDUÇÃO DO CERTAMExi. formalismo exagerado: tratamento não isonômico entre os licitantes.

Devidamente citados (fls. 3.696-3.697), os responsáveis não apresentaram defesa (fls. 3.698).

Depois de exaurido o prazo legal, foram apresentadas novas justificativas pelos responsáveis (fls. 3.716-3.729), voltando os autos para emissão de parecer conclusivo pelo Ministério Público de Contas (fls. 3.714).

É o relatório, no essencial.

CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O serviço público de transporte individual de passageiros (táxi) passa na atualidade por um processo de transição, que se inicia pela assimilação dos entes federativos e dos prestadores de serviço da necessidade de promover licitação para a escolha dos motoristas a quem o serviço será delegado mediante permissão, tendo em vista o inequívoco comando presente na Constituição da República desde a sua gênese (art. 175).

A necessidade inarredável de o serviço público de táxi ser delegado mediante licitação — embora não seja nenhuma novidade do ordenamento jurídico — auxilia na moralização da Administração Pública e afasta 1 Lembre-se de que, em cumprimento ao TAC firmado entre o Ministério Público Estadual e o Município de Vespasiano, foram revogados o art.

7º, caput e parágrafo único; arts. 8º e 9º do Decreto Municipal n. 4.448/2008 (fls. 3.096).

Page 3: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS

162

entendimentos que permitiam verdadeira comercialização da “placa de táxi” e a passagem da permissão de “pai para filho”, como objeto de herança de família, situações nas quais o interesse particular se sobrepunha livremente sobre o interesse público.

Situação semelhante ocorreu com o serviço notarial e de registro, que passou por muitas resistências e pressões até ficar assentada a ideia de que a atividade somente pode ser delegada a candidatos aprovados em concurso público de provas e títulos, muito embora o art. 236, § 3º, da Constituição da República seja extremamente claro nesse sentido.

Licitações e concursos públicos nesses campos — para citar apenas duas áreas sensíveis: táxis e cartórios — funcionam como instrumentos moralizadores e garantidores da impessoalidade na Administração Pública, que não comporta mais feição patrimonialista, favorecimentos e perseguições no exercício de suas funções.

É de se destacar a atuação do Ministério Público Estadual, por meio de suas Promotorias de Defesa do Patrimônio Público, na moralização da outorga de permissão para prestação do serviço de táxi. No caso em análise, o município firmou termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Estadual (fls. 3.724-3.728) por meio do qual o ente municipal se comprometeu a abster-se de praticar qualquer ato que importe a transferência de permissões ou concessões para prestação do serviço de táxi, bem como a alterar o conteúdo do Decreto Municipal n. 4.448/2008 (o que foi efetivamente feito por meio do Decreto Municipal n. 5.283/2010, que revogou os arts. 7º, 8º e 9º do referido decreto) e a retificar o item 11.4 do edital sob análise, para excluir a possibilidade de transmissão da permissão por ato inter vivos ou mortis causa.

Destaca-se apenas que este órgão ministerial, por óbvio, concorda com o Ministério Público Estadual quanto à ilegalidade da transmissão de permissão, independentemente do título, o que considera ser assunto superado no caso ora em análise.

Nesse panorama, é louvável que o Município de Vespasiano tenha assimilado o novo paradigma e iniciado o Processo Licitatório n. 003/2009 — Concorrência Pública n. 003/2009, cujo objeto é a delegação da execução do serviço público de transporte por táxi no município, em um total de 46 (quarenta e seis) permissões, sendo duas delas reservadas às pessoas portadoras de deficiência física.

Se a assimilação da necessidade de realização de licitação para outorga de permissão de táxi é ainda recente na história da gestão pública brasileira, atualmente a Administração Pública se depara com o desafio de escolher os melhores critérios de classificação dos licitantes em um universo sempre muito concorrido.

Em breve pesquisa, verifica-se que o “tipo” de licitação que vem sendo utilizado em tais casos é a “melhor técnica” ou “melhor técnica com preço fixado no edital”, aliado aos seguintes “critérios de julgamento” ou de “classificação”: (a) positivos: tempo de habilitação; tempo de experiência como condutor ou auxiliar de condutor; itens relacionados ao veículo, tais como: ano de fabricação, ar-condicionado de fábrica ou capacidade volumétrica do motor (cilindradas) e (b) negativos: pontuação no prontuário de infração de trânsito.

Para além desses critérios, não seria absurdo imaginar a pontuação por nível de escolaridade; a realização de prova prática de direção — que indicasse, por exemplo, o conhecimento do candidato sobre os melhores trajetos para condução do usuário ao destino final — ou mesmo prova de conhecimentos gerais, envolvendo aspectos culturais e históricos da cidade.

A escolha de critérios deve aliar, ao mesmo tempo, a preservação do princípio da isonomia e a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, ambas correlacionadas com a busca pela melhor prestação do serviço ao usuário de táxi. A tarefa é tormentosa, o que demanda do administrador público a realização de juízo de ponderação acerca dos melhores critérios possíveis na seleção dos licitantes.

Essas são, em síntese, as considerações que serviram de norte para a elaboração do presente parecer, que se estrutura em duas partes: (i) irregularidades apontadas na denúncia e na análise técnica e (ii) aditamentos apresentados pelo Ministério Público de Contas.

Page 4: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

163

PAR

ECER

ES E

DEC

ISÕ

ESRe

vist

a TC

EMG

|jan

.|fe

v.|m

ar.|

2013

|

IRREGULARIDADES APONTADAS NA DENÚNCIA E NA ANÁLISE TÉCNICA

1) Ausência de projeto básico

O denunciante alega a irregularidade do certame por ausência de projeto básico (fls. 1-22), o que foi ratificado pela unidade técnica (fls. 3.645-3.649). Por sua vez, alegam os responsáveis que o projeto básico somente é exigível de obras e serviços de engenharia (fls. 3.717-3.718).

A concessão e permissão de serviços públicos estão regulamentadas pela Lei Federal n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que, em seu art. 14, prevê:

Toda concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da legislação própria e com observância dos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios objetivos e da vinculação ao instrumento convocatório.

Assim, aplicáveis a tais licitações os ditames da Lei Federal n. 8.666/93, que define projeto básico como o “conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço [...]”.

Em análise da matéria, já decidiu esta Corte de Contas que a exigência de projeto básico não se limita às obras e serviços de engenharia, sendo exigível em toda contratação de serviços:

A questão central a ser esclarecida na presente consulta é a interpretação acerca do disposto no art. 7º, § 2º, inciso I, da Lei n. 8.666/93, ou seja, se o Projeto Básico é imprescindível para qualquer tipo de serviço ou restringe-se apenas a serviços para execução de obras e serviços de engenharia.

Inicialmente cumpre esclarecer que a Lei n. 8.666/93, em diversos pontos, faz referência direta, ou indiretamente, ao Projeto Básico, por exemplo, no art. 6º (conceituando-o); no art. 7º (exigindo-o); no art. 12 (estabelecendo seus requisitos); e no art. 40 (discriminando-o como um dos elementos do Edital).

O art. 7º, § 2º, inciso I, estatui que: ‘As obras e serviços somente poderão ser licitados quando : [...] II — houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório;’.

Segundo se infere do art. 7º, bem como dos demais dispositivos supracitados, a Lei Nacional de Licitações não faz qualquer distinção entre serviços de engenharia e os demais serviços.

Importante destacar, ainda, a razão pela qual o Projeto Básico foi previsto nos dispositivos do Estatuto das Licitações supracitados. O Projeto Básico se insere na fase interna da atividade administrativa, e esta fase é de crucial importância, pois, no dizer do Professor Carlos Pinto Coelho Motta, a fase interna bem elaborada determinará o sucesso da fase externa.

O Projeto Básico constitui elemento importante na caracterização do objeto a ser licitado, de forma a indicar seu custo, o prazo de execução, sua viabilidade técnica e econômica, visando a possibilitar a todos o mais amplo conhecimento sobre o objeto licitado, desde a solução técnica pretendida até os tipos de materiais e serviços que serão, no futuro, exigidos pelo órgão público, bem como a garantir a regular execução da obra ou serviço licitado, evitando-se correções e aditamentos custosos.

O não cumprimento deste requisito ou seu cumprimento de forma parcial é, sem qualquer dúvida, fator responsável pelas inúmeras irregularidades nas contratações do Poder Público. Projetos Básicos incompletos, vagos, deficientes e sem controle de qualidade induzem a erros e gastos desnecessários para a Administração, o que deve ser evitado em observância aos princípios da economicidade e eficiência.

Assim, para a Administração, é importante que o projeto básico atenda a certos requisitos, uma vez que, quando da realização de obras e serviços, os riscos para a Administração são maiores

Page 5: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS

164

que os existentes nas compras, pois os contratos, em geral, geram obrigações de fazer, que se prolongam no tempo. Existem maiores riscos, até mesmo de haver a multiplicação dos custos, superando as previsões iniciais.

Nesse sentido, justifica-se que a Lei Nacional de Licitações tenha estabelecido, em seu art. 12, requisitos próprios, cercados de maiores cautelas, para a contratação de obras e serviços, buscando evitar o desperdício, contratações desnecessárias, precipitadas ou inexeqüíveis.

[...]

Destarte, tendo em vista a importância do Projeto Básico na caracterização do objeto da licitação, o que evitará, decerto, decisões arbitrárias ou nocivas, e considerando que a lei não fez qualquer distinção, é de se concluir que a exigência do Projeto Básico não existe só para serviços de engenharia, como sustentam alguns, mas para toda e qualquer obra ou serviço. Esta é, a meu ver, a interpretação adequada do art. 7º da Lei n. 8.666/93.

[...]

Destaca-se, por oportuno, que, obviamente, o conteúdo a ser exigido para esse anexo do edital sofrerá modificações de acordo com o que se queira contratar, sendo tão mais completo quanto mais complexa for a obra ou serviço em licitação.

Ante o exposto, conclui-se que o Projeto Básico é exigência legal para contratação de obras e serviços, sem qualquer distinção. A inobservância desse requisito, essencial à fase interna e que reflete na fase externa da licitação, pode ensejar a nulidade de todo o certame, haja vista que a ausência desse detalhamento prévio é considerado vício insanável. A propósito, nesse sentido vem se constituindo a jurisprudência do eg. Tribunal de Contas da União sobre o tema, como demonstrado [...]2. (grifo nosso)

No mesmo sentido, Marçal Justen Filho explica:

O disposto no art. 7º e seguintes da Lei de Licitações deverá ser cumprido pela Administração. Deverá promover-se elaboração de um projeto básico. Obviamente, quando se tratar de concessão antecedida de obra pública, haverá necessidade de projeto básico de engenharia. Quando a licitação objetivar apenas a concessão ou permissão do serviço não será caso de elaborar um projeto básico, no sentido utilizado na legislação pertinente à engenharia. Mas deverá promover-se elaboração de ato equivalente, contendo as informações fundamentais que delineiam o perfil da atividade que constituirá objeto da futura contratação3. (grifo nosso)

No caso de licitações para outorga de permissão de táxi, o projeto básico é a seara adequada para abrigar estudo técnico a respeito do número ideal da frota de táxis no município, para citar apenas um exemplo. Com efeito, tal estipulação leva em conta algumas variáveis, tais como: principais atividades econômicas (turismo de lazer ou de negócio); emprego; renda da população e percentual de classe média; geografia e clima da cidade; custo dos veículos e posse de automóveis pelas famílias; custos de estacionamento e custo das tarifas de táxi para os passageiros4.

Disso tudo resulta que é irregular a ausência, no edital de licitação, de projeto básico ou documento equivalente.

2) Ausência de justificativa para a estipulação de prazo de duração das permissões (20 anos, renovável)

O denunciante alega que não há justificativa para a fixação do prazo de concessão em 20 anos.2 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Consulta n. 657.018, Relator: Eduardo Carone Costa. Belo Horizonte, Sessão Plenária de 7 ago.

2002.3 JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003, p. 212.4 Extraído do projeto básico constante do Anexo I do Edital de Concorrência Pública n. 02/2012 — Licitação para execução do serviço de transporte

por táxi do Município de Belo Horizonte sob o regime jurídico de permissão delegada a pessoa física e jurídica. Edital disponível em: <http://servicosbhtrans.pbh.gov.br/bhtrans/servicos_eletronicos/licitacoes_editais.asp>. Acesso em: 17 set. 2012.

Page 6: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

165

PAR

ECER

ES E

DEC

ISÕ

ESRe

vist

a TC

EMG

|jan

.|fe

v.|m

ar.|

2013

|

O relatório técnico aponta que “a ausência de estudos e, também, de fundamentos para a fixação do prazo da permissão em 20 anos levam ao cometimento de irregularidades por parte da Administração” (fls. 3.651).

Por sua vez, alegam os responsáveis que o prazo não precisaria ser indicado no ato de justificação e que a fixação em 20 anos corresponde aos “parâmetros usuais na práxis administrativa e às necessidades do Município” (fls. 3.718-3.719).

O art. 5º da Lei n. 8.987/1995 determina que “o poder concedente publicará, previamente ao edital de licitação, ato justificando a conveniência da outorga de concessão ou permissão, caracterizando seu objeto, área e prazo”.

Não há, na legislação, prazo pré-estabelecido de duração das concessões e permissões, de modo que sua estipulação remanesce no campo da discricionariedade da Administração Pública. E não se pode olvidar que, assim como os atos vinculados, o ato praticado no exercício de competência discricionária também deve ser devidamente motivado pelo administrador, com exposição fática e jurídica que serviu de orientação para a tomada de decisão em determinado sentido.

Contudo, dos autos não consta o referido “ato” de justificação do prazo, não sendo possível conhecer as razões que levaram a Administração a estipular o prazo de 20 anos como duração da permissão e não, por exemplo, 10, 15 ou 25 anos5. O recurso a “parâmetros usuais” não significa justificação ou dispensa a realização de estudos técnicos adequados à realidade local.

Nesse sentido, confira-se Marçal Justen Filho:

A decisão de contratar, portanto, não representa apenas um “ato de vontade”. Outorgar concessão ou permissão não constitui apenas em opção política. A escolha entre desempenhar diretamente ou delegar a particulares depende de outros fatores. Precisa retratar a correta cognição da realidade, especialmente do ponto de vista técnico. Não se admite que o Estado decida-se pela delegação aos particulares sem que, previamente, tenha avaliado todas as questões técnicas, econômicas e jurídicas envolvidas.

[...]

Ou seja, não se admite que “objeto, área e prazo” sejam impostos por meio de escolhas arbitrárias. Devem resultar de estudo global, fundamentado e sujeito a exame e fiscalização sob ângulo objetivo. Por isso, todos os atos e estudos deverão ser tornados públicos, facultando-se amplo acesso aos particulares6. (grifo nosso)

Conclui-se, assim, que é irregular a ausência, na fase interna do certame, de ato de justificação para a fixação do prazo para a permissão em 20 anos.

3) Requisito de participação: proibição à participação de interessados que, na atualidade, executem o serviço público de transporte individual de passageiros em outro município

Alega o denunciante que é restritiva à competitividade a proibição de participação de permissionários do serviço de táxi em outros municípios. A unidade técnica concluiu pela restritividade da cláusula editalícia (fls. 3.652-3.654).

Não se pode admitir a inclusão de novo requisito para a habilitação que não seja um daqueles previstos em lei (art. 27, Lei Federal n. 8.666/93: “Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: [...]”).

5 Em Belo Horizonte, o prazo da permissão estipulado no Edital n. 02/2012 é de 25 anos, improrrogável, contados a partir da data da publicação da homologação no DOM. Edital disponível em: <http://servicosbhtrans.pbh.gov.br/bhtrans/servicos_eletronicos/licitacoes_editais.asp>. Acesso em: 17 set. 2012.

6 Op. cit., 2003, p. 201-210.

Page 7: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS

166

Conforme esclarece Marçal Justen Filho,

Os requisitos de habilitação consistem em exigências relacionadas com a determinação da idoneidade do licitante. É um conjunto de requisitos que se poderiam dizer indiciários, no sentido de que sua presença induz a presunção de que o sujeito dispõe de condições para executar satisfatoriamente o objeto licitado. Por decorrência, a ausência de requisito de habilitação acarreta o afastamento do licitante do certame, desconsiderando-se sua proposta. O elenco de requisitos de habilitação está delineado em termos gerais nos arts. 27 a 32 da Lei de Licitações. É inviável o ato convocatório ignorar os limites legais e introduzir novos requisitos de habilitação, não autorizados legislativamente7.

Assim, é irregular a exigência do item 3.2.7 do edital, inserido entre os “Requisitos para participação”:

3.2 — Para serem considerados habilitados à execução do serviço, os licitantes deverão cumprir as exigências deste Edital, das leis 8.666/93 e 8.987/95, da Legislação Municipal pertinente e do Regulamento do Serviço Público de Transporte por Táxi, doravante denominado Regulamento, bem como: [...]

3.2.7 — Não deter outra permissão para exploração de serviços de transporte público em qualquer município do país, mediante declaração expressa e por escrito do concorrente, sob pena de crime de falsidade ideológica, exclusão do certame e revogação da permissão na hipótese de haver saído vencedor. (grifo nosso)

Considerando-se o caráter personalíssimo da permissão, parece certo que o exercício da atividade ao licitante vencedor não será faticamente compatível com a sua prática em outro município. Todavia, essa situação somente se verificará depois de concluído o certame, razão pela qual deve ser apurada somente em relação aos licitantes vencedores.

Imagine-se, por exemplo, que tal cláusula impede a participação do licitante residente em Vespasiano que atua como taxista em outro município da região metropolitana. Ou seja, o próprio munícipe sequer poderá participar do certame, que pode melhorar significativamente sua qualidade de vida, ainda que deixe de trabalhar em outra localidade acaso se sagre vencedor.

Assim, conclui-se ser irregular a proibição, para fins de habilitação no certame, do exercício de permissão como taxista em outro município — item 3.2.7 do edital.

4) Utilização indevida do tipo melhor técnica

Alega o denunciante que é irregular a adoção do critério de julgamento melhor técnica. Por sua vez, a unidade técnica afastou a irregularidade alegada, considerando o critério “melhor técnica” o mais adequado para a seleção dos licitantes (fls. 3.654-3.659).

A Lei Federal n. 8.987/95 dispõe:

Art. 15. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios:

I — o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado;

II — a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão;

III — a combinação, dois a dois, dos critérios referidos nos incisos I, II e VII;

IV — melhor proposta técnica, com preço fixado no edital;

V — melhor proposta em razão da combinação dos critérios de menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado com o de melhor técnica;

VI — melhor proposta em razão da combinação dos critérios de maior oferta pela outorga da concessão com o de melhor técnica; ou

7 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 454.

Page 8: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

167

PAR

ECER

ES E

DEC

ISÕ

ESRe

vist

a TC

EMG

|jan

.|fe

v.|m

ar.|

2013

|

VII — melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de propostas técnicas.

§ 1º A aplicação do critério previsto no inciso III só será admitida quando previamente estabelecida no edital de licitação, inclusive com regras e fórmulas precisas para avaliação econômico-financeira.

§ 2º Para fins de aplicação do disposto nos incisos IV, V, VI e VII, o edital de licitação conterá parâmetros e exigências para formulação de propostas técnicas.

§ 3º O poder concedente recusará propostas manifestamente inexequíveis ou financeiramente incompatíveis com os objetivos da licitação.

§ 4º Em igualdade de condições, será dada preferência à proposta apresentada por empresa brasileira.

Considerando-se que o valor da tarifa é fixado pela municipalidade e que, sendo vários os permissionários, não se poderia admitir que cada taxista operasse com preço diverso, o critério “melhor tarifa” se mostra inviável no presente caso.

Confira-se a posição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Ponto diferencial significativo entre as normas da Lei 8.987 e as da lei de licitações (evidentemente, no que concerne à escolha do concessionário) reside no critério de julgamento do certame.

Diferentemente dos previstos na lei de licitações (e nela caracterizados sob a rebarbativa denominação de “tipos” de licitação), na lei de concessões, conforme seu art. 15, com as alterações que lhe trouxe a Lei 9.648, de 27/05/1998, adotar-se-á, para o julgamento, um dos seguintes critérios: [...].

Há, em relação ao item II (maior oferta nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão) e, consequentemente, nos item III, IV e VII, que também lhe fazem menção, a necessidade de uma interpretação restrita, para que os preceptivos em causa não sejam acoimados de inconstitucionais por incursos em desvio de poder. Por certo, os responsáveis por ele (talvez economistas ou administradores públicos) não tinham preparo jurídico para perceberem este vício em que estavam incorrendo. É que serviço público, por definição, existe para satisfazer necessidades públicas e não para proporcionar ganhos ao Estado. Aliás, esta mesma Lei 8.987, em seu art. 6º, após considerar que toda concessão ou permissão pressupõe serviço adequado, no § 1º dele, esclarece que serviço adequado é o que satisfaz, entre outras condições, a “modicidade das tarifas”, a qual, de resto, é um princípio universal do serviço público. Assim, serviço público desenganadamente não é instrumento de captação de recursos para o Poder Público. Este não é um capitalista a mais no sistema. Os recursos de que necessita para cumprir suas missões (inclusive a de prestar serviço público) são captáveis pela via tributária ou pela emissão de títulos. Atribuir peso importante à maior oferta de candidato à prestação de serviço público é contribuir para que este ofereça tarifa maior, embutindo nela o custo que terá de arcar com sua oferta, o que é antítese do desejável8.

Desse modo, o critério “melhor proposta técnica” (Lei Federal n. 8.987/95) ou “melhor técnica” (Lei Federal n. 8.666/93) remanesce como o único possível para selecionar os licitantes.

É nesse sentido, ademais, o pronunciamento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais no julgamento do Mandado de Segurança n. 1.0210.09.063802-9/001, Relator Desembargador Manuel Saramago, e dessa Corte de Contas no julgamento da Consulta n. 841.512, de que foi relator o Conselheiro Mauri Torres9.

De todo o exposto, conclui-se pela regularidade do critério de julgamento melhor técnica, ressalvando-se os apontamentos acerca dos indicadores a serem utilizados.8 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 711-712.9 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado. Consulta n. 841.512. Relator: Mauri Torres. Belo Horizonte, Sessão de 16 nov. 2011. Ressalta-se,

contudo, por lealdade, que o Ministério Público de Contas não se manifesta favorável ao inteiro teor da consulta, conforme indicação e fundamentação abaixo, relativas aos critérios de julgamento.

Page 9: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS

168

5) Ausência de critério objetivo e isonômico para o julgamento das propostas

O denunciante alega que os critérios de julgamento adotados não são isonômicos e objetivos.

O item 9 do edital fixa os seguintes critérios de julgamento: (i) ano de fabricação do veículo; (ii) tempo de habilitação; (iii) tempo de exercício como condutor (principal ou auxiliar); (iv) condições do prontuário junto ao DETRAN (desconto por infrações).

Na suspensão liminar do certame foi reconhecida a irregularidade dos critérios tempo de habilitação e desconto por infrações (fls. 3.626-3.627):

O primeiro, subitem 8.14.1.1, corresponde ao ano de fabricação do veículo, sendo atribuída a seguinte pontuação: 10 (dez) pontos para veículos de 2010, 8 (oito) pontos para veículos de 2009, 6 (seis) pontos para veículos de 2008, 4 (quatro) pontos para veículos de 2007, 2 (dois) pontos para veículos de 2006 e 1 (um) ponto para veículos de 2005.

O segundo fator, subitem 8.14.1.2, referente ao tempo de habilitação, pontua com 1 (um) ponto o período de 1 (um) ano de habilitação, em ordem sequencial correspondente até o limite de 10 (dez) pontos para 10 (dez) ou mais anos de habilitação.

O terceiro fator, subitem 8.14.1.3, trata do efetivo tempo de exercício da atividade como condutor ou condutor auxiliar e, o quarto fator, subitem 8.15, prevê o desconto de pontos por infrações de trânsito, sob a seguinte base: infração de natureza gravíssima — 7 (sete) pontos, infração de natureza grave — 5 (cinco) pontos, infração de natureza média — 4 (quatro) pontos e infração de natureza leve — 3 (três) pontos.

O cerne da questão, que merece análise em sede de cognição sumária e que demonstra a presença do fumus boni iuris, refere-se aos critérios utilizados para a aferição da melhor técnica, quais sejam, tempo de habilitação dos licitantes e descontos de pontos por infrações de trânsito, consignados nos subitens 8.14.1.2 e 8.15, respectivamente, em razão da flagrante ilegalidade que impingem ao certame.

Nos termos do inciso XI do art. 22 da Constituição da República, é competência privativa da União legislar sobre trânsito e transporte, sendo o Código de Trânsito Brasileiro — Lei n. 9.503/97 o instrumento jurídico que rege o trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, assentando as normas gerais referentes à habilitação e infrações.

O tempo de habilitação adotado como critério de pontuação e classificação para aferição da melhor técnica — subitem 8.14.1.2 — não agrega valor útil para a escolha dos licitantes, uma vez que pontuar o tempo de habilitação é pretender que os condutores que obtiveram a carteira há mais tempo sejam mais habilitados do que aqueles que a obtiveram há menos tempo, o que pode não corresponder à realidade.

O que demonstra a maestria para o desempenho da função é a experiência do condutor, já devidamente considerada no subitem 8.14.1.3 para pontuação e classificação.

A habilitação é fato que se conforma, ou não, com o preenchimento dos requisitos previstos na legislação própria, vale dizer, o condutor é ou não é habilitado, segundo as exigências da norma de regência, qual seja a Lei n. 9.503/97 acima indicada.

Na esteira do mesmo raciocínio, o desconto na pontuação para classificação no certame por infração de trânsito — subitem 8.15 — não contém elemento técnico valorativo da disputa, porquanto o fato de o condutor ter anotação de multa no seu prontuário nos últimos 12 (doze) meses, conforme subitem 7.5, não significa que possa prestar o serviço público outorgado de forma mais ou menos adequada.

Demais disso, a sobredita cláusula editalícia acaba majorando indevidamente a penalidade prescrita no Código de Trânsito Brasileiro por estender os seus efeitos para além da esfera administrativa dos órgãos de trânsito, restringindo a participação de potenciais interessados no certame.

Assim, as exigências contidas nos subitens 8.14.1.2 e 8.15 comprometem os pilares sobre os quais se assenta a licitação, erigidos à categoria de princípios, assim consagrados no caput do art.

Page 10: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

169

PAR

ECER

ES E

DEC

ISÕ

ESRe

vist

a TC

EMG

|jan

.|fe

v.|m

ar.|

2013

|

3º da Lei n. 8.666/93, em especial, a legalidade, a isonomia dos licitantes e a ampla participação dos interessados, indispensáveis para assegurar o interesse público que fundamenta o atuar da Administração.

Alegam os responsáveis que os critérios são regulares e que, já ultrapassada a fase de habilitação, não se verificou prejuízo à tramitação do certame ou aos licitantes (fls. 3.719-3.720).

As razões elencadas na decisão liminar justificam a procedência da denúncia em relação aos seguintes critérios: tempo de habilitação e desconto por infrações — itens 8.14.1.2 e 8.15 do edital.

Acresça-se apenas que, considerando-se que no julgamento da suspensão liminar do certame foi reconhecida a ilegalidade de se descontarem pontos, no julgamento técnico, em virtude de multas, torna-se impertinente e desnecessária a exigência do item 7.5 do edital: “7.5 — Condições do prontuário — Declaração do Prontuário fornecida pelo Órgão emissor da Carteira Nacional de Habilitação, apontando os registros de multas ocorridas nos últimos 12 meses, emitida, no máximo, há 30 dias antes da data fixada para abertura dos envelopes ‘HABILITAÇÃO’”.

Uma vez comprovada a habilitação do licitante e reconhecida a impossibilidade de desconto na pontuação técnica por multa, exigir qualquer documento em relação a essa circunstância já desprovida de utilidade constitui exigência exorbitante, devendo ser afastada — item 7.5 do edital.

Em relação ao critério ano de fabricação do veículo, entende-se que é capaz de expressar melhor qualidade do serviço em favor do usuário, devendo-se reconhecer sua regularidade.

Por sua vez, o critério tempo de exercício como condutor será objeto do item 13 deste parecer.

6) Ilegalidade da previsão de transferência da permissão, inclusive por sucessão legítima

O denunciante alega que é irregular a previsão de transferência da permissão, o que foi ratificado pela unidade técnica (fls. 3.661-3.663).

Em sua última manifestação nos autos, os responsáveis fizeram juntar cópia de termo de ajustamento de conduta firmado com o Ministério Público Estadual (fls. 3.724-3.728) acerca desse ponto, o que resultou na edição do Decreto Municipal n. 5.283/2010, que revogou a norma que previa a possibilidade de transferência da permissão (fls. 3.729).

Conforme consignado pelo relator, na apreciação da medida liminar pleiteada, “a Administração suprimiu o subitem 11.4, referente à transferência da permissão por sucessão legítima, que era uma das irregularidades apontadas pelo denunciante” (fls. 3.624).

Disso decorre a superação da irregularidade apontada pela inicial, uma vez que é reconhecida sua procedência pela Administração.

7) Exigência de comprovação de quitação para fins de comprovação de regularidade fiscal

Em sua análise, a unidade técnica sustentou a irregularidade dos itens 6.1.2.2.1 e 6.1.2.2.2 do edital, que exigem a comprovação de quitação para fins de comprovação de regularidade fiscal (fls. 3.663-3.666).

A Lei Federal n. 8.666/93 determina, em sua redação vigente:

Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:

I — habilitação jurídica;

II — qualificação técnica;

III — qualificação econômico-financeira;

Page 11: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS

170

IV — regularidade fiscal e trabalhista;

V — cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.

[...]

Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em:

I — prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC);

II — prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual;

III — prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei;

IV — prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei.

V — prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. (grifo nosso)

Sobre o tema, decidiu esta Corte que:

Não pode o ato convocatório exigir apresentação de comprovantes de quitação de tributos, pois esse efeito extrapola a possibilidade legal do inciso II do art. 29 da Lei n. 8.666/93. Trata-se, na verdade, de equívoco comum, até porque a legislação anterior previa a exigência de certidão de quitação de tributos. A norma em vigor, porém, prevê a comprovação de regularidade fiscal, o que amplia as possibilidades como a existência de débitos fiscais com pagamentos parcelados ou com a exigibilidade suspensa, nas hipóteses previstas no art. 151 do CTN: ‘Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I — moratória; II — o depósito do seu montante integral; III — as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV — a concessão de medida liminar em mandado de segurança; V — a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; VI — o parcelamento. Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes.’ Nestes casos, não há comprovação de quitação do tributo, mas é admitida a regularidade fiscal, atendendo à forma legal, por meio da certidão positiva com efeito de negativa. Assim, entendo que não se deve dar interpretação extensiva da regularidade fiscal, em relação ao teor do inciso III do art. 29 da Lei n. 8.666/93, para que não sejam infringidos os princípios da razoabilidade e da universalidade de acesso às licitações [...]. Ressalto o voto do Relator Marcos Vinícius Vilaça, no Acórdão n. 1708/2003 — Plenário, do Tribunal de Contas da União: “Cumpre destacar, ainda, a questão da exigência de certidões de quitação junto à Fazenda Pública. [...] Mais recentemente, a Decisão n. 792/2002 — Plenário baseou-se de forma específica na existência de diferença entre regularidade fiscal, requerida pela lei, e quitação, sendo que a primeira, ao contrário da segunda, pode se configurar mesmo no caso de a licitante estar em débito com o fisco, contanto que em situação admitida como de adimplência pela legislação.’ Na ocasião, decidiram os Ministros do TCU, diante das razões expostas pelo referido Relator, que deveria ser utilizada a expressão ‘regularidade’ no lugar de ‘quitação’ no item 4.1.2, alínea c, do edital, nos termos do art. 29, inciso III, da Lei n. 8.666/93, em representação formulada acerca de irregularidades pertinentes a Edital de Concorrência. No mesmo sentido, tem decidido o STJ, como transcrito, in verbis, no Recurso Especial n. 425.400/MG, Segunda Câmara, Relatora Ministra Eliana Calmon: ‘1. O art. 29, III, da Lei 8.666/93 deve ser interpretado com a flexibilidade preconizada no princípio inserido no art. 37, XXI, da CF/88. 2. Se a empresa tem contra si execução fiscal, mas não se nega a pagar e indica bens à penhora para discutir a dívida, não há, ainda, inadimplência.

Page 12: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

171

PAR

ECER

ES E

DEC

ISÕ

ESRe

vist

a TC

EMG

|jan

.|fe

v.|m

ar.|

2013

|

3. O devedor, ao indicar bens à penhora, fez a sua parte para garantir o juízo, dependendo da Justiça, unicamente, a formalização da garantia. 4. Situação fática que, no lapso de tempo indicado, satisfaz a exigência do art. 29, III, da Lei de Licitações.”10

Deveria, portanto, ser exigida apenas a comprovação da “regularidade” em vez de “certidão negativa de débito”, a permitir a apresentação, se for o caso, de “certidão positiva com efeito de negativa”.

Conclui-se, portanto, que é irregular a exigência de apresentação de certidão negativa de débitos perante a União (item 6.1.2.2.1) e perante o Município (item 6.1.2.2.2), para fins de comprovação de regularidade fiscal.

IRREGULARIDADES ADITADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS

Das irregularidades constantes do edital

Na manifestação preliminar, este órgão ministerial apresentou 11 aditamentos à denúncia em curso nesta Corte de Contas. Tendo em vista a defesa apresentada pelo gestor e o amadurecimento de algumas questões, optou-se por suprimir, em manifestação conclusiva, os apontamentos de n. 2, 9 e 10. Com relação aos dois últimos, entende-se que a ausência de previsão, no edital, das garantias do devido processo legal não afasta, por óbvio, os comandos constitucionais nesse sentido. O aditamento de n. 7 da manifestação preliminar foi integrado ao item 5 do presente parecer (“falta de critério objetivo e isonômico para o julgamento das propostas”).

Remanescem, no entender deste órgão ministerial, sete irregularidades, a seguir detalhadas:

8) Requisito para habilitação: proibição à participação de quem tenha sofrido suspensão do direito de dirigir

Dispõe o edital, entre os requisitos para habilitação: “3.2.2 — Não ter sofrido suspensão do direito de dirigir nos últimos 12 (doze) meses”.

A penalidade de suspensão do direito de dirigir está prevista no Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal n. 9.503, de 23 de setembro de 1997), podendo ser aplicada pelo prazo mínimo de um mês até o máximo de um ano e, em caso de reincidência, de seis meses até o máximo de dois anos:

Art. 261. A penalidade de suspensão do direito de dirigir será aplicada, nos casos previstos neste Código, pelo prazo mínimo de um mês até o máximo de um ano e, no caso de reincidência no período de doze meses, pelo prazo mínimo de seis meses até o máximo de dois anos, segundo critérios estabelecidos pelo CONTRAN.

§ 1º Além dos casos previstos em outros artigos deste Código e excetuados aqueles especificados no art. 263, a suspensão do direito de dirigir será aplicada quando o infrator atingir, no período de 12 (doze) meses, a contagem de 20 (vinte) pontos, conforme pontuação indicada no art. 259. (Redação dada pela Lei n. 12.547, de 2011)

§ 2º Quando ocorrer a suspensão do direito de dirigir, a Carteira Nacional de Habilitação será devolvida a seu titular imediatamente após cumprida a penalidade e o curso de reciclagem.

§ 3º A imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir elimina os 20 (vinte) pontos computados para fins de contagem subsequente. (Incluído pela Lei n. 12.547, de 2011) (grifo nosso)

Embora não se possa admitir como permissionário quem estiver com o direito de dirigir suspenso, não se pode punir com sanção adicional aquele que já cumpriu a integralidade da medida. Ou seja, se o licitante

10 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas. Representação n. 716394, Relatora: Adriene Andrade, Belo Horizonte, Sessão de 6 mar. 2007.

Page 13: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS

172

já ultrapassou integralmente o período de suspensão, não há nenhum obstáculo legal que o impeça de ser permissionário do serviço de táxi.

Em seus “esclarecimentos”, os responsáveis sustentam a juridicidade da medida, ainda que o motorista suspenso venha a retomar sua habilitação (fls. 3.721-3.722). Todavia, a argumentação não afasta a duplicidade da punição, tampouco traz elemento que justifique o período considerado. Por que fixar o “período suspeito” em doze meses, não mais ou menos?

Tem-se, na verdade, a criação de requisito de habilitação não previsto em lei que o ampare.

Da mesma forma, as consequências de eventual suspensão durante o exercício da permissão deverá ser analisada em conformidade com a legislação de regência.

Conclui-se, portanto, que é irregular a proibição à participação no certame de quem tenha sofrido a sanção de suspensão do direito de dirigir nos últimos doze meses — item 3.2.2 do edital.

9) Requisito para habilitação: proibição à participação de quem tenha sido condenado por ato de improbidade administrativa

Prevê o edital, entre os requisitos para habilitação: “3.2.6 — Não ser condenado por ato de improbidade administrativa”.

Em seus esclarecimentos, os responsáveis sustentam que tal restrição estaria amparada na moralidade administrativa e encontraria amparo na chamada “ficha limpa” (fls. 3.721-3.722).

Contudo, dois pontos devem ser ressaltados: (i) não há, nos autos, qualquer comprovação da legislação municipal acerca da matéria; (ii) ao não fixar o marco temporal da proibição, criou-se verdadeira sanção permanente para o condenado por ato de improbidade.

Veja-se, por exemplo, que a “Lei da Ficha Limpa” (Lei Complementar n. 135, de 4 de junho de 2010) cria sanção expressa atrelada à prática de ato de improbidade, circunstância essa não prevista na legislação municipal de Vespasiano. Ou seja, a sanção prevista no edital não encontra norma legal que a ampare, devendo, por isso, ser afastada, mesmo que corresponda à proteção de bem jurídico relevante. Ainda, a “Lei da Ficha Limpa” prevê prazo — oito anos11 — para a inelegibilidade decorrente da condenação por ato de improbidade, o que não é observado no edital em exame.

Por outro lado, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal n. 8.429, de 2 de junho de 1992) determina, em seu art. 12, que poderá, de acordo com a gravidade do fato, ser determinada proibição de contratação com a Administração Pública:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei n. 12.120, de 2009).

I — na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos

11 Art. 1º da Lei Complementar n. 64/1990, com redação determinada pela LC n. 135/2010:“Art. 1º São inelegíveis: [...]g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição; [...]l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;”.

Page 14: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

173

PAR

ECER

ES E

DEC

ISÕ

ESRe

vist

a TC

EMG

|jan

.|fe

v.|m

ar.|

2013

|

direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II — na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III — na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Nesse sentido, a condenação por ato de improbidade administrativa não conduz, por si só, à proibição de contratar com o Poder Público, penalidade que demanda imposição judicial expressa, a depender da gravidade do fato, variando entre 10, 5 e 3 anos.

Verifica-se, assim, que o edital prevê sanção sem norma autorizativa e mais grave que aquelas que poderão ser aplicadas — em sentença judicial fundamentada — em caso de condenação por improbidade administrativa.

Conclui-se, portanto, que é irregular a previsão editalícia que proíbe a participação de quem tenha sido condenado por improbidade administrativa — item 3.2.6 do edital.

10) Requisito para habilitação jurídica: exigência de certificado de reservista para maiores de 45 anosDispõe o edital como um dos requisitos para a habilitação jurídica: “6.1.1.3 — Se do sexo masculino, cópia do Certificado de Reservista ou equivalente”.

Todavia, tal determinação é contrária ao que determina a Lei Federal n. 4.375, de 17 de agosto de 1964 — Lei do Serviço Militar:

Art. 74. Nenhum brasileiro, entre 1º de janeiro do ano em que completar 19 (dezenove), e 31 de dezembro do ano em que completar 45 (quarenta e cinco) anos de idade, poderá, sem fazer prova de que está em dia com as suas obrigações militares: [...]

b) ingressar como funcionário, empregado ou associado em instituição, emprêsa ou associação oficial ou oficializada ou subvencionada ou cuja existência ou funcionamento dependa de autorização ou reconhecimento do Govêrno Federal, Estadual, dos Territórios ou Municipal;

c) assinar contrato com o Govêrno Federal, Estadual, dos Territórios ou Municipal; [...]

f) inscrever-se em concurso para provimento de cargo público;

g) exercer, a qualquer título, sem distinção de categoria, ou forma de pagamento, qualquer função ou cargo público:

I — estipendiado pelos cofres públicos federais, estaduais ou municipais;

II — de entidades paraestatais e das subvencionadas ou mantidas pelo poder público; [...].

A questão foi aventada em manifestação preliminar e permanece no presente parecer porque na licitação em análise determinado candidato, maior de 45 anos, foi considerado inabilitado por não apresentar o

Page 15: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS

174

certificado de reservista, o que ensejou a impetração do Mandado de Segurança Individual n. 0050878-46.2010.8.13.0290. Ora, assim como um licitante foi inabilitado pela ausência do certificado de reservista, outros podem ter sido pelo mesmo motivo.

Os responsáveis sustentam que, caso a matéria fosse discutida, “certamente a Administração acataria tal alegação” e que tal questão sequer havia sido discutida no curso do procedimento (fls. 3.722).

A questão não só foi discutida como foi levada à apreciação do Poder Judiciário. A falta de embasamento legal para a exigência foi reconhecida nos autos do mandado de segurança mencionado, impetrado por Alfredo Brant Caldeira Filho (fls. 3.097).

Todavia, resguardado o direito de um interessado, subsiste a irregularidade para os demais possíveis interessados.

Verifica-se, assim, que é irregular a exigência de comprovante de regularidade perante o serviço militar para licitantes a partir do dia 1º de janeiro subsequente ao que completar 45 anos — item 6.1.1.3 do edital.

11) Requisito de habilitação: exigência de especialidade médica para apresentação de atestado

Exige o edital, como requisito de habilitação, a apresentação de: “6.1.3.1 — Atestado médico (original), afixado em folha de papel tamanho A4, firmado por médico do trabalho, atestando que o licitante está em pleno gozo de suas capacidades físicas e psicológicas para o exercício da profissão de motorista de táxi, emitido, no máximo, há 30 (trinta) dias antes da data fixada para abertura dos envelopes ‘HABILITAÇÃO’”.

A exigência de que o médico responsável pela avaliação das condições de saúde do licitante seja especialista em Medicina do Trabalho não encontra amparo legal. Os responsáveis alegam que a exigência “refere-se ao atendimento de aspectos técnicos para a avaliação dos condutores” (fls. 3.722), sem indicar, contudo, quais seriam esses aspectos.

Para negar provimento aos recursos aviados pelos licitantes inabilitados porque apresentaram atestados assinados por profissionais médicos não especialistas, a Administração sustentou que era discricionária a escolha dos requisitos de habilitação, buscando apoio na Norma Regulamentadora n. 7, do Ministério do Trabalho (fls. 850-851).

A Norma Regulamentadora n. 7, aprovada pela Portaria n. 24, de 29 de dezembro de 1994, da Secretaria de Segurança e Saúde do Trabalho do Ministério do Trabalho, determina:

7.3 DAS RESPONSABILIDADES

7.3.1 — Compete ao empregador:

a) garantir a elaboração e efetiva implementação do PCMSO, bem como zelar pela sua eficácia;

b) custear todos os procedimentos relacionados ao PCMSO e, quando solicitado pela inspeção do trabalho, comprovar a execução da despesa;

c) indicar, dentre os médicos dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho — SESMT, da empresa, um coordenador responsável pela execução do PCMSO;

d) no caso de a empresa estar desobrigada de manter médico do trabalho, de acordo com a NR 4, deverá o empregador indicar médico do trabalho, empregado ou não da empresa, para coordenar o PCMSO;

e) inexistindo médico do trabalho na localidade, o empregador poderá contratar médico de outra especialidade para coordenar o PCMSO.

7.3.2 — Compete ao médico coordenador:

Page 16: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

175

PAR

ECER

ES E

DEC

ISÕ

ESRe

vist

a TC

EMG

|jan

.|fe

v.|m

ar.|

2013

|

a) realizar os exames médicos previstos no item 7.4.1, ou encarregar os mesmos a profissional médico familiarizado com os princípios da patologia ocupacional e suas causas, bem como com o ambiente, as condições de trabalho e os riscos a que está ou será exposto cada trabalhador da empresa a ser examinado;

b) encarregar dos exames complementares previstos nos itens, quadros e anexos desta NR, profissionais e/ou entidades devidamente capacitados, equipados e qualificados.

Embora a referida norma não exija a realização por médico especialista em Medicina do Trabalho, ela não é aplicável ao presente caso, uma vez que a Norma Regulamentadora n. 4 prevê que a competência do Ministério do Trabalho se limita às relações de emprego regidas pela CLT.

Assim, inexiste qualquer fundamento para a exigência.

Nesse sentido, ao admitir a habilitação geral do profissional médico, o Código de Ética Médica prevê que é vedado ao médico “Anunciar títulos científicos que não possa comprovar e especialidade ou área de atuação para a qual não esteja qualificado e registrado no Conselho Regional de Medicina” (art. 115).

Conclui-se, portanto, que é irregular a exigência de que o atestado médico de aptidão seja subscrito por especialista em Medicina do Trabalho — item 6.1.3.1 do edital.

12) Proposta técnica: exigência sobre o veículo

Determina o edital, entre as exigências sobre o veículo objeto da prestação de serviço, sob pena de desclassificação (item 7.6), o cumprimento dos seguintes atributos: “7.2.2 — Modelo da espécie automóvel, com 04 (quatro) portas, capacidade de 04 (quatro) passageiros e no máximo 05 (cinco) anos de fabricação, não sendo admitidos veículos com teto solar; conversíveis; spoilers dianteiro e laterais; bagageiro; aerofólios, exceto os originais e na cor do veículo; turbo-compressor; filtro solar nos vidros e para-brisa; potência acima de 127 cv (cento e vinte sete cavalos-vapor) [...]” (grifo nosso).

Alegam os responsáveis que as restrições dizem respeito à “necessidade de padronizar minimamente o bem utilizado” (fls. 3.722).

Todavia a limitação à potência máxima do veículo não encontra nenhuma justificativa na fase interna do procedimento licitatório e tampouco apresenta pertinência em relação à padronização da frota ou benefício para os usuários.

Se há sentido nas restrições quanto ao número de portas ou cor dos veículos, não se verifica nenhuma lógica na fixação de potência máxima. Nesse sentido, a Lei Federal n. 8.666, de 21 de junho de 1993, veda expressamente aos agentes públicos “admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, [...] qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato” (art. 3º, § 1º, I).

Conclui-se, portanto, que a limitação à potência máxima do veículo não encontra amparo na legislação de regência e tampouco foi justificada na fase interna do certame — item 7.2.2 do edital.

13) Critério de julgamento: tempo efetivo no exercício da atividade

Prevê o item 8.14.1.3 do edital que o tempo efetivo no exercício da atividade como condutor ou como condutor auxiliar será pontuado para fins de classificação, à medida de um ponto por ano comprovado de atividade, limitando-se a dez pontos sob essa rubrica.

Tal estipulação viola o critério de isonomia, criando vantagem injustificada em favor daqueles que já exercem a atividade, em verdadeira reserva de mercado.

Os princípios da legalidade e da isonomia, inseridos no art. 37, XXI, da CR/88, e art. 3º da Lei Federal n. 8.666/93, constituem um dos alicerces do procedimento licitatório, haja vista que este tem por escopo não

Page 17: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS

176

só possibilitar à Administração Pública a escolha da melhor proposta, como também resguardar a igualdade de direitos a todos os interessados em contratar.

Disso decorre que é defeso o estabelecimento de condições não previstas em lei, que resultem preferência em benefício de determinados licitantes em detrimento dos demais concorrentes. Nesse sentido dispõe a Lei n. 8.666/93:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei n. 12.349, de 2010)

§ 1º É vedado aos agentes públicos:

I — admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei n. 8.248, de 23 de outubro de 1991; [...]

Esclarece Marçal Justen Filho que:

O ato convocatório da licitação deve estabelecer condições que assegurem a seleção da proposta mais vantajosa (de acordo com a concepção de vantajosidade adotada), com observância do princípio da isonomia. É essencial que a licitação seja um procedimento orientado por critérios objetivos, sendo ilícita a adoção de cláusulas ou quaisquer práticas que, de modo parcial ou total, restrinjam, afetem ou dificultem ilegitimamente a competição.

A regra o art. 3º, § 1º, inc. I, significa que todos os possíveis interessados devem ser admitidos a participar e que a vitória de um deles deve resultar da apresentação da proposta mais vantajosa. São inválidas condutas ativas ou omissivas adotadas pela Administração Pública, formalmente constantes do ato convocatório ou não, que distorçam a competição. Nenhum licitante pode obter vantagens injustificáveis ou enfrentar desvantagens indevidas na competição.

Os competidores devem ser tratados com igualdade, o que significa a vedação a benefícios ou encargos reservados a apenas alguns dos licitantes. Mais ainda, não se admitem cláusulas que, previstas para aplicação generalizada, criam efeitos de distorção da competição.

Em suma, a licitação deve assegurar condições para que o licitante obtenha tratamento correspondente à vantajosidade da proposta apresentada. A vitória ou derrota do licitante apenas podem decorrer de uma análise sobre a vantajosidade da oferta apresentada.

Em última análise, a regra examinada subordina todas as discriminações à proporcionalidade. Diferenciações ou benefícios inúteis, excessivos ou violadores da proporcionalidade em sentido estrito são ilegais12.

Segundo entendimento firmado no Tribunal de Contas da União,

quando aplicada à licitação, a igualdade veda, de modo terminante, que o Poder Público promova discriminações entre os participantes do procedimento seletivo, mediante a inserção, no instrumento convocatório, de cláusulas que afastem eventuais proponentes qualificados ou os desnivelem o julgamento13.

12 JUSTEN FILHO, op. cit., 2012, p. 80.13 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 456/2000, Relator: Benjamim Zymler. Brasília, DF, Sessão de 31 maio 2000.

Page 18: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

177

PAR

ECER

ES E

DEC

ISÕ

ESRe

vist

a TC

EMG

|jan

.|fe

v.|m

ar.|

2013

|

No caso apresentado, a estipulação de pontuação em favor daqueles que já exerceram a atividade constitui reserva de mercado e impede que novos interessados possam ingressar na atividade.

Ou seja, se alguém que nunca foi taxista ou motorista auxiliar deseja participar do certame, quando lê o edital descobre que não tem chances de sagrar-se vencedor. Ainda que esse potencial interessado já tenha atuado como motorista profissional ou tenha cursos que o qualifique, a restrição editalícia impede, na prática, sua participação. Basta fazer contas simples para perceber que quem tem experiência já está muito a frente daquele que não a possui, podendo chegar a 10 pontos em um universo de 30.

Mais que isso, não há justificativa para a fixação de limite em 10 anos. Como foi fixado esse limite? Como falar que três anos de experiência não são suficientes, se esse é, por exemplo, o tempo exigido de experiência profissional do bacharel em Direito para os concursos de juiz ou promotor?

Embora formalmente não haja uma restrição desses possíveis interessados, materialmente a cláusula é limitadora da competitividade e deve, por isso, ser afastada.

Isso importa, ainda, a impossibilidade de sanar esse vício, uma vez que é contemporâneo ao início do certame e condicionante direto da formulação de propostas. Ou seja, se o edital não previsse tal cláusula restrita, é provável que mais pessoas se apresentassem à competição, em proveito da coletividade.

Pelo contrário, tal disposição acaba por conferir aos atuais permissionários o controle do ingresso de novos interessados, uma vez que a admissão de motoristas auxiliares não passa por nenhum procedimento público de escolha. Desse modo, somente aqueles que já exercem a atividade ou que já se associaram aos atuais prestadores têm oportunidade real no certame.

Não se pretende com isso desprezar a experiência comprovada pelo licitante na atividade de condução de táxi, mas sim afirmar que, como critério de julgamento, é capaz de restringir a competitividade, mormente no caso dos autos, em que tal critério — acaso mantida a suspensão do critério positivo de tempo de habilitação e do critério negativo de infração de trânsito — será decisivo na classificação dos candidatos. Decisivo porque o outro critério subsistente, “ano de fabricação do veículo”, não é suficiente para o caso em análise, bastando observar que, dos 62 candidatos habilitados, apenas 2 tiveram pontuação abaixo de 10 pontos, o máximo permitido (fls. 3.571), tendo em vista que o próprio edital já traz em anexo um termo de compromisso por meio do qual o candidato se compromete a adquirir o veículo do ano por ocasião da assinatura do contrato de permissão.

Por essas razões, entende-se que a experiência como taxista ou condutor auxiliar, como critério de julgamento, restringe a competitividade da licitação e alija do certame pessoas que, mesmo sendo motoristas profissionais, não tenham experiência direta na condução de táxis. Basta ver que a maioria dos licitantes que foram classificados após a posição 46º (número de permissões licitadas) possuíam pouca (1 a 4 pontos) ou nenhuma experiência (0 pontos) (fls. 3.571).

Em tese, e abstraindo-se o caso dos autos, pode-se imaginar a experiência como critério de desempate em licitações desse jaez, de forma a valorizar quem a possui, mas sem alijar quem não a tem.

Conclui-se, portanto, que é irregular a pontuação por tempo efetivo no exercício da atividade como condutor ou como condutor auxiliar —item 8.14.1.3 do edital.

IRREGULARIDADE NA CONDUÇÃO DO CERTAME

14) Formalismo exagerado. Tratamento não isonômico entre os licitantes

Registra a ata da sessão pública de julgamento que licitantes foram inabilitados porque as declarações referidas nos Anexos II, III, IV e V do edital foram apresentadas a partir do preenchimento de cópia do modelo do edital ou sem serem datilografadas ou digitadas (fls. 210-220).

Page 19: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS

178

Tal situação configura formalismo exagerado, atentando contra o disposto no item 8.11.5 do edital: “Não será causa de inabilitação a mera irregularidade ou falha que não acarrete lesão ao equilíbrio ou direito de licitantes, prejuízo à Administração ou que não impeça a exata compreensão de seu conteúdo”.

O caráter restritivo na condução do certame foi reconhecido pela municipalidade no julgamento dos recursos interpostos por alguns licitantes contra a inabilitação (fls. 850-857).

Todavia, mesmo tendo a Administração reconhecido a irregularidade de sua conduta, os efeitos não se aplicaram a todos os inabilitados, mas somente àqueles que recorreram da decisão, de modo a configurar tratamento não isonômico entre os licitantes.

De nada adianta a alegação de que os atos da comissão foram “razoáveis”, sem que haja a indicação de qualquer parâmetro concreto de atuação. Mais do que isso, verifica-se dos autos que licitantes inabilitados sob o mesmo fundamento tiveram desfechos diferenciados, a depender da propositura ou não de recurso.

Ressalta-se que essas irregularidades foram apontadas em face dos autos do processo licitatório, não se podendo desconsiderar que outros interessados não participaram porque não atendiam as previsões irregulares do edital.

Desse modo, conclui-se que não foi dispensado tratamento isonômico a todos os licitantes, o que ocasionou a inabilitação de alguns interessados por exigência que, posteriormente, foi considerada irregular em relação a outros.

DA NECESSIDADE DE ANULAÇÃO DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO

De todo o exposto, verifica-se que a licitação em análise padece de vícios graves que interferem na competitividade do certame. Publicado o edital, é possível que muitos dos possíveis interessados deixaram de a ele aderir porque, por meio de operações matemáticas simples, verificaram que não tinham condições de vencer. Desse modo, participar do certame constituiria ônus infrutífero.

Sendo os critérios de classificação irregulares, como já reconhecido na decisão liminar de suspensão do certame e aditado pelo Ministério Público de Contas, quem não os atendia sequer teria interesse em concorrer. Pelo contrário, sua atuação acabaria por legitimar uma situação que lhes era francamente desfavorável.

Tendo em vista que o aproveitamento de qualquer ato tornaria definitiva a exclusão desses possíveis interessados, impossibilitados de participar do certame, não há como admitir-se outra solução que não a anulação de todo o procedimento.

Nesse sentido, confira-se a explicação de José do Valle Ferreira:

a nulidade nasce sempre da violação da lei, de maneira que devemos sempre concluir pelo caráter meramente negativo do conceito de nulidade. Efetivamente, ninguém pode recusar que a infração das proibições da lei, ou a inobservância de suas prescrições na formação dos atos jurídicos, em princípio e a rigor, deve levar à ineficácia dos mesmos, uma vez que o direito, para emendar a desobediência, não reconhece nem pode proteger um comportamento contrário à norma estabelecida14.

Não se pode tampouco, na hipótese, pretender invocar a proteção da confiança dos que participaram do certame e dos possíveis interessados no aproveitamento de seus atos, uma vez que estes foram praticados com infração das normas aplicáveis e, por isso, não qualificam como legítima a confiança hipoteticamente criada.

14 Subsídios para o estudo das nulidades. RT 341/27.

Page 20: Licitação para contratação de permissionário do serviço de ... · 160 Licitação para contratação de permissionário do serviço de táxi: garantia de impessoalidade na Administração*1

179

PAR

ECER

ES E

DEC

ISÕ

ESRe

vist

a TC

EMG

|jan

.|fe

v.|m

ar.|

2013

|

Sylvia Calmes adverte que a definição de um princípio de proteção da confiança decorrente da segurança jurídica traz implícita a exigência de que essa confiança seja legítima15.

Por isso, sendo viciado o certame desde a sua origem, também serão maculados todos os seus atos e insuscetíveis de aproveitamento.

Ressalta-se que a gravidade das irregularidades identificadas, presentes na origem do procedimento, bem como o longo período pelo qual o procedimento está suspenso impedem a continuidade do certame – ainda que superados alguns vícios pontuais.

CONCLUSÃO

Em face de todo o exposto, conclui o Ministério Público de Contas pela verificação dos seguintes vícios insanáveis no certame, que devem ensejar a anulação de todo o procedimento licitatório:

1) ausência, no edital de licitação, de projeto básico ou documento equivalente;2) ausência de ato de justificação para a fixação do prazo para a permissão em vinte anos;3) proibição, para fins de habilitação no certame, do exercício de permissão como taxista em outro município — item 3.2.7 do edital;4) critérios não isonômicos para escolha dos vencedores:

i. tempo de habilitação — item 8.14.1.2 do edital;ii. tempo efetivo no exercício da atividade como condutor ou como condutor auxiliar — item 8.14.1.3 do edital;iii. desconto por infrações — item 8.15 do edital.

5) exigência de certidão negativa de débitos perante a União (item 6.1.2.2.1) e perante o Município (item 6.1.2.2.2), para fins de comprovação de regularidade fiscal;6) proibição à participação no certame de quem tenha sofrido a sanção de suspensão do direito de dirigir nos últimos doze meses — item 3.2.2 do edital;7) proibição à participação de quem tenha sido condenado por improbidade administrativa — item 3.2.6 do edital;8) exigência de comprovante de regularidade perante o serviço militar para licitantes a partir do dia 1º de janeiro subsequente ao que completar 45 anos — item 6.1.1.3 do edital;9) exigência de que o atestado médico de aptidão seja subscrito por especialista em Medicina do Trabalho — item 6.1.3.1 do edital;10) estabelecimento, sem amparo legal ou justificativa, de potência máxima dos veículos — item 7.2.2 do edital;11) formalismo exagerado e tratamento não isonômico dos licitantes na condução do certame.

Conclui, ainda, pela necessidade de determinação aos responsáveis para que enviem a esta Corte de Contas cópia do novo edital a ser publicado, para verificação do cumprimento das determinações oriundas desse julgamento, sob pena de multa.

É o parecer.

Belo Horizonte, 19 de setembro de 2012.Cristina Andrade Melo

Procuradora do Ministério Público de Contas

15 Du principe de protection de la confiance legitime em droit allemand, communautaire et français. Paris: Dalloz, 2001, p. 1.