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INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
LEONARDO DA SILVA BARREIRO
Considerações sobre a Redução da Maioridade Penal
RIO DE JANEIRO
2011
2
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
Considerações sobre a Redução da Maioridade Penal
Monografia apresentada como
exigência final da Pós Graduação
do Curso de Direito e Processo
Penal da Instituição de Ensino A
Vez do Mestre – Curso de Direito
Orientador: Francis Rajzman
Rio de Janeiro
2011
3
RESUMO
O presente trabalho versa sobre as correntes favoráveis e contrárias à
redução da maioridade penal. A Nossa Carta Magna de 1988, estabeleceu a
inimputabilidade penal aos menores de dezoito anos de idade, devendo
receber medidas sócio-educativas e, principalmente, ser consideradas pessoas
em desenvolvimento. Tais afirmativas são consideradas cláusulas pétreas e
não podem ser abolidas. Apesar da criança e do adolescente terem uma
legislação especial, ou seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente, para
alguns este é considerado ultrapassado e ineficaz, inadequado para a
sociedade atual. Por isso, há quem defenda a redução da maioridade penal
para os dezesseis anos. No entanto, o ECA é um instrumento na construção de
uma sociedade cidadã, basta para sua efetivação no que concerne a aplicação
das medidas sócio-educativas a adolescentes infratores, que exista uma
política comunitária dos municípios no sentido de aliarem-se ao Estado para a
implementação de programas que gerenciem grandes oportunidades de vida
para aquele que já foi considerado objeto e que hoje deve ser visto, não
apenas como um adolescente infrator, mas como um sujeito de direitos. Dessa
forma, buscar-se-á discutir acerca da redução da maioridade penal.
4
SUMÁRIO
1. Introdução. 2. Desenvolvimento: 2.1. Abordagem Constitucional;
2.2. Direitos e Garantias Individuais no Brasil, enquanto categoria
Constitucional; 2.3. Os artigos 227 e 228 como Cláusulas Pétreas;
2.4. Da Garantia Individual; 2.5. O direito individual como núcleo
imodificável; 2.6. Corrente desfavorável a redução da maioridade
penal; 2.7. Corrente favorável a redução da maioridade penal; 2.8.
Os imputáveis por menoridade para a Constituição Federal (CF) e
para o Código Penal (CP); 2.9. Generalidades (A criminalidade como
fenômeno global); 2.10. Delinqüência Juvenil; 2.11. Delinqüência
Juvenil no Brasil; 2.12. Dificuldades para a implementação de
Políticas Públicas de prevenção e respostas; 2.13. Políticas Públicas
de Respostas; 2.14. Prevenção da Delinqüência Juvenil; 2.14.1.
Prevenção Primária; 2.14.2. Prevenção secundária; 2.14.3.
Prevenção terciária; 2.15. O tratamento diferenciado auferido pelo
ECA aos menores infratores; 2.16. Procedimentos da Delegacia
Especializada do adolescente; 2.17. Internamento; 2.18. O sistema e
sua estrutura interna; 2.19. Redução da Maioridade Penal é a
solução para o conflito?; 2.20. O dever do Estado; 2.21. O papel da
Sociedade; 3. Consideração finais; 4. Referências bibliográficas.
5
1. INTRODUÇÃO
No Brasil em sua contemporaneidade há um pavor social em torno da
crescente criminalidade praticada por menores inimputáveis.
Quando o tema é em torno de violência e criminalidade, envolvendo
jovens, aumenta as discussões em debates públicos. Com o objetivo de
terminar preconceitos e argumentos sem fundamento acerca dos movimentos
da “Lei e Ordem”, traduzidos pela ideologia de que a repressão é o melhor
remédio ao “fenômeno da violência”, que é demonstrado no presente trabalho.
A redução da Maioridade Penal causa polêmica dentro do mundo jurídico
penal. Temos por um lado à questão inerente à reforma do Código Penal pátrio
e do outro a aplicação severa e minuciosa do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
A premissa relativa à impunidade de que gozam os adolescentes no
Brasil gera em torno da questão do paternalismo do Estatuto da Criança e do
adolescente. Outra ora, questiona-se a redução da maioridade penal como
uma alternativa realmente eficiente e solucionadora dos delitos juvenis.
Cabe ressaltar, o fato do sistema carcerário e penitenciário do nosso
país, pois, não pode simplesmente querer adotar ou deixar de adotar certas
providências, sem antes cientificar, se a estrutura prisional é capaz de suprir
aos anseios punitivos esperados.
A Constituição Federal de 1988,dispõe a idade limite para a maioridade
penal, classificando como inimputáveis penalmente os menores de 18 (dezoito
anos).O ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº. 8.069 de
13 de julho de 1990) em consonância com a constituição instituiu a
responsabilização do adolescente (12 a 18 anos), autor de ato infracional,
prevendo seis diferentes medidas sócio-educativas. Nos casos de maior
gravidade, o adolescente pode cumprir medida sócio-educativa de privação de
6 liberdade, aludindo desse modo que, contrariamente ao que se presume
acercado ECA, o mesmo não propõe a impunidade, mas sim, dispositivos
legais punitivos aos menores infratores.
Será demonstrado no presente trabalho os procedimentos na
Delegacia especializada de Adolescentes, tendo suas condutas tipificadas
como atos infracionais ao Ordenamento Jurídico. Ademais abordaremos o
sistema prisional, internamento e a estrutura interna, mostrando as condições
inadequadas das instituições que tem intuito e educa-los e reintregrá-los a suas
famílias.
Aproveitando o clima de insegurança disseminado no país frente aos
crescentes índices de criminalidade, tramitam atualmente no Congresso
Nacional, vários projetos de lei que propõem o rebaixamento da maioridade
penal.
7
2.1 ABORDAGEM CONSTITUCIONAL
Inimputabilidade como Cláusula Pétrea.
Idade Penal no Tempo1
No Direito Romano para se estabelecer se um jovem tinha ou não
responsabilidade penal pelos atos que praticara, era feita uma avaliação física
para saber se o jovem era ou não púbere, avaliação esta, precursora do critério
do discernimento.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu artigo 228,
que a idade penal inicia-se aos 18 anos e que o adolescente responde por
seus atos na forma da legislação especial. Entretanto, nem sempre foi assim.
Passamos por várias fases, desde a inimputabilidade absoluta até os 09
anos, até a responsabilização especial do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Em 1988, a inimputabilidade penal é elevada à condição de garantia
constitucional dos adolescentes, por força do artigo 228 da Constituição
Federal, que diz que as pessoas com menos de 18 anos responderão na forma
da legislação especial.
O Estatuto da Criança e do Adolescente é esta forma de legislação
especial, que dá resposta adequada à prática de atos infracionais,
compreendidos como tais os crimes e contravenções penais.
Entretanto, antes da discussão de ser ou não a inimputabilidade e a
responsabilização garantia e direito individuais, respectivamente, e
1 1 Brasil - Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de
1988 - 31. ed. - São Paulo: Saraiva, 2003.
8 conseqüentemente, amparados pela disposição do § 4º, do artigo 60, da
Constituição Federal, precisamos analisar o dispositivo mencionado.
2
2.2. DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NO BRASIL, ENQUANTO
CATEGORIA CONSTITUCIONAL
Iniciando a discussão sobre a questão da idade penal como garantia
individual e a responsabilização especial como direito individual, ambos
constitucionais, e conseqüentemente, como inseridos em cláusula pétrea,
passemos a breves considerações sobre os direitos e garantias individuais no
Brasil, em sede constitucional.
A história dos direitos e garantias individuais no Brasil é uma história de
sofrimento, luta e desrespeito.
Porém, interessa-nos analisar sua elevação à categoria constitucional e
sua asseguração como cláusula pétrea.
A Constituição do Império, em seu artigo 178, dizia que "é só
constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos
poderes políticos, e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos; tudo o que
não é constitucional pode ser alterado, sem as formalidades referidas pelas
legislaturas ordinárias."
Vê-se que a Constituição do Império elencou como direitos
constitucionais os direitos políticos e individuais do cidadão, tornando-os
cláusula pétrea.
Nas demais constituições, todas republicanas, depreende-se das
transcrições de Cretella Junior que em nenhuma outra há menção à condição
de cláusula pétrea dos direitos individuais do cidadão. 2 Brasil - Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988
- 31. ed. - São Paulo: Saraiva, 2003.
9
Entretanto, as Constituições de 1891, 1934, 1967 e 1969 mantêm como
cláusula pétrea a forma republicana federativa.3
As Constituições de 37 e 46 não fazem qualquer ressalva ao poder de
reforma.
Já a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 60, § 4º, inciso IV,
novamente colocou no patamar de cláusulas pétreas os direitos e garantias
individuais, impedindo sua modificação ou abolição.
Assim, diz o artigo 60 mencionado:
"A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
"§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de
emenda tendente a abolir:
...
"IV - os direitos e garantias individuais."
Então, diante do estabelecido no artigo 60 da Constituição
depreende-se que a reforma constitucional derivada é
possível no Brasil, desde que observadas as exigências
dos incisos do caput do mesmo artigo.
Entretanto, o poder derivado é limitado, pois impossível a abolição da
forma federativa, do voto, da separação dos poderes e, por fim, dos direitos e
garantias individuais.
3 3 Brasil - Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de
1988 - 31. ed. - São Paulo: Saraiva, 2003.
10 2.3- OS ARTIGOS 227 E 228 COMO CLÁUSULAS PÉTREA
Com a Constituição Federal de 1988, a questão da inimputabilidade
penal passou a ser questão constitucional, assim como todo o conjunto de
direitos da criança e do adolescente e a prioridade no seu atendimento.4
Quis o legislador originário definir com clareza os limites da idade penal,
em sede constitucional, da mesma forma como tratou de várias questões
penais, já no artigo 5º, quando trata dos direitos e garantias individuais.
Dito isto, resta analisar quais sejam os direitos e garantias individuais,
que do ponto de vista constitucional é claro.
Estabelece o artigo 5º da Constituição Federal, o rol de direitos e
garantias individuais da pessoa humana, sendo desnecessário discutir se são
ou não amparados pelo § 4º do artigo 60, pois expressamente definido na
carta.
Entretanto, o § 2º do artigo 5º diz que são direitos e garantias individuais
as normas dispersas pelo texto constitucional, não apenas as elencadas no
dispositivo mencionado.
Diz o § 2º do artigo 5º:
"Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte".
Assim, este parágrafo nos traz duas certezas.
4 Brasil - Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988
- 31. ed. - São Paulo: Saraiva, 2003.
Costa, Flávio Ribeiro da. Estagiário do MP de Minas Gerais. Fórum de Debates do site Jus
Navegandi .2009. Disponível em: http://www.jusvegandi.uol.com.br. Acesso em 21/04/2009.
11
A primeira, que a própria Constituição Federal admite que encerra em
seu corpo, direitos e garantias individuais, e que o rol do artigo 5º não é
exaustivo.
A segunda, que direitos e garantias concernentes com os princípios da
própria Constituição e de tratados internacionais firmados pelo Brasil, integram
referido rol, mesmo fora de sua lista.
Voltando à leitura do inciso IV, do § 4º, do artigo 60, compreendemos
que o dispositivo refere-se a não abolição de todo e qualquer direito ou garantia 5individual elencados na Constituição, não fazendo a ressalva de que precisam
estar previstos no artigo 5º.
Dito isto, parece-nos insofismável que todo e qualquer direito e garantia
individual previstos no corpo da Constituição Federal de 1988 é insusceptível
de emenda tendente a aboli-los.
Em relação a isto, assim se posiciona Ives Gandra Martins:(3)
"Os direitos e garantias individuais conformam uma norma
pétrea. Não são eles apenas os que estão no art. 5º, mas,
como determina o § 2º do mesmo artigo, incluem outros
que se espalham pelo Texto Constitucional e outros que
decorrem de implicitude inequívoca. Trata-se, portanto, de
um elenco cuja extensão não se encontra em Textos
Constitucionais anteriores."
Diante do exposto, e com a certeza de que existem outros direitos e
garantias individuais espalhados pelo texto da Carta Política de 1988, resta-nos
a análise e comprovação, de que a inimputabilidade penal encerra disposição
pétrea, por ser garantia da pessoa com menos de 18 anos.
55 Costa, Flávio Ribeiro da. Estagiário do MP de Minas Gerais. Fórum de Debates do site Jus
Navegandi .2009. Disponível em: http://www.jusvegandi.uol.com.br. Acesso em 21/04/2009.
12
No que se refere à inimputabilidade penal, deixou-a o constituinte para o
capítulo que trata da criança e do adolescente, por questão de técnica
legislativa, uma vez que duas emendas populares, apresentadas pelos grupos
de defesa dos direitos da criança, fizeram inserir na Constituição os princípios
da doutrina da proteção integral, consubstanciados nas normas das Nações
Unidas.
Desta forma, nada mais lógico do que inserir os direitos da criança e do
adolescente no capítulo da Família.
Quis o Constituinte separar os direitos e garantias das crianças e
adolescentes, das disposições relativas ao conjunto da cidadania, visando sua
maior implementação e defesa.6
Assim, elegeu tais direitos, colocando-os em artigo próprio, com um
princípio intitulado de prioridade absoluta, que faz com que a criança tenha
prioridade na implementação de políticas públicas, por exemplo, e desta forma,
inclusive por questão de coerência jurídico-constitucional não iria deixar ao
desabrigo do artigo 60, § 4º, IV, os direitos e garantias individuais de crianças e
adolescentes, quando, foi justamente o contrário que desejou fazer e o fez.
Para comprovar o afirmado até aqui, transcrevemos parte do artigo 5º e
dos artigos 227 e 228 da Constituição Federal.
Em relação ao ato infracional e ao crime e seus processos:
"Art. 227 -
§ 3º -
IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição
de ato infracional, igualdade na relação processual e
defesa técnica por profissional habilitado, segundo
dispuser a legislação tutelar específica;
6 Costa, Flávio Ribeiro da. Estagiário do MP de Minas Gerais. Fórum de Debates do site Jus
Navegandi .2009. Disponível em: http://www.jusvegandi.uol.com.br. Acesso em 21/04/2009.
13
“V- obediência aos princípios de brevidade,
excepcionalidade e respeito à condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de
qualquer medida privativa de liberdade;”.
Paralelo a este direito, temos o princípio constante do artigo 5º:
"Art.5º- ..
LV - aos litigantes... e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os
meios e recursos a ela inerentes."
Inegável que os princípios do artigo 227 encontram suporte no inciso
acima transcrito e em todos os outros estabelecidos a partir do inciso XXXIX.7
Inegável, também, que tal disposição se coaduna com o regime e
princípios adotados na Constituição Federal.
Ora, a formalização da ação sócio-educativa, a defesa profissional, tudo
isto não existia no antigo "direito do menor" e só passaram a incorporar o
direito da criança e do adolescente a partir da Constituição, garantista por
excelência.
No que diz respeito ao artigo 228, da Constituição Federal, a
interpretação é a mesma.
Diz ele:
"São penalmente inimputáveis os menores de dezoito
anos, sujeitos às normas da legislação especial."
Traçando um paralelo, novamente, com o artigo 5º, no que diz respeito
ao direito penal e a vedação de aplicação de certas penas aos cidadãos,
vemos:
7SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª edição, Malheiros
Editores, São Paulo/SP, 1992.
14
"Art. 5º - ...
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos
termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e)cruéis;".
O legislador deixou claro que as penas ali constantes não serão
aplicadas e, no caso do 228, da Constituição, ficou mais claro ainda, ao afirmar
que os menores de 18 anos não receberão pena, posto que penalmente
inimputáveis.8
Assim, quando afirma isto, o artigo 228 garante ao adolescente sua
inimputabilidade, da mesma forma que o artigo 5º garante a todos os cidadãos
a não-aplicação das penas de morte, perpétua, de trabalhos forçados, de
banimento ou cruéis.
Então, se a legislação máxima não permite, por exemplo, a aplicação da
pena de morte ou de prisão perpétua e isto se consubstancia em garantias dos
cidadãos, insofismável afirmar que tais garantias são cláusulas pétreas.
Pinto Ferreira preleciona:
“que em relação às garantias criminais repressivas, elas
são várias, "destacando-se entre elas inicialmente a
individualização da pena, impondo a pena de acordo com
as condições pessoais do delinqüente, a fim de suavizá-
8 Costa, Flávio Ribeiro da. Estagiário do MP de Minas Gerais. Fórum de Debates do site Jus
Navegandi .2009. Disponível em: http://www.jusvegandi.uol.com.br. Acesso em 21/04/2009.
15
la, numa conquista que foi trazida pela Constituição
vigente de 1988...".
O artigo 228, nada mais é do que a garantia da não-responsabilização
criminal da pessoa menor de 18 anos, justamente em razão da sua condição
pessoal de estar em desenvolvimento físico, mental, espiritual, emocional e
social, sendo que, nada mais justo, que esta garantia se aplique aos
adolescentes.
Traçando um paralelo com a responsabilização especial do adolescente
e sua inimputabilidade, temos que quando a Constituição Federal, no caput do
artigo 228 afirma que as pessoas menores de 18 anos são inimputáveis, ela
garante a toda pessoa menor de 18 anos que ela não responderá penalmente
por seus atos contrários a lei.9
Sendo assim, o referido artigo encerra uma garantia de não aplicação do
Direito Penal, como por exemplo, as cláusulas de não-aplicação de pena de
morte ou de prisão perpétua, são garantias de não-aplicação do Direito Penal
máximo a todos, conseqüentemente, todas cláusulas pétreas garantidas pelo
artigo 60, da Constituição Federal.
Em relação à segunda parte do artigo 228, que dispõe que o
adolescente, apesar de inimputável penalmente, responde na forma disposta
em legislação especial, contém além de uma garantia social de
responsabilização de adolescente, um direito individual de que a
responsabilização ocorrerá na forma de uma legislação especial.
Assim, estamos diante de uma responsabilização especial, não penal,
que é um direito individual do adolescente e, como tal, consubstanciado em
cláusula pétrea.
Dito isto, só nos resta assegurar que este dispositivo constitucional
também é cláusula pétrea, portanto, insuscetível de reforma ou supressão.
9 Jesus, Damásio E. de, Direito Penal, Volume I, Parte Geral, Editora Saraiva, São Paulo, 23ª edição, 1999.
16
O advogado Rolf Koerner Júnior, enquanto integrante do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária, em 1996, teve aprovação
unânime daquele Conselho, de parecer contrário à proposta de Emenda à
Constituição 301/96, e que dá nova redação ao artigo 228 da Constituição
Federal que diminuía a imputabilidade penal para os dezesseis anos, onde
assim se manifesta:
"(Também) a inadmissibilidade da emenda: a norma do
art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal”.10
Apesar de a norma do art. 228, da Carta Magna, encontrar-se no
Capítulo VII (Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso), do Título VIII
(Da Ordem Social), não há como negar-lhe, em contraposição às de seu art. 5º
(Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, do Título, II, dos
Direitos e Garantias Fundamentais), a 'natureza análoga' aos direitos,
liberdades e garantias. Escreveu J. J. Gomes Canotilho que:
"os direitos de natureza análoga são os direitos que,
embora não referidos no catálogo dos direitos,
liberdadese garantias, beneficiam de um regime jurídico
constitucional idêntico aos destes".
Então, nesse aspecto, na regra do art. 228, da Constituição Federal, há
embutida uma 'garantia pessoal de natureza análoga', dispersa ao longo do
referido diploma ou não contida no rol específico das garantias ou dos meios
processuais adequados para a defesa dos direitos."
O posicionamento ora transcrito se coaduna com o posicionamento do
jurista Ives Gandra Martins, citado acima.
Não aceitar tal interpretação é negar vigência à própria disposição
constitucional do § 2º, do artigo 5º.
10 Jesus, Damásio E. de, Direito Penal, Volume I, Parte Geral, Editora Saraiva, São Paulo, 23ª edição, 1999
17
2.4 - DA GARANTIA INDIVIDUAL
A Constituição Federal no Capitulo dos Direitos Sociais ao prever em
seu artigo 228, a inimputabilidade aos (18) dezoito anos de idade, deixou claro
que este artigo constitui um direito, ou seja, uma garantia individual inerente à
criança e ao adolescente, inalienabilidade intransferíveis, inegociáveis,
indisponíveis e imprescritíveis.11
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais à
pessoa humana, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de facultar o seu desenvolvimento em
condições de dignidade (art. 3º ECA).
São direitos fundamentais da criança e do adolescente os mesmos
direitos de qualquer pessoa humana, garantidos pela Constituição Federal
respeitados pelo Estatuto devendo ser observados com absoluta prioridade.
Ademais, como direito de Defasa, ressalte-se que o estabelecimento
de constituições escritas esta diretamente ligado à edição de declarações do
direito do homem. Com a finalidade de estabelecimento de limite ao poder
político, ocorrendo à incorporação de direitos subjetivos do homem em normas
fundamentais básicas. Assim, sendo a inimputabilidade classificada como um
direito social de segunda geração e elevada a categoria de garantia individual
da criança e do adolescente, mister se faz sua integral e permanente proteção
para salvaguardar e garantir a efetividades de suas garantias constitucionais.
2.5 - O DIREITO INDIVIDUAL COMO NÚCLEO IMODIFICÁVEL
Como acima foi exposto, à inimputabilidade do menor constitui uma
regra de proteção individual do adolescente, uma garantia fundamental, e, de
proteção integral e permanente previsto na CF. Portanto se qualquer deputado
11 Jesus, Damásio E. de, Direito Penal, Volume I, Parte Geral, Editora Saraiva, São Paulo, 23ª edição, 1999.
18 desavisado entrar com uma proposta de emenda de modificação da
inimputabilidade penal, este deverá de imediato ser rejeitada .
A CF em seu artigo 60, § 4º preceitua que não será objeto de
deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: inciso IV, os direitos e
garantias individuais. Esses Direitos são aqueles garantidos por nossa
constituição escrita, inerentes à pessoa humana, são os direitos naturais,
resultado também do exercício da Democracia representativa. Assim embora o
artigo 5º traga um rol exaustivo com LXXVII incisos prescrevendo os direitos
individuais e coletivos, esse rol não é taxativo, pois as garantias individuais não
se encontrarem restritos ao rol do artigo 5º, resguardam um conjunto mais
amplo de direitos constitucionais de caráter individual dispersos no texto na
Carta magna.
12Basta para tanto analisarmos o artigo 228 da Constituição Federal e
veremos dentro do Capítulo dos direitos sociais que a inimputabilidade penal
aos 18 anos de idade constitui uma garantia individual, senão vejamos:
Ora, se a inimputabilidade penal aos 18 anos de idade é um direito
social e constituiu um direito individual, inerente à criança e ao adolescente,
que deve ter seus direitos observados com absoluta prioridade, logo se conclui
que a inimputabilidade penal aos (18) anos constitui uma “clausula Pétrea” uma
clausula imodificável da constituição. Portanto, qualquer modificação a ser feita
neste aspecto somente é possível constitucionalmente através de um poder
constituinte Originário, que é “inicial, ilimitado e incondicionado”.
Diferente do poder de emenda que possui limitações matérias que
não poderão ser objeto de deliberação, isto porque o constituinte queria que
em determinada matéria a Constituição Federal não fosse modificada, pois o
ordenamento jurídico deve ser respaldado por certa segurança jurídica, o poder
político deve sofrer algumas limitações, e isto foi feit
12 Jesus, Damásio E. de, Direito Penal, Volume I, Parte Geral, Editora Saraiva, São Paulo, 23ª
edição, 1999.
19
2.6. CORRENTE DESFAVORÁVEL A REDUÇÃO DA MAIORIDADE
PENAL.
Embora parte dos doutrinadores entendem que uma possível
redução da maioridade penal violaria cláusula pétrea do direito e garantia
individual, a posição desta corrente é no sentido de ser possível a redução de
18 anos para 16 anos, uma vez que apenas não se admite a proposta de
emenda Constitucional (PEC) tendente a abolir direito e garantia Individual.
Isso não significa, como já interpretou o Supremo Tribunal Federal (STF), que a
matéria não possa ser modificada.13
Reduzindo a maioridade penal de 18 anos para 16 anos, o direito à
inimputabilidade, visto como garantia fundamental, não deixará de existir.
Com a evolução da sociedade, uma pessoa com 16 anos de idade
tem total consciência de seus atos, tanto é que exerce os direitos de cidadania,
podendo propor ação popular e votar. Portanto, eventual PEC que reduza a
maioridade penal de 18 anos para 16 é totalmente Constitucional.
O limite de 16 anos já está utilizado e é fundamentado no parâmetro
do exercício do direito de votar e à luz da razoabilidade e maturidade do ser
humano.
Nesses termos, observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho: Timbra o
texto, no art. 228, em consagrar a inimputabilidade penal do menor de 18 anos.
“É incoerente esta previsão se recordar que o direito de votar, a
maioridade política pode ser alcançada aos 16 anos”.
2.7. CORRENTE FAVORÁVEL A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL
Por outro lado desse debate, as opiniões contrárias à redução ganha
um enorme vulto entre os estudiosos e as entidades representativas de classe
13 Jesus, Damásio E. de, Direito Penal, Volume I, Parte Geral, Editora Saraiva, São Paulo, 23ª edição, 1999
20 que partem do bom senso para justificá-las, haja vista que o problema não é
legal, mas sim social.
A Ordem dos Advogados do Brasil, por meio da Comissão de
Direitos Humanos, defende, de modo coerente, que a redução da maioridade
penal não reduzirá a onda de violência que assola o País, pois, caso o
contrário, nas próprias palavras do Presidente daquela Comissão, Dr. Jairo
Fonseca, "se o código penal, válido para os maiores de idade, impedisse
crimes, ninguém iria cometê-los depois do 18º aniversário".14
Tanto assim não é verdade que a porcentagem de delinqüentes
juvenis em face da dos adultos é a menor possível, não chegando a 10% (dez
por cento). Outro fator interessante e que merece ser apontado é que, com a
redução,os maiores, que se aproveitam da menoridade penal para utilizar
jovens menores de18 anos em crimes, sobretudo o tráfico de drogas, iriam,
simplesmente, reduzir a faixa etária do aliciamento, passando a recrutar
crianças mais jovens. Além disso, dizer que o Estatuto da Criança e da
Juventude não é rigoroso é apenas falácia para esconder que a questão não é
legal, mas sim estrutural. Também argumentam que aumentar o contingente
populacional do sistema carcerário brasileiro iria somente piorar a situação,
uma vez que, como todos sabem, as penitenciárias do País não são nenhum
exemplo de reeducação, servindo apenas pelo caráter retributivo da pena.
Ademais, já existem milhares de mandados prisionais não cumpridos, em
virtude da ausência de capacidade nas prisões, que dirá com a redução da
maioridade, significando que a pena não servirá para punir o delinqüente
juvenil, mas apenas para mascarar uma situação irreal de punição, pelo
simples fato deles não estarem mais ligados ao Estatuto da Criança e do
Adolescente, mas sim ao Código Penal.
Por fim, em combate ao argumento de que a possibilidade de voto aos
16 anos e a inimputabilidade penal dos jovens nesta idade seria uma
contradição legal, apontam os que condenam a redução que imputabilidade
14 Jesus, Damásio E. de, Direito Penal, Volume I, Parte Geral, Editora Saraiva, São Paulo, 23ª edição, 1999
21 penal não se traduz em irresponsabilidade por seus atos, revelando que o
Estatuto, também nestes caso, poderia ser muito mais eficaz que o Código
Eleitoral, desde que aplicado nos termos do preconizado em sua letra, ou seja,
visando o caráter pedagógico da medida. Como se não bastasse, revelam
estatísticas que comprovam que aquele que, infelizmente, seria realmente
abarcado pela redução da maioridade penal, ou seja, os menores carentes e
abandonados, nem mesmo tem conhecimento da possibilidade do voto,
demonstrando que, de forma alguma, podem ser considerados como
usufrutuários desta cidadania.15
2.8. OS IMPUTÁVEIS POR MENORIDADE PARA A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL (CF) E PARA O CÓDIGO PENAL (CP)
O verbo imputar sugere atribuir a alguém a responsabilidade de
determinado fato. No código penal brasileiro, a imputabilidade é o conjunto de
condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente
imputada a prática de um fato puníve. Neste caminho, então, está a palavra
imputação que sugere atribuição de responsabilidade, inculpação contra
pessoa à qual se atribui a causa de ato ilícito e punível.
Por observância à imputabilidade, podemos concluir que os
imputáveis são agentes que gozam do estado mental saudável a ponto que
possam atingir o nível de consciência da ilicitude do fato.
Nosso primeiro código penal, o Código Penal da República (de 1890)
tratava em seu art. 27, dos inimputáveis por menoridade.
15 Revista Âmbito Jurídico, Bibliografia: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1997.
22 Art. 27. Não são criminosos:
§ 1º - Os menores de 9 anos completos;16
§ 2º - Os maiores de 9 anos e menores de 14, que
obrarem sem discernimento.
No tempo em que vigorou o Código Penal da República, este
estabelecia a inimputabilidade absoluta para os menores de 9 anos,
presumindo que estes não reuniam, ainda, condições de atingirem a
consciência de ilicitude dos fatos.
Para os jovens dispostos no parágrafo segundo do art. 27, o Código
adotou o critério do discernimento através da aferição psicológica, para que se
estabeleça a responsabilidade ou a irresponsabilidade penal, como no atual
modelo alemão. A idade penal ampliou-se em 1932 com o Decreto n. 22.213
que alterou o art. 27 do Código Penal da República:
Art. 27. Não São criminosos:
§ 1º - Os menores de 14 anos.
16 Revista Âmbito Jurídico, Bibliografia: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1997.
23 A atual idade para a maioridade penal foi imposta pelo Código
Penal brasileiro de 1940, tendo sua redação alterada pela Lei nº. 7.209, de 11
de julho de 1984 e reconsagrada pela Constituição Federal de 1988, que assim
estabeleceram respectivamente:17
Art. 27. Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente
inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas pela legislação
especial.
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito)
anos, sujeitos às normas da legislação especial.
Observa-se aqui que o legislador utilizou um critério puramente
biológico para a determinação da idade do agente para efeitos penais o
legislador utiliza critério puramente biológico na composição da regra absoluta:
a idade do autor do fato, sem outras indagações. Completam-se os 18, os 21
ou os 70 anos no dia do aniversário do agente. Não se leva em conta o
desenvolvimento mental que, embora possa ser plenamente capaz de entender
o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento,
não poderá ser responsabilizado penalmente por suas ações.
Por conseqüência da menoridade penal, embora o menor tenha
praticado um fato típico, antijurídico e culpável, ele não é responsabilizado
penalmente, impondo a absolvição, ficando o agente juvenil sujeito às normas
da legislação especial.
2.9. GENERALIDADES
A Criminalidade como Fenômeno Global
17 Revista Âmbito Jurídico, Bibliografia: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1997.
24
Fenômeno universal, a criminalidade cresce assustadoramente. Nos
países desenvolvidos ou nas nações do terceiro mundo, a prática de delitos,
marcada pela violência, é uma constante, inclusive nas médias e pequenas
cidades.18
Em que pese à desconfiança da estatística criminal, a verdade é que os
registros indicam aumento preocupante da delinqüência, sendo impossível se
aquilatar o verdadeiro alcance, pois a maioria dos delitos, tenham a conotação
que tiverem, permanece encoberta.
A maior parte dos crimes contra o patrimônio, contra a administração
pública, contra a propriedade intelectual, contra a organização do trabalho,
contra a saúde e até contra a pessoa, integra as cifras negras da criminalidade.
Medo dos criminosos, falta de confiança na punição e no sistema
repressivo; certeza de incômodos sem reparação moral ou material e
comodismo, podem ser relacionados entre as causas da ocultação da
criminalidade. A idéia segundo a qual a maioria dos crimes denunciados
redunda em impunidade, principalmente se o ofensor pertence às classes mais
favorecidas, muito contribui para as cifras negras, estimulando a falta de
iniciativa das vítimas.
A delinqüência juvenil, igualmente preocupante, não deve ser dissociada
da questão da criminalidade. Há que ser discutida a partir de dados reais e
científicos, sem o exagero daqueles que minimizam, e sem a paixão dos que
procuram maximizar seus efeitos.
A delinqüência juvenil existe e está aumentando. Inclusive a violenta.
Todavia, não é a única. A adulta é maior e mais grave. Qualquer política de
prevenção tem de considerá-la, sendo certo que uma das causas da patologia
da violência é o descaso com que a matéria vem sendo tratada.
18 Revista Âmbito Jurídico, Bibliografia: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1997.
25 2.10. A Delinqüência Juvenil
O conceito de delinqüência juvenil tem sido alargado para abarcar
comportamentos não tipificados nas leis penais, como acontecia, por exemplo,
no país, com o ab-rogado Código de Menores, que sancionava o desvio de
conduta. O menor em "situação irregular" podia ser privado de liberdade, em
estabelecimento penitenciário, sem determinação de tempo e sem o devido
processo legal, aí permanecendo, inclusive, depois de atingida a maioridade,
só sendo liberado pelo juiz das execuções penais. Confira-se artigos 2º, inciso
V e 41, § 3º.
A moderna inclinação no sentido de restringir a delinqüência juvenil às
infrações do Direito Penal foi seguida pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, que atendeu às Regras de Beijing.
O equívoco de incluir na delinqüência juvenil fatos penalmente
indiferentes, tem conduzido a injustiças. As decisões tutelares, geralmente,
resultavam em medidas mais severas para os menores, além de se revelarem
completamente ineficazes na prevenção dos delitos e na recuperação de
jovens.
Linguagem obscena, inadaptação social, familiar ou escolar,
permanência nas ruas, afastamento da casa paterna e indisciplina, em algumas
legislações correspondem, na prática, a respostas mais severas do que a
adultos em casos análogos. Acresce serem tais comportamentos indiferentes
às leis penais.19
É clássico o caso Estado do Arizona x GAULT em que o jovem, por
palavreado obsceno, foi sentenciado a internamento (privação de liberdade)
por até seis anos para ser "tratado". O processo, submetido à Suprema Corte
resultou na constatação de que os Tribunais de Menores ditos Tutelares, não
reconheciam os direitos fundamentais.
19 Revista Âmbito Jurídico, Bibliografia: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1997.
26
O julgamento da Suprema Corte - marco importante na história do
Direito do Menor - desmistificou o caráter Tutelar de medidas punitivas,
disfarçadas em protetivas. MANZANERA critica a intervenção da justiça juvenil
em casos paradelinqüenciais ou de desvio de conduta. Observa o jurista:20
“Se discute el derecho de los tribunales de menores a
intervenir para evitar que menores predispuestos a la
delincuencia se conviertan en delincuentes, no sólo desde
un punto de vista estrictamente legal, sino también porque
los servicios judiciales actuales no garantizan que esa
intervención produzca resultados satisfactorios. Se sabe,
en efecto, que aun en las comunidades más avanzadas
los recursos disponibles son demasiado limitados para
asegurar el logro del objectivo perseguido.
La intervención de los tribunales de menores, en los
casos de menores necesitados de cuidado y protección,
pero que no han cometido ningún delito, puede producir o
acentuar una reacción de resistencia y hostilidad”.
O envolvimento da polícia judiciária com crianças e jovens que não
estejam em situações delinqüenciais (crimes) é desconselhável. Pode provocar
reações de resistência e hostilidade, predispondo à violência.
A delinqüência juvenil decorre principalmente do meio. Entre suas
causas avultam marginalização social e desestruturação familiar, que não
podem ser combatidas através de medidas simplistas.
20 Revista Âmbito Jurídico, Bibliografia: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1997.
27
O recolhimento, o confinamento temporário, a internação paternalista ou
policialesca, nada resolvem. Ao contrário, agravam o problema e sua
inadequação é proclamada, principalmente nos países mais desenvolvidos.
Os casos de assistência social têm de ser atendidos por equipe
especializada, nada aconselhando o sejam, salvo excepcionalmente, por
agentes da segurança pública. Estes devem garantir e apoiar o trabalho dos
agentes do serviço social, dos educadores sociais de rua, etc...
2.11. DELIQUENCIA JUVENIL NO BRASIL
Em 1980, portanto há mais de dez anos, o grupo de juristas coordenado
por JOSÉ ARTHUR RIOS, que por designação do Ministro PETRÔNIO
PORTELA, estudou as causas da criminalidade e da violência, assim se
pronunciou:
"No que tange ao MENOR INFRATOR, que já se constitui
na quase justificativa da conduta do MENOR
ABANDONADO, há hoje uma grande intranqüilidade em
razão dos estudos e investigações procedidas em outros
Países e no Brasil, admitindo que possam se agrupar da
seguinte maneira, em uma síntese formulada pelas
autoridades nessa grande problemática:
"a) Desorganização ou inexistência de um grupo familiar;
"b) Condições impróprias ou inadequadas da
personalidade dos pais, decorrendo daí a ausência de
afeto e de autoridade;21
"c) Renda familiar insuficiente, modesta ou mesmo vil;
21 Revista Âmbito Jurídico, Bibliografia: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1997.
28
"d) Desemprego, subemprego com rentabilidade
deficiente;22
"e) Falta de instrução e de qualificação profissional dos
membros familiares;
"f) Moradia ou habitação inadequada e condições
precaríssimas, inclusive de higiene, facilitando a
proliferação do vício em todas as escalas."
MÁRIO ALTENFELDER advertia:
"Entende-se, portanto, que a marginalização do menor é
aspecto e manifestação do processo social que
marginaliza certos grupos sociais, os quais, por sua vez,
marginalizam em massa o menor, quando:
"transferem para este menor as marcas de sua indigência
econômica e financeira;
"abandonam-no, carente e desassistido, forçando-o à
prática de atividades marginalizantes;
"provocam, pelas condições de mobilidade, habitação,
saúde, incultura, subdesenvolvimento etc., a
desintegração individual do menor em todos os aspectos.
Esse menor passa a ser, então, dentro da comunidade nacional, 'menor
problema social' e, assim, resíduo final de um complexo processo social que
apresenta estágios de evolução ou graus diferentes de apresentação. Inicia-se
com o menor em vias de marginalização social e culmina com o menor infrator,
considerando-se a criminalidade o grau máximo de marginalização social.
22 Revista Âmbito Jurídico, Bibliografia: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1997.
29
A delinqüência juvenil decorre da miséria em que vivem milhares de
famílias, as quais transferem a pobreza às crianças e jovens, muito cedo
compelidos a lutar pela vida.23
Nas ruas, onde buscam recursos, logo se vêem submetidos a
exploração e a toda sorte de violências, principalmente dos adultos.
Condicionados pelo meio, acabam cometendo atos anti-sociais de
sobrevivência. Uma equivocada política de segurança pública, ao invés de
apoiar ações de serviço social, garantindo o trabalho dos educadores sociais,
arbitrariamente retira esses meninos e jovens da rua, devolvendo-os ao mesmo
lugar, mais revoltados e agressivos. O equívoco resulta no camburão social e
no ciclo perverso, identificados por ANTÔNIO CARLOS GOMES DA COSTA,
produtores e reprodutores de violência e delinqüência, como observou
DEODATO RIVERA.
O doutrinador Cesar Barros Leal, em excelente dissertação, centrada
nos fatores e na prevenção da delinqüência juvenil, referindo-se às causas,
assim explica o fenômeno:
"No Brasil, a delinqüência juvenil é um problema
eminentemente estrutural. Os menores delinqüentes ou
infratores não importa como sejam rotulados em sua
maior parte são procedentes das classes desfavorecidas
e praticam, no mais das vezes, delitos contra o
patrimônio, destacando-se entre eles o furto.
Trata-se, a delinqüência juvenil, de um problema complexo, de múltiplas
variáveis. Por isso mesmo, pela diversidade de seus fatores endógenos e
exógenos, essa, de forma alguma, pode ser vista de um ângulo isolado. Entre a
23 Revista Âmbito Jurídico, Bibliografia: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1997.
30 pobreza; d) a família; e) a falta de escolaridade; f) o convívio social impróprio; e
g) os meios de comunicação social."
24
2.12. DIFICULDADES PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS DE PREVENÇÃO E RESPOSTAS
Miséria e desagregação familiar, decorrentes da vergonhosa e injusta
distribuição de renda que caracterizam o país, além da falência das políticas
públicas básicas, podem ser relacionadas como as principais causas da onda
de violência urbana e, principalmente, da delinqüência juvenil.
A distorcida visão do problema, encarado isoladamente, vem ensejando
apelos a atitudes repressivas.
Prega-se em termos simplórios a violência, a exacerbação das penas
criminais, a pena capital, os julgamentos sumários, as batidas policiais, a prisão
para averiguações, e outras medidas arbitrárias, como se a reação repressiva,
por si só, prevenisse a delinqüência.
A prevenção da delinqüência não pode resultar de tão simplista,
antijurídica e equivocada proposta.
Nos tempos atuais não se justifica qualquer sugestão que não seja
técnico-científica. Como diz JASON ALBERGARIA:
"Definiu-se como uma espécie de 'Magna Carta' as
conclusões do IV Congresso da Organização das Nações
Unidas em 1970, ao proclamarem como incindíveis a
política de defesa social e a planificação do
desenvolvimento (com vistas a exploração de caminhos e
24 Revista Âmbito Jurídico, Bibliografia: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1997.
MORAES A de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4 ed.São Paulo:
Ed. Atlas, 2004.
31
meios para a planificação da prevenção, contenção e25
combate ao crime): and to establish a better society. Para
reforçar a sua ação internacional nos domínios da
prevenção do crime e tratamento do delinqüente, a
Organização das Nações Unidas vem instalando os seus
institutos de criminologia. O Secretário-Geral U THANT,
ao inaugurar o Instituto de Roma, proclamava o
importantíssimo trabalho que o Instituto iria realizar no
mundo. Referindo-se especialmente à delinqüência juvenil
e à criminalidade do adulto, declarou: 'Este Instituto
necessitará desenvolver os conhecimentos indispensáveis
ao progresso da política de prevenção, controle e
estratégia da delinqüência juvenil e da criminalidade do
adulto. Esse novo empenho da Organização das Nações
Unidas consistirá não apenas na fonte de luz a incidir
sobre esse aspecto do comportamento humano e da
política nacional, como também servirá como ponto focal
para a colaboração internacional nesse campo'.
Mais explicitamente o Instituto de Costa Rica (ILANUD) sintetiza esse
empenho da Organização das Nações Unidas nas suas funções contidas no
acordo firmado com Costa Rica. A primeira função consiste em 'organizar
cursos de formação e notadamente de estudos teóricos e práticos destinados a
planificadores, pessoal especializado e pessoas responsáveis pela elaboração
de políticas relativas à prevenção do crime e tratamento do criminoso, etc...
A falta de recursos, principalmente nas áreas técnica e da pesquisa tem
sido apontada como dificuldades da política de prevenção, principalmente da
25 Revista Âmbito Jurídico, Bibliografia: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional. 18ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1997.
32 delinqüência juvenil. Se é que se pode falar em política de prevenção da
criminalidade, inexistente, na prática, no país.
Qualquer política preventiva não pode prescindir dos Conselhos
Tutelares, devendo exteriorizar-se através de programas preconizados no
Estatuto da Criança e do Adolescente: orientação, apoio e acompanhamento;
assistência educativa à família; auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e
toxicômanos; liberdade assistida; acompanhamento de egressos;
restabelecimento de vínculos familiares; serviços especiais de prevenção e
atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus tratos, 26exploração, abuso e crueldade; serviço de identificação de pais,
responsáveis, crianças e adolescentes desaparecidos; proteção jurídico social,
etc...
2.13. POLÍTICAS PÚBLICAS DE RESPOSTA
À violência urbana, ao sentimento de insegurança (crescentes em todos
os países), decorrência do terrorismo, da criminalidade econômica e da
delinqüência juvenil, correspondem novos e insistentes apelos por política
penal repressiva.
A respeito da ineficácia de tal política é de se transcrever o escólio de
HELENO CLAUDIO FRAGOSO:
"Na medida em que a moderna Criminologia voltou-se
para o próprio sistema repressivo e o submeteu a análise
e pesquisa, pôde-se verificar que certos princípios gerais,
admitidos como pressupostos, não correspondem à
realidade e devem ser postos em dúvida. O efeito
preventivo da ameaça penal não está demonstrado; o
26 MORAES A de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4 ed.São
Paulo: Ed. Atlas, 2004.
33
efeito ressocializador e preventivo da pena evidentemente
não existe, pelo menos no que diz respeito à pena de
prisão. O crime está em função da estrutura social, que
não se modifica através do Direito Penal. É reduzido, em
conseqüência, o papel que o sistema punitivo do Estado
desempenha em termos de prevenção, e, pois, em termos
de efetiva proteção e tutela de valores da vida social.
Verificou-se, por outro lado, o alto custo social da
repressão punitiva, com a estigmatização, a
desigualdade, a corrupção, a morosidade e as
deficiências do sistema policial, judiciário e
penitenciário."27
AFRÂNIO PEIXOTO, criticando o critério do discernimento e a redução
da idade da responsabilidade penal, advertia:
"Simplesmente abominável. Antes tivesse sido a lei
omissa em todos esses casos porque 'quando um menor
comete um delito e o deixamos fugir, são menores as
probabilidades que torne a praticar novo crime, do que se
o punirmos' (VON LISZT).
Como castigo de uma culpa somenos, vai a justiça tonta levá-lo ao
cárcere, onde, na 'universidade do crime' (GARRAUD) aprenderá o que lhe
falta, dos veteranos e dos inveterados, para exercer cá fora, no primeiro
momento, talvez com aquela ânsia sôfrega que têm os doutrinários de ensaiar,
na experiência, um conhecimento adquirido. De um menino ou um rapaz
culpado de falta venial, vamos fazer, conscientemente, ineptamente,
criminosamente, um celerado, que nos vai punir pela nossa inqualificável
cegueira ou estupidez, com outros e multiplicados crimes. Será, se me
27 MORAES A de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4 ed.São
Paulo: Ed. Atlas, 2004.
34 permitem comparação, segregar um doentinho de sarampão, num hospital de
pestosos: e tal imbecil sociedade ainda chamará 'criminoso' ao menor
delinqüente, que ela vai transformar em grande celerado.
Embora a repressão esteja completamente falida, com resultados
negativos, inclusive gerando maior violência, a sociedade tem o direito de se
proteger. Para os casos onde a patologia da violência esteja presente, o
Estatuto autoriza medidas de defesa social eficazes, a serem impostas nas
condições e hipóteses recomendadas pelas Regras Mínimas da Organização
das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil.
O desconhecimento dos princípios, das normas, das garantias
processuais, principalmente a falta de estrutura para a aplicação correta de
medidas sócio-educativas muito contribui para a inexistência de uma adequada
política de resposta à delinqüência juvenil.28
Instituições impróprias, falta de pessoal qualificado, confinamento
arbitrário podem ser apontados como política equivocada.
Enquanto não se qualificar as áreas policial, judicial e técnica; enquanto
a sociedade não se conscientizar da importância da prevenção; enquanto os
apelos e as soluções continuarem centradas na repressão, será muito difícil
implementar uma política correta de resposta à delinqüência juvenil.
2.14. PREVENÇÃO DA DELINQÜÊNCIA JUVENIL
Não se pode cogitar de vida social, sem criminalidade ou delinqüência
juvenil. São elementos inseparáveis. O que se deve questionar é o fato e suas
conseqüências, formulando-se políticas no sentido de reduzir o fenômeno a
níveis naturais, residuais. A repressão deve ser reservada aos casos extremos.
Como observa com propriedade CESAR BARROS LEAL:
28 MORAES A de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4 ed.São
Paulo: Ed. Atlas, 2004.
35
"Preveni-la, a delinqüência juvenil, é impedir um genocídio
social que se permite esteja sendo praticado contra
milhares de menores, espalhados nos quatro cantos deste
país e que, produtos de um processo de socialização
divergente, disfuncionados, convertem-se em infratores
porquanto não se lhes oferecem outras opções, não se
satisfazem, a tempo próprio, as suas necessidades
básicas (suas carências, isoladas ou não, são múltiplas:
econômicas, sociais, físicas e psíquicas) nem se busca
desenvolver as suas potencialidades positivas."
2.14.1. Prevenção Primária
Exterioriza-se a prevenção primária através de medidas no sentido de
garantir os direitos fundamentais e as políticas sociais básicas.
Se as causas da delinqüência juvenil decorrem principalmente de fatores
exógenos, (BARROS LEAL), a política de prevenção deve se basear em
medidas capazes de garantir direitos básicos: saúde; liberdade e dignidade;
educação, convivência familiar e comunitária, esporte, lazer; profissionalização
e proteção no trabalho.29
Tenha-se presente, enquanto falharem as políticas sociais básicas,
dificilmente se logrará prevenir a criminalidade. Saúde, educação,
profissionalização, esporte, lazer, devem ser valorizados, principalmente a nível
comunitário.
A prevenção primária deve-se orientar no apoio às ações dos Conselhos
dos Direitos da Criança e do Adolescente.
29 MORAES A de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4 ed.São
Paulo: Ed. Atlas, 2004.
36 2.14.2. Prevenção Secundária
A prevenção secundária deve se materializar através dos Conselhos
Tutelares.
Se a etiologia da delinqüência aponta geralmente para a falta de
atendimento das necessidades básicas; para a desagregação familiar, para as
más companhias; para a exploração dos adultos; para a falta de escolaridade;
para o abandono; numa palavra para a miséria; se muitos consideram em
estado de risco, jovens em dificuldades; é claro que a prevenção secundária
deve se basear em programas de apoio, auxílio e orientação ao jovem e à
família. Tais programas, preconizados no Estatuto da Criança e do
Adolescente, precisam ser implementados com a máxima brevidade,
principalmente a assistência educativa a ser gerenciada pelas comunidades
locais.30
Se a criança e o jovem em dificuldade forem atendidos na própria
família; se o atendimento for de natureza educativa com a participação do
núcleo familiar e comunitário, as perspectivas de prevenção serão promissoras.
2.14.3. Prevenção Terciária
Exterioriza-se a prevenção terciária através de medidas sócio-educativas
visando readaptar ou educar o adolescente infrator.
Matérias bastante controvertidas, diagnóstico, prognóstico, tratamento,
principalmente periculosidade e inadaptação social, devem ser vistos com
cautela.
Não há como discutir, em tão apertada síntese, a respeito das diversas
concepções em torno do assunto nem abordar a chamada crise do conceito de
30 MORAES A de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 4 ed.São
Paulo: Ed. Atlas, 2004.
37 periculosidade. Apenas que a prevenção terciária é um dos objetivos das
chamadas medidas sócio-educativas, que elas existem e são necessárias.
O fato é que crianças e jovens, às vezes, praticam ações anti- sociais
graves, violentas. Nesse caso, impõe-se resposta, tratamento, medida sócio-
educativa, como queiram. A verdade é que tal resposta deve variar conforme o
fato e o agente, sempre limitada pela humanidade, pela ética e pelos princípios
do Direito, de tal forma que o jovem não seja penalizado com mais rigor do que
o adulto, muito menos desnecessariamente.
A prevenção da delinqüência juvenil está ligada também ao
relacionamento do sistema de justiça com o jovem acusado. Uma intervenção
inadequada, violenta ou arbitrária, pode trazer sérias conseqüências. Do
comentário a Regra 19, das Regras Mínimas da Organização das Nações
Unidas, traduzidas por MARIA JOSEFINA BECKER:
"A criminologia mais avançada advoga o uso do
tratamento não institucional. As diferenças encontradas
no grau de eficácia da institucionalização em relação à
não institucionalização são pequenas ou inexistentes. É
evidente que as muitas influências adversas que todo
estabelecimento institucional parece exercer
inevitavelmente sobre o indivíduo não podem ser
neutralizadas com um maior cuidado no tratamento. Isso
ocorre principalmente no caso dos menores, que são
especialmente vulneráveis às influências negativas. Além 31do mais, os efeitos negativos não apenas da perda da
liberdade, mas também da separação do meio social
habitual, são certamente mais agudos em sua etapa
inicial do desenvolvimento.
31 Código Penal - 5. ed. ver., atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2000.
38
A regra 19 pretende restringir a institucionalização em dois aspectos: em
quantidade ('último recurso') e em tempo (`mais breve período possível'), a
regra 19 reflete um dos princípios norteadores básicos da resolução 4 do 6º
Congresso das Nações Unidas: um menor infrator não deve ser encarcerado a
não ser que não haja outra resposta adequada. A regra, portanto, proclama o
princípio de que, se o menor deve ser institucionalizado, a perda da liberdade
deve limitar-se ao menor grau possível, com arranjos institucionais especiais
para contenção e tendo em mente as diferenças entre tipos de infratores,
infrações e instituições. Definidamente, os estabelecimentos 'abertos' aos
'fechados'. Além do mais, qualquer instalação deve ser do tipo correcional ou
educativo e não carcerária."
A prevenção terciária requer alternativas para a privação de liberdade
como programas de liberdade assistida, apoio e acompanhamento temporários,
serviços à comunidade, etc..32
2.15. O TRATAMENTO DIFERENCIADO AUFERIDO PELO ECA AOS
MENORES INFRATORES
Observando a segunda parte do art. 27do Código Penal, iremos
abordar as normas da legislação especial que versa dos menores infratores.
Os maiores de 18 anos possuem como demonstra o Código Penal
Brasileiro, uma responsabilidade penal perante a sociedade, enquanto, os
menores relativos a mesma idade possuem uma responsabilidade estatutária
juvenil. Os maiores, quando atentam contra um bem jurídico protegido,
submetem-se a penas criminais (privação da liberdade, restrição de direitos,
multa), já os menores, entretanto, submetem-se a penas sócio-educativas
(advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à
comunidade e liberdade assistida).
32 32 Código Penal - 5. ed. ver., atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2000.
39 O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) – ECA –
evidencia, através de suas penas sócio-educativas, seu caráter ressocializador
do menor autor de uma prática anti-social.
Outra diferenciação no tratamento entre os imputáveis e os
inimputáveis por maioridade é observada no órgão julgador. Os maiores estão
sujeitos, quando praticam delito(s), à justiça comum (salvo exceções),
enquanto os menores infratores sujeitam-se à Justiça da Infância e da
Juventude.
2.16. PROCEDIMENTOS DA DELEGACIA ESPECIALIZADA DO
ADOLESCENTE
O adolescente quando apreendido em flagrante por ato infracional deverá
desde logo encaminhado à autoridade policial competente, que fará uma
análise do fato. Se o fato ocorreu sob grave ameaça, será elaborado o auto de
apreensão em fragrante delito, se não houve grave ameaça, será
confeccionado o Registro de Ocorrência da Infração Penal, que é um
procedimento especial para a apuração de ato infracional.
Art. 172. Parágrafo único. Havendo repartição policial especializada para
atendimento de adolescente e em se tratando de ato infracional praticado em
co-autoria com maior, prevalecerá a atribuição da repartição especializada,
que, após as providências necessárias e conforme o caso, encaminhará o
adulto à repartição policial própria.
Art. 176. Sendo o adolescente liberado, a autoridade policial
encaminhara imediatamente ao representante do Ministério Público cópia do
auto de apreensão ou boletim de ocorrência.33
33 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente,São Paulo:
Saraiva, 1994.
40 Art.177. Se, afastada a hipótese de flagrante, houver indícios de
participação de adolescente da prática de ato infracional, a autoridade policial
encaminhará ao representante do Ministério Público relatório das investigações
e demais documentos. (LEI 8.069/90).
2.17. INTERNAMENTO
Destarte, estes jovens são privados do convívio social e familiar.As
conseqüências são as piores possíveis, quando do cometimento de um ato
infracional, eles são recolhidos nas instituições para adolescentes infratores, a
partir daí, inicia-se um processo de adesão, e com o objetivo de identificarem-
se com os líderes, eles estabelecem sua identidade marginal. Conforme
prescreve o artigo 185 da Lei 8.069/90, o adolescente só deverá cumprir as
medidas sócio-educativas em estabelecimentos adequados para menores e,
nunca em sistema prisional apropriado para maiores.34
Art. 185. A internação, decretada ou mantida pela autoridade
judiciária, não poderá ser cumprida em estabelecimento prisional.
§ 1º, Inexistindo na comarca entidade com as
características definidas no art. 123, o adolescente deverá
ser imediatamente transferido para a localidade mais
próxima.
§ 2º, Sendo impossível a pronta transferência, o
adolescente aguardara sua remoção em repartição
policial, desde que em seção isolada de adultos e com
instalações apropriadas, não podendo ultrapassar o prazo
de 5 (cinco) dias, sob pena de responsabilidade.(LEI
8.069/90).
34 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente,São Paulo:
Saraiva, 1994.
41 O objetivo do internamento desses menores seria reintegrá-lo a
sociedade, mas a realidade é outra, a probabilidade desses adolescentes
adquirirem mais conhecimento do mundo do crime é muito grande, o ambiente
utilizado para reintegrá-lo a sociedade é altamente marginalizador, onde o
modelo criminoso é a norma e não a exceção.35
O sistema de valores a que os menores infratores são submetidos é,
inevitavelmente, mais criminosos do que o mundo externo, porque todos os
internos cometeram algum tipo de delito. Portanto, não é surpreendente que
as atitudes favoráveis à delinqüência sejam reforçadas e os talentos e
habilidades relevantes para o crime se desenvolvam ainda mais após um
período em uma instituição correcional – este processo é denominado
criminalização.
A medida de internação de um adolescente deve ser utilizada como
último recurso e, procurar deixá-lo o mais breve período de tempo possível
dentro de um sistema reformatório. Trata-se de uma premissa fundamentada
em estudos científicos, confirmados exaustivamente pela comunidade
internacional de pesquisa. De outro lado, a quase imemorial experiência
histórica, francamente fracassada, dos reformatórios e casas correcionais
ensejou uma crise no sistema de contenção de jovens infratores, obrigando os
técnicos a pensar outras formas de enfrentamento da questão.
O consenso mundial acerca do malogro da medida de internação como
estratégia de educação do jovem em conflito com a lei vem traduzidos na
Convenção Internacional dos Direitos das Crianças e outros diplomas
internacionais que chegam a propor, inclusive, como ideal, sua completa
abolição.
A internação equipara-se ao regime fechado, utilizado para criminosos
que cometeram crimes em que a pena é superior a oito anos.
35 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente,São Paulo:
Saraiva, 1994.
42 A internação corresponde ao regime fechado na esfera penal,
reservados aos criminosos que apresentam periculosidade e tenham praticado 36crimes punidos com penas acima de oito anos (CP, art. 33,§ 2º, a), pois se a
pena for superior a quatro e não exceder a oito será cumprida em regime semi-
aberto (CP, art. 33, § 2º, b), e em regime aberto se for igual ou inferior a quatro
anos, desde que o condenado não seja reincidente (CP, art. 33, § 2º, c). A
referência a lei penal torna-se necessária para servir de parâmetro no
tratamento do adolescente, que não pode ser mais penalizado que o adulto,
mormente levando-se em conta o seu desenvolvimento mental.
O internamento equipara-se a um sistema carcerário, reservado para
aqueles criminosos que representam um perigo para a sociedade. A internação
tem seu parâmetro na legislação penal correspondente ao regime fechado, que
é destinado aos condenados considerados perigosos e que tenham praticado
crimes punidos com pena de reclusão superior a oito anos (CP, art. 33, § 2º, a).
Quanto ao sistema de internamento, os entendimentos se dividem, uns
entendem que essas unidades são instituições falidas, não é a melhor opção
para reeducar o adolescente e integrá-lo a sociedade. Por outro lado, há os
que entendem que o ECA, é mais rigoroso diante da lei penal aplicada para
maiores de dezoito anos, o sistema de internamento que é utilizado com os
menores, equiparase ao regime fechado para criminosos que são condenados
com penas superior a oito anos, portanto os menores são mais penalizados
que os adultos.
2.18. O SISTEMA E SUA ESTRUTURA INTERNA
Mesmo que o sistema de internamento oferecesse condições
adequadas, seria um fator negativo e prejudicial para o adolescente, na
verdade essas unidades foram criadas com intuito apenas de proteger a 36ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente,São Paulo:
Saraiva, 1994.
43 sociedade. De qualquer maneira, ainda que, em tese, se reunisse condições
ideais para o tratamento do jovem infrator privado de liberdade, ainda assim o
sistema seria danoso e contraproducente. Segundo a obra clássica de Erving
Goffman, as casas para a internação de infratores constituem instituições totais
organizadas para proteger a comunidade contra aqueles que ameacem a sua
ordem. 37
O contato restrito com o meio externo provoca a desculturalização no
recluso, impondo-lhes hábitos que não lhe servirão à vida social normal. As
instituições de internamento foram criadas não apenas como forma de abrigá-
los, mas com intuito de educá-los e reintegrá-los as suas famílias, porém, o que
ocorre na prática é o oposto. Estas instituições foram criadas com objetivo de
não somente abrigar, mas, principalmente, de educar e reintegrar à família e a
sociedade adolescentes com desvio de conduta.
Como ensinar valores e normas sociais quando o sistema de valores a
que os menores infratores estão submetidos na instituição são,
inevitavelmente, mais criminosos que os do mundo externo?
Sendo assim, não nos surpreende que as atitudes e habilidades
relevantes para o crime se desenvolvam, ainda mais, após um período em uma
escola correcional. O adolescente deverá ter sua liberdade privada somente
com o devido processo legal, a unidade de internamento deverá estribar-se nas
regras do ECA, obedecendo os critérios de idade, compleição física e
modalidade infracional.Constitui medida privativa de liberdade e somente tem
cabimento sob a égide do processo legal (artigos 121 e 110 do ECA). Diz o art.
123 do Estatuto que a internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva
para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida
rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da
infração. Tal separação é necessária, em primeiro lugar, para evitar a
37 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente,São Paulo:
Saraiva, 1994.
44 deterioração do ambiente e das relações entre os ocupantes da entidade. São
conhecidos todos os graves e tormentosos problemas, riscos e dificuldades
que podem desumanizar o ambiente do estabelecimento de internação, pondo
a perder seus objetivos pedagógicos, passando ela a desempenhar função
meramente detentiva, por vezes assumindo a condição de depósito de 38indivíduos. Seguramente, se Dante escrevesse hoje a sua divina comedia,
haveria de encontrar algum desses estabelecimentos no inferno.
Quando o assunto é unidade de Internamento para Adolescentes
Infratores, há entendimento único, ambos entendem que tais sistemas não
conseguem reeducá-los e, que na verdade são escolas correcionais para o
mundo do crime, se as regras do artigo 123 do ECA não forem cumpridas,
essas unidades servirão apenas como depósitos de seres humanos.
2.19. REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL É A SOLUÇÃO PARA O
CONFLITO?
A morte do menino João Hélio Fernandes, trouxe novamente à tona a
discussão sobre o problema dos menores infratores e a questão da redução da
maioridade penal.
No Brasil, a maioridade penal se da quando o indivíduo completa
dezoito anos, conforme encontramos na Constituição Federal (art.228), no
Código Penal (art.27) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (art.104). Mas
os menores infratores com idades entre 12 e 18 anos, estão sujeitos às
medidas sócio-educativas, regime especial, em virtude das quais serão
tomadas as ações de caráter legal a respeito dos atos que praticaram e sobre
suas pessoas.
38 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente,São Paulo:
Saraiva, 1994.
45 Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente
pode39rá aplicar ao menor infrator as seguintes medidas: a advertência, que
consistirá em admoestação verbal; obrigação de reparar o dano, com a
obrigação de restituir a coisa, ou, por outra forma, que compense o prejuízo da
vítima; a prestação de serviços à comunidade, que consiste na realização de
tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente há seis meses;
liberdade assistida, medida com a finalidade de auxiliar e orientar o
adolescente; inserção em regime de semi-liberdade, que possibilita a
realização de atividades externas; e a internação em estabelecimento
educacional, medida que constitui a privação da liberdade.
As medidas criadas pelo legislador, são na verdade uma maneira de
dar um tratamento diferenciado aos menores infratores, pois existe a
consciência, que estes adolescentes ainda estão em formação, reconhecendo
a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Esse tratamento
diferenciado deveria recuperar e reintegrar o jovem a sociedade. Coisa que
infelizmente não ocorre, pois o modo como são executadas as medidas sócio-
educativas são verdadeiras penas, totalmente ineficazes, inócuas e criticadas
por todos.
Uma das melhores formas de se saber como punir um adolescente
que cometeu uma infração, é observar o seu histórico, vida e atos, o infrator
deve ser sujeito a exames e avaliações psicológicas e sociais, e dependendo
deste resultado deve ser aplicada uma punibilidade justa com a conduta do
infrator. Pois as medidas que são tomadas hoje em dia pelo sistema, se
tornaram castigos, que acabam revoltando todos, não recuperando ninguém.
Não podemos agir pela emoção, devemos analisar quais as causas de
tanta violência, não se esquecendo que em muitos casos, o menor não passa
de uma criança, sem nenhuma base familiar, social e religiosa sobre valores.
39ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente,São Paulo:
Saraiva, 1994.
46 Devemos exigir do governo soluções para o problema, pois o
desemprego, a miséria da população, a falta de educação, assistência médica
precária, influenciam o aumento da criminalidade. A redução da maioridade
penal dos dezoito para os dezesseis anos em nada contribuiria para a redução
da criminalidade, ou seja, não é aumentando o tempo da reclusão que
resolveremos o problema.
O problema da violência no Brasil, só será resolvido quando não
houver tantas desigualdades sociais, enquanto existir os ambiciosos que se
elevam, mediante a riqueza e poder, com seus privilégios e arrogância junto ao
povo covarde e débil, não encontraremos uma solução razoável para o
problema da violência, como para tantos outros problemas.40
Mas a partir do momento em que o povo, manter suas prerrogativas,
tornando-se árbitros dos governos, das leis, dos tratados da vida,
começaremos a ter uma sociedade mais justa e com menos violência.
Devemos parar de tentar varrer a sujeira para debaixo do tapete, e começar
uma reeducação social, pois ao seguir o exemplo de paises que recorreram a
redução de maioridade penal, não estaríamos indo a busca de solução, mas
sim de um retrocesso.
2.20. O DEVER DO ESTADO
O Estado foi criado para proporcionar a sociedade uma convivência
social e pacífica, desde adotou essa regra, vem substituindo a vontade
individual por aquela que vise o bem estar da coletividade, que deve ser
expressada pelo Estado. O problema surge quando o Estado começa a agir
emocionalmente. 41
40 ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente,São Paulo:
Saraiva, 1994.
41 GOMIDE, Paula Inez Cunha. Menor Infrator, 2. ed, 1998, Curitiba: Juruá, 2006.
47 Nesses casos, o poder Estatal une-se à intolerância individual,
formando uma combinação das mais perigosas. Foi assim com a Lei dos
Crimes Hediondos. A ocorrência de certos crimes despertou a ira de uma ala
poderosa da sociedade e o Estado, cedendo às pressões que
sofreu,incorporou o sentimento de intolerância das pessoas, compreensível nos
seres humanos, mas inaceitável nas leis. Com isso a Lei 8.072/90 não foi
suficiente e eficaz para diminuir ou cessar os crimes hediondos, pelo contrário,
continuam a assustar a população, estando hoje absolutamente em voga em
nossos jornais e revistas. Assim, sob o aspecto social, resta ao Estado e à
sociedade tomar consciência de que a questão está em combater as causas da
marginalização e da criminalidade infanto-juvenil e não os seus efeitos, uma
vez que estes, sem solucionar aquelas, perdurarão.
O Estado deve cumprir o preceito do art. 227 da Constituição
Federal que reza o seguinte: “é dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Sob o aspecto jurídico-penal, o problema está em tornar eficaz o 42Estatuto da Criança e do Adolescente, através de uma ação contundente do
Estado, aparelhando-se para, enfim, após seis anos, recebê-lo e entender o
seu caráter pedagógico como única forma de ressocializar e reeducar o jovem
infrator. Cabe ao Estado voltar-se para o problema e tornar pleno o
cumprimento da medida sócio educativa, com a destinação de verbas
suficientes para tal, e à sociedade cobrar esta ação, pois é a inércia estatal que
gera a crença no menor que ele é impune, por estar sob a guarida do ECA e
42 GOMIDE, Paula Inez Cunha. Menor Infrator, 2. ed, 1998, Curitiba: Juruá, 2006.
48 não sujeito ao Código Penal. Vimos que isto não é verídico. Deste modo, o
Estatuto não provoca a impunidade, mas sim a falta de ação do Estado. Ao
contrário, é uma legislação moderna, que se afina com as tendências
internacionais, não só de proteção ao menor, mas de sua repressão quando o
mesmo se tornar infrator, observando as garantias constitucionais e o devido
processo legal.43
Que o Estado assegure primeiro os direitos da criança e do
adolescente previstos no ECA e depois, quiçá, terá alguma moral para falar em
responsabilidade individual e alterar a lei.
2.21. O PAPEL DA SOCIEDADE
A sociedade cobra muito pouco do Estado. Ao contrário, querem soluções
imediatistas, tais como esta da redução da menoridade penal, como se isto
fosse sanear o problema.
São muito poucos os segmentos da sociedade que questionam as causas
do aumento da criminalidade infanto-juvenil, sobretudo entre os mais
abastados. Ao contrário, fazem pressão nos legisladores para, absurdamente,
reduzirem a idade apta à habilitação para 16 anos, esquecendo-se que isto
somente beneficiará o jovem rico, que poderá ter um veículo para dirigir, sem
contar os problemas que poderão, dai, advir. Um veículo é uma arma até nas
mãos de adultos irresponsáveis, que dirá nas mãos de adolescentes notórios
pela sua imaturidade nesta questão. São adolescentes que "furtam" para uso
os veículos dos pais para fazerem os famosos "pegas".
Dai, nota-se quais são as prioridades sociais, ou melhor, daqueles
segmentos que têm poder e força sobre os parlamentares. A imprensa, como
se não bastasse, na maioria das vezes, somente divulga o que é conveniente
no momento, formando opiniões errôneas sobre a questão, sobretudo no que
43 GOMIDE, Paula Inez Cunha. Menor Infrator, 2. ed, 1998, Curitiba: Juruá, 2006.
49 concerne à falsa idéia de que o Estatuto da Criança e Adolescente é um meio
de proteção ao menor, sem criar deveres para o mesmo e sem dotar-se de
medidas para coibir o comportamento infrator. Assim, criticam que esta
legislação protege o menor, mas, todavia, embarcam no sofisma de que a
mesma não protege a sociedade.
É necessário, pois, conscientizar a sociedade do seu verdadeiro papel que,
sem dúvida alguma, não é o de ser expectadora de um futuro sem perspectivas
para o jovem carente e abandonado; mas sim de participar ativamente,
procurando salvar o menor das ruas e cobrando atitudes estatais, pois, o
infrator de hoje, sem uma ação estruturada do Estado, será, fatalmente, o
criminoso de amanhã e quem sairá prejudicada ao final será, com certeza, a
própria sociedade.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após constatação neste estudo das argumentações dos estudiosos no
direito, entre juristas e doutrinadores na matéria Constitucional e pena, sobre a
redução da maioridade penal ser viável ou não juridicamente, há de se
constatar divergências continuam ocorrendo no nosso contexto atual, não
havendo um consenso.
Há quem argumente que a redução da maioridade penal seria
plenamente justificável em face à capacidade de entendimento do menor de
dezesseis anos, pois, a ele é dado o direito de votar. Tal argumento merece
respaldo, pois além do fato de o voto para eles não serem obrigatório, também
estão sujeitos às medidas do Estatuto da Criança do e do Adolescente – ECA,
inclusive à medida máxima da internação que equivale à prisão para os
adultos.
Defender a postura de redução da maioridade penal de dezoito anos
para dezesseis anos, é andar na contra mão da história, um verdadeiro
retrocesso em nosso ordenamento jurídico, pois se sabe da falência do sistema
prisional brasileiro. As pessoas pouco informadas, que tendem a defender a
50 redução, e isto o fazem impulsionadas pelo calor dos acontecimentos, por mera
sede de vingança, deveriam examinar com atenção quais seriam as medidas
mais justas para conter a criminalidade.
Conforme noticiários dos telejornais, os dois maiores grupos de
criminosos que atualmente aterrorizam as maiores cidades do Brasil nasceram
dentro de presídios: o Comando Vermelho, no Rio, e o primeiro Comando da
Capital em São Paulo. Isso reforça a ineficiência dos nossos presídios para a
recuperação ou ressocialização dos criminoso, pois dificilmente um condenado
ali permaneça por um determinado período conseguirá reabilitar-se para o
convívio social, sem praticar mais crimes, desta forma dentro do sistema
prisional convivendo com presos extremamente perigosos e maliciosos, só
iriam amadurecer mais para a vida criminosa.
Nesse sentido, entendo que inserir os jovens menores de dezoito anos
nessa estrutura seria uma agressão à sociedade e um retrocesso às funções
do Estado que em última análise tem o dever Constitucional de prover o bem
estar e a dignidade da pessoa humana, princípios, excessivamente enfatizados
e valorizados no novo Código Civil.
A solução para o problema da violência entre crianças e jovens é a
prevenção primária, por meio das estratégias cientificamente comprovadas,
facilmente replicáveis e definitivamente muito mais baratas do que a
recuperação de crianças e adolescentes que cometem atos infracionais graves
contra a vida.
A prevenção primária da violência inicia-se com a construção de um
tecido social saudável e promissor, que começa antes do nascer, com um bom
pré-natal, parto de qualidade, aleitamento materno exclusivo até seis meses e
o complemento até mais de um ano, vacinação, educação infantil,
principalmente propiciando o desenvolvimento e o respeito à fala da criança, a
oração, o brincar, o andar, o jogar, uma educação para paz e não a violência.
A segunda área da maior importância nessa prevenção primária da
violência envolvendo crianças e adolescentes é a educação, a começar pelas
51 creches, escolas infantis e de educação essencial e de nível médio, que devem
valorizar o desenvolvimento do raciocínio e a matemática, a música,a arte, o
esporte e prática da solidariedade humana, principio fundamental para o
crescimento intelectual do ser humano.
Sabe-se que a construção da paz e a prevenção da violência dependem
de como provemos o desenvolvimento físico, social, mental, espiritual e
cognitivo das crianças e adolescentes, dentro do contexto familiar e
comunitário. Trata-se, portanto, de uma ação envolvendo todos os segmentos
sociais, e que esta ação seja realizada de maneira integrada, inteligente e
responsável.
Com a participação das famílias, mesmo que estas estejam incompletas
ou desestruturadas. Com participação do Estado e da sociedade Civil,
envolvendo escolas, igreja, enfim.
O sistema vigente garante ao adolescente autor do ato infracional
diversas medidas capazes de assegurar sua ressocialização. O que esta em
jogo é assegurar a boa qualidade na execução dessas medidas. Afinal de
contas, o sistema jurídico direcionado aos jovens deve sempre visar efeitos
pedagógicos e garantir que eles a tornem a delinqüir, não fazendo sentido a
simples punição pela punição. Desta forma, se a análise for feita no sentido de
se saber o que o legislador objetiva com a mudança da lei, chega-se a
conclusão de nada adiantará reduzir a idade de imputação para dezesseis
anos ou qualquer idade.
Entendo que a proposta de redução da maioridade penal apresenta-se
eivadas de inconstitucionalidade, tanto para afrontar os princípios e
racionalidades constitucionais, como também violar cláusulas pétreas
consagrada pela Constituição Federal, regra do Art. 228, que o Estado
Brasileiro se comprometeu a cumprir por ocasião da Convenção dos Direitos
das Crianças ratificada pelo Brasil em 1990.
Com base nesse entendimento, acredito que a redução do índice de
delinqüência da massa juvenil somente será alcançada mediante concretização
52 de uma efetiva justiça social, com melhor distribuição de renda, respeito aos
direitos e garantias individuais, mediante a sintonia de todos os segmentos da
sociedade (família, sociedade, incluindo escola) e estado fortalecendo a idéia
daqueles que acreditam e apostam no potencial da nova geração, sem rótulos
ou estigmas, apenas jovens brasileiros.
Diante de todo o exposto, opino contra a redução da maioridade penal,
pelos motivos acima expostos.
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