LAKS Reseña de Steel Symposium Aristotelicum 2002

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  • desgnio 15 jul/dez 2015

    157

    resenhas

    Andr Laks*

    LAKS, A. (2015). Resenha. STEEL, C. ED. (2012). Aristotles Metaphysics Alpha: Symposium Aristotelicum. Oxford, Oxford University Press. Archai, n. 15, jul. dez., p. 157-163

    DOI: http://dx.doi.org/10.14195/1984-249X_15_16

    Esta obra procede do 18 Symposium Aris-totelicum ocorrido em 2008 em Louvain, no qual as

    primeiras verses de todos os ensaios, exceo de

    um, foram apresentadas e discutidas. Certamente

    o primeiro livro da Metafsica de Aristteles , no

    mnimo, to famoso quanto os demais, embora talvez

    seja o menos lido, se por lido se entende lido por

    si mesmo, em vez de ser utilizado pelas informaes

    exclusivas que dispe da aurora da filosofia grega e

    de Plato. Uma clara indicao disso que, salvo

    a edio e comentrio ainda indispensveis de toda

    a Metafsica por Ross, no dispomos (tanto quanto

    eu saiba) de nenhuma obra especfica dedicada ao

    Livro A compare-se com o Gamma, os assim cha-

    mados livros centrais, Lambda, e mesmo o Beta. O

    presente volume que o resultado de muita organi-

    zao, muito trabalho e muitas discusses vem agora

    suprir esta falta de maneira significativa. Ele no

    constitui propriamente um comentrio contnuo

    do Livro A. Primeiro, por haver onze comentadores

    (aproximadamente um para cada um dos dez cap-

    tulos, exceto o A9, que tem dois1); segundo, porque

    nem todos os pormenores do texto aristotlico so

    discutidos (embora grande parte deles de fato o

    seja); e terceiro porque, como se espera de uma com-

    pilao, cada captulo assume a feio de um ensaio

    e assim se mantm guiado por questes definidas ou

    * Universit Paris-Sorbonne,

    Paris, Frana - Universidad

    Panamericana, Mxico; D.F.

    [email protected]

    ARISTOTLES METAPHYSICS ALPHA: SYMPOSIUM

    ARISTOTELICUM

    1 H uma outra exceo

    ao esquema um captulo/

    um ensaio: S. Menn aborda

    o captulo 7 e o incio do

    8 at 989a18; O. Primavei,

    o restante do captulo 8.

    Em termos de tamanho, a

    exemplo da ciso do captulo

    9 em duas partes, pode-se

    aqui oferecer melhor diviso

    entre os dois comentadores.

    No entanto, no existe

    justificativa interna

    verdadeira para esta diviso.

    Na realidade, a primeira

    parte do captulo 8 (crtica

    dos monistas) tambm

    retomada no trabalho de

    Primavesi (p. 225-229).

  • 158

    por um conjunto de questes. No entanto, mesmo

    com essas particularidades, o volume transmite

    uma impresso de notvel homogeneidade, espe-

    cialmente por que (quase) todas as contribuies

    seguem a progresso do texto de Aristteles seo

    a seo, com marcaes adequadas e interttulos.

    Uma traduo pessoal das passagens comentadas

    frequentemente apresentada antes dos comentrios

    propriamente ditos. Assim, o volume como um todo

    funciona efetivamente maneira de um comentrio

    polifnico (multi-voiced) e pode ser assim utilizado.

    O captulo 9 (sobre a concepo platni-

    ca de causa formal) revela um aspecto peculiar,

    seja do ponto de vista formal, seja em termos

    de contedos, e tem sido constantemente objeto

    de ateno especfica pois, tomado em conjunto

    com o comentrio de Alexandre, encerra o material

    bsico para a reconstruo da crtica aristotlica

    teoria das Formas de Plato. Neste caso, espe-

    cialmente til e agradvel, dado o grau elevado

    de tecnicidade e especulao que se tm posto ao

    servio da reconstruo de argumentos completa

    ou parcialmente perdidos dispormos de duas con-

    tribuies (de Dorothea Frede e Michel Crubellier)

    que apresentam panorama claro e atualizado de

    todo o desenvolvimento, acompanhado de avaliao

    breve, mas razovel, de cada argumento. Visto que

    no se pode tratar deste captulo desvinculado da

    sua retractatio e repetio parcial no livro M, M4-5

    tambm merece alguma ateno.

    Uma nova edio, por Oliver Primavesi, do

    texto da Metafsica A segue-se aos onze ensaios.

    Esta insero, se comparada aos volumes anteriores

    da mesma srie, representa uma inovao formal.

    Contribui para a unidade do volume, pois as decises

    acerca do tratamento de problemas textuais no inte-

    rior de cada trabalho refere-se sistematicamente ao

    texto e sigla de Primavesi, seja para indicar acordo

    ou discordncia. No obstante, pode-se avanar dois

    pontos de vista muito diferentes sobre semelhante

    incluso. Por um lado, esta edio representa o pri-

    meiro passo rumo a uma nova edio da totalidade

    da Metafsica de Aristteles, destinada a substituir a

    de Ross e a de Jaeger (cf. as stemmas de Primavesi

    para as diferentes partes da Metafsica p. 392ff.;

    para o Livro A- 2, em que J desaparece, cf. p. 397).

    Por outro lado, constitui-se em uma contribuio

    especfica ao volume, que textualmente orientada,

    mas implica um nmero importante de problemas

    interpretativos. O tratamento apropriado do primeiro

    aspecto exigiria discusso extensa e tcnica que no

    estou em condies de oferecer mais por razes de

    competncia, do que pela natureza desta resenha.

    Mas no que se refere ao segundo aspecto eu diria

    que, embora a edio seja til e estruturada com

    clareza (com uma introduo de 80 pginas, con-

    tendo a anlise mais proveitosa das 23 passagens

    da Metafsica A), sua consulta no propriamente

    fcil. O texto grego de Aristteles est dividido

    em pequenas sees imediatamente seguidas pelo

    aparato crtico correspondente, interrompido pela

    numerao das linhas uma a uma e pela referncia,

    antes de cada seo (de 987a6 em diante) ao assim

    chamado Textus de Averris em seu Comentrio

    Metafsica de Aristteles (cf. p. 400). E isso sem

    mencionar o aparato rico demasiado rico, eu

    penso, para a finalidade do volume em questo e

    talvez at mesmo para uma edio da Metafsica em

    geral. Felizmente, a informao mais significativa a

    que os ensaios se referem sistematicamente, a saber,

    a questo de se uma determinada leitura pertence

    assim chamada tradio-alfa ou tradio-beta,

    pode ser facilmente compreendida graas ao uso das

    letras e em negrito, as quais o leitor tambm

    encontra em todas as contribuies.

    O primeiro livro da Metafsica contm duas

    sees principais. A primeira (A1 e 2) esboa o

    quadro geral de determinada investigao, dedica-

    da a uma rea de pesquisa cujo objeto definido

    posteriormente. Tal ser a tarefa dos livros sub-

    sequentes, iniciando-se com as aporias do Livro

    Beta, claramente anunciadas nas ltimas linhas

    do captulo 10 e que emerge, em certo sentido,

    do que Aristteles estava desenvolvendo na Me-

    tafsica A (esta uma compreenso importante

    que claramente apresentada por John Cooper

    em seu Retrospecto, p. 351-53). Na Metafsica

    A, a investigao em anlise caracteriza-se como

    sabedoria (sophia) e lida com as primeiras causas,

    o que significa, neste caso concreto, as primeiras

    causas do ser e dos entes enquanto tais (Sarah Bro-

    adi, Uma cincia dos primeiros princpios, sobre

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    A2, p. 65; Rachel Barney, Histria e dialtica,

    sobre A3, p. 73; Cooper, que, mais uma vez, insiste

    corretamente neste ponto, p. 358-361). Tal sugere

    de imediato que at mesmo a razo de Aristteles

    para se empenhar em uma exposio (e crtica) da

    concepo dos seus predecessores de A3 a A10,

    no pode limitar-se apenas a confirmar a exatido

    da doutrina das quatro causas conforme exposta

    na Fsica, embora componha certamente parte do

    projeto (cf. A3, 983a24-983b6, com os comentrios

    de Barney, p. 74; A7, 988a21-23, com os comen-

    trios de Primavesi em seu Reconsideraes sobre

    alguns pr-socrticos, p. 226; e as linhas iniciais

    do captulo conclusivo, 10, com Cooper, p. 336ff.).

    Teria a sequncia seguida por Aristteles carter

    teleolgico? Esta a opinio corrente, mas que

    rejeitada, ou no mnimo fortemente matizada, em

    duas contribuies. Stephen Menn, em seu Crtica

    dos primeiros filsofos sobre o bem e as causas

    (sobre A7 a 8, 989a18), sustenta que pelo menos

    em A7 Aristteles

    no diz que assim como algumas pessoas li-

    daram de modo obscuro com a causa formal, tambm

    outras lidaram de algum modo obscuro com a causa

    final mas ele diz que os primeiros pensadores

    compreenderam imperfeitamente o bem, ao no utiliz-

    lo como causa final

    e interpreta isso luz (e no o inverso) da

    sentena em A10, 993a14, a qual sustenta que de

    certa maneira todos [os tipos de causas] j foram

    referidos anteriormente (cf. p. 210, com o n. 18;

    e, para a retomada geral de Menn sobre o assun-

    to, p. 202 e 216); e Gbor Betegh, ao comentar

    O prximo princpio (sobre A4) acerca da famosa

    metfora de Aristteles em 4.985a5 (cf. 10.993a13),

    segundo a qual seus predecessores mostravam-se

    titubeantes (tottering), sugere que uma forma

    de titubear aquela em que h incerteza sobre o

    modo de conduzir uma sentena ao seu desfecho.

    Consequentemente, mais de uma linha de desenvol-

    vimento [scil. na histria da filosofia] foi possvel

    (p. 106). Pergunto-me se isto assaz consistente

    com a traduo de psellizesthai por expressar-se de

    maneira inarticulada (p. 125 com o n. 46), pois a

    maneira peculiar como falam as crianas representa,

    seguramente, certo estgio de um desenvolvimento

    teleolgico. Certamente, a teleologia de Aristteles

    no de tipo panglossiano (Menn, p. 216); e pode-

    se caracterizar a histria de Aristteles mais como

    progressivista do que determinstica (Betegh, p.

    106, com uma anlise interessante das complexidades

    que cercam a antecipao da causa eficiente, p. 110).

    No entanto, se a observao de Aristteles sobre os

    filsofos se verem impulsionados pela coisa em

    si mesma (984a1), ou pela verdade em si mesma

    (984b9f.), aplica-se no apenas aos primeiros filso-

    fos, mas tambm aos filsofos em geral, talvez seja

    difcil negar que no mnimo certo teor de teleologia

    exerce o seu papel no construto aristotlico.

    De todo modo, de A3 em diante Aristteles

    empenha-se em vis desenvolvimentista do passado

    filosfico, um tipo inteiramente novo de abordagem.

    Trata-se de um dos aspectos mais fascinantes do Li-

    vro A, pois implica todas as questes bsicas acerca

    do que significa escrever histria, sobretudo escrever

    a histria da filosofia, e ainda mais especificamente,

    escrever a histria da filosofia a partir de determi-

    nado ponto de vista. Como compreensvel, este

    um tema recorrente ao longo do volume. Ressalta-se

    a novidade da abordagem aristotlica mediante a

    comparao com os procedimentos anteriores e em

    que se lidava com a histria das ideias, tais como

    o trabalho homonotico de Hpias, a biografia

    intelectual de Scrates no Fdon de Plato, e a

    Gigantomachia em seu Sofista, todos eles textos

    que exerceram papel implcito, mas importante, no

    entendimento que Aristteles tinha da sua prpria

    teorizao (Barney, p. 90 e 101 sobre o Hpias e o

    Sofista de Plato; Menn sobre o Fdon platnico, que

    sublinha corretamente na p. 211f. a centralidade,

    para o projeto pessoal de Aristteles, da identifica-

    o do bem como primeiro princpio).

    A segunda seo da Metafsica A encontra-se

    subdividida em suas sees: enquanto A3-A6 consis-

    te essencialmente na exposio meticulosa de como

    as quatro causas e no mais que quatro grada-

    tivamente emergem ao longo do desenvolvimento

    de Tales at, pelo menos, Plato, A7-A9 empenha-

    se na reviso crtica do que os predecessores de

    Aristteles tinham a dizer sobre o que as primeiras

  • 160

    causas do ser como um todo so. Barney e Cooper

    empreendem discusso sobre se esta seo liga-se

    ao mesmo desenvolvimento histrico que A3-6,

    ou se pertence a outro nvel, com nfase clara na

    crtica, no questionamento aportico, e na dial-

    tica. Barney apresenta resposta positiva (p. 103),

    enquanto Cooper distingue a empresa histrica

    da crtica (p. 359). A descrio que Primaveri

    oferece do desenvolvimento em duas etapas em

    seu Reconsideraes sobre alguns pr-socrticos

    (em A8, 989a18-990a32) neutra a esse respeito:

    Os captulos 3-5 fazem to somente uma pergunta

    acerca dos primeiros pensadores: se os seus relatos

    acerca das causas ltimas podem ser reduzidos, sem

    restos, a um ou mais elementos da lista aristotlica

    de causas. O captulo 8, por outro lado, analisar os

    primeiros pensadores em todos os aspectos que podem

    ser teis busca da sabedoria (p. 227).

    Com efeito, se algum escolhe vincular a seo

    crtica ao trabalho histrico ou no, isso depende do

    quo amplamente interpreta a histria ou, mais

    especificamente, a histria filosfica da filosofia.

    O importante que os captulos A3-A9 constituem

    um todo admiravelmente bem-articulado. Tal no

    significa que inexistam problemas estruturais ou

    dificuldades pontuais, a mais interessante das quais

    se liga efetiva complexidade da empresa histrica

    de Aristteles. Um aspecto disso que, segundo

    penso, a linha filosfica aristotlica de reconstruo

    da histria da filosofia, certamente predominante na

    Metafsica Alfa acompanha e em certa medida entra

    em conflito com, a tendncia exaustividade tenso

    que poderia ler-se como antecipando a diferena entre

    dois modos de se conceber a histria da filosofia que

    paradigmaticamente representada por Hegel e Zeller.

    Uma das grandes virtudes deste livro que

    ele sublinha seja o cuidado com o qual Aristteles

    desenvolve seu projeto especfico, sejam as tenses

    da resultantes para ele e para ns a partir da

    sua prpria complexidade: qual exatamente o

    intuito da seo sobre Leucipo e Demcrito em

    4.985b4-20 do ponto de vista do argumento de

    Aristteles (Betegh, p. 136ff.)? E que relevncia

    tem isso para o projeto aristotlico na Metafsica

    A?, pergunta Malcolm Schofield em sua anlise da

    seo sobre os eleatas em 5.986b8-987b (p. 159 do

    seu Pitagorismo: surgindo da nvoa pr-socrtica,

    sobre A5). Alm disso, como a misteriosa ausncia

    do nome de Anaximandro explicada em todo o

    livro (cf. Barney, p. 78, que menciona o problema,

    mas no lida propriamente com ele, nem o faz

    qualquer outra contribuio)?2 Ademais, bastante

    claro que a histria relatada nos captulos 3 e 4,

    em que Aristteles resume as concepes de Tales,

    Anaxgoras, Empdocles, Demcrito e dos eleatas, e

    brevemente menciona mais alguns nomes (tais como

    os de Anaxmenes, Hipaso, Digenes de Apolnia e

    Herclito), conduz ao captulo 5, o qual, ao ocupar

    o centro de todo o livro, representa um ponto de

    inflexo em todo o desenvolvimento.

    Como fica claro pelo ttulo da contribuio

    de Schofield (conferir acima), os pitagricos re-

    presentam, na construo aristotlica, o momento

    decisivo na histria da filosofia, espcie de ponte

    entre a filosofia pr-socrtica (ou melhor, pr-

    platnica) tpica e Plato. Schofield discute o

    carter intersticial do pitagorismo e importante

    que, na apresentao aristotlica, a cronologia

    encontra-se com o desenvolvimento conceitual (p.

    142f.). Com efeito, pode-se afirmar que a partir de

    A6, apresentada por Carlos Steel (Plato visto por

    Aristteles), Plato ocupar o centro do interesse

    e refutao de Aristteles (em A7b-A9), embora a

    seo dedicada crtica aos predecessores se inicie

    com a crtica aos representantes do pensamento

    pr-platnico que apresentam potencialmente algum

    contributo prpria investigao de Aristteles

    (cf. a explicao de Primavesi acerca do motivo

    de Aristteles se concentrar aqui exclusivamente

    em Empdocles, Anaxgoras e nos pitagricos: as

    concepes de Filolau, Parmnides e Demcrito

    encontram-se simplesmente muito distantes do

    caminho certo, p. 227).

    A centralidade que Aristteles atribui aos

    pitagricos e Plato na histria da busca pelos

    primeiros princpios traduz-se materialmente na ex-

    tensa crtica teoria das Formas em A9. Esta crtica

    divide-se facilmente em duas partes, correspondendo

    s duas verses ou etapas da teoria das Formas de

    Plato. A primeira corresponde s exposies clssicas

    2 H um debate em andamento

    sobre se Aristteles refere-se

    implicitamente a Anaximandro em

    7.988a29-32; cf. Menn, p. 207,

    com n. 14.

  • desgnio 15 jul/dez 2015

    161

    nos dilogos, a segunda, tese de que as Formas

    so nmeros. No entanto, embora a diviso entre

    A9a e A9

    b se justifique perfeitamente e se confirme

    externamente pelo fato notrio de que A9a repetida

    quase palavra a palavra em M 4-5, Crubellier salienta

    curiosamente em sua contribuio a continuidade

    entre as duas sees de A9, lidas a partir do ponto

    de vista especfico do projeto aristotlico no Livro

    A continuidade refletida na numerao contnua

    dos argumentos nas contribuies de Frede e Cru-

    bellier (de I a VII para A9a, de VIII a XXIII para

    A9b; ver p. 300 e o proveitoso Apndice I p. 332,

    que oferece o plano geral de A9). Formalmente, a

    conciso e aridez de A9b no to diferente de

    A9a (Crubellier, p. 300); substancialmente, e o que

    mais importante, enquanto a crtica aristotlica

    em M revela basicamente natureza ontolgica, A9

    dirige-se s concepes metafsicas de Plato,

    no sentido de uma busca pelos princpios mais

    fundamentais e universais dos entes naturais e dos

    fenmenos (p. 300).

    Entretanto, o peso especfico do captulo 9

    manifesto no apenas por sua extenso. O prprio

    fato de que a refutao assume forma sistemtica (a

    ponto de parecer exceder o verdadeiro objetivo do

    livro A) justifica-se se Plato, na esteira dos pita-

    gricos, alcanou um ponto decisivo: a descoberta

    da causa formal que foi ou esquecida, ou apenas

    ligeiramente esboada por seus antecessores. ver-

    dade que, de acordo com Aristteles, Plato fala de

    forma imprecisa; mas, como observa Cooper, h uma

    diferena importante entre referir imprecisamente

    e faz-lo apenas com hesitao. Plato permanece

    impreciso, de acordo com a sugesto de Cooper,

    porque a filosofia necessita falar com base em uma

    relato plenamente articulado no apenas de algo tal

    como a causa de determinada espcie mas que

    a compreenso deve ser constituda em um pensa-

    mento sistemtico, plenamente articulado sobre as

    causas em geral (p. 350). Plato, no entanto, de

    modo algum hesita, mas oferece uma teoria explcita

    da causa formal. Isto suficiente para explicar o

    carter sistemtico da crtica de Aristteles em A9.

    Seria a sua crtica hostil? A questo abor-

    dada por Frede, que nos convida a examin-la no

    enquanto um longo ressentimento reprimido contra

    a teoria das Formas de Plato, e sim como um

    longo catlogo de aporiai compartilhadas por alguns

    platonistas, maneira de um desafio para discusso

    posterior (p. 295). Esta viso est intimamente

    ligada famosa questo do grau de fidelidade de

    Aristteles Academia de Plato poca em que ele

    escreveu a Metafsica A e o famoso ns (ns, os

    discpulos de Plato), que, como observa Primavesi,

    p. 412, surge nada menos que em treze passagens

    do captulo nove em nossa [de Primavesi] edio,

    e contrasta fortemente com o uso da terceira pessoa

    (eles) nas passagens paralelas do Livro M. Pode-se

    divergir quanto s concluses que se pode ou deve

    extrair desta mudana tornada famosa por Jaeger

    (ver Frede, p. 269ff. e Crubellier, p. 299). Mas Aris-

    tteles alguma vez escreveu tal como ns dissemos

    no Fdon (hos en Phaidoni legomen)? Este o texto

    que Primavesi publica em 991b3f. (cf. p. 414f.), na

    esteira das ltimas reflexes de Jaeger sobre este

    assunto.3 A leitura, que obviamente representa lectio

    difficilior, se no mesmo uma lectio impossibilis, no

    transmitida nem em ou (e ambas tm legetai,

    ele diz), mas narrada por Alexandre na p.106 do

    seu comentrio (cf. tambm Asclpio, p. 90, 19).4

    Trata-se de um caso interessante no apenas para

    a histria da transmisso do texto, mas tambm

    pela ousadia intrnseca da frmula inexiste algo

    comparvel nas outras formas da primeira pessoa do

    plural no Livro A, apesar do que Alexandre afirma.

    Primavesi o explica: Aristteles no diz que ele

    comps o Fdon; ele to somente diz que algumas

    opinies expressas no dilogo platnico representam

    a posio de um grupo de filsofos a que o prprio

    Aristteles, de certa maneira, julga pertencer (p.

    414). Bem, parece-me que a frase diz algo mais do

    que isso; em sendo assim, o problema permanece.

    A retomada crtica das opinies dos seus

    predecessores bastante comum nas obras de Aris-

    tteles e representa um aspecto importante da sua

    abordagem filosfica em geral. Mas a reviso que

    encontramos na Metafsica A nica no gnero,

    especialmente porque a estrutura da apresentao

    e discusso das diversas doutrinas possui acentuado

    componente cronolgico. Certamente um aspecto

    importante do interesse de Aristteles na Metafsica

    A a dvida acerca do grau de preciso com que

    3 JAEGER, W. Ns dissemos

    no Fdon, em S. Lieberman,

    Sh. Spiegel, L. Strauss, A.

    Hyman (edd.), Harry Austryn

    Wolfson Jubilee Volume, vol. I.

    Jerusalem,American Academy for

    Jewish Research, p. 407-21.

    4 Na nota de rodap 93, p. 414,

    Primavesi corrige a opinio dada

    por Jaeger, na p. 408 do seu artigo

    (e previamente pelo aparato de

    Michael Hayduk em sua edio do

    comentrio de Alexandre), de que

    os dois manuscritos de Aristteles

    tambm se leem como legomen.

  • 162

    a filosofia se desenvolveu ao longo do tempo, e

    muitas observaes cronolgicas feitas de passagem

    atestam esta preocupao. Aristteles interessa-se

    por antecedentes: Homero e Hesodo vs. Tales, Her-

    mtimo vs. Anaxgoras, Hesodo e Parmnides vs.

    Anaxgoras e Empdocles, Anaxgoras vs. Empdo-

    cles (para a interpretao da controversa sentena

    em 984a11f., ver Barney, p. 93, n. 61), assim como

    as palavras notoriamente obscuras de abertura do

    captulo 5 (Schofield, p. 142): Esses pensadores

    e, antes deles, os pitagricos, como eram chamados,

    inclinaram-se s matemticas (Schofield sugere que

    Aristteles intenta inserir os pitagricos tardios

    entre os pr-socrticos pluralistas). E se a sentena

    sobre a relao cronolgica entre Alcmeo e Pit-

    goras em 986a28-31 , de fato, um acrscimo no

    pertencente ao texto original de Aristteles, como

    foi sustentado por grande nmero de estudiosos

    (incluindo Primavesi, que pensa ser tal suplemento

    de origem neopitagrica, p. 447), um motivo para

    o acrscimo seria o de prosseguir nesta linha de

    investigao mas eu penso que Schofield na p.

    150 est correto em consider-la como sendo uma

    observao original de Aristteles).

    Algum poderia perguntar por que este inte-

    resse especial de Aristteles se manifesta precisa-

    mente no caso da primeira filosofia (compare as

    observaes esboadas acerca da histria da dial-

    tica no captulo final das Refutaes sofsticas). Gos-

    taria de sugerir que este zelo cronolgico dialoga,

    e, na verdade, o aprofunda em nvel ontogentico,

    por assim dizer, com a perspectiva que indicada

    em A1 em nvel quase-filogentico: o homem por

    natureza uma criatura cognitiva. O liame entre o

    desenvolvimento da faculdade cognitiva humana

    e as opinies e teorias acerca da causalidade, que

    articula as sees do Livro A (A1-2, A3-10), no

    indicado por nenhum dos autores, salvo engano.

    Porm, Giuseppe Cambiano (O desejo de conhecer,

    sobre A1) e Broadie mostram bem o quanto os ca-

    ptulos A1-A2, em que pesem as similaridades que

    revelam com o Protrptico e a tica, lanam desde

    o incio um projeto inteiramente distinto, a saber,

    delinear e justificar um programa de pesquisa acerca

    dos princpios e primeiras causas (Cambiano, p. 41;

    cf. Broadie, p. 48), embora ambos tambm deixem

    claro, nos termos de Broadie, que A1-2 , entre

    outras coisas, espcie de manifesto cultural, reivin-

    dicando o termo filosofia para estudos tais como

    os que temos na Metafsica, face reivindicao de

    Iscrates para o seu tipo de atividade (p. 50, com

    referncia a Cambiano, p. 36 e 41).

    Como foi indicado acima, o foco desse volume

    atm-se ao propsito e estratgia de Aristteles ao

    lidar com os seus antecessores, e no ao intuito

    de utiliz-lo enquanto fonte para a reconstruo

    do pensamento dos pr-socrticos (ou mesmo de

    Plato). Assim procede Betegh, ao referir-se

    seo dedicada aos atomistas em A4: Aquilo em

    que estou interessado sua posio e funo no

    contexto do nosso captulo (p. 137); ou Schofield,

    falando sobre A5:

    O meu principal objetivo [no ] discutir em si

    mesmo o pitagorismo a que Aristteles est se re-

    portando. O foco principal repousa antes nos benefcios

    que ele tenta auferir destes pensadores na medida em

    que se relacionam com a sua investigao acerca dos

    princpios e causas.

    Mesmo assim, concentrar-se no projeto aris-

    totlico no apenas no impede de consider-lo

    uma fonte, mas s vezes chega mesmo a exigi-lo.

    O captulo de Schofield um bom exemplo disso,

    pois parte essencial dele consiste na reivindicao

    da interpretao aristotlica de Filolau (cuja obra

    reconhecidamente a principal fonte da doutrina

    que Aristteles atribui ao primeiro grupo de pitag-

    ricos annimos) contra aquela de Carl Huffman em

    seu livro clssico. Enquanto o ltimo deseja salvar

    Filolau de haver concebido os nmeros literalmente

    enquanto constitutivos do cosmos (imagem que

    se toma a Aristteles) e pensa que Filolau apenas

    estabeleceu um paralelo entre teoria dos nmeros

    e cosmologia (cf. p. 155), Schofield argumenta, ao

    invs, que a viso de mundo fantstica que emerge

    da apresentao de Aristteles (e que confirmada

    por outros relatos) deve refletir a doutrina original.

    Reside precisamente nesta fantasia, que a perspi-

    ccia filosfica de Aristteles capaz de reconhecer,

    a emergncia de uma reflexo autoconsciente sobre

    a explicao (p. 164; cf. tambm suas observaes

  • desgnio 15 jul/dez 2015

    163

    sobre a relao entre a sntese inicial em 985b23-

    986a21 e o comentrio de Aristteles em 987a15-

    19, p. 163-5). E impulsiona a contribuio de Steel

    especialmente o pressuposto de ser Aristteles uma

    fonte neste caso, fonte para o nosso conhecimento

    e para o seu prprio conhecimento da doutrina

    de Plato. Sua perspectiva fundamental, reagindo

    claramente contra a insistncia de Cherniss nas

    distores de Aristteles e na caa sistemtica por

    doutrinas no-escritas e a pitagorizao de Plato,

    que, alm da doutrina do Grande e Pequenoque

    parece representar clara evidncia de uma doutri-

    na no-escrita (p. 194), os relatos aristotlicos de

    Plato em A6 ou procedem dos dilogos platnicos,

    ou so rastreveis at eles (cf. p. 184, p. 188). Em

    todo caso, as doutrinas no-escritas existiram e A9b

    lida extensamente com um dos seus aspectos mais

    enigmticos: a tese que as Formas so nmeros,

    sobre a qual Crubellier apresenta exposio e exegese

    lcidas (p. 303f.).

    O livro inicia-se um tanto abruptamente, aps

    o breve prefcio formal do editor, com a anlise de

    Cambiano de A1, orientada para uma comparao en-

    tre o material presente em A1 e os desenvolvimentos

    paralelos dentro e fora do corpus aristotlico (para

    os paralelos internos, cf. em particular comparao

    esperada entre A1 e An. Post. II, 19, p. 15ff.; e para

    as comparaes externas, cf. especialmente a 5a.

    seo Sobre o contexto intelectual de A1, p. 26ff.).

    Eis por que eu recomendaria que os leitores mesmo

    aqueles j familiarizados com o Livro A comecem

    com a Concluso e retrospecto de Cooper, o qual

    se dedica explicitamente a cobrir a estrutura geral

    do empreendimento aristotlico. Os leitores talvez

    queiram ento passar primeira seo do captulo

    de Barney (p. 71-76) com as suas lcidas reflexes

    sobre o mtodo histrico de Aristteles e, em segui-

    da, para Uma cincia dos primeiros princpios que

    preenche bem o esboo oferecido por Cooper em seu

    Retrospecto sobre o projeto geral de Aristteles

    de redefinio da sophia.

    O livro extraordinariamente rico, e o leitor

    encontrar em cada captulo bastante material para

    alimentar a reflexo acerca de um grande nmero

    de tpicos e problemas que a presente resenha no

    poderia sequer comear a mencionar. Eu gostaria,

    entretanto, de chamar a ateno para o fato de

    que, alm da contribuio editorial extremamente

    importante de Primavesi, que deveria por si s ser es-

    tudada por seus prprios mritos, o leitor descobrir

    nos vrios ensaios muitas discusses proveitosas e

    compreenso dos problemas textuais; por exemplo,

    a lcida exposio de Steel do intricado problema

    suscitado pela presena de homonuma em 987b9f.

    (p. 177-180); a convincente preferncia de Broadie

    por pensar que aquilo que Aristteles escreveu em

    982b18 foi o amante da sabedoria de certa forma

    tambm um amante do mito (com a tradio )

    em vez de o amante do mito de certa forma um

    amante da sabedoria, conforme a edio de Ross

    e Jaeger e traduzido por muitos intrpretes (cf. por

    exemplo Ross-Barnes na Oxford Revised Translation);

    ou as razes de Cambiano (p. 12, n. 25) para seguir

    em 980b1 a tradio contra a correo sugerida por

    Primavesi (com base no comentrio de Alexandre).

    Identifiquei alguns poucos erros tipogrficos,

    nenhum dos quais verdadeiramente preocupante.

    Os ndices (Nomes, Passagens, e o ndice Geral,

    incluindo importantes palavras gregas transcritas)

    so um auxlio complementar, fazendo deste livro

    uma ferramenta indispensvel5.5 Frente importncia da

    obra, a revista Archai, com

    autorizao do autor e da revista,

    publica excepcionalmente verso

    portuguesa desta resenha,

    publicada originalmente na Notre

    Dame Philosophical Reviews An

    Electronic Journal, no ano de

    2013. Tradutor do ingls: Gilmrio

    Guerreiro da Costa.